PARIS - Em uma noite de garoa em Paris, uma verdadeira multidão saía pela porta do Bouillon Julien para se esparramar na calçada da Rue du Faubourg Saint-Denis. O atrativo era a promoção da refeição, que prometia ser surpreendente pela qualidade e pelo preço: menos de 20 euros, ou cerca de R$ 90, por três pratos e um copo de vinho.
Mesmo antes de os "coletes amarelos" tomarem as ruas da capital francesa, em novembro passado, para protestar contra o aumento das taxas dos combustíveis – tendo como pano de fundo o declínio do poder de compra da classe média –, Paris já estava em meio à retomada da gastronomia a preços módicos. A surpresa fica por conta da diferença entre os novos endereços e os antigos, aqueles que aparecem nos guias para os viajantes de baixo orçamento, restaurantes com cardápios tão imutáveis que provavelmente três gerações da mesma família devem ter provado o mesmo boeuf bourguignon borrachudo durante a visita magérrima a Paris. De fato, a comida de muitas dessas casas recém-inauguradas geralmente é tão boa que você provavelmente as visitaria mesmo se os preços não fossem tão baixos.
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A nova tendência fica ainda mais evidente com o retorno dos famososbouillons , aqueles restaurantes para a classe trabalhadora que pipocavam na cidade durante o século XIX.
- Na era da globalização, fazer uma refeição no bouillon é uma afirmação da identidade gaulesa, uma vez que os pratos caseiros que servimos são tradicionalmente franceses - afirma Christophe Joulie, diretor do Groupe Joulie, dono e administrador de diversas brasseries parisienses e também do Bouillon Chartier, de 1896, adquirido pela empresa em 2006.
Por "tradicionalmente franceses", Joulie se refere a opções como o alho-poró marinado, confit de canard e choucroute Alsacienne (chucrute guarnecido com carne de porco e linguiça).
- Todo mundo adora uma promoção, principalmente em tempos de incerteza econômica. Uma refeição de três pratos, fresquíssima, por 20 euros, servida em 30 minutos, nunca foi tão popular - completa.
Tão popular que Joulie reviveu o segundo endereço original do Chartier, perto da Gare Montparnasse, na Margem Esquerda, em fevereiro.
Se você prefere a cozinha caseira francesa tradicional – talvez um blanquette de veau quentinho (guisado de vitela ao molho cremoso) – ou algo mais criativo, como a terrine de pot au feu com salada e legumes em conserva, servido recentemente no Le Cadoret, saiba que agora pode encontrar restaurantes, muitas vezes em bairros tranquilos, praticamente residenciais, onde uma refeição memorável de três pratos não vai custar uma fortuna. Aqui estão os seis melhores:
Bouillon Julien
Ali você não só vai fazer uma refeição francesa excelente como será servido em um dos salões mais belos de Paris: um espaço de 1906 no gentrificado 10º Arrondissement, que ainda conta com o balcão original de mogno feito pelo famoso artista do art nouveau Louis Majorelle e quatro murais de vitrais de Louis Trézel.
Até pouco tempo atrás, o espaço se chamava Brasserie Julien, parte da falecida cadeia Brasserie Flo, e cobrava, em média, 60 euros por uma refeição de três pratos. Quando o novo dono, Jean-Noël Dron, comprou a casa, no ano passado, quis adaptá-la para o século XXI seguindo o lema do fundador, Edouard Fournier: "Ici, tout est beau, bon, pas cher" ("Aqui tudo é belo, gostoso e barato"). E trouxe o chef Christophe Moisand, do Hotel Westminster, para produzir o cardápio rotativo que inclui salada de lentilha com foie gras de pato, linguiça grelhada com purê de batata e musse de chocolate.
Quando passei por lá, provei a sopa de abóbora e um cozido de radicchio enrolado em presunto com molho Mornay, prato substancioso que me fez sentir saudade da avó francesa que nunca tive. O crème caramel tinha gosto de mistura comprada, mas a pequena jarra de vinho branco da casa por 3,40 euros estava perfeita. O restaurante aceita reservas – portanto, faça a sua para evitar filas.
Bouillon Julien, 16 Rue du Faubourg Saint-Denis, 10º Arrondissement, www.bouillon-julien.com. Pratos entre 8,80 e 14 euros.
Bouillon Pigalle
Só em Paris você se depara com uma combinação tão despreocupada de gastronomia e pornografia como a que se vê em Pigalle, bairro que ganhou clima hipster nas travessinhas, mas continua parecido com a Times Square dos anos 80 nos principais bulevares. Só que não é bem o erotismo que motiva as longas filas no Bouillon Pigalle no almoço e no jantar; o segredo são os pratos fartos de um cardápio que muda regularmente.
Acompanhado de uma amiga de Los Angeles que estava tão cética quanto eu em relação ao custo-benefício daquela refeição, sentamo-nos para jantar, depois de 20 minutos de espera, em um salão animado, para 300 pessoas, dividido em dois andares. Começamos com três clássicos: oeufs mayonnaise, soupe à l'oignon e foie gras com geleia de cebola, e fomos surpreendidos pela qualidade do fígado, untuoso e muito saboroso. Os pratos principais, blanquette de veau e salmão no molho sorrel, estavam muito gostosos e as sobremesas, com cara caseira, incluíam arroz-doce com molho de caramelo e île flottante (pequenas nuvens de merengue sobre uma piscina de creme inglês). Dá até para pedir uma jarra de meio litro do vinho da casa e, ainda assim, pagar 20 euros por pessoa. O estabelecimento não trabalha com reservas, por isso é bom chegar cedo – a casa serve ininterruptamente do meio-dia à meia-noite, sete dias por semana. Um segundo endereço do Bouillon Pigalle está programado para abrir perto da Place de la République ainda este ano.
Bouillon Pigalle, 22 Boulevard de Clichy, 18º Arrondissement, www.bouillonpigalle.com. Pratos entre 8,50 e 14 euros.
Aux Bons Crus
Para os franceses, Les Routiers, uma associação de restaurantes de beira de estrada representada por uma placa circular de letras brancas, com fundo em vermelho e azul, remonta à nostalgia dos anos 50 e 60, semelhante àquela provocada pelos telhados alaranjados dos restaurantes Howard Johnson nos EUA. A diferença é que o rótulo francês, fundado em 1937, quando dois jornalistas publicaram "La Route Facile", um guia para caminhoneiros que destacava casas com comida boa e barata e instalações úteis, tinha um apelo mais voltado aos proletários, e não à classe média. Agora, Margot e Félix Dumant, gêmeos de uma família de restaurateurs, investiu no apelo retrô da cadeia, com diversos bistrôs cuidadosamente decorados que servem um cardápio tão intrinsecamente gaulês que talvez o próprio Charles de Gaulle encarasse a fila, e com prazer.
Aux Bons Crus, que faz parte da Les Routiers e é um dos quatro endereços em Paris, é sucesso desde a inauguração, no ano passado, no 11º Arrondissement.
Eu e um amigo fizemos uma refeição excelente ali há pouco tempo, que incluiu salada de beterraba com guarnição de mimosa (ovo cozido duro passado na peneira); endívia com ovo pochê e lardo (pedaços de bacon); repolho recheado e bolinhos recheados de perca em molho de lagostim, uma charcutaria prestigiada de Lyon; e uma porção dividida de Crêpes Suzette flambada em Grand Marnier. O cardápio muda todo mês.
Aux Bons Crus, 54 Rue Godefroy Cavaignac, 11º Arrondissement, www.auxbonscrus.fr. Pratos entre 12 e 19 euros.
Buffet
Nos anos 80, o bairro da Bastilha abrigava a vida noturna jovem da época, semelhante a Williamsburg, no Brooklyn, em seus dias de glória. Hoje, o pessoal frequenta a região por outro motivo: os restaurantes. Um segredo que os locais não querem ver revelado é o Buffet, anexo ao Au Passage, bistrô à vins popular moderno escondido em uma travessinha. Com piso de lajotas craqueladas à moda dos anos 50, luminárias de globo e mesas de madeira, parece cenário de uma foto de Édouard Boubat da Paris pós-guerra, tendo conquistado um público fiel (tem quem bata cartão diariamente), atraído pelos pratos contemporâneos do cardápio escrito a mão na lousa.
A grande sacada aqui é o menu a preço fixo de 16,50 e 19 euros servido aos sábados, único dia em que abre para o almoço. No jantar, há opções que podem incluir salada de lentilha com queijo fresco de cabra, Parmentier de cordeiro e ameixas (versão francesa do escondidinho), barriga de porco assada com verduras e um bolo de chocolate e castanha feito pelo chef português Luís Miguel Andrade por menos de 25 euros, sem vinho.
Buffet, 8 Rue de la Main d'Or, 11º Arrondissement, www.restaurantbuffet.fr. Média de preço dos pratos: 16 euros.
Le Cadoret
Dá um pouco de trabalho chegar a Belleville, bairro operário na região norte de Paris, onde nasceu Édith Piaf, detalhe que não desanima nem gourmets nem turistas que há anos frequentam a área gentrificada, mas ainda simples e despretensiosa, para comer no Le Baratin, um dos melhores bistrôs de Paris.
Por melhor que seja, porém, hoje é caro e pode ser complicado conseguir mesa. Melhor conferir o Le Cadoret, versão moderna que funciona em um antigo café da Belle Époque. A fachada é azul, com fileiras de janelões; lá dentro, o balcão com tampo de zinco também é azul, a cozinha é aberta, as mesas são de madeira, os guardanapos, de tecido e as facas, da marca francesa Opinel, detalhe que anuncia sutilmente a seriedade e a sinceridade com que os irmãos Fleuriot criaram o restaurante (Léa cozinha e Louis-Marie dirige o salão). Batizado com o nome da fazenda de sua avó na Normandia, a casa prima pela qualidade – dos pratos, da hospitalidade, dos vinhos e da decoração.
Depois de um almoço no esquema preço fixo de três pratos – excelente, por 20 euros, com mexilhões minúsculos cozidos em bisque cremoso com açafrão, hadoque em caldo court bouillon com cogumelos e purê de batata e maçã assada com caramelo, voltei para o jantar: beterraba em conserva com faisselle (queijo fresco), filé com fritas e molho Béarnaise e crème caramel. Há também a opção de dois pratos no almoço por 17 euros.
Le Cadoret, 1 Rue Pradier, 19º Arrondissement, tel. (33) 01-53-21-92-13. Média de preço dos pratos: 15 euros.
Café du Coin
O restaurateur Florent Ciccoli sabe muito bem o que os jovens gourmets parisienses gostam de comer hoje em dia, e também sabe quanto estão dispostos a gastar – e é por isso que esse café de esquina reformado, com direito a balcão com tampo de cobre e papel de parede verde e topázio, pertinho da Place Léon Blum, no 11º Arrondissement, é um sucesso desde que abriu, há dois anos.
Ciccoli entende que seu público tem um gosto mais cosmopolita que o de seus pais, o que significa que a comida caseira que aprecia tem origem na Itália, no Líbano e no norte da África em vez de Perigord ou Provence – e é por isso que as pizzettes, ou pizzas individuais feitas com massa fofinha e um sem-fim de coberturas, se tornaram a marca registrada do cardápio de almoço de vinte euros, refeição tão popular que precisa de reserva.
Quando passei por lá, provei a versão que leva queijo taleggio derretido e azeitona preta bem carnuda, mais a cafta de porco com salada e labneh. Os pratos principais também são excelentes, incluindo o bife de alcatra coberto por uma fina camada de foie gras sobre batatas gratinadas, e choco (peixe) com pimenta de Espelette e legumes de inverno.
No jantar, as pequenas porções são servidas à la carte, incluindo o caillette – uma mistura de carne e ervas guarnecida com sementes de mostarda em uma cama de purê de batata – ou a linguiça de sangue com milho assado e guindillas (pimenta verde em conserva típica do País Basco espanhol). As sobremesas também são excelentes, incluindo a tart mirabelle com frangipani e a torta de limão com casca de toranja cristalizada.
Café du Coin, 9 Rue Camille Desmoulins, 11º Arrondissement, tel. (33) 01-48-04-82-46. Média de preço dos pratos: 15 euros.