(Mumbai – a Primeira Amostra da Índia)
Robson José Calixto
E a “carruagem fantasma” partiu do aeroporto para mergulhar na antiga Bombaim dos ingleses, Mumbai. Vai para cá, vai para lá, curva para cá e curva para lá e nada chegar no Hotel que a companhia aérea o destinou para pernoitar até o dia seguinte, partindo cedo de volta para o aeroporto e retomar a viagem até Goa, destino final.
Mas Mumbai não é qualquer cidadezinha da Índia, tem hoje cerca de 15 milhões de habitantes, sendo a maior e mais importante do país. Então há muita gente por lá, muita... e a “carruagem fantasma” o levou a conhecer seus detalhes.
Pelas janelas sem vidro ou quebradas ele observou as pessoas, quer dizer multidões, caminhando pelas ruas num sentido e no outro. Pessoas sentadas em cadeiras na calçada, cortando cabelo e fazendo a barba. Outras agachadas no meio-fio, fazendo suas necessidades fisiológicas, comendo entre tendinhas ou panelões assentados sobre fogareiros. O aroma de especiarias tão comum na índia no ar.
Numa praça ou algo sobro dela, dezenas de hindus sentados, ou melhor, empoleirados, olhando na direção da rua... do horizonte? Para os carros? Para o quê olhavam? O olhar fixo, às vezes parecendo baço, não, semivivo.
A “carruagem fantasma” seguiu por aquele trânsito caótico, com veículos precisando de manutenção, com vidros quebrados, lanternas quebradas, alguns bambas, carregando um montão de coisas, com peso em excesso.
Prédios antigos, parecendo com blocos de algum tipo de conjunto habitacional, só que depauperados, com lascas de tinta soltando, sujos. Alguns mais mantidos que outros, mas todos precisando de manutenção, um reviver. Ele questionou em sua mente se seriam ainda resquícios da colonização inglesa.
As centenas de transeuntes circulavam pelas ruas. Mulheres de tom de pele mais carbonado carregavam sobre a cabeça, em uma espécie de travessa na forma de pequenas bacias de vime ou juta trançada, pedras no tamanho de pequenos paralelepípedos, levados para compor o refazimento de meios-fios, ou coisa assim, próximo ao que restava de calçadas. Sob um sol forte trabalhavam e suavam, independente disso seus cabelos negros lisos brilhavam e seus saris eram lindíssimos, delicados, arrumados.
Outras varriam as ruas, meio curvadas, levantando ao ar, a terra o pó acumulado nas caçadas, nas ruas, utilizando-se de uma vassoura bem diferente das conhecidas no Brasil, quase um espanador em aba grande, de cabo mais curto, formado pela junção de fios vegetais amarrados. Essas vassouras são utensílios tipicamente femininos, associadas à veneração da Deusa Shitala, a das transições suaves e prosperidade.
Fonte: https://pt.dreamstime.com/.
De repente um barraco coberto por telhas de zinco, meio arriado. Em cima dele dezenas de vasilhames empilhados, em altura, talvez, duas vezes o tamanho da habitação. Ele reconheceu os vasilhames como aqueles utilizados no Brasil para transporte e aplicação de agrotóxicos. Sentiu um frio, um temor. Será que aqueles vasilhames teriam sido higienizados? Senão seriam um perigo para qualquer ser humano ter contato com seus resíduos internos. Lançados em corpo d'água... veneno.
Deusa Shitala. Fonte: http://gaatha.com/brooms-of-india/.
E o tempo passava e nada de chegar ao Hotel. Então, em inglês, lançou aos seus dois acompanhantes a pergunta: “- Quanto tempo leva para chegar ao hotel?”. Os dois olharam para ele. O condutor da “carruagem fantasma” olho para o garoto, que balbuciou: “- don't speak English”. Carácoles, ele estava viajando num ônibus todo ferrado, vendo cenas chocantes pela rua, longe do seu destino final, numa cidade desconhecida, indo para um Hotel que ele não sabia onde e com duas pessoas que não falavam inglês. Se algo lhe acontecesse ele é que estaria ferrado. Tentou controlar os nervos e ter paciência.
Após mais uma curva, volta, ele chegou a um prédio grande, que parecia um Hotel. Por fora não estava muito ruim. Esperava que pudesse descansar, comer algo.
Ele não tomou nota do nome do hotel. Perguntou ao recepcionista no balcão se se estava tudo incluído a ser pago pela companhia aérea. O recepcionista disse que sim. Foi conduzido ao quarto do prédio de vários andares. Tudo era atapetado. Sentiu mais forte o cheiro das especiarias indianas na instalação. O office boy entrou com as bagagens e parecia esperar alguma gorjeta, contudo, ele não tinha uma nota em moeda local. Tinha viajado com travellers cheques e algumas notas de dólar.
Despediu-se e entrou no quarto. A cama era grande, os lençóis com uma cor acinzentada. A luz não era forte. Da janela não via muita coisa. Quando chegara viu, perto da entrada, alguns itens para visitantes à venda. Resolveu descer, pois precisava de algo para saber mais sobre a cidade de Mumbai, sobre costumes e aspectos culturais, sobre Goa e Índia, afinal, tudo o que se passava era deveras inesperado.
Ao sair no corredor percebeu que estava sendo observador. Atrás de uma pilastra havia alguém. Notou que era um dos trabalhadores do Hotel. Voltou ao quarto e checou se estava tudo bem fechado. Voltou ao corredor. Seu observador mudara de posição, mas continuava por lá, firme e forte como as especiarias que dominavam a instalação.
No local de venda achou um livro de viagem sobre a Índia em inglês. Resolveu comprá-lo. Dirigiu-se à recepção. Não aceitava dólar, somente a moeda local, rúpias. Então teve que realizar câmbio para adquirir o livro. Sobraram rúpias. Foi alertado que na saída do país deveria prestar contas sobre o câmbio e que deveria guardar o recibo da transação – Opa, algo a se tomar cuidado!
Voltou ao quarto e percebeu que o observador estava próximo à porta do seu quarto. Cumprimentou-o. Entrou e verificando se tinha algo faltando. Não, deixara tudo trancado nas malas e nada por cima da cama ou criado-mudo etc.
Leu o livro, que muito lhe seria útil adiante, em sua viagem. Mais tarde desceu para comer algo no restaurante. Viu o chapati e correu dele. As comidas disponíveis tinham aroma forte das especiarias. Tentou um arroz e algo que se aproximasse com a comida ocidental. Não quis se arriscar muito. Subiu para dormir, descansar, preparando-se para a viagem de volta até o aeroporto em sua “carruagem fantasma”.
Fim da Parte IV.
Nota: Este não é um texto de ficção, mas baseado inteiramente em fatos reais, para uma realidade de janeiro de 2002.
Robson José Calixto
Fonte: http://indiancountrytodaymedianetwork.com.
Os fantasmas queriam uma esposa e levaram a índia Ioi durante a noite. Blue Jay, seu irmão, saiu à sua procura, perguntando às árvores e aos pássaros para onde iam as pessoas depois de morrer, todavia, eles não deram qualquer resposta.
Fonte: http://www.wilderutopia.com.
Blue Jay, na forma de pássaro, perguntou então o mesmo à cunha de ar, que exigiu pagamento para lhe dizer. Blue Jay pagou e foi levado até uma aldeia cheia de cabanas, às quais ele saiu abrindo as portas, verificando que todas estavam cheias de ossos. De uma cabana saía fumaça, nela encontrou Ioi, ao seu lado um crânio e mais ossos.
Quando Ioi viu Blue Jay, perguntou de onde ele veio. Ele disse que estava vivo, perguntando se ela estava morta. Blue Jay perguntou também o que ela faria com aquele crânio e com ossos que estavam perto dela, ao que ela respondeu indicando que era do marido.
Fonte: https://www.etsy.com.
Ao cair da noite, os ossos ganharam vida e Blue Jay perguntou a Ioi de onde eles vinham. Ela lhe explicou que não eram pessoas, mas sim fantasmas, recomendando que ele fosse com eles pescar, carregando uma rede longa. Blue Jay foi, acompanhado por um jovem. As pessoas falavam baixo, e ele não as conseguia compreender. Quando ele e o jovem pescavam, outra canoa se aproximou no rio, e as pessoas nela cantavam. Blue Jay também começou a cantar alto e o jovem, de repente, se tornou um esqueleto, e toda vez que Blue Jay parava de cantar o jovem voltava a ser um fantasma. Se Blue Jay falava alto, todos os fantasmas se tornavam esqueletos. Os fantasmas pescaram trutas e salmões.
Um dia, quando os fantasmas estavam na forma de esqueletos, Blue Jay trocou as caveiras dos mais velhos pelas de crianças, e os fantasmas se antipatizaram com ele, pedindo a Ioi que o mandasse embora, de volta para casa. Só que Blue Jay não sabia como voltar e não seguiu as instruções dela, acabando por morrer e retornar à terra dos fantasmas, onde constatou que os ossos eram pessoas de verdade, bem como as trutas e os salmões, tudo era real, tudo era novo.
Fonte: Internet.
Este texto é uma versão curta de tradição Chinook selecionada e contada por Judson Katharine (1997), estando descrito em http://www.saraiva.com.br/o-que-e-ser-americano-viajando-de-carro-pelos-estados-unidos-9241218.html , de minha autoria. Os índios Chinook viveram no noroeste dos Estados Unidos, na costa do Pacífico e nos bancos do rio Columbia, se alimentando de peixes – porém o salmão não era central na dieta – e raízes. Diferenciavam-se dos demais índios da região por terem linguagem e costumes diferentes. As mulheres Chinook eram altas, bonitas e tatuadas, contudo lascivas. Os homens, baixos e feios. Doenças venéreas grassavam entre esses índios, levando-os à dizimação.Fantasmas Chinook
Robson José Calixto
Jean Charles de Menezes nasceu a 7 de janeiro de 1978, no município de Gonzaga, a nordeste de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais. Entrou no Reino Unido em 2002, obtendo, a seguir, um visto de estudante até junho de 2003. Jean Charles passou a viver ilegalmente no Reino Unido após esse período, já que não solicitou a revalidação do seu visto. Realizava trabalhos de eletricista para garantir seu sustento.
As informações sobre o que aconteceu são, até hoje, muito contraditórias e, provavelmente, nunca se saberá a verdade, por inteira, mas no dia 22 de julho de 2005, a polícia metropolitana estava “caçando” quatro suspeitos dos quatro atentados à bomba do dia anterior. Por volta das 09:30 h daquela manhã, policiais encontravam-se de tocaia em Tulse Hill, procurando homens de aparência etíope ou somali, quando avistaram um homem de tez morena saindo da entrada comum do bloco. Era um dos seus moradores: Jean Charles de Menezes. Um dos oficiais compara a fisionomia de Jean Charles com as fotografias da CCTV sobre os suspeitos dos atentados do dia anterior, indicando que seria interessante mantê-lo sob vigilância até uma confirmação positiva. O Comando Dourado, de caráter estratégico, autoriza, então, os oficiais a manterem vigilância do suspeito.
Um dos trens da Linha de Victoria que passa em Stockwell
Foto: Robson José Calixto
Jean Charles caminhou até a parada de ônibus de Tulse Hill, onde toma o Ônibus de No. 2 em rumo da estação do Metrô de Stockwell, juntamente sobem policiais à paisana que continuaram a perseguição. Durante o percurso, de aproximadamente 20 minutos, por algum motivo Jean Charles desceu do ônibus por alguns momentos e, a seguir, retomou a viagem - é possível que algum instinto de sobrevivência tenha aflorado nele ao estar sob vigilância. Segundo consta os três oficiais de tocaia estariam satisfeitos por perseguirem o alvo correto “porque ele teria olhos de mongol” e, contatam o Comando Dourado, informando que a aparência de Jean Charles casava, “potencialmente”, com as de dois suspeitos dos atentados do dia anterior. O Comando Dourado, então instrui os oficiais para que detivessem Jean Charles, tão logo que possível, evitando que entrasse na Estação de Stockwell e tomasse um trem, transferindo, a seguir o controle da operação para o Comando de Operações Especializadas da Polícia Metropolitana – SO19 (“Specialist Operations - SO19” ou “Specialist Firearms Command - CO19”).
Estação de Metrô de Stockwell. Foto: Google Earth.
Guarda Metropolitana
Foto: Oli Scarff/Getty Images – The Guardian
A partir daí as informações disponíveis são desencontradas, mas Jean Charles conseguiu entrar na Estação, por volta das 10:00 h, pegar um dos trens e sentar em um dos bancos disponíveis. Com a chegada dos oficiais armados do SO19, um dos que estavam de tocaia bloqueou a porta do trem, para que essa não fechasse, indicando onde Jean Charles estava. A fuzilaria se impôs, Jean Charles foi atingido por sete tiros na cabeça e um tiro no ombro, disparados por dois atiradores do SO19, de forma que, se estivesse carregando uma bomba no corpo, não pudesse detoná-la. Sim, eles pegaram alguém. Cerca de trinta passageiros testemunharam o assassinato.
Jean Charles de Menezes caído, após ser alvejado,
dentro de um dos trens do Metrô de Londres. Foto: ITV News
23 de julho de 2005
A Polícia Metropolitana anunciou que identificara a vítima como Jean Charles de Menezes, adicionando que ele não carregava explosivos, nem tinha qualquer conexão com os atentados do dia 07 ou do dia 21 de julho.
Tributos florais do lado de fora da Estação de Metrô de Stockwell
Foto: David Levene para o the Guardian
O terrorista fuzilado não era terrorista. O asiático não era asiático. O homem assassinado em Stockwell era um brasileiro. De repente na cabeça do representante do MMA um fluxo de raciocínio se estabeleceu. Reconheceu que aquele sentido de vigilância e perigo percebido no dia anterior tinha sido verdadeiro e legítimo: eles queriam pegar alguém, como exemplo ou não, e pegaram! E erraram. Fora engano. Um inocente fora morto. Lembrou que descera do trem em Vauxhall apenas vinte minutos antes do incidente e que a Estação de Stockwell era, consecutivamente, a seguinte. Podia ter sido ele mesmo vítima daquele terrível engano ou qualquer um dos seus colegas de delegação.
Na delegação brasileira presente à sessão da IMO percebeu-se um sentido de consternação. Vários delegados estrangeiros foram falar com os brasileiros, recomendando cuidado pelas ruas de Londres. Após a divulgação do rosto de Jean Charles, até mesmo a gerente do Hotel Athena, onde se hospedava, veio falar com o especialista do MMA que a vítima poderia ter sido ele, pois se parecia com a vítima do SO19, o que, com exceção da cor da pele, era um exagero.
Jean Charles de Menezes. Foto: Internet
O autor do presente texto: Robson José Calixto
Os atentados infligiram 56 mortes, contando os quatro terroristas. Cerca de 700 feridos. As investigações da Scotland Yard apontaram que nos atentados foi utilizado tri-acetona triperóxido (TATP, conforme sigla em inglês) como explosivo, aliás, muito conhecido pelos homens-bomba pelo nome “Mãe de Satã”, devido ao seu poder destrutivo. O TATP pode ser fabricado a partir de produtos de limpeza e desinfetantes, ainda que a sua elaboração requeira um perito em química para manipulação devido aos seus componentes que são muito instáveis.
Esse entendimento da Scotland Yard não foi unânime, pois especialistas de New York que participaram das investigações disseram que as bombas utilizadas foram produzidas a partir de tintura de cabelo, pastilhas de ácido cítrico e perfumes, ademais o TATP não liberaria calor suficiente para causar danos de importância, o que viria contrariar muito os oficiais britânicos, apesar de especialistas israelenses confirmarem essa hipótese.
A 15 de julho de 2005, o doutor em Química pela Universidade de Leeds, Magdi Asdi el-Nashar, foi detido como suspeito na fabricação das bombas. Após semanas de detenção é liberado, já que as suspeitas não se comprovaram.
A rede Al Jazeera, a 1º. de setembro de 2005, divulgou um vídeo em que aparecia Mohammad Sidique Khan, um dos homens-bomba que morreram no atentado, especificamente no trem que passava por Edgware Road. No vídeo, inter alia, é apresentada a seguinte declaração:
“(...) Vocês democraticamente elegeram governos que continuamente perpetuam atrocidades contra meu povo ao longo do mundo. E seu apoio a eles faz vocês diretamente responsáveis, simplesmente como eu sou diretamente responsável para proteger e vingar meus irmãs e irmãos mulçumanos. Até nos sentirmos seguros vocês serão nossos alvos e até vocês pararem o bombardeio, os gases, aprisionamento e tortura do meu povo nós não pararemos esta luta. Nós estamos em guerra e eu sou um soldado. Agora vocês terão o gosto da realidade desta situação.”
Fim
(Este texto não é de ficção, mas baseado em fatos reais, sendo parte do Livro “Terror & Poder Marítimo”, de Robson José Calixto, registrado na Biblioteca Nacional.)
Robson José Calixto
O especialista em poluição marinha do Ministério do Meio Ambiente, logo ao chegar à Organização Marítima Internacional - IMO, vai direto para o Grupo de Trabalho sobre Desmanche de Navios. Durante o intervalo do almoço (12:30 – 14:00 h) encontra, descendo a escada da ala dos delegados, o Engenheiro Ricardo Maia, um dos Representantes da Agência Nacional de Transporte Aquaviários - ANTAq na 53a. Sessão do Comitê de Proteção do Ambiente Marinho (MEPC). Ricardo o informa que ocorreram vários os atentados à bomba em Londres, naquele dia, e estava tentado avisar a sua família que estava tudo bem com ele.
Na ala dos delegados o especialista vê, pelo vidro, que uma faixa amarela e preta cobria uma área de exclusão em frente a IMO. Os outros colegas da delegação brasileira confirmaram o atentado. O próprio Secretariado da Organização anunciara, na sala da Plenária, o acontecimento. Uma aura de expectativa circulava entre as salas da Organização. Todos desejavam informações adicionais, as salas de acesso à Internet lotaram. O especialista consegue ligar para a esposa no trabalho, que ao ouvir as notícias lhes passada começa a chorar, pedindo que ele vá para o hotel. Ele sorri, diz que está tudo bem com todos e o melhor lugar para ficar era ali onde estava, no prédio da IMO. Ademais, tudo estava parado e teria dificuldades para chegar ao hotel. Consegue achar um computador “vazio” para enviar notícias a pessoas amigas que sabiam que ele estava em Londres e poderiam ficar preocupadas.
Estações de Metrô de Londres que sofreram atentados
no dia 21 de julho de 2005 - Ilustração: BBC News
Mapa das estações de Metrô de Londres – Zona 1, com indicação dos
atentados de 21 de julho de 2005. Observem a linha azul,
da Linha de Victoria - Fonte: http://www.declarepeace.org.uk
Pela Internet descobre, e de noite confirma, que ocorreram quatro explosões: nas estações de Shepherd’s Bush, Warren Street e Oval, do Metrô, e em um ônibus em Bethnal Green. Ninguém ficou ferido no ônibus. As explosões no Metrô foram de pequena dimensão – não maiores que fogos de artifício - e poucas pessoas também ficaram feridas. Nenhum dos terroristas morrera nos atentados. Testemunhas relatavam um “cheiro estranho no ar” antes das explosões. Os investigadores descobririam, posteriormente, que um dos suspeitos havia gastado, no dia 7 de julho, 900 libras em perfume. Presume-se que fora uma tentativa de disfarçar o cheiro acre dos explosivos químicos utilizados, em decomposição. Uma fatalidade maior não ocorrera por que os detonadores utilizados falharam na ignição dos artefatos.
Foto: Getty Images
Mais tarde um quinto artefato é descoberto debaixo de alguns arbustos ao norte de White City e Shepherd’s Bush. Um endereço seria identificado entre o material dentro de uma das bolsas que não explodiram, indicando um prédio de três andares e nove “flats” em Scotia Road, Tulse Hill.
Imagem: Google Earth
Foto: Getty Images
Como o Metrô e os ônibus estavam suspensos ou com circulação muito restrita na cidade, a sessão daquele dia na IMO foi encerrada um pouco mais cedo, para que todos pudessem retornar às suas residências ou hotéis. O Representante do MMA, o Engenheiro Ricardo Maia e o Décio Cunha da ANTAq, o Engenheiro Nilton Marroig da Petrobras Transporte S.A. - Transpetro, o biólogo Celso Aleluiah do Cenpes, bem como o Comandante Edson Pinho Sobrinho da Secretaria-Executiva da Comissão Coordenadora dos Assuntos da IMO (SEC-IMO) são obrigados a caminhar da IMO até os seus hotéis em Paddington e Bayswater – não havia outra opção. Pela Albert Embankment, na marcha forçada, margeiam o rio Tamisa, no lado oposto ao Parlamento, passando em frente ao Hospital St. Thomas e à Roda Gigante conhecida como “Olho de Londres” (“London Eye”) e alcançando a Ponte de Westminster nas proximidades do Big Ben, para cruzar o rio.
Comandante Edson Pinho Sobrinho (sentado)
Fonte: Linkedin
Pessoas caminhando em Londres tentando voltar para casa
ou seus hotéis no dia 21 de julho de 2005 - Foto: Getty Images
O Representante do MMA percebe, em todo o trajeto, claramente nos Londrinos e nos próprios brasileiros, algo bastante significativo: ninguém queria parar, apesar do terror. Sim, o terror chegou e se instalou, mas todos estavam determinados a continuar. A cidade já demonstrara por inúmeras vezes a sua coragem. As pessoas comentavam sobre o que poderia ter acontecido, as motivações, as justificativas ou a insensatez, mas todos tinham no olhar um brilho da resistência, um sentido de retornar à normalidade do dia-a-dia. A cidade resistia. Talvez fosse devido à atmosfera de uma cidade que superara os ataques da Força Aérea alemã na Segunda Grande Guerra ou, mesmo, os diversos ataques terroristas do IRA. A vigilância aumentaria, o medo afloraria à pele; contudo, a resistência à sucumbência também persistiria.
Logo se percebe que os Pubs próximos à Estação de Westminster retornavam à normalidade, a cerveja quente já animava seus frequentadores. Para a surpresa a estação estava funcionando, como havia dúvida se os trens estavam parando em todas as outras do trajeto resolveu-se pegar um duplo-deck até Oxford Circus. E naquele aglomerado urbano constatou-se que por mais que houvesse ataques a Londres, a cidade se reconstruiria, seus habitantes retomariam suas rotinas, as lojas abririam, as pessoas olhariam vitrines ou entrariam nas lojas para fazer compras, comeriam “waffles”, “pizza” ou “fish and chips” pelas ruas. Tudo e nada normal. O preto continuaria a predominar nas roupas. O lilás e o malva seriam as cores de camisa mais usadas pelos homens. Russos, romenos, poloneses, árabes, brasileiros, portugueses, paquistaneses, hindus, jamaicanos; todas as descendências continuariam sendo toleradas, mesmo com aumento no nível de segurança.
O Grupo de brasileiros se separou. O Comandante Sobrinho foi o único a se arriscar a tomar o Metrô. O representante do MMA caminhou pela Oxford Street até Marble Arch. Passou pelo cinema Odeon (atualmente fechado), entrou na loja de conveniência árabe “Green Valley” e comprou dois maravilhosos quibes de frango e uma Coca-Cola light sem cafeína. Comendo e bebendo pela rua ruma para a Sussex Gardens. Observa os árabes nas mesinhas dos cafés. Conversavam meio tensos, pareciam contrariados, nervosos, apesar de todos aparentarem normalidade. O chá de menta continuava a ser bebido e o narguilé a ser fumado. Havia menos gente transitando na Edgware Road.
A noite de quarta-feira não estava tão fria em Londres; entretanto, havia um certo calor visível, uma angústia perceptível, um desejo de vingança palatável circulando entre Edgware Road e Marble Arch. A vigilância estava mais cerrada. As CCTVs pareciam perscrutar os pensamentos. Uma atmosfera de observação hindu oprimia os mais sensíveis. Havia policiais por todos os lados, vários à paisana, vários escondidos de tocaia, atrás de pequenos jardins. Eles queriam “pegar alguém”, a densidade do ar denunciava. As prostitutas que algumas vezes faziam ponto nas esquinas das pequenas ruas que entrecortam a Sussex Gardens, como na Southwick Street, em frente ao pub “The Monkey Puzzle”, estavam por lá e atrapalhavam a tocaia. Uma delas foi abordada por um dos polícias, que saiu detrás de um dos jardins na calçada oposta, cruzou a rua e disse que ela não podia ficar ali.
O Pub “The Monkey Puzzle” - Foto: Robson José Calixto
22 de julho de 2005
O especialista do MMA sai do Athena Hotel, um pouco atrasado naquele dia em direção à estação de Paddington. Até chegar à Vauxhall, estação que fica a menos de vinte minutos, a pé, da IMO, teria que fazer baldeação em Oxford Circus. Desce em Vauxhall, com saída da estação entre o prédio do MI6 (“Military Intelligence Section Six” - Serviço de Inteligência de Reis e Rainhas do Reino Unido desde 1909) e o prédio que ao final da década de 1990 fora atingindo por um míssil do IRA e que, agora, é de apartamentos, tendo na sua cobertura feições que se assemelham a aviões com hélice. Olha para o relógio: 09:40 h. Já saíra um pouco atrasado do hotel e atrasos adicionais só lhe permitiam chegar naquela hora. O Metrô estava horrível naquele dia. Os trens pararam diversas vezes nos túneis, provavelmente tudo relacionado aos atentados. Direto para o Grupo de Trabalho sobre Desmanche de Navios novamente.
Prédio reformado em frente à Estação de Metrô de Vauxhall
Foto: Robson José Calixto
Prédio do MI6 - Foto: Robson José Calixto.
Pouco depois do intervalo do “Coffee-Break” (11:00 – 11:30 h) encontra Ricardo Maia que lhe informa as notícias de que um dos terroristas que havia atacado Londres no dia anterior tinha sido pego e morto em estação do Metrô. De noite, na BBC e na ITV, o foco das atenções era o fuzilamento na Estação de Stockwell.
Fim da Parte III
(Este texto não é de ficção, mas baseado em fatos reais, sendo parte do Livro Terror & Poder Marítimo, de Robson José Calixto, registrado na Biblioteca Nacional.)
Robson José Calixto
10 de julho de 2005
O especialista chegou a Londres, Reino Unido. O avião não estava tão vazio quanto aqueles que tomara rumo à Europa, logo após o 11 de setembro de 2001. A gerente marroquina do hotel em que costumava se hospedar, ainda com imagens vivas na sua retina, contou para o especialista o horror que vivenciou no dia sete de julho de 2005, dia do atentado no Metrô. Era gente ligando de fora do país para cancelar reservas. Outras procuravam hotel porque não sabiam para onde ir ou como voltar para casa. Pessoas feridas, ensanguentadas, aterrorizadas, queimadas, chorando e andando sem rumo. Outras estavam chumbadas nas calçadas, com olhares paralisados e distantes. Os não atingidos tentavam ajudar, consolar e dar esperanças aos marcados pelas explosões, pela fumaça, pelo fogo, pelo calor, pelas queimaduras, pelos estilhaços e pela escuridão dos túneis percorridos. No ar, um sentimento de perda, de dor, de revolta, de não se ter resposta, de não se ter sentido.
A gerente do hotel que o especialista costumava se hospedar, o Athena, comentou que, apesar da necessidade humana que se espalhava nas proximidades, vários gerentes de hotéis próximos majoraram os preços das estadias, para ter um lucro maior, uma vez que a demanda por quartos estava altíssima.
Athena Hotel. Foto: Robson José Calixto.
O especialista rumou até a Estação do Metrô de Edgware. Não conseguiu se aproximar muito, devido a uma faixa policial de exclusão. Rumou até Marble Arch. Percebeu uma contrição no ar. As vozes não estavam tão altas. O burburinho não era o usual. A rua aparentava normalidade, mas nada era normal. Agentes ingleses estavam lá no Cyber usando computadores, mas seus olhos não estavam voltados para as telas dos computadores, miravam, sim, para a antiga livraria árabe Al-Ahram (atualmente existe uma farmácia no local), do outro lado da rua, próxima ao restaurante Al Dar (atual Al Arez). Os árabes, em menor número, continuavam sentando-se em frente aos Cafés e Restaurantes para tomar chá ou fumar narguilé, mas suas testas franziam, suas mãos eram lançadas ao ar em gestos de contrariedade ou de incompreensão. As palavras pareciam entrecortadas por certo silêncio. No alto dos postes, vigilância cerrada. Qualquer pacote qualquer mochila deixada, desatentamente, era motivo para alarde e desconfiança, ou terror. Um déjà vu, não-intencional, do Exército Revolucionário Irlandês - IRA parecia flutuar na atmosfera londrina.
Restaurante Al Arez (Antigo Al Adar)
Foto: Robson José Calixto
12 de julho de 2005
Os trabalhos matinais da delegação brasileira no Grupo Intersecional começaram sem o Comandante de Mar-e-Guerra (CMG) Resano, que estranhamente, não aparecera naquela manhã. A “Mission Officer” Eliane Macedo também não. Ao longo dos trabalhos, nenhum telefonema, nenhuma comunicação... até que Celso Aleluiah, do Centro de Pesquisa da Petrobras – CENPES, resolveu ligar para o Resano e receber notícia que abalaria toda a delegação: – o Almirante-de-Esquadra Souza Pinto falecera naquela manhã, de problemas no coração.
Almirante-de-Esquadra Mauro Souza Pinto (in memoriam)
Fonte: Marinha do Brasil.
13 de julho de 2005
A Polícia Metropolitana de Londres anunciou que identificara os terroristas que realizaram os atentados do dia 7: três mulçumanos de origem britânica e um jamaicano convertido ao islamismo.
O CMG Resano dá uma passada na Organização Marítima Internacional - IMO e detalha aos delegados brasileiros o agravamento da doença do Almirante Souza Pinto, que já se encontrava hospitalizado há mais de quinze dias, com vista a procedimentos pré-operatórios, e, a seguir, a sua morte.
Prédio da Organização Marítima Internacional
Foto: Robson José Calixto.
14 de julho de 2005
Milhares de pessoas se reuniram em Londres, especialmente na praça de Trafalgar Square, ao meio-dia, em memória das vítimas dos atentados à bomba, bem assim em reconhecimento das equipes de emergência que acorreram aos diferentes chamados para prestar socorro. O silêncio estava impregnado de uma mensagem de desafio aos terroristas. Os dois minutos de silêncio também foram respeitados na IMO.
Trafalgar Square
19 de julho de 2005
Por volta desse dia, estudos forenses já indicavam que as bombas teriam sido acionadas manualmente, em vista da dificuldade de uma detonação remota nos profundos, mas nem todos, túneis do Metrô de Londres, onde, dificilmente, se vê alguém falando em telefones celulares quando os trens estão em movimento. Tal conclusão implicava em se aceitar duas hipóteses: ataque suicida, com homens-bomba e bombas plantadas nos comboios, próximas ao chão ou até mesmo debaixo de algum trem. As investigações e testemunhos oculares apontavam para ambas as possibilidades.
Fim da Parte II
(Este texto não é de ficção, mas baseado em fatos reais, sendo parte do Livro Terror & Poder Marítimo, de Robson José Calixto, registrado na Biblioteca Nacional.)
É exatamente ali, naquele estirão urbano, que se podem aquilatar as relações políticas e, mesmo, carnais, do Governo britânico com o mundo árabe. É exatamente ali, entre as Estações de Metrô de Marble Arch e Edgware Road, que se podem captar os odores, os sabores, os olhares, as cores, os tons e os sons dos povos do Oriente Médio que encravaram moradas na Europa. É naquela reta urbana da cidade de Londres que se pode ter noção e amostra das tensões entre irmãos de fé, de lamento, de juras, de raízes expostas, de guerra.
É caminhando por ali, entre homens de mãos dadas; entre maridos acompanhados, em sequência, por suas esposas (a do dia à frente) e filhos; entre moças lindas com suas túnicas claras bordadas de ouro e que, estranhamente, às vezes, se tornam pedintes ao cair da tarde; entre senhoras com suas vestimentas marrons ou negras e olhares furtivos; entre londrinos que expõem suas tatuagens e “piercings” e que se movimentam rápido ou lotam cafés e restaurantes, que se podem captar as distinções dos costumes, da educação, da cultura, de duas civilizações que têm se chocado.
Lá naquela zona de contato mundial, onde são encontrados restaurantes libaneses fantásticos com suas mesinhas quadradas e pequenas, onde se podem pedir porções deliciosas e fartas de “Hommos”, “Moutabal” (“Baba Ghanouj”) e “Tabbouleh” ou, ainda, um churrasco misto com cebolas e tomates grelhados, tendo por baixo, sempre, uma cunha de pão árabe avermelhada por uma pimenta flamejante. Beber “Perrier”, deliciosos sucos de morango, chá de hortelã e nenhuma bebida alcoólica. Mas também se pode se ver, se achar, uma “dança do ventre” em atmosfera mais seletiva e obscura, enigmática. Ou ainda sentar numa cadeira de plástico à frente de sorveteria e se misturar com árabes mais antigos para degustar uma taça de sorvete em noite escaldante como aquelas de julho de 2004, quando se viam inglesas de biquíni caminhando pelas ruas, expondo as suas alvuras.
Dentro de suas lojas, como a Argos, lotadas por senhoras e crianças árabes comprando de tudo e onde, muitas vezes, ouve-se o português caminhando entre as seções, é que se aproximam as perspectivas consumistas ocidentais e orientais. Nessas lojas, onde um homem se aproxima e as compradoras árabes se afastam e escondem os olhos, verificam-se verdadeiros territórios neutros para o consumo e se entende a dimensão humana mais comum: gente.
Doce Osmalia, com água de rosas
Foto: Robson José Calixto
Profusão de cores marcando os contornos dos olhos, em especial lápis-lazulli e o negro de Kajal; de notas de cereja espalhadas pelos narguilés fumados nas portas dos restaurantes e bares, fumaças tão densas sobem pelo ar. Ali se encontram sabores doces (tâmaras e damascos secos, “Baklawa”), enigmáticos (“Osmalia”), salgados (pistache), amargos (pimentas verdes) e tenros (azeitonas pretas, carneiro, churrasco, azeite de gergelim). Profusão cosmopolita de cores de pele, de raças, de línguas, de gostos, de temperos, de olhares, de desconfianças, de vigilâncias, de espionagens enquanto se usam os computadores de Cybercafés, de controle televiso (CCTV), de pedágios.
E foi em um dos pontos daquele trecho urbano, que o mundo veio abaixo no dia 7 de julho de 2005. Não somente ali, em outros três locais de Londres o terror também atacou; um dia depois de toda comemoração pela cidade ter sido escolhida sede dos Jogos Olímpicos do ano de 2012.
7 de julho de 2005
Distante, um especialista em poluição marinha acorda em um dos quartos do Hotel Glória, na cidade do Rio de Janeiro. Liga a televisão a cabo que lhe despeja um montão de notícias de que ocorrera um ataque terrorista na cidade de Londres, gelando o seu coração e infligindo medo, porque dois dias depois estaria partindo para aquela cidade, para mais uma reunião da Organização Marítima Internacional - IMO. Muda para a CNN. Imagens. Sem Imagens. Notícias. Sem notícias. Falam na Al-Qaeda. Troca parte da roupa no banheiro, mas o ouvido se alonga e fica grudado na televisão. Tem que descer para tomar café, e o corpo quer permanecer no quarto. Sai do quarto e a mente quer permanecer em frente à televisão. Conversa com colegas que estavam participando do evento, muitos não sabiam das notícias e também ficam assustados.
A tarde prolongava-se, os minutos repartiam-se, dividiam-se e se vivia num intervalo infinitesimal eterno. De noite vasculha os canais e passa entender melhor o que ocorrera, de fato.
Imagem de uma das entradas da Estação de Metrô King´s Cross St. Pancras
Imagem: Google Earth. Acesso em 07 de outubro de 2016
A partir das 8h50 da manhã daquele dia – hora local de Londres -, em intervalos de 50 segundos, três bombas foram acionadas. A primeira explode num trem da Circle Line, entre as estações de Liverpool Street e Aldgate. A segunda em outro trem, também, da Circle Line, que acabara de deixar a Plataforma 4 da Estação de Edgware Road em direção a Paddington. A terceira em trem que percorria a linha de Piccadilly, entre King´s Cross St. Pancras e Russel Square. Vinte e nove minutos, inglesa e exatamente depois, o Código Âmbar de Alerta é declarado, indicando que todos os trens em serviço devem parar na próxima estação, com o desembarque de todos os passageiros. Os serviços do Metrô são suspensos. As linhas telefônicas da cidade ficam mudas, congestionadas por chamadas locais, nacionais e internacionais; as pessoas mapeavam seus parentes e amigos na busca de informações sobre os seus estados de vida.
Uma das entradas da Estação de Metrô Edgware Road
Foto: Robson José Calixto, em 2005
Um ônibus vermelho, de duplo-deck, ostentando o No. 30 na sua dianteira e no seu lado esquerdo uma propaganda de filme de terror, comuníssimo na cidade de Londres, passara mais cedo em King´s Cross. No seu retorno até a estação de Hackney Wick, deixa Marble Arch às 09h e para num ponto de ônibus em Euston às 09:35 h. Diversas pessoas – desorientadas, feridas, assustadas, desesperadas, lacrimosas –, que fugiam do Metrô embarcam, juntando-se aos outros passageiros já presentes. Doze minutos depois, na junção de Tavistock Square e Upper Woburn Place, uma bomba de cerca de 4,5 kg explode, arrancando a traseira e fazendo voar o teto do ônibus. Quem não morreu na explosão foi atingido por fragmentos que alcançaram, inclusive, os transeuntes. O Primeiro Ministro Tony Blair abandona o Encontro dos Líderes do G-8, que ocorria no Hotel Gleneagles, em Perthshire, Escócia, se dirigindo para Londres, na linha de frente dos atentados. O Presidente Luís Inácio da Silva estava participando do Encontro como convidado.
Junção de Tavistock Square e Upper Woburn Place
Imagem: Google Earth. Acesso em 07 de outubro de 2016
O especialista rola na cama. Diversas perguntas lhe atravessam os pensamentos, e o seu cérebro sente a presença de uma insônia prevista. A solidão do quarto do hotel filtra respostas acobertadas, permitindo concentrar-se em verdades mais duras. Por que os atentados aconteceram? Por que Londres? E por que a estação de Edgware Road, dentro do bairro árabe? Lembra de outros atentados ocorridos em Nova York, Washington, Madri. Poderia estar em um daqueles trens ou no ônibus que explodiu e assustou a cidade de Londres pela violência e pelas cenas de horror vivenciadas.
O terror. A essência do terror é a repercussão do medo. Medo da morte. Reação ao desconhecido. Consciência da nossa mortalidade. Compaixão íntima à nossa humanidade tantas vezes esquecida. Futuro comum, todavia não igualizado, pois dependente de crenças, valores culturais e visões de mundo. Assim a dicotomia Ocidente-Oriente nem sempre possibilita a distinção entre o que é mais pecaminoso e o que é mais glorioso. Para alguns estudiosos, os autores de atos terroristas esperam sempre criar um senso generalizado de ansiedade e de medo, de forma que as pessoas se tornem aterrorizadas e imobilizadas, incapazes de resposta coerente aos perigos que confrontam. O terror impõe um mal-estar, uma dada tensão, devido à sensibilidade ao perigo iminente e amplia a incerteza da vida. No entanto, comunidades mais aguerridas, como a francesa ou a americana, se recusam a agir assim, buscando voltar à rotina o mais rápido possível.
O terror serve, também, como no caso da Espanha, para influir em eleições e derrubar governos, como o fez ao de José María Aznar, em 11 de março de 2004. Impede acordos de paz, reinflama situações problemáticas e, finalmente, gera mais terror.
O especialista recordou as palavras das Brigadas de Abu Hafs al-Masri, no ataque a Madri em 2004, descrito pelo jornal a Folha, em 2004: “Cumprimos nossa promessa conseguimos nos infiltrar no coração da Europa e atingir um dos principais pilares da aliança dos cruzados... Agora, colocamos os pingos nos is. Nós, das Brigadas de Abu Hafs al Masri, não sentimos pena dos civis. É legitimo que eles matem nossas crianças, nossas mulheres, nossos idosos, nossos jovens no Afeganistão, no Iraque, na Palestina e na Caxemira, enquanto para nós é pecado matá-los. Deus Todo Poderosos diz que devemos agredir quem nos agride... Os povos dos aliados aos Estados Unidos devem forçar seus governos a pôr fim nessa aliança em guerra contra o terrorismo, que significa uma guerra contra o Islã. Se pararem a guerra, pararemos a nossa”.
Na escuridão do quarto e distante da rua, os pensamentos do especialista continuam a formular hipóteses. Seu coração continua a não decodificar, muito bem, o que acontecera em Londres. Edgware... Edgware... Concorda com o escritor Paz (2005) que as bombas serviram, igualmente, como um alerta à comunidade mulçumana de Londres, ecoando sobre todo o mundo árabe. “De que lado vocês estão? Definam-se! Estão se sentindo muito seguros porque se estabeleceram no Ocidente? Se sentem protegidos pela distância? Têm uma vida boa? São muçulmanos, mas não se sentem comprometidos com a causa da Jihad? Se perderam as suas raízes profundas, se não se sentem fervorosamente vinculados à derrota dos cruzados, então serão também tragados pelo turbilhão de nossa vingança. Não serão mais nossos.” Esses questionamentos comungam-se e parecem construir um cenário coerente.
Esse chacoalhar talvez explique o porquê de ingleses de origem árabe, posteriormente, se associassem ao grupo Estado Islâmico e viessem cometer atos de terror abomináveis.
Fim da Parte I
(Este texto não é ficção, mas baseado em fatos reais, sendo parte do Livro Terror & Poder Marítimo, de Robson José Calixto, registrado na Biblioteca Nacional.)
É exatamente ali, naquele estirão urbano, que se podem aquilatar as relações políticas e, mesmo, carnais, do Governo britânico com o mundo árabe. É exatamente ali, entre as Estações de Metrô de Marble Arch e Edgware Road, que se podem captar os odores, os sabores, os olhares, as cores, os tons e os sons dos povos do Oriente Médio que encravaram moradas na Europa. É naquela reta urbana da cidade de Londres que se pode ter noção e amostra das tensões entre irmãos de fé, de lamento, de juras, de raízes expostas, de guerra.
É caminhando por ali, entre homens de mãos dadas; entre maridos acompanhados, em sequência, por suas esposas (a do dia à frente) e filhos; entre moças lindas com suas túnicas claras bordadas de ouro e que, estranhamente, às vezes, se tornam pedintes ao cair da tarde; entre senhoras com suas vestimentas marrons ou negras e olhares furtivos; entre londrinos que expõem suas tatuagens e “piercings” e que se movimentam rápido ou lotam cafés e restaurantes, que se podem captar as distinções dos costumes, da educação, da cultura, de duas civilizações que têm se chocado.
Lá naquela zona de contato mundial, onde são encontrados restaurantes libaneses fantásticos com suas mesinhas quadradas e pequenas, onde se podem pedir porções deliciosas e fartas de “Hommos”, “Moutabal” (“Baba Ghanouj”) e “Tabbouleh” ou, ainda, um churrasco misto com cebolas e tomates grelhados, tendo por baixo, sempre, uma cunha de pão árabe avermelhada por uma pimenta flamejante. Beber “Perrier”, deliciosos sucos de morango, chá de hortelã e nenhuma bebida alcoólica. Mas também se pode se ver, se achar, uma “dança do ventre” em atmosfera mais seletiva e obscura, enigmática. Ou ainda sentar numa cadeira de plástico à frente de sorveteria e se misturar com árabes mais antigos para degustar uma taça de sorvete em noite escaldante como aquelas de julho de 2004, quando se viam inglesas de biquíni caminhando pelas ruas, expondo as suas alvuras.
Dentro de suas lojas, como a Argos, lotadas por senhoras e crianças árabes comprando de tudo e onde, muitas vezes, ouve-se o português caminhando entre as seções, é que se aproximam as perspectivas consumistas ocidentais e orientais. Nessas lojas, onde um homem se aproxima e as compradoras árabes se afastam e escondem os olhos, verificam-se verdadeiros territórios neutros para o consumo e se entende a dimensão humana mais comum: gente.
Doce Osmalia, com água de rosas
Foto: Robson José Calixto
Profusão de cores marcando os contornos dos olhos, em especial lápis-lazulli e o negro de Kajal; de notas de cereja espalhadas pelos narguilés fumados nas portas dos restaurantes e bares, fumaças tão densas sobem pelo ar. Ali se encontram sabores doces (tâmaras e damascos secos, “Baklawa”), enigmáticos (“Osmalia”), salgados (pistache), amargos (pimentas verdes) e tenros (azeitonas pretas, carneiro, churrasco, azeite de gergelim). Profusão cosmopolita de cores de pele, de raças, de línguas, de gostos, de temperos, de olhares, de desconfianças, de vigilâncias, de espionagens enquanto se usam os computadores de Cybercafés, de controle televiso (CCTV), de pedágios.
E foi em um dos pontos daquele trecho urbano, que o mundo veio abaixo no dia 7 de julho de 2005. Não somente ali, em outros três locais de Londres o terror também atacou; um dia depois de toda comemoração pela cidade ter sido escolhida sede dos Jogos Olímpicos do ano de 2012.
7 de julho de 2005
Distante, um especialista em poluição marinha acorda em um dos quartos do Hotel Glória, na cidade do Rio de Janeiro. Liga a televisão a cabo que lhe despeja um montão de notícias de que ocorrera um ataque terrorista na cidade de Londres, gelando o seu coração e infligindo medo, porque dois dias depois estaria partindo para aquela cidade, para mais uma reunião da Organização Marítima Internacional - IMO. Muda para a CNN. Imagens. Sem Imagens. Notícias. Sem notícias. Falam na Al-Qaeda. Troca parte da roupa no banheiro, mas o ouvido se alonga e fica grudado na televisão. Tem que descer para tomar café, e o corpo quer permanecer no quarto. Sai do quarto e a mente quer permanecer em frente à televisão. Conversa com colegas que estavam participando do evento, muitos não sabiam das notícias e também ficam assustados.
A tarde prolongava-se, os minutos repartiam-se, dividiam-se e se vivia num intervalo infinitesimal eterno. De noite vasculha os canais e passa entender melhor o que ocorrera, de fato.
Imagem de uma das entradas da Estação de Metrô King´s Cross St. Pancras
Imagem: Google Earth. Acesso em 07 de outubro de 2016
A partir das 8h50 da manhã daquele dia – hora local de Londres -, em intervalos de 50 segundos, três bombas foram acionadas. A primeira explode num trem da Circle Line, entre as estações de Liverpool Street e Aldgate. A segunda em outro trem, também, da Circle Line, que acabara de deixar a Plataforma 4 da Estação de Edgware Road em direção a Paddington. A terceira em trem que percorria a linha de Piccadilly, entre King´s Cross St. Pancras e Russel Square. Vinte e nove minutos, inglesa e exatamente depois, o Código Âmbar de Alerta é declarado, indicando que todos os trens em serviço devem parar na próxima estação, com o desembarque de todos os passageiros. Os serviços do Metrô são suspensos. As linhas telefônicas da cidade ficam mudas, congestionadas por chamadas locais, nacionais e internacionais; as pessoas mapeavam seus parentes e amigos na busca de informações sobre os seus estados de vida.
Uma das entradas da Estação de Metrô Edgware Road
Foto: Robson José Calixto, em 2005
Um ônibus vermelho, de duplo-deck, ostentando o No. 30 na sua dianteira e no seu lado esquerdo uma propaganda de filme de terror, comuníssimo na cidade de Londres, passara mais cedo em King´s Cross. No seu retorno até a estação de Hackney Wick, deixa Marble Arch às 09h e para num ponto de ônibus em Euston às 09:35 h. Diversas pessoas – desorientadas, feridas, assustadas, desesperadas, lacrimosas –, que fugiam do Metrô embarcam, juntando-se aos outros passageiros já presentes. Doze minutos depois, na junção de Tavistock Square e Upper Woburn Place, uma bomba de cerca de 4,5 kg explode, arrancando a traseira e fazendo voar o teto do ônibus. Quem não morreu na explosão foi atingido por fragmentos que alcançaram, inclusive, os transeuntes. O Primeiro Ministro Tony Blair abandona o Encontro dos Líderes do G-8, que ocorria no Hotel Gleneagles, em Perthshire, Escócia, se dirigindo para Londres, na linha de frente dos atentados. O Presidente Luís Inácio da Silva estava participando do Encontro como convidado.
Junção de Tavistock Square e Upper Woburn Place
Imagem: Google Earth. Acesso em 07 de outubro de 2016
O especialista rola na cama. Diversas perguntas lhe atravessam os pensamentos, e o seu cérebro sente a presença de uma insônia prevista. A solidão do quarto do hotel filtra respostas acobertadas, permitindo concentrar-se em verdades mais duras. Por que os atentados aconteceram? Por que Londres? E por que a estação de Edgware Road, dentro do bairro árabe? Lembra de outros atentados ocorridos em Nova York, Washington, Madri. Poderia estar em um daqueles trens ou no ônibus que explodiu e assustou a cidade de Londres pela violência e pelas cenas de horror vivenciadas.
O terror. A essência do terror é a repercussão do medo. Medo da morte. Reação ao desconhecido. Consciência da nossa mortalidade. Compaixão íntima à nossa humanidade tantas vezes esquecida. Futuro comum, todavia não igualizado, pois dependente de crenças, valores culturais e visões de mundo. Assim a dicotomia Ocidente-Oriente nem sempre possibilita a distinção entre o que é mais pecaminoso e o que é mais glorioso. Para alguns estudiosos, os autores de atos terroristas esperam sempre criar um senso generalizado de ansiedade e de medo, de forma que as pessoas se tornem aterrorizadas e imobilizadas, incapazes de resposta coerente aos perigos que confrontam. O terror impõe um mal-estar, uma dada tensão, devido à sensibilidade ao perigo iminente e amplia a incerteza da vida. No entanto, comunidades mais aguerridas, como a francesa ou a americana, se recusam a agir assim, buscando voltar à rotina o mais rápido possível.
O terror serve, também, como no caso da Espanha, para influir em eleições e derrubar governos, como o fez ao de José María Aznar, em 11 de março de 2004. Impede acordos de paz, reinflama situações problemáticas e, finalmente, gera mais terror.
O especialista recordou as palavras das Brigadas de Abu Hafs al-Masri, no ataque a Madri em 2004, descrito pelo jornal a Folha, em 2004: “Cumprimos nossa promessa conseguimos nos infiltrar no coração da Europa e atingir um dos principais pilares da aliança dos cruzados... Agora, colocamos os pingos nos is. Nós, das Brigadas de Abu Hafs al Masri, não sentimos pena dos civis. É legitimo que eles matem nossas crianças, nossas mulheres, nossos idosos, nossos jovens no Afeganistão, no Iraque, na Palestina e na Caxemira, enquanto para nós é pecado matá-los. Deus Todo Poderosos diz que devemos agredir quem nos agride... Os povos dos aliados aos Estados Unidos devem forçar seus governos a pôr fim nessa aliança em guerra contra o terrorismo, que significa uma guerra contra o Islã. Se pararem a guerra, pararemos a nossa”.
Na escuridão do quarto e distante da rua, os pensamentos do especialista continuam a formular hipóteses. Seu coração continua a não decodificar, muito bem, o que acontecera em Londres. Edgware... Edgware... Concorda com o escritor Paz (2005) que as bombas serviram, igualmente, como um alerta à comunidade mulçumana de Londres, ecoando sobre todo o mundo árabe. “De que lado vocês estão? Definam-se! Estão se sentindo muito seguros porque se estabeleceram no Ocidente? Se sentem protegidos pela distância? Têm uma vida boa? São muçulmanos, mas não se sentem comprometidos com a causa da Jihad? Se perderam as suas raízes profundas, se não se sentem fervorosamente vinculados à derrota dos cruzados, então serão também tragados pelo turbilhão de nossa vingança. Não serão mais nossos.” Esses questionamentos comungam-se e parecem construir um cenário coerente.
Esse chacoalhar talvez explique o porquê de ingleses de origem árabe, posteriormente, se associassem ao grupo Estado Islâmico e viessem cometer atos de terror abomináveis.
Fim da Parte I
(Este texto não é ficção, mas baseado em fatos reais, sendo parte do Livro Terror & Poder Marítimo, de Robson José Calixto, registrado na Biblioteca Nacional.)
Robson Calixto
Em livro que não é aceito pela Igreja Católica nem pelos Judeus, apesar de terem sido encontradas cópias em Qumram da sua versão etíope, Henoque fala sobre um tempo quando os anjos andavam pela Terra. Tempos depois, passaram a dizer que na Terra também tinha um homem com espírito muito antigo. De vez em quando, ele aparecia e reaparecia na humanidade, ressurgido de registros atávicos e reminiscências sensoriais contidas no DNA de sua família. Diziam que ele era tão antigo quanto os Serafins. Um Serafim renegado por seu Pai humano. Mas Deus teve compaixão por Ele e o pegou pelas mãos, deixando-o ser guiado pela Comunhão dos Santos, por Espíritos Antigos, pelos próprios Arcanjos e seu Anjo da Guarda e por sonhos.
Ele logo descobriu que não era um em si mesmo, eram três que habitavam dentro dele e, assim, teria que viver buscando a harmonia para a sua substância individual de natureza racional. Ele viajou e andou por esse mundo, aqui e acolá, perto e distante, pela Espanha, onde encantava as “mujeres” com seus passos de Flamenco. Em Toledo, conviveu com os Templários e, em Ávila, aprendeu sobre as espadas contemplativas da fé das monjas carmelitas descalças. Na Itália sofreu junto com os mártires sacrificados no Coliseu e viu a cruz ascender sobre aquele campo. Na Escócia de Santo André, subiu as colinas e lutou em Edimburgo, com espadas do tamanho de um homem mediano, e comeu bifes regados a Whisky do melhor, para comemorar as vitórias. Na Inglaterra de São Jorge, participou de batalhas marítimas, em algumas com participação decisiva. No Irã, se alimentou de iogurte Doogh e fumou narguilé de folhas de cereja.
Uma vez, na República Tcheca, encontrou, entre Igrejas e cemitérios, romena chamada Raruca Popescu, de tom de pele próxima à sua. Desde que se viram, pareciam que se conheciam há muito, conversavam e sentiam próximos, se entendiam, como se sempre estivessem juntos, uma conexão natural e fácil e amiga, mas nunca tinham se visto antes. Ela contou para ele que, na Segunda Guerra Mundial, lá na Romênia, de onde provêm muitos ciganos, seus avós, pela perseguição de inimigos e por serem católicos ligados à Igreja do país, tiveram que esconder suas fortunas e joias enterradas em quintal, sendo que, até hoje, de vez em quando, acham alguma moeda perdida. Tomaram-lhes tudo.
Na China, Ele percorreu suas muralhas, avistou o grande deserto branco de Gobi e teve contato com os mongóis. Conviveu com mandarins e se vestiu como eles. Em Beijing, fez negócios, tomou chá, comeu frutas frescas e lichia, aprendeu Tai Chi Chuan, admirou os parques e as pessoas dançando e simulando lutas imaginárias com seus leques e espadas. Observou o Louva Deus e os tigres indianos. Sozinho visitou a Cidade Perdida e a escola de Confúcio. Foi rezar em templos budistas, acendeu incensos e rodou Roda da Fortuna que parava e lhe mostrava sempre o mesmo símbolo. Empurrou enormes traves de madeira, que funcionavam como aríetes e tocavam e vibravam sinos gigantes, pedindo paz para si e para o mundo.
Na verdade, nunca pensara em sair de sua cidadezinha natal. Nunca pensara em alçar voo e sair por aí. Mas a vida e o Céu o pegaram pela mão e lhe apontaram caminhos e Ele percorreu caminhos nunca imaginados, por terra, pelo ar e por mar. Em retribuição, entregou-se a defender a vida, a natureza, o contexto da qualidade de vida, a garantia da luz divina, a verdade.
Ela era jovem, filha de um feiticeiro que a levava para lugares escuros e realizava rituais em sua frente e fazia coisas que Ela nem entendia muito bem, todavia herdara de forma originante a ideia de que seria bruxa e que as pessoas deviam temê-la. No dia a dia, Ela era doce, silenciosa, observadora, saudável, mas, dentro dela, morava a essência de um Cavalo. Ela era honesta com quem se aproximava, alertava sobre sua origem e sobre as suas possibilidades, sobre sua dificuldade de se entregar, no todo, como amiga ou como mulher
Um dia, os dois se encontraram e o Serafim olhou nos olhos dela, dentro dela, mergulhou em suas trevas, e ressurgiu diante do coração dela e viu que no fundo, no fundo do fundo, ela era boa, mesmo que repartida, lá havia igualmente luz, e isso o agradou. Ela lhe avisou das suas possibilidades e Ele disse para Ela, beijando suas mãos sagradas: – Não tenho medo de você!
Noturna, de sono curto, Ela sentia dependência dos outros, com futuro incerto. Ele acreditava nela, no potencial dela e sonhou para Ela melhores dias e viagens e retornos felizes. E Ela viajou. Só que as cobranças sobre o que viria adiante levaram o Cavalo dentro dela a se agitar, comer suas raízes, negar sua “primogenitura”. Ele, antigo, já vira outro cavalo incendiário, que tinha gostado, fazer algo semelhante e fora um desastre. Ele não queria perdê-la e Ela percebeu, só que se esqueceu que o Serafim a “enxergava”, Ela se materializava diante dele e, em muitos momentos, teve prova disso. Ele, às vezes, não sabia exatamente o que estava errado, entretanto, nos movimentos dela e de suas companhias, via a ameaça e as armadilhas. Ele quis a fixar e tornar una, não queria que Ela sofresse o que outro cavalo do passado dele já sofrera, e também porque era importante que Ela ficasse fazendo bem à terra e às águas, a Ele mesmo, com os seus dons amorosos e saudáveis, que residiam além das suas trevas.
Então, Ela, com o seu Cavalo de patas de aço, o atacou. Ela foi dura, conclamou as tempestades e os relâmpagos contra Ele, que não se defendeu, apenas usou dois pares de suas asas para proteger sua cabeça e seus pés, enquanto pairava no ar sentido a presença dela. Às vezes, com suas asas centrais, fazia um giro em movimento de Tai Chi Chuan, só para os raios que iam em sua direção não terem chance de atingi-lo. Ele mergulhou nas águas profundas e de riscos coloridos de Europa, uma das quatro luas de Júpiter, junto com Calisto, para se recuperar do ataque. E o Cavalo atacou de novo. O Serafim aceitou o ataque, não o respondeu, com duas das suas seis asas cobriu os próprios olhos para não ver as trevas que transbordavam dele em sua direção e que contaminavam o ambiente, e ia adiante, envenenando espaços e seres contíguos, mesmo que destacados. Lembrou que, muito tempo atrás, tinha pedido paz para si e para o mundo e que, um dia, as vibrações desses pedidos também chegariam a Ela, se entranhariam nela e a fariam enxergar, ainda que se impusesse a riscos.
Europa. Imagem da Sonda Galileo. Fonte: Wikipédia.
Calisto. Imagem da Sonda Galileo. Fonte: Wikipédia.
Nem tudo aconteceu assim, a paz não voltou. Ela passou a odiá-lo, espalhou suposta atitude inconveniente, quando no fundo fora saudade e Ele nunca faria isso, mesmo que pudesse, porventura, ter desejado. Não o faria, por profundo respeito a Ela e aos seus compromissos pessoais. As amigas dela o atacaram, o ironizaram, separaram o mundo entre jovens e velhos, entre quem pode e quem não pode, desfizeram as pontes entre relações humanas, que são eternas e não dependem de idade. E quem fez isso esconde seus próprios demônios, seus interesses e supostas verdades formadas por mentiras, desilusão.
Ela o tratou como um antigo leproso, emudeceu, o repugnou. Elas o acusaram de espalhar doenças, maldições, que afetaram o vigor do Cavalo. Mas o Cavalo e o Serafim sabiam a verdade, as motivações para tudo aquilo, o tempo mostraria que as doenças nada tinham a ver com Ele, foram acontecimentos oportunistas. Ela precisava de descanso, vivia distribuindo sua energia vital. O Serafim se sacrificou por Ela e por onde andava e voava, pelos ares, pelas águas, pelas areias, Ele pedia aos céus para recuperá-la, devolverem seu sorriso e sua força, que o sol retornasse e brilhasse iluminando os passos e o coração dela, afastando a escuridão. Doou parte de si para Ela, porque Ele a conhecia, mesmo distantes no tempo eram próximos, mesmo atravessando buracos negros, eram capazes de se encontrar em outras dimensões, ainda que se negassem, o Universo formaria ondas que os trariam de volta em função de suas origens comuns, finitas e semelhantes.
Ilustração artística do Planeta Próxima B
Fonte: http://www.businessinsider.com.
O Serafim teve, chorando por dentro, que partir para o Planeta Próxima B, onde se encontrou e se aconselhou com alguns amigos Templários e bebeu Doogh, feito de leite das éguas de São Jorge, e um Whisky Bruadar, para se fortalecer. Um dia, Ele pegou sua viola flamenca e cantou esta canção:
“Quatro luas no horizonte,
E a saudade não se apaga
Falta-lhe algo na alma
Sozinho em um mundo distante.
Ela ergueu suas mãos sagradas das águas
E agarrou as suas asas
Voo entre dimensões
Mergulho entre orações.
Batalhas irreais
Lutadas pela madrugada
A vida real escondida num quarto
A espera de um tempo concêntrico.
Flechas lançadas em direções opostas
Rumam pelo Universo finito
Sorte de se encontrarem
E tornarem o maldito bendito”.
Partiu, não por Ela, independente do coração talhado a machado, era boa, delicada e gentil quando seu monstro interno estava pacificado. Parte Ele carregou consigo, parte ficou com Ela, parte ficou com alguns que achavam que sabiam a verdade, tolos. Por intuição e vendo adiante, como é comum aos Serafins, deixou com Ela relíquias para que evitasse os perigos que estariam adiante. Não a quis mal, não poderia, até porque Ela foi uma coisa boa em sua vida e lhe ensinou muito em tão pouco tempo. Ainda derrama luz sobre Ela, suas orações sobre a cabeça dela porque se considera Amigo. Assim como Deus determinou, todas as coisas acontecem, repetem-se.
Ela, como muitos cavalos, cavalga por aí... a buscar seu rumo, até em si. Uns acham que Ela endureceu, outros, que se perdeu. Ele sabe que, um dia, Ela sairá do mundo das fantasias. Ele sabe, porque a conhece bem. Ainda hoje, em momentos mais inesperados, Ela se materializa diante dele. Ele lança uma oração aos Céus, pedindo paz para o coração dela, proteção.
Alguns contam que a constelação de Pégasos, a do Cavalo Alado, surgiu desse encontro do Cavalo com o Serafim, nada tendo a ver com Zeus, o Deus do Olimpo. Pégasos junto ao Cisne e à Águia guardariam o segredo do enigma de Andrômeda, ainda a ser revelado. Pégasos fica dando piruetas na abóbada celeste e, de vez em quando, fica de cabeça para baixo.
Fonte da Ilustração: http://www.myinterestingfacts.com.
Até a próxima aventura!
(Esta é uma obra de ficção, de realismo fantástico, não tendo compromisso com a verdade ou com situações e fatos que possam ter ocorrido na vida real.)
A FORÇA DA MULHER PÁSSARO: SEGUINDO OS PASSOS DE LEWIS & CLARK
Robson José Calixto
Shoshone Sacajawea
Ilustração: David Joaquin
Nossa história começa com o desejo do Presidente Thomas Jefferson de saber o que existia de belezas e recursos naturais além do rio Mississippi, para oeste. A sua curiosidade buscava mais que isso, queria conhecer possíveis trilhas que pudessem favorecer negócios com países além-mar, bem como abocanhar o comércio de peles de animais, que envolvia tribos indígenas. Do mesmo modo queria estabelecer bases que pudessem vigiar e opor resistência a potenciais colonizações europeias na fronteira oeste, como as russas.
Para tanto Jefferson convidou, em 1801, seu secretário pessoal, Meriwether Lewis, com vinte e sete anos na ocasião, para comandar expedição, com s objetivos de explorar o rio Missouri até a sua origem, encontrar passagem entre as cadeias de montanhas que dividia o país e chegar até o Oceano Pacífico. Para segundo, no comando da missão, foi escolhido William Clark, com trinta e um anos, que tinha experiência militar e com exploração de fronteiras. Por isso, a expedição ficou conhecida como “The Lewis and Clark Expedition”, consistindo de pouca mais de 40 pessoas e três barcos.
Lewis & Clark partiram, em 14 de maio de 1804, da cidade de St. Louis, na divisa entre os estados do Missouri e de Illinois. No seu trajeto, passaram pelo Kansas, Divisa Nebraska/Iowa, Dakota do Sul, Dakota do Norte, Montana, Idaho, Washington via rio Snake, para, a seguir, via o rio Columbia, prosseguir ao longo da divisa entre o estado de Washington e estado do Oregon, a sul, terminando a viagem de ida, a 22 de março de 1806, depois de passarem um tempo em Fort Clatsop. Ver as Figuras 1 e 2 para melhor entendimento.
Figura 1. Fonte: www.infloplease.com.
Figura 2. Fonte: www.nationalgeographic.org.
A expedição poderia ter sido um completo fracasso, se a fortuna não tivesse colocado na vida daquele grupo o franco-canadense Toussaint Charbonneau, que se ofereceu para ser contratado como guia e intérprete de línguas indígenas. Junto com ele, estavam duas índias Shoshones – o Povo Cobra –, suas esposas adquiridas, mas só uma dela seria permitida viajar com eles: Sacajawea, a Mulher Pássaro, que estava grávida e que, com onze anos, havia sido raptada por índios inimigos de sua tribo.
Detalhe de Painel em estrada do estado de Montana. Foto: Robson José Calixto.
Durante toda a viagem, de ida e volta, a expedição vivenciou e conviveu com diversas tribos indígenas hostis, animais selvagens, ambientes desconhecidos, montanhas quase intransponíveis, fortes tempestades de neve, proximidade de furacão, enchentes, falta de comida, privações, doenças – o contramestre Charles Floyd morreria de apêndice supurado –, batalhas, perigos de vida, inclusive Lewis levou, por acidente, um tiro na coxa, dado por membro da própria expedição, sobrevivendo.
Mas justamente, em meio a tantos problemas e perigos vivenciados, se sobressaiu a figura daquela jovem mulher, com seus conhecimentos da região e dos segredos da terra e das águas, com suas poções, remédios e, quiçá, feitiços. Na fome, fez pães, trouxe raízes e frutinhas vermelhas para todos comerem; nas doenças chá e ervas e carinho; no desespero do frio e da neve, ensinou as passagens secretas entre as montanhas; abnegada, vendeu seus próprios vestidos para conseguirem cavalos. De seu marido de jeito grosseiro, que não sabia nadar e tinha medo da água, recebeu perigos e ameaças, e por isso ela quase morreu. Para apressar seu parto e suportar as dores, foi-lhe dada uma mistura de água com anéis do chocalho de cascavel triturados. Resiliente, concebeu um menino, em fevereiro de 1805, e continuou carregando seu bebê nas costas.
Ao longo da expedição, a relação de Sacajawea e Clark se estreitou, os dois se aproximaram, mesmo pertencendo a mundos diferentes – ela era muito graciosa. Quase vinte anos os separavam, mas a diferença de idade e experiências de vida não impediu que a relação dos dois superasse preconceitos, fato notável para a ocasião, se levarmos em consideração que tudo ocorreu há quase 210 anos atrás. Nem a cor avermelhada de sua pele, nem seus olhos amendoados, nem seu jeito particular de se expressar, nem seus cabelos longos, nem a dificuldade de escreverem seu nome em uma forma única impediram o estabelecimento de uma relação de confiança mútua.
Nos registros da expedição, percebe-se um progressivo processo de proteção, aproximação, admiração, preocupação e busca de compensação entre ambos. Clark a protegia e queria seu bem, inclusive se interpôs seriamente entre o bruto Charbonneau e a dedicada e jovem índia, a quem apelidou de “Janey”. Talvez a desejasse como mulher, quem sabe? Continuaram amigos. Sim, Clark a protegia e especialmente a Jean Baptiste, o menino que nascera de Sacajawea, que apelidaram de “Pomp”. Ela era muito corajosa e acompanhou os viajantes que adentraram o mar, em duas canoas, para ver de perto as grandes ondas e uma baleia que se aproximara da costa do Pacífico.
A viagem de volta da expedição começou na tarde do dia 23 de março de 1806, seguindo junta até a Divisão Continental – uma cadeia de montanhas que divide os Estados Unidos e suas bacias hidrográficas –, quando dois grupos seriam formados e viajariam separados, de 3 de julho a 12 de agosto de 1806. Lewis seguiria para o noroeste de Montana, para explorar o rio Marias e ver se encontrava afluente navegável do Missouri, para que carregamentos de peles canadenses pudessem ser desviados para portos americanos. Clark iria até Beaverhead Rock, próximo à cidade de Dillon, Montana, onde tinham deixado barcos no outono de 1805. Após recuperar os barcos – canoas–, Clark iria, com o pessoal restante, até a embocadura do rio Yellowstone, daí à junção com o rio Missouri, na divisa entre os estados de Montana e Dakota do Norte. Em maio de 1806, durante uma semana, Jean Baptiste sofreu com dores e febre por problemas na garganta, se recuperando sempre com muita atenção de Clark.
As duas comitivas voltaram a formar um mesmo grupo. Lewis & Clark, percorrem, a partir desse ponto de reunião, nas proximidades do Fort Mandan, o mesmo trajeto por onde tinham partido, chegando à cidade de St. Louis a 23 de setembro de 1806. Sacajawea estava, então, com, aproximadamente, dezoito anos, uma jovem mulher.
Um mês antes disso, em agosto de 1806, depois de receberem pagamento pelos serviços prestados, Charbonneau e sua família se despendem da expedição. Contudo, Clark escreve a Charbonneau, se oferecendo para adotar Pomp, então com 19 meses, e cuidar de seu futuro. A relação de afeto de Clark para com Sacajawea e seu filho deu motivo a especulações sobre a paternidade do menino.
A vida de Sacajawea, pós-expedição, seria envolvida em grande mistério. Seis anos após a expedição, ela daria luz a uma menina. Só que, nesse mesmo ano, Sacajawea morreria. Todavia, outros relatos, mesmo a tradição oral Shoshone, indicam que teria sido outra mulher que morrera na ocasião. Sacajawea teria deixado seu esposo e vagado pelas planícies até se assentar com os índios Comanches, casando-se novamente e falecendo apenas em 1884, no estado de Wyoming.
Foi conhecendo essa história, que comecei a planejar viagem aos Estados Unidos, para seguir, com minha família, grande parte do trajeto da Expedição de Lewis & Clark. E é uma viagem maravilhosa, de belezas naturais surpreendentes ao longo do trajeto e nas vizinhanças, de estradas fantásticas, algumas sinuosas para se dirigir. Em duas viagens, até por imposições quanto a tempo disponível para viagem e por aspectos topográficos, onde unimos outros interesses de conhecimento e turismo, percorremos o trajeto dos estados de Montana, Idaho, Washington e Oregon. E que região belíssima! Talvez a mais bela dos Estados Unidos, juntamente com parte do Wyoming e do Colorado!
Em Montana, o Parque Nacional Glacier, com suas águas azuladas hipnóticas e a estrada com nome sugestivo “Indo para o Sol” (Going to the Sun), além de cidades como Darby e Kalispell. Gostaria de se hospedar no motel Cavalo Faminto (Hungry Horse)? Em Idaho, a cidade dos riquinhos Ketchum e a impactante Coeur D´Alene (como nunca tinha ouvido falar dela?!), rio Salmon e as localidades de Riggins e Orofino. Entre Idaho e Montana, a Passagem Lolo. No Oregon, Portland e Cannon Beach, no Condado de Clatsop. Aonde você vá, encontrará referências – painéis, placas ou escrito em pedra – sobre a presença da Expedição de Lewis & Clark naquele espaço territorial. Que tal aproveitarem um pulo em Seattle, no estado de Washington? Ou andar sobre as estranhas rochas fofas e escuras das Crateras da Lua (Craters of the Moon) no Idaho?
Glacier. Foto: Robson José Calixto.
Motel Cavalo Faminto. Foto: Robson José Calixto.
Foto: Robson José Calixto.
Muita coisa para ver, algumas vezes encontrar até fuso horário diferente e costumes locais distintos dos demais estados. Uma cozinha country das melhores, saborosa, em achados nas estradas, mas não muitos shoppings para compras, a não ser mais próximo à costa do Pacífico. Só indo por lá para acreditar. Todos os detalhes dessas duas viagens e outras informações – belezas cênicas, dicas de restaurantes, compras– podem ser encontrados no livro O Que É Ser Americano: Viajando de Carro Pelos Estados Unidos (http://www.saraiva.com.br/o-que-e-ser-americano-viajando-de-carro-pelos-estados-unidos-9241218.html), de minha autoria.
Até o nosso próximo encontro!
Brasília, 27 de setembro de 2016.
R. E. - Robson José Calixto é jovem e talentoso escritor brasiliense. Conheci-o na piscina da Clínica Reabilit, da Doutora Ayda Jamal, onde fazíamos hidroterapia – ele já recebeu alta, e eu ainda permaneço por lá, pelo resta da vida que Deus me conceder. Embora nossa diferença etária seja de quase 40 anos, descobrimos logo um sentimento comum que nos unia, além da dor: o gosto pela Literatura, o que demonstrou magistralmente com seu livro O Que É Ser Americano: Viajando de Carro Pelos Estados Unidos, do qual fiz a revisão gramatical e ortográfica. É trabalho de superfôlego, escrito por alguém que conhece o país americano como ninguém, mesmo até mais do que os nativos daquela nação, cuja leitura recomendo a todos os que ora se iniciam na variedade dos assuntos das páginas deste Almanaque.
NOITES 19
Robson José Calixto
A DESCOBERTA DA FÉ NA CIDADE DOS MORTOS
Robson José Calixto
VINHO, "ADORO", BEBENDO E MANTENDO A CRIATURA!
Robson José Calixto
Em maio de 2018 viajei à convite para Angola - o país de Agostinho Neto. Quase não cheguei, pois em 10 dias de maio de 2018 ocorreu a famosa greve de caminhoneiros que deixou muita gente a pé, sem gasolina ou álcool para os carros e gasolina especial para os aviões.
Foi um caos! Eu cheguei no Aeroporto de Brasília e o meu voo da Latam para São Paulo havia sido cancelado, me deixando e todos os demais passageiros na mão e em uma fila enorme por horas, tentando alocação em outro voo da empresa ou de empresa concorrente. Tive que voltar para casa, mas depois arranjaram um voo à noite para mim, contudo eu perderia minha conexão para Luanda, mesmo assim aceitei.
De casa consegui enviar um email para o hotel reservado em Luanda, informando que só chegaria no dia seguinte ao previsto. Aterrizei quase à meia noite em São Paulo, sem ninguém nos balcões da Latam, Anda para cá, para lá até que apareceu alguém, que me deu um voucher para um hotel e passou mensagem para a Companhia Aerea de Angola, a TAAG, tentando uma vaga para o dia seguinte, à tarde - somente um voo por dia.
Consegui chegar em Luanda em cima da hora para a minha primeira palestra. Fui muito bem tratado, mas por mais que me cuidasse, na madrugada da volta acordei com uma tremenda diarreia, fortíssima. Eu tinha remédio para isso, mas lembrei de conselho de médica que brigou comigo por ter feito isso anteriormente. ela me alertou para o perigo de se pegar uma infecção e que ela se espalhasse. Fiquei muito debilitado, melhorei e parti para o aeroporto levado por gente do governo de Angola.
Ainda passariam algumas horas até o avião partir, então circulei pelo pequeno aeroporto, até chegar a uma loja de Free Shop e ver uma garrafa de vinho bem diferente, com líquido bem atraente na cor de pêssego. O vinho não era caro e chamava atenção por estar envolvido em uma fita métrica, com marcações, em inglês, sobre o número de taças a serem sorvidas e a indica de "slim" (fino, estreito, justo).
Ademais, o nome do vinho era um achado: "Adoro", com a designação "Flirt" (flerte, namoro). Estou falando do vinho sul-africano "Adoro Flirt Seco Blush",2013, 8,5% Vol, de cor de pêssego-guaraná, leve, frutado, com notas de frutas vermelhas, com o morango pronunciado, ótimo para se tomar gelado, elegante, levemente ácido, com a indicação quer é para auxiliar na manutenção do tamanho da cintura.
O vinho é comercializado pela marca Norman Goodfellows - comprei duas garrafas e não me arrependi. Bom para qualquer hora, em um bom papo, como introdução ao namoro ou entre amigos. Caiu bem com tábua de frios, pastas de queijo com damasco e tomate seco, mas poderia ser servido com frutos do mar, a qualquer hora e no início da noite, no contexto de um flerte!..
GOSTEI DE “VOCÊ” (YOU)
Robson José Calixto
No final de semana passado, acabei de assistir à 2a. Temporada do Seriado (Sic! Vem tudo junto!) "Você", na NetFlix. A série é daquelas a que você começa a assistir e quer ir logo querendo saber o que vem adiante, ou fica imaginando como a história e personagens podem ser construídos. O mau mão e tão mau assim, pode ser terno. O bom não é bom constantemente, pode ser diabólico. Tudo está no meio. Meias verdades, meias mentiras não se mentem, todavia se ocultam.
A texana Elisabeth Lial, que cresce em sua carreira, é extremamente sensual e fragilmente poderosa. Seus olhares, expressões dos lábios fazem-nos acreditar que é preciso tomar conta dela, Joe precisa protegê-la. Só que nada é assim, sua personagem é perigosa, age no sentido oposto, no silêncio. Na série, se diz de sagitário, mas um bom esotérico sabe que ela foi banhada no veneno do escorpião.
Já a personagem Love, que parece ser normalzinha e buscar um novo caminho, vive em um mundo paralelo ao de Joe, não estando claro o que já fez no passado para ser o que é. Se houver a 3a Temporada, há probabilidade de que Joe e Love se instiguem a se realizarem na claridade e perversão de serem o que são: dois animais predadores que estão dispostos a tudo para defender seus terrenos.
Claro que na série aparecem cenas que já vimos em outros filmes. O que fazer? Chacrinha dizia: "Nada se cria, tudo se copia".
Bsb, 12 de janeiro de 2020.
ROUBO EM STONEHENGE - PARTE FINAL - O ROUBO!
Compilação por Robson José Calixto
Há quase 60 anos, durante trabalho de restauração de pedras que estavam desmoronando, uma amostra de cerca de 1,30 m foi levada de Stonehenge para a Flórida.
Robert Phillips era parte da equipe da empresa Van Moppes, do ramo de negócios com diamante, incluindo o corte dessa pedra preciosa, e guardou consigo o que teria sido julgado como resíduo ou rejeito, isto é, um corte cilíndrico (amostra), na forma de um tubo (testemunho), de uma das pedras sarracenas de pé em Stonehenge. Phillips colocou a amostra em uma prateleira do seu novo escritório, quando emigrou para os Estados Unidos, passando a morar na Flórida.
Nas vésperas de completar 90 anos, Phillips resolveu voltar para o seu país natal, levando a amostra consigo. Com a saúde debilitada, ele não conseguiu devolver a pedra por si mesmo, solicitando que seus filhos o fizessem, que se deslocaram das cidades de Bath e Canterbury até Stonehenge para realizar a devolução.
Já em Stonehenge, os dois filhos de Phillips entregaram à Curadora da “Herança Inglesa” (English Heritage) o tubo de Perspex (plástico resistente, leve e transparente, produzido, pela primeira vez, em 1930), com o testemunho. Ainda haveriam dois outros testemunhos que também estariam desaparecidos desde aquele trabalho de restauração de Stonehenge.
Espera-se que o cilindro com o testemunho devolvido possa ser estudado para lançar luz sobre o antigo círculo de pedras - e ajudar a resolver o enigma de onde as pedras sarracenas vieram. Ao contrário das pedras azuis menores, extraídas nas montanhas Preseli, no País de Gales, a origem das sarracenas é desconhecida.
Heather Sebire, curadora da English Heritage em Stonehenge, disse: “A última coisa que esperávamos era receber uma ligação de alguém na América nos dizendo que eles tinham um pedaço de Stonehenge. Somos muito gratos à família Phillips por trazer esta peça intrigante de Stonehenge de volta para casa. Estudar o 'DNA' do núcleo de Stonehenge poderia nos dizer mais sobre a origem dessas enormes pedras duras”.
O professor David Nash, da Universidade de Brighton, disse:
"Nossa impressão digital geoquímica das pedras sarracenas in situ em Stonehenge e do próprio núcleo, quando comparada com amostras de áreas do sul da Inglaterra, esperançosamente nos dirá de onde vieram as diferentes pedras".
Agora, lá na Inglaterra eles agradeceram a devolução do testemunho, patrimônio cultura do povo britânico, mas no fundo no fundo sabemos que os registros geológicos foram surrupiados como souvenir, apesar de terem sido encarados como simples resíduos....
Esse texto foi escrito baseado em:
Missing piece of Stonehenge is returned after 60 years: Workman who took chunk of rock in 1958 as a souvenir before emigrating to the US finally decides on the eve of his 90th birthday to send it back to Britain. By Colin Fernandez Science, Correspondent For The Daily Mail and Joe Pinkstone For Mail online. Updated: 07:49 GMT, 8 May 2019.
Brasília, 30 de dezembro de 2019
Desejo ao Seu Raimundo, familiares e aos Leitores do Almanaque Raimundo Floriano, um Santo Natal e um 2020 de reconstruções. Mas até fevereiro de 2020 o Ano do Porco continua a demolir nossas certezas!...
ROUBO EM STONEHENGE – PARTE IV (COMO GOSTAVAM DE COMER LEITÕEZINHOS)
Compilação por Robson José Calixto
As comunidades que moravam nos arredores de Stonehenge, até um pouco mais longe, não eram chineses, mas como gostavam muito de comer leitõezinhos, porquinhos. Escavações realizadas no círculo sul descobriram acúmulos volumosos de ossos de animais, provenientes em particular do nordeste da Escócia. Escavações posteriores apresentaram resultados similares, mostrando uma mudança na preferência alimentar de carne de gado para carne de porco. Por outro lado, a proporção de ovelhas era baixa.
Nas pesquisas os seguintes elementos foram registrados como restos para ambos, porcos e gado, a saber: úmero, rádio, ulna, fêmur, tíbia, astrágalo e calcâneo. Além disso, para os porcos somente maxilas, mandíbulas, dentes soltos, atlas, escápula, pelve e metapodiais mediais foram registrados. (Umberto Albarella & Dale Serjeantson, 2002).
Os estudos têm considerado a abundância do porco uma característica genuína da economia neolítica tardia, possivelmente devido às condições ambientais alteradas. Mas porcos, tendo grandes ninhadas e crescimento rápido, seriam animais ideais para serem utilizados na produção de carne para festas; grandes quantidades poderiam ser produzidas, relativamente, com menor tempo do que o gado ou ovelha.
Os ossos metapodiais não se encaixavam no padrão dos estudos, sugerindo uma maior proporção de porcos abatidos antes do final do segundo ano. Existiria inconsistência entre a erupção dentária, dados de abrasão e os dados de fusão, com os dentes sugerindo idades mais jovens que os ossos. Os únicos elementos pós-cranianos a fornecer resultados semelhantes aos dentes eram os metatarsos e, possivelmente, os metacarpos. Em outras palavras, parece que alguns dos crânios e metapodiais dos animais mais velhos estariam faltando, que pode ser consistente com o que é sugerido pela distribuição das partes do corpo. Apesar das inconsistências, é provavelmente seguro sugerir que a maioria dos porcos de Durrington Walls foram abatidos quando eles estavam entre um e três anos de idade. Esta é a idade quando os animais crescem suficiente para produzir uma quantidade de carne substancial, mas ao mesmo tempo ainda são jovens o suficiente para produzir carne de boa qualidade.
As pesquisas realizadas indicaram a presença de fragmentos de pedra nos ossos dos porcos, como tivessem sidos atingidos por pontas de flechas. Contudo, é difícil imaginar por que as pessoas atirariam flechas em porcos domésticos. Uma possibilidade seria que os rebanhos bovinos e suínos (ou partes deles) fossem mantidos em um estado semiferoz e lanças ou flechas foram usadas para imobilizá-los para a matança. Explicação alternativa seria se eles fossem mantidos sob controle rigoroso, para abate como exercício de caça, embora exista pouca evidência de caça em relação àqueles que se reuniam em Durrington Walls. É até possível que houvesse caça ritualizada dentro do recinto.
A análise da parte do corpo, que levou em consideração danos naturais e culturais aos ossos, sugere que carcaças inteiras de porcos mais jovens foram cozidas e comidas na área investigada, enquanto crânios e pés dos animais um pouco mais velhos foram removidos em outro lugar. Gado e porcos foram abatidos, consumidos e descartados de maneiras diferentes. Variações no açougue, culinária e sobrevivência dos ossos de animais sugerem que diversas atividades ocorreram no local. Alguns dos ossos de porco foram abandonados ou descartados sem ser quebrado para atingir a medula óssea, algo também raro em outros ajuntamentos. Tal fato o abate relativamente leve e a queima confirmam que a carne de alguns dos porcos não foi utilizada intensivamente.
Pode-se imaginar grupos pessoas, seja um grupo restrito dentro da população ou toda a comunidade, reunida ao redor de fogos acesos dentro do recinto, enquanto porcos eram assados no espeto ou nas brasas. Quando a maior parte da carne houvesse sido consumida, alguns ainda estariam usando o calor e as chamas dos fogos acesos para ajudar na quebra de ossos abertos para extração de medula óssea.
Após as festas, grande quantidade de ossos que foram gerados, foram depositados em valas ou em outras partes da instalação. Depois de depositados, alguns dos ossos foram rapidamente cobertos e protegidos da destruição por cães, pisoteio e intemperismo que é o destino normal dos ossos nos primeiros assentamentos estabelecidos.
A própria escassez de roeção por cães, em contraste à sua abundância relativa na maioria dos ajuntamentos pré-históricos, sugere que os cães foram excluídos do local ou os ossos foram retidos e não distribuídos aos cães. Isso também tende a confirmar que alguma atividade especial diferente do consumo doméstico normal de alimentos ocorria em Durrington Walls. O descarte rápido de alguns ossos pode refletir apenas a preocupação em deixar a área livre de lixo. As festas devem ter sido realizadas apenas ocasionalmente; então, se algumas pessoas moravam no local o ano todo, os ossos podem ter sido removidos porque não era considerado apropriado viver entre os detritos orgânicos.
O fato de que nem todos os ossos foram prontamente enterrados, e que nem todos foram abatidos e cozidos da mesma forma, insinua que o lugar teve função doméstica e cerimonial, como fora sugerido. As carcaças completas de porcos jovens podem ter sido mais associadas a banquetes, enquanto carcaças abatidas dos porcos mais velhos e gado estavam associados a alimentos de consumo em menor escala em intervalos, mais regulares.
Fim da Parte IV
Esse texto foi escrito quase que completamente baseado em:
Brasília, 08 de dezembro de 2019
ROUBO EM STONEHENGE – PARTE III (CRAIG RHOS-Y-FELIN E AS PEDRAS)
Compilação por Robson José Calixto
Quando algum fã da série “Outlander”, como eu, vê o termo Craig Rhos-y-felin, logo se lembra de Craigh na Dun, espécie de resquício de pedras monolíticas na posição vertical, componentes de algum templo ou monumento, na Escócia, de onde a personagem Claire Beauchamp (uma bruxa?) costuma utilizar para suas viagens no tempo com destino ao século 18, bastando um rodopio forte dos silfos e toque em uma das pedras.
Craig Rhos-y-felin, no sul do País de Gales, em 2011, foi definida como a principal fonte, pedreira, mina, das pedras azul-acinzentadas que compõem Stonehenge. Essas pedras ígneas vulcânicas possuem grande quantidade de quartzo, são conhecidas como riolitos, possuindo arranjo mineral específico (“fabric” ou textura fluidal) orientado pela movimentação da lava.
As pedras menores (de 4 metros e cerca de 2 toneladas) vieram das montanhas Preseli, na localidade de Clynderwen, no oeste do País de Gales. Agora, como essas pedras foram movidas ao longo de mais de 140 milhas, dependendo da fonte de consulta, é motivo de muita controvérsia, mas sabe-se que movimentações glaciares devem ter facilitado o processo de transposição. Já as pedras sarracenas vieram de um arco de 20 milhas na planície de Salisbury.
Existem três hipóteses mais concretas sobre a transposição das pedras do oeste do País de Gales até Stonehenge, na Inglaterra. Uma seria bordejando a linha marítima, com trajeto bem mais longo, passando por Swansea, Cardiff, Penzanse, Torbay e Dorchester. Outra seria em parte costeira e parte continental, passando por Swansea, Cardiff e Newport. A terceira via continente, partindo das montanhas Preseli, passando por Carmathen, na altura de Gloucester e Bristol, até Stonehenge. As pedras de 4 metros e 2 toneladas podem ter sido movidas a partir de suas colocações em cima de toras de madeiras rolantes, mesmo um monólito.
Nada disso seria conseguido, para alguns estudiosos, se não houvesse integração de diversas comunidades ao longo do caminho, que testemunharam o espetáculo de todo esforço e toda a movimentação demandada, favorecendo com que as pedras fossem passadas de comunidade para comunidade. Para esses estudiosos a linha de comunicação estabelecida e a construção do monumento Stonehenge teriam o sentido de unificação política dessas comunidades ou o alcance de acordo de paz, com características sagradas.
Há relativamente poucas evidências de lascas na pedreira de Craig Rhos-y-felin para indicar os métodos usados para extrair monólitos de 4 metros das faces das rochas. Tampouco há evidência de fogo para dividir os monólitos da rocha, como era feito nos Alpes italianos do norte, onde era usado para destacar longos flocos térmicos de pedregulhos de jadeíta (mineral piroxênico e bem duro) para fazer as lâminas nas pontas dos machados.
Parece provável que os monólitos foram extraídos pela exploração de fissuras preexistentes nas rochas, martelando-as com cunhas de madeira e talvez aumentando as próprias fissuras para permitir o acesso das cunhas.
Stonehenge é o único círculo de pedras na Grã-Bretanha com pedras lavradas, nos formatos e nos tamanhos desejados. Evidência atual sugere que isso aconteceu muito tempo depois que as pedras azuis-acinzentadas chegaram ao local. A maioria dessas pedras nunca foi lavrada. As que foram formam o arranjo interno de ferradura que compartilham padrão similar ao dos trilitons, mas não do círculo sarraceno. Parece que a lavra simultânea aconteceu provavelmente por volta de 2.780 a 2.485 aC.
Fim da Parte III
Esse texto foi escrito completamente baseado em:
Craig Rhos-y-felin: a Welsh bluestone megalith quarry for Stonehenge - Mike Parker Pearson, Richard Bevins, Rob Ixer, Joshua Pollard, Colin Richards, Kate Welham, Ben Chan, Kevan Edinborough, Derek Hamilton, Richard Macphail, Duncan Schlee, Jean-Luc Schwenninger, Ellen Simmons & Martin Smith.
Brasília,19 de outubro de 2019
ROUBO EM STONEHENGE – PARTE II-B (OS CÍRCULOS)
Compilação Por Robson José Calixto - Estágio III
O estágio III de Stonehenge, segundo os estudiosos, ocorreu entre 2.480 – 2.280 a.C. o Círculo de pedras azuis-acinzentadas foi desmontado e um banco e uma vala, com cerca de 35 m de diâmetro, foram construídos em torno da posição do antigo círculo de pedras. Supõe-se que as pedras tenham sido trazidas para Stonehenge, talvez para serem rearranjados dentro de seu centro.
Possivelmente duas pedras foram removidas para a abertura de passagem na extremidade nordeste. Inumação humana datada entre 2.400-2.140 a.C. foi enterrada na vala, do lado oeste da passagem (entrada) nordeste. Conhecido como o Arqueiro de Stonehenge, esse homem adulto foi atingindo, ao menos, três vezes por flechas. Ele tem sido acreditado como sacrifício humano ou vítima de assassinato, contudo pode ter sido o último enterrado no cemitério de Stonehenge.
Estágio IV
Nesse estágio, as pedras azuis-acinzentadas foram assentadas sobre os soquetes Q&R. Dentro do centro, um círculo oval com 24 pedras foi construído (possivelmente a partir de pedras azuis na posição vertical, no período de 2.280-1.940 a.C.).
O grande buraco ao lado do trilithon gigante foi preenchido e uma das pedras do círculo oval foi assentada no seu interior. Osso de animal, datado de 2.460 a 2.040 a.C., no topo de um buraco Q vazio correspondeu com a data de construção de 2.480 a 2.140 a.C e 2.290 a 2.030 para o círculo de pedras azuis-acinzentadas.
Estágio V
Dois círculos concêntricos de valas, conhecidos como buracos Y e Z foram cavados na parte de fora do círculo de pedras sarracenas (Sarsen Circle). Elas foram deixadas abertas e foram preenchidas por sedimentos trazidos pelo vento, provavelmente de áreas cultivadas na vizinhança. É possível que essas valas tenham sido escavadas para a colocação de pedras azuis-acinzentadas, todavia se a era a intensão nunca foi completada. Algumas partes desse trabalho não foram bem preservados, e pedras desse último círculo foram removidas em períodos mais recentes.
Fim da Parte II-B
Esse texto foi completamente baseado em: Pearson, M.; Marshall, P.; Pollard, J.; Richards, C.; Thomas, J.; and Welham, K. – Stonehenge. Chapter 9.
Brasília,05 de outubro de 2019
ROUBO EM STONEHENGE – PARTE II-A (OS CÍRCULOS)
Compilação por Robson José Calixto)
Como lhe falei, Stonehenge é composto por vários círculos, concêntricos, e foi construído, por etapas, destruído e reconstruído, além de movido de lugar. Durante as várias pesquisas, que incluíram dezenas de escavações, verificou-se que a estrutura foi construída em cinco estágios ao longo de 2.000 anos compreendendo o Neolítico e a Era do Bronze.
Estágio I
O primeiro estágio consistiu de uma vala circular delimitada por banco no seu interior, com cerca de 100 m de diâmetro, e por um banco externo. Essa estrutura inicial possuía a nordeste uma passagem principal, de onde sai uma avenida, e a sul uma passagem menor, como formas de acesso.
Estudos com radio carbono indicaram que nessa etapa, que pode ter durado de 3.000 a 2.935 a.C., a estrutura serviu como lugar de depósito para dezenas de cremações, sendo contemporâneos de outros depósitos de cremação, enterrados em Aubrey Holes, marcados por pedra de arenito azul-acinzentados e assentados na posição vertical.
Séries de pequenas valas/furos dispostas na forma de retângulos, no centro do banco interior, para fixação vertical de varas, hastes ou toras de madeira, ou mesmo blocos de pedra, sugerem que comporiam plataformas para escarnação, isto é, retirada da carne no processo de desossamento. Entre mais de 40 ossos humanos não queimados, dois foram datados para o período indicado.
O eixo da entrada/passagem, à nordeste, está alinhado como o limite norte da Lua Crescente, em especial na Lua Cheia do Inverno Intermediário/Médio. Todavia esse alinhamento não é preciso, podendo indicar que talvez seus construtores, na ocasião, não tivessem conhecimento astronômico suficiente para tal tarefa ou, ainda, que usasse a posição da lua apenas como referência.
Por fim, pode-se dizer que nesse primeiro estágio Stonehenge foi classificado como um círculo de pedra que servia como cemitério de cinzas de cremação. Dos 63 depósitos de cremação escavados, exceto cinco eram de adultos, dos quais somente dois de mulheres, enterradas a mais de 500 anos, quer dizer deposições não tão antigas.
Estágio II
Após cerca de 500 do primeiro estágio, Stonehenge foi moldado na forma como se conhece hoje. Nesse intervalo, material cremado e ossos humanos não queimados continuaram a ser depositados. Nesse intervalo, pedras sarracenas (“sarsen stones”, em inglês), isto é, blocos duros de arenito, foram dispostos na forma de uma ferradura, a partir de cinco trilitons centrais. Trilitons são arranjos de blocos de pedra, onde pares são colocados em paralelo na vertical e possuem um terceiro bloco como verga superior. Os trilitons são datados de 2.850 a 2.400 a.C. e os círculos sarracenos (ou pagãos), de 2.580 a 2.470 a.C.
A logística da construção indicaria que os trilitons foram as primeiras eretas no Estágio II, a partir de um rearranjo dos arenitos azul-acinzentados de Aubrey Holes, na forma de arco duplo dentro de buracos (buracos “Q&R”), isto é, uma série de pares de soquetes concêntricos na forma de sino, usados em fixação. O círculo sarraceno foi erigido englobando os elementos anteriores.
O círculo sarraceno pode não ter sido completado, pois não existem traços da existência de algumas pedras, mas um desses buracos foi escavado (o de no. 13), demonstrando que uma pedra uma vez esteve erguida ali. Levantam-se a hipótese que algumas das pedras sarracenas e das vergas foram roubadas ao longo do tempo, junto com cerca de 5 dos 80 arenitos azul-acinzentados.
Duas pedras de quatro, conhecidas como “Station Stones” foram posicionadas no banco interior, formando um retângulo com linhas de visão astronômicas. Os seus eixos nordeste e sudoeste são os mesmo do círculo sarraceno e do maior de cinco trilitons, na direção nascer do sol no solstício de verão intermediário e pôr do sol no solstício de inverno intermediário, no hemisfério norte. Os seus eixos noroeste-sudeste está aproximadamente alinhado com a Lua surgindo no horizonte (pleno no verão) e com a Lua se pondo abaixo do horizonte (pleno no inverno).
No lado externo da entrada nordeste, no sentido da avenida, está a Pedra da Saúde (“Heel Stone”), mas um pouco fora de alinhamento.
Fim da Parte II-A
Esse texto foi completamente baseado em: Pearson, M.; Marshall, P.; Pollard, J.; Richards, C.; Thomas, J.; and Welham, K. – Stonehenge. Chapter 9.
Brasília, 27 de novembro de 2019
ROUBO EM STONEHENGE - PARTE I (INTRODUÇÃO)
Robson José Calixto
Você deve lembrar que que lhe falei que já estive em Stonehenge. Naquele templo de pedra de cores variadas, considerado místico, na forma de um círculo, ou melhor, inserido em círculos concêntricos de pedras de diferentes formas e origens e que as pessoas que o visitam acreditam que lá é um centro de convergências astronômicas, um portal para viagens no tempo e outros mundos. Muitas vezes o que precisaríamos para ir ao encontro do que nos chama de volta ao universo aberto e curvo, celeste.
Lembro que você me disse que também gostaria de um dia conhecer o lugar e eu a imaginei estando onde estive e vendo o que já vira. O ano era o de 1996 e eu cheguei lá de trem a partir da Estação de Waterloo, em Londres, até às proximidades da cidade de Salisbury – uma hora e meia de viagem - e de lá um ônibus turístico para Stonehenge.
Na volta para Salisbury fui conhecer a Catedral, onde está cópia da Carta Magna, bem como o museu, que também fala de Stonehenge e, onde descobri, para a minha surpresa, que existia um boneco gigante, como se fosse um daqueles que desfilam em Olinda no carnaval, de São Cristóvão, caracterizado como um homem de tez morena e barba e bigode negros, de fisionomia e roupas árabes (um camisolão vermelho), na cabeça uma espécie de turbante cinza, em diagonal um cinto de couro, de onde pendia uma espada, longa e fina.
Mas falar de Stonehenge é bem complexo e complicado, nada fácil. Não só pelas crenças e lendas relacionadas ao lugar, bem como em função das pesquisas arqueológicas, antropológicas, de datação e das suas raízes históricas, quando teorias são levantadas, confirmadas ou derrubadas conforme os recursos tecnológicos se modernizam ou mais buracos são abertos no relevo e mais se estudam as características litológicas da região e seu entorno.
William Flinders Petrie, que fez pesquisas no local entre os anos de 1874 e 1880, buscou explicar Stonehenge a partir de quatro vertentes: sepulcral, religiosa, astronômica e monumental. Contudo, outros também diriam que seria um monumento aos mortos, aos ancestrais de pessoas que por lá viviam. Outros, ainda, teorizaram que seria um templo dos antigos druidas – elite religiosa que realizava suas cerimônias em regiões de bosques arborizados, em particular carvalho.
Certo é que que se os romanos não tivessem aparecido por aquelas bandas britânicas, não se saberia que o Stonehenge é bem anterior, datando de 3.000 a 2.500 anos antes da chegada deles na “ilha” e seus parcos registros sobre algum tipo de elite religiosa. Quer dizer, não haveriam registros históricos confiáveis que ligue os druidas à construção de pedra, todavia até os nossos presentes dias permanece fixa na consciência pública que haveria algum tipo de ligação, isto é, ocorre a prevalência da narrativa sobre a realidade.
As pesquisas constataram, também, que não se sustenta a hipótese de que a construção serviria para predição de eclipses solares e lunares. Porém tem-se certeza que é um monumento para comemorar certas efemérides celestes importantes, como o solstício de verão, o nascer do sol, o inverno intermediário, o pôr do sol do solstício, juntamente com os limites norte e sul do nascer da lua e pôr da lua.
O pesquisador Aubrey Burl estudando a litologia da construção, em 1987, relacionou as diferentes camadas dos materiais e suas propriedades – pedra, areia e calcário – com as perspectivas pedra, permanência e imortalidade. Aubrey Burl acabou por designar Stonehenge como “A Casa dos Mortos”, mas essa teoria não consegue explicar completamente o uso do local e acabaria ser desbancada por estudos posteriores.
Para o pesquisador Mike Parker Pearson, “um dos problemas consistentes com a teorização Stonehenge é que diferentes teorias tendem a apreender aspectos particulares e promover aqueles como os mais significativos, minimizando ou ignorando outros elementos ou inconsistências. Um pouco como os cegos cada um sentindo uma parte diferente do elefante e pronunciando um tipo diferente de animal dependendo de qual parte foi sentida, então as teorias sobre Stonehenge raramente foram totalmente holísticas ou contextuais”.
Mike Parker Pearson acrescenta que “a orientação astronômica de Stonehenge para o pôr do sol no solstício de inverno intermediário e nascer do sol no solstício de verão intermediário, não são particularmente únicos na região - arranjos semelhantes foram encontrados em monumentos anteriores, como a passagem de túmulos de Maes Howe em Orkney e Newgrange na Irlanda - mas o que é incomparável é a concentração de monumentos alinhados ao nascer/pôr do sol de solstício nos arredores de Stonehenge”.
Descobertas mais recentes sobre a ocupação mesolítica (13.000 a.C. até 9.000 a.C.) de longa duração, um pouco além da região de Stonehenge, demonstram que a construção provavelmente seria um "lugar persistente", de resiliência, para povo mesolítico e, portanto, um centro de seu mundo e suas vidas, muito antes de quaisquer pedras serem erguidas.
Mike Parker Pearson concluí que “se a localização de Stonehenge estava no eixo do mundo há muito reconhecido, como a forma de relevo e atividade mesolítica sugerem, então a unidade dos elementos solar, lunar e terrestre, nos ajudam a entender que a construção foi projetada para integrá-los de uma forma holística e unificada”.
Fim da Parte I
Fonte: Pearson, M. Researching Stonehenge: Theories Past and Present. Archaeology International, 013.
Brasília, 20 de novembro de 2019
FRANCISCO E O IRMÃO LOBO
Robson José Calixto
Quero fazer teu olhar brilhar de novo, tendo à memória a recente passagem (15/06/2019) do cineasta Franco Zeffirelli, que dirigiu “Irmão Sol, Irmã Lua”. Falar-te-ei sobre São Francisco (1182-1226), que nasceu em Assis, que fica bem próxima a Gubbio, Itália, o que lhe permitiu viver nessa cidade sobre a qual já muito te falei.
Certa ocasião lobo feroz começou a atacar nas cercanias de Gubbio. Primeiro matava animais pequenos, domésticos, e depois ameaçou a própria população da cidade, que resolveu se armar e evitava, por medo, de se aventurar sozinha para fora de seus muros, de seus limites. Diziam que era uma verdadeira besta e possuía uma boca enorme, assustadora, criando desassossego.
Tomado pela compaixão, Francisco resolveu ir ao encontro do lobo, apesar de todos os pedidos e conselhos para que não fizesse isso. Decidido, São Francisco fez o sinal da cruz e saiu à procura do lobo onde diziam que a fera se movimentava, habitava.
Por sua vez, o lobo, percebendo a agitação na cidade, correu para atacar o homem que se arriscava em seus domínios, abrindo a boca e mostrando suas presas afiadas. Ao ataque iminente, Francisco fez o sinal da cruz, atraindo a fera para si, a quem chamou de “Irmão Lobo”. E de onde provinha violência, mordidas, dilacerações e dor, se estabeleceu a mansidão.
Assim, Francisco conclamou que o lobo não o atacasse, nem às criaturas de Deus e a mais ninguém, pedido ao qual assentiu, inclinando a cabeça e balançando o rabo.
Francisco o admoestou ainda mais, fazendo o lobo prometer, a ele e aos céus, que não atacaria a mais qualquer ser e que faria paz com as pessoas da cidade. O Irmão lobo se aproximou e estendeu uma de suas patas dianteiras sobre a mão de Francisco, inclinando, mais uma vez, sua cabeça, assentindo.
Com esse ato, Francisco ordenou, em nome de Jesus Cristo, que o Irmão Lobo o acompanhasse até a cidade para selar paz definitiva entre os antigos inimigos, tornando-se o Santo fiador do lobo.
Conta-se que a população de Gubbio ficou admirada com tudo que se passara entre Francisco e o lobo, que tomou a mudança de comportamento do animal feroz como milagre, do ódio para uma convivência pacífica. As habilidades especiais de São Francisco se espalharam ainda mais depois de amansar o lobo, e a população da cidade agradecia aos céus sua presença salvadora e pacificadora.
Dizem que o lobo passou dois anos saindo e entrando das casas dos moradores da cidade, sem perturbar a ninguém e sem que fosse molestado por qualquer pessoa, ao contrário, era alimentado por elas. Depois disso o animal morreu, todavia, ninguém se esqueceu do episódio vivenciado com a presença generosa de São Francisco, o “Irmão Sol”.
Brasília, 22 de junho de 2019. Várias fontes.
GUBBIO – A PEREGRINAÇÃO (A DESCIDA) –PARTE V
Robson José Calixto
São Ubaldo
Talvez um dia viaje até Gubbio, você já tem asas. Certo é que tomado o caminho, muita coisa pode acontecer até à saída dele. Nem sempre temos governabilidade sobre os acontecimentos, nem sempre o que planejamos se realizam. Novos fatos podem interferir, surpresas podem nos fazer escolher opções mais viáveis.
Cansados e extenuados pela subida até o topo do monte Ingino, para alcançar a Basílica de São Ubaldo e visitá-la, ao ver as escadarias e mais à frente o pequeno restaurante (“Antica Gelateria del Corso”) à borda do monte, só um pensamento passava por nossas cabeças: comida! Até chegar a ele passamos por um pequeno circuito de rampas de paredes de granito e corrimões.
O restaurante, gerido e servido por duas mulheres, proporcionava visão belíssima do vale de Gubbio. Ademais, era aconchegante, com flores bem vermelhas, girassóis e mesinhas brancas quadradas, com guarda-sol e cadeiras creme ou mesas grandes com bancos de madeira envernizada. A brisa e a sombra nos aliviaram e relaxaram. A água com gás era "molto frizzante", refrescante, do jeito só encontrado na Itália, e a salada niçoise estava deliciosa.
Fotos, fotos. Um café descafeinado, quase um “cortadito”, acompanhado de “biscotti de pistachio”, também delicioso, quando olhamos para uma das laterais, no sentido da Basílica. Algo nos chamou muito a atenção! Vimos se movimentar, em um canto, em declive, algo que parecia ser um teleférico, de cabine cilíndrica verticalmente vazada. Também observamos algumas pessoas se adentrando entre as árvores, que parecia uma trilha "malocada".
Já estávamos pensando como seria a nossa volta e em quanto tempo faríamos pelo caminho de terra batida, até chegar ao ponto de ônibus, com horário certo para partida. Então aquela visão nos aguçou. Comemos, paguei a conta e resolver checar a trilha malocada. Inicialmente ficamos em dúvida se ela nos levaria a algum lugar realmente, todavia estávamos descendo e alcançamos uma via curta, mas pavimentada. E lá estava a estação teleférica que levava até embaixo, perpendicular à rua que levava ao Palácio dos Cônsules, ou mais abaixo, no caminho para o ponto de ônibus. Ou ao contrário, de lá debaixo nos levaria rapidamente até à Basílica de São Ubaldo. Foi uma surpresa para todos nós.
Sim podíamos ter deixado de pegar aquele caminho de areia batida, em curvas, só m fortíssimo sol da Úmbria. Só que internamente eu sentia precisava aquele caminho, me sentia agradecido, me sentia forte, pois para mim tinha sentido de peregrinação, valeu o sentido, valeu a entrega, valeu o céu azul, límpido, o suor, o cansaço, valeu reencontrar de modo tão especial o Deus em mim. Valeu por conhecer mais um Santo da religião que assumi como minha, por opção própria, ouvir o “vocare”. Valeu o sacrifício, valeu ter chegado até ali em cima.
Comprei três tickets e fomos para o ponto de pegar as cabines. Logo nos chocamos que as cabines eram muito pequenas e davam duas pessoas no máximo. Elas não paravam. Era umas subindo e outras descendo sem parar, em sistema de roldanas, e estavam a certa altura do chão. Tinha um cara que abria as portinholas em um ponto bem atrás e você ficava em uma posição marcada no chão, era então correr e se jogar para dentro de uma delas e fechar a portinhola e logo via o descidão monte abaixo, era só curtir o visual e se desse tirar fotos com muito cuidado e atenção.
Eu e minha filha corremos para uma das cabines, pulamos dentro, fechei a portinhola e apertadinhos fomos curtindo. Minha esposa veio na cabine a seguir. Fomos olhando o vale de Gubbio, as casas, para um dos lados do monte Ingino cabras pastavam e brincavam. Enquanto isso a estação teleférica (Funivia Colle Eletto) na parte de baixo da cidade crescia à nossa frente, aumentava de tamanho. Quando fomos chegando outro cara pulou e ajudou abrir a portinhola e logo nos jogamos para fora, senão era só contornar a estação e ir adiante voltando ao topo.
Bem, como chegamos rápido até a parte da cidade de Gubbio, estava nos sobrando tempo e podíamos gastá-lo dar mais uma caminhada pelas ruas e rever as lojinhas de suvenires, olhando agora com outros olhos. Imediatamente reconheci uma miniatura de cerat. Vi uma imagem de São Ubaldo, sobreposta a pôster de “Harry Potter”. Deu vontade de comprar, contudo temi quebrá-la durante a viagem. Depois me arrependi de não tê-la comprado. Por igual vi imagens de São Jorge, São Pio de Pietrelcina, São Francisco e o Lobo.
Passamos pela “Gelateria”, mas entramos mesmo em uma loja de “Prodotti Tipici”, a Gentilotti, onde trabalhava uma “bela italiana”, de lábios carnudos e sorriso cativante, charmosíssima, muito amistosa. Compramos umas batatinhas com azeite de “Tartufo Bianco”. Põe gostoso nas batatinhas chips. A italiana foi que escolheu para a gente, dizendo que essas eram melhores que as de “Tartufo Porcini”. Aproveitei comprei três potinhos de vidro com cremes de tartufo.
Demos um tempo nas cadeiras de restaurante próximo que estava fechado àquela hora. Depois caminhamos para até onde comi a fruta percoca. Entrei em uma espécie de boteco (Bar delle Logge) e vi um cara tomando um “shot” de “Limoncello”. Pedi um para mim também, ahhh!...
Era dar mais um tempo e pegar o ônibus de volta até a estação rodoviária de Perúgia.
Quem sabe um dia volte à Gubbio, Itália, em 15 de maio, quando se comemora o Festival em homenagem a São Ubaldo?
Fim.
Brasília, 12 de maio de 2019.
GUBBIO – A PEREGRINAÇÃO)
(A IGREJA DE SÃO UBALDO) – PARTE IV
Robson José Calixto
Claro que estava brincado com minha filha ao dizer que subiríamos de joelhos a escadaria que levava à entrada da Basílica de São Ubaldo (ou Santo Ubaldo), que ficava lá no alto do monte Ingino, em Gubbio, Itália. Minha filha respirou aliviada, pois também já estava muito cansada após horas de caminhada, em aclive, sob o sol forte da Umbria. No entanto, após a escadaria descobrimos que havia, ainda, a ser ultrapassado um longo pátio até a verdadeira entrada da Igreja, em tons amarelos. No meio do pátio um jardim em meia altura cheio de flores rosas.
O lugar é muito aprazível, ventilado, com silêncio desalinhado pelos cantos alegres dos pássaros. Ao pé de uma coluna estavam três pequenos quadros sobre a história de São Francisco e o lobo.
Atrás do altar, no alto, de forma imponente, o sarcófago envidraçado com os restos mortais de São Ubaldo, que nos remetia ao silêncio e à veneração. À frente de uma das partes laterais, à direita, estavam três jogos enorme de madeira, seis prismas/cilindros ligados pelas pontas, dois a dois, com cerca de 5 (cinco) metros e pesando 300 kg cada. Esses cilindros são conhecidos por “Ceri”, os quais são levados de lá até pátio à frente do Palácio dos Cônsules para um festival e corrida – A Corsa dei Ceri – em homenagem ao Bispo e Patrono da cidade: São Ubaldo.
A festa remonta ao século XII e é celebrada por uma multidão no dia 15 de maio. Na ocasião o Ceri, como um andor, é carregado levando em cada ponta dos prismas uma imagem de santo: em amarelo São Ubaldo, em azul São Jorge e em preto Santo Antonio. O ápice da festa é quando em corrida, o povo, principalmente homens de calças brancas, cinto de pano vermelho e camisa amarelo-ouro, carrega o Ceri de volta ao topo do monte Ingino, para a Basílica de São Ubaldo, ficando lá até o mês de maio do ano seguinte.
Ao longo das paredes da Basílica podem ser vistos quadros enormes com passagens da vida de São Ubaldo, as batalhas enfrentadas pela cidade, em particular a vitória sobre Federico Barbarossa em 1154.
Há um grande órgão de tubo em frente ao vitral a respeito da batalha contra Barbarossa. As paredes da igreja estão cheias de vitrais belíssimos. Uma pintura sobre o batismo de Jesus se destaca.
De dentro do pátio, olhando para fora da entrada, na direção da escadaria, como em uma tela, via-se uma imagem de composição belíssima: ciprestes, o telhado do restaurante com jardim florido, o vale de Gubbio, cadeia de montanhas e nuvens branca. Demos Graças a Deus porque Ele é Bom!
Fim da Parte IV. Continua.
Brasília, 27/04/2019.
GUBBIO – A PEREGRINAÇÃO (O CAMINHO DE SÃO UBALDO) – PARTE II
Robson José Calixto
Na vida fazemos, entre as certas, muitas coisas erradas. Não devido à sinceridade e à verdade em nossos corações, mas por vezes pelo modo de fazer. Se relacionar com os demais não é fácil, nem sempre conseguimos nos fazer entender, decodificar nossas mensagens.
Um dia você cai em si e sente – talvez seja até um chamado – que precisa pegar um caminho, não qualquer caminho, um especial que possa trilhar com um sentido de deixar para trás o que não ficou bem resolvido e buscar coisas novas. Pisar em trilhas que outros pisaram no passado, mesmo distante, com esse mesmo sentido, de limpar-se, ficar mais leve, doar-se por si mesmo, pelos demais, por algo maior. Todavia você não sabe exatamente o quê. O Tempo lhe dirá...
Então pegamos o elevador que nos levaria até o Palácio dos Cônsules, construído no século XII, que permite uma bela visão de Gubbio, com suas igrejas e casas de telhados um tanto ocre-claro; ao fundo uma cadeia de pequenas, no alto algumas nuvens, beleza cênica natural e divina. O pátio central é amplo e na borda da murada podem ser vistos pelotas das bombas aéreas de pombos e, talvez, alguns liquens que irradiam amarelados.
Um veículo como se fosse um bonde reboca uma série de “liteiras” modernas e abertas para turistas circularem pela cidade. O comboio avermelhado passa ao fundo.
Passamos pelo Hotel-Bar Relais Ducale dito “Il Caffè di Terence Hill”, famoso pelos seus filmes de faroeste (“espaguete”) na década de 1970, com o personagem Trinity ("A mão direita do Diabo"). Podem ser vistas algumas fotos dele sentado à mesa tomando o seu café, além da própria mesa arrumada como se ele estivesse ali.
Mais à frente as lojinhas de imagens de santos, papas, cavaleiros, fadas, duendes, buquês, de todo os tipos e diferentes tamanhos.
Começamos a caminhar e encontramos algumas trilhas que nos levavam mais acima da na cidade, muradas mais altas onde paramos para tirar mais fotos. Uma nova igreja, rodeada (“Orti Della Cattedrale”) por capim verde-amarelado entremeado de florezinhas azuis e outras bem avermelhadas, onde começava área não edificável.
Um bebedouro com torneira na forma de cachorro e água natural gelada nos suavizou a sede, naquele dia de sol forte e céu limpo, com poucas nuvens. Em um canto, com grades, um pequeno jardim com grandes e lindíssimas rosas cor de sangue.
Então nos deparamos com um portal medieval de pedras polidas e encaixadas, muito bem conservado, em aclive, em chão de areia, com sinalização que dizia: “Mura Urbiche e Porta di S. Ubaldo”. Claro que iríamos atravessá-la!
À frente um caminho, com as laterais cobertas de vegetação, árvores, belos cipreste. Mais adiante uma pequena cancela, como para impedir a passagem de carros. Vimos m casal com roupas e utensílios próprios para caminhadas em trilhas, apoiados por hastes como se usa em locais com neve (“bastões de neve”).
À esquerda um oratório com porta de vidro de onde se podia ver através, reconhecendo-se a imagem do Bispo e Santo Ubaldo. Abaixo do oratório, como inscrito em uma placa se lia em italiano:
“Deus onipotente e misericordioso, tu provês aos que te amam, sempre e em onde estejam, para aqueles que te procuram com o coração sincero; pela mediação de São Ubaldo, assisti teus filhos na peregrinação e guia seus passos na tua vontade, pois protegidos pela tua sombra durante o dia e pela tua luz à noite, elas possam atingir a meta desejada.”
Depois de tanto procurar o caminho, sem achá-lo, ele é que me achou... Algo comum na minha vida. O caminho seria o de São Ubaldo, ali em Gubbio, Itália, subindo o monte Ingino.
Ubaldo Baldassini era de família de origem alemã, mas nasceu em Gubbio, em 1085, tendo sido criado por um tio que lhe orientou o caminho no âmbito da fé e religiosidade católica. Em 1129 foi nomeado bispo de Gubbio pelo papa Honório II. Passou a ser considerado pela cidade herói por ter evitado a sua invasão por Frederico Barba-Roxa, em 1155. Em 1192 foi canonizado e proclamado Santo pelo Papa Celestino III, sendo comemorado a 16 de maio, dia de sua morte. Os devotos devem recorrer a São Ubaldo “contra omnes diabolicas nequitias” (“contra todos os assaltos do diabo”). Quando canonizado, apesar de já ter sido enterrado, seu corpo foi encontrado “flexível e incorrupto” (Wikipédia).
Fim da Parte II. Continua.
Brasília, 13/04/2019.
GUBBIO – A PEREGRINAÇÃO – PARTE I
Robson José Calixto
Me lembro de teus olhos brilharem quando te falei de Gubbio, cidade medieval muito bem preservada na Itália. A primeira vez que ouvi falar dela, foi na segunda metade da década de 1990, por meio de Haratz, judia-panamenha que conheci em Londres, Reino Unido, em uma das sessões da Organização Marítima Internacional – IMO. Ficamos amigos e nos comunicamos até hoje.
Haratz me falou que tinha conhecido Gubbio em um final de semana, com o noivo. Me falou maravilhas sobre a cidade, como era bela e cujo ambiente, ruas, vielas, casas, te transportavam no tempo para idade média. Aquilo ficou na minha cabeça, cheguei ver fotos pela internet, saber um pouco mais de sua história. Fiquei com vontade de ver, perceber e sentir o que Haratz viu e percebeu, sentiu. Não imaginara que isso demoraria cerca de 20 anos. Todavia aprendi desde cedo que certas coisas não dependem de nós, dependem de uma conjunção de fatores, do tempo e da imaginação.
Gubbio fica na região central da Itália, a Úmbria, pertencendo à Província de Perúgia. Por sua posição estratégica entre localidades ricas e poderosas, como Ravena e Roma, preconizadas pela disputa de poder e domínio italiano. A cidade também é muito conhecida por venerar São Ubaldo, bispo que obteve vitória miraculosa e esmagadora para a região, em 1151.
Já tendo descoberto em Perúgia o sistema de escadas rolantes que permitia a transição da parte mais antiga e mais alta dessa cidade para a mais moderna e em posição mais baixa, facilmente chegamos a pé à rodoviária. Da rodoviária até o ponto final em Gubbio, são cerca de 01h10min, na direção norte.
Os primeiros passos foram para reconhecimento do terreno, comprar água mineral, pois fazia muito calor. O Ponto de ônibus era do lado oposto de uma praça (Piazza 40 Martiri) e próximo ao uma banca/loja de venda de lembrancinhas. Mais adiante ficavam mesinhas e cadeiras próximas a um bar e uma área de atividade cultural. O prédio era bonito e imponente, antigo, com colunas e com motivos e arquitetura da idade média. Passando as mesinhas havia uma pequena feira livre que vendia frutas da região. Aproveitei para experimentar fruta cujo nome lembrava “percoca” (pêssego em italiano), mas não era exatamente um pêssego, apesar das notas saborosas desse fruto, apesar de incluir notas de laranja e ameixa. Muito sucoso, refrescante e cítrico.
Dali pegamos uma viela (Via Repubblica) em aclive para outras partes de Gubbio. Deu vontade de fazer xixi e eu e minha filha procuramos um banheiro público. Encontramos, ao entrar em um pátio (Piazza S. Giovanni) defronte a uma Igreja Católica. Descobrimos que o banheiro era pago e custava uma moeda de euro, que não tínhamos, o que me levou ao bar para comprar um café descafeinado e trocar uma nota de euro.
Voltamos até o banheiro público que inicialmente estava vazio. Precisávamos colocar um de cada vez moeda na roleta para entrarmos. De repente chegaram vários casais de turista brancos, aloirados, muitos bem grisalhos e de olhos azuis, falando inglês americano. Se depararam com a barreira da roleta e da necessidade de colocar uma moeda em euro. Não se fizeram de rogados, começaram a pular a roleta e usaram as dependências do banheiro público sem pagarem um tostão em euro. Minha filha ficou horrorizada e viu que não eram sós os brasileiros que faziam bandalhas em suas viagens pelo mundo afora.
Já estávamos ali, então resolvemos entrar na Igreja. Tiramos muitas fotos de pinturas e imagens. Uma dessas pinturas retratava Jesus com os Apóstolos em uma barca. Imagem de Nossa Senhora da Glória, em madeira escura, se destacava.
Saímos e seguimos pela Via Repubblica, com suas calçadas estreitas e piso de paralelepípedo quadrado e bem polido. Passamos pela Taverna do Lupo que chamava muito atenção por usar escudos de madeira, pintados de verde e letras amarelas afixados nas paredes externas.
Finalmente chegamos ao elevador que nos levaria até o Palácio dos Cônsules, construído no século XII, que já permitia uma bela visão de Gubbio. Lá estavam muitos turistas, inclusive os velhinhos que pularam a roleta na entrada dói banheiro público.
Fim da Parte I. Continua.
Brasília, 07/04/2019.
Nota: Este não é um texto de ficção, mas baseado inteiramente em fatos reais, para uma realidade de junho de 2018.
PERDIDO EM PERÚGIA COM GPS
Robson José Calixto
De Roma para Perúgia, na Itália, são precisamente 02h27min de trem até à Estação Central. Eu sempre me esmerei em planejar as viagens de férias da família, antecipadamente e, se possível, de forma bem detalhada. Tinha visto no Google Street que da estação ao Hotel que escolhera, o Umbria, o que recomendo, era pouco mais de 10 min andando e puxando mala. Acreditei.
Tínhamos comprado um chip de celular internacional em Roma, com internet, e funcionara muito bem. Então chegando à Perúgia era só puxar as malas, sem precisar pegar qualquer táxi, pensei eu e convenci meus familiares. Chegamos à estação, puxamos nossas malas pela plataforma, descendo e subindo as escadarias, até à saída da estação. O ponto de táxi ficava à esquerda. Só dez minutos a pé, ligamos o Google Street que mostrou as setas, com base no Sistema de Posicionamento Global - GPS. Porém observamos de pronto que atravessar aquelas vias muito movimentadas e de calçadas estreitas seria um problema. Tentamos pela esquerda: complicado. Fomos para a direita e conseguimos atravessar a rua que passava longitudinalmente à frente da estação, mas a partir dali era tudo em subida e curvas, ruas e escadarias. A ala feminina reclamou. Era o início da tarde, o sol estava forte e fazia bastante calor, suávamos. Insisti para que prosseguíssemos. Uma rua em curva e apareceu uma escadaria bem longa. Seria complicado subir aquilo degraus todos com nossas malas. Falei com minha esposa e minha filha: - “Voltemos para a estação. Vocês ficam lá, com as malas, e eu vou a pé ver se encontro hotel.”
Deixei-as sentadas em um banco de mármore dentro da estação e segui a pé. Voltei ao ponto onde encontramos a escadaria longa e subi por ela, chegando a uma rua bem movimentada em curva, limitada também por um paredão de pedra em curva, de um lado, e uma balaustrada finada de metal que me permitia ver uma espécie de parque urbano, do outro. Segui em frente no sentido que as setas me indicavam ao longo dos nomes das ruas. Entrei em uma área residencial, que me deu acesso ao parque. Caminhei através dele, saí por um dos seus lados e de cara novas ruas em curvas, subidas e descidas, calçadas estreitas, o tempo passava, o sol a pino, eu suava.
Parei e comecei a pensar..., tem algo errado. Não pode ser isso. Eu já devia ter chegado em algum ponto de referência. Parei para observar com muito mais atenção as setas que me eram mostradas pelo Google Street e percebi que quanto mais seguia por elas, mais o tempo para chegar ao lugar de destino, Hotel Umbria aumentava. Resolvi, então, seguir no sentido contrário das setas e o tempo começou a diminuir. Concluí que a bússola do aplicativo devia estar invertida, ou seja, o norte indicado era para sul. Tentei acerta a orientação do GPS e nada. Já tinha perdido muito tempo.
Decidi seguir no sentido contrário e buscar, ao menos, a estação rodoviária, de onde nos dias próximos iríamos para Gubbio, a cidade medieval mais bem preservada da Itália, e Assis. Pelo Google Earth eu vira ainda em casa que o hotel que nos hospedaríamos não era longe da estação rodoviária.
Voltei tudo por onde passara anteriormente e continue por novos caminhos, ruas, escadarias e vielas, perguntando, de vez em quando, às pessoas ao longo do caminho: - “Dov'è la stazione degli autobus?” (Onde fica a estação rodoviária?). Elas me indicavam e eu seguia sob o sol forte, no sentido contrário das setas do Google Street. Às vezes o aplicativo me mostrava as setas, ao contrário, para os lugares certos, às vezes ele se perdia e me fazia dar voltas, ou me levava para lugar nenhum.
Finalmente cheguei à estação, cansado, molhado de suor. Lá de cima dava para ver no horizonte a parte mais nova de Perúgia, de forma mais espalhada. Descansei um pouco, usei o banheiro da estação para aliviar a bexiga, já convencido que aquela história de dez minutos a pé era balela, tinha que ser táxi mesmo. Estava ali, então comprei logo nossas passagens para o dia seguinte visitar a cidade de Gubbio – essa será outra história a ser contada.
Se cheguei à estação poderia chegar até o hotel, engano meu. O Google Street, ao contrário, me dizia por onde seguir e era ali perto da estação da rodoviária. Fui e voltei pelas ruas, mas não conseguia achar por onde subir, por onde entrar. Tentei uma entrada e nada, voltei. Acabei desistindo. Apontei o Google para voltar à Estação Central e ele me jogou para dentro de um túnel cujo calçamento era por demais estreito, perigosíssimo para mim, retornei até à estação rodoviária e resolvi fazer o caminho oposto por onde viera.
Segui por vielas, ruas lindas arborizadas sem calçadas sendo quase atropelado pelos carros, alcancei o paredão de pedra e margeei a longa escadaria e desci reto até à estação de trem. As duas estavam agitadas e preocupadas, se passaram quase duas horas e meia que eu saíra. Disse para elas que tentei, tentei, até achava que não era culpa do Google Street, pois deviam faltar informações mais precisas, as ruas eram descontinuadas, às vezes não se ligavam diretamente, bifurcações, para cima e para baixo, muitas curvas, a numeração também não era muito precisa.
Pegamos um táxi e começamos a subir a cidade, até alcançar uma posição que víamos lá de cima que a parte antiga de Perúgia, onde ficava o Hotel Umbria, era uma cidadela, com ruas estreitas, duvidei que qualquer carro entrasse por elas. E certamente se passaram mais de dez minutos até chegar lá.
O táxi nos deixou bem próximo a uma das entradas da cidadela. O motorista explicou que o carro dele não passava por ali, que era só seguir, em subida, pela rua formada por pedras alinhadas e aplainadas, como em paralelepípedos mais estreitos, que a entrada do hotel era bem próxima. Puxamos nossas malas pelas rodinhas e chegamos até ele. Com entrada aconchegante, muito bem localizado, com um café da manhã bem bom, pago à parte. A varanda do apartamento parecia um jardim antigo. Três camas não muito confortáveis, mas também não muito ruins. O banheiro tinha água bem fria, salvo pelo chuveiro elétrico, esperávamos mais, dava para o gasto. Eles tinham uma parceria com restaurante próximo. Os atendentes do hotel bem amigáveis, de pronto deixaram que guardasse na geladeira uma vacina que estava tomando contra alergia.
Deixamos nossas coisas e subimos pelas ruas em aclive até alcançarmos a rua principal – Corso Pietro Vanucci -, plana, agitada, com muitos cafés e torterias, restaurantes com mesas ao ar livre e toalhas de coloridos vivos, lojinhas, museus e catedral. Rua bem aconchegante, nos animamos e a tensão das horas anteriores se dissipou. Em rua paralela havia uma feirinha artesanal, onde compramos um pedaço de salaminho AL tartufo de Norcia maravilhoso, que nos acompanharia em parte da viagem pela Itália. Fomos de um lado ao outro da Corso Vanucci. Minha filha comprou uns itens básicos na loja da Benetton, em promoção.
Tiramos fotos, mas como já entardecia e algumas atrações estavam se fechando, resolvemos dar uma chegada no Supermercado COOP, onde compramos frango e batatas fritas quentes, um pouco de pão e queijo, suco, chocolate e sorvete, para um jantarzinho e descanso, após um dia agitado.
No dia seguinte o filho do dono do hotel nos levou de táxi até a rodoviária, a um preço módico em euros. Ele nos avisara que a estação rodoviária era muito próxima e era mesmo. Expliquei para ele que no dia anterior tentara chegar até ela, mas existiam muitas curvas, subidas e descidas, que me confundira e o ônibus não nos esperaria se chegássemos atrasados.
O carro dele estava em estacionamento próximo à murada da cidadela, de onde podíamos ver a cidade em paisagem, seus telhados e Igrejas, bem próximo à entrada onde o taxista nos deixara no dia anterior. Descemos as vielas e reconheci rapidamente lugares por onde tinha passado, na busca do hotel. Chegamos uns dez minutos antes de o ônibus partir, o que permitiu confirmar a plataforma de onde ele partiria.
Quando voltamos de Gubbio, o mesmo cara que nos levou de carro à rodoviária, nos deu um mapa e nos indicou se seguíssemos pela Via Corso Pietro Vanucci, na direção da Piazza Italia, encontraríamos um sistema de escadas rolantes que nos levaria direto à estação rodoviária. Dito e feito. Assim, descobri que o Google Street de fato me indicara que ali perto da rodoviária havia uma passagem para chegar ao Hotel Umbria, todavia como havia uma murada que servia de antepara, perpendicular, à saída das escadas rolantes, não conseguira reconhecê-la.
No terceiro dia de nossa chegada à Perúgia, visitamos a cidade de Assis, chegando de ônibus, após 01h15min de viagem, até de forma mais fácil que pensara.
Brasília, 03 de março de 2019.
REFLEXÕES SOBRE O FIM DE UM CICLO
Robson José Calixto
No dia 05 de fevereiro de 2019, depois de 60 anos, tem-se mais uma vez, no horóscopo chinês, fechando um ciclo, um ano orientado e influenciado pelo Porco da Terra. Em 2018 as ações foram dominadas pelo Cachorro da Terra, que grunhiu, latiu, jogou terra, separou amigos, provocou cizânia em famílias e organizações. Mais que isso, fomentou e induziu mudanças significativas em nossas vidas, de repente nos transformamos passageiros de uma onda maior, nem sempre racional, como em uma catarse emocional, em movimento de manada ou matilha, somente indo, indo, atrás de algo que nem sabia muito o quê, precipício, salvação, novo rumo. Certeza, às vezes dúbia, do que se queria deixar para trás.
Se final de um ciclo, como estivemos antes e como chegamos até aqui? O tempo... Do sentimento de abandono à busca pelo sol, pelo espaço. A solidão, todavia estar-se solitário e ir atrás dos sonhos, à luta. Das desilusões ao pé na estrada, das negações à preparação ao sim. Da dor ao amor, paixão, tentação, loucura. Do beijo gostoso à lágrima, da descoberta à dor no peito, de se querer que alguém querido esteja ao seu lado e lhe dê um abraço. Do olhar ao sabor, da atenção ao ardor. Sentir-se vivo e resiliente.
Eu. Você. Nós. Grupo. Coletividade. Ela. Ele. Família. Perdas, adeuses e morte. Indivíduos. Sentimentos, desejos e percepções. Energias que se puxam ou se repulsam, nem sempre com sentido, sob a verdade. Sem compreensão ou perdão, somente julgamento e penalização. Medo. Infância, adolescência, maturidade. Nunca se sabe bem em que ponto se está; a linha da vida como indicação, quiçá propensão ou possibilidade.
Novos olhares se impõem. A fé como substrato e subsídio, alimentando raízes, valores, posições, atitudes e discursos. Entretanto nem todos querem a verdade, estão satisfeitos com as suas interpretações dos fatos, querem tão apenas negar o que sentem ou que poderiam ser se tivesse coragem, arriscassem. Claro que nem tudo convém, e sem fingimentos respeitar reflexões e decisões.
Discriminação, preconceito e cerceamento. Trabalho. Ter que se mostrar o melhor, o mais preparado, com maior conhecimento e mesmo assim nem sempre basta. Quem indica, quem se dá bem, quem tem, quem vê e fica calado porque faz parte da trupe. E se é muito maior que tudo isso.
Os caminhos, os lugares, os sabores e visões nunca imaginados, esperados ou vislumbrados. Um olhar para trás. Sem espaçonaves, sem discos voadores, sem viagens intergalácticas. Sem dobras, velocidade da luz. Somente passos, carruagens metálicas, aviões e drones. Tudo muito tímido, tudo muito lento, tudo muito incerto e inseguro. Segurança de quase nada.
Crises do petróleo, econômicas, de ética, de respeito. Oscilação, vilipêndio, arrogância. Uns procurando se dar bem, outros achando que se deram bem. Perdas de emprego, desigualdade na repartição, procrastinação.
Gênero, transgênero, politicamente correto, geneticamente modificado. Quem precisa de um clone? Whatsapp, Facebook, Instagram, Twitter, e de repente podemos virar um meme. GPS e o Grande Irmão, 1984 foi décadas depois. Não importa, no céu tem alguém vigiando os seus passos. Mas isso não existia antes? Virtualidade e realidade aumentada e continuamos seres humanos cheios de fragilidade, com os mesmos defeitos, pecados e deficiências.
Oscilações temporais, buracos negros, Anjos, céu dos céus, visíveis e invisíveis. Inferno. A humanidade perdida, pensando que é o fim do mundo. Igrejas, seitas, grupos e cultos, como não se houvesse um plano maior, na eternidade, onde não tem começo e não tem fim.
Ódio, haters, posts, pondo abaixo, enlouquecendo a internet. Feliz aquele que se mantém junto e se comporta separado.
Se final de um ciclo, como estaremos amanhã? Em aberto, a construir, mas o Porco da Terra nem sempre respeita limites... Contudo podem ser Anjos disfarçados, protetores em missão. Vocalizações e induções de expansão, talvez reconstrução.
Brasília, 19 de janeiro de 2019
UM ADEUS A NEUQUÉN
In Memoriam de Ana Cristina Pinto Magalhães (Falecida a 01/10/2018)
Robson José Calixto
De repente me apareceu viagem, fora da minha Agenda, compondo missão brasileira para conhecer com mais detalhes a exploração e produção de gás de folhelho (shale gas), a partir de fraturamento hidráulico, na província de Neuquén, no interior da Patagônia argentina.
O assunto shale gas é, ainda, muito polêmico no Brasil, tendo até proibição no estado do Paraná, apesar de ser ativamente explorado e produzido no Texas, Colorado e Virgínia Ocidental, nos Estados Unidos, bem como na própria Argentina, com muitos benefícios socioeconômicos, em particular geração de emprego e renda, instalação de infraestruturas (hotéis, restaurantes, padarias, hospitais, colégios, centros de pesquisas e serviços de apoio à indústria do petróleo (caminhões, veículos pessoais e coletivos), transporte de areia, água e produtos químicos, fornecimento de alimentação, uniformes). Os grandes questionamentos vêm da área ambiental com foco nos produtos químicos utilizados (composição protegidas por patentes), integridade do poço, sismos, incidentes que contaminem aquíferos e afetem a população e, finalmente, gestão dos efluentes gerados.
Eu já conhecia o assunto, tendo visitado poços em Dawson creek, no Canadá, e em Morgentown, na Virgínia Ocidental, todavia valia muito conhecer esse caso tão perto de nós e sendo a Argentina a 3a. maior produtora do mundo, depois dos Estados Unidos e da China.
Além do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama, haveriam representantes da Agência Nacional do Petróleo, do Ministério de Minas e Energia (o promotor do evento), MCTI, FINEP, Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), MRE e do Estado da Bahia.
Uns dias antes de nossa partida (30/09/2018), já ficamos apreensivos, pois ao mesmo tempo que o Presidente Macri estava na Assembleia Geral das Nações Unidas, ocorria na Argentina, no dia 25/09/2018, a quarta greve geral, com um dia de paralisação nacional, contra a política econômica do governo, com bancos, comércios, escolas, universidades e repartições públicas fechados, além de voos cancelados. Mas passou.
De Brasília a Curitiba tudo normal, inclusive os solavancos devido às turbulências comuns a região do Paraná. No aeroporto de Curitiba uma informação errada quase me fez perder o voo da Aerolíneas Argentinas para Buenos Aires. Só serviram para comer um alfajore comum e muito seco e adocicado e um saquinho com sementes de girassol. Um comissário de bordo distribuiu formulário para entregar na migração. Requeria que fosse declarado o tipo de telefone celular e o número de série. Comentei esse fato com viajante ao lado e ele me disse: "- Não se preocupe com isso, costumo viajar para a Argentina e eles sempre entregam esse formulário, mas na alfândega nunca pegam!" Dito e feito.
O pernoite me permitiu almoço tardio no Galerias Pacífico um peito de frango grelhado no carvão, com três escolhas de salada e uma garrafa plástica de água mineral com gás. Tudo muito gostoso por 170 pesos, isto é, R$ 17,00. No final da noite de domingo (30/10) houve jantar de socialização entre os membros da delegação brasileira e representantes da indústria petrolífera local.
No dia seguinte, segunda-feira, palestras e visitas a Centros de Pesquisas e Serviços. De Buenos Aires a Neuquén, na parte da tarde/noite, voo de duas horas, e a AA só serviu água. Chegada ao pequenino aeroporto de Neuquén ocorreu no final da noite, mais de 22 horas. Dividi táxi com colega da ANP, que já conhecia da missão à Morgentown, 150 pesos argentinos para cada um. Eu desci no Apart Hotel Granada e, a seguir, ele no Hotel Comahue.
Surpreendi-me com o conforto e a ótima localização do Apart. Quarto amplo, cama de casal, cozinha com geladeira, fogão e micro-ondas. Sala com dois sofás-camas. Uma trattoria perto, bares com cervejas artesanais, pub irlandês, kioskos (lojas de conveniência) e uma hamburgueria. Entrada com biometria... Só tinha um senão... o Café da Manhã....
No Apart não havia Café da Manhã, ou melhor, eles entregavam um voucher, e parece que isso não acontecia só lá, para se ir à padaria próxima, duas esquinas à esquerda. Lá se tinha o direito a café ou chá, um copinho de água mineral (com ou sem gás), três tipos de pãezinhos ou três média lunas pequenas (espécies de folhados), nada mais. No entanto, como por algum motivo caí nas graças da atendente da padaria, por dois dias ela me deu duas fatias de presunto. No terceiro dia, como era outra atendente, nada tive, foi a seco mesmo.
Terça (02/10/2018), pela manhã apareceu a van para me pegar no Apart, de lá seguiria para pegar outros participantes em seus hotéis. Só que o motorista da "Kombi" (assim como eles chamam), não tinha os nomes dos passageiros e não sabia quantos estavam em cada hotel. Estabeleceu-se a confusão, pois, na verdade, eram duas kombis que estavam rodando, com itinerários supostamente diferentes, sem saber a quem pegar, inicialmente. As duas estavam à frente do meu Apart. Não duvidei sobre o que fazer, comecei a disparar whatsapp para os demais colegas, alertando-os sobre o problema. Aos poucos, com as kombis em movimento, e indicações quem era quem, as coisas foram se normalizando.
Os motoristas nos deixaram no local das novas palestras, dessa vez a serem proferidas por representantes do governo de Neuquén. Só que o local onde fomos deixados era o errado. A mudança ocorrera na noite anterior, só que nem todos estavam informados, incluindo os motoristas da kombis. Decidimos ir a pé até a sede do Banco Província del Neuquen – BPN, seguindo as informações do Google Map. A caminhada serviu para que conhecêssemos um pouco mais a cidade.
Palestras atrás de palestras, um break, mais palestras. Almoço. Fomos a pé com os representantes governamentais argentinos até ao restaurante La Toscana, bem conceituado entre os neuqueninos. Lá nos encontraríamos com empresários argentinos da indústria de petróleo, que supostamente financiariam o almoço, mas eles não apareceram, deram bolo e tivemos que pagar, individualmente, uma continha alta, sem que os pratos fossem tão bons assim.
Sentamo-nos a duas mesas bem longas. Ao meu lado havia representante da FINEP, MDICe MCTI. À minha frente estavam representantes do estado da Bahia, entre elas, a obstinada e moleca Laís M. L. Enquanto esperávamos os primeiros pratos, conversávamos. Algo me chamou a atenção no celular. Abri o Facebook e de cara me apareceu mensagem de Leandra Gondim postada na página de minha amiga Ana Cristina Pinto Magalhães. E o tempo parou para mim. Nada à frente ou dos lados. Nada respirava, vácuo. Passado e futuro se amalgamavam em um puro agora.
Era uma mensagem estranha, espécie de despedida da Ana, que termina com a frase “Vá em paz, amiga linda!”. Dentro daquele intervalo de tempo e espaço, uma onda infinitesimal de incerteza provocou uma grande oscilação entre os invisíveis. Ninguém percebeu a tensão e o silêncio em meu semblante, meu interior. O absurdo vazio em mim. Naquela fração da fração de uma oscilação do agora, só tive atenção e ideia para escrever exatamente: “Ana Cristina faleceu????”. E esperei a resposta. Não veio imediatamente.
Olhei para Laís. Olhei para os lados e tentei voltar para mim, para onde eu estava, um restaurante. Almoçamos, pagamos a conta e voltamos para o auditório do BPN a pé. As kombis (vans) foram, mais tarde, nos pegar. Já no hotel a resposta de uma prima (V.P.) chegou: “faleceu ontem!!”.
Não teve jeito, as lágrimas verteram-se dos meus olhos, escorrendo ao longo da minha face e caíam sobre os lençóis. Os lábios contraíram-se, senti o meu olhar esvaziar-se. Uma raiva no peito, imagens de um passado comum aceleraram-se na minha mente e disparei... .
Ana, ela dizia que somente eu a chama assim, para os demais era Cristina, e eu nos conhecemos em filial do curso CCAA, no bairro da Tijuca. Estudávamos inglês. Nós nos demos muito bem desde o início. Ela era quase uns 10 centímetros mais alta que eu. Cabelos meio encaracolados, branca, coxas fortes, de ar sensual, atraente. Ela morava na Rua Professor Gabizo, em um prédio moderno para a época, com playground, garagens internas. Eu participava de Grupo Jovem na Igreja de Sta. Teresinha do Menino Jesus de Praga, na Rua Mariz e Barros, em frente ao Instituto de Educação, fonte de muitas normalistas para o Grupo.
Saíamos do curso e caminhávamos até a rua dela, conversando. Ela começou a fumar cedo. Estava caído por ela, todavia ela não quis e me deu um corte suave. Tentei fazer com que ela entrasse no Grupo, não se sentiu atraída. Permanecemos amigos. Frequentava a casa dela. Conheci o pai dela, sua mãe Bárbara, seu irmão Marcos. Família com raízes portuguesas; costumavam visitar “a terrinha”.
Ana se tornou médica pediatra, uma das melhores do país, e mudou-se para São Paulo, participando de projetos hospitalares voltados para crianças recém-nascidas, até no Hospital israelita Albert Einstein. Às vezes me dá um flash e sinto vontade de ligar para alguém que gosto. Ela me falou que se envolvera com colega de trabalho e se aproximara do espiritismo. Não concordei, mas respeitei. Tempos depois ao ligar ela me informou que tinha tido isquemia, com certa dificuldade para se movimentar e que a mãe estava lá, em São Paulo, ajudando-a. Melhorou.
Desde que ela saíra do Rio de Janeiro e ido trabalhar em Brasília, só nos encontramos uma vez, quando ela me levou até o aeroporto de Guarulhos. Seu relacionamento permanecia do mesmo jeito, a três e pelo semblante dela parecia que já incomodava ou angustiava.
No caminho vimos acidente na rodovia e ela comentou que a vítima dificilmente sobreviveria. Perguntei como ela sabia. Resposta: “porque ele estava entubado”.
Um dia descobri que ela mudara para Maceió, Alagoas. Ela tinha meu email. Me disse por telefone que cansara de São Paulo, que queria dar um tempo de maternidade, vira muita coisa difícil. Pensei, na ocasião, estaria fugindo? Por acaso, anos depois eu e minha esposa passamos uns dias de férias em Maceió. Tentei reencontrá-la, sem sucesso.
Em 2016 me tornei membro do Facebook, o que facilitou, um poço, meu contato com ela, que por meio do Messenger me mandou o seguinte: “Oi meu amigo. Como vc está? Estou bem em falta com vc, me desculpe. Quero poder sentar sem pressa e conversar com vc bastante, mesmo que seja por e-mail rsrs.”
Desconfiei dessa mensagem, tinha algo errado. Em um telefonema ela me disse que estava com câncer, porém bem. Minhas desconfianças aumentaram. Encaminhava mensagens por email e nada. Pela página do Facebook a questionava.
Em 14 de junho de 2018 escrevi: “Ana, tudo bem por aí? Como vai de saúde? Lhe pedi para me informar a respeito. Bjs.”. Em 26 de junho de 2018: “Vc é de Câncer e meus Parabéns pelo Aniversário! Mas p q não me fala da sua saúde? Não somos mais amigos?”
No dia 13 de julho me respondeu: “Meu querido vc sempre será meu amigo, mas digitar não é legal. Vou falar pelo wapp, ok? Bjs”. Mas não ligou.
No dia 29 de julho de 2018 me mandou a seguinte mensagem pelo Messenger, o que me deixou um pouco desconcertado: “Sonhei com vc. Passeávamos juntos e conversávamos de mãos dadas.”. Pensei: o sonho falava de um passado ou de um futuro? Parecia uma cena tirada do passado quando encaminhávamos de volta do curso de inglês. Ou seria uma visão de um reencontro futuro de amigos, pós-morte?
No dia 12 de agosto de 2018, ela me mandou mensagem pelos dias dos pais, via whatsapp. A mensagem era capciosa, nada dava para entender se ela falava para mim, para Deus ou para o pai que já falecera. E eu respondi falando do céu do céu e sobre aqueles que já passaram.
Finalmente no dia 20 de agosto de 2018, me encaminhou cartão virtual que dizia que “perto ou longe, os amigos estariam sempre conectados pelo coração” e me desejava bom dia. Respondia com outro bom dia. A partir daí ela calou. Naqueles dias eu estava lendo o livro forte e complicado, “Diálogos”, da Santa e Doutora da Igreja, Catarina de Siena. Foram dias que eu me sentia angustiado, com sonhos estranhos, até me perguntava se eu estava prestes para morrer.
Disparei..., com uma raiva no peito e ao mesmo tempo toda uma ternura, carinho, amor, compaixão por Ana Cristina, para a prima dela, V.P:
Eu pedi tanto para ela me falar dela, como estava, sobre a doença. Mas ela não quis. Nos conhecemos adolescentes, fizemos curso de inglês juntos, frequentava a casa dela, na Tijuca no Rio, conheci o Pai dela, às vezes nos falávamos por telefone qd ela trabalhava em SP. Depois foi para Maceió. Ela fugiu de mim, eu perguntava como ela estava e não me respondia. A última mensagem dela foi no dia 20/08/2018, qd me mandou um cartão via Whatsapp dizendo que "Perto ou longe os amigos estariam conectados".
Pena que ela não me deu a chance de me despedir dela. De falar uma palavra amiga.... Dar uma força...
Qd jovem tentei até namorar com ela, não quis, mas permanecemos amigos até hoje...
Muito sentido... Pelo Adeus e por ela ter me escondido. Independente disso, permanecerá em mim, como sempre esteve!
A prima dela indicou: “A partir dessa data (20/08) ela não saiu mais do hospital!! Piorou!!”. Foi cremada ontem as 00:00 hs!!. Ainda não estou acreditando!!. Estive lá dia 17, 18 e 19 /08!! Acreditava que ela seria curada!! Ela queria viver!! Por isso que não queria falar que estava doente!!
Comentei que Ana nunca entrou em detalhes da doença, me escondia.... . Foi um adeus, e ela pensava em mim, talvez me quisesse por perto, queria conversar, possivelmente não tivesse mais forças.
Resolvi descer e jantar sozinho na excelente Trattoria La Mama, por volta das 21h30min. Acabei encontrando, surpreendentemente, dois colegas da FINEP estavam lá. Sentei junto a eles, a conversa fluiu. Me recomendaram experimentar o sorrentino de ciervo, que comi com molho de pommodoro. Estava delicioso. Entretanto quando voltei para o Apart o rosto de Ana me voltou e as lágrimas retomaram.
No dia 03/10/2018 foi o dia da Exposição da indústria de petróleo, com foco no gás não convencional. Não havia qualquer standard do Brasil. Sorvi umas taças de Malbec, Rosé e Champanhe, estava precisando. Comi umas empanadas de salmão, no standard da Yacimientos Petrolíferos Fiscales - YPF. Depois fui me encontrar com o grupo da Bahia, que foi batizado de “Óleodum”.
Dia 04/10/2018 um mini-ônibus e uma Kombi nos pegaram para levar até ao campo de Fort de Piedra/Vaca Muerta. Três horas para ir e voltar. Lanche e almoço com base nas empanadas e medias lunas. Botas, macacões (mamelucos), capacetes, óculos e protetores auriculares. Palestras.
Chegamos tarde aos hotéis. Alguns dos participantes já ficaram pelo caminho para curtirem pela última vez os chorizos e os vinhos Malbec, bem baratos em virtude do peso argentino estar muito desvalorizado. Só dormi uma hora e meia. Um táxi me pegou para passar nos hotéis dos representantes do MDIC e do MCTI, para seguirmos juntos para o aeroporto de Neuquén. O voo partiu às 06h05min. Decolamos sem café da manhã e permanecemos assim porque nesse trecho de 02 horas a Aerolíneas Argentinas só serve água aos passageiros.
Em Buenos Aires tivemos o impacto de paralização temporária dos pilotos argentinos, o que durou três horas e implicou em 19 horas de voo de Neuquén até o aeroporto de Buenos Aires, devido aos atrasos e cancelamentos de voos.
Cheguei a Brasília – DF depois das 22h00min. Parte do meu coração ficou em Neuquén. Minhas orações por Ana continuaram.
Brasília, 13/10/2018.
ALERGIAS SAZONAIS EM CENÁRIO DE MUDANÇA DO CLIMA: A FEBRE DO FENO (HAY FEVER)
Compilação por Robson José Calixto
I - Introdução
Olhos avermelhados e lacrimejados, rinite alérgica, coriza, espirros, tosse, são sintomas conhecidos e associados à estação da primavera. Milhões de pessoas sofrem alergias sazonais (polinoses) alavancadas por polens transportados em suspensão no ar. Não somente na primavera, mas também no verão e no outono, existindo evidências, mesmo preliminares, que o problema crescerá com a mudança do clima.
Essas evidências apontam para uma confluência de fatores que favorecerão estações mais longas para o crescimento de ervas daninhas nocivas e outras plantas que disparam as alergias sazonais e ataques de asma.
O Gás Carbônico é o principal gás associado ao efeito estufa e ao aquecimento global, sendo, por igual, alimento das plantas que processam o carbono para geração de açúcar, durante a fotossíntese. Quando expostas a altas temperaturas e altos níveis de CO2, as plantas crescem com mais vigor e produzem mais pólen.
A World Allergy Organization - WOA já opinou que a mudança do clima afetará o início, a duração e a intensidade da estação do pólen, devendo exacerbar os efeitos sinérgicos dos poluentes e as infecções respiratórias da asma. Assim, mais pessoas estarão expostas a alergias sazonais com efeitos subsequentes sobre a saúde pública.
II - Polinose
Doença polínica, polinose ou, ainda, febre do feno, se deve à sensibilidade aos componentes de polens, cujos alérgenos provocam sintomas clínicos quando em contato com a mucosa do aparelho respiratório e as conjuntivas dos indivíduos já sensíveis. A expressão "febre do feno" representa um simbolismo, uma vez que não existe feno e a febre é inexistente na maioria das vezes.
Plantas da família Poaceae são as principais fontes de alérgenos de polens de gramíneas, devido à sua ampla distribuição mundial e grande capacidade de produção de polens. No Brasil, apesar de dados ainda escassos, o Lolium multiflorum, conhecido como (capim-) azevém, é a principal gramínea causadora de polinose.
A polinose induzida por gramíneas é a alergia polínica também mais comum na Europa, com cerca de 95% dos pacientes possuindo IgE específico para o Grupo I de alérgenos e 80% para o Grupo 5, sendo que esses dois grupos constituem os principais alérgenos de gramíneas. A bétula é a árvore que produz a maior carga de alérgenos de pólen no norte da Europa, sendo que nos recentes cresceu sua popularidade como planta ornamental, amada por arquitetos, em particular no norte da Itália, causando aumento significativo na sensibilidade alérgica aos seus alérgenos. Na síndrome de Ficus-fruta foi identificada o látex do Ficus benjamina como o alérgeno de reação cruzada. Outros estudos já indicaram que o pólen das oleáceas (oliveiras) é uma das mais importantes causas de doenças alérgicas na Região do Mediterrâneo.
Outros fatores estão, também, associados ao aparecimento e ao aumento da polinose, tais como desmatamento, à exploração da terra e o aumento da população, em áreas com estações climáticas bem definidas.
Clinicamente, a polinose é caracterizada por rino-conjuntivite ou asma brônquica. Os pacientes manifestam prurido ocular com hiperemia conjuntival, coriza, espirros, prurido nasal ou faringo-palatal, ausência ou presença de obstrução nasal. A hiperemia conjuntival e o prurido ocular são quase constantes na polinose, diferenciando-a do resfriado comum. O exame das vias aéreas revela a presença de reação inflamatória, com edema da mucosa nasal e aumentos dos cornetos, com secreção mucosa transparente. O citograma da secreção nasal pode mostrar um aumento significativo de eosinófilos, em geral superior a 10%. Uma característica importante da polinose é a periodicidade anual, uma vez que os sintomas, geralmente, ocorrem na mesma época do ano, durante a polinização. A sensibilização a alérgenos de polens pode ocorrer de forma isolada ou associada à sensibilização a outros alérgenos perenes, como os alérgenos de ácaros da poeira domiciliar do gênero Dermatophagoides, fungos, epitélio de animais e baratas. Assim, a sintomatologia pode ocorrer exclusivamente durante a primavera, época da polinização, ou durante todo o ano, porém, nesse último caso, exacerbada na primavera.
III - Polens e seu Alérgenos
Consistem de uma parte do ciclo de vida das plantas com flores, o grão de pólen é uma estrutura especializada que alberga os gametas masculinos das plantas com flores. Sua função biológica é fecundar o gametófito feminino.
Em uma atmosfera seca, o pólen permanece estável por séculos. Polens anemófilos (aqueles cuja polinização ocorre por serem dispersos ou transportados pelo ar) são os de importância alergógena. Alérgenos de polens são proteínas ou glicoproteínas solúveis em água, o que os tornam biologicamente e prontamente disponíveis, uma vez que são capazes de evocar uma reação alérgica mediada por anticorpos IgE dentro de segundos. Partículas alergênicas são liberadas do citoplasma por expulsão, sendo que em um desses mecanismos o grão de pólen em contato direto com a mucosa em meio isotônico levaria à difusão rápida dos alérgenos, os quais induziriam sintomas alérgicos imediatos nas superfícies mucosas acessíveis, como conjuntiva e mucosa nasal.
A liberação de alérgenos dos grãos de pólen pode ainda ocorrer em dois diferentes compartimentos: na superfície da mucosa do trato respiratório superior após exposição ao pólen, e no ar ambiente, ou seja, no lado externo do organismo. Desta forma, diferentemente dos alérgenos dos ácaros da poeira domiciliar, o risco de sensibilização a alérgenos de polens não pode ainda ser adequadamente estimado pela sua simples contagem no ambiente.
Atualmente, partículas de poluentes no ambiente, especialmente oriundas da exaustão de motor a diesel, têm sido consideradas importantes indutores da liberação de alérgenos de pólen no ar ambiente. Essas partículas de poluentes apresentam na sua constituição minerais como sílica, ferro, alumínio, magnésio, manganês, enxofre, entre outros. Segundo Knox et al. (1997), alérgenos de polens associados a partículas de carbono oriundas da exaustão de motores a diesel (DECP), como descrito quanto ao alérgeno Lol p 1 de L. perenne, teriam o efeito de concentrar muitas moléculas alergênicas em uma única partícula.
Uma planta para ser considerada causadora de polinose deve ser anemófila, ou seja, ser capaz de distribuir seus polens através dos ventos, possuir pólen alergógeno, ser abundante e estar próxima do homem.
IV - Alergias Crescentes
Alergias e asma sazonais impõem carga sanitária significativa, com estimativa de 10 a 30% da população global atingida por rinite alérgica (ou Hay Fever) e cerca de 300 milhões de pessoas no mundo todo afetadas pela asma. As taxas de asma em crianças dobraram nos Estados Unidos no período de 1980 a 1995. Há evidência sugerindo que a prevalência da febre do feno está crescendo em muitas partes do mundo, particularmente nas áreas urbanas, sendo provável que outros fatores ambientais como mudança na dieta e melhorias na higiene, contribuam para a prevalência da asma e da febre do feno, limitando a exposição prévia a alérgenos e alterando o sistema imunológico de desenvolvimento normal.
Pesquisas foram realizadas nos anos de 1990, com o cultivo de ambrósia americana, em câmaras contendo até 600 ppm de CO2, valor previsto pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima - IPCC para o ano de 2050 - na atualidade a concentração atmosférica está acima de 400 ppm. Os resultados das pesquisas indicaram que o tamanho e a produção de pólen das ambrósias utilizadas no experimento aumentaram com o aumento do CO2. No que se refere a ambrósias plantadas em áreas urbanas e fora da cidade, os resultados das pesquisas apontaram que as plantadas no ambiente urbano cresceram mais rápido, floriram mais cedo e produziram mais pólen do que aquelas plantadas nos arredores da cidade.
Aquecimento global relacionado com a mudança do clima deve aumentar, em particular em direção às latitudes, com prolongamento das estações do pólen, em quase 30 dias, com acréscimos maiores na direção norte, e regiões mais secas e distantes da linha do Equador.
Outros estudos, no entanto, indicaram que embora os gases de efeito estufa permita avaliação controlada de como as condições atmosféricas afetam as plantas alergênicas, eles não replicam o mundo real, onde outros poluentes, umidade, chuvas e adição de nutrientes no solo, especialmente nitrogênio, também influenciam os padrões de crescimento e polinização das plantas.
V - Polinose Ataca Urso Polar Victor
A polinose não ataca somente seres humanos, mas também outros tipos de animais como foi, neste verão do hemisfério norte, o caso de dois ursos polares do Yorkshire Wildlife Park, em Doncaster, Reino Unido, sendo um deles o urso Victor, que pesa 620 kg e habita uma área de concreto estéril e foi movido para outra área, de ambiente mais natural.
A equipe de quase dez pessoas, que inclui dermatologistas, veterinários, enfermeira, fotógrafo e pessoal de apoio, suspeitou que o abscesso na pata, que incomodava o urso, estava relacionado a uma reação alérgica a pólen, o que implicou na realização de cerca de 50 testes visando identificar que tipo de alergia o estava deixando tão desconfortável.
Se está no aguardo dos resultados dos testes com Victor.
** *Esse texto é uma compilação/resumo da seguinte Bibliografia/Fonte:
LEVANDO UM LERO SOBRE A ITÁLIA NA CASA DO HOLANDÊS - BASQUIÁ
Robson José Calixto
Me disseram que abriram a loja na 304/305 Norte, há um ano, mas somente a conheci há umas três semanas. Estou falando da Casa do Holandês, que também existe no Guará, especializada em embutidos (principalmente salsichões e linguiças), lombo defumado, presuntos de qualidade superior, frango temperado e recheado, com diversos tipos de temperos (alemão, chimichurri, holandês, entre outros).
Na quinta-feira passada resolvi comprar alguns itens para experimentar, se poderia compor o cardápio de algum jantarzinho em data comemorativa próxima. Já estavam por lá alguns clientes; eu esperando a minha vez. Finalmente, ficamos eu, a atendente e mais um cliente.
A atendente foi em direção ao forno elétrico ao fundo e retirou uma fôrma com carne de porco assada e serviu uns pedaços ao outro cliente. Perguntei o que era, pois estava cheirando muito bem. Ela respondeu que era Porchetta, ou seja, leitoa assada. Ela me serviu uns pedaços para eu, também, experimentar. Gostei, todavia, achei pedaços pequenos.
O outro cliente falou que iria adotar aquele tipo de carne no bar dele. Então falei, que já conhecia o sanduíche de Porchetta, experimentado na cidade de Orvieto, Itália, mas que lá servia a carne em um pão mais quadradão, tipo ciabatta, um pouco mais duro tendendo ao crocante, e massudo.
O outro cliente me perguntou se serviam a carne em cima do pão. Disse que não, que serviam como recheio no pão, de modo farto, que lembrava o nosso sanduiche de pernil. Tudo muito gostoso e bem temperado. Só que a Porchetta era bem grande, muitas vezes encontradas no supermercado e que eles fatiavam para montar os sanduiches.
O outro cliente perguntou que tipo de vinho eu serviria junto com o sanduíche de Porchetta. Não tive dúvida em afirmar que seria um vinho da Puglia, sul da Itália, com a uva tinta Negroamaro, cultivada há mais de 1.500 anos. Ressaltei que que sufixo de Negroamaro, em grego antigo significava Negro, então, a uva era Negro Negro (niger+maru). Existia ainda a Nero D'Avola, porém ambas pouco conhecidas no Brasil, e que podiam ser encontrados, às vezes, nos supermercados. Ele falou que conhecia a uva Negroamaro, que deveria ter na Superadega.
De repente ele me disse que estava reinaugurando a casa dele na 408 Norte, o Basquiá, de burguers e drinks. Então me convidou para a reinauguração, que não eu pude ir pois já tinha outro compromisso naquela tarde. Perguntei o que era antes a casa. Ele respondeu que tinha sido o “Café Senhoritas”, que servia bolos, tortas, salgados.
Nos despedimos. Fiquei de visitar o Basquiá. Ah!, a Porchetta da Casa do Holandês estava muito boa.
Brasília, 29 de julho de 2018
ANGOLA SIM, SENHORA! – PARTE II (O DIA DO HOMEM)
Robson José Calixto
Andrew Birchenough, oficial da Organização Marítima Internacional - IMO, e Olívio Jacinto, do Ministérios dos Transportes de Angola, que costumavam participar das reuniões da IMO, em Londres, estavam no saguão. Cumprimentei-os e partimos para pegar veículo que nos levaria à Academia do Instituto Portuário e Marítimo de Angola - IMPA.
Eu, Olívio e Andrew.
Foi aí que descobri que não precisava de carro algum para chegar à Academia, pois do Hotel Diamante até lá era tão somente uma quadra, quer dizer, podíamos ter ido muito bem a pé, em menos de cinco minutos.
Cumprimentei os primeiros participantes angolanos que encontrei. Fiz questão de assinara a lista de presença e fui conversar com o Andrew, pois eu deveria ter chegado no dia anterior para sincronizar nossas palestras, abordagens e tempo, mesmo havendo uma programação inicial. Foi tudo muito rápido, enquanto esperávamos a chegada do Diretor do IMPA. O auditório estava cheio. Muitos tinham se formado em Cuba, Baku, também na Alemanha e na Inglaterra, entre outros.
Foi então que alguns problemas começaram. O Mestre de Cerimônia era um angolano alto e um pouco rechonchudo, Osmário, começou chamando os designados para sentar à mesa para a Cerimônia de Abertura. Só que ele tinha certa dificuldade no inglês e certamente o sobrenome do Andrew, Birchenough, não era da coisa mais fácil para se pronunciar. E, ao longo de todo evento, Osmário o chamou de diversas formas: Birchnef, Brizjnev, Brejnev, e por aí vai... Na minha cabeça só rolava: "o Angolano transformou um completo inglês em um russo... e em tempo de tensão entre os dois países, isso era heresia, quase um crime". Eu só olhava a cara do Andrew que, a cada vez que ouvia a pronúncia do seu sobrenome, parecia duvidar se realmente era com ele".
Discurso para cá e para lá, em português, e foi passada a palavra ao Andrew para sua saudação e comentários iniciais, em inglês. Para o evento tinha sido contratada uma empresa de intérpretes, só que o mais experiente saiu e deixou em seu lugar um rapaz bem novo, por volta de uns vinte anos, que possivelmente tinha experiência com inglês coloquial, mas não o técnico ou o ambiental. Ademais, pronunciava suas palavras muito baixo e de forma um pouco lenta. Então, a coisa não casou, não deu "match". Várias vezes o intérprete traduziu de forma contrária ao que se queria dizer e por não conhecer o inglês técnico-ambiental, substituía as palavras em inglês por palavras em português que não se encaixavam no contexto. Começou a virar uma "mess". Tive que intervir, fazendo conexões entre o que o Andrew dizia e o que deveria ser traduzido pelo intérprete, que invertia os sentidos das frases... Andrew suava e percebia que a coisa não estava funcionando, e sim confusa. Olívio saiu atrás do intérprete sênior, tentando fazer com que pessoalmente fosse fazer a interpretação do evento.
Finalmente, chegou a minha vez de fazer apresentação. Sentindo a tensão no ar e o incômodo dos angolanos coma interpretação, mostrei um mapa onde apareciam Brasil e Angola geologicamente articulados, ligados. Realmente, quando Gondwana, continentes, estavam agregados, Angola e o estado do Rio de Janeiro se imbricavam bem na cidade de Luanda, daí eu disse: "- Como sou carioca e nasci no Rio de Janeiro, se ainda houvesse a Gondwana, de repente eu poderia ter nascido do lado de cá, como angolano e vivido em Luanda". A audiência caiu na gargalhada e a tensão desabou, o que me permitiu fluir nas minhas 5 outras apresentações para os dois dias de evento, ainda mais que era tudo em português, não precisando de tradução.
Às vezes, eu fazia perguntas para audiência e quando afirmativa a resposta, os angolanos exclamavam: "- Sim, Senhora!". Como "Sim, Senhora"?, deveria ser "Sim, Senhor". Depois de muitos "Sim, Senhora!", os questionei por que respondiam daquele jeito e me explicaram que era um costume, via de respeito à figura da Mãe, de cada mãe, que quando ordenavam aos filhos alguma coisa, eles respondiam assentindo: "Sim Senhora!"
Convivendo com os angolanos, percebi que eles gostam de comer muito, um café se transforma em uma refeição, e almoço é bem deliciado, homens e mulheres ganham seus quilinhos rapidamente. Comem muito amendoim, torrado, no sal, com açúcar melado, pé-de-moleque. Gostam de bolo, em particular de chocolate, mandioca em papa, que parece uma canjica, cocada, frutas como melancia e melão, e bebem sempre água mineral em garrafa plástica, já que não confiam na potabilidade de sua água para beber.
Eles têm uma bebida, um refresco, que se chama Kiságua, feita de milho e é doce, lembrando bebida de soja com sabor meio neutro. Servem a partir de uma espécie de vasilhame de plástico.
Angola é muito rica em petróleo e diamantes, mas é terra virgem para maior desenvolvimento econômico-social, comércio e parques industriais. Quase tudo é importado e, há alguns anos, precisaram importar papel higiênico, como me disse um dos participantes do evento. Dessa forma, o que Angola ganha na venda de commodities perde na importação de produtos manufaturados de maior integração, valor agregado, transferindo renda. Tal desequilíbrio faz com que tudo em Angola seja muito caro, em particular a comida. Um bife de frango, com um ovo e uma pequena porção de arroz e batata frita, como em um “Prego no Prato”, pode sair a US$ 20.
Vi os Angolanos como um povo alegre, amistoso e com suas marcas da longa e sangrenta guerra civil. Outro participante me perguntou: " – Já matou alguém? Eu já matei. O tempo da guerra mexeu com muito com nossas cabeças. Praticamente, todas as famílias angolanas perderam e choraram por alguém para a guerra: marido, filho, pai, avô."
Ele continuou a explicar que muitos procuravam fugir da guerra tentando postos na Polícia, que era urbana. Muitos homens morreram na guerra e, por isso, o país tem muito mais mulheres do que homens. Daí terem institucionalizado tradicionalmente a sexta-feira como o "O Dia do Homem". Quando seria dado o direito ao homem casado de deixar sua casa, esposa e filhos, e só voltar domingo à noite, para poder, nesse intervalo, dar carinho, consolo e calor às outras mulheres que não tinham marido e ficavam sozinhas, devido ao déficit de figuras masculinas. Para o participante, as mulheres tinham que aceitar essa situação esdrúxula, pois também poderiam ficar sozinhas, sem um marido. Todavia, uma participante se opôs à essa tradição, dizendo que não era bem assim, que aquilo ocorria com a mulher que aceitava, o que não era o caso dela. Ai do marido dela não estar em casa no final de semana....
O sotaque do português pronunciado pelos angolanos está entre o de Portugal e o do Brasil, muito influenciado pelas novelas brasileiras. Pelas ruas, em nome de bairros, bebidas ou lojas, se veem várias referências às novelas, por exemplo, D. Xepa.
Quando Andrew voltou a ministrar uma nova palestra, o intérprete mais experiente já estava na Academia, o que facilitou bem mais para a interlocução com os participantes. O intérprete mais jovem não mais apareceu, disseram que precisava descansar.
Ao fim do primeiro dia, Andrew me convidou para tomar um drink, contudo, eu estava tão cansado que preferi ir para o quarto e dormir, na verdade, desmaiei de sono.
O Pensador. Foto: RJC.
Ao todo, fiz seis apresentações – quase 200 slides de Power Point –, com muita participação da audiência, perguntas e questionamentos, ainda mais quando eu apresentava detalhes da legislação nacional angolana relacionada ao tema, que eles pouco conheciam. Ao final do segundo dia, Andrew recebeu uma escultura da Palanca Negra, com seus chifres convolutos enormes. Eu ganhei uma escultura, também em madeira, da figura tradicional, e mais importante, "O Pensador". Gostei mais da minha, que se relacionava diretamente ao que me propus a fazer com os angolanos: refletir, pensar, questionar e entender.
Depois do encerramento, nos levaram para conhecer o Restaurante Del Mar, na Ilha de Luanda. Amplo, requintado, na beira da praia, bem iluminado, decorado em madeiras (em diversos tons) – inclusive nas pias do banheiro – e caro. Pareceu-me lugar bastante frequentado pela elite angolana, em particular a branca, ou do funcionalismo público e militares, em especial os mais antigos.
Voltei para hotel e arrumei minhas coisas, já que voltarei para o Brasil na tarde/noite do dia seguinte. Foi aí que algo inesperado se sobressaiu.
Apareceu como um incômodo, uma dada pressão do lado esquerdo do ventre e, depois, aumento na temperatura do corpo, como no início de uma febre. Mais adiante, uma pontada mais aguda e a indicação da necessidade de se correr para o banheiro e liberar o número 2, que vinha em forma líquida, amarela e muito malcheirosa: Eu estava com diarreia, apesar de todos os cuidados de higiene e com o consumo de água e comida que tomei – doença de viajante!
Daí em diante, era voltar para cama e correr para o banheiro. Várias vezes, muitas vezes. Meu sono da madrugada acabou, não dormi mais e, até o meio-dia, fiquei liberando o líquido para vez se a bactéria que tinha me bagunçado saía junto.
Não tomei qualquer remédio para reprimir a diarreia e segurar o surto, apesar de ter comprimidos de imodium comigo. Anos atrás, fui severamente repreendido por uma médica pernambucana que me atendeu em emergência em Brasília por ter tomado um imodium para segurar diarreia. Ela me questionou se eu queria morrer, me explicando que quando não se deixa livremente o corpo tentar expulsar a bactéria, e a prendemos no nosso interior, há o perigo de ela se espalhar e atacar outros órgãos, provocando septicemia. Com isso na cabeça, não me arrisquei e preferi continuar sofrendo com as evacuações involuntárias.
Tudo que me foi programado para o dia foi para o espaço, conseguindo um check out tardio. Na parte da tarde, consegui comer um pouco de arroz e um filé de frango grelhado, o que me deu alguma energia, mas não impediu o fim da diarreia, porém com um aumento no intervalo das evacuações.
No avião de volta, consegui dormir um pouco, de lado, enquanto ele atravessava, quase em linha reta, o Oceano Atlântico.
A greve se dilatava, mas já diminuía sua extensão e impacto. Em São Paulo, no aeroporto, comprei uns probióticos para tentar já refazer a flora estomacal. Cheguei num sábado em Brasília mas, no domingo à noite, precisei procurar emergência, pois senti que aquilo, a doença temporária, poderia se estender a uma infecção urinária. Medicado, reforço nos probióticos.
Registre-se que enquanto Andrew e eu estivemos em Angola fomos tratados com todo carinho e sempre em segurança. Será que voltarei um dia a Angola?
Brasília, 12 de junho de 2018
NOITES ESCURAS
Robson José Calixto
Quando o corpo adoece
Quando a culpa, mesmo injusta,
Se instala no peito
Quando a mente se fragiliza
E o fim do tempo parece se aproximar
E não gostaríamos que fosse tão logo, quase eminente
Os dias esmaecem, as noites perdem o brilho
Se aprofundam, se calam
Mil rostos saltam, as imagens pululam
Diante de olhos tensos e fixos
Diante de um peito calado, de um soluço retido
De orações acabadas, inacabadas
Procuramos esperanças quanto aos erros
Quanto às incompreensões, injustiças cometidas
Sem explicações
Como consertar? Como ter de volta?
Será que no tempo restado ainda te fitarei?
Teus lábios beijarei? Teus cabelos afagarei?
No tempo restado ainda dialogaremos?
Teus olhos nos meus olhos?
Como me esvairei?
Vidas, amores, impulsos
Mortes, tristezas, sem recursos
Sementes
Onde estás?
Resistência
Misturada no sangue alterado que persiste em fluir
Desejo de deixar tudo certo, ou de não ir agora
Um remédio que cure, uma nova terapia,
Que todos diagnósticos estejam errados
Olhamos para fora, quando deveríamos olhar para dentro
Incertezas, punições, sentenças
Será que o caminho poderia ter sido outro?
Será que será outro?
Dor, que corrompe
Medo, que abala
Vontade de segurar tuas mãos
Sentir teu cheiro perto
Tua presença, todavia constatamos a tua ausência
Na prece um sussurro de Adeus
Para quem fica,
Anjo.
Por Robson José Calixto - Brasília 13/07/2018.
ANGOLA SIM, SENHORA - PARTE I
Robson José Calixto
No final de abril de 2018 recebi e-mail da Unidade de Cooperação Técnica da Organização Marítima Internacional - IMO informando que meu CV havia sido selecionado para prestar consultoria sobre a disposição de resíduos e outras matérias no mar, em Workshop Nacional, para sensibilização do país quanto à necessidade de implementação de tratado internacional, ratificado por Angola, que tratava desse assunto, como parte dos esforços para controle da poluição marinha.
Na comunicação a mim encaminhada fui informado que para começar teria que obter dois certificados, um básico e avançado, sobre segurança pessoal e da equipe em missão internacional pelas Nações Unidas. Não esperava que tiver de cursar quase 30 horas de aula online e responder a quase 100 questões para obtenção dos certificados. O bom é que os ensinamentos podem e poderão ser levados pela vida toda.
Obtidas todas as vacinas necessárias (obrigatórias e para a minha proteção - febre amarela, tifo, hepatite A, coqueluche, poliomielite reforço adulto, entre outras), preenchidos todos os documentos e recebidas as autorizações postuladas, preparado cerca de 250 slides de Power Point e com a passagem na mão, parti eu, no dia 28 de maio de 2018, para o Aeroporto de Brasília - DF, em plena greve dos caminhoneiros, quando o aeroporto da Capital do país sofreu apagão de querosene para aviação, com diversas aeronaves no pátio e quase 100 voos cancelados.
Mal cheguei um atendente da LATAM olhou minhas reservas e de forma taxativa disse: "- Esse voo foi cancelado, o Sr tem que descer a escada rolante e procurar o balcão de acomodação da LATAM". Daquele momento até a obtenção de uma solução razoável se passaram quase 05 horas em uma fila, o que me levou a perder conexão para Luanda no Aeroporto de Guarulhos em São Paulo. Eu iria chegar em Luanda às 06h35min em Luanda, iria...
Após conseguir ser atendido me disseram: "- o Sr pode ir amanhã para São Paulo em voo no mesmo horário de hoje (11h20min), contudo, não podemos dar garantias que amanhã ele não possa ser cancelado. O Sr não prefere ir para São Paulo ainda hoje, em qualquer horário disponível?"
Pensei, pensei, refleti e achei melhor aceitar, desde que fosse em horário mais tarde naquele dia, para que pudesse voltar até em casa e fazer diversas ligações, visando não dar a aparência de que havia desistido da viagem.
Em casa liguei para empresa Booking.com para avisar que faria um "late check-out" no Hotel Diamante em Luanda, o que não adiantou muito. Liguei para a Transportes Aéreos de Angola - TAAG, no Rio de Janeiro - RJ e, depois, para o escritório da empresa em Guarulhos, evitando um "no show", todavia sem resolver o problema completamente. Email para a IMO para alertar o que estava sobre a minha situação de incerteza de cumprimento da Missão.
O meu voo inicial era para às 11h20min, só que minha partida só se deu às 21h30min do dia 28, chegando a Guarulhos às 23h30min. Fui dormir às 02h:00h da manhã após procura de agente da LATAM que pudesse me auxiliar, já que todas as posições no balcão estavam vazias, quer dizer, exceto uma.
Por volta de meio-dia do dia 29/06/2018 voltei ao Aeroporto de Guarulhos para resolver minha situação junto à TAAG, pois ainda estava pendente.
Já no piso de embarque parei a primeira pessoa que achei pudesse trabalhar no aeroporto e perguntei se ele sabia onde era o escritório da TAAG. Não, ele não sabia onde ficava. Parei a segunda pessoa, e ele me disse: "- perguntou à pessoa certa, pois eu trabalho para eles!" Uau, pensei eu!
Foto: RJC.
Chegando ao escritório da TAAG fui logo mostrando toda documentação que pegara na LATAM para comprovar que a culpa de eu ter perdido o voo na noite anterior não havia sido minha.
Fonte: Creative Roots.
Tudo esclarecido, e mais algumas horas de espera, o 777-300 da TAAG, que tem como logo a Palanca Negra gigante, partiu em ponto para a cidade de Luanda, em Angola, onde cheguei por volta das 06h30min da manhã do dia 29. O workshop começaria às 09h00 daquela manhã.
Passei fácil pela alfândega devido ao Passaporte Oficial. Todavia a bagagem demorou muito chegar à esteira ("ao tapete", em português de Angola). Foi pegar a mala e encontrar o meu transporte.
No interior do automóvel percebi e matei uns dois mosquitos voando, daí entender a premência de vacina de febre amarela para entrada no país. Do aeroporto 04 de Fevereiro de Luanda ao Hotel Diamante na orla, além do Monumento a Agostinho Neto, Primeiro Presidente de Angola, após a movimento de independência colonial, um ano depois da Revolução dos Cravos ocorrida em Portugal, em 1974, me chamou o número de sinais de trânsito (semáforos) desligados, o que implicava em trânsito desregulado, onde as negociações de trânsito ocorriam em acordos tácitos e costumeiros entre motoristas, tipos de veículos e transeuntes.
Já no Hotel comprovei que já tinha sido cobrado por um pernoite, apesar de nem o ter usufruído. Foi o tempo de fazer a barba, tomar banho, escovar os dentes e vestir o terno, pois já estavam me esperando no saguão para nos dirigirmos à Academia do Instituto Portuário e Marítimo de Angola - IMPA.
Continua....
Brasília, 12 de junho de 2018
FALA
Robson Calixto
Fala, é bom te ouvir
Não cala, nem deixe inibir
Solta, o anjo delicado para fluir
Junta, o que não conseguiu unir
Voa, e nos diz para atrás de ti onde ir
Tranca, o monstro silencioso para não mais ferir
Luta, não vá desistir
Acha, o que faz sentido em ti existir
Perdoa, o que não perguntou sobre de alguém o sentir
Sonha, o que sonhou para ti sem exibir
Para, a vida não é assim pode em frente ir
Beija, o abraço sem pedir
Esconda, o que não mostrou nem para refletir
Não nega, que saudades é para quem gosta, nem precisa disso ouvir
Viva, e nos deixa saber sobre o que rir
Força, e vê se se acha mesmo pelo olho do olho de quem pode se expandir
Ama, em paralelo, crava as unhas, solta o arfar, pode sorrir
Entenda, não receba em pedaços o que pode servir
Proteja, enfim então cresça e seja o nosso porvir.
HOJE, NÃO QUERO FICAR SÓ, CADÊ A MINHA CERVEJA?
(SOBRE O PRAZER EM FICAR BÊBADO)
Robson José Calixto
A primeira vez que bebi uma pint (paint) de Guinness em um Pub inglês foi inesquecível!.. Senti como se tivesse levado um soco direto no cérebro. A cerveja estava quente e, em milésimos de segundos, a dor de cabeça se instalou. Olhei para o lado e pensei: me falavam tanto... e isso! Bebi mais um gole desceu quadrado. Olhei de novo e várias pessoas bebiam cerveja, entretanto algumas bebiam cerveja com vários cubos de gelo. Pedi alguns cubos de gelo também para mim. Um tempinho e mais um gole, e então a cerveja clara começou a arredondar. A partir daí, aprendi a beber cerveja com gelo, apreciando bastante as sem álcool vendido nas lojinhas de muçulmanos, entre Paddington, Edgware Road e Marble Arch.
Tive um primo que adorava cerveja e ficava sem rumo quando a bebia, pois ficava bêbado. Antes de tudo, ele se amarrava em passarinhos, quando isso ainda não era incorreto e criminalmente punível. Eu, ainda muito criança, o via cuidar dos passarinhos, colocar jiló, alpiste, a banheirinha, a chicória.
Esse meu primo era vascaíno, outra paixão, e me levava para o Maracanã para assistir os jogos do Vasco. A minha primeira vez, acho, eu tinha cinco anos, Rio romântico. Descíamos a rua da DeMillus, na Penha Circular, e caminhávamos até a estação próxima ao parque Ary Barroso, então pegávamos um trem e saltávamos próximo ao estádio, não na estação. Todos que para lá se destinavam, quando o trem parava e abria as suas portas, pulavam do vagão e aterrissavam na brita, chegando ao estádio após atravessar passagem em muro quebrado. Acabávamos subindo pela rampa da UERJ, a que eu não gostava – quando fiquei de maior, sempre entrava pelo lado oposto, a da estátua do Bellini.
Meu primo, Valmor, em termos musicais, estava muito à frente dos demais. Foi com ele que aprendi, bem pequeno, a gostar de Pink Floyd, Credence, Uriah Heep, Deep Purple, Black Sabbath, Yes!, entre outros. Apesar de origem humilde, se marrava em frequentar os bailes. Ele tinha vários LPs de grupos de rock e foi a partir de sons, letras e solos de guitarra, que me apaixonei pelo rock progressivo.
Mas meu primo tinha um problema, não sabia expressar seus sentimentos, preferia engolir suas mágoas, frustrações, suas inseguranças, com o silêncio. Quando os expressava era de forma irônica, meio desencontrada, não totalmente entendível. Um dia, ele se apaixonou por Guiomar, irmã do marido de minha madrinha. Ela era de fato muito bonita.
Ele tentava, ela dava fora. Ia atrás, e ela o rechaçava. Ficou com o coração partido. Juntava tudo e bebia. E, aí, os pensamentos se embaralhavam mais. E suas frustrações, seu desassossego interno, talvez também sua raiva bêbada, se expressavam mais fortes em ocasiões especiais, como no Natal. Lembro-me de um específico, que ele já chegou “tocado” na casa da minha madrinha, acho que a Guiomar estava lá. Não sei se ele deu mais uma investida, mas misturou a cerveja do seu corpo com uns copos de vinho (ou sangria) “Sangue de Boi”. Ficou mal das pernas, tonto, caiu em cima da mesinha de centro, de vidro, quebrando-a toda e, depois, após ser acudido, botou tudo para fora, vomitando.
Ele viria a falecer, ainda moço, não me lembro da doença. Nem sei se chegou a namorar alguém. Era também um tempo complicado para todos, anos da década de 1970-80. Brasil com graves crises econômicas, as pessoas taciturnas, mesmo com a New Wave.
E por que estou falando nisso tudo? É porque às vezes assisto o BBB18 e vejo a Paula encher a cara nas festas, misturando tudo e ela, s.m.j., acabando a noite, geralmente, falando meio torto... Igualmente, me lembro, uma vez, em Amsterdã, nos anos de 1990, no dia do Aniversário da Rainha da Holanda, uma das mulheres mais lindas que vi na vida rolar os degraus do trem totalmente bêbada. Também conheço mulheres que bebem para ficar bêbadas...
Então, fico pensando, questionando, refletindo no que está por trás dessa propensão, desse prazer em ficar bêbado... Meu primo... Outros exemplos... Penso que o âmago de tudo está nessa dificuldade em expressar o que sente, em deixar-se amar, em amar, ser frágil diante do outro e precisar de algo que os faça sentir fortes, poderosos, libertem as suas amarras vocais. Daí a cerveja, as misturas alcoólicas, transformando-as em um aditivo químico, que se torna dependência, um anabolizante emocional, para se afirmar, dar coragem. Mesmo para não se sentir mais sozinho naquela noite, naquelas horas. Necessita-se de uma “Poção do Esquecimento”, de relaxamento.
Todavia, o aditivo, o anabolizante, o impulsionador dura algum tempo, e a ladeira abaixo surge, as pernas se ressentem e fraquejam, os pensamentos por igual, e não se é mais nada. A fera é tomada pela não-fera. A culpa e o remorso interno contido margeiam. O principal é que o que se queria esconder, emudecer, o foi... A fera emocional que se revolvia internamente foi contida. O silêncio retorna, e as palavras não se soltam mais da boca, buscam-se soluções alternativas, abandonando as que não se teve coragem de enfrentar ou vivenciar.
Solidão, inseguranças, e a boca se abre para o doping emocional libertador, o prazer em beber e ficar bêbado.
Brasília, 17 de março de 2018.
MAXIMILIANO KOLBE & A MILÍCIA IMACULADA
Robson José Calixto
No dia 14 de agosto, dia do meu aniversário, é comemorada a festa de Santo Maximiliano Maria Kolbe. Ele foi canonizado e declarado mártir da caridade pelo Papa João Paulo II, que o chamou de “patrono de nosso difícil século XX”, a 10 de outubro de 1982.
Mas Kolbe nasceu Raimundo, a 08 de janeiro de 1894, na cidade de Zdunka-Wola, Polônia. Por volta de 10 anos Kolbe foi repreendido pela mãe. Chateado correu para a Igreja e rezou à Virgem Maria para iluminasse o caminho dele, quando ela lhe apareceu em visão, carregando duas coroas, uma branca e uma vermelha. A Virgem Maria perguntou ao pequeno Raimundo se aceitava aquelas coroas: a branca, significando que perseveraria na pureza, e a vermelha, o martírio. Ele aceitou as duas, então Nossa Senhora teria lhe olhado com doçura, desaparecendo a seguir.
A 04 de setembro de 1910, com quase 17 anos, Raimundo ingressa no noviciado franciscano, recebendo o nome de Maximiliano, denominação real na Áustria.
Já na Segunda Guerra Mundial, no dia 17 de fevereiro de 1941, oficiais da Gestapo alemã, em carros pretos, levaram Kobe e outros quatro frades para a prisão de Pawiak, divisão de Varsóvia. De lá, após alguns meses, Kolbe foi levado para o famoso campo de concentração de Auschwitz, na confluência dos rios Vístula e Sola, em 28 de maio de 1941.
Ao chegar a Auschwitz, Kolbe recebeu roupas com listas verticais cinzas e azuladas e o número 16.670, que aparecia abaixo de um triângulo vermelho (inimigo do Reich) com a letra “P” (Polonês). Ele foi obrigado a realizar trabalhos forçados, como servente, jardineiro, carregando pesos maiores que podia suportar. Quando parava cansado Kolbe apanhava e era xingado, mas ele orientava e mostrava que o amor é sempre mais forte que a morte. Exausto e mal alimentado, acabou internado no hospital do campo de concentração, doente do pulmão. Ao melhorar foi encaminhado para cortar batatas, por horas, alimento básico dos prisioneiros, contudo permanecia com atitude positiva, resignada e fervorosa, estando pronto para seus próximos sofrimentos.
Todavia, em julho de 1941, um prisioneiro do bloco 14, o mesmo de Kolbe, fugiu do campo de concentração e o seu Comandante bradou que, caso o fugitivo não fosse encontrado, 10 outros presos morreriam de fome nos subterrâneos do Bunker. Os prisioneiros do bloco 14 passaram horas na posição de sentido, só ouvindo a movimentação dos soldados e veículos e latidos dos cães ao longe. Foram dormir famintos naquela noite. No dia seguinte, enquanto continuavam a procurar o fugitivo, os demais prisioneiros do Bloco 14 passaram o dia todo na posição de sentido sob o sol a pino – uma tortura. Muitos desmaiaram.
Quando o Comandante Fristch retornou, foi logo anunciando e confirmando, que o fugitivo não fora encontrado e 10 morreriam de fome. Foi passando entre as filas de prisioneiros, escolhendo os que seriam sacrificados, entre eles um militar chamado Francisco Gajowniczek, que gritou palavras de despedida à esposa e aos filhos. Kolbe foi tomado de compaixão, saindo da fila e caminhando em direção ao Comandante Fritsch, informou que era padre católico e que desejava tomar lugar de Francisco Gajowniczek, que tinha esposa e filhos, apesar da surpresa, a oferta foi aceita. Os condenados foram encaminhados aos subterrâneos de Auschwitz, entre o final de julho e o início de agosto, para morrer de forma lenta e dolorosa, de fome e de sede. Foram despidos das roupas e avisados que “secariam como tulipas”. Kolbe organizou um grupo de orações, liderando, ajoelhado, cânticos e rosários.
Pelas manhãs eram retirados os corpos dos que faleceram à noite. Após três semanas pouco dos condenados sobraram, entre eles Kolbe. Era preciso desocupar a cela para outros prisioneiros, assim em 14 de agosto de 1941 aplicaram na mão esquerda de Kolbe uma injeção de ácido muriático, que queima enquanto passa, apressando a morte dele.
Ao longo de seu ministério, Santo Maximiliano Maria Kolbe desenvolveu muitas atividades, uma delas de muito interessante e pouco conhecida, mesmo no Brasil. No ano de 1917, na Europa era comemorado o quarto centenário do protestantismo, iniciado por Martinho Lutero, em 1517. A Maçonaria comemorava duzentos anos de presença na Itália. Esses movimentos foram acompanhados por críticas à Igreja Católica. A Maçonaria festejava Giordano Bruno, carregando estandarte que invertia os acontecimentos, Lúcifer derrotava São Miguel. Na Praça de São Pedro alçaram um cartaz que dizia que Satanás reinaria no Vaticano e o Papa seria seu servo.
Santo Maximiliano Maria Kolbe revoltou-se contra tudo aquilo e se convenceu que precisava estar a serviço de Maria Imaculada para combater e vencer os inimigos da fé, para tanto seriam utilizados a imprensa com foco mariano, a oração, a medalha milagrosa e empenho efetivo do apostolado (organizações para leigos católicos).
A primeira reunião ocorreu a 16 de outubro de 1917, diante de uma pequena imagem da Imaculada, quando definiram as diretrizes espirituais do movimento. Ao final da reunião os sete participantes receberam, cada um, a medalha milagrosa – “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recoremos a Vós”. Estava fundada a Milícia da Imaculada e os participantes tornaram-se seus primeiros cavaleiros (milites).
Os militantes da Milícia se põem à total dedicação à Imaculada, tornando-se “coisa e propriedade” de Nossa Senhora. A finalidade da Milícia é “procurar a conversão dos pecadores, hereges, cismáticos, infiéis, tendo como condições: a oferta de si mesmo à Imaculada, portar consigo a medalha milagrosa e recitar ao menos uma vez por dia a oração “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recoremos a Vós””.
Há três graus de participação na Milícia da Imaculada:
Assim, o exército da Imaculada se propõe, por todos os modos, “conquistar por meio de Maria Imaculada o mundo inteiro pra Cristo”.
Em janeiro de 1922, Kolbe publica, com cinco mil exemplares, o primeiro boletim do “Cavaleiro da Imaculada”. Frei Kolbe conseguia, mesmo quando os recursos estavam escassos, até por meios anônimos e inesperados, manter e ampliar a publicação a partir de compra de maquinário gráfico próprio. Fiéis americanos também ajudaram na compra dos equipamentos. O crescimento da obra obrigou a levar os escritórios, a gráfica e os irmãos religiosos (franciscanos conventuais) colaboradores mudarem de Cracóvia para Grodno e novas publicações: duas revistas, o Cavaleiro da Imaculada, com 60 mil exemplares, e a Chama Seráfica, com 8 mil exemplares.
O crescimento da obra demandou nova expansão e mudança de Grodno para Varsóvia, a partir de doação de terreno com 28 mil m2 pelo Príncipe Drucki-Lubecki. A mudança completa foi a 20 de novembro de 1927, sendo que o primeiro prédio construído foi dedicado à Virgem Maria. Todo o conjunto foi batizado em polonês de Niepokalanow, isto é, Cidade da Imaculada.
A partir daí o Cavaleiro da Imaculada atingiu 750 mil exemplares e, a seguir, i milhão de exemplares. Para crianças, em 1933, foi lançado o Pequeno Cavaleiro da Imaculada. Já em 1938 Frei Kolbe lançou para o clero de todas as raças e línguas o Miles Immaculatae, em latim.
Informações sobre a Milícia da Imaculada, no Brasil, podem ser encontradas pelo site www.miliciadaimaculada.org.br, com TV e Rádio onlines. A Milícia está presente em diversos países e diversas regiões do país.
Parece que também era sonho de Frei Kolbe Maximiliano um dia chegar com o movimento até Brasil, promovendo o apostolado da Imaculada. O primeiro enviado foi o Frei Agostinho Januszewicz, partindo para o Brasil, a 04 de outubro de 1974, a bordo do navio “Cristóforo Colombo”, chegando ao Rio de Janeiro em maio de 1975.
A fundação do Jardim da Imaculada foi no ano de 1977. A revista Cavaleiro da Imaculada começou a ser produzida em 1979.
A Sede Nacional da Milícia da Imaculada, o convento do Jardim da Imaculada foi estabelecido pelo ato da Direção Geral da M.I. de Roma, com a data de 01 de janeiro de 1982.
Obs.: O presente texto foi compilado a partir, principalmente, das seguintes referências:
Brasília - DF, 03 de março de 2018.
NÓS E O TEMPO
Robson José Calixto
Nossa percepção de tempo ocorre a partir da observação da evolução das formas. Contudo, não existe passado, não existe futuro, somente existe o presente. Assim, temos memórias, expectativas e o agora, este instante, nossa visão. O passado já passou, se escondeu, não existe mais, o futuro não existe, pois ainda está por ocorrer, procedendo do oculto, só o presente é que nos move. Isso não significa que não podemos evocar nossas memórias e, em diálogo mental, visualizá-las no presente. Também não significa que não possamos premeditar o futuro, com base nos sinais de nossas memórias e no que realizamos no presente, tão longo quanto à duração de um dia apenas.
Essas são as conclusões filosóficas e metafísicas de Santo Agostinho, Bispo de Hipona, que nasceu a 13 de novembro de 354, em Tagaste (atual Souk Ahras, na Argélia), Numídia, em um período que o poder romano e a fé católica já haviam se fundido.
Aurélio Agostinho era filho de Patrício, um pagão e africano romanizado, como o designam, quer dizer romano ou assimilado proveniente de uma porção da África, banhada pelo Mar Mediterrâneo, sob o domínio romano (Cartagena, Numídia, Mauritânias), que começou a 146 a.C.. Sua mãe, Mônica, que viria a se tornar Santa, era cristã e amava muito seu filho, se preocupando com seu futuro, pois ele tinha uma vida desregrada, libidinosa.
Pode-se se dizer, de maneira informal, que na juventude, Santo Agostinho era da "pá virada", um pecador. Com 18 anos, isto é, a no ano 372, século IV, torna-se Pai de Adeodato, filho de uma mulher que lhe era apaixonada, sem nunca casar com ela. Por volta dessa idade se interessa pela Astrologia, dá aula de gramática, só que acaba expulso de casa por Santa Mônica devido ao seu modo de viver, entre pensamentos não cristãos e libertinagem. Pela proteção de mecenas Romaniano, vez por outra Agostinho acerta seu caminha e lapida a forma consolidada que teria no futuro. Entre 32 e 33 anos sente uma vontade irresistível de voltar à fé de sua mãe e de se batizado, o que acontece com a benção de bispo Ambrósio e, a seguir, passando sete meses em retiro na Itália, com Adeodato, que também fora batizado em conjunto ao Pai.
Agostinho sofria de insônia, o que lhe permitiria meditar, refletir e escrever muito ao longo de sua vida. Em 388 Agostinho deixa Roma, na Itália, e se muda para Tagaste, na Numídia, fundando uma comunidade de oração e contemplação. Adeodato morre no ano seguinte. O bispo Valério precisa, em 391, de um padre que o ajudasse nos serviços da igreja. Agostinho é o escolhido. Quatro anos depois Agostinho é consagrado bispo e no ano seguinte (396) sucede Valério como bispo da diocese de Hipona (atual Annaba, Argélia). Santo Agostinho morre a 28 de agosto 430, século V, com 76 anos de idade. Foi canonizado e reconhecido como Doutor da Igreja, em 1292, pelo papa Bonifácio VIII.
Por suas análises alegóricas, filosóficas e metafísicas dos primeiros versículos do Livro do Gênesis sobre a Criação e o Tempo, incrível e extremamente profundas, relacionando-as com os primeiros versículos do Evangelho de São João, expressas na terceira parte do seu Livro Confissões, torna-se uma das principais colunas da Igreja Católica, sendo seus ensinamentos incorporados e ensinados em círculos de estudo mais fechados, por serem mais complexos, demandando imersão e meditação mais prolongada.
O que há tão especial nos escritos de Santo Agostinho? É que bem antes de Isaac Newton (séculos XVII-XVIII), Albert Einstein (séculos XIX-XX) e Stephen Hawking (séculos XX-XXI), sem equipamentos e sem desenvolvimento matemáticos, Agostinho lança luz e base sobre as relações hierárquicas que envolvem a matéria, os movimentos e o tempo, com o que percebemos fisicamente em nós mesmos, na natureza da Terra, no Universo e com o que nos supera, nos é superior. Inspirou muitos pensadores que viriam a seguir. Apesar das muitas facetas encontradas em seu livro “Confissões”, no presente artigo só abordarei a perspectiva do Tempo.
Voltando, então, ao assunto do tempo, para Santo Agostinho os acontecimentos do presente são meras flutuações no âmbito de algo maior, mais estável, eterno, sem começo e sem fim, tendentes a serem corrigidos para se tornarem bem, mesmo que sejam acontecimentos ruins, pois "Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom" (Gênesis, 1). Nós seres humanos é que necessitamos inerentemente das noções de pouco e muito tempo, para tanto servem como referência os "luzeiros no firmamento dos céus para separar o dia da noite", servindo, também, de sinais e para a marcação do "tempo, os dias e os anos".
Para mim essa necessidade provém da nossa fragilidade, por sermos susceptíveis à morte. É estranho, quando somos jovens a noção de tempo não nos permeia muito, como se tivéssemos uma eternidade pela frente, que nunca chega, e quando nos tornamos mais velhos, e quanto mais antigos formos, temos a sensação que o tempo está se esgotando, a areia da ampulheta está se esvaindo, não teremos mais um futuro destinado a nós mesmos, nos transformaremos em passado, algo a ser evocado nas memórias dos outros. Santo Agostinho aborda assim essa passagem: “E quanto ao presente, se permanecesse sempre presente e não se tornasse passado, não seria mais tempo, mas eternidade”.
Por isso, é tão importante ter-se a esperança de que um dia uma força motriz renovadora nos fará ressurgir dos mortos e nos levar ao encontro do sem tempo, daquele que se estende no eterno, na estabilidade do ser daquele que é, cuja vontade sábia e criadora é sempre presente no presente, e por igual é presente do passado e presente no futuro.
Pela observação das formas das coisas, em suas etapas, é que temos a noção de tempo. Um óvulo maduro e um espermatozoide se juntam, e juntos não são vida, mas são pedaços potenciais de vida. Energia, fusão, fecundação, ativação. Do nada é criada a vida, ainda sem forma, entretanto, os dias e as noites passam marcando o tempo - passado, chega-se a algo ainda sem uma forma claramente definida do que virá a se tornar - futuro, um potencial de ser humano, um feto do tamanho da cabeça de um alfinete. A seguir, pela quarta semana de gravidez, temos um embrião de onde surgem órgãos que demandam desenvolvimento. Depois músculos, células sanguíneas e ósseas, todavia o coração não está pré-formado, o que só ocorre pela sexta semana de gravidez e já tem batimentos. Aparecem os braços e as pernas, mas as mãos e os pés ainda não têm forma, ainda não estão desenvolvidos. Na oitava semana de gravidez o feto começa a apresentar características do que será um bebê: ombros, braços, nariz, já tendo estômago e intestino fino. Ganha movimentos dentro da bolsa amniótica, cérebro cresce e a capacidade de audição se amplia. Na décima semana, no terceiro mês, o bebê se apresenta e ganha tamanho. Na décima primeira semana os órgão sexuais externos começam a ganhar forma, mas ainda não se sabe o sexo. Na décima quarta o bebê é capaz de chupar o dedo. Na décima oitava, quinto mês, já se pode saber o sexo. No sexto mês o bebê já tem completamente formados os lábios, as sobrancelhas e as pálpebras. Na vigésima oitava semana, sétimo mês, a visão do bebê se aguça e consegue identificar com mais eficiência a intensidade de luz do ambiente, processo que se completará no oitavo mês, quando também começará o processo de envelhecimento da placenta - futuro. No nono mês o bebê já é capaz de produzir uma espécie de fezes (mecônio). Quarenta semanas de gestação – passado - e a mãe fica na expectativa de surgirem as contrações que expulsarão, em parto natural, o bebê do corpo dela - futuro.
Assim, em linha com Santo Agostinho, ocorre com toda criação, a partir de um nada, de um princípio, sem forma e com potencial de ganhar forma, definir-se. Atrevo a dizer que surge partir de uma ideia-desejo, de um princípio com capacidade de dar potencial para a sua definição de forma mais adiante, sucessivamente em processo de mudança, progressivamente, até não ter mais futuro, valia, importância, destinado a perecer, só ficar na memória dos outros.
E se Deus nos deu luzeiros para nos auxiliar na marcação dos dias, semanas e meses, do nosso tempo, das nossas oscilações no todo estável e contínuo, é porque foi Ele quem criou o tempo, é o Senhor do Tempo, do nosso tempo, permanecendo o mesmo. Ou como disse Santo Agostinho: “Criaste todos os tempos e existe antes de todos os tempos. E não existia tempo quando não havia tempo. (...) E não há um tempo eterno contigo, porque tu és estável, e se o tempo fosse estável não seria tempo”.
Vale observar que a vida já existia no Planeta Terra há bilhões de anos sem que o ser humano existisse e viesse habitá-la, portanto, o que já existia era muito antes de nós. Ademais, o Eterno já existia muito antes da matéria Planeta Terra ter sido criada, em forma não definida e imersa na escuridão. Daí, nossa projeção temporal, entre anos que vão e vem até virem todos, que se lança na esperança de um futuro, todavia será só um lapso, um quase nada, diante do espaço-tempo contínuo.
Mas o que é o presente? É o instante, é agora, nesta fração de momento, neste intervalo de micro de microssegundos, não o que passou, que já existe mais, nem o que virá, pois não existe ainda. Santo Agostinho assim o definiu: “Se pudermos conceber um intervalo de tempo que não seja suscetível de ser dividido em minúsculas partes de momentos, só a este podemos chamar de tempo presente”. Portanto, é um intervalo, algo tão infinitamente pequeno, que não teria extensão. Daí ele concluí que tempo é um tipo de extensão ou, nas palavras e entendimentos atuais, uma das dimensões. Se for extensão, então, nós poderíamos estendê-lo e viajar ao seu longo ou através dele, onde fosse permeável, mas só em sentido futuro, já que o passado não existe. Combinando essa possibilidade com a Teoria da Relatividade de Einstein e as Teorias de Stephen Hawking, se conseguíssemos viajar na velocidade da luz, daríamos “saltos” no tempo que estaria por vir, pois a cada dia viajando nessa velocidade corresponderia a um ano da Terra.
Porém, se Santo Agostinho concluí que tempo é um tipo de extensão, também conclui que não é o movimento dos corpos, estando em repouso ou não, pois referenciamos sua posição, fisicamente, a partir de um referencial estacionário (mecânica de Euler) ou vinculada ao corpo (mecânica de Euler), em relação tempo, por conseguinte não é tempo. Pode-se medir o tempo por meio de relógio ou a posição dos astros (“os luzeiros”), mas o que se mede fato?
Para Santo Agostinho os acontecimentos “vêm e passam”, não existem mais, tornam-se passado, e ressoam em nossas mentes, gravada na memória, prolongando-se. Algo instável, uma oscilação no contínuo, uma perturbação no eterno. Para Santo Agostinho o tempo se realiza em nossas mentes, é um produto de nossas almas, que estão vinculadas aos nossos corpos. Quando perdemos esse vínculo, acaba nosso tempo, pois somos passado e sem ecos, sem reverberações que nos prolonguem. Não há mais o que ser processado em nossas mentes, não há mais futuro que se torne passado. Ou seja: “O esforço presente transforma o futuro em passado, o passado cresce com a diminuição do futuro, até o momento em que tudo será passado, quando se consumar o futuro”.
Santo Agostinho interpreta que quando alguém diz que “vê” o futuro, não o faz, pois não se pode ver “acontecimentos ainda inexistentes”, “(...) mas sim as causas ou sinais precursores que já existem”, podemos “(...) predizê-los mediante os fatos presentes, que existem e que vemos”, quer dizer um futuro futurível. Em tese Santo Agostinho está bem certo, entretanto ele não explica como em sonhos algumas pessoas – que até conheço – são capazes de ver imagens mentais sobre situações imprevisíveis, acontecimentos inesperados, até mesmo diálogos a serem travados em futuro não muito distante. Santo Agostinho se diz incapaz de entender como isso acontece. Para mim é porque, quando isso acontece em sonho ou em premonição, estamos em alta conexão com nosso Anjo da Guarda, ou de outro Anjo enviado por Deus, como no caso dos Profetas.
Deus é o Senhor dos Tempos, criou o Tempo, sendo estável e eterno, mas Santo Agostinho igualmente reconhece que existem outras personalidades ou entes que participam da eternidade e imutabilidade de Deus, não são co-ternos com Ele, sendo mutáveis e não mudam, sendo superiores ao Tempo, estando fora do Tempo, que são os Anjos.
Com base nas conclusões metafísicas de Santo Agostinho, ratifico que a imaginação e o tempo corrigem a vida, nossas oscilações, porque tudo no Universo-Eterno ruma para o que é bom, estável, contínuo.
Brasília, 27 de janeiro de 2018
Este artigo foi escrito com base em:
- Santo Agostinho. Confissões. Paulus, 1984.
- Gravidez Semana a Semana – Tudo que você precisa saber sobre o Ciclo da Gestação
http://tudoparagravida.com.br/ciclo-da-gestacao/…. Acesso em 26 de janeiro de 2018.
QUEM SÃO OS ROHINGYAS E POR QUE SÃO PERSEGUIDOS PELOS BUDISTAS DE MYANMAR
(Robson José Calixto)
Foto: Hannah Mckay Reuters.
Os rohingyas (ou ruaingás) é um povo que vive há séculos na região que compreende a divisa de Bangladesh, a sudeste, com a Birmânia (Burma), atual Mianmar, sendo que alguns estudiosos indicam a possibilidade de lá viverem desde o século VII, mas com toda certeza a partir do XV. Mais precisamente no atual estado de Rakhine, a oeste de Mianmar, sendo 1/3 da sua população, isto é, cerca de 1.000.000 pessoas.
Fonte: AKM Ahsan Ullah.
A principal característica do povo rohingya é ser mulçumano arakenese, proveniente de Arakan (Arracão), bem como sunita. A principal característica da Birmânia é ser majoritariamente budista. Outra característica, como no Irã, na Birmânia há uma amálgama entre religião e estado, como dizem: “ser birmanês é ser budista”.
Os birmaneses dizem que os rohingyas são, na verdade, mulçumanos bengalis que migraram para Rakhine (anteriormente Rohang), durante e após o fim da colonização britânica (1824-1948), daí não tendo direitos sobre a terra, nem à cidadania birmanesa e nem serem considerados oficialmente como um grupo étnico, devendo voltar para a antiga Bengala Oriental (atual Bangladesh). Assim, os rohingyas fariam parte de um povo sem cidadania e pátria, isto é, sem proteção social-política e apátrida. O governo da Birmânia os considera "residentes emigrantes", que dizer, não são cidadãos da Birmânia e não são natos daquele país. Ademais, foram tomados deles documentação oficial. Sem documentos, sem status legal, sem permissão para estar no país, estabeleceu-se um círculo vicioso que impõe tremenda pressão nos rohingyas, além de lhes retirar direitos fundamentais.
Uma segunda característica dos rohingyas, mais voltada aos homens, é que são polígamos, tendo várias esposas e de cada esposa podem ter vários filhos e isso, supostamente, torna-se uma vantagem competitiva em relação aos birmaneses budistas, podendo superá-los em prole, na busca de empregos, de melhores oportunidades e, mesmo, se conseguissem, de poder. Para fins de controle do estado quanto à expansão das famílias muçulmanas, em termos de procriação, confinamento racial e profissão de fé religiosa, o grupo budista Ma Ba Tha apresentou conjunto de propostas de leis, sendo que uma delas já adotada, proibindo a poligamia. O homem que for pego com mais de uma esposa ou tendo uma esposa, mas convivendo maritalmente com outra mulher, poderá pegar pena de até sete anos de prisão. Restrições e objeções quanto a casamentos entre pessoas de diferentes religiões também foram impostas, só podendo se casar se não tiverem qualquer objeção e as mulheres de menos de 20 anos precisam ter consentimento dos pais. As mulheres não budistas precisam, também, esperar determinado tempo entre gestações, não podendo passar de dois filhos. Tudo isso para impedir que homens muçulmanos possam espalhar suas sementes de vida em mais de um ventre feminino e, que, por meio do casamento com budistas - o amor e a paixão não conhecem muito os limites religiosos - possam solicitar a cidadania birmanesa ou conversão ao budismo.
Nesse cenário de imensa tensão social, permitindo o surgimento de dois grupos: os que odeiam os rohingyas - ódio incentivado pelo estado - e os que defendem a causa. O ódio e a falta de cidadania dão abertura para abusos e perseguições (coletivas, pessoais e de gênero), restrições no direito de ir e vir, acesso à educação e atendimento médico, para a imposição de trabalhos forçados (ou isso ou a morte) e vexatórios, confisco de bens e propriedades e abusos sexuais, em particular a moças e mulheres em situações vulneráveis e sem defesa masculina de parente próximo, por policiais e outros representantes do estado.
A Birmânia se tornou independente em 1962, após golpe de militares, e o Partido Socialista tomou o poder, desestruturando a organização político-social preexistente dos rohingyas. Os militares fizeram, inicialmente, de tudo para isolar a Birmânia do resto do mundo, para suprimir a dissidência e a oposição e, ainda, para manter o controle da economia do país. Só posteriormente houve distensão e a realização de reformas democráticas e econômicas, visando realinhamento com o resto do mundo. Todavia a marca colonial permaneceu engendrada na alma dos birmaneses, por terem sido considerados como uma classe inferior, de nível mais baixo em relação a migrantes estrangeiros, que compreendia hindus muçulmanos, resultando em desconfianças, traumas e sentimentos de xenofobia. Daí evitar-se qualquer movimento estrangeiro que possa ameaçar a soberania do país. Esse ressentimento nacional contra estrangeiros alcança igualmente os rohingyas, por não serem considerados natos e por rememorarem que os birmaneses estiveram sob o jugo do colonialismo. Exemplo dessa bifurcação social ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial, quando os birmaneses se alinharam com os japoneses e as minorias étnicas ao lado dos britânicos.
Em regra, monges budistas são pacifistas, mas antes da colonização britânica eles que retinham o poder sobre a Birmânia, cuidando em particular do sistema educacional. O fim das vantagens econômicas, sociais e pessoais dos budistas claro que gerou irritação, ressentimento e animosidade em relação aos não budistas. Com fim do colonialismo britânico, militares e monges budistas, esses organizados em um Grupo denominado 969, entraram em aliança, de forma que quem se opunha ao governo militar se opunha também ao budismo. Assim, enquanto os militares acendiam a chama nacionalista e movimentos de auto-preservação, os monges abatiam sua fúria ressentida e violenta contra quem não era budista, com foco nos muçulmanos, os rohingyas fazendo parte desse grupo. Ademais, os monges buscavam tornar o país mono-religioso. Contra a opressão houve resposta armada, que acirrou mais a situação.
Em 1977 os militares registraram os cidadãos considerados birmaneses, em ação prévia a censo nacional, visando excluir quem não era considerada cidadão da Birmânia. Com isso, no ano seguinte, cerca de 2000.000 rohingyas foram obrigados deixar o país e partir para Bangladesh. Nesse mesmo ano, o governo militar da Birmânia elevou o grau de abuso a partir de ação organizada brutal contra a população muçulmana, possibilitando prisões indiscriminadas, desabrigo, retirada de meios de renda, trabalho forçado, estupros, assassinatos e práticas de tortura.
Aproveitando-se dos atentados realizados em diferentes partes do planeta por jihadistas, autoridades birmanesas procuram colar a pecha de que os rohingyas são terroristas muçulmanos, incitando a população budista contra eles.
Notícia do G1, de 10 de janeiro de 2018 confirma o relatado acima: "O exército birmanês admitiu nesta quarta-feira (10) seu envolvimento no massacre de dez rohingyas, reconhecendo pela primeira vez a existência de cova comum para integrantes desta minoria muçulmana no estado de Rakhine, no norte do país. Moradores da aldeia de Inn Din e membros das forças de segurança admitiram que mataram dez terroristas bengalis, indicou o escritório do chefe do exército em uma publicação no Facebook (...)". (https://g1.globo.com/mundo/noticia/exercito-de-mianmar-confirma-existencia-de-fossa-comum-de-rohingyas.ghtml)
Com tanta perseguição e falta de perspectivas, a fome e a inanição se espalharam entre os rohingyas, cenário já visto em outras situações históricas quando se impõe a determinado seguimento a guetização, a falta de alimentos e auxílio médico. O taro (espécie de inhame), quando permitido ser obtido, não tem sido suficiente como alimento básico para os rohingyas. As perseguições institucionalizadas e a fome têm provocado novas ondas de migração, fazendo com que cerca de 500.000 os muçulmanos procurassem abrigos nos países vizinhos, aumentando as tensões sociais entre países
A migração para países vizinhos ou mais distante talvez fosse a opção mais segura, ao contrário, tem-se mostrado exposição ao terror e à maldade que pode impulsionar o ser humano, principalmente se o destino for a Tailândia, que também são predominantemente budistas (theravada), onde os rohingyas se tornam vítimas de tráfego humano para diferentes destinos. A pressão internacional, contudo, fez com que a Tailândia tomasse alguma atitude, concedendo proteção e abrigo humanitário. Os contrabandistas de seres humanos temendo a ação coercitiva começaram a abandonar as embarcações repletas de refugiados no mar aberto ou ilhas costeiras, deixando os migrantes rohingyas em situação precária, sem comida ou água. O pesadelo nessas viagens é tão grande, quando até o choro é proibido, que rohingyas desesperados preferem se lançar ao mar, afogando-se em suicídio, do que continuarem a ser martirizados.
Foto: Christophe Archambault/AFP.
Foto: Christophe Archambault/AFP.
Os migrantes rohingyas podem, também, ser abandonados em campos de transição visando a Malásia - que é majoritariamente muçulmana, onde também são vítimas de maus tratos e espancamentos, e as mulheres vítimas de estupro, violência e escravidão sexual. Muitas vezes são pedidos resgates às famílias de rohingyas para reaver parentes que se tornaram vítimas de sequestro ou mantidas em cativeiros. Quem consegue sobreviver a esses horrores e se estabelece em outros países, com pequenos negócios, busca ajudar seus parentes na própria Birmânia ou na Tailândia.
Pressão internacional vem buscando fazer com que os países que recebem migrantes rohingyas não os repudiem e não os devolvam para a Birmânia ou a Tailândia, mas assumam a proteção dos apátridas desassistidos.
Três rohingyas foram acusados, em maio de 2012, de estuprarem e assinarem uma mulher budista em Rakhine. A tensão explodiu e ambos os lados pegaram em armas, resultando em cerca de 200 mortes e milhares de pessoas, a maioria rohingyas, desalojadas e dispersas. Em 2014 foi realizado em censo, sem a opção das pessoas se autodeclararem rohingyas, a não ser bengalis. Se são bengalis não são birmaneses, portanto sem pleno direitos civis e sociais.
Aung San Suu Kyi, política de oposição birmanesa, vencedora do Prêmio Nobel da Paz em 1991 e secretária-geral da Liga Nacional pela Democracia (LND), é filha de Aung San, considerado o pai da Birmânia moderna (atual Mianmar). Ela vem recebendo críticas, entre outros, da jovem prêmio Malala Yousafzai, também Nobel da Paz, por ficar em silêncio a respeito da situação ou por considerar que a mídia internacional e a ONU exageram sobre o que está acontecendo com os rohingyas em Mianmar. (http://anoticia.clicrbs.com.br/sc/noticia/2017/09/malala-critica-suu-kyi-por-permitir-perseguicao-dos-rohingyas-9887714.html).
Aung San Suu Kyi se tornou Ministra das Relações Exteriores de Mianmar, mas internamente sabe-se que ela é que governa o país, inclusive sugeriu que não se usasse mais os termos "rohingyas" ou "bengalis" como referência ao grupo étnico sob opressão, visando "facilitar solução pacífica".
(https://brasil.elpais.com/brasil/2017/01/05/internacional/1483640044_209400.html).
O Papa Francisco chamou a atenção, em fevereiro de 2017, da comunidade internacional, durante a oração do Ângelus, sobre o a situação dos rohingyas em Mianmar, expressando a sua preocupação da seguinte forma: "Vão de um lugar a outro porque não lhes querem. São bons. Não são cristãos. São gente pacífica. São nossos irmãos e irmãs e há anos sofrem, são torturados, assassinados, simplesmente por seguir sua fé muçulmana". Ele esteve em visita pastoral a Mianmar, após relações restabelecidas com o Vaticano, sendo que em seus discursos e homilias oficiais, evitou usar o termo rohingya. (http://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2017-11/papa-chega-mianmar-em-meio-pedidos-de-que-ignore-o-termo-rohingyas).
Foto: Anadolu Agency/Getty Images.
A situação dos rohingyas em Mianmar e na Tailândia é complicadíssima e como qualquer povo que ainda não tem sua situação territorial definida, vide os palestinos, precisam de um lar, de uma terra para chamar de sua, vivendo em paz com seus vizinhos, tendo garantias de alimentação, estudos e atividades culturais, cuidados médicos, de trabalho honesto e igualitário, de voto, de sonhos. Alguns comentaristas indicam que a perseguição institucionalizada imposta pelo governo de Mianmar e, mesmo, algo inimaginável, por monges budistas, aos rohingyas, já se trata de limpeza étnica, apesar de, irônica e maliciosamente, as autoridades birmanesas não considerarem os rohingyas um grupo étnico. Os registros sobre o que aconteceu em Kosovo estão aí. Queira Deus que os descendentes rohingyas tenham a compaixão em suas mentes, e não a vingança. As pessoas e a comunidade internacional precisam fazer pressão, em termos econômicos e na formação da opinião pública, para uma solução que seja duradoura para essa crise humanitária.
Obs.: O presente texto foi compilado a partir, principalmente, das seguintes referências:
Brasília - DF, 12 de janeiro de 2018.
HOMENAGEM: MINHA HISTÓRIA PESSOAL COM CARMEN MAYRINK VEIGA
Robson José Calixto
Fonte: http://antiguinho.blogspot.com.br/2015/06/carmen-mayrink-veiga-jornal-o-domingo.html.
Acesso a 20/12/17.
Gostaria de terminar o ano de 2017, o inacabável, com homenagem a uma mulher forte, elegantíssima, católica fervorosa e que viveu com uma verdadeira rainha, passando ao Reino dos Céus a 03 de dezembro do presente ano. Teve sua ascensão e seu ocaso, devido à bancarrota nos negócios da família, em particular na indústria de armamento, mas seu crepúsculo foi com muita dignidade, classe e brilho digno da Alta Costura que vestiu e vivenciou.
Trata-se de Carmen Therezinha Solbiati Mayrink Veiga, mais conhecida como Carmem Mayrink Veiga, a socialite. Ela nasceu em Pirajuí, São Paulo, em 1929, casando-se a 25 de junho de 1956, com o empresário Antônio (Tony) Alfredo Mayrink Veiga. O casal teve dois filhos: Antenor e Tereza Antônia.
Grande parte de minha juventude foi junto ao ex-Grupo Jovem Participação e Ação na Comunidade (Grupo PAC), baseado na Matriz Basílica de Santa Teresinha (Teresa do Carmelo de Lisieux) do Menino Jesus de Praga, pertencente à Ordem dos Carmelitas Descalços (o.c.d.). A Igreja é situada à Rua Mariz e Barros, na Tijuca, Rio de Janeiro.
Santa Teresinha de Lisieux. Foto: RJC.
Uma das características mais forte dessa comunidade eclesial é a realização a todo dia 25 do mês, de uma Missa ao Menino Jesus, cuja imagem foi presenteada aos religiosos Carmelitas Descalços pela Princesa Polyxna de Lobkowitz, em 1628, e venerada em sua aparição a Frei Cirilo da Mãe de Deus, em Praga, República Tcheca. Nos meados da década de 1980 e no início da década de 1990 quem celebrava com grande frequência era o amado Frei Paulino Barlechine, de forte descendência italiana, todavia extremamente doce.
Eu pertencia a essa comunidade e cheguei por alguns anos coordenar o Grupo PAC, vencendo muitas batalhas, desde origem social e religiosa, cor da pele e desconfianças, bem como opiniões, ações e decisões.
Ajudava bastante nas missas do Menino Jesus de Praga acompanhado de outros amigos e companheiros do PAC. Carregava o andor nas procissões, batia os sinos da Igreja para chamar os fiéis, me dependurando nas cordas que os moviam, sendo erguido nos ares e depois em movimento descendente, ou subindo no alto da torre da Basílica para empurrar os demais sinos de bronze com as mãos, produzindo às vazes, um som descompassado, porém bem contundente. Lia as leituras do dia. Ajudava ao Frei Paulino no altar com a galheta, a âmbula, a patena, na entrega das partículas. Chegava cedo e era um dos últimos a sair. Fiz isso por muitos anos até setembro de 1992.
Muitas pessoas famosas apareciam naquela missa, sempre muito cheia: artistas da Rede Globo, locutores de rádio, socialites. Todos compareciam para receber a benção do Frei Paulino com a aspersão de água benta. Mas o ponto alto era a fervorosa Oração ao Menino Jesus de Praga, que todos acompanhavam muito concentrados e fé às alturas. Muitas vezes, ao final caíam pétalas de rosa em cima do altar.
Quando Frei Paulino puxava, ao final da missa, as primeiras palavras da Oração ao Menino Jesus de Praga – “Ó Jesus, que dissestes: pedi e recebereis, procurai e achareis, batei e a porta se abrirá, por Intermédio de Maria, Vossa Mãe Santíssima, eu bato, procuro e Vos rogo que seja a minha prece atendida... Glória ao Pai...” – a Igreja respondia e o acompanhava em uníssono.
Depois movíamos o andor da figura didática (imagem) do Menino Jesus, que ficava estacionado em ponto do altar durante a missa, para outro, junto às escadas de acesso, para que as pessoas entrassem pelo altar de Santa Teresa D´Ávila, Doutora da Igreja, e saíssem pelo lado oposto.
Imagem de em homenagem à Santa Teresa D’Ávila
Então, num dia 25 de agosto de 1992, estava eu andando pelos corredores dentro da Igreja, já após a missa do Menino Jesus, com quase todos ido embora, quando vi de relance a presença de Carmem Mayrink Veiga bem próxima ao altar de Santa Teresa D´Ávila. Não era a primeira vez que a via na Igreja. Na ocasião ela já tinha dificuldades para se movimentar, se não me falha a memória, se sustentava para andar em uma bengala. Essa doença viria a se agravar com o tempo, limitando ainda mais seus movimentos, por meio de cadeira de rodas.
Fazia uns dois anos que eu estava desempregado, fulminado pela crise da inflação e mais um dos Planos econômicos mirabolantes do Governo. Demitido por cortes de gastos da antiga Hidrologia, SA. Engenharia, Indústria e Comércio, decidi então terminar a minha tese de mestrado de bastante sucesso e divulgação na mídia e partir para o ramo de consultoria em engenharia costeira e oceanografia (eu já era bacharel em oceanografia). Isso mesmo, no período de 1990 a 1992, o que me sustentou e ajudar o meu plano de saúde e meu INSS. Mas me sentia muito instável, às vezes tinha grana e às vezes não.
Carmem teve, devido já à limitação de movimentos, dificuldades em subir as escadas do altar e alcançar a imagem do Menino Jesus de Praga. O que me prontifiquei a assisti-la.
Ela estendeu a mão e tocou a imagem do Menino Jesus de Praga, como quase todos faziam, para realizar seus pedidos e colocar suas aflições, intenções. De repente ela olhou para mim e disse: - "Estou rezando ao Menino Jesus e à Santa Teresinha", para que meu filho arranje uma boa esposa, tenha um bom casamento".
E eu espontaneamente a pedi: - "Então também pede para que eu consiga um bom emprego, pois estou precisando de um".
Ela me respondeu: "Vou pedir e você vai arranjar. Vou pedir à Santa Teresinha também, eu tenho o nome dela e minha filha também".
Despedimo-nos, a seguir. Lembrei que já tinha lido ou ouvido falar sobre o filho dela, que era meio playboy e namorador, e que estava se envolvendo com ex-esposa (só no religioso e que seria anulado) do Eike Batista, que a deixara por causa de Luma Oliveira - imbróglio amoroso complicado, como o futuro muito mostraria.
Bem, eu sabia a algum tempo que minha vida futura estaria ligada a viver fora da cidade do Rio Janeiro. Assim, pouco mais de um mês do meu pedido à Carmem, a 30 de setembro de 1992, eu estava chegando à cidade de Brasília para trabalhar no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama, onde passaria dois anos até ser transferido para o Ministério do Meio Ambiente.
A 25 de novembro de 1992, Antenor Mayrink Veiga e Patrícia Leal casariam. Patrícia é a "Patricinha" original, termo criado pelo colunista Zózimo Barroso do Amaral, do qual li tantas colunas no Jornal do Brasil.
Foto: http://bahia.ba/entretenimento/morre-carmen-mayrink-veiga-aos-88-anos/
Publicado a 04/12/2017 às 07h24. Acesso a 17 de dezembro de 2017.
Bem, Carmem Mayrink Veiga morreu a 03 de dezembro passado, aos 88 anos. Quando eu soube aquele nosso encontro casual e rápido me veio à mente. E eu só posso desejar que ela, essa Grande mulher brasileira, esteja no Reino de Deus, acrescentando: Muito obrigado pelo que fez por mim, pelo seu pedido ao Menino Jesus de Praga e à Santa Teresinha! Acrescentou possibilidade à grande mudança em minha vida.
Brasília, 23 de dezembro de 2017.
TEM ESPAÇO NA VÉN?
Robson José Calixto
A minha última aventura nos Estados Unidos ocorreu no início deste mês de novembro de 2017, quando fui com mais quatorze pessoas participar de treinamento sobre a exploração e produção de gás não convencional (gás de folhelho) na Universidade de West Virginia, na cidade de Morgantown. Esse gás é o motivo da pancada dada no preço do barril do petróleo, derrubando de mais de US$ 100 para menos de US$ 50.
Até chegar lá o trajeto foi bem chatinho e cansativo, apesar de opções de voos mais diretos. Como quem estava pagando tudo era o Governo americano, então foi: Brasília, Miami, New York (La Guardia) e Pittsburgh, na Pensilvânia, e de lá para Morgantown de ônibus pela estrada, por quase uma hora e quarenta minutos. A capital da West Virginia é Charleston, mas ficava mais rápido ir de Pittsburgh para Morgantown, onde fica a Universidade, do que de Charleston para lá.
Quando o voo dos que tinham saído de Brasília chegou a Pittsburgh o ônibus que nos levaria a Morgantown já estava estacionado ao lado do Hotel Hyatt do aeroporto, mas ele só partiria às 15 horas com todo o grupo e ainda nem eram 13 horas. Resolvemos então retornar e procurar alguma praça de alimentação no aeroporto. Acontece que 98% dos restaurantes e cadeias de fast food ficavam para além do desembarque e não tínhamos como ultrapassar e retornar, mas nos contentar somente com o que havia disponível, ali na saída: o “Martini”.
Não era realmente um restaurante, estava mais para barzinho, com um balcão em "u", onde os clientes ficavam sentados ou em pé na borda externa e os atendentes na parte de dentro. Alguns colegas sentaram num canto, próximos ao balcão, outros em mesinhas de bancos altos. Eu fiquei em dúvida se pedia alguma coisa. A especialidade era hambúrguer com frita, mas também tinha uma sopa e uns pedaços de frango com molho e bastões de pepino. Relutei... relutei até olhar o relógio e pensar na viagem até Morgantown, noite... Vamos lá, acabei também pedindo um hambúrguer, mas sem bacon ou queijo. Do meu lado esquerdo estava sentada ao balcão uma senhora, que comia uma refeição com batatas fritas e bebia uma taça de vinho tinto.
Alguns colegas pediram cerveja como acompanhamento e tinham que mostrar suas carteiras de identidade para comprovar suas idades. Então lembrei que um pouco antes do embarque de La Guardia comprara uma garrafa plástica de água mineral em uma loja de conveniência próxima ao meu portão de embarque e a enfiei na mochila.
Assentei a mochila no banco alto em frente ao balcão e desatarraxei a tampa da garrafa e Vruuuu... uma miniexplosão, um esguicho para cima e para todos lados da água da garrafa e aí me dei conta que era gasosa. O esguicho saiu molhando tudo, balcão, banco, chão, minha roupa e mochila, atingindo a refeição da senhora ao lado. Guardanapo molhado, comida molhada, água no vinho. Eu só tive jeito de dizer: “Sorry, sorry, it´s just water!”. Só que o estrago já estava feito.
Sorte que o atendente do bar agiu rápido e retirou a comida, pratos e copos molhados. Passou um pano seco no balcão e me pediu para passar o mesmo pano nas cadeiras e no banco alto. Depois ele trouxe nova porção de comida para a senhora e uma nova taça de vinho tinto. Que vergonha que fiquei. Sem fala, todo errado. Mas depois tudo acabou dando certo. Meu hambúrguer chegou, atendente disse que aquilo acontecia e tocamos nossos punhos fechados.
Todo mundo junto no Marriott da cidade de Morgantown, com café da manhã pago à parte, em um Starbucks dentro do Hotel, a US$ 18 no mínimo. Como vários, como eu, não tinham nem recebido meia diária, ficava pesado, ademais nada muito próximo aos nossos hábitos alimentares nacionais para o café da manhã. Assim, logo lancei a ideia de irmos de Uber a um Walmart que tínhamos visto no caminho. Minha também já tinha me mandado pelo Whatsapp foto de um corretor facial da Maybelline, do tamanho pequeno, que ela dizia que custava quase R$ 70,00 no Brasil, quer dizer encomenda já feita.
Alguns ficaram reticentes, outros não se juntaram e uns poucos decidiram aderiram a ideia, mas às 18 horas já éramos em sete e dava para alugar dois carros. O primeiro carro, do tipo compacto, no qual entrei, era preto e tinha na dianteira o símbolo do Batman. Ao ver o símbolo ri por dentro e sorri ironicamente, pois aquele símbolo me lembrou alguém de quem já fui próximo que adorava a Caverna do Batman. Partimos...
Chegamos e alguns não tinham ido a um Walmart nos Estados Unidos. Pegamos uns carrinhos, marcamos uma hora para retornar ao Hotel e nos espalhamos, fomos as compras. Bem, logo de cara encontrei o corretivo encomendado, de tamanho grande e no valor de US9.98, depois saí para pegar algumas coisinhas básicas. Aconteceu que quando olhei um dos carrinhos de um dos colegas de curso, parecia que ele tinha exagerado um pouco e circulava com um pequeno monte de compras e estava deslumbrado com tubos gigantes de um xampu de nome "Aussie" que eu nunca tinha ouvido falar. Ele dizia que custava quase R$ 50,00 no Brasil. Bem.., resolvi levar um xampu e um condicionar, mas de tamanho pequeno, a US$ 2.86 cada.
Todos que estava lá se abasteceram com itens para o café da manhã no quarto para os próximos dias. Eu mesmo comprei uma garrafa de Frapuccino do Starbucks que custava US$ 2.86 no Walmart, bem mais em conta. Os porta-malas dos carros do Uber ficaram repletos e entramos pelo Hotel com sacolas e mais sacolas. Os que não foram viram que bobearam e começaram a dizer que na próxima iriam juntos.
No dia seguinte, no intervalo curtíssimo para almoço, nos serviram pedaços de frango empanados e fritos ao estilo KFC, macarroni & cheese, e fatias de carne de peito bovino ao molho barbecue e uma espécie de coleslaw. Nessa noite não pudemos sair, pois havia um jantar de socialização com os americanos, em um restaurante-bar de Morgantown que ficava em um antigo galpão. Serviram um vinho chamado "Boom Boom!" e depois de experimentá-lo achei esse "Boom Boom!" caído. Já tinha experimentado e sorvido o gosto de bem melhores.
Muita aula. Visita de campo. Transporte da Universidade de West Virginia nos levando no deslocamento. Friozinho. Chuva. Deram a cada um US$ 300 para se virar durante a estadia, quantia bem curta e ajustada sem qualquer despesa extra. Conversa vai... Começamos a combinar aonde iríamos de noite. Os que não tinham ido ao Walmart queriam que voltássemos lá. Mas aí comecei a falar sobre o meu e-book e minhas viagens de carro nos Estados Unidos (http://www.saraiva.com.br/o-que-e-ser-americano-viajando-de…) e sugeri que fôssemos a uma loja da TJ Maxx, cadeia de ponta de estoque muito variada. Alguns nunca tinham ouvido falar dessa loja. Uma baiana conhecia a Ross, que é bem similar.
Dois Ubers de novo, só que dessa vez já tínhamos aumentado para oito. Porta de TJ Maxx e às compras. Teve gente que ficou deslumbrada com os preços e as marcas vendidas bem baratas. Não acreditavam e vinham me perguntar se aquilo era verdade mesmo, claro que era. Sacolas e mais sacolas. Depois um pulo no Supermercado Target ao lado. Uns não cumpriram o horário acordado. Bateu a fome e acabamos jantando num restaurante chinês entre a TJ Maxx e o Target. A comida foi bem barata e farta, mas de qualidade duvidosa.
Curso, curso, curso. Hora de pegarmos o ônibus até o Marriot, de Morgantown. Aproveitei para tirar umas fotos dos arredores. Check out e pé na estrada até Pittsburgh, onde tivemos mais palestra e almoçamos sanduíches de catering servidos dentro de caixinhas da Panera Bread.
Check in no Hyatt do aeroporto de Pittsburgh. Onde iremos jantar? Vamos às compras? Mas existia um problema: uma das pessoas que tinha celular com conexão internacional para pedir Uber precisou alugar um carro e voltar até Morgantown, pois a uma compra feita pela internet só chegou depois que saiu da cidade e estava à sua espera. Eu não tinha essa conexão. Assim, sugeri: que tal alugarmos um carro, uma SUV e termos liberdade para irmos e voltarmos, ir para onde quiser e voltarmos a hora quisermos? Éramos sós uns cinco ou seis, dava muito bem, numa boa em uma SUV espaçosa. Eu já havia dirigido uma Suburban, da Chevrolet, no Colorado, tinha prática.
Alguns gostaram da ideia, outros, de novo, reticentes, mas resolvemos todos ir ao balcão da Avis. Negociação vai e volta, e a atendente me ofereceu uma Van de doze lugares. "Mas quanto custa essa Van?", perguntei. Ela respondeu que a "Vén" com taxas, seguros, GPS e devolvendo com tanque cheio custava uns US$ 185.00 a diária. Chegou me oferecer outro veículo com quinze lugares ao preço da de doze. Preferi ficar com “Vén” de somente doze lugares mesmo.
Pensei, pensei. Nisso chegou mais gente e tínhamos justamente 12 pessoas para circular pela cidade de Pittsburgh. Resolvemos rachar e alugar. Muitos disseram que não dirigiria. Disse: "Eu dirijo". Matei no peito. Preenchi os formulários. Chaves nas mãos e aquele veículo grandão. Nunca tinha dirigido uma "Vén" na vida e nem tinha muito tempo para aprender todos os comandos e possibilidades do veículo. A primeira grande ansiedade e frisson: a marcha era no volante! Tive poucos segundo para aprender como mudava a marcha, para frente e ré.
Todos os lugares preenchidos e banco e espelhos acertados, quando um carona inesperado entrou e quis sentar no chão do veículo. Conhecendo as leis americanas de trânsito e a imposição delas pelos policiais, me recusei a dar partida com alguém sem cinto e o veículo em estado irregular. O carona saiu e foi junto alguém que se solidarizou com ele. Então éramos onze na "Vén", ficando US$ 20 para cada um, já incluindo a reposição do combustível.
Vários que não foram da primeira vez queria ir ao Walmart. Eu queria porque precisava comprar umas vitaminas e remédios para a minha gripe. Paramos no Supercenter e designamos um tempo de 20 minutos, só que diversos não cumpriram e maioria ficou na frente da loja esperando os demais. Me vi obrigado a entrar e sair catando as ovelhas perdidas.
Umas garotas tinham combinado se encontrar com os dois que haviam abandonado a "Vén" no centro de Pittsburgh, em um restaurante chamado "Meat & Potatoes". Meio escondido o lugar, mas em rua com algumas outras atrações gastronômicas. Tive certa dificuldade para achar lugar para estacionar o veículo. Depois de rodar um pouco estacionei em rua perpendicular próxima, em vaga com parquímetro, entretanto em horário "free of charge". A galera noturna nos arredores era pouco convidativa. Descemos da "Vén" mesmo assim, me assegurando que o GPS estava escondido e tudo trancado.
Como disse, o lugar era escondido, mas mais fácil de achar a pé do que de carro. Encontramos as duas figuras lá. Era um bar. Muita gente. Ar condicionado lá em cima. Atmosfera um pouco viciada. Gente no balcão tomando cerveja e pedindo sanduíche. Mesinhas em volta. Algumas mulheres assediando os homens. Uma bela ruiva. Um dos do grupo se empolgando. Nos espalhamos.
Sentei em uma mesinha de canto com um baiano e um maranhense que estavam igualmente fazendo o curso comigo. Eles pediram massa e eu uma coxa de cordeiro defumada com molho barbecue e cuscuz marroquino de grãos grandes. Para a minha surpresa o prato estava muito bom. Relaxei um pouco.
Lá por volta das 23 horas o bar começou a fechar, o dia seguinte feriado, quando nos Estados Unidos se comemora o "Dia dos Veteranos". Volta para o Hyatt. Procurei deixar a "Vén" no estacionamento do hotel que era conjugado com o do aeroporto. Deu US1.50 para cada um, pois a diária era no máximo US$ 12.
Combinei que na manhã seguinte iria levá-los para tomar café na rede de comidas Country, bem conhecida, mas que não tem em todos os estados americanos, "Cracker Barrel".
Na hora marcada, pela manhã (08h00min), as garotas vieram com o papo que eu deveria largá-los no centro e cada um se viraria para tomar café. Outros queriam ir à loja da Apple, um deles com muita dor de cabeça pela misturada na bebida e estava enjoado. Acontece que eu tinha falado muito bem do restaurante e vários até queriam jantar lá na noite anterior e não se simpatizaram com a proposta. Convenci-os que seria rápido, com comida gosta e a preço bem razoável.
Cracker Barrel é um restaurante que te conquista desde a entrada. Muita coisa chamando a atenção, desde o chão até o teto, com ofertas de balinhas, doces, geleias, blusas, livros de culinária, lembrancinhas.
Já na área de refeição propriamente dita, junção de mesas para os onze poderem sentar juntos. As escolhas foram variadas, mas comeram muito bem, até o que estava de ressaca. Quem gostava de bacon se fartou. Quem gostava de pãezinhos e café também. Pedi uma omelete e uma caçarola de hash brown. Menos de uma hora já estavam todos alimentados, com as refeições pagas e sem ter ocorrido dispersão. Toca para o centro de Pittsburgh, na Pensilvânia.
Estacionar foi difícil próximo à loja da Apple, pois era feriado e todas as vagas na rua estavam tomadas. Rodamos, rodamos e decidi estacionar onde tivesse vaga, mesmo que um pouco distante da loja. Foi bom porque a paisagem e as cores outonais estavam lindíssimas, com muitos plátanos amarelados pelas calçadas e árvores cor de fogo. Como Halloween ainda estava próximo muitas abóboras de enfeite ainda estavam espalhadas pelos jardins das casas. Muitas fotos foram tiradas.
Quem quis ir à loja da Apple foi e comprou seus aparelhinhos a custo bem menor que no Brasil. Na da GAP também, mas que estava cara e com muitas roupas de frio pesadas. O tempo se encurtando para retornar ao hotel e fazer check out, todos viajariam ainda naquela tarde.
Era preciso retornar a "Vén" de tanque cheio e resolvi parar em um posto para abastecer. Calculei US$ 15 cash. Na mosca. Corre para devolver o carro na Avis. Entrei no estacionamento da companhia, mas uma fila lotada e outra entrada fechada. A placa apontava para direita, decidi entrar. Fui até o fim. Errado, era o estacionamento da Budget. Os caras disseram que eu tinha que dar a volta e dei, só que dentro do estacionamento e aí entrei um pouco na contramão. Mas naquele momento os funcionários da Avis abriram nova fila, o que já deveriam ter feito.
Estávamos atrasados e os conferentes da Avis enrolados. Já era quase 12h50min, em cima de check out tardio. Então disseram para eu deixar o cargo e ir. Fui, mas sem recibo. Aquilo me perturbou.
Voando para o Hyatt, check out, puxando mala, quase correndo, e direto para o check in da American Airlines. Despachei as bagagens e me despedi do pessoal. Alguma coisa me dizia para eu voltar na Avis e pedir o meu recibo. Foi o que fiz.
No balcão apresentei os documentos de aluguel que fizeram e pedi o recibo da "Vén". A moça me deu. Corri o olho e estava acrescentada de quase US$ 40. Questionei o motivo. Ela checou e me informou que eu não entregara o veículo com o tanque cheio. Como?!
Retruquei e pedi a correção, pois tinha entregado o veículo com o tanque cheio. Ela me pediu o recibo do abastecimento. Eu disse que não tinha, pois pagara em cash. Solicitei que verificasse o veículo. Então ela ligou para um e para outro, até que alguém fosse até o carro e checasse o ponteiro do combustível. Eu estava certo. Além de ter retirado a majoração, ela me deu o recibo com um pequeno desconto pelo problema.
Com o recibo nas mãos, a cabeça aliviada, agora era disposição para enfrentar a fila para conferência de passaporte e checagem das bagagens de mão. Tchau US! Começava a nevar em Pittsburgh.
Sobrevoando New York, ao cair da tarde, sob luzes avermelhadas do sol, tive as minhas melhores imagens daquela cidade. Pena que estava sem meu celular. Uma japonesinha, que estava sentada no lado oposto do corredor do Embraer que viajávamos, me pediu para tirar umas fotos para ela. O que fiz com imenso prazer como se as fotos fossem para mim.
Brasília, 24 de novembro de 2017.
OS CAMINHOS ATRAVÉS DO TEMPO
Robson José Calixto
Os caminhos através do tempo
Pertencer a um e estar nele como vento
Sentir-se anexo aos em construção
Os mundos que se avizinham
Abóboda celeste, curva imensidão.
Então madrugada adentro
Figuras se misturam e sentindo
A dor, a ausência de afeto, somente o prazer
Em um mesmo enredo eu, você e o outro
Almas tentando se encaixar no que se possa ser.
Escuridão mesmo em plena luz
O que se fincou no chão é cruz
Não é certeza, não é atalho, é contradição
Os voos querem tocar estrelas
Alçar-nos aos céus, não nos lançar à maldição.
E vão se desconstruindo verdades
Interrogações sobre antigas possibilidades
Desviamos nossos olhares sem mostrar dúvidas
Internas, mortais, sangrentas, destruidoras
Mas no fundo se prefere o amor sem dívidas.
Sobem nossas orações amorosas e quentes
Via caminhos que querem do tempo ser independentes
Encontros, despedidas, viagens, curtos rastilhos
O que falar, explicar ou consagrar de nossas vidas?
O que nos sustenta em intervalos, lapsos a meros andarilhos.
Brasília, 20 de outubro de 2017
BLADE RUNNERS
Robson José Calixto
Escrevo esta crônica inspirado pela trilha original sonora do filme “Blade Runner” (Caçador de Androides), dirigido por Ridley Scott (o mesmo de Alien – o 8º Passageiro, Thelma e Louise – que me amarro também, a Lenda, Gladiador, Prometheus, entre tantos). Essa trilha é uma versão de 1994. No prefácio do CD, o músico e compositor grego Evangelos Papathanassiou, ou simplesmente Vangelis (1943 -), diz que não foi possível a apresentação dessas gravações quando do lançamento do filme em 1982. Para mim essa trilha sonora é uma das belas do cinema, em particular o tema de amor “Love Theme”, obra prima tocada em sax leve e sensual, por Dick Morrissey, onde a paixão escorre pelas notas amorosas, em conversa entre o sax e os sintetizadores.
Outra composição de Vangelis que nos remete ao clima dos filmes de ficção científica é “Blade Runner Blues”, onde pode se evocar algumas memórias de músicas produzidas de sintetizadores pelo contemporâneo Rick Wakeman, em “Viagem ao Centro da Terra”, mas não semelhanças, principalmente às notas marciais.
Lançado em outubro de 2017 no Brasil, passados exatamente 35 anos, o filme “Blade Runner 2049”, dessa vez dirigido por Denis Villeneuve, não pode ser chamado de exatamente de “Blade Runner 2”, apesar de estabelecer pontes de diálogo claras com o primeiro, obviamente, mas alguém pode mesmo achar que é uma continuidade atrasada no tempo.
O mundo apresentado agora não está mais centrado em apenas uma localidade superpovoada, saturada e supertecnológica e midiática, como o era em uma Los Angeles de 2019 no primeiro filme, quer dizer daqui a dois anos e sabemos que não o será assim, apesar dessa cidade californiana ser estrangulada pelo tráfego e ter uma grande quantidade de carros em sua malha viária. Cidade cheia de problemas lançados na mídia, com protagonistas problemáticos da mídia e muita gente fazendo alguma coisa para aparecer na mídia.
Nesse novo Blade Runner existem cidades periféricas caóticas, destruídas e um monte de ferro velho e escombros espalhados, pós um grande blackout (apagão) das comunicações e das informações contidas em bases dados e algo mais não muito bem explicado, implicando em hiato informacional e o surgimento de sociedades dominadoras, bem estabelecidas e hipertecnológicas contra sociedades primitivas, dominadas e rudes, além de dispensáveis. Esses cenários e panos de fundo também já foram vistos, por exemplo, em filmes mais recentes como em Divergentes e Maze Runner.
Se no Blade Runner de 1982 vivia-se em uma Los Angeles dark, obscura, com chuva negra e cheia de letreiros luminosos a iluminar a noite, em 2049 vive-se com a normalidade de diálogos com computadores domésticos (como o Alexa, da Amazon, ou o Google Home), com capacidades artificiais cognitivas melhoradas e capazes de projetar hologramas com fenótipos e gêneros a escolher. Os letreiros podem se projetar em hologramas de conatação sexual em 3-D. Aliás, essa parte sexual é muita explorada no novo filme, inclusive em um ménage a trois virtual a participação de holograma protagonizado pela cubana Ana de Armas, de quem sou igualmente fã desde que a vi em “Bata Antes de Entrar” e a “Filha de Deus”, ambos com Keanu Reeves. Ana de Armas é para Ryan Gosling agora, relativamente, o que Sean Young era para Harrison Ford no filme de 1982.
Se no primeiro filme temos replicantes Nexus 8 - na ocasião ainda não se inserira no mundo o termo científico, proveniente do setor de engenharia genética, “clone” - ativos e insurgentes e belicosos, em 2049 tem-se replicantes melhorados por bioengenharia, mais dóceis, mais disciplinados, mais fortes e com comportamentos associativos a outros equipamentos de informática.
No antigo, os conflitos existenciais dos replicantes de não se ser humano e querer ser, expressando as mesmas emoções e sonhos de uma existência eterna em convivência ou superação. O que retoma a mesma saga explorada no antigo episódio “A Ira de Khan”, da Série de TV “Jornada nas Estrelas”, exibido em 1967, protagonizado por Ricardo Montálban, chefe de um grupo de seres humanos melhorados, mais fortes e inteligentes que se rebelam por se julgarem superiores e querem domina o mundo. Contudo, os seres humanos comuns ganham a guerra e Khan e seu grupo são exilados em um planeta coberto por neve e gelo, até serem reencontrados pelo Comandante Kirk. Do lado humano, a preocupação era a contenção dos replicantes Nexus 8.
No novo, as inquietações da nova geração de replicantes se ampliam, entre éticas (obediência), físicas (capacidade de procriação), geracionais (gerar descendentes, transmitir memórias), metafísicas (ter-se alma, acreditar em milagre). Do lado humano a preocupação de contenção dos Nexus 8 continua, mas também a contenção do personagem vivido por Jared Leto, um tanto caricato, grande industrial “sujo” que produz replicantes e quer acelerar a povoação dos novos mundos da galáxia. Alias, filmes americanos e ingleses são recheados de personagens abastados que querem destruir o mundo ou o “modus vivendi” da sociedade dominante.
Harrison Ford revive o personagem Deckard muito bem, completamente à vontade e inserido na trama, como se, de fato, vivesse escondido por 35 anos. Não há como negar que a cena em que Ryan Gosling (Oficial K) se deita em uma escadaria e cai a neve, se assemelha à cena (esta mais bonita) de Rutger Hauer, quando seu personagem (Roy Batty) “para de funcionar” se fechando em si, após verter lágrima com sua cabeça e cabelos molhados pela chuva. Só faltou a pomba branca a esvoaçar. Também faltou a realidade de vermos, pessoalmente, realidades e mundos externos, a não ser pelas lentes de aparatos como as sondas “Cassini” e “Galileo” e o telescópio espacial “Hubble”.
E a trilha sonora? A nova trilha de Hans Zimmer e Benjamin Wallfisch não é tão grandiosa, originalmente criativa melodiosa e tantas variações como a de Vangelis. Todavia Zimmer “mantém a batuta” e “Flight to LAPD” e “Blade Runner” são boas, com seus tambores marcantes e sintetizadores imitando sons graves e cortantes como em reverberação, pena que curtas.
Em regra, os atores e atrizes têm atuação bem boas, com exceção da moça que faz a replicante assassina “Luv”, mais uma que repete clichês, por exemplo, de filmes como “O Exterminador do Futuro 3: A Rebelião das Máquinas”, para não ir muito longe.
Após ver o filme, reafirmo que continua valendo a máxima do Chacrinha: “Nada se cria, tudo se copia”. Analistas dizem que um dos problemas de bilheteria do filme se devia ao seu tempo de duração. Assisti com minha e ela ficou incomodada pelo não filme não acabar depois de certo tempo, parece que os analistas têm razão. O “Blade Runner”, de 1982, não fez sucesso imediatamente, como não o fizeram filmes como “Alien – o 8º Passageiro” e “Top Gun – Ases Indomáveis”, muito comum na década de 1980, e que depois foram enorme sucesso. O fenômeno, talvez, possa se repetir com o “Blade Runner 2049”. A conferir.
Brasília, 14 de outubro de 2017.
"
ZABRISKIE POINT
Robson José Calixto
Tenho andado um pouco saudosista... Enquanto estudava hoje, resolvi tirar da estante um CD que guardo com imenso carinho e cuidado: a trilha sonora do filme Zabriskie Point, de 1970.
Essa trilha sonora conta com três músicas do Pink Floyd. Zabriskie Point é um filme dirigido pelo italiano Michelangelo Antonioni, com a jovem, bela e sensual Daria Halprin, que viria se casar com Dennis Hopper.
Esse filme é considerado com um dos melhores trailers do cinema e eu também acho. É de contracultura, com notas de psicodelismo, também impulsionado pela música de Floyd como Come In Number 51, Your Time is Up, que iria ser revisitada posteriormente pelo grupo.
As cenas gravadas no Vale da Morte, no Nevada, e as de troca de carinho e sexo na areia, remontam ao que se veria em Woodstock, mas as considero mais ternas e de um sentido atávico bem primitivo.
Pode ser visto inteiramente com seu áudio em italiano em https://www.youtube.com/watch?v=xI1RcGnReAY . De uma forma, é uma visão purista de cinema, apresentando pensamentos que vão contra o status quo, com trilha sonora nos moldes de Easy Rider, sem o rock antológico de Steppenwolf.
A SEGUNDA EMENDA (EXTRATO)
Robson José Calixto
A Constituição dos Estados Unidos é de 1787, sendo que a vida do povo americano se baseia, ideal e ideologicamente, nos seguintes fundamentos constitucionais: oposição à realeza e à nobreza (da Grã-Bretanha no caso), existência da União (federação), estabelecimento de um sistema de Justiça, tranquilidade interna, provimento de uma defesa comum, promoção do bem-estar geral, e garantia da liberdade. Some-se a esses itens básicos – alguns no contexto dos direitos naturais e presentes na Declaração de Independência do país, de 04 de julho de 1776 –, a busca da felicidade, a segurança pessoal e a defesa da propriedade.
Para Algermon Sidney (1622-83) (apud Driver, 2006), a liberdade – o direito de buscar a felicidade e a segurança financeira – era um direito concedido por Deus e as leis concebidas apenas para garantir a liberdade, tendo escrito sobre isso o seguinte:
“Se a segurança das pessoas é a lei suprema, e se essa segurança se manifesta e consiste na preservação de suas liberdades, seus bens, suas propriedades e sua vida, essa lei deve necessariamente ser a raiz e o começo, bem como o fim e o limite, de todo poder magistrático, e todas as leis devem ser a ela subservientes e subordinadas.”
Quando da adoção do texto final da Constituição dos Estados Unidos alguns assuntos ficaram de fora, pendentes, a serem propostos pelo Congresso e ratificados pelos estados de acordo com o Artigo 5º do original dessa mesma Constituição. Um desses casos refere-se ao direito de carregar armas, que levou à adoção em 1791 da Segunda Emenda, que definiu o seguinte comando:
“Uma milícia bem regulamentada, sendo necessária à segurança de um Estado livre, o direito do povo de manter e portar armas, não deverá ser infringido.” ( “A well regulated Militia, being necessary to the security of a free State, the right of the people to keep and bear Arms, shall not be infringed.”)
Portanto, até que se mude, o direito de carregar armas é constitucional. Mas em que contexto, da segurança nacional ou individual, como autodefesa? Se for no sentido da segurança nacional, como pensam muita gente nos dias atuais, então somente as milícias teriam garantida a posse de arma para atuar como uma espécie de guarda nacional, provendo defesa comum contra as forças britânicas. Quer dizer, em sua origem o direito de porte de arma, reconhecido pela Segunda Emenda, só seria permitido para constituição de milícias que pudessem estar preparadas para rechaçar as forças britânicas que atacavam cidadãos, em alguns casos desarmados, pois suas armas tinham sido confiscadas. Nesse contexto, que reverbera até hoje, cidadãos armados formam milícias e o somatório de todas as milícias existentes nos estados formam uma Guarda Nacional, de caráter paramilitar, em permanente prontidão para a defesa da nação americana. Daí se dizer que em cada pedaço do território americano há um soldado, que porta uma arma, independente de ser ou não militar, com potencial de agir, se necessário, em defesa da pátria, de si mesmo e dos demais compatriotas, contra quaisquer forças externas.
Porém outros muitos outros americanos não comungam com essa perspectiva, apontando que os “Pais Fundantes” da nação americana focaram a sua atenção, nas palavras de LaPierre (1994) – CEO e Vice-Presidente Executivo da Associação Nacional de Rifle (“National Rifle Association – NRA”) –, existe desde 1871, “nas ameaças representadas por um exército permanente enquartelado entre as pessoas (o da Grrã-Bretanha), e a necessidade de ter cidadãos armados para prevenir a tirania de tal força de ocupação”. LaPierre (1994), reforça a defesa do seu ponto de vista citando George Mason, um dos coautores da Segunda Emenda, que entendia que “desarmar as pessoas era o melhor e mais eficaz modo de escravizá-las”. Assim, “uma vez armados, os americanos defenderiam suas liberdades até o último suspiro” (LaPierre, 1994). Defenderiam igualmente suas propriedades, tal qual como pensava Thomas Jefferson na seguinte afirmativa: “Nenhum homem livre deverá ser impedido do uso de armas dentro de sua própria terra” (apud LaPierre, 1994). Aliás, a ideia de “defesa da propriedade” pode ser aplicada em sentido mais amplo, em termos de vida humana, liberdade, sonhos e bens pessoais, valores culturais, o próprio país, portanto, além de terra (chão). Thomas Paine, em 1776, observava o seguinte a esse respeito:
“O que justifica, de modo consciente, o uso das armas é a violência (em ameaça ou concretizada) que se faz à nossa pessoa, é a destruição da nossa propriedade por uma força armada, é a invasão do nosso país pela espada e pelo fogo (...).” (Conforme versão publicada no Brasil pela Martin Claret em 2005.)
LaPierre (1994), consolida seu posicionamento citando o Professor Robert Shalhope que teria escrito o seguinte na edição de 1982 do Journal of American History, a saber:
“Quando James Madison e seus colegas minutaram a Declaração de Direitos (Bill of Rights) eles... firmemente acreditavam em dois princípios distintos: (1) indivíduos têm o direito de possuir armas para defender a si mesmos e às suas propriedades; e (2) os estados retiveram o direito de manter milícias compostas de cidadãos individualmente armados... Claramente, esses homens acreditavam que a perpetuação do espírito e caráter republicano na sociedade dependia da posse de armas por um homem livre assim como da sua habilidade e sua boa vontade de defender a si mesmo e à sua sociedade.”
LaPierre (1994), igualmente entende que quando as armas forem definidas como ilegais, apenas os criminosos portarão armas. Ademais, arremata:
“O propósito dos Fundadores em garantir o direito de manter e carregar armas não foi meramente para derrubar tiranos. Eles entendiam o direito de carregar armas como crucial o qual acreditavam ser um direito natural primário – autodefesa.”
É interessante saber que Richard Castaldo, sobrevivente da chacina no Colégio Columbine, fez a seguinte observação em 22 de abril de 2009 (apud Denver Catholic Register):
"Eu não sou necessariamente totalmente a favor do controle de armas, mas eu acho que alguma coisa básica seria muito útil, as medidas atuais, incluindo verificação de antecedentes, não parecem estar funcionando muito bem – pessoas loucas estão recebendo armas com muita facilidade."
Quer dizer, mesmo Castaldo que ficou paralítico em consequência dos tiros que levou e que participou de pressão sobre o Supermercado K-Mart para que parasse de vender munições, conforme aparece no filme de Michael Moore (2002), dez anos depois, não está firme sobre a redução e o controle do acesso a armamento do qual foi vítima.
Para se perceber ainda mais as fortes nuances da sociedade americana quanto ao porte e acúmulo de armas e munição, ao final de dezembro de 2012, após o massacre na escola primária Sandy Hook em Newtown, Connecticut, houve, mais uma vez, debate acalorado nos Estados Unidos sobre o controle de armas, quando um jornal de New York (Journal News) publicou, com base na Lei da Liberdade de Informação, mapa interativo com mais de 40 mil nomes e endereços de pessoas com porte, apenas, de pistolas ou revólveres nos condados de Westchester, Rockland e Putnam, no estado de New York. Em resposta ou retaliação, o blogueiro Christopher Fountain publicou, logo a seguir, outro mapa interativo, presente em matéria elaborada por Robert Cox, porém, desta vez, com os endereços e os telephones da equipe do Journal News que participaram da matéria. Como Cyndee Royle Lambert, editora e vice-presidente do Journal News, que pertence à Gannett Publication, ficou à frente das respostas aos questionamentos daqueles – talvez milhares – que ficaram muito muito chateados com a matéria, ela começou a se sentir ameaçada e procurou se proteger limitando o acesso à sua página no Facebook e conta no Twitter. Por conseguinte pode-se apresentar mais a décima sétima lição: o uso de armas é algo muito entranhado no povo americano, que pode, sob o direito constitucional da autodefesa, ter poucas armas ou um arsenal inteiro em casa, ou andar pelas ruas armado.
Por último, vale informar, primeiro, que a marca gaúcha Forjas Taurus, junto com a Smith & Wesson, é uma das maiores distribuidoras de armas no país nos Estados Unidos, conforme matéria do jornal Estadão (2012). Em segundo, que após Newtown, Connecticut, os professores das escolas dos Estados Unidos começaram a participar, em massa, de treinamentos, para aprenderem a atirar e se defender de possíveis ameaças, alunos ou estranhos armados querendo matar alguém em especial ou o primeiro que estiver pela frente. Adicione-se que a NRA é favor do estabelecimento de guarda armada nas escolas, isto é, mais armas a serem adquiridas e disponibilizadas para combater a própria violência gerada por se ter em mãos essas próprias armas.
Bibliografia:
LaPierre, W. – Guns, Crime and Freedom. Regnery Publishing, Inc. Washington, DC, 1994.
O presente texto é um extrato da Obra “O Que É Ser Americano: Viajando de Carro Pelos Estados Unidos”, de minha autoria, encontrada em: http://www.saraiva.com.br/o-que-e-ser-americano-viajando-de-carro-pelos-estados-unidos-9241218.html
Foto: Brantley Gilbert.
Brasília, 07 de outubro de 2017
A VIAGEM DE MAEL DÚIN – UM CONTO CELTA (CAPÍTULO II)
Traduzido, complementado e Resumido por
Robson José Calixto
Os viajantes já se aproximavam da décima-primeira ilha, quando a fome bateu, pois as maçãs já não os sustentavam. Uma torre de giz alta alcançava as nuvens, e na muralha ao redor dela estavam belas casas brancas como neve. Eles entraram na maior delas e não encontraram qualquer homem, tão somente um pequeno gato brincando em quatro pilares de pedra que estavam no meio da moradia, pulando de um lado para outro. Parecia pequeno para os guerreiros irlandeses, mas não cessava de brincar. Sobre as paredes das casas havia três fileiras de objetos que pendiam, uma fileira de broches de ouro e prata, e uma fileira de gargantilhas de ouro e prata, cada uma tão grande quanto o aro de um barril, e uma fileira de espadas grandes com empunhaduras de ouro e prata
Quilts (a saia escocesa) e trajes brilhantes estavam estendidos no quarto, e lá também estavam um boi assado, fatias de bacon e vinho em abundância.
"Isso tudo foi deixado para a gente?", perguntou Mael Dúin ao gato, que olhou para ele por um momento e continuou a brincar. Então os viajantes comeram, beberam, guardaram o que restou da comida, e foram se deitar. No dia seguinte, enquanto se preparavam para partir, o mais jovem dos irmãos adotivos de Mal Dúin pegou uma gargantilha da parede, e quando estava de saída carregando o objeto, o gato pulou na frente dele como uma flecha, então o rapaz caiu, como cinzas no chão. Mael Dúin, que tinha proibido o roubo da joia, acalmou o gato e recolocou o colar, e os viajantes espalharam as cinzas do jovem morto à beira mar, colocando-se de volta ao mar.
A próxima ilha que eles alcançaram tinha uma fortaleza com uma porta de bronze e uma ponte de vidro em direção a ela. Quando eles procuraram cruzar a ponte, ela os jogou para trás. Uma mulher surgiu da fortaleza carregando um balde na mão, erguendo da ponte uma laje de vidro. Ela desceu o balde até a água e retornou à fortaleza. Eles bateram na porta de bronze para ganharem admissão, mas a melodia produzida pelo metal ferido mergulhou-os no sono até a amanhã seguinte. Isso se repetiu por três vezes, e a cada vez a mulher fazia um discurso irônico sobre Mael Dúin. Na quarta vez, contudo, ela saiu para eles sobre a ponte, vestindo um manto branco com um círculo de ouro em seus cabelos, duas sandálias de prata em seus pés rosados e uma blusa de seda cintilante próxima da pele dela.
"Minhas boas-vindas a você, Mael Dúin", disse ela, cumprimentando também a cada um da tripulação com o seu nome próprio, como fossem conhecidos e os esperassem. Então ela os levou à grande casa e alocou um sofá ao chefe e outros para cada um de seus homens. Ela forneceu bebida e comida em abundância para eles, tudo que ela tinha no balde, cada homem encontrando o que mais desejava. Entretanto serviu Mael Dúin à parte. Quando ela partiu eles perguntaram a Mael Dúin se eles podiam pedi-la em casamento para ele, ela era um bom partido para ele.
"Como desejarem, que mal seria falar com ela?", disse Mael Dúin.
Eles concordaram e ela replicou: "Eu nada sei, nem nada soube, que pecado é".
Duas vezes isso se repetiu. "Amanhã", ela disse finalmente, "você terá sua resposta".
Quando a manhã surgiu, todavia, eles se encontraram mais uma vez no mar, no barco, sem sinal da ilha, da fortaleza ou da dama, nenhum lugar que tinham estado.
Eles viajaram até entrar em um mar que se assemelhava a um vidro verde. Tal era a pureza que o cascalho e a areia eram claramente visíveis através dele, e eles não viam quaisquer monstros ou bestas lá entre os penhascos, mas somente cascalho puro e areia verde. Por um longo período do dia eles viajaram naquele mar, e grande era o seu esplendor e beleza.
Continua...
Brasília, 22 de setembro de 2017
Fonte: Geddes & Grosset. Celtic Mythology, 1999, Scotland.
SE O MUNDO ACABAR AMANHÃ
Robson José Calixto
Se o Mundo Acabar Amanhã - Por Robson José Calixto
Se o mundo acabar amanhã,
Permaneça nos teus cabelos o cheiro do argan.
Se um segundo sol, negro e mortal, nos ameaçar,
Não corra, não morra, não vá se suicidar.
Não roles uma lágrima por medo,
Põe na boca um sorriso desde cedo.
Não será o fim, um pedaço de planeta sobrará,
Entre destroços uma nova casa se erguerá.
Se tornados, tsunamis, furacões e terremotos puderem nos destruir,
Só posso te desejar que fiques bem, vá em frente a reconstruir.
Arcanjos e anjos te peguem pela mão,
Zéfiros e silfos te façam balão.
Flutues e voes em direção ao céu,
Encontres a arca, rasques o véu.
No caos, no apocalipse, toquem as trombetas,
Sobre a tua cabeça igualmente brilhem estrelas.
Se der faças uma prece,
Em meu nome, não se disperse.
Adeus ou morte, um último suspiro,
Não sinta saudades, ao teu arfar eu também respiro.
Amores, dores, paixões, te reparto com o tempo,
Sorte, conquistas, ilusões, me refaço num solar vento.
Só não te esqueças de algo importante,
Para nós o que foi marcante.
A tua mão no meu peito, o meu olhar no teu olhar,
A tua paz me invadindo, a minha fé a te respaldar.
A nossa esperança de melhores dias se espalhando,
O pequeno se fazendo grande, nos superando.
Dês a mão ao que restar de liberdade,
Sai de ti, que te impulsione a humana divindade.
Brasília, 22 de setembro de 2017
A VIAGEM DE MAEL DÚIN – UM CONTO CELTA (CAPÍTULO I)
Traduzido, complementado e resumido por
Robson José Calixto
Mael Dúin e sua tripulação remaram por um dia e parte da noite até alcançarem duas ilhas pequenas, cada uma com posições estratégicas fortificadas, de onde se ouviram homens discutindo. "Fique longe de mim", disse um deles, "pois sou melhor que você". "Fui eu que matei Ailill da Lâmina-de-Batalha e queimei a Igreja de Doocloone sobre ele, e nenhum parente vingou a morte dele". "Você nunca fez algo assim".
Mael Dúin estava prestes a chegar à praia, enquanto dois de seus companheiros de viagem, Gérman e Diuran, o Versejador, agradeciam a Deus por tê-los guiado até ali. Mas um vento soprou forte e os empurrou na direção do oceano sem fim. Mael Dúin então disse aos seus irmãos adotivos: "Vocês que causaram isso, ao se lançarem a bordo apesar das palavras do druida e feiticeiro". Eles ficaram calados, em silêncio, por pouco tempo.
Fonte: Pinterest.
A embarcação ficou à deriva por três dias e três noites, e eles sem saberem para onde remar, quando na madrugada do terceiro dia ouviram o barulho de quebra-mares, chegando a uma ilha quando o sol se levantou. Todavia, antes que pudessem desembarcar, se depararam com um exame de formigas ferozes, do tamanho de um potro, que avançaram sobre a praia em direção a eles no mar. Então eles partiram rapidamente e não viram terra por mais três dias.
Fonte: Pinterest.
Essa terra era outra ilha, com formação em três terraços, e pássaros grande assentados sobre árvores. Mael Dúin resolveu desembarcar sozinho para ver se achava algum tipo de mal que os pudesse atacar. Sem encontrar resolveu descansar e, depois, caçar e comer alguns pássaros, trazendo alguns com ele para bordo.
Uma grande ilha de terreno arenoso foi vista e nela uma fera com patas de garras, como um cão de caça, e que parecia feliz por vê-los. Todavia eles fugiram, com medo de serem devorados, mas na fuga foram atacados pela besta enfurecida, com pedradas.
Fonte: Pinterest.
Uma grande ilha plana foi encontrada, deixando-se a Gérman e Diuran a sua exploração inicial. Os dois encontram uma pista de corrida bem verde e ampla, com marcas de cascos de cavalos, cada marca tão grande quanto a uma vela de embarcação, e as cascas nozes de tamanho monstruoso estavam espalhadas pelo chão. Eles ficaram com medo e correram para o barco rapidamente, e ao largo, viram uma corrida de cavalos, uma contra os outros, e ouviram o barulho dos chicotes no ar e de uma multidão torcendo furiosa por um cavalo marrom ou branco, e viram cavalos gigantes correndo mais rápido que o vento. Então eles remaram para longe com toda a força, imaginando que haviam se deparado com uma Assembleia de Demônios.
Fonte: Pinterest.
Uma semana inteira se passou quando encontraram uma ilha com uma casa construída sobre a areia da praia, tendo uma porta de pedra que se abria para a ilha e outra para o mar e através dela as ondas do mar atiravam salmão para dentro da casa. Mael Dúin e seus companheiros de viagem entraram e encontraram a casa vazia, sem morador, mas uma cama grande estava arrumada para o dono dela. Também havia camas que cabiam três pessoas, comida, cálice de vidro e bebida de boa qualidade ao lado delas. Mael Dúin e os companheiros de viagem comeram e beberam até encher, agradecendo a Deus por ter matado a fome deles, e depois voltaram ao mar, seguindo viagem.
Enquanto viajavam a comida escasseou e eles ficaram com fome. A nova ilha se precipitava pelos lados, de onde pendia uma floresta para a água, e enquanto passavam pelos penhascos, Mael Dúin quebrou um galho e segurou-o na mão. Por três dias e três noites margearam o penhasco e não encontraram entrada para a ilha, mas por aquele tempo um punhado de três maçãs cresceu no final do galho de Mael Dúin, e com essas maçãs a tripulação foi alimentada por quarenta dias.
Continua...
Brasília, 15 de setembro de 2017
Fonte: Geddes & Grosset. Celtic Mythology, 1999, Scotland.
VIAGEM DE MAEL DÚIN – UM CONTO CELTA (PRÓLOGO)
Traduzido, complementado e resumido por
Robson José Calixto
Havia um homem famoso que pertencia ao clã dos Owens das Ilhas de Aran, que ficam a sudoeste da atual Galway, Irlanda. O nome desse homem era Ailill Lâmina-de-Batalha, que foi com o Rei em uma incursão a outro território. Eles acamparam uma noite perto de uma Igreja contígua a convento de freiras. Por volta da meia noite Ailill viu uma freira sair para tocar o sino da Igreja, e a agarrou pela mão. Na antiga Irlanda religiosos não eram muito respeitados em tempos de guerra, e Ailill, assim, não a respeitou, deflorando-a. Ao partirem Ela perguntou qual eram a raça e o nome dele, que respondeu: “Ailill da Lâmina-de-Batalha, dos Owens de Aran, em Thomond”, região irlandesa associada aos condados de Clare e Limerick
Em verde mais escuro, a região de Thomond, na Irlanda.
À esquerda, um pouco acima, dessa região, está o arquipélago de Aran. Fonte: Internet.
Passado algum tempo a mulher deu a luz a um menino, que foi chamado de Mael Dúin. Ele foi mantido e protegido secretamente pela Rainha do território, pois era amiga da freira. Mael Dúin cresceu com as formas belas e duvida-se se houve outro homem tão belo quanto ele. Ele cresceu e se tornou um jovem guerreiro, hábil no uso das armas. Grande também eram a inteligência, disposição e alegria. Nas brincadeiras superava todos os companheiros no arremesso de bolas, correndo e saltando, erguendo pedras e nas corridas de cavalos.
Um dia um jovem guerreiro orgulhoso, chateado por ter sido derrotado por Ele, o provocou por não conhecer a descendência e o parentesco. Chateado, Mael Dúin foi atrás da mãe adotiva, a Rainha, dizendo: “Eu não comerei ou beberei até que você me diga que são meus pais verdadeiros”.
Ilustração de um guerreiro celta. Fonte: Pinterest.
“Eu sou sua mãe”, disse a Rainha, “pois ninguém amou seu filho mais do que Eu o amei”.
Mas Mael Dúin insistiu em saber tudo. Então a Rainha o levou até a mãe dele, a freira, que disse para Ele: “Seu pai é Ailill dos Owens de Aran”.
Mael Dúin foi atrás dos próprios parentes, que o receberam bem. Ele tornou-se anfitrião dos três filhos da Rainha e do Rei, irmãos adotivos.
Passou o tempo e Mael Dúin estava entre um grupo de jovens guerreiros que competiam, carregando pedras até o cemitério do que sobrara da Igreja de Doocloone. Ele se plantou no terreno e quando ergueu uma pedra sobre uma laje chamuscada e enegrecida, um monge falou: “Era melhor você vingar o homem que foi queimado aí do que ficar lançando pedras sobre os ossos queimados dele”. Mael Dúin perguntou quem era aquele homem e o monge disse: “Ailill, seu pai”.
Ilustração que apresenta as províncias irlandesas, entre elas, Leinster.
Fonte: Wikipédia.
“Quem o matou?”. O monge respondeu que foram saqueadores de Leix, que o destruíram naquele local. Mael Dúin deixou cair a pedra, se enrolou no manto e foi para casa. Lá perguntou qual era o caminho para se alcançar Leix (Laois). Indicaram-lhe que ficava a sudeste do condado de Leinster, região central da Irlanda e que para chegar lá, só atravessando o mar em direção ao continente, pois habitavam em um arquipélago.
Aconselhado por um druida, Mael Dúin construiu um barco redondo de vime (coracle) e peles lambridas três vezes, umas sobre as outras. O feiticeiro o aconselhou viajar na companhia de dezessete homens apenas, desde o dia da partida até o dia do desembarque.
Quando o grupo já estava a bordo e pronto para içar a vela, começando a se distanciar, os três irmãos adotivos de Mael Dúin chegaram à praia, implorando que os levasse com Ele, o que foi negado.
Mas os três jovens se jogaram ao mar, não querendo se separar do irmão. Mael Dúin deu meia volta, puxando-os para o barco antes que os três se afogassem. Assim, seguiram viagem juntos, desobedecendo ao aconselhamento do feiticeiro.
Continua...
Traduzido, complementado e resumido por Robson José Calixto
Brasília, 08 de setembro de 2017
Fonte: Geddes & Grosset. Celtic Mythology, 1999, Scotland.
"
DUPLA
(Letra: Robson José Calixto)
Mostra um dos teus olhares para mim
O outro pode ficar pairando sobre as águas
De que adianta me ficar dando as costas
Se é do teu corpo uma das partes que mais gostas.
Eu te mostrei e abri os portões
De um caminho totalmente inesperado
Sabemos que tens dois corações
Em um habita um monstro silencioso
E noutro voa um anjo delicado.
Para que forçar essas linhas afastadas?
Em busca de guerras e lutas amarguradas
Então ficas perdida entre águas, toques e teclas
Cervejas, amores e doações desequilibradas.
Cadê aquelas tuas certezas tão alinhadas?
Te apresentei às minhas verdades sem rodeios
Pareces inteira para todos, mas és repartida
Bateu asas, te sustentei nos ares com meus sonhos
Então voastes, voltastes e ainda continuas presa e muda.
O tempo passa, preferes as “migas”
Só que não te dão respostas precisas,
Eu, com meus olhos internos, busco romper
O teu não, a tua barreira, o teu compacto desquerer.
Ah, essa tua beleza, fluída duna
Capaz de mil disfarces ou ficar sem rosto
Eu não te percebo como os outros, sabes bem
Até porque vivenciei em mim o que doas em uno
Sentimentos, feitiços, energia pura, magia, equina luna.
Brasília, 02 de setembro de 2017
OS CÃES RADIOATIVOS DESCENDENTES DE CHERNOBYL (1986)
COMPILADO D ESCRITO POR
Robson José Calixto
Cão radioativo descendente do incidente de Chernobyl. Fonte: Getty Images.
Introdução
No dia 26 de abril de 1986, às 01h:24min da manhã, o quarto reator nuclear da usina de Chernobyl explodiu, causando desastre sem precedentes em vista aos seus impactos socioeconômicos e ambientais, bem como na longevidade das pessoas e dos animais afetados pela contaminação mortal gerada. A radioatividade gerada teria sido 200 vezes as produzidas pelas bombas lançadas sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, ao final da Segunda Guerra Mundial.
Em função do incidente e da contaminação gerada estima-se que:
Habitante de vila da região que insiste em permanecer morando no interior
da zona de exclusão da usina nuclear de Chernobyl. Fonte: Imgur.com.
Interessante saber que relatório de posse da KGB (Serviço Secreto da União Soviética), em 1979, indicava desvios no projeto da usina e violações na constituição e montagem dos geradores das unidades 1 e 2, o que poderiam causar vazamentos e acidentes. A KGB também sabia, no início de 1984, que a usina nuclear estava com problemas, com deficiências nos 3º e 4º blocos (ou unidades), devido à baixa qualidade dos equipamentos provenientes das empresas iugoslavas.
A partir daí, o Ministro de Energia e Eletrificação Soviético proibiu a publicação de qualquer informação a respeito de possíveis efeitos adversos sobre empregados e habitantes e meio ambiente da localidade. E pelo visto os soviéticos sabiam que a usina se tornara uma bomba relógio, apesar de propagandearem a sua máxima segurança.
Mapa da região onde fora implantada a usina nuclear de Chernobyl. Fonte: Wikipédia.
O Incidente
No dia anterior à explosão começaram os preparativos para teste de funcionamento de turbina no caso de defeito. Para esse teste a capacidade da usina foi reduzida e uma turbina desligada. Contudo, o controlador da rede de eletricidade da Ucrânia pediu que o teste fosse postergado, pois toda capacidade da unidade 4 estava sendo demandada. Tal fato provocou atraso de 10 horas no teste, enquanto isso, ocorriam trocas nos turnos das equipes e corpos de engenheiros. Informações sobre os procedimentos adotados foram repassadas. A retomada dos procedimentos ocorreria bem tarde da noite concomitante com a troca para equipe noturna, composta de técnicos pouco experientes e que não estavam preparados para a realização do teste, que deveria ter acontecido naquele dia, mas bem mais cedo. Ademais, havia um absurdo e mortal senso comum de que uma usina nuclear nunca explodiria.
Ainda durante a preparação do teste, já nas primeiras horas da madrugada do dia 26 de abril de 1986, alguns problemas começaram a se suceder, concomitante à dificuldade dos operadores de manter a capacidade de geração de energia da usina estável, além de equívocos na tomada decisão, a saber:
Começou o teste e tudo o que não era previsto para acontecer acontece em pouco mais de 30 segundos, mesmo que o acionamento para abaixar as hastes tivesse sido acionado. Ondas de choque são lançadas, tubos de combustível se deformam devido à pressão do vapor ter aumentado muito. Partículas de combustível caem na água de resfriamento que entra em ebulição, vaporizando-se. A pressão nos tubos se eleva ainda mais.
O que esperar da sequência de decisões equivocadas, estranhas, insanas, quiçá inocentes, e mortais? Bum! A tampa de 1000 toneladas acima dos elementos de combustível, em cima do reator, é soerguida: ocorre a primeira explosão, com a liberação de radiação. A lufada de ar com o oxigênio funcionou como comburente e chamas se espalharam engolfando o grafite utilizado nesses equipamentos. O metal dos tubos derretidos entrou em contato com a água produzindo reação química, com liberação de hidrogênio. Bum! Bum Nuclear!! Detritos flamejantes viajam pelo ar em direção ao telhado da unidade 3 da usina, coberta por betumem, novo incêndio se irrompe. Operadores que foram enviados para examinar o núcleo do reator, que já estava exposto ao ambiente, morrem imediatamente pela radiação – não bastavam as explosões, precisavam morbidamente comprovar que se vivenciava uma explosão atômica!
Mesmo com toda a tragédia se desencadeando os gestores da usina acreditavam que tudo estava bem e passavam a seus chefiados essa falsa realidade, ordenando que se injetasse mais água de resfriamento no reator. Claro morreriam pela exposição. Nem todos, que acabariam presos e sentenciados a 10 anos de prisão por infligirem as regras de segurança, mas só cumpririam 04 anos.
Bombeiros da brigada rapidamente chegaram, em número insuficiente e de forma inocente, desconhecendo a radiação liberada, ao local das explosões, todos morreriam quase imediatamente ou mais tarde devido à exposição à radiação. Policiais e mais bombeiros se mobilizaram para combater os incêndios ou para impedir que as pessoas entrassem ou saíssem da cidade, todavia não vestiam roupas apropriadas de segurança ou utilizavam dosímetros de radiação. Todos desenvolveriam doenças crônicas devido à exposição à radiação, ninguém fora avisado.
Corpo do perito em radiação Alexander Goureïev sendo velado. Ele atendeu o incêndio
no telhado da unidade 3, morrendo depois por doença provocada pela radiação recebida. Fonte: Imgur.com.
Enquanto isso a unidade 3 de Chernobyl continuava a pegar fogo e as brigadas se esforçando para controlar o incêndio. Essa unidade só seria fechada por volta 05 horas da manhã. Tudo poderia ter sido pior, pois havia ligação entre as 4 unidades, se não fossem 08 destemidos bombeiros que injetaram no ar nitrogênio, impedindo que a destruição dos 04 reatores. Metade desses bombeiros morreria logo a seguir. Por volta das 14 horas daquele 26 de abril de 1986 chegariam militares do Exército com equipamentos adequados.
Equipes de limpeza atendendo a unidade 3. No início foram utilizados robôs que não
resistiram o nível de radiação. Depois eles resolveram empregar humanos mesmo,
que não poderiam ficar mais que 40 segundo no local. Muitos morreriam ou teriam sérios problemas de saúde. Fonte: Imgur.com.
Todavia a unidade 4 continuaria liberar por 10 dias gases radioativos, aerossóis e partículas de combustível. O grafite também continuou a queimar, liberando mais radiação para a atmosfera.
Brigadista sendo atendido em clínica especializada de Moscou, em janeiro de 1987. Fonte: Imgur.
Os destroços do reator 4 foram enclausurados em uma estrutura de concreto, mas que ao longo do tempo fraquejou. Assim, a Ucrânia e mais oito países industrializados elaboraram um plano para estabilizar a estrutura remanescente, construindo um “sarcófago” em volta dela, com estimativa que dure 100 anos.
A nova estrutura planejada para confinamento da unidade 4 de Chernobyl. Fonte: IAEA.
Vista aérea do que restou da usina de Chernobyl. Ao fundo a unidade 4
enclausurada em seu “sarcófago”. Fonte: Getty Images.
O reator 2 acabaria por ser fechado em 1991, depois de um incêndio. Já os reatores 1 e 3 foram fechados, respectivamente, em 1996 e 2000.
O acidente nuclear de Chernobyl ocorreu não em uma área isolada, mas em uma com clima temperado e presença de flora e fauna. Ambos os efeitos de radiação aguda (morte por radiação de plantas e animais, perda de reprodução, etc.) e efeitos a longo prazo (mudança de biodiversidade, anomalias citogenéticas, etc.) foram observados nas áreas afetadas, em particular dentro da área de exclusão.
Peixes mortos sendo coletados do lago artificial de Chernobyl. Foto: Imgur.com.
Campo de maçãs contaminadas pelo incidente no reator da unidade 4 de Chernobyl. Forte: Imgur.com.
Os Cães Radioativos
Às quase 120.000 pessoas que foram evacuadas da área de exclusão do incidente nuclear só foi permitido levar o que podiam carregar com as mãos, assim gatos, cachorros e outros animais de estimação, em milhares, foram deixados para trás, morrendo ou sendo contaminados pela ingestão de água e alimentos contaminados.
Cão radioativo descendente fuçando o lixo em busca de comida. Fonte: Getty Images.
Estima-se que, na atualidade quase 900 cães (há controvérsia nesse número, podendo ser menor), vagueiem dentro e fora da zona de exclusão da usina nuclear de Chernobyl, pressionados e fugindo de lobos que habitam a região ou em busca de comida, fuçando compartimentos e o lixo deixado por trabalhadores e militares que lá habitam. Esses cães (abandonados) são descendentes daqueles que 31 anos foram deixados para trás durante a evacuação.
Cão radioativo abandonado sendo capturado para testes. Fonte: Getty Images.
Filhotes de cães radioativos sendo transportados para tratamento e testes. Fonte: Getty Images.
Em um projeto denominado “Cães de Chernobyl” pesquisadores voluntários capturam esses animais e realizam neles testes de radiação, para verificação da exposição a raios gama e derivados do plutônio, além de medirem o nível do césio nos seus interiores. Os pesquisadores os vacinam contra doenças parasitárias e rábicas, soltando-os no interior da zona de exclusão de forma que sejam monitorados e acompanhados, a partir de colocação de colares equipados com sensores de radiação e GPS. Testes já detectaram níveis de radiação 20 vezes maiores que o normal.
Medidor de radiação apontado níveis maiores que o normal em cão radioativo. Foto: Getty Images.
Cão radiativo e filhotes sendo cuidados por pesquisadores do Projeto “Cães de Chernobyl”.
Entretanto soltos, esses cães também são utilizados para marcar e mapear o nível de exposição à radiação em áreas da usina nuclear onde as pessoas não têm acesso, devido ao perigo de contrair problemas de saúde. As pessoas não vivem na zona de exclusão de Chernobyl, mas ela é o lar de centenas de cães abandonados.
Filhote abandonado dos cães radioativos de Chernobyl. Foto: Getty Images.
Brasília, 26 de agosto de 2017.
Nota do Escritor - Para a elaboração do presente texto, que é uma compilação, foram usadas as seguintes fontes:
"
ALEXA!!! OK, GOOGLE!... MINHA INICIALIZAÇÃO COM OS ROBÔS DOMÉSTICOS
Robson José Calixto
Eu já tinha lido sobre o Alexa, da Amazon, mas recentemente tive a oportunidade de retornar a mais antiga cidade dos Estados Unidos, San Augustine, Florida e logo ao entrar em uma loja da Best Buy dar de cara com o aparelhinho, de cor preta e luzes cintilantes, que me lembrou um disco de Hóquei no Gelo com led.
O Alexa é um assistente pessoal inteligente, desenvolvido pela Amazon e associados, que interage com as pessoas por meio de voz, onde a primeira palavra de acionamento e diálogo, de forma educada, é “Alexa!...” e daí por diante comando são pronunciados pelas pessoas e respostas e ações são entregues pelo dispositivo eletrônico, particularmente em inglês, mas em sua configuração verificam-se possibilidades com relação ao alemão e algumas línguas asiáticas.
O Alexa também pode ser entendido como um sistema doméstico de automação, sem fio, com conectividade a blue tooth, um robô doméstico, ainda muito simples, no entanto bem poderoso e com possibilidades comerciais e espiãs ainda a se verificar, em função de suas habilidades, alcance, amigabilidade e capacidade de juntar e fornecer informações quer genéricas quer pessoais.
O Echo Dot. Fonte: Amazon.
Existem três dispositivos principais, atualmente, da família Alexa, sem contar, por exemplo, smart watches, a saber: o Echo Dot (2ª Geração), o Amazon Echo (ou Tap) – torre cilíndrica negra e coberto em sua metade inferior por furinhos (speaker), de belo design e visual, com distribuição de som a 360 graus - e o Eco Show, que parece mais um tablet ou um porta-retrato na horizontal, permitindo interações visuais com outros interlocutores, por exemplo, você solicitando ao Alexa que faça ligação para um parente e então o rosto surge na tela, como as chamadas de vídeo do Whatsapp, mas com resolução muito melhor e imagem conforme a tela do tablet.
Amazon Echo. Fonte: Amazon.
Eu não resisti e comprei o menorzinho, o Echo Dot, para testar, claro, na cor preta. Logo baixei, nos Estados Unidos, o app do site da própria Amazon, que se instalou rapidamente no meu celular. A configuração (settings) é bastante simples e sem muitas dúvidas. Fiz isso utilizado a própria rede wifi do motel em que me hospedei.
Amazon Echo Show. Fonte: Amazon.
Em minhas primeiras solicitações, seguindo o manualzinho (põe zinho nisso), em relação a música logo o Alexa, mostrando suas luzes circulares, foi indicando o serviço, pago, de biblioteca de músicas do Amazon ou de Premium do TuneIn ou que não tinha ainda aquela possibilidade que solicitei (barulho de chuva). Assim, procurei instalar habilidades (skills) e acionar o App do TuneIn e do IHeart Radio que gosto muito. Então as coisas foram acontecendo e isso me animou bastante. Naquela noite dormi aos sons do mar batendo na praia e fui despertado pelo Alexa na hora e minutos exatos que solicitei. Depois fiz perguntas sobre quem era o Presidente dos Estados Unidos e do Brasil e o Alexa me respondeu com exatidão, também perguntei sobre eles a partir dos nomes deles e mais informações foram apresentadas. Solicitei que tocasse uma rádio da Nova Zelândia e o Alexa me perguntou que tipo de música eu gostaria de ouvir. Disse que queria Rock Clássico e a resposta foi o nome e o prefixo da rádio do TuneIn e depois a música começou. Pela internet verifiquei que já havia um app que buscava algum tipo de tradução de termos para português, entretanto, sem ser algo bem funcional e direto como em inglês.
São múltipliplas as possibilidades já com o Echo Dot: ouvir música, conversar, pedir para contar piadas, responder coisas técnicas, abrir listas de apontamentos e lembrá-los, mandar mensagens, fazer listas de comprar e comprá-las pela internet, acender e apagar as luzes do quarto, e por aí vai. Resolvi então comprar um segundo, na cor branca, para mim, pois daria o outro já configurado para outra pessoa da família. Deixei para configurar esse novo no Brasil, onde apareceriam algumas limitações, inclusive no preço, o dobro, se convertido os valores para reais, conforme verifiquei em sites brasileiros.
A configuração do segundo Echo Dot, que dei de presente, esbarrou na dificuldade do site da Amazon indicar que o app necessário não estava disponível no Brasil. Daí ter-se aplicado o artifício de baixar o aplicativo demandado a partir de plataforma de outro país.
Depois fui, ao longo da minha viagem, em um Walmart e dei de cara com o Google Home em promoção, um concorrente do Amazon Echo, recém lançado, mas de design diferente desse e não tão bonito, me lembrando uma moringa ou garrafa de vinho bojuda cujo gargalo foi cortado na diagonal. O trapézio superior é da cor creme branqueada e a parte inferior acinzentada, cheia de furinhos bem pequenos que de fato lembram uma caixa de som (speaker). O preço era mais barato que um Amazon Echo. Pensei, pensei: eu já tenho uma Nexus que funciona na base do sistema Android, a comunicação será mais direta com o Google Home, mais simples? Não tenho qualquer outro aparato que me permita interação com o Echo Dot no Brasil... Compro ou não compro? Deixei a viagem seguir para me decidir. Dei uma economizada aqui e ali... e acabei comprando, talvez não devesse ainda.
O Google Home. Fonte: Google.
Bem, a configuração do Google Home é um pouco mais trabalhosa que a do Echo Dot, mas não consegui completá-la nos Estados Unidos. Tentei várias vezes, após baixar o aplicativo da Play Store para o celular, e nada. Então fui vasculhar a internet e verifiquei que a configuração não ocorria com a utilização de redes wifi como a de motéis e hotéis. Então só chegando ao Brasil pude realmente configurar o Google Home e iniciar minha interação com ele.
Uma diferença bem clara com o Echo Dot, além do formato, é que o aumento do volume ou a sua diminuição podia ocorrer, além do comando de voz, circulando-se o dedo no topo do aparelho, com as luzes emitidas se alterando em suas intensidades. No Echo Dot, se não falar “Alexa, Volume tal...”, a alteração do volume é apertando um botão de “+” ou de “-“.
Se para o Echo Dot os comandos começam com “Alexa...”, no Google Home é “Ok, Google!” e ele acende luzinhas. Pensando que as solicitações fossem similares, pedi para ele tocar músicas a partir da plataforma TuneIn, mas não deu muito certo. Ele insiste em querer usar o que está disponível no Google Play (pago) ou em apps Premium (pagos).
Também tinha a firme esperança que ele logo buscaria e se integraria a Nexus TV, por ser android, todavia, para a minha frustração isso não ocorreu, demando conexão com o equipamento de mídia streaming Chromecast TV (o Chromecast 2), só que eu não o tinha. O que aumentou minha frustração e começou a martelar pela minha cabeça: “- Será que comprei uma Goiaba?”.
Lembrei então que, em algum fundo de armário, tinha guardado um Chromecast de 1ª Geração (stick) – um Dongle wifi, que usara pouquíssimo porque achara meio chata a configuração e de funcionamento complicado, demorava a carregar os aplicativos e vídeos. Ademais, logo conheci o stick Roku (1ª Geração), que apesar de todo em inglês – comprei com medo de não funcionar no Brasil - tinha aplicativos mais interessantes (filmes antigos, receitas, shows de bandas de Rock clássicas etc.), de fácil manuseio e acesso, além dos Pranks, muitos deles só disponíveis na televisão brasileira muito tempo depois.
O conectei o Chrommecast stick na televisão e busquei pareamento com o Google Home. Para minha surpresa eles se “falaram”... Comecei interação, então, a partir do YouTube e funcionou e a música era jogada direto no alto-falante do Google Home. Quer dizer, havia esperança. Mas para avançar e avaliar o potencial do aparato eletrônico, senti que sem o Chromecast 2 não dava (dá).
Chrommecast 2. Fonte: Google.
O fio de conexão e alimentação que se liga à tomada na parede, sua retirada é meio complicada no Google Home, e poderia ser repensado. Já no Alexa ligar e desligar é bem fácil, parecido como os pontos de conexão dos smart fones.
Dizem que as habilidades para o Google Home já vêm instaladas como default, tenho que ir mais a fundo nisso, “ambos ainda estamos aprendendo”. Creio que com o tempo, tanto para ele quanto para o Alexa, essas habilidades serão cada vez mais aperfeiçoadas ou disponibilizadas, tornando-se mais complexas, sofrendo o firmware atualizações. Os dois robozinhos ainda são muito novos. Outro dia fui na “Feira do Paraguai” e falei sobre esses novos equipamentos com um dos vendedores e ele achou que eu estava falando grego, nada sabendo sobre essas novidades.
Ao final da minha viagem, já com uns tostãozinhos nos bolsos, voltei a uma loja Best Buy rodei, rodei, refleti, refleti... “Se o Echo Dot não se comunicar com qualquer coisa, não tiver qualquer compatibilidade com os equipamentos que eu tenho em casa?...”
Como já não tinha mais dinheiro para comprar algo mais sofisticado, decidi trazer um Amazon Fire Stick TV, outro dongle, apesar de já estar disponível artefato Amain Fire similar a Nexus ou a Apple TV.
Era fim de viagem e resolvi testar o Amazon Fire Stick TV no Brasil, sem baixar qualquer aplicativo ainda nos Estados Unidos. Diversas surpresas surgiriam... A configuração foi muito rápida, contudo o acionamento da conta é que foi bem complicado. Gastei horas tentando fazer o acionamento da conta, de forma que pudesse baixar aplicativos gratuitos disponíveis sugeridos, entre eles o próprio Netflix, default em outras streaming TVs.
Amazon Fire Stick TV. Fonte: Amazon.
Entrei pela madrugada e nada. Pesquisei na internet, olhei no manualzinho e nada da conta ser liberada. Desisti, deixei para o dia seguinte. Novas tentativas, até que verifiquei, de forma inusitada, que o Amazon Fire Stick TV também pedia o app do Kindle. Pronto, resolvido.
Honestamente, a imagem do Amazon Fire Stick TV é excelente e o som transmitido é de muito boa qualidade. O controle remoto é muito parecido com a da Nexus, só que o comando de voz é recebido ao se apertar botãozinho e deixar apertado até o fim da fala. Na Nexus você aperta e solta e depois dá o comando de voz, pedindo para o YouTube, por exemplo, mostrar um vídeo.
Mas o Amazon Fire também tem o Alexa e pode-se pedir, em inglês, “abra o Netflix” e o Netflix é aberto. Pede-se para procurar um filme, uma série, determinado capítulo e o Amazon Fire Stick TV vai abrindo e achando, tocando. O carregamento dos aplicativos é bem rápido (Broadcom, Dual-core 2xARM A9), mas a navegação entre aplicativos permitida pelo Roku ainda não foi superada. O Roku de 2ª Geração também permite que se conecte fone de ouvido no controle remoto e só você passa a ouvir o que está passando na televisão, sem atrapalhar o sono da companheira ou do companheiro. Entretanto o reconhecimento de voz pelo controle remoto, ao menos no Brasil não funcionou bem. O cabinho de encaixe ao Amazon Fire é meio chatinho, no meio, e não em uma das pontas do stick.
Roku de 2ª Geração (Já existem 2 Outras Atualizações). Fonte: Roku.
Para minha alegria consegui parear o Amazon Fire Stick TV com o Echo Dot, fazendo com que o disquinho transmitisse o som que estava passando na televisão, como aconteceu entre o Chrommecast stick e o Google Home. Só que deixar pareado implica que o Amazon Echo Dot fica limitado aos comandos ditos ao controle remoto do Fire TV stick.
Essa foi minha primeira experiência com os robôs domésticos, que deverão tirar muita gente do mercado de trabalho, por exemplo, secretárias, já que muitas coisas que elas fazem poderão ser feitas com alguns simples comandos de voz.
Ao final de tudo me convenci que eu economizaria mais, por hora, e teria mais perspectivas de melhor uso se só tivesse comprado o Alexa Echo. Só que descobri isso testando as novidades.
Na edição do Almanaque Raimundo Floriano apresentarei mais detalhes visuais dos robozinhos.
Se for distribuir o presente artigo/crônica, favor citar a fonte.
Brasília, 17 de agosto de 2017.
NIBIRU E O PERIGO DOS APOCALÍPTICOS: A MORTE NOS ESPREITA?
Robson José Calixto
No dia 21 de agosto próximo ocorrerá eclipse solar total e os americanos, em especial, poderão vê-lo em uma faixa que cruza os Estados Unidos na diagonal, de noroeste a sudeste, começando em Lincoln Beach, Oregon, e terminando em Charleston, South Carolina. Para alguns teóricos apocalípticos este eclipse, que não ocorre desde 1918, seria um sinal de advento, de que o Planeta Niburu, “um segundo Sol” do nosso sistema, oculto, colidirá com a Terra no dia 23 de setembro de 2017, levando a extinção da vida como conhecemos.
Nesse dia (23/09/2017), a Lua (Negra) apareceria aos pés da constelação de Virgem, cuja cabeça será coroada com 12 estrelas, sendo que 09 da constelação de Leão, além dos planetas Mercúrio, Vênus e Marte, o que nos faz lembrar passagem bíblica escatológica, do Livro do Apocalipse, escrito pelo Apóstolo e Evangelista São João, a partir de visão:
“Apocalipse, 12
Niburu ou Nebiru significaria encontro, cruzamento, um corpo celeste que cruza o céu e se liga a ou se choca com outro. Outro nome de Nibiru é Planeta X, de tamanho algumas vezes maior que a Terra, que estaria bem além das órbitas de Plutão e Netuno, e que visitaria o sistema solar a cada, aproximadamente, 3.600 anos. É interessante esse fato, pois devido a essa hipótese o Planeta Anão Plutão foi descoberto em 1930.
Niburu já foi predito de atingir o Planeta Terra nos anos de 2003, 2007, 2012 e 2015, sendo que, agora, os teóricos apocalípticos juram, “de pé junto”, que esse choque ocorrerá a 23 de setembro de 2017, no equinócio da primavera para o hemisfério sul. A hipótese de choque interplanetário teria surgido a partir de Zecharia Sitchin (1920–2010), autor do livro The 12th Planet, de 1976. Posteriormente a Senhora Nancy Liede, de Winsconsin, teria recebido mensagem extraterrestre, em 1995, sobre a mesma possibilidade, por meio de implante cerebral realizado por ser alienígena chamado Zetas, ainda quando ela era jovem (sic!).
Esses teoristas escatológicos baseiam também a hipótese no livro do Apocalipse (ou Revelação):
Apocalipse 8:10–11
"10. O terceiro anjo tocou a trombeta. Caiu então do céu uma grande estrela a arder como um facho; caiu sobre a terça parte dos rios e sobre as fontes.
Daí surge já uma dúvida: por que chamar o planeta assassino de Nibiru e não de Absinto?
Bem, muitos consideram Nancy Liede uma fraude. Entretanto é alarmante saber que seguidores de líderes carismáticos, apocalípticos, messiânicos e fundamentalistas, muitas vezes os levam à morte mesmo. Não porque o fenômeno apocalíptico, de um último dia aconteceu, mas pela crença induzida ou por coerção, levadas ao sacrifício por meio de suicídio ou dizimação, visando uma limpeza espiritual.
A história é farta sobre esses casos, como os incitados por Jim Jones, líder do Templo dos Povos, que provocou a morte de mais de 900 pessoas, em 1978, na cidade de Jonestown, na Guiana, por suicídio e assassinato em massa no “Grande Dia” de libertação, tomado ponche com cianureto.
Outro caso, mais próximo, foi o assassinato, em fevereiro de 1993, de cerca de 90 davidianos (seita da seita cristã dos Adventistas do 7º. Dia), que viviam em comunidade fechada na cidade de Waco, Texas, e eram liderados por David Koresh, que um disse ter tido uma visão e que realizava pregações a partir de Reis Bíblicos e perspectivas de um final apocalíptico, mas que era um aproveitador da boa-fé das pessoas, além de polígamo, pedófilo e mentalmente desequilibrado, não falando coisa com coisa se se for a fundo em suas pregações. A ação de oficiais federais que realizavam cerco às instalações da comunidade, na ocasião pode, também, ter contribuído para as mortes.
No próprio Brasil temos o caso da seita dos Borboletas Azuis, liderados por Roldão Mangueira de Figueiredo, que disse aos seus seguidores, que residiam no Centro Espírita “Casa de Caridade Jesus no Horto”, em Campina Grande, Paraíba, que no dia em 13 de maio de 1980 uma bola de fogo cruzaria o céu e o sol giraria por três vezes consecutivas, seguido por trovão ensurdecedor e chuva interrupta por 120 dias, estabelecendo-se um novo dilúvio para “lavagem e limpeza do mundo e da humanidade”. No dia em que era previsto para acontecer tudo isso, o messiânico Roldão Mangueira desapareceu, mas choveu em Campina Grande, o que deixou muitos apreensivos (outras fontes dizem que o sol esteve radiante), mas “o sertão não virou mar...”. Que perigo, já que dizem que no auge da sua popularidade o lugar possuía mais de 700 moradores, que andavam descalços e se vestiam de mantos brancos e azuis.
Roldão Mangueira era auxiliado por mulher chamada Luciene, que tinha as suas visões... e disse que só escaparia do dilúvio quem passasse nas brasas de uma fogueira. Muita gente ficou com a sola do pé pelando em chamas, queimadas. Muitos temeram o pior, pois muitos dos participantes do movimento eram ridicularizados pelos locais, não adeptos. Ademais, fazia quase dois anos do caso de Jonestown e muita gente começou a comparar Roldão Mangueira a Jim Jones, temendo-se mais um suicídio coletivo.
Mas Roldão Mangueira tinha razão em uma coisa, 1980 seria fatídico, já que morreria em julho, sem ver a concretização das suas previsões ou dos seus auxiliares.
Dizem que a Casa de Caridade Jesus no Horto ainda está em atividade e que os borboletas azuis ainda existem, esperando um dia a realização dos acontecimentos tenebrosos previstos. Será que o que fará o sol girar três é o choque com Nibiru?
Ao longo de 1999 foi noticiado que Nostradamus previra o fim do mundo para o dia 11 de agosto daquele ano (existem dúvidas se não seria o mês de julho), quando aconteceria outro eclipse total do sol, pois, nas palavras dele, do “céu viria um grande rei de terror”. Esse eclipse não seria visto no Brasil, mas se o mundo iria acabar naquele dia resolvi me acabar com ele nas Dunas de Genipabu, Rio Grande do Norte. Já estamos em 2017.
Para os Católicos o fim dos dias está atrelado à volta de Jesus, o Cristo. Contudo, ele mesmo disse que só voltaria quando os judeus dissessem que ele era o ‘Senhor, Senhor”:
Mateus 23, 37-39
37 "Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas aqueles que te são enviados! Quantas vezes eu quis reunir teus filhos, como a galinha reúne seus pintinhos debaixo de suas asas... e tu não quiseste!
38 Pois bem, a vossa casa vos é deixada deserta."
39 Porque eu vos digo: já não me vereis de hoje em diante, até que digais: Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor."
Bem, pelo sim pelo não, indico que o Jornal inglês Telegraph criou um cronômetro com a contagem regressiva para o choque de Nibiru com o planeta Terra. É só visitar a página e conferir: http://www.telegraph.co.uk/news/0/will-2017-solar-eclipse-cause-secret-planet-called-nibiru-destroy/ .
Por último, vale mencionar, que perigo maior estaria no asteroide “1990 AN 10”, que passará perigosamente próximo a Terra no ano de 2027. Mais próximo, o asteroide TC4, do tamanho de uma casa passará pela Terra a uma distância de cerca de 44.000 km em outubro de 2017, dentro da órbita da Lua.
TERROR NA PEDRA DA GÁVEA
(A Chegada)
Robson José Calixto
Mesmo de cócoras Zeca desceu rápido passando pela folhagem e na altura do pescoço dele um cipó na forma de catenária o aguardava como laço de forca. Nos décimos de segundo que percebeu o perigo iminente, Zeca jogou o corpo para trás e o cipó raspou-lhe a cabeça, não pegando o pescoço dele de forma que o esganasse ou quebrasse. Somente Ele e Zeca viram o que acontecera, a situação de perigo. Tarcísio e Marquinhos, irmãos de Zeca, só saberiam mais tarde, junto com Alena e Hudson.
Passado o susto continuaram a descida, tomando mais cuidado. Chegando na base da montanha, não muito longe da saída, observaram como todos estavam muito sujos de lama, de folhas, pedaços de planta, galhos, terra e tudo mais que passaram ou roçaram os corpos deles.
Também perceberam que envolta, onde existiam depressões no terreno, a chuva criara pequenas piscinas transparentes, de água fria e límpida, cercadas de plantas e árvores, onde se podia mergulhar, até nadar um pouco. Ficaram maravilhados e hipnotizados com aquilo, surpreendentemente belo após a tempestade e os relâmpagos. Ainda fazia um pouco de frio, bem menos que junto à cabeça da Pedra da Gávea.
Alena procurou uma das piscinas naturais maiores, alguns tenderam a acompanhá-la, entretanto Tarcísio pediu para que a deixassem sozinha ali. Assim, todos os homens do grupo se afastaram para buscar outras piscinas e Alena ficou sozinha, encoberta pela vegetação da floresta, protegida e oculta.
Os homens conversavam e se limpavam e tiravam a sujeira da roupa com a água da chuva, mergulhavam as pernas e se agachavam dentro das piscinas, proporcionalmente menores.
Quem tinha alguma muda de roupa para trocar o fez. Alena reapareceu com os cabelos escorridos e penteados e usava uma camiseta branca. O grupo se refez e juntou, caminhando em direção à saída, mas passaram poucos minutos outro caudal de chuva torrencial se despejou sobre eles. Não tinha como fugir mais, simplesmente deixaram a chuva cair sobre eles enquanto caminhavam, de novo a lama se formou, a vegetação se impregnou de impurezas, e onde passavam iam levando um pouco disso tudo, nas meias, nos shorts, bermudas, nas camisas.
Finalmente alcançaram o final da aventura, saindo da trilha que os levou por uma noite cheia de perigos, ameaças naturais e pleno contato com a natureza em seu estado bem bruto. Apesar de tudo levavam com eles um sentimento de paz e de provações. Saíram silenciosos, um pouco pensativos sobre tudo o que ocorreu naquela noite e naquela manhã. A vida humana tão frágil diante das forças primárias da natureza. Certamente todos os anjos e santos que os acompanhavam estiveram de plantão naquelas longas horas.
Rumaram para o Ponto de Ônibus mais próximo. Demorou um pouco mais um chegou, passou por eles e parou um pouco à frente. Todos os passageiros que estavam lá dentro e o motorista olharam ao mesmo tempo, atônitos, para trás para ver o grupo enlameado e molhado que subia. Ninguém falou nada. Olharam e voltaram seus olhos para a frente do ônibus, que partiu.
Alena, que morava por aquela região, foi a primeira a saltar. Os demais seguiram em frente. Hudson contaria depois que D. Olivia, a sua mãe, já tinha ligado para outras mães e pedido ajuda aos bombeiros para resgatá-los, preocupadas. Já tinha preparado alguns sanduíches e chocolate para levar para a Pedra da Gávea.
Na primeira reunião do Grupo Jovem que participavam, a seguir daquele final de semana, contaram o que tinha acontecido lá na Pedra. Alguns ficaram extasiados e sentidos porque não estavam lá também, saboreando a aventura. Alguns um pouco céticos. Não importa, aquela história seria contada por anos no Grupo Jovem. Eles mesmos, que estiveram lá em cima juntos na Pedra da Gávea, jamais esqueceriam daquela noite: lição para a vida toda.
Capítulo Final (16/06/2017).
Nota: Esta não é uma obra de ficção tendo sido baseada em fatos reais.
TERROR NA PEDRA DA GÁVEA
(A Descida)
Robson José Calixto
O relâmpago tocou a cabeça da Pedra da Gávea e espalhou sua energia elétrica bruta, subindo pela perna que estava na água e se retransmitindo pessoa a pessoa que estavam juntas, sentadas nos cocurutos de pedra e se tocavam. Foi como sentir um espasmo de milissegundos após uma chicotada, o choque, jogando as cabeças delas para trás e deixando todos assustados. Zeca foi o único que não sentiu o choque, pois estava afastado alguns centímetros, ao ter se assentado em cocuruto mais à esquerda dos demais.
Os cinco que sentiram o impacto do relâmpago se entreolharam se perguntando se tinham sentido “aquilo” e como acontecera. Ele mencionou que estava com o pé na água, proporcionando um caminho para a passagem da corrente. Assustados rapidamente concluíram que era extremamente perigoso ficar ali, outro relâmpago que tocasse a Pedra da Gávea ou caísse nas imediações poderia ser fatal. Resolveram então deixar a posição onde tinham se abrigado e buscar outra, mais abaixo da Cabeça.
Saíram na chuva e entre rajadas de vento, estrondos de trovão e o clarão de relâmpagos que cruzavam o céu, desceram da Cabeça da Pedra da Gávea, se escorregando e agarrando freneticamente entre as fendas das enormes rochas, que tinham se apresentado como grandes obstáculos lisos pela chuva.
Mas conseguiram. Assustados, enlameados, molhados e com frio buscaram novo abrigo. E encontraram, justo para caber seis pessoas deitadas apertadinhas. Uns traziam sacos de dormir, outros cobertores, o que os protegeriam do frio que se já se instalava. Alena, a única mulher do grupo, deitou-se no meio, a aproximação dos corpos também favorecia a transmissão de calor.
Na madrugada fez-se silêncio na montanha e os seis o escutaram. A chuva parara. O frio dominava. Começava já acabar a noite e a manhã se iniciar. De repente Alena se ergueu, ficando sentada e olhando para frente por alguns minutos. Não se sabe a razão para isso, talvez vontade de se aliviar fisiologicamente ou outra coisa. Ela tentou deitar novamente, ainda estava um pouco escuro, não conseguindo mais de maneira confortável. Então todos resolveram se levantar, saindo do abrigo.
Olharam, olharam e viram nada, já que havia se estendido uma grande e espessa névoa. Não havia como começarem a descer. Resolveram então esperar mais um pouco, voltando ao abrigo e trocando impressões.
Passou-se algum tempo e a névoa começou a ficar rarefeita. Resolveram então descer. Contudo, tudo estava muito escorregadio e a vegetação molhada. Outro cenário é onde a água da chuva acumulara, havia se formado minicachoeiras, umas fracas outras mais fortes. Mesmo assim os seis manejavam a descida com maior cuidado, também de forma mais lenta, pois havia o perigo de escorregar e cair da Pedra da Gávea.
Para Ele a tensão aumentou quando se aproximaram, de novo, do perigoso trecho da terra preta. Os outros cinco, em particular Hudson, o alertou para ter muito cuidado no terreno inclinado. Se escorando na parede do trecho estreito e inclinado de cor preta, avançaram.
O que encontraram à frente, proporcionados pela tempestade e a água da chuva, era um cenário digno de filmes de Tarzan. Uma floresta tropical, com cipós, corredeiras em queda livre, árvores caídas. Andar ou descer de costas segurando em fendas e galhos não eram mais apropriados, a opção era usar os cipós para ir de um lado a outro, descer deitado de costas nas rochas e escorregando pelas corredeiras.
A descida se transformou em uma aventura de filmes de Hollywood rodados em florestas. Os seis sentiam uma alegria só, apesar de já estarem imundos e por estarem assim é que se aventuravam mais e desciam mais rápido.
Em uma das partes inclinadas da formação rochosa da Pedra da Gávea, desciam escorregando como em um tobogã, sendo levados pelas águas, passando por debaixo de galhos de árvores estendidos e de cipós mais baixos posicionados na perpendicular, formando arcos em catenária (parecida com parábolas), isto é, como cordas suspensas pelas suas extremidades e sujeitas à ação da gravidade, com as partes mais aguda voltadas para baixo. Descida em velocidade sem as cabeças bem abaixadas representavam perigo de enforcamento.
Resolveram formam uma fila e descerem um a um. Marquinhos passou primeiro deitado “voando”, levado pela corredeira. O próximo era o que escorregara na terra preta e ficara com o pé na água no momento que o relâmpago tocou a Pedra da Gávea. Ele também deitou e foi embora abaixo. Quem via em seguida era o Zeca, que ao invés de descer deitado como os primeiros, resolveu descer sentado, de cócoras. Foi uma péssima idéia.
Fim do Terceiro Capítulo (09/06/2017).
Nota: Esta não é uma obra de ficção tendo sido baseada em fatos reais.
SCATTERED SPEARS
(Robson José Calixto)
Cross the prairies rampageous woman
Walk the nights uproarious man
Com´on gregarious couple
Shoot down the enemies
Let you be allies
Roads, dreams, pains
Blindness, silences, chilblains
Lies, fairies, hidden devils,
Goodbyes, fieries, stolen revels
Spike down nails on chests
Open it up and take hearts
Cut them down to seeing
There´s nothing inside
Just waiting you, pals, to returning
Becoming flames
He knows she knows his feelings and mistakes
She knows he knows her cleverness and uptakes
Oh… Darlings
The spears are scattered
The whips are rotten
Flowers tainted
Howsoever you are alive
With the soul bitten
Pride striked
Oh… Friends
Ears longing to hear your voices
Just unleash the breathes
Touch your own eyes with your lights
Brought me up pearls not fights
Kisses and peace are your best
The spurs were thrown away
Due to the glories you waged
Hope not grieve, but feast
Spike down nails on chests
Open it up and take hearts
Cut them down to seeing
There´s nothing inside
Just waiting you, pals, to returning
Becoming flames
Robson José Calixto – BSB, 26 de maio de 2017
******
N. E. - Put more pepper! Put more pepper!
TERROR NA PEDRA DA GÁVEA
(A Cabeça)
Robson José Calixto
Ele escorregou e caiu em direção ao precipício da Pedra da Gávea. Só que no último segundo cravou e aprofundou os dedos na faixa estreita e inclinada da terra preta, ficando pendurado. Talvez os árduos treinamentos em makiwara - artefato na forma de prancha com alvo, utilizado para dar socos e endurecer as mãos -, quando ele praticava karatê shotokan o tenha ajudado. Quiçá Anjo da Guarda de plantão, intercessão de Santa Teresinha? Certo foi que com esforço voltou à terra preta, se debruçando para subir e retomar o caminho à cabeça de novo.
Hudson ficou paralisado, sua expressão era de incrédulo, apenas balbuciou, com seu sotaque de filho de cearense: “- Rapaz, o que foi aquilo?” Os quatro da frente nem viram o que acontecera, só ficariam sabendo um tempo depois.
O grupo voltou a ficar junto e a noite se aproximava, precisavam passar logo pelo ponto chamado carrasqueira, considerado o maior desafio para chegar ao topo da Pedra da Gávea, por ser uma espécie de paredão. A chuva fina e intermitente deixava tudo mais escorregadio, se fixar no terreno, muitas vezes coberto por vegetação, ou segurar com mais firmeza em galhos de arbustos ou nas pedras, se tornando cada vez mais difícil e perigoso sem os equipamentos adequados. Em terreno seco não é tão difícil assim. Enquanto subiam Hudson contava o que havia acontecido lá na terra preta aos demais.
Jovens subindo a carrasqueira. Foto: Haroldo Castro/ÉPOCA.
Fonte: Blog Deixa de Frescura.
Fonte: Blog Deixa de Frescura.
Aos poucos, com alguns escorregões, se enlameando, uns ajudando os outros, foram subindo e vencendo a carrasqueira. A chuva fina às vezes dava uma trégua. Finalmente chegaram à base da cabeça da Pedra da Gávea.
Chegar à base é uma coisa subir e caminhar no cocuruto da cabeça é bem diferente. O tamanho das pedras ou rochas que formam ou se acoplam à cabeça, bem maiores, significam desafio para as mãos nuas e para os pés se apoiarem em fendas. É preciso esforço adicional e quem for mais ágil deve subir primeiro para lá de cima dar apoio ou às mãos para quem está ainda embaixo e quer subir. Desafio maior ainda quando essas pedras estão lisas e escorregadias pela água da chuva. Às vezes se acha que não vai se conseguir.
Existe toda uma mística entorno da Pedra da Gávea. Existiriam inscrições em um dos lados da cabeça, à esquerda para quem a vê de frente.
A cabeça da Pedra da Gávea. Fonte: http://www.alemdaimaginacao.com.
O local das inscrições. Fonte: http://guiaviajarmelhor.com.br/os-misterio-da-pedra-da-gavea/.
As inscrições. Fonte: http://guiaviajarmelhor.com.br/os-misterio-da-pedra-da-gavea/.
As inscrições encontradas na “cabeça” da Pedra da Gávea teriam sido escritas em fenício arcaico, cuja tradução lida da direita para a esquerda, feita por pesquisadores, diriam: “Tyro Phenicia Badezir Primogênito de Jethbaal”, se referindo a dois irmãos como “gêmeos”, filhos mais velhos de Badezir, Rei Fenício por volta de 856 antes de Cristo, segundo o Guia Viajar Melhor, mais outras fontes abordam de forma semelhante. Essas inscrições junto com algumas ânforas achadas na Baía de Guanabara comprovariam que os fenícios já tinham estado no Brasil bem antes dos portugueses.
Depois de muito esforço e ajuda mútua, os seis conseguiram alcançar o topo da cabeça da Pedra da gávea. Foi uma emoção indescritível: a altura em que se estava, ver a cidade toda iluminada, o vento, uma emoção superior, uma alegria. Uma visão maravilhosa e sem chuva e com abertura para um céu de estrelas. Algo maravilhoso, terno, belo, eterno.
De repente a cidade do Rio de Janeiro se apagou, blackout geral. Os seis se entreolharam e não entenderam nada. Mas a cidade apagada permitia ver mais longe no horizonte escuro, só iluminado pela lua e as estrelas. Cidades distantes que não sofreram o apagão podiam ser vistas com nitidez. Também alguns relâmpagos podiam ser admirados ao longe. Estavam sozinhos naquela noite na Pedra da Gávea.
Já começavam a escolher em que parte da cabeça iriam se deitar, curtir a noite e descansar, e veio uma lufada de ar mais frio, uma mudança nas emoções, o céu se fechou, as nuvens se movimentaram e uma tempestade os amassou.
Juntaram as coisas e se apressaram para descer da cabeça, visando buscar algum abrigo, a chuva caía forte, relâmpagos se movimentavam. Entre a base e o topo havia uma gruta, se esconderam lá. Se arranjaram como puderam, sentando em alguns cocurutos de pedra, muito próximos e meio tortos, quase se tocando, porque era tudo muito irregular para se ficar. O barulho da tempestade era forte, gotas pingavam nas cabeças deles, estrondos e claros iluminavam o esconderijo. Um pequeno riacho se formou aos pés deles, por onde escorria a chuva. As faces das pedras, rochas, já estavam sendo lavadas. A maioria estava meio acocorada, entretanto Ele deixara uma perna esticada, com o pé na água. Então um relâmpago tocou a cabeça da Pedra da Gávea.
Fim do Segundo Capítulo (25/05/2017).
Nota: Esta não é uma obra de ficção tendo sido baseada em fatos reais.
"
"
"
TERROR NA PEDRA DA GÁVEA
(Prólogo)
Robson José Calixto
Imagem da Orla da Zona Sul do Rio de Janeiro,
com a Pedra da Gávea ao Fundo, à Esquerda. Fonte: Pinterest.
Ele entrou para o Grupo Jovem PAC (Participação e Ação na Comunidade) em 25 de setembro de 1976. Esse Grupo foi formado ao final da década de 1960 em uma comunidade de freis Carmelitas Descalços, na Matriz-Basílica de Santa Teresinha do Menino Jesus de Praga, na Mariz e Barros, no bairro da Tijuca, bem em frente ao tradicionalíssimo Instituto de Educação, das famosas normalistas do Rio de Janeiro. Não por acaso a orientadora e preceptora do Grupo era também professora do Instituto. O Grupo foi criado em plena ditadura, mas permaneceu intacto e sem vigilância pela forte orientação teológica ofertada, pela ligação da orientadora com a Cúria da cidade do Rio Janeiro, bem como por ela ser irmã de um Almirante.
Imagem de Santa Teresinha. Foto: RJC.
Interior da Igreja de Santa Teresinha, no bairro da Tijuca, RJ. Foto: RJC.
Ele entrou não por causa da religião, até porque vinha com diferentes influências esotéricas e familiares, além de outras experiências espirituais, que o colocava numa região como um “mestiço”, em sangue, em cor de pele, em cabeça e em influências.
Ele entrou, sim, por causa de uns lábios carnudos, de uns olhos verdes enigmáticos e de uma alegria contagiante de uma mineira chamada Tania Brandão. Só que ela foi e ele ficou, normalíssimo para os ensinamentos cristãos, quando uns vão para as festas e pelos amigos e ficam pelo chamado de Jesus, o Cristo. Mas a relação dele com a Santa Teresinha começou bem mais cedo, quando foi pajem no casamento de sua Madrinha de batismo naquela igreja, quando ainda era muito criança. Ele sempre achou que desde aquele dia a Santa o capturara para ela.
O Grupo tinha a tradição de fazer “escaladas” dos picos da cidade, o da Tijuca, o do Papagaio, entrando pela Floresta da Tijuca, para dormir lá em cima e ver o sol nascer. Também subiam a Pedra Bonita para ver o sol nascer e o pessoal saltar de Asa Delta de lá. Não eram escaladas, na verdade seguiam por antigas trilhas e córregos na mata e pedras. Saíam no sábado à noite e voltavam no domingo pela hora do almoço. Subiam geralmente umas quinze pessoas, entre rapazes e moças, iam conversando, passavam por carros que serviam de Motel das Estrelas, e chegando lá em cima, quase ninguém dormia, admirando o céu, conversando, comendo um lanche e se assustando com cachorros que apareciam de repente. Viviam, para eles, um tempo romântico, tranquilo por aquelas matas e florestas. Tudo era muito seguro, o que deixaria de ser com as décadas de violência que seguiriam à frente e a com onda de hedonismo. Mas ver o sol raiar daquelas alturas e a cidade acordar eram cenas inesquecíveis e prazerosas, o Grupo também era muito unido, apesar de algumas diferenças que existiam e, mesmo, pequenas rixas devido a competições pela atenção e o amor de alguma garota ou, ainda, antipatias – não existe empatia integral.
Apesar das desconfianças e resistência inicial à sua entrada, porque não tinha os mesmos conhecimentos teológicos dos outros, oriundos de famílias de posse, nível cultural bem elevado e pais bem posicionados profissionalmente, alguns já com ligações à sociedade ecológica e humanista americana Sierra Club, ele foi aos poucos sendo aceito, possivelmente pela sua entrega e vontade de aprender e algumas mães se afeiçoavam muito a ele, pois era gentil com elas.
Bairro do Maracanã. Imagem: Google Earth.
Algumas noites, quando acabava as reuniões do Grupo Jovem e ninguém tinha algo para fazer, ele ia para a casa de pedra da família Cardozo, na rua Conselheiro Olegário, no bairro do Maracanã, bem ao lado do estádio, menos de cinco minutos a pé. Todos eram vascaínos nessa família bem grande, de muitos filhos e filhas, primos e primas, tios e tias. Ele ia junto com outros membros do Grupo, que tinham gente bem alta, por volta de 2,00 m ou acima, como era o caso de Harrison, Davi, Roberto Rozo (já falecido), Baixinho, entre outros, e ficavam jogando War com Tarcísio, Marquinho e Zeca da família Cardoso, entrando pela madrugada. Dava fome e comiam tudo que tinha na cozinha e na dispensa da casa, imagina um bando de caras na faixa dos seus 17 a 20 anos, que fome tem.
Os Cardoso tinham um aparelho de som maravilhoso, com headfones bem modernos e de som limpo. Quando ele perdia no War e esperava pela próxima rodava, sentava no chão e se recostava em uns almofadões e começava a ouvir alguns LPs disponíveis. Foi ali que começou a admirar as melodias e letras de Pink Floyd, Focus, Procol Harum, entre outros. Isso complementaria seu gosto musical que tinha herdado de um primo, que gostava de ouvir Uriah Heep, Black Sabbath, Led Zeppelin, Creedence e the Who.
Todos estavam de férias na faculdade ou na escola e o tempo naquele sábado tinha sido maravilhoso, lindo, sem chuvas. Rodada de War começa, termina, um sai e outro volta ao jogo, de repente alguém deu a ideia:
“- Que tal a gente subir a Pedra da Gávea amanhã?
- Bora, bora, bora! A gente liga para o pessoal do Grupo e marca o encontro, pegamos um ônibus até São Conrado e de lá subimos!”
Ao menos dois da família Cardoso conheciam a trilha. As famosas “Águas de Março” do Rio de Janeiro só chegariam em março e eles estavam em janeiro. Os que não moravam ali foram para as suas casas e pela manhã começariam os telefonemas e as confirmações. Alguns dos contatados achavam que estava muito em cima, outros preferiam para a segunda-feira, todos estavam de férias mesmo. Mas o dia estava lindo, iriam no domingo mesmo. Escolheu-se um ponto de encontro onde todos se encontrariam, com exceção de Alena, que já morava pela região de São Conrado.
Ele arrumou sua mochila, colocou algo para comer e beber, uma muda de roupa e rumou para o ponto de encontro. Chegando lá, além dele, só apareceriam Tarcísio, Marquinho e Zeca da família Cardoso e Hudson Alcântara, irmão do Harrison e da Helen. Se entreolharam, “Vamos ou não? Vamos!” Pegaram o ônibus para São Conrado e lá encontraram Alena.
Pedra da Gávea. Fonte: Wikipédia.
Ela já morara mais próxima da Igreja, todavia mudara. Era uma moça branca, de cabelos louros lisos curtos, bem bonita, de corpo bem feito, sensual e atraente. Ele a conhecia pouco, mas os demais muito. Cumprimentaram-se e seguiram para a Pedra da Gávea, montanha de mais de 840 m, uma das maiores do mundo à beira-mar.
Logo no início da subida ele percebeu que aquela não era um a caminhada comum, tendo mais cara de escalada ou rapel mesmo. Só que eles não tinham qualquer equipamento para esses tipos de atividades, como mosquetão, corda ou uma bota de maior aderência. Outro problema: o vento sudoeste entrara rapidamente, com suas nuvens escuras e sensação de frio, começando a chover fino e parava, voltando sol aparecer. O terreno começou a ficar a escorregadio.
Havia um pedaço do caminho que era bem estreito inclinado, chamado de “terra preta”. Se alguém escorregasse dali, lá embaixo era só precipício. Tinha-se que passar com cuidado. Zeca, Tarcísio, Marquinho passaram e deram uma força a Alena. Então ele começou a fazer a passagem com as mãos se apoiando na parede de terra e se espremendo naquele caminho estreito. Hudson era o último. Foi quando ele escorregou.
Fim do Primeiro Capítulo (18/05/2017).
Nota: Esta não é uma obra de ficção tendo sido baseada em fatos reais.
REFLEXÕES SOBRE A SÉRIE “13 REASONS WHY”
Robson José Calixto
Nas últimas semanas, tenho lido algumas crônicas sobre a série da Netflix, produzida pela cantora Selena Gomez, aparecendo em posts nas primeiras páginas de jornais e sites de mídia, nas colunas sobre entretenimento.
As chamadas dessas matérias focam a série como enredo sobre um caso de “bullying” na escola. Ver, entender e locar a série como esse estereótipo é de profundo reducionismo. A série começa abordando um ato de suicídio, mais vai muito, além disso. É sobre sexo, gênero e estupro. É sobre as fragilidades humanas, sobre calar-se e não procurar ajudar ou procurar e não plenamente explicitar os fatos e as verdades para se alcançá-la. É sobre querer falar a verdade, a tua verdade e na querem ouvir, preferindo se ficar com a própria interpretação sobre os acontecimentos, apesar de existirem informações assimétricas.
A série é sobre preconceito, vaidades – A Fogueira das Vaidades -, sobre ostentação, relações de poder. Muito do que acontece nas escolas americanas e se reproduz nas brasileiras. É sobre o mundo da internet imperando sobre a vida real, sobre as relações reais, criando um mundo virtual, de sentimentos virtuais, descolado da vida como ela realmente é, de seres humanos imperfeitos, que tem corpos, ilusões, utopias, sonhos, desesperos, mentiras, segredos, de pessoas que sentem inveja, amam e se odeiam, contudo, precisam se sentir abraçadas, acarinhadas, seguras.
Parece que na Nova Zelândia estão proibindo a série para menores de 18 anos. Penso que a série serve de alerta e muita reflexão para adolescentes, educadores, orientadores educacionais, pais e autoridades com a legitimidade do uso da força.
A série em seu ritmo poderia ser mais dinâmica; os capítulos poderiam ser menores, mas é boa. A personagem principal, Hanna, é frágil, complexa, fraca, insegura, vítima e algoz. Seu par, Clay, tímido, inseguro, gente boa e meio nerd. Os dois são cercados de “amigos” egocêntricos, fingidos, mentirosos, mal resolvidos, de personalidades enviesadas e prepotentes. A atriz não é tão bonita assim, todavia tem um quê interno que a torna atraente e nos conquista. O ator tem problemas para expressar facialmente o que sente, precisando de maior confiança em sua expressividade.
O capítulo final deixa ganchos excelentes ao menos para mais um ano da série. Os mortos sempre falam, não importa o tempo que passar.
"
DESCAMINHOS DAS ÍNDIAS – XIII
(Final)
Robson José Calixto
Finalmente o check-in abriu. Naquele momento a sala de espera já estava bem mais cheia. Quando os passageiros foram chamados para embarcar o especialista sentiu que finalmente tudo aquilo acabaria. Os calafrios vinham e voltavam. A barriga estava estufada de gases. Suava. Precisa urgentemente de ir ao banheiro. Muito tempo segurando as suas necessidades fisiológicas.
As portas se abriram. Passaporte e ticket do voo checados. Ainda lhe restavam algumas rupias; ficou com elas como lembrança. Entrou e colocou suas bagagens de mão no compartimento acima dos assentos e rápido procurou o banheiro mais próximo, sem se importar se iria empesteá-lo ou não. Tudo ficou voltou a ficar em paz.
O voo da Air France foi tranquilo até Paris. A comida mais equilibrada. Algumas imagens e alguns diálogos vivenciados naquela semana voltavam e martelavam a mente dele. Passou um filme com todos os problemas e acontecimentos: o tumulto em Paris na vinda, a perda de conexão em Mumbai, o ônibus-fantasma, o camareiro hindu no quarto no Hotel Cidade de Goa, o pessoal comendo carne sem saber a origem, a dança com as suecas em Mangalore, a italiana na feira de Anjuna, a linda Brâmane, o sapato caramelo, as pessoas que ficavam vigiando as ruas de dentro dos seus apartamentos, o bebê escondido no sári da hindu que pedia ajuda no trânsito de Mumbai, a perseguição nas escadarias do Aeroporto de Deli e a profilaxia que vira na sala de espera. Iam e voltavam, iam e voltavam em sequência meio desordenada.
Questionava-se sobre o porquê de ter se sentido tão mal naqueles dias. Sentia-se ainda perturbado, com as energias vitais impactadas, oscilantes. Seria algo atávico? Não era normal tudo o que sentira. Procurou esquecer. Sentia-se cansado. Dormiu e atravessou com seu sono o fim de noite e madrugada, continentes.
O voo aterrissou por volta das 07 horas da manhã no Aeroporto Charles de Gaule. Sua conexão para São Paulo partiria somente por volta das 21 horas. Precisava achar algo para fazer nesse tempo longo de espera. Não conhecia Paris, só o aeroporto. Decidiu por dar uma volta na cidade, mesmo não sabendo falar francês.
Como não precisava pegar as malas despachadas, com sua mochila rumou para a imigração. Explicou em inglês que gostaria de conhecer a cidade e que o voo dele só iria partir bem tarde. Perguntou como poderia chegar ao centro de Paris. O atendente lhe explicou que havia um ônibus à saída do desembarque que o deixaria bem perto do Arco do Triunfo.
Saiu e se dirigiu ao guichê do ônibus, comprando uma passagem de ida e volta. O atendente lhe explicou onde o ônibus parava e os horários da volta, lhe fornecendo adicionalmente um encarte com a indicação dos vários terminais do aeroporto e mapa com a posição aproximada das principais turísticas da cidade.
O ônibus partiu praticamente vazio. Era janeiro de 2002, a seguir à derrubada das Torres Gêmeas de New York, e ainda estava muito cedo. Se sentiu feliz e excitado por ver o famoso Arco do Triunfo. Desceu do ônibus e observou a rotatória e as estrutura de ruas em raios com origem na Praça Charles De Gaule, o trânsito naquela manhã estava tranquilo naquela manhã, muito diferente do que vira em reportagens televisas sobre o lugar.
Rodeou o Arco do Triunfo, tirou muitas fotos. Admirou as esculturas. Pediu o transeunte para tirar uma foto dele. De lá rumou direto para a Torre Eiffel: vazia. Sim não havia filas para a Torre, as filas que sempre ouvira falar. Nos gramados dela também não tinha qualquer pessoa deitada ou tirando fotos. Tudo muito tranquilo e silencioso, sem burburinhos. Pagou o tíquete e subiu. Já lá em cima encontrou um grupo de meninas estudantes londrinas que estavam de excursão do colégio. Sem aglomerações pode tira muitas fotos e admirar a beleza da antiga cidadela. Os cenários estavam claros, sem névoas, só o vento um pouco mais frio que causava algum desconforto. Como não tinha com quem disputar a melhor posição para tirar fotos, passou um bom tempo por lá olhando tudo e conferindo com o mapa.
O especialista em frente à estatua de Carlos Mago, Notre-Dame, Paris, janeiro de 2002
Foto: RJC.
Desceu da Torre e foi para a Catedral de Notre-Dame, de tantas histórias, tudo a pé, o especialista sempre gostou de conhecer as cidades a pé. Entrou em silêncio na Catedral e logo viu a imagem de Sainte Jeanne Darc e, depois, de Sante Therese de Lenfant Jesus. Admirou as estolas, os cálices e âmbulas expostas. O presépio ainda estava montado. Fora da igreja observou no alto as gárgulas. Tirou foto em frente à estátua de Carlos Magno (Charlemagne).
Estava com um pouco de fome e observou que à direita havia um Café e Salão de Chá, o Aux Tours de Notre-Dame. Ao atendente vestido de dólmã, que trabalha em uma estrutura com fogão e chapas circulares, do lado de fora do Café, pediu um crepe ao Trois Fromages (Três Queijos). Ainda delicioso, o especialista acho que nunca comera um crepe tão gostoso.
Resolveu conhecer a famosa Av. des Champs Elysées, passando primeiro pelos Jardins des Tuileries. Fazia sol. Se sentia feliz. Passou por algumas boutiques com preços caríssimos. Poucos carros transitavam. Tinha a plena certeza que o ataque no 11 de Setembro de 2001 tinha realmente alterado a vontade dos turistas visitarem à Cidade Luz, com medo.
A fome lhe voltou e ele resolveu tomar um desvio para achar algum lugar onde pudesse comprar algo para comer. Encontrou uma padaria. Lá foi a primeira vez que viu os franceses carregando seus pães debaixo das axilas. Pediu uma baguete com atum e salada de alface e tomate, aproveitando para comprar uma garrafa de vinho francês.
Arco do Triunfo. Ônibus para o Aeroporto. Ficou um pouco apreensivo pois passava por diferentes terminais e não chegava ao seu, que era o último. Passou pelo embarque e vistoria com o seu cartão. Aproveitou o tempo que tinha para ir ao Free Shop onde comprou um Channel No. 5 para a sua esposa.
No avião sentou do lado de mulher. Com muitas horas de voo para o Brasil eles puxaram conversa. Ele contou que estava voltando da Índia e suas aventuras naquele país. Ela disse que não se espantava com que ouvia, pois também já estivera na Índia. Ela contou que fizera uma viagem à Índia de trem e na viagem precisou ir ao banheiro, tendo que passar pela cozinha. Ao passar por lá olhou um grande tonel com água e algumas verduras e frangos boiando, quando de repente veio à superfície um hindu que estava se banhando dentro do tonel. Ela tomou um grande susto e depois não comeu mais nada durante o resto da viagem naquele trem. O especialista ouviu aquilo meio cético, também não duvidou, mas não sabia se aquilo fora a verdade.
Finalmente Brasil. Passado algum tempo recebeu ligação do Alexandre Leal, Assistente do Programa GloBallast no país. O especialista contou suas peripécias na Índia, informando que decidira voltar antes e que acabou não conhecendo o Taj Mahal.
Alexandre lhe contou detalhes de suas férias na Índia e no Nepal. Disse que ele e sua esposa adoraram o Nepal, comprando itens ótimos bem baratos. Adicionou que tiveram problemas no Taj Mahal, compraram um sanduíche por lá e a esposa dele passou muito mal, tendo que ser hospitalizada com problemas intestinais, quase morrendo. O especialista disse: “- Mas Alexandre eu não avisei a vocês que lera no livro que comprei em Mumbai que era perigoso comer sanduíches, comida por lá, que uns dinamarqueses morreram ao fazer isso?”
Alexandre também contou que o casal fizera passeio de barco no rio Gânges. A esposa dele passava a mão nas águas do rio quando tocou em algo e viu que era um bebê morto enrolado num pano, o que lhe causou muito impacto. Alexandre explicou ao especialista que na Índia em regra os mortos são cremados em pira, mas mulheres grávidas e bebês mortos são enrolados em uma espécie de lençol e lançados ao rio.
O mais perto que o especialista chegaria da Índia seria o Irã.
Fim. (01 de maio de 2017)
Nota: Este não é um texto de ficção, mas baseado inteiramente em fatos reais, para uma realidade de janeiro de 2002.
OCULTO E ETERNO
Robson José Calixto
Me fala teu nome oculto e eterno
Desvela o véu e mostra o teu rosto e o teu sorriso
Sussurra palavras sagradas aos meus ouvidos
Sopra o teu espírito em minha boca
Impõe tuas mãos e abençoa meu peito e minha cabeça
Recita os cânticos, completa teus segredos
Pega a minha mão e me mostra o universo,
As estrelas e as nebulosas
Contesta as mentiras, partilhas as verdades
Fortalece as raízes, solta as borboletas
Deixe-me ver nos teus olhos a expansão do espírito
Conhecer mais a tua essência
Quero seguir caminhos contigo
Sem mais sentir a tua ausência
Riscar a noite com o arco-íris
Acender a manhã com a lua
Velejar terrenos, caminhar mares
Me protege, a vida é tão crua
Juntos somos do sol
A escuridão pode vir, espalha a tua luz
Eu te procuro pelo tempo
Minha alma, meu farol.
DESCAMINHOS DAS ÍNDIAS – PARTE XII
(Ápice)
Robson José Calixto
Sentou-se em uma das cadeiras da sala de espera de voos internacionais do Aeroporto de Nova Deli. Podia escolher qualquer lugar, pois estava sozinho, chegara cedo. Procurou se acalmar mais ainda do que há minutos se passara com ele e que nunca esqueceria. O especialista olhou para um lado e para outro, relaxou e deixou passar o tempo...
Um dos hábitos culturais, ou costume, de países árabes ou com influência islâmica é comer com a mão direita, usando-se muito essa mão para trazer alimentos à boca, sem utilização de talheres, por exemplo, quando se come com pão pita. Deixa-se a mão esquerda para limpeza do bumbum quando se faz o número. Daí, em alguns países, quando alguém é preso por roubar algo, corta-se a mão direita para que passe a comer e realizar a sua profilaxia anal com a mesma mão, a esquerda. O apertar das mãos é sempre com a mão direita, sendo substituído por beijos no rosto. Também não se deve sentar dobrar as pernas e mostrar a sola do sapato para os outros.
Também em alguns países, como no caso da Índia, até mesmo no Brasil para algumas pessoas, o hábito é se lavar com água ou duchinha, independente da disponibilidade de papel higiênico, daí haver a necessidade de haver de onde se recolha a água e a facilidade no seu uso para a profilaxia pessoal ou limpar as mãos.
... O tempo passou, a adrenalina baixou e ele começou a sentir vontade de ir ao banheiro. O da esquerda era dos homens, o da direita das mulheres. Entre os dois banheiros uma pia em estilo antigo tendo acima uma torneirinha, conjunto que lembrava muito as disponíveis em parques naturais onde existem nascentes e a água é disponibilizada aos visitantes, correndo muitas vezes bem frescas ou geladinhas, dependendo da época do ano.
O especialista levantou-se, carregando sua mochila, e entrou no banheiro dos homens. À esquerda uma bancada com torneiras. A bancada estava bem suja e meio quebrada. Testou as torneiras e nada de sair água. À direita dentro do banheiro observou compartimentos onde deveriam existir privadas. As portas estavam quebradas e sujas e um dado mau cheiro no ar, característico de fezes. O primeiro compartimento estava com a porta fechada, portanto ele não pode ver como era dentro. Seguiu em frente, avançou dois compartimentos e abriu. Observou a fossa, a encarou, na verdade era um banheiro com privada turca, daquelas que se sobe em cima e fica-se acocorado para se fazer as necessidades e que ele já vira bem mais novo quando andara por obras na cidade do Rio de Janeiro, fazendo estágio em Eletrotécnica. Só que a privada estava toda quebrada, cheia de fezes e era impossível subir em cima dela, já que não haveria como se sustentar ou se apoiar. As paredes do compartimento estavam com marcas de mãos e fezes, mãos passadas para se tentar tirar as fezes. Não havia água, não havia papel higiênico, só odor, mau cheiro e fezes no ar. Uma ânsia de vômito lhe subiu pelo estômago e alcançou o esôfago, em refluxo. O especialista segurou. Estava um pouco apertado e tentou outro compartimento: tudo igual.
E agora?! Repentinamente um hindu saiu do primeiro compartimento, mas não observou a presença do especialista, que se dirigiu ao compartimento que acabara de ser desocupado: tudo igual, mesmo cenário: sem água, a privada turca lotada de fezes, sem papel higiênico, marcas de fezes e mãos nas paredes, odor fétido no ar.
O especialista olhou em direção ao hindu, que acabara de tirar do bolso da calça um lenço e o espalmara na bancada das torneiras sem água. Então o hindu começou a dobrar o lenço e a redobrá-lo e arranjá-lo com uma pontinha mais pronunciada. Com essa pontinha o hindu começou a enfiá-la debaixo das unhas da mão esquerda, procurando “limpá-las” e tirar o excesso de fezes dos dedos e das unhas da mão esquerda. O especialista saiu do banheiro e sentou-se em um banco, resolvendo se segurar, mesmo que de vez em quando soltasse uns puns. Não dava para usar aquele.
O tempo passou mais ainda, o avião da Air France não chegava, estava atrasado. Outros passageiros começaram a chegar à sala de espera. Também chegou a sede. O especialista pensou: “– será que daria para beber água daquela torneirinha no meio dos dois banheiros?” Foi quando uma hindu saiu do banheiro das mulheres e parou em frente a pia e a torneirinha e começou a limpar os dedos e as unhas da mão esquerda com a água que vertia da torneirinha e caía na pia. Ele pensou e falou consigo mesmo: “- Não dá!!! Se eu beber posso me contaminar.”
Finalmente o pessoal da lojinha de serviços chegou. Já morto de fome e sede, resolveu comprar uma maçã e uma garrafa de água mineral, mas notou algo estanho e diferente na tampa da garrafa. Bebeu mesmo assim, sentindo-se seguro. Uma década depois veria o filme “Quem Quer Ser Milionário” e constataria que era uma prática na Índia pegarem-se garrafas plásticas de água mineral, enchê-las com água da torneira e depois fixar a tampa com cola, colocando-as para vender como se fosse o produto original, vindas de fábrica.
Ao iniciar da noite o avião da Air France chegou, bem atrasado. O especialista estava bem apertado, com calafrios e não via a hora de entrar no avião e correr para um dos banheiros e aliviar-se.
Fim da Parte XII. (22 de abril de 2017)
Nota: Este não é um texto de ficção, mas baseado inteiramente em fatos reais, para uma realidade de janeiro de 2002.
******
N. E. - Não sei por quê, tem nada a ver, mas, ao final dessa escatológica matéria, falando em amputação de membros superiores de larápios, lembrei-me desta machinha, de Cicinho Filisteu, Sucesso no Carnaval Pacotão/2005:
BLESS ME IN, BLINK!
Robson José Calixto
Forgive
Blink your eyes
Don´t chop me down
Don´t say anything
Just open the doors
Let me in
Waters, waters, waters
I´m figuring out how to pass through
Tracks, ways, lanes
Show me the right ones
Don´t hide yourself
From what you really are
Come back friend of mine
It´s real, I told you the truth
Live, live, live
Let the hair down
Cross the seconds
Don´t kill your half
Give a hug, smiles
Feel your body warming
Blood flowing and
Say my name, even whispering
Hate, hate, hate
You know I didn´t ask insurmountable things
I only asked you to tell me my mistakes
But you dind´t
Please, in your recollection
We used to chat
We were friend
I´m your friend still
Forget
Blink your eyes
Don´t chop me down
Don´t break the time
Just open your mind
Bless me in
Live, live, live
Let the hair down
Cross the seconds
Don´t kill your half
Give a hug, smiles
Feel your body warming
Blood flowing and
Say my name, even whispering.
Robson José Calixto – 20 de abril de 2017
DESCAMINHOS DAS ÍNDIAS – PARTE XI
(Fuga em Deli)
Robson José Calixto
Ele não estava se sentido bem, as energias e as experiências na Índia as estavam incomodando. A energia daquele mundo não combinava com a sua. Então tomou a decisão de antecipar sua volta para casa, antecipar sua viagem de volta. Nunca tinha feito isso antes e nem o faria depois. Tinha dias e tempo para ir, visitar e voltar do Taj Mahal, tão falado e aclamado. Simplesmente desistiu. O especialista disse para si mesmo: “- esquece!”
Começou a imaginar como faria isso. No dia seguinte, logo pela manhã, tendo em mente o fuso quebrado de 07 ou 08 horas e meia, procurou em Mumbai onde pudesse fazer uma ligação internacional custasse quanto custasse, pagaria, para sair dali tão logo possível. Achou um serviço de telefonia, entrou na cabine, discou os números e nada. Discou de novo e nada. Talvez estivessem no Brasil na hora do almoço. Deu mais um tempo e discou de novo o número que tinha. Finalmente o telefone atendeu. Era a atendente que conhecia, da empresa que tirara a sua passagem aérea. Então, a implorou que conseguisse um voo que o tirasse o mais rápido da Índia – nada contra o país, mas ambas as energias não vibravam em sintonia.
A atendente não entendeu, argumentou que falavam maravilhas da Índia, que era linda, com coisas interessantíssimas. Ele retrucou que ele não tinha tido boa experiência e só queria sair dali, por favor. Ela lhe falou que havia um voo da Air France saindo de Nova Deli para Paris no dia seguinte, logo após o almoço, por volta das 14 horas. Ele pensou: ótimo! Anotou na sua passagem os novos números dos voos e seus horários.
Arrumou as malas. Desceu à rua calçando sapatos pretos. O ascensorista olhou e dessa vez não ficou observando. Voltou à lojinha próxima ao Hotel Taj Mahal Palace, comprou seus salgadinhos e água mineral e direto para o hotel onde estava hospedado. Resolveu não sair mais até o dia seguinte. Mas começou a refletir sobre a sua viagem, de Mumbai para Deli, Deli-Paris, Paris-Rio e Rio-Brasília.
De repente algo lhe veio à mente que o deixou inquieto. Lembrou que naquele livro sobre a índia que comprara na sua primeira estadia, imprevista, em Mumbai, que era comum a simulação de ataques de gangues ao avistarem passageiros estrangeiros em táxis. O motorista do veículo dizia que precisava desviar do seu caminho, em particular à noite, para desviar desses ataques, dando volta na cidade com passageiro, de forma que a tarifa saísse bem mais cara. Não tinha jeito, o especialista tinha que se arriscar.
Na manhã seguinte acordou, pagou a conta e pediu que lhe chamassem um táxi para o Aeroporto de Mumbai. A conexão lhe permitia que chegasse por pó volta das 10 horas no Aeroporto de Deli e por lá ficaria até a saída do voo da Air France para Paris. Em pouco tempo o táxi preto com a parte superior de amarelo quase mostarda chegou.
Partiram, trânsito caótico. Muitos carros na rua, o pior eram os cruzamentos. Em um deles o táxi ficou parado por um tempo, devido a engarrafamento, então se aproximou uma mulher hindu, com seu sári lindíssimo em tons amarelos, marrons e dourados, pedindo esmolas. O especialista olhou, achou estanho ela se arriscar no meio daquele trânsito, quando de repente ela levantou a lateral do sári e lá havia um bebê dormindo, aconchegado ao corpo da mãe. Ele ficou impactado, meio sem chão, pegou rapidamente parte das rúpias que ainda tinha com consigo e deu à mulher.
A viagem seguiu em frente. Aeroporto. Check-in. Uma mala despachada, outra de mão, até que meio grandinha. Fila da imigração. Dessa vez mais esperto sobre a ansiedade dos hindus. Voo para Deli. Chapati, ficou com as frutas.
O avião pousou e agora, para onde iria? Perguntou aqui e acolá, com esforço entendeu que deveria pegar um elevador até a altura da rua e depois subir uma escadaria que o levaria até o embarque. Qualquer coisa era perguntar ao pessoal das companhias aéreas.
Pegou as suas duas malas, se dirigiu ao elevador e desceu. Quando as portas se abriram um monte de gente aglomerada na saída, esperando passageiros. Teve dificuldade para sair. Sentiu um calafrio no corpo. Olhou ao redor e observou dois caras de tez mais clara e de turbantes, se entreolharam. O especialista caminhou se desvencilhando das pessoas que obstaculizavam sua passagem. De relance viu que um dos caras de turbantes tocou com a mão ombro do outro e meneou a cabeça na direção do especialista e se moveram. O especialista acelerou o passo, olhando para trás, vendo os dois caras de turbantes caminharem em sua direção. Ele olhou adiante e viu a escadaria e não titubeou a alçou em passos largos, quase correndo, a escadaria em degraus duplos, carregando as suas duas malas. Os dois caras vieram trás, meio assustados com a agilidade do estrangeiro. O especialista com a adrenalina lá em cima e ofegando chegou ao topo da escadaria, quando viu uma seta com placa apontando para as companhias aéreas estrangeiras. Correu para lá, entrando em um corredor em curva, não muito bem iluminado. Disparado deu de cara com um senhor de aparência europeia que o perguntou em inglês para onde ia. Ele falou que estava procurando alguém da Air France e que estava fugindo de dois caras de turbante que estavam ao seu encalço desde que descera para a área de embarque. O europeu disse para o especialista entrar na sala próxima, justamente da Air France, e ficar lá, que verificaria o que estava acontecendo. Voltando indicou que não vira ninguém, provavelmente os dois tinham ido embora. Pediu para olhar os bilhetes do especialista, que explicou a mudança nos voos e horários. O funcionário d Air France checou em seu terminal os dados, dizendo que estava tudo ok e que o especialista deveria se dirigir ao terminal de embarque ao lado e esperar seu voo.
Mais calmo, o especialista pegou suas bagagens, caminhou pelo corredor, de uma olhada para fora, antes de se atrever a sair. Tudo livre. Caminhou por um pátio e entrou pelo terminal do Aeroporto de Nova Deli. Observou que não era muito grande e que só tinha um local, bem simples e pequeno, para comprar algo para comer ou beber.
Sentou em uma das cadeiras. Olhou ao redor. Era o primeiro no terminal. Não seria o último e nem imaginava o que estava para testemunhar ao longo das várias horas que ficaria por ali.
Fim da Parte XI. (16 de abril de 2017)
Nota: Este não é um texto de ficção, mas baseado inteiramente em fatos reais, para uma realidade de janeiro de 2002.
REGULUS & ALDEBARÃ
Robson José Calixto
Um sol azul, outro em chamas
O espaço entre nós, sabemos a razão
Um abraço e nada mais
Big Bang! Tudo começou então.
Mundos distanciados que pulsam,
Filhos repudiados que sonham.
Um olhar ao infinito,
Saudades da terra
Corpos quentes que se bastam
Em união proibida.
Arcos cintilantes, vozes que clamam
Explosões, um silêncio surdo
Amizade eterna interrompida.
Passagens nebulosas, fechos de energia
Regulus e Aldebarã,
Gigantes do nosso céu
Hoje, por que amanhã?
Estende a mão, rasga o véu.
Uma imagem flutua diante dos olhos,
Palavras sussurradas nos ouvidos,
Espectro visto, um Anjo ao lado
Raios atravessam o halo, em um agora
O tempo, a morte, não demora.
E a semente das crianças, esses novos seres
Contemplarão novos planetas, galáxias
Terão novos prazeres.
O fulgor azul, as chamas ocre-avermelhadas
Contarão nos genes o equilíbrio divino,
Entre eu e você, sem medo, o fogo aceso,
Em outro tempo adiante, preces, viagens siderais, palavras
Vidas reconectadas.
Brasília, 15 de abril de 2017 – Robson José Calixto (Leonino com ascendente em Touro)
DESCAMINHOS DAS ÍNDIAS – PARTE X
(A Perseguição em Mumbai)
Robson José Calixto
Ele seguia de novo para Mumbai. O evento em Goa acabara e aproveitaria o tempo livre e espera por conexões para tentar conhecer o Taj Mahal tão falado. Deixava a cidade decepcionado com o que vira em sua visita sobre o que restara da Igreja em homenagem a São Francisco de Assis.
Igreja de São Francisco de Assis, em Goa. Foto: Robson José Calixto.
No voo iogurte e chapati (Oops!) entre as opções de serviço de bordo. Dessa vez estava sob sua própria conta e reservara hotel bem no centro da cidade. Seria a segunda vez em poucos dias que estaria pela segunda vez em Mumbai.
Já conhecendo a “rotina” daquele aeroporto e onde localizavam-se os serviços de transporte, rapidamente recolheu suas malas e pegou um táxi marrom e amarelo-quase mostarda.
De novo multidões andando de um lado para o outro, pessoas acocoradas olhando para um horizonte hipnótico. Outras cortando cabelo, vendendo lanches, necessidades em um cantinho. Viu de novo o barraco com um monte de vasilhames de agrotóxicos estocados no telhado. Trânsito caótico, talvez um pouco melhor do que um dado cruzamento em Teerã, Irã.
Finalmente no hotel, cercado por lojas de tecidos, ambulantes e prédios que precisavam de reforma e pintura nova. Ficou para mais tarde dar uma volta no quarteirão. Precisaria achar algum lugar também para almoçar e comprar algo para mais tarde.
Fez o check-in e pegou o elevador com ascensorista que escaneou o especialista de baixo para cima e de cima para baixo. O especialista se sentiu incomodado com aquele olhar investigativo tão demorado enquanto o elevador subia.
Quarto. Cama. Sem gorjeta para o ascensorista que ficou esperando na porta. Entrou no banheiro para se aliviar porque estava apertado e imediatamente observou a torneirinha dentro box. Afinal para quê essa torneirinha no box, igual a do Hotel Cidade de Goa. Para quê? Tinha pia com torneira, chuveiro, papel higiênico, toalha... Para quê?
Descansou um pouco e depois chamou o elevador para descer até à rua. De novo o ascensorista o olhou como em um movimento de ventilador, de baixo para cima, de cima a baixo. O especialista de novo incomodado pensou: será que o ascensorista é... O especialista franziu o rosto e movimentou o corpo para demonstrar seu incômodo.
Saiu à rua e rapidamente o cheiro forte das especiarias chegaram aos seus sentidos. Açafrão, curry, cardomomo, canela, aniz, pimenta entraram pelas narinas e o tomaram. Muita comida servida ali mesmo na calçada próxima ao hotel em que se hospedara. Eram carrocinhas com panelões ferventes, pratos, colheres. Muitas carrocinhas. Uma feira e muita gente que circulava a pé, de bicicleta. Algumas, como antes já vira, faziam as suas necessidades fisiológicas por ali mesmo. Um perigo.
Resolveu não se arriscar com aquela comida. Atravessou a rua, entrou e circulou pela loja de tecidos. Achou que os tecidos que comprara em Anjuna eram melhores. Resolveu dar uma volta no quarteirão, mas sentia-se observado. Olhou para cima, em direção às janelas dos prédios próximos e nada.
Entrou em um restaurante/bar, sentou e pediu um peixe com arroz. Demorou um pouco e a comida lhe foi oferecida acompanhada de uma colher grande. Solicitou garfo e faca. Comeu um pouco, pagou e saiu. Ainda estava com fome. Pensou o especialista: “- Será que não tinha algum lugar com comida mais próxima a dele?”
Voltou para rua e se deparou com aquele monte de gente caminhando, num sentido e no outro. Dirigiu-se ao hotel e de repente percebeu que havia um grupo de hindus o seguindo. Acelerou o passo e olhou para trás e os hindus continuavam a acompanhá-lo e olhavam para baixo, na direção dos seus pés. Primeiro se preocupou se seria assaltado, depois se questionou: “- O que estava havendo? Por que o ascensorista começara a observá-lo a partir dos pés? E esse grupo de dez pessoas, por que olhavam tanto para os pés dele?”. Finalmente entendeu, estava usando um sapato de cor caramelo e provavelmente os hindus nunca tinham visto igual àquele e por serem muito curiosos e não terem o que fazer, seguiam o especialista hipnotizados pela beleza do sapato novinho e estiloso.
Taj Mahal Palace. Foto: Robson José Calixto.
Acalmou-se e entrou fortuitamente em uma loja de souvenires, também para se livrar dos que o seguiam. Ficaram de fora. Os itens não eram muito baratos. Viu uma miniatura de Ganisha, todavia preferiu comprar peças de madeira de “Buda Feliz”, que daria para a sua mãe e a retomaria após a morte dela, e de elefante com condutor sentado sobre cadeirinha acima da cabeça da miniatura colorida do paquiderme.
Portal da Índia. Foto: Robson José Calixto.
Pagou e saiu. Rapidamente tomou à direita, entrando na avenida principal. Deparou-se com centenas de pessoas rumando de um lado para o outro. Um lado da calçada num sentido e o lado oposto no sentido contrário. Chegou até a frente do Hotel Taj Mahal Palace & Tower Mumbai, na Apollo Bandar, com design bem diferente e que seria alvo de ataque terrorista em 26 de novembro de 2008. Esse hotel fica do lado oposto do Portal da Índia, situado em uma ampla área aberta muito frequentada e que dá acesso a diversas pequenas embarcações que lá ficam ancoradas. O Portal é monumento-registro do período colonial britânico, datando de 1924.
Andando pela redondeza achou uma espécie de Lanchonete/Patisserie bem moderna e de abordagem européia onde pode tomar café, comer uns salgadinhos e levar outros para comer no hotel, o que seria seu jantar, acompanhado de água mineral. Tendo matado a fome, rumou para hotel. Continuaram a observar o sapato dele. Ufa, trocaram o ascensorista.
Tomou um banho e resolveu tirar uma soneca. Acordou, tentou planejar como iria alcançar o Taj Mahal (o Palácio) e resolveu olhar pela janela como estava a movimentação na rua. Estranhamente, mais uma vez, sentiu perscrutado, observado, o que o fazia se sentir mal. Pensou em voltar à janela mais tarde.
Comeu seus salgadinhos de frango. Bebeu água mineral. Apagou a luz e se aproximou da janela para espiar, mas sem abri-la totalmente. Então percebeu o que se passava e o que lhe impunha aquela sensação estranha. Da janela notou que na penumbra, às sombras das janelas, nas partes interiores dos apartamentos do prédio ao lado podia ver corpos se movimentando, cabeças e olhos mirando os transeuntes, os vizinhos, a rua, o comércio, verdadeiros vigias, sentinelas.
Essa vigilância era algo que o especialista já ouvira falar em filmes, mesmo Tomb Raider com Angelina Jolie, quando hindus ficavam escondidos entre rochas, espiando pelas fendas inimigos ou pessoas vindas de fora. Era um comportamento bem peculiar e que lhe trazia um tremendo mal-estar.
Então cansou da Índia, do que já vira, do que sentira por lá, das energias, dos aromas, por tudo o que vivenciara e ocorrera naqueles dias. Tomou uma decisão, contudo isso não o livraria do que ainda estava por vir.
Fim da Parte X. (10 de abril de 2017)
Nota: Este não é um texto de ficção, mas baseado inteiramente em fatos reais, para uma realidade de janeiro de 2002.
SOBRE CAVALOS E SACRIFÍCIO
Robson José Calixto
Sei sobre cavalos.
Cavalos não sabem amar,
Sabem ser companheiros.
Não se dão totalmente,
Só amostras do que são realmente.
Cavalos não são domados, se entregam.
São obedientes e dóceis, enquanto quiserem.
Gostam de ser cavalgados e de cavalgar,
Se os soltamos, são o que puderem.
Sexo é mergulho,
Prazer inúmeros, continuado.
Sentem-se livres presos e
Presos querem ser livres
São assustados, fugidios
Sibilo pode ser trovão
Ou provocação.
Gostam de ser cuidados,
Têm dificuldades para cuidar,
Mesmo quando cuidam.
Em grupo podem ser individuais,
Entre indivíduos podem ser coletivos.
Olham como não olhassem,
Usam a força como beijassem.
Irmão são momentos,
Pai é ligação, mãe geração,
Vida é correr, viajar extensão.
Filhotes são tudo,
Pais podem ser passagem,
O tempo não é um continuum,
É mensagem.
Amigos para sempre
Inimigos também,
Mesmo quando não o são.
Têm ânsia de arrancar as raízes,
Que os prendem às origens.
Inseguros, belos, sensuais
Existem cavalos de água, de fogo, de metal,
De madeira, de terra
Não importa, radicais
A sentença erra.
Alguém é sacrificado
A verdade não serve,
Serve a interpretação,
E se afastam da essência,
Das partes que lhe dão sentido.
Preferem união sem felicidade,
Felicidade não é para cavalos,
Cavalos querem segurança,
E sendo o que são se perdem.
Querem amar na oportunidade,
Por um tempo,
Não o tempo todo,
Cavalos são cavalos,
Galopam, silenciam,
Amam na possibilidade.
"
DESCAMINHOS DAS ÍNDIAS – PARTE IX
(A Italiana em Anjuna)
Robson José Calixto
Foi-se a noite de dança com as lindas suecas. Finalmente o evento no Instituto Oceanográfico de Goa acabara, o grupo teria uma tarde livre. O especialista em poluição marinha combinou, então, com o Assistente do Programa GloBallast para o Brasil, Alexandre Leal, e a esposa dele almoçarem juntos e depois conhecerem a feira de Anjuna (pronuncia-se Anjuná), que ficava a uma pequena distância ao norte do hotel Cidade de Goa.
Escolheram um restaurante que parecia mais uma casa, perto da rua Dona Paula (isso mesmo, lembre-se que Goa foi colonizada por portugueses). Pediram um peixe, mas como outras comidas na Índia o sabor nem sempre é o esperado pelos ocidentais, assim não comeram muito dele, preferindo mais a salada e o arroz.
Seguiram então para Anjuna. Passaram na rua por uns elefantes grandes guiados por seus adestradores e chegaram à feira que era bem perto da praia. Observaram logo mulheres levando cestas sobre as cabeças vendendo frutas. Algumas crianças brincavam na água do Oceano Índico e alguns adultos adentravam na água com as próprias roupas, vestidas até o pescoço.
Foto: Robson José Calixto.
Foto: Robson José Calixto.
O lugar era uma mistura de feira e circo, com equilibristas, vendedores de incenso, frutas, especiarias, tecidos – uns mais bonitos e mais coloridos que os outros e a preços bem razoáveis. O especialista comprou alguns desses tecidos, sendo que virou um vestido de grávida que serviria na gestação dos seus dois filhos, mantendo a sua qualidade e viço.
Foto: Robson José Calixto.
As mulheres hindus chamavam muito a atenção tanto quanto o aroma do cardomomo e o curry no ar. Seus sáris, seus diversos piercings e elementos de adereços (cordões, pulseiras, brincos) distribuídos por narizes, orelhas, pulsos, pescoços e pés. Algumas com lenços nas cabeças se assemelhando a ciganas, com suas vestes, seus ouros e elegância.
Na feira tudo era estranho, ao mesmo tempo que fascinante, trazendo sensações de tempos antigos, de algo que se reproduz desde Alexandre o Grande, que se espalha da Ásia para a África, é levada à Europa e chega à América.
Foto: Robson José Calixto.
A esposa de Alexandre resolveu olhar de perto os encantadores de serpentes, sentados no chão em cima de tecido de algodão rústico, tocando suas flautas e serpentes saindo de pequenos cestos. Parecia que se estava em um filme antigo, talvez “Gunga Din”, “Ghandi”, “Passagem para a Índia” ou algo assim. Os hindus ofereciam as serpentes para serem acariciadas a pequenas colaborações em dinheiro.
Os três andavam pela feira, em sua rua principal, de chão batido, quando de repente ouviram uma fala com sotaque italiano e olharam naquela direção, sentindo um impacto. Era uma mulher italiana, branca, de rosto avermelhado pelo sol, de cabelos pretos, linda e de biquíni vermelho, de duas peças. Isso mesmo, em plena comunidade que se distingue, em regra, pela timidez e respeito nas relações sociais entre homem e mulher, que é muito pudica no vestir, mas que coletivamente cometiam estupros, movia-se uma mulher quase desnuda, de vestimentas mínimas e seios fartos que se pronunciavam.
Os hindus, homens e mulheres, paravam o olhar e o desviavam. Se comportavam como diferentes, todavia não olhavam mais como a italiana não existisse, não estivesse lá.
Verificou-se depois que a italiana estava acompanhada de outro italiano que tirava fotos. O casal e o especialista olharam a cena mais uma vez e partiram de volta ao hotel Cidade de Goa. O especialista levava em sua cabeça questionamentos: “- que louca! Sem noção! Não tinha medo, ou respeito!?”
Chegando ao hotel os três se despediram. O casal faria um trajeto pela Índia, passando pelo Taj Mahal e o rio Ganges, e seguindo para o Nepal. O especialista alertou-os que lera no livro sobre a Índia, que comprara em Mumbai, aviso de que se tomasse cuidado com a comida ou sanduiches servidos no Taj Mahal, pois poderiam estar contaminados. O livro falava de que turistas dinamarqueses haviam comido uns sanduiches por lá, passaram mal e morreram. O casal não daria atenção ao alerta do especialista.
Fim da Parte IX. (02 de abril de 2017)
Nota: Este não é um texto de ficção, mas baseado inteiramente em fatos reais, para uma realidade de janeiro de 2002.
DESCAMINHOS DAS ÍNDIAS – PARTE VIII
(Nirvana em Mangalore)
Robson José Calixto
O romeno Dandu Pughiuc era o Chefe do Programa GloBallast e tinha um assistente australiano chamado Steve Raaymakers. O especialista em poluição marinha e Steve não se davam muito bem, vivendo às turras. Quando o especialista chegou ao Hotel Cidade de Goa Steve não estava, tendo sido informado que ele saíra com algumas suecas que conhecera ao chegar à Goa. Como assistente ele chegara antes de todos para organizar o evento, confirmar reservas, a infraestrutura cedida pelo Governo da Índia etc.
Mais um dia no Instituto Oceanográfico de Goa, palestras, sala de computadores, discussões, decisões sobre o Programa GloBallast etc. Tudo na rotina, mas Steve havia organizado um jantar para os convidados estrangeiros (Brasil, China, Ucrânia, África do Sul, Irã, Reino Unido, França) na localidade e praia de Mangalore, ao sul de Goa. Dessa vez um ônibus bom veio nos pegar. De novo Steve não apareceu para ir junto com a gente.
O jantar seria em um restaurante na beira da praia, tendo sido fechado só para os convidados do GloBallast. Era uma estrutura aberta, de bambu e madeira, algo bem praiano, em transado, sobre a areia, de tom mais escuro. Tinha um cara que botava som de boate, dance e ritmos caribenhos e flamencos, mesmo alguns zouks, que era uma delícia nos ouvidos do especialista e transmitia ondas de vontade de dançar no corpo dele, afinal frequentara dança de salão e se esmerara para dançar muito bem esses ritmos.
A comida já estava disponível sobre as mesas, a grande maioria frutos do mar, todavia com excesso de gordura, anéis de lula, peixes, bivalves, polvo, além de algumas saladas. O especialista pegou algum pouco de salada e um pouco de peixe, achando que iria ficar com fome e a noite seria bem chata. Olhou para o mar escuro, trocou algumas palavras e algumas conversas com o pessoal do GloBallast, que já apresentava cansaço pelos dias diretos em palestras e muita atenção no inglês.
Finalmente Steve chegou e trazia com ele cinco suecas que conhecera em Goa, uma mais bonita que a outra. Loiras, brancas, de olhos bem azuis ou esverdeados claros. O especialista pensou: “- de onde Steve tirara aquela mulherada? O quê elas estavam fazendo na Índia?”.
O especialista não se aproximou imediatamente das suecas, até porque estavam com Steve, e eles não se davam muito bem. Com o tempo, no entanto, começou a conversar com uma delas. Então começaram a ser tocadas músicas dos Gipsy Kings, que o especialista gostava muito. E saiu tão natural: “- quer dançar comigo?”. E os olhos azulados profundos da sueca brilharam, dizendo: “- OO.., Ok!”. A resposta dela insinuava que não esperava muito, talvez nunca mais esquecesse aquele brasileiro que conhecera em Mangalore.
Foram para a pista de areia, ambos de tênis, e o especialista tomou-a pelo braço e a guiou por aquelas músicas e ritmos que misturam sangue, suor, sexo, intimidade, intensidade, virilidade e paixão. Ela adorou, só que as outras quatro que ficaram de lado se sentiram enciumadas e o especialista percebeu isso nos olhos e no movimentar dos cabelos delas, dando sinais que também queriam estar ali e se envolver nos movimentos circulares, trançados dos braços, chicotes, movimentos de cabeças, aproximações corporais. De repente o esepcialista dançava com duas, trocava, voltava à primeira e os olhos das loiras parecem estrelas que iluminavam a noite.
E Steve olhou, estava sozinho e o especialista estava sozinho com elas, se entreolharam... Talvez Steve estivesse espantando pela desenvoltura do brasileiro na pista de dançar e atração que tivera na noite. O especialista já estava um pouco cansado e não queria aumentar a tensão, então disse para as suecas pararem um pouco e beberem e comerem algo. A noite foi passando e acabando e a hora de se despedir chegou.
As pessoas foram rumando para o ônibus e quando o especialista também seguia até o veículo, Steve o chamou de lado, dizendo que ele e alguns outros do evento e as suecas estavam também partindo, em outro automóvel, para o Hotel Cidade de Goa, para terminar a noite em um dos apartamentos, e que elas tinham pedido para o especialista também ir para lá. O especialista disse: “- Ok, I’ll think about”.
Partiram, e o especialista viajou no ônibus e chegou ao seu apartamento pensando “Vou ou não vou?”; “O que acontecerá naquele apartamento”.
O especialista brasileiro já era casado há algum tempo, com compromissos interpessoais, tinha bases morais e religiosas bem sólidas. Resolveu não ir, ficou no seu quarto, colocou o pijama e foi dormir. Também lembraria para sempre aquela noite com as suecas mais lindas que conhecera ao longo da sua vida, e não seriam poucas, pois o destino o levaria um dia até Malmöe, Suécia. Aquela noite seria o seu Nirvana na Índia, uma lembrança boa de onde levaria tantas marcas.
Fim da Parte VIII. (25 de março de 2017)
Nota: Este não é um texto de ficção, mas baseado inteiramente em fatos reais, para uma realidade de janeiro de 2002.
DESCAMINHOS DAS ÍNDIAS – PARTE VII
(No Instituto Oceanográfico)
Robson José Calixto
Passado o susto com o Camareiro do Hotel Cidade de Goa, dia seguinte café da manhã, encontrar o restante do grupo, pegar um miniônibus, que logo de cara o motor não quis pegar, mas acabou dando tudo certo, e rumo para o Instituto Oceanográfico de Goa, onde ocorreriam palestras sobre o problema da transferência de espécies nocivas e patogênicos por meio da água de lastro de navios. Lá encontrou Eduardo Novaes, Secretário de Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, na ocasião.
Abertura do evento, com muitas saudações e arranjos de flores com a presença da Flor de Lótus. No almoço salada, peixe, arroz, iogurte e o já conhecido e temido chapati. Formaram-se duas filas e as pessoas iam se servindo, de repente ele viu o seu Secretário caindo de boca no chapati, Ele correu até o Secretário e se estabeleceu o seguinte diálogo:
Ele: “- Secretário, esse pãozinho crocante é o chapati, é um “pouco picante”, cuidado!”
Secretário: “- Eu sei, já conheço e está uma delícia. Estou acostumado com coisas picantes, vou pegar até mais um”.
Ele: “- Então tá, vou pegar algum doce”.
Circulou, conversou, viu o que podia comer, os sabores da comida não lhe agradaram muito, a não ser a sobremesa. Tomou um pouquinho do iogurte. Então o Secretário se aproximou e disse: “- Bem que você me avisou. Estou sentindo uma queimação uma azia. Já tomei um remedinho para ajudar, mas não está passando”. Por sorte o seu subordinando ainda tinha uns comprimidos de Pepsamar e isso fez com que a queimação do Secretário diminuísse. A segunda vítima do chapati.
Na parte da tarde mais palestras até acontecer o intervalo. Sentiu vontade de ir ao banheiro masculino do Instituto. Entrou e acho-o bem simplórios. Observou que não tinha papel higiênico junto a nenhum dos sanitários. Contudo, em cada um dos cubículos sanitários havia uma torneirinha fixada na parede. Lembrou imediatamente da torneira que vira no Box do seu quarto no hotel. Também sem sabonete líquido na pia. Fez xixi e saiu para as palestras que faltavam.
De noite haveria um jantar de confraternização no Hotel Cidade de Goa. Pediu peixe e outras pessoas pediram carne. Todos os pedidos chegaram, peixe ou carne, muito grelhados, escuros. Começou a comer, até que não se aguentou e perguntou, em inglês, ao chefe do Programa GloBallast, Dandu Pughiuc: “- Dandu, se a vaca é sagrada na Índia, que carne é essa que vocês estão comendo? Porque eu pedi peixe.” Dandu olhou para o seu prato, olhou para os pratos ao lado que também continham carne, respirou, deu de ombros e voltou a comer alegremente sua comida. Nunca soube o que comera aquela noite.
Dia seguinte de volta ao Instituto. Voltou ao banheiro para se aliviar. De novo sem água e sem papel higiênico. Então perguntou a sua amiga Lynn Jackson, da África do Sul: “- Are there toilets rolls in the female toilet?”. Lynn respondeu: “- Eu tenho passado esses dias me segurando, sem poder ir ao banheiro. O banheiro das mulheres está todo quebrado, sujo, sem papel higiênico e sem água. Simplesmente não dá para usar.”
Essa situação lhe traria muitas lições e aprendizado até o final da visita à Índia. Algo que nunca mais iria esquecer.
Fim da Parte VII. (19 de março de 2017)
Nota: Este não é um texto de ficção, mas baseado inteiramente em fatos reais, para uma realidade de janeiro de 2002.
DESCAMINHOS DAS ÍNDIAS – PARTE VI
(O Camareiro)
Robson José Calixto
Durante o voo para Goa, além da Brâmane, a atenção dele se voltou para sons e palavras familiares que lhe chegavam aos ouvidos, não do casal que conhecia, mas de uma família de quatro pessoas falando português de Portugal, bem puxado, que reparara ainda ano aeroporto de Mumbai e que sentara próximo dele. Ele lembrou que Goa fizera parte do Estado da Índia, tendo sido a capital do Vice-Reinado a partir de 1510 e o Governo português teve autoridade nas terras sob sua possessão no Oceano Índico, desde o sul da África do Sul até o sudeste da Ásia, vindo a se fragmentar no século XVIII e ainda mais com o avanço em inglês já em meados do século XX. Ele pensou que se aquela família se dirigia à Goa então permaneciam por lá descendentes das diversas gerações de portugueses que se estabeleceram e a dominaram a região. Bom saber.
Goa, finalmente! Um pequeno ônibus, melhor que o “fantasma” de Mumbai, mas sem ser uma maravilha, pegou os passageiros que se dirigiam ao Hotel Cidade de Goa, próximo à praia de Vainguini, de terra e águas escuras, na ocasião.
Hotel Cidade de Goa. Fonte: Booking.com
Ao primeiro olhar o Cidade de Goa seria um grande condomínio, um luxo se comparado ao hotel que ele ficara em Mumbai. Arejado, de móveis e sofás relativamente confortáveis, amplo, afrescos nas paredes. Fez o check-in, recebeu as chaves e dirigiu-se ao quarto designado para ele. Começou a abrir as malas para já colocar algumas roupas no armário, necessaire. Tirou o porta-dinheiro e colocou em cima de uma de suas malas abertas. Tirou mais umas blusas e calça jeans para se sentir mais confortável. Fazia calor. Foi até o banheiro e lá pela primeira vez observou que havia uma torneira dentro box onde se toma banho. Questionou: “- para quê essa torneira, será que recolhem água dela para lavar o banheiro e o quarto?”.
Foi arrumando os pertences e roupas, as malas estavam uma bagunça. Então lembrou que não perguntara na recepção se o pessoal que iria se encontrar para irem juntos até o Instituto Oceanográfico de Goa deixara algum recado ou marcara alguma coisa. Como ainda não trocara de roupa, saiu do quarto, trancou a porta e foi até a recepção. Lá lhe informaram que os colegas do evento saíram, foram dar uma volta pela cidade e voltariam mais tarde.
Ok. Não demorou a conversa. Dirigiu-se rapidamente ao quarto, observando mais uma vez os afrescos nas paredes, cenas do cotidiano hindu e que contavam histórias sobre como fora o contato com os portugueses e com os asiáticos. Vários homens portugueses usavam bigodes nas pinturas.
Então abriu a porta do quarto e deu de cara com um hindu dentro dele mexendo nas suas coisas. Imediatamente veio à mente o camareiro que ficara o observando no hotel em Mumbai. Uma fagulha o fez lembrar o que lera no livro (Lonely Plant, de 2001 – Saris, swamis & maharanis) sobre a Índia que lá comprara, de que os indianos têm o habito de ficar observando as pessoas. No mesmo livro lera que turistas viajando em Goa, e outras partes da Índia eram roubados quando deixavam os quartos com pertences. Gelou e suou frio ao lembrar que deixara em cima de mala aberta o porta-dinheiro, com algumas notas de dólares em espécie e o resto em travellers cheques.
O hindu também se assustou. Olhou para ele e mudou de cor, ficando sem fala. Ele perguntou, em inglês, o que ele estava fazendo ali. O camareiro respondeu que estava vendo se tudo estava bem, só que o quarto estava todo arrumado e organizado. Ele olhou para as malas abertas, bagunçadas. O camareiro saiu velozmente. Ele remexeu na mala, por sorte, o porta-dinheiro escorregara e ficara no meio de blusas e terno, não conseguindo ser visto superficialmente. Ele sentiu um alívio. Se o tivessem pego ficaria sem qualquer dinheiro, além de cartões. Notou que o camareiro abrira as janelas do quarto, as escancarando – elas não estavam assim, estando na altura do térreo facilmente alguém entraria por ali. Fechou-as, ligou o ar-condicionado.
A tensão diminuiu. O jorro da adrenalina foi regredindo. Agradeceu a Deus por ter voltado rápido para o quarto. Desde então nunca mais deixaria um quarto de hotel sem levar o porta-dinheiro e sem fechar as malas.
Fim da Parte VI.
Nota: Este não é um texto de ficção, mas baseado inteiramente em fatos reais, para uma realidade de janeiro de 2002.
"
"
VIAGEM A MAGA
Robson José Calixto
O rosto
Um olho
Sorriso significa nada, ilusão
Toque na superfície
Longe de revelar o coração.
Viagem longa, acidentada
Desafiante, arriscada.
Mão nas mãos, a benção
Beijo, a gratidão
Não beijo, a aversão.
Não olho, o peito aberto
Um caminho, uma praia,
Palavras noturnas encantadas,
Madrugada adentro.
Duas metades, linhas que se afastam
Um homem, a Maga
Terra, o vento
Saudades do abraço, alento.
Nome solto no ar
A distância
Ouvido, o não ouvido
Palavra, a verdade
Ordem, o esquecer
Nunca mais
Igual a você.
Escondido um Serafim
Olhar para trás
Ver os sinais, não a beleza
Encerrada, muda
Calada, encadeada
Por que o Fim?
DESCAMINHOS DAS ÍNDIAS - PARTE V
(A Brâmane)
Robson José Calixto
E chegou o dia seguinte, pela manhã retorno ao Aeroporto de Mumbai para seguir viagem até Goa. A “carruagem fantasma” retornara para pegá-lo e lhe refrescar imagens da cidade, capturadas e nunca mais esquecidas, guardadas em compartimento da mente dele com um sinal amarelo de atenção. Como já fora apresentando ao mundo real indiano, muitas daquelas imagens já não o chocavam mais.
Entrou na fila do check-in no saguão e observou que os indianos não têm muita paciência para se posicionar nas filas, tendendo a ficar muitos próximos da pessoa que está na frente, em outro país seria considerado quase um assédio, mas é seu jeito de ser, apenas.
Passou o check-in e encontrou na sala de espera Alexandre Leal Neto, Assistente do Programa GloBallast, acompanhado de sua esposa. Ele pensava que o casal já estivesse em Goa porque tinham partido antes para a Índia, vindos do Rio, mas também tiveram problemas com a conexão, só que as coisas para eles ocorreram de forma mais normal, sendo destinados a outro hotel. Ao final do evento de Goa seguiriam viagem pela Índia até o Nepal.
Foram chamados para o embarque, sendo dirigidos até uma porta, depois escada e então para uma sala não muito grande, no nível do chão, onde estava posicionada estrutura de detector de metais. Primeiro as bagagens de mão revistas e num continuum o detector, só que a estrutura era diferente, com traves de madeira, com sacos parecendo cheios de areia recostados nas traves. Para passar no detector era preciso ultrapassar um degrau, quase um obstáculo. Ultrapassado todos os passageiros não foram conduzidos imediatamente para o avião, permanecendo por ali, mais adiante, em área fechada.
Decorrido um tempo então uma nova porta se abriu e os passageiros foram conduzidos a pé ao pátio do aeroporto para acesso ao avião. Todavia, antes disso, um grupo de soldados carregando armas parecidas com carabinas exigiu fila indiana e nova revista, nas bagagens de mão e uma geral pelo corpo, depois nova passagem em estrutura de detector de metais. Os passageiros estrangeiros se sentiram criminosos e os olhares dos soldados eram desconfiados. Duas vezes a mesma revista e a detecção de metais, em intervalos curtos e a poucas distâncias, ninguém entendeu bulhufas. Ele imaginou que a tensão presente entre Paquistaneses e Indianos pela região da Caxemira levasse àquele tipo de averiguação.
Finalmente foram-lhes permitidos a entrada e assento no avião. Mulheres vestidas de sári ou junto com acompanhantes masculinos de “khadi”. Muito burburinho antes da partida. Fazia calor. Então a atmosfera do avião mudou com a entrada de uma das mulheres mais bonitas que ele já vira, quer no Brasil ou em outros países para qual já viajara. Ela era morena como ele, com cabelos castanhos não muito claros e lisos e sedosos. Vestia sobre a cabeça com extensão sobre o pescoço lenço de seda fino, requintado. Os olhos delas não eram escuros como os que vira em Mumbai, mesmo no aeroporto, era de um castanho claro quase mel, possivelmente de uma das castas superiores da sociedade indiana, uma Brâmane. Se modos e movimentos e gestos eram graciosos e elegantes, parecia um ser de outro planeta diante de toda miséria humana que ele testemunhara na cidade de Mumbai.
O avião partiu e a imagem da Brâmane, sentada um pouco mais adiante da cadeira que ele ocupava, não lhe saiu da cabeça, um bálsamo.
Fim da Parte V.
Nota: Este não é um texto de ficção, mas baseado inteiramente em fatos reais, para uma realidade de janeiro de 2002.
"
DESCAMINHOS DAS ÍNDIAS - PARTE IV
(Mumbai – a Primeira Amostra da Índia)
Robson José Calixto
E a “carruagem fantasma” partiu do aeroporto para mergulhar na antiga Bombaim dos ingleses, Mumbai. Vai para cá, vai para lá, curva para cá e curva para lá e nada chegar no Hotel que a companhia aérea o destinou para pernoitar até o dia seguinte, partindo cedo de volta para o aeroporto e retomar a viagem até Goa, destino final.
Mas Mumbai não é qualquer cidadezinha da Índia, tem hoje cerca de 15 milhões de habitantes, sendo a maior e mais importante do país. Então há muita gente por lá, muita... e a “carruagem fantasma” o levou a conhecer seus detalhes.
Pelas janelas sem vidro ou quebradas ele observou as pessoas, quer dizer multidões, caminhando pelas ruas num sentido e no outro. Pessoas sentadas em cadeiras na calçada, cortando cabelo e fazendo a barba. Outras agachadas no meio-fio, fazendo suas necessidades fisiológicas, comendo entre tendinhas ou panelões assentados sobre fogareiros. O aroma de especiarias tão comum na índia no ar.
Numa praça ou algo sobro dela, dezenas de hindus sentados, ou melhor, empoleirados, olhando na direção da rua... do horizonte? Para os carros? Para o quê olhavam? O olhar fixo, às vezes parecendo baço, não, semivivo.
A “carruagem fantasma” seguiu por aquele trânsito caótico, com veículos precisando de manutenção, com vidros quebrados, lanternas quebradas, alguns bambas, carregando um montão de coisas, com peso em excesso.
Prédios antigos, parecendo com blocos de algum tipo de conjunto habitacional, só que depauperados, com lascas de tinta soltando, sujos. Alguns mais mantidos que outros, mas todos precisando de manutenção, um reviver. Ele questionou em sua mente se seriam ainda resquícios da colonização inglesa.
As centenas de transeuntes circulavam pelas ruas. Mulheres de tom de pele mais carbonado carregavam sobre a cabeça, em uma espécie de travessa na forma de pequenas bacias de vime ou juta trançada, pedras no tamanho de pequenos paralelepípedos, levados para compor o refazimento de meios-fios, ou coisa assim, próximo ao que restava de calçadas. Sob um sol forte trabalhavam e suavam, independente disso seus cabelos negros lisos brilhavam e seus saris eram lindíssimos, delicados, arrumados.
Outras varriam as ruas, meio curvadas, levantando ao ar, a terra o pó acumulado nas caçadas, nas ruas, utilizando-se de uma vassoura bem diferente das conhecidas no Brasil, quase um espanador em aba grande, de cabo mais curto, formado pela junção de fios vegetais amarrados. Essas vassouras são utensílios tipicamente femininos, associadas à veneração da Deusa Shitala, a das transições suaves e prosperidade.
Fonte: https://pt.dreamstime.com/.
De repente um barraco coberto por telhas de zinco, meio arriado. Em cima dele dezenas de vasilhames empilhados, em altura, talvez, duas vezes o tamanho da habitação. Ele reconheceu os vasilhames como aqueles utilizados no Brasil para transporte e aplicação de agrotóxicos. Sentiu um frio, um temor. Será que aqueles vasilhames teriam sido higienizados? Senão seriam um perigo para qualquer ser humano ter contato com seus resíduos internos. Lançados em corpo d'água... veneno.
Deusa Shitala. Fonte: http://gaatha.com/brooms-of-india/.
E o tempo passava e nada de chegar ao Hotel. Então, em inglês, lançou aos seus dois acompanhantes a pergunta: “- Quanto tempo leva para chegar ao hotel?”. Os dois olharam para ele. O condutor da “carruagem fantasma” olho para o garoto, que balbuciou: “- don't speak English”. Carácoles, ele estava viajando num ônibus todo ferrado, vendo cenas chocantes pela rua, longe do seu destino final, numa cidade desconhecida, indo para um Hotel que ele não sabia onde e com duas pessoas que não falavam inglês. Se algo lhe acontecesse ele é que estaria ferrado. Tentou controlar os nervos e ter paciência.
Após mais uma curva, volta, ele chegou a um prédio grande, que parecia um Hotel. Por fora não estava muito ruim. Esperava que pudesse descansar, comer algo.
Ele não tomou nota do nome do hotel. Perguntou ao recepcionista no balcão se se estava tudo incluído a ser pago pela companhia aérea. O recepcionista disse que sim. Foi conduzido ao quarto do prédio de vários andares. Tudo era atapetado. Sentiu mais forte o cheiro das especiarias indianas na instalação. O office boy entrou com as bagagens e parecia esperar alguma gorjeta, contudo, ele não tinha uma nota em moeda local. Tinha viajado com travellers cheques e algumas notas de dólar.
Despediu-se e entrou no quarto. A cama era grande, os lençóis com uma cor acinzentada. A luz não era forte. Da janela não via muita coisa. Quando chegara viu, perto da entrada, alguns itens para visitantes à venda. Resolveu descer, pois precisava de algo para saber mais sobre a cidade de Mumbai, sobre costumes e aspectos culturais, sobre Goa e Índia, afinal, tudo o que se passava era deveras inesperado.
Ao sair no corredor percebeu que estava sendo observador. Atrás de uma pilastra havia alguém. Notou que era um dos trabalhadores do Hotel. Voltou ao quarto e checou se estava tudo bem fechado. Voltou ao corredor. Seu observador mudara de posição, mas continuava por lá, firme e forte como as especiarias que dominavam a instalação.
No local de venda achou um livro de viagem sobre a Índia em inglês. Resolveu comprá-lo. Dirigiu-se à recepção. Não aceitava dólar, somente a moeda local, rúpias. Então teve que realizar câmbio para adquirir o livro. Sobraram rúpias. Foi alertado que na saída do país deveria prestar contas sobre o câmbio e que deveria guardar o recibo da transação – Opa, algo a se tomar cuidado!
Voltou ao quarto e percebeu que o observador estava próximo à porta do seu quarto. Cumprimentou-o. Entrou e verificando se tinha algo faltando. Não, deixara tudo trancado nas malas e nada por cima da cama ou criado-mudo etc.
Leu o livro, que muito lhe seria útil adiante, em sua viagem. Mais tarde desceu para comer algo no restaurante. Viu o chapati e correu dele. As comidas disponíveis tinham aroma forte das especiarias. Tentou um arroz e algo que se aproximasse com a comida ocidental. Não quis se arriscar muito. Subiu para dormir, descansar, preparando-se para a viagem de volta até o aeroporto em sua “carruagem fantasma”.
Fim da Parte IV.
Nota: Este não é um texto de ficção, mas baseado inteiramente em fatos reais, para uma realidade de janeiro de 2002.
DESCAMINHOS DAS ÍNDIAS - PARTE III
(NO AEROPORTO DE MUMBAI)
Robson José Calixto
Brazão Indo-britânico. Fonte: Wikipédia.
Não sei por que quando as pessoas pensam ou planejam viajar para a Índia acham que lá todo mundo fala inglês, talvez por causa da colonização inglesa há muito tempo (1858 – 1947). Todavia, isso está fora da completa realidade. Lá nem todo mundo fala inglês, em particular os indianos mais humildes. Já sabemos que o modo de pronunciar o inglês pelos hindus é muito particular, quiçá inusitado e em breve ele descobriria que o inglês de Sanjoy Chakrabarty, o Ponto Focal da Índia para o Programa GloBallast na Organização Marítima Internacional – IMO, devia ser perfeito.
Ele desceu do avião vindo de Paris, olhou para um lado e para o outro e nada de algum atendente para companhia aérea para dar informação do que aconteceria, pois perdera a conexão para Goa, seu destino final.
Tentou seguir as placas, preferindo seguir a fila caminhante que deveria estar atrás de suas malas ou deixar o aeroporto. Chegou até a esteira e olhou em volta e tudo lhe parecia estranho. Observou que os hindus saíam rápido e poucos ficavam para trás, com feições diferentes, inclusive a dele. Tudo era muito próximo, esteira, Alfândega, conferência de passaporte e vistos em uma área apesar de coberta, sem muitas barreiras, mas percebia e sentia os olhares de vigilância. Não era o que esperava, em termos de aparência e organização, para um aeroporto na Índia, já estava no ano de 2002 – nos dias atuais, pelas fotos disponíveis na Internet, o aeroporto melhorou muito.
Pegou a mala que despachara e seguiu para a Alfândega logo ali na frente, também puxando sua malinha de mão. Apresentou seu passaporte com visto para a Índia, perguntou em inglês bem razoável, buscando estabelecer um diálogo com o atendente:
“– Eu acabei de chegar do Brasil, perdi a conexão para Goa, o que faço agora? Onde é o balcão da companhia aérea?”
“–Xyzbjggk dlhjkdlllllhdsdfyyu vjopd[[[gfd nnjhhfduoop gfdsfokchmag!”
“– Hã?”
“– Xyzbjggk dlhjkdlllllhdsdfyyu vjopd[[[gfd nnjhhfduoop gfdsfokchmag!”
“– Hã?”
Ele não entendeu absolutamente nada! Mas como o atendente já tinha carimbado o passaporte e apontava com os braços para um corredor. Desistiu de perguntar algo mais, suando seguiu em frente com suas malas pelo corredor que, digamos, fazia-o perguntava onde tinha se metido.
De repente, percebeu que estava fora da área de desembarque e não tinha como voltar. Passou pela cabeça dele os pensamentos: o que faço agora? Não conheço a cidade. Não tenho um hotel reservado. Teria um lugar no saguão para passar as horas, descansar um pouco? Cara..., que enrascada!
Seguiu adiante e já percebera que tinha uns poucos hindus o seguindo, talvez também estivessem com problemas de voo. Finalmente se deparou com uma janela na parede do corredor que nitidamente precisava de cuidado e pintura. E perguntou e ouviu resposta que mal conseguiu entender:
“– Eu acabei de chegar do Brasil, perdi a conexão para Goa, o que faço agora? Onde é o balcão da companhia aérea?”
“– É aqui!”
Apesar de incrédulo mostrou seu bilhete aéreo e passaporte e o cara da janela, com roupas que nunca diriam que ele trabalharia em um aeroporto, sem qualquer identificação, começou a anotar em um papel os dados. Ele olhava para dentro da saleta e não reconhecia qualquer referência de um transporte aéreo. Computador? Telefone?
Os hindus que o acompanhavam no corredor se postaram ao lado dele, ouvindo a conversar. De repente não eram mais dois ou três hindus, já eram quase dez envolta dele, não era uma fila, mas uma aglomeração em frente à janela. Ele se preocupou puxou suas malas para mais junto dele, em frente às pernas. Pensou: “Cara, acho que vou ser assaltado!”
Então, esse novo atendente começou falar em um inglês semientendível apontando para fora do aeroporto, como dizendo que lá fora haveria um ônibus para o levar para o hotel! Ufa!...
Aglomeração o incomodava, procurou sair dali. Não fora roubado, depois aprenderia que aquilo se tratava de mais uma das características dos hindus: a supercuriosidade!
Deu mais alguns passos rápidos e estava fora do aeroporto. Atravessou a rua e parou em um lugar que aparentava ser uma parada ônibus. E esperou... Esperou... Nervoso e molhado de suor resolveu voltar “ao balcão janela” de atendimento. Perguntou se ela ali que ele tinha que esperar o ônibus, pois já tinha passado quase uma hora e nada. O atendente respondeu que sim. Ele ouviu, os hindus que já se aglomeravam também ouviram. Ele resolveu voltar ao que se supunha ser uma parada de ônibus.
Passada mais uma meia hora algo parecido com um ônibus, meio transporte escolar meio no formato de caixa de fósforo, e todo decrépito, parou um pouco mais frente, descendo um garoto descalço, com uma roupa toda suja, vestindo um short, talvez bermuda curta e fixando seu olhar para o visitante. Mais um pouco desceu o motorista pingando suor, também com a roupa suja, de chileno e vestindo uma camisa cinza quase preta, “ou não” como diria Caetano Veloso. O motorista tirou do bolso um lenço que era igualmente cinza, “ou não”, talvez fora um dia branco, e passou-o na testa.
O brasileiro olhou para aquele ônibus, um ferro-velho com a tinta toda descascada, pneus carecas, sujo, janelas quebradas, onde tinha janela. Olhou, olhou... Será?
Respirou fundo. Puxou suas malas e subiu na “carruagem fantasma”. Olhou para dentro. Era uma imundice só. O piso do ônibus era sujeira só, parecia que nunca havia sido feita limpeza nele. Os bancos além de pequenos, apertados e sujos, estavam todos rasgados, molas para fora. O banco do motorista também ferrado. Sentiu uma leve repugnância.
Ele voltou atrás, pegou suas malas, desceu do ônibus e foi até “ao balcão janela”, perguntando se aquele ônibus velho – um tremendo elogio! – Era o que o levaria para o hotel. A resposta foi que sim.
Resignado puxou mais uma vez as suas duas malas, subiu de novo no que restava do que fora um dia um ônibus, possivelmente para crianças, escolheu um menos pior do que restara de um assento e esperou...
A criança e o motorista subiram na “carruagem fantasma” e ônibus partiu, um pouco torto, entretanto, partira.
Daí em diante ele descobriria a verdadeira Índia, a real, aquela que Glória Perez glamorizara em sua novela “Caminho das Índias”, distante das ruas e do povão, mais próxima, ao seu sentir, a um grupo social de casta mais elevada. Era uma ficção, ele se envolveria e passaria no meio do mundo real cru.
Fim da Parte III.
Nota: Este não é um texto de ficção, mas baseado inteiramente em fatos reais, para uma realidade de janeiro de 2002.
DESCAMINHOS DAS ÍNDIAS – PARTE II (O VOO PARA MUMBAI)
Robson José Calixto
Fonte: Lonely Planet
Voar para a Índia é vivenciar outro mundo, outra cultura bastante distinta para quem não é hindu. Quando se viaja para os Estados Unidos, mesmo observando-se a elevação no padrão do serviço (diferentes sucos, bebidas alcoólicas, snacks, filmes e séries de TV), a transição é rápida, com poucos impactos, sendo que a adaptação pode até ser espontânea em razão da influência dos filmes do cinema, séries de TV e streaming. Para a Índia não. Inicialmente o tom da pele (evidenciada em dois fenótipos, um com tom mais carbonado e outro de tom mais amendoado, ambos de cadelos lisos, mesmo quando ondulados – eles de bigode) e as roupas vestidas por alguns chamam mais a atenção no voo, depois vem o linguajar, aspectos tradicionais morais e por último a comida servida.
Pintura de Gandhi, por J. L. Bhandari (1945)
Fonte: dailymail.co.uk
Muitos vestiam meia-calça e xale (“half dhoti and shawl”) de algodão (“khadi”) ao estilo de Mahatma Ghandi (1869-1948), mas que na verdade já era o modo de vestir dos camponeses indianos, fazendo-se reconhecer como próximo às causas prementes dos agricultores do seu país, bem como fomentando a pequena indústria caseira na produção de roupas simples e funcionais para o clima da região, apesar de ser trabalhosa (feita à mão) e custosa. Para alguns o “khadi” funcionava como símbolo de subversão do sistema político-econômico à época. Por outro lado, muitas mulheres usavam Sáris multicoloridos.
O falar do indiano é rápido e ao mesmo tempo tão caracteristicamente forte que influenciará o seu modo de falar inglês, tornando o seu entendimento bastante complexo. Só um ouvido há anos treinado ou nativo anglo americano também acostumado não terá dificuldade em entender sua pronúncia, cuja voz e sons saem “mastigados” pelas arcadas dentais.
O almoço/jantar estava para ser servido... que fome! Na bandeja, entre outros, iogurte natural – iogurte nessa hora? – e umas bolachas crocantes, com alguns queimadinhos na superfície, chamadas de “chapati”. Ele desprezou o iogurte e avançou sobre a cestinha de “chapati”, pegando uma, duas, três e mais outra... Inicialmente uma bolacha muito agradável, crocante, temperada e levemente apimentada... tudo bem. Um suquinho acompanhando. De repente ele sentiu como se um fogaréu tivesse sido aceso no seu estômago, se dirigindo às suas estranhas. Um ardor subiu pelo esôfago rumando em direção à boca. Uma forte azia se instalou. As chamas da picância consumiam o seu interior e se alastravam e continuavam. Começou a suar... Se remexeu na cadeira, fechou os olhos, pensou:
“– que pãozinho condimentado é esse?!”
“ – o que eu faço agora? Não estou me aguentando...”
“– o iogurte! Cadê ele?”
Tomou um pouco do iogurte de gosto amargo, mas não gostou muito... Então lembrou que havia trazido uns comprimidos de pepsamar. Mastigou logo dois, mas a sensação de ardência interior diminui, contudo não passara. Mais um pouco do iogurte. Ufa!... Começou a aliviar. Parou de suar. Lembrou de passagem semelhante em New Orleans, Estados Unidos, quando se excedeu em comida cajun.
Desde aquela refeição ele aprendeu a respeitar e tomar cuidado com a comida indiana. Aprendeu porquê sempre as refeições indianas são acompanhadas pum copo ou vasilha de iogurte: é para sublimar o vulcão no seu interior após alimentos picantes!
Ligaram o monitor de vídeo e começou a passar filme onde rapaz estava apaixonado por moça, que o correspondia, só que tudo se tornara um drama porque ele não tinha coragem de falar de sua afeição para o pai da moça. A mãe buscava intervir. O rapaz temia a reação do pai da moça. Então entravam cenas de música e danças, com bailarinos sincronizados. A iluminação tinha tons laranjas, nas vestes predominavam os tons dourados. Lenços voavam. As bailarinas se juntavam se afastavam. O enredo era tinha um quê de inocência, ingenuidade, que as novelas brasileiras há muito haviam perdido.
Foi vendo esse filme que o nosso viajante, em 2002, tomou conhecimento das produções de “Bollywood”, quando nada se falava disso no Brasil. Assistiu duas vezes o filme em sua viagem apara Mumbai.
E voo daria tempo de chegar a Mumbai sem perder sua conexão para Goa? Horas de voo e o avião não aterrizava. Tempo suficiente já fora gasto para chegar e nada. O avião não aterrizava. Parecia estar em círculos no ar, como se estivesse ganhando tempo ou esperando que outro avião decolasse para que ele pudesse descer e chegar até o “finger”.
Finalmente o avião iniciou sua descida. “Tomara que a companhia espere as pessoas que estão em conexão. Era a mesma empresa”. As portas se abriram. Demora na saída confusa dos passageiros. Chegada no saguão.
Pergunta em inglês a uma atendente: “– o voo atrasou, onde pego a minha conexão para Goa?”
Resposta: “– o voo para Goa já partiu há mais de meia hora! Mais informações após pegar as bagagens.”
Assim chegou a Mumbai e lá pernoitaria, sem conhecer qualquer pessoa. Sem estar preparado. Já perderia uma diária no hotel reservado para Goa. E lá em Mumbai começariam as primeiras perdas de suas referências originais e culturais, seus descaminhos.
Fim da Parte II.
Nota: Este não é um texto de ficção, mas baseado inteiramente em fatos reais.
DESCAMINHOS DAS ÍNDIAS – PARTE I (A VIAGEM)
Robson José Calixto
Foto: Membros do Programa GloBallast que estavam na Índia em janeiro de 2002
Nos primeiros anos da década de 2000 ele já estava muito envolvido e trabalhando com o Programa da Prevenção e Controle da Transferência de Espécies Exóticas por Meio da Água de Lastro dos Navios – Programa GloBallast. Esse Programa era de caráter internacional, envolvendo África do Sul, Brasil, China, Índia, Irã e Ucrânia e ele era o supervisor desse Programa no Brasil. O Programa Globallast era uma iniciativa que envolvia o GEF, o PNUD (New York) e a Organização Marítima Internacional – IMO.
A viagem para Goa, na Índia, estava prevista para meados de janeiro de 2002, visando conhecer as atividades do Instituto Oceanográfico indiano (“National Institute of Oceanography”), localizado nessa cidade, em relação então à água de lastro. Mas devem lembrar o que aconteceu no dia 11 de setembro de 2001, não? Foi nesse dia que terroristas comandados por Osama Bin Laden tomaram três aviões americanos, dentro do espaço territorial dos Estados Unidos, sendo que dois desses aviões foram utilizados como grandes mísseis para derrubar as duas Torres Gêmeas de New York, simplesmente transformando-as em detrito, pó, nuvem de poeira e armadilhas mortais para quem estava nos seus interiores e nas proximidades – muita gente morreu na ocasião. Daí, viajar de avião naqueles dias e meses seguintes era para corajosos e muita gente andou cancelando suas passagens ou adiando suas viagens como medo de sequestro, atentado, de tudo.
Fonte: Wikideaths.org
Todavia a viagem estava marcada e ele estava agendado para participar do evento e para conhecer, finalmente, a famosa e “hipnotizante” Índia, dos elefantes, de Ghandi, de Shiva, de Krishna, do Kama Sutra, das mulheres lindas de cabelos castanhos sedosos. De fato, nunca mais esqueceria dessa viagem e do que vivenciaria por lá. Ademais, todos os esquemas internacionais de segurança relacionados à aviação de transporte de passageiros estavam de prontidão.
Ir para Paris foi fácil, o vôo estava tranqüilo e com vários assentos vagos. Era só esticar o corpo, quase deitado, se cobrir e dormir. Assim, a chegada pela manhã cedo no Aeroporto Charles de Gaulle, em Paris, foi bem tranqüila. De Paris ele iria para Mumbai (a antiga Bombaim dos ingleses), em escala, e pegaria em seguida outro voo para Goa. Bem, tudo dimensionado, só que não esperava por um atraso de mais de 07 horas em Paris e muito tumulto na área de espera do aeroporto. Pouca explicação sobre as razões do atraso, muita gente acumulada, sem voucher para refeição (que começaram a ser entregues em cima da partida do vôo, não se conseguindo usufruí-los), banheiros cheios, sem lugar para recostar. Uma tremenda confusão. Além de muita gente de língua diferente, roupas diferentes e hábitos e comportamentos pessoais extremamente diferentes. Ele passou aquela manhã e início da tarde com um sanduíche de “Thon” (Atum em francês) numa baguete com alface e tomate para me alimentar, comprado com dinheiro pessoal, de loja de serviços que não ficava muito perto do portão de embarque na ocasião.
Lótus. Flor-símbolo da Índia
Mas finalmente o vôo para a Índia decolou. A partir daí muitas fantasias, imagens e arquétipos que ele imaginara para a terra de Ghandi, fundamentados em filmes e livros de histórias, começaram a ser abalados, destroçados, apesar de alguns terem sido comprovados. Uma versão real, sem floreios e quase “hardcore” da famosa novela de Glória Perez “Caminhos das Índias”, onde tudo era belo, charmoso e de tons laranjas. No mundo real, para o desespero dele, a sua passagem pela Índia teria a cor caramelo.
Mesmo com o grande atraso ainda daria para chegar em Mumbai e lá pegar o avião para Goa. No entanto, na cabeça dele martelavam perguntas e uma certeza: será que conseguiria? Se não der o que faria? Independente de qualquer coisa seria uma aventura.
A única pessoa que ele conhecia e que morava na Índia era Sanjoy Chakrabarty, o Ponta Focal da Índia para o Programa GloBallast, tendo-o encontrado muitas vezes nas reuniões da IMO. Sanjoy já assumira hábitos ocidentais, inclusive no que se refere a refeições, sendo um “bom prato” e gostava de vinhos. Se precisasse de algo contaria com o apoio dele? Será que conseguiria conhecer o Taj Mahal? Muitas perguntas, poucas respostas, diversas incertezas. O contato com a cultura e a civilização indiana começariam naquele mesmo voo.
Fim da Parte I.
Nota: Este não é um texto de ficção, mas baseado inteiramente em fatos reais.
"
O AMOR E A PAIXÃO PELO SUAVE – WHITE ZINFANDEL
Robson José Calixto
Quando se depara com uma garrafa de vinho Concha y Toro logo vem à mente: vinho chinelo! Todavia desde o segundo semestre de 2016 essa marca está vendendo no Brasil o vinho White Zinfandel proveniente do Condado de Mendocino, Califórnia.
Foto: RJC
Quando vi pela primeira vez a garrafa com os dizeres que provinha dos Estados Unidos e com líquido de tom rosé americano, estranhei: será? Mesmo assim resolvi comprar uma, para experimentar. Olha que eu tenho um pouco o pé atrás com vinhos californianos como os Chablis, que acho um pouco aguado, apesar de também venderem em garrafa na forma de decanter que eu aprecio. Bela surpresa para passar pelos dias quentes de verão dos primeiros dias de 2017.
Esse vinho é produzido a partir da cepa Zinfandel, sendo que logo após a primeira prensa são retiradas as cascas da uva, ficando-se com um líquido que é misturado a alguns sucos de frutas como melão e morango, nessa procedência, mas podem ser adicionadas outras frutas (pêssego) ou baunilha, como na marca Barefoot, até mais clara, lembrando bebidas a partir da melancia. Por não ser um vinho tão rebuscado quanto o rosé em sua produção, dizem que alguns torcem o nariz para ele, e acontecer que na busca de um vinho mais encorpado ter se obtido algo mais leve e menos seco, os primeiros produtores os venderam sob a denominação “White Zinfandel”, como se dissessem é quase um rosé, só que mais clarinho. Ora no mundo há espaço para todos, amores mais encorpados, amores mais suaves, amores mais rústicos, amores mais puros, amores que acontecem até sem querer, que te tomam. Assim foi que o White Zinfandel, mesmo sob um dado preconceito, até por quem não deveria tê-lo, se tornou uma paixão californiana, americana e, a seguir, do chamado mundo novo. Um sucesso de vendas.
O vinho White Zinfandel da Concha y Toro te toma de paixão logo no encontro das primeiras gotas do líquido sorvido com a língua. Equilibrado, nem seco nem muito doce, suave, levemente gasoso, de intensidade jovem, que te faz querer mais e mais. O buquê de jovialidade e sua cor rosácea de rubi claro e tons brilhantes transmitem a sensação das paixões fortes e de amores suaves, de desejos carnais, de volúpia e, igualmente, de tranquilidade, de paz, de querer estar perto. Na garrafa a cor se torna mais densa, tendendo vermelho do pêssego. O sabor do morango é bem pronunciado e permanece na boca, nos lábios, no hálito, no coração. Deve ser servido gelado, pode-se até dispor a garrafa nas prateleiras mais baixas da geladeira. Cai bem com saladas compostas por queijo mais rústico, azeitona e vinagre de vinho, carnes mais temperadas, salmão ou atum. Pode-se beber a qualquer momento, pois é refrescante. Graduação: 10.5%. Acidez baixa. Preço: bem acessível.
Foto: A. W. Anderson
A região do Condado de Mendocino fica no noroeste da Califórnia, sendo banhada pelo Oceano Pacífico, tendo um clima mediterrâneo marítimo. A cidade não é muito grande, mas é uma graça, assentada em um tabuleiro sobre penhascos, com pequenas lojas de artesanato e pequenos restaurantes, charmosamente decorados. Vale ser conhecida. Venta um pouco. Devido à sua beleza cênica é local de frequentes produções cinematográficas, como Karatê Kid Parte III, até porque Mendocino é cidade-irmã de Miasa no Japão. De San Francisco para Mendocino são umas duas horas de carro.
Foto: RJC
Se quiser saber mais sobre Mendocino e vinhos na Califórnia ou, mesmo, em Conneticut, adquira o e-book: http://www.saraiva.com.br/o-que-e-ser-americano-viajando-de-carro-pelos-estados-unidos-9241218.html .
"
"
"
"
VINHO MOELLEUX
Robson José Calixto
Foto: RJC
Vinho Moelleux significa "vinho mole", quer dizer suave, adocicado, em contraste a outros vinhos mais encorpados. Outro dia experimentei um vinho Moelleux, do tipo branco, um Baron D'Arignac, com as letras “BA” em alto relevo. Dizem que o Barão morava nos Montes Pirineus, em propriedade da família e começou a produzir vinhos ainda jovem, tendo nascido em 1649.
As uvas principais que compõem esse vinho são a Grenache Blanc e Ugni Blanc (Trebbiano na Itália). É um vinho refrescante, suavemente doce, não licoroso, frutado (notas de melão, de maçã), também é floral, de acidez equilibrada, agrada à língua, ao nariz e desce bem pela garganta, com 10,5 GL, dando uma sensação jovial, de conquista, de amantes sensíveis.
Na taça sua cor é amarelo-dourado, vibrante, lembrando champanhe. Na garrafa sua cor também muda assumindo um tom de amarelo um dado castanho que traz à memória pêssego.
Foto: RJC
Na noite que experimentei o vinho Moelleux, ele combinou muito bem com atum, vinagre de maça e o queijo de muçarela de búfala. Ao me deitar naquela noite persistia no meu paladar o sabor da baunilha que compõe os melhores sorvetes de creme, quer dizer agradabilíssimo (eu nada comera que tivesse baunilha naquela noite para ter em mim aquele sabor tão resiliente).
É vinho bem acessível o qual recomendo aos amigos e amigas experimentarem e valorizarem. Alguns poderiam dizer que é um vinho de mulher, como alguns bobos dizem, mas as mulheres sabem apreciar o que é bom, não?
MARCO POLO E OS 3 REIS MAGOS
Robson José Calixto
Fonte: http://www.farsinet.com.
Marco Polo, nascido em 1252, nos relatos sobre as suas viagens pelo Oriente conta que na Pérsia (atual Irã) encontrava-se a cidade de Sava (Saveh, 100 km a sudoeste de Teerã) e que dela partiram os três Reis Magos que foram adorar o Menino Jesus na manjedoura, em Belém-Efrata. Na cidade de Sava também se encontravam os túmulos dos três Reis Magos, lado a lado, com os corpos intactos, assim como barbas e cabelos.
Marco indicou que os três Reis Magos eram conhecidos por Baltazar, Gaspar e Belchior, e que a três dias de viagem de Sava existia um alcáçar chamado Gasalaca - o Castelo dos Adoradores do Fogo. “Conta-se que na antiguidade três reis dessa região partiram para adorar um Profeta que acabara de nascer e levaram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra, para saberem se Ele era um deus, um rei ou um mago. Se pegasse o ouro seria um rei terreno; o incenso, seria um deus, e se pegasse a mirra, então seria um mago”. Os Reis Magos seriam seguidores da religião de Zarathustra.
Próximos de onde o Menino nascera, o mais novo dos Reis deixou a caravana e foi sozinho conhecê-lo, verificando que era parecido consigo mesmo, pois, tinha sua idade e estava vestido como ele. Esse Rei Mago ficou assombrado. Um por um os Reis foram até o Menino, sucendo o mesmo com eles, e contaram a todos o acontecido e ficaram maravilhados. Os três Reis decidiram juntos verem o Menino, encontrando-o com tamanho e idade que lhe correspondia, itos é, três dias. Deram-lhe os presentes e o Menino aceitou todos e em troca ofertou-os um cofrinho.
Na viagem de volta os Reis Magos quiseram saber o que tinha naquele cofrinho, encontrando tão somente uma pedra; surpreendidos, perguntaram-se o que significaria aquilo, provavelmente “para serem firmes e constantes em sua fé”.
Ignorando ainda seu significado, os Reis Magos jogaram a pedra dentro de um poço e quando ela caiu um fogo ardente veio do céu, penetrando no poço. Os três ficaram, então, estupefatos e arrependeram-se do que tinham feito com a pedra, a considerando um talismã. Pegaram o fogo que saía do poço para levá-lo consigo e colocá-lo em um templo. “Desde então, esse fogo continua a arder e todos o adoravam como se fora um deus”.
Contaram a Marco Polo que os três Reis Magos eram originários de Sava, de Ava (Aveh, 20 km ao sul de Saveh) e de Gasalaca.
Nota: O presente texto foi escrito com base em Marco Polo. O Livro das Maravilhas. A Descrição do Mundo. L&PM Pocket. 2009.
A CRENÇA NO ESCUDO DE FORÇA INDÍGENA
Robson José Calixto
Fonte: http://jadechabot.com.
Diversas tribos de índios americanos acreditam na Roda Medicinal e a utilizam para a sua proteção como um Escudo de Força, também conhecido como Apanhador de Sonhos. A Roda Medicinal tem origem desconhecida, mas tem servido como arquétipo, isto é, símbolo ou imagem primordial utilizada repetida e progressivamente de geração em geração, registrada no subconsciente ou chamada à nossa mente durante períodos de meditação ou nas relações interpessoais. Alguns colocam-na sobre a cama ou a penduram próximo à cama para proteção contra forças negativas ou pesadelos. A Roda Medicinal pode ser utilizada em cerimônias, aulas e sessões de terapia.
Lake-Thom (1997) ensina como fazer a sua própria Roda Medicinal, para se ter “um
símbolo e objeto de poder que reflete os símbolos e poderes escolhidos a partir da natureza”. As figuras e os símbolos heráldicos utilizados por famílias europeias na Idade Média teriam função similar.
A Roda pode ser feita a partir de pequenos galhos de árvores secos, todavia flexíveis, e couro; se houver desenho e pinturas, pode ser feita em papel cartão ou lona. Deve-se pegar o galho e dobrá-lo na forma de um círculo, amarrá-lo e colá-lo. Deve-se cortar um pedaço grande do couro e
colocá-lo sobre o aro formado pelo galho dobrado, então fazem-se furos no couro e amarra-o bem. A Roda pode ser, também, enfeitada ou o couro curtido.
Lake-Thom (1997) sugere que se leve a Roda Medicinal ou Escudo de Força “para algum lugar da natureza e se medite e pense sobre quatro símbolo, poderes ou arquétipos da natureza que lhe trazem algum tipo de apelo, ou poderes específicos que se experimentou fisicamente ou em sonhos”. Podem ser aves, cobras, insetos, répteis ou outros tipos de animais. “A Roda Medicinal deve ser dividida em quatro partes para representarem os quatro elementos, as quatro cores e os quatro poderes da Criação” (Lake-Thom,1997). Deve-se indicar (ou inscrever) um poder natural diferente para cada direção, no interior do círculo do escudo ou na sua parte externa; podem ser pendurados penas ou objetos que significam poderes especiais se quiser.
Fonte: https://br.pinterest.com.
Tem-se assim uma Roda Medicinal pessoal e um Escudo de Poder, “com duplo propósito e significado multifacetado”, de teor sagrado e de poder, “refletindo seus poderes e desejos pessoais com relação a espíritos guias e protetores”, que lhes acompanham ou são chamados para perto.
Como símbolo mental de desenvolvimento criativo e proteção, os índios e seus utilizadores solicitam que os Escudos de Poder os “protejam contra todo mal, sonhos ruins, má sorte, pessoas ruins e doenças”. Devem ser encontrados regularmente momentos para se sentar, meditar e olhar o Escudo e visualizá-lo mentalmente no interior das pessoas e ao redor delas, servindo como agente de conexão com a natureza, isto é, entre ela e o homem, entre o microcosmo e macrocosmo.
Fonte: www.slideshare.net.
Para Lake-Thom (1997), os povos têm se utilizado da Roda Medicinal como terapia para problemas mentais, físicos, emocionais e espirituais, para livrarem-se de feridas do passado, dor,
abusos, hábitos, violações e forças e símbolos negativos no subconsciente que desequilibram a vida,
substituindo-os por pensamentos e símbolos positivos, criativos, espirituais e de força. Oferece empoderamento e proteção para os que procuram reagir contra o medo, a vergonha, a insegurança e a baixo autoestima, devendo ser usado de forma apropriada e com respeito.
Nota 1: O presente texto foi escrito com base em Lake-Thom, B. - Spirits of the Earth. A Guide to Native American Nature, Symbols, Stories and Cerimonies. A Plume Book. 1997.
Nota 2: No meu Ebook “O Que É Ser Americano: Viajando de Carro Pelos Estados Unidos” (http://www.saraiva.com.br/o-que-e-ser-americano-viajando-de-carro-pelos-estados-unidos-941218.html), eu falo bastante sobre a cultura indígena americana e lugares nos Estados Unidos onde temas correlatos podem ser aprofundados.
O METEORO AINDA NÃO ATINGIU A TERRA
Robson José Calixto
Realmente não sei se tenho a ver com a história do meteoro, mas sei que quando estava lendo várias postagens de amigos no Facebook sobre como fora ruim 2016, com tantas mazelas e tragédias, brincando mencionei que o pior poderia ainda vir, quer dizer “o meteoro ainda nem tinha atingido a Terra...”. Até amiga me perguntou sobre que meteoro eu estava falando e expliquei que era aquele que todo mundo falava, que atingiria a Terra e a tiraria do eixo, e nunca chegava.
Bem, estava lendo a versão digital do Jornal “O Globo” na manhã do dia de hoje (11/12/2016) quando dei de cara com a matéria “Vem Meteoro” sobre a criação e o espalhamento da “#VemMeteoro” visão que para o ano de 2016 acabar “melhor”, purificando as tristezas, tragédias, frustrações, um meteoro deveria atingir a Terra, acabando com tudo.
Eu não inventei a história do meteoro. No próprio Livro do Apocalipse, no discurso escatológico, depreende-se que algo atingiria a Terra para tirá-la do eixo. No ano de 2014 visitei a Cratera Meteoro, no Arizona, Estados Unidos, lugar de registro de catástrofe natural que atingiu o planeta a 50.000 anos atrás. Lá existe uma Parede da Fama dos Astronautas (com o nome de todos os Astronautas que alçaram ao espaço) e réplica de Cápsula Apollo, bem como painel dizendo que esse tipo de impacto não é incomum, sendo crítico para a formação da Terra e de todo o Sistema Solar.
Cratera Meteoro, Arizona. Foto: Robson José Calixto
A Cratera Deixada pelo Meteoro que Atingiu a Terra, 50.000 Anos Atrás.
Foto: Robson José Calixto
Parede com Placas com o Nome dos Astronautas Americanos.
Foto: Robson José Calixto
O Centro aborda a origem do meteoro, sua composição, velocidade e como atingiu a Terra, além de comentar outros meteoros que também atingiram o Planeta, como o de Tunguska, na Sibéria, em 1908. No entanto, me chamou a atenção do meteoro de codinome “1990 AN 10”, que passará bem próximo da Terra em agosto de 2027. Daí, lembrando desse fato, é que quando as pessoas se lamentavam de como fora o ano de 2016, eu citava a possibilidade de as coisas piorarem, com um meteoro acertando a Terra em cheio.
Painel que Aborda a Distância que o Meteoro “1990 AN 10”
Passará da Terra, em agosto de 2027.
Foto: Robson José Calixto
Independente do humor meio negro, mesmo com todas as mazelas vivenciadas pela população brasileira no ano de 2016, acho, de coração, que não precisávamos piorar mais as coisas, de forma tão dramática. Acredito que estamos vivenciando ciclo de mudanças, de onde sairemos todos melhores.
Mais detalhes sobre a visita realizada à Cratera Meteoro podem ser encontrados em:
http://www.saraiva.com.br/o-que-e-ser-americano-viajando-de-carro-pelos-estados-unidos-9241218.html .
Fantasmas Chinook
Robson José Calixto
Fonte: http://indiancountrytodaymedianetwork.com.
Os fantasmas queriam uma esposa e levaram a índia Ioi durante a noite. Blue Jay, seu irmão, saiu à sua procura, perguntando às árvores e aos pássaros para onde iam as pessoas depois de morrer, todavia, eles não deram qualquer resposta.
Fonte: http://www.wilderutopia.com.
Blue Jay, na forma de pássaro, perguntou então o mesmo à cunha de ar, que exigiu pagamento para lhe dizer. Blue Jay pagou e foi levado até uma aldeia cheia de cabanas, às quais ele saiu abrindo as portas, verificando que todas estavam cheias de ossos. De uma cabana saía fumaça, nela encontrou Ioi, ao seu lado um crânio e mais ossos.
Quando Ioi viu Blue Jay, perguntou de onde ele veio. Ele disse que estava vivo, perguntando se ela estava morta. Blue Jay perguntou também o que ela faria com aquele crânio e com ossos que estavam perto dela, ao que ela respondeu indicando que era do marido.
Fonte: https://www.etsy.com.
Ao cair da noite, os ossos ganharam vida e Blue Jay perguntou a Ioi de onde eles vinham. Ela lhe explicou que não eram pessoas, mas sim fantasmas, recomendando que ele fosse com eles pescar, carregando uma rede longa. Blue Jay foi, acompanhado por um jovem. As pessoas falavam baixo, e ele não as conseguia compreender. Quando ele e o jovem pescavam, outra canoa se aproximou no rio, e as pessoas nela cantavam. Blue Jay também começou a cantar alto e o jovem, de repente, se tornou um esqueleto, e toda vez que Blue Jay parava de cantar o jovem voltava a ser um fantasma. Se Blue Jay falava alto, todos os fantasmas se tornavam esqueletos. Os fantasmas pescaram trutas e salmões.
Um dia, quando os fantasmas estavam na forma de esqueletos, Blue Jay trocou as caveiras dos mais velhos pelas de crianças, e os fantasmas se antipatizaram com ele, pedindo a Ioi que o mandasse embora, de volta para casa. Só que Blue Jay não sabia como voltar e não seguiu as instruções dela, acabando por morrer e retornar à terra dos fantasmas, onde constatou que os ossos eram pessoas de verdade, bem como as trutas e os salmões, tudo era real, tudo era novo.
Fonte: Internet.
Este texto é uma versão curta de tradição Chinook selecionada e contada por Judson Katharine (1997), estando descrito em http://www.saraiva.com.br/o-que-e-ser-americano-viajando-de-carro-pelos-estados-unidos-9241218.html , de minha autoria. Os índios Chinook viveram no noroeste dos Estados Unidos, na costa do Pacífico e nos bancos do rio Columbia, se alimentando de peixes – porém o salmão não era central na dieta – e raízes. Diferenciavam-se dos demais índios da região por terem linguagem e costumes diferentes. As mulheres Chinook eram altas, bonitas e tatuadas, contudo lascivas. Os homens, baixos e feios. Doenças venéreas grassavam entre esses índios, levando-os à dizimação.
Londres, 2005 – Parte Final
Robson José Calixto
Jean Charles de Menezes nasceu a 7 de janeiro de 1978, no município de Gonzaga, a nordeste de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais. Entrou no Reino Unido em 2002, obtendo, a seguir, um visto de estudante até junho de 2003. Jean Charles passou a viver ilegalmente no Reino Unido após esse período, já que não solicitou a revalidação do seu visto. Realizava trabalhos de eletricista para garantir seu sustento.
As informações sobre o que aconteceu são, até hoje, muito contraditórias e, provavelmente, nunca se saberá a verdade, por inteira, mas no dia 22 de julho de 2005, a polícia metropolitana estava “caçando” quatro suspeitos dos quatro atentados à bomba do dia anterior. Por volta das 09:30 h daquela manhã, policiais encontravam-se de tocaia em Tulse Hill, procurando homens de aparência etíope ou somali, quando avistaram um homem de tez morena saindo da entrada comum do bloco. Era um dos seus moradores: Jean Charles de Menezes. Um dos oficiais compara a fisionomia de Jean Charles com as fotografias da CCTV sobre os suspeitos dos atentados do dia anterior, indicando que seria interessante mantê-lo sob vigilância até uma confirmação positiva. O Comando Dourado, de caráter estratégico, autoriza, então, os oficiais a manterem vigilância do suspeito.
Um dos trens da Linha de Victoria que passa em Stockwell
Foto: Robson José Calixto
Jean Charles caminhou até a parada de ônibus de Tulse Hill, onde toma o Ônibus de No. 2 em rumo da estação do Metrô de Stockwell, juntamente sobem policiais à paisana que continuaram a perseguição. Durante o percurso, de aproximadamente 20 minutos, por algum motivo Jean Charles desceu do ônibus por alguns momentos e, a seguir, retomou a viagem - é possível que algum instinto de sobrevivência tenha aflorado nele ao estar sob vigilância. Segundo consta os três oficiais de tocaia estariam satisfeitos por perseguirem o alvo correto “porque ele teria olhos de mongol” e, contatam o Comando Dourado, informando que a aparência de Jean Charles casava, “potencialmente”, com as de dois suspeitos dos atentados do dia anterior. O Comando Dourado, então instrui os oficiais para que detivessem Jean Charles, tão logo que possível, evitando que entrasse na Estação de Stockwell e tomasse um trem, transferindo, a seguir o controle da operação para o Comando de Operações Especializadas da Polícia Metropolitana – SO19 (“Specialist Operations - SO19” ou “Specialist Firearms Command - CO19”).
Estação de Metrô de Stockwell. Foto: Google Earth.
Guarda Metropolitana
Foto: Oli Scarff/Getty Images – The Guardian
A partir daí as informações disponíveis são desencontradas, mas Jean Charles conseguiu entrar na Estação, por volta das 10:00 h, pegar um dos trens e sentar em um dos bancos disponíveis. Com a chegada dos oficiais armados do SO19, um dos que estavam de tocaia bloqueou a porta do trem, para que essa não fechasse, indicando onde Jean Charles estava. A fuzilaria se impôs, Jean Charles foi atingido por sete tiros na cabeça e um tiro no ombro, disparados por dois atiradores do SO19, de forma que, se estivesse carregando uma bomba no corpo, não pudesse detoná-la. Sim, eles pegaram alguém. Cerca de trinta passageiros testemunharam o assassinato.
Jean Charles de Menezes caído, após ser alvejado,
dentro de um dos trens do Metrô de Londres. Foto: ITV News
23 de julho de 2005
A Polícia Metropolitana anunciou que identificara a vítima como Jean Charles de Menezes, adicionando que ele não carregava explosivos, nem tinha qualquer conexão com os atentados do dia 07 ou do dia 21 de julho.
Tributos florais do lado de fora da Estação de Metrô de Stockwell
Foto: David Levene para o the Guardian
O terrorista fuzilado não era terrorista. O asiático não era asiático. O homem assassinado em Stockwell era um brasileiro. De repente na cabeça do representante do MMA um fluxo de raciocínio se estabeleceu. Reconheceu que aquele sentido de vigilância e perigo percebido no dia anterior tinha sido verdadeiro e legítimo: eles queriam pegar alguém, como exemplo ou não, e pegaram! E erraram. Fora engano. Um inocente fora morto. Lembrou que descera do trem em Vauxhall apenas vinte minutos antes do incidente e que a Estação de Stockwell era, consecutivamente, a seguinte. Podia ter sido ele mesmo vítima daquele terrível engano ou qualquer um dos seus colegas de delegação.
Na delegação brasileira presente à sessão da IMO percebeu-se um sentido de consternação. Vários delegados estrangeiros foram falar com os brasileiros, recomendando cuidado pelas ruas de Londres. Após a divulgação do rosto de Jean Charles, até mesmo a gerente do Hotel Athena, onde se hospedava, veio falar com o especialista do MMA que a vítima poderia ter sido ele, pois se parecia com a vítima do SO19, o que, com exceção da cor da pele, era um exagero.
Jean Charles de Menezes. Foto: Internet
O autor do presente texto: Robson José Calixto
Os atentados infligiram 56 mortes, contando os quatro terroristas. Cerca de 700 feridos. As investigações da Scotland Yard apontaram que nos atentados foi utilizado tri-acetona triperóxido (TATP, conforme sigla em inglês) como explosivo, aliás, muito conhecido pelos homens-bomba pelo nome “Mãe de Satã”, devido ao seu poder destrutivo. O TATP pode ser fabricado a partir de produtos de limpeza e desinfetantes, ainda que a sua elaboração requeira um perito em química para manipulação devido aos seus componentes que são muito instáveis.
Esse entendimento da Scotland Yard não foi unânime, pois especialistas de New York que participaram das investigações disseram que as bombas utilizadas foram produzidas a partir de tintura de cabelo, pastilhas de ácido cítrico e perfumes, ademais o TATP não liberaria calor suficiente para causar danos de importância, o que viria contrariar muito os oficiais britânicos, apesar de especialistas israelenses confirmarem essa hipótese.
A 15 de julho de 2005, o doutor em Química pela Universidade de Leeds, Magdi Asdi el-Nashar, foi detido como suspeito na fabricação das bombas. Após semanas de detenção é liberado, já que as suspeitas não se comprovaram.
A rede Al Jazeera, a 1º. de setembro de 2005, divulgou um vídeo em que aparecia Mohammad Sidique Khan, um dos homens-bomba que morreram no atentado, especificamente no trem que passava por Edgware Road. No vídeo, inter alia, é apresentada a seguinte declaração:
“(...) Vocês democraticamente elegeram governos que continuamente perpetuam atrocidades contra meu povo ao longo do mundo. E seu apoio a eles faz vocês diretamente responsáveis, simplesmente como eu sou diretamente responsável para proteger e vingar meus irmãs e irmãos mulçumanos. Até nos sentirmos seguros vocês serão nossos alvos e até vocês pararem o bombardeio, os gases, aprisionamento e tortura do meu povo nós não pararemos esta luta. Nós estamos em guerra e eu sou um soldado. Agora vocês terão o gosto da realidade desta situação.”
Fim
(Este texto não é de ficção, mas baseado em fatos reais, sendo parte do Livro “Terror & Poder Marítimo”, de Robson José Calixto, registrado na Biblioteca Nacional.)
LONDRES, 2005 – Parte III
Robson José Calixto
21 de julho de 2005
O especialista em poluição marinha do Ministério do Meio Ambiente, logo ao chegar à Organização Marítima Internacional - IMO, vai direto para o Grupo de Trabalho sobre Desmanche de Navios. Durante o intervalo do almoço (12:30 – 14:00 h) encontra, descendo a escada da ala dos delegados, o Engenheiro Ricardo Maia, um dos Representantes da Agência Nacional de Transporte Aquaviários - ANTAq na 53a. Sessão do Comitê de Proteção do Ambiente Marinho (MEPC). Ricardo o informa que ocorreram vários os atentados à bomba em Londres, naquele dia, e estava tentado avisar a sua família que estava tudo bem com ele.
Na ala dos delegados o especialista vê, pelo vidro, que uma faixa amarela e preta cobria uma área de exclusão em frente a IMO. Os outros colegas da delegação brasileira confirmaram o atentado. O próprio Secretariado da Organização anunciara, na sala da Plenária, o acontecimento. Uma aura de expectativa circulava entre as salas da Organização. Todos desejavam informações adicionais, as salas de acesso à Internet lotaram. O especialista consegue ligar para a esposa no trabalho, que ao ouvir as notícias lhes passada começa a chorar, pedindo que ele vá para o hotel. Ele sorri, diz que está tudo bem com todos e o melhor lugar para ficar era ali onde estava, no prédio da IMO. Ademais, tudo estava parado e teria dificuldades para chegar ao hotel. Consegue achar um computador “vazio” para enviar notícias a pessoas amigas que sabiam que ele estava em Londres e poderiam ficar preocupadas.
Estações de Metrô de Londres que sofreram atentados
no dia 21 de julho de 2005 - Ilustração: BBC News
Mapa das estações de Metrô de Londres – Zona 1, com indicação dos
atentados de 21 de julho de 2005. Observem a linha azul,
da Linha de Victoria - Fonte: http://www.declarepeace.org.uk
Pela Internet descobre, e de noite confirma, que ocorreram quatro explosões: nas estações de Shepherd’s Bush, Warren Street e Oval, do Metrô, e em um ônibus em Bethnal Green. Ninguém ficou ferido no ônibus. As explosões no Metrô foram de pequena dimensão – não maiores que fogos de artifício - e poucas pessoas também ficaram feridas. Nenhum dos terroristas morrera nos atentados. Testemunhas relatavam um “cheiro estranho no ar” antes das explosões. Os investigadores descobririam, posteriormente, que um dos suspeitos havia gastado, no dia 7 de julho, 900 libras em perfume. Presume-se que fora uma tentativa de disfarçar o cheiro acre dos explosivos químicos utilizados, em decomposição. Uma fatalidade maior não ocorrera por que os detonadores utilizados falharam na ignição dos artefatos.
Foto: Getty Images
Mais tarde um quinto artefato é descoberto debaixo de alguns arbustos ao norte de White City e Shepherd’s Bush. Um endereço seria identificado entre o material dentro de uma das bolsas que não explodiram, indicando um prédio de três andares e nove “flats” em Scotia Road, Tulse Hill.
Imagem: Google Earth
Foto: Getty Images
Como o Metrô e os ônibus estavam suspensos ou com circulação muito restrita na cidade, a sessão daquele dia na IMO foi encerrada um pouco mais cedo, para que todos pudessem retornar às suas residências ou hotéis. O Representante do MMA, o Engenheiro Ricardo Maia e o Décio Cunha da ANTAq, o Engenheiro Nilton Marroig da Petrobras Transporte S.A. - Transpetro, o biólogo Celso Aleluiah do Cenpes, bem como o Comandante Edson Pinho Sobrinho da Secretaria-Executiva da Comissão Coordenadora dos Assuntos da IMO (SEC-IMO) são obrigados a caminhar da IMO até os seus hotéis em Paddington e Bayswater – não havia outra opção. Pela Albert Embankment, na marcha forçada, margeiam o rio Tamisa, no lado oposto ao Parlamento, passando em frente ao Hospital St. Thomas e à Roda Gigante conhecida como “Olho de Londres” (“London Eye”) e alcançando a Ponte de Westminster nas proximidades do Big Ben, para cruzar o rio.
Comandante Edson Pinho Sobrinho (sentado)
Fonte: Linkedin
Pessoas caminhando em Londres tentando voltar para casa
ou seus hotéis no dia 21 de julho de 2005 - Foto: Getty Images
O Representante do MMA percebe, em todo o trajeto, claramente nos Londrinos e nos próprios brasileiros, algo bastante significativo: ninguém queria parar, apesar do terror. Sim, o terror chegou e se instalou, mas todos estavam determinados a continuar. A cidade já demonstrara por inúmeras vezes a sua coragem. As pessoas comentavam sobre o que poderia ter acontecido, as motivações, as justificativas ou a insensatez, mas todos tinham no olhar um brilho da resistência, um sentido de retornar à normalidade do dia-a-dia. A cidade resistia. Talvez fosse devido à atmosfera de uma cidade que superara os ataques da Força Aérea alemã na Segunda Grande Guerra ou, mesmo, os diversos ataques terroristas do IRA. A vigilância aumentaria, o medo afloraria à pele; contudo, a resistência à sucumbência também persistiria.
Logo se percebe que os Pubs próximos à Estação de Westminster retornavam à normalidade, a cerveja quente já animava seus frequentadores. Para a surpresa a estação estava funcionando, como havia dúvida se os trens estavam parando em todas as outras do trajeto resolveu-se pegar um duplo-deck até Oxford Circus. E naquele aglomerado urbano constatou-se que por mais que houvesse ataques a Londres, a cidade se reconstruiria, seus habitantes retomariam suas rotinas, as lojas abririam, as pessoas olhariam vitrines ou entrariam nas lojas para fazer compras, comeriam “waffles”, “pizza” ou “fish and chips” pelas ruas. Tudo e nada normal. O preto continuaria a predominar nas roupas. O lilás e o malva seriam as cores de camisa mais usadas pelos homens. Russos, romenos, poloneses, árabes, brasileiros, portugueses, paquistaneses, hindus, jamaicanos; todas as descendências continuariam sendo toleradas, mesmo com aumento no nível de segurança.
O Grupo de brasileiros se separou. O Comandante Sobrinho foi o único a se arriscar a tomar o Metrô. O representante do MMA caminhou pela Oxford Street até Marble Arch. Passou pelo cinema Odeon (atualmente fechado), entrou na loja de conveniência árabe “Green Valley” e comprou dois maravilhosos quibes de frango e uma Coca-Cola light sem cafeína. Comendo e bebendo pela rua ruma para a Sussex Gardens. Observa os árabes nas mesinhas dos cafés. Conversavam meio tensos, pareciam contrariados, nervosos, apesar de todos aparentarem normalidade. O chá de menta continuava a ser bebido e o narguilé a ser fumado. Havia menos gente transitando na Edgware Road.
A noite de quarta-feira não estava tão fria em Londres; entretanto, havia um certo calor visível, uma angústia perceptível, um desejo de vingança palatável circulando entre Edgware Road e Marble Arch. A vigilância estava mais cerrada. As CCTVs pareciam perscrutar os pensamentos. Uma atmosfera de observação hindu oprimia os mais sensíveis. Havia policiais por todos os lados, vários à paisana, vários escondidos de tocaia, atrás de pequenos jardins. Eles queriam “pegar alguém”, a densidade do ar denunciava. As prostitutas que algumas vezes faziam ponto nas esquinas das pequenas ruas que entrecortam a Sussex Gardens, como na Southwick Street, em frente ao pub “The Monkey Puzzle”, estavam por lá e atrapalhavam a tocaia. Uma delas foi abordada por um dos polícias, que saiu detrás de um dos jardins na calçada oposta, cruzou a rua e disse que ela não podia ficar ali.
O Pub “The Monkey Puzzle” - Foto: Robson José Calixto
22 de julho de 2005
O especialista do MMA sai do Athena Hotel, um pouco atrasado naquele dia em direção à estação de Paddington. Até chegar à Vauxhall, estação que fica a menos de vinte minutos, a pé, da IMO, teria que fazer baldeação em Oxford Circus. Desce em Vauxhall, com saída da estação entre o prédio do MI6 (“Military Intelligence Section Six” - Serviço de Inteligência de Reis e Rainhas do Reino Unido desde 1909) e o prédio que ao final da década de 1990 fora atingindo por um míssil do IRA e que, agora, é de apartamentos, tendo na sua cobertura feições que se assemelham a aviões com hélice. Olha para o relógio: 09:40 h. Já saíra um pouco atrasado do hotel e atrasos adicionais só lhe permitiam chegar naquela hora. O Metrô estava horrível naquele dia. Os trens pararam diversas vezes nos túneis, provavelmente tudo relacionado aos atentados. Direto para o Grupo de Trabalho sobre Desmanche de Navios novamente.
Prédio reformado em frente à Estação de Metrô de Vauxhall
Foto: Robson José Calixto
Prédio do MI6 - Foto: Robson José Calixto.
Pouco depois do intervalo do “Coffee-Break” (11:00 – 11:30 h) encontra Ricardo Maia que lhe informa as notícias de que um dos terroristas que havia atacado Londres no dia anterior tinha sido pego e morto em estação do Metrô. De noite, na BBC e na ITV, o foco das atenções era o fuzilamento na Estação de Stockwell.
Fim da Parte III
(Este texto não é de ficção, mas baseado em fatos reais, sendo parte do Livro Terror & Poder Marítimo, de Robson José Calixto, registrado na Biblioteca Nacional.)
VINHOS HEDONISTAS
(Robson José Calixto)
Tenho amigo que diz que sente prazer, alegria quando economiza qualquer dinheiro. Para mim ele é "Pão Duro" mesmo e não precisa. A loja preferida dele é a de 1 Pound (1 Libra), que fica em Bayswater, e é capaz de pegar mala sem rodas no lixo perto do Hotel para não ter que comprar outra. Um dia falei para ele que tava precisando de uns cabides pq no meu quarto tinha só um, e que iria comprar uns na loja de departamentos Primark. Então ele me questionou: - Para que, se você pode pegar um monte no lixo que fica próximo ao nosso hotel?....
Bem, saímos da IMO na sexta (28/10/16) e pegamos o Ônibus No. 3 que atravessa a Lambeth Bridge e passa por Picadilly Circus, onde ele queria descer para ir ao Mercado TESCO e comprar produtos baratinhos (queijo brie, chocolates, alho-poró fresco!, Cognac em garrafa de plástico). Vinho não, porque ele já tinha bebido em vários coquetéis que participou. Iria levar na mala 2 Kebabs de carneiro, com picles, em vasilhas de plástico de 1 Pound para casa, pois a esposa dele é fã também desse sanduíche árabe. Ele mudara de gosto, porque antigamente jantar era só McDonald’s.
Ele fez as compras que queria e lhe disse que queria passar na loja da Primark de Marble Arch porque queria comprar vestido que minha filha pedira. Então disse a ele que podíamos pegar o Metrô e rapidinho estaríamos em Marble Arch. Mas ele disse: - Não vou pagar 2.5 Pounds se posso ir a pé! Retruquei: - Mas cara daqui até Marble Arch e depois até nosso hotel é muito chão, já fiz isso! Falei que pagava para ele, mesmo sabendo que ele tinha dinheiro. Não adiantou. Então, para não perder o amigo resolvi caminhar com ele.
Conversa vai e vem, não notamos que pegamos a rua errada para a Regent's Street que leva até Oxford Circus e acabamos nos perdendo em Londres. Pergunta aqui e ali, chegando a beco sem saída também, pelas vielas e ruas de Londres íamos alcançando a Oxford Street. No entanto, em uma das ruas dessas parei em frente à loja de vinho com o título "Vinhos Hedonistas". De repente uma bela inglesa abre a porta e me convida para entrar e conhecer a loja, o que não pude recusar. Fomos lá. A loja é um espetáculo, a começar a pela sua decoração com cálices em sequência que pendem do teto da loja de dois andares. Vinhos de todos os tipos, origens, castas, terrenos e preços, dos mais baratos até os muito, muito caros, além de acessórios. E meu amigo falando que só tomava vinho no valor do Yellow Tail... aquele zura! (Gosto muito dele e já fiz muito por ele).
Entrada da Loja de Vinhos “Hedonism Wines”
Foto: Robson José Calixto
Decoração da “Hedonism Wines”
Foto: Robson José Calixto
Decoração da “Hedonism Wines”. Detalhes das taças que pendem do teto
Foto: Robson José Calixto
Foto: Robson José Calixto
Foto: Robson José Calixto
Bem, estávamos já apertados e aproveitamos para dar uma ida no banheiro: que luxo e que bela decoração!!! Tivemos que nos despedir da Anna, eu já tinha comprado um vinho espanhol premiado com medalha de prata e também nada levei, mas prometi a ela divulgar a sua loja no Brasil.
Banheiro da “Hedonism Wines”
Foto: Robson José Calixto
Foto: Robson José Calixto
Depois de passarmos na Primark, levei meu amigo na loja Green Valley para comprar comida árabe e levar para o hotel. Ele não conhecia e gostou da loja, mas só levou um quibe de frango no valor de 0.75 Pounds. Passou no Café Helen para comprar seus Kebabs a 5 Pounds cada e lamentou que o Mercado Waitrose já tivesse fechado, pois lá vendia um queijo brie a 1 Pound.... quase chorou...:
Mercado Waitrose em Edgware Road
Foto: Robson José Calixto
"
LONDRES, 2005 – Parte II
Robson José Calixto
10 de julho de 2005
O especialista chegou a Londres, Reino Unido. O avião não estava tão vazio quanto aqueles que tomara rumo à Europa, logo após o 11 de setembro de 2001. A gerente marroquina do hotel em que costumava se hospedar, ainda com imagens vivas na sua retina, contou para o especialista o horror que vivenciou no dia sete de julho de 2005, dia do atentado no Metrô. Era gente ligando de fora do país para cancelar reservas. Outras procuravam hotel porque não sabiam para onde ir ou como voltar para casa. Pessoas feridas, ensanguentadas, aterrorizadas, queimadas, chorando e andando sem rumo. Outras estavam chumbadas nas calçadas, com olhares paralisados e distantes. Os não atingidos tentavam ajudar, consolar e dar esperanças aos marcados pelas explosões, pela fumaça, pelo fogo, pelo calor, pelas queimaduras, pelos estilhaços e pela escuridão dos túneis percorridos. No ar, um sentimento de perda, de dor, de revolta, de não se ter resposta, de não se ter sentido.
A gerente do hotel que o especialista costumava se hospedar, o Athena, comentou que, apesar da necessidade humana que se espalhava nas proximidades, vários gerentes de hotéis próximos majoraram os preços das estadias, para ter um lucro maior, uma vez que a demanda por quartos estava altíssima.
Athena Hotel. Foto: Robson José Calixto.
O especialista rumou até a Estação do Metrô de Edgware. Não conseguiu se aproximar muito, devido a uma faixa policial de exclusão. Rumou até Marble Arch. Percebeu uma contrição no ar. As vozes não estavam tão altas. O burburinho não era o usual. A rua aparentava normalidade, mas nada era normal. Agentes ingleses estavam lá no Cyber usando computadores, mas seus olhos não estavam voltados para as telas dos computadores, miravam, sim, para a antiga livraria árabe Al-Ahram (atualmente existe uma farmácia no local), do outro lado da rua, próxima ao restaurante Al Dar (atual Al Arez). Os árabes, em menor número, continuavam sentando-se em frente aos Cafés e Restaurantes para tomar chá ou fumar narguilé, mas suas testas franziam, suas mãos eram lançadas ao ar em gestos de contrariedade ou de incompreensão. As palavras pareciam entrecortadas por certo silêncio. No alto dos postes, vigilância cerrada. Qualquer pacote qualquer mochila deixada, desatentamente, era motivo para alarde e desconfiança, ou terror. Um déjà vu, não-intencional, do Exército Revolucionário Irlandês - IRA parecia flutuar na atmosfera londrina.
Restaurante Al Arez (Antigo Al Adar)
Foto: Robson José Calixto
12 de julho de 2005
Os trabalhos matinais da delegação brasileira no Grupo Intersecional começaram sem o Comandante de Mar-e-Guerra (CMG) Resano, que estranhamente, não aparecera naquela manhã. A “Mission Officer” Eliane Macedo também não. Ao longo dos trabalhos, nenhum telefonema, nenhuma comunicação... até que Celso Aleluiah, do Centro de Pesquisa da Petrobras – CENPES, resolveu ligar para o Resano e receber notícia que abalaria toda a delegação: – o Almirante-de-Esquadra Souza Pinto falecera naquela manhã, de problemas no coração.
Almirante-de-Esquadra Mauro Souza Pinto (in memoriam)
Fonte: Marinha do Brasil.
13 de julho de 2005
A Polícia Metropolitana de Londres anunciou que identificara os terroristas que realizaram os atentados do dia 7: três mulçumanos de origem britânica e um jamaicano convertido ao islamismo.
O CMG Resano dá uma passada na Organização Marítima Internacional - IMO e detalha aos delegados brasileiros o agravamento da doença do Almirante Souza Pinto, que já se encontrava hospitalizado há mais de quinze dias, com vista a procedimentos pré-operatórios, e, a seguir, a sua morte.
Prédio da Organização Marítima Internacional
Foto: Robson José Calixto.
14 de julho de 2005
Milhares de pessoas se reuniram em Londres, especialmente na praça de Trafalgar Square, ao meio-dia, em memória das vítimas dos atentados à bomba, bem assim em reconhecimento das equipes de emergência que acorreram aos diferentes chamados para prestar socorro. O silêncio estava impregnado de uma mensagem de desafio aos terroristas. Os dois minutos de silêncio também foram respeitados na IMO.
Trafalgar Square
19 de julho de 2005
Por volta desse dia, estudos forenses já indicavam que as bombas teriam sido acionadas manualmente, em vista da dificuldade de uma detonação remota nos profundos, mas nem todos, túneis do Metrô de Londres, onde, dificilmente, se vê alguém falando em telefones celulares quando os trens estão em movimento. Tal conclusão implicava em se aceitar duas hipóteses: ataque suicida, com homens-bomba e bombas plantadas nos comboios, próximas ao chão ou até mesmo debaixo de algum trem. As investigações e testemunhos oculares apontavam para ambas as possibilidades.
Fim da Parte II
(Este texto não é de ficção, mas baseado em fatos reais, sendo parte do Livro Terror & Poder Marítimo, de Robson José Calixto, registrado na Biblioteca Nacional.)
"
"
LONDRES, 2005 – PARTE I
É exatamente ali, naquele estirão urbano, que se podem aquilatar as relações políticas e, mesmo, carnais, do Governo britânico com o mundo árabe. É exatamente ali, entre as Estações de Metrô de Marble Arch e Edgware Road, que se podem captar os odores, os sabores, os olhares, as cores, os tons e os sons dos povos do Oriente Médio que encravaram moradas na Europa. É naquela reta urbana da cidade de Londres que se pode ter noção e amostra das tensões entre irmãos de fé, de lamento, de juras, de raízes expostas, de guerra.
É caminhando por ali, entre homens de mãos dadas; entre maridos acompanhados, em sequência, por suas esposas (a do dia à frente) e filhos; entre moças lindas com suas túnicas claras bordadas de ouro e que, estranhamente, às vezes, se tornam pedintes ao cair da tarde; entre senhoras com suas vestimentas marrons ou negras e olhares furtivos; entre londrinos que expõem suas tatuagens e “piercings” e que se movimentam rápido ou lotam cafés e restaurantes, que se podem captar as distinções dos costumes, da educação, da cultura, de duas civilizações que têm se chocado.
Lá naquela zona de contato mundial, onde são encontrados restaurantes libaneses fantásticos com suas mesinhas quadradas e pequenas, onde se podem pedir porções deliciosas e fartas de “Hommos”, “Moutabal” (“Baba Ghanouj”) e “Tabbouleh” ou, ainda, um churrasco misto com cebolas e tomates grelhados, tendo por baixo, sempre, uma cunha de pão árabe avermelhada por uma pimenta flamejante. Beber “Perrier”, deliciosos sucos de morango, chá de hortelã e nenhuma bebida alcoólica. Mas também se pode se ver, se achar, uma “dança do ventre” em atmosfera mais seletiva e obscura, enigmática. Ou ainda sentar numa cadeira de plástico à frente de sorveteria e se misturar com árabes mais antigos para degustar uma taça de sorvete em noite escaldante como aquelas de julho de 2004, quando se viam inglesas de biquíni caminhando pelas ruas, expondo as suas alvuras.
Dentro de suas lojas, como a Argos, lotadas por senhoras e crianças árabes comprando de tudo e onde, muitas vezes, ouve-se o português caminhando entre as seções, é que se aproximam as perspectivas consumistas ocidentais e orientais. Nessas lojas, onde um homem se aproxima e as compradoras árabes se afastam e escondem os olhos, verificam-se verdadeiros territórios neutros para o consumo e se entende a dimensão humana mais comum: gente.
Doce Osmalia, com água de rosas
Foto: Robson José Calixto
Profusão de cores marcando os contornos dos olhos, em especial lápis-lazulli e o negro de Kajal; de notas de cereja espalhadas pelos narguilés fumados nas portas dos restaurantes e bares, fumaças tão densas sobem pelo ar. Ali se encontram sabores doces (tâmaras e damascos secos, “Baklawa”), enigmáticos (“Osmalia”), salgados (pistache), amargos (pimentas verdes) e tenros (azeitonas pretas, carneiro, churrasco, azeite de gergelim). Profusão cosmopolita de cores de pele, de raças, de línguas, de gostos, de temperos, de olhares, de desconfianças, de vigilâncias, de espionagens enquanto se usam os computadores de Cybercafés, de controle televiso (CCTV), de pedágios.
E foi em um dos pontos daquele trecho urbano, que o mundo veio abaixo no dia 7 de julho de 2005. Não somente ali, em outros três locais de Londres o terror também atacou; um dia depois de toda comemoração pela cidade ter sido escolhida sede dos Jogos Olímpicos do ano de 2012.
7 de julho de 2005
Distante, um especialista em poluição marinha acorda em um dos quartos do Hotel Glória, na cidade do Rio de Janeiro. Liga a televisão a cabo que lhe despeja um montão de notícias de que ocorrera um ataque terrorista na cidade de Londres, gelando o seu coração e infligindo medo, porque dois dias depois estaria partindo para aquela cidade, para mais uma reunião da Organização Marítima Internacional - IMO. Muda para a CNN. Imagens. Sem Imagens. Notícias. Sem notícias. Falam na Al-Qaeda. Troca parte da roupa no banheiro, mas o ouvido se alonga e fica grudado na televisão. Tem que descer para tomar café, e o corpo quer permanecer no quarto. Sai do quarto e a mente quer permanecer em frente à televisão. Conversa com colegas que estavam participando do evento, muitos não sabiam das notícias e também ficam assustados.
A tarde prolongava-se, os minutos repartiam-se, dividiam-se e se vivia num intervalo infinitesimal eterno. De noite vasculha os canais e passa entender melhor o que ocorrera, de fato.
Imagem de uma das entradas da Estação de Metrô King´s Cross St. Pancras
Imagem: Google Earth. Acesso em 07 de outubro de 2016
A partir das 8h50 da manhã daquele dia – hora local de Londres -, em intervalos de 50 segundos, três bombas foram acionadas. A primeira explode num trem da Circle Line, entre as estações de Liverpool Street e Aldgate. A segunda em outro trem, também, da Circle Line, que acabara de deixar a Plataforma 4 da Estação de Edgware Road em direção a Paddington. A terceira em trem que percorria a linha de Piccadilly, entre King´s Cross St. Pancras e Russel Square. Vinte e nove minutos, inglesa e exatamente depois, o Código Âmbar de Alerta é declarado, indicando que todos os trens em serviço devem parar na próxima estação, com o desembarque de todos os passageiros. Os serviços do Metrô são suspensos. As linhas telefônicas da cidade ficam mudas, congestionadas por chamadas locais, nacionais e internacionais; as pessoas mapeavam seus parentes e amigos na busca de informações sobre os seus estados de vida.
Uma das entradas da Estação de Metrô Edgware Road
Foto: Robson José Calixto, em 2005
Um ônibus vermelho, de duplo-deck, ostentando o No. 30 na sua dianteira e no seu lado esquerdo uma propaganda de filme de terror, comuníssimo na cidade de Londres, passara mais cedo em King´s Cross. No seu retorno até a estação de Hackney Wick, deixa Marble Arch às 09h e para num ponto de ônibus em Euston às 09:35 h. Diversas pessoas – desorientadas, feridas, assustadas, desesperadas, lacrimosas –, que fugiam do Metrô embarcam, juntando-se aos outros passageiros já presentes. Doze minutos depois, na junção de Tavistock Square e Upper Woburn Place, uma bomba de cerca de 4,5 kg explode, arrancando a traseira e fazendo voar o teto do ônibus. Quem não morreu na explosão foi atingido por fragmentos que alcançaram, inclusive, os transeuntes. O Primeiro Ministro Tony Blair abandona o Encontro dos Líderes do G-8, que ocorria no Hotel Gleneagles, em Perthshire, Escócia, se dirigindo para Londres, na linha de frente dos atentados. O Presidente Luís Inácio da Silva estava participando do Encontro como convidado.
Junção de Tavistock Square e Upper Woburn Place
Imagem: Google Earth. Acesso em 07 de outubro de 2016
O especialista rola na cama. Diversas perguntas lhe atravessam os pensamentos, e o seu cérebro sente a presença de uma insônia prevista. A solidão do quarto do hotel filtra respostas acobertadas, permitindo concentrar-se em verdades mais duras. Por que os atentados aconteceram? Por que Londres? E por que a estação de Edgware Road, dentro do bairro árabe? Lembra de outros atentados ocorridos em Nova York, Washington, Madri. Poderia estar em um daqueles trens ou no ônibus que explodiu e assustou a cidade de Londres pela violência e pelas cenas de horror vivenciadas.
O terror. A essência do terror é a repercussão do medo. Medo da morte. Reação ao desconhecido. Consciência da nossa mortalidade. Compaixão íntima à nossa humanidade tantas vezes esquecida. Futuro comum, todavia não igualizado, pois dependente de crenças, valores culturais e visões de mundo. Assim a dicotomia Ocidente-Oriente nem sempre possibilita a distinção entre o que é mais pecaminoso e o que é mais glorioso. Para alguns estudiosos, os autores de atos terroristas esperam sempre criar um senso generalizado de ansiedade e de medo, de forma que as pessoas se tornem aterrorizadas e imobilizadas, incapazes de resposta coerente aos perigos que confrontam. O terror impõe um mal-estar, uma dada tensão, devido à sensibilidade ao perigo iminente e amplia a incerteza da vida. No entanto, comunidades mais aguerridas, como a francesa ou a americana, se recusam a agir assim, buscando voltar à rotina o mais rápido possível.
O terror serve, também, como no caso da Espanha, para influir em eleições e derrubar governos, como o fez ao de José María Aznar, em 11 de março de 2004. Impede acordos de paz, reinflama situações problemáticas e, finalmente, gera mais terror.
O especialista recordou as palavras das Brigadas de Abu Hafs al-Masri, no ataque a Madri em 2004, descrito pelo jornal a Folha, em 2004: “Cumprimos nossa promessa conseguimos nos infiltrar no coração da Europa e atingir um dos principais pilares da aliança dos cruzados... Agora, colocamos os pingos nos is. Nós, das Brigadas de Abu Hafs al Masri, não sentimos pena dos civis. É legitimo que eles matem nossas crianças, nossas mulheres, nossos idosos, nossos jovens no Afeganistão, no Iraque, na Palestina e na Caxemira, enquanto para nós é pecado matá-los. Deus Todo Poderosos diz que devemos agredir quem nos agride... Os povos dos aliados aos Estados Unidos devem forçar seus governos a pôr fim nessa aliança em guerra contra o terrorismo, que significa uma guerra contra o Islã. Se pararem a guerra, pararemos a nossa”.
Na escuridão do quarto e distante da rua, os pensamentos do especialista continuam a formular hipóteses. Seu coração continua a não decodificar, muito bem, o que acontecera em Londres. Edgware... Edgware... Concorda com o escritor Paz (2005) que as bombas serviram, igualmente, como um alerta à comunidade mulçumana de Londres, ecoando sobre todo o mundo árabe. “De que lado vocês estão? Definam-se! Estão se sentindo muito seguros porque se estabeleceram no Ocidente? Se sentem protegidos pela distância? Têm uma vida boa? São muçulmanos, mas não se sentem comprometidos com a causa da Jihad? Se perderam as suas raízes profundas, se não se sentem fervorosamente vinculados à derrota dos cruzados, então serão também tragados pelo turbilhão de nossa vingança. Não serão mais nossos.” Esses questionamentos comungam-se e parecem construir um cenário coerente.
Esse chacoalhar talvez explique o porquê de ingleses de origem árabe, posteriormente, se associassem ao grupo Estado Islâmico e viessem cometer atos de terror abomináveis.
Fim da Parte I
(Este texto não é ficção, mas baseado em fatos reais, sendo parte do Livro Terror & Poder Marítimo, de Robson José Calixto, registrado na Biblioteca Nacional.)
"
(Gostaria de começar esta coluna agradecendo a Raimundo Floriano pelo convite para colaborar com o seu Almanaque. Seu Raimundo, que é um mestre na arte do escrever e arguto observador dos comportamentos e dos acontecimentos sociais, me pediu para contar sobre viagens e aventuras que eu, minha família e amigos próximos vivenciamos por esse mundão afora. E começo contando sobre nossas viagens, seguindo os passos e trajetos da Expedição de Lewis & Clark em busca de alcançar o Oceano Pacífico, nos primeiros anos de 1800, onde uma mulher, em especial, foi fundamental para o sucesso da empreitada. Poucas personagens não homem e não branca tiveram tanta importância para os Estados Unidos como a índia Shoshone Sacajawea.)
A FORÇA DA MULHER PÁSSARO: SEGUINDO OS PASSOS DE LEWIS & CLARK
Shoshone Sacajawea
Ilustração: David Joaquin
Nossa história começa com o desejo do Presidente Thomas Jefferson de saber o que existia de belezas e recursos naturais além do rio Mississippi, para oeste. A sua curiosidade buscava mais que isso, queria conhecer possíveis trilhas que pudessem favorecer negócios com países além-mar, bem como abocanhar o comércio de peles de animais, que envolvia tribos indígenas. Do mesmo modo queria estabelecer bases que pudessem vigiar e opor resistência a potenciais colonizações europeias na fronteira oeste, como as russas.
Para tanto Jefferson convidou, em 1801, seu secretário pessoal, Meriwether Lewis, com vinte e sete anos na ocasião, para comandar expedição, com s objetivos de explorar o rio Missouri até a sua origem, encontrar passagem entre as cadeias de montanhas que dividia o país e chegar até o Oceano Pacífico. Para segundo, no comando da missão, foi escolhido William Clark, com trinta e um anos, que tinha experiência militar e com exploração de fronteiras. Por isso, a expedição ficou conhecida como “The Lewis and Clark Expedition”, consistindo de pouca mais de 40 pessoas e três barcos.
Lewis & Clark partiram, em 14 de maio de 1804, da cidade de St. Louis, na divisa entre os estados do Missouri e de Illinois. No seu trajeto, passaram pelo Kansas, Divisa Nebraska/Iowa, Dakota do Sul, Dakota do Norte, Montana, Idaho, Washington via rio Snake, para, a seguir, via o rio Columbia, prosseguir ao longo da divisa entre o estado de Washington e estado do Oregon, a sul, terminando a viagem de ida, a 22 de março de 1806, depois de passarem um tempo em Fort Clatsop. Ver as Figuras 1 e 2 para melhor entendimento.
Figura 1. Fonte: www.infloplease.com.
Figura 2. Fonte: www.nationalgeographic.org.
A expedição poderia ter sido um completo fracasso, se a fortuna não tivesse colocado na vida daquele grupo o franco-canadense Toussaint Charbonneau, que se ofereceu para ser contratado como guia e intérprete de línguas indígenas. Junto com ele, estavam duas índias Shoshones – o Povo Cobra –, suas esposas adquiridas, mas só uma dela seria permitida viajar com eles: Sacajawea, a Mulher Pássaro, que estava grávida e que, com onze anos, havia sido raptada por índios inimigos de sua tribo.
Detalhe de Painel em estrada do estado de Montana. Foto: Robson José Calixto.
Durante toda a viagem, de ida e volta, a expedição vivenciou e conviveu com diversas tribos indígenas hostis, animais selvagens, ambientes desconhecidos, montanhas quase intransponíveis, fortes tempestades de neve, proximidade de furacão, enchentes, falta de comida, privações, doenças – o contramestre Charles Floyd morreria de apêndice supurado –, batalhas, perigos de vida, inclusive Lewis levou, por acidente, um tiro na coxa, dado por membro da própria expedição, sobrevivendo.
Mas justamente, em meio a tantos problemas e perigos vivenciados, se sobressaiu a figura daquela jovem mulher, com seus conhecimentos da região e dos segredos da terra e das águas, com suas poções, remédios e, quiçá, feitiços. Na fome, fez pães, trouxe raízes e frutinhas vermelhas para todos comerem; nas doenças chá e ervas e carinho; no desespero do frio e da neve, ensinou as passagens secretas entre as montanhas; abnegada, vendeu seus próprios vestidos para conseguirem cavalos. De seu marido de jeito grosseiro, que não sabia nadar e tinha medo da água, recebeu perigos e ameaças, e por isso ela quase morreu. Para apressar seu parto e suportar as dores, foi-lhe dada uma mistura de água com anéis do chocalho de cascavel triturados. Resiliente, concebeu um menino, em fevereiro de 1805, e continuou carregando seu bebê nas costas.
Ao longo da expedição, a relação de Sacajawea e Clark se estreitou, os dois se aproximaram, mesmo pertencendo a mundos diferentes – ela era muito graciosa. Quase vinte anos os separavam, mas a diferença de idade e experiências de vida não impediu que a relação dos dois superasse preconceitos, fato notável para a ocasião, se levarmos em consideração que tudo ocorreu há quase 210 anos atrás. Nem a cor avermelhada de sua pele, nem seus olhos amendoados, nem seu jeito particular de se expressar, nem seus cabelos longos, nem a dificuldade de escreverem seu nome em uma forma única impediram o estabelecimento de uma relação de confiança mútua.
Nos registros da expedição, percebe-se um progressivo processo de proteção, aproximação, admiração, preocupação e busca de compensação entre ambos. Clark a protegia e queria seu bem, inclusive se interpôs seriamente entre o bruto Charbonneau e a dedicada e jovem índia, a quem apelidou de “Janey”. Talvez a desejasse como mulher, quem sabe? Continuaram amigos. Sim, Clark a protegia e especialmente a Jean Baptiste, o menino que nascera de Sacajawea, que apelidaram de “Pomp”. Ela era muito corajosa e acompanhou os viajantes que adentraram o mar, em duas canoas, para ver de perto as grandes ondas e uma baleia que se aproximara da costa do Pacífico.
A viagem de volta da expedição começou na tarde do dia 23 de março de 1806, seguindo junta até a Divisão Continental – uma cadeia de montanhas que divide os Estados Unidos e suas bacias hidrográficas –, quando dois grupos seriam formados e viajariam separados, de 3 de julho a 12 de agosto de 1806. Lewis seguiria para o noroeste de Montana, para explorar o rio Marias e ver se encontrava afluente navegável do Missouri, para que carregamentos de peles canadenses pudessem ser desviados para portos americanos. Clark iria até Beaverhead Rock, próximo à cidade de Dillon, Montana, onde tinham deixado barcos no outono de 1805. Após recuperar os barcos – canoas–, Clark iria, com o pessoal restante, até a embocadura do rio Yellowstone, daí à junção com o rio Missouri, na divisa entre os estados de Montana e Dakota do Norte. Em maio de 1806, durante uma semana, Jean Baptiste sofreu com dores e febre por problemas na garganta, se recuperando sempre com muita atenção de Clark.
As duas comitivas voltaram a formar um mesmo grupo. Lewis & Clark, percorrem, a partir desse ponto de reunião, nas proximidades do Fort Mandan, o mesmo trajeto por onde tinham partido, chegando à cidade de St. Louis a 23 de setembro de 1806. Sacajawea estava, então, com, aproximadamente, dezoito anos, uma jovem mulher.
Um mês antes disso, em agosto de 1806, depois de receberem pagamento pelos serviços prestados, Charbonneau e sua família se despendem da expedição. Contudo, Clark escreve a Charbonneau, se oferecendo para adotar Pomp, então com 19 meses, e cuidar de seu futuro. A relação de afeto de Clark para com Sacajawea e seu filho deu motivo a especulações sobre a paternidade do menino.
A vida de Sacajawea, pós-expedição, seria envolvida em grande mistério. Seis anos após a expedição, ela daria luz a uma menina. Só que, nesse mesmo ano, Sacajawea morreria. Todavia, outros relatos, mesmo a tradição oral Shoshone, indicam que teria sido outra mulher que morrera na ocasião. Sacajawea teria deixado seu esposo e vagado pelas planícies até se assentar com os índios Comanches, casando-se novamente e falecendo apenas em 1884, no estado de Wyoming.
Foi conhecendo essa história, que comecei a planejar viagem aos Estados Unidos, para seguir, com minha família, grande parte do trajeto da Expedição de Lewis & Clark. E é uma viagem maravilhosa, de belezas naturais surpreendentes ao longo do trajeto e nas vizinhanças, de estradas fantásticas, algumas sinuosas para se dirigir. Em duas viagens, até por imposições quanto a tempo disponível para viagem e por aspectos topográficos, onde unimos outros interesses de conhecimento e turismo, percorremos o trajeto dos estados de Montana, Idaho, Washington e Oregon. E que região belíssima! Talvez a mais bela dos Estados Unidos, juntamente com parte do Wyoming e do Colorado!
Em Montana, o Parque Nacional Glacier, com suas águas azuladas hipnóticas e a estrada com nome sugestivo “Indo para o Sol” (Going to the Sun), além de cidades como Darby e Kalispell. Gostaria de se hospedar no motel Cavalo Faminto (Hungry Horse)? Em Idaho, a cidade dos riquinhos Ketchum e a impactante Coeur D´Alene (como nunca tinha ouvido falar dela?!), rio Salmon e as localidades de Riggins e Orofino. Entre Idaho e Montana, a Passagem Lolo. No Oregon, Portland e Cannon Beach, no Condado de Clatsop. Aonde você vá, encontrará referências – painéis, placas ou escrito em pedra – sobre a presença da Expedição de Lewis & Clark naquele espaço territorial. Que tal aproveitarem um pulo em Seattle, no estado de Washington? Ou andar sobre as estranhas rochas fofas e escuras das Crateras da Lua (Craters of the Moon) no Idaho?
Glacier. Foto: Robson José Calixto.
Motel Cavalo Faminto. Foto: Robson José Calixto.
Foto: Robson José Calixto.
Muita coisa para ver, algumas vezes encontrar até fuso horário diferente e costumes locais distintos dos demais estados. Uma cozinha country das melhores, saborosa, em achados nas estradas, mas não muitos shoppings para compras, a não ser mais próximo à costa do Pacífico. Só indo por lá para acreditar. Todos os detalhes dessas duas viagens e outras informações – belezas cênicas, dicas de restaurantes, compras– podem ser encontrados no livro O Que É Ser Americano: Viajando de Carro Pelos Estados Unidos (http://www.saraiva.com.br/o-que-e-ser-americano-viajando-de-carro-pelos-estados-unidos-9241218.html), de minha autoria.
Até o nosso próximo encontro!
Brasília, 27 de setembro de 2016.
R. E. - Robson José Calixto é jovem e talentoso escritor brasiliense. Conheci-o na piscina da Clínica Reabilit, da Doutora Ayda Jamal, onde fazíamos hidroterapia – ele já recebeu alta, e eu ainda permaneço por lá, pelo resta da vida que Deus me conceder. Embora nossa diferença etária seja de quase 40 anos, descobrimos logo um sentimento comum que nos unia, além da dor: o gosto pela Literatura, o que demonstrou magistralmente com seu livro O Que É Ser Americano: Viajando de Carro Pelos Estados Unidos, do qual fiz a revisão gramatical e ortográfica. É trabalho de superfôlego, escrito por alguém que conhece o país americano como ninguém, mesmo até mais do que os nativos daquela nação, cuja leitura recomendo a todos os que ora se iniciam na variedade dos assuntos das páginas deste Almanaque.
"
"
"
"
"
"
O CAVALO E O SERAFIM – UMA FÁBULA
Robson Calixto
Em livro que não é aceito pela Igreja Católica nem pelos Judeus, apesar de terem sido encontradas cópias em Qumram da sua versão etíope, Henoque fala sobre um tempo quando os anjos andavam pela Terra. Tempos depois, passaram a dizer que na Terra também tinha um homem com espírito muito antigo. De vez em quando, ele aparecia e reaparecia na humanidade, ressurgido de registros atávicos e reminiscências sensoriais contidas no DNA de sua família. Diziam que ele era tão antigo quanto os Serafins. Um Serafim renegado por seu Pai humano. Mas Deus teve compaixão por Ele e o pegou pelas mãos, deixando-o ser guiado pela Comunhão dos Santos, por Espíritos Antigos, pelos próprios Arcanjos e seu Anjo da Guarda e por sonhos.
Ele logo descobriu que não era um em si mesmo, eram três que habitavam dentro dele e, assim, teria que viver buscando a harmonia para a sua substância individual de natureza racional. Ele viajou e andou por esse mundo, aqui e acolá, perto e distante, pela Espanha, onde encantava as “mujeres” com seus passos de Flamenco. Em Toledo, conviveu com os Templários e, em Ávila, aprendeu sobre as espadas contemplativas da fé das monjas carmelitas descalças. Na Itália sofreu junto com os mártires sacrificados no Coliseu e viu a cruz ascender sobre aquele campo. Na Escócia de Santo André, subiu as colinas e lutou em Edimburgo, com espadas do tamanho de um homem mediano, e comeu bifes regados a Whisky do melhor, para comemorar as vitórias. Na Inglaterra de São Jorge, participou de batalhas marítimas, em algumas com participação decisiva. No Irã, se alimentou de iogurte Doogh e fumou narguilé de folhas de cereja.
Uma vez, na República Tcheca, encontrou, entre Igrejas e cemitérios, romena chamada Raruca Popescu, de tom de pele próxima à sua. Desde que se viram, pareciam que se conheciam há muito, conversavam e sentiam próximos, se entendiam, como se sempre estivessem juntos, uma conexão natural e fácil e amiga, mas nunca tinham se visto antes. Ela contou para ele que, na Segunda Guerra Mundial, lá na Romênia, de onde provêm muitos ciganos, seus avós, pela perseguição de inimigos e por serem católicos ligados à Igreja do país, tiveram que esconder suas fortunas e joias enterradas em quintal, sendo que, até hoje, de vez em quando, acham alguma moeda perdida. Tomaram-lhes tudo.
Na China, Ele percorreu suas muralhas, avistou o grande deserto branco de Gobi e teve contato com os mongóis. Conviveu com mandarins e se vestiu como eles. Em Beijing, fez negócios, tomou chá, comeu frutas frescas e lichia, aprendeu Tai Chi Chuan, admirou os parques e as pessoas dançando e simulando lutas imaginárias com seus leques e espadas. Observou o Louva Deus e os tigres indianos. Sozinho visitou a Cidade Perdida e a escola de Confúcio. Foi rezar em templos budistas, acendeu incensos e rodou Roda da Fortuna que parava e lhe mostrava sempre o mesmo símbolo. Empurrou enormes traves de madeira, que funcionavam como aríetes e tocavam e vibravam sinos gigantes, pedindo paz para si e para o mundo.
Na verdade, nunca pensara em sair de sua cidadezinha natal. Nunca pensara em alçar voo e sair por aí. Mas a vida e o Céu o pegaram pela mão e lhe apontaram caminhos e Ele percorreu caminhos nunca imaginados, por terra, pelo ar e por mar. Em retribuição, entregou-se a defender a vida, a natureza, o contexto da qualidade de vida, a garantia da luz divina, a verdade.
Ela era jovem, filha de um feiticeiro que a levava para lugares escuros e realizava rituais em sua frente e fazia coisas que Ela nem entendia muito bem, todavia herdara de forma originante a ideia de que seria bruxa e que as pessoas deviam temê-la. No dia a dia, Ela era doce, silenciosa, observadora, saudável, mas, dentro dela, morava a essência de um Cavalo. Ela era honesta com quem se aproximava, alertava sobre sua origem e sobre as suas possibilidades, sobre sua dificuldade de se entregar, no todo, como amiga ou como mulher
Um dia, os dois se encontraram e o Serafim olhou nos olhos dela, dentro dela, mergulhou em suas trevas, e ressurgiu diante do coração dela e viu que no fundo, no fundo do fundo, ela era boa, mesmo que repartida, lá havia igualmente luz, e isso o agradou. Ela lhe avisou das suas possibilidades e Ele disse para Ela, beijando suas mãos sagradas: – Não tenho medo de você!
Noturna, de sono curto, Ela sentia dependência dos outros, com futuro incerto. Ele acreditava nela, no potencial dela e sonhou para Ela melhores dias e viagens e retornos felizes. E Ela viajou. Só que as cobranças sobre o que viria adiante levaram o Cavalo dentro dela a se agitar, comer suas raízes, negar sua “primogenitura”. Ele, antigo, já vira outro cavalo incendiário, que tinha gostado, fazer algo semelhante e fora um desastre. Ele não queria perdê-la e Ela percebeu, só que se esqueceu que o Serafim a “enxergava”, Ela se materializava diante dele e, em muitos momentos, teve prova disso. Ele, às vezes, não sabia exatamente o que estava errado, entretanto, nos movimentos dela e de suas companhias, via a ameaça e as armadilhas. Ele quis a fixar e tornar una, não queria que Ela sofresse o que outro cavalo do passado dele já sofrera, e também porque era importante que Ela ficasse fazendo bem à terra e às águas, a Ele mesmo, com os seus dons amorosos e saudáveis, que residiam além das suas trevas.
Então, Ela, com o seu Cavalo de patas de aço, o atacou. Ela foi dura, conclamou as tempestades e os relâmpagos contra Ele, que não se defendeu, apenas usou dois pares de suas asas para proteger sua cabeça e seus pés, enquanto pairava no ar sentido a presença dela. Às vezes, com suas asas centrais, fazia um giro em movimento de Tai Chi Chuan, só para os raios que iam em sua direção não terem chance de atingi-lo. Ele mergulhou nas águas profundas e de riscos coloridos de Europa, uma das quatro luas de Júpiter, junto com Calisto, para se recuperar do ataque. E o Cavalo atacou de novo. O Serafim aceitou o ataque, não o respondeu, com duas das suas seis asas cobriu os próprios olhos para não ver as trevas que transbordavam dele em sua direção e que contaminavam o ambiente, e ia adiante, envenenando espaços e seres contíguos, mesmo que destacados. Lembrou que, muito tempo atrás, tinha pedido paz para si e para o mundo e que, um dia, as vibrações desses pedidos também chegariam a Ela, se entranhariam nela e a fariam enxergar, ainda que se impusesse a riscos.
Europa. Imagem da Sonda Galileo. Fonte: Wikipédia.
Calisto. Imagem da Sonda Galileo. Fonte: Wikipédia.
Nem tudo aconteceu assim, a paz não voltou. Ela passou a odiá-lo, espalhou suposta atitude inconveniente, quando no fundo fora saudade e Ele nunca faria isso, mesmo que pudesse, porventura, ter desejado. Não o faria, por profundo respeito a Ela e aos seus compromissos pessoais. As amigas dela o atacaram, o ironizaram, separaram o mundo entre jovens e velhos, entre quem pode e quem não pode, desfizeram as pontes entre relações humanas, que são eternas e não dependem de idade. E quem fez isso esconde seus próprios demônios, seus interesses e supostas verdades formadas por mentiras, desilusão.
Ela o tratou como um antigo leproso, emudeceu, o repugnou. Elas o acusaram de espalhar doenças, maldições, que afetaram o vigor do Cavalo. Mas o Cavalo e o Serafim sabiam a verdade, as motivações para tudo aquilo, o tempo mostraria que as doenças nada tinham a ver com Ele, foram acontecimentos oportunistas. Ela precisava de descanso, vivia distribuindo sua energia vital. O Serafim se sacrificou por Ela e por onde andava e voava, pelos ares, pelas águas, pelas areias, Ele pedia aos céus para recuperá-la, devolverem seu sorriso e sua força, que o sol retornasse e brilhasse iluminando os passos e o coração dela, afastando a escuridão. Doou parte de si para Ela, porque Ele a conhecia, mesmo distantes no tempo eram próximos, mesmo atravessando buracos negros, eram capazes de se encontrar em outras dimensões, ainda que se negassem, o Universo formaria ondas que os trariam de volta em função de suas origens comuns, finitas e semelhantes.
Ilustração artística do Planeta Próxima B
Fonte: http://www.businessinsider.com.
O Serafim teve, chorando por dentro, que partir para o Planeta Próxima B, onde se encontrou e se aconselhou com alguns amigos Templários e bebeu Doogh, feito de leite das éguas de São Jorge, e um Whisky Bruadar, para se fortalecer. Um dia, Ele pegou sua viola flamenca e cantou esta canção:
“Quatro luas no horizonte,
E a saudade não se apaga
Falta-lhe algo na alma
Sozinho em um mundo distante.
Ela ergueu suas mãos sagradas das águas
E agarrou as suas asas
Voo entre dimensões
Mergulho entre orações.
Batalhas irreais
Lutadas pela madrugada
A vida real escondida num quarto
A espera de um tempo concêntrico.
Flechas lançadas em direções opostas
Rumam pelo Universo finito
Sorte de se encontrarem
E tornarem o maldito bendito”.
Partiu, não por Ela, independente do coração talhado a machado, era boa, delicada e gentil quando seu monstro interno estava pacificado. Parte Ele carregou consigo, parte ficou com Ela, parte ficou com alguns que achavam que sabiam a verdade, tolos. Por intuição e vendo adiante, como é comum aos Serafins, deixou com Ela relíquias para que evitasse os perigos que estariam adiante. Não a quis mal, não poderia, até porque Ela foi uma coisa boa em sua vida e lhe ensinou muito em tão pouco tempo. Ainda derrama luz sobre Ela, suas orações sobre a cabeça dela porque se considera Amigo. Assim como Deus determinou, todas as coisas acontecem, repetem-se.
Ela, como muitos cavalos, cavalga por aí... a buscar seu rumo, até em si. Uns acham que Ela endureceu, outros, que se perdeu. Ele sabe que, um dia, Ela sairá do mundo das fantasias. Ele sabe, porque a conhece bem. Ainda hoje, em momentos mais inesperados, Ela se materializa diante dele. Ele lança uma oração aos Céus, pedindo paz para o coração dela, proteção.
Alguns contam que a constelação de Pégasos, a do Cavalo Alado, surgiu desse encontro do Cavalo com o Serafim, nada tendo a ver com Zeus, o Deus do Olimpo. Pégasos junto ao Cisne e à Águia guardariam o segredo do enigma de Andrômeda, ainda a ser revelado. Pégasos fica dando piruetas na abóbada celeste e, de vez em quando, fica de cabeça para baixo.
Fonte da Ilustração: http://www.myinterestingfacts.com.
Até a próxima aventura!
(Esta é uma obra de ficção, de realismo fantástico, não tendo compromisso com a verdade ou com situações e fatos que possam ter ocorrido na vida real.)
"
"
"