TERROR NA PEDRA DA GÁVEA
(Prólogo)
Robson José Calixto
Imagem da Orla da Zona Sul do Rio de Janeiro,
com a Pedra da Gávea ao Fundo, à Esquerda. Fonte: Pinterest.
Ele entrou para o Grupo Jovem PAC (Participação e Ação na Comunidade) em 25 de setembro de 1976. Esse Grupo foi formado ao final da década de 1960 em uma comunidade de freis Carmelitas Descalços, na Matriz-Basílica de Santa Teresinha do Menino Jesus de Praga, na Mariz e Barros, no bairro da Tijuca, bem em frente ao tradicionalíssimo Instituto de Educação, das famosas normalistas do Rio de Janeiro. Não por acaso a orientadora e preceptora do Grupo era também professora do Instituto. O Grupo foi criado em plena ditadura, mas permaneceu intacto e sem vigilância pela forte orientação teológica ofertada, pela ligação da orientadora com a Cúria da cidade do Rio Janeiro, bem como por ela ser irmã de um Almirante.
Imagem de Santa Teresinha. Foto: RJC.
Interior da Igreja de Santa Teresinha, no bairro da Tijuca, RJ. Foto: RJC.
Ele entrou não por causa da religião, até porque vinha com diferentes influências esotéricas e familiares, além de outras experiências espirituais, que o colocava numa região como um “mestiço”, em sangue, em cor de pele, em cabeça e em influências.
Ele entrou, sim, por causa de uns lábios carnudos, de uns olhos verdes enigmáticos e de uma alegria contagiante de uma mineira chamada Tania Brandão. Só que ela foi e ele ficou, normalíssimo para os ensinamentos cristãos, quando uns vão para as festas e pelos amigos e ficam pelo chamado de Jesus, o Cristo. Mas a relação dele com a Santa Teresinha começou bem mais cedo, quando foi pajem no casamento de sua Madrinha de batismo naquela igreja, quando ainda era muito criança. Ele sempre achou que desde aquele dia a Santa o capturara para ela.
O Grupo tinha a tradição de fazer “escaladas” dos picos da cidade, o da Tijuca, o do Papagaio, entrando pela Floresta da Tijuca, para dormir lá em cima e ver o sol nascer. Também subiam a Pedra Bonita para ver o sol nascer e o pessoal saltar de Asa Delta de lá. Não eram escaladas, na verdade seguiam por antigas trilhas e córregos na mata e pedras. Saíam no sábado à noite e voltavam no domingo pela hora do almoço. Subiam geralmente umas quinze pessoas, entre rapazes e moças, iam conversando, passavam por carros que serviam de Motel das Estrelas, e chegando lá em cima, quase ninguém dormia, admirando o céu, conversando, comendo um lanche e se assustando com cachorros que apareciam de repente. Viviam, para eles, um tempo romântico, tranquilo por aquelas matas e florestas. Tudo era muito seguro, o que deixaria de ser com as décadas de violência que seguiriam à frente e a com onda de hedonismo. Mas ver o sol raiar daquelas alturas e a cidade acordar eram cenas inesquecíveis e prazerosas, o Grupo também era muito unido, apesar de algumas diferenças que existiam e, mesmo, pequenas rixas devido a competições pela atenção e o amor de alguma garota ou, ainda, antipatias – não existe empatia integral.
Apesar das desconfianças e resistência inicial à sua entrada, porque não tinha os mesmos conhecimentos teológicos dos outros, oriundos de famílias de posse, nível cultural bem elevado e pais bem posicionados profissionalmente, alguns já com ligações à sociedade ecológica e humanista americana Sierra Club, ele foi aos poucos sendo aceito, possivelmente pela sua entrega e vontade de aprender e algumas mães se afeiçoavam muito a ele, pois era gentil com elas.
Bairro do Maracanã. Imagem: Google Earth.
Algumas noites, quando acabava as reuniões do Grupo Jovem e ninguém tinha algo para fazer, ele ia para a casa de pedra da família Cardozo, na rua Conselheiro Olegário, no bairro do Maracanã, bem ao lado do estádio, menos de cinco minutos a pé. Todos eram vascaínos nessa família bem grande, de muitos filhos e filhas, primos e primas, tios e tias. Ele ia junto com outros membros do Grupo, que tinham gente bem alta, por volta de 2,00 m ou acima, como era o caso de Harrison, Davi, Roberto Rozo (já falecido), Baixinho, entre outros, e ficavam jogando War com Tarcísio, Marquinho e Zeca da família Cardoso, entrando pela madrugada. Dava fome e comiam tudo que tinha na cozinha e na dispensa da casa, imagina um bando de caras na faixa dos seus 17 a 20 anos, que fome tem.
Os Cardoso tinham um aparelho de som maravilhoso, com headfones bem modernos e de som limpo. Quando ele perdia no War e esperava pela próxima rodava, sentava no chão e se recostava em uns almofadões e começava a ouvir alguns LPs disponíveis. Foi ali que começou a admirar as melodias e letras de Pink Floyd, Focus, Procol Harum, entre outros. Isso complementaria seu gosto musical que tinha herdado de um primo, que gostava de ouvir Uriah Heep, Black Sabbath, Led Zeppelin, Creedence e the Who.
Todos estavam de férias na faculdade ou na escola e o tempo naquele sábado tinha sido maravilhoso, lindo, sem chuvas. Rodada de War começa, termina, um sai e outro volta ao jogo, de repente alguém deu a ideia:
“- Que tal a gente subir a Pedra da Gávea amanhã?
- Bora, bora, bora! A gente liga para o pessoal do Grupo e marca o encontro, pegamos um ônibus até São Conrado e de lá subimos!”
Ao menos dois da família Cardoso conheciam a trilha. As famosas “Águas de Março” do Rio de Janeiro só chegariam em março e eles estavam em janeiro. Os que não moravam ali foram para as suas casas e pela manhã começariam os telefonemas e as confirmações. Alguns dos contatados achavam que estava muito em cima, outros preferiam para a segunda-feira, todos estavam de férias mesmo. Mas o dia estava lindo, iriam no domingo mesmo. Escolheu-se um ponto de encontro onde todos se encontrariam, com exceção de Alena, que já morava pela região de São Conrado.
Ele arrumou sua mochila, colocou algo para comer e beber, uma muda de roupa e rumou para o ponto de encontro. Chegando lá, além dele, só apareceriam Tarcísio, Marquinho e Zeca da família Cardoso e Hudson Alcântara, irmão do Harrison e da Helen. Se entreolharam, “Vamos ou não? Vamos!” Pegaram o ônibus para São Conrado e lá encontraram Alena.
Pedra da Gávea. Fonte: Wikipédia.
Ela já morara mais próxima da Igreja, todavia mudara. Era uma moça branca, de cabelos louros lisos curtos, bem bonita, de corpo bem feito, sensual e atraente. Ele a conhecia pouco, mas os demais muito. Cumprimentaram-se e seguiram para a Pedra da Gávea, montanha de mais de 840 m, uma das maiores do mundo à beira-mar.
Logo no início da subida ele percebeu que aquela não era um a caminhada comum, tendo mais cara de escalada ou rapel mesmo. Só que eles não tinham qualquer equipamento para esses tipos de atividades, como mosquetão, corda ou uma bota de maior aderência. Outro problema: o vento sudoeste entrara rapidamente, com suas nuvens escuras e sensação de frio, começando a chover fino e parava, voltando sol aparecer. O terreno começou a ficar a escorregadio.
Havia um pedaço do caminho que era bem estreito inclinado, chamado de “terra preta”. Se alguém escorregasse dali, lá embaixo era só precipício. Tinha-se que passar com cuidado. Zeca, Tarcísio, Marquinho passaram e deram uma força a Alena. Então ele começou a fazer a passagem com as mãos se apoiando na parede de terra e se espremendo naquele caminho estreito. Hudson era o último. Foi quando ele escorregou.
Fim do Primeiro Capítulo (18/05/2017).
Nota: Esta não é uma obra de ficção tendo sido baseada em fatos reais.