O AMOR
Cecília Meireles
É difícil para os indecisos
É assustador para os medrosos
Avassalador para os apaixonados
Mas, os vencedores no amor são os fortes
Os que sabem o que querem e querem o que tem
Sonhar um sonho a dois
E nunca desistir da busca de ser feliz
É para poucos!
MEDALHA DO CENTENÁRIO DE BALSAS
Raimundo Floriano
Este ano, no dia 22 de março, Balsas, minha cidade natal, completou seu Primeiro Centenário, tendo eu ali nascido a 3 de julho de 1936, quando o município ainda era um adolescente. Nestas 8 décadas de minha existência, tenho dedicado imenso amor a esse querido torrão. Alegrei suas ruas e o Clube Recreativo Balsense com minha música e, em livros, contei sua história, abrangendo a navegação fluvial Balsas – Oceano Atlântico, com fotos de diversas embarcações e perfis dos principais homens que viveram essa linda saga, além dos vultos e fatos que fizeram a grandeza da memória balsense.
Por isso, nas comemorações do Primeiro Centenário de Balsas, fui lembrado como um dos personagens que contribuíram para sua grandeza, conforme adiante se constata:
No ato da condecoração, fui representado pela sobrinha Maria Isaura da Silva Fonseca, a Isaurinha, residente em Balsas, em virtude da impossibilidade momentânea de minha presença, por motivo de saúde.
Para honrar tanta deferência a minha pessoa, é com grande júbilo que passarei a ostentar no peito essa condecoração, juntamente com a Medalha de Pioneiro de Brasília, em qualquer solenidade oficial que venha a comparecer.
BALSAS QUERIDA
BALSAS , CIDADE SORRISO
EMBARCAÇÕES QUE NAVEGAVAM DE BALSAS (MA) AO OCEANO ATLÂNTICO, ATÉ O FINAL DOS ANOS 1950
Raimundo Floriano
Motor Ubirajara (Rebocador, passageiros e carga) e Barca Macapá (Reboqe - Passsageiros e carga)
Vapor Afonso Nogueira (Passageiros e rebocador)
Lança Palmira (Passageiros e rebocadora)
Lancha Tambo (Passageiro e rebocadora)
Motor Albatroz (Passageiros e carga)
Motor Pedro Ivo (Passageiros, carga e rebocador)
Motor Princesa Isabel (Passageiros e carga)
Vapor rio Balsas (Pessageiros e rebocador)
Vapor Joaquim Cruz (Passageiros e robocador)
Vapor 15 de Novembro (Passageiros e rebocador)
Vapor Chile (Passageiros e rebocador)
Barca Santa Maria - Reboque (Passageiros e carga)
Barca Saloia - Reboque (Passageiros e carga)
Balsa de Buriti (Passageiros e carga)
Chegando ao destino, era desmontada
Motor Ubirajara, carregado de combustíveis para a Petrobras
ANTÔNIA BARBOSA ALMEIDA (TUNICA) ECANTOU-SE
Padre João Dias Rezende Filho
Hoje, despediu-se discretamente, com a mesma discrição e elegância com que esteve entre nós, a penúltima Prima ainda viva de Vovó Tamar Pires Barbosa Pecegueiro ( vive Miguel Barbosa Borges, em Carolina, Maranhão), Antônia Barbosa Almeida (Tunica) , aos 102 anos incompletos.
Descendente de antigas e tradicionais famílias lusas, pernambucanas, piauienses e maranhenses, foi filha dedicada, esposa, mãe e avó extremosa e amiga de todos. Católica fervorosa, rogo ao Boníssimo Deus que pela intercessão da Virgem Santíssima e de Santo Antônio, padroeiro do Balsas, seu berço e santo onomástico tendo ela nascido no dia 13 de junho de 1918, seja recebida na Casa do Pai e possa contemplar a face radiosa do Cristo Ressuscitado!
Meus sentimentos ao primo Thucydides Barbosa Almeida e a toda família!
Nota do Editor - Tunica Barbosa era filha de Thucydides Barbosa, o fundador de Balsas, conforme consta no documento abaixo, comunicando seu nascimento no dia 13 de junho de 1918, Dia de Santo Antônio, Padroeiro de Balsas.
MEDALHA DO CENTENÁRIO DE BALSAS
Raimundo Floriano
Este ano, no dia 22 de março, Balsas, minha cidade natal, completou seu Primeiro Centenário, tendo eu ali nascido a 3 de julho de 1936, quando o município ainda era um adolescente. Nestas 8 décadas de minha existência, tenho dedicado imenso amor a esse querido torrão. Alegrei suas ruas e o Clube Recreativo Balsense com minha música e, em livros, contei sua história, abrangendo a navegação fluvial Balsas – Oceano Atlântico, com fotos de diversas embarcações e perfis dos principais homens que viveram essa linda saga, além dos vultos e fatos que fizeram a grandeza da memória balsense.
Por isso, nas comemorações do Primeiro Centenário de Balsas, fui lembrado como um dos personagens que contribuíram para sua grandeza, conforme adiante se constata:
No ato da condecoração, fui representado pela sobrinha Maria Isaura da Silva Fonseca, a Isaurinha, residente em Balsas, em virtude da impossibilidade momentânea de minha presença, por motivo de saúde.
Para honrar tanta deferência a minha pessoa, é com grande júbilo que passarei a ostentar no peito essa condecoração, juntamente com a Medalha de Pioneiro de Brasília, em qualquer solenidade oficial que venha a comparecer.
BALSAS QUERIDA
BALSAS , CIDADE SORRISO
TUNICA BARBOSA, UMA BALSENSE CENTENÁRIA
Raimundo Floriano
Tunica Barbosa, com o Padre João dias Rezende Filho,
seu sobrinho-neto, que escreveu texto abaixo:
Há 100 anos, o casal Thucydides Barbosa e Maria Botelho Barbosa ganhavam de Santo Antônio a sua Antônia, a sua Tunica! Para tio Thucydides, foi um 1918 de duas grandes alegrias: a elevação de Balsas à categoria de cidade e o nascimento de mais uma filha. Atualmente, tia Tunica, como carinhosamente é tratada por amigos e familiares, é a mais idosa remanescente do entrocamento de velhas e tradicionais famílias nordestinas, mais especificamente pernambucanas, piauienses e maranhenses (Barbosa, Pires Ferreira, Botelho, Bandeira de Mello, Rodrigues de Carvalho, Alves Santiago, Diniz e tantas outras). Parabéns, Tia Tunica! Que Deus abençoe sempre mais a senhora que, com tanta longevidade, continua a dar muitos exemplos da força e da doçura da nobre mulher sertaneja!
DEPOIMENTO DE UMA BALSENSE DE CORAÇÃO
Iracema Botelho Santos Fantaguci
Alô, Raimundo,
Li a sua biografia, parabéns, que biografia! Falei para a Marlene Garcez, ontem, que Balsas produziu muitas estrelas que dão mais brilho ao nosso Céu. Vocês nos iluminam e trazem à vida mais beleza. Obrigada!!!
Retribuindo à sua apresentação, vou falar um pouco de mim e de minha memória balsense.
Nasci em São Paulo e, quando tinha 8 anos, em dezembro de 1959, minha família mudou-se para Balsas.
Vivi um tempo muito bom em Balsas, quando a cidade era ainda muito pequena. Éramos uma grande família, em que todos se conheciam, se respeitavam e ajudavam uns aos outros. Tudo girava em torno da Igreja e das escolas. Na década de 1960, não havia água encanada, tomávamos a que era trazida do rio por jegues e era depositada nas casas em potes de barro. Luz elétrica, só de gerador, até as 22 horas. Após esse horário, líamos com luz de lamparina. Quando chovia, nos meses de dezembro e janeiro, caíam muitos muros das casas, e era bonito ver a enxurrada descer, rumo ao rio. Na época dessas cheias, gostava de ir à ponte velha de madeira para ver o rio caudaloso, com as águas barrentas, arrastando galhos e tudo que encontrava pelo caminho. Para ir às fazendas à beira do Rio Balsas, nosso meio de transporte era a balsa, uma espécie de casa flutuante, verdadeira aventura. O Rio Balsas era a grande atração da cidade: no verão, fazíamos muitos piqueniques. O banho em suas águas cristalinas era uma delícia. Outras atrações do verão eram piqueniques à beira do Rio Maravilha e na Cachoeira do Macapá.
Meu aniversário de 10 anos, 10 de novembro de 1961: nessa época morava na Praça Eloy Coelho, vizinha à residência do Sr. Arão e à de Dona Belinha. Da esquerda para a direita: Joãozinho, filho da Luzia Botelho e Sr. Joel; não me lembro do nome da menininha; Stael Barbosa; Stela Barbosa; Aliete Lima, filha da Dona Terezinha Pereira Lima; eu; minha mãe, Dinah Botelho; Nathan, meu irmão; Yara, minha irmã, já falecida; Élcio Bastos, filho do padrinho Manoel João e madrinha Acy Bastos; madrinha Acy Bastos, com Fátima no colo; Dona Belinha, com Jane no colo; Lory Botelho e Socorrinha Botelho, irmãs, filhas da Luzia Botelho e Sr. Joel.
Uma memória que é constante é a do sabor de algumas iguarias balsenses, como a famosa marizabel, o bolo branco, a rosca de tapioca, o bolo de arroz, a cocada da Noca, o bolo de puba, doce de mamão verde com coco, de caju, de goiaba, manga-rosa da casa do Gesner e outras iguarias que remetem aos sabores da infância.
Ah, como não falar das festas juninas? A disputa das barracas, com suas candidatas a Rainha do Festejo, o casamento caipira (em um ano, fui a escolhida para ser a noiva caipira), as prendas, o mungunzá (que aqui se chama canjica), o povo todo acorrendo para pedir as suas graças a Santo Antônio, o amado padroeiro da cidade. O São João também era muito animado, as famílias fazendo as fogueiras à porta de suas casas, assando batata-doce, padrinhos e afilhados pulando a fogueira em uma tradição que se levava muito a sério. O padrinho de fogueira era alguém escolhido pelo coração, e essa relação era respeitada pelo resto da vida dos envolvidos.
As estradas eram péssimas, porém, tínhamos as viagens aéreas pela Cruzeiro do Sul. Chegamos a Balsas pela Real. Uma época em que ainda se pernoitava em Goiânia, para continuar viagem no dia seguinte. Havia pouquíssimos carros, então tudo se fazia a pé: ir às escolas, à missa, a batizados, casamentos, festas, enterros. Nessas caminhadas, a cidade se encontrava, trocava ideias, contavam-se os causos, as alegrias e as tristezas, tudo era compartilhado, sem contar as fofocas. Pedia-se a bênção aos mais velhos, que chamávamos de tios. Era uma época em que para assistir às missas, usava-se véu, os vestidos deviam ser de manga e na altura dos joelhos. A missa era celebrada em latim, com o padre de frente para o altar e de costas para os paroquianos.
Meados dos Anos 1960: eu, com Fátima Bastos, filha da madrinha Acy e padrinho Manoel João. Ela era como uma irmã para nós.
A cidade, na década de 1960, ia se transformando: com a chegada dos combonianos, tínhamos as melhores escolas da região: o Colégio São Pio X, comandado por Padre Ângelo, a Escola Normal, pelas freiras, o Ginásio Balsense, com professores como Dr. Rosy Kury e Virgínia Kury, o Grupo Escolar Professor Luiz Rêgo, estadual, com professoras normalistas, e o Educandário Coelho Neto, do Prof. Joca Rêgo. Muitos alunos vinham das cidades vizinhas e até de outros estados para estudar em Balsas. O ensino era rigoroso, exigia-se o máximo empenho dos alunos e, graças a essa exigência, ao enfrentar vestibular em outros estados, os balsenses saíam-se muito bem.
Estudei com Padre Ângelo, no Pio X, e ele, além de nosso reitor, foi pai espiritual. Passava por nós pelos corredores e perguntava: “Está vivo ou morto?”. Se o aluno estivesse atravessando alguma fase difícil, era chamado a uma salinha, onde ele escutava os seus problemas e orientava-o na direção certa. Suas aulas de Educação Moral e Cívica e os debates aos sábados no auditório preparavam os alunos a enfrentar os grandes problemas nacionais, tanto na política, na economia, quanto no âmbito social. O foco era sempre debater um Brasil Melhor, como podíamos colaborar para tornar o nosso país melhor. Padre Ângelo nunca esqueceu aqueles seus alunos balsenses. Ao partir de Balsas, na década de 1970, criou, em São Paulo, o Centro Paulistano-Maranhense para um Brasil Melhor. Encontrava-se a cada dois meses com ex-alunos e suas famílias que moravam em São Paulo, e o debate continuava. Era uma forma de integrar os maranhenses a sua nova vida em uma terra distante e prestar apoio espiritual e orientação, sempre nos dando temas que serviam ao debate: como tornar o Brasil Melhor.
Balsas, 1969: Walkyria Botelho, minha tia, eu, Irmão Ângelo e Graça, mais tarde esposa do Cícero Joalheiro.
Já adolescentes, nosso grupinho de amigos criou o Clube Cinelândia: Nathan, Maria Joaquina, Adalberto e Aliete, Da Cruz, Adalberto, Jorge Pires, eu, Yara, Antônia e Rosa, Geovanina, Rosenda. Representávamos artistas internacionais. Cada um de nós escolhia um nome: de Elisabeth Taylor a Alain Delon, e por aí vai. Não éramos nada modestos. Fazíamos álbuns com fotos dos artistas, tínhamos uma mesa de jogar pingue-pongue, organizávamos tertúlias, formávamos blocos de carnaval, mantínhamos correspondências com rapazes e moças de outros estados, amizades que conseguíamos por meio de anúncios em revistas. A internet, hoje, só veio facilitar o que já fazíamos por meio de jornais e revistas naquele tempo.
Foi uma revolução quando, em meados de 1960, a música dos Beatles, tomou conta de mentes e corações. O mundo fervilhava, os jovens não aceitavam mais as velhas ideias. Tudo se transformou, e Balsas recebeu essa influência.
1970: eu, em visita ao Museu do Ipiranga, em São Paulo, com Maria de Jesus, minha irmã, conhecida em Balsas como A Paulista. Na época, morávamos em Santos (SP).
Muitas lembranças daquela época maravilhosa. Balsas será eternamente a minha cidade do coração.
Em dezembro de 1969, saí de Balsas para Santos. Lá, terminei o Científico Engenharia e, depois, já morando em São Paulo, fiz Faculdade de Jornalismo, em Mogi das Cruzes. Nessa época, a família já estava reunida em São Paulo. Casei-me em fevereiro de 1980. Tenho duas filhas e duas netas maravilhosas. Trabalho com livros didáticos, como preparadora de textos, com foco na área de Humanas.
Foi um prazer rememorar a época em que morei em Balsas. Muita gratidão por essa cidade e pelos balsenses.
Abraços,
Iracema
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Hino Oficial de Balsas, composição de Edilza Pereira, com o Coral do Colégio São Pio X:
OS VERSOS QUE TE FIZ
Sileimann Kalil Botelho
Dizem que, se sentirem a aproximação da morte, os elefantes costumam empreender o caminho de volta para a região onde nasceram e onde esperam, pacientemente, o fim próximo.
Creio que isso, de fato, aconteça e penso mais que, também o homem, como todos os animais, sofre dessa síndrome de retorno à terra natal.
Parto do meu próprio exemplo de migrante compulsório que teve de abandonar sua terra aos treze anos de idade e que alimentou o sonho, por mais de cinquenta anos.
Esse sonho falava de um retorno em situação equilibrada, quando montaria um pequeno jornal em que pudesse um outro sonho de contar, em letras de fôrma, as vicissitudes da luta pela sobrevivência; publicar alguns dos poemas que escrevera desde menino e fazer um registro semanal dos fatos que fossem desenrolando naquela que fora minha cidadezinha ideal.
Hoje, apenas mais um caipira/vagabundo, desses que tropeçam pelas ruas da metrópole, confesso quão lamentável me parece não ter podido fazê-lo. Os fatos trabalharam contra mim e, já disse alguém, – "não se brigam com fatos".
Consola-me saber que fiz algum esforço sem, contudo, ter conseguido realizar o velho sonho de ir esperar a morte na velha cidade que me viu nascer e de onde considero ter sido expulso por três vezes, como lhes conto:
A primeira delas ocorreu quando, dois anos após a morte de meu pai e esgotados os parcos recursos que deixara, minha mãe chamou-me (o filho mais velho) para explicar que, também, a casa, nos estavam tomando: que íamos passar fome e não queria fazê-lo na cidade onde era membro respeitável da sociedade. Certamente, não sabia quem era Menotti del Picchia e não pudera ouvir-lhe o conselho dos versos magistrais onde ensinava: "Não vás, porque nós bem sabemos que, na terra natal, a própria dor dói menos".
E partimos, numa balsa do Major Edísio Cesário da Silva, que nos cedera gratuitamente o espaço, para uma via-crúcis que o grande remédio do tempo não consegue fazer esquecer.
Minha segunda expulsão ocorreu de uma forma também comum nestes vastos Brasis de injustiça e miséria e onde há sempre pessoas "mais iguais" que outras, desde os distantes tempos de Pedro Álvares Cabral: Tinha um emprego estável e uma mulher, também estável, professora do Estado. Consegui nossa remoção para a cidade, mas, ao chegarmos, o Prefeito declarou que não daria posse, porque, no Grupo, só havia uma vaga que, estava reservada para uma sobrinha que se estava formando. Se quiséssemos, conseguiria uma vaga em cidade próxima para onde poderíamos ir.
Respondemos que ele tinha muitas sobrinhas e podia, perfeitamente, reservar essa outra vaga a alguma delas. E partimos de volta para o exílio.
E, a terceira expulsão, seria apenas uma das muitas brincadeiras que aprendi a fazer, na luta pela sobrevivência.
Meu sobrinho (e poeta) Odilon Nunes Botelho Júnior queria levar-me para ouvir com ele, os sinos da velha Matriz de Santo Antônio, onde fomos batizados. Era um convite tentador, quase irrecusável. Mas, veio acompanhado de um exemplar da História do Sul do Maranhão, escrita por Eloy Coelho Netto, meu antigo colega de bancos escolares. E foi nessa razoável História, que verifiquei estar sendo, pela terceira vez, expulso da minha cidade. O autor, em vários capítulos, analisa, com alguma competência, todos os aspectos físicos e humanos do promissor município e cita as principais famílias que praticamente o fizeram, desde a fundação da cidade. E a minha família não estava lá, embora nossas mães fossem amigas, nossos pais jogassem diárias e barulhentas partidas de gamão, e nós dois tivéssemos alisado os mesmos bancos do famoso Educandário Coelho Neto. Mas, talvez estranha coincidência, aquele Major Edísio que nos dera as passagens da primeira expulsão, era pai do autor.
Para mim, foi demais. Não consegui deixar de sentir-me excluído e, por isso, cancelei a viagem que, talvez, pudesse ter-me levado a realizar o velho sonho.
E, também, talvez, para dissimular um pouco, escrevi os versos abaixo, que dediquei ao Júnior e o transformei em mensageiro da minha mágoa:
Os versos que te fiz na aprendizagem
Do meu exílio, deste estar distante
Fracos de rima, tíbios na mensagem
Rasguei-os todos... Pobre diletante!
Mas tinham eles o frescor da aragem
Que te perpassa o solo a cada instante
O perfume das flores, a paisagem
A água do rio, pura, borbulhante.
Tinham o sabor da murta e da mangaba
Que eu colhia, no antigo Potosi
Em trançados bornais de piaçaba
E o amargor do pranto que verti
Na solidão que sobre mim desaba
Desde o dia fatal em que parti
(São apenas sessenta anos. "Mas, como doem".)
Nota do Editor: O escritor e poeta balsense Sileimann Kalil Botelho faleceu em Sobradinho (DF), no dia 24.04.2013, aos 86 anos de idade. É dele o poema Festas de Junho, publicado à página 89 de meu livro Memorial Balsense.
CABEÇA-DE-CUIA
Adaptação de Odilon Botelho Jr.
Odilon Botelho Jr.
Não vai longe o tempo em que o rio Balsas possuía uma importância maior do que hoje para os seus habitantes, pois tinham que ir até ele diariamente deliciar-se em suas águas e/ou pegar latas d'água para o consumo doméstico.
Existia, então, o Porto dos Homens e o das Mulheres (Porto da Militana). Todos respeitavam essa convenção natural, em que cada sexo tinha seu porto e somente nele poderia banhar-se. As mulheres banhavam vestidas. Algumas, mui bem vestidas. Já os homens, peladões. Era o costume.
Veio o inverno das grandes chuvas. Daquelas de matar sapo. O rio enchia a olhos vistos, ameaçando os ribeirinhos, com a água invadindo as casas. Alguns casebres se foram. O Pedro Doguinha teve que procurar abrigo, quando o rio já passava por cima das laterais da ponte de madeira.
Árvores e galhos eram arrastados pela corrente do rio caudaloso, cuja cor lembrava 'sambereba' de buriti. A nossa principal diversão era contar as cobras que passavam por baixo da ponte. A que dava mais ibope era a jaracuçu-de-brejo. Não era surpresa quando algumas dessas surfistas adentravam nas casas das ruas paralelas ao rio, para o pavor da meninada.
Certo dia, correu a notícia de que um bicho enorme virara a canoa de um pescador, que desapareceu. A última vez que o viram foi na curva do rio, abaixo do Seminário. Dia seguinte, soube-se que uma lavadeira, lá no Rasião, vira uma coisa do outro mundo: um monstro de três olhos, com cabeça que parecia uma grande cuia. O bicho já tinha nome: Cabeça-de-cuia. A cidade ficou em alvoroço. E, a toda hora, surgiam novas estórias da terrível criatura.
Ninguém mais queria ir ao rio. Apesar de se precisar dele para tudo, mesmo assim, ninguém se atrevia a mexer com aquelas águas.
Mas Seu Arão, antigo conhecedor desse rio e dos cidadãos de Balsas, preferiu não dar ouvidos ao falatório e continuou com seus banhos diários, normalmente.
Ressalte-se que naquela época o movimento hippie crescia, principalmente nas grandes capitais, como Brasília, de onde o Ercilon, meu irmão, chegara, com o cabelo black power e a barba à Fidel Castro, ou seja, no auge da moda.
Ercilon nem passou lá em casa para ver os pais e deixar a mochila. A saudade era tamanha, que não resistiu em dar logo um mergulho no rio. Movimento hippie à parte, esse é o compromisso primeiro de um genuíno balsense. Então, subiu lá para a Berada (acima do Porto dos Homens) e, sobre uma pedra, ficou a contemplar toda aquela formosura que Deus criou.
Aspirou profundamente, deu um salto e mergulhou. E assim deixou-se levar pela correnteza, mergulhando e tomando ar, alternadamente. Sem saber dos boatos que envolviam os meandros do rio.
Seu Arão tomava seu banho tranquilamente, à noitinha, quando surgiu bem próximo dele aquela coisa cabeluda, que o assustou. De imediato, relacionou:
– É o bicho! O... Cabeça-de-cuuuia!
E saiu tropeçando e gritando de dentro do rio. Ercilon conhecia Seu Arão de longa data, como um homem calmo e valente. "Alguma coisa grave aconteceu para ele agir assim”, pensou. Na dúvida, saiu correndo atrás de Seu Arão. Ambos pelados.
Seu Arão, quando percebeu que o bicho o seguia, nunca foi tão veloz. E, assim, subiram aquela ladeira que vai do pé de tamarindo até o Bar do Abóbora. Um, temendo o Cabeça-de-cuia; e o outro, uma coisa qualquer. Ultrapassaram o acesso da Militana, como vieram ao mundo, sem convenções.
Como os hippies!