Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos quinta, 14 de novembro de 2024

FATOS, NOTAS E PITACOS (CRÔNICA DO COLUNISTA FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES)

FATOS, NOTAS E PITACOS

Fernando Antônio Gonçalves

1. O notável pernambucano Nelson Rodrigues escreveu certa feita: “Idiotas vão dominar o mundo porque são muitos.” Tudo faz crer que, nas narrativas e comentários esportivos das TVs nas paralimpíadas, eles já predominam. Urge a implantação de um PGDT – Programa Geral de Desidiotização Televisiva. Antes que tudo vá para o brejo.

2. O teto do Santuário de Igreja Nossa Senhora da Conceição, no bairro do Vasco da Gama, Recife, desabou, eternizando duas pessoas. Que a sua estrutura física seja brevemente reconstruída, preparando o ambiente – restauração, prevenção e conservação – para as comemorações festivas do Dia de Nossa Senhora da Conceição, no próximo dia 8 de dezembro. E que o povo nordestino não falte com seu apoio financeiro.

3. Que os participantes das Paralimpíadas de Paris 2024 sirvam de exemplo de resiliência, altivez, perseverança e fé para todos os desanimadões planetários, que se imaginam sempre coitadinhos, quando muitos vezes não passam de manada, sem eira nem beira, por causa de uma permanente desvontade de crescer, participar e vencer, sintoma que produz coitadismos e vitimismos, “deus quis” e “estava escrito”.

4. A campanha eleitoral pela TV começou. Hora de não se mudar de canal, mas de principiar a separar as intenções sinceras das falas demagógicas, hipócritas, sectárias e imbecilizantes. Em todas as agremiações partidárias tem candidatos éticos e cabras safados que não valem o que os gatos enterram. Para estes últimos, DET – Dedetização Eleitoral Total, sem dó nem piedade.

5. Mulheres do Brasil! Todo cuidado é ainda muito pouco quando seu companheiro principiar a praticar grosserias, relinchar, dar coices e ruminar pelos quatro cantos da casa, ameaçando acabar com Deus e o mundo. Um BO – Boletim de Ocorrência é o melhor remédio. Não escondam os seus aperreios, as suas agonias e as agressões dos metidos a humanos. Sou amplamente favorável à pena de castração para os feminicidas e estupradores de crianças e adultos. E nunca se encantem por MSC – Mastros Sem Caráter, que endurecem sempre, mas não se portam como seres civilizados.

6. Tem muitos vestibulandos que ainda desconhecem as origens das desigualdades sociais no Brasil, se comportando como manada na vida, sem eira nem beira, só com focinheira e ferradura. Todo candidato aos Cursos Superiores deveria ler: A SOCIEDADE PERFEITA, João Fragoso, São Paulo, Editora Contexto, 2024, 352 p. Páginas escritas com competência e paixão, para servirem de leitura obrigatória, assimilando farta documentação, potencializando desabestalhamentos e favorecendo efetivas binoculizações profissionalizantes.

No mais, que cada um de nós se aperceba sempre, cotidianamente, uma metamorfose ambulante, a la Raul Seixas, ampliando o saber que faz acontecer, sempre lendo, para não terminar no mundo se lascando, sem mel nem cabaço, sem banana e sem agradar nenhuma fubana.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos quarta, 13 de novembro de 2024

BRASIL, MODERNO OU MODERNOSO? (CRÔNICA DO COLUNISTA FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES)

BRASIL, MODERNO OU MODERNOSO?

Fernando Antônio Gonçalves

O estupidificante rebuliço provocado por uma manada posicionada em frente da Penitenciária Feminina Bom Pastor, no Recife, na expectativa de ver a soltura de uma ricaça envolvida com ganhos financeiros ilícitos, nos remete a um questionamento histórico indispensável: o Brasil é um país moderno ou um país modernoso?

Preliminarmente, a definição de país moderno se baseia numa comunidade portadora de uma educação muito acima da média, renda bem distribuída, com elevado discernimento cultural, uma justiça social plena, saneamento urbano consistente, sem discriminações nem preconceitos, respeitado internacionalmente pelas demonstrações efetivadas em prol dos Direitos Individuais e Coletivos de todo o planeta.

Em nosso país, entretanto, é frequente constatar regimes escravagistas, muita miséria e fome, uma brutal insuficiência educacional, um empreendedorismo voltado para ganhos acima de uma mínima normalidade, uma insegurança urbana e também rural, um consumismo exagerado, uma mídia voltada para o alarmismo e as escandalosidades, bem como eventos indutores de comportamentos voltados para a prática de quase baixo meretrício. Para não se falar de racismos e preconceitos das mais variadas tonalidades, como se por aqui a branquitude fosse sinal único e exclusivo de mando e comando.

Lamentavelmente, ainda estamos situados há milhares de quilômetros de um mínimo civilizatório exigível, de consequências nada agradáveis para os socialmente mais confortáveis, atualmente já bastante temerosos dos seus amanhãs nada promissores. E nada atentos ao desenvolvimento dos seus códigos de inteligência e de autocrítica, tudo se reduzindo a um “se deus quiser” radicalmente despropositado, posto que a responsabilidade é exclusivamente suas, distanciados que estão das recomendações políticas sadias que buscam consolidar o todo nacional entre os ambientes mais dignos do planeta.

O psiquiatra brasileiro Augusto Cury alerta para as armadilhas que ameaçam as elites brasileiras: o conformismo, o medo de reconhecer os erros, o coitadismo e o medo de correr riscos. Para não citar mais alguns: a incultura, o mandonismo machista, o só eu sei, a ausência de autocrítica, a cegueira binoculizadora, o ter acima do nada ser, a desolidariedade e o desamor comunitários, o exibicionismo arroteiro e o nível intuicional próximo de zero. Características típicas dos que integram manadas, sem criticidade nem pensação, participando de um conjunto de idiotas que se auto imolam por exclusivas desatenções para com a construção de eus efetivamente contemporâneos.

Recomendaria a todos os habitantes de um Brasil que busca ser internacionalmente visto como soberano que procurem identificar o seus nível evolucionário dos seus diferenciados códigos: o de gestor do intelecto, o de sua autocrítica, o de sua resiliência, o de seu altruísmo, o de sua capacidade dialogal, o de sua criatividade empreendedora, o de seu carisma pessoal, o de sua ansiedade, o de sua politicidade e o de sua emocionalidade. Avaliando seu nível evolucional como ser humano, brasileiro, participante comunitário, ser espiritualizado e cidadão crítico-construtivo. Sem nunca deixar de perceber-se uma metamorfose ambulante, a caminho da Luz Infinita, para retornos existenciais sempre mais consequentes.

 


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos quinta, 31 de outubro de 2024

LEITURAS PARA DESASNAR ABISCOITADOS (CRÔNICA DO COLUNISTA FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES)

LEITURAS PARA DESASNAR ABISCOITADOS

Fernando Antônio Gonçalves

O meu maior desejo atual, de nordestino brasileiro caminhante e sempre desejando alcançar um nível mais elevado de pensação, é o de ver, em todas as capitais nordestinas, uma Feira Anual de Livros, favorecendo uma ampla elevação crítico-cultural de todas as nossas comunidades, independentemente de crenças religiosas e partidos políticos. Para elas seriam oferecidos livros para todas as idades e escolaridades, etnias e regiões, favorecendo sempre gregos e troianos ainda não ruminantes.

Aproveitando este canto do Jornal da Besta Fubana, uma iniciativa sementeira, de excelente nível desabilolante, do amigo escritor Luiz Berto, autor do premiado O Romance da Besta Fubana, de muitas consagradas edições, indicaria aos estimados leitores algumas leituras que favoreceriam todos aqueles que buscam ser brasileiros mais conscientes das suas responsabilidades pessoais, familiares e comunitárias. A ordem dos livros não tem qualquer relevância, apenas exigindo dos leitores um grau médio de escolaridade e muita garra meditativa e rabiscativa. São apenas cinco indicações, para todos os gostos e balizamentos mentais. Ei-las:

a. ALÉM DA ORDEM: MAIS 12 REGRAS PARA A VIDA, Jordan B. Peterson, Rio de Janeiro, Alta Books, 2021,412 p. O autor, considerado pelo New York Times como “o mais influente intelectual público no mundo ocidental da atualidade”, trabalhou durante muitos anos como psicólogo clínico, também tendo sido docente aplaudido das Universidades de Harvard e Toronto. Tem um estilo bastante objetivo para jovens, atuando sempre como vacina ótima no combate às cretinizações contemporâneas das redes sociais e dos ambientes comunitários de todos os níveis.

b. TER OU SER: UMA INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO HUMANISTA, Erich Fromm, São Paulo, Planeta do Brasil, 2024, 256 p. Páginas escritas há décadas pelo famoso filósofo e sociólogo (1900-1980), de plena utilidade ainda diante da necessidade de uma radical mudança qualitativa dos níveis éticos comportamentais contemporâneos, principalmente após o acelerado desenvolvimento tecnológico das últimos três decênios, quando os que mais possuem materialmente são os possuidores de gigantescos níveis de alienação, somente contemplando os próprios umbigos, numa caminhada radicalmente autodestrutiva.

c. A SOCIEDADE PERFEITA: AS ORIGENS DA DESIGUALDADE SOCIAL NO BRASIL, João Fragoso, São Paulo, Editora Contexto, 2024, 352 p. O autor, docente titular por concurso da Universidade Federal do Rio de Janeiro, apresenta um panorama bastante diferenciado daquele que analisa o capitalismo comercial atuando em terras brasileiras, explicitando a origem das desigualdades na sobrevivência das relações feudais do mundo ibérico.

4. A AVENTURA DO PENSAMENTO: UM PASSEIO PELA HISTÓRIA DA FILOSOFIA E PELOS GRANDES NOMES DOPENSAMENTO OCIDENTAL, Fernando Savater, Porto Alegre, L&PM, 2015, 344 p. O autor é um dos pensadores mais conhecidos da atualidade, espanhol nascido em 1947, aclamado pelos seus esforços em tirar a Filosofia dos pedestais que a colocaram, tornando-a um meio saudável de despertamento mental de uma consciência crítica indispensável na atual pós-modernidade. Segundo Savater, Filosofia não deveria ser uma disciplina, mas o instrumento ideal para uma nova binoculização civilizatória, potencializando amanhãs mais regionalmente solidários.

5. ESCRAVIDÃO: DO PRIMEIRO LEILÃO DE AFRICANOS EM PORTUGAL ATÉ A LEI ÁUREA: VERSÃO DA TRILOGIA CONDENSADA E ADAPTADA AO PÚBLICO JOVEM, Laurentino Gomes, Rio de Janeiro, Globo Livros, 2023, 320 p. Uma leitura familiar indispensável para quem deseja identificar os ainda persistentes níveis escravistas de milhões de irmãos afro-brasileiros.

Os livros acima são simples sugestões para o início de PDs – Procedimentos Desalienantes, ensejando uma Cidadania Brasileira mais consistente para enfrentar os atuais sectarismos imbecilizantes, os hipnóticos fundamentalismos religiosos, os hipócritas populistas, os influencers e os idioters, ambos amplamente interrelacionados sobrevivencialmente. Leituras úteis para todos aqueles que buscam ser, cotidianamente, uma metamorfose ambulante, capazes plenos de fazer a hora sem esperar acontecer.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos quarta, 23 de outubro de 2024

REFLEXÕES DE AMIGO (CRÔNICA DO COLUNISTA FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES)

REFLEXÕES DE AMIGO

Fernando Antônio Gonçalves

O Nildinho, 86 anos, amizade de muitas décadas, me escreve uma carta contendo uma série de reflexões que muito me sensibilizaram, dado o acontecido não ter chegado ao meu conhecimento, apesar de estar ele morando numa capital próxima do Recife. Permitam-me transcrevê-la integralmente, corrigidos alguns lapsos de concordância gramatical. Ei-la:

“Nando amigo:

Há poucas semanas perdi minha companheira de décadas de excelente conjugalidade, vitimada por uma enfermidade incurável nos pulmões, causada pelo vício de fumar que ela nunca buscou combater. Uma companhia que sabia o que era amar nos bons e maus momentos, nos frios e calores das ocorrências cotidianas.

Infelizmente, na era contemporânea, muita gente imagina que amar é só enfiância, nunca percebendo que toda amorosidade mal entendida acarreta desesperanças e ilusões, agressões, abandonos, xingamentos e feminicídios.

A Rita me ensinou a entender a grandeza do que seja saber amar, ainda que sem lenço nem documentos, apenas com a vontade de ser beneficiado com uma existência conjugal saudavelmente compartilhada, onde um caminhar diário a dois iluminava mil e um horizontes de sonhos e ideários em perspectiva.

Saibam os jovens atuais adquirir uma amorosidade cotidiana sempre comprometida com uma vivência ética capaz de enfrentar os obstáculos emergentes mais complexos.

Quem sabe pensar bem, sem anseios exclusivamente xoxotais, ama com mais grandeza d’alma, se apetrechando com mais sensibilidade solidária com as novidades tecnológicas que facilitam mais a execução de sugestões conjugais aventadas.

Quando eu era jovem, meu pai me presenteou com um folheto que continha os Sete Pecados Sociais. Reproduzo-os para seu conhecimento: 1. Prazeres sem escrúpulos; 2. Riqueza sem trabalho; 3. Comércio sem moral; 4. Conhecimento sem sabedoria; 5. Ciência sem humanismo; 6. Política sem idealismo; 7. Religião sem amor. Que a Rita executava com muita disposição.

Posteriormente, um sábio baiano chamado Milton Santos, que não tinha crença religiosa, disse num dos seus livros que a felicidade se encontra nos benefícios infinitos, embora no mundo atual a cultura capitalista que respiramos busca centrar a felicidade na posse exclusiva de bens finitos, favorecendo um brutal egoísmo, onde a solidariedade se situa a muitos mil quilômetros de distância, sendo esta a razão primeira pela qual os quatro cantos do planeta se encontram bem próximos do fundo do poço.

A minha sempre lembrada companheira Rita, graduada em Ciências Sociais, espiritista de carteirinha e de conteúdo sementeiro, sempre me dizia que não se deve mercantilizar todas as coisas, sempre se reconhecendo em contínua CP – Cidadanização Política, jamais concordando com os que se proclamam idioticamente apolíticos, discordando energicamente dos que tencionam votar branco ou nulo, movendo-se existencialmente para baixo, tornando-se mentalmente manada.

Através da Rita, saudosa companheira, um dia conheci um sacerdote chamado Hélder Câmara, que era Arcebispo de Olinda e Recife, por isso ostentando o título de Dom. E com ele aprendi a sobreviver melhor, nos tempos terríveis do regime militar. Através de três pensares dele, aprendi a valorizar a significância de um existir sem jamais desistir, de travar o bom combate, sempre buscando diferenciar progressista de sectário. Através deles, até hoje bem guardados no fundo da minha memória, permaneço um social-democrata civilizado. Ei-los: a. Até um relógio parado tem razão duas vezes ao dia; b. Depois de uma noite de muita escuridão, surge sempre uma radiante madrugada; 3. Quando falo dos famintos, todos me chamam de cristão, embora quando busco explicitar as causas da fome me chamem de comunista.

Por aqui vou findando, Nando, desejando-lhe muita felicidade ao lado da Sissa, que um dia conhecemos, Ritinha e eu. Um abração bem arretado de fraterno quem não ficará só jamais, sempre com a presença da desencarnada nos meus horizontes cotidianos.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos sexta, 18 de outubro de 2024

UM TEÓLOGO OUSADO E MUITO PORRETA (CRÔNICA DO COLUNISTA FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES)

UM TEÓLOGO OUSADO E MUITO PORRETA

Fernando Antônio Gonçalves

No próximo 12 de novembro celebrar-se-á o primeiro aniversário de eternização do teólogo espanhol José Maria Castillo, um dos mais corajosos das últimas décadas, um espanhol por quem eu tinha uma grande admiração, desde quando foi insensatamente punido pelo cardeal Joseph Ratzinger, futuro papa Bento XVI, para mim um pontífice nada contemporâneo, embora genialmente talentoso.

Considerado um dos mais notáveis, José Maria Castillo, é autor de uma impactante obra publicada e um percurso existencial de muita valia. Nascido em 16 de agosto de 1929, numa aldeia em Granada, Espanha, foi jesuíta por mais de 50 anos, com formação em teologia dogmática pela Universidade Gregoriana, de Roma. E lecionado em várias universidades, nomeadamente na Faculdade de Teologia de Granada, da Universidade Loyola.

Em 1988, a Congregação para a Doutrina da Fé, tendo como prefeito o cardeal Ratzinger, futuro Papa Bento XVI, proibiu-o de continuar a lecionar, ainda que sem nunca o ter acusado formalmente, nem dado oportunidade de ser ouvido e se defender.

Diante desse tal procedimento vaticano, Castillo decidiu assumir apenas a sua condição de batizado, deixando de ser presbítero e abandonando a Companhia de Jesus.

Um dos motivos mais relevantes que o levaram deixar a vida sacerdotal foi a rejeição do seu livro Espiritualidade para os insatisfeitos, por parte de uma editora dos jesuítas e “as desqualificações que recebeu de várias instituições da Igreja”.

Tal procedimento, entretanto, não o impediu de sempre proclamar a sua gratidão para com os jesuítas. “Tudo o que sou e sei devo-o aos jesuítas”, observou ele numa entrevista que deu ao jornalista António Marujo (Público, em 3 de janeiro de 2012), quando de uma conferência proferida no colóquio Igreja em Diálogo, no Seminário da Boa Nova, em Valadares. “O que acontece é que a Companhia de Jesus é uma instituição dentro de outra instituição maior que é a Igreja Católica. É daí que vêm as dificuldades”, esclareceu Castillo.

De qualquer modo, deixar de lecionar e ver parte da sua obra travada ou proibida lançou-o num período depressivo prolongado. “Para mim foi um golpe muito duro: tive uma depressão muito forte”, confessou ele a amigos próximos

Tem-se atualmente a impressão que, na época de Bento XVI, o Vaticano temia por uma pós-modernidade que potencializaria uma Teologia Criativa, mais socialmente comprometida com os despossuídos, menos capitalista, mais social-democrata, mais executora das mensagens deixadas pelo Homão da Galileia, solidárias para com os desassistidos de todos os tempos.
Um amigo seu, Xavier Pikaza, também teólogo, assim testemunhou sobre Castillo:

“Antes e depois de renunciar ao ‘estatuto hierárquico’, J. M. Castillo sublinhou o sentido comunitário da Igreja, colaborando no surgimento e liderança de comunidades populares, de tipo participativo e democrático. Insistiu no caráter experiencial e fraterno da vida cristã, sublinhou a importância de temas como a liberdade e a felicidade, a busca interior e o sentimento gratuito e responsável da pertença eclesial, destacando sempre a exigência de justiça”.

Posteriormente, o próprio Papa Francisco lhe enviou uma carta de próprio punha, onde dizia: “Perdi-o anos 80, e agora volto a encontrá-lo”. Um testemunho de muita alegria fraterna por quem injustamente foi punido por saber pensar com independência.

Um teólogo que se eternizou em paz com o Altíssimo, sempre confiante na permanência do autêntico cristianismo num mundo repleto de fundamentalismos autoritários.

Decididamente, José Maria Castillo não se postava como manada, sempre sabendo pensar muito além do ainda sequer cogitado.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos segunda, 16 de setembro de 2024

LEITURA RESTAURADORA (CRÔNICA DO COLUNISTA FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES)
Recomendo com vivo entusiasmo, para os que se distanciarão dos feriados momescos que se aproximam, a leitura do livro de um físico consagrado mundialmente, apaixonado por questões que até bem pouco tempo não eram consideradas científicas, sempre seguro de que é a curiosidade que se agiganta em nosso interior, nos erguendo acima das mediocridades do cotidiano e das banalidades que asfixiam os despreparados imediatistas ao longo das suas existências nulificantes.

O livro se intitula A simples beleza do inesperado: um filósofo natural em busca de trutas e do sentido da vida, Marcelo Gleiser, Rio de Janeiro, Record, 2016, 194 p. Que homenageia “a truta que não peguei e a equação que não resolvi”, ratificando um pensar famoso do filósofo Heráclito de Éfeso (535 a.C. – 475 a.C.), um pré-socrático: "Não entramos nos mesmos rios, pois as águas que fluem são sempre outras. 

O talentoso cientista brasileiro Marcelo Gleiser é articulista da FSP desde 1997, escrevendo semanalmente uma coluna onde explica a ciência para milhares de leigos, inclusive eu. Na Universidade de Dartmouth, EUA, leciona a disciplina “Física para Poetas”, atraindo centenas de pessoas que não possuem nenhuma ligação com a Física. Suas explanações se caracterizam por relatos da História da Ciência e dos seus principais cientistas, sempre com explicações elucidativas sobre os fundamentos dos experimentos científicos demonstrados em sala de aula.

Em 1997, lançou, no Brasil, seu primeiro livro, A Dança do Universo, tratando da origem do Universo sob as vertentes científica e religiosa. O livro, dirigido a um público não especializado, logo tornou-se um marco da divulgação científica em nosso país.

Declaradamente agnóstico, Marcelo Gleiser possui uma postura equilibrada, afastado dos radicalismos religiosos paspalhões, que enervam e multiplicam agnosticismos idiotizantes por uma mídia distanciada léguas das posturas centradas no bom senso e na razão. Eis duas opiniões dele: “Para mim, não há absolutamente nenhuma dúvida de que o sobrenatural é completamente incompatível com uma visão científica”; “Se sou ateu, só fico transtornado quando vejo a infiltração de grupos religiosos extremistas nas escolas, querendo mudar o currículo, tratando a ciência em pé de igualdade com a Bíblia; se concordo que o extremismo religioso é um dos grandes males do mundo; se batalho contra a disseminação de crenças anticientíficas absurdas como o design inteligente e o criacionismo na mídia, por que, então, critico o ateísmo radical de Dawkins? Porque não acredito em extremismos e intolerância. É essa crença ignorante que deve ser combatida. É a hipocrisia usada sob a bandeira da fé que deve ser combatida, não a fé em si.

Gleiser reconhece o papel que a fé desempenhou e desempenha nos contextos socioculturais, históricos e de definição do ser humano, posicionando-se contra o radicalismo tanto religioso quanto antirreligioso. Em suas palavras: “Nós conhecemos o mundo por causa de nossos instrumentos… O problema é que toda máquina tem uma precisão limitada. É impossível criar uma teoria final porque nunca vamos saber tudo. Temos de aprender a ser humildes com relação a nosso conhecimento de mundo, que sempre será limitado.

No seu livro, Gleiser reproduz a metáfora por ele construída no seu livro A Ilha do Conhecimento: os limites da ciência e a busca por sentido, Rio de Janeiro, Record, 2014: “Considere que o conhecimento que acumulamos através dos séculos forme uma ilha. À medida que aprendemos mais sobre o mundo, a ilha cresce. Como toda boa ilha, essa também é cercada por um oceano, no caso, o oceano do desconhecido. Entretanto – e aqui vem a surpresa -, quando a ilha cresce, cresce também o perímetro que a separa do desconhecido. Com isso, ao aprendermos mais sobre o mundo, acabamos de criar mais ignorância: as novas perguntas que podemos fazer que, antes, não podiam ser antecipadas. Ou seja, o conhecimento gera novos desconhecimentos.

A honestidade intelectual do Gleiser sensibiliza todos aqueles que possuem um mínimo de bom senso: “Nada melhor para um jovem com aspiração de ser cientista do que ser forçado a entender de cara que devemos confiar na razão como guia, mas não exclusivamente. O Universo é racional, mas sendo uma ‘estrutura magnífica que podemos compreender apenas imperfeitamente’, nosso pensamento não pode abrangê-lo em sua totalidade.” E declara, sem titubeios: “No Brasil, o kardecismo – a doutrina espírita baseada na obra de Allan Kardec – conta com milhões de adeptos. Tenho vários amigos cientistas que se proclamam espíritas sem ver qualquer conflito entre sua ciência e sua crença no mundo do além.

Confesso que relerei o livro brevemente. Para rabiscá-lo ainda mais, admirando a beleza intelectual de um cientistas brasileiro amplamente desfrescurizado, que não se imagina o ó-do-borogodó, mas que confessa ser um desafio enfrentar, sem destemor nem corporativismos, o grande vão espiritual da contemporaneidade, onde inúmeros ainda não perceberam, sempre proclamando que “o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos”, embora o triângulo nunca tenha sido retângulo.

PS. A dedicatória do livro já sensibiliza de saída para a leitura: “Para a truta que não pequei e a equação que não resolvi.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos sábado, 27 de julho de 2024

UM ENSAIO NOCAUTEADOR (CRÔNICADO COLUNISTA FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES)
UM ENSAIO NOCAUTEADOR
Fernando Antônio Gonçalves
 
 

Raras vezes um livro me provocou tanta vergonha como o que acabo de ler, muito embora ampliando ainda mais a minha solidariedade para com os despossuídos: A Fome, de Martín Caparrós, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2016, 714 p. Um ensaio que impressiona, incomoda, fascina e desacomoda todos aqueles que ainda são possuidores de “duas mãos e o sentimento do mundo”, como bem proclamou um amado talento poético brasileiro chamado Carlos Drummond de Andrade.

 

 

O autor, argentino nascido em 1957, graduou-se em História pela Universidade de Paris e percorreu meio mundo – Bangladesh, Niger, Quênia, Sudão, Madagascar, Argentina, Estados Unidos e Espanha – entrevistando pessoas que, por diferentes motivos – secas, miséria, guerras, marginalizações as mais diferenciadas – sofreram estupidificantes privações alimentares.

Numa das orelhas, a primeira, uma definição do livro: “A Fome é um livro construído a partir de histórias dos que trabalham em condições bastante precárias para mitigá-la e daqueles que usam o alimento como meio de especulação financeira. A Fome tenta, sobretudo, destrinchar os mecanismos que impedem quase um bilhão de pessoas de suprir sua necessidade de alimentação.” E explicita alguns questionamentos que estão a merecer um vigoroso repensar civilizatório de todos nós: “Seria a fome um produto inevitável de nossa ordem mundial? Fruto da preguiça e do atraso? Um negócio de poucos? Um problema prestes a ser solucionado? O fracasso de uma civilização?” E arremata: “Este é um livro incômodo e apaixonado, uma crônica que faz pensar, um ensaio que relata e um panfleto que denuncia a pressão de uma vergonha incessante e que busca formas de acabar com esse mal.”

Ao iniciar a leitura do livro-bofetada do Caparrós, lembrei-me da Geografia da Fome, do pernambucano Josué de Castro, e de um poema de Manuel Bandeira, outro pernambucano ilustre, intitulado O Bicho, que dizia: Vi ontem um bicho / Na imundície do pátio / Catando comida entre os detritos. / Quando achava alguma coisa,/ Não examinava nem cheirava:/ Engolia com voracidade./ O bicho não era um cão, / Não era um gato,/ Não era um rato./ O bicho, meu Deus, era um homem! Nunca esquecendo um outro pernambucano muito arretado chamado João Cabral de Mello Neto, autor no inesquecível Vida e Morte Severina, que muito sensibiliza quantas vezes seja apresentado.

Para Caparrós, a imagem da fome mais antiga registrada em sua mente é a de um menino com a barriga inchada e as pernas magrinhas de uma região chamada Biafra, quando ele ouviu pela vez primeira a versão mais brutal da palavra fome: hambruna, que não tem correspondência em língua portuguesa, a significar fome generalizada. Um fenômeno que é escândalo do nosso século, “a destruição, a cada ano, de dezenas de milhões de homens, de mulheres e de crianças pela fome, onde de cinco em cinco segundos, uma criança de menos de 10 anos morre de fome em um planeta que é repleto de riquezas. Em seu estado atual, de fato, a agricultura mundial poderia alimentar sem problemas 12 bilhões de seres humanos, quase duas vezes a população atual. Uma criança que morre de fome é uma criança assassinada, escreve Jean Ziegler, ex-relator especial das Nações Unidas para o Direito à Alimentação.” E indaga repleto de indignação: “Como, porcaria, conseguimos viver sabendo que essas coisas acontecem?”

Uma descrição feita por Caparrós, logo no primeiro capítulo, atordoa, sem resvalar para pieguices, tampouco fazendo uso lacrimoso da dor alheia: “Quando um corpo come menos do que precisa, começa a comer suas reservas de açúcar; depois, as de gordura. Cada vez se movimenta menos: fica letárgico. Perde peso e perde defesas; seu sistema imunológico se debilita, por momentos. É atacado por vírus que provocam diarreias que o vão esvaziando. Parasitas que o corpo não sabe mais rejeitar instalam-se em sua boca, causam imensas dores; infecções bronquiais dificultam a respiração e doem muito. Por fim, começa a perder sua pouca massa muscular: não consegue ficar mais ficar de pé e depois perde a capacidade de se movimentar; dói. Se acocora, fica enrugado, sua pele enfraquece, fica quebradiça; dói. Chora devagar; quieto, espera acabar.”

Segundo pesquisas por nós feitas, “as últimas décadas foram de grande evolução no combate à fome em escala global. Nos últimos 25 anos, 7,7% da população mundial superou o problema, o que representa 216 milhões de pessoas. É como se mais que toda a população brasileira saísse da subnutrição em menos de três décadas. Contudo, 10,8% do mundo ainda vive sem acesso a uma dieta que forneça o mínimo de calorias e nutrientes necessários para uma vida saudável, e 21 mil pessoas morrem diariamente por fome ou problemas derivados dela.”

Nos países subdesenvolvidos, uma em cada sete crianças morre antes de completar 5 anos; nos países desenvolvidos, morre uma em cada 150. Mas as mortes das crianças não aparecem nos meios de comunicação. Nem poderiam: a cegueira moral e a perda da sensibilidade social na modernidade muito contribuem para distanciar tais tragédias cotidianas das consciências humanas.

Um ensaio incomodativo, as informações reveladas por Martín Caparrós, um argentino nascido em 1957, em Buenos Aires, autor de mais de 30 livros, também detentor de vários prêmios internacionais, inclusive o conferido pelo Rei da Espanha. Também tradutor de Voltaire e Shakespeare.

Vale a pena ampliar nossa solidariedade social, apesar de todas as nossas dificuldades.

PS. Sinto asco do tecnocratês, uma barreira cretinamente edificada para evitar a generalização do conhecimento. Atualmente, fome é “insegurança alimentar”. Segundo Caparrós, “um dos eufemismos mais tristes de uma época de eufemismos tristes.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos quarta, 10 de abril de 2024

NASCIMENTO DO MENINO (CRÔNICA DO COLUNISTA FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES|)

 

NASCIMENTO DO MENINO

Fernando Antônio Gonçalves

De repente, num dia qualquer de um final de dezembro, completou-se o tempo da parição. O casebre era rústico, de taipa e chão de barro batido. No apertado quintal, duas árvores e um pedaço de jornal velho que noticiava estrondoso baile de final de ano, gastos alibabásticos, desbunde total, os vários sexos em esfregamentos desvairados, tudo fingidamente em prol das criancinhas de rua da cidade.

A dor apertando mais. Calor brabo, três da tarde, um domingo. Ao lado do magro colchão de palha estendido no chão do único dormitório, a Elisabete, prima também descendente de Aarão, aguardava o instante maior. Possuía tanta bondade que o seu filho João iria anunciar a Boa Nova, também há muito profetizada por uns santos homens já desencarnados, que pregavam a libertação de todos. Com Maria – a prima parturiente – e os demais familiares, acreditava que um dia os famintos seriam cumulados de bens e os maus ricos despedidos de mãos vazias. Lembrando-se do futuro Papa Paulo VI – “Não é lícito aumentar a riqueza dos ricos e o poder dos fortes, confirmando a miséria dos pobres e tornando maior a escravidão dos oprimidos” – orgulhava-se de pertencer a uma associação de moradores, num bairro de classe operária.

Elisabete também sabia que só blá-blá-blá não resolveria problema algum, a solução sempre advindo da organização e da união de todos para a concretização dos sonhos sempre acalentados. Segundo ela, sonhando muitos estavam, embora ficassem restritos aos sonhos, não aceitando críticas, partindo para o desaforamento como se moleques de rua, sem a serenidade analítica racional das lideranças dos ontens já acontecidos.

A parteira chegara. Os panos e as toalhas, fervidos em caldeirão sobre carvão, a postos. As contrações ampliadas, embora a felicidade muito atenuasse as dores sentidas. Em minutos, Emmanuel exteriorizou-se rapidamente, sendo enfaixado e deitado numas palhas doadas pelos da redondeza, solidariedade presente e sempre atenta aos gritos de fome e de angústia dos desempregados, das prostitutas que terão prioridade de ingresso na Festa de Encerramento e dos chacinados por uma violência policial desenfreada, efeito maior de uma injustiça cinicamente mantida pelos que controlam um sistema financeiro instalado na contramão da História.

Sadio, Emmanuel chegara. Foi circuncidado no oitavo dia e apresentado ao Chefão de Tudo, conforme recomendava uma cartilha muito lida: “Todo macho que abre o útero será consagrado ao Senhor”. E dos muitos testemunhos, o de Simeão, um velho estivador aposentado por invalidez, foi o que calou mais fundo: “Esse Menino foi colocado para a queda e para o soerguimento de muitos”.

A aparência luminosa do garoto contagiava. Os vizinhos vibraram com a chegada do Filho da Maria. E prometiam ser d’Ele companheiros de Vida, para a difusão de um amor sem preconceitos, sem opressores, sem ódio e sem medo, onde ninguém fosse menos que ninguém, sem consumismos desenfreados, num agir sempre corajoso e viril, fruto indispensável de uma evangelização essencialmente libertadora.

PS. Um Feliz Natal para todos aqueles que depositam irrestrita confiança nas promessas do Emmanuel. E para os demais, independentemente de credo religioso, também filhos muito amados da Criação. E para os caríssimos leitores da Besta Fubana, sempre sob o comando do escritor Luiz Berto, um cabra muito arretado de ótimo. Também para a Sissa, meus filhos e filhas, netos e netas, todos eles fachos de luz do meu caminhar existencial terrestre, que certamente percorrerá um 2022 mais humano e solidário, sem negativismos nem discriminações de espécie alguma, uma nova era muito mais arretada, reestruturadora por derradeiro.

Um Feliz Natal para todos!!! Sem oxentes nem mais ou menos, apesar de todos os pesares de uma pandemia assassina, classificada como uma “simples gripezinha” por quem, péssimo sapateiro, ansiou subir além das chinelas.

 

 


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos terça, 26 de março de 2024

UM CARDEAL DESASSOMBRADO (CRÔNICA DO COLUNISTA FERNAODO ANTÔNIO GONÇALVES)

 

UM CARDEAL DESASSOMBRADO
Fernando Antônio Gonçalves
(Publicada em 01.02.2017)



Quando do conclave que elegeu Bento XVI, torci abertamente por um seu concorrente, o cardeal Carlo Maria Martini (1927-2012), ex-arcebispo de Milão e líder da corrente modernista defensora do chamado “espírito do Concílio Vaticano II”. Temia-se que uma noite tenebrosa continuasse a cair sobre a Igreja Católica depois do Concílio Vaticano II, o que de fato aconteceu, apesar da estupenda cultura do eleito, ex-prefeito da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, Santa Inquisição na terminologia antiga, quando da sua lavra emergiu o silêncio obsequioso imposto ao então franciscano Leonardo Boff, por seu livro Igreja, Carisma e Poder, uma leitura que muito me entusiasmou, após leitura de Jesus Cristo Libertador, à época no Mestrado em Educação da PUC-Rio de Janeiro, 1973. A Santa Inquisição foi instituída, em 1542, pelo papa Paulo II, sendo composta de seis cardeais, se constituindo na mais antiga das nove atuais congregações vaticanas.

 

 

  

Em 2007, o cardeal Martini, juntamente com o padre Georg Sporschill, responsável por um estupendo trabalho social com meninos de rua na Romênia e na Moldávia, elaboraram o livro Diálogos noturnos em Jerusalém: sobre o risco da fé, editado no Brasil, em 2008, pela editora Paulus, com prefácio do próprio cardeal. E no diálogo com os jovens, perceberam que “onde há conflitos, arde o fogo, o Espírito de Deus está agindo.”

Na suas primeiras linhas, o padre Sportschill, também jesuíta, postula uma Igreja que ouse e que possua cada vez mais credibilidade, com coragem e abertura, na certeza de que “você aprende mais a crer quando ajuda outros a aproximar-se da fé.” E vai bem mais longe: “Experimentar Deus é a coisa mais fácil e ao mesmo tempo a mais importante na vida. Posso experimentá-lo na natureza, na palavra da Bíblia e de muitos outros modos. É a arte da atenção que se deve aprender do mesmo modo como se aprende a arte do amor ou a arte de se ser bom no trabalho.”

Num livro de pouco mais de 150 páginas, sintetizei algumas reflexões do cardeal feitas para atender às perguntas de muitos jovens. Abaixo, algumas das respostas dadas aos jovens por quem muito contribuiu para a melhoria das relações da Igreja, encarapitada muitas vezes em pedestais de pés carcomidos, com uma Europa que está a necessitar de mais harmonia entre suas diversas comunidades e etnias.

“Se olho o mal no mundo, perco o fôlego. Entendo as pessoas que chegam à conclusão de que não há Deus. Só quando contemplamos o mundo – tal como ele é – com os olhos da fé, podemos mudar alguma coisa. A fé desperta o amor, esse nos leva ao engajamento a favor de outros. Da dedicação nasce a esperança – apesar do sofrimento.”

“Deus deu ao homem a liberdade. Ele não quer robôs, não quer escravos, Ele quer interlocutores livres. Interlocutores livres respondem a oferta dizendo sim ou não, eles amam ou não amam, não são forçados.”

“Temos que tomar cuidado de empregar a riqueza como um instrumento para nossa felicidade e para promover maior justiça, de forma que ela não se transforme num peso.”

“Muita desgraça é produzida pelo homem. Isso nos obriga a pensar politicamente e a lutar por justiça, a lutar por um lugar para as crianças, para os idosos, para os enfermos, e a lutar contra a fome e a AIDS. De quais restrições e renúncias sou capaz para que alguma coisa mude?”

”A felicidade existe para ser partilhada. Felicidade não é algo que venha ao encontro da gente ou algo pelo qual tenhamos que esperar. Temos que procurá-la.”
“Numa situação difícil, ou diante de uma grande tarefa, ganha força aquela oração que um dia aprendemos de forma natural, sem pensar nela.”

“Se passo todo meu tempo olhando televisão ou diante do computador, então os ‘músculos’ do amor, da imaginação e do relacionamento com Deus se atrofiam. Estou convencido que temos que nos exercitar: orações, exercícios espirituais, conversações e compromissos sociais. Quem o faz, se aproxima de Deus, sente com mais força que está se tornando interlocutor de Deus.”

Uma das afirmações mais corajosas do cardeal Martini, ela a pronunciou em Jerusalém, numa das suas caminhadas noturnas, quando o notável religioso liderava uma ala da Igreja que desejava desempoeirar os recantos de uma instituição que necessita ir ao encontro dos mais desassistidos do planeta, onde, segundo ele, quando ocorrem os conflitos, são sinais da ação de Deus: “Passos no caminho de Deus podem significar também conhecer outras religiões, aprender uma língua estrangeira, para que a compreensão e a paz se estendam cada vez mais.”

Certa feita, o cardeal Martini ouviu de uma senhora abastada que trabalhava voluntariamente num campo de refugiados: “A miséria que a TV mostra todos os dias é deprimente. Agora, me defronto com ela, e meu serviço me dá uma alegria que não tinha ficando em casa. Descubro que muitos refugiados são mais criativos e têm mais espírito de humor, são mais religiosos e melhores amigos que muitos dos meus velhos conhecidos”.

Eis, acima, uma das razões pelas quais sou voluntário do Centro Espírita Irmã Gertrudes, no Recife, assimilando cada vez mais as linhas mestras da doutrina kardecista. E me tornando mais solidariamente humano, a cada amanhecer.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos sexta, 22 de março de 2024

RELATO DE UMA DESINTEGRAÇÃO (CRÔNICA DO COLUNISTA FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES)

 

RELATO DE UMA DESINTEGRAÇÃO
Publicada em 31.01.2017
 
 

Quando o alemão Joseph Goebbels, em 23 de julho de 1944, pronunciou a frase “Hitler precisa de uma bomba debaixo do rabo para usar a razão”, prenunciava o início da derrocada do III Reich, finalmente capitulado em maio do ano seguinte.

Para quem deseja saber mais sobre como tudo aconteceu, uma impressionante pesquisa foi efetivada por Ian Kershaw, editada em 2015, no Brasil, pela Companhia das Letras, sob título O Fim do Terceiro Reich: A destruição da Alemanha de Hitler, 1944-1945. Que traz na contracapa o seguinte comentário do historiador Mark Mazower, professor da Universidade de Colúmbia, Nova York, e analista de assuntos internacionais do Financial Times: “O Fim do Terceiro Reich tem por tema um dos maiores enigmas históricos do século XX. Como explicar a extraordinária coesão da sociedade alemã até o último minuto? Como entender a ausência de revolta, a pusilanimidade, as taxas relativamente baixas de deserção entre as Forças Armadas e o controle tenaz e renitente do Estado pelo Partido Nazista à custa da vida de pessoas comuns?

 

 

 

O livro foi elaborado com base em amplos levantamentos e consultas múltiplas a fontes inéditas, onde Kershaw, também autor de Hitler, Companhia das Letras, 2010, a biografia clássica do tirano nazista, deixa bem claro o que o livro não retrata: “Não é uma história militar, portanto não descrevo em detalhes o que ocorreu no campo de batalha, limitando-se apenas a fornecer uma visão panorâmica dos acontecimentos nos vários fronts, como pano de fundo para as questões que toma como centrais. Tampouco tento aqui apresentar uma história do planejamento das forças aliadas, ou das fases de sua conquista. Na verdade, o livro examina a guerra sempre pelos olhos alemães, na tentativa de compreender melhor como e por que o regime nazista conseguiu sobreviver por tanto tempo. Por fim, não abordo a importante questão de continuidade além da capitulação e no período de ocupação, nem o comportamento da população alemã quando algum território foi ocupado antes do fim da guerra”.

Na Introdução, Kershaw relata os acontecimentos ocorridos em 18 de abril de 1945, quando tropas aliadas estão às portas de Ansbach, capital administrativa da Francônia Central, onde a resistência do fanático comandante militar da cidade, Ernst Meyer, um coronel da Luftwaffe e com doutorado em física, provocou num estudante de teologia de dezenove anos, Robert Limpert, um tido como incapaz para o serviço militar, a bravura de distribuir folhetos implorando a rendição de Ansbach, para conservar sua arquitetura em estilo barroco. Inutilmente, ele tenta cortar os fios telefônicos do comando militar, sem saber que ele já tinha sido transferido para outra área. Sua prisão e morte por enforcamento ocorreu poucas horas antes da chegada dos americanos, o “corajoso” comandante tendo fugido às pressas da cidade numa bicicleta.

Na Conclusão – Anatomia da autodestruição -, Kershaw revela a disposição fanática dos principais líderes nazistas na compulsão de se encaminhar para uma destruição total, jamais se entregando às forças militares vitoriosas, quando a “rendição incondicional” exigida desfavorecia e muito as loucuras hitleristas de lutar até o fim, até a destruição total de tudo. Para Hitler, “uma destruição total, mas com heroísmo”, era infinitamente preferível ao que ele considerava a saída covarde da capitulação, sendo o suicídio dele o ponto terminal de uma liderança que não mais teria chance de ressurgir, se permanecesse vivo após Nuremberg.

As considerações finais do autor são convincentes: “Entre as razões pelas quais a Alemanha teve capacidade e disposição para lutar até o fim, essas estruturas de poder e as mentalidades subjacentes constituem as mais importantes. Todos os demais fatores – o prolongado apoio popular a Hitler, o cruel aparato de terror, o domínio ampliado do Partido Nazista, os papéis preponderantes do quarteto Bormann-Goebbels-Himmler-Speer, a integração negativa causada pelo receio da ocupação bolchevique e a disposição continuada por parte dos servidores civis do alto escalão e dos lideres militares de prosseguir cumprindo seu dever quando tudo estava perdido -, tudo isso, em última análise, subordinava-se à maneira como o carismático regime do Führer estava estruturado e ao modo como funcionou os seus momentos finais. … As elites dominantes não tinham a disposição coletiva nem os mecanismos de poder capazes de impedir que Hitler arrastasse a Alemanha à destruição total”.

Um relato que esclarece com maestria a destruição de uma iniciativa assassina. Um texto que explica o funcionamento ininterrupto do regime até seus momentos finais, a partir de uma análise criteriosa das mentalidades alemãs em seus diferenciados níveis, dos que davam e dos que recebiam ordens. E como o regime nazista mostrou-se capaz de cometer terríveis atrocidades até seus derradeiros instantes, transformando a Alemanha num inacreditável matadouro. Muito embora, uma carta de alemã encontrada duas semanas após o término da guerra, nos escombros de Frankfurt revelasse: “Sempre me perguntaram se eu gostaria de deixar a Alemanha, e eu sempre faço esta pergunta a mim mesma. Gostaria de tomar parte na reconstrução, embora isso de forma alguma significa que meu ódio contra os responsáveis se abrandou. Pelo contrário, eu gostaria até de ajudar a levar os criminosos para a forca.

Por estas bandas, sejamos cada vez mais brasileiros, abjurando pelo voto consciente os políticos corruptos, também defenestrando os dirigentes incompetentes, os executivos que se aproveitam da miséria dos despossuídos, dos religiosos que iludem, dos fingidos e amacacados que apenas desejam levar vantagem em tudo, tal e qual um infeliz anúncio de cigarro que se imaginava rabo de foguete, enriquecendo poucos e deixando os rabos dos milhões de viciados, e seus pulmões, em petição de miséria.

 


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos segunda, 15 de janeiro de 2024

OS PAUS DO MÁRIO (CRÔNICA DO COLUNISTA FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES)

 

OS PAUS DO MÁRIO

Fernando Antônio Gonçalves

Todas as quintas-feiras muito me divirto assistindo um evento internético coordenado pelos notáveis escrotólogos Maurício Assuero e Luiz Berto, onde a cultura popular é explicitada sem mas-mas-mas por personalidades especializadas, belas mulheres de QI arretados e homens idem, advindos de todas as regiões brasileiras. Que declamam, contam estórias, relatam acontecidos molecais, enaltecem o seu derredor regional e ainda divulgam fatos pitorescos inesquecíveis dos nossos ontens brasileiros não oficiais, que jamais deveriam ser relegados.

Rendo minhas homenagens aos construtores da cultura popular brasileira. Ela ainda não bateu pino graças aos esforços de muitos abnegados, que efetivam suas mostras tirando dos magérrimos próprios bolsos o necessário para divulgação dos seus estudos, feitos e fatos.

Nesse resistente universo, o lugar do folclorista pernambucano Mário Souto Maior, já na eternidade, está no primeiríssimo escalão. Os seus livros Nomes Próprios Pouco Comuns, Dicionário do Palavrão e Dicionário Folclórico da Cachaça, subsidiam centenas de estudiosos, que necessitam de trilhas seguras e honestas, distanciadas dos embusteiros macunaímicos e vivaldinos.

Integrando a trilogia acima, o Souto Maior, certa feira, fez entrega à sociedade, de um guia pra lá de arretado de ótimo: Geografia Popular do Pau Através da Língua Portuguesa. Trezentas e cinquenta expressões analisadas, sem resvalar para o chulo e o grotesco. Sem obscenizar seu meticuloso ensaio, ele demonstra como o pau contribuiu para as manifestações do nosso brasileiríssimo dia-a-dia, ainda não de todo tragado pelos importados modismos primeiromundistas colonizadores.

Imaginei logo uma pessoa distanciada das raizes da nossa gente entender o significado da frase “no largo da feira de Casa Amarela encontrei o Dr. Fulano a-meio-pau, caindo pelas tabelas”. Ou outra, querelosa com os atuais anos de bunda esfregada nos bancos da póspósgraduação, ao não entender o pensar de um companheiro de universidade: “o deputado fulano de tal está sujo-que-nem-pau-de-galinheiro na CPI do orçamento”.

Outro dia, uma faxineira declarava para uma madame perua que era pau-pra-toda-obra, indo logo por-cima-de-paus-e-pedras quando algum afoito desejava por-os-pauzinhos-ao-sol. E o marido da soçaite quase cai em desespero, ao ouvir da auxiliar, alto e bom som, que estava de olho grande num pauzão e que por conta disso já estava ajeitando o pauzinho-do-matrimônio. E que o casório aconteceria rapidamente, pois gostava mesmo era de pau-na-égua. Pedia apenas ao dono da casa, autoridade de primeira entrância, que fosse na sua vara bulir-com-os-pauzinhos, pois, mais que ninguém, o patrão era habituado a conhecer-o-pau-pela-raiz .

Para não fazer-casa-com-pau-bichado, li muitas vezes, de cabo a rabo, o imperdível livro do Mário Souto Maior. Também não desejando ser pau-de-amarrar-égua, nem tolerando os que adoram viver-à-sombra-do-pau, fiz questão de ganhar-os-paus para me deliciar com a leitura da pesquisa do Mário, meu ex-companheiro da Fundação Joaquim Nabuco, pai do Jan, esse arretado da informática, consultor de tudo que é gente, inclusive burra que nem eu, um metido, vez por outra, a descobrir-o-mel-de-pau na minha área de trabalho.

Tomei ciência que souto, em Portugal, é bosque espesso. E o Mário Souto Maior, folclorista popular de primeira linha, nunca desejou mudar-de-pau-pra-cacete, ficando sempre no bosque dele, convencido que nem-todo-pau-dá-esteio.

Não desejando deitar-os-pauzinhos-fora, este texto é uma demonstração de querer bem a um intelectual que jamais quis ser um dois-de-paus, em tempo algum desejando disputar-pau-a-pau com quem quer que fosse.

Um autêntico sábio nordestino, o Mário Souto Maior. Agrestino, jamais negou que se um-dia-é-do-pau-o-outro-é-do-machado. Ele certamente faria um sucesso arretado todas as quintas-feiras no Bordel do Berto gerenciado pelo Assuero.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos terça, 02 de janeiro de 2024

TERRA DE ALTOS COQUEIROS (CRÔNICA DO COLUNISTA FERNANDO ANTÔIO GONÇALVES)

 

TERRA DE ALTOS COQUEIROS

Fernando Antônio Gonçalves

Diante das últimas patacoadas públicas praticadas por presidente, ministros e governador de estado rico, o palmarense Luiz Berto, autor do lido, relido e sempre muito atual O Romance da Besta Fubana, está coberto de razão: “Pode-se perdoar tudo num homem, menos que não bote força para deixar de ser burro”. E se juntar tal ensinamento com outra sabedoria dele – “Humildade demais não faz bem ao caráter de um cidadão decente” – pode-se inferir, sem medo de errar, que as duas vertentes parecem estar ausentes há anos do cotidiano da vida pernambucana, da terra dos altos coqueiros, imortal, imortal. Para tristezas múltiplas dos hoje recifensizados, que para aqui se deslocaram nos anos cinquenta. E que se sentem tão maurícios quanto os outros, até com mais responsabilidades, posto que, “estrangeiros”, buscam social e profissionalmente retribuir da melhor maneira a hospitalidade oferecida pelos daqui.

O Mário Souto Maior, pesquisador da cultura popular, também daqui deslocado para o Alto, vindo de Bom Jardim, cidade natal de gente boa, tinha a consciência plena de não deixar esborralhar as trilhas fecundantes já percorridas por Luiz da Câmara Cascudo, Edison Carneiro, Napoleão Figueiredo, Manuel Diegues Junior e tantos outros que estudaram o nosso folclore, sempre atentos para a erradicação dos alienados de sempre, deseducados e eternos adoradores acríticos de feitos e fatos alienígenas.

No Nordeste, para evitar a multiplicação dos parlapatões, o Mário Souto Maior, contemplado com duas citações no Dicionário Aurélio Eletrônico For Windows, Editora Nova Fronteira, exerceu um eficaz papel de “desabestalhador”, evitando que se fique “despido de respeito” quando o regional for aflorado em conversas acadêmicas ou mundanas. Num dos seus livros, Riqueza, alimentação e folclore do coco, edição custeada do próprio bolso, ele possibilita ao leitor uma visão da cultura do coco na Zona da Mata, das suas páginas se podendo extrair várias iniciativas.

Uma das ilações da pesquisa do Souto Maior prende-se à área alimentar. Os restaurantes do Recife, tão avaros em sobremesas regionais, encontrariam no livro sobre a cultura do coco um montão de sugestões deliciosas. Quem não apreciaria, findo almoço ou janta, provar uma baba-de-moça? Ou uma cocada, a branca feita com açúcar cristalizado e a preta com mascavo, ambas de deixar água na boca, rememorando Nando Cordel, esse danado de bom do forró. Quem sabe fazer uma fritada-de-camarão sem o próprio, que está caro pra caralho, reservado apenas para os dias de comemoração festiva? No livro do Mário, a receita se encontra detalhada tim-tim por tim-tim, sem um mil-réis de omissão. E muitas outras preciosidades de inundar o céu de boca, mesmo em época de pandemia bravia: quejadinha, sabongo, beiju, bolo-caroço-de-jaca, quindins, lelê e vira-vira, ficando por aqui para não deixar leitor do JBF babando.

A medicina empírica também marca presença na publicação do Mário: lavar a cabeça, manhã bem cedinho, com água de coco, dá ótimos resultados; chá da bucha de coco para hepatite; óleo de coco pra chulé de menino e adulto; azeite de coco para bicho-de-pé e mijada-de-potó; chá de estopa de coco para urina solta. Inúmeras outras mostram a utilização extra alimentar do coco e seus derivados.

O texto do Souto Maior destina-se aos bravos guerreiros, de soberbo estendal, que desejam ser modernos, século 21, sem perder as características regionais mais marcantes, sem jogar na lata dos imprestáveis os contextos folclóricos que sedimentaram um caminhar comunitário mais que tricentenário, arretado de muito ótimo.

A partir de uma leitura do livro do Mário, sabe-se de muitas coisas, não se torna um coco-de-pau de qualquer enjoado-como-farinha-de-coco. Nem se deixa levar-no-coco por qualquer catemba-de-coco travestida de doce-de-coco, que busca tirar-o-coco com os mais desatentos, sem camisinha alguma.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos sábado, 09 de dezembro de 2023

DESOPILAÇÃO DA MODA (CRÔNICA DO COLUNISTA FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES)

 

DESOPILAÇÃO DA MODA

Fernando Antônio Gonçalves

Os tempos internéticos têm proporcionado um gigantesco crescimento dos conhecimentos técnico-científicos, a multiplicação de “talentos cibernáuticos”, a mundialização de algumas idiotices e a aparição de umas tantas vaidades dinossáuricas neste Brasil de meu Deus, com algumas grosserias presidenciais que revelam um nível cultural amplamente deficitário. Mais ou menos idênticas à daquele recém pós-graduado sulista que está inserindo na rede Internet capítulos e mais capítulos de sua tese de doutorado, patrocinada por uma fabriqueta de bolachas.

Mas a maior alegria na Internet está acontecendo com a emersão de centenas de taglines, pequenas frases que revelam trocadilhos, gozações, deboches e desmoralizações com ideários tidos e havidos como de ontens que não mais retornarão.

Classifiquei uma vintena de taglines, para proporcionar a todos uma avaliação acerca da criatividade brasileira, apesar de todos os pesares e desatenções educacionais possíveis. Ei-la:

1. Não há nada no escuro que você possa ver;

2. Mulher é um conjunto de curvas capaz de levantar um segmento de reta;

3. Parte do automóvel que é vendida no Egito: os faraóis;

4. A ejaculação precoce era conhecida na Antiguidade como mal que mela;

5. Nunca ligou para dinheiro, quando ligou estava ocupado;

6. Rouba dos ricos e dá aos pobres, além de ladrão é gay;

7. Barganhar: receber um botequim de herança;

8. Se barba impusesse respeito, bode não teria chifres;

9. Deus criou o homem antes da mulher para não ouvir palpites;

10. Já que a primeira impressão é a que fica, use uma impressora laser;

11. Abelha morre eletrocutada numa rosa-choque;

12. Estouro: bovino que sofreu operação de mudança de sexo;

13. Menstruação é ruim? Pior é quando ela não vem!;

14. A zebra disse pra mosca: você está na minha lista negra;

15. Se bebida curasse alguma coisa, cachaça tinha bula;

16. Tudo na vida é passageiro, menos motorista e cobrador;

17. Loira Gelada é só uma mulher esticada numa mesa do IML;

18. No dia que chover mulher, quero uma goteira em cima da minha cama;

19. Meu gato morreu em miados do ano passado;

20. Virgindade é que nem picolé: acaba no pau.

Homenageio, transcrevendo as taglines acima, um notável pesquisador, pioneiro na coleta do que havia de mais pitoresco em para-choques de caminhão: Marcos Vinicios Vilaça, hoje personalidade consagrada internacionalmente. Ele revelou ao país inteiro, em 1961, a criatividade e o humor, as ironias e as farpas dos caminhoneiros brasileiros nos para-choques dos seus caminhões. Algumas:

– “Não sou pipoca, mas pulo um pouco”;

– “Cerveja só gelada, mulher só quente”;

– “Mulher e parafuso, comigo é no arrocho”;

– “Sem amar não sem vive”;

– “Mulher feia e urubu, comigo é na pedrada”.

As tiradas de ontem e as de agora são sinais vitais da vivacidade intelectiva de um povo, o brasileiro, apesar das boçalidades bolsonáricas. Um povo criativo por excelência, pronto para desenvolver o seu território pátrio, se lhe derem vez, voto, vacina, emprego, renda, terra, enxada e mais democracia participativa.

 

 


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos sábado, 04 de novembro de 2023

NUMA CERTA MANHÃ DE DOMINGO (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

NUMA CERTA MANHÃ DE DOMINGO

Fernando Antônio Gonçalves

Após uma sexta-feira tragicamente prevista, onde assassinaram num madeiro o Homão da Galileia, sob pretexto de ser um subversivo, ele foi sepultado em local cedido por um ricaço de bom coração chamado José, de Arimateia, tornado discípulo. No domingo, três mulheres, Maria Madalena, Salomé e Maria, mãe de Tiago, irmão do assassinado, foram até a sepultura para ungir o corpo. E a história dessas mulheres nunca mais foi esquecida.

Um livro evoca, com uma beleza incomum, as figuras femininas presentes na caminhada terrestre do Homão da Galileia: Flores do Cédron: as mulheres do Evangelho, Helaine Coutinho Sabaddini, Bragança Paulista (SP), Editora Lachâtre, 2018, 224 p. A autora é uma carioca nascida em 1958, brotada num lar espírita. Escritora, médium e conferencista, fundou em 2004, o Grupo de Estudos Espíritas Emmanuel, na cidade de Murié, Minas Gerais, onde atualmente reside. Mãe de quatro filhos e avó de seis netos.

A mulher hebreia, na época do Homão da Galileia, não tinha direito ao culto religioso, sempre ficando atrás dos homens nos templos e sinagogas. E também eram dispensadas do Shemá, a habitual prece judaica. Suas presenças no tempo eram limitadas ao “átrio das mulheres”, sendo considerado indigno ensinar às mulheres a lei mosaica. E mais: nas refeições, era proibido às mulheres orar à mesa, sendo dispensadas da participação das festas em Jerusalém. Além disso, sofriam severas limitações em seus períodos menstruais. Após o parto eram consideradas impuras por um período de 40 dias, se o nascido fosse do sexo masculino, o período sendo dobrado se o rebento fosse do sexo feminino.

Foi o Homão da Galileia quem as redimiu, indo ao encontro delas, muitas delas ainda desconhecidas.

Foram as seguintes as mulheres que exerceram um importante papel na história do cristianismo, ora como protagonista dos principais evangelhos, ora recebendo de Jesus curas, bênçãos ou instruções para outros instantes, sempre discípulas fervorosas, legando grandes ensinamentos para a humanidade:

– Maria (Miriam em galileu), a mãe do Homão.

– As irmãs Marta e Maria, irmãs de Lázaro, que residiam em Betânia.

– Joana de Cuza, esposa de um intendente de Herodes.

– A mulher samaritana que se encontrou com Jesus à beira do poço.

– A célebre Maria de Magdala, tornada apóstola centenas de anos depois.

– Suzana Verônica, a mulher que sofria um fluxo há anos.

– A mulher encurvada, cujo encontro aconteceu pouco antes da crucificação.

– A noiva de Jerusalém ou mulher adúltera, como é mais conhecida.

– Maria Marcos, parenta de Pedro e mão do evangelista Marcos, que oferecia o próprio lar para os cultos cristãos.

– Salomé, mãe de João e Tiago.

– Abigail, noiva de Paulo de Tarso, irmã de Estevão.

– Eunice e Loide, mãe e avó de Timóteo, que ofereceram em Listra todo suporte para a caminhada do ente querido nas linhas redentoras do cristianismo primitivo, junto a Paulo de Tarso.

– Lídia, a purpureante de Tiatira, que muito auxiliou o apóstolo Paulo em sua caminhada missionária.

– Júnia, uma discípula entre os apóstolos.

– Febe, da comunidade e Cencréia, que corajosamente levou uma missiva de Paulo de Tarso aos cristãos de Roma.

– Priscila ou Prisca, esposa de Áquila, companheira do recém-convertido Saul, posteriormente Paulo, nos estudos evangélicos de Dan, distante mais de cinquenta milhas de Palmira, no deserto siro-arábico, depois o reencontrando em Corinto.

– Dorcas ou Tabitha, a costureira de Jope, que se notabilizou na história do cristianismo primitivo, a despeito da própria pobreza, ajudando a muitos necessitados. Extremamente caridosa, costurava túnicas para os pobres e vestidos para as viúvas. Uma dos “setenta discípulos”.

Sobre Maria de Nazaré, a mãe do Homão, o capítulo 5 do livro acima citado foi desenvolvido com extrema beleza, integralmente inspirado nos belíssimos textos do teólogo e novelista, poeta e literato russo Dmitry Serguéievich Merezhkovski, autor do livro Jesus desconhecido (São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1935).

O leitura do livro da Helaine Coutinho é uma verdadeira agenda para uma reformulação interior do sexo feminino contemporâneo, proporcionando releituras e reavaliações de caminhadas, ensejando novos passos futuros na direção de uma Ética Comportamental vocacionada para a Luz Infinita. Com as mulheres cada vez mais empoderadas.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos domingo, 22 de outubro de 2023

CARTAS E FALAS LUSAS (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

CARTAS E FALAS LUSAS

Fernando Antônio Gonçalves

Sou trineto de avós lusos, de Trás-os-Montes, E vez por outra me delicio com o jeitão de raciocinar dos meus parentes de além-mar. Ofereço, pois, algumas notáveis estruturações lógicas dos meus ancestrais que muito amo. Vamos aos finalmentes, para atender leitores desta Gazeta Escrota, magnificamente bem dirigida pelo escritor Luiz Berto, um pernambucano de Palmares pra lá de muito arretado de ótimo.

1. Carta de mãe portuguesa a seu filho no Brasil

Querido filho: Te escrevo estas linhas para que saibas que estou viva. Redijo devagar porque sei que tu não consegues ler rápido. Por aqui, tudo como ontem, embora não reconhecerás a casa quando aqui vieres, porque a gente se mudou. Finalmente enterramos o seu avô. Encontramos o seu cadáver com a mudança. Estava no armário desde aquele dia em que ele ganhou da gente, brincando de esconde-esconde. Hoje, tua irmã Júlia pariu, mas como ainda não sei o sexo, não posso dizer se tu és tio ou tia. Quem não tem mais aparecido por aqui é o tio Venâncio, que morreu totalmente no ano passado. E também o teu primo Jacinto, que sempre acreditou ser mais rápido que um touro e acabou comprovando que não era. Estou preocupada com o nosso cachorro Bob, que insiste em perseguir os carros parados. Teu irmão José fechou o carro com a trava e deixou as chaves dentro: teve que ir lá em casa pegar a chave duplicata para poder tirar todos nós de dentro dele. Esta carta te mando pelo Manolo, que vai amanhã para aí. Será que podes pegá-lo no aeroporto? Não subscrevo o novo endereço no envelope porque desconheço. A última família que morou aqui levou os números para permanecer com o mesmo endereço. Se encontrares a dona Maria, dês um alô da minha parte. Se não a encontrares, não digas nada. Um beijo saudoso, Maria do Monte Dourado. PS: Ia te mandar cem escudos, mas já fechei o envelope.

2. Certa feita, estava eu em Cascais, na casa de uma amiga pernambucana, após um estágio de trinta dias na Universidade do Porto, em julho, enviado pela Universidade de Pernambuco. Por volta do meio dia, desejou retornar à Lisboa. Na bilheteria solicitou: “Quero um bilhete no comboio que partirá doze e trinta para o Cais do Sodré”. A resposta veio educada: “Desculpe-me, mas no comboio d’agora não será possível. Face a greve dos maquinistas, que estão retardando as viagens em duas horas, o comboio das 12:30 está atrasado. Caso o Dr. queira, poderá embarcar no comboio programado para as 10:30 da manhã, que partirá pontualmente às doze e trinta”. E o Campozana fez uma excelente viagem.

3. No funeral da sua tia Tereza de Jesus, acontecido em 14 de fevereiro último, na Aldeia de Modim de Basto, Trás os Montes, Portugal, o Campozana recebe as condolências, em prantos, de uma velhinha nonagenária, típica aldeã, apoiada num cajado, luto fechado: “Sr. Dr. Engenheiro, muito chorosa cá está a morrer quem nunca morreu”.

4. Bilhete desesperado de filho para o pai, residente em Oeiras: “Pai querido, estou encalacrado. Fui trabalhar numa loja de carros usados e fui despedido no primeiro dia, só porque, para cada Uno vendido, eu dava um Prêmio de cortesia!!”.

No mais, viva o congraçamento sempre fraternal de brasileiros e lusitanos, uns e outros eternos admiradores do sempre lembrado outro Fernando, o amado Pessoa de todos nós, que um dia nos ensinou, através do Álvaro de Campos: “Sou técnico mas só tenho técnica dentro da técnica. Fora disso sou louco, com todo direito de sê-lo”.

5. Desabafos de um luso da Cidade Maravilhosa: Por que é que o governador do Rio é Castro e não castrado pelas festinhas que oferece? Votei no Bolsonaro, mas logo notei que o capitão não tem bom motor mental. E de nula criatividade, sem mourões.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos segunda, 09 de outubro de 2023

DEMISSÃO INJUSTA (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

DEMISSÃO INJUSTA

Fernando Antônio Gonçalves

O fato me foi contado pelo companheiro Martins, um dos bons profissionais nordestinos, consultor de nomeada na área da sua especialidade. Com a identificação de todos os personagens, tintim por tintim, aqui tornados fictícios por uma prudente questão de recato.

O fato aconteceu entre um executivo desquitado de pouco e a sua secretária, antiga estagiária da diretoria da empresa, um mulheraço de vinte e tantos anos, nunca raimunda tão somente. Fatalidade ou imprecisão analítica, abestalhamento da terceira idade ou infantilidade geriátrica, o fato aconteceu, arrebentando de rir o cinturão dos mais expansivos e fundindo a cuca dos conquistadores menos precavidos.

Os dados complementares do fato ficam por conta da imaginação sempre nota mil dos leitores do JBF, o jornal mais escrotamente independente deste hemisfério sul.

No dia do seu aniversário, o dito executivo saiu para os escritórios da empresa com o diabo no couro. Acordou-se, tomou uma ducha, sacudiu fora o bagaço intestinal, barbeou-se no capricho, sorveu devagar um alentado copo de leite e ninguém da sua casa o cumprimentou pelos sessenta e tantos anos de nascimento, naquela data. Nem a mulher, sempre enfezadinha e toda ai-ai-ai com seus intermináveis achaques menopáusicos, lembrou-se do niver do coitado. E nenhum abraço de ôi dos filhos, três, sempre ispertamente carinhosos em véspera de receber mesada. Nem da menina, a única, saliente toda, já fazendo Relações Públicas perto no Náutico Capibaribe. Até a empregada, vinte anos de casa, oriunda da fazenda dos pais, pau pra toda obra, vez por outra ainda prestigiada, esqueceu o natalício do pobrezinho.

No trajeto, mandando todo mundo pra puta que pariu, como faz o Capita presidente, imaginou-se o último dos moicanos, rejeitado todo, pior que o Dr. Jarinho, aquele safado que assassinou o filho da sua madame, no Rio de Janeiro, dias atrás. E com mais de mil manobrou o carro no estacionamento pré-determinado, para ele reservado tão logo assumiu a direção maior da empresa.

Destravada a porta do gabinete de trabalho, um “Parabéns, Dr!” de sopetão, gentileza pura, brotou dos lábios carnudos da danadona da secretária. E logo acompanhado de uma proposta mais demolidora que um teibei do Maguila, antes do seu afolosamento total diante daquele americano fortão: “Com um dia tão lindo como esse, poderíamos almoçar juntos, lá em casa, onde, já me antecipando, preparei uma galinha cabidela do jeito que o senhor aprecia”. E pra fundir a cuca do chefe: “Não se preocupe, dispensei a mensalista, para que o senhor possa ficar lá sem qualquer perturbação”.

O resto, o leitor já pode ser reconstitída. Meio-dia e meia, residência da boazuda, casal já na segunda dose escocesa, a frase atração fatal: “Dr. Fulano, acho que vou até lá dentro colocar algo mais confortável. Volto já. Fique à vontade”. A ordem foi cumprida mais que escoteiramente, num décimo de minuto, até às meias, a vela mestra tornada como nunca entusiasticamente desfraldada, a tremular mais que bandeira hasteada em dia de feriado oficial.

E eis que, de repente, não mais que de repente, a secretária retorna, nas mãos um bolo repleto de velinhas acessas, cantando um entusiasmado parabéns pra você, com a mulher e todos os filhos dele, para quem estava ali carecendo de todo apoio…

Da minha parte, já passei até um zapzap de solidariedade para a coitadinha da secretária demitida.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos quarta, 27 de setembro de 2023

PROFISSIONALIDADE (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, DOLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

PROFISSIONALIDADE

Fernando Antônio Gonçalves

Encarecendo perdão pelo neologismo utilizado no título acima, a intenção é positiva: alertar os que estão prestes a ingressar no mercado de trabalho e aqueles que já se encontram no seu campo profissional, sejam veteranos ou principiantes. O mote me foi oferecido por um dos mais eficazes head-hunters do Brasil, quando de recente debate patrocinado on line por um centro profissionalizante, em Belo Horizonte.

Quais deveriam ser as características de uma pessoa talentosa, diante das mutabilidades contínuas que estão se verificando no mundo inteiro pós pandemia? Explicitando as dez mais notáveis, todas elas interdependentes e intercomplementares, acredito estar favorecendo a caminhada dos empreendedores criativos, encarecendo aos veteranos um “alerta geral” nos seus futuros comportamentos e relacionamentos múltiplos:

1. Nunca esmorecer a capacidade de ser permanentemente um curioso, um perguntador, sempre desenvolvendo novas habilidades e despertando novos interesses além-trabalho.

2. Encarar a Vida como uma missão, jamais a entendendo como uma carreira. Conhecer bem as fontes nutrientes e as energias geradoras, sempre preservando a individualidade, sem resvalar para atitudes individualistas, suicidas sob todos os vieses profissionais.

3. Desenvolver um savoir-faire cultivando o humor, permanecendo otimista sem jamais reagir compulsivamente diante de atitudes negativas ou extemporâneas, jamais tripudiando sobre as fraquezas dos outros, tendo consciência da capacidade de perdoar e/ou esquecer ofensas desagradáveis, mesmo humilhantes.

4. Manter-se constantemente atualizado em relação a assuntos e cenários profissionais recentes, sendo socialmente ativo, possuindo muitos amigos e uns poucos confidentes.

5. Sabe rir de si mesmo, dimensionando, sem exageros positivos ou negativos, o seu próprio valor. Perceber as similaridades e as diferenças em cada uma das situações enfrentadas. E aceitar elogios e críticas de forma equilibrada, sem reações impulsivas, enxergando o sucesso no fracasso, por mais penoso que ele tenha sido.

6. Saber contemplar rostos antigos de maneira nova e velhas cenas como se fossem a primeira vez. Redescobrir as pessoas a cada encontro, interessando-se por elas, jamais as rotulando com base em sucessos ou fracassos anteriores.

7. Saber fazer uso da força conjunta, acreditando nas capacidades alheias, nunca se sentindo ameaçado pelo fato dos outros serem melhores, sempre aprendendo a separar as pessoas dos problemas, não disputando posições, a liderança lhe sendo conferida por natural manifestação da maioria.

8. Exercitar regularmente as quatro dimensões da personalidade humana: a física, a mental, a emocional e a espiritual, orientando-se para as soluções criativas, sem resvalar para irresponsabilidades doidivanas ou encenações histriônicas.

9. Jamais se esconder sob o manto da resignação, consciente de que ele é o hospedeiro maior da mediocridade.

10. Renunciar às alternativas perfeccionistas, reconhecendo todas elas como estratégias de protelação. Como embasamento geral, afastar-se da rotina, enfrentar o desconhecido e motivar-se para adquirir novos saberes, uma trilogia capaz de resistir à “tentação do ótimo”, sem qualquer dúvida o maior inimigo do bom. E nunca perder a convicção de que o justificatório, o lamentatório, o comparatório, o esperatório e o protelatório são os principais componentes patológicos dos processos decisórios da atualidade planetária.

E se cair, levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima, mandando pessimismo para a puta que pariu.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos quarta, 20 de setembro de 2023

UMA ENCICLOPÉDIA HISTÓRICA (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

UMA ENCICLOPÉDIA HISTÓRICA

Fernando Antônio Gonçalves

Diante de uma pandemia assassina que está vitimando centenas de milhares de brasileiros, sob também uma irresponsabilidade governamental escrota que não efetivou com rapidez um planejamento preventivo, a Companhia de Letras edita uma enciclopédia que dignificará a memória de inúmeros irmãos negros, alguns bastante conhecidos, outros renegados, um sem número deles sem uma mínima referência histórica nos compêndios históricos escolares.

Enciclopédia Negra, Flávio dos Santos Gomes, Jaime Lauriano e Lilia Moritz Schwarcz, São Paulo, Companhia das Letras, 2021, 687 p., merece amplos aplausos.E a mais ampla distribuição nas escolas públicas estaduais e municipais de todo o Brasil, buscando “ampliar a visibilidade das biografias de mais de 550 personalidades negras, em 417 verbetes individuais e coletivos, apoiando-se na vasta produção historiográfica, antropológicas, literária, arqueológica e sociológica que se debruçou sobre a escravidão e sobre o pós-abolição.”

A justificativa para tão oportuna iniciativa se encontra no primeiro parágrafo da Introdução: “Um grande e constrangedor silêncio habita a maior parte dos arquivos brasileiros e coloniais, e, sobretudo dos nossos manuais e livros didáticos. Neles, enquanto os registros de atos empreendidos pela população branca estão por toda parte, as referências acerca da imensa população escravizada negra que viveu no país, desde meados do século XVI até praticamente o fim do século XIX, são bem escassos.”

A intenção dos autores da Enciclopédia Negra também se encontra delineada na Introdução: “A grande utopia deste livro é devolver à sociedade brasileira, sobretudo a negras, negros e negres, histórias e imaginários mais diversos e plurais. Essa é uma forma de colaborar para que nosso país seja mais republicano. É também uma maneira de qualificar nossa democracia, deixando de discriminar e assassinar setores da nossa sociedade que – segundo os termos do IBGE, que os classifica como pretos e pardos – corresponde a 56,1% da população.” E num pós-escrito oportuno por excelência, os autores ainda homenageiam João Alberto Silveira Freitas, assassinato brutalmente por animais travestidos de vigilantes brancos no Supermercado Carrefour de Porto Alegre, exatamente no dia 19 de novembro, véspera do Dia da Consciência Negra.

Manuseando a Enciclopédia Negra, encontre alguns verbetes que muito me auxiliarão nos meus escritos futuros. Eis alguns, já anotados: Aleijadinho, André Rebouças, Auta de Souza, Carolina Maria de Jesus, Grande Otelo, Henrique Dias, José do Patrocínio, Lima Barreto, Pai Adão, Tobias Barreto e Zumbi.

Para os recifenses que nunca leram sobre o destacado líder religioso Pai Adão, algumas informações. Ele nasceu em 1877, sendo batizado com o nome de Felipe Sabino da Costa, mas guardava o nome muçulmano Adamastor, tornando-se mais conhecido como Adão, corruptela de Adamaci. Ele era filho do africano Sabino Felipe da Costa, da Costa Ocidental, embarcado na área costeira Badagri, hoje Lagos, na Nigéria. Felipe foi escravizado no engenho Itaguari. Em 1906, Adão Pai Adão fez uma viagem à Nigéria para visitar parentes e também aprimorar seus conhecimentos no culto dos orixás, também se especializando na língua Ioruba. Tive a felicidade de conhecer pessoalmente um dos seus netos, o Manoel do Nascimento Costa, conhecido por Papai, do Sítio do Pai Adão, Água Fria, que por mim indicado para integrar o Conselho Estadual de Cultura, nomeado pelo então governador Joaquim Francisco.

O inesperado foi no dia da posse do Manoel no Conselho: ele saudou todos os presentes, o governador presidindo a sessão, em Iorubá. Uma figura atuante, que muito honrou seus ancestrais.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos sexta, 15 de setembro de 2023

PARA CONHECER O MOMENTO BRASIL ATUAL (CRÔNICA DE FERNAND ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DOALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Para os brasileiros que amam realmente o país, sem os atuais estrupícios políticos, sociais, econômicos, morais e sanitários, recebi quatro presentes de Páscoa recebidos de amigos sulistas de longa data, professores da Universidade Federal de São Paulo, Ciências Humanas.

O primeiro deles retrata o atual quadro nacional, sem os sectarismos, maniqueísmos e proselitismos que empanam compreensões e referências. O livro recebido intitula-se Guerra cultural e retórica do ódio: crônicas de um Brasil pós-político, João Cezar de Castro Rocha, posfácio de Cláudio Ribeiro, Goiânia GO, Editora Caminho, 2021, 460 p. O autor é Professor Titular de Literatura Comparada da Universidade do Rio de Janeiro (UERJ) e Pesquisador do CNPQ, também Doutor em Literatura Comparada pela Universidade de Stanford, com pós-doutrorado pela Universidade de Princeton, com mais de dez livros publicados, com traduções publicadas em inglês, alemão, mandarim, espanhol, francês e italiano. A seriedade do ensaio se evidencia pelas mais de 500 notas reunidas ao final do volume, além das principais fontes e bibliografia complementar.

O segundo livro é de um juiz de Direito espírita mineiro, escritor, palestrante internacional, estudioso aplaudido de assuntos entrelaçados como filosofia, espiritualidade e literatura grega. Tradutor diretamente do Texto Crítico Grego publicado pela UBS – United Bible Society. O presente recebido: Despertar: nossos desafios na transição planetária, Haroldo Dutra Dias, São Paulo, Intelítera Editora, 2020, 315 p. Ensinamentos necessários para uma pós pandemia, embasados no Antigo e Novo Testamento, nas Obras Básicas de Allan Kardec e nos textos psicografados dos Espíritos Emmanuel e André Luiz. Páginas que abordam assuntos pertinentes para o momento atual de forma leve e didática. Entre os assuntos tratados, uma pequena amostra dos assuntos tratados: Causas das aflições, Fraquezas da alma, Educar sentimentos, O homem de bem, Qual o sentido da sua vida? Quem são os trabalhadores da última hora?

O terceiro volume, presente de coroa para coroa, relaciona-se com o binômio terceira idade x desesperança: Idosos & Espiritualidade: o despertar para uma vida saudável, longeva e plena, Lígia Posser, Nova Petrópolis RS, Luz da Serra, 2021, 160 p. A autora é gerontóloga, professora universitária, possui especialização em Terapias Reencarnacionistas pela Universidade de Barcelona, na Espanha. Declara ter 70 anos de idade, “com uma escalada de muitos degraus para subir. E que dedica o livro e suas orientações “a todos que acreditam que uma pérola é resultado de uma transmutação da ostra ao reagir com resiliência a um grão de areia.”

O quarto presente foi enviado por quem soube sobreviver, depois de acometido da COVID-19, submetido ao balão de oxigênio durante 38 dias: A arte de viver/ Epicteto: uma nova interpretação, Sharon Lebell, Rio de Janeiro, Sextante, 2018, 144 p. Uma análise sobre a sabedoria existencial de Epicteto, um nascido escravo.

Leituras que ampliam esperanças e nos afastam dos negativismos bolorentos e cretinos que tanto nos estão internacionalmente humilhando.

Um Feliz Dia das Mães para todos! A minha já se encontra na Mansão do Pai, sempre me orientando e me puxando as orelhas quando faço alguma merdalidade.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos domingo, 10 de setembro de 2023

TRICAS E TRAQUES (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

TRICAS E TRAQUES

Fernando Antônio Gonçalves

Não há ocasião mais constrangedora do que aquela vivenciada por um portador de alguns mil-réis de inteligência diante de um endividado cerebral, tagarela e proprietário de carro importado, celular acionado nos momentos mais inconvenientes e óculos de sol dependurado perto da bunda, como se o olho dela visse. Geralmente de muito bom senso crítico, o primeiro se deblatera organicamente com as primariedades jumentálicas do segundo.

Em tempos pandêmicos de mudanças aceleradas como os de agora, de transformações futuras de muita inventividade, humores e ironias não são facilmente admissíveis pelos estamentos ou-tudo-ou-nada, que desejam impor vanguardas nem sempre à altura do século XXI. E que não conseguem assimilar a grande lição deixada por Erasmo de Roterdam, no Elogio da Loucura, publicado numa época onde se admirava pitadas inteligentes, tal e qual como recentemente, com os recados do Lulu Santos – nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia. E o humorismo do Paulo Gustavo, eternizado recentemente, para infelicidade geral da Nação pensante.

Já houve outros contextos como os de agora, com encorpados primatas travestidos de mandatários. Que se horrorizavam com as sátiras de então, que chocavam santarrões e filisteus que desconheciam a Batraquiomaquia de Homero, a loa feita por Virgílio ao mosquito e o diálogo do grilo com Ulisses, aquele que não presidente de partido.

Estou a imaginar o espanto de alguns toleirões do aqui-agora brasileiro ao tomarem conhecimento do que Apuleio falou acerca dos burros, Luciano sobre a mosca parasita e Sinésio sobre a careca. E cairiam para trás, esfolando os raciocínios, se lessem São Jerônimo citando o testamento do porco idealizado por um tal Grunnio Corocotta, também não entendendo patavina do dito por Erasmo no seu livro mais famoso: “Na verdade, haverá maior injustiça do que, sendo permitida uma brincadeira adequada a cada idade e condição, não poder pilheriar um literato, principalmente quando a pilhéria tem um fundo de seriedade, sendo as facécias manejadas apenas como disfarce, de forma que quem as lê, quando não seja um solene bobalhão, mas possua algum faro, encontre nelas algo ainda mais proveito do que em profundos e luminosos temas?”

Como eu gostaria de ver, por muitos medalhistas, lido, relido e entendido o balaio de vergastadas de Erasmo de Roterdam! E que eles pudessem compreender melhor o significado de alma pequena, do Fernando Pessoa, inteligência portuguesa dezoito quilates. Perceberiam, se assimilassem a mutabilidade dos tempos, as ansiedades dos novos, os padrões comportamentais e as exigências éticas de um mundo em evolução.

Os humanismos solidários não devem ser jamais baralhados com pieguismos paspalhões, que apenas conservam legiões na ignorância e na irreflexão, qualquer palmadinha nas costas se convertendo em apoteótico agora-a-coisa-vai, numa Reunião sobre o Clima, patrocinada por Joe Binden, presidente dos Estados Unidos. Um Binden diferente de muitos bundens, um deles o atual ministro da Saúde Queiroga, que deixou a CPI da COVID-19 cheirando mal, com medo gigante de levar um pontapé na bunda do chefete insano, sem mais eira nem beira. Decididamente, um ministro desovado.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos terça, 05 de setembro de 2023

PARA CONSOLIDAR AMANHÃS PÓS PANDÊMICOS (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

PARA CONSOLIDAR AMANHÃS PÓS PANDÊMICOS

Fernando Antônio Gonçalves

Passadas os cinismos cretinos de mais um depoimento pazuélico, que muito deslustrou as Forças Armadas Brasileiras, dois alertas necessitam ser mais trombeteados pelos quatro cantos do país. Primeiro: a valorização da passividade cívica é caminho certo para a domesticação do todo, favorecendo a ampliação dos que, proclamando-se os puros do planeta, postulam alcançar um lugar ao sol, continuando descompromissados com a dignidade política e a evolução comunitária.

O segundo alerta é dirigido aos milhões de cristãos brasileiros de todas as denominações: sem senso crítico não se percebe o quão distanciada está a Igreja dos anseios de uma população pandêmica marcada pela fome e por uma crescente desesperança. E sem senso crítico de todos os filhos do Homão jamais se edificará uma Igreja Cidadã irmã siamesa de uma Igreja Religião. Esta, sem aquela, a pregar um evangelho repetitivo, de mentalidade enfadonha, sem muito realce na unidade comunitária. A outra, buscando uma mensagem evangélica adequada à realidade, sempre atenta à complexidade global, criativa na formulação de dinâmicas evangelizadoras multiplicadoras de habilidades e competências “cabríticas”, nunca “ovelhísticas”, as primeiras paulofreireanas por derradeiro, identificadas pelas mentes que ultrapassaram a “consciência ingênua”, adotando uma “consciência crítica” evolucionária. As segundas, vivendo de balidos lamuriosos e olhinhos revirados.

As indagações emergem com facilidade: Como deve ser a função da Igreja, em suas múltiplas denominações, diante dos novos e desafiantes contextos pós COVID-19 que exigirão a maximização dos diálogos inter-religiosos, inclusive entre israelenses e palestinos? Que esclarecimentos construtivos e movimentações renovadoras poderão cativar inteligências, eliminando os torpores que apenas desmoronam estruturas religiosas, ampliando mais as misérias sociais das comunidades sociais? De onde emergirão as autoridades emergentes renovadas, que atificarão a análise de Hans Küng, um dos talentos teológicos contemporâneos: “Pastores e mestres têm suas tarefas específicas. Nem teólogos metidos a bispos, nem bispos metidos a teólogos”?

Para os cristãos comprometidos com as reduções das excrescências sociais que agridem o nosso planeta, a leitura de Desafios aos Cristãos do Século XXI, José Comblin, Paulus, refaz energias, amplia maturações para novas formas de agir. Algumas afirmações do padre Comblin são verdadeiras vacinas contra as bobajadas dos que imaginam que os problemas se resolvem num simples estalar de dedos ou numa frase idiota para apalermados:

1. O mundo dos excluídos veio para ficar;

2. O atual sistema econômico domina de modo absoluto o mundo todo, somente o contestando alguns intelectuais sem poder;

3. Estamos ainda na fase inicial da exclusão, o que está vindo por aí tende a ser ainda pior, posto que não depende de um governo, regime político ou constituição de Estado;

4. É irresponsabilidade pensar que o problema da exclusão social está sendo resolvido e que algumas boas pregações podem mudar a evolução atual do mundo;

5. Os excluídos estão formando um mundo próprio, separado, com sua cultura e relações sociais;

6. A cultura do mundo dos excluídos não é muito conhecida, porque não consegue interessar aos sociólogos;

7. A função do poder executivo consiste em comprar os votos dos congressistas para que aceitem as decisões tomadas pelas instâncias do poder econômico;

8. Os funcionários públicos estão destinados a uma vida cada vez mais medíocre.

9. A influência da Igreja na atual sociedade é minima, para não dizer inexistente.

O teólogo Brian D. McLaren ressalta: “faça distinção entre tradições eclesiásticas e a tradição cristã, e tire a ênfase da primeira, colocando na última”. Perceber que os velhos padrões estão cada vez menos eficazes já é um modo novo e muito promissor para quem deseja cidadanizar-se cristãmente, observando as árvores sem jamais deixar de perceber a extensão do bosque. Exigindo iniciativas que sobrepujem os denominacionalismos que estão em ritmo declinante há muito tempo. Saibamos bem diferenciar países em empoderamento e países em enfoderamento.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos quinta, 31 de agosto de 2023

A JANELA (CONTO DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA D ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A JANELA

Fernando Antônio Gonçalves

Certa feita, dois homens seriamente vitimados pela COVID-19 foram internados numa mesma enfermaria de um grande hospital regional. O cômodo era bastante pequeno e nele havia apenas uma janela que dava para o exterior da edificação. Um dos pacientes tinha, como parte integrante do seu tratamento, permissão para sentar-se na cama, próxima a essa tal janela, por uma hora durante as tardes. O outro paciente, contudo, por força de recomendação médica, passava todo o seu tempo deitado de barriga para cima, restando-lhe tão somente o direito de ficar olhando para o teto do compartimento.

Todas as tardes, quando o homem cuja cama ficava perto da janela era colocado em posição sentada, ele passava o tempo descrevendo para o companheiro o que via lá fora. Segundo ele, da janela se descortinava um lindo parque, onde havia um lago com patos e cisnes, todos eles beneficiados pelos nacos de pão atirados pelas crianças que passeavam em seus barquinhos de madeira, devidamente supervisionados pelos seus pais ou babás. Na relva situada ao redor do lago, jovens namorados, de mãos dadas, trocavam juras de amor por entre árvores e flores, inúmeros jogos de bola se desenrolando ao longo dos espaços destinados à prática de esportes. Ao fundo, por detrás das últimas fileiras de arbustos, avistava-se o belo contorno dos prédios da cidade, com suas antenas parabólicas revelando a chegada da pós-modernidade por aquelas bandas.

O homem que estava deitado ouvia atentamente o companheiro descrever tudo isso, saboreando com avidez o que estava sendo descrito nos mínimos detalhes. Escutou atentamente sobre como uma criança quase caiu no lago e sobre como as garotas estavam bonitas em seus vestidos de verão, cabelos cortados, corpos delineados e sorrisos de montão, irradiando felicidade por todos os poros. As descrições do narrador faziam-no sentir como se estivesse realmente observando o que acontecia lá fora, tamanha a riqueza dos detalhes recebidos.

Durante uma tarde de maio, no homem sempre deitado ocorreu um pensamento: por que o paciente que ficava perto da janela deveria sozinho ter todo o prazer de ver o que estava acontecendo lá fora? E por que ele não poderia ter também a chance de contemplar o que estava acontecendo no mundo exterior? Sentiu-se um tanto envergonhado pelo sentimento de inveja, mas quanto mais tentava não pensar assim, mais queria que ocorresse uma reviravolta da situação. E faria qualquer coisa para isso acontecesse.

Numa noite, o homem da janela, subitamente, acordou sufocado. Debatendo-se desesperadamente, suas mãos procuraram inutilmente o botão que alertaria a enfermeira. Ao lado, indiferente ao drama, seu companheiro de ambiente hospitalar não moveu uma palha sequer em defesa do infeliz, mesmo quando a respiração dele parou por completo.

Pela manhã, o corpo do falecido foi levado para o necrotério, para os preparativos do sepultamento. Tão logo o defunto saiu da enfermaria, o outro perguntou se poderia ser colocado na cama perto da janela. Sendo prontamente atendido, viu-se devidamente aconchegado sob cobertas quentinhas.

Sentindo-se só, apoiou-se sobre os cotovelos, esticando-se ao máximo para ver também o mundo do lado de fora da janela. E viu apenas um muro, igualzinho aos demais.

Principiando mortalmente a se desesperar, o novo inquilino da janela percebeu que a Vida é, sempre foi e será aquilo que nós a tornamos.

PS. Aos que comentam meus escritos com elegância e nível construtivo, confesso que as opiniões em muito ampliam a minha criticidade e estruturam novos estudos sobre o nível cultural da nossa gente. Infelizmente, a grande maioria de nosso povo ainda é dotado de uma paulofreireana “consciência ingênua”, sem qualquer objetividade edificante. Façamo-la cada vez mais cidadã. Aos detratores, Mt 7,6.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos sábado, 26 de agosto de 2023

OS PORCOS ASSADOS (CRÔNICA DE FRNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, DOLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS PORCOS ASSADOS

Fernando Antônio Gonçalves

Alguns recentes acontecimentos nacionais deixaram muito brasileiro com as orelhas ardendo, os olhos abugalhados e os eggs irritadíssimos. Um amigo de longa data, careca de saber que as searas desta terra de Cabral estão a necessitar de uma baita reestruturação moral, me envia uma fábula interessante. A historieta chama-se A Fábula dos Porcos Assados e lá vai:

“Certa vez, aconteceu um incêndio num bosque e alguns porcos morreram assados. Os homens da região experimentaram a carne assada e a acharam deliciosa. Desde então, quando queriam comer porco assado, incendiavam um bosque. Mas, como tudo não corria às mil maravilhas, o processo começou a preocupar o SISTEMA, dados os prejuízos que eram imensos. As queixas se avolumavam a exigir a reestruturação dele. Congressos, seminários e conferências passaram a ser realizadas anualmente. No XXX Congresso, os especialistas atribuíram o problema a fatores vários: a indisciplina dos porcos, que não permaneciam onde deveriam ficar; a inconstante natureza do fogo; as árvores excessivamente verdes; a umidade da terra; e o serviço de informações meteorológicas local, que não acertava o lugar, o momento e a quantidade das chuvas.

Um dia, um incendiador AB/SODM-VCH – Acendedor de Bosques, Sudoeste Diurno, Matutino, bacharelado em Verão Chuvoso –, chamado João Bom-Senso, resolveu proclamar que o problema era muito fácil de ser resolvido: bastava matar o porco, limpando e cortando adequadamente o animal, colocando-o numa armação metálica sobre brasas.

Avisado por um xeleléu, desses que vivem de congresso em congresso, o Diretor Geral de Assamento mandou chamar o João ao seu gabinete:

– Tudo o que o senhor disse está bem dito, mas não funciona. O que o senhor faria, por exemplo, com os anemotécnicos, caso viéssemos a aplicar a sua teoria?

– Não sei – disse João.

– E os especialistas em sementes e árvores importadas?

– Sei não.

– E os conferencistas e estudiosos que, ano após ano, têm trabalhado no Programa de Reformas e Melhoramentos?

– Não sei – repetiu João.

– O senhor percebe que a sua ideia não vem ao encontro do que necessitamos? O senhor não vê que, se tudo fosse simples, nossos especialistas já teriam encontrado a solução? O senhor com certeza entende que eu não posso simplesmente convocar os anemotécnicos e dizer-lhes que tudo se resume a utilizar brasinhas sem chamas! O que o senhor espera que eu faça?

– Não sei, balbuciou o João, já meio sem graça, aguardando a rebordosa.

– Diga-me se os nossos engenheiros em Porcopirotecnia não são considerados personalidades científicas?

– Sim, parece que são.

– O simples fato de possuirmos valiosos engenheiros em Porcopirotecnia indica que nosso SISTEMA é muito bom. Não é?

– Não sei.

– O senhor tem que trazer soluções para problemas específicos. Temos que melhorar o SISTEMA e não transformá-lo radicalmente, o senhor entende?

– Realmente, eu estou perplexo! – respondeu João.

– Bem, agora que o senhor conhece as dimensões do problema, não saia dizendo por aí que pode resolver tudo. O problema é bem mais sério e complexo do que o senhor imagina. Recomendo-lhe que não insista nessa sua ideia, pois lhe seria prejudicial.

João Bom-Senso, coitado, não disse mais nem um “ai”. Sem despedir-se, assustado, saiu de fininho e ninguém nunca mais o viu.

Por isso é que até hoje se diz, quando há reuniões de Reformas e Melhoramentos do SISTEMA: que falta faz o Bom-Senso!!”


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos segunda, 21 de agosto de 2023

FRASES QUASE CONEXAS (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

FRASES QUASE CONEXAS

Fernando Antônio Gonçalves

Num dos sábados de novembro último, contente que só por estar ajudado pela Sissa, supervisora geral de minha caminhada atual, que sempre bem ilumina meu canto de dormir, reencontrei uns apontamentos que teimavam, muito amarelados, em resistir ao tempo, atocaiados no fundo de uma gaveta metida a socavão de papéis de ontem. E resolvi elencar algumas frases neles contidas, sem identificar seus autores, oferecendo àqueles que ainda estão azeitando suas “birutas” para, em 2023, melhor auscultar a direção dos ventos para uma vivência pessoal e profissional duradoura. A não-identificação é proposital, para que todos possam refletir melhor sobre as frases, pouco importando épocas, nacionalidades, ideologias, nomes e sobrenomes de seus autores. Que cada um dos pensamentos aqui expostos subsidie reestruturações comportamentais naqueles que necessitam ser mais, para que possam usufruir mais adequadamente dos talentos oferecidos pela Criação. Ei-las para os que desejam se reestruturar existencial e profissionalmente no próximo ano:

– A sabedoria é o conhecimento temperado pelo juízo. Através dos séculos existiram homens que deram o primeiro passo ao longo de novos caminhos, sem outros recursos além de sua própria visão. Só o homem é o arquiteto de seu próprio destino terrestre.

– A maior revolução em nossa geração é que seres humanos, modificando as atitudes mais íntimas de suas mentes, podem modificar os aspectos exteriores de suas vidas.

– Tornar-se águia sem mentalidade de galinha, por mais emplumada que esta seja.

– Tudo pode ser mudado; mas nada será mudado até que seja dado o primeiro passo.

– O mais importante é não parar de questionar. A curiosidade tem sua própria razão de ser. Nunca perca a sagrada curiosidade.

– Somente quem se arrisca a ir longe ficará sabendo até onde poderá chegar.

– O pessimista queixa-se da ventania. O otimista espera que ela acabe. O realista ajusta as velas.

– Há sempre um momento no tempo em que uma porta se abre e deixa o futuro entrar.

– Aquele que tem um porquê para viver pode enfrentar todos os comos.

– Há muito a ser dito em favor do fracasso. Ele é mais interessante do que o sucesso.

– Fracassado é o homem que erra e não é capaz de aproveitar a experiência. Não existe fracasso, a não ser em não continuar tentando com criatividade e flexibilidade.

– O sucesso é medido não tanto pela posição que alguém alcançou na vida, mas pelos obstáculos que ela ultrapassou enquanto tentava vencer.

– Uma jornada de mil milhas começa com um simples passo.

– Um objetivo nada mais é do que um sonho com um limite de tempo.

– Quanto menos a razão crítica dominar, mais empobrecida será a vida.

– O único homem que nunca comete erros é aquele que nunca faz coisa alguma.

– Não tenha medo de errar, pois você aprenderá a não cometer duas vezes o mesmo erro.

– A única coisa permanente é a mudança. Não podemos esperar que o mundo mude.

– Não podemos esperar que os tempos se modifiquem e que nós nos modifiquemos juntos, por uma revolução que chegue e nos arrebate em sua marcha.

– A coragem é inegavelmente uma das grandes virtudes da humanidade. Ela sempre garante imensa tranquilidade de consciência. A timidez, o escrúpulo e a dúvida, ao contrário, torturam frequentemente o espírito e conduzem às derrotas e aos desesperos.

– Não pergunte o que seu país pode fazer por você, pergunte o que você pode fazer pelo seu país.

– Nenhum diploma encurta as orelhas de ninguém. Eu não tenho a fórmula para o sucesso.

– Perigoso é um pouco de conhecimento.

– Tolo é aquele que naufragou seus navios duas vezes e continua culpando o mar.

– Seres humanos podem mudar sua vida mudando suas atitudes. Comece a tecer e Deus lhe mandará a linha.

UM FELIZ NATAL PENSANTE PARA TODOS NÓS, FUBÂNICOS!!!


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos quarta, 16 de agosto de 2023

REENERGIZAÇÕES (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUND FLORIANO)

 

REENERGIZAÇÕES

Fernando Antônio Gonçalves

Quatro alunas de uma escola de segundo grau, uma prima segunda no meio, no Recife, pela Internet me enviaram algumas respostas por elas dadas a um questionário, parte de trabalho de um professor, cujo mote, Leitura Sadia, Energia Todo Dia, me deixou entusiasmado. O docente, certamente, deve ser uma pessoa muito bem dotada de humor e saber, características raras num contexto nacional pandêmico, onde o chulo e o menos nobre, a tecnocracia e a boçalidade de muitos parecem substituir o saudável, a politização salutar e os gestos lhanos que sempre dignificaram o Cosmos, em todas as épocas.

Das colaborações explicitadas pelas meninas, escolhi, com dificuldades, três pérolas, dignas de serem divulgadas por um jornal arretado de ótimo como o Jornal da Besta Fubana, que vem, de há muito, se preocupando com as imensas potencialidades do Brasil, um país ainda fragilmente gerenciado pelos responsáveis pelos nossos amanhãs nacionais. Escolhi uma anedota sadiamente engraçada, uma oração fertilizante de um desconhecido e uma advertência do saudoso Martin Luther King, um sempre lembrado pelos cidadãos do mundo.

1. A anedota é evangelizadora: Jesus estava passeando por um vilarejo próximo à Nazaré, quando percebe uma multidão se preparando para apedrejar uma mulher acusada de adultério. Ele se aproxima e, protegendo a ré, declara alto e bom som: QUEM NUNCA PECOU QUE ATIRE A PRIMEIRA PEDRA! E eis que, quase de imediato, uma pequena pedra, certeiramente atirada, acerta em cheio a cabeça do Filho de Deus. Olhando imediatamente em volta e identificado o autor, ELE carinhosamente grita: VOCÊ NÃO VALE, MINHA MÃE!

2. Oração do Amor Solidariedade, de autor desconhecido, homenageando todos aqueles que muito amam, embora sem correspondência alguma:

“Quando você sentir vontade de chorar, não chore, pode me chamar que eu choro por você. Quando você sentir vontade de sorrir, me avise que eu venho para nós dois sorrirmos juntos. Quando você sentir vontade de amar, me chame, que eu venho amar você. Quando você sentir que tudo está acabado, me chame, que eu venho lhe ajudar a reconstruir. Quando você achar que o mundo é pequeno demais para suas tristezas, me chame, que eu faço ele pequeno para sua felicidade. Quando você precisar de uma mão, me chame, que a minha será sempre sua. Quando você precisar de companhia, naqueles dias nublados e tristes, ou nos dias ensolarados, eu venho, venho sim. E quando você estiver precisando ouvir alguém dizer EU TE AMO, me chame que eu direi a você a toda hora, pois o meu amor é imenso. E quando você não precisar mais de mim, me avise, que simplesmente irei embora, orando por você”.

3. A lição de Martin Luther King é de muita clarividência contemporânea, num contexto onde tudo parece terminar num embostalhamento geral, sem altruísmo algum, sem fervor cívico, sem um pingo de vergonha na cara, competência nula:

“É melhor tentar e falhar, que preocupar-se e ver a vida passar. É melhor tentar ainda que em vão, que sentar-se fazendo nada até o final. Eu prefiro na chuva caminhar, que em dias tristes em casa me esconder. Prefiro ser feliz, embora louco, que em conformidade viver”.

Parabenizei as estudiosas adolescentes pelas respostas dadas ao questionário do professor. Um professor para quem envio um fraternal abraço de parabéns, posto que percebi sua alma irmã gêmea da minha e de muitas outras.

E logo fui para junto dos meus livros, absolutamente convencido de que o amanhã brasileiro será muito diferente, se todos tiverem tesão existencial e vontade de edificar novos amanhãs nacionais. Para felicidade geral de gregos e troianos.

PS. Para todos os leitores do Jornal da Besta Fubana, talentos que nobilitam o Brasil e que me honram com suas amizades, deixando-me cada vez menos solitário na minha caminhada em direção à Luz.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos sexta, 11 de agosto de 2023

O PARDALZINHO (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O PARDALZINHO

Fernando AntônioGonçalves

Era uma vez um pardalzinho que odiava deslocar-se para outras plagas, todas as vezes que o inverno chegava. Por esse motivo, deixava sempre para última hora a idéia de abandonar seus teréns por uns tempos. Costumeiramente, despedia-se dos companheiros, retornando ao ninho para mais umas semanas de aconchego.

Certa feita, com um tempo já desesperadamente frio, ao iniciar seu vôo deparou-se com uma chuvinha continuada. Molhadas as asas, estas se petrificaram, congeladas, fazendo o pardalzinho despencar das alturas, caindo num interior de uma estrebaria de pequeno porte.

Quando já se imaginava próximo do fim, o pardalzinho recebeu uma descomunal carga excremental, oportunamente quentinha, de uma égua que de costas para ele se encontrava.

Apesar de todo bostado, o pardalzinho de logo percebeu que aquela massa fétida derretia rapidamente o gelo acumulado das suas asas, aquecendo-o providencialmente, tornando-o muito distanciado da morte prematura que parecia se avizinhar.

Sentindo-se feliz, plenamente reaquecido, o pardalzinho começou a cantar alto e bom som, desapercebendo-se por completo de um enorme gato que o espreitava estrategicamente, atraído pelos seus trinados, e que, de uma só abocanhada, matou-o instantaneamente.

Esta história, a mim contada por Cinderela, uma das minhas amigas do Behappy, esse espetacular canal-amizade da Internet, reflete quatro ensinamentos morais, dignos de serem aqui repassados para os leitores JC, aqueles mais atentos às idas e vindas e voltas que o mundo dá.

O primeiro ensinamento proclama que “nem sempre aquele que caga em você é seu inimigo”. O famoso ditado “topada só bota prá frente”, muito ouvido nas camadas populares, reflete, contraponto felicíssimo, a lição encerrada naquela advertência.

O segundo ensinamento revela que “nem sempre aquele que tira você da merda é seu amigo”. Uma lição ainda muito desapercebida por inúmeros eleitores nordestinos, responsáveis por feudos oligárquicos conservadores, perpetuados pela gratidão eterna dos “beneficiados” que continuam vítimas.

O terceiro ensinamento é oportuno para muitos: “desde que você se sinta quente e confortavel, conserve o bico calado, mesmo que situado num monte de merda”. Reclamar muito, por tudo e todos, quando num se pode dar um passo seguro, é o mesmo que futucar leão faminto e solto com vara bem curtinha.

E, finalmente, o quarto ensinamento da paráboloa do pardalzinho é chave de ouro dos anteriores: “quem está na merda não canta”. Traduzindo: deve-se procurar a melhor das alternativas, jamais se distanciando de uma consistente simancolidade, capacidade de se perceber imaturo, incompleto ou muito inconveniente.

O italiano Domenico De Masi, em seu livro A Emoção e Regra, conhece bem a história do pardalzinho: “Nessa nova sociedade, que privilegia a produção imaterial, as necessidades do indivíduo são outras: tempo e privacidade, amizade, amor, ócio inteligente e enriquecedor, e a convivialidade. A última coisa que interessa é a ostentação”.

PS. Para os empreendedores de todos os naipes, que ainda não assimilaram a parábola do pardalzinho.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos domingo, 06 de agosto de 2023

BATERIA EXISTENCIAL (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

BATERIA EXISTENCIAL

Fernando Antônio Gonçalves

Todas as áreas mundiais estão sofrendo barbaridades com os efeitos causados por uma terrível pandemia: fome, desemprego, mortalidade, subdesenvolvimento educacional crescente, violência urbana e desestruturação familiar, a exigir posicionamentos serenos dos dirigentes públicos responsáveis. Esta semana mesmo, perdi um enteado muito amado, o André.

Da sempre amiga Lúcia Souza, profissional competente do Paraná, recebi, tempos atrás, o texto abaixo, num cartão de Ano Novo próprio, reproduzido em computador pessoal. Pensamentos que bem deveriam indicar rumos comportamentais para todos aqueles que necessitam reestruturar-se para continuar seguindo adiante, num mundo de cenários múltiplos, díspares e divergentes. De insurgências e ressurgências, como antecipou Gilberto Freyre, sempre inesquecível. Ei-lo:

“Gosto de gente com a cabeça no lugar, de conteúdo interno, idealismo nos olhos e dois pés no chão da realidade. Gosto de gente que ri e chora, se emociona com uma simples carta, um telefonema, uma canção romântica, um gesto de carinho, um abraço e uma ternura. Gente que ama e sabe curtir saudades.

Gosto de gente que cultiva flores, admira paisagens, semeia perdão, reparte vivências e confidências, sem fugir de compromissos difíceis e inadiáveis por mais desgastantes que sejam. Gente que orienta, entende, aconselha, busca a verdade e quer sempre aprender, ainda que a lição advenha de uma criança, de um pobre ou de um analfabeto. Gente de coração desarmado, sem ódio e preconceitos cavilosos. Gente que erra e reconhece, cai e levanta, apanha e assimila os golpes, tirando lições dos erros, fazendo redentoras suas próprias lágrimas e sofrimentos.

Gosto de gente assim, desconfiando que é desse tipo de gente que Deus também gosta”.

Tenho uma imensa compaixão dos que possuem alma pequena. Dos complexados por esse ou aquele motivo. Das que se imaginam corporalmente formosas e se desestruturam com as primeiras rugas. Dos que não entendem a concepção moderna de família, refugiando-se num tribalismo hermético. Dos que não sabem rir, sentindo-se sempre coitadinhos. Das que se imaginam libertas, somente porque não prestam mais contas dos seus atos e andanças a companheiros, superiores ou subordinados. Dos que se arvoram de poderosos quando espezinham humildes, de quatro pés se postando, rabinho entre as pernas, diante de superiores, proclamando covardemente que o outro manda, ele simplesmente obedecendo sem a menor criticidade, para conservar cargo e privilégios. A la general Ernesto Pazuello, que muito desonra as Forças Armadas Brasileiras com suas pantomimas.

Aflige-me bastante a incapacidade daqueles que não sabem transformar “coisas invisíveis” em paz e felicidade, nunca assimilando, porque sempre inculto e dependente, que “o inferno é a incapacidade de amar” (Dostoievski), ignorando também, porque ficou sempre numa superficialidade cognitiva, que foi o próprio Dostoievski quem disse que o único meio de evitar os erros é adquirir experiência, esta somente emergida através dos erros cometidos.

Apreensivo, percebo quão infelizes se estão tornando aqueles que não reconhecem, porque portadores de uma transitividade ingênua, que livrar-se do que não se quer não é equivalente a obter o que se deseja.

Admiro profundamente aquelas pessoas que fecham os olhos para ver melhor. Que sofrem constrangimentos afetivos para ampliarem sua capacidade de integrar-se no Cosmo. Que não menosprezam acasos, pois estes só favorecem as mentes preparadas para os amanhãs pós pandemia.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos segunda, 31 de julho de 2023

EXPLICAÇÃO DE ACIDENTE (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

EXPLICAÇÃO DE ACIDENTE

Fernando Antônio Gonçalves

Recebi em abril último, de amigo fraterno, uma nota que me deixou a gargalhar por bons minutos. Publicada na revista da Associação dos Engenheiros do ITA e com o título Sinistro em Cascais, a matéria mostra o relato de um operário luso acidentado, enviada pelo próprio a uma Companhia Seguradora, explicando o acontecido. Eis o relato do operário vitimado:

“Ao Tribunal de Justiça da Comarca de Cascais: No quesito número 3, da participação de sinistro, mencionei: TENTANDO FAZER O TRABALHO SOZINHO como causa do meu acidente. Disseram na vossa carta que deveria dar uma explicação mais pormenorizada, pelo que espero que os detalhes abaixo sejam suficientes. Sou assentador de tijolos. No dia do acidente, estava a trabalhar sozinho no telhado dum edifício novo de 6 (seis ) andares. Quando acabei meu trabalho, verifiquei que havia sobrado 250 quilos de tijolos. Em vez de os levar a mão para baixo, decidi colocá-los dentro dum barril e baixá-los com a ajuda de uma roldana que, felizmente, já estava fixada na altura do telhado, num dos lados do edifício, no sexto andar. Decidi e verifiquei o estado da corda que já estava atada ao barril. Atei a ponta livre da corda, que já descia da roldana na máquina, pesadíssima, usada para misturar a massa. Fui para o telhado e, a duras pena, puxei o barril vazio para cima e coloquei os tijolos dentro. Empurrei o barril para a ponta do telhado, desci até o solo e, bem devagar, encareci a um companheiro que tinha chegado que empurrasse o mencionado barril até que ele ficasse totalmente pendurado na corda. Imaginei segurar a corda com bastante força, de modo a que os 250 quilos de tijolos descessem devagarzinho, embora seja de notar que no quesito 11 indiquei que meu peso era de 80 quilos. Devido a minha surpresa, por ter saltado repentinamente do chão, perdi minha presença d’espírito e esqueci de largar a corda. É necessário dizer que fui içado do chão para o telhado a grande velocidade. Lá pelo terceiro andar bati no barril que vinha a descer. Isto explica a fratura do crânio e da clavícula partida. Continuei a subir a uma velocidade não menor, não tendo parado até que os meus dois dedos das mãos estivessem entalados na roldana. Finalmente, a esta altura, já tinha recuperado a minha presença d’espírito e consegui, apesar das dores, continuar agarrado à corda. Mais ou menos ao mesmo tempo, o barril com os tijolos chegou ao chão e o fundo partiu-se. Sem os tijolos o barril pesava aproximadamente 25 quilos (refiro-me novamente ao meu peso indicado no quesito 11). Como podem imaginar, comecei a descer rapidamente. Próximo ao terceiro andar, novamente, encontro o barril vazio que vinha a subir. Isto justifica a natureza dos tornozelos partidos e das lacerações das pernas, bem como as das partes inferiores do corpo. O encontro com o barril, dessa vez, diminuiu minha velocidade de descida o suficiente para minimizar meus sofrimentos quando cai por cima dos tijolos e, felizmente, só fraturei 3 vértebras. Lamento, no entanto, informar que, enquanto me encontrava caído sobre os tijolos, com muitas dores, incapacitado de levantar-me e vendo o barril acima de mim, perdi novamente a presença d’espírito e larguei a corda. O barril, que pesava mais que a corda, desceu em cima de mim, partindo-me, dessa vez, as duas pernas”.

O operário Manuel Quedinha se encontra em plena recuperação, feliz da vida por ter heroicamente sobrevivido, para alegria de todos os seus familiares.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos quarta, 26 de julho de 2023

MENSAGEM DE ESPERANÇA (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

MENSAGEM DE ESPERANÇA

Fernando Antônio Gonçalves

Num calendário de Ano Novo 2021 de uma empresa, li uma Mensagem de Esperança singelamente notável. Diz ela:

“Quando as coisas vão erradas e o momento é de crise, não pense que todos os seus esforços têm sido em vão. Segue. Talvez tudo tenha sido para melhor. Sorria. E experimente outra vez. Pode ser que o seu aparente fracasso venha a ser a porta mágica que o conduzirá para uma nova felicidade, que você jamais conheceu. Você pode estar enfraquecido pela luta, mas não se considere vencido. Isso não quer dizer derrota. Não vale a pena gastar seu precioso tempo em lágrimas e lamentos. Levante-se. E enfrente a vida outra vez. E se você guardar em mente o alto objetivo de suas aspirações, os seus sonhos se realizarão. Tire proveito dos seus erros. Colha experiência das suas dores. E, então, um dia você dirá: GRAÇAS A DEUS. EU OUSEI EXPERIMENTAR OUTRA VEZ. E REENCONTREI A PAZ, O AMOR E A FELICIDADE”.

Para os sinceros amigos fubânicos, a mensagem incentiva manter acessa uma incomensurável capacidade de criar, desvinculando-se dos bloqueios emocionais, inibidores por excelência das potencialidades inventivas. E para os jovens futuros profissionais, universitários ou não, nada melhor que uma acurada atenção para as posturas nefastas que inibem o desenvolvimento da criatividade. Segundo a professora Eunice Soriano de Alencar, PhD e ex-representante do Brasil no Conselho Mundial para o Superdotado e Talentoso, tais posturas, todas viróticas, são as seguintes:

1. Capacitação voltada para o passado, enfatizando a reprodução e a memorização;
2. Práticas profissionais que admitem apenas uma única resposta, cultivando-se o medo do erro e do fracasso;
3. Valorização da incompetência, da ignorância e da incapacidade analítica, olvidados os incentivos aos talentos de cada um;
4. Menosprezo pelo auto-conhecimento;
5. Desenvolvimento de habilidades limitadas;
6. Obediência, passividade, dependência e conformismo;
7. Abandono da imaginação e da fantasia;
8. Descaso pelo cultivo de uma visão otimista dos futuros, sem hipocrisias nem messianismos.

Concordo plenamente com a opinião de um especialista prêmio Nobel, segundo o qual “o grande paradoxo da inovação é que o maior de todos os riscos é não inovar, nunca fazer alguma coisa”. E as barreiras emocionais que obstaculizam mais são a apatia, o desejo excessivo de segurança, a inabilidade de tolerar ambiguidade, a insegurança, o medo de passar ridículo, o temor de fracassar, a relutância em correr riscos e os sentimentos de inferioridade. Além dos negativismos e objetivos sectários.

No mais, pedir ao Criador mais clareza mental para entender os sinais d’Ele. Não se olvidando nunca de fazer, cada um, a parte que lhe compete. Sem perder a ternura jamais. Abandonando os mapas e aprimorando-se no entendimento das bússolas e binoculizações.

Isso feito, seguir adiante, num vamos que vamos alto astral, lembrando saudosamente os festejos juninos diferenciados deste ano, o arraial da querida prima Trudinha ficando para 2022, com a tropa Gonçalves e demais associados vacinados, num arrasta-pé mais arretado que nunca de bonito.

PS. Para quem gosta de soltar peido-de-véia e rodinha, um pouquinho só de paciência, pois tudo vai passar e os irresponsáveis torrarão seus rabos mal intencionados nas fogueiras eleitorais brasileiras do próximo ano.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos quinta, 20 de julho de 2023

A RECUPERAÇÃO (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A RECUPERAÇÃO

Fernando Antônio Gonçalves

O Joãozinho d’Oeiras, uma criança como qualquer outra da sua idade, tinha uma dificuldade gigantesca para aprender Aritmética. Misturava mel com cabaço quando chegava a hora de assimilar os métodos quantitativos mais elementares possíveis. Os seus genitores, Joaquim e Manoela, de descendência moura, já se encontravam à beira de um ataque de nervos, mesmo desconhecendo as realizações cinematográficas do Almadóvar, face o fracasso iminente do filhote na série escolar onde se encontrava matriculado.

Inúmeras iniciativas já tinham sido tomadas, todas elas sem qualquer eficácia: aulas particulares, castigos brabos, brinquedos educativos, centros especializados, terapia instrucional e homéricos cascudos, estes últimos distribuídos simetricamente ao longo dos últimos dois anos. Tudo fazia crer que o garoto, apesar do perfil neuronial normalíssimo, não tinha o mínimo pendor para a denominada Ciência dos Números, não mais adiantando qualquer tipo de estratégia pedagógica. Tampouco cascudóloga.

Num belo dia de domingo, pela manhã, à saída da celebração paroquial, os pais do Joãozinho comentaram o problema com um casal amigo, conhecido de muitos anos, desde os tempos solteirais dos quatro. E eis que um remédio, aplicado eficazmente no filho dos amigos, portador de idêntica dificuldade, não poderia ter sido indicado em hora mais oportuna: a matrícula do pirralho numa escola de freiras, sediada numa distância que seria vencida sem maiores cansaços. A notícia das recuperações proporcionadas pelo educandário no filho dos amigos já tinha ultrapassado as próprias barreiras municipais, já sendo do pleno conhecimento do ínclito Ministério da Instrução Nacional.

Matriculado o Joãozinho, apesar do ceticismo dos pais, eis que já no primeiro dia de escola nova, o menino volta para a casa com um ar bastante compenetrado. Sem quase cumprimentar a mãe, vai diretamente para sua escrivaninha e principia a estudar aritmética como se vestibular fosse prestar no dia seguinte. Nenhuma brincadeirinha, peraltice nem pensar.

Na hora do jantar, apesar do prato principal ser um bacalhau ao murro, o Joãozinho rapidamente se sacia, toma um copo de leite de cabra e volta aos estudos com uma garra impressionante, deixando pasmos os pais e o avô, gerente de uma tabacaria de boa freguesia, situada do outro lado da praça.

As horas de estudos se multiplicaram até o final do bimestre, quando o Joãozinho entrega, com ar vitorioso, o boletim de notas à sua querida mãe. Emocionada, quase chorando de mesmo, ela toma conhecimento da sua nota máxima, 10, em Aritmética. Sem conter o entusiasmo com o filho recuperado, pergunta:

– Filho, me diga o que fez você mudar deste jeito. Foram as freiras?

Diante da negativa de Joãozinho, ela insiste:

– O que foi, então, filho querido? Qual foi o fato que marcou seu despertar para a Ciência dos Números?

Tomando fôlego, Joãozinho finalmente esclareceu:

– Não foram os livros, mãe, nem a disciplina do colégio, nem o professor, nem o carinho das freiras, nem os novos colegas, nem a estrutura de ensino, tampouco os ótimos lanches oferecidos na hora do recreio.

– Mas quem foi o responsável, na escola, pela sua estupenda recuperação científica, meu filho?

– No primeiro dia de aula, mãe, quando entrei na sala de aula e vi aquele cara pregado no sinal de mais da sala de aula, percebi que ali não se estava pra brincadeira…


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos sexta, 14 de julho de 2023

INESQUECÍVEIS LIÇÕES DE VIDA (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

INESQUECÍVEIS LIÇÕES DE VIDA

Fernando Antônio Gonçalves

Diante dos sectarismos que se agigantam no mundo contemporâneo, fomentando ódios e procedimentos que se imaginavam ultrapassados, uma escritora psicóloga romena, de idade muito avançada e cabeça sempre lúcida, realiza conferências e debates nos quatro cantos do mundo, enaltecendo os ideais democráticos e combatendo o racismo em suas modalidades mais diferenciadas, explícitas e disfarçadas. Ela tinha 19 anos quando os nazistas a levaram, sua família também, da Transilvânia para Auschwitz, obrigando todos a trabalhos forçados até o final do III Reich.

Terminada a Segunda Guerra Mundial, ela resolveu que dedicaria sua vida a responder questões que lhe seriam feitas sobre Holocausto, ensinando os procedimentos tenebrosos que eram praticados nos criminosos campos de concentração.

Sobre a bandeira de nunca serem esquecidas as atrocidades praticadas pelo III Reich, Hitler e seus comparsas assassinos, ela resolveu escrever um livro que favorecessem uma maior divulgação dos crimes cometidos. E escreveu Perguntas que me fazem sobre o Holocausto, Hédi Fried, São Paulo, Martins Fontes, 2020, 190 p.

Na apresentação feita à edição brasileira, a notável professora Maria Luiza Tucci Carneiro explica: “Através da narrativa que conduz este livro, vamos descobrindo como Hédi Fried dialoga com o passado de injustiças acumuladas ao longo de sua trajetória, ora como jovem estudante, ora como prisioneira de Auschwitz, ora como psicóloga e escritora. Devemos, em qualquer espaço e tempo histórico, lembrar as injustiças e tentar impedir que ocorram novamente, sendo essa uma das mensagens deixadas por Auschwitz.”

No prefácio do livro, escrito em 2018, a autora, uma nascida em 1924, narra a metodologia utilizada em seu livro: “Reuni neste as perguntas mais frequentes que me fazem, para ajudar àqueles que queiram saber mais sobre o Holocausto. Minha esperança é que ele seja lido por jovens de hoje e de amanhã, e que os beneficie.”

Algumas das perguntas selecionadas e respondidas no livro: “Por que vocês não reagiram?”; “O que ajudou você a sobreviver?”; “Como era ficar menstruada?”; “Você foi estuprada?”; “Quando você percebeu que estava ocorrendo um genocídio?”; “Você se encontrou com algum carrasco?”; “Qual é sua visão do futuro?”.

Para quem deseja assimilar mais os acontecimentos terríveis da época, recomendo ainda a leitura de dois livros históricos. O primeiro: A assustadora história do Holocausto, Michael R. Marrus, Rio de Janeiro, Ediouro, 2003, 432 p. No prefácio da edição brasileira, o historiador Fábio Koifman assegura: “Num tempo em que a ignorância dos fatos ajuda a banalizar e a relativizar o Holocausto, a publicação de obras como a de Michael Marrus constitui um benefício fundamental para aqueles que pretendem compreender o maior crime do século XX.”

O segundo texto traz um prefácio de Steven Spielberg e um CD com testemunho de alguns sobreviventes: Holocausto: os eventos e seus impactos sobre pessoas reais, Angela Gluck Wood, Barueri SP, Amarilys, 2013, 192 p. No final, um pequeno glossário esclarecerá o que seja campos de concentração e campos de extermínio, genocídio, gueto, kapo, sionismo, solução final e SS.

Não admiro fascismo, nazismo, comunismo e os outros “ismos” que se postam de democratas, favorecendo apenas uma elite que manda e desmanda, cada vez menos distribuindo renda e cada vez mais usufruindo do bom e do melhor. Sou um socialdemocrata espírita transecumênico, que anseia por um mundo mais fraterno, com terra e trabalho para todos, dignidade e independência, com saúde, renda e vacina, sem discriminações, todos sendo filhos amados de um único Criador.

Sonho? Respondo: Jesus também não sonhou? Foi Ele assassinado, mas muito contribuiu para a Esperança de milhões numa regeneração do todo planetário. Que nos ensinou a fazer nossa parte. Cada um ampliando os talentos herdados dos antepassados.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos sábado, 08 de julho de 2023

RESTAURANDO INTERIORES (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, CLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

RESTAURANDO INTERIORES

Fernando Antônio Gonçalves

Um amigo meu do Recife, nunca da-onça, vizinho de consultório de uma psicoterapeuta, encantou-se com um texto por ela recentemente escrito nas redes sociais, quando da apresentação de uma terapia amplificadora da auto-estima.

O escrito reflete uma meta-sonho, exposta por ser humano sintonizado com os arcabouços situacionais que viabilizam caminhares mais consequentes, menos negativistas, mais consentâneos com as múltiplas confianças depositadas nos ômegas chardinianos. Seguramente, foi escrito por alguém que bem conhece o estilo literário de Jorge Luis Borges, um dos notáveis intérpretes da alma latinoamericana, pois o texto revela grandezas, agigantando uma parceria assumidamente sincera.

A espinha dorsal do que foi apresentado merece ser aqui reproduzido, sem acréscimos nem interpretações, a autora se dirigindo ao ente muito amado, no Dia dos Pais:

“Eu gostaria muito que, no nosso diuturno ambiente de convívio, os meus projetos fossem a concretização dos teus sonhos. Neles, tentaria criar um ambiente harmônico, tranquilo e com um tempero de muita paz. Combinaria o tecido das cortinas com a luz do céu. A cor das paredes seria a mesma do teu estado de espírito. A colcha de nossa cama, sem dúvida alguma, a refletir a imensidão do teu prazer.

Nos diversos cômodos da casa colocaria objetos que mais nitidamente te revelassem. Na toalha da mesa eu espelharia teus sentimentos mais profundos, juntamente com os teus momentos mais calmos, sem jamais procurar desmerecer, pelos quatro cantos das peças, os teus instantes mais tormentosos.

No nosso banheiro, eu combinaria as toalhas de corpo e de mão com a tua sensualidade, como que mesclando tua indomada ousadia com teus períodos de restauradora castidade.

Os nossos porta-retratos refletiriam teus momentos mais significativos, sempre acompanhados dos teus demônios e dos teus anjos da guarda. E em cada canto de nossa casa depositaria um punhado de muito bom humor, para que a alegria nunca te abandonasse, sem esquecer uma pitada de nostalgia, vacina eficaz contra sonhos exagerados.

Eu queria muito ver-te entrando em nossa casa intensamente vivo, com integral capacidade de chorar e rir, a sensibilidade jamais amesquinhada pelos punhais do cotidiano insalubre. E com uma vontade danada de mudar sempre para melhor, a esperança sendo o estandarte maior de nossa estrada.

Eu muito apreciaria poder olhar o mundo através dos teus olhos, jamais me relegando a segundo plano, agradecendo a Deus pela tua existência. Na certeza da plena e imorredoura fusão do côncavo e do convexo. Os meus dias sendo os teus dias, o meu viver sendo pedaço do teu caminhar. As minhas entranhas jamais desmerecendo o que foi por ti depositado. No meu dia, sou tua, sempre ampliando-te através do meu Amor ”.

Antes que alguma mente se explicite latrinamente, informo que a autora do texto acima é profissional conhecida pela sua luta a favor da igualdade dos direitos de todos. Radicalmente ainda a favor de todos os gêneros, credos e etnias, sem perder a ternura jamais, cheguevarianamente falando. E mãe arretada de ótima.

Acima das suas qualidades, a autora é ainda a co-autora da caminhada do seu amado, tornando-se magnífica por saber edificar um outro pedaço seu. Um pedaço que nela necessita se complementar, por não saber ser apenas simplesmente ele.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos sábado, 01 de julho de 2023

LIÇÕES DE PAI E OUTRAS NOTAS AFINS (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

LIÇÕES DE PAI E OUTRAS NOTAS AFINS

Fernando Antônio Gonçalves

1. Na capital pernambucana, Teatro Santa Isabel, certa feita exibiu-se uma companhia de revista que exibia um espetáculo musical chamado Les Girls, onde todos os seus integrantes eram travestis belíssimos, de corpos fascinantes. Como éramos, à época, menores de 18 anos, ficamos impossibilitados de assistir. Mas logo uma ideia brotou em nossas cabeças presepeiras: assistir, após o espetáculo, a saída das “meninas” do teatro. O que foi feito, ensejando comentários no café da manhã da família do dia seguinte, na presença de nosso pai. E o comentário dele até hoje ressoa em nossa memória: “Aprendam que, na natureza humana, existem todas as cores. E todas elas merecem nosso respeito, posto que são originárias da Criação. Respeitem para serem respeitados.”

2. Recentemente, diante das agressões homofóbicas acontecidas nos quatro cantos do mundo, procurei me inteirar mais consistentemente sobre o assunto, até para tratar com afeto e carinho os diversos parentes que possuem uma afetividades diferenciada da minha, alguns deles já convivendo com seus companheiros(as) há bastante tempo, dois deles com adoções já devidamente resolvidas pelas instâncias judiciárias.

Consultando um amigo médico, hétero radical, integrante da AMEMG – Associação Médico-Espírita de Minas Gerais, dele recebi a orientação de ler textos especializados no assunto. E a primeira indicação foi um trabalho consistente, amplamente reconhecido por todo o país: Homossexualidade sob a ótica do espírito imortal, Andrei Moreira, Belo Horizonte MG, Editora AME, 2012, 414 p. Um livro dedicado “a todas as pessoas homossexuais que lutam por compreender sua experiência evolutiva atual e fazer dela um caminho de auto-encontro, responsabilização pessoal, amorosidades e crescimento espiritual em busca da felicidade.” Com uma declaração do notável psiquiatra Carl Jung: “Nunca pergunte o que uma pessoa faz, mas como o faz. Se o faz por amor, ou seguindo o os princípios do amor, está servindo a algum deus. E não cabe a nós estabelecer quaisquer julgamentos, por se tratar de algo nobre.”

A segunda indicação foi a de outro livro espírita também de bom calibre técnico: Homossexualidade, reencarnação e vida mental, Walter Barcelos, Votuporanga SP, Editora Espírita Pierre-Paul Didier, 2005, 238 p. Páginas que apresentam análises feitas pelo Allan Kardec, André Luiz e Emmanuel sobre as inclinações sexuais das criaturas, no corpo e fora dele, suas exigências morais de responsabilidade e amor.

3. O meu amado pai era um católico conservador, nunca reacionário, de mente sempre antenada para os amanhãs que se configuravam ao longo dos caminhos de todos. Admirava muitíssimo o amado Dom Hélder Câmara, embora sempre não tivesse vontade de integrar o corpo progressista militante do arcebispo, posto que se achava muito distanciado dos últimos documentos religiosos. Um dia, entretanto, ele nos disse: “Tenham sempre certeza disto: “O uso de bens da Terra é um direito de todos os homens! Esse direito é consequente da necessidade de viver. Deus não imporia um dever sem dar ao homem o meio de cumpri-lo”. (O Livro dos Espíritos, 711). E ele não era espírita. O livro era do meu avô Severiano, pai de minha mãe.

4. Certa feita, numa reunião familiar, se comentava algumas falcatruas cometidas no Serviço Público Federal. Meu pai, que era muito sensato, disse para os dois filhos menores presentes: – A vê-los ladrão, eu prefiro vê-los mortos. E a lição foi sempre entendida e seguida. Infeliz de uma família que tem parentes próximos envolvidos em operações financeiras que desonram histórias e caminhadas.

5. Uma outra lição de pai, uma das últimas, já perto de eternizar-se: – Os judeus nunca foram culpados da morte de Jesus Cristo. Quem o crucificou foi a dominação romana que à época imperava.

Um grande pai, o Antônio Carolino, 1,60 m, sempre sereno, mariano fervoroso, apaixonado pela sua Maria Luiza, mãe do Zé Carlos e minha. Que comemorou, no último dia 13 deste mês, 103 anos, lá na Mansão do Pai.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos sexta, 30 de junho de 2023

LEITURAS MEMORÁVEIS (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

LEITURAS MEMORÁVEIS

Fernando Antônio Gonalves

Um pequeno questionário, enviado por aluna de um educandário de minha admiração, me chega às mãos pelo e-mail. Uma das perguntas – Que livros mais o impressionaram nos últimos tempos, desde sua fase pré-universitária? – me possibilita dar uma resposta pública, sob a égide editorial deste Jornal da Besta Fubana arretado demais, símbolo de uma imprensa preocupada com os amanhãs brasileiros de grande porte, com uma independência crítica sempre presente, sob a batuta do escritor Luiz Berto, autor do inesquecível O Romance da Besta Fubana, que conclama todos para uma enxergância social mais consequente, binoculizadora por derradeiro. Um dos livros relidos e trelidos da minha caminhada terrestres. Um romance hors-concours, fora de série, que não deixa ninguém com os concours de fora.

A ordem explicitada abaixo nada tem a ver com a importância do livro. Apenas revela leituras que calibraram minhas posturas comportamentais ao longo dos anos, sempre me fazendo perceber um ser inconcluso, cheio de defeitos, a necessitar sistematicamente de mais páginas esclarecedoras. Pois nunca me senti dono do mundo, muito embora seja filho do Dono, sem perder a esperança jamais.

Um livro que muito me impactou, logo depois de graduado em Economia, foi A Revolução da Esperança, de Erich Fromm, relido algumas vezes. Escrito em 1968, A Revolução da Esperança se destina aos que pouco se aperceberam da imperiosa necessidade do fortalecimento da construção de um novo futuro planetário, onde as tecnologias se posicionem ajustadas ao bem-estar integral do ser humano, independentemente de credo, raça, gênero, região, sistema político ou nível socioeconômico, tamanho do pinto e das orelhas.

Considerado “revisionista cultural de Freud”, Erich Fromm nasceu em Main, Alemanha, em março de 1900, oito dias depois do nascimento de Gilberto Freyre, ocorrido em 15 daquele mês e ano. Sua formação humanística, edificada num ambiente de profunda devoção judaica, recebeu influência das ideias de Spinoza, Goethe, Marx e do próprio Freud, sendo Fromm atualmente considerado como um dos profetas da vida humana corrente.

Radicalmente contrário a todo e qualquer regime de exceção, seja de que lado for, sempre social-democrata nunca liberaloide, senti profunda repugnância pelo III Reich, Adolf Hitler e seus cúmplices. Daí, ter ficado ainda mais oposição àquele regime, quando da leitura de História Ilustrada do Nazismo, Alessandra Minerbi, SP, Larousse, 2009, 194 p. Livro-síntese que descreve a construção de um sistema baseado na discriminação racial e na prática de um antissemitismo obsessivamente assassino.

Embora não seja marxista, busco ler muito sobre temas que defendem a redução das desigualdades sociais nos quatro cantos do planeta. De um mesmo autor, talento docente da Universidade de Londres, filósofo mundialmente aplaudido, dois livros provocam releituras minhas quase semanais. O primeiro é O bom livro: uma bíblia laica, A.C. Grayling, RJ, Objetiva, 2014667 p. Um apanhado de pensares de vários autores. Uma leitura que provoca harmonia e muita reflexão. O segundo livro é A arte de questionar- a filosofia do dia a dia, A. C. Grayling, SP. Fundamento Educacional, 2014, 320 p. Perguntas provocantes e respostas que desafiam à inteligência, incentivando caminhadas mais objetivas na direção amanhãs mais dignificantes para todos.

As leituras acima são recomendadas para todos aqueles que, politicamente situados e datados, buscam horizontes compatíveis com a dignidade que merecem todos os filhos da Criação.

Penso: se o caminho se faz andando, saibamos bem recuperar os tempos perdidos, com imaginação, desassombro, paixão e solidariedade para com todos aqueles que, na opulência ou penúria, não estão enxergando as saídas redentoras, todas elas amplamente respaldadas num desrespeitadíssimo “amai-vos uns aos outros”, princípio norteador de um Nazareno que muito amo.

 

Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos quarta, 21 de junho de 2023

LEITURAS REMORPAVEIS - 22.08.21 (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

LEITURAS MEMORÁVEIS

Fernando Antônio Gonçalves

Um pequeno questionário, enviado por aluna de um educandário de minha admiração, me chega às mãos pelo e-mail. Uma das perguntas – Que livros mais o impressionaram nos últimos tempos, desde sua fase pré-universitária? – me possibilita dar uma resposta pública, sob a égide editorial deste Jornal da Besta Fubana arretado demais, símbolo de uma imprensa preocupada com os amanhãs brasileiros de grande porte, com uma independência crítica sempre histórica. Sob a batuta do escritor Luiz Berto, autor do inesquecível Romance da Besta Fubana, que conclama todos a uma enxergância social mais consequente, binoculizadora por derradeiro. Um dos livros relidos e trelidos da minha caminhada terrestres. Um romance hors-concours, fora de série, que não deixa ninguém com os concours de fora.

A ordem explicitada abaixo nada tem a ver com a importância do livro. Apenas revela leituras que calibraram minhas posturas comportamentais ao longo dos anos, sempre me fazendo perceber um ser inconcluso, cheio de defeitos, a necessitar sistematicamente de mais páginas esclarecedoras. Pois nunca me senti dono do mundo, muito embora seja filho do Dono, sem perder a esperança jamais.

Um livro que muito me impactou, logo depois de graduado em Economia, foi A Revolução da Esperança, de Erich Fromm, relido algumas vezes. Escrito em 1968, A Revolução da Esperança se destina aos que ainda pouco se aperceberam da imperiosa necessidade do fortalecimento da construção de um futuro planetário, onde as tecnologias se posicionem ajustadas ao bem-estar integral do ser humano, independentemente de credo, raça, gênero, região, sistema político ou nível socioeconômico, tamanho do pinto e das oelhas.

Considerado “revisionista cultural de Freud”, Erich Fromm nasceu em Main, Alemanha, em março de 1900, oito dias depois do nascimento de Gilberto Freyre, ocorrido em 15 daquele mês e ano. Sua formação humanística, edificada num ambiente de profunda devoção judaica, recebeu influência das ideias de Spinoza, Goethe, Marx e do próprio Freud, sendo Fromm atualmente considerado como um dos profetas da vida humana corrente.

Radicalmente contrário a todo e qualquer regime de exceção, seja de que lado for, sempre social-democrata nunca liberaloide, senti profunda repugnância pelo III Reich, Adolf Hitler e seus assassinos. Daí, ter ficado ainda mais oposição àquele regime, quando da leitura de História Ilustrada do Nazismo, Alessandra Minerbi, SP, Larousse, 2009, 194 p. Livro-síntese que descreve a construção de um sistema baseado na discriminação racial e na prática de um antissemitismo obsessivamente assassino.

Embora não seja marxista, busco ler muito sobre temas que defendem a redução das desigualdades sociais nos quatro cantos do planeta. De um mesmo autor, talento docente da Universidade de Londres, filósofo mundialmente aplaudido, dois livros provocam releituras minhas quase semanais. O primeiro é O bom livro: uma bíblia laica, A.C. Grayling, RJ, Objetiva, 2014667 p. Um apanhado de vários setores de autores. Uma leitura que provoca harmonia e muita reflexão. O segundo livro é A arte de questionar- a filosofia do dia a dia, A. C. Grayling, SP. Fundamento Educacional, 2014, 320 p. Perguntas provocantes e respostas que desafiam à inteligência, incentivando caminhares mais objetivos para amanhãs mais dignificantes para todos.

As leituras acima são recomendadas para todos aqueles que, politicamente situados e datados, buscam horizontes compatíveis com a dignidade que merecem todos os filhos da Criação.

Penso: se o caminho se faz andando, saibamos bem recuperar os tempos perdidos, com imaginação, desassombro, paixão e solidariedade para com todos aqueles que, na opulência ou penúria, não estão enxergando as saídas redentoras, todas elas amplamente respaldadas num desrespeitadíssimo “amai-vos uns aos outros”, princípio norteador de um Nazareno que muito amo.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos sexta, 16 de junho de 2023

CAPACITAÇÃO E SOBREVIVÊNCIA (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

CAPACITAÇÃO E SOBREVIVÊNCIA

Fernando Antôno Gonçalves

 

Em plena pandemia assassina da COVID-19, criminosamente apelidada de “uma simples gripezinha” pelo inconsequente que se encontra travestido de mandatário, ainda se fala muito pouco, no Brasil, em ampliar a capacitação dos talentos humanos mais jovens nas escolas e nas empresas, preparando-os bem para os complexos desafios pessoais e mercadológicos que estão emergindo nos quatro cantos do mundo.

Em outros contextos, de planejamento sério, a política educacional é bem outra. Muito mais levada a sério e com um notável senso de visão antecipatória. Vejamos um caso recente. Ainda estão assustando meio-mundo europeu alguns dados quantitativos recentes fornecidos pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – OCDE, sediada na capital francesa, sobre analfabetismo funcional… na própria Europa!!!

O relatório revela que milhões de pessoas, nos países mais avançados do lado de lá, não sabem ler nem escrever corretamente. Divulga o informe da OCDE estatísticas preocupantes e critica os diversos governos europeus por não oferecerem estratégias adequadas para os trabalhadores desenvolverem eficazmente suas habilidades cognitivas, comportamentais e profissionais, mormente numa época de tecnologia cada vez mais potente.

Com base no relatório da Organização, o jornal britânico “The European” denuncia que a própria Grã-Bretanha experimentou, algum tempo atrás, métodos revolucionários de alfabetização para adultos, todos abandonados porque as verbas foram simplesmente destinadas a outras áreas, consideradas mais relevantes.

A opinião de Donald Hirsch, pesquisador do Centro para Pesquisas Educacionais da OCDE, é pra lá de muito lúcida: “Os países industrializados deveriam destinar mais recursos para o problema do analfabetismo, sob pena de não conseguirem um aumento de produtividade proporcional ao desenvolvimento tecnológico”. E vai um pouco mais além: “Sem uma melhoria substancial na qualidade da educação e na capacitação dos que já estão trabalhando, a economia europeia não poderá ter um desempenho adequado nas próximas décadas”.

O mais interessante de tudo isso, entretanto, é se observar mesmo assim uma contínua preocupação com a preservação/ampliação dos talentos humanos das organizações públicas e privadas do mundo europeu. Percebem os de lá que, no atual estágio civilizatório, as inovações do saber-ser e do saber-fazer alteram crenças, ampliam sonhos e desestruturam desejos perversos, favorecendo o surgimento de novos valores, de outras formas de criatividade, que favorecem uma competitividade crítica que se faz, como nunca, cada vez mais necessária.

Nos países mais desatentos e/ou desafortunados, entretanto, ainda não se percebeu com nitidez que a criatividade e a inovação devem ter planejamentos organizacionais contínuos e interativos. São eles que catapultam novas lideranças, ampliando a cidadania coletiva, esta filha primogênita de uma educação permanente efetivamente consistente.

Empresas e empresários brasileiros, com as exceções que sempre dignificam, ainda gastam com apenas treinamento, pouco se lixando para as reciclagens que jamais robotizam e que alavancam as organizações para estratégias mais humanisticamente contemporâneas e de alto conteúdo tecnológico. E que capacitam todo o sistema produtivo para conquistas mercadológicas duradouras, nunca meramente conjunturais ou de curta duração.

O caminho se faz andando, já dizia um sábio de muitos quilômetros rodados de sabedoria. Os complexos de inferioridade e os pessimismos crônicos apenas geram níveis gerenciais inadequados, inapetências decisórias e escapismos irresponsáveis, que não abastecem os caminheiros comunitários, portadores de alpercatas apropriadas para enfrentar o chão batido de uns tempos competitivos muito inovadores e dinâmicos.

Que as memoráveis Paralimpíadas de Tóquio, ontem encerradas, e um 7 de Setembro, às vésperas de um bicentenário, despertem o todo nacional para um amplo projeto de Educação Nacional, favorecendo gregos e troianos, ricos e pobres, sem nenhuma discriminação, catapultando o Brasil para uma acentuada classificação no rol das nações que sabem pensar, trabalhar, empreender e agigantar-se no cenário mundial.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos domingo, 11 de junho de 2023

PRA NUNCA ESQUECER (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

PRA NUNCA ESQUECER

Fernando Antônio Gonçaves

Vez por outra, um Basta! retumbante torna-se mais que necessário. Quando Francis Fukuyama anunciou a proximidade de uma nova era, onde uma relativa paz propiciaria a emersão de uma apatia generalizada, não apenas política e econômica, mas também e principalmente nas vertentes empresarial e pessoal, muitos não o compreenderam. Mas o fato está aí: do ponto de vista pessoal, as sequelas das mudanças econômicas acontecidas nas últimas décadas são terrificantes. Muitos, por terem ficado passivamente observando o passar da carruagem, perderam a noção do que seja personalidade, com ela também se esvaindo o conceito de dignidade da pessoa humana.

O consultor Solano Portela Neto, reconhecido por suas contundentes advertências, escreveu: “Se você está com uma vida profissional de escravidão e apatia; se você é um daqueles que vai acordar algum dia apenas para perceber que sua vida foi roubada por uma organização qualquer; se você não almeja a conquista de uma independência que lhe permita dedicar mais tempo a você e aos seus, não precisa preparar-se para os tempos que já se encontram entre nós. Você profissionalmente já quase não existe”.

O arremate do dito acima pertence ao psiquiatra Laing: “Eles perderam a visão, o gosto, o tato e o olfato, e com eles foram-se também a sensibilidade, a ética, os valores, a qualidade, a forma; todos os sentimentos, os motivos, a alma, a consciência e o espírito”.

A releitura de uma conhecida fábula de La Fontaine é pertinente para muitos que teimam em esconder a cabeça embaixo dos tapetes. Conta ela que um bravo leão se apaixonou pela filha de um velho lenhador, de formosura exemplar e seios exuberantes, sem silicone de qualquer espécie. Pedindo a mão da jovem em casamento, para poder usufruir bem do resto, o bravo leão ouviu uma sonora negativa, em função de suas afiadíssimas presas. Após uma dolorosa extração dentária geral, reiterou perante o lenhador sua intenção, ouvindo nova recusa, por causa das suas amoladas garras. Após arrancar as dez unhas, sem mais garras nem presas, retornou à moradia do lenhador para um novo pedido. O velho, percebendo o leão sem garras nem presas, abdicado de sua própria natureza e com uma completa desestruturação cívica, arma-se com um porrete de bom tamanho e esmaga sua cabeça.

Eis um lema que deve servir para pessoas e instituições, estados, municípios e nações: “Saiba controlar seu destino, senão alguém fará isso por você, de uma maneira sempre perversa”. E o saudoso Abraham Maslow, agora reeditado para gáudio de seus continuadores, não deixa por menos: “Se você se contentar com menos do que pode ser, será infeliz pelo resto da vida”.

O meu melhor Amigo, Filho do meu Pai, já dizia, quando caminhava pelas bandas do Oriente, que aquilo que semeamos é o que iremos colher. Às vésperas de um pleito eleitoral 2022, que todos se percebam autores e atores de uma mesma história, a brasileira, que necessita ser prorrogada através da bravura de sua gente e do destemor dos seus governantes, sem achincalhações nem deboches, as críticas necessárias se tornando concretas através de mecanismos nunca circenses. Tampouco desairosos, nem acanalhados. Jamais temerosos diante das bravatas dos incultos.

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Vez por outra, um Basta! retumbante torna-se mais que necessário. Quando Francis Fukuyama anunciou a proximidade de uma nova era, onde uma relativa paz propiciaria a emersão de uma apatia generalizada, não apenas política e econômica, mas também e principalmente nas vertentes empresarial e pessoal, muitos não o compreenderam. Mas o fato está aí: do ponto de vista pessoal, as sequelas das mudanças econômicas acontecidas nas últimas décadas são terrificantes. Muitos, por terem ficado passivamente observando o passar da carruagem, perderam a noção do que seja personalidade, com ela também se esvaindo o conceito de dignidade da pessoa humana.

O consultor Solano Portela Neto, reconhecido por suas contundentes advertências, escreveu: “Se você está com uma vida profissional de escravidão e apatia; se você é um daqueles que vai acordar algum dia apenas para perceber que sua vida foi roubada por uma organização qualquer; se você não almeja a conquista de uma independência que lhe permita dedicar mais tempo a você e aos seus, não precisa preparar-se para os tempos que já se encontram entre nós. Você profissionalmente já quase não existe”.

O arremate do dito acima pertence ao psiquiatra Laing: “Eles perderam a visão, o gosto, o tato e o olfato, e com eles foram-se também a sensibilidade, a ética, os valores, a qualidade, a forma; todos os sentimentos, os motivos, a alma, a consciência e o espírito”.

A releitura de uma conhecida fábula de La Fontaine é pertinente para muitos que teimam em esconder a cabeça embaixo dos tapetes. Conta ela que um bravo leão se apaixonou pela filha de um velho lenhador, de formosura exemplar e seios exuberantes, sem silicone de qualquer espécie. Pedindo a mão da jovem em casamento, para poder usufruir bem do resto, o bravo leão ouviu uma sonora negativa, em função de suas afiadíssimas presas. Após uma dolorosa extração dentária geral, reiterou perante o lenhador sua intenção, ouvindo nova recusa, por causa das suas amoladas garras. Após arrancar as dez unhas, sem mais garras nem presas, retornou à moradia do lenhador para um novo pedido. O velho, percebendo o leão sem garras nem presas, abdicado de sua própria natureza e com uma completa desestruturação cívica, arma-se com um porrete de bom tamanho e esmaga sua cabeça.

Eis um lema que deve servir para pessoas e instituições, estados, municípios e nações: “Saiba controlar seu destino, senão alguém fará isso por você, de uma maneira sempre perversa”. E o saudoso Abraham Maslow, agora reeditado para gáudio de seus continuadores, não deixa por menos: “Se você se contentar com menos do que pode ser, será infeliz pelo resto da vida”.

O meu melhor Amigo, Filho do meu Pai, já dizia, quando caminhava pelas bandas do Oriente, que aquilo que semeamos é o que iremos colher. Às vésperas de um pleito eleitoral 2022, que todos se percebam autores e atores de uma mesma história, a brasileira, que necessita ser prorrogada através da bravura de sua gente e do destemor dos seus governantes, sem achincalhações nem deboches, as críticas necessárias se tornando concretas através de mecanismos nunca circenses. Tampouco desairosos, nem acanalhados. Jamais temerosos diante das bravatas dos incultos.

 


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos segunda, 05 de junho de 2023

REFLEXÕES DO SILVINO (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

REFLEXÕES DO SILVINO

Fernando Antôni Gonçalves

Vez por outra, um basta! mais retumbante torna-se necessário. Quando Francis Fukuyama anunciou a proximidade de uma Nova Era, onde uma relativa paz propiciaria a emersão de uma apatia generalizada, não apenas política e econômica, mas também e principalmente nas vertentes empresarial e pessoal, muitos não o compreenderam. Mas o fato está aí na pandemia: do ponto de vista pessoal, as sequelas das mudanças econômicas acontecidas nos últimos tempos são terrificantes. Muitos, por terem ficado passivamente observando o desenrolar da história, perderam a noção do que seja personalidade, com ela também se esvaindo o conceito de dignidade da pessoa humana.

O consultor Solano Portela Neto, reconhecido por suas contundentes advertências, escreveu: “Se você está com uma vida profissional de escravidão e apatia; se você é um daqueles que vai acordar algum dia apenas para perceber que sua vida foi roubada por uma organização qualquer, se você não almeja a conquista de uma independência que lhe permita dedicar mais tempo a você e aos seus, não precisa preparar-se para os tempos que já se encontram entre nós. Você profissionalmente já quase não existe”.

O arremate do dito acima pertence ao psiquiatra Laing: “Eles perderam a visão, o gosto, o tato e o olfato, e com eles foram-se também a sensibilidade, a ética, os valores, a qualidade, a forma; todos os sentimentos, os motivos, a alma, a consciência e o espírito”. A sensação que resta, muito bem poderia ser aquela retratada pelo poeta Fernando Pessoa: “Fiz de mim o que não soube, / E o que podia fazer de mim não o fiz. / O dominó que vesti era errado. (…) Quando quis tirar a máscara, / Estava pegada à cara. / Quando a tirei e me vi no espelho, / Já tinha envelhecido.”

A releitura de uma conhecida fábula de La Fontaine é pertinente para muitos que teimam em esconder a cabeça embaixo dos tapetes. Conta ela que um bravo leão se apaixonou pela filha de um velho lenhador, de formosura exemplar e seios deslumbrantes, sem silicone de qualquer espécie. Pedindo a mão da jovem em casamento, para poder usufruir bem do resto, o bravo leão ouviu uma sonora negativa, em função de suas afiadíssimas presas. Após uma dolorosa extração dentária coletiva, reiterou perante o lenhador sua intenção, ouvindo nova recusa, por causa das suas amoladas garras. Após arrancar as dez unhas, sem mais garras nem presas, retornou à moradia do lenhador para um novo pedido. O velho, percebendo o leão sem garras nem presas, abdicado de sua própria natureza e com uma desestruturação cívica no limite, arma-se com um porrete de bom tamanho e esmaga-lhe a cabeça.

Eis um lema que deve servir para pessoas e instituições, estados, municípios e nações: “Saiba controlar seu destino, senão alguém fará isso por você, de uma maneira sempre perversa”. E o saudoso Abraham Maslow, agora reeditado para gáudio de seus continuadores, não deixa por menos: “Se você se contentar com menos do que pode ser, será infeliz pelo resto da vida”.

O meu melhor Amigo, Filho do meu Pai, já dizia, quando caminhava por estas bandas, que aquilo que semeamos é o que iremos colher. Às vésperas de um ano eleitoral, que todos se percebam autores e atores de uma mesma história, a pernambucana, que necessita ser continuada através da bravura de sua gente e do destemor dos seus governantes, sem achincalhações nem deboches, as críticas necessárias se tornando concretas através de mecanismos nunca circenses.

Hoje, 19 de setembro, Paulo Freire completaria 100 anos. Como ele mesmo proclamou em sua volta do exílio, na FCAP, sob aplausos de uma plateia vibrante: “A experiência de Angicos faz parte da História. Por favor, me reinventem!!!”

 

 


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos segunda, 29 de maio de 2023

PÉROLAS VESTIBULARES (CRÔNICA DE FERNANDO ANT^NIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

PÉROLAS VESTIBULARES

Fernando Antônio Gonçalves

Parabenizo efusivamente os novos “feras” universitários, airosamente classificados nos diferenciados concursos vestibulares, recentemente realizados. Apesar da legítima euforia, preocupa-me os resultados da avaliação efetivada pelo MEC nos concluintes dos dois primeiros graus de ensino, recentemente divulgada, quando houve retrocesso nas áreas de Português e Matemática.

Através de alguns contatos, coletei algumas das respostas dadas pelos vestibulandos nos últimos anos, subdivididas em grandes setores, as quais merecem divulgação, para que não sejam repetidas nas provas futuras. Por uma questão ética, foram omitidas os nomes das instituições envolvidas. Eis as mais “alegres”, todas elas reveladoras de uma “criatividade” fora do senso comum.

Em Conhecimentos Gerais – O problema fundamental do terceiro mundo é a superabundância de necessidades; Expansivas são as pessoas tagarelas; A insônia consiste em dormir ao contrário; A diferença entre o Romantismo e o Realismo é que os românticos escrevem romances e os realistas nos mostram como está a situação do país; A Previdência Social assegura o direito a enfermidade coletiva.

Em História – Os egípcios antigos desenvolveram a arte funerária para que os mortos pudessem viver melhor; O Hino Nacional Francês se chama La Mayonèse; Em Esparta as crianças que nasciam mortas eram sacrificadas; Na Grécia, a democracia funcionava muito bem porque os que não estavam de acordo se envenenavam; Entre os povos orientais os casamentos eram feitos “no escuro” e os noivos só se conheciam na hora H; No tempo colonial, o Brasil só dependia do café e de outros produtos extremamente vegetarianos.

Em Geografia – O Chile é um país muito alto e magro; O Brasil é um país muito aguado pela chuva; A Terra é um dos planetas mais conhecidos no mundo; As constelações servem para esclarecer a noite; O clima de São Paulo é assim: quando faz frio é inverno, quando faz calor é verão, quando tem flores é primavera, quando tem frutas é outono e quando chove é inundação.

Em Ciências, Física, Química e Biologia – O coração é o único órgão que não deixa de funcionar 24 horas por dia; Quando um animal irracional não tem água para beber, só sobrevive se for empalhado; As glândulas salivares só trabalham quando a gente tem vontade de cuspir; As aves tem na boca um dente chamado bico; O sol nos dá luz, calor e turistas; A principal função da raiz é se enterrar; O nervo ótico transmite ideias luminosas ao cérebro; Ecologia é o estudo dos ecos, isto é, da ida e vinda dos sons; Antibióticos são esses remédios que os médicos receitam para liquidar com a febre dos doentes, mas muitas vezes liquidam é com o doente; Assexuada é a pessoa que não está nem do lado de cá nem do lado de lá; Princípio de Arquimedes: todo corpo mergulhado na água, sai completamente molhado.

Em Música – A harpa é uma asa que toca; Solo é quando numa orquestra um dos músicos “capricha” sozinho e os outros ficam na escuta; Ritmo é a parte da Música que serve para batucar; Batuta é aquela varinha que os maestros usam para ameaçar os músicos, caso estes toquem errado.

Em Religião – O batismo é uma espécie de detergente do pecado original; A fé é uma graça através da qual podemos ver o que não vemos; Com a morte de Jesus Cristo, os apóstolos continuaram a sua carreira; Ateísmo é uma religião anônima.

No mais, é torcer para que nunca, no futuro, a “ingnorança num estravanque o noço pogreço”.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos terça, 23 de maio de 2023

SIMANCOLIDADE (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

SIMANCOLIDADE

Fernando Antônio Gonçalves

Certa feita, o escritor Cláudio Aguiar, um dos nossos patrimônios intelectivos, escreveu que “o escritor é, por natureza, um insatisfeito, um profissional do descontentamento, um perturbador de consciências”. E é como profissional do descontentamento que me encontro nauseado com os últimos acontecimentos políticos brasileiros, tamanhas as bandalheiras denunciadas, utilizando-se dos cofres públicos com cinismo, com a certeza plena de que as grades só foram instituídas para os coitadinhos de sempre, pobres e negros.

Percebe-se hoje, sem muito esforço, que a sociedade civil, em sua grande maioria, cambaleia entre uma visão comodista e uma politização impotente, como se as aberrações e as impunidades integrassem com naturalidade o caldo comportamental da nossa gente.

Um trecho de 1935 parece destinado aos nossos dias, quando oportunistas trocam de partido como de cueca, a coisa pública ficando subjugada a interesses moleques: “Nada de menos rígido, de menos sólido, de menos estável, do que o momento social em que vivemos. E daí o grande triunfo do oportunismo, o medo que os homens têm de tomar atitude, de optar por uma solução, de submeter-se a princípios, que o mundo de amanhã poderá deitar por terra.” Um profeta? Não, apenas Alceu Amoroso Lima, um intelectual de muita credibilidade.

Recentes fatos hilários explicitaram a incapacidade dos que não se perceberam ainda como gestores públicos. Sequer desconfiando dos aplausos dos baba-eggs, pouco se lixando para a lição de Plutarco: “Não preciso de quem faça sim quando eu concorde e faça não quando eu discorde. Minha sombra faz isso muito melhor”.

Torço ardentemente pelo sucesso dos prefeitos brasileiros, pois acredito que, no frigir dos ovos, a grande beneficiada será a nossa gente mais sofrida, que anseia por dias menos desumanos e mais participativos. Mas a cidadania consciente não se deve omitir diante das bobajadas cometidas, quer por democratices desapontadoras, quer por asneiras de quem nunca comeu mel, ignorando a sabedoria iídiche: “Para o verme num rabanete , o mundo inteiro é um rabanete”.

Em recente publicação, Tipologia Comportamental do Chinfrinzé Brasileiro, os analistas Bill Kapp Barib e Reynald O. Liveira definiram um chinfrinzé como “um animal quase racional, extremamente similar fisicamente ao homo sapiens, que se comporta em áreas civilizadas com uma mente mixada, coexistindo nela hábitos aparentemente modernos e uma nulificada postura comportamental”. Felizmente, um genérico eficaz já se faz presente nas drogarias. Trata-se do Simancol. Uma drágea, manhã cedo e antes do desjejum, atenua os efeitos perversos da bactéria ríctus bundanus.

Preocupa-me a alienação cívica que anestesia incautos e desconectados, valorizando os esmolismos, os dolorismos, os vitimismos, os fundamentalismos e os outros ismos que conquistam cada vez mais fanáticos, olvidada a advertência do Filho de Deus: ”Tomem cuidado com o fermento dos fariseus, que é a hipocrisia. Não há nada de escondido que não venha a ser revelado, e não há nada de oculto que não venha a ser conhecido” (Lc,12,1-2).

Juntemos as migalhas de esperança, todos, sem distinção alguma, desarmadamente. Observando os caminhos percorridos e os que já não mais satisfazem. E verificando quais as forças que nos restam, mormente as que fundeiam a dignidade nacional, para prosseguir numa pós pandemia sem mais humilhação de espécie alguma.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos quarta, 17 de maio de 2023

EMGOVS E BRINCANTES (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

EMGOVS E BRINCANTES

Fernando Antônio Gonçalves

Certa feita, no Recife, num evento de plateia cheia, uma senhora, na ânsia de ressaltar os talentos da terra, enumerava alguns dos nossos cérebros mais notáveis. E os citava com uma vibração incomum, maior ainda pela presença de autoridades de renome nacional: – Minha gente, precisamos conhecer nossos valores maiores, Fulano, Beltrano, João Cabral de Melo Rosa!. No que o auditório, em uníssono, corrigiu, com um Neto que ecoou até depois da entrada do edifício, fazendo um amigo meu, cultura da boa, soltar um “ui” retrato fiel de um chute nos bagos.

No atual cenário brasileiro, onde se busca sucesso através da difusão de vulgarizações sem uma mínima criatividade, numa linguagem que envergonharia o finado Costinha e deixaria corada até a saudosa Dercy Gonçalves, duas novas entidades refletem o atual grau de mendicância de setores anteriormente dotados de maior credibilidade por parte dos segmentos comunitários: as Emgovs e os Brincantes.

Integram as Emgovs – Embromações Governamentais, as obras inacabadas, os desplanejamentos educacionais, os menosprezos para com os medicamentos de idosos e deficientes, as fiscalizações PREVENTivas que não detectam nem punem as maracutaias praticadas, as estruturas policiais de salário mínimo, os cursos superiores de Primeiro Grau, alguns eventos MBAs (Merda e Bosta Associadas) promovidos por entidades caça-níqueis, as propagandas e comunicações engabeladoras, os mil e um disfarces da burocracia e as iniciativas que apenas descidadanizam praticadas pelo Governo Federal, inclusive as de ministrecos com contas bancária no exterior.

Já Brincante, usando aqui a terminologia dos folguedos populares, pode ser considerado todo aquele que, dirigindo um empreendimento, leva sua tarefa sem qualquer responsabilidade social, pouco se lixando para um assustador distanciamento entre os que possuem quase tudo e aqueles que não sabem se poderão comer no dia de amanhã, num mundo onde a disparidade de renda entre países ricos e pobres, que em 1820 , era de 3 para 1, alcança 95 para 1 nos dias atuais. Os Brincantes, entusiasmados apenas com seus momentos de alienação, menosprezam a “grande batalha ética pela definição dos valores que deveriam orientar o futuro de nossa população planetária”.

Os Brincantes, responsáveis também pelas Emgovs que vilipendiam a dignidade nacional, não percebem a chegada de novos tempos pós pandemia, onde uma sociedade civil exigirá o direito de ninguém ser definido pelo nascimento, pelo sexo, pela cor da pele, pelas preferências sexuais, pelo sobrenome da família, pela profissão ou pela aparência. Tampouco pelos documentos de identidade, diplomas, passaportes, carteiras de motorista e cartões de crédito, títulos de propriedade e contas bancárias, nunca sendo indevidamente utilizadas as condições de parente, militante, amigo, compadre, cupincha e companheiro.

As Emgovs e os Brincantes estão com os dias contados. Mais dia ou menos dia, eles encontrarão o repúdio de uma sociedade, sendo expurgados pelas urnas e pelas manifestações públicas. Amplia-se o clamor por um país mais humano e distributivo, onde terra, água, saneamento, educação, transporte, segurança, trabalho, renda e serviços jurídicos sejam direitos consagrados, numa estrutura ética, onde a nunca-exclusão seja o lema maior de um desenvolvimento social que beneficie todos os brasileiros.

Só depende de nós…


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos quarta, 10 de maio de 2023

BINOCULIZAÇÕES (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

BINOCULIZAÇÕES

Fernando Antônio Gonçalves

Recebo do João Silvino da Conceição mais um dos seus e-mails. Desta vez de Brasília, onde ele foi binoculizar o cenário nacional, com a tal da inflação se agigantando e a Petrobrás aumentando continuamente os preços dos combustíveis, presidida por quem tem um salário pra lá de marajático. E ameaçada de privatização.

Fiquei de queixo caído com as opiniões do Silvino sobre uma conjuntura onde muitos ainda não perceberam a chegada de novos ares pós pandemia – alguns sinceros outros debochados e muitos incultos e complexados -, fruto de emergentes configurações comunitárias e de um coletivo cada vez menos aturdido, tal e qual aquele menino-passarinho que um dia passou por este pedaço da Criação e que se chamava Hélder Câmara, com quem trabalhei por mais de duas décadas e que sempre foi chamado de comunista pelos que possuíam rabo preso com pensamentos nada democrático ou rabo preso em benesses faustosas.

A carta do Silvino merece ser transcrita, pedindo eu licença ao Luiz Berto, esse arretado comandante do JBF, para transcrevê-la sem mexer numa linha sequer, inclusive mantendo pontuações e concordâncias:

“Da Capital Federal, amigo, envio as minhas congratulações pela conquista de três vitórias seguidas do Leão, meu clube, apesar da porrada ontem sofrida. Sempre disse que todo arroto mandão não leva a lugar algum e que o senador Rodrigo Pacheco, mineira e serenamente firme, saberá agregar pensares diferentes sob uma mesma bandeira, a do Desenvolvimento Brasileiro, jamais desejando ser o ó-do-borogodó, com semblante de todo-sério, como se seriedade bravateira pudesse ser medida pela sisudez falastrona, tal e qual a estampada pelo Al Capone, que se esfolou todo diante da justiça, quando foi desmascarado.

Fui ata à Câmara, para abraçar uns primos que fazem o serviço de faxina por lá. E encontrei todos eles esfolados de tanto trabalhar, cumprindo ordens, sem entenderem muito bem as razões de varrerem para debaixo dos tapetes alguns “lixos” encontrados pelos corredores e gabinetes.

Falei com o Neco Silva anteontem, quando ele saía do Ministério Público Federal, onde foi manter contatos para preservação das verbas destinadas à Ciência & Tecnologia. Ele me disse que estava desencantado com essa história de reeleição de executivos, posto que ainda não temos maturidade suficiente para o exercício de dois mandatos consecutivos. Estou seguro de que ele tem razões plenas para assim pensar. Só falta o Congresso pôr um finalmente nessa legislação.

Lamento o fim daqueles que se imaginavam globais, borrando-se todo por não terem uma visão de bailarino, a visão do estrategista moderno, que sabe dançar conhecendo bem o derredor, identificando bem os participantes, o enredo e os humores da plateia mundial.

No mais, continuarei pelejando por uma educação nacional integral e de qualidade, sem ódio e sem medo, como lembrava o saudoso Marcos Freire, senador-orgulho do PMDB, quando neste ainda não pululavam peemedebestas nem peemedebostas, para tristeza dos que souberam fazer história e dos que ainda teimam em construir uma agremiação sem os maus cheiros de alguns cretinos populistas e fingidos comunitários.

Testemunho, pelas redes sociais, as grosserias que são atiradas por desajustados mentais aos que sabem pensar com independência e sem destemor. Sinal evidente de que as pedradas são construtivistas para os que nada devem. E vibrei com o Nobel da Paz para os dois jornalistas, uma filipina e um russo, ampliando a luta pela mais ampla liberdade de opinar. Parabenizei o Mino Carta, ele representando todos os jornalistas brasileiros, dele recebendo de presente o livro A civilização do espetáculo, do Mário Vargas Llosa, uma radiografia do nosso tempo e do atual nível cultural planetário, onde a frivolidade da política é prato cheio para os especializados em TI (Tecnologia da Ignomínia), fabricantes de fake news e outros coices internéticos irracionais, sempre injuriosos. Inté, mano.”

Eita que esse João Silvino da Conceição é bom demais da conta, como diz a Rejane, luz de amanheceres meu sem apagões nem racionamentos!!!


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos quinta, 04 de maio de 2023

RESPOSTAS DE PESQUISAS (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

RESPOSTAS DE PESQUISAS

Fernando Antônio Gonçalves

Tenho uma admiração gota serena pela Kika Conceição, sobrinha-neta do João Silvino, uma lapa de mulher que faz gosto, portadora de uma área corporal quase latifundiária e de muita energia. Ela tem uma alegria contagiante, dessas que deixa a gente sempre de bem com a vida, cada vez mais entusiasmado com a Criação. Bom caráter etc. e tal.

A mania da Kika é fazer pesquisa. Nos seus vinte e pouquinhos anos, ela vez por outra se equipa de caderno e esferográfica, prancheta, jeans e brinco no pé da venta e vai levantando respostas on line para umas questões nunca apropriadas para os meios acadêmicos, embora de muita validade para quem busca se enfronhar nos cantos e recantos de uma vida nunca severina. Algumas das suas respostas foram até “psicografadas” por gente sua amiga.

A primeira questão – Por que o frango cruzou a estrada? – obteve algumas respostas do além daqui: Porque queria chegar do outro lado da estrada (uma professora primária); Por que sim (uma criança de sete anos); Porque viu sua cunhada, uma galinha sedutora, do outro lado da rua (Nelson Rodrigues); Porque o atual estágio das forças produtivas exigia uma nova classe de frangos capaz de cruzar a estrada (Karl Marx); Por que eu tive um sonho. Vi um mundo no qual todos os frangos serão livres para cruzar a estrada sem que sejam questionados seus motivos (Martin Luther King); Se o frango cruzou a estrada ou a estrada se moveu sob o frango, depende do ponto de vista. Tudo é relativo (Einstein); Porque ele atravessou a estrada, não vem ao caso. O importante é que, com o Plano Real, o povo está comendo mais frango (FHC); Para fugir da ditadura dos porcos (George Orwell); Estava tentando fugir, mas já tenho um dossiê pronto, comprovando que aquele frango pertencia a Jorge Amado. Quem o pegar vai ter que se ver comigo (ACM); Para humilhar a franga, num gesto exibicionista, tipicamente machista, tentando, além disso, convencê-la de que, enquanto franga, jamais terá habilidade suficiente para cruzar a estrada (uma feminista); Ele deseja superar a sua condição de frango, para tornar-se um superfrango (Nietzsche); Hay que cruzar la carretera, pero sin jamás perder la ternura (Che Guevara); Tudo que sei é que nada sei (Sócrates); Porque queria se juntar aos outros mamíferos (Carla Perez); O bicho atravessou, cara … Bicho manêro, aí. Demaaaaais… Issah… (um surfista);

A segunda coleta da Kika traduz o resultado de outra pergunta, feita por aqui mesmo: Por que chocolate é melhor que sexo? As respostas foram as seguintes: O chocolate satisfaz mesmo quando ele amolece; Quando você come chocolate os vizinhos não ouvem; Chocolate não falha; O tamanho do chocolate não importa, apenas o prazer que ele proporciona; Você pode comer chocolate que nunca vai engravidar; Você pode comer chocolate no carro sem ser interrompido pelo guarda; Você pode comer chocolate até na frente da sua mãe; Se você morder com força, o chocolate não reclama; Você pode pedir chocolate a alguém sem levar um tapa na cara; Você não precisa mentir para o chocolate; Você pode comer chocolate a qualquer dia da semana; Você nunca é muito jovem ou muito velho para o chocolate; Não dói comer chocolate pela primeira vez; Você pode levar o chocolate na bolsa; Você não precisa usar camisinha pra comer chocolate; Se o seu filho lhe encontrar comendo chocolate, ele não vai fazer nenhuma pergunta.

Essa Kika vai longe, como pesquisadora. Que os famosos pesquisadores do CNPq se cuidem!


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos sexta, 28 de abril de 2023

PETELECOS CUCAIS (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

PETELECOS CUCAIS

Fernando Antônio Gonçalves

1. Retornam com ares didaticamente renovados, sem os chiliques verborrágicos dos que ainda se imaginam nos anos 30, livros e revistas que proporcionam prazer e ampliam a criticidade. Esta última, retirada propositadamente dos estabelecimentos de ensino pelo regime militar, favorecendo a ampliação dos níveis alienatórios da juventude brasileira, exceções à parte. Urge voltar a conhecer nossa casa mental, para melhor organizá-la. Recomendo o livro de um notável Juiz de Direito de Minas Gerais: MIND, Haroldo Dutra Dias, SP, Intelítera, 2021. Páginas que possibilitam resgatar, de forma consistente, nossa autonomia, nosso equilíbrio emocional e nossa serenidade, raciocinando sempre e nunca despojado de múltiplas esperanças. Sem cientificiquês nem malabarismos tecnocráticos. E sem negativismos incultos.

2. Numa sala de aula de escola de periferia, professora dedicada pergunta ao aluno o que acontece com um pedaço de ferro deixado ao relento. A resposta “enferruja, fessôra”, merece aplausos entusiasmados, proporcionando nova pergunta: – E com um pedaço de ouro, o que acontece? A resposta veio de bate-pronto: – Desaparece rapidinho, professora! Mais aplausos.

3. Desabafo sincero de uma personalidade nordestina de médio saldo bancário: “Homens gostariam mais da palavra monogamia se ela se parecesse menos com a palavra monotonia”. É chegada a hora das duplas se reinventarem…

4. Para os adolescentes que desejam pensar, sem perder a ternura jamais, uma leitura altamente recomendável é o livro Fundamentos da Filosofia, de Gilberto Cotrim, já na enésima edição, um fenômeno brasileiro. Aborda a filosofia sob os aspectos históricos e temáticos, ensinando sabedoria sob um contínuo quero-mais.

5. Solteirona já nas últimas, entrou numa farmácia e desabafou para o pobre do balconista: – Vim trazer esta porcaria de camisinha, que tá com defeito!! Diante do espanto do pobre rapaz, a resposta esclarecedora: – Tava vazia, menino!!

6. Simpatia para perder barriga rapidamente: Coloque uma vela branca num copo d’água e uma imagem de Santo Antônio enrolada numa fita métrica aos seus pés e se deite. Toque as pontas dos seus dedos nas ponta dos pés, dizendo “Santo Antônio, me tira essa barriga!” Faça isso 50 vezes por dia, todos os dias. É tiro e queda…

7. Muito oportuno relembrar a frase de J. A. Wheeler: “A era que virá há de nos mostrar o caos por detrás da lei”. Profecia ou intuição científica?

8. Bastante comentado o acelerado envelhecimento do ministro Paulo Guedes nos últimos tempos. Uma senhora da Capital Federal, assessora parlamentar, comentou para uma interlocutora de nível: – Pudera, é desgastante ser assessor de um incompetente mandatário que multiplica asneiras somente para aparecer nas mídias.

9. Excelente o artigo do Paulo Nogueira Batista intitulado Beato Salu, vítima da hipocrisia, publicado na Cata Capital 1179, de 20 de outubro último. No mesmo número, outro excelente texto, desta vez de Luiz Gonzaga Belluzzo, Os patronos de Guedes. Liberalismo é uma coisa, porralouqiosmo liberal é outra coisa, posto que a bolsonarização liberaloide do Brasil nos deixará de calças curtas e sem cuecas, descalços e cada vez mais famintos e deseducados..

10. A CPI da COVID comprovou como os “mérdicos” que defenderam a cloroquina puseram na lata do lixo os princípios básicos da profissão, escondendo-se sob um perfil de caridade e gentileza, mal passando de lobos ansiosos por ganhos financeiros.

11. Realidade triste: no Brasil, uma em cada quatro jovens de 12 a 19 anos deixa de ir à escola por não ter acesso ao absorvente.

12. De um competente analista político brasileiro, residente na capital federal: “A submissão da Petrobras ao ‘mercado’ resultou em tragédia para o povo brasileiro. O mesmo ocorrerá se venderem os Correios.”


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos sábado, 22 de abril de 2023

CAIM E ABEL (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

CAIM E ABEL

Fernando Antônio Gonçalves

Com a chegada da temporada eleitoral 2022, quando inúmeros quadros políticos se tornarão passado, a história de Caim e Abel, os primeiros filhos míticos de Adão e Eva, merece ser recordada, para ser hoje muito bem aplicada. Um estudo não muito recente de Gerry Lange e Todd Domke, intitulado Caim e Abel no Trabalho, ressalta duas evidências. A primeira revela que Caim não é totalmente mau, tampouco um psicopata. Ambicioso, sim, ele apenas deseja provar a si mesmo que é superior em poder e status. Mestre na arte de trapacear, vive bem consigo mesmo porque sempre está mentindo para si próprio.

A segunda evidência apresenta Abel, o irmão, como um sujeito de índole aberta, alma desarmada, acessível, fala mansa e muito bom caráter, embora mimado por ser caçula. Uma pessoa possuidora de requisitos para lidar com muitos outros abéis, embora por derradeiro incapaz de conviver com Caim sem sair chamuscado. Ou liquidado.

No picadeiro político de 2022, os abéis devem sempre exercitar duas perguntas “binoculizadoras”: vale a pena compartilhar histórias embaraçosas com outras pessoas?; quais as possíveis consequências, se alguém mais souber de tais histórias?

Na feitura de parcerias, os abéis descuidados se esborracham, por não saberem diferenciar esquerdistas que cumprem o trato estabelecido, de esquerdeiros (a expressão é de Guerreiro Ramos) que se postam de bons moços. Como bens clonados, os caims ignoram a ética para a conquista do poder, ansiosos por status e dinheiro fácil. Muito diferentemente dos abéis, eles chegam cedinho ao trabalho, cercam-se de auxiliares de fake news nada honestos, contabilizam fotos e notas sociais e imaginam que o campo da luta é tal e qual o seu derredor gabineterial, o de muito ódio e de falsidades mil.

Todo Abel refuga a tese “algumas pessoas merecem ser engabeladas porque se postam idiotamente ingênuas, nunca atentas às tramas de Caim, um expert em táticas que infernizam e geram encrencas”. E por desejar continuar bonzinho, caladinho, sempre encolhido ou cumprindo as tarefas mais espinhosas, nunca se sai bem nas cláusulas “aliancistas”. E sofrem ataques cibernéticos dos ruminantes que apenas agridem, tentando reviver o ideário de uma inteligência assassina que meteu um balaço na mente em abril de 1945, num bunker já quase destruído, matando ainda sua dedicada esposa Eva.

Facilmente se pode identificar um Caim. Basta perceber seu nível de preocupação com “quem conhece quem” para o estabelecimento das suas armações. De postura sempre inconveniente, todo Caim acha que nunca fez nada de errado, não sendo motivo para vergonhas. E pouco se lixa para ideias e princípios, pois não pensa além da sua inferioridade mental política. Concordando com todos os lados, a sua meta é convencer sempre, pondo fé nos seus subterfúgios analíticos, aplaudidos pelos que politicamente nunca saíram do charco.

O semblante de um Caim sobressai-se facilmente: olheiras profundas, olhares furtivos e sem fixação demorada, ar de teatral preocupação, pouco riso, a refletir fingida solidariedade para com o social, voz farofeira, também viciada em cochichos, cabelo à moda antiga, cor de pele amorenada, própria dos que deambulam pelos derredores palacianos de motocicletas.

Todo Caim possui uma capacidade ímpar, a de forçar os outros a jogar o seu jogo. Só integra siglas partidárias que comecem pela letra “p”, inicial também de poder, pantim, papata e paparrotada, também sendo idolatrados os termos patifaria, peraltice e povo, este último apenas citado quando a época chega nos palanques armados em tempos de apelação.

É chegada a hora dos abéis se desabestalharem, em 2022. Para felicidade geral da Nação Brasileira, que merece futuros mais promissores para todos.

Para quem gostaria de identificar melhor as grosserias emitidas por quem não sabe pensar sensatamente, recomendo a leitura de A MENTE DE HITLER: O RELATÓRIO QUE INVESTIGOU A PSIQUE DO LÍDER DA ALEMANHA NAZISTA, Walter C. Langer, São Paulo, LeYa, 2020, 272 p. Leitura que esclarece porque Adolfo Hitler não deve ser classificado por agente irreflexivo. Um líder que poderia ter tido melhor desempenho se não ouvissem as recomendações alucinantes de um Hess, de um Goring e de um Goebbels, de muitos imitadores bundões neste Brasil que amamos.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos domingo, 16 de abril de 2023

PROTESTO E CARTA DE FILHO (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

PROTESTO E CARTA DE FILHO

Fernando Antônio Gonçalves

Diante das notícias sobre uns recentes exames vestibulares, onde analfabeto conseguiu aprovação em Ciências Sociais, um outro sendo classificado em Biologia e uma alma penada logrando ingresso em Pedagogia, duas sensações esquisitas perpassaram o meu interior de nordestino acima de tudo brasileiro. E que sonha ver o Brasil também vacinado contra as faculdades e cursos piranhas, que mercantilizam de forma abjeta a formação acadêmica de milhares de desprevenidos, sob as vistas complacentes de um Ministério da Educação preocupado apenas com os quantitativos exigidos pelos mercenários do ensino.
A primeira diz respeito às declarações de um certo mandatário, debochando da função docente, que mereceu uma resposta da professora Elizabeth Tunes da Universidade de Brasília, abaixo reproduzida com todo meu endosso:

“Um dia, acordei com a notícia de que os aposentados seriam vagabundos. Hoje, dizem os noticiários que ser professor é o destino dos incompetentes. Não sei qualificar o que sinto. É mais do que indignação e tristeza. Mas a reportagem não deixa dúvidas: a cabeça daquele mandatário é uma vitrine de inúmeros preconceitos.

Exatamente neste momento, entro para o Clube dos Chorões. Lamento e choro ao saber que ele esteve em Princeton, lugar que alberga os mais brilhantes, apesar de não se ver como brilhante. O que, então, fazia lá? Como ali foi parar? Era um enganador? Um oportunista? Lamento e choro ao ler que os velhos sabem muito e ‘quem sabe muito não cria, fica com medo de criar, porque fulano fez isso, beltrano fez aquilo, se eu disser isso vão dizer que é ridículo’. Por que não terá ocorrido a ele que essa forma de pensar e ser é exclusividade dele? Não será ele quem tem medo de criar? Não será ele, cuja mente é obnubilada pela vaidade, quem tem medo porque se propõe a servir a Deus e ao Diabo?

Desculpe-me, mandatário, mas quem se fez ridículo foi o senhor, com tamanha demonstração de sandices e de ignorância. Hoje, tenho muitas dúvidas de que o senhor tenha sido professor. O senhor demonstra não saber o que é ser cientista, o que é ser professor, o que é a universidade. O senhor passou pela universidade, onde apenas alimentou e engordou a sua vaidade.

Volte para a sala de aula, senhor mandatário. Não para ser professor, mas estudante. Venha conferir como nossos dignos Professores são competentes o bastante para destruir todos os seus preconceitos. O senhor é velho, mas não acredita na velhice. Nós somos jovens professores e acreditamos na velhice. Venha para nós. O senhor ainda tem salvação”.

A segunda sensação estranha quem me proporcionou foi o João Silvino da Conceição, que me mostrou uma carta a ele endereçada pelo filho de amigo seu de bilhar, recentemente aprovado numa faculdade particular. Ei-la, para meus leitores fubânicos, respeitadas ortografia e concordância do missivista:

“Pai: pacei no vestiburlar. Pençava que era mais difício, mas não foi o que eu tinha na cabessa. Tenho certesa que farei bunito. Depôs de dipromado, pretendo mi escrever num MBA, aquele negóssio que decha a gente tinindo pra arrumá emprego. Tenha certesa que um dia inda serei Ministro, ingual a este da Educação. Farei qui nem ele: deicharei todo mundo ingreçar nos curso de falcudade, benefissiando os mais estrumados. Já tô de olho na formatura, daqui uns anos. Penço que serar uma festansa bunita demás. Já tou pençando até no paranifo da gente: aquela Luciana da TV, que amassou uma grana do Maike Jeguer, aquele abestado que num usou camisinha e lascousse na penção. Ela é qui nem eu: sem muitos recuços cuturais mas com um peito arretado e uma cara de pal capais de paçar por cima dos obistaclos todos. A guarde notíssias. Um bejo na mia mãi e nos que miquerem bem. Istou filiz. Serei un brasilêro séclo 21, porreta mermo”.

Mandei pelo zap um abração arretado de ótimo para o Silvino da Conceição. E encareci a ele ser mais um militante ao lado dos que combatem todo e qualquer tipo de reeleição. Reeleição dá no que está dando, uma merda total.

 

 


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos domingo, 09 de abril de 2023

SINAL DE ALERTA (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

SINAL DE ALERTA

Fernando Antônio Gonçalves

Acredito que todo ser humano desprovido de uma mínima cultura humanística muito se assemelha aos que, se retirando da frente do espelho, onde só contemplam seus próprios apetrechos corporais, logo esquecem sonhos e ambições, direitos e potencialidades, amor próprio etc. e tal. E nada assimilam para corretamente interpretar as características de suas atitudes, tornados inaptos para um agir reflexivo. Sem tal agir, caminharão alienados pela vida afora, ratificando mandamento consagrado: mente carecida de criticidade, futuro sem alicerces, existência nunca prazenteira, apesar dos físicos sarados, botox e silicone. Muiros até desfilando de camisa aberta com bolsa de colostomia à mostra, como troféu conquistado.

Não tropeçar no binômio pensar-agir é tal e qual o desempenho daquelas naus levadas a portos seguros sob comando de timoneiros conhecedores do ditado “quem sabe onde quer chegar, escolhe o caminho certo e o jeito de caminhar”. Navegante que se preza se acautela diante dos que apenas elogiam, também se esquivando dos imediatistas que se gabam das vitórias de Pirro que a nada conduzem.

Para os do hoje e os do amanhã, juventude em flor, toda cautela é pouca. Que não se imaginem prontos, pois múltiplos serão os obstáculos ainda não gerados, estatuídos pelos seus próprios derredores, aliados uns, aparentados outros, apatetados um bocado, destes até os diabos se distanciando. E que jamais condicionem sabedoria às pós-graduações, buscando em seus nível educacionais sempre entender porque o saber abomina as unanimidades, sendo indulgente, gerador de bons frutos, imparcial e sem fingimentos, promotor incansável de uma não-violência ativa e da participação de todos os pensamentos contraditórios. Já dizia um notável pernambucano que “toda unanimidade é burra” (Nelson Rodrigues)

Que os do hoje e os do amanhã redobrem seus cuidados diante do ganho fácil e lucros rapidamente alcançados. As idas demasiadamente rápidas ao pote, incentivando pretensões descabidas, findam sempre em finais lamentáveis, o acumulado tornado ferrugem. Quem sabe plantar e bem colher ultrapassa-se no dia-a-dia, aceitando-se como um aprendiz de tudo. Percebendo que o convívio com o conhecimento deve ser paciente, nunca ardido em ciúmes, jamais tolamente ufanado, nunca se alegrando com as injustiças sociais, rejubilando-se sempre com a verdade que emerge, a cada dia, das reelaborações históricas.

Quem sabe adquirir conhecimento está ciente que ele jamais se tornará findo, o mundo sendo propriedade de todos, dos mais debilitados inclusive. Que exigem ser amparados na sua dignificação terrestre, para que as regiões tornem-se pacíficas, com ares mais distributivistas, cidadanizadas sem esmorecimentos nem nostalgias, iluminando escuros, fortalecendo uma crescente solidariedade universal, no silêncio redentor de cada amanhecer em Deus.

Allan Bloom, autor do muito polêmico O DECLÍNIO DA CULTURA OCIDENTAL, costuma dizer aos o assistiam: “A filosofia, a inimiga das ilusões e das falsas esperanças, nunca é realmente popular, sendo suspeita aos olhos dos que apoiam qualquer dos extremos que estejam no poder.”

Conscientização é um compromisso histórico, é tomar posse de uma realidade concreta, postulando uma utopia que exige sólidos conhecimentos críticos. Conscientizado é todo aquele que vai para o diálogo com o sentimento de ser parte, sempre se postando como inconcluso.

Para os que desejam aprimorar seu senso crítico, militando nas utopias terrestres que se fizeram ainda mais necessárias com o advento de uma pandemia assassina, uma questão posta numa contracapa de livro recentemente editado: “Seria o conceito de Utopia ainda relevante em uma era de globalização caracterizada pelas vertiginosas tecnologias do Primeiro Mundo e pela desintegração social do Terceiro Mundo?”

Um famoso teórico político e crítico literário, reconhecido mundialmente pelas suas interpretações da pós-modernidade, investiga o desenvolvimento do modelo utópico a partir de Thomas Morus e questiona as funções desse modelo em uma era pós-comunista.

O livro, recentemente editado no Brasil: ARQUEOLOGIAS DO FUTURO: O DESEJO CHAMADO UTOPIA E OUTRAS LIÇÕES CIENTÍFICAS, Frederic Jamesson, Belo Horizonte MG, Autêntica, 2021, 654 p. Bem poderá oferecer ensinamentos balizadores, que cidadanizarão muitos militantes partidários e eleitores.

Leiamos mais, rabisquemos mais, meditemos mais, dialoguemos mais fraternalmente para as eleições de 2022. Quem planta bem, colhe melhores resultados.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos terça, 04 de abril de 2023

REPENSAR A RESTANTE METADE DO SÉCULO 21 (ARTIGO DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

REPENSAR A RESTANTE METADE DO SÉCULO 21

Fernando Antônio Gonçalves

Integralmente solidário com as vítimas da pandemia assassina que só por estas bandas já matou mais de seiscentos mil brasileiros, permanecendo radicalmente contrário às folias momescas do próximo ano, torço como nunca para que o restante desta metade de século torne-se diferente, mais fraternal, socialmente mais comprometido com milhões de párias que urgem adquirir consistente cidadania, capacitação, trabalho e renda.

Ainda muito lentamente, principia-se a perceber que uma humanização planetária consistente somente se tornará efetiva se determinadas lições dos ontens emergirem com propriedades restauradoras capazes de alavancar Direitos e Deveres para todos os seres humanos, impulsionando futuros menos degradantes, mais distributivistas para gregos e troianos.

Creio que a própria nação americana se olvidou, ou ainda não levou na devida conta, o que escreveu, há mais de século e meio, Alexis de Tocqueville, num livro intitulado A DEMOCRACIA NA AMÉRICA: “Entre as leis que regem a sociedade, uma há que me parece mais precisa e definida que todas as outras. Se os homens pretenderem continuar civilizados, ou tornar-se tais, a arte de associar-se deve crescer e aperfeiçoar-se na mesma razão da igualdade de condições. A ciência da associação é a ciência-mãe. O progresso de tudo o mais depende do progresso que ela fizer”.

Recentemente, uma escultura em Minneapolis, EEUU, intitulada Sem Palavras, de autoria de Judith Shea, retratava uma ereta capa de chuva de bronze, sem ninguém dentro. A artista desejava alertar o mundo inteiro: “Não fomos destinados a ser uma capa de chuva vazia, ou meros quantitativos de uma folha de pessoal, tampouco simples personagem de um cenário econômico ou social”.

Parecendo ratificar Tocqueville e Judith Shea, o ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, historiador consagrado pela sua cultura sólida, asseverou um dia: “Construímos um mundo falso de flores plásticas”. E as principais sequelas já se tornaram dramaticamente gigantescas: um descaso total pela vida humana, a ampliação da degradação dos valores morais basilares, uma violência generalizada contra mulheres, negros, índios e pobres sem precedentes, além de uma baita deterioração do clima e da floresta amazônica. Além de governos comandados por sectários incultos de todos os naipes, também um crescente distanciamento entre os níveis educacionais mínimos necessários e um acelerado desenvolvimento tecnológico. Atestados por alguns progamas ridículos de televisão.

As sociedades industrializadas, após a tragédia do World Trade Center, em Nova Iorque, deveriam atentar mais acuradamente para a advertência de Charles Handy, um irlandês mundialmente aplaudido: “O mercado é um mecanismo para separar o eficiente do ineficiente, mas não um substituto da responsabilidade”. E tal opinião torna-se mais relevante, quando frei Betto, mineiro e dominicano, com dados do ano 2000, revela que 2/3 da população brasileira, aproximadamente 111 milhões, ganham até 2 salários-mínimos. E atualmente, com a pandemia, a fome muito se ampliou nos lares brasileiros, inclusive aturdindo uma classe média que necessita ser amplamente cidadanizada, respeitando-se mais para atuar melhor na edificação dos cenários sociais e políticos dos amanhãs nacionais.

Atentemos: se uns poucos vivem em casulos de riqueza e outros habitam guetos de miséria absoluta, não é salutar prognosticar o futuro desta situação como pacífica. A tarefa de reconstrução é coletiva, fruto de alianças que conduzam todos a patamares sociais mais elevados, com novos modos de pensar o futuro.

A liberdade não deve significar licenciosidade, violência, negativismo ou guerra. A teoria da perfeição não existe. Quanto mais turbulenta a época, mais consciente deverá ser a determinação de mudar. Nem o episódio bíblico de Davi e Golias deve ser menosprezado. Tampouco o velho barbudo, quando escreveu, n’O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte, que “a história sempre acontece como tragédia e se repete como farsa”.

O país está a necessitar de uma amplíssima reestruturação de todos os seus níveis educacionais, favorecendo criatividades empreendedoras e iniciativas políticas capazes de promover um desenvolvimento integral para todos, sem discriminações nem cavilações próprias dos incultos e nostálgicos, sempre ansiosos por mais um tiquinho de mando.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos quarta, 29 de março de 2023

ORAÇÃO DO SILVINO (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

ORAÇÃO DO SILVINO

Fernando Antônio Gonçalves

Assistindo, há alguns anos, o desfile militar de 7 de Setembro, na companhia do João Silvino da Conceição, vi, emocionado, meninos, velhos, moços e coroas que nem nós, aplaudindo entusiasticamente os desfilantes, mormente os ex-combatentes, aqueles que arriscaram bravamente suas vidas na Segunda Guerra Mundial, enfrentando o regime nazi-fascista, de triste memória e a jamais ressurgência de III Reich e Holocaustos assassinos.

Ainda sensibilizados após o desfile, fomos interceptados por um grupo espírita, que nos entregou um folheto contendo uma oração, logo identificada pelo Silvino, que confessava ter uma cópia em seus arquivos, tendo ele próprio ampliado consideravelmente o texto.

Em sua casa, o sorriso já contagiando o ambiente, Silvino me mostrou a oração, uma beleza de simplicidade, que repasso para os meus caríssimos leitores deste Jornal da Besta Fubana que só dá alegrias aos seus leitores, com as críticas racionais que se fazem necessárias.

Intitulada A DEUS, o texto do João é integralmente válido para todos os dogmas religiosos. É um reconhecimento pleno das incomensuráveis maravilhas que o Criador proporciona a todos os seus filhos, um hino de louvor e gratidão pelas energizações oferecidas aos que a Ele com fé recorrem, mormente nos atuais tempos pandêmicos assassinos atuais, uma Covid-19 e suas cepas ainda tão mal preventivamente combatidas. Ei-la:

“Pai, passei um monte de tempo Te procurando e não sabia sequer onde Tu estavas. Manhã bem cedinho, mal desperto, olhava para o infinito e não Te vislumbrava, sequer por um milésimo de segundo. De uns tempos para cá, cheguei mesmo a pensar se não era pura imaginação minha a Tua existência e pura fantasia o que diziam de Ti. Agigantando-me a angústia interior, não me contentei apenas com as simples e periódicas buscas. E resolvi Te procurar nas religiões e nos templos, frustrando-me uma vez mais, por não Te localizar em lugar algum. Fiz Universidade para melhor Investigar, através do uso de metodologias científicas, a Tua presença entre as graduações cursadas. E em pouco tempo fortemente me desencantei, pois Tua presença não era visível para os meus olhos. Sentindo-me só, depois de muitas desesperanças, vivenciei um enorme vazio. E descri. E na descrença, Te ofendi. E na ofensa tropecei e no tropeço caí, me lambuzando todo no charco dos fúteis e dos consumistas, daqueles que se imaginam poderosos, superiores e indestrutíveis, muitos furos acima do Bem e do Mal.

Na queda, isolando-me na mediocridade dos mentalmente apoucados, senti-me combalido. E já bastante frágil, procurei socorro e no socorro recebido encontrei verdadeiros amigos. E neles vivenciei reconforto e carinho. E na receptividade irmã que eles me proporcionaram desinteressadamente, vi nascer o amor fraternal. E com amor eu vi surgir um mundo diferente, de muita luz, recheado de maravilhosas trilhas, antes jamais vistas por cegueira emocional e irracionalidades ingenuamente tidas como verdadeiras. E resolvendo solidarizar-me com o mundo sofrido, doando-me sempre que possível, compartilhei com muitos o pouco que já tinha recebido. E senti-me feliz, encontrando a paz. E foi com muita paz que enxerguei a Tua presença dentro do meu interior de ser humano. Hoje, definitivamente e sob a Tua Graça, tenho a certeza absoluta que Tu nunca me abandonaste”.

E a reflexão final do Silvino foi arretada demais de otima: “Como seria bom se as crianças de hoje apreendessem melhor o sentido da Vida, compartilhando, desde o nascer com o derredor, os abraços e os pães”.

PS. Na próxima quarta-feira, 8 de dezembro, no Recife, é feriado: Dia de Nossa Senhora da Conceição. Que Maria, a Mãe Amada do Homão da Galileia, Como cristão espírita, mariano e helderista, saúdo todos aqueles que a veneram e a respeitam, como uma mãe que soube criar seu Filho no amor para com todos os seres humanos, sem fazer distinção de espécie alguma.

Um feriado meditativo para todos, crentes e não crentes, todos meus irmãos !


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos quinta, 23 de março de 2023

SOBRE O HOMÃO DA GALILEIA (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

SOBRE O HOMÃO DA GALILEIA

Fernando Antônio Gonçalves

Outro dia, em setembro, travei um papo internético com alguns caminhantes amigos, um deles, quase agnóstico, me solicitando uma palavrinha sobre o Galileu que muito amo, a quem chamo de Homão da Galileia, Irmão Liberador.

Para início de conversa, encareci ao amigo Mariano que lesse um livro por mim lido há duas décadas, ainda plenamente atualizado, que muito favoreceria nossas reflexões recíprocas, via zapzap: JESUS, UM RETRATO DO HOMEM, A.N. Wilson, Rio de Janeiro, Ediouro, 2000, 304 p. Trata-se de um brilhante estudo, baseado em inúmeros textos da época, onde o autor até contesta algumas passagens dos Evangelhos, erradicando crendices e inserções feitas posteriormente, desfavorecendo a imagem do ser humano mais extraordinário de todos os tempos. Páginas que muito fazem diferenciar o Jesus da História e o Cristo da fé, dois seres amplamente diferenciados.

No livro, o autor Wilson, jornalista, escritor e biógrafo aplaudido mundialmente, resgata Jesus de um gigantesco emaranhado mitológico, enaltecendo um dos seres de mais poder e influência sobre a cultura ocidental. A partir de análises minuciosas, ele propõe novas versões sobre diversas passagens da vida do Nazareno, desde o seu nascimento em Belém, sua vida como carpinteiro, como agitador social, seu assassinato no madeiro como subversivo, incluindo teorias surpreendentes, inclusive sobre o papel desempenhado por Saulo de Tarso, o apóstolo Paulo, o São Paulo dos dias de agora.

Mesmo nada sabendo sobre vários aspectos do Galileu – que nada deixou escrito, que não há uma descrição física de como ele era, se era casado, como ressuscitou dos mortos e como efetivamente viveu após isso – Wilson nos mostra um Jesus mais real, favorecendo uma crença mais substanciosa em suas Mensagens inesquecíveis e até hoje insubstituíveis.

Nestes primeiros dias de uma nova temporada natalina, 2021, o mundo inteiro ainda temeroso das novas variantes do COVID-19, que exige cuidados preventivos e mil e outras cautelas, recomendaria leituras que atenuem ânsias e desesperanças, medos e pessimismos, ampliando convicções consistentes sobre os amanhãs planetários. Algumas sugestões, a ordem nada significando:

a. Um manual de textos histórico-analíticos curtos, excelentemente bem escritos por consagrados estudiosos, que pode ser lido como meditações ou para debates grupais ou familiares: JESUS, A ENCICLOPÉDIA, Joseph Doré (direção), Petrópolis RJ, Vozes, 2020, 834 p. O original em francês foi lançamento da Éditions Albin Michel, 2017, uma editora não confessional, que não está aliada a nenhuma igreja ou comunidade religiosa determinada, suas públicações sempre marcadas pelo sinal do pluralismo e da independência.

b. Para quem deseja obter maiores esclarecimentos sobre os Evangelhos (Mateus, Marcos, Lucas e João), refletindo-os a partir dos ensinamentos coordenados por Allan Kardec, páginas de um livro que deixou inúmeras lições de fraternidade: ELUCIDAÇÕES EVANGÉLICAS À LUZ DA DOUTRINA ESPÍRITA, Antônio Luiz Sayão, 16ª. ed., Brasília, FEB, 2019, 475 p. Qual foi a intenção do autor (1829-1903)?: “um maior proveito, para a Humanidade, em substituir o fanatismo dos milagres, dogmas e mistérios por uma profunda promoção da verdade e exequibilidade dos ensinamentos de nosso Senhor Jesus Cristo.” Para esclarecimentos de todos aqueles gregos e troianos que anseiam por uma maior enxergância das lições deixadas pelo maior revolucionário de toda a história da humanidade.

c. Para quem faz muchocho diante de um manual de filosofia, páginas que elucidam uma expressão utilizada pela vez primeira por Leibniz, que muito batalhou para conduzir a dúvida final entre entre a ciência e a compreensão pela fé: A FILOSOFIA PERENE, Luiz Fernando Lobão Morais, Joinville SC, Clube de Autores, 2016, 344 p. Páginas que ilustram por que o questionar, criticar e o desconstruir saberes consolidados é função primordial da Filosofia em todos os tempos.

d. Um guia natalino para cristãos e não-cristãos: O EVANGELHO SEGUNDO JESUS, Stephen Mitchell, Rio de Janeiro, Imago, 1994, 316 p. Segundo o Los Angeles Times Magazine, “ao contrário de alguns estudos sobre Jesus que atolaram em exangues disputas acadêmicas, O Evangelho segundo Jesus é uma obra de coragem e sensibilidade.”

Desejo a todos os leitores fubânicos, uma temporada natalina de muita tranquilidade, vacinação completa, reflexões sadias e plano futuros consequentes, favorecendo a emersão de um planeta mais solidário, nunca negativista, sem sectarismos, isento de preconceitos e com amplo respeito para seus rios, mares e meios-ambientes, na emersão de um Humanismo Mundial mais condizente com as mensagens deixadas pelo Homão da Galileia, nosso Irmão Libertador.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos sexta, 17 de março de 2023

NASCIMENTO DO MENINO (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

NASCIMENTO DO MENINO

Fernando Antônio Gonçalves

De repente, num dia qualquer de um final de dezembro, completou-se o tempo da parição. O casebre era rústico, de taipa e chão de barro batido. No apertado quintal, duas árvores e um pedaço de jornal velho que noticiava estrondoso baile de final de ano, gastos alibabásticos, desbunde total, os vários sexos em esfregamentos desvairados, tudo fingidamente em prol das criancinhas de rua da cidade.

A dor apertando mais. Calor brabo, três da tarde, um domingo. Ao lado do magro colchão de palha estendido no chão do único dormitório, a Elisabete, prima também descendente de Aarão, aguardava o instante maior. Possuía tanta bondade que o seu filho João iria anunciar a Boa Nova, também há muito profetizada por uns santos homens já desencarnados, que pregavam a libertação de todos. Com Maria – a prima parturiente – e os demais familiares, acreditava que um dia os famintos seriam cumulados de bens e os maus ricos despedidos de mãos vazias. Lembrando-se do futuro Papa Paulo VI – “Não é lícito aumentar a riqueza dos ricos e o poder dos fortes, confirmando a miséria dos pobres e tornando maior a escravidão dos oprimidos” – orgulhava-se de pertencer a uma associação de moradores, num bairro de classe operária.

Elisabete também sabia que só blá-blá-blá não resolveria problema algum, a solução sempre advindo da organização e da união de todos para a concretização dos sonhos sempre acalentados. Segundo ela, sonhando muitos estavam, embora ficassem restritos aos sonhos, não aceitando críticas, partindo para o desaforamento como se moleques de rua, sem a serenidade analítica racional das lideranças dos ontens já acontecidos.

A parteira chegara. Os panos e as toalhas, fervidos em caldeirão sobre carvão, a postos. As contrações ampliadas, embora a felicidade muito atenuasse as dores sentidas. Em minutos, Emmanuel exteriorizou-se rapidamente, sendo enfaixado e deitado numas palhas doadas pelos da redondeza, solidariedade presente e sempre atenta aos gritos de fome e de angústia dos desempregados, das prostitutas que terão prioridade de ingresso na Festa de Encerramento e dos chacinados por uma violência policial desenfreada, efeito maior de uma injustiça cinicamente mantida pelos que controlam um sistema financeiro instalado na contramão da História.

Sadio, Emmanuel chegara. Foi circuncidado no oitavo dia e apresentado ao Chefão de Tudo, conforme recomendava uma cartilha muito lida: “Todo macho que abre o útero será consagrado ao Senhor”. E dos muitos testemunhos, o de Simeão, um velho estivador aposentado por invalidez, foi o que calou mais fundo: “Esse Menino foi colocado para a queda e para o soerguimento de muitos”.

A aparência luminosa do garoto contagiava. Os vizinhos vibraram com a chegada do Filho da Maria. E prometiam ser d’Ele companheiros de Vida, para a difusão de um amor sem preconceitos, sem opressores, sem ódio e sem medo, onde ninguém fosse menos que ninguém, sem consumismos desenfreados, num agir sempre corajoso e viril, fruto indispensável de uma evangelização essencialmente libertadora.

PS. Um Feliz Natal para todos aqueles que depositam irrestrita confiança nas promessas do Emmanuel. E para os demais, independentemente de credo religioso, também filhos muito amados da Criação. E para os caríssimos leitores da Besta Fubana, sempre sob o comando do escritor Luiz Berto, um cabra muito arretado de ótimo. Também para a Sissa, meus filhos e filhas, netos e netas, todos eles fachos de luz do meu caminhar existencial terrestre, que certamente percorrerá um 2022 mais humano e solidário, sem negativismos nem discriminações de espécie alguma, uma nova era muito mais arretada, reestruturadora por derradeiro.

Um Feliz Natal para todos!!! Sem oxentes nem mais ou menos, apesar de todos os pesares de uma pandemia assassina, classificada como uma “simples gripezinha” por quem, péssimo sapateiro, ansiou subir além das chinelas.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos sexta, 10 de março de 2023

CARTA DE ESPERANÇA 2022 (ARTIGO DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

CARTA DE ESPERANÇA 2022

Fernando Antônio Gonçalves

Reverenciando a eternização do arcebispo Desmond Tutu, ontem chamado pelo Pai, recebi carta de Raimundo de Oliveira, um leitor muito atento. Sem delongas, reparto-a com os amigos, caminheiros queridos:

“Caro amigo nordestino, assim como Martin Luther King, eu também tive um sonho… Sonhei que o presidente Binden, diante da pandemia mundial que anda afetando gregos e troianos, convocava uma coletiva e dizia mais ou menos o seguinte:

‘Vivemos um momento da maior gravidade. Nosso País foi atingido brutalmente. São milhares de mortos e milhões de contaminados. Nossa Pátria, estarrecida, aguarda uma resposta pra valer. Pensei muito! Como responder à brutalidade do ato, em que um virus vem causando a morte de milhões, destruindo bens e esperanças? Como entender o que houve? De onde vem a raiz de tal virose? É com enorme dificuldade que anuncio que não é à toa que tal pandemia se acumulou contra nosso planeta. O mundo ficou pequeno pelas telecomunicações. Os fatos ficaram acessíveis a todos, num piscar de olhos. Os avanços tecnológicos estão garantindo ao ser humano uma capacidade de realização impensável há alguns anos. Entretanto, todo esse avanço não tem servido para acabar com a miséria, a fome e as doenças. Vamos à Lua, construímos um novo telescópio e aumenta a população sem casa para morar. Produzimos computadores cada vez mais rápidos e cresce o número absoluto de analfabetos no mundo. Desenvolvemos a engenharia genética, desvendamos o genoma humano e, aos milhões, morre-se por falta de saneamento. Num mundo de muita desesperança, apresentamos uma insultante opulência, vivendo na sociedade do desperdício: cada americano produz 3kg de lixo por dia; temos 200 milhões de carros com ar-condicionado bebendo gasolina e poluindo a atmosfera; consumimos mais de 25% do petróleo produzido em todo o mundo; não assinamos tratados de correções, para proteger mais nossas indústrias poluidoras, que ameaçam a sobrevivência do ser humano, como espécie; cada americano gasta 1.600 litros de água por dia, enquanto o europeu gasta 200 e o habitante de Madagascar somente 5 litros por dia; somos causadores direto de ¼ de todo efeito estufa, que ameaça a vida em nosso planeta; o nosso consumo médio energético corresponde ao de 4 suíços, 6 italianos, 260 tanzanianos ou 1.800 ruandenses; e, apesar de nossa competência tecnológica, não temos tido respeito pelo planeta, sendo um país de baixa eficiência energética. Fomos nós que criamos Saddam Hussein e treinamos os Talibãs. É nossa a responsabilidade por ditaduras sanguinárias como as do Pinochet, Trujilo, Somoza, Mobutu e tantos outros. Mais de 600.000 crianças morreram no Iraque pelo cerco comandado por nós e o criminoso bloqueio à Ilha de Cuba já dura décadas. É a nossa política, com nossos aliados, que tem feito crescer o ódio entre judeus e palestinos. São primos e somente a convivência pacífica e respeitosa entre eles trará paz à região. A crise dos últimos dias me fez abrir os olhos. O terrorismo não é aceitável! Nem o terror individual, nem o terror de Estado que temos praticado sistematicamente. É mais que hora de mudar! Estou, neste momento, convocando todos os dirigentes das grandes nações, responsáveis, como nós, pela sucessão de erros apontados, para uma reunião semana que vem, quando iremos detalhar as medidas capazes de reverter a situação de injustiça deste nosso mundo. Convoco as nações mais ricas para assumirem conosco as dívidas do Terceiro Mundo, entendendo que devemos, historicamente, muito mais a eles que eles a nós’.

De todos os lados ecoaram prolongados aplausos. Que me fizeram acordar. E me lembrar do querido dom Hélder Câmara, nunca esquecido arcebispo metropolitano de Olinda e Recife. Peço a Deus que nós, brasileiros, nunca sepultemos o ideário do Dom, por um mundo sem fome.”

Obrigadíssimo, Raimundo. Continuemos helderistas, jamais simplesmente helderetes. Um 2022 pleno de militância consciente, com eleições democráticas que removam os incultos, negativistas e sectários da vida política de todas as nações.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos sábado, 04 de março de 2023

PREPARAÇÕES PARA UM NOVO ANO (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

PREPARAÇÕES PARA UM NOVO ANO

Fernando Antônio Gonçalves

Arrumações de gabinete de estudo inúmeras vezes revelam fatos, fotos e feitos que pareciam ter caído no baú do esquecimento. Eles saltam estrepitosamente para o cotidiano, exigindo respeito memorial, como se tudo fosse apenas uma simples questão de começo. Parecem se mostrar de muita valia para os momentos de crise mundial que estamos vivenciando. Ressaltam angústias que persistem, de incômodas conseqüências para todos. Alguns apontamentos revestem-se de um ontem já não mais hoje, embora mereçam ser aqui relembrados, as datas sendo irrelevantes, sem nostalgias de qualquer espécie. Eis os mais destacados:

a. A maior tragédia do homem contemporâneo está na sua dominação pela força dos mitos, abdicando de uma soberana capacidade de discernir e discordar, indispensável no trato da coisa pública. Compreensivelmente, os novatos estão mitificando os seus governos, para se arvorarem de primogênitos de deus. Olvidame que no palco da vida há coisas, mil coisas, que custam bem pouco, mas acarretam efeitos extraordinários. Um telefonema, por exemplo. Um e-mail de agradecimentos. Ou um atendimento personalizado, quando o assunto merecer importância. Procedimentos que diferenciariam o agora de um passado majestoso, tecnocrático e pernóstico, até bem pouco tempo vivido e observado pelos que não estão de cabeça baixa.

b. Nada ameaça mais uma democracia que a gestão daqueles que desconhecem a tese fundamental: em toda democracia, as respostas são difíceis diante de uma demanda facilmente induzida. Nos setores acadêmicos, nada mais oportuna que uma análise despreconceituosa de todos, sem apegos a cargos e funções, deixando-se refletir diante da seriedade de propósitos dos governos eleitos. Estratégias e táticas bem definidas e discutidas, contínua postura dialogal e um ver-melhor-o-derredor que bem poderiam constituir os balizamentos necessários para um fico-ou-saio dos que auxiliam diretamente os mandatários.

c. Nossa crise brasileira, que também se incorpora a uma crise mundial, é profunda, muito profunda. Prenúncio do fim de uma era, início de uma nova fase, onde quase todo mundo está despreparado para um assumir consequente. A ausência de uma profissionalidade comprometida com a transformação do hoje está levando inúmeros técnicos, os mais despreparados, a uma não conformação com o fortalecimento do setor político, gerando um novo componente daquele caldo cultural que resulta numa dupla tendência: uma, a de ser hipercrítica em relação a tudo aquilo que desagrada; a outra, a de ser subcrítica diante daquilo que concorda. E os hiper e os sub não estão ampliando a cidadania do brasileiro. Estão, sim, deixando os senhores políticos sem uma densidade mais criativa e com uma frágil consciência acerca da própria máquina partidária. E eivando-os de um mandonismo inoportuno, detentor de poder decisório quase absoluto, que somente faz aumentar o número daqueles que consideram a repressão como caminho natural para o desenvolvimento nacional, única saída para garantir a segurança do grande capital.

d. A hora de reinventar-se chegou. Ultrapassar os obscurantismos técnicos, políticos e culturais é prova maior de querer democracia cada vez mais solidificada. Caso contrário, outras situações poderão advir, com prejuízos para quase todo mundo.

FELIZ ANO NOVO!!!


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos segunda, 20 de fevereiro de 2023

FRASES FAMOSAS - 09.01.2022 (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

FRASES FAMOSAS

Fernando Antônio Gonçalves

Andando com o João Silvino da Conceição, companheiro inseparável de caminhada matinal na Jaqueira antes da pandemia, dele sempre ouço comentários favoráveis aos shoppings da RMR, pelas gentilezas demonstradas pelo pessoal de recepção-venda. Um “bem-vindo ao nosso shopping” e outro “Volte sempre” que agradam de montão.

Sabedor das inúmeras leituras do Silvino, um semi-alfabetizado e de recursos financeiros quase incompatíveis com sua voracidade por leituras bem calibradas, faço-lhe uma proposta engasgatória, dessas que identificam o QD (Quociente de Desbabaquização) de qualquer um: – Cite quatro notas significativas desse seu caderninho de frases famosas.

Valendo-se de um Valei-me Toinho Braule!, súplica vez por outra por ele declamada, o João não se faz de rogado e logo chama outro amigo seu de jaqueirismo (exercitar-se no Parque da Jaqueira), o Faguinho Silva, para testemunhar sua resposta. E sapeca as quatro observações, que muito sensibilizaram todos. O extraído abaixo é fruto de um gravador safadoso de bolso e pilha, a concordância sendo devidamente adequada, para bem distanciar-se das redações dos vestibulares pebas das arapucas do ensino superior.

Revela o João: “A frase do Mahatma Gandhi ‘Acreditar em algo e não vivê-lo é desonesto’, para mim é considerada meu carro-chefe. Acredito que a hipocrisia é o maior pecado do homem contemporâneo. No Brasil de hoje, a hipocrisia dos candidatos a cargos eletivos está na razão direta da ausência de um caráter consistente, que deveria impossibilitar a ascensão de debilóides, fingidos e sacripantas de patriotismo merdoso.”

E foi adiante: “Tenho um profundo respeito pelo pensamento de Anne Frank, jovem judia de diário notável, vítima da sanha de um extremismo de direita que teima em ressurgir, graças às fragilidades mentais de uma parte da esquerda, contempladora do próprio umbigo, autofágica por derradeiro. Eis o que ela escreveu: ‘Para nós, jovens, é duas vezes mais difícil manter nossas opiniões numa época em que os ideais são estilhaçados e destruídos, quando o pior da natureza humana predomina, quando todo mundo duvida da verdade, da justiça e de Deus’. Que a juventude, sem moralismos nem puritanismos vexaminosos, saiba separar o joio do trigo, menosprezando o chulo, rejeitando a mediocridade travestida de evento cultural, percebendo-se construtora legítima dos amanhãs nacionais soberanamente edificados.”

E disse mais: “Quando li Hamlet, de William Shakespeare, gravei uma frase da Cena 2, no Ato II, que considero excelente biruta para aqueles que enxergam partes ruins em tudo, mentalidades fofoquistas que descobrem arqueiros em olho de chinês a metros de distância, pouco se lixando para a trave que traspassa seus olhos, ouvidos e gargantas: ‘As coisas em si mesmas não são nem boas nem más, é o pensamento que as torna desse ou daquele jeito’. O querido Dom Hélder Câmara dizia que tem gente que faz de lagartixa jacaré, se ferrando todo quando se depara com um jacaré de mesmo pela frente.”

E continuou gravando: “Um latinoamericano me faz cada vez mais ser uma pessoa que busca saber bem o significado do que seja ser Filho de Deus. O Jorge Luís Borges, numa frase só, nos desafia para enfrentar os amanhãs que exigirão criticidade, competência, criatividade e compromisso social: ‘O tempo é um rio que me assola, mas eu sou o rio; é um tigre que me destrói, mas eu sou o tigre; é um fogo que me consome, mas eu sou o fogo’.”

Com a andada matinal se findando, o convite do João Silvino para uma cervejinha foi aceito de bate-pronto, sem pestanejos, o colasterol que se danasse pelo menos até a próxima reunião, arretada como de costume, sem academicismos, porque integralmente isenta dos autoelogios bundões que nunca sabem estabelecer a diferença entre seriedade e ridículo, sabedoria e vomitação, Tabata Amaral e Jair Bolsonaro.

Para todos aqueles que ainda continuam acreditando seriamete em um Brasil desenvolvido, apesar das idiotices da nossa classe política, efeito também de um eleitorado imaturo civicamente, um 2022 pra lá de porreta, todos percebendo-se uma metamorfose ambulante, em continuado aprimoramento mental, profissional, familiar e comunitário, numa crescente cidadanização militante em prol de uma humanidade onde todos possuam renda, trabalho, liberdade e direitos plenos voltados para a Luz Infinita, numa caminhada cada vez mais recheada de Fé, Esperança, Caridade e Solidarieade. Não sou dono do mundo, mas tenho certeza absoluta de que sou filho do Dono!!


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos domingo, 19 de fevereiro de 2023

LUZES PARA UM BAITA ESCURO (CÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

LUZES PARA UM BAITA ESCURO

Fernando Antônio Gonçalves

Alguns estudiosos do Primeiro Mundo demonstram, nesta pandemia assassina, uma crescente preocupação com os espertíssimos embromadores que estão vitimando uma imensa maioria populacional, nos diferenciados níveis de escolaridade. Os fundamentalismos religiosos negativistas estão se expandindo, nos quatro cantos do planeta, através dos modernos meios de comunicação, enquanto alguns sabidos ganham fortunas com anjos, ETs, tarôs, cristais, satanismos, continentes perdidos, OVNIs, horóscopos, aparições, cristais pelos olhos, baralhos, fitinhas e penduricalhos que dão sorte, acuando, para terrenos movediços, os salutares valores da racionalidade, de decrescente notoriedade entre incautos e abobados, deteriorando gigantescamente os avanços científicos mais consistentes e fecundantes.

As novas crendices e superstições estão substituindo, nos centros urbanos metropolitanos brasileiros, as mulas sem cabeça, as pernas cabeludas, a comadre Fulôzinha, o boi da cara preta e os demais engana-bestas que povoavam a imaginação dos jecas em passados não muito remotos.

Num livro não muito recente, embora sempre dotado de notáveis insights, O Mundo Assombrado pelos Demônios, editado no Brasil pela Companhia das Letras, magistralmente escrito para todos os pensantes não negativistas, o notável Carl Sagan divulgou dados percentuais assustadores: 95% dos americanos são “cientificamente analfabetos”, prevalecendo, nas terras do Tio Sam, uma lei similar à de Gresham, segundo a qual “a ciência ruim expulsa a boa”. Ele alerta com muita acuidade: “As consequências do analfabetismo científico são muito mais perigosas em nossa época do que em qualquer outro período anterior”. E acrescenta sem disfarce: “Dos membros do Congresso dos Estados Unidos, raramente 1% chegou a ter alguma formação científica significativa no século XX”.

No seu livro, Carl Sagan revela que, recentemente, a diretoria de uma grande companhia de produtos eletrônicos inquietou-se com o seu derredor social, ao constatar que 80% dos inscritos numa seleção não conseguiram aprovação num teste de matemática elementar. Ele denuncia: os colegiais norte-americanos não estão estudando o suficiente, apesar do desempenho extraordinário de uma reduzida minoria. Enquanto o ano escolar dos Estados Unidos tem 180 dias letivos, a Coreia do Sul tem 220 dias, a Alemanha tem 230 e o Japão lidera com 243 dias. E no Brasil, a merdalidade educacional se amplia em todos os níveis de escolaridade.

Com dados comprovados, Sagan faz comparações: enquanto o aluno norte-americano médio, de escola secundária, utiliza 3,5 horas por semana nos deveres de casa, o aluno japonês da quinta série estuda, em média, 33 horas semanais. E aponta a consequência: com metade da população dos Estados Unidos, o Japão forma anualmente duas vezes mais cientistas e engenheiros com diplomas de nível superior!

Para todos os leitores deste JBF sempre crítico-edificante, uma leitura que poderá render muitas iniciativas promissoras: Lições de um século de vida, Edgar Morin, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2021, 110 p. Páginas de um sempre pesquisador senhor de 100 anos que continua preocupado com os tormentos de nossa contemporaneidade.

Um presidente norte-americano, George Washington, já dizia em 1790: “Nada é mais digno de nosso patrocínio que o fomento da ciência e da literatura. O conhecimento é, em todo e qualquer país, a base mais segura da felicidade pública”.

 

Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos segunda, 13 de fevereiro de 2023

TEXTOS DESASNANTES (CRÔNICA D FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

TEXTOS DESASNANTES

Fernando Antônio Gonçalves

Num feriadão anos antes da COVID-19 iniciar seu espalhamento por todo o país, no Portal de Gravatá-PE encontrei um ambiente pra lá de boas conversas e excelente cardápio, também me deleitando com umas leituras desasnadoras, o adjetivo sendo criação do Monteiro Lobato, embora ainda não devidamente inserido no Aurélio. Textos ótimos, daqueles que deixam a gente com os atributos empavonados e com uma peninha danada das vítimas retratadas, algumas tornadas por pura zonzeira, outras por inserção abestada na vida, as demais por puro merecimento.

Na segunda manhã, ao terminar um copão de leite ordenhado por um vaqueiro de mesmo, pressenti a curiosidade de dois jovens, vinte e poucos anos, certamente cursando escola de nível superior. Ou inferior mesmo, como a maioria. Sadiamente enamorados, não externavam animalidades, nem as esfregações típicas dos macaqueiros no cio.

Correspondendo à intenção explicitada através de um “bom dia, amigo”, descompliquei o ambiente, deixando-os aptos para a indagação que portavam: “Que livros eram aqueles que o senhor lia, na rede do alpendre, deixando-o com um ar de incontida satisfação?”. A resposta foi antecipada de duas categóricas condições. A primeira dizia respeito à retirada do termo “senhor”, posto que numa vacaria o ambiente não ensejava tamanha cerimônia, mesmo porque, ali, a autoridade era o ordenhador, talento necessário para o momento. A segunda condição seria consequência da inicial: primeiro, a devoção, a degustação dos copões de leite que ainda estavam à disposição dos chegantes, para depois uma conversa amiga com hora marcada de findamento: o instante de começar a espetacular Paixão de Cristo do Zé Pimentel, transmitida, na Sexta-Feira Santa, pela TV Jornal do Commercio, um verdadeiro presente de Páscoa para milhares que não puderam se deslocar até o Marco Zero. Um presentão de primeiríssima qualidadade, como tudo que fez o Pimentel, esse pernambucano gota serena de arretado. E como otimamente propicia a TV Jornal, emissora que sabe bem curtir as coisas da gente.

A surpresa maior, entretanto, ainda estava para acontecer: os dois jovens eram alunos de um excelente Curso de Administração da capital pernambucana. Estavam concluindo o quinto período e buscavam binoculizar os amanhãs com os que já tinham alguns muitos quilômetros rodados, que nem eu. Três minutos iniciais de papo ofereceram um diagnóstico preciso sobre os dois universitários: antenadíssimos, mentalmente prontos para o bom combate no mercado de trabalho. E que tinham acabado de também saborear o livro Executivos Neuróticos, Empresas Nervosas, do Thomaz Wood Jr, Negócio Editora. Uma coletânea de textos bussolínicos, que servem tal e qual aquelas birutas plantadas nos campos de aviação, que não mostram a direção correta, mas que apontam para as circunstâncias mais favoráveis.

Confesso que me entusiasmou as cucas do jovem casal. Feliz do docente que encontra pela frente alunos calibrados, culturalmente adequados às suas faixas etárias, sem quaisquer menosprezos pelas curtições e os entra-e-sai de uma sexualidade sadia, de comunicação fácil e princípios norteadores capazes de iniciativas e ultrapassagens de excelentes retornos, para si próprios e para o entorno social que deles necessita.

Muito gostaria que inúmeros lessem, assimilando, os textos do Tomaz Wood Jr, talento da Fundação Getúlio Vargas, para quem o Brasil, “aos 500 anos se porta como adolescente esclerosado”. Sintoma preocupante de uma cidadanização mínima e de um corporativismo canhestro, indutores de posturas governamentais desastradamente fascistóides.

Voltei para o Recife satisfeito. Com o Portal, com o Zé Pimentel, com a TV Jornal do Commercio e com os dois talentos encontrados. Senti firmeza em todos, apesar das maquinações eleitoreiras de uma conjuntura nada alvissareira.

Voltei a ler outro livro do rabino Harold Kushner, uma pequena obra-prima de muita beleza espiritual para o Brasil de hoje, ainda tão carente de esperanças.

Nas suas reflexões, excelentes para quem se encontra meio baratinado diante dos agitados tempos pós-modernos, Kushner conta a história de um garoto que chegou da Escola Dominical e narrou para mãe o milagre do Mar Vermelho mais ou menos assim: “Os israelitas saíram do Egito perseguidos pelo Faraó e acamparam às margens do Mar Vermelho. Percebendo a aproximação das milícias inimigas, Moisés usou seu celular, a força aérea israelita foi acionada e os submarinos da marinha, com seus foguetes último modelo, protegeram todos durante a construção de uma gigantesca ponte, que permitiu a travessia de todo o povo, a alimentação ficando por conta de uma empresa especializada em fast-food”. Diante do espanto materno, o pirralho admitiu o garoto: – Não foi bem assim, mãe, mas se eu contasse da maneira que me contaram, você nunca iria acreditar.

A historieta contada pelo rabino Kushner alerta todos aqueles que relatam fatos passados, religiosos ou não, com tamanho grau fantasiador, que impossibilita uma convicção mínima sobre o acontecido, principalmente quando a transmissão é feita para aqueles que estão numa outra circunstância, portando outra mentalidade. Não saber transmitir bem os fatos passados é contribuir para a disseminação de explicações balofas e generalizantes. Quase todas fundamentalistas.

Transcrevo, aqui, a título de exemplo notável, trecho da Oração do Amanhecer do eternizado jornalista pernambucano Andrade Lima Filho, escrito há mais de quarenta anos. De uma beleza simbólica atualizadíssima:

“Tu, Senhor, és um cara legal. Eu sei. Sei e creio. (…) És o olhar do cego, a audição do surdo, a voz do mundo, a muleta do paralítico. És o sol das almas e o sal da vida. O princípio e o fim, o alpha e o ômega, o xis da grande equação na misteriosa e insondável aritmética do ser”.

Uma oração agradável, sedutora, sem babaquices espasmódicas, tampouco lamuriantes. Reler o que permanece atualizado é muito diferente de releituras saudosistas, que apenas martirizam, posto que não mais energizarão. Voltar a ler textos imorredouros é saber eternizar-se com eles, aproximando-se de um Ômega repleto de muita luz. Como, por exemplo, reler sempre o Padre-Nosso, uma oração para gregos e troianos, teístas e sempre aprendizes.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos terça, 07 de fevereiro de 2023

FRASES FAMOSAS (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

FRASES FAMOSAS

Fernando Antônio Gonçalves

Andando com o João Silvino da Conceição, companheiro inseparável de caminhada matinal na Jaqueira antes da pandemia, dele sempre ouvi comentários favoráveis aos shoppings da RMR, pelas gentilezas demonstradas pelo pessoal de recepção-venda. Um “bem-vindo ao nosso shopping” e outro “Volte sempre” que agradam de montão.

Sabedor das inúmeras leituras do Silvino, um semi-alfabetizado e de recursos financeiros muito incompatíveis com sua voracidade por leituras bem calibradas, fiz-lhe certa feita uma proposta engasgatória, dessas que logo identificam um QD (Quociente Desabestalhante): – Cite quatro notas memoráveis desse seu caderninho de frases famosas.

Valendo-se de um E apois, minino!, convite aceito de bate-pronto, o João não se faz de rogado e logo chamou outro amigo seu de jaqueirismo (exercitar-se no Parque da Jaqueira), o Lucas Neto, para testemunhar sua resposta. E declamou as quatro observações, que muito sensibilizaram os circunstantes. O extraído abaixo é fruto de um gravador safadoso de bolso e pilha, a concordância gramatical sendo devidamente ajustada, para bem distanciar-se das redações recentes dos vestibulares pebas das arapucas do atual ensino superior.

Revela o João: “A frase do Mahatma Gandhi ‘Acreditar em algo e não vivê-lo é desonesto’, para mim é considerada meu carro-chefe. Acredito que a hipocrisia é o maior pecado do homem contemporâneo. No Brasil de hoje, a hipocrisia dos candidatos a cargos eletivos está na razão direta da ausência de um caráter consistente, que deveria impossibilitar a ascensão de debilóides, hipócritas e sacripantas de patriotismo fingido.”

E foi adiante, o João: “Tenho um profundo respeito pelo pensamento de Anne Frank, a jovem judia de diário notável, vítima da sanha de um extremismo de direita assassino que teima em ressurgir, graças às fragilidades mentais de uma parte da esquerda, sempre contempladora do próprio umbigo, autofágica por derradeiro. Eis o que ela escreveu: ‘Para nós, jovens, é duas vezes mais difícil manter nossas opiniões numa época em que os ideais são estilhaçados e destruídos, quando o pior da natureza humana predomina, quando todo mundo duvida da verdade, da justiça e de Deus’. Que a juventude brasileira, sem moralismos nem puritanismos vexaminosos, saiba separar o joio do trigo, menosprezando o chulo, rejeitando a mediocridade travestida de evento cultural, percebendo-se construtora legítima dos amanhãs nacionais soberanamente estruturadores para todos.”

E disse mais: “Quando li Hamlet, de William Shakespeare, memorizei uma frase da Cena 2, no Ato II, que considero excelente biruta (baliza de vento de aeroporto) para aqueles que enxergam partes ruins em tudo, mentalidades fofoquistas que descobrem arqueiros em olho de chinês a metros de distância, pouco se lixando para a trave que traspassa seus olhos, ouvidos e gargantas: ‘As coisas em si mesmas não são nem boas nem más, é o pensamento que as torna desse ou daquele jeito’. O querido ex-arcebispo metropolitano Dom Hélder Câmara, de Olinda e Recife, dizia que tem gente que faz de lagartixa jacaré, se ferrando todo quando se depara com um jacaré de mesmo pela frente.”

E continuou gravando: “Um latinoamericano me faz cada vez mais ser uma pessoa que busca saber bem o significado do que seja ser Filho de Deus. O Jorge Luís Borges, numa frase só, nos desafia para enfrentar os amanhãs que exigirão criticidade, competência, criatividade e compromisso social: ‘O tempo é um rio que me assola, mas eu sou o rio; é um tigre que me destrói, mas eu sou o tigre; é um fogo que me consome, mas eu sou o fogo’.”

Com a caminhada matinal se findando, o convite do João Silvino para uma cervejinha sem álcool foi aceito de bate-pronto por todos, sem pestanejos, o colasterol que se danasse pelo menos até a próxima reunião jaqueirista, arretada como de costume, sem academicismos, porque integralmente isenta dos autoelogios bundões que nunca sabem estabelecer a diferença entre a seriedade e o ridículo, sabedoria e vomitância.

Para todos aqueles que ainda continuam acreditando seriamente em um Brasil desenvolvido, apesar das cretinices da nossa classe política, efeito também de um eleitorado imaturo civicamente, um caminhar 2022 pra lá de porreta, todos se percebendo uma metamorfose ambulante, em continuado aprimoramento analítico, profissional, familiar e comunitário, numa crescente cidadanização militante em prol de uma humanidade onde todos possuam renda, trabalho, liberdade e direitos plenos voltados para a Luz Infinita, numa jprnada cada vez mais recheada de Fé, Esperança, Caridade e Solidarieade. Todos com a certeza plena de que não são donos domundo, mas seguros que são são filho do Dono!


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos quarta, 01 de fevereiro de 2023

POSTURA MAIS QUE ÓTIMA (ARTIGO DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

POSTURA MAIS QUE ÓTIMA

Fernando Antônio Gonçalves

 

 

Confesso, sem medo algum dos faniquitosos agressores que se escondem por trás dos pseudônimos internéticos, que me emocionei com a postura do Lucas Martins Zomignani Mendes, o primeiríssimo lugar em recentes vestibulares da Fuvest, Unicamp e FGV, morador em Goiatuba, Goiás, e que estudou por nove anos em uma cooperativa montada por pais de alunos descontentes com o ensino público. Disse ele, quando entrevistado: “Meu projeto de vida não é sair da universidade empregado, mas empregando. Quero montar uma escola”. Uma fala que mereceria destaque nacional, se não estivéssemos pateticamente mais preocupados com quem sai do BBB, quem sofre de chífrilis, nas carinhas de anjo, nas encenações ratinhais e as PPB – Patetadas Políticas Brasileiras.

Deste canto de página do JBF, gerenciado pelo escritor palmarense Luiz Berto, autor notável do premiado O Romance da Besta Fubana, aplaudo o idealismo do jovem novo universitário. Um pensar que retrata maturidade e postura convincentes. Num país que está se revestindo de uma contagiante e muito benéfica não-violência ativa e onde o Ministério Público se vem tornando uma das peças mais importantes para a restauração da dignidade pátria, urge acelerar o surgimento de uma nova era, onde a hipercriticidade e a subcriticidade favoreçam, pelas suas extinções, a emersão de uma cidadania consciente, herdeira das nossas melhores tradições, no lixo as posturas e posicionamentos que, breve, não mais possuirão qualquer relevância.

Atualmente, ainda confundimos tradição, modernidade e modernosidade, ora alimentando bloqueios e perplexidades, ora reforçando “soluções de facilidade”, via inúteis caminhos curtos. Sem perceber que é chegada a hora de uma honesta reavaliação de tudo e de todos, subordinando o nefasto negativo ao sempre positivo. E de perceber também que a sexualidade, não é apenas genitalidade, mas parte inerente de uma dimensão humana permanente e irrecusável, concretamente aceitando que o celibato compulsório, ceifando sadias complementaridades entre serviço e desejo evangelizador, apenas faz ampliar insuportáveis conflitos e nefastos crimes, ensejando menosprezos comunitários que prejudicam a própria construção do Reino de Deus nos quatro cantos do planeta.

Numa Igreja que abriga as mais diversas e saudáveis correntes de pensamento, sem que sejam afetados seus pilares doutrinais básicos, é dever de honestidade reconhecer que alguns dos seus posicionamentos pastorais estão muito distanciados dos cotidianos vivenciados em múltiplos contextos sócio-culturais, gerando “esquizofrenias” as mais disparatadas, que somente favorecem a disseminação de uma hipocrisia social dicotomizada entre uma rigidez anti-humana e uma permissividade que desrespeita o próprio corpo.

O saudoso senador alagoano Teotônio Vilela enojava-se das aves de rapina que desejavam apenas levar vantagem em tudo, com a maior cara-de-pau fantasiadas de gente boa, moralizadores de fachada, verdadeiros sepulcros caiados. E bradava: “Frente à corrupção que destrói o tecido social e compromete a ação política, existe um clamor nacional que não aceita mais o silêncio, a impunidade e a acomodação”. E ainda rejeitava quem proclamasse que “no neo-liberalismo, a solidariedade aparece como caridade do poder público frente aos marginalizados do mercado”.

Um maquiavélico faz-de-conta parece sobrepairar atualmente sobre tudo e todos. Hoje, comanda-se a máquina pública desprezando-se três imprescindíveis características: Seriedade, Sinceridade e Solidariedade. Que saibamos separar o joio do trigo na edificação de cenários educacionais que fortaleçam o Homem, a Pátria e o Trabalho, num regime parlamentarista de longa duração, comandado por líderes consagrados nas urnas, que simbolizem uma geração política não comprometida com as posturas que enojaram nossos ontens, algumas delas hoje buscando sobreviver.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos quinta, 26 de janeiro de 2023

REINVENTANDO A VIDA E OS AMANHÃS (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

REINVENTANDO A VIDA E OS AMANHÃS

Fernando Antônio Gonçalves

Confesso, sem temor algum dos faniquitosos nazistas ruminantes, que me emocionei com a postura do Lucas Martins Zomignani Mendes, o primeiríssimo lugar nos vestibulares da Fuvest, Unicamp e FGV, morador em Goiatuba, Goiás, e que estudou por nove anos em uma cooperativa montada por pais de alunos descontentes com o ensino público. Disse ele, quando entrevistado: “Meu projeto de vida não é sair da universidade empregado, mas empregando. Quero montar uma escola”. Uma fala que mereceria destaque nacional, se não estivéssemos idioticamente mais preocupados com estatísticas vacinais, novelhostas (novelas velhas embostadas), a rabolatria funkeira e os fuxiquismos políticos pré-campanha eleitoral, para não dizer dos salafrários inconformados com a conscientização das redes sociais brasileiras, que se agigantam na construção do binômio democracia x nova sociedade, remetendo para a PQP os políticos negativistas e os partidos que apenas balançam os sacos, sem a mínima enxergância social.

Deste canto de página JBF, aplaudo o idealismo do jovem novo universitário. Um desejo que retrata maturidade edificante e postura convincente. Num país que está se revestindo de uma contagiante e muito benéfica não-violência ativa e onde o Ministério Público se vem tornando uma das peças mais importantes para a restauração da dignidade pátria, urge acelerar a emersão de uma nova era, onde a hipercriticidade e a subcriticidade favoreçam, pelas suas extinções, a emersão de uma cidadania consciente, herdeira das nossas melhores tradições, no lixo as posturas e posicionamentos negativistas e fundamentalistas que não mais possuirão ribalta, nem entusiastas racionais, salvo alguns sacripantas travestidos de cordeirinhos do Alto.

Ainda confundimos tradição, modernidade e modernosidade, ora alimentando bloqueios e perplexidades, ora reforçando “soluções de facilidade”, via caminhos curtos, nada evolucionários. Sem perceber que é chegada a hora de uma honesta reestruturação do todo pátrio, abjurando o negativismo em prol de iniciativas libertadoras para gregos e troianos. E de perceber que a sexualidade, não é apenas genitalidade, mas parte inerente de uma dimensão humana permanente e irrecusável, humildemente aceitando que o celibato compulsório, ceifando sadias complementaridades entre serviço e desejo, apenas faz ampliar insuportáveis conflitos, ensejando inseguranças pastorais que prejudicam a própria construção do Reino de Deus entre nós.

Numa sociedade que abriga as mais diversas correntes de pensamento, é dever de honestidade reconhecer que alguns dos seus atuais posicionamentos políticos estratégicos estão muito distanciados dos cotidianos vivenciados em múltiplos outros contextos sócio-culturais evoluídos, gerando “esquizofrenias” as mais disparatadas, que somente favorecem a disseminação de uma hipocrisia social dicotomizada entre uma rigidez anti-humana e uma permissividade que desrespeita o próprio corpo.

O saudoso senador alagoano Teotônio Vilela enojava-se das aves de rapina que desejavam apenas levar vantagem em tudo, com a maior cara-de-pau fantasiadas de gente boa, moralizadores de fachada, verdadeiros sepulcros caiados. E bradava: “Frente à corrupção que destrói o tecido social e compromete a ação política, existe um clamor nacional que não aceita mais o silêncio, a impunidade e a acomodação”. E ratificaria quem proclamasse que “no neoliberalismo, a solidariedade aparece como caridade do poder público frente aos marginalizados do mercado”.

Um maquiavélico faz-de-conta mundial parece sobrepairar sobre tudo e todos. Hoje, comanda-se a máquina pública desprezando-se três imprescindíveis características: Seriedade, Sinceridade e Solidariedade. Que o exemplo do Lucas Martins, se multiplique Brasil afora. Que saibamos diferenciar o joio do trigo na construção de cenários que fortaleçam o Homem, a Pátria e o Trabalho, num regime tornado parlamentarista por lideranças consagradas nas urnas, valores que simbolizem uma geração política não comprometida com as posturas que enojam nossos altaneiros ontens.

PS. Pelo noticiário dos jornais dos últimos tempos, até parece que as alianças partidárias se digladiam dentro de um monturo pra lá de muito fétido, a repetir o Baile da Ilha Fiscal.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos quinta, 19 de janeiro de 2023

BINOCULIZANDO OS AMANHÃS DO 21 CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

BINOCULIZANDO OS AMANHÃS DO 21

Fernando Antônio Gonçalves

Acabei de ler, após longa temporada de páginas rabiscadas, o livro 21 LIÇÕES PARA O SÉCULO 21, do historiador israelita Yuval Noah Harari, editado pela Companhia das Letras em 2018, primeira edição. E o término da leitura demorou um pouco em função do empréstimo do livro a um caminheiro que nem eu, que foi contaminado por essa pandemia assassina que se espalhou mundo afora, a exigir dos governantes uma reestruturação planetária de longo alcance, para evitar colapsos futuros nos quatro cantos do planeta, provavelmente irreversíveis.

Nas páginas do livro, o autor traça balizamentos indispensáveis para as próximas décadas do presente século, quando os desajustes deverão estar sanados e a democracia fortalecida, a inteligência artificial sempre subordinada à mental, embora extraordinariamente facilitadora de soluções ultra rápidas, a cidadanização planetária se estendendo para outras localidades do cosmo, corrigidas as imperfeições de um sistema econômico ainda classificado enganosamente como liberal, ensejando como mandamento civilizatório primeiro uma cada vez mais ampla liberdade de crítica militante, permanentemente renovadora. O objetivo do historiador Harari com seu livro não muito atraente é o de favorecer a consolidação de uma racionalidade planetária capaz de proporcionar um equilíbrio mais consistente do ambiente global.

Cada um dos bilhões de habitantes da Terra é possuidor, segundo Harari, de uma agenda pessoal, com problemas individuais bem mais urgentes que o ingresso do Brasil na OCDE ou uma invasão que poderá ocorrer na Ucrânia, em decorrência de ânsias de poder entre alguns idiotizados mandatários metidos a donos de uma a verdade ideológica planetária plena.

No seu livro, o autor oferece alertas para os amanhãs 21. Um resumo dos balizamentos:

1. Analise bem as três narrativas formuladas pelos centros decisórios do mundo – Nova York, Londres, Berlim e Moscou: a narrativa fascista, a narrativa comunista e a narrativa liberal. Todas elas em descréditos acelerados.

2. Balize sempre, na medida em que se profissionalizar, as alterações do mercado de trabalho, principalmente na área tecnológica, com seus emergentes empregos online.

3. Cuidado com as ditaduras digitais e a ausência de conhecimentos elementares sobre Humanidades, sua trajetória, história, pensamento e perspectivas.

4. Perceba sempre que só existe uma civilização do mundo e que problemas globais exigem respostas globais.

5. Diferencie sempre os princípios dogmáticos de cada crença religiosa, jamais abdicando da sua espiritualidade cósmica, sempre percebendo que algumas culturas possuem caracetrísticas mais solidamente edificadas que outras.

6. Nunca entre em pânico, sempre buscando controlar os anseios e receios da sua mente.

7. Jamais subestime a estupidez humana. E busque entender os argumentos que comprovam que as últimas décadas foram as mais pacíficas de toda história humana.

8. Perceba-se cotidianamente que você não é o centro do mundo, respeitando as posturas dos que acreditam ser tão somente filhos do Dono.

9. Tenha plena consciência da sua sombra, sempre se baseando em suas evoluções e evidências, nunca apenas sendo reflexos.

10. Considere-se muito confuso diante da complexa situação global, analisando sempre as diferenças existentes entre as mais explicitadas verdades, nunca sendo vitimado por propagandas enganosas e desinformações fabricadas.

11. Na era da pós-verdade, sempre assimile um fato incontestável: algumas news jamais serão extintas, porque sempre permanecerão reais.

12. Conscientize-se de que os amanhãs jamais acontecerão conforme exibidos nos filmes e novelas, preservando sempre seu livre-arbítrio crítico-construtivo.

13. Amplie sua resiliência de caminheiro militante, aprendendo a superar obstáculos numa era de múltiplas emergentes complexidades.

14. Mesmo cético de tudo e de todos, jamais perca seu bom humor, reservando momentos para uma avaliação dos ditos e feitos praticados nos últimos tempos.

15. Nunca se esqueça de assimilar um dito famoso: Quem sabe faz a hora, nunca espera acontecer.

Milhares de respostas surgirão todos os dias à nossa frente, tenhamos plena certeza disso. Algumas delas, a título de pequena amostra: Quem “fabricou” o Coronavirus? Israelitas e palestinos se entenderão um dia? O espiritualismo transecumênico um dia será triunfante? A fome de milhões será extinta na face da Terra? Haverá contatos efetivos duradouros com seres de outros planetas? A Lua será um dia destino turísticos para os mais ricos? Existirá, no futuro, um Governo Mundial Parlamentarista? O que será necessário para se obter um ambiente planetário integralmente fraterno, sem medos, ódios, vinganças e outras catástrofes? Quando teremos no mundo uma plena igualdade racial e de gêneros, sejam quais forem? Quando será que a Coreia do Norte, o Iraque e El Salvador se equipararão socialmente a Dinamarca dos tempos atuais? Quando o ainda sobrevivente ideário liberal será fraternalmente solidário com o mundo subdesenvolvido? Quando o Sistema Judiciário e a Imprensa serão integralmente independentes? Quando serão erradicados os privilégios raciais, nacionais e de gênero? O sistema liberal superará suas atuais dificuldades de enfrentamento da tecnologia da informação e da biotecnologia? Quando o mundo será integralmente alfabetizado e cidadão?

Saibamos conter os limites da estupidez humana, favorecendo a emersão de uma universalidade repleta de Luz.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos sexta, 13 de janeiro de 2023

DITOS BINOCULIZADORES (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAMUNDO FLORIANO)

 

DITOS BINOCULIZADORES

Fernando Antônio Gonçalves

Publicado em 

 

Nos dias da folia momesca deste ano, suspensos por causa de uma pandemia assassina, me recolhi no Portal de Gravatá com a companheira Sissa e uma cunhada querida, para lá levando um livro diferente. Uma coletânea de frases geniais, selecionadas pelo Mestre de Informática Paulo Buchsbaum, um colecionador de frases de personalidades internacionais, inclusive algumas de sua própria autoria. Pensamentos dos mais variados tipos, desde eruditos até molequeiros, desses que deixam a gente com uma vontade danada de sair espalhando por aí, aos quatro ventos, favorecendo a erradicação dos fingimentos, das hipocrisias e dos moralismos escrotos que “astravancam o pogreço”, favorecendo a ampliação de uma estupidez planetária de altíssimo potencial destrutivo, impossibilitando a chegada de amanhãs mais criativos e de muitas pensações evolucionárias.

Para este primeiro domingo pós carnavalesco, apresento abaixo algumas das frases do livro FRASES GENIAIS, Paulo Buchsbaun, 4ª. ed., Rio de Janeiro, Ediouro, 2004, 439 p., com três propósitos basilares. O primeiro, ampliar a cidadania dos cesatentos que ainda não atentaram para o crescimento da violência planetária em termos de guerras, racismos, fascismos, segregacionismos discriminatórios, machismos e outras estrovengas criminosas. A segunda, causar uma potencialização do humor em todos aqueles que estão ansiosos pela chegada de novos tempos para toda a face terrestre, ampliando uma convivencialidade fraternal entre povos e nações. O terceiro é proporcionar aos leitores fubânicos, uma oportunidade de conhecer pensamentos diferenciados dos modismos internéticos atuais, hoje sem as tiradas geniais que, outrora, consagraram gregose troianos.
Ei-los, com seus respectivos autores:

– “A única coisa sem mistério é a felicidade porque ela se justifica por si só”, (Jorge Luís Borges, poeta argentino (1899-1986).

– “Felicidade é o desejo pela repetição”, (Milan Kundera (1929), escritor tcheco.

– “Um único raio de sol é suficiente para afastar muitas sombras”, São Francisco de Assis, italiano (1181-1226), religioso.

– “Preocupação é uma cola que não deixa o que ainda não aconteceu sair de seu pensamento”, Adriana Falcão, brasileira, escritora.

– “Nada na vida é para ser temido, é apenas para ser entendido”, Marie Curie, polonesa (1867-1934), física, química, prêmio Nobel.

– “O medo tem alguma utilidade, mas a covardia não”, Mahatma Gandhi (1869-1968), indiano, ativista social.

– “Falar muito sobre si mesmo pode ser um meio de se esconder”, Friedrich Nietzsche (1844-1900), alemão, filósofo.

– “É preciso parar de encarar a Internet como uma rede de computadores. Ela é uma rede de pessoas”, David Siegel, americano, consultor e webdesigner.

– “A máquina não isola o homem dos grandes problemas da natureza, mas o insere mais profundamente neles”, Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944), francês, escritor, autor do famoso O Pequeno Príncipe.

– “Sei que o meu trabalho é uma gota no oceano, mas sem ele, o oceano seria menor”, Madre Teresa de Calcutá (1910-1997), religiosa albanesa, prêmio Nobel da paz.

– “A única coisa bem distribuída no mundo é a burrice”, George Bernard Shaw (1856-1950), irlandês, dramaturgo, prêmio Nobel de literatura.

– “O fanático é o sujeito que não muda de ideia e não pode mudar de assunto”, Winston Churchill (1874-1965), estadista inglês, prêmio Nobel de literatura.

– “O diploma não encurta as orelhas de ninguém”, Barão de Itararé (1895-1971), brasileiro, humorista, jornalista, pseudônimo de Apparício Torelly.

– “Num mundo culto temos uma conduta florida, e num mundo inculto temos discursos floridos”, Confúcio (551 – 479 a.C.), chinês, filósofo, fundador do Confucionismo.

– “E ninguém é eu, e ninguém é você. Esta é a solidão”, Clarice Lispector (1925-1977), escritora ucraniana radicada no Brasil, autora de A Hora da Estrela.
– “A simplicidade é o último degrau da sabedoria”, Kahlil Gibran (1883-1931), escritor sírio, filósofo indutor do amadurecimento de milhões.

– “Quero sentir a delícia de poder sentir as coisas mais simples”, Manuel Bandeira (1886-1968), poeta brasileiro, pernambucano, autor de Estrela da Vida Inteira.

– “E um dia os homens descobrirão que esses discos voadores estavam apenas estudando a vida dos insetos…”, Mário Quintana (1906-1994), poeta gaúcho, cronista, autor de Apontamentos de uma História Sobrenatural.

– “Cada dia que surge constitui uma nova vida para quem saber viver”, Horácio (65 – 8 a.C.), poeta romano.

– “Fé que não duvida é fé morta”, Miguel de Unamuno (1864-1936), filósofo e romancista espanhol.

– “Época triste a nossa. È mais fácil quebrar um átomo do que um preconceito”, Albert Einstein (1879-1953), físico alemão, autor da Teoria da Relatividade.

– “Um povo ignorante é instrumento cego de sua própria destruição”, Simón Bolívar (1783-1830), general venezuelano.

– “Necessidade nunca faz uma boa barganha”, Benjamin Franklin (1706-1790), americano, cientista, político e filósofo.

Espero que os leitores fubânicos assimilm bem as pensações acima, favorecendo um redimensionamento radical de suas caminhadas em direção de um mundo futuro de muita paz, trabalho, democracia, liberdade e renda, sem desmatamentos criminosos nem escroqueria políticas, favorecendo um melhor caminhar de todos em direção à Luz, posto que já dizia um saudoso amigo meu, Dom Hélder Câmara, dois oportunos balizamentos caminheiros:

– “Depois de toda escuridão, eis que surge uma radiante madrugada”.

– “Até um relógio parado, tem razão duas vezes ao dia”.

E ele sempre concluía suas falas com a expressão Até Sempre! E aqui, o imitarei:

Até sempre, leitores deste jornal sempre arretado de muito ótimo!!!


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos segunda, 02 de janeiro de 2023

PAPOS ELETRÔNICOS (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

PAPOS ELETRÔNICOS

Fernando Antônio Gonçalves

 

Dias atrás, numa reunião de amigos comprometidos com uma prática política pra lá de bem regada a discussões fraternalmente acaloradas, buscava-se analisar os comportamentos de líderes e agremiações partidários diante de algumas configurações sugeridas para as próximas eleições deste ano.

De saída, foram relegados os disse-me-disses dos xexelentos, os posicionamentos dos asneirentos, os que menosprezam os talentos múltiplos locais e os miolos-de-fossa – muito enxerimento e pouca bimba – que anseiam por aparecer nos canais sociais, ainda que apenas postando um embornal de bosteiras (besteiras fétidas).

Os assuntos foram democraticamente expostos, na razão direta da densidade que os temas exigiam, em nada favorecendo descarrilamentos e desmotivações, sim um mínimo que se podia buscar numa consciência crítico-política. Que sempre está a necessitar de consistentes reoxigenações epistemológicas, criativamente cativadoras, para bem diferenciar amizade e aliança, afinidade ideacional e postura sobrevivencial, caminhada histórica e saudosismo ingênuo, alianças e adesismos autofágicos, respeito midiático e nhe-nhe-nhém tou aqui. Nem tampouco Mamãe Falei!, expressão usada por um deputado idiotizado paulista, travestido de polítibosta (político bosta)!!

Opinião unânime dos nove batepapeiros: é chegada a hora de se apostar na ampliação da cidadania brasileira, sem afobações puxasaquísticas nem os apedrejamentos dos que em tudo vêm desvios, tripúdios e cavilações, tudo virando satanização no vocabulário corrente.

Segundo opinião também geral, uma grande parte dos políticos brasileiros parece apreender os nossos principais problemas, mas não sabe como reagir. E terminam eles por optar pelas partidas-paradas, aquelas iniciativas que permanecem, concluídas as etapas finais, no mesmo ponto de antes de se começar.

Os resultados eleitorais dos últimos pleitos exigem a elevação da qualificação concorrencial de todos, favorecendo parcerias múltiplas e multifacetárias, tudo devidamente administrado por habilidades mentais que rejeitem ingenuidades, preconceitos, sectarismos e incapacidades de enxergar amanhãs mais socialmente responsáveis, beneficiando os excluídos de um mínimo de vida decente.

Os desafios não são intransponíveis, desde que abandonadas os mesmismos e as arapucas de sempre. No quatriênio político que se iniciará em janeiro 2023, equilíbrio emocional será a chave-mestra para se combater o detalhismo-futrica, posto que somente se chegará às soluções atentando-se para o fundamental.

Incrementar papos com não oportunistas, ainda que de opiniões diferenciadas, eis ainda um grande mote revivificador. Admirar os de pensamentos nunca nostálgicos, criadores de sadias atmosferas, abjurar ser dono da verdade e cultivar salutares ultrapassagens para superação de situações conflituosas faz um bem porreta para a saúde democrática do país.

O instante está a exigir novas iniciativas empreendedoras, onde o binômio competência política x criatividade solidária deve estar substancialmente vinculado a um comprometimento com o social edificado a partir de um planejamento governamental convincente de longo prazo. Ações capazes de fomentar um novo surto de desenvolvimento, mais social que apenas econômico, pois a solução dos cruciantes problemas brasileiros não surgirá do acaso, nem advirá de caminhos trilhados por pessimismos viróticos, tampouco triunfalismos liberais ingênuos.

À sociedade brasileira pensante como um todo caberá a intensificação racional do diálogo, da reflexão multiplicadora, das convergências compartilhadas, da compreensão maior dos derredores locais/regionais e da exaltação à paciência diante dos obstáculos aparentemente insolúveis. Num continuado estímulo para o reconhecimento dos erros e dos acertos, reanimando os omissos, superando despreparos, envolvendo todos num salutar processo de participação comunitária integrada.

A nação espera que os politicamente lúcidos exerçam serenamente os seus papéis conscientizadores, fazendo história sem sectarismos nem cavilosidades. Tampouco travestidos de diana de pastoril ou moleque de recado.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos segunda, 26 de dezembro de 2022

JOÃO SILVINO, BEM DE LONGE (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAMUNDO FLORIANO)

 

JOÃO SILVINO, BEM DE LONGE

Fernando Antônio Goçalves

 

 

“Nando, amizade sempre: Desculpe-me se não me despedi de mesmo, desaparecendo sem qualquer até logo. Mas o convite de conhecer, na Índia, a vida e os ensinamentos de Shankara, um ente sereno recheado de sabedoria, em trinta prestações e a dólar menos petrolífero que o de agora, me deixou fissurado. E como do bate-pronto do aceitamento até o check-in no aeroporto Gilberto Freyre foi questão de oito dias, o jeito foi me decolar com o avião, sem qualquer outro idioma no balaio, para Kaládi, no sul da Índia, de belezas e morenidades diferentes das daqui.

A história de Shankara é incrivelmente semelhante ao do nosso menino Jesus, que muito amamos. Nascido por volta de 686 antes d’Ele, Shankara aos dez anos já era um prodígio, travando discussões sobre as escrituras com os antigos, que de toda parte se achegavam para ouvir aquele pedacinho de gente recitar O Fim da Ilusão, poema da sua lavra: Estranhos são os caminhos deste mundo. Vê a loucura do Homem: na infância ocupado com seus brinquedos, na juventude seduzido pelo amor, na maturidade curvado sob as preocupações, e sempre negligente com os ensinamentos de Deus!

Mas o trabalho mais importante de Shangara é um poema intitulado A Jóia Suprema do Discernimento, do qual envio alguns pedacinhos: O discernimento correto revela-nos a verdadeira natureza de uma corda e remove o doloroso medo ocasionado pela nossa crença ilusória de ser ela uma cobra… Se realmente desejas a libertação, continuas bebendo com deleite, como um néctar, as virtudes do contentamento, da compaixão, do perdão, da sinceridade, da serenidade e do autocontrole… Aquele que procura encontrar o seu iluminado Eu alimentando os desejos do corpo está tentando atravessar um rio agarrado a um crocodilo, confundindo-o com uma tábua.

Um dia, já perto da data da volta, me aproximei de um seguidor de Shankara, um velhinho de 96 anos, olhinhos azuis e cabecinha raspada, sorriso nos lábios, muito diferente de umas “coisas” daí, que só vêm troço feio nos procedimentos dos demais companheiros de caminhada. Eis as perguntas feitas e as respostas por mim conseguidas:

O que deve ser evitado? As ações que nos levam a uma maior ignorância da verdade. Onde reside a força? Na paciência.

Quais os males mais difíceis de extirpar? O ciúme e a inveja.

O que é irreal? Aquilo que desaparece quando o conhecimento desperta.

O que é libertação? A destruição da nossa ignorância.

Em que devemos nos empenhar? Em continuar aprendendo enquanto vivemos.

Que coração não conseguirei conquistar, mesmo usando todas as minhas forças? O coração de um tolo ou de um ser humano que tem medo, ou está cheio de mágoa, ou é incapaz de gratidão.

Quais são as qualidades mais raras neste mundo? Ter o dom de dizer palavras doces com compaixão, ser erudito sem orgulho, ser heróico sem bazófias e ao mesmo tempo generoso, e ser rico intimamente sem apego à riquezas materiais.

Estarei chegando na próxima semana, antes do primeiro de abril. E volto com uma dúvida cachorra da moléstia: será que Shankara era primo bem longe do Menino de Nazaré? As lições de ambos são incrivelmente similares. Ambos morreram por volta dos 33 anos e os dois irradiavam muita sabedoria desde bem pequeninos. De qualquer maneira, chegando por aí, comprarei aquele livro que o amigo me recomendou com entusiasmo, não adquirido por puro esquecimento. Mas que se encontra anotado em minha agenda: Cristo – Uma Crise na Vida de Deus, de Jack Miles, Companhia das Letras.

Recomende-me à Sissa e aos seus derredores amados. Um beijo muito carinhoso dê na sua netaria, seu facho de luz, a quem você também sempre se dedicará. Todos seus netos e netas terão seguramente um futuro recheado de muita felicidade cidadã. Até aí, para um bom retiro pascal, no Portal de Gravatá.”

Volte vacinado e de título de eleitor bem afiado, João Silvino, amigo sempre irmão!


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos sábado, 17 de dezembro de 2022

CLEPTOCRACIA BRASILEIRA (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

CLEPTOCRACIA BRASILEIRA

Fernando Antonio Gonçalves

Não muito recentemente, uma excelente revista foi lançada no cenário brasileiro: a RAE Executivo, editada pela Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, São Paulo. De conteúdo refletindo a nossa realidade, o seu primeiro número contemplou análise do professor Marcos Fernandes Gonçalves da Silva, sobre tema que bem poderia ser interessante aos que buscam a construção de um país ético, aplaudido nos quatro cantos do planeta: “a liberalização democrática brasileira não coincidiu com a eliminação da corrupção crônica e que a sociedade ainda não se encontra capaz de controlar a bandalheira, apesar da existência de dispendiosa máquina.”

Para que o leitor tenha uma ideia apropriada da dimensão desse sistema, naquela época, que até hoje pouco controla, alguns dados quantitativos do artigo do articulista: a Secretaria Federal de Controle é composta de 23 secretarias internas, empregando 3.000 pessoas, entre técnicos e auditores; o Siafi é online, operado por profissionais bem remunerados; a Advocacia Geral da União emprega cerca de 200 funcionários públicos; o TCU possui um quadro de 2.000 servidores; o Ministério Público congrega 3.000 servidores, incluindo 300 promotores; e a Polícia Federal, representada pela Receita Federal, tem mais de 200 funcionários, inclusive investigadores altamente qualificados. A tal quantitativo devem ser acrescentados os servidores de funções similares nos estados e municípios. Segundo aquele pesquisador, no Orçamento Federal do ano de 1995, a manutenção do aparelho federal de controle custou aos bolsos dos contrbuintes a “módica” quantia de 330 milhões de dólares. Repetindo por extenso: trezentos e trinta milhões de dólares!

A bandidagem praticada é tão extensa que, breve, algum estudioso sobre o assunto, publicará um Dicionário da Trambicagem, com explicações detalhadas sobre anões do orçamento, dólares falsificados, adulterações de moedas nacionais e estrangeiras, funcionários fantasmas vendendo Açaí, pix forjados, recibos frios, superfaturamentos, obras inacabadas, ministros da Educação eticamente ribeirinhos, fakenews eletrônicos, mala preta, vôos-com-papai e mil e tantas outras presepadas, todas subdivididas em ramificações detalhadas, envolvendo conchavos políticos e policiais, partidários e judiciais, em favor do que hoje se denomina cretinamente “pactos pela governabilidade”. Afora algumas patacoadas financeiras praticadas por pastores evangélicos que maculam os ensinamentos do Homão e da Reforma.

Diz o professor Marcos Fernandes Gonçalves que “tornar a corrupção objeto de análise econômica pode contribuir para a compreensão e o combate ao fenômeno”. E disse mais: “Na Inglaterra e na França a corrupção já foi endêmica e crônica, mas a evolução institucional restringiu e controlou os atos de políticos e funcionários públicos” E mais: “Nessas sociedades, passou-se do clientelismo e do patrimonialismo para a obediência por meio da administração da propriedade pública – considerada a existência de um sistema de delito e punição”.

Fico a imaginar se no Brasil existisse aquela punição asiática, a de levar cem chibatadas no rabo em praça pública, por desrespeito ao bolso do consumidor. Seria um espetáculo verdadeiramente inusitado assistir diariamente, em frente da Catedral de Brasília, por exemplo, ministros da Educação, de colarinho branco e ares de pastores cristãos fervorosos, bundas para o alto, calças arriadas, levando chibatadas de musculosos açoitadores profissionais, todos eles devidamente contratados, mediante concurso público, pela Secretaria Nacional da Punição Exemplar, SENAPE, sediada em Brasília e dotada de um diretor-superintendente e vinte e sete adjuntos, toda a estrutura sendo custeada pelo ICADIP – Imposto Contra Abocanhamentos do Dinheiro Público, mais um imposto destinado à fiscalização do erário público, protegendo-o dos sabidórios de sempre.

A esperança é a de nunca testemunhar funcionários do SENAPE, de bundas ao léu, levando chibatadas por novos concursados devidamente portandores de chibatas mais modernas, de efetividade proclamada aos quatro ventos em campanhas eleitorais.

Imaginemos as vergastadas no rabete do ministreco ribeirinho: ele iria perder os fios restantes da careca, embora não fosse eliminado o ridículo bigodinho metido a III Reich.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos terça, 13 de dezembro de 2022

HOMENS MEDÍOCRES (ARTIGO DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

HOMENS MEDÍOCRES

Fernando Antônio Gonçalves

Aproveitei os dias não presenciais da folia momesca para três atividades nada relacionadas dos folguedos suspensos: aplaudir os carnavais de outrora pela TV, e ler O Homem Medíocre, consagrado trabalho de José Ingenieros, argentino notável falecido na passada década de vinte. E me preparar para ler os dois volumes de uma das obras mais importantes do século XX: O HOMEM SEM QUALIDADE, Robert Musil, 5ª. edição, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2021, 688 p. (v1), 568 p. (v2).

O livro é um ensaio dirigido aos jovens, propondo tarefa nobre: estigmatizar a rotina, a hipocrisia e o servilismo, três grandes virus que desenobrecem a vida de qualquer um. E a orelha do livro já traz sadia advertência: “É rigorosamente verdadeiro que os sujeitos mais depreciáveis são justamente os pregadores da moral, raramente ajustando o próprio comportamento à prodigalidade de suas palavras.”

Muito diferentemente, Ingenieros sabia bem renunciar a costumes e engajamentos considerados por ele perniciosos e que escrevia sem ruborizar-se, diferentemente dos sepulcros caiados denunciados pelo Homem de Nazaré, que denunciava os observadores dos arqueiros mínimos nos olhos dos vizinhos, pouco se lixando para as traves enfiadas nos seus próprios globos oculares.

No ensaio tornado público pela Juruá Editora, Ingenieros divide os seres humanos em três categorias: inferior, medíocre e superior. O inferior possui uma personalidade não desenvolvida, vivendo abaixo da moral e da cultura dominantes. O superior é original e imaginativo, pensa melhor do que o meio em que vive e pode sobrepor ideais próprios às rotinas dos demais.

Já o ser humano medíocre é sempre imitativo por excelência, adaptado para viver em rebanho, a refletir rotinas, preconceitos e dogmatismos para sua domesticidade. Incapaz de concretizar um ideal, pensa pelas cabeças dos demais, encontrando-se fora dele o talento, a dignidade e a virtude. Os medíocres são “cegos para as auroras, ignorando a quimera dos artistas, o sonho dos sábios e as paixões dos apóstolos”.

O cartão de visita dos medíocres é a sua vulgaridade. Admiradores de um utilitarismo egoísta, imediatista, miúdo e mesquinho, ignoram que as grandezas do espírito exigem a cumplicidade do coração, posto que “o homem sem ideais faz da arte um ofício; da ciência, um comércio; da filosofia, um instrumento; da virtude, uma empresa; da caridade, uma festa; do prazer, um sensualismo”. E a consequência não poderia ser outra: “a vulgaridade transforma o amor à vida em pusilanimidade, a prudência em covardia, o orgulho em vaidade, o respeito em servilismo”.

Não recomendaria a leitura do ensaio de José Ingenieros aos mediocres. Eles certamente não o entenderiam, posto que dotados de portentosa indigência intelectual, carecendo de bom gosto, toda leitura neles produzindo os efeitos de um lento envenenamento.

O homem medíocre nada assume. Originalidade causa-lhe calafrios. Como não aprecia decidir, remete as alternativas para uma assembléia chamada de coletivo, onde os seus esclarecimentos para o andamento dos trabalhos tornam-se dispensáveis, posto que sensaborões e nada elucidativos.

O medíocre carrega uma característica: a inveja. Analisa José Ingenieros: “se possui a intenção de praticar o bem, equivoca-se até chegar ao assassinato: poder-se-ia dizer que se trata de um cirurgião míope, predestinado a ferir os órgãos vitais e conservar a víscera cancerosa”.

Um poeta, Joaquim Maria Batrina, é lembrado no livro O Homem Medíocre, quando analisa a incapacidade do dirigente peba em diferenciar inveja e emulação. Eis os versos: “A inveja e a emulação / parentes dizem que são; / embora em tudo diferentes, / finalmente também são parentes, / o diamante e o carvão.”

Dante, na Divina Comédia, considerou os invejosos indignos até do inferno. No entanto, ele em muito ampliaria as dependências da capetania (terras do Capeta) para os medíocres, aqueles que não vislumbram oportunidades sadias, despreparados sempre para funções socialmente responsáveis.

A terceira atividade prevista, ainda não me debrucei sobre ela. Apenas li o prefácio feito pelo Marcelo Backes, escritor, tradutor e professor PhD em Germanística e Romanística pela Universidade de Freiburgo, Alemanha. Que considera o livro a maior obra filosófica do século XX, explicitada num romance que reflete magnificamente a alma arruinada de um século.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos terça, 06 de dezembro de 2022

BILHETE DO JOÃO SILVINO (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

BILHETE DO JOÃO SILVINO

Fernando Antônio Gonçalve

 

Amigo Nando: Encarecendo desculpas de montão por não lhe ter enviado umas linhas nos últimos tempos, acredito que a razão a seguir exposta me absolverá de bate-pronto: estou garimpando muito, para compreender os porquês de muitas coisas acontecidas neste Brasil de meu Deus, que necessita tornar-se ainda mais respeitado lá fora, pelas inequívocas posições cidadanizadoras da sua gente, apesar de todos os pesares e conchamblanças de quem andou bandidamente xeretando os telefones dos outros, negativando estudos vacinais e até buscando se intrometer nas estratégias direcionais da Petrobras, levando por isso um baita pontapé na bunda do general Sila e Luna, numa histórica entrevista concedida à revista Veja edição 2783, de 6 de abril passado. A merecer aplausos dos éticos, independentes de cores partidárias.

Confesso-lhe que não entendi muito bem as preocupações de alguns empresários grandões com o ritmo de queda do dólar americano, parecendo até que um salário mínimo equivalente a uns poucos dólares a mais faz um mal danado para os lascados daqui. Como não sou economista, fico de olho grande nas explicações dadas pelos sabidos da vez, do Paulo Guedes inclusive, torcendo para que eles não desdigam o que disseram tempos atrás, quando eram apenas bodoques, ainda não vidraças.

Visitando alguns amigos, em São Paulo, depois das retiradas das máscaras, deparei-me, num sebo, com uma publicação pra lá de ótima de título Patriotas e Traidores. Imaginei maldosamente que se tratava de algum manifesto da inteligente senadora Simone Tebet ou de algum deputado pensante da oposição, que de bobo nada teria. O livro, no entanto, era de Mark Twain e tem como subtítulo Antiimperialismo, Política e Crítica Social. Inicialmente, Twain era um defensor ardoroso das anexações territoriais empreendidas pelos Estados Unidos, tornando-se depois um crítico fervoroso das rapinagens norte-americanas. Um texto bem editado pela Editora Fundação Perseu Abramo e que contém uma introdução – Mark Twain: uma redescoberta oportuna – de Maria Sílvia Betti, professora de literatura norte-americana da USP. Um texto para ser lido por todos os progressistas, inclusive aqueles que estão se postando de mentirinha para engabelarem os trouxas nos pleitos que virão por aí.

Não permanecendo totalmente sério neste bilhete, narro-lhe um fato acontecido recentemente lá pelas bandas do sertão nordestino que quase me fez fazer xixi nas calças, contado o “causo” por gente muito arretadamente testemunha. Em uma audiência judiciária, cuja razão era sedução de uma menor, o juiz depara-se, na sala de espera, com a vítima acompanhada do vice-prefeito, padrinho de mesmo da seduzida. Indagando se o vice também tinha sido arrolado, o meretíssimo ouviu dos lábios da autoridade municipal: – De jeito maneira, excelência!! Só quem foi arrolada foi a menina aqui, minha afilhada!!

Envio-lhe também um livrinho muito elucidativo, que já estava na terceira edição em 2001. Seu nome é Desafio Ético e foi escrito por cinco mãos de muito respeito: Luís Fernando Veríssimo, Frei Betto, Luiz Eduardo Soares, Jurandir Freire e Cristovam Buarque. Vale a pena ler e reler os textos, principalmente o de Betto e o de Buarque. O primeiro denunciando o descaso com o SUS, posto que, anualmente, oito bilhões de dólares correm para os planos privados de saúde. E que muitos políticos que deveriam ser homens públicos estão prioritariamente ligados às empresas privadas. O segundo afirmando que estamos entrando em um tempo de artistas e pensadores, depois de décadas de predomínio dos economistas. Buarque diz que se torna necessário romper alguns círculos: o ideológico, o acadêmico, o da linguagem, o social e o nacional, reduzindo-se o provincianismo e o economicismo. E é categórico: “Dois setores mostravam especialmente esta contradição: os economistas e a universidade. Por isso, pode-se dizer que os economistas e os acadêmicos brasileiros são filhos da ditadura, mesmo fazendo-lhe oposição”. Tal e qual o pensamento de muitos brasileiros que também sabem bem melhor pensar nos tempos eleitorais de agora.

Qualquer dia futuro lhe encarecerei uns bons tempos de conversa, pra gente compreender melhor porque estão querendo botar no fiofó dos aposentados, quando os bancos lucram astronomicamente bilhões de reais, deixando os pobres com os “colhões à mostra”, como dizia sempre um tio safadoso que eu tinha.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos terça, 29 de novembro de 2022

DOMINGO DE MEDITAÇÕES E ESPERANÇAS (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

DOMINGO DE MEDITAÇÕES E ESPERANÇAS

Fernando Antônio Gonçalves

Publicado em 

 

Neste domingo de Ressurreição 2022, desejando uma Feliz Páscoa para todos os meus irmãos brasileiros, deparo-me com uma questão que ainda inquietando milhões de cristãos nos quatro cantos do mundo: é realmente importante, para uma religião cristã, a tradição segundo a qual Jesus teria ressurgido da morte?

Respondo sem titubear que sim, principalmente quando li, ainda universitário, a Primeira Carta de Paulo aos Coríntios, quando ele escreveu: ”Se Cristo não ressuscitou é inútil a vossa fé.”

Neste Domingo da Ressurreição, sempre espiritista estudioso e carente, permaneço solidário com a “vida e morte severina” de milhões de irmãos terrestres, vítimas de guerras, pandemias assassinas, fome e desinstruções. E revejo mentalmente a lavada de mãos de Pilatos, uma cena bíblica descrita pelo evangelista Mateus. E nela identifico as pusilanimidades de inúmeros dirigentes públicos, todos eles travestidos de Pilatos, acovardados, acuados, subservientes, jamais críticos por receio das retaliações das personalidades fantasiadas de messias, atualmente mais preocupadas com as táticas e os conluios reeleitoreiros.

Fico a imaginar o interior de Pilatos, naquele momento decisivo, tal e qual os que se estão omitindo diante das mortes proporcionadas pelo Covid-19, pelo desemprego, pela fome e pelas doenças primárias que há muito já deveriam estar fora das preocupações sanitárias. E repugnam-me todos aqueles que, não assumindo a responsabilidade dos seus atos, despojam-se acanalhadamente do direito de exprimir sua criticidade, mais preocupados com seus futuros políticos, pouco se lixando se transfigurados de vacas de presépio, classificados, para todo o sempre, de exemplos maiores de posicionamentos cagônicos.

No mundo contemporâneo ainda pululam inúmeros abjetos Pilatos, irresponsavelmente descomprometidos diante dos problemas que clamam por soluções imediatas e duradouras. Para citar apenas três estatísticas internacionais terrificantes, divulgadas por uma revista de circulação semanal: a) 1 em cada 5 adultos, na Europa e nos Estados Unidos, é atualmente classificado como analfabeto funcional; b) 1/4 do exército suíço não sabe calcular uma percentagem; c) 44% da população canadense nunca escreveram uma carta e 77% dela nunca puseram os pés numa biblioteca pública. Para não mencionar, no Brasil, a tuberculose, o dengue, a lepra e a malária que ainda pontificam em alguns cenários brasileiros. E as secas, enchentes, os desmoramentos e as inúmeras áreas não saneadas, inclusive metropolitanas, irmãos siameses, imbricações perfeitas, fenômenos sanáveis se vontade política séria fosse transformada em ações executadas efetivamente redentoras.

Inúmeros, atualmente, são os seguidores de Pilatos. Quedam-se desvirginados civicamente, lambuzam-se em imediatismos ridículos e grotescos, muitos se comportando incoerentemente com seus passados de altivez e dignidade. Chafurdam nas antessalas das autoridades, gozando freneticamente das desgraças alheias, as lágrimas e os desesperos sendo argumentações desimportantes, mesmo quando o assunto é a melhoria das condições de vida de populações na miséria.

Diante de tanta opressão e de tantas amarguras, inúmeras são as tentações de também pedir uma bacia para lavar as mãos, tornando-se mais um desses embrutecidos, moralmente desfigurados, que escrotamente tentam nos representar em diversos ambientes políticos do país.

Iludem-se, entretanto, os que se utilizam das técnicas de enganação. Embora seja possível enganar todos por pouco tempo, jamais se engabelará todos por todo tempo.

Sobreviver à tempestade é dever dos fortes de espírito. Renascer a cada instante é ter disposição para sempre travar o bom combate, quaisquer que sejam as circunstâncias adversas. Realimentar a pira da esperança é acelerar a derrocada dos reis, barões e príncipes consortes da maldade e dos cinismos antissociais, radicalmente desumanos.

Que entendam as lideranças legítimas nacionais: o desenvolvimento mental jamais poderá prescindir de uma habitação condigna, de educação integral, de uma nutrição adequada, de uma assistência médico-hospitalar mais que satisfatória. A insuficiência disso tudo redunda em prejuízos irreversíveis sobre o desenvolvimento de todos, mormente o infantil. E a insuficiência quantitativa de cérebros capacitados poderá acarretar uma definitiva condenação nossa à perene classificação de nação mentalmente subdesenvolvida. Sem eira nem beira, descendo em plena ladeira, calças nas mãos, cus ao léu.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos terça, 22 de novembro de 2022

GOL DE PLACA DA CEPE (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

GOL DE PLACA DA CEPE

Fernando Antônio Gonçalves

De parabéns o Ricardo Leitão, Diretor Presidente da Companhia Editora de Pernambuco, pela 2ª. edição de um livro que ampliou as saudades de muitos contemporâneos: ALÉM DAS IDEIAS: HISTÓRIAS DE VIDA DE DOM HÉLDER CÂMARA, Félix Filho, Recie PE, CEPE, 2022, 115 p. Uma oportunidade para muitos reverem atitudes e reflexões de um bispo pra lá de arretado, sem firulas nem lero-leros, sempre solidário com os menos favorecidos, um dos influentes articuladores do Concílio Vaticano II, um arcebispo diferentes de tudo quanto até existia por estas bandas latinoamericanas.

O autor conheceu bem de perto o saudoso Dom, posto que ordenado padre por ele em 1984, tendo sido presidente da Rumos – Movimento das Famílias dos Padres Casados do Brasil.

O autor da Apresentação, Sebastião Armando Gameleira Soares, bispo anglicano, retrata o Dom com uma frase definitiva: “Pequeno de estatura e franzino, e ao mesmo tempo gigante capaz de suscitar ódio implacável de poderosos e de governos reacionários, ditatoriais e às vezes apenas ‘bem pensantes’”. E dá um testemunho que muita gente se faz de esquecida até o momento presente: “Após a aposentadoria, guardou sempre silêncio sobre a Arquidiocese . Mas quando o arcebispo que o substituiu chamou a polícia para expulsar camponeses que o procuravam para audiência em palácio e desmontou a Comissão de Justiça e Paz, menina dos olhos do Dom, e destituiu da Paróquia do Morro da Conceição o padre Reginaldo Veloso, e o suspendeu de ordens, não hesitou em declarar aos jornalistas a expectativa de que vencesse o diálogo e, especificamente, sobre o padre Reginaldo, declarou: ‘O que posso dizer é que é um padre que ama Jesus Cristo, ama a Igreja e ama os pobres.’”

Mas o livro do Félix Filho revela histórias que refletem por excelência da inteligência psíquica e pastoral do Dom Hélder, com quem tive a honra de trabalhar com seu grupo mais próximo por mais de duas décadas, tendo sido inclusive presidente da Comissão Justiça e Paz, a que foi defenestrada pelo seu sucessor. Eis três histórias do livro, a servir de amostra para a leitura integral do notável trabalho do jornalista autor do livro:

1. Certa feita, uma senhora, ao passar defronte de uma sapataria feminina, no Espinheiro, observou o Dom conversando animadamente com as atendentes. Curiosa, resolveu perguntar ao Dom se ele estava comprando sapatos. Resposta elucidativa por derradeiro: – Não, minha filha. Estou só aproveitando o ar-condicionado. Lá em casa está um calor terrível!

2. Num escritório luxuoso, onde esperava uma reunião para tratar de assuntos da Arquidiocese, o Dom foi convidado a sentar-se em poltronas bastante confortáveis. Agradecendo a gentileza, o Dom argumentou: – Para discutir assuntos sérios, devemos sentar em cadeiras duras!

3. Certa feita, no Convento dos Franciscanos de Olinda, um grupo de senhoras organizou uma festa para comemorar o aniversário do Dom. Quitutes de primeira. Logo no início, o Dom chamou uma das organizadoras e pediu que convidasse as crianças que estavam na rua para a festa. E explicou: – A festa não estaria completa sem essas crianças para me ajudarem a apagar as velas e comer o bolo.

Para terminar, uma história acontecida comigo. Quando estava doente terminal, o escritor Renato Campos era acompanhado por inúmeros admiradores, que se revezavam dia e noite, auxiliando-o com papos e muito sorvete, pois, segundo ele, a infecção dos pulmões se aliviava com a massa gelada do sorvete. Certa vígilia, quase meia-noite, Plininho Araújo e eu estávamos de plantão, quando o Renato manifestou desejo de conversar com Dom Hélder. Com a devida permisão de Pompéia, sua dedicada esposa, fui com o meu fusquinha até à rua das Fronteiras, sendo atendido pelo Dom, que imediatamente retornou comigo até à residência do Renato, na rua das Pernambucanas, ficando com ele a sós por mais de duas horas. Ao sair do quarto, declarou serenamente: – Ele está espiritualmente em paz. Poucos dias depois, o Renato partia para a eternidade.

O livro do Félix Filho amplia saudades, e oportunamente relembre uma das suas famosas observações: “Quando dou pão para os pobres, me chamam de santo. Mas quando pergunto por que os pobres têm fome, me chamam de comunista”.

De parabéns a CEPE pela reedição do livro do Félix Filho, relembrando a caminhada de quem foi um arcebispo muito arretado de ótimo de Olinda e Recife.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos terça, 15 de novembro de 2022

RACIONALIDADE CIENTÍFICA E NEGATIVISMO PERVERSO (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Carta recebida do João Silvino.

Amigo querido: Encarecendo desculpas de monte por não lhe ter enviado umas linhas nos últimos tempos, acredito que a razão a seguir exposta me absolverá de bate-pronto. Estou garimpando muito, para compreender os porquês de muitas coisas acontecidas neste Brasil de meu Deus, que necessita tornar-se ainda mais respeitado lá fora, pelas inequívocas posturas cidadanizadoras da sua gente, apesar de todos os pesares e conchamblanças de quem andou bandidamente xeretando os telefones dos outros, cuspindo até no prato da dona da linha que comeu.

Confesso-lhe que não entendi muito bem as preocupações de grandões com o ritmo de queda do dólar americano, parecendo até que um salário-mínimo equivalente a cem dólares faz um mal danado para os lascados daqui. Como não sou economista, fico de botica nas explicações dadas pelos sabidos da vez, torcendo para que eles não desdigam o que disseram tempos atrás, quando eram apenas bodoques, ainda não vidraças.

Visitando alguns amigos, em São Paulo, num sebo deparei-me com uma publicação primorosa intitulada Patriotas e Traidores. Imaginei maldosamente que se tratava de algum manifesto da inteligente candidato a alguma coisa, sem tornozoleiras eletrônicas, nas próximas eleições do corrente 2022. O livro, no entanto, era de Mark Twain e tem como subtítulo Antiimperialismo, Política e Crítica Social.

Inicialmente, Twain era um defensor ardoroso das anexações territoriais empreendidas pelos Estados Unidos, posteriormente tornando-se um crítico fervoroso das rapinagens norte-americanas. Um texto bem editado pela Editora Fundação Perseu Abramo e que contém uma introdução – Mark Twain: uma redescoberta oportuna – de Maria Sílvia Betti, professora de literatura norte-americana da USP. Um texto para ser lido por todos os progressistas, inclusive aqueles que estão se postando de mentirinha para engabelar os trouxas nos pleitos que virão por aí.

Não permanecendo totalmente sério, narro-lhe um fato acontecido recentemente lá pelas bandas do sertão nordestino que quase me fez fazer xixi nas calças, contado o “causo” por gente muito verdadeira. Em uma audiência judiciária, cuja razão era sedução de uma menor, o juiz depara-se com a vítima acompanhada do vice-prefeito, seu padrinho de mesmo. Indagando se o vice também tinha sido arrolado, o meretíssimo ouviu dos lábios da face rubicunda da autoridade municipal: “De jeito maneira, excelência!! Só quem foi arrolada foi a mocinha aqui, minha afilhada!!”

Envio-lhe também um livrinho muito elucidativo, que já ia na terceira edição em 2001. Seu nome é Desafio Ético e foi escrito a cinco mãos de muito respeito: Luís Fernando Veríssimo, Frei Betto, Luiz Eduardo Soares, Jurandir Freire e Cristovam Buarque. Vale a pena ler e reler os textos, principalmente o de Betto e o de Buarque. O primeiro denunciando o descaso com o SUS, posto que, anualmente, oito bilhões de dólares correm para os planos privados de saúde. E que muitos políticos, que deveriam ser homens públicos, estão ostensivamente ligados às empresas privadas. O segundo afirmando que estamos entrando em um tempo de artistas e pensadores, depois de décadas de predomínio dos economistas. Buarque diz que se torna necessário romper alguns círculos: o ideológico, o acadêmico, o da linguagem, o social e o nacional, reduzindo-se o provincianismo e o economicismo. E é categórico: “Dois setores mostravam especialmente esta contradição: os economistas e a universidade. … Por isso, pode-se dizer que os economistas e os acadêmicos brasileiros são filhos da ditadura, mesmo fazendo-lhe oposição”. Tal e qual o pensamento de alguns milhões de pátrios.

Qualquer dia desses encarecer-lhe-ei uns tempos de conversa, pra gente compreender direito porque estão querendo botar no fiofó dos aposentados, quando os bancos lucram astronomicamente. E como restaurar a dignidade do Congresso Nacional nas próximaseleições, botando na lata do lixo o que não presta e os sectários de todos os naipes.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos terça, 08 de novembro de 2022

PAIS E MÃES, VISÃO DE BAILARINO (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

PAIS E MÃES, VISÃO DE BAILARINO

Fernando Antônio Gonçalves

 

 

Gostaria muitíssimo de ver pais, mães e responsáveis atentando para uma urgente necessidade: a de serem portadores de uma visão de bailarino na educação dos seus filhos, sobrinhos, enteados e netos, mormente nos tempos pós pandemia, que muito reestruturarão ideários mais favoráveis para a emersão de um Iluminismo Redentor.

Um bom bailarino possui três características intercomplementares: ele conhece os seus movimentos, percebe o movimento dos que estão ao seu derredor e está afinado com o mundial andar da carruagem, como alguns gostam de dizer.

Sempre com um olhar concentrado num ponto adiante, pais, mães e responsáveis não devem desprender suas atenções daqueles que com seus filhos estão convivendo ou compartilhando atos e fatos, sejam eles da mesma igreja, do mesmo clube ou da mesma condição social. Possuidores de bicicletas ou de sobrenomes cheios de yy e ww, cabelos tratados, brincos e tatuagens e outras catrevages.

Costuma-se dividir pais, mães e demais responsáveis em cinco grandes categorias: o inocente, aquele que desconhece seu papel, imaginando que mesada e colégio resolvem tudo; o acomodado, que espera passivamente que tudo se resolva, o que tiver que acontecer, acontecerá; a vítima, que se queixa que a polícia deveria estar em todos os lugares, sempre se lamentando da rebeldia e independência dos jovens, como se eles apenas contribuíssem para os bons feitos dos rebentos; o chato, portador de uma idiotia nunca erradicada pelos seus extratos bancários e possantes ativos, que vive tratando os filhos de forma errada, como se eles fossem a excrescência do mundo, os piores da espécie ou os maiores gênios que a humanidade já revelou, capazes de dirigir carro aos 12 anos, beber pinga sem fazer careta e comer as menininhas dos derredores; e o consciente, que se encontra permanentemente comprometido com os direitos dele, dos seus e dos outros, sabendo cobrar bem, com responsabilidade, possuindo visão de bailarino, supervisionando sem bisbilhotices nem fobias, tampouco empetelhamentos cavilosos.

É sempre bom lembrar que toda ordem social é criada por todos nós. O agir ou não-agir de cada um contribui para a formação e consolidação da ordem em que vivemos. Em outras palavras, o caos que estamos atravessando no mundo atual não surgiu espontaneamente do vácuo.

Na China, 400 a.C., um sábio chamado Sun Tzu, tencionando transmitir sua experiência aos pósteros, escreveu um livro chamado A Arte da Guerra, atualmente novamente discutido e analisado por estrategistas do desenvolvimento social. A essência dos conselhos de Sun Tzu, adaptada para pais e mães, pode ser explicitada em curtos princípios: aprenda a lutar (a perda do controle emocional é grande desvantagem e arma poderosa na mão dos afoitos); mostre o caminho (sem fantasias megalomaníacas); aja corretamente (cuidado com as vantagens ilusórias): conheça os fatos (perceba que informações consistentes são a base da credibilidade); esteja preparado para o pior (nunca suponha que jamais haverá problemas); não complique (facilite as coisas sempre que puder, posto que métodos fáceis são eficazes e baratos); não recue (trate bem os dependentes, capacitando-os efetivamente, sem fingimento de espécie alguma, dizendo não e também sim); atue sempre melhor (melhorias representam significativas diferenças positivas); atue em equipe (onde as pessoas se sintam mais confortáveis, com as emoções mais sadias e as mentes mais capacitadas).

No mais, é continuar a acreditar no Deus que é capaz de fazer os mortos viverem e chamar à existência as coisas que não são (Rm 4,17).


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos terça, 01 de novembro de 2022

ENCARANDO A SOLIDÃO (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

ENCARANDO A SOLIDÃO

Fernando Antônio Gonçalves

Encontro-me, ainda de máscara, com o Fredinho Lucas, hoje engenheiro tarimbado, colega do ginasial do Marista, da Av. Conde Boa Vista do Recife, eu já no científico, ele atleta de volibol, campeão dos Jogos Estudantis Pernambucanos, de épocas áureas. Recentemente divorciado, morando com uma irmã, confessou-me ser a solidão um dos seus principais problemas atuais, ele às vésperas de uma aposentadoria medianamente confortável, filhos criados, pais desencarnados, avô de dois netos, ele atualmente envolvido numa baita desacreditação de tudo, fruto de um nível de felicidade advindo de uma baixa densidade conjugal, consequência primeira de muito trabalho tecnológico e quase nulas horas de leituras humanísticas.

De pronto, recomendei ao Fredinho a leitura de um livro recentemente editado, voltado para seres humanos carentes. Balizamentos existenciais para enfrentar uma atual pandemia planetária, onde a prática criminosa parece estar fortalecida por impunidades mil, sempre a coibir a ação de uma Justiça efetivamente forte: O Dilema do Porco Espinho: como encarar a solidão, Leandro Karnal, São Paulo, Planeta, 2018, 192 p. Páginas recomendáveis, que reforçaram fundamentos existenciais, ampliando minha condição de ser humano pensante, sempe assimilando novas lições da Doutrina Espírita, após leituras orientadoras dos mais capacitados na vivência teórica e prática dos ensinamentos do Codificador Allan Kardec e outros notáveis.

Na Introdução do livro, Karnal o inicia com uma definição do filósofo Arthur Schopenhauer: “somos uma espécie de porco-espinho. O frio da solidão nos castiga. Para buscar o calor do corpo alheio, ficamos próximos dos outros, provocando espinhos que nos perfuram e causam dor (e os nossos a eles). O incômodo nos afasta. Ficamos isolados novamente. O frio aumenta, e tentamos voltar ao convívio com o mesmo resultado.”

O problema da solidão é tão grave, que o governo inglês instituiu o Ministério da Solidão, homenageando uma deputada inglesa violentamente assassinada. O nome da Comissão em inglês é Jo Cox Commission on Loneliness (Comissão sobre solidão Jo Cox), e surgiu diante dos alarmantes milhões de britânicos que reclamam de frequente ou total solidão. Um estado de solidão que vitima principalmente as pessoas idosas, súditos com problemas de mobilidade os maiores atingidos pela Covid-19 assassina. Favorecendo uma questão de natureza planetária: o que estaria acontecendo no mundo para que o combate à solidão virasse uma política de Estado?

Karnal ressalta, no seu livro, que solidão é completamente distinta do simples fato de se estar sem alguém por perto, do mesmo modo que estar acompanhado não significa eliminar as manifestações solitárias. Segundo ele, num trágico verão recente, mais de 11 mil pessoas morreram na França, a maioria delas tendo idade superior a 75 anos, o isolamento tendo sido a causa principal de tão impressionante obituário. A solidão sendo o vestíbulo da perda da razão, ou “um amplo salão vazio, na qual a insanidade baila.”

Aristóteles, segundo ainda Karnal, garantia que a solidão criava deuses e bestas, querendo dizer que muitos males da criação humana advém do isolamento interno ou externo, a nossa selvageria sendo originária de perversos momentos isolacionistas.

Em nosso primeiro papo, concordamos que, em reuniões técnicas ou sociais, a palavra crise é ouvida um monte de vezes. Crise de identidade do ser humano contemporâneo, crise de familiaridade com o mundo pós-moderno e crise de segurança diante dos contextos tornados patológicos pela Internet, por ela também mundializados. Parecendo crer que tudo vacila: o equilíbrio do todo, antes aparentemente estável, torna-se continuadamente instável; os meios de comunicação favorecendo a elevação geométrica das reivindicações sociais; e o mundo virtual se ampliando enquanto há redução da mão-de-obra assalariada planetária, onde uma globalização excessivamente copiativa favorece uma descriatividade gigante que resvala para a solidão, quando não devidamente combatida por uma originalidade sem nostalgias.

No papo, ficamos convencidos de que alguns parâmetros germinais muito favoreceriam contínuas reestruturações pessoais, evitando um viver morrendo destemperado e altamente virótico. E alguns deles foram depois pelo e-mail elencados, considerados de alta significância:

– O bem-querer terá prevalência sobre todas as lógicas destrutivas.

– Os méritos devem ser sempre coletivos e jamais fingidos, nunca individualizados.

– As amizades conquistadas são o maior patrimônio de todo ser humano em sua contínua mutação evolutiva.

– Esmagar potencialidades é crime de lesa-convivialidade.

– Jamais abandonar um aprender-desaprender-reaprender que ressalta as diferenças entre permanência e mutação.

– Tornar-se águia sem mentalidade de galinha, por mais emplumada que esta seja.

– Entender que mente saudável, além de saber fazer, faz também acontecer.

– Saudades bem sentidas, nostalgias contidas.

– Umbrais ultrapassados, sonhos recuperados.

– Jamais atirar pérolas aos porcos.

– Sempre distinguir postura orgulhosa e arrogante de dignidade cautelosa.

– Nasce-se com inteligência, jamais com o manual de instrução da sua utilização.

E novos bate-papos foram por nós estabelecidos, sempre regados a guaranás e biscoitos, o livro do Karnal gradativamente bem relido e meditado. Para bem compreender os bons momentos dos instantes de solidão.

PS1. Agradeço ao Pai do Céu a permanência ao meu lado da companheira Sissa, sempre me livrando das tentações mentais do atual mundo pandêmico, dedicação nota 10.

PS2. Leandro Karnal, nota 10: “O espaço de ouro do ressentido é o mundo agressivo das redes, quando a covardia pode vir do anonimato.” (FSP, 8-5-2022, p. C8)


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos terça, 25 de outubro de 2022

NO SACO DOS ABESTADOS (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

NO SACO DOS ABESTADOS

Fernando Antônio Gonçalves

 

Tudo começou em 14 de junho de 2001, quando o badboy W. Bush, em conversa com o primeiro-ministro da Suécia, Goran Perrson, sem ter bebido coisa alguma, declarou, sem perceber a câmera de TV que gravava: “É incrível que eu tenha vencido. Concorria contra a paz, prosperidade e boa administração”.

Bonachão, de andar bamboleante em função dos joelhos voltados para dentro, o Michel Moore é um declarado praticante da desobediência civil, voltado para o combate sistemático ao desemprego e ao armamentismo. Ultimamente, desde a fala assustadoramente franca do W. Bush, ele vem desenvolvendo múltiplos esforços, sem qualquer intenção socializante, no sentido de destronar uma gangue que se apossou dos Estados Unidos, por omissão de milhões de eleitores que, alienada ou idioticamente, não exerceu conscientemente seu direito de votar ou votou apenas porque pouco importava a presença de qualquer um na Casa Branca, como se Democracia devesse ser exercida como se faz na casa de Mãe Joana.

Jornais brasileiros não pouparam elogios ao livro: “Seu discurso é um ato de coragem e dignidade” … “Uma crítica dermolidora” … “Sátira cândida, com fatos de estarrecer”. Mas o que mais surpreende nas análises feitas é a credibilidade depositada nas denúncias formuladas pelo Moore, todas elas dando nomes aos bois, sem tirar nem pôr. Por exemplo: “Este Virus Branco Boçal é tão potente que infectou até mesmo impostores como Colin Powell, o secretário do Interior Gale Norton e a conselheira de Segurança Nacional Condoleeza Rice”.

O livro ainda traz, para quem resguarda independência analítica, lições que devem ser apreendidas pelos responsáveis dos destinos brasileiros. O Moore cita por exemplo a Seção 1 da 14a. Emenda: “Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas à jurisdição dele, são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado no qual residem. Nenhum Estado pode fazer ou executar qualquer lei que reduza os privilégios ou imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos, etc.” Com base nela, também denuncia: “Cerca de 20% dos negros jovens, com idade entre 16 e 24 anos, não estão nem estudando nem trabalhando” … “Nenhum afro-americano é proprietário de uma empresa de armas” … “Homens negros com idade entre 15 e 24 anos têm seis vezes mais probabilidades de morrer por tiro que homens brancos de mesma faixa etária”. “Em quase 10% das escolas públicas dos Estados Unidos, o número de inscrições é 25% maior que a capacidade das instalações”.

Uma outra lição ainda pode ser extraída dos posicionamentos do Michel Moore: o seu destemor é em prol de uma revitalização ética da nação americana, hoje entregue em mãos dirigentes nada rooseveltianos, de frágeis binoculizações estratégicas

Considero o Brasil um país muito arretado, apesar de todos os seus problemas. Desejaria ver, sinceramente, a sua gente bem mais atilada, a sua classe média bem mais atenta aos destinos nacionais e a sua elite mais distanciada dos modismos e babaquices dos cinismos comunicacionais televisivos da nação americana, sempre atenta às provocações multiculturais que buscam inserir o Brasil em contextos de altos níveis de servilismo. Um servilismo altamente virótico, que contamina até os que nada possuem, salvo muito arroto e deslumbramento. Um oportuno levantamento não seria aquele que pudesse dimensionar a nossa população de idiotas brancos boçais? Sempre de carinhas de anjo, tal e qual aquela novela para abobados mentais.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos terça, 18 de outubro de 2022

AMIZADES DO JOÃO CONTO DE FERNANDO ANTÔNIO GOÇALVE, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

AMIZADES DO JOÃO

Fernando Antônio Gonçalves

 

 

O Silvino, percebendo que o interesse era mais comercial que investigatório, não se fez de rogado e se pronunciou alto e bom som: – Menininha, a amizade é a coisa mais importante que a gente pode ter, depois da Fé no Homem, aquele pregador muito arretado de ótimo, que de Nazaré se fez Senhor, a partir da flagelação e morte no madeiro.

Recebendo entusiásticos aplausos dos da comunidade ali presente, o João resolveu eleger um dos amigos como protótipo de fina flor, explicitando seu pensar, ao invés de enumerar sua trajetória histórica. E mandou ver:

– Gente amiga, dentre os meus amigos de fora do Recife, escolher um daqui daria um fuzuê dos infernos. Gostaria de colocar no pódio o notável Edgar Morin, um centenário arretado de ótimo, pensante francês na ativa, um gota serena, que outro dia foi homenageado, no Brasil, com o livro EDGAR MORIN, HOMEM DE MUITOS SÉCULOS: UM OLHAR LATINO-AMERICANO, Elimar Pinheiro do Nascimento, Maurício Amazonas e AlfredoPena-Veja (orgs), São Paulo, Edições SESC, 2021, 360 p. E o que parecia ser um sarapatel daqueles, os mini-ensaios provocaram uma baita binoculidade existencial, de fazer gosto aos mais desassistidos intelectualmente que nem eu, que sou muito peba, se comparado com o notável Zé Paulinho Cavalcanti Filho, por exemplo, aquele talento pernambucano ouro de lei, que se faz sempre presente nos meios mais cultos da capital pernambucana, atualmente debaixo de muita chuva, assustando os irmãos dos córregos, morros e alagados.

Os textos sobre Morin revelam o seu pensar sempre lúcido, a favorecer um novo humanismo para um mundo pós pandemia, onde todos possam ter vida e vida em abundância, desapetrechando-se em definitivo dos paradigmas superados dos ontens que não mais retornarão, salvo sob viéses mais condizentes com as exigências de um contexto planetário mais fraterno e distributivista. E disse mais o Morin: “Um dos principais fatores de estresse hoje é o paradoxo entre o ritmo alucinado das comunicações, que nos trazem fatos e mensagens em tempo real, e as limitações de nossa mente e de nosso corpo.”

Entendamos, como Edgar Morin, que a ciência é filha da verdade e não da autoridade. E que pelo fato de não entender isso pelos caminhos de um efetivo diálogo, inúmeros assassinam milhões, rejeitando um monte de estudos comprobtórios. E Morin ainda faz um alerta bastante necessário para os que continuam lendo pouco: “Deve-se ter cuidado para não querer transformar nossas mais recentes descobertas em monumentos petrificados.”

Dona Conceição, mulher do Silvino, sete arrobas bem distribuídas e com ainda muito reduzida elasticidade mamária, setentona experiente, mente livre e sempre solta, nenhuma flacidez abdominal, muitos quilômetros bem dados, serenidade lindona, sem as louracidades artificiais que só raciocinam rabolatricamente, resolveu encerrar o falatório do João Silvino, declarando que tinha muita Fé e que sua Fé tinha dados bons frutos, cada um deles fundo, forte, farto e fértil, arrancando ânimos gerais, ampliados pela chegada de mais uma rodada cabidelística, desta vez acrescentada de uma farofa de deixar caveira babando de inveja.

Sentado na ponta da mesa com a Sissa, agradeci ao Chefe conhecer a turma do João Silvino da Conceição. Família sem lero-lero, nem fuxicaria, cada um sabendo seu samba de cor, a esperança toda calibrada num Brasil que chegará lá, apesar dos chupa-cabras adesistas que se fingem de alavancadores de primeira hora, quando não passam de oportunistas disfarçados de salvadores de um Estado que necessita urgentemente abandonar sua condição de país sempre do futuro. Bem muito antes de, sem soberania alguma, se findar no brejo, onde tudo vai dar mel…


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos terça, 11 de outubro de 2022

FÁBULA A LA FONTAINE (CONTO DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

FÁBULA A LA FONTAINE

Fernando Antônio Gonçalves

 

No entanto, intrigada com a atividade intelectual do coelho, dele se aproximou muito curiosa:

– Coelhinho, o que você está fazendo aí, tão concentrado, diante dessa maquininha eletrônica? – Estou redigindo a minha tese de doutorado, disse o coelho, sem tirar os olhos do seu trabalho. A raposa insistiu:

– E qual é o tema da sua tese? O coelho respondeu que era uma teoria provando que os coelhos são os verdadeiros predadores naturais das raposas, desde as mais remotas épocas.

A raposa arretou-se por inteiro:

– Ora!!! Isso é ridículo, coelho bobão!!! Nós, canídeos, é que somos os predadores dos coelhos! – Absolutamente, disse o coelhinho. Se desejar mais provas, venha comigo à minha toca que eu lhe mostrarei o resultado da minha experiência.

O coelho e a raposa entram na toca. Instantes depois são ouvidos ruídos indecifráveis, alguns poucos grunhidos e depois um gigantesco silêncio. Logo após a gritaria, o coelho retorna ao seu computador, sozinho, riso todo maroto, continuando a redação de sua tese, como se nada tivesse acontecido.

Meia hora depois passa por ali um lobo dos grandões. Ao ver o apetitoso animal todo datilógrafo, agradece mentalmente à cadeia alimentar por estar com o seu jantar garantido. Mesmo assim, o lobo também acha muito estranho um coelho trabalhando naquela concentração toda, sem atenção alguma para com o seu derredor. Resolve então saber do que se trata aquilo tudo, antes de abocanhar o animalzinho:

– Olá, jovem coelhinho! O que o está fazendo trabalhar com tanta atenção?

– Trata-se de uma tese de doutoramento por mim desenvolvida, seu lobo. É uma teoria

que venho investigando há algum tempo e que prova que nós, coelhos, somos os grandes predadores naturais de vários animais carnívoros, inclusive dos lobos.

O lobo não se conteve com a petulância do coelho:

– Meu caro apetitoso coelhinho! Isto é um tremendo despautério! Nós, os lobos, é que somos os genuínos predadores naturais dos coelhos. Aliás, chega de conversa… Vamos ao que me interessa.

– Desculpe-me, seu lobo, retorquiu o coelhinho doutorando, mas se você quiser eu posso apresentar a minha prova experimental. Você gostaria de me acompanhar até à minha toca?

O lobo não consegue acreditar na sua boa sorte. E com a sua futura vítima, desapareceu toca adentro. Alguns instantes depois ouvem-se uns uivos desesperados, ruídos de mastigação e… silêncio cemiterial. Mais uma vez o coelho retorna sozinho, com toda tranquilidade voltando ao trabalho redacional da sua tese, como se nada tivesse acontecido.

Dentro da toca do coelho vê-se uma enorme pilha de ossos ensanguentados e pelancas de diversas ex-raposas. Ao lado dela, outra pilha ainda maior, de ossos e restos mortais daquilo que um dia foi um bocado de lobos. Ao centro das duas pilhas de ossos, um enorme leão, satisfeito, bem alimentado, palitando os dentes, gordo que nem um paxá.

Moral da fábula, em cinco pontos nada cardeais: 1. Não importa quão absurdo seja o tema de sua tese; 2. Não importa se você não possui mínimos fundamentos científicos; 3. Pouco importa se os seus experimentos nunca lograram provar sua teoria; 4. Não importa nem mesmo se suas ideias vão contra o mais óbvio dos conceitos lógicos; 5. O que importa é quem está apoiando financeiramente a sua tese.

Uma fábula de muita valia para aqueles que estão indignados com o não esclarecimento de assassinatos vários, inflações descabidas, castigos impostos somente aos abestados e liberdade plena dos bandidões de colarinho branco que ainda se encontram sem um padre-nosso de penitência. Para não falar nos empresários traficantes de drogas, que se locupletam das ingenuidades e sonhos dos portadores de pouca criticidade, dotados de múltiplas ambições descabidas.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos terça, 04 de outubro de 2022

EM PLENO SIGILO (ARTIGO DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES,COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

EM PLENO SIGILO

Fernando Antônio Gonçalves

 

No mundão lusófono, por exemplo, como nas demais localidades, acontece cada coisa que até o Homão tem dúvida. Há poucos meses, amigo fraterno de Oeiras, uma das mais hospitaleiras cidades portuguesas, me enviou cópia de uma petição, fato acontecido em plena África de língua camoniana, com um não menos interessante despacho de magistrado, sempre reconhecido pela sensatez de suas análises decisórias.

A petição tem o seguinte teor, resguardada a identidade da sede da comarca e também do país:

Sicranópolis, 5 de março de 2019.
Ao Senhor Juiz da Vara e Família.
Assunto: Solicitação para mudança de nome.
Eu, Maria José Pao, casada, do lar, gostaria de saber da possibilidade de se bulir no sobrenome Pao de meu nome, já que a presença do Pao tem me deixado embaraçada em várias situações. Desde já antecipo agradecimento e peço deferimento.

Maria José Pao.

Em resposta, o douto magistrado lhe remeteu a seguinte correspondência:

Cara Senhora Pao:
Sobre sua solicitação de remoção do Pao, gostaríamos de lhe informar que a nova legislação permite a retirada do seu Pao, mas o processo é deveras complicado. Se o Pao tiver sido adquirido após o casamento, a retirada é mais fácil, pois, afinal de contas, ninguém é obrigado a usar o Pao do marido se não quiser. Se, entretanto, o Pao for do seu genitor, o caso se torna ainda mais difícil de solução imediata, pois o Pao a que nos referimos é de família e vem sendo usado por várias gerações. Se a senhora tiver irmãos ou irmãs, a retirada do Pao a tornaria diferente do resto da família. Não seria agradável cumprimentar todos com Pao, menos a sua pessoa. Por outro lado, cortar o Pao de seu pai deverá magoá-lo de modo irreversível, deixando-o decididamente infeliz. Outro problema, porém, está no fato de seu nome completo vir a conter apenas dois nomes próprios, ficando esquisito caso não haja nada para colocar no lugar do Pao. Isso sem falar que as demais pessoas estranharão muito ao saberem que a senhora não possui mais o Pao do seu marido. Uma opção bastante viável seria a troca da ordem dos nomes. Se a senhora colocar o Pao na frente da Maria e atrás do José, o Pao pode restar mais escondido, porque a senhora poderia assinar o seu nome como Maria P. José. Nossa opinião é a de que o preconceito contra este sobrenome já acabou há muito tempo e que, já que a senhora usou o Pao do seu marido por tanto tempo, não custa nada usá-lo um pouco mais. Eu mesmo possuo Pao, sempre usei e muito poucas vezes o Pao me causou embaraços.

Atenciosamente,
Desembargador Joaquim Manoel Pao, Vara de Família do Tribunal de Justiça.

Lembro-me, ainda em meados da primeira década deste século, de um outro processo julgado na mesma Vara de Família daquelas bandas. Um profissional recém diplomado em nível superior tinha peticionado solicitando alteração do seu nome de batismo, Sebastilhão Bunda Verde. Deferido o pedido, a autoridade judicial convocou o signatário para uma audiência final decisória, quando lhe foi perguntado sobre o novo nome desejado. Como resposta, sem causar espalhafato na sala de audiências, o inquirido, jovem apessoado, de terno engomado e gravata de nó muito bem construído, declarou gostar de se assinar Sebastilhão Bunda Negra, posto que ele se sentia integrado ao reino animal, jamais se imaginando pertencer ao reino vegetal…

O Mário Souto Maior, pai do meu dileto amigo-irmão Jan Souto Maior, um arretado em computadores e outros sistemas tecnológicos, certamente lá da eternidade já fez as suas devidas anotações, ele que muito se notabilizou pelas suas pesquisas em busca de nomes próprios pouco comuns.

 


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos terça, 27 de setembro de 2022

MEDIOCRIZAÇÕES AUTOFÁGICAS (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

MEDIOCRIZAÇÕES AUTOFÁGICAS

Ferrnando Antônio Gonçalves

Alguns milagres saltam aos olhos, aqui resguardando-se a identidade dos santos, como manda um dos mandamentos da boa educação. Qualquer pessoa de senso de equilíbrio mínimo percebe, por exemplo, como estão desrespeitando os velhos logo no ano onde a CNBB também os reverencia na Campanha da Fraternidade. Ora é um debilóide que prefere um copo de cerveja, mesmo que deixando a avó no ostracismo, depois de uma caminhada de muitas dificuldades. Ora é uma moçoila de telenovela, metida a furico de satanás, que praticamente amaldiçoa os avós que sob um mesmo teto seu se protegem, vez por outra ainda roubados sem a menor cerimônia pela neta escroticida.

Como é ridícula a demagógica proposta de cotas para não-brancos nas universidades, diferentemente da sadia instituição de percentagem de ingresso nas universidades dos oriundos das escolas públicas! Razão plena tem a jornalista pernambucana Marilene Felinto, agora colabora de revista conceituada, quando declarou recentemente: “eu mesma teria arrastado para sempre um complexo de inferioridade atroz se tivesse entrado na USP, a melhor universidade pública da América do Sul, pelo critério de cor da minha pele de mulata”. A demagogia populista, além de não entender bulhufas de abolicionismo social, desastradamente amplia a discriminação contra os não-brancos, nossos irmãos, também filhos amados da Criação.

Considero um papelão molecal a capacidade de alguns de se desconstruir publicamente para melhor se locupletar das benesses do poder atual, jogando na rua da amargura seus passados, suas caminhadas, suas angústias e suas reflexões. Tudo atulhado num gavetão recheado de ontens não mais lembrados, em nome de um comportamento puxasaquístico, típico dos desavergonhados. Reconheço que a reforma mais necessária para a governabilidade brasileira é a reforma política, sem a qual resvalaremos para cenários pouco consistentes, abismais por derradeiro.

Outro dia meu nível de indignação ampliou-se quando vi uma propaganda de uma determinada marca de automóvel, onde duas crianças solicitavam aos pais uma paradinha fora da entrada da escola porque tinham um carro menos tampa-de-foguete, como se a esmagadora maioria das crianças brasileiras não ficassem rindo à toa pelo fato de os pais possuírem um carrinho, fosse ele de que marca fosse.

Receio que determinadas “explicitações comunicacionais” estejam favorecendo construções de cenários pouco democráticos, discriminatórios, como se uma tecnologia ultrasofisticada não tivesse como contraponto o fato humilhante para todos nós: apenas África do Sul e Malaui possuem um grau de desigualdade de renda maior do que o do Brasil.

Nos ainda umbrais de um novo século, num contexto impregnado de muito ceticismo, onde se diluem o mito do Estado todo poderoso e o mito do mercado como catapulta do progresso infindo, ampliam-se os anseios por uma ativa e altiva ação comunitária, nunca subordinada às tiranias plutocráticas. Tampouco putinocáusticos.

A hora brasileira é a da sociedade civil. Sem medo e sem ódio, como dizia Marcos Freire, um talento pernambucano que fez história num partido que, à época, não bajulava o poder, muito pelo contrário.

PS. Viva o Luiz Berto, integralmente recuperado, de volta ao comando do Jornal da Besta Fubana!!


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos terça, 20 de setembro de 2022

LEITURAS DE LIBERTAÇÃO (ARTIGO DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

LEITURAS DE LIBERTAÇÃO

Fernando Antônio Gonçalves

 

No meu último mini-recesso, li com sofreguidão o trabalho de Antonio Piñero, catedrático de Filologia Neotestamentária da Universidade Complutense de Madri, intitulado O Outro Jesus Segundo Evangelhos Apócrifos, editado conjuntamente pela Mercuryo e Paulus. Com base nas fontes não aceitas como canônicas ou inspiradas, algumas delas datadas dos dois primeiros séculos da era cristã, Piñero consegue de forma esplendorosa elucidar algumas obscuridades contidas no Novo Testamento: a concepção, o nascimento e as primeiras peraltices do Prometido, a situação conjugal Maria-José e os fuxicos da época diante da gravidez de uma jovem de apenas 16 anos, os irmãos do Menino, os ensinamentos secretos de Jesus e a assunção de Maria, um fato não registrado nos evangelhos oficiais, embora relatado num dos classificados como apócrifos.

Para se ter uma ideia, Antônio Piñero estudou minuciosamente cada um dos 36 documentos considerados inautênticos, dividindo-os em quatro grandes grupos. E expõe suas conclusões através de um estilo descomplicado. Um dos capítulos mais significativos do livro analisa os questionamentos feitos pelos Doze e alguns seguidores (Mc 4,11ss). E mostra como Jesus ensinava aos seus mais próximos de um modo pedagogicamente formativo, preparando sua equipe para as pregações futuras, a serem efetivadas sem mais a Sua presença.

As lições do Mestre podem ser explicitadas através de quatro princípios fundamentais, já bastante propagados antes mesmo do Seu nascimento: 1. A melhor parte do ser humano e a mais autêntica é o espírito. É como uma centelha divina, consubstancial com a divindade, da qual se origina por emanação; 2. Por um processo complicado, necessário e adverso – a ser em breve esclarecido -, essa centelha divina está presa na matéria, isto é, no corpo do ser humano e nesse mundo material. Mas o Eu verdadeiro dele, a centelha divina, tem sua pátria no Infinito; 3. A centelha divina deve tomar consciência de seu ser e voltar ao lugar de onde procede; 4. Um ser divino desce do âmbito superior em missão de resgate, com sua revelação lembrando ao ser terrestre que ele possui essa centelha, o ilumina e o instrui sobre o modo de fazê-la retornar ao lugar de origem.

Na literatura considerada apócrifa, informações sobre Jesus contribuem para melhor compreender a caminhada do Homão da Galileia, nosso Irmão Libertador, ratificando João, no último versículo do seu evangelho: “Jesus fez muitas outras coisas. Se cada uma delas fosse escrita, penso que nem mesmo no mundo inteiro haveria espaço suficiente para os livros que seriam escritos”.

Como ficaria alegre o amoroso evangelista se pudesse contar, naquela época, com os recursos da computação eletrônica. Certamente, muito mais coisas estariam registradas.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos segunda, 12 de setembro de 2022

LIÇÕES DA COVID-19 (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

LIÇÕES DA COVID-19

Fernando Antônio Gonçalves

 

Uma das lições positivas causadas pela COVID-19: a emersão de baitas alertas mundiais sobre os amanhãs sobrevivenciais do planeta. Um deles: A QUE CUSTO? O CAPITALISMO (MODERNO) E O FUTURO DA SAÚDE, Nicholas Freudenberg, São Pulo, Elefante, 2022, 592 p. O autor é professor de saúde pública da Universidade da Cidade de Nova York, Estados Unidos, atualmente diretor do Instituto de Políticas de Alimentação Urbana, que desenvolve pesquisas inovadoras sobre a redução da insegurança alimentar e nutricional das comunidades. De capa nada sugestiva, muito feiosa até e pouco sedutora, o livro analisa magistralmente as razões de uma degradação do meio ambiente planetário nas últimas décadas, gerada por um capitalismo, considerado, pelo autor, o maior problema mundial do século XXI. Ciências sociais de alto nível analítico, leitura radicalmente indispensável para equipes de planejamento sanitário governamental.

No Brasil, vagarosamente desperta-se para alguns problemas que eram tidos e havidos como solucionáveis a longuíssimo prazo. Vejamos nossas principais urgencialidades:

1. Uma distribuição de renda menos desigual, desumana há décadas, jamais preocupação das nossas elites hedonistas e egolátricas;

2. Uma educação básica integral para todas as classes sociais, com professores capacitados e bem remunerados em todos os graus de ensino;

3. Combate sistemático e feroz contra racismos, negativismos, fundamentalismos, religiosidades de posturas financeiras, além dos preconceitos sutilmente disfarçados contra alguns gêneros sexuais;

4. Revigoramento das instituições públicas de ensino superior, com uma reestruturação efetiva dos Cursos de Pedagogia e da área de Humanidades, inclusive com capacitações docentes que fortifiquem um transmitir docente altamente reflexivo e evolucionário;

5. Ampliação das penas – inclusive com a instituição da castração química – para estupradores de crianças, adolescente e mulheres em processo de parto, como o praticado por um animal metido a profissional de anestesia, psicopata, de classe social alta do Rio de Janeiro;

6. Uma política intensa de reurbanização do território nacional, preservando meio ambiente e os territórios indígenas;

7. Fortalecimento do SUS e do sistema público de saúde;

8. Legislação do Imposto de Renda que tribute as grandes foruunas, as heranças, as instituições religiosas, isentando de pagamento os de abaixo de três mínimos, além dos maiores de 70 anos;

9. Multiplicação das bibliotecas públicas estaduais e municipais, favorecendo todas elas com uma rede eletrônicas 5G que as interrelacionem com o mundo civilizado;

10. Fortalecimeto do FUNDEB, desestruturando agiotagens e pilantragens de cretinos metidos a educadores, com a punição pelos culpados do exercício das funções públicas por 20 anos;

11. Produção de e-books pelo Ministério da Cultura, com o envio dos exemplares, a preços módicos, para todos os brasileiros interessados. Obrigatoriedade ainda de remessa para todas as bibliotecas estaduais e municipais do país;

12. Certificado de vacinação para recebimento de benefícios e auxílios do INSS e outras ajudas previdenciárias.

13. Salário total de parlamentares do Congresso Nacional, Assembleias Legislativas e Câmara de Vereadores sempre relacionado percentualmente com o estabelecido como Salário-Mínimo Nacional.

14. Redução da criminalidade penal para 16 anos, posto que aos 16 anos todo brasileiro já pode exercer suas responsabilidades eleitorais.

15. Segurança integral para os territórios indígenas, com punição exemplar para invasores de terra e garimpeiros ilegais.

16. Redimensionamento do sistema partidário brasileiro, efetivando a participação de apenas oito partidos, um Senado Federal com dois representantes por estado da Federação, reduzido de 1/3 o número total de parlamentares da Câmara Fedeal, das estaduais e das câmaras municipais, não sendo mais permitida reeleição para os cargos executivos;

17. Mandatos dos ministros dos Supremos Tribunais Federais de oito anos, improrrogável.

18. Reformatação curricular dos Cursos de Humanidades das instituições de ensino superior, favorecendo uma enxergância cidadã sem racismos, nem preconceitos, sectarismos e outras positividades tóxicas.

19. Ampliar a consciência coletiva por uma respeitabilidade ambiental consistente, favorecendo os amanhãs climáticos regionais.

20. Salários iguais para todos os gêneros sexuais para uma mesma atividade profissional.

E uma ampla torcida para a chegada breve de um Brasil cada vez mais arretado de ótimo.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos terça, 06 de setembro de 2022

INSULTOS E MEDIOCRIDADES (ARTIG DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

INSULTOS E MEDIOCRIDADES

Fernando Antônio Gonçalves

 

Aproveitando a oportunidade que me dá o escritor Luiz Berto Filho, autor palmarense do notável O Romance da Besta Fubana, por mim lido e rabiscado mais de duas vezes, já às vésperas de uma nova edição pela Editora Bagaço, Recife, para comentar, abaixo, alguns pontos que dariam um ibope descretinoso nos ambientes políticos brasileiros, principalmente nos brasilienses, às vésperas de uma renovação, creia Deus quase integral, nas próximas eleições, com urnas eletrônicas desacreditadas por incultos nada civilizados, embora integralmente isentas de defeitos e incorreções tecnológicas, segundo o eminente Procurador Geral da República Augusto Aras, um nítido conservador culto.

2. Deveras preocupante o atual nível mediocrizante da comunicação nacional em praticamente todas as áreas, salvo algumas honrosas exceções, escritas, faladas e televisionadas. Parece até que o expressivo avanço da tecnologia utilizada no Brasil “escondeu” a criatividade de muitos, acovardando-os mentalmente, deixando-os sem eira nem beira imaginativa, como se não estivéssemos num século, o XXI, que está a exigir um cada vez maior senso crítico dos seus atores e autores. De uma necessária transitividade crítica, a la Paulo Freire, observa-se uma crescente transitividade regressiva, quase debilóide porque recheada de um já-fui-bom-nisso sensaborão, para não dizer ridicularmente desapropriado para o momento histórico.

3. Alguns milagres saltam aos olhos, resguardando-se a identidade dos santos, como manda um dos mandamentos da boa educação. Qualquer pessoa de senso de equilíbrio mínimo percebe, por exemplo, como estão desrespeitando os velhos logo numa época em que a CNBB os reverencia em campanhas várias. Ora é um debilóide que prefere um copo de cerveja, mesmo que deixando a avó no ora-veja, depois de uma caminhada de muita dificuldade. Ora é uma moçoila de telenovela, metida a furico de satanás, que praticamente amaldiçoa os avós que sob um mesmo teto seu habitam, vez por outra sendo roubados, sem a menor cerimônia, pela inscrita no putal da vida terrestre.

4. Como é ridícula a demagógica proposta de cotas para não-brancos nas universidades, diferentemente da sadia instituição de percentagem de ingresso nas universidades dos oriundos das escolas públicas! Razão plena tem a jornalista pernambucana Marilene Felinto, agora colaboradora de revista sulista, quando declarou recentemente: “eu mesma teria arrastado para sempre um complexo de inferioridade atroz se tivesse entrado na USP, a melhor universidade pública da América do Sul, pelo critério de cor da minha pele de mulata”. A demagogia populista, além de não entender bulhufas de abolicionismo social, desastradamente amplia a discriminação contra os não-brancos, nossos irmãos, também filhos amados da Criação.

5. Considero merda em fatia a capacidade de alguém de se desconstruir publicamente para melhor se locupletar das benesses do poder atual, jogando na rua da amargura seus passados, suas caminhadas, suas angústias e suas reflexões. Tudo atulhado num gavetão recheado de ontens não mais lembrados, em nome de um comportamento puxasaquístico, típico dos desescrupulosos. Reconheço que a reforma mais necessária para uma efetiva governabilidade brasileira seria uma ampla reforma política, sem a qual resvalaremos para cenários pouco consistentes, abismais por derradeiro.

6. Outro dia meu nível de indignação se ampliou, quando vi a propaganda de uma determinada marca de automóvel, onde duas crianças solicitavam aos pais uma paradinha fora da entrada da escola porque tinham um carro menos tampa-de-foguete, como se a esmagadora maioria das crianças brasileiras não ficassem rindo à toa ao verem os seus pais possuírem um carrinho, fosse ele de que ano fosse.

7. Receio que determinadas “explicitações comunicacionais” estejam favorecendo construções de cenários pouco democráticos, discriminatórios, como se uma tecnologia ultrasofisticada não tivesse como contraponto o fato humilhante para todos nós: apenas África do Sul e Malaui possuem um grau de desigualdade de renda maior do que o do Brasil.

8. Nos ainda umbrais de um novo século, num contexto impregnado de muito ceticismo, onde se diluem o mito do Estado todo poderoso e o mito do mercado como catapulta do progresso infindo, ampliam-se os anseios por uma ativa e altiva ação comunitária, nunca subordinada às tiranias plutocráticas. E putinocráticas também.

9. A hora brasileira é a da sociedade civil. Sem medo e sem ódio, como dizia Marcos Freire, um talento pernambucano que fez história num partido que, à época, não bajulava o poder, muito pelo contrário.

10. Sejamos sempre arretadamente brasileiros, jamais penicos planetários, descuecados e incultos, ansiosos por um “oi” de poderosos bem mais cagões.

PS. Ser lulista, bolsonarista, cirista ou simonetebista é uma opção de cada eleitor, direito inalienável de escolha nas eleições. Sempre com racionalidade, nunca submetido a diretrizes eivadas de ódio e fanatismo.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos terça, 30 de agosto de 2022

LEITURAS OPORTUNAS - 31.07.22 (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

LEITURAS OPORTUNAS

Fernando Antônio Gonçalves

 

Durante as minhas últimas miniférias juninas, devidamente auxiliadas pela Sissa, sempre presente e fiscalizante, resolvi consultar, por e-mail, alguns companheiros de viagem terrestre, total de 26, das Ciências Humanas, residentes em onze estados brasileiros sobre leituras que muito os impactaram. De notoriedades diferenciadas, carreiras profissionais envolvendo ensino, pesquisa, escriturâncias, debates e militâncias, suas indicações me conduziram a momentos de muita certeza no tocante ao futuro da humanidade. Apesar dos inúmeros angustiantes instantes contemporâneos, quando os acinzentamentos provocados pelas ambições de um neoliberalismo que se está agigantando para um ambicionado todo um sempre nada promissor, recebi respostas esclarecedoras.

As leituras abaixo eleitas, dentre as citadas mais de cinco vezes, bem demonstram o atual momento leitoral brasileiro, a refletir anseios de uma sociedade que se vê necessitada de uma compreensão mais consistente do seu todo e das suas partes, incluindo os versos e os reversos das situações econômicas, sociais, religiosas, militares e políticas de um mundo em renascença. Enumero-as, abaixo, em nenhum momento levando na devida consideração a ordemde magnitude das leituras mencionadas.

1. Sobrados e Mucambos, de Gilberto Freyre, editora Global, com uma apresentação de Roberto Da Matta, atualmente Professor Emérito da Universidade de Notre Dame, EEUU. Livro muito beneficiado, segundo o próprio DaMatta, pelas notáveis coordenações de Edson Néry da Fonseca, Guillermo Giucci e Enrique Rodriguez Larreta, quando da elaboração crítica de Casa Grande & Senzala. Diz DaMatta: “O que tenta Gilberto demonstrar, correndo o risco de ser chamado reacionário e um ideólogo de um escravismo doce, é que o sistema funcionava hierarquicamente. As diferenças não corriam em paralelo, mas faziam parte de uma geometria social de inclusão, uma figura na qual os senhores englobavam, mas eram também englobados por seus escravos, com os quais mantinham laços de interdependência”.

2. O Atiçador de Wittgenstein, de David Edmonds e John Eidinow, Difel – narrativa jornalisticamente inteligente, com sinais de muita pesquisa investigatória, contando o entrevero acontecido entre Ludwig Wittgenstein e Karl Popper, em outubro de 1946, quando de uma das reuniões da Associação de Ciências Morais de Cambridge, que contava, na ocasião, com a presença de Bertrand Russell, para quem “suas avalanchas (de Wittgenstein) fazem as minhas parecerem meras bolas de neve”.

3. O terceiro texto – Nas Sendas do Judaísmo, Walter Rehfeld, Perspectiva – me deixou mais próximo de Saulo Gorenstein, Arão Parnes, Estellinha Parnes, Germano Haiut e tanto outros amigos hebreus. O texto do Rehfel, destinado a pequenos cursos, ensaios, palestras e artigos publicados na Resenha Judaica, é fonte erudita – sem pedantismos academicistas – para se ampliar o conhecimento sobre o Judaísmo, suas origens, sua filosofia, suas maneiras de ser e de ter, naturalmente. Um excelente requisito para se ler com mais clarividência o estudo de Jacques Attali recentemente lançado pela Futura sob título Os judeus, o dinheiro e o mundo, com prefácio de Henry Sobel.

4. O quarto texto é oportuno, numa hora de novas ebulições ministeriais. Lançado pela Autêntica, e intitulado A economia política da mudança – os desafios e os equívocos do início do governo Lula -, contém análises que certamente contribuirão para a implementação de debates eleitorais de alto nível, onde o futuro brasileiro seguramente sobrepairará sobre os disse-me-disses das campanhas políticas. O mote dado pelo João Antônio de Paula, organizador: “Queremos fazer uma crítica solidária, de esquerda, mas não há como fugir dos problemas, não dá para abrir mão da crítica”. O exemplo do Titanic não pode ser esquecido pelos “com-certezas” da cúpula governista, que se imaginam caminho único para espraiar vida mais decente para todos os segmentos sociais.

5. Muito apreciaria ver os amigos fubânicos lendo um livro que me deixou bem mais alegre e esperançoso, apesar das imensas perspectivas negativistas que ainda pairam sobre nosso continente: Diderot e a Arte de pensar livremente, Andrew S. Curran, São Paulo, Editora Todavia, 2022, 388 p. Um estudo exemplar sobre um ser humano encantador. Uma personalidade cada vez mais independente, trezentos anos depois da sua desencarnação. Uma leitura binoculizadora para os pensantes de todos os níveis de espiritualidade, jogando na lata do lixo existencial os negativismos incultos e sectários metidos a merdantários (mandatários de merda).

Vale a pena dar uma mergulhada nelas, rabiscativamente.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos domingo, 21 de agosto de 2022

LEITURAS OPORTUNAS - 07.08.22 (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

LEITURAS OPORTUNAS

Fernando Antônio Gonçalves

 

Durante as minhas últimas miniférias juninas, devidamente assessoradas pela Sissa, sempre presente e fiscalizante, resolvi consultar, por e-mail, alguns companheiros de viagem terrestre, total de 32, das Ciências Humanas, residentes em doze estados brasileiros, sobre leituras que muito os impactaram. De notoriedades diferenciadas, carreiras profissionais envolvendo ensino, pesquisa, escriturâncias, debates e militâncias, suas indicações me conduziram a momentos de muita certeza no tocante ao futuro da humanidade. Apesar dos inúmeros angustiantes instantes contemporâneos, quando os acinzentamentos provocados pelas ambições de um neoliberalismo que se está agigantando para um ambicionado todo um sempre nada promissor, recebi respostas entusiasmentes.

As leituras abaixo eleitas, dentre as citadas mais de cinco vezes, bem demonstram o atual momento leitoral brasileiro, a refletir anseios de uma sociedade que se vê necessitada de uma compreensão mais consistente do seu todo e das suas partes, incluindo os versos e os reversos das situações econômicas, sociais, religiosas, militares e políticas de um mundo em renascença. Enumero-as, abaixo, em nenhum momento levando na devida consideração a ordem de magnitude das leituras citadas.

1. Sobrados e Mucambos, de Gilberto Freyre, editora Global, com uma apresentação de Roberto Da Matta, atualmente Professor Emérito da Universidade de Notre Dame, EEUU. Livro muito beneficiado, segundo o próprio DaMatta, pelas notáveis coordenações de Edson Néry da Fonseca, Guillermo Giucci e Enrique Rodriguez Larreta, quando da elaboração crítica de Casa Grande & Senzala. Diz DaMatta: “O que tenta Gilberto demonstrar, correndo o risco de ser chamado reacionário e um ideólogo de um escravismo doce, é que o sistema funcionava hierarquicamente. As diferenças não corriam em paralelo, mas faziam parte de uma geometria social de inclusão, uma figura na qual os senhores englobavam, mas eram também englobados por seus escravos, com os quais mantinham laços de interdependência”.

2. O Atiçador de Wittgenstein, de David Edmonds e John Eidinow, Difel – narrativa jornalisticamente inteligente, com sinais de muita pesquisa investigatória, contando o entrevero acontecido entre Ludwig Wittgenstein e Karl Popper, em outubro de 1946, quando de uma das reuniões da Associação de Ciências Morais de Cambridge, que contava, na ocasião, com a presença de Bertrand Russell, para quem “suas avalanchas (de Wittgenstein) fazem as minhas parecerem meras bolas de neve”.

3. O terceiro texto – Nas Sendas do Judaísmo, Walter Rehfeld, Perspectiva – me deixou mais próximo de Saulo Gorenstein, Arão Parnes, Estellinha Parnes, Germano Haiut e tanto outros queridos irmãos hebreus. O texto do Rehfel, destinado a pequenos cursos, ensaios, palestras e artigos publicados na Resenha Judaica, é fonte erudita – sem pedantismos academicistas – para se ampliar o conhecimento sobre o Judaísmo, suas origens, sua filosofia, suas maneiras de ser e de ter, naturalmente. Um excelente requisito para se ler com mais clarividência o estudo de Jacques Attali não muito recentemente lançado pela Futura sob título Os judeus, o dinheiro e o mundo, com prefácio de Henry Sobel.

4. O quarto texto é oportuno, numa hora de novas ebulições ministeriais. Lançado pela Autêntica, e intitulado A economia política da mudança – os desafios e os equívocos do início do governo Lula -, contém análises que certamente contribuirão para a implementação de debates eleitorais de alto nível, onde o futuro brasileiro seguramente sobrepairará sobre os disse-me-disses e mimimis das campanhas políticas. O mote dado pelo João Antônio de Paula, organizador: “Queremos fazer uma crítica solidária, de esquerda, mas não há como fugir dos problemas, não dá para abrir mão da crítica”. O exemplo do Titanic não pode ser esquecido pelos “com-certezas” da cúpula governista, que se imaginam caminho único para espraiar vida mais decente para todos os segmentos sociais.

5. Muito apreciaria ver os amigos fubânicos lendo um dos livros citados, páginas que me deixaram bem mais alegre e esperançoso, apesar das imensas perspectivas negativistas que ainda pairam sobre nosso continente: Diderot e a Arte de pensar livremente, Andrew S. Curran, São Paulo, Editora Todavia, 2022, 388 p. Um estudo exemplar sobre um ser humano encantador. Uma personalidade cada vez mais independente, trezentos anos depois da sua desencarnação. Uma leitura binoculizadora para os pensantes de todos os níveis de espiritualidade, jogando na lata do lixo existencial os negativismos nunca incultos e sectários nunca metidos a merdantários (mandatários de merda).

Vale a pena dar uma mergulhada em todos os livros mais citados, sempre rabiscativamente.


Fernando Antônio Gonçalves - Sem Oxentes nem Mais ou Menos segunda, 15 de agosto de 2022

TEXTO MUITO ARRETADO DE ÓTIMO (CRÔNICA DE FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

TEXTO MUITO ARRETADO DE ÓTIMO

Fernando Antônio Gonçalves

 

Embora não conhecendo o Quirino pessoalmente, com ele fiquei mais íntimo a partir das orelhas do livro escritas pelo Luiz Berto, um sempre gota serena de arretado, autor de O Romance da Besta Fubana, um dos melhores livros por mim já lidos e relidos, imaginário regional a mais de mil, recheado de muita filosofia existencial, sem qualquer salamaleque. Nordestino que nunca leu O Romance da Besta Fubana não sabe o que está perdendo de nordestinidade legitimadora.

O livro do Jessier Quirino começa apregoando que “neste mundo tem gente pra tudo e ainda sobra um pra tocar gaita”. Manda pauladas boas num compadre dele, Mané Cabelim, raparigueiro que só, que gastou um bocado de reais na fundação de um “conjunto dançarineiro” para assentar em cima de um trio elétrico, inaugurando uma putanhagem fora de época nos quintais municipais. Para ver se alimentava a vontade do eleitorado em sufragar seu nome neste ano, época de promessas mil, todo mundo de anjo, jurando mundos e fundos, incluídos os assentados nas calças próprias, nas moçoilas moeda de troca nas horas mais desesperançosas.

Gosto que me arrepio todo de gente inteligente, que ensina os outros a levar a vida sem muita consideração diplomática, batendo palmas de gozo diante da funerária Vai que é tua Paraíso, concorrente daquel’outra, sediada em Campina Grande, registrada em cartório como A Caminho do Céu, tanto uma como outra esmero nota dez para os beneficiados com um despachamento chorosamente correto.

Aprecio como ninguém um poeta como Jessier Quirino, que denomina, com muita propriedade, lua cheia de lua de tapioca, homenageando as quentínhas dobras goma-coco-ralado-sal-de-pouco. E ainda muito me deleito com algumas fichas de pensão, uma delas da Pensão da Véa Duda, patrocinada pelo Sabão Rendoso. Num dos cantos da ficha, o quesito Motivo da Viagem tem quatro alternativas: Negócio, Romaria, Retirante e Raparigagem.

O Jessier Quirino, com seus versos “evangelizadores” quer mostrar pro mundo inteiro que nos interiores nordestinos tem gente de muita grandeza intelectiva, que embora nada saiba de abêcê, sabe latir pra poupar cachorro, e que diante das indagações dos visitantes, sempre declara de pronto: Cumpadre, eu me acho velho / Caco de bunda tremendo / Não tou liso nem roubando / Mas tou platando e colhendo / Às vezes rindo ou chorando / Viúvo, não tou amando / Tou lucrando, não devendo. E para mostrar sua diferença biológica com os da cidade, conclui sua cantoria proclamando: Esperto, não estou bestando / Nem jogando, nem bebendo / Nem perdendo nem ganhando / Tou calmo não tou inchando / Tou vivendo e aprendendo.

O livro do Quirino é para quem não perde as estribeiras, que pensa mais que copia, que nunca pia, guardando o troco para depois. Gente abençoada por Deus, apesar das embromações religiosas catadoras de trocados. Gente que já percebe como o blá-blá-blá é coisa fingida, enquando o propinoduto continua a pleno vapor, sem prisão alguma. Sempre a prejudicar o forever da gente.


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