Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 16 de novembro de 2024

UMA DUPLA EM CANTORIA E UM CORDEL DE LAMPIÃO (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

 

Geraldo Amâncio

Dei na mulher com a flor
E a flor ficou amassada
Depois que a flor amassou
Veja que coisa engraçada
A flor perdeu o perfume
Ela ficou perfumada!

Moacir Laurentino

Mulher é coisa sagrada
Tem um sentido tão fundo
Que Deus nosso pai eterno
Criador do amor profundo
Das entranhas da mulher
Trouxe o salvador do mundo!

Geraldo Amâncio

Mulher espírito profundo
Que todo corpo não tem
A santa mãe soberana
Teve seu filho em Belém
As outras são pecadoras
Mas, viram santas também!

Moacir Laurentino

Pela beleza que tem
A mulher que a gente ama
É pra ter o tratamento
De deusa rainha e dama
Não é para ser escrava
Da cozinha e nem da cama!

Geraldo Amâncio

Mas tem homem que reclama
Tem ciúme e lhe aperreia
Pega a mulher inocente
Chega em casa e mete a peia
Esse merece um processo
De dez anos de cadeia!

Moacir Laurentino

Não existe mulher feia
Mulher é um paraíso
Quem não gostar da mulher
Do sexo nem do sorriso
Está faltando uma telha
Na construção do juízo!

Geraldo Amâncio

Eu de uma mulher preciso
Pra sempre estar me servindo
Além do corpo um desenho
Seu semblante e riso lindo
É santa estando acordada
Um anjo estando dormindo!

Moacir Laurentino

Mulher é um quadro lindo
E o homem machista quer
Que a mulher seja uma escrava
E faça o que ele quiser
Quando ele é quem devia
Ser escravo da mulher!

Geraldo Amâncio

Eu admiro a mulher
Por ser carinhosa e bela
São dois corpos em um só
Dois filmes na passarela
No trabalho até na dor
Deve auxiliar a ela!

Moacir Laurentino

Mulher é a peça bela
Tenho cinco em minha meta
Minha mãe e minha filha
Minha esposa e minha neta
E a mãe do Nazareno
Que é quem protege o poeta!

Geraldo Amâncio

A esposa de um poeta
É dama da paciência
E a virgem nossa senhora
É a mãe da providência
Todo mulher é a rosa
Que o mundo botou essência!

Moacir Laurentino

É da minha preferência
Pelos os cálculos que já fiz
Se tivesse uma mulher
Governando esse país
Não havia desemprego
E todo mundo era feliz!

Geraldo Amâncio

Tenho a minha imperatriz
E o meu império é perfeito
Eu chego em casa enfadado
Eu me levanto e me deito
Já acho meu café pronto
E encontro o almoço feito.

* * *

A CHEGADA DE LAMPIÃO NO INFERNO – José Pacheco

Amazon.com.br eBooks Kindle: A chegada de Lampião no inferno, Pacheco, José

Um cabra de Lampião
Por nome Pilão Deitado
Que morreu numa trincheira
Em certo tempo passado
Agora pelo sertão
Anda correndo visão
Fazendo mal-assombrado.

E foi quem trouxe a notícia
Que viu Lampião chegar
O inferno nesse dia
Faltou pouco pra virar
Incendiou-se o mercado
Morreu tanto cão queimado
Que faz pena até contar.

Morreu a mãe de Canguinha
O pai de Forrobodó
Três netos de Parafuso
Um cão chamado Cotó
Escapuliu Boca Ensossa
E uma moleca moça
Quase queimava o “totó”.

Morreram 100 negros velhos
Que não trabalhavam mais
Um cão chamado Trás-cá
Vira-volta e Capataz
Tromba Suja e Bigodeira
Um cão chamado Goteira
Cunhado de Satanás.

 

Vamos tratar da chegada
Quando Lampião bateu
Um moleque ainda moço
No portão apareceu
– Quem é você, cavalheiro?
– Moleque eu sou cangaceiro!
Lampião lhe respondeu.

– Moleque não, sou vigia!
E não sou seu “pariceiro”
E você aqui não entrar
Sem dizer quem é primeiro…
– Moleque, abra o portão
Saiba que eu sou Lampião
Assombro do mundo inteiro!

Então, esse tal vigia
Que trabalha no portão
Dá pisa que voa cinza
Não procura distinção
O negro escreveu não leu
A macaíba comeu
Lá não se o usa perdão.

O vigia disse assim:
Fique fora que eu entro
Vou conversar com o chefe
No gabinete do centro
Por certo ele não lhe quer
Mas conforme o que disser
Eu levo o senhor pra dentro.

Lampião disse: – Vá logo,
Quem conversa perde hora
Vá depressa e volte já
Eu quero pouca demora
Se não me derem ingresso
Eu viro tudo “asavesso”
Toco fogo e vou embora.

O vigia foi e disse
A Satanás, no salão:
– Saiba vossa senhoria
Que aí chegou Lampião,
Dizendo que quer entrar
E eu vim lhe perguntar
Se dou ingresso ou não?

– Não senhor, Satanás disse,
Vá dizer que vá embora
Só me chega gente ruim?
Eu ando muito caipora
Estou até com vontade
De botar mais da metade
Dos que têm aqui pra fora!

– Lampião é um bandido
Ladrão da honestidade
Só vem desmoralizar
A minha propriedade
Mesmo eu não vou procurar
Sarna para me coçar
Sem haver necessidade.

Disse o vigia: – Patrão
A coisa vai arruinar
Eu sei que ele se dana
Quando não puder entrar
Satanás disse: – Isso é nada,
Convide aí a negrada
E leve o que precisar.

– Leve três dúzias de negros
Entre homem e mulher
Vá na loja de ferragem
Tire as armas que quiser
É bom escrever também
Pra virem os negros que têm
Mais compadre Lúcifer.

E reuniu-se a negrada
Primeiro chegou Fuxico
Com um bacamarte velho
Gritando por Cão de Bico
Que trouxesse o pau da prensa
E fosse chamar Tangença
Na casa de Maçarico.

E depois chegou Cambota
Endireitando o boné
Formigueiro, Trupe-Zupe
E o crioulo Quelé
Chegou Banzeiro e Pacaia
Rabisca e Cordão de Saia
E foram chamar Bazé.

Veio uma diaba moça
Com uma calçola de meia
Puxou a vara da cerca
Dizendo: – A coisa está feia
Hoje o negócio se dana,
E disse: – Eita, baiana
Agora a ripa vadeia.

E lá vai a tropa armada
Em direção do terreiro
Pistola, faca e facão
Cravinote e granadeiro
E um negro também vinha
Com a trempe da cozinha
E o pau de bater tempero.

Quando Lampião deu fé
Da tropa negra encostada
Disse: – Só na Abissínia
Oh! Tropa preta danada
O chefe do batalhão
Gritou: – As armas não mão
Toca-lhe fogo, negrada!

Nessa hora ouviu-se tiros
Que só pipoca no caco
Lampião pulava tanto
Que parecia um macaco
Tinha um negro nesse meio
Que durante o tiroteio
Brigou tomando tabaco.

Acabou-se o tiroteio
Por falta de munição
Mas o cacete batia
Negro embolava no chão
Pau e pedra que pegavam
Era o que as mãos achavam
Sacudiam em Lampião.

– Chega, traga um armamento!
Assim gritava o vigia,
Trás a pá de mexer doce
Lasca os ganchos de Caria
Trás os birros de Macau
Corre, vai buscar um pau
Na cerca da padaria!

Lúcifer mais Satanás
Vieram olhar do terraço
Tudo contra Lampião
De cacete, faca e braço
E o comandante no grito
Dizia: – Briga bonito,
Negrada, chega-lhe o aço!

Lampião pôde pegar
Na caveira de um boi
Sacudiu na testa dum
Ele só fez dizer: – Oi!
Ainda correu 10 braças
E caiu enchendo as calças
Mas eu não sei de que foi.

Estava a luta travada
Mais de uma hora fazia
A poeira cobria tudo
Negro embolava e gemia
Porém Lampião ferido
Ainda não tinha sido
Devido a sua energia.

Lampião pegou um checho
E o rebolou num cão
A pedrada arrebentou
A vidraça do oitão
Saiu um fogo azulado
Incendiou-se o mercado
E o armazém de algodão.

Satanás com esse incêndio
Tocou num búzio chamando
Correram todos os negros
(Os que estavam brigando)
Lampião pegou a olhar
Não viu mais com quem brigar
Também foi se retirando.

Houve grande prejuízo
No inferno, nesse dia
Queimou-se todo o dinheiro
Que Satanás possuía
Queimou-se o livro dos pontos
Perderam seiscentos contos
Somente em mercadoria.

Reclamava Satanás:
– Horror maior não precisa
Os anos ruins de safra
E agora mais essa pisa
Se não houver bom inverno
Tão cedo aqui no inferno
Ninguém compra uma camisa.

Leitores vou terminar
Tratando de Lampião
Muito embora que não possa
Vos dar a resolução
No inferno não ficou
No céu também não chegou
Por certo está no sertão.

Quem duvidar dessa estória
Pensar que não foi assim
Querer zombar do meu sério
Não acreditando em mim
Vá comprar papel moderno
Escreva para o inferno
Mande saber de Caim.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 09 de novembro de 2024

OITO MESTRES DO IMPROVISO E O CORDEL DO SABIDO (POSTAGEM D COLUNISTA PEDRO MALTA)

UM GALOPE PARA O UMBUZEIRO – Júnior Guedes

 

Frondoso e bonito, o velho umbuzeiro
Que brotou das fendas abertas da terra.
Cresceu num aceiro do pé de uma serra
Passando agruras o tempo inteiro.
Foi ficando forte a cada janeiro,
Mudando a paisagem que tem no lugar.
Felizes daqueles que vem contemplar,
Seu verde, a sombra e sua doçura
O doce da fruta na forma mais pura
Que o puro da brisa que sobra do mar.

* * *

Manoel Xudu

Voei célere aos campos da certeza
E com os fluidos da paz banhei a mente
Pra falar do Senhor onipotente
Criador da suprema natureza
Fez do céu reino vasto, onde a beleza
Edifica seu magno pedestal
Infinita mansão celestial
Onde Deus empunhou saber profundo
Pra sabermos nas curvas deste mundo
Que Ele impera no trono divinal.

* * *

João Paraibano

A minha mulher pediu
Pra eu deixar de beber,
Mas eu já disse pra ela
Que não vou lhe obedecer,
Se eu fizer os gostos dela,
Eu deixo os meus sem fazer.

* * *

Arnaldo Pessoa

As flores do Pajeú
Eram os improvisadores
Muitos desapareceram
Mas deixaram sucessores
Eu sou o fruto mais novo
Da árvore dos cantadores.

* * *

Miro Pereira

O meu pai não tem estudo
Mamãe é analfabeta
Eu pouco fui à escola
Somente Deus me completa
Com esse sublime dom
De repentista e poeta.

* * *

Zé Fernandes

A seca seca primeiro
Os depósitos cristalinos
Depois seca as esperanças
De milhões de peregrinos
Mas bota enchente de lágrimas
Nos olhos dos nordestinos.

* * *
Adauto Ferreira Lima

Quando o sujeito envelhece
Quase tudo lhe embaraça
Convida a mulher pra cama
Agarra, beija e abraça
Porém só faz duas coisas:
Solta peido e acha graça.

* * *

Pedro Tenório de Lima
(Poeta analfabeto do sertão do Pajeú)

Me criei abraçando a agricultura
Já tô véi, a cabeça tá cinzenta
Pra onde vou é levando a ferramenta
E uma faca de doze na cintura
Minha boca lambendo rapadura
E meu almoço, um punhado de farinha
A merenda é um ovo de galinha
Namorei abraçando as raparigas
Me deitando por cima das formigas
Que uma cama bonita eu não tinha.

* * *

O SABIDO SEM ESTUDO – Manoel Camilo dos Santos

 

Deus escreve em linhas tortas
Tão certo chega faz gosto
E fez tudo abaixo dele
Nada lhe será oposto
Um do outro desigual
Por isto o mundo é composto

Vejamos que diferença
Nos seres do Criador
A águia um pássaro tão grande
Tão pequeno um beija-flor
A ema tão corredeira
E o urubu tão voador

Vê-se a lua tão formosa
E o sol tão carrancudo
Vê-se um lajedo tão grande
E um seixinho tão miúdo
O muçu tão mole e liso
O jacaré tão cascudo

Vê-se um homem tão calado
Já outro tão divertido
Um mole, fraco e mofino
Outro valente e atrevido
Às vezes um rico tão tolo
E um pobre tão sabido

É o caso que me refiro
De quem pretendo contar
A vida d’um homem pobre
Que mesmo sem estudar
Ganhou o nome de sábio
E por fim veio a enricar

Esse homem nunca achou
Nada que o enrascasse
Problema por mais difícil
Nem cilada que o pegasse
Quenguista que o iludisse
Questão qu’ele não ganhasse

Era um tipo baixo e grosso
Musculoso e carrancudo
Não conhecia uma letra
Porém sabia de tudo
O povo o denominou
O Sabido Sem Estudo…

Um dia chegou-lhe um moço
Já em tempo de chorar
Dizendo que tinha dado
Cem contos para guardar
Num hotel e o hoteleiro
Não quis mais o entregar

 

O Sabido Sem Estudo
Disse: – isto é novidade?
Se quer me gratificar
Vamos lá hoje de tarde
Se ele entregar disse o moço:
– Dou ao senhor a metade

O Sabido Sem Estudo
Disse: – você vá na frente
Que depois eu vou atrás
Quando eu chegar se apresente
Faça que não me conhece
Aí peça novamente

O Sabido Sem Estudo
Logo assim que lá chegou
Falou com o hoteleiro
Este alegre o abraçou
O rapaz nesse momento
Também se apresentou

O Sabido Sem Estudo
Disse: – Eu quero me hospedar
Me diga se a casa é séria
Pois eu preciso guardar
Quinhentos contos de réis
Pra depois vir procurar

Respondeu o hoteleiro:
– Pois não, a casa é capaz
Agora mesmo eu já ia
Entregar a este rapaz
Cem contos que guardei dele
Há pouco dias atrás

Nisto o dono do hotel
Entrou e saiu ligeiro
Com um pacote, disse ao moço:
– Pronto amigo, seu dinheiro
Confira que está certo
Pois sou homem verdadeiro

Aí o Sabido disse:
– Ladrão se pega é assim
Você enganou o tolo
Mas foi lesado por mim
Vou metê-lo na polícia
Ladrão, safado, ruim

O hoteleiro caiu
Nos pés dele lhe rogando:
– Ó meu senhor não descubra
Disse ele: – só me dando
A metade do dinheiro
Que você ia roubando

O hoteleiro prevendo
A derrota em que caía
Além de ir pra cadeia
Perder toda freguesia
Teve que gratificar-lhe
Se não ele descobria

Foi ver os cinquenta contos
No mesmo instante lhe deu
Outros cinquenta do moço
Ele também recebeu
E disse: – nestas questões
Quem ganha sempre sou eu

E assim correu a fama
Do Sabido Sem Estudo
Quando ele possuía
Um cabedal bem graúdo
O rei logo indignou-se
Quando lhe contaram tudo

Disse o rei: – e esse homem
Sem nada ter estudado
Vive de vencer questão?
Isso é pra advogado
Vou botá-lo num enrasque
Depois o mato enforcado

O rei mandou o chamar
E disse: – eu quero saber
Se o senhor é sabido
Como ouço alguém dizer
Vou decidir sua sorte
Ou enricar ou morrer

Você agora vai ser
O médico do hospital
E dentro de quatro dias
Tem que curar afinal
Os doentes que lá estão
De qualquer que seja o mal

Se você nos quatro dias
Deixar-me tudo curado
De forma que fique mesmo
O prédio desocupado
Ganhará cinco mil contos
Se não será degolado

Está certo disse ele
E saiu dizendo assim:
– O rei com essa asneira
Pensa que vai dar-me fim
Pois eu vou mostrar a ele
Se isto é nada pra mim

E chegando no hospital
Disse à turma de enfermeiros:
– Vocês podem ir embora
Eu sou médico verdadeiro
De amanhã em diante aqui
Vocês não ganham dinheiro

Porque amanhã eu chego
Bem cedo aqui neste canto
Mato um destes doentes
E cozinho um tanto ou quanto
Com o caldo faço remédio
E curar os outros eu garanto

Foram embora os enfermeiros
E ele saiu calado
Os doentes cada um
Ficou dizendo cismado
– Qual será o que ele mata?
Será eu? Isto é danado!…

Outro dizia consigo:
– Será eu o caipora?
Mais tarde um disse: – E eu
Estou sentindo melhora
Outro levantou e disse:
– Estou melhor, vou embora

Um amarelo que estava
Batendo o papo e inchado
Levantou-se e disse: – Eu
Estou até melhorado
Pois já estou me achando
Mais forte, gordo e corado

Já estou sentindo calor
De vez em quando um suor
Um doente disse: – Tu
Estás é muito pior
Disse o amarelo: – Não
Vou embora, estou melhor

E assim foram saindo
Cada qual para o seu lado
Quando chegava na porta
Dizia: – Vôte danado!
O diabo é quem fica aqui
Pra amanhã ser cozinhado

Um moço disse que ouviu
Um mudo e surdo dizer
Que um cego tinha visto
Um aleijado correr
Sozinho de madrugada
Já com medo de morrer

De fato um aleijado
Que tinha as pernas pegadas
Foi dormir, quando acordou
Não achou os camaradas
A casa estava deserta
E as camas desocupadas

Com medo pulou da cama
E as pernas desencolheu
Rasgou a “pêia” no meio
E assombrado correu
Dizendo: – Fiquei dormindo
E nem acordaram eu!…

No outro dia bem cedo
O Sabido Sem estudo
Chegando no hospital
Achou-o deserto de tudo
Sorriu e disse consigo:
– Passei no rei um canudo

O Sabido Sem Estudo
Chegou no prazo marcado
Na corte e disse ao rei:
– Pronto já fiz seu mandado
Os doentes do hospital
Já saiu tudo curado

O rei foi pessoalmente
Percorrer o hospital
Não achando um só doente
Disse consigo afinal:
– Aquele ou é satanás
Ou um ente divinal

Deu-lhe o dinheiro e lhe disse:
– Retire-se do meu reinado
O Sabido Sem Estudo
Lhe disse: – Muito obrigado
Pra ganhar dinheiro assim
Tem às ordens um seu criado.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 02 de novembro de 2024

POEMAS DE MANOEL BENTEVI (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

Manoel Bentevi, Palmares-PE (1911-1999)

 

 

Se eu chegar no Recife aperreado
Eu acabo com todas as fortalezas
Vou no Palácio do Campo das Princesas
Paro todo movimento do Estado
Na Assembleia não deixo um deputado
Na zona não fica uma mulher
Acabo as forças armadas que houver
Tranco banco, instituto, inspetoria
Fecho hospitais, detenções, secretarias
Só funciona o Recife se eu quiser.

Prendo guarda civil, cabo, soldado,
Comandante, Chefe do Estado-Maior
Prendo tenente, capitão, prendo major
Paro todo movimento do Estado.
Prendo telégrafo, imprensa, consulado
Emissora não deixo uma sequer,
Prendo a Lloyd, a Costeira e a Panair
Paro o trânsito, não passa mais ninguém
Da estação central não sai um trem
Só funciona o Recife se eu quiser.

Mas isso foi um sonho muito pesado
Que eu sonhei certa vez quando dormia
Um povo no ouvido me dizia
Paro todo movimento do Estado.
Acordei tristemente atribulado
Vi que era uma coisa sem mister
Não encontrei uma pessoa sequer
Que me dissesse o que tinha acontecido
E uma voz me dizendo no ouvido
Só funciona o Recife se eu quiser!

* * *

Da bobina para o distribuidor
Há um cabo que passa uma centelha clara.
Meto o pé no arranco, ele dispara.
Toda vez que acelero meu motor,
O combustível entra no carburador,
A entrada de ar transforma o gás,
Com a compressão que ele faz,
Forma o jato, o êmbolo vai subindo
Vai queimar na cabeça do cilindo,
A fumaça da gasolina sai por trás.

* * *

Na vida ninguém confia
Em nada sem ter certeza
São obras da natureza
Tudo que a terra cria:
Gente, ave, bicharia,
Tudo começou assim.
O homem é quem é ruim
Nada bom ele planeja
Por muito forte que ele seja
A morte pega e dá fim.

* * *

Naquele tempo odiento e obscuro
Em que a ciência era tragada em um vaso
Todo o mundo imerso no atraso
Eu olhei na janela do futuro:
O panorama da vida é muito duro
E o destino do homem vem traçado.
Eu, pra ver se obtinha resultado,
Do além e de coisas mais incríveis,
Penetrei no setor dos invisíveis,
Vi o mundo sorrir do outro lado.

* * *

Minha carne só é nervo e cabelouro
O espinho de juá bate e não fura
Minha saliva salva qualquer mordidura
Se a jibóia morder por desaforo
Tiro o veneno da bicha faço soro
E dou vida a qualquer um ser vivente.
Seja qual for a qualidade da serpente
Estando mesmo quieta ou assanhada
Por acaso ela me dando uma picada
É capaz de ficar sem nenhum dente…


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 26 de outubro de 2024

GRANDES MESTRES DO IMPROVISO E UM CORDEL DE ABC (POSTATGEM DO COLOUNISTA PEDR MALTA)

João Pereira da Luz, o João Paraibano (1952 / 2014)

 

João Paraibano

Branca, preta, pobre e rica,
toda mãe pra Deus é bela;
acho que a mãe merecia
dois corações dentro dela:
um pra sofrer pelos filhos;
outro pra bater por ela.

Faço da minha esperança
Arma pra sobreviver
Até desengano eu planto
Pensando que vai nascer
E rego com as próprias lágrimas
Pra ilusão não morrer.

Toda a noite quando deito
Um pesadelo me abraça
Meu cabelo que era preto
Está da cor de fumaça
Ficou branco após os trinta
Eu não quis gastar com tinta
O tempo pintou de graça.

* * *

João Santana

Eu cantando contemplo as maravilhas
Dos oásis, vulcões e nebulosas
Me acalento em repouso entre as rosas
Cruzo o mar desvendando as virgens ilhas
Nos mistérios das matas rompo as trilhas
Rasgo o céu de ocidente a oriente
Intimido o leão, domo a serpente
Saboreio as maçãs do paraíso
Mas se for pra brigar de improviso
Eu arranco seu couro no Repente.

* * *

Manoel Bentevi

Naquele tempo odiento e obscuro
Em que a ciência era tragada em um vaso
Todo o mundo imerso no atraso
Eu olhei na janela do futuro:
O panorama da vida é muito duro
E o destino do homem vem traçado.
Eu, pra ver se obtinha resultado,
Do além e de coisas mais incríveis,
Penetrei no setor dos invisíveis,
Vi o mundo sorrir do outro lado.

* * *

Lourival Batista Patriota

Entre o gosto e o desgosto,
O quadro é bem diferente,
Ser moço é ser um sol nascente,
Ser velho é ser um sol posto,
Pelas rugas do meu rosto,
O que fui hoje não sou,
Ontem estive, hoje não estou,
Que o sol ao nascer fulgura,
Mas ao se pôr deixa escura
A parte que iluminou.

* * *

Manoel Filomeno de Menezes (Manoel Filó)

Nas residências do mato
Depois que o sol vai embora
Num recanto do quintal
A galinha se acocora
Fazendo rancho das penas
Pra não dormir pinto fora.

* * *

ABC PARA LEMBRAR RAULZITO E GONZAGÃO – Rouxinol do Rinaré

 

Amigos que apreciam
Meus cordéis, peço atenção
Pois vou falar de dois mitos
Saudosos dessa nação
No ABC pra lembrar
Raulzito e Gonzagão.

Baião é ritmo dançante
Do nordeste brasileiro
Se originou da toada
Do popular violeiro
E imortalizou Luiz
Nosso maior sanfoneiro.

Cantando, Luiz Gonzaga,
Resgatou nosso nordeste
Tocou baião, polca e xote,
Com o baião passou no teste
Engrandeceu nosso chão
Como um bom “cabra da peste”.

Declarou Luiz Gonzaga:
– Após a minha partida
Eu quero enfim ser lembrado
Como quem cantou a lida
Do sertanejo e amou
Toda essa gente sofrida.

 

Eu quero que não esqueçam
Que cantei sempre o sertão
Os padres, os cangaceiros,
O covarde, o valentão,
As secas, os animais,
E as aves de arribação…

Fui um historiador
Do nordeste brasileiro
Documentei seus costumes
Junto de cada parceiro
Cantei minha região,
Fui fiel e verdadeiro.

Gonzagão e Raul Seixas
Provam genialidade
Cada qual compondo um hino,
Conforme a realidade,
Um falando do sertão
E o outro de liberdade.

Hino nacional do povo
Segundo Mestre Marçal
É a toada Asa Branca
E do Raul liberal
Sociedade Alternativa
É o hino universal.

Inda criança Raul
Escutava Gonzagão
Na adolescência o Elvis
Completava a formação
Musical para que ele
Criasse o Rock-Baião.

Juntando tais influências
Raulzito genial
Fez então Let Me Sing
E o Sétimo Festival
Da Canção ele venceu
De forma sensacional.

K, lembrei de Karolina
Que era mulher faceira.
Conforme Luiz Gonzaga
Também era presepeira…
A “Karolina com K”,
Dançarina de primeira.

Luiz marcou Raul Seixas
Cantando Cintura Fina
Lorota Boa, entre outras,
De raiz bem nordestina
Porém Raul foi autêntico
E isso é que me fascina.

Mas, pra Raul e Luiz,
Tinha o destino proposto
No ocaso da existência
Sumirem feito sol posto,
Morreram em Oitenta e Nove,
Ambos no mês de Agosto.

No dia dois desse mês
Luiz foi pro infinito
E no dia vinte e um
Seguia-lhe Raulzito
Segundo Otávio Menezes
Houve um encontro bonito.

Os covers que me desculpem,
Reflitam por um segundo:
“Cada um é um universo…”
“Cada cabeça é um mundo…”
“Siga o seu próprio caminho…”
Aqui Raul foi profundo!

Porque Raul sempre teve
Forte personalidade
Curtiu Luiz, Lennon e Elvis
Com particularidade,
Não foi cover de ninguém.
Tinha a própria identidade.

Quero lembrar Raulzito
Não como um simples roqueiro
Pois cantou diversos gêneros
Com o intuito verdadeiro
De dar um alertar, um toque,
Para o povo brasileiro.

Raul com certeza não
Foi “apenas o cantor”
Ele que desde criança
Sonhava em ser escritor
Com a mente além de seus dias
Foi um livre pensador.

Sessenta e quatro anos fez
Que Raulzito nasceu
E agora já vinte anos
Completou que ele morreu,
Mas é eterno na mente
De quem o compreendeu.

Todos tiveram parceiros.
Gonzaga: Humberto Teixeira
E o famoso Zé Dantas.
Raul teve um de primeira:
O mago Paulo Coelho,
Que marcou sua carreira.

Um dia Raul falou
Algo que me convenceu.
Ele disse: “Antes de ler
O livro que o Guru deu
Abra o olho, meu ‘cumpadi’,
Procure escrever o seu!”

Viva Raul Santos Seixas
Que cumpriu sua missão
E embarcou no Trem das Sete,
“O último trem do sertão”,
Pra festejar no infinito
Com Luiz, Rei do Baião.

White wings, versão
De “Asa Branca” em inglês,
Umas das muitas proezas
Que Dom Raulzito fez.
O som ficou bem “maneiro’,
Isso eu garanto a vocês!

Xote Ecológico tem letra
Falando de ecologia
Gonzagão com Aguinaldo
Nessa bela poesia
Nos fala de Chico Mendes
E o crime, então, denuncia.

“Y lá é psiloni”,
Assim cantou Gonzagão.
Brincou com nosso alfabeto
Em um gostoso baião
Cujo título apropriado
É “ABC do sertão”.

Zumbizando feito a mosca
Na sopa, Raul provou.
Que a verdade incomoda.
Nas musicas que ele cantou
Lucidez é o legado
Que para os seus fãs deixou.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 19 de outubro de 2024

GRANDES MESTRES DO REPENTE (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

Poeta cantador pernambucano Otacílio Batista Patriota (1923-2003)

* * *

Otacílio Batista

Certa vez fui convidado
Para dançar numa festa
Perto de Nova Floresta
Na Vila do Pau Inchado
Eita forró animado:
Chega a poeira cobria
Mas a mulher que eu queria
Do Pau não se aproximava
Quando eu ia ela voltava
Quando eu voltava ela ia.

* * *

O poeta e o passarinho
são ricos de inteligência
simples como a natureza
eternos como a ciência
estrelas da liberdade
peregrinos da inocência.

Herdeiros da providência,
um no chão, outro voando,
um pena com tanta pena
outro sem pena penando,
um canta cheio de pena,
outro sem pena cantando.

* * *

Arnaldo Cipriano de Souza

A mulher do meu encanto
saiu comigo em passeio,
eu guiando um veraneio,
de uísque bebi um tanto,
chegando no Bel-recanto,
fomos dar ar no pneu,
a câmara de ar encheu,
no nono mês estourou:
eu pequei, ela pecou,
mas o culpado fui eu.

* * *

João Paraibano

Faço da minha esperança
Arma pra sobreviver,
Até desengano eu planto
Pensando que vai nascer
E rego com as próprias lágrimas
Pra ilusão não morrer.

Há três coisas nesta vida
Que Deus me deu e eu aceito:
A terra para os meus pés,
A viola junto ao peito
E um castelo de sonhos
Pra ruir depois de feito.

* * *

Braulio Tavares

Superei com o valor da minha prosa
o meu mestre imortal Graciliano,
os romances de Hermilo e de Ariano
e as novelas de João Guimarães Rosa;
sou maior que Camões em verso e glosa,
com Pessoa também fui comparado,
tenho a verve do estilo de Machado
e a melódica lira de Bandeira:
sou o Gênio da Raça Brasileira
quando canto martelo agalopado!

* * *

Zé Vicente da Paraíba

O reflexo de estrelas luminosas
São lanternas de Deus no firmamento
Fica muito suave a voz do vento
Evitando qualquer destruição
Os rebanhos deitados pelo chão
E cada pássaro no galho se aquieta
Enriquece o juízo do poeta
O cair de uma noite no sertão.

* * *

Manuel Lira Flores

Quando as tripas da terra mal se agitam
e os metais derretidos se confundem,
os escuros diamantes que se fundem
das crateras ao ar se precipitam.
As vulcânicas ondas que vomitam
grossas bagas de ferro incendiado
ao redor deixam tudo sepultado
só com o som da viola que me ajuda:
treme o sol, treme a terra, o vento muda
quando eu canto o martelo agalopado!

* * *

Joaquim Vitorino

Tenho enorme inteligência
Poeta não me dá vaia
Sou vento rumorejando
Nos coqueiros de uma praia
Sou mesmo, que Rui Barbosa
Na conferência de Haia.

* * *

Diniz Vitorino cantando com Manoel Xudu

Manoel Xudu

Voei célere aos campos da certeza
E com os fluidos da paz banhei a mente
Pra falar do Senhor Onipotente
Criador da Suprema Natureza
Fez do céu reino vasto, onde a beleza
Edifica seu magno pedestal
Infinita mansão celestial
Onde Deus empunhou saber profundo
Pra sabermos nas curvas deste mundo
Que ele impera no trono divinal.

Diniz Vitorino

Vemos a lua, princesa sideral
Nos deixar encantados e perplexos
Inundando os céus brancos de reflexos
Como um disco dourado de cristal
Face cálida, altiva, lirial
Inspirando canções tenras de amor
Jovem virgem de corpo sedutor
Bem vestida num “robe” embranquecido
De mãos postas num templo colorido
Escutando os sermões do Criador.

Manoel Xudu

Os astros louros do céu encantador
Quando um nasce brilhando, outro se some
E cada astro brilhante tem um nome
Um tamanho, uma forma, brilho e cor
Lacrimosos vertendo resplendor
Como corpos de pérolas enfeitados
Entre tronos de plumas bem sentados
Vigiando as fortunas majestosas
Que Deus guarda nas torres luminosas
Que flutuam nos paramos azulados.

Diniz Vitorino

Olho os mares, os vejo revoltados
Quando o vento fugaz transtorna as brumas
E as ondas raivosas lançam espumas
Construindo castelos encantados
As sereias se ausentam dos pecados
Que nodoam as almas dos humanos
E tiram notas das cordas dos pianos
Que o bom Deus ocultou nos verdes mares
E gorjeiam gravando seus cantares
Na paisagem abismal dos oceanos.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 12 de outubro de 2024

AQUI MORAVA UM REI – Ariano Suassuna (CORDEL DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

Aqui morava um rei quando eu menino
Vestia ouro e castanho no gibão,
Pedra da Sorte sobre meu Destino,
Pulsava junto ao meu, seu coração.

Para mim, o seu cantar era Divino,
Quando ao som da viola e do bordão,
Cantava com voz rouca, o Desatino,
O Sangue, o riso e as mortes do Sertão.

Mas mataram meu pai. Desde esse dia
Eu me vi, como cego sem meu guia
Que se foi para o Sol, transfigurado.

Sua efígie me queima. Eu sou a presa.
Ele, a brasa que impele ao Fogo acesa
Espada de Ouro em pasto ensanguentado.

 

 

Ariano Suassuna, João Pessoa-PB (1927-2014)


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 05 de outubro de 2024

UM POEMA GASOSO DE OTACÍLIO BATISTA (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

Poeta cantador pernambucano Otacílio Batista Patriota (1923-2003)

* * *

O VALOR QUE O PEIDO TEM – Otacílio Batista Patriota

O peido é bom toda hora
Sem peido não há quem passe
A criança quando nasce
Tanto peida como chora
Um peido ao romper da aurora
Eu não troco por ninguém
Há noites que eu solto cem
Peidos grandes e pequenos
Já conheço mais ou menos
O valor que o peido tem.

Um velho já moribundo
Nas agonias da morte
Soltou um peido tão forte
Que se ouviu no outro mundo
O peido gritou no fundo
Que só apito de trem
O velho sentiu-se bem
Levantou-se no outro dia
Dizendo a quem não sabia
O valor que o peido tem.

Pela porta do bufante
Para não morrer de volvo
Diariamente eu devolvo
Peido grande a todo instante
O sujeito ignorante
Não me compreende bem
Fecha a porta do sedem
Deixa o peido apodrecer
Esse morre sem saber
O valor que o peido tem.

Um peido silencioso
Por baixo de um cobertor
É tão grande o seu valor
Que descrevê-lo é custoso
Cheira mais que o mais cheiroso
Vale de Jerusalém
As roseiras de Siquém
As savanas do Saara
Nada disso se compara
O valor que o peido tem.

Ofende muito a pressão
Peido grande encarcerado
Deixa o corpo aliviado
Depois que sai da prisão
As veias do coração
Controlam-se muito bem
Sente o coração também
Uma alegria sem par
Ninguém sabe calcular
O valor que o peido tem.

Uma dor que faz mudar
A cadencia dos ouvidos
São os peidos recolhidos
Que você não quis soltar
Não vá se… prejudicar
Em respeito a seu ninguém
O velho Matusalém
Quase mil anos viveu
Porque toda vida deu
O valor que o peido tem.

Um negro foi se casar
Ou se casava ou morria
Peidou tanto neste dia
Quase derruba o altar
A noiva foi reclamar
Findou peidando também
O padre disse meu bem
Ninguém dar mais do que eu
O valor que o peido tem.

Peido azedo de água soda
Fede a casca de limão
E de jabá com feijão
Passa folgado na roda
Peido nenhum se incomoda
Com censuras de ninguém
Presta um favor quando vem
Aliviar quem padece
É quando a gente conhece
O valor que o peido tem.

Peido fedendo a chulé
Num samba de madrugada
Sai com tanta misturada
Que ninguém sabe o que é
Mais um peido de Pelé
Jogador que vive bem
Passa veloz no vintém
Não há goleiro que pegue
Nenhum bom juiz que negue
O valor que o peido tem.

Que prazer eu não teria
Se um peido se apresentasse
Bem fedorento e peidasse
Deixando a fotografia
Mas o peido não confia
Nos olhos de seu ninguém
São mistérios do além
Não posso compreender
Mas vale a pena saber
O valor que o peido tem.

Um peido em pleno verão
Cheirando a cu de veado
Tava sendo arrematado
Numa festa de leilão
Quando chegou num milhão
Não quis mais gritar ninguém
Naquilo o prefeito vem
Dizendo a honra me cabe
Minha prefeitura sabe
O valor que o peido tem.

Dizia o velho Abrahão
Para seu neto Esaú
O peido agradece ao cu
Depois que sai da prisão,
Peidava um tal de Sansão
Pelado e cego de guia
Temendo a onda bravia
Moisés peidou no oceano
E o papa no Vaticano
Só peida uma vez por dia.

Alguém disse que Jacó
Quando casou com Raquel
Passou a lua de mel
Peidando de fazer dó
Esse parente de Ló
Era genro de Labão,
Davi, pai de Salomão
Poeta, Rei e pastor
Peidava fazendo amor
Na cama fria do chão.

O homem velho esmorece
Assim que a noite aparece
Se deita e faz uma prece
Lá num canto da parede,
Meia noite se levanta
Com secura na garganta
Pega um caneco de flandre
Vai ao pote mata a sede
Solta quatro peido grande
Volta cagado pra rede.

Peido fino é safadeza
Peido alto é cretinice
Peido suave é meiguice
Peido baixo é sutileza
Silencioso é firmeza
Peido brando indica paz
O grosso é dos anormais
Sempre indica frouxidão
Mas chegando a perfeição
O homem não peida mais.

 


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 28 de setembro de 2024

POEMAS DE PATATIVA DO ASSARÉ (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

Antônio Gonçalves da Silva, Assaré-CE (1909-2002)

* * *

MINHA VIOLA

Minha viola querida,
Certa vez, na minha vida,
De alma triste e dolorida
Resolvi te abandonar.
Porém, sem as notas belas
De tuas cordas singelas,
Vi meu fardo de mazelas
Cada vez mais aumentar.

Vaguei sem achar encosto,
Correu-me o pranto no rosto,
O pesadelo, o desgosto,
E outros martírios sem fim
Me faziam, com surpresa,
Ingratidão, aspereza,
E o fantasma da tristeza
Chorava junto de mim.

Voltei desapercebido,
Sem ilusão, sem sentido,
Humilhado e arrependido,
Para te pedir perdão,
Pois tu és a joia santa
Que me prende, que me encanta
E aplaca a dor que quebranta
O trovador do sertão.

Sei que, com tua harmonia,
Não componho a fantasia
Da profunda poesia
Do poeta literato,
Porém, o verso na mente
Me brota constantemente,
Como as águas da nascente
Do pé da serra do Crato.

Viola, minha viola,
Minha verdadeira escola,
Que me ensina e me consola,
Neste mundo de meu Deus.
Se és a estrela do meu norte,
E o prazer da minha sorte,
Na hora da minha morte,
Como será nosso adeus?

Meu predileto instrumento,
Será grande o sofrimento,
Quando chegar o momento
De tudo se esvaecer,
Inspiração, verso e rima.
Irei viver lá em cima,
Tu ficas com tua prima,
Cá na terra, a padecer.

Porém, se na eternidade,
A gente tem liberdade
De também sentir saudade,
Será grande a minha dor,
Por saber que, nesta vida,
Minha viola querida
Há de passar constrangida
Às mãos de outro cantor.

***

MINHA SERRA

Quando o sol nascente se levanta
Espalhando os seus raios sobre a terra,
Entre a mata gentil da minha serra
Em cada galho um passarinho canta.

Que bela festa! Que alegria tanta!
E que poesia o verde campo encerra!
O novilho gaiteia a cabra berra
Tudo saudando a natureza santa.

Ante o concerto desta orquestra infinda
Que o Deus dos pobres ao serrano brinda,
Acompanhada da suave aragem.

Beijando a choça do feliz caipira,
Sinto brotar da minha rude lira
O tosco verso do cantor selvagem.

***

ARTE MATUTA

Eu nasci ouvindo os cantos
das aves de minha serra
e vendo os belos encantos
que a mata bonita encerra
foi ali que eu fui crescendo
fui vendo e fui aprendendo
no livro da natureza
onde Deus é mais visível
o coração mais sensível
e a vida tem mais pureza.

Sem poder fazer escolhas
de livro artificial
estudei nas lindas folhas
do meu livro natural
e, assim, longe da cidade
lendo nessa faculdade
que tem todos os sinais
com esses estudos meus
aprendi amar a Deus
na vida dos animais.

Quando canta o sabiá
Sem nunca ter tido estudo
eu vejo que Deus está
por dentro daquilo tudo
aquele pássaro amado
no seu gorjeio sagrado
nunca uma nota falhou
na sua canção amena
só canta o que Deus ordena
só diz o que Deus mandou.

* * *

O POETA DA ROÇA

Sou fio das mata, cantô da mão grossa,
Trabáio na roça, de inverno e de estio.
A minha chôpana é tapada de barro,
Só fumo cigarro de páia de mío.

Sou poeta das brenha, não faço o papé
De argum menestré, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola,
Cantando, pachola, à percura de amô.

Não tenho sabença, pois nunca estudei,
Apenas eu sei o meu nome assiná.
Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre,
E o fio do pobre não pode estudá.

Meu verso rastêro, singelo e sem graça,
Não entra na praça, no rico salão,
Meu verso só entra no campo e na roça
Nas pobre paioça, da serra ao sertão.

Só canto o buliço da vida apertada,
Da lida pesada, das roça e dos eito.
E às vez, recordando a feliz mocidade,
Canto uma sodade que mora em meu peito.

Eu canto o cabôco com sua caçada,
Nas noite assombrada que tudo apavora,
Por dentro da mata, com tanta corage
Topando as visage chamada caipora.

Eu canto o vaquêro vestido de côro,
Brigando com o tôro no mato fechado
Que pega na ponta do brabo novio,
Ganhando lugio do dono do gado.

Eu canto o mendigo de sujo farrapo,
Coberto de trapo e mochila na mão,
Que chora pedindo o socorro dos home,
E tomba de fome, sem casa e sem pão.

E assim, sem cobiça dos cofre luzente,
Eu vivo contente e feliz com a sorte,
Morando no campo, sem vê a cidade,
Cantando as verdade das coisa do Norte.

* * *

 

 

 

 


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 21 de setembro de 2024

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

O Poeta pernambucano de Caruaru Ivanildo Vilanova, um dos maiores nomes da cantoria nordestina na atualidade

* * *

Ivanildo Vilanova glosando o mote:

No sertão falta água para o gado
Porém sobra nos olhos do vaqueiro.

No sertão quando o solo está enxuto
Sofrem dois elementos de uma vez
Falta líquido pra língua de uma rês
Chovem gotas dos olhos do matuto
Ser humano padece, sofre o bruto
O segundo bem mais que o primeiro
Se dos olhos caísse um aguaceiro
O problema estaria saneado
No sertão falta água para o gado
Porém sobra nos olhos do vaqueiro.

Dá um nó emotivo na garganta
Quando a época da chuva vai embora
Sobra lágrima nos olhos de quem chora
Falta água na cova de quem planta
Se dos olhos cair não adianta
Que não enche cacimba e nem barreiro
Cresce mais a angustia e o desespero
Vendo o bicho sofrer sem ser culpado
No sertão falta água para o gado
Porém sobra nos olhos do vaqueiro.

Se repete esse drama no sertão
Fortaleza abissal dos aperreios
Os olhares humanos estão cheios
Mas os rios e poços não estão
Uma gota do céu não cai no chão
Ressecando inda mais o tabuleiro
Muge o boi mas da água nem o cheiro
Chora o homem com pena do coitado
No sertão falta água para o gado
Porém sobra nos olhos do vaqueiro.

Um vaqueiro soluça de manhã
Sem ter água no poço ou na cascata
Anda até seis quilômetros com uma lata
Perde as forças na aventura vã
Vê tombando de sede uma marrã
Uma vaca uma cabra ou um carneiro
E um garrote pertinho de um facheiro
À espera do líquido esverdeado
No sertão falta água para o gado
Porém sobra nos olhos do vaqueiro.

* * *

Marcilio Pá Seca Siqueira glosando o mote:

O caderno do tempo é testemunha
Dos bilhetes que fiz pensando nela .

No caderno do tempo eu anotei
Cada frase de amor que fora dita
Rascunhei no papel deixei escrita
E num cofre fechado eu arquivei
Outro dia lembrando eu acordei
Vi nos velhos papéis o rosto dela
Reabriu a ferida da sequela
Como garras de fera que azunha
O caderno do tempo é testemunha
Dos bilhetes que fiz pensando nela.

* * *

Maurício Menezes glosando o mote:

Não há verso no mundo que retrate
A grandeza do povo sertanejo.

Procurei encontrar inspiração
Num recanto de terra pequenina
Pra fazer um poema em descrição
Das histórias da vida nordestina
Mas olhando para a força dessa gente
Vi que um verso não é suficiente
Pra mostrar a beleza do que vejo
Um poema seria um disparate
Não há verso no mundo que retrate
A grandeza do povo sertanejo.

* * *

Manoel Bentevi glosando o mote:

O mundo só está prestando
Depois que eu não presto mais.

Quem é novo e tem dinheiro
Faz na vida o que bem quer:
Nunca lhe falta mulher
Neste país brasileiro.
Se eu fosse moço e solteiro
Vivia nos lupanais
Nos cabarés, nos fuás
Com as meninas brincando
O mundo só está prestando
Depois que eu não presto mais.

* * *

Lenelson Piancó glosando o mote:

Ninguém põe tornozeleira
No pé do meu coração.

A mulher, de vez em quando
Fica brava e cria asa
Me põe da rua pra casa
Fica na praça dançando.
Essa mulher tá pensando
Que eu nessa situação
Não vou atrás de um colchão
De uma doida que me queira
Ninguém põe tornozeleira
No pé do meu coração!

* * *

Dalinha Catunda glosando o mote:

Duvido ter um vivente
Pra mentir mais do que eu…

Um dia me montei nua
E no cavalo do cão
Sobrevoei o Japão
Mas meu destino era a lua
No bicho sentei a pua
Ele logo obedeceu
O dragão me recebeu
Mas capei ele no dente
Duvido ter um vivente
Pra mentir mais do que eu…


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 14 de setembro de 2024

UNS VERSOS BEM ATUAIS (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

 

UNS VERSOS BEM ATUAIS

Pedro Malta

Mote e glosas do poeta paraibano José de Anchieta Batista.

Passa o tempo pregando honestidade,
Todo mundo sabendo que é ladrão.

Diz que é servo de Deus, mas o demônio
Deve ser o seu guia e companheiro.
Do Tesouro, roubou muito dinheiro,
Pra formar este enorme patrimônio…
Debaixo da camada de ozônio,
Não existe um sujeito mais vilão,
Procurar outro igual será em vão,
No grande lamaçal da improbidade:
– Passa o tempo pregando honestidade,
Todo mundo sabendo que é ladrão.

No domingo o safado está na Missa
Como um anjo aos pés do Criador,
Faz ofertas também a algum pastor,
Diz que a Deus sua alma é submissa,
Prega paz, prega amor, prega justiça,
Prega tudo o que traz a salvação,
Diz que Cristo foi sua redenção
E que vive na luz e na verdade:
– Passa o tempo pregando honestidade,
Todo mundo sabendo que é ladrão.

É comprando seus votos que é eleito,
E assim, nunca perde o seu mandato.
O safado é ligeiro igual a um rato,
E na arte do roubo ele é perfeito,
Pois aí ele encontra sempre um jeito
De burlar os caminhos da prisão.
Não vai longe uma só acusação…
“É coisa de inimigo, é só maldade!”
– Passa o tempo pregando honestidade,
Todo mundo sabendo que é ladrão.

É por isso que nossa humilde gente,
Sem remédio, sem médico, sem leito…
Nos hospitais mendiga seu direito,
Mas nada importa a dor que o povo sente.
E este bandido zomba impunemente
Da indigência da população…
Que sem comida, emprego e habitação
É por ele assaltada sem piedade…
– Passa o tempo pregando honestidade,
Todo mundo sabendo que é ladrão.

Porém Deus que não tem olhos fechados
E não deixa um pecado sem cobrança…
Vai fazê-lo subir numa balança,
Pra medir quanto pesam seus pecados…
Os tostões, um por um, serão cobrados…
Eu não sei de que jeito, mas serão!
Roubar do povo é crime sem perdão,
Pois só os pobres sofrem de verdade…
– Passa o tempo pregando honestidade,
Todo mundo sabendo que é ladrão.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 07 de setembro de 2024

SEIS MESTRES DO IMPROVISO E UM CORDEL DE PELEJA (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, Assaré-CE (1909-2002)

* * *

Patativa do Assaré:

Sou poeta afamado
das bandas do Assaré
respeito home casado,
moça, menina e muié,
pra acabar com essa peleja
pode ser que sua mãe seja
pueta tirando o é.

* * *

Manoel Xudu:

Voei célere aos campos da certeza
E com os fluidos da paz banhei a mente
Pra falar do Senhor onipotente
Criador da suprema natureza
Fez do céu reino vasto, onde a beleza
Edifica seu magno pedestal
Infinita mansão celestial
Onde Deus empunhou saber profundo
Pra sabermos nas curvas deste mundo
Que Ele impera no trono divinal.

* * *

Antonio Marinho do Nascimento:

Eu sou de uma terra de heróis e vilões
Valentes, covardes, fortes e fracos
De pretos, de brancos, brilhantes e opacos
De homens- farrapos, de homens-brasões
Todos personagens de destruições
Que ousam, que teimam a história manchar
O índio morrendo e o negro a clamar
Que seu cativeiro chegasse ao final
Sentindo o chicote frio de Portugal
Fazer jorrar sangue na beira do mar .

* * *

Otacílio Batista Patriota:

Ao romper da madrugada,
um vento manso desliza,
mais tarde ao sopro da brisa,
sai voando a passarada.
Uma tocha avermelhada
aparece lentamente,
na janela do nascente,
saudando o romper da aurora,
no sertão que a gente mora,
mora o coração da gente.

O cantador violeiro
longe da terra querida,
sente um vazio na vida,
tornando prisioneiro,
olha o pinho companheiro,
aí começa a tocar,
tem vontade de cantar,
mas lhe falta inspiração.
Que a saudade do sertão
faz o poeta chorar.

* * *

João Viana dos Santos:

Há entre o homem e o tempo
Contradições bem fatais,
O homem não faz, mas diz,
O tempo não diz , mas faz,
O homem não traz nem leva,
Mas o tempo leva e trás.

* * *

Lira Flores:

Quando as tripas da terra mal se agitam
E os metais derretidos se confundem
E os escuros diamantes que se fundem
Das crateras ao ar se precipitam,
As vulcânicas ondas que vomitam
Grossas bagas de ferro incendiado
Em redor deixam tudo sepultado!
Só com o som da viola que me ajuda,
Treme o sol, treme a terra, o tempo muda,
Eu cantando martelo agalopado!

* * *

A PELEJA DE BERNARDO NOGUEIRA E O PRETO LIMÃO – João Martins de Athayde

Em Natal já teve um negro
Chamado Preto Limão
Representador de talento
Poeta de profissão
Em toda parte cantava
Chamando o povo atenção

Esse tal Preto Limão
Era um negro inteligente
Em toda parte que chega
Já dizia abertamente
Que nunca achou cantador
Que lhe desse no repente

Nogueira sabendo disto
Prestava pouca atenção
Dizendo: – eu nunca pensei
Brigar com Preto Limão
Sendo assim da raça dele
Eu não deixo nem pagão

O encontro destes homens
Causou admiração
Que abalou o povo em roda
Daquela povoação
Pra ver Bernardo Nogueira
Brigar com Preto Limão

 

Eu sou Bernardo Nogueira
Santificado batismo
Força de água corrente
Do tempo do Sacratíssimo
Quando eu queimo as alpercatas
Pareço um magnetismo

Me chamam Preto Limão
Sou turuna no reconco
Quebro jucá pelo meio
Baraúna pelo tronco
Cantador como Nogueira
Tudo obedece meu ronco

Seu ronco não obedeço
Você pra mim não falou
Até o diabo tem pena
Das lapadas qu’eu lhe dou
Depois não saia dizendo:
– Santo Antônio me enganou!

Bernardo eu não me enganei
Agora é que eu pinto a manta
Cantor pra cantar comigo
Teme, gagueja, se espanta
Dou murro em braúna velha
Que o entrecasco alevanta!

Você pra cantar comigo
Precisa fazer estudo
Pisar no chão devagar
Fazer o passo miúdo
Dormir tarde, acordar cedo
Dar definição de tudo…

Você pra cantar comigo
Tem de cumprir um degredo
Pisar no chão devagar
Bem na pontinha do dedo
Dar definição de tudo
Dormir tarde, acordar cedo…

Cantor que canta comigo
Estira como borracha
O suor do corpo mina
Os olhos salta da caixa
Quer tomar pé mas não pode
Procura o fôlego e não acha…

Nogueira, estás enganado
Queira Deus você não rode
Teimar com Preto Limão
Você quer porém não pode
Se cair nas minhas unhas
Hoje aqui nem Deus acode!

Moleque, se eu te pegar
Me escancho em tuas garupas
Das pernas eu faço gaita
Da cabeça uma cumbuca
Dos queixos um par de tamanco
Da barriga chupa-chupa

Nogueira se eu te pegar
Até o diabo tem dó!
Desço de goela abaixo
Em cada tripa dou nó
Subo de baixo pra cima
E vou morrer no gogó

Da forma qu’eu te deixar
Não vale a pena viver
Porque teus próprios amigos
Não hão de te conhecer
Corto-te os beiços de cima
Faço te rir sem querer!

Você vai ficar pior
Send’eu já estava chorando
Porque de ora em diante
Hás de falar bodejando
Corto-te a ponta da língua
Fica o tronco balançando

O resto de tua vida
Terás muito o que contar
Dês de perto, abertamente
Se acaso desta escapar
Diga que foste ao inferno
Depois tornaste a voltar

Tive uma pega com Inácio
Moleque bom na madeira
É negro que não se afronta
Com dez léguas de carreira
Dum açoite que dei nele
Quase larga a cantingueira

Você cantou com Inácio
Porém só foi uma vez
E faz vergonha contar
O que foi qu’ele te fez
Te pôs doente um ano
Aleijado mais dum mês

Inácio não me fez nada
Porque vivia cismado
Duma surra qu’eu dei nele
Há vinte do mês passado
De preto ficou cinzento
Quase morre asfixiado

Moleque tu me conhece
Como cantor afamado
No lugar qu’eu ponho a boca
É triste teu resultado
Tive uma pega com Inácio –
Já vi serviço pesado!

É porque você não viu
Preto Limão enfezado
Acendia os horizontes
De um para o outro lado
Rasga as decondências dele
De um negro encondensado

Tive aperreado um dia
Fiz a terra dar um tombo
No recreio da parcela
O mar é surdo urubombo
Cobri o mundo de fogo
E nada me fez assombro

Você fazendo tudo isso
Dá prova de homem forte
Eu já o considerava
Pela sua infeliz sorte
Se você chegasse a ir
Ao Rio Grande do Norte

Se eu for lá ao Rio Grande
Até voc6e desanima
O sol perderá seus raios
A terra, o mundo e o clima
Tapo a boca do rio
Deixo correndo pra cima!

Se me tapares o rio
Verás como eu sou tirano
Rasgo pela terra a dentro
E vou sair no oceano
Deixo a maré do Brasil
Enchendo uma vez por ano!

Moleque, o que você tem?
Parece um pinto nuelo?
Contaste tanta façanha
Como estás tão amarelo?
Quanto mais você se visse
Seu Nogueira no martelo

Se eu cantar o martelo
Você encontra banzeiro
Qu’eu perco a fé em doente
Quando muda o travesseiro
Afinal siga na frente
Qu’eu irei por derradeiro

O cantor qu’eu pegá-lo no martelo
Pego na goela
O cabra esmorece
A língua desce
Os olhos racha
Salta da caixa
Por despedida
Procura a vida
Porém não acha

Tenho chumbo e bala
Para seu Nogueira
Cantador goteira
Pra mim não fala
Dentro duma sala
Fica entupido
E amortecido
E sem recurso
Até o pulso
Lhe tem fugido

É na bebedeira
Que o preto morre
Tropeça e corre
Topa ladeira
Mede porteira
E passadiço
E alagadiço
Se for com trama
Se encontrar lama
Topa serviço

Duro de fama
Dura bem pouco
Que o pau que é oco
Não bota rama
Chora na cama
Qu’é lugar quente
Quebro-te dente
Furo-te a língua
Faço-te íngua
Cabra insolente

Vante o perigo
É qu’sou valente
Sou a serpente
Do tempo antigo
Negro comigo
Não tem ação
Boto no chão
Quebro a titela
Arranco a moela
Levo na mão

Nogueira, tu reparaste
Num sujeito que chegou?
Trouxe um recado urgente
Que minha mulher mandou
Por hoje eu não canto mais
Fique cantando qu’eu vou…

Não quero articulação
Vá se embora seu caminho
Canário que estala muito
Costuma borrar o ninho
Quem gosta de surrar negro
Não pode cantar sozinho

Naquele mesmo momento
Saiu o Preto Limão
Deixou o povo na sala
Tudo em uma confusão
Uns diziam que correu
Outros diziam que não

Quando o Preto voltou
Nogueira tinha saído
Preto Limão disse ao povo:
– Vão chamar o atrevido
Venham olhar bem de perto
Como se açoita um bandido

Foram chamar o Nogueira
Estando ele descansado
Deitado na sua rede
Quando chegou-lhe o recado
Nogueira com muito gosto
Foi acudir ao chamado

Quando Nogueira chegou
Encontrou Preto Limão
Acuado numa sala
Ringia que só leão
Naquele mesmo momento
Começaram a descrição

Cantador qu’eu pegá-lo de revez
Com o talento qu’eu tenho no meu braço
Dou-lhe tanto que deixo num bagaço
Só de murro, tabefe e pontapés
Só de surras eu dou-lhe mais de dez
E o povo não ouve um só grito
Faz careta e se vale do Maldito
Miserável, tua culpa te condena
Mas quem é que no mundo terá pena
Deste monstro que morre tão aflito?

Cantador com Nogueira não peleja
Sendo assim como o tal Preto Limão
Só se for pra tomar minhas lição
Ele engole calado e não bodeja
Vai comendo da mesa o que sobeja
Precisa me tratar com muito agrado
No instante fazer o meu mandado
É de pressa, é ligeiro, é sem demora
Qu’eu não gosto de moleque que se escora
Pois assim é qu’eu o quero por criado

Vale a pena não seres cantador
É melhor trabalhares alugado
Vai cumprir por aí teu negro fado
Vai viver sob o ferro dum feitor
Da senzala já és um morador
Teu trabalho é lá na bagaceira
O que ganhas não dá pra tua feira
Renego tua sorte tão mesquinha
Que te assujeitas às amas da cozinha
E te ofereces pra delas ser chaleira

Este homem já vive desvalido
É descrente de Deus e da Igreja
Lúcifer o teu nome já festeja
Tu só podes viver é sucumbido
Sois tão ruim que só andas escondido
Para Deus nunca mais serás fiel
Tua raça é descendente de Lusbel
Que do céu já perdeste a preferência
Farás tua eterna convivência
Lá embaixo dos pés de São Miguel

Tu pareces que vinhas na carreira
Sempre olhando pra frente e para trás
Como quem chega assim veloz de mais
Eu vi bem quatro paus de macaxeira
Uma jaca partida e outra inteira
Também vi dois balaios de algodão
Creio que tu já foste um ladrão
Com o peso fazia andar sereno
Às dez horas da noite, mais ou menos
Encontrei-te com esta arrumação

Meus senhores de dentro do salão
Este enorme convívio de alegria
Exaltar este homem é covardia
Só lhe falta o nome de ladrão
Para o povo tem sido muito exato
Só o que tem é que peru, galinha e pato
No lugar que ele mora não se cria
Muita gente aqui já desconfia
Que ele passa lição a qualquer rato

Quiosque fechado não se vende
Cantador sem rimar é desfeitado
Como tu neste banco te alevantas
Não precisa que o povo me encomende
Quem é cego de nada compreende
Vive numa masmorra anzolado
Por que eu já o tenho projetado
Desta tua incivil sorte mesquinha
Eu te deixo no mato sem caminho
Sob as garras dum gancho pendurado

Cantador capoeira não me aguenta
Inda duro e valente qu’ele seja
Com Bernardo Nogueiras não peleja
Adoece, entisica e se arrebenta
Dou na testa, dou na boca, dou na venta
Desta pisa ele fica amortecido
Endoidece, fica vário do sentido
Eu o boto na roda e no manejo
Ficará satisfeito meu desejo
Pra não seres cantador intrometido

Te arrepende da hora que nasceste
Seu Nogueira como é tão infeliz
Tua vida no mundo contradiz
Contra mim pelejando não venceste
Na prisão de masmorra já sofreste
Tua vida já perde as esperança
Eu armei uma forca e uma balança
Num minuto hás de ser bem degolado
Ficará todo mundo consolado
Preto Limão só assim terá vingança!

Eu já tenho um moinho de quebrar osso
Uma prensa ingleza preparada
Qu’inda ontem imprensei um camarada
Qu’era duro, valente e muito moço
Eu já tenho guardado o teu almoço
Qu’é um bolo de ovos com manteiga
Pra cantor malcriado que lá chega
Eu agarro na gola desse cuba
Piso a carne diluída e faço puba
Se eu não matar levo ele para a pega

Quando eu apareço numa casa
Que me mandam então eu divertir
Quatro, cinco dias vê cair
Relâmpago, trovão, corisco e brasa
Cantador comigo não se atrasa
E quem for valente, já morreu
A tocha de fogo já desceu
Meu martelo é de ferro e aço puro
Cantador comigo está seguro
Nunca houve um martelo como o meu…

Você diz que no martelo é atrevido
E somente porque não considera
Você nas minhas unhas desespera
Fica louco e quase sem sentido
Numa hora ficarás doido varrido
Teu repente não passa de besteira
As peiadas que eu te dou levanta poeira
Todo o povo já lhe tem é compaixão
Eu te deixo embolando pelo chão
Como porco que bebe manipueira

Dou-te sufregada
Dou-te tapa-queixo
Com pouco te deixo
Com a boca lascada
A língua puxada
Três palmo de fora
Casco-te as esporas
P’rós teus suvaco
Faço raco-raco
Danado, tu chora!

Dou-te bofetão
No pé do cangote
Eu vou no pacote
Do Preto Limão
Eu boto no chão
E piso a barriga
Espirra a lombriga
Os pinto comendo
O povo dizendo:
– Aguenta a espiga !


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 31 de agosto de 2024

GRANDES MESTRES DO REPENTE - 29.09.23 (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA

Lourival Batista, o Louro do Pajeú (1915-1992)

Lourival Batista:

Que beleza, se vê de manhãzinha,
Quando o sol vem surgindo no horizonte,
Espalhando seus raios sobre o monte,
E o sino a tocar na igrejinha!
Borboleta, canário e andorinha
Festejando o nascer duma alvorada!…
Quem não gosta de ouvir a passarada,
Desconhece o sertão dos cantadores,
Onde a brisa cochila com as flores,
Anunciando o começo da invernada!

José Monte:

É bonito se olhar numa represa
A marreca puxando uma ninhada
Com um gesto de mãe tão dedicada
No encontro das águas da represa
Quanto é lindo o arrolho da burguesa
Num conserto de notas musicais
A lagarta com letras naturais
Numa folha escrever fazendo um cheque
E palmeira selvagem abrindo o leque
Espantando o calor que a tarde faz .

Otacílio Batista Patriota:

O cantador violeiro
longe da terra querida,
sente um vazio na vida,
tornando prisioneiro,
olha o pinho companheiro,
aí começa a tocar,
tem vontade de cantar,
mas lhe falta inspiração.
Que a saudade do sertão
faz o poeta chorar.

Louro Branco:

Acho bonito o inverno
Quando o rio está de nado
Que um sapo faz oi aqui
Outro,oi do outro lado
Parece dois cantadores
Cantando mourão voltado.

Eliseu Ventania:

Pelo inverno, quando é de madrugada
A passarada dá sinal que o dia vem
Rio correndo, mato verde, açude cheio,
Naquele meio, todo mundo vive bem.
O sertanejo trabalhando em seu roçado
Muito animado com o ronco do trovão.
A meninada toma banho na lagoa,
Oh! Quanto é boa nossa vida no sertão.

João Paraibano:

Faço da minha esperança
Arma pra sobreviver
Até desengano eu planto
Pensando que vai nascer
E rego com as próprias lágrimas
Pra ilusão não morrer.

*

Coruja dá gargalhada
Na casa que não tem dono
A borboleta azulada
Da cor de um papel carbono
Faz ventilador das asas
Pra rosa pegar no sono.

*

A juventude não dá
Direito a segunda via
Jesus pintou meus cabelos
No final da boemia
Mas na hora de pintar
Esqueceu de perguntar
Qual era a cor que eu queria.

Dimas Batista:

João de Barro bem alto faz seu ninho
Preparando de argila uma argamassa
Com as asas e os pés o barro amassa
E a colher de pedreiro é seu biquinho
Quem teria ensinado ao passarinho
Construção de tão sólida firmeza?
Que lhe serve de abrigo e de defesa
Contra o sol, contra a chuva e contra tudo
Pequenino arquiteto sem estudo
Quanto é grande e formosa a natureza!

Beija-Flor:

O homem fez um motor
Um rádio e televisão
Fabricou um avião
Obra de tanto valor
O homem fez um motor
Pra correr nas profundezas
Fez uma cama e um mesa
Um revólver e um faca
Morre e não faz uma jaca
Que é fruto da natureza.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 24 de agosto de 2024

UM IMPROVISO DE DIMAS BATISTA (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

Veja os detalhes da imagem relacionada. Dimas Batista - Paraíba Criativa

Dimas Batista Patriota, São José do Egito-PE (1921-1986)

 

 

É no sangue, é no povo, é no tipo, é na raça,
é no riso, é no gozo, é no gosto, é na graça;
é no pão, é no doce, é no bolo, é na massa;
é na massa, é no bolo, é no doce, é no pão;
é cruzado, é vintém, é pataca, é tostão;
é tostão, é pataca, é vintém, é cruzado;
é quadrão, é quadrinha, é quadrilha, é quadrado;
é quadrado, é quadrilha, é quadrinha, é quadrão.

É na corda, é na ponta, é na volta, é no laço;
é no pulo, é no salto, é no chouto, é no passo;
é na unha, é no dedo, é na mão, é no braço;
é no braço, é na mão, é no dedo, é na unha;
é no brado, é no grito, é na voz, na canção.
Na canção, é na voz, é no grito, é no brado;
é quadrado, é quadrinha, é quadrilha, é quadrão;
é quadrão, é quadrilha, é quadrinha, é quadrado.

É no leste, é no oeste, é no sul, é no norte;
é no pouco, é no muito, é no fraco, é no forte;
é no berço, é na cova, é na vida, é na morte;
é criança, é menino, é rapaz, é ancião;
é estado, é cidade, é distrito, é nação.
é nação, é distrito, é cidade, é estado;
é quadrão, é quadrinha, é quadrilha, é quadrado;
é quadrado, é quadrilha, é quadrinha, é quadrado.

É pato, é capote, é peru, é galinha
é no caibro, é na ripa, é na telha, é na linha;
é salão, é saleta, é despensa, é cozinha;
é cozinha, é despensa, é saleta, é salão.
É alpendre, é latada, é bodega, é pensão,
é casebre, é palácio, é castelo, é sobrado;
é quadrado, é quadrinha, é quadrilha, é quadrão,
é quadrão, é quadrilha, é quadrinha, é quadrado.

É no grito, é no assombro, é no susto, é no medo,
é na noite, é no dia, é na tarde, é no dedo;
é na briga, é na queixa, é na intriga, é no enredo,
é espada, é cacete, é punhal, é facão.
É revólver, é pistola, é bofete, empurrão,
é cadeia, é sentença, é juiz, é soldado;
é quadrão, é quadrinha, é quadrilha, é quadrado,
é quadrado, é quadrilha, é quadrinha, é quadrão.

 

Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 03 de agosto de 2024

GRANDES MESTRES DO REPENTE - 13.10.2023 (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

Publicado em 13 de outubro de 2023

 

Diniz Vitorino Ferreira, Monteiro-PB (1940-2010)

 

Diniz Vitorino:

Vemos a lua, princesa sideral
Nos deixar encantados e perplexos
Inundando os céus brancos de reflexos
Como um disco dourado de cristal
Face cálida, altiva, lirial
Inspirando canções tenras de amor
Jovem virgem de corpo sedutor
Bem vestida num “robe” embranquecido
De mãos postas num templo colorido
Escutando os sermões do Criador.

Manoel Xudu Sobrinho:

Os astros louros do céu encantador
Quando um nasce brilhando, outro se some
E cada astro brilhante tem um nome
Um tamanho, uma forma, brilho e cor
Lacrimosos vertendo resplendor
Como corpos de pérolas enfeitados
Entre tronos de plumas bem sentados
Vigiando as fortunas majestosas
Que Deus guarda nas torres luminosas
Que flutuam nos paramos azulados.

Lourival Batista Patriota:

Entre o gosto e o desgosto,
o quadro é bem diferente,
ser moço é ser um sol nascente,
ser velho é ser um sol posto,
pelas rugas do meu rosto,
o que fui hoje não sou,
ontem estive, hoje não estou,
que o sol ao nascer fulgura,
mas ao se pôr deixa escura
a parte que iluminou.

* * *

Um cientista profundo
me perguntou certa vez:
se eu conhecia os três
desmantelos deste mundo.
Eu respondi num segundo
e  dei mais a explicação:
Doido, Mulher e Ladrão:
Doido não tem paciência,
Ladrão não tem consciência,
Mulher não tem coração.

* * *

O cantador repentista
em todo ponto de vista,
precisa ser um artista
de fina imaginação,
para dar capricho à arte
e ter nome em toda parte,
honrando o grande estandarte
dos oito pés de quadrão!

* * *

Dimas Batista Patriota:

Deus vê do céu bem visíveis
Nossos íntimos dilemas
Pra Ele não tem problemas
De soluções impossíveis
Desde que são infalíveis
Os atos do grande Ser
Todos têm que obedecer
Rico, pobre, bom ou mau
Não cai a folha de um pau
Sem nosso Deus não querer.

* * *

Fraqueza da humanidade
Alguém dirá, mas não é
Diz a tradição até
Jesus chorou de saudade
Seu coração de bondade
Da Virgem se despedia
Chorava olhando a Maria
Do Horto da Oliveira
A saudade é companheira
De quem não tem companhia.

* * *

Os carinhos de mãe estremecida
Os brinquedos do tempo de criança
O sorriso fugaz de uma esperança
A primeira ilusão de nossa vida
Um adeus que se dá por despedida
O desprezo que a gente não merece
O delírios da lágrima que desce
Nos momentos de angústia e de desgraça
Passa tudo na vida tudo passa
Mas nem tudo que a gente passa, esquece.

Pinto de Monteiro:

Se em janeiro não houver trovoada
Fevereiro não tem sinal de chuva
Não se vê a mudança da saúva
Carregando a família da morada
Só se ouve do povo é a zuada
Pai e mãe, noiva e noivo, genro e nora
Homem treme com a fome, o filho chora
Se arruma e vão tudo para o Rio
O carão que cantava em meu baixio
Teve medo da seca e foi embora.

* * *

Se for acocho de amor,
aceito e fico contente.
Se ela for carinhosa
e me arrochar novamente,
de nove para dez meses
o padre batiza gente!


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 27 de julho de 2024

UM CORDEL SOBRE USOS E COSTUMES (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

Antônio Batista Guedes (1880-1918) foi um poeta e cantador popular pernambucano.

* * *

COSTUMES E USOS ANTIGOS – Antônio Batista Guedes

Leitor não vos enfadeis
Em ler a apreciação
Que sobre usos e costumes
Faço com toda atenção
E depois direis comigo
Que os usos do tempo antigo
Bem diferente hoje são

Este mundo, antigamente
Uma lei só o regia
Era outra educação
O tempo melhor corria
Mas cresceram as vaidades
E hoje se vê novidades
Que dantes jamais se via

Para provas do que digo
Temos o nosso Brasil
Foi monarquia é república
Suas leis são mais de mil
Delas a que é mais certa
E que mais o povo aperta
É o casamento civil

Qualquer homem sem escrúpulo
Que se casa atualmente
Só com o poder – como dizem,
Os matutos geralmente –
Da mulher se abusando
E de outra se agradando
Pode casar civilmente

E o que abusar da lei
E casar só com efeito
No casamento católico
Ao governo está sujeito
Morrendo milionário
Filho e mulher no inventário
A nada têm direito

Não se via antigamente
Tão grande devassidão
Os pais de família usavam
A mais séria educação
As famílias que criavam
A bailes não frequentavam
Temiam a religião

 

Um menino antigamente
Se por um caminho ia
E um velho encontrava
Logo a bênção lhe pedia
Hoje em lugar de a bênção
Eles fazem é mangação
Até da mãe que os cria!…

Se estavam duas pessoas
Conversando em um salão
Um menino não passava
Entre elas, isto não,
E se na conversa entrasse
Sem que alguém o chamasse
Sofria repreensão

Hoje, estão duas pessoas
Conversando em uma sala
Passa um menino entre elas
O pai vê porém não fala,
Se fala o filho lhe diz
Que ali passou foi porque quis
O pai o ouve e se cala

Hoje um pai faz o cigarro
O filho pede e acende
Não o achando bem feito
Da forma que ele entende
Diz ao pai pilheriando
Que ele morre fumando
E a fumar não aprende!

Os filhos antigamente
Respeitavam muito aos pais
Não fumavam em sua vista
Não diziam ditos tais
Brinquedo algum frequentavam
E jogo, os que jogavam
Era oculto demais

Hoje o pai vai para o jogo
Lá o filho está primeiro
E os dois na mesma roda
Se põem a jogar dinheiro
Dito vem, pilhéria vai
Entre ambos, filho e pai
Um do outro é parceiro

Os irmãos antigamente
Não eram tão desunidos
Arengar uns com os outros
Pelos pais eram proibidos
E os que eram teimosos
Por castigos rigorosos
Então eram repelidos

Hoje um irmão com outro
Questiona, faz afronta
Os pais ralham, ameaçam
Eles não os levam em conta
Não têm aos pais atenção
Somente a malcriação
Trazem da língua na ponta

Antigamente os pais
Tinham mais religião
A família que criavam
Tinha a obrigação
De aprender a doutrina
E respeitar a lei divina
Com jejum e confissão

Hoje então, o que é que vemos?
São os tais pais de família
Proibir a confissão
E levar filhos e filhas
Pra teatros imorais
E cinemas inda mais
E, indecentes quadrilhas

No povo dos tempos idos
Havia mais inocência,
No de hoje só há maldade
Vaidade e experiência
Pelo que enfim traduzo
Hoje o namoro e o uso
São artes de bem ciência

Os tais namoros modernos
São em si tão corrompidos
As namoradas são falsas
Os namorados fingidos!
Quanto ao uso então os povos
Vão descobrindo usos novos
Os velhos foram esquecidos

De primeiro uma senhora
Fazia um bom vestido
Com nove côvados de chita
E dizia ao marido:
Não deu seu dinheiro à toa
Porque a fazenda é boa
De um pano largo e fornido

Hoje qualquer mulherzinha
Compra quinze e dezesseis
Côvados de chita bem larga
E inda acha escassez
No pano e diz ao marido:
Não saiu o meu vestido
Como o que fulana fez

Antigamente os casacos
Nas saias eram pregados
Tudo muito simplesmente
Sem rodapés nem babados
Eram uso inocente
Que faziam igualmente
Os pobres e os ilustrados

Hoje as senhoras fazem
O casaco decotado
A saia com bico e renda
E às vezes mais de um babado
Camiseta e saiote
Gola, ponta e decote
E o mais que achar de agrado

As fitas antigamente
Eram para anjo e santo
Hoje as senhoras moças
Com fitas se enfeitam tanto
Botam fita com fartura
No cabelo, na cintura
No casaco em todo canto

Antigamente usavam
Botão, anquinha e corpinho
Hoje, é o espartilho
E um cinto apertadozinho
Quem viu na antiga data
Mulher andar de gravata
Punhos, chapéu, colarinho?

São inúmeros os usos
Que pelo mundo se espalham
Com os quais mulheres pobres
Com as ricas o uso igualam
Enfim ricos e pobres
Gastam com usos os cobres
Que a alguns maridos atrapalham

Além dos usos de roupa
Elas fazem igualmente
Tantos usos no cabelo
De admirar a gente
Eu digo sempre comigo
Que o uso do tempo antigo
Era em tudo diferente

Antigamente as mulheres
Usavam trança e cocó
Hoje é as tais pastinhas
Guaribado e bendegó
E tem alguma que gosta
De uma trança suposta
Quando o cabelo é cotó

Moças de cabelo bom
Eu vejo hoje enfim
Encrespá-lo com papel
Para ficar pixaim!
Que uso mal entendido
Devia Deus ser servido
De cabelo ficar ruim!

Enfim são tantos os usos
Que faz a gente pensar
Que ainda se vai ver coisa
Do diabo se admirar
Eu digo e ninguém se ofenda
Já vi homem fazer renda
E mulher almocrevar

O certo é que todo uso
É sempre um gosto perdido
Porque vexa quem é pai
Aperta quem é marido
Faz irmão comprar fiado
Com isso o pobre coitado
Dos bolsos fica abatido.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 20 de julho de 2024

ZÉ LIMEIRA – POETA DO ABSURDO (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALA)

 

Orlando Tejo (1935-2018), e o seu livro, que já vai na 11ª edição, e foi tema de vários documentários, teses, artigos e estudos

* * *

Uma véia gurizada
Pra mim já é fim de rama,
Um véio Reis da Bahia
Casou-se em riba da cama,
Eu só digo pru dizê,
Traga o Padre pra benzê
O suvaco da madama.

Jesus foi home de fama
Dentro de Cafarnaum,
Feliz da mesa que tem
Costela de guaiamum,
No sertão do cariri
Vi um casal de siri
Sem comprimisso nenhum.

Napoleão era um
Bom capitão de navio,
Sofria de tosse braba
No tempo que era sadio,
Foi poeta e demagogo,
Numa coivara de fogo
Morreu tremendo de frio.

Meu verso merece um rio
Todo enfeitado de coco,
Boa semente de gado,
Bom criatoro de porco,
Dizia Pedro Segundo
Que a coisa melhor do mundo
É cheiro de arroto choco.

É difícil um home moco
Aprendê pirnografia,
Um professor de francês
Honestamente dizia:
Tempo bom era o moderno,
Judas só foi pro inferno
Promode a virgem Maria.

São Pedro, na sacristia,
Batizou Agamenon,
Jesus entrou em Belém
Proibindo o califom,
Montado na sua ideia,
Nas ruas da Galileia
Tocou viola e pistom.

Quando Jesus veio ao mundo
Foi só pra fazê justiça:
Com treze ano de idade
Discutiu com a doutoriça,
Com trinta ano depois,
Sentou praça na puliça.

Saíram lá de Belém
Cristo e Maria José,
Passaram por Nazaré,
Foram a Betelelém,
Chupô cana num ingem,
Pediu arrancho num brejo,
De noite armuçou um tejo
Lá perto de Piancó,
Na sexta-feira maió
Foi que Judas vendeu Jesus!

Jesus saiu de Belém,
Viajando pra o Egito,
No seu jumento bonito,
Com uma carga de xerém,
Mais tarde pegou um trem,
Nossa Senhora castiça,
De noite Ele rezou Missa
Na casa dum fogueteiro,
Gritava um pai-de-chiqueiro:
Viva o Chefe de Puliça!

Eu me chamo Limeirinha,
Nascido lá no Tauá,
Entre casca de angico,
Miolo de Jatobá,
Bico de pato vadio,
Ipicilone, z-a e zá.

Aonde Limeira canta
O povo não aborrece,
Marrã de onça donzela
Suspira que bucho cresce,
Velha de setenta ano
Cochila que a baba desce!

Onde eu canto de viola
O povo chama São Braz,
A otomosfera agita,
Fica catingando a gás,
Polda de jumenta nova
Rincha de cair pra traz.

Carmelita e Carmeluta
É tudo uma coisa só;
Carmeluta é pro chambrego,
Carmelita é pro xodó,
É prato de pirão verde
Com xerém de mocotó.

Um General de Brigada,
Com quarenta grau de febre,
matou um casal de lebre
Prá comê uma buchada…
Quando fez a panelada
Morreu e não logrou dela,
Porco que come em gamela
Prova que não tem fastio,
Peixe só presta de rio,
Piau de tromba amarela.

Cantador pra cantar com Limeirinha
É preciso ser muito envernizado,
Ter um taco de chifre de veado
E saber decorado a ladainha,
Ter guardado uma pena de andorinha,
Condenar pra sempre o carnaval,
Guardar terra de fundo de quintal
E é preciso engrossar o pau da venta,
Beber leite de peito de jumenta,
Ediceta, pei-bufo, coisa e tal!


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 13 de julho de 2024

TRÊS MOTES BEM GLOSADOS E UM CORDEL DE BICHOS (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

O grande poeta cantador paraibano Nonato Costa

* * *

Nonato Costa glosando o mote:

Sepultura é a única residência
Que não cobra aluguel do morador.

Pra quem vai prestar contas a Jesus
Tem pra sempre gratuita uma morada
E como símbolo na porta de entrada
Tem o nome do dono numa cruz
Não tem conta de água nem de luz
Não precisa avalista ou corretor
E Deus perdoa seu saldo devedor
Quando o banco da vida abre falência
Sepultura é a única residência
Que não cobra aluguel do morador.

Não existe desvio no caminho
Quando o cerco da morte está armado
Pelos súditos o rei vive cercado
Mas no dia que morre vai sozinho
Dos dois lados do túmulo tem vizinho
Mas não há um diálogo a se propor
E a caveira jamais vai recompor
A beleza que tinha a aparência
Sepultura é a única residência
Que não cobra aluguel do morador.

O local é salgado pelo pranto
Dos que perdem seus entes mais queridos
Os irmãos, as esposas, os maridos
E os amigos que vão praquele canto
Condomínio fechado, campo santo
É pra lá que vai todo pecador
E ao entrar a balança do Senhor
Tira um peso da nossa consciência
Sepultura é a única residência
Que não cobra aluguel do morador.

Empresário, princesa, vagabundo
Evangélico e ateu, homem ou mulher
Apesar de ser grátis ninguém quer
Nesta casa morar nenhum segundo
O portal que nos leva a outro mundo
Não exige função superior
E nem precisa RG que o emissor
Quando chama já sabe a referência
Sepultura é a única residência
Que não cobra aluguel do morador.

Com chibanca ou enxada o homem faz
Esta casa sem planta e sem dinâmica
Onde o piso é sem pedra de cerâmica
E o seu teto sem lustres de cristais
Sem textura as paredes laterais
Sem contato com o mundo exterior
E uma hora qualquer seu construtor
Vai pra lá encerrar sua existência
Sepultura é a única residência
Que não cobra aluguel do morador.

* * *

Dedé Monteiro glosando o mote:

São os sons que ninguém pode esquecer
Se já foi residente no sertão.

O latido amistoso de um “jupi”,
Vira-lata raçudo sem ter raça,
Uma banda de pífanos na praça,
O penoso cartar da juriti,
Um boaito saindo do jequi
E um vaqueiro a pegá-lo pela mão,
O estrondo redondo do trovão
Avisando que em breve vai chover,
São os sons que ninguém pode esquecer
Se já foi residente no sertão.

* * *

Zé Silva glosando o mote

Mocidade é um vento passageiro
Beija a face da gente e vai embora.

Como é bom ser menino, ser criança,
Ter um mundo de sonhos, de ilusões,
Caminhar num caminho de emoções,
Aquecido no sol da esperança.
No entanto, esse tempo de bonança,
Como tudo que é bom, pouco demora.
Como a marcha dos anos me apavora
E a tudo transforma tão ligeiro!
Mocidade é um vento passageiro
Beija a face da gente e vai embora.

* * *

Um cordel da autoria de Arievaldo Viana e Gonzaga Vieira

UM DIA DE ELEIÇÃO NO PAÍS DA BICHARADA

 

 

O comendador Cachorro
Era um amigo dileto
Da velha Rita Mingonga
De quem sou tataraneto
Quando os bichos escreviam
Os dois se correspondiam
Com ternura e com afeto

Depois que a velha morreu
Ficou a correspondência
Com sua neta Raimunda
Que deixou pra tia Vicência
Titia deixou pra mim
E foi justamente assim
Que aprendi cantar ciência

Morava o comendador
Na Vila da Cachorrada
Município da Rabugem
Distrito Tábua Lascada
Na corte do Rei Leão
Era um grande figurão
Porém não fazia nada

O elefante e o urso
Eram grandes generais
Tramaram uma revolta
No reino dos animais
E depois em praça pública
Proclamaram a República
Tornando-se os maiorais

 

Deportaram o velho rei
Para uma selva africana
Leão terminou seus dias
Já velho, numa savana
Levou somente o macaco
Viviam de vender tabaco
Cachaça, ovo e banana

O general elefante
Implantou a ditadura
Mandou prender o cachorro
Numa sala muito escura
De lá cachorro escreveu
Tudo que aconteceu
Falou até de tortura

Nesse tempo apareceu
Um tucano oportunista
Galego, do olho azul
Se dizendo progressista
Aliou-se a um pavão
Que enganava a nação
Com papo socialista

No tempo da ditadura
Do general elefante
O pavão foi deportado
Por ser um bicho pedante
Doutor em sociologia
Depois, com a democracia
Ele voltou triunfante

Candidatou-se o tucano
Tornou-se governador
O pavão por sua vez
Elegeu-se senador
Com o poder foi transformado
Renegou todo o passado
Tornando-se um traidor

Chegando a presidência
Tendo como vice o galo
Tornou-se um lesa-pátria
Este pavão de quem falo
Cachorro disse bem franco:
“ – Da águia do ninho branco
Ele tornou-se um vassalo…”

Aliou-se com o urso
Um grande da ditadura
Amigo dos generais
Político da linha dura
Fez grande carnificina
Privatizou toda usina
De fabricar rapadura

Tornou-se um vendilhão
No reino dos animais
Entregou seu patrimônio
Pois vendeu as estatais
Vendeu, subornou, mentiu
Coisa que nunca se viu
No tempo dos generais

Nesse tempo existia
Um sapo muito falante
Porta voz dos proletários
Desde o tempo do elefante
Candidatou-se também
Como não tinha um vintém
Jamais saiu triunfante

Porque política é assim
Só dá pra quem tem dinheiro
Sapo tinha um aliado
Um tal de dr. carneiro
Sujeito honrado e bondoso
Mas por ser muito teimoso
Tinha fama de encrenqueiro

Por ser um trabalhador
O sapo era rejeitado
Além do mais o pavão
Era um sujeito escovado
Apoiado por tucano
( Que era rico e tirano )
Trazia o povo enganado

Toda imprensa do reino
Falava bem do pavão
A águia financiava
As despesas da eleição
Pavão muito vaidoso
Viajava orgulhoso
Com o seu alto escalão

O sapo com tudo isso
Perdia a calma e o sossego
Dizendo que o pavão
Aumentara o desemprego
O pavão dizia ao povo:
“ – Este fato não é novo,
Não dêem ouvido a este nêgo!”

Cachorro na sua carta
Culpava sempre o povão
Que não sabia votar
No dia da eleição
Lembro que ele dizia
Que o sapo sempre perdia
Quem ganhava era o pavão

Cachorro denunciava
Tudo isso com ardor
Porém dizia que os bichos
À pátria não tinham amor
Um burro desempregado
Apesar de ser coitado
Do pavão era eleitor

Não sei como terminou
A história aqui narrada
Pois a carta do cachorro
Já está velha e rasgada
Mas garanto que o leitor
Se for observador
Vê que não está errada

Porque esta velha história
Do tempo da bicharia
Que eu encontrei nesta carta
Que recebi da titia
Parece bem atual
Garanto que este mal
Inda acontece hoje em dia

Por isso, caros leitores
Façam uma reflexão
Que essa carta do cachorro
Sirva agora de lição
Pense no que foi narrado
Para não votar errado
Nessa próxima eleição

Não se deixem iludir
Por uma falsa aparência
Pois existe muito lobo
Que só demonstra inocência
Porém é devorador
Perverso, mal, traidor
Discípulo da violência

Sou amigo da verdade
Por ela mato e até morro
Confio em Nossa Senhora
A do Perpétuo Socorro
Porém se você duvida
Não arrisque a sua vida
Com história de cachorro.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 06 de julho de 2024

DOIS TALENTOSOS POETAS (I) - (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

 

Marcílio Pá Seca Siqueira e Jesus de Ritinha de Miúdo, colunista do JB

 

Mote de Edionaldo Souza:

A saudade é a estrada sem destino
Que os amantes percorrem todo dia.

A saudade encontrou meu endereço
No casebre que moro fez morada
Desde o dia infeliz que minha amada
Desistiu de tentar um recomeço
Infeliz hoje em dia pago o preço
Duma conta infeliz que não devia
Quando tento me achar que pego a via
Eu derrapo na curva e perco o tino
A saudade é a estrada sem destino
Que os amantes percorrem todo dia.

Marcílio Pá Seca Siqueira

Nos caminhos que sigo vou perdido
Sem um norte qualquer que me oriente
Não sei mais o que tenho à minha frente
Nada à frente que tenho faz sentido.
Meu futuro é tão desconhecido
Quanto o fim dessa minha romaria
Sem você me tornei o que temia
Um eterno e sofrido beduíno
A saudade é a estrada sem destino
Que os amantes percorrem todo dia.

Jesus de Ritinha de Miúdo

* * *

Mote de Edionaldo Souza:

A família é a base estrutural
Arcabouço central de uma nação.

Quando a viga da vida é levantada
Que a coluna sustenta a estrutura
A família se torna aquela altura
As pilastras de apoio da latada
Se a base da fé for abalada
Se faltar no convívio uma oração
Toda força esquelética vai ao chão
A nação se transforma em lamaçal
A família é a base estrutural
Arcabouço central de uma nação.

Marcilio Pá Seca Siqueira

Se a moral for deixada para trás
Esquecida em lugar de pouco acesso
O país entrará num retrocesso
Vai perder seu valor e sua paz.
Se investir no amor não valer mais
Ou amar for apenas ilusão
Quando a falta de fé for opção
Nossa pátria será só mãe banal
A família é a base estrutural
Arcabouço central de uma nação.

Jesus de Ritinha de Miúdo

* * *

Mote de Edionaldo Souza:

Toda fome que vi quando criança
Me ensinou dividir o pão da mesa.

Sofri tanto no tempo de menino
Quase morro de seca, sede e fome
Amarelo Empambado era meu nome
Minha perna era bamba o gogó fino
Mas, a vida mudou o meu destino
Aprendi com bastante sutileza
Que amor, caridade e gentileza
São o pão do carinho e da mudança
Toda fome que vi quando criança
Me ensinou dividir o pão da mesa.

Marcilio Pá Seca Siqueira

O colégio da vida é puxado
Muitas vezes ensina só lição
De abandono, de fome e precisão…
Aprendi tudo isso no passado.
Quando ainda menino, ao meu lado,
Enxergava os sinais da aspereza
Ante a lousa terrível da pobreza
Na escola do mundo sem esperança
Toda fome que vi quando criança
Me ensinou dividir o pão da mesa.

Jesus de Ritinha de Miúdo

* * *

Mote de Adalberto Santos:

Eu não tenho vergonha de dizer
Como foi minha vida no sertão.

Fui criado cuidando de uma roça
Vou contar para todos como foi
Cada osso de vaca era um boi
Que eu treinava brincando de carroça
A primeira morada uma palhoça
O vigia da casa era um cão
O banheiro da casa um cacimbão
Era simples demais o meu viver
Eu não tenho vergonha de dizer
Como foi minha vida no sertão.

Marcilio Pá Seca Siqueira

Meu tesouro foi um carro de lata
A fazenda de ossos feito gado
Num curral de gravetos, ajuntado,
Num terreiro varrido de alpercata.
Quantas vezes no meio da sucata
Fiz de pano rasgado o meu gibão
Vaqueirei num cavalo feito à mão
Aboiando o vento por prazer
Eu não tenho vergonha de dizer
Como foi minha infância no sertão.

Jesus de Ritinha de Miúdo


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 29 de junho de 2024

MESTRES DO IMPROVISO - 24.11.2023 (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

MESTRES DO IMPROVISO

Pedro Malta

JOSÉ MELQUÍADES E ASSIS ROSENDO: UM DUPLA INDO E VOLTANDO

José Melquíades

Eu namorei uma moça
Que era muito engraçadinha,
Eu da porta da cozinha
Gritava: – filha me ouça!
Mas eu só beijava à força.
Quando ela percebia,
Numa porta ela fugia,
Pela outra eu entrava.
Quando eu ia ela voltava,
Quando eu voltava ela ia.
Quando eu ia ela voltava,
Quando eu voltava ela ia.

Assis Rosendo

Arranjei um casamento
Com uma moça já idosa,
Que não gostava de prosa,
Mas tinha consentimento,
Aí, naquele momento
Sempre ela me dizia
Que a mim não me queria
E nem também me amava.
Quando eu ia ela voltava,
Quando eu voltava ela ia.
Quando eu ia ela voltava,
Quando eu voltava ela ia.

José Melquíades

Eu fui dar com Gabriela
Um passeio de avião,
No campo de aviação
Foi peleja minha e dela,
Para entrar eu e ela
O avião não cabia,
Eu ficava e não subia,
Depois ela embarcava.
Quando eu ia ela voltava,
Quando eu voltava ela ia.
Quando eu ia ela voltava,
Quando eu voltava ela ia.

Assis Rosendo

Arranjei um casamento
Com uma bela menina,
Na cidade de Campina
Ela fez um juramento
Porém naquele momento
Todo mundo já dizia
Que ela não me queria,
Pois a outro ela amava.
Quando eu ia ela voltava,
Quando eu voltava ela ia.
Quando eu ia ela voltava,
Quando eu voltava ela ia.

José Melquíades

Namorei Aparecida,
Mas mãe não gostava dela,
Eu só namorava ela
Na casa da Margarida,
Minha mãe, muito sabida,
Ia lá pra ver se via,
Por uma porta eu saia,
Por outra mamãe entrava.
Quando eu ia ela voltava,
Quando eu voltava ela ia.
Quando eu ia ela voltava,
Quando eu voltava ela ia.

Assis Rosendo

Namorei uma menina,
Filha de um pai valente,
O seu nome era Vicente
E morava em Petrolina,
Porém em Araripina
Ela chegou certo dia,
Quando a mãe dela sabia,
O amor ela negava.
Quando eu ia ela voltava,
Quando eu voltava ela ia.
Quando eu ia ela voltava,
Quando eu voltava ela ia.

José Melquíades

Viajei num trem de feira
Com minha noiva Raimunda,
Quando eu ia de segunda
Ela ia de primeira,
Eu pulava pra terceira,
Pra segunda ela corria,
Quando eu pra primeira ia,
Pra segunda ela voltava.
Quando eu ia ela voltava,
Quando eu voltava ela ia.
Quando eu ia ela voltava,
Quando eu voltava ela ia.

* * *

Francisco Pessoa

Quando o sol se acocora atrás da serra
E a cortina do céu fecha-se mansa
Mansamente uma inspiração me alcança
E eu me entrego aos segredos desta terra
Acredito que Deus fez e não erra
As montanhas, os vales, manguezais
Fez os mares e as águas fluviais
Fez Adão e fez Eva, um paraíso
E me fez tanto quanto sem juízo
E o que é que Ele falta fazer mais ?!

* * *

José Virgolino de Alencar

Navegando nas águas da poesia
não é eito pra todo canoeiro,
há que ser um exímio timoneiro
pra guiar o seu barco em maestria
seja no mar revolto ou calmaria,
enfrentar indomável tempestade
com coragem e rara habilidade
de manter o seu barco navegando
entre as ondas seguras velejando,
são os poetas, poetas de verdade.

* * *

Dimas Batista Patriota

Pois tudo que existe no mar aproveito,
Na ilha, no cabo, península, estreito,
Estreito, península, no cabo, na ilha,
No barco, na proa, em bússola e milha!
Medindo a distância eu vou viajar,
Não quero, da rota, jamais me afastar,
Porque me afastando o destino saí torto;
Confio em Deus pra avistar o meu porto,
Cantando Galope na beira do mar!

* * *

Minervina Ferreira

O espaço da mulher
se amplia a cada momento
Desde a comerciaria
a que faz medicamento
em relação ao passado,
Ai!, ai!, ui!, ui!…
mudou noventa por cento.

Tem mulher sendo manchete,
corpo lindo e sensual
Tem mulher trabalhadora
dentro da zona rural
Que nem sabe aonde fica,
Ai!, ai!, ui!, ui!…
O Distrito Federal.

No campo policial,
tem delegada e bombeira
A promotora, juíza,
advogada, pedreira
Nosso espaço está abrindo,
Ai!, ai!, ui!, ui!…
Mesmo que o homem não queira.

 

 

 


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 22 de junho de 2024

SETE MESTRES DO IMPROVISO (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

 

João Pereira da Luz, o João Paraibano (1952-2014)

 

João Paraibano

Quando esbalda o nevoeiro,
rasga-se a nuvem, a água rola,
um sapo vomita espuma;
onde o boi passa se atola,
e a fartura esconde o saco
que a fome pedia esmola.

*

O menino e o rapaz,
estando juntos na sala,
um fala porém não ri,
o outro ri mas não fala;
um tem na mão um brinquedo,
tem o outro uma bengala.

*

Linda é a baixa de arroz
quando está amarelando;
uma vara em pé no meio
com um molambo balançando,
pros passarinhos pensarem
que tem gente tocaiando.

*

A cabra abana as orelhas
para espantar o mosquito,
e se acocora lambendo
os cabelos do cabrito,
depois vai olhar de longe
pra ver se ficou bonito!

*

Não fale mal de Zefinha,
Que nunca foi amor seu,
A mulher que fez da sua
Honra um presente e me deu.
Sonhou beijando um poeta,
Quando acordou era eu.

* * *

Lenelson Piancó

Extremista maluco do Hamas
Esperando ganhar rios de mel
Desafia o poder de Israel
Decepando a cabeça dos rivais
Entre os dois é difícil encontrar paz
Quando a face do ódio se levanta
Cessar fogo também não adianta
Pra quem sente prazer em mutilar
Um milagre de Deus pode acabar
Com quem faz o terror da guerra santa!

* * *

Otacílio Batista

Um caboclo na cabana
Deitado em sua palhoça
Olhando o verde da roça
Diz sorrindo prá serrana:
Bote um traguinho de cana
Bebe, tempera a garganta
Almoça , pensa na janta
Faz um cigarro de fumo
Abre a porta e sai no rumo
Da sombra de qualquer planta.

*

O poeta e o passarinho
São ricos de inteligência
Simples como a natureza
Eternos como a ciência
Estrelas da liberdade
Peregrinos da inocência.

* * *

Diniz Vitorino

Nós temos por certa a morte,
mas ninguém deseja tê-la…
Quando morre uma criança,
o pai lamenta em perdê-la,
mas Jesus, todo de branco,
abre o céu pra recebê-la.

*

Meu colega, você vive
da fama que teve outrora,
e esses versos bem bolados
que o povo escuta e decora,
você faz de ano em ano
e eu faço de hora em hora!

* * *

Joaquim Vitorino

Tenho enorme inteligência
Poeta não me dá vaia
Sou vento rumorejando
Nos coqueiros de uma praia
Sou mesmo, que Rui Barbosa
Na conferência de Haia.

* * *

Zé de Vidal

O coveiro é um vivente
De pequena autoridade;
De baixo nível e salário,
Porém na realidade,
Preso que coveiro prende
Nunca mais tem liberdade!

* * *

José Lucas de Barros

Quando menino, eu queria
Ser homem com rapidez,
Depois, contabilizando
Tudo que o tempo me fez,
Hoje morro de vontade
De ser menino outra vez.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 15 de junho de 2024

QUATRO MESTRES DO IMPROVISO DE UM CORDEL DE ABC (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO9 MALTA)

 

Diniz Vitorino Ferreira, Monteiro-PB (1940-2010)

 

Diniz Vitorino:

Na terra paraibana
foi onde eu pus os meus pés.
Caminhei pintando os lírios
dos majestosos painéis,
que formam telas sedosas
nos aromáticos vergéis.

Vi os dias infantis,
cheguei na adolescência,
cantei olhando pra o céu,
bebendo divina essência
dos frutos que Deus espreme
na taça do inocência.

No tempo da mocidade
fui ídolo dos cantadores;
dos cantadores que foram
meus fãs, admiradores,
e hoje me negam bom-dia
pra magoar minhas dores!

Eu sei que não estou seguro
nesta profissão que estou:
sou ferido sem ferir,
chorando pra festa vou,
sofro, mas só deixo o palco
depois que termina o show.

* * *

Dimas Batista Patriota:

Velha viola de pinho, companheira
De minh’alma, constante e enternecida,
Foste tu a intérprete primeira
Da primeira ilusão da minha vida.
Eu, contigo, cantando a noite inteira,
Tu, comigo, tocando divertida.
Sorrias, se eu louvava a brincadeira,
Choravas se eu cantava a despedida.
Nas festas de São João, nas farinhadas,
Casamentos, novenas, vaquejadas,
Divertimos das serras aos baixios.
Perlustrando contigo pelo Norte,
Foste firme, fiel, feroz e forte,
No rojão dos ferrenhos desafios.

* * *

Biu de Crisanto

Da visão desta janela
Eu vi os sonhos perdidos
A vida passou por mim
Causando dor e gemidos
E a esperança morreu
No vale dos esquecidos.

O mundo esqueceu de mim
Neste cubículo imundo
Onde mergulhei nos livros
Hora minuto e segundo
E fiz diversas viagens
Pela vastidão do mundo

* * *

Antônio Pereira de Morais

Quem ama sofre calado,
Ausente de seu amor!
Tornando-se um sofredor…
Porque não vê ao seu lado,
Seu coração é magoado!
Pra viver não tem ação…
Seu mundo vira ilusão…
A tristeza a mente invade…
No silêncio da saudade!
Só quem fala é o coração.

Se a saudade matasse
No túmulo eu já vivia
Há muito eu já residia
Mas continuo no impasse
Se o meu amor voltasse
Essa saudade morria
A mim não perturbaria
A vida era um mar de rosa
Cantando e falando prosa
Na vida eu tinha alegria…

Quem ama sofre calado
Seu peito é tristeza e dor
Tornando-se um sofredor…
Porque não tem ao seu lado,
Seu amor mais desejado
Pra viver não tem ação…
Seu mundo vira ilusão…
A tristeza a mente invade…
No silêncio da saudade!
Só quem fala é o coração.

* * *

A CRISE E A CORRUÇÃO – João Inácio de Lima
(Escrito em 1933)

Ao Leitor chamo atenção
Caso não ficar massado
Vou fazer um ABC
Me referindo ao passado
Quando o mundo era um jardim
Não havia gente ruim
Não se via um flagelado

Basta a gente se lembrar
Como era tudo contente
Volta a mente ao presente
Da vontade de chorar
Vendo tudo se acabar
À falta de remissão
Até mesmo o próprio pão
É difícil se arranjar
Por esta causa está
Sacrificada a nação

Confesso meu pensamento
Não sei se estarei errado
Vivo tão contrariado
De ver tanto sofrimento
Se Deus lá no Firmamento
Não socorrer a nação
Vai morrer sem remissão
Sem ninguém poder dar jeito
Porque tudo tá sujeito
A trabalhar só pelo pão

Deus como Pai Criador
Tenha dó dos desgraçados
Olhai tantos flagelados
Pelo mundo a sofrer dor
Lutando sem ter valor
Lamentando a triste sorte
Pelo Sul e pelo Norte
Levando o tempo em pedir
Se Deus não os acudir
Vão terminar com a morte

 

É doloroso se ver
Do mundo a situação
Ver grande emigração
Pedindo para não morrer
Obrigado a receber
Fatias de alimento
Cheios de constrangimento
Pelo mundo a esmolar
Sem poder mais suportar
As trevas dos sentimentos

Fome, liseu e nueza
É o que mais aflagela
Ver tanta moça donzela
Desgarrada sem defesa
Quem ontem tinha nobreza
Hoje sofre estes clamores
Todos estes dissabores
Que passa a humanidade
No tempo da antiguidade
Não se via estes horrores

Guerra, crise e sofrimento
É o que temos sofrido
Povo quase falecido
Sem recurso e alimento
Só lhe vem no pensamento
É que morre e não alcança
Não tem mais perseverança
Devido a necessidade
Pedindo por caridade
Que Deus lhe mostre mudança

Há oito anos atrás
Não se falava em miséria
Mas hoje a coisa está séria
Progresso não se vê mais
Todo plano que se faz
Não se pode aproveitar
É perdido procurar
O povo perdeu a macha
Porque procura e não acha
Dinheiro para se ganhar

Impatou de chover mais
Que desse para criar
E o povo a trabalhar
Como nos tempos atrás
Filho obedecia aos pais
Não havia despotismo
Hoje o Cristianismo
Que Deus o fez tão feliz
Tá vendo a hora o país
Passar para o comunismo

Juntou-se à hipocrisia
Com a crise e a maldade
Por isso a necessidade
Aumentou de dia-a-dia
Não se vê mais harmonia
Não se encontra mais progresso
E como quem compra ingresso
Pra ir a divertimento
Passando aquele momento
O resto fica em regresso

Lutando sem esperança
Vive o povo em desespero
Procura ganhar dinheiro
Todo dia sem tardança
Já perdendo a confiança
Porque se acha devendo
E o seu credor dizendo
Faça jeito de pagar
Não posso mais esperar
O tempo está se vencendo

Muito triste e pesaroso
Fica o pobre devedor
Não se paga com favor
A um patrão orgulhoso
Quando ele é presunçoso
Não olha para a pobreza
O pobre não tem defesa
Porque não pode pagar
Não acha aonde ganhar
Aumenta sua tristeza

Na remota antiguidade
O mundo não era assim
Não havia gente ruim
Não usavam falsidade
Falavam sempre a verdade
Amavam a religião
Tinham leal coração
Temiam o castigo eterno
Por isso havia inverno
Tudo tinha aumentação

O mundo vai se passando
Da forma que estamos vendo
O povo em massa devendo
Pelo bom tempo esperando
Seus haveres se acabando
Porque não há mais progresso
Por minha vez eu confesso
Quando reflito o passado
Não vejo nada aumentado
O mundo vai de regresso

Por isso caro leitor
Esta é minha opinião
Enquanto houver corrução
O mundo não tem valor
Deus como Pai Criador
Se acha muito ofendido
De ver seu nome esquecido
Ninguém cumpre seu dever
Quando vem se arrepender
É tarde, já tem partido

Quando Deus manda o castigo
É para todos sofrer
Ninguém tem o que fazer
É ter Deus como amigo
Não pode correr perigo
Quem a Deus é humilhado
Embora esteja agravado
Pelos maus procedimentos
Só quer viver no pecado

Reflito o tempo presente
Me lembrando do passado
Tudo que vejo é mudado
Acho tudo diferente
Só se quer andar descente
Embora fique devendo
Pensa que Deus não está vendo
A sua grande maldade
Enganar a humanidade
Ao próprio Deus ofendendo

Satanás vive sorrindo
Por ser muito ambicioso
Quando ver um orgulhoso
O nome de Deus ferindo
Vendo a nação seguindo
Na trilha do mau caminho
Por ter um pensar mesquinho
Manda o povo prosseguir
Dizendo pode seguir
Que vai dar tudo direitinho

Temor de Deus hoje em dia
É muito raro se ver
Não há quem queira sofrer
Como o filho de Maria
que passou tanta agonia
Com o fim de nos salvar
Hoje queremos pagar
Com tamanha ingratidão
Por justa lei da razão
Noss’alma tem que penar

Ultimamente parou
Progresso na nossa vida
Porque estou vendo esquecida
A lei que Deus nos deixou
Por isso já se acabou
Doçura, gosto e prazer
Hoje para se viver
Só se encontra privação
Por causa da corrução
Que leva o tempo em crescer

Vergonha já se acabou
Consciência muito pouca
A virtude quase louca
Caridade já passou
Agora o que aumentou
Foi falta de sentimento
Eu acho muito nojento
Me parece um desaforo
Inventaram um tal namoro
Quando falam “um casamento”

Xarope amargo e cruel
É o que hoje se toma
Para mudar o sintoma
Precisa ser mais fiel
Porque o Deus de Israel
já se acha envergonhado
Barbaramente tratado
Pela sua semelhança
Já perdeu a confiança
De quem fez pra ser amado

Zombando do Criador
Que por nós tanto sofreu
Cravado na cruz morreu
Passando tormento e dor
Somente por nosso amor
passou tanta crueldade
A bem da humanidade
Morreu quem não tinha culpa
Agora peço desculpa
Se não falei a verdade.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 08 de junho de 2024

PINTO DE MONTEIRO, UM GÊNIO DA CANTORIA (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

 

O paraibano Severino Lourenço da Silva Pinto, o Pinto do Monteiro (1895-1990)

 

* * *

A resposta de Pinto de Monteiro numa cantoria com João Furiba:

João Furiba:

Cruzei o velho Saara
montado numa bicicleta.
Matei leão de tabefe,
Crivei serpente de seta.
Fiz das penas d’uma hiena
Um blusão pra minha neta.

Pinto do Monteiro:

João até que é bom poeta
Mas sabe ler bem pouquinho.
Vou fazer-lhe uma pergunta,
responda meu amiguinho :
– Quem diabo foi que te disse
que hiena é passarinho ?

* * *

Alguns improvisos de Pinto de Monteiro:

O meu cavalo é dum jeito
Que nem o diabo aguenta,
Entra no mato fechado,
Toda madeira arrebenta,
Dá tapa em bunda de boi
Que a merda sai pela venta.

* * *

Lá no meio da caatinga,
Sem moradia vizinha
Bem na beira de um riacho
Um pé de palmeira tinha.
Meu avô, nesse lugar,
Começou a trabalhar
E chamar de Carnaubinha.
Parece que estou vendo
Um homem cortando cana;
Uma engenhoca moendo
Os três dias da semana.
Fazer cerca, queimar broca,
Raspar milho e mandioca,
Da massa, fazer farinha;
Comer com mel de engenho,
Ai, que saudades que eu tenho
Da minha Carnaubinha.

* * *

Ovo de pato e marreca
Quebrar na beira do poço,
Abrir milho, na boneca,
Pra ver se tinha caroço;
Ir pra beira da estrada
Jogar pedra e dar pancada
Em cabra, bode e suíno;
Em cachorro, pontapé,
Que isso tudo foi e é
Brincadeira de menino.

* * *

Mas essa estória de dente,
Para mim, nada adianta;
Eu não preciso de dente;
Eu quero é peito e garganta:
Pois sabiá não tem dente,
É quem mais bonito canta!

* * *

Eu sou Severino Pinto
Da Paraíba do Norte
Sou feio, porém sou bom
Sou magro, mas muito forte
Depois d’eu tomar destino
Temo a Deus não temo à morte.

* * *

Há vários dias que ando,
Com o satanás na corcunda:
Pois, hoje, almocei na casa
Duma negra tão imunda,
Que a prensa de espremer queijo
Era as bochechas da bunda!

* * *

Eu admiro o tatu
Com desenho no espinhaço
Que a natureza fez
Sem ter régua nem compasso
E eu com compasso e régua
Tenho planejado e não faço.

* * *

Esta palavra saudade
conheço desde criança
saudade de amor ausente
não é saudade, é lembrança
saudade só é saudade
quando morre a esperança.

* * *

Gostei muito de mulher
No meu tempo de rapaz
Mas depois que fiquei velho
A trouxa envergou pra trás
Sentou-se em cima dos ovos
Que a ponta encostou no ás.

* * *

Admiro o vagalume
Enxergando de mato a dentro
Com sua lanterna acesa
Sem se importar com o vento
Apaga de vez em quando
Poupando seus elementos.

(“elemento” no linguajar nordestino é pilha)

* * *

No tempo da mocidade
Eu também já fui vaqueiro.
Não tinha jurema grossa,
Mororó nem marmeleiro.
Fui cabra de vista boa,
Negro de corpo maneiro.

* * *

SEVERINO PINTO E LOURIVAL BATISTA

Uma cantoria improvisada de Meia-Quadra nos anos 70

Constante da coleção Música Popular do Nordeste, organizada por Marcus Pereira

 

 

 

 

 


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 01 de junho de 2024

GRANDES MESTRES DO REPENTE - 22.12.2023 (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

 

O grande poeta paraibano Manoel Xudu (1932-1985)

Manoel Xudu

A arte do passarinho
Nos causa admiração:
Prepara o ninho no feno,
No meio, bota algodão
Para os filhotes implumes
Não levarem um arranhão.

* * *

Otacílio Batista

O poeta e o passarinho
são ricos de inteligência
simples como a natureza
eternos como a ciência
estrelas da liberdade
peregrinos da inocência.

Herdeiros da providência,
um no chão, outro voando,
um pena com tanta pena
outro sem pena penando,
um canta cheio de pena,
outro sem pena cantando.

* * *

João Paraibano

Faço da minha esperança
Arma pra sobreviver,
Até desengano eu planto
Pensando que vai nascer
E rego com as próprias lágrimas
Pra ilusão não morrer.

Há três coisas nesta vida
Que Deus me deu e eu aceito:
A terra para os meus pés,
A viola junto ao peito
E um castelo de sonhos
Pra ruir depois de feito.

* * *

Braulio Tavares

Superei com o valor da minha prosa
o meu mestre imortal Graciliano,
os romances de Hermilo e de Ariano
e as novelas de João Guimarães Rosa;
sou maior que Camões em verso e glosa,
com Pessoa também fui comparado,
tenho a verve do estilo de Machado
e a melódica lira de Bandeira:
sou o Gênio da Raça Brasileira
quando canto martelo agalopado!

* * *

Zé Vicente da Paraíba

O reflexo de estrelas luminosas
São lanternas de Deus no firmamento
Fica muito suave a voz do vento
Evitando qualquer destruição
Os rebanhos deitados pelo chão
E cada pássaro no galho se aquieta
Enriquece o juízo do poeta
O cair de uma noite no sertão.

* * *

Manuel Lira Flores

Quando as tripas da terra mal se agitam
e os metais derretidos se confundem,
os escuros diamantes que se fundem
das crateras ao ar se precipitam.
As vulcânicas ondas que vomitam
grossas bagas de ferro incendiado
ao redor deixam tudo sepultado
só com o som da viola que me ajuda:
treme o sol, treme a terra, o vento muda
quando eu canto o martelo agalopado!

* * *

Joaquim Vitorino

Tenho enorme inteligência
Poeta não me dá vaia
Sou vento rumorejando
Nos coqueiros de uma praia
Sou mesmo, que Rui Barbosa
Na conferência de Haia.

* * *

Diniz Vitorino cantando com Manoel Xudu

Manoel Xudu

Voei célere aos campos da certeza
E com os fluidos da paz banhei a mente
Pra falar do Senhor Onipotente
Criador da Suprema Natureza
Fez do céu reino vasto, onde a beleza
Edifica seu magno pedestal
Infinita mansão celestial
Onde Deus empunhou saber profundo
Pra sabermos nas curvas deste mundo
Que ele impera no trono divinal.

Diniz Vitorino

Vemos a lua, princesa sideral
Nos deixar encantados e perplexos
Inundando os céus brancos de reflexos
Como um disco dourado de cristal
Face cálida, altiva, lirial
Inspirando canções tenras de amor
Jovem virgem de corpo sedutor
Bem vestida num “robe” embranquecido
De mãos postas num templo colorido
Escutando os sermões do Criador.

Manoel Xudu

Os astros louros do céu encantador
Quando um nasce brilhando, outro se some
E cada astro brilhante tem um nome
Um tamanho, uma forma, brilho e cor
Lacrimosos vertendo resplendor
Como corpos de pérolas enfeitados
Entre tronos de plumas bem sentados
Vigiando as fortunas majestosas
Que Deus guarda nas torres luminosas
Que flutuam nos paramos azulados.

Diniz Vitorino

Olho os mares, os vejo revoltados
Quando o vento fugaz transtorna as brumas
E as ondas raivosas lançam espumas
Construindo castelos encantados
As sereias se ausentam dos pecados
Que nodoam as almas dos humanos
E tiram notas das cordas dos pianos
Que o bom Deus ocultou nos verdes mares
E gorjeiam gravando seus cantares
Na paisagem abismal dos oceanos.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 25 de maio de 2024

UM MOTE BEM GLOSADO E UM CLÁSSICO DO CORDEL (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

 

Davi Calisto Neto glosando o mote

Pra que tanta ganância e correria
Se ninguém veio aqui para ficar?

Se o final é normal pra que correr
E se morrer é ruim mais é comum
Se o caixão vai levar de um em um
Se o dinheiro não pode socorrer…
Eu só quero o bastante para comer
Para viver para vestir e pra calçar
Mesmo sendo pouquim se não faltar
Eu só quero esse tanto todo dia
Pra que tanta ganância e correria
Se ninguém veio aqui para ficar?

Todo homem podendo tem que ter
Moradia, saúde e alimento
Um pouquinho também de investimento
Que um dia ele pode adoecer
Necessita também de algum lazer
Para o corpo cansado descansar
Mas tem gente que pensa em enricar
Não descansa de noite nem de dia
Pra que tanta ganância e correria
Se ninguém veio aqui para ficar?

Pra que tanta ganância por poder
Exibir a fortuna adquirida
Se o que a gente ganhar durante a vida
É preciso deixar quando morrer
Se na cova não tem como caber
E no caixão ninguém tem como levar
Lá no céu não tem banco para guardar
O que o morto juntou quando vivia
Pra que tanta ganância e correria
Se ninguém veio aqui para ficar?

Sei que a vida da gente se encerra
E muita gente se esquece com certeza
E é por isso pensando na riqueza
Que alguns loucos estão fazendo guerra
O pior é que brigam pela terra
Para depois nela mesma se enterrar
Toda essa riqueza vai ficar
E só o corpo é que vai para a terra fria
Pra que tanta ganância e correria
Se ninguém veio aqui para ficar?

Pra que tanta ganância e ambição
Se essa vida é bastante passageira
Tudo finda num monte de poeira
Na mortalha, na cova e no caixão
Ninguém pode pedir prorrogação
Quando o jogo da vida terminar
A não ser uma vela pra queimar
O destino é partir de mãos vazia
Pra que tanta ganância e correria
Se ninguém veio aqui para ficar?

A ganância infeliz desenfreada
Deixa o mundo sem paz e sem sossego
Pois tem gente com mais de um emprego
E muita gente morrendo sem ter nada
Mas a vida da gente é emprestada
E qualquer dia o seu dono vem buscar
Qualquer vida que a morte carregar
Ninguém pode tirar segunda via
Pra que tanta ganância e correria
Se ninguém veio aqui para ficar?

* * *

UMA VIAGEM AO CÉU – Leandro Gomes de Barros

Uma vez eu era pobre
vivia sempre atrasado
botei um negócio bom
porém vendi-o fiado
um dia até emprestei
o livro do apurado.

Dei a balança de esmola
e fiz lenha do balcão
desmanchei as prateleiras
fiz delas um marquezão
porém roubaram-me a cama
fiquei dormindo no chão.

Estava pensando na vida
como havia de passar
não tinha mais um vintém
nem jeito pra trabalhar
o marinheiro da venda
não queria mais fiar.

Pus a mão sobre a cabeça
fiquei pensando na vida
quando do lado do céu
chegou uma alma perdida
perguntou era o senhor
que aí vendia bebida?

Eu disse que era eu mesmo
e a venda estava quebrada
mas se queria um pouquinho
ainda tinha guardada
obra de uns 2 garrafões
de aguardente imaculada.

Me disse a alma: eu aceito
e lhe agradeço eternamente
porque moro no céu, mas lá
inda não entra aguardente
São Pedro inda plantou cana
porém perdeu a semente.

Bebeu obra de 3 contas
ficou muito satisfeita
disse: aguardente correta
imaculada direita
isso é o que chamo bebida
essa aqui ninguém enjeita.

Perguntei-lhe alma quem és?
disse ela: tua amiga
vim te dizer que te mude
aqui não dá nem intriga
quer ir para o céu comigo?
lá é que se bota barriga.

 

E lá subi com a alma
num automóvel de vento
então a alma me mostrava
todo aquele movimento
as maravilhas mais lindas
que existe no firmamento.

Passamos no purgatório
tinha um pedreiro caiando
mais adiante era o inferno
tinha um diabo cantando
e a alma de um ateu
presa num tronco apanhando.

Afinal cheguei no céu
a alma bateu na porta
com pouco chegou São Pedro
que estava pela horta
perguntou-lhe: esta pessoa
ainda é viva ou é morta?

Então alma respondeu:
é viva, estava no mundo
não tinha de que viver
está feito um vagabundo
lá quem não for bem sabido
passa fome vive imundo.

São Pedro aí perguntou:
o mundo lá como vai?
eu aí disse: meu Santo
lá, filho rouba do pai
está se vendo que o mundo
por cima do povo cai.

Eu ainda levava um pouco
da gostosa imaculada
dei a ele e ele disse:
aguardente raciada!
e aí me disse: entre
aqui não lhe falta nada.

Arrastou uma cadeira
e mandou eu me sentar
chamou um criado dele
disse: cuide em se arrumar
vá lá dentro e diga a ama
que bote um grande jantar.

Quando acabei de jantar
o Santo me convidou
disse: vamos lá a horta
fui, ele me mostrou
coisas que me admirava
e tudo me embelezou.

Vi na horta de São Pedro
arvoredos bem criados
tinha pés de plantações
que estavam carregados
pés de libras esterlinas
que já estavam deitados.

Vi cerca de queijo e prata
e lagoa de coalhada
atoleiro de manteiga
mata de carne guisada
riacho de vinho do porto
só não tinha imaculada.

Prata de quinhentos réis
eles lá chamam caipora
botavam trabalhadores
para jogar tudo fora,
esses niqueis de cruzados
lá nascem de hora em hora.

Então São Pedro me disse:
quero fazer-lhe presente
quando você for embora
vou lhe dar uma semente
você mesma vai escolher
aquela mais excelente.

Deu-me dez pés de dinheiro
alguns querendo botar,
filhos de queijo do reino
já querendo safrejar,
uns caroços de brilhante
pra eu na terra plantar.

Galhos de libras esterlinas
deu-me cento e vinte pés
deu-me um saco de semente
de cédulas de cem mil réis
deu-me maniva de prata
e diamante umas dez.

Aí chamou Santa Bárbara
esta veio com atenção
São Pedro aí disse a ela:
eu quero uma arrumação
este moço quer voltar
arranje-lhe uma condução.

-Bote cangalha num raio
e a sela num trovão
veja se arranja um corisco
para ele levar na mão
porque daqui para a terra
existe muito ladrão.

Eu desci do céu alegre
comigo não foi ninguém
passei pelo purgatório
ouvi um barulho além
era a velha minha sogra
que dizia: eu vou também.

Eu lhe disse: minha sogra
eu não posso a conduzir
ela me disse: eu lhe mostro
porque razão hei de ir
e se não for apago o raio
quero ver você seguir.

Nisso o raio se apagou
desmantelou-se o trovão
o corisco que trazia
escapuliu-se da mão
e tudo quanto eu trazia
caiu desta vez no chão.

Aí a velha voltou
rogando praga e uivando
quando entrou no purgatório
foi se mordendo e babando
dizendo tudo de mim
lançando fogo e falando.

Bem dizia meu avô:
sogra, nem depois de morta
fede a carniça de corpo
a língua da alma corta
não diz assim quem não viu
uma sogra em sua porta.

Eu vinha com isso tudo
que o santo tinha me dado
mas minha sogra apanhou
o diabo descuidado
fiquei pior do que estava
perdi o que tinha achado.

E quando eu cheguei em casa
a mulher quase me come
ainda pegou um cacete
e me chamou tanto nome
e disse que eu casei com ela
para matá-la de fome.

Se não fosse minha sogra
eu hoje estava arrumado,
mas ela no purgatório
achou tudo descuidado
abriu a porta e danou-se
veio deixar-me encaiporado.

Nunca mais voltei ao céu
para falar com São Pedro
e ainda mesmo que possa
não vou porque tenho medo
posso reencontrar minha sogra
e vai de novo outro enredo.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 04 de maio de 2024

CEGO ADERALDO, UM GÊNIO DA POESIA POPULAR NORDESTINA (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

 

Aderaldo Ferreira de Araújo, o “Cego Aderaldo”, Crato-CE (1878-1967)

* * *

A prisão deve ter sido
Invenção de Lúcifer
Eu só aceito a prisão
Nos braços duma mulher
Aguentando o que ela faz
E fazendo o que ela quer.

Jesus a mim quis fazê
Neste caso que se deu:
Eu perdê a minha vista
Meus olhos escureceu
Mas estou cantando as virtudes
Que a natureza me deu

Deus a mim deu a bola
Para levar a cantoria
Tirou a luz dos meus olhos
Eu não vejo a luz do dia
Porém eu levo a palavra
Transcrita em poesia

Oh! Santo de Canindé!
Que Deus te deu cinco chagas,
Fazei com que este povo
Para mim faça as pagas;
Uma sucedendo as outras
Como o mar soltando vagas!

Só nos falta ver agora
Dar carrapato em farinha,
Cobra com bicho-de-pé,
Foice metida em bainha,
Caçote criar bigode,
Tarrafa feita sem linha.

Muito breve há de se ver
Pisar-se vento em pilão,
Botar freio em caranguejo,
Fazer de gelo carvão,
Carregar água em balaio,
Burro subir em balão.

Ah! Se o passado voltasse,
Todo cheio de ternura.
Eu ainda tinha vista,
Saía da vida escura…
Como o passado não volta
Aumenta minha tristeza:
Só conheço o abandono
Necessidade e pobreza.

A lagarta tem forma de serpente
Quando vai viajando numa estrada,
Mas, depois de metamorfoseada,
Ela toma uma vida diferente:
Cria asas de cor bem transparente,
Verdadeiro vislumbre de beleza.
Nem ciência, nem arte, nem riqueza
Poderia pintar beleza igual.
Isto é lei do Juiz Universal
E é impulso da mão da natureza.

Quis casar-me, que loucura !
Quando pensei em casar,
Deixei e fui meditar,
Fui pensar na vida escura,
Nesse cálice de amargura,
Que recordo dia a dia,
Mas ouvindo a melodia
Fui sentindo a flor do goivo,
De repente fiquei noivo
Me casei com a poesia.

* * *

 

 

 

 


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 27 de abril de 2024

GRANDES MESTRES DO REPENTE E UM CORDEL DE CANCÃO (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

 

 

Lenelson Piancó

Quando a chuva passava aparecia
Muita água descendo o tabuleiro
E um açude na curva do terreiro
Com uma quenga de coco eu construía
Como eu nunca entendi de engenharia
Meu diploma foi só de agricultor
O açude não tinha sangrador
Toda vez que enchia, ele arrombava
No passado era assim que se criava
Um menino feliz e sonhador!

* * *

Cicinho Gomes

Eu admiro o cancão
Na cabeça de uma estaca;
Olha pra baixo e pra cima
Acuando a jararaca
Como quem diz : “Ó meu Deus!
Ah se eu tivesse uma faca!”

Eu admiro demais
É uma gata parir,
Pegar o filho na boca,
Levar pra onde quer ir.
Nem fere o filho no dente,
Nem deixa o gato cair.

* * *

Bráulio Bessa

Sou o gibão do vaqueiro,
Sou cuscuz sou rapadura
Sou vida difícil e dura
Sou nordeste brasileiro
Sou cantador violeiro,
Sou alegria ao chover
Sou doutor sem saber ler,
Sou rico sem ser grã-fino
Quanto mais sou nordestino,
Mais tenho orgulho de ser.

Da minha cabeça chata,
Do meu sotaque arrastado
Do nosso solo rachado,
Dessa gente maltratada
Quase sempre injustiçada,
Acostumada a sofrer
Mais mesmo nesse padecer
Eu sou feliz desde menino
Quanto mais sou nordestino,
Mais orgulho tenho de ser.

Terra de cultura viva,
Chico Anísio, Gonzagão
De Renato Aragão
Ariano e Patativa.
Gente boa, criativa
Isso só me dá prazer
E hoje eu quero dizer
Muito obrigado ao destino,
Quanto mais sou nordestino
Mais tenho orgulho de ser.

* * *

Zé Saldanha

Sou poeta sertanejo,
Sei o caminho onde passo
Tem muito poeta grande
Que nunca fez o que faço
Nem sabe tudo que sei
Nem traça o traço que traço.

Baralho tem 4 ases,
Quatro Duques, 4 Três,
Quatro 4, quatro 5,
Quatro 8, quatro 6,
Quatro 9, quatro 7,
Quatro 10, quatro valetes,
Quatro Damas, quatro Reis.

* * *

Generino Batista

Nós somos dois caborés
cantando aqui neste escuro
é um em cima de um toco
o outro em cima de um muro
e quem tá de fora dizendo:
– Ô caborés sem futuro!.

Eu moro num pé de serra
que não sabe ler ninguém
o meu pai chama “promode”
minha mãe chama “quiném”
e o filho de um casal deste
que português é que tem?

* * *

Manoel Dodô

Na profissão de carreiro,
eu faço tudo e não deixo,
compro sebo ensebo o eixo,
a canga e o tamoeiro,
sete palmos de fueiro
medidos na minha mão,
uma vara de ferrão,
dois canzis de mororó:
carro de boi e forró
faz eu gostar do sertão.

* * *

UM CORDEL DE JOÃO BATISTA DE SIQUEIRA, O CANCÃO

 

 

A CASA DO ÉBRIO

Era um casebre tristonho
De cujas paredes tortas
Vinha um rangido enfadonho
Dos gonzos de duas portas
As telhas já nodoadas
Duas roletas deitadas
Numa camarinha escura
O vento, quando passava
Parecia que falava
Nas frinchas das fechaduras.

Na parede do nascente
Um banco desmantelado
Um garrafão de aguardente
Que ainda havia sobrado
Junto ao quarto de dormida
Cera que foi derretida
Do resto de algumas velas
No chão, marcas de escarros
Cacos de vidros, cigarros
Rolavam por cima delas.

Uma rede remendada,
Outra parte descosida
Em um torno pendurada
Pela fumaça tingida
De um lado havia um cambito
Onde um couro de um cabrito
Sobre um arame pendia
Mais adiante, um jirau
Junto à travessa de um pau
Onde um morcego vivia.

Uma corda, uma rodilha
Bem acima de um caixão
Um pote, numa forquilha
Vazava junto ao fogão
Um gato cego e doente
Deitado sobre um batente
Por certo sentia sono
De fora, um jumento olhava
O seu olhar revelava
A malvadez do seu dono.

Uma vara de ferrão
A banda de uma tigela
Meio quilo de sabão
Embrulhado dentro dela
A banda de um cobertor
Atada em um armador
Onde havia um candeeiro
Uma camisa de saco
Mostrava por um buraco
A tampa dum tabaqueiro.

 

Uma cadeira quebrada
As pernas de um tamborete
Uma foice enferrujada
Encabada num cacete
Ao lado de uma cangalha
Havia um chapéu de palha
Com um remendo de pano
Um tronco de mandioca
Um anzol numa taboca
Pra pesca do fim de ano.

Havia armado um quixô
Encostado a um baú
Costurado com cipó
Todo feito a couro cru
Num recanto separado
Conservava-se embrulhado
O braço de uma viola
Zelava por tradição
Que seu pai foi campeão
De cantar pedindo esmola.

Uma calça de azulão
Perto da porta do meio
A bainha de um facão
Balançava em um esteio
Numa mesinha na sala
Havia cascas de bala
Um bisaco e uma garrucha,
A manga de um paletó
E um galho de mororó
Guardado pra tirar bucha.

Cinco ovos de galinha,
Um punhado de limão
Uma cuia com farinha
Sobre a boca de um pilão
Uma rolinha pelada
Numa gaiola quebrada
Junto à porta dormia
Em frente, um cão cochilava
Com certeza decorava
Sua cruel profecia.

Um pedaço de perneira
Um serrote e uma enxó
Tudo dentro duma esteira
Amarrada em um cipó
Um candeeiro sem asa
E num recanto da casa
Quatro cartas de baralho
Em um barbante, num prego
Atada por um nó cego
Estava preso um chocalho

A canela de um veado
Uma ponta de carneiro
Em um gibão amarrado
Um facho de marmeleiro
Em frente havia um baú
Bem apoiado no chão
Sobre sua tampa aberta
Mostrava uma prova certa
Donde guardava o carvão.

Abaixo de um travesseiro
Um pouco de sola em dobra
Dada por um curandeiro
Pra mordedura de cobra
Ais um cachimbo de barro
Que o mau cheiro de sarro
Chegava até o cozinho
Em um recanto, num banco
Um sapato preto e branco
Que recebeu de um padrinho.

Muitas formigas pequenas
Umas vinhas, outras iam
E assim muitas centenas
Entre os torrões se escondiam
Duas varas emendadas
Numa parede pregadas
Quase na forma de uma “vê”
Se o vento balançava, vinha
Do terreiro ou da cozinha
Um cheiro não sei de quê.

Uma criança chorava
Juntinho da mãe doente
Que com esforço lhe olhava
Mas já com ar diferente
O rosto banhado em pranto,
Deitado sobre um recanto
Numa parece encostada
A face triste e sóbria
Que durante aquele dia
Não tinha comida nada.

Depois, um homem barbado
Entrava cambaleando
Num andar lento e pesado
Exasperado falando
Um ferimento num braço
Se ia aumentar o passo
Botava a mão na parede
Sorria e depois chorava
Pelos seus traços mostrava
Sinais de quem tinha sede.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 20 de abril de 2024

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS - 19.02.2024 (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

 

 

Aluisio Lopes glosando o mote:

Toda vez que se prende um passarinho
Diminui na floresta um seresteiro.

Um pequeno vivente exilado
Canta o solo agrural da orfandade
No pequeno calabouço da saudade
Uma lágrima, no canto afinado
Lembra o laço que o tornou destronado
Do seu reino, velho angico altaneiro
Dos filhotes, não sabe o paradeiro
Um covarde caçador desfez seu ninho
Toda vez que se prende um passarinho
Diminui na floresta um seresteiro.

Vá na mata , sinta o cheiro da ramagem
O olor das flores, seu verdume
As abelhas doidivanas, no costume
Um regato cristalino, bela imagem
Borboletas multicores em passagem
Pergunte lá; se está tudo prazenteiro
Se, sem musica, sem cantor, isto é certeiro
Fauna e flora lhe responde: é só espinho
Toda vez que se prende um passarinho
Diminui na floresta um seresteiro.

Sob o visgo da covarde armadilha
De um covarde que não teve coração
Mente má que semeia escuridão
Mão cruel que apaga a luz que brilha
Que descarta a liberdade da cartilha
Que despreza o que disse o conselheiro
Ainda há tempo se arrependa companheiro
Deixe o menestrel voltar pro seu cantinho
Toda vez que se prende um passarinho
Diminui na floresta um seresteiro.

Quem não fez nenhum crime, o que merece?
Sem juízo, viver posto na prisão?
Pegar pena perpétua, sem razão?
Então, o que quer que ele confesse?
Se o homem é o rei, por que se esquece?
Que liberdade, só presta por inteiro
Que esse bicho pequenino é o curandeiro
Dos que sofrem na mata sem carinho
Toda vez que se prende um passarinho
Diminui na floresta um seresteiro.

O pentagrama natural da mãe natura
Sente a falta das notas do cantor
Quando em solo delirante, o torpor
Invadia tudo em sua tablatura
O compasso da pequena criatura
Fez-se pausa no tempo, em tempo inteiro
Em exílio eternal do seu terreiro
Melancólico, canta então pobre bichinho
Toda vez que se prende um passarinho
Diminui na floresta um seresteiro.

Um corista está faltando no coral
A sinfônica sente a falta do cantor
Sente a flora, o gorjeio que faltou
A cantata de então não é igual
Sua falta faz falta no festival
Se perturbe, se comova carcereiro
Quebre as talas, abra a porta do viveiro
Deixe a mata ter de volta o cantorzinho
Toda vez que se prende um passarinho
Diminui na floresta um seresteiro.

* * *

Jó Patriota de Lima glosando o mote:

Passa tudo na vida, tudo passa,
Mas nem tudo que passa a gente esquece.

Passa dia por mês e mês por ano
Passa ano por era, era por fase
Nessa base tão triste eu vejo a base
Do destino passar de plano em plano
Com a mão da saudade o desengano
Passa dando um adeus fazendo um S
Vem a mágoa o prazer desaparece
Quando chega a velhice, foge a graça,
Passa tudo na vida, tudo passa,
Mas nem tudo que passa a gente esquece.

* * *

Gregório Filó glosando o mote:

Meu engenho de saudade
Quebra cana todo dia.

O meu engenho de aço
Não moeu mais uma cana
Já faz mais de uma semana
Que um alfenim eu não faço
Não vendi mais um cabaço
De garapa a freguesia
A máquina da nostalgia
É que trabalha à vontade
Meu engenho de saudade
Quebra cana todo dia.

Nunca mais fiz uma farra
Por causa da falta dela
Vou como um boi de barbela
Atrelado à almanjarra
A moenda só esbarra
De encontro à melancolia
E a fornalha não esfria
Queimando a felicidade
Meu engenho de saudade
Quebra cana todo dia.

* * *

Manoel Xudu glosando o mote:

A viola é a única companheira
Do poeta nas horas de amargura.

Se eu morrer num sábado de aleluia
E for levado ao campo mortuário,
Se alguém visitar o meu calvário,
Jogue água em cima com uma cuia.
Leve junto a viola de imbuia,
Deixe em cima da minha sepultura.
Muito embora que fique uma mistura
De arame, de pus, terra e madeira,
A viola é a única companheira
Do poeta nas horas de amargura.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas domingo, 14 de abril de 2024

UM BALAIO DE IMPROVISOS E UM FOLHETO DE GRACEJOS (POSTAGEM DO CLUNISTA PEDRO FERNANDO MALTA)

 

 

O grande poeta improvisador paraibano Manoel Xudu (1932-1985)

 

 

Manoel Xudu

Admiro o pica-pau
Trepado num pé de angico,
Pulando de galho em galho
Taco, taco, tico, tico,
Nem sente dor de cabeça,
Nem quebra a ponta do bico.

*

Minha mãe que me deu papa
Me deu doce, me deu bolo
Mamãe que me deu consolo
Leite fervido e garapa
Minha mãe me deu um tapa
E depois se arrependeu
Beijou aonde bateu
acabou a inchação
Quem perde mãe tem razão
De chorar o que perdeu

*

Quando eu tava no hospital
Pensei que não escapava
Que até um pires de doce
Que a enfermeira me dava
Só era doce no pires
Na minha boca amargava.

*

O homem que bem pensar
Não tira a vida de um grilo
A mata fica calada
O bosque fica intranqüilo
A lua fica chorosa
Por não poder mais ouvi-lo

* * *

Zé Adalberto

Quando aquela saudade impaciente
Me coloca no leito do seu colo
Minhas pernas não sentem mais o solo
Minha alma flutua intensamente
Fecho os olhos, lhe vejo em minha frente
Se despindo pra mim e eu pra ela
Parecendo uma cena de novela
Mas, no fundo, acontece de verdade
Quando sinto os impulsos da saudade
Faço um verso de amor pensando nela.

*

A cascata não canta igual a gente
Mas chuvendo ela vira uirapuru
E um pedaço de pau de mulungu
De carona, viaja na enchente
A borracha da chuva lentamente
Sobre as páginas do chão vai se esfregando
E por capricho, onde passa é apagando
A história que a seca havia escrito
Quando eu ouço o trovão no infinito
Imagino ser Deus que está gritando.

*

Vim do ventre materno e me criei
Nesse Ventre Imortal da Poesia
Sou poeta e matuto, disso eu eu sei
Mas estar hoje, aqui, eu não sabia
Doutra terra, se eu fosse, amava enfim
Mas Jesus escolheu esta pra mim
E só o fato de eu ser de Itapetim
Já recebo homenagem todo dia!!!!!!

* * *

Dimas Batista

Nossa vida é como um rio,
no declive da descida:
as águas são as saudades
de uma esperança perdida,
e a vaidade a espuma
que fica à margem da vida.

* * *

Louro Branco

Admiro a Natureza
Mar vomitando salinas
Lajedos de corpos nus
Com as pedras cristalinas
E as serras, túmulos rochosos
Onde Deus sepulta as minas

*

Assaltei um sancristão
Lhe botei em mau caminho
Dei 3 tapas em meu padrinho
Sexta Feira da Paixão
Dei em mãe um empurrão
Cheg’ela caiu pra traz
E uma nega emprensei mais
Do que um queijo na prensa
Quem fez o que fiz não pensa
Porque se pensar não faz

* * *

Severino Ferreira  

Na hora que a morte vem
Tem a sua foice armada
Que não tem medo de nada
E nunca respeitou ninguém
Com a força que ela tem
Elimina a criatura
Bota um cordão na cintura
Caixão preto e vela acesa
A vida é uma incerteza
A morte é certeza pura.

*

O Nordeste entregou o meu espaço
Com o som da viola eu não me assombro
Que eu não tenho uma fita no meu ombro
Nem estrela na farda do meu braço
Mais pegando a viola eu também faço
De improviso a maior engenharia
Tenho taça na minha galeria
Sem anel, sem viola e sem patente
Deus me deu a viola de presente
Se eu deixar de cantar é covardia.

* * *

UM FOLHETO DE MANUEL CAMILO DOS SANTOS

O SABIDO SEM ESTUDO

Deus escreve em linhas tortas
Tão certo chega faz gosto
E fez tudo abaixo dele
Nada lhe será oposto
Um do outro desigual
Por isto o mundo é composto

Vejamos que diferença
Nos seres do Criador
A águia um pássaro tão grande
Tão pequeno um beija-flor
A ema tão corredeira
E o urubu tão voador

Vê-se a lua tão formosa
E o sol tão carrancudo
Vê-se um lajedo tão grande
E um seixinho tão miúdo
O muçu tão mole e liso
O jacaré tão cascudo

 

Vê-se um homem tão calado
Já outro tão divertido
Um mole, fraco e mofino
Outro valente e atrevido
Às vezes um rico tão tolo
E um pobre tão sabido

É o caso que me refiro
De quem pretendo contar
A vida d’um homem pobre
Que mesmo sem estudar
Ganhou o nome de sábio
E por fim veio a enricar

Esse homem nunca achou
Nada que o enrascasse
Problema por mais difícil
Nem cilada que o pegasse
Quenguista que o iludisse
Questão qu’ele não ganhasse

Era um tipo baixo e grosso
Musculoso e carrancudo
Não conhecia uma letra
Porém sabia de tudo
O povo o denominou
O Sabido Sem Estudo…

Um dia chegou-lhe um moço
Já em tempo de chorar
Dizendo que tinha dado
Cem contos para guardar
Num hotel e o hoteleiro
Não quis mais o entregar

O Sabido Sem Estudo
Disse: – isto é novidade?
Se quer me gratificar
Vamos lá hoje de tarde
Se ele entregar disse o moço:
– Dou ao senhor a metade

O Sabido Sem Estudo
Disse: – você vá na frente
Que depois eu vou atrás
Quando eu chegar se apresente
Faça que não me conhece
Aí peça novamente

O Sabido Sem Estudo
Logo assim que lá chegou
Falou com o hoteleiro
Este alegre o abraçou
O rapaz nesse momento
Também se apresentou

O Sabido Sem Estudo
Disse: – Eu quero me hospedar
Me diga se a casa é séria
Pois eu preciso guardar
Quinhentos contos de réis
Pra depois vir procurar

Respondeu o hoteleiro:
– Pois não, a casa é capaz
Agora mesmo eu já ia
Entregar a este rapaz
Cem contos que guardei dele
Há pouco dias atrás

Nisto o dono do hotel
Entrou e saiu ligeiro
Com um pacote, disse ao moço:
– Pronto amigo, seu dinheiro
Confira que está certo
Pois sou homem verdadeiro

Aí o Sabido disse:
– Ladrão se pega é assim
Você enganou o tolo
Mas foi lesado por mim
Vou metê-lo na polícia
Ladrão, safado, ruim

O hoteleiro caiu
Nos pés dele lhe rogando:
– Ó meu senhor não descubra
Disse ele: – só me dando
A metade do dinheiro
Que você ia roubando

O hoteleiro prevendo
A derrota em que caía
Além de ir pra cadeia
Perder toda freguesia
Teve que gratificar-lhe
Se não ele descobria

Foi ver os cinqüenta contos
No mesmo instante lhe deu
Outros cinqüenta do moço
Ele também recebeu
E disse: – nestas questões
Quem ganha sempre sou eu

E assim correu a fama
Do Sabido Sem Estudo
Quando ele possuía
Um cabedal bem graúdo
O rei logo indignou-se
Quando lhe contaram tudo

Disse o rei: – e esse homem
Sem nada ter estudado
Vive de vencer questão?
Isso é pra advogado
Vou botá-lo num enrasque
Depois o mato enforcado

O rei mandou o chamar
E disse: – eu quero saber
Se o senhor é sabido
Como ouço alguém dizer
Vou decidir sua sorte
Ou enricar ou morrer

Você agora vai ser
O médico do hospital
E dentro de quatro dias
Tem que curar afinal
Os doentes que lá estão
De qualquer que seja o mal

Se você nos quatro dias
Deixar-me tudo curado
De forma que fique mesmo
O prédio desocupado
Ganhará cinco mil contos
Se não será degolado

Está certo – disse ele
E saiu dizendo assim:
– O rei com essa asneira
Pensa que vai dar-me fim
Pois eu vou mostrar a ele
Se isto é nada pra mim

E chegando no hospital
Disse à turma de enfermeiros:
– Vocês podem ir embora
Eu sou médico verdadeiro
De amanhã em diante aqui
Vocês não ganham dinheiro

Porque amanhã eu chego
Bem cedo aqui neste canto
Mato um destes doentes
E cozinho um tanto ou quanto
Com o caldo faço remédio
E curar os outros eu garanto

Foram embora os enfermeiros
E ele saiu calado
Os doentes cada um
Ficou dizendo cismado
– Qual será o que ele mata?
Será eu? Isto é danado!…

Outro dizia consigo:
– Será eu o caipora?
Mais tarde um disse: – E eu
Estou sentindo melhora
Outro levantou e disse:
– Estou melhor, vou embora

Um amarelo que estava
Batendo o papo e inchado
Lavantou-se e disse: – Eu
Estou até melhorado
Pois já estou me achando
Mais forte, gordo e corado

Já estou sentindo calor
De vez em quando um suor
Um doente disse: – Tu
Estás é muito pior
Disse o amarelo: – Não
Vou embora, estou melhor

E assim foram saindo
Cada qual para o seu lado
Quando chegava na porta
Dizia: – Vôte danado!
O diacho é quem fica aqui
Pra amanhã ser cozinhado

Um surdo disse que ouviu
Um mudo a lhe dizer
Que um cego tinha visto
Um aleijado correr
Sozinho de madrugada
Já com medo de morrer

De fato um aleijado
Que tinha as pernas pegadas
Foi dormir, quando acordou
Não achou os camaradas
A casa estava deserta
E as camas desocupadas

Com medo pulou da cama
E as pernas desencolheu
Rasgou a “péia” no meio
E assombrado correu
Dizendo: – Fiquei dormindo
E nem acordaram eu!…

No outro dia bem cedo
O Sabido Sem estudo
Chegando no hospital
Achou-o deserto de tudo
Sorriu e disse consigo:
– Passei no rei um canudo

O Sabido Sem Estudo
Chegou no prazo marcado
Na corte e disse ao rei:
– Pronto já fiz seu mandado
Os doentes do hospital
Já saiu tudo curado

O rei foi pessoalmente
Percorrer o hospital
Não achando um só doente
Disse consigo afinal:
– Aquele ou é satanás
Ou um ente divinal

Deu-lhe o dinheiro e lhe disse:
– Retire-se do meu reinado
O Sabido Sem Estudo
Lhe disse: – Muito obrigado
Pra ganhar dinheiro assim
Tem às ordens um seu criado


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 13 de abril de 2024

UMA DUPLA EM CANTORIA (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

 

UMA DUPLA EM CANTORIA

Pedro Malta

A grande dupla de cantadores Sebastião Silva e Moacir Laurentino glosando o mote:

 

Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Sebastião da Silva:

Essa minha viola é companheira,
que dá tudo o que quero em minha vida,
é a deusa total e tão sentida,
que me serve de amiga a vida inteira,
essa minha viola é padroeira,
é a deusa que dorme no meu leito,
é a força que causa grande efeito,
é a deusa divina idolatrada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Moacir Laurentino:

Eu sem esse pedaço de madeira,
já não tinha alegria em minha vida,
minha face seria entristecida,
porque falta a legítima companheira,
ela toca comigo a noite inteira,
eu com ela decanto satisfeito,
da maneira dum caboco do eito,
arrastando no cabo da enxada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Sebastião da Silva:

Com a minha viola em minha mão,
penso, toco, divirto, bebo e canto,
vou com ela feliz pra todo canto,
pra exercer muito bem a profissão,
é com ela que eu tenho inspiração,
o meu verso no ato sai direito,
no repente que faço eu aproveito
caminhando feliz na minha estrada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Moacir Laurentino:

Essa minha viola é ganha pão,
misturada com minha cantoria,
sacrifício, talento e melodia,
e um pouquinho da minha inspiração,
a palheta pegada em minha mão,
e o baião tão saudoso sai perfeito,
que eu com ela pelejo e me ajeito,
e num instante fazer bela toada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Sebastião da Silva:

É a viola que espanta as minhas dores,
é quem mata as mágoas que eu sinto,
com a minha viola em meu recinto
canto modas em músicas e tenores,
gosto muito de ouvir dois cantadores,
para o povo ficar mais satisfeito,
um poeta canhoto, outro direito,
e a cantiga bastante fermentada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Moacir Laurentino:

Sem a minha viola eu vou sofrer,
mas com ela inda gozo em meu destino,
que ela segue o poeta Laurentino,
e acompanha o que eu posso dizer,
que me dá de comer e de beber,
e com ela eu não tenho preconceito,
ao contrário aumentou o meu conceito,
ela é minha eterna namorada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

* * *

A DUPLA IMPROVISANDO NUM QUADRÃO PERGUNTADO

 

 

 

Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 06 de abril de 2024

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS - 02.02.2024 (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

 

 

Mote:

Quanto mais canto o sertão,
Mais tem sertão pra cantar.

João Paraibano:

Lembre-se de armadilha e quixó,
Pássaro beliscando frutas,
Mas não esqueço das matutas
Com o rosto cheirando a pó.
Doidas pra ir pra o forró,
E o pai sem querer deixar,
Mas estou perdido empatar:
Quando ele dorme, elas vão .
Quanto mais canto o sertão,
Mais tem sertão pra cantar .

Sebastião Dias:

Quando eu canto a capoeira,
O sertão é minha cara.
Canto o preá na coivara,
Canto o tejo na carreira
E o boi, quando tem visto
Que pega você incomoda,
Para a observação parar,
Passa a língua como a mão
Quanto mais canto o sertão,
Mais tem sertão pra cantar .

* * *

Mote:

No sertão falta água para o gado
Porém sobra nos olhos do vaqueiro.

Ivanildo Vilanova:

No sertão quando o solo está enxuto
Sofrem dois elementos de uma vez
Falta líquido pra língua de uma rês
Chovem gotas dos olhos do matuto
Ser humano padece, sofre o bruto
O segundo bem mais que o primeiro
Se dos olhos caísse um aguaceiro
O problema estaria saneado
No sertão falta água para o gado
Porém sobra nos olhos do vaqueiro.

Raimundo Caetano:

É assim lá na terra sertaneja
Bicho e gente sofrendo a mesma mágoa
No olhar do vaqueiro sobra água
Mas a bomba celeste não despeja
Quem aboia e campeia não deseja
Ver o gado com sede o ano inteiro
Nem o gado quer ver seu companheiro
Em um rio de lágrimas sufocado
No sertão falta água para o gado
Porém sobra nos olhos do vaqueiro.

Ivanildo Vilanova:

Dá um nó emotivo na garganta
quando a época da chuva vai embora
Sobra lágrima nos olhos de quem chora
Falta água na cova de quem planta
Se dos olhos cair não adianta
Que não enche cacimba e nem barreiro
Cresce mais a angustia e o desespero
Vendo o bicho sofrer sem ser culpado
No sertão falta água para o gado
Porém sobra nos olhos do vaqueiro.

Raimundo Caetano:

No sertão muitos sofrem sem motivo
E eu não sei se merecem sofrer tanto
Falta chuva no céu sobra no pranto
De quem cuida do gado inofensivo
O vaqueiro agradece ainda estar vivo
Personagem de um drama costumeiro
Vendo o sol afastar o nevoeiro
Alvejar criação, pessoa e prado
No sertão falta água para o gado
Porém sobra nos olhos do vaqueiro.

Ivanildo Vilanova:

Se repete esse drama no sertão
Fortaleza abissal dos aperreios
Os olhares humanos estão cheios
Mas os rios e poços não estão
Uma gota do céu não cai no chão
Ressecando inda mais o tabuleiro
Muge o boi mas da água nem o cheiro
Chora o homem com pena do coitado
No sertão falta água para o gado
Porém sobra nos olhos do vaqueiro.

Raimundo Caetano:

O trovão com a voz estrepitosa
Nas encostas do céu se locomove
O relâmpago aparece mais não chove
Que irrigue o pistilo de uma rosa
A promessa de chuva é enganosa
Só o choro do homem é verdadeiro
Quem mais sente é o vaqueiro e o fazendeiro
Vendo o gado sedento e castigado
No sertão falta água para o gado,
Porém sobra nos olhos do vaqueiro.

Ivanildo Vilanova:

Um vaqueiro soluça de manhã
Sem ter água no poço ou na cascata
Anda até seis quilômetros com uma lata
Perde as forças na aventura vã
Vê tombando de sede uma marrã
Uma vaca uma cabra ou um carneiro
E um garrote pertinho de um facheiro
À Espera do líquido esverdeado
No sertão falta água para o gado
Porém sobra nos olhos do vaqueiro.

Raimundo Caetano:

O sertão vive cheio de armadilhas
É um palco de cenas ruins e boas
Descem Lágrimas dos olhos das pessoas
Falta líquido no cocho das novilhas
Esqueletos de bichos sobre as trilhas
Muitas vítimas de um clima traiçoeiro
Na estampa do céu um fogareiro
No olhar do matuto um alagado
No sertão falta água para o gado
Porém sobra nos olhos do vaqueiro.

* * *

Mote:

Fiz um túnel na cela da saudade
Pra tentar escapar da solidão.

Wellington Vicente:

Recebi a sentença ainda moço
Pela lei mais severa de Cupido
Mesmo sem o histórico de bandido
Vivo preso neste feio calabouço
Bem na frente da cela existe um fosso
Onde uma valente guarnição
Se reveza em escala de plantão.
Nem o sol pode entrar em minha grade!
Fiz um túnel na cela da saudade
Pra tentar escapar da solidão.

Recorri, mas perdi nos tribunais.
Já não tenho esperanças como antes:
Dez motivos tenho como os agravantes
E nem cinco atenuantes tenho mais.
Com os poucos contatos pessoais
Consegui um pedaço de formão,
Toda noite, em silêncio, cavo o chão,
Falta um metro para a minha liberdade!
Fiz um túnel na cela da saudade
Pra tentar escapar da solidão.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 30 de março de 2024

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS - 02.02.2024 (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)_

 

Mote:

Quanto mais canto o sertão,
Mais tem sertão pra cantar.

João Paraibano:

Lembre-se de armadilha e quixó,
Pássaro beliscando frutas,
Mas não esqueço das matutas
Com o rosto cheirando a pó.
Doidas pra ir pra o forró,
E o pai sem querer deixar,
Mas estou perdido empatar:
Quando ele dorme, elas vão .
Quanto mais canto o sertão,
Mais tem sertão pra cantar .

Sebastião Dias:

Quando eu canto a capoeira,
O sertão é minha cara.
Canto o preá na coivara,
Canto o tejo na carreira
E o boi, quando tem visto
Que pega você incomoda,
Para a observação parar,
Passa a língua como a mão
Quanto mais canto o sertão,
Mais tem sertão pra cantar .

* * *

Mote:

No sertão falta água para o gado
Porém sobra nos olhos do vaqueiro.

Ivanildo Vilanova:

No sertão quando o solo está enxuto
Sofrem dois elementos de uma vez
Falta líquido pra língua de uma rês
Chovem gotas dos olhos do matuto
Ser humano padece, sofre o bruto
O segundo bem mais que o primeiro
Se dos olhos caísse um aguaceiro
O problema estaria saneado
No sertão falta água para o gado
Porém sobra nos olhos do vaqueiro.

Raimundo Caetano:

É assim lá na terra sertaneja
Bicho e gente sofrendo a mesma mágoa
No olhar do vaqueiro sobra água
Mas a bomba celeste não despeja
Quem aboia e campeia não deseja
Ver o gado com sede o ano inteiro
Nem o gado quer ver seu companheiro
Em um rio de lágrimas sufocado
No sertão falta água para o gado
Porém sobra nos olhos do vaqueiro.

Ivanildo Vilanova:

Dá um nó emotivo na garganta
quando a época da chuva vai embora
Sobra lágrima nos olhos de quem chora
Falta água na cova de quem planta
Se dos olhos cair não adianta
Que não enche cacimba e nem barreiro
Cresce mais a angustia e o desespero
Vendo o bicho sofrer sem ser culpado
No sertão falta água para o gado
Porém sobra nos olhos do vaqueiro.

Raimundo Caetano:

No sertão muitos sofrem sem motivo
E eu não sei se merecem sofrer tanto
Falta chuva no céu sobra no pranto
De quem cuida do gado inofensivo
O vaqueiro agradece ainda estar vivo
Personagem de um drama costumeiro
Vendo o sol afastar o nevoeiro
Alvejar criação, pessoa e prado
No sertão falta água para o gado
Porém sobra nos olhos do vaqueiro.

Ivanildo Vilanova:

Se repete esse drama no sertão
Fortaleza abissal dos aperreios
Os olhares humanos estão cheios
Mas os rios e poços não estão
Uma gota do céu não cai no chão
Ressecando inda mais o tabuleiro
Muge o boi mas da água nem o cheiro
Chora o homem com pena do coitado
No sertão falta água para o gado
Porém sobra nos olhos do vaqueiro.

Raimundo Caetano:

O trovão com a voz estrepitosa
Nas encostas do céu se locomove
O relâmpago aparece mais não chove
Que irrigue o pistilo de uma rosa
A promessa de chuva é enganosa
Só o choro do homem é verdadeiro
Quem mais sente é o vaqueiro e o fazendeiro
Vendo o gado sedento e castigado
No sertão falta água para o gado,
Porém sobra nos olhos do vaqueiro.

Ivanildo Vilanova:

Um vaqueiro soluça de manhã
Sem ter água no poço ou na cascata
Anda até seis quilômetros com uma lata
Perde as forças na aventura vã
Vê tombando de sede uma marrã
Uma vaca uma cabra ou um carneiro
E um garrote pertinho de um facheiro
À Espera do líquido esverdeado
No sertão falta água para o gado
Porém sobra nos olhos do vaqueiro.

Raimundo Caetano:

O sertão vive cheio de armadilhas
É um palco de cenas ruins e boas
Descem Lágrimas dos olhos das pessoas
Falta líquido no cocho das novilhas
Esqueletos de bichos sobre as trilhas
Muitas vítimas de um clima traiçoeiro
Na estampa do céu um fogareiro
No olhar do matuto um alagado
No sertão falta água para o gado
Porém sobra nos olhos do vaqueiro.

* * *

Mote:

Fiz um túnel na cela da saudade
Pra tentar escapar da solidão.

Wellington Vicente:

Recebi a sentença ainda moço
Pela lei mais severa de Cupido
Mesmo sem o histórico de bandido
Vivo preso neste feio calabouço
Bem na frente da cela existe um fosso
Onde uma valente guarnição
Se reveza em escala de plantão.
Nem o sol pode entrar em minha grade!
Fiz um túnel na cela da saudade
Pra tentar escapar da solidão.

Recorri, mas perdi nos tribunais.
Já não tenho esperanças como antes:
Dez motivos tenho como os agravantes
E nem cinco atenuantes tenho mais.
Com os poucos contatos pessoais
Consegui um pedaço de formão,
Toda noite, em silêncio, cavo o chão,
Falta um metro para a minha liberdade!
Fiz um túnel na cela da saudade
Pra tentar escapar da solidão.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 23 de março de 2024

DOIS MOTES BEM GLOSADOS E UM FOLHETO BUNDEIRO (POSTAGEM DO CLUNISTA PEDRO MALTA)

 

Marcílio Pá Seca Siqueira glosando o mote:

Eu não tive, não tenho nem vou ter
Condições de esquecer os beijos dela.

Sem os beijos daquela desgraçada
Sem um “xero” fungado em meu pescoço
É tirar o cuscuz do meu almoço
Ou trazer o pirão sem a buchada
Se deitar numa rede mal armada
Ou botar um espinho em minha sela
Esquecer de por sal numa panela
Ter os olhos na cara mas não ver
Eu não tive, não tenho nem vou ter
Condições de esquecer os beijos dela.

Eu tentei esquecer o nosso caso
Nossa história de amor e desventura
E dizer não passou de aventura
Foi um breve romance por acaso
Tá na hora do fim findou-se o prazo
Da história que unia eu e ela
Não importa a tristeza e a sequela
Que o fim do romance vai trazer
Eu não tive, não tenho e nem vou ter
Condições de esquecer os beijos dela.

* * *

Marcílio Pá Seca Siqueira glosando o mote:

Não existe uma carga mais pesada
Que essa carga que a vida põe na gente.

Quando era mais moço coloquei
Uma carga no lombo tão pesada
Que ao longo da longa caminhada
Sem pensar no futuro eu carreguei
Muito jovem e robusto eu não pensei
No meu ato infeliz e inconsequente
O meu corpo cansado agora sente
Os volumes da carga carregada
Não existe uma carga mais pesada
Que essa carga que a vida põe na gente .

Fui boêmio da noite doidejante
Foram noites de sono mal dormidas
Que abriram fissuras e feridas
Cicatrizes marcando meu semblante
De uma forma tão firme e tão marcante
Mas meu jeito de vida displicente
Tá cobrando uma conta atualmente
De uma vida de farra desregrada
Não existe uma carga mais pesada
Que essa carga que a vida põe na gente .

* * *

O PODER QUE A BUNDA TEM – José João dos Santos (Mestre Azulão)

 

 

Nesse troço de bunda e banda
O leitor não se confunda
Tanto a bunda como a banda
Tem uma atração profunda
Chico Buarque de Holanda
Ficou rico com a banda
Carla Perez com a bunda.

Nestes versos de humorismo
Não quero atingir ninguém
E sim, arrancar do povo
Risos que nos fazem bem
Dizer detalhadamente
O poder que a bunda tem.

A bunda que me refiro
É da mulher, com razão
Com o seu poder oculto
De magia e sedução
Que faz a visão direta
Deixando a mulher completa
De beleza e perfeição.

Com bunda grande e bem feita
A mulher se sente bem
Onde passa todos olham
Mas a mulher que não tem
Faz um gesto e sai olhando
Quem sabe até desejando
Ter bunda grande também.

 

Mulher batida sem bunda
É a maior negação
Busto pequeno, magrela
Não tem a mínima atração
Mulher que tem bunda cheia
Ainda que seja feia
A bunda chama atenção.

Mulher magrela é difícil
De arranjar um marido
Mas se casar, ele diz
Eu estou arrependido
Com esta cruz que carrego
Eu estava doido e cego
Casar com um pau vestido.

Ele enjoa da magrela
De relações se atrasa
Pega uma mulher fora
Na hora que manda brasa
Diz com esta eu me derreto
Não é aquele esqueleto
Que eu tenho na minha casa.

Velho que não pode mais
Nem a de casa procura
Se vê a mulher bunduda
Diz, ou minha tanajura
Vamos ali num lugar
Te pago só pra pegar
No volume da fartura.

A mulher vai pela grana
Que dele quer receber
Lá no motel tira tudo
O velho pega a tremer
Vendo tamanha fartura
Lambuza-se na gordura
Mas nada pode fazer.

Na minha terra eu conheço
Uma Francisca Raimunda
Que tem o busto tão grande
Chega até andar corcunda
O rosto dela é bem feio
Mas tem dez quilos de peito
Com trinta e cinco de bunda.

Um rapaz muito guloso
Gostou e casou com ela
Numa cama perfumada
Os dois se deitaram nela
No começo do programa
A moça quebrou a cama
No peso da bunda dela.

Na alta sociedade
Se dá coisa interessante
Mulher magrela faz tudo
Para atrair um amante
Quando o homem não cobiça
Usa até bunda postiça
Pra ficar mais elegante.

O cabra que não conhece
Diz, esta aqui é de luxo
Leva para uma suíte
Sem saber que é um bucho
Lá na hora ele se lasca
De bunda só tem a casca
O miolo é todo murcho.

É quando perde o prazer
E diz, entrei numa fria
Gastei com lanche e suíte
Uma senhora quantia
Sem saber que aquela calça
Guardava uma bunda falsa
Com péssima mercadoria.

Moça de bunda bem grande
Com quase tudo de fora
Pela rua aonde passa
É cantada toda hora
Diz o pilantra, ora veja
Desta é que mamãe deseja
Para ser a sua nora.

Todo tipo de piadas
Cai na bunda da mulher
Um diz, que coisa gostosa
É desta que o papai quer
Outro diz, é boa à beça
Quem tem uma bunda dessa
Só é pobre se quiser.

Rapaz que quer se casar
Mas não compreende bem
A mãe dele diz, meu filho
Moça magra não convém
Arranje uma gordinha
Aquela sua é magrinha
Que até bunda não tem.

Mulher pra ser cobiçada
Não é preciso ser bela
Basta ter a bunda grande
Empinada como sela
Mesmo casada que seja
Tem homem até que deseja
Montar na garupa dela.

A maioria dos homens
Gosta de mulher peixão
Busto cheio e bunda grande
Que chame tudo atenção
Na hora daquilo bom
A carne é filé mignom
Macia como um colchão.

Mulher de bunda bem feita
Tem sempre o andar faceiro
Que atrai a simpatia
Do mais nobre cavalheiro
Quem por ela se depara
Antes de olhar a cara
Olha pra bunda primeiro.

A mulher pode ser linda
Que enfeite uma vidraça
Loura, morena ou mulata
Sem ter distinção de raça
Uma rainha perfeita
Não tendo a bunda bem feita
Perde o valor e a graça.

A moça para ser misse
Não precisa ter riqueza
E sim, toda perfeição
Dos dotes da natureza
Não tendo uma bunda exata
Não pode ser candidata
Ao concurso de beleza.

A mulher mostrar a bunda
É o que mais ela quer
Não há lei que funcione
Contra a bunda da mulher
Seja feia, ou seja bela
É propriedade dela
Ela faz o que quiser.

Vi um homem criticando
Duma mulher seminua
Dizendo você é doida
Mostrando a bunda na rua
Ela disse eu sou sozinha
Mostro porque ela é minha
Você quiser mostre a sua.

Para rainha ou princesa
Dos blocos de carnaval
É escolhida a cabrocha
Que tem a bunda legal
Só representa a escola
A que melhor se rebola
Mostrando o material.

Qualquer setor de negócio
É a bunda quem domina
No bar, na churrascaria
Na fábrica, na oficina
Para atrair as pessoas
Tem até mulheres boas
Nos postos de gasolina.

Você viaja de ônibus
Automóvel ou caminhão
Aonde estacionar
Para lanche ou refeição
As lanchonetes são cheias
Dessas mulheres sereias
Chamando os homens atenção.

Você fica rodeado
Por Rosa, por Marieta
Que lhes servem com agrados
Cobrando uma nota preta
Mostrando a bunda e umbigo
Dizendo o troco é comigo
Pra caixinha da gorjeta.

A mulher hoje tornou-se
Um poderoso instrumento
Usada em todos negócios
Pra crescer o movimento
Pra isso tem que ser bela
Exibindo a bunda dela
No estabelecimento.

Comerciais de bebidas,
Roupa, cigarro e charuto
A mulher exibe a bunda
No vídeo mais de um minuto
Sem censura e sem demanda
A bunda faz propaganda
Pra vender qualquer produto.

Nas companhias aéreas
Este transporte excelente
Só aceita aeromoça
Bonita e inteligente
Com exigidos diplomas
Que fale três idiomas
E tenha a bunda atraente.

Tem homem desempregado
Que trabalha muito bem
Quando procura um emprego
O patrão diz com desdém
Se tem mulher boa traga
Aqui pra mulher tem vaga
Mas para macho não tem.

Mulher é anjo atraente
Admirada e querida
Zeladora da família
Uma joia preferida
Linda da cabeça ao pé
Além disso ainda é
O ser que nos deu a vida.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 16 de março de 2024

UM MOTE BEM GLOSADO E UM CORDEL FEMININO (POSTAGEM DO CLUNISTA PEDRO MALTA)

 

Poeta João Paraibano, um dos gênios da cantoria nordestina (1952/ 2014)

 

* * *

João Paraibano glosando o mote:

Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três dias de chuva no Sertão.

O bezerro mamando a cauda abana;
A espuma do leite cobre o peito;
Cada estaca de cerca tem direito
A um rosário de flor da jitirana.
No impulso do vento a chuva espana
A poeira do palco do verão;
A semente engravida e racha o chão,
Descansando dos frutos que germina.
Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três dias de chuva no Sertão.

Quando Deus leva em conta a nossa prece
O relâmpago clareia, o trovão geme,
Uma nuvem se forma, o vento espreme,
Pelos furos do véu, a água desce;
A campina se enfeita, a rama tece
Um tapete de folhas sobre o chão;
Cada flor tem formato de um botão
No tecido da roupa da campina.
Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três meses de chuva no Sertão.

No véu negro da barra, o sol se esconde;
Um caniço amolece e cai no rio;
Nos tapetes de grana do baixio,
Um tetéu dá um grito, outro responde;
A frieza da terra faz por onde
Pé de milho dar nó no esporão
E a boneca, na sombra do pendão,
Lava as tranças com gotas de neblina.
Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três meses de chuva no Sertão.

A presença do Sol é por enquanto.
Onde vinga uma fruta, a flor desprende;
Cada nuvem que a mão de Deus estende
Cobre os ombros do céu, de canto a canto.
Camponês não precisa roubar santo,
Nem lavar mucunã pra fazer pão;
Faz cacimba na areia com a mão
Onde o pé deixa um rastro, a água mina.
Jesus salva a pobreza nordestina,

Com três meses de chuva no Sertão.
A cabocla mulher do camponês
Caça ninho nas moitas quando chove
Quando acha dez ovos, tira nove,
Deixa o outro servindo de indez;
As formigas de roça fazem vez
De beatas seguindo procissão;
As que vêm se desviam das que vão,
Sem mão dupla, farol e nem buzina.
Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três meses de chuva no Sertão.

Sertanejo apelida dois garrotes,
Bota a canga nos dois e desce a serra;
Passa o dia no campo arando terra,
Espantando mocó pelos serrotes;
Sabiá, pra o conforto dos filhotes,
Forra o ninho com pasto de algodão;
Bebe o suco da polpa do melão,
Limpa o bico nas varas da faxina
Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três meses de chuva no Sertão.

Treme o gado na lama do curral,
Sopra o vento, cheirando a chão molhado;
Cada pingo de chuva, congelado,
Brilha mais do que pedra de cristal.
Uma velha, durante o temporal,
Se ajoelha, rezando uma oração,
Fecha os lhos com medo do trovão
E abre a porta, depois que a chuva afina
Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três meses de chuva no Sertão.

Cresce a planta, viçosa, e frutifica
Com um cacho de flor em cada galha;
Vê-se o milho mudando a cor da palha
E o telhado chorando pela bica;
A cigarra emudece, a acauã fica
Sem direito a fazer lamentação;
Deus afina a corneta do carão,
Só depois de três meses, desafina.
Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três meses de chuva no Sertão.

* * *

MULHER TAMBÉM FAZ CORDEL – Salete Maria da Silva

 

O folheto de cordel
Que o povo tanto aprecia
Do singelo menestrel
À mais nobre academia
Do macho foi monopólio
Do europeu foi espólio
Do nordestino alforria

Desde que chegou da França
Espanha e Portugal
(Recebido como herança)
De caravela ou nau
O homem o escrevia
Fazia a venda e lia
Em feira, porto e quintal

Só agora a gente vê
Mulher costurando rima
É necessário dizer
Que de limão se faz lima
Hoje o que é limonada
Foi águas podre, parada
Salobra com lama em cima

A mulher não se atrevia
Nesse campo transitar
Por isso não produzia
Vivia para seu lar
Era o homem maioral
Vivia ele, afinal
Para o mundo desbravar

 

Tempo de patriarcado
Também de ortodoxia
À mulher não era dado
Sair pela cercania
Exibindo algum talento
Pois iria a julgamento
Quem não a condenaria?

Era um tempo obscuro
Para o sexo feminino
O castigo era seguro
Para qualquer desatino
Como não sabia ler
Como podia escrever
E mudar o seu destino?

Sem ter a cidadania
Vivendo vida privada
Pouco ou nada entendia
Não era emancipada
Só na cultura oral
Na forma original
Se via ela entrosada

Nas cantigas de ninar
Na contação de história
Tava a negra a rezar
A velha sua memória
Porém disso não passava
Nada ela registrava
Para sua fama e glória

Muitas vezes era tida
Como musa inspiradora
Aquela de cuja vida
Tinha que ser sofredora
Era mãe zelosa e pura
Qual sublime criatura
Porém não era escritora

Sempre a versão do homem
Impressa nalgum papel
Espero que não me tomem
Por feminista cruel
Mas o fato é que a mulher
Disto temos que dar fé
Tinha na vista um véu

O homem que a desejava
Queria-a qual princesa
Sempre que a venerava
Era por sua beleza
Só isto tinha virtude
Para macho bravo e rude
Mulher com delicadeza

De sua cria cuidando
Cosendo calça e camisa
Para o homem cozinhando
Como vir ser poetisa?
Isto era coisa para macho
Até hoje ainda acho
Gente que assim profetiza.

Até porque o folheto
Era vendido na feira
E era um grande defeito
Mulher sem eira nem beira
Era preciso viagens
Contatos e hospedagens
Pra fazer venda ligeira

E durante muitos anos
Assim a coisa se deu
Em muitos cordéis tiranos
A mulher emudeceu
O homem falava dela
Mas não falava com ela
Nem ela lhe respondeu

Ocorre que em trinta e oito
No ano mil e novecentos
Um fato dito afoito
Veio soprar outros ventos
Uma mulher escreveu
No cordel se intrometeu
Mostrando novos talentos

Talvez seja o primeiro
Cordel de uma mulher
Neste solo brasileiro
Nenhum registro sequer
Confere a este fato
Que seja o dito exato
Mas não é coisa qualquer

Filha de um editor
Família de trovadores
Se esta mulher ousou
A ela nossos louvores
Mas temos a lamentar
Porque não pode assinar
O verso como os autores

Não era uma desvalida
Que escrevia um cordel
Mas uma moça entendida
Parente de menestrel
Mesmo assim se escondia
Pois a vida requeria
Não assumir tal papel

A Batista Pimentel
Com prenome de Maria
Não assinou o cordel
Como a história merecia
Mas que o destino tirano
Um Altino Alagoano
Era quem subscrevia

Pseudônimo usou
Para a obra ser aceita
O marido orientou:
“Assim tudo se ajeita”
Tava pronto pra vender
Quem poderia dizer
Ser o autor a sujeita?

Neste tempo já havia
Escola, educação
Alguma mulher já lia
Tinha certa instrução
Tinha delas que votavam
Outras até trabalhavam
Nalguma repartição

Outro tempo aparecendo
Reclamando outra postura
A população crescendo
Emprego e certa fartura
Indústria se instalando
O povo se empregando
Buscando alguma leitura

Mas foi muito gradual
No campo do popular
Tinha aqui um bom sinal
E um retrocesso acolá
No nordeste nada é reto
Até hoje analfabeto
Não conhece o bê-á-bá

Somente em setenta e dois
Vicência Macedo Maia
Viria escrever depois:
Nascia o verso de saia!
No estado da Bahia
Deu-se a tal rebeldia
Que hoje não leva vaia

Depois disso, alagoana
Potiguar e cearense
Também tem a sergipana
Paraíba e maranhense
Tem delas no Piauí
Também estão a surgir
Paulista e macapaense

Em todo o nosso Brasil
Mulheres versejam bem
Muito verso se pariu
Não se excluiu ninguém
Tem rima a dar com pau
— acho que me expressei mal —
Pois com a vagina também

Mas a grande maioria
Se concentra no nordeste
Onde um dia a poesia
Era do cabra da peste
Hoje as mulheres estão
Rimando e não é em vão
Do litoral ao agreste

Talvez seja sintomático
Que o cordel no sertão
Ainda seja simpático
E noutros lugares não
O tal cordel já foi tido
Como jornal e foi lido
Em muita ocasião

Serviu para ensinar
Muita gente aprender a ler
Serve para recitar
E muita gente entreter
Cordel é sempre estudado
Em tese de doutorado
Mas tem gente que não vê

Alguns pensam hoje em dia
Que cordel é só tolice
Que não tem categoria
Que é mera invencionice
Feito por homem, não presta
Por mulher então, detesta
Veja quanta idiotice

Mesmo assim elas versejam
E muito bem por sinal
Algumas até desejam
Ir para uma bienal
Mostrar a nossa cultura
A nossa literatura
Etecétera e coisa e tal

Versos de todos matizes
De toda forma e cor
Algumas são infelizes
Reproduzindo o horror
Do machismo autoritário
Consumismo perdulário
Que tanto as dominou

Mas são as contradições
Presentes neste sistema
Onde mulheres padrões
Vivem também nos esquemas
Eu só quero é celebrar
Da mulher o versejar
Longe dos velhos dilemas

Nosso tempo nos permite
Botar o verso na rua
Quem vai colocar limite
Quem ousa sentar a pua?
Cordel também é cultura
Quem nunca fez a leitura
Iletrado continua

O cordel é centenário
Nesse Brasil de mistura
É recente no cenário
Da fêmea a literatura
Só estamos começando
Devagar, engatinhando
Quem agora nos segura?

Trinta cordéis eu já tenho
Publicados pelo mundo
Mais uma vez me empenho
Me emocionando no fundo
Metade é sobre mulher
Para mostrar como é
Amor e verso profundo

Aqui encerro meu verso
Cumprindo o meu papel
Se ele foi controverso
Deselegante ou pinel
Só quis dizer para o povo
O que para alguém é novo:
Mulher também faz cordel!


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 16 de março de 2024

TRÊS POEMAS DE POMPÍLIO DINIZ (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

 

A REVOLTA DOS MACACOS, COM ROLANDO BOLDRIN

 

 

* * *

TRASTE RUIM

Tem gente no mundo assim
Só vê mardade e injustiça
Ninguém presta, tudo é ruim
Cum todo mundo ele inguiça
E faiz logo sururú
É taliquá o urubú
Qui só fareja carniça

No chiquêro da mintira
Joga lama em quarqué nome
É como o porco que vira
A gamela aonde come
Uma ração farta e boa
Pru riba até da pessoa
Qui vem matá sua fome

Seu coração é um pote
Aonde se ajunta a peçonha
Da cobra que dá o bote
Naquele fúria medonha
Dispois se esconde e se enrosca
Cuma quem sintiu a cósca
Do remorso e da vergonha

Só véve má sastifeito
E a todo mundo detesta
Só ele num tem defeito
Só ele é pessoa honesta
E esse irmão de Caim
É cuma um pau de cupim
Que nem pru fogo num presta

Pois gente assim tem o dão
E a pretensão miseráve
De num gostá do qui é bão
Ou do qui seja agradáve
É Cuma uma ave agorenta
Que onde abre o bico afujenta
Toda alegria das ave…

Só fala em morte e em duença
E noutras coisa pió
Sua alma é cumu uma dispensa
Qui só tem muafo e pó
Vê tudo preto e vermeio
E traiz nos zóio os ispeio
Do mais triste por do só…

* * *

O FERRÊRO

Seu doto, eu fui ferrêro
Eu trabaiei sem cansaço
Martelano férro e aço
Na bigorna e no brazêro.
Nessi trabaio grossêro
Maiano férro, maiano
E sempre me lastimano
Dessa vida de ferrêro

Ví um dia um lenhadô
E gostei du seu trabaio
Abandonei o meu maio
Minha bigorna parô
Aí entonçe dotô
Eu tumei ôto rotêro
Eu dexei dí sê ferrêro
E mi tornei lenhado

Trabaiano di machado
Nu meio daquelas brenha
Nos mato cortano lenha
Ganhano meu pão suádo
Esse trabaio pesado
Calos de sangue dexô
Nessas mão de lenhadô
Trabaiano de machado

Um dia vi um pedrêro
Um mesti di cunstrução
Ganhando tombém seu pão
Num sirviço mais manêro
Invejei o cumpanhêro
O meu machado parô
Deixei di sê lenhadô
E me tornei um pedrêro…

De prumo e cuié na mão
Eu cumeçei trabaiá
Dia e noite sem pará
Pra mode ganhá meu pão
Disimpenhando a função
No serviço rutinêro
Da prufissão de pedrêro
De prumo e cuié na mão

Um dia vi o pintô
Trabaiano de pincé
Parei a minha cuié
Meu prumo também parô
A minha vida mudô
Entonçe mais que ligêro
Eu dexei di sê pedrêro
E me tornei um pintô

Pintano, sempre pintano
Cuntinuei a vivê
Cumprindo com meu devê
Trabaiano, trabaiano
Meu pão suado ganhano
Nessa vida de pintô
E de tudo quanto era cô
Pintano, sempre pintano

Um dia vi o escritô
Criano da sua lavra
Cum a tinta, as palavra
Num quadro de mais valô
Aí eu dexei de sê pintô
Abandonei meu pincé
Agarrei pena e papé
E me tornei escritô…

Viajei o mundo intêro
E tudo quanto ia veno
Fui iscreveno, iscreveno
Secano muitos tintêro.
Eu qui já fui bom pedrêro
Eu qui já fui lenhadô
Pruquê tornei-me escritô
E dexei di sê ferrêro?


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas terça, 12 de março de 2024

CINCO MENESTRÉIS DO IMPROVISO E UM FOLHETO DE SOGRA

 

 
Poeta repentista Elísio Felix da Costa, o Canhotinho (1912 -1965)

* * *

Canhotinho

Estou velho e acabado
Já com a vista cansada
E sendo numa distância
Daqui pr’aquela calçada
Mulher inda vejo o vulto
Mas homem eu não vejo nada.

* * *

Lima Júnior

Nascido num pé de serra
Qual facheiro em pedregulho,
Venho cantar minha terra,
Explicitar meu orgulho!
Pajeuzeiro da gema,
Da terra onde a seriema
Canta saudosa à tardinha,
Se alguém um dia cantou
A terra que lhe criou,
Também vou cantar a minha!

* * *

Pedro Rômulo Nunes

Este cacto verdejante
De muitos anos de idade
Serve de maternidade
Para qualquer avoante
Com este porte gigante
Acolhe bem sem tabu
Rolinha, xexéu e anu
Que vem pra fazer seu ninho
Recebe amor e carinho
Do pé de mandacaru.

Seus espinhos vigiando
Sempre alerta noite e dia
Ninguém tem a ousadia
De ficar atrapalhando
Só entra se for voando
Tem segurança de açu
Nem mesmo a surucucu
Querendo se alimentar
Não consegue aproximar
Do pé de mandacaru.

* * *

Pinto do Monteiro

Sendo com calma eu aceito,
com desaforo eu respondo,
porque minha natureza
é como a do maribondo:
nem que morra machucado,
meu ferrão eu não escondo.

* * *

Zé Limeira

Um sujeito chegou no cais do porto
E pediu emprego de alfaiate
Misturou cinturão com abacate
E depois descobriu que estava morto
Ligou seu rádio no focinho de um porco
E afogou-se num chá de erva cidreira
Requereu um diploma de parteira
E tocou numa ópera de sinos…
Eram mãos de dezoito mil meninos
E não sei quantos pés de bananeira.

*

Eu já cantei no Recife
Na porta do Pronto Socorro
Ganhei duzentos mil réis
Comprei duzentos cachorro
Morri no ano passado
Mas este ano eu não morro…

*

Pedro Álvares Cabral
Inventor do telefone
Começou tocar trombone
Na volta do Zé Leal
Mas como tocava mal
Arranjou dois instrumentos
Daí chegou um sargento
Querendo enrabar os três
Quem tem razão é o freguês
Diz o Novo Testamento!

 

 

A ALMA DE UMA SOGRA – Leandro Gomes de Barros

(Na ortografia de época em que foi escrito)

 

Em dias do mez passado
Vi n´uma reunião,
Um trocador de cavallos,
Um velho tabellião,
Um criado de um vigário
E a avó de um sachristão.

Veio uma dessas ciganas
Que lê a mão da pessoa,
Leu a mão de um velho e disse:
Vossa mercê anda atôa,
De cinco sogras que teve
Não obteve uma boa.

É muito exacto cigana
Disse o velho a suspirar,
A melhor de todas cinco,
Essa obrigou-me a chorar,
Depois de morta tres mezes,
Quase me faz expirar.

Disse o velho, minha vida,
Dá muito bem uma scena,
Dá um romance e um drama,
E a obra não é pequena,
O velho tabelião
Quase que chora com pena.

 

O velho ali descreveu
Todas scenas que deram
Alguns daquelles ali,
Foram escutar não puderam
Foi um serviço de gancho
O que essas sogras fizeram.

Então a primeira sogra,
Foi uma tal Marianna,
Tinha os dentes arqueados
Como a cobra caninana
Elle casou-se na quarta
Brigou no fim da semana.

A segunda era uma typa
Alta, magra e corcovada,
Damnada para passeios,
Enredadeira exaltada
Cavilosa e feiticeira,
Intrigante e depravada.

Por felicidade dele
Chegou-lhe a fortuna um dia,
Deu a munganga na velha
Chegou-lhe a hydrophobia,
Foi morta a tiro no campo
Graças ao povo que havia.

A terceira se chamava
Genovéva bota-abaixo,
Espumava pela boca
Que a baba cahia em caixo,
Um dia partiu a elle
Fez-lhe da cabeça um facho.

A quarta era fogo-vivo
Se chamava Anna-Martello
Filha de uma tal medonha,
Bala de bronze, cutello,
Parecia um jacaré
Desses do papo amarello.

Era da côr de jibóia,
O rosto muito cascudo
E tinha no céo da boca
Um dente grande e agudo
Essa engoliu pelas ventas
Um genro com roupa e tudo.

Meu amigo disse o velho,
Eu me casei inocente
Porque antes de me casar
A velha era tão prudente
Eu disse com os meus botões,
Tenho uma sogra excellente.

Depois que casei, um dia
Eu inda estava deitado
Vi a velha dar um pulo
E abecar o creado,
Arrancar-lhe o coração
E disse este, eu como assado.

Veio à porta do meu quarto,
Disse: pedaço de um burro,
Inda não se levantou?
Quer se levantar a murro?
Você, ou cria coragem,
Ou cria cheiro de esturro!…

A derradeira de todas
Não era muito ruim,
Me levantava algum falso,
Fallava muito de mim,
Eu teria me banhado
Se as outras fossem assim.

Sempre tinha alguns defeitos,
Mas também não era tanto,
Uma vez quis obrigar-me
Passar tres dias n´um canto,
Com um defuncto nas costas,
Fazendo oração a um santo.

Mas se ella não fosse assim
A velha fazia gosto
Me fazia algum favor
E depois lançava em rosto
Se brigávamos em Janeiro,
Ficávamos bem em Agosto.

Ella depois de morrer
Fez um papel temerário
Ajuntou-se co´a alma
Da avó de um boticário
E me passaram por sonho
Um dos contos de vigário.

Essa avó do boticário,
Em vida votou-me tédio
Por ter o neto botica
E eu não comprar remédio:
Morreu ella e minha sogra
Quase desgraçam meu prédio.

Disse-me a velha em sonho,
Cave lá no pé do muro,
Lá achará uma jarra
Com moedas de ouro puro,
É teu e de minha filha,
Serão ricos no futuro.

Acordei disse á mulher
Tudo que tinha sonhado
Disse ella, vá atraz
Desse thesouro enterrado
Escavaque o pé do muro
Só se lá tiver peccado.

Então tornei a dormir
Ellas voltaram de novo
Me disseram a jarra lá
Está cheia que só um ovo
Mulher só diz é asneira
Vá escutar este povo!

Vá cavar no pé do muro,
Aonde teve um coqueiro,
Debaixo da raiz dele
Acha uma laje primeiro
E debaixo dessa laje
Tem a jarra de dinheiro.

De manhã me levantei
E fui logo para lá
Cavei, encontrei a laje
Disse contente oh! vem cá
Sabe o que achei? um cortiço
De bezouro mangangá.

Ali os bezouros todos
Frecharam em cima de mim,
Eu nem sei como corri,
Julguei ali ser meu fim,
Ouvi a velha gritar,
Bezouros bons, assim sim!

Passei um anno e dous mezes
Com febre sobre o chão duro,
Tinha febre todo dia
Trancado num quarto escuro
E a alma da damnada
Me esperando no monturo.

A mulher estava dormindo
Por sonho viu ella vir
E lhe disse minha filha
Tu não podes resistir
Eu trago aqui um escravo
Que vem para te servir.

A mulher lhe perguntou
E lá pelo mundo eterno
Existe também escravo?
Filha lá tudo é moderno
Minha mãe onde achou este?
Disse a velha, no inferno.

Minha mulher disse ali,
Jesus, Maria e José,
A velha espantou-se, e disse:
Atrevida! como é?
Que chama por tres pessoas
De quem eu perdi a fé.

Disse a velha se mordendo,
Eu parto senão me acabo,
Diabos carreguem meu genro,
Que nem sogra dá-lhe cabo,
Sahiram então se mordendo
A velha com o diabo.

Essa tal de bota-abaixo
No dia que ella morreu
Eu lhe mostrei uma imagem
Pois a velha inda se ergueu
Arrebatou-me a imagem
Deu um bote e me mordeu.

Depois de morta tres anos
Onde sepultaram ella
Nasceu em cima da cova
Tres touceiras de mazella
Um livro de nova seita
Achou-se no caixão della.

A cobra era nova seita
Eu conheci o mysterio
E eu pude conhecer
Que o acto não era serio,
Tanto que eu disse logo,
Desgraçou-se o cemitério.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 09 de março de 2024

GRANDES MESTRES DO REPENTE - 16.02.24 (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

 

O paraibano Severino Lourenço da Silva Pinto, o Pinto do Monteiro (1895-1990)

* * *

Pinto do Monteiro:

Quando é de manhãzinha,
Se apagam os pirilampos,
O homem vai para os campos,
A mulher vai pra cozinha;
Sacode milho à galinha,
Se, por acaso, ela cria!
Canta o galo, o pinto pia,
Salta o bode no terreiro,
Se despede o violeiro,
Dando adeus, até um dia.

Recordo perfeitamente,
Quando em minha idade nova,
O meu pai abria a cova,
E eu plantava a semente.
Eu atrás, ele na frente,
Por ter força e mais idade…
Olhando a fertilidade
Da vastidão da campina,
Aquela chuvinha fina
Me faz chorar de saudade.

Em dezembro, começa a trovoada,
Em janeiro, o inverno principia,
Dão início a pegar a vacaria:
Haja leite, haja queijo, haja coalhada!
Em setembro, começa a vaquejada:
É aboio, é carreira, é queda, é grito!
Berra o bode, a cabra e o cabrito;
A galinha ciscando no quintal,
O vaqueiro aboiando no curral;
Nunca vi um cinema tão bonito!

* * *

Oliveira de Panelas:

Na mulher toda têmpera se envolve
Seu ciúme é cuidado impertinente
Seu desejo é fornalha incandescente
Quando pode, é perigo, o que devolve,
Quando está duvidosa só resolve
Pelo fio da ânsia propulsora,
Quando assume o papel de genitora
Aurifica seu corpo fecundante,
Pra tornar-se a maior representante
Dessa lei biológica criadora.

No namoro é centelha de ilusão
No noivado é a fonte de esperança
Sendo esposa é profunda a aliança
E faz unir coração com coração,
Como mãe é suprema adoração!
Sendo sogra é as vezes tempestade
Quando amiga, é amiga de verdade,
Sendo amante é volúpia no segredo,
Porém sendo inimiga causa medo
Ao mais forte machão da humanidade.

* * *

Lenelson Piancó:

Completou a missão como ninguém
Muito antes que o pai lhe resgatasse
Jesus Cristo virou a outra face
Pra que seu seguidor vire também
Assombrada, ficou Jerusalém
Por Jesus perdoar o bom ladrão
Nosso mestre deixou o seu perdão
Para quem lhe furou com uma lança
Não permita que o vírus da vingança
Contamine de vez seu coração!

* * *

Antônio Francisco:

Quem já passou no sertão
E viu o solo rachado,
A caatinga cor de cinza,
Duvido não ter parado
Pra ficar olhando o verde
Do juazeiro copado.

E sair dali pensando:
Como pode a natureza
Num clima tão quente e seco,
Numa terra indefesa
Com tanta adversidade
Criar tamanha beleza.

 

* * *

Lourival Batista Patriota:

Nem tudo que é triste, chora,
Nem tudo que é alegre, canta,
Nem toda comida é janta,
Nem todo velho se escora,
Nem toda moça namora,
Nem todo amor é paixão,
Nem toda prática é sermão,
Nem tudo que amarga é lima,
Nem todo poeta rima,
Nem toda terra é sertão!

* * *

Manoel Xudu:

Neste mundo não há maior ciência
Do que ver uma aranha se bulindo
Com perícia maestra construindo
Alicerces da sua residência .
É pequena , tem pouca resistência
Mas trabalha vencendo os empecilhos
Superando carrascos e caudilhos
Que assassinam , devoram , fazem guerra
Mas não cavam sequer barro na terra
Pra fazer um casebre pra seus filhos.

* * *

José Monte:

É bonito se olhar numa represa
A marreca puxando uma ninhada
Com um gesto de mãe tão dedicada
No encontro das águas da represa
Quanto é lindo o arrolho da burguesa
Num conserto de notas musicais
A lagarta com letras naturais
Numa folha escrever fazendo um cheque
E palmeira selvagem abrindo o leque
Espantando o calor que a tarde faz.

* * *

Catarine Aragão:

Eu vim trazendo o desgosto
Da morte de um sonho lindo
Com o pranto banhando o rosto
Que outrora viveu sorrindo
Vim arrastando os meus passos
Pra ver se junto os pedaços
De um peito sem alegria
Vim com a alma abatida
Querendo encontrar guarida
Nos braços da poesia.

Eu vim procurar motivo
Pra querer seguir em frente
E vim tentar manter vivo
O amor que meu peito sente
Vim cercada de tristeza
Querendo ter a certeza
Que nem tudo está perdido
Vim com todo sacrifício
Pra despejar meu suplício
Dentro de um verso sofrido.

Eu vim fazer o meu pranto
Achar consolo na rima
E vim pra ver se levanto
Um pouco minha autoestima
Com a alma pedindo tréguas
Eu vim cansada de léguas
Buscando paz e abrigo
Dentro de um mundo perverso
Fazendo o meu próprio verso
Me servir de ombro amigo.

Eu vim procurar meu eu
Entre os escombros do peito
E achar o que se perdeu
Pra ver se ainda tem jeito
Vim pelas desilusões
Tristezas e frustrações
Que me mantém inquieta
Buscar a minha poesia
Porque só ela alivia
Meu coração de poeta!

* * *

Poeta José Luiz:

Estou igual um bacurinho
Preso dentro de um chiqueiro
O comer que a dona bota
É folha de marmeleiro
Esperando que ele engorde
Pra lhe passar no dinheiro.

Estou igual um jumento
Debaixo de uma cangalha
Quando o seu dono é malvado
O dia todo trabalha
E quando chega de noite
Lhe nega um feixe de palha.

Estou igual uma gata
Na frente de um cachorro
Ela correndo e miando
Como quem pede socorro
Se ela falasse dizia
Me acuda senão eu morro!

 


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 02 de março de 2024

DOIS POEMAS DE CANCÃO (POSTAGEM COLUNISTA PEDRO MALTA)

 

João Batista de Siqueira, Cancão, São José do Egito-PE (1912-1982)

* * *

MEU LUGAREJO

Meu recanto pequenino
De planalto e de baixio
Onde eu brincava em menino
Pelos barrancos do rio
Gigantescos braunais,
Meus soberbos taquarais
Cheios de viço e vigor
Belas roseiras nevadas
Diariamente abanadas
Das asas do beija-flor

A terra da catingueira
Criada na penedia
Onde a ave prazenteira
Canta a chegada do dia
Planalto, ribeiro, prado
Onde até o próprio gado
Parece ter mais prazer
Terreno das andorinhas
Onde arrulham mil rolinhas
Quando começa a chover

A borboleta ligeira
Que desce do verde monte
Passa voando maneira
Roçando as águas da fonte
As aragens dos campestres
Pelas florzinhas silvestres
Atravessam sem alarde
Quando o sol se debruça
A Natureza soluça
Nas sombras do véu da tarde

Terreno em que os sabiás
Cantam com mais queixumes
Belas noites de cristais
Cravadas de vaga-lumes
Meus mangueirais magníficos
Por onde os ventos pacíficos
Atravessam mansamente
Verdes matas perfumadas
Nas lindas tardes toldadas
Das cinzas do sol poente

Esvoaçam, preguiçosas,
As abelhas pequeninas
Tirando néctar das rosas
Das regiões campesinas
Os colibris multicores
Pelos serenos verdores
Perpassam com sutileza
O orvalho cristalino
Lembra o pranto divino
Dos olhos da Natureza

Palmeiras que o rouxinol
Canta ainda horas inteiras
As auras do pôr-do-sol
Soluçam nas laranjeiras
A pelúcia aveludada
De muitas flores bordada
Desde o vale até o outeiro
Lugar em que cada planta
Soluça, sorri e canta
Pelos trovões de janeiro

Deslumbra a gente o encanto
Das borboletas douradas
Pousarem no róscio santo
Das manhãs cristalizadas
Fingem variadas fitas
De fato que são bonitas
Porém se fingem mais belas
Que a divina Natureza,
Por ter-lhes posto a beleza,
Deu mais vaidade a elas

Oh, noite de Lua cheia
De minha terra querida!
Lindas baixadas de areia
Princípios da minha vida
Lugares de despenhado
Onde gozei, descansado
Sombra, frescura e carinho
Bosque, vale, serrania
Lugares onde eu vivia
Em busca de passarinho

Os colibris delicados
Pelas manhãs de neblina
Passam voando vexados
Na vastidão da campina
Nos frondosos jiquiris
Dezenas de bem-te-vis
Elevam seus madrigais
Lugar que grita o carão
Olhando o santo clarão
Primeiro que o dia traz

As pequeninas ovelhas
Descem buscando o aprisco
Colhendo ainda as centelhas
Do sol ocultando o disco
Seguem pelas mesmas trilhas
Como que sejam as filhas
Dum pastor que lhes quer bem
Recebendo ainda as cores
Dos derradeiros rubores
Que o céu do oeste tem

Vivia sempre brincando
Fosse de noite ou de dia
Na alma se apresentando
Um mundo de poesia
Minhas queridas delícias
Aquelas santas primícias
Se passaram como um hino
Hoje só resta a lembrança
Do tempo em que fui criança
No meu torrão pequenino.

* * *

MINHA MENINICE

Foi-se meu tempo de flores
A data da inocência
Dos primeiros resplendores
Do sol da minha existência
Meu palacete dourado
Puramente bafejado
Das brisas celestiais
Felizes dias risonhos
Foram ilusões, foram sonhos
Que ao despertar não vi mais.

Estórias de belas vindas
De príncipes, reinos e fadas
Atrás de princesas lindas
Que ainda estão encantadas
Depois da hora da ceia
Ia saltar sobre a areia
Logo que a lua surgia
Sentia a má impressão
Olhando a sombra no chão
Fazendo o que eu fazia.

 

A fereza do chacal
Estórias da minha avó
As lendas de um animal
Que tinha uma perna só
De outras feras estranhas
Criadas lá nas montanhas
Que vinham sem paradeiro
Em tudo eu acreditava
E aquela noite passava
Sem sair mais no terreiro.

Ora com meu currupio
Ora empurrando meu carro
Seguia em busca do rio
Pra fazer bicho de barro
Na fronde dos ingazeiros
Passava dias inteiros
Em um balanço seguido
O meu pião de bom nome
Bastava só esse nome
Para ser mais garantido.

Vi as estrelas aos pares
Umas as outras unidas
Julgava ser luminares
De crianças falecidas
Pensava que os pirilampos
Fossem faíscas nos campos
Que vinham lá do penedo
Se a mãe-da-lua gritava
Eu muitas vezes ficava
Quase tremendo de medo.

As borboletas ligeiras
Que eu tanto perseguia
Nos ramos das goiabeiras
Todas manhãs que chovia
Com meu bodoque afamado
De canela de veado
Que um dia eu mesmo fiz
Me julgava o mais capaz
Debaixo dos braunais
Na caça dos bem-te-vis.

Estórias de um lobisomem
Que à noite vinha do mato
Na formatura de um homem
Tendo a cabeça de gato
Mais outro conto lendário
De um ancião solitário
Pai do Saci Pererê
Negrinho que foi criado
Correndo, espantando gado
Sem ninguém saber por quê.

O conto das açucenas
Que soluçavam na flora
O pastor que criou penas
Depois voou, foi embora
Outras lendas de um dragão
Que se criou no porão
De um oceano profundo
Um velho monge dizia
Que um dia ele saía
Pra devorar todo mundo.

Dizia um certo vizinho
Que tinha havido uma data
Ninguém andava sozinho
Por causa do pai-da-mata
Velho do corpo cascudo
Alto, seco e cabeludo
Com um só olho na testa
Á noite sempre saía
De manhã se recolhia
Num grotilhão da floresta.

Meus avós também diziam
Que em tempos de maré cheia
Os marinheiros ouviam
A canção de uma sereia
Era uma moça encantada
Fazia a sua morada
Em diversas regiões
Na hora em que cantava
Todo o mar se agitava
Sorvendo as embarcações.

Adeus, meu tempo ditoso
De amor, sorriso e meiguice
Das estórias de Trancoso
Dos dias da meninice
De meus tempos de criança
Hoje só resta a lembrança
Se acaso fizer estudo
Os tempos são soberanos
A marcha ingrata dos anos
Passa liquidando tudo.

O tempo em seu decorrer
Tudo desfaz e destrói
Depois, num mesmo poder
Tudo edifica e constrói
Em sua eterna pisada
Passando, deixa pra cada
Só o que for de razão
Não obedece a ninguém
Nos traz o mal e o bem
Só a meninice não.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 17 de fevereiro de 2024

GRANDES MOTES, GRANDE GLOSAS - 13.09.2019 (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

 

Primeiro mote:

É lindo queimar-se as flores
No santo mês de Maria.

Anastácio

No mês de maio a novena
Tem grande veneração,
No Brejo, Agreste e Sertão
É muito honrada esta cena,
Rosedal, rosa e verbena
Se vê brotar todo dia…
O aroma que a rosa cria
Nos faz esquecer as dores…
É lindo queimar-se as flores
No santo mês de Maria.

Zé Limeira

Você pra mim é menino,
Queimo flor uma porção,
Boto fogo em barbatão
Cercado de arame fino.
No pagode do suíno,
Quando a poica grita e chia,
Corre Mané e Sufia
E até os agricultores…
É lindo queimar-se as flores
No santo mês de Maria.

* * *

Segundo mote:

Você hoje me paga o que tem feito
Com os poetas mais fracos do que eu.

Anastácio

Zé Limeira, você cuide em rezar
Que é preciso hoje aqui dar-lhe um surrote
Apresento as virtudes do meu dote
Para você aprender a me honrar:
Se você resolver me acompanhar,
Diga logo a esse povo que perdeu,
Um fantasma chegou, lhe interrompeu,
Atraiu sua voz, o verso e o peito…
Você hoje me paga o que tem feito
Com os poetas mais fracos do que eu.

Zé Limeira

Sou um nêgo um bocado esbagaçado ,
Sou o vatis das glória desta terra,
Sou a febre que chama berra-berra,
Mastigando eu sou cobra de veado,
Sou jumento pru fora do cercado,
Sou tabefe que dero em seu Lameu…
Se tivé bom guardado bote neu,
Seu caminho de bonde ruim, estreito…
Você hoje me paga o que tem feito
Com os poetas mais fracos do que eu.

Anastácio

Cantador sem origem, sem ciência,
Miserável, lebrento , pé de peia,
És miséria da guerra da Coréia,
Seu corrupto, ladrão da consciência.
Castigado da santa Providência,
Que não honra o que Cristo santo deu,
Foste tu, imbecil, o fariseu,
Quem é bom dizes tu que tem defeito…
Você hoje me paga o que tem feito
Com os poetas mais fracos do que eu.

Zé Limeira

Zé Limeira onde canta, todo mundo
Vai olhá bem de perto a sua orige,
Já cantei no sertão, no Céu da Virge
Sou doutô de meisinha , furibundo.
Viva o Reis, o Juiz, Pedro Segundo.
Sou a cobra que o boi nunca lambeu,
Sou tijolo da casa de Pompeu,
Peripécia da filha do Prefeito..
Você hoje me paga o que tem feito
Com os poetas mais fracos do que eu.

* * *

Zé Limeira e José Alves Sobrinho glosando o mote

Canta, canta, cantador,
Que teu destino é cantar.

Zé Limeira

Quando o carão tá cantando
É sinal que vem inverno,
Eu sou um nego moderno,
Foi não foi eu tô pensando.
Amanhã tô viajando
Pru sertão de Bogotá
Tico-tico no fubá,
Padre, juiz e doutor,
Canta, canta, cantador,
Que teu destino é cantar.

José Alves Sobrinho

Minha vida é esta cantiga,
Meu amor é esta viola…
Deus me botou nesta escola
Egrégia, sublime e antiga.
Se minha viola amiga,
Quiser um dia parar,
A dor não vou suportar
Porque ordena Nestor:
Canta, canta, cantador,
Que teu destino é cantar.

Zé Limeira

Numa berada de serra
Dom Pedro ficou de coca,
Começou tirá taboca
Do cabeceira da terra,
Veio a febre berra-berra
Pru dentro dum caçuá,
Comendo o tamanduá
Da filha do Promotor,
Canta, canta, cantador,
Que teu destino é cantar.

José Alves Sobrinho

Este tema deslumbrante
Que nos deu Nestor Rolim,
Despertou dentro de mim
Um sentimento gigante!
Por isso eu canto perante
O povo deste lugar,
Já fazendo despertar
A musa do sonhador..
Canta, canta, cantador,
Que teu destino é cantar.

Zé Limeira

Se apagou-se a lamparina
Prumode o vento assoprou,
Me adiscurpe, seu Nestor,
Caboco da Palestina.
Joguei minha lazarina
No tronco do jatobá,
Fiz Lampião avuá
Na baixa do corredor,
Canta, canta, cantador,
Que teu destino é cantar.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 10 de fevereiro de 2024

UM MOTE BEM ATUAL E UM POEMA DE PATATIVA DO ASSARÉ (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

 

Poetas repentistas Sebastião da Silva e Valdir Teles glosando o mote:

Comparado aos bandidos de hoje em dia,
Lampião foi honesto até demais.

 

 

* * *

Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré (1909-2002)

* * *

 

A MULHER QUE MAIS AMEI – Patativa do Assaré

Era um modelo perfeito
A mulher que mais amei,
Linda e simpática de um jeito
Que eu mesmo dizer não sei.
Era bela, muito bela;
Para comparar com ela,
Outra coisa eu não arranjo
E por isso tenho dito
Que se anjo é mesmo bonito,
Era o retrato dum anjo.

Sei que alguém não me acredita,
Mas eu digo com razão,
Foi a mulher mais bonita
De cima de nosso chão;
Era mesmo de encomenda
E do amor daquela prenda
Eu fui o merecedor,
Eu era mesmo sozinho
Dono de todo carinho
Daquele anjo encantador.

Era bem firme a donzela,
Só em mim vivia pensando.
Quando eu olhava ela,
Ela já estava me olhando.
Para a gente conversar
Quando eu não ia, ela vinha,
Um do outro sempre bem perto
Nosso amor dava tão certo
Quem nem faca na bainha.

E por sorte ou por capricho,
Eu tinha prata, ouro e cobre.
Dinheiro em mim era lixo
Em casa de gente pobre.
Nós nunca perdíamos ato
De cinema e de teatro
De drama e mais diversão,
Não faltava coisa alguma,
As notas eu tinha de ruma
Para nós andar de avião.

 

Meu grande contentamento,
Não havia mais maior
E nossos dois pensamentos
Pensava uma coisa só.
Para desfrutar a minha vida
Perto de minha queria
Eu não poupava dinheiro.
Tanta sorte nós tivemos
Que muitas viagens fizemos
Nas terras do estrangeiro.

E quando nós se trajava
E saía a passear
O povo todo arredava
Para ver nos dois passar
Cada qual mais prazenteiro
Deste nosso mundo inteiro
Nós dois éramos os mais feliz
Vivíamos nas altas rodas
E só trajava nas modas
Dos modelos de Paris.

Assim a vida corria
E o prazer continuava
Aonde um fosse o outro ia
Onde um tivesse o outro estava;
Para festa de posição
Das mais alta ingorfação
Nunca faltava convite
Para dizer a verdade
A nossa felicidade
Já passava dos limites.

Era boa a nossa sorte
E não mudava um segundo
Ninguém pensava na morte
E o céu era aqui no mundo.
Na refeição nós comia
Das melhores iguarias
Sem falar de carne e arroz
E por isso muita gente
Ficava rangendo os dentes
Com ciúmes de nós dois.

Foi uma coisa badeja
A vida que eu desfrutei,
Mas para quem tiver inveja
Dessa vida que levei
Com tanta felicidade,
Eu vou dizer a verdade,
Pois não engano ninguém.
Aquele anjinho risonho
Eu vi foi durante um sonho;
Mulher nunca me quis bem!

A história não foi verdade,
Todo sonho é mentiroso
Aquela felicidade
De tanto luxo e de gozo
Sem o menor sacrifício,
Foi negócio fictício,
Não foi coisa verdadeira.
Eu fiquei dando o cavaco:
“Este alimento fraco
Só dá para sonhar besteira.”

De noite eu tinha jantado
Um mugunzá sem tempero
E acordei alvoroçado
Sem mulher e sem dinheiro;
Ainda reparei bem
Para vê se via alguém
De junto de minha rede
Mas, em vez de tudo aquilo
Só ouvi cantando o grilo
Nos buracos da parede.

Quando acordei estava só
Sem ter ninguém do meu lado,
Era muito mais melhor
Que eu não tivesse sonhado.
Quem já vai no fim da estrada
Levando a carga pesada
De sofrimento sem fim,
Doente, cansado e fraco
Vem um sonho enchendo o saco
Piorar quem já está ruim.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 03 de fevereiro de 2024

UMA GRANDE PELEJA: PEDRO BANDEIRA E MANOEL XUDU (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

 

Pedro Bandeira

Colega Manoel Xudu
Abra o palco da cortina,
Se firme bem na cadeira
Erga o peito e se previna,
E diga como deixou
A cidade de Carpina.

Manoel Xudu

Vai bem minha Planaltina
De poetas um viveiro,
Situada entre Paudalho
Nazaré e Limoeiro,
E agora mandou seu vate
Vir visitar Juazeiro.

Pedro Bandeira

Mas você não é romeiro
Nem comprador de pequi,
Nem carola nem turista
Ninguém lhe esperava aqui,
Sem eu lhe dar carta branca
Pra entrar no Cariri.

Manoel Xudu

Eu vim porque conheci
Que havia necessidade,
De conhecer os colegas
Que moram nessa cidade,
E saber se o novo príncipe
Tem ou não autoridade.

Pedro Bandeira

Saiba que sou majestade
No reinado poesia,
Você pra cantar comigo
Precisa ter fidalguia,
Nobreza, brio e respeito
Honra e aristocracia.

Manoel Xudu

Há tempo que conhecia
A fama do meu amigo,
Porém eu sou dos poetas
Que nunca teme perigo,
Só digo que um cabra canta
Depois que cantar comigo.

Pedro Bandeira

Você está no meu abrigo
Se não quiser passar fome,
Respeite meu auditório
Meu cetro e meu cognome,
Minha esposa e minha filha
Minha plateia e meu nome.

Manoel Xudu

Acho bom que você tome
O conselho que lhe dou,
Estou no seu auditório
Mas seu escravo não sou,
Penetre em qualquer terreno
Que se eu puder também vou.

Pedro Bandeira

O sangue do meu avô
No meu sangue inda evapora,
Me dando ideia e talento
Entusiasmo e sonora,
Pra rebater desaforo
De repentista de fora.

Manoel Xudu

Com sua proposta agora,
Sei que o jeito que tem,
É eu lhe dar um acocho
Dos ossos virar xerém,
Que canto a vinte e dois anos
E nunca perdi pra ninguém.

Pedro Bandeira

Eu nunca perdi também
E agora vou lhe provar,
Que daqui a meia hora
Você começa a chorar,
Troca a viola em cachaça
E nunca mais fala em cantar.

Manoel Xudu

É mais fácil se esgotar
O mar com uma peneira,
Bala de aço esmagar-se
Em tronco de bananeira,
Do que Manoel Xudu
Temer a Pedro Bandeira.

Pedro Bandeira

É mais fácil uma caveira
Ter nojo dum urubu,
Uma cobra de veado
Se assombrar com um cururu,
Do que o príncipe dos versos
Respeitar Manoel Xudu.

Manoel Xudu

É mais fácil um canguçu
Correr com medo dum bode,
Menino enjeitar bolacha
Moleque enjeitar pagode
Do que eu correr com medo
Dum cantador sem bigode.

Pedro Bandeira

Nós sabemos que Deus pode
Manobrar tudo que é seu,
Transformar o gelo em fogo
Ressuscitar quem morreu,
Não pode é criar poeta
Pra cantar mais do que eu.

Manoel Xudu

Mas agora apareceu
Miguel Alencar Furtado,
Que é Juiz e deu um tema
Muito bem metrificado,
E vamos saber do tema
Quem canta mais inspirado.

* * *

Mote:

Vi a noite enlutando o horizonte,
Com saudade do dia que morreu.

Pedro Bandeira

Cinco e meio da tarde mais ou menos
Resolvi vê de Deus os espetáculos,
Transportei-me das baixas aos pináculos
Pra poder me inspirar olhando Vênus,
Comecei vislumbrar astros pequenos
O Cruzeiro do Sul resplandeceu,
Quando o rosto da lua apareceu
Eu estava na crista de um monte,
Vi à noite enlutando o horizonte
Com saudade do dia que morreu.

Manoel Xudu

Quando o sino tocava Ave–Maria
E o sol se escondia no ocaso,
De um voo transportei-me ao Parnaso
Num balão que eu fiz de poesia,
Uma estrela brilhava o sol morria
E a natura chegava ao apogeu,
Tive sede e um querubim me deu
Água pura tirada duma fonte,
Vi à noite enlutando o horizonte
Com saudade do dia que morreu.

Pedro Bandeira

Contemplei azul além do mar
Vi a treva envolvendo as ondas pardas,
As libélulas pousaram nas mostardas
E agripinas saíram do pomar,
Escutei uma musa solfejar
Uma musica crida por Orfeu,
Estendi-me nos braços de Morfeu
Reclinei no seu busto a minha fronte,
Vi à noite enlutando o horizonte
Com saudade do dia que morreu.

Manoel Xudu

Eu também me achava esmorecido
Numa tarde perdido no deserto,
Sem achar um amigo ali por perto
Que indicasse por onde eu tinha ido,
Quando o bravo leão deu um rugido
Que o bosque da serra estremeceu,
Mas o manto de Deus se estendeu
Parecendo a varanda de uma ponte,
Vi à noite enlutando o horizonte
Com saudade do dia que morreu.

* * *

Pedro Bandeira

Atendi ao pedido do Juiz
Mas a nossa polêmica continua,
Pra você minha volta vai ser crua
Encomende-se a Deus pra ser feliz,
Se é mesmo um poeta como diz
Mostre aqui sua personalidade,
Se vier com mentira e vaidade
Entra grande na luta e sai pequeno,
Nunca mais quer entrar no meu terreno
Sem primeiro pedir-me a liberdade.

Manoel Xudu

Eu não vim procurar inimizade
Com você seus irmãos e outros mais,
Mas se quer destruir o meu cartaz
É perdida de vez sua vontade,
Com poeta de toda qualidade
No Nordeste eu tenho combatido,
No Brasil o meu nome é conhecido
Desde o Norte ao Sul Leste e Oeste,
Quem meter-se comigo a fazer teste
Leva pau perde o jeito e sai vencido.

Pedro Bandeira

Vou coser sua boca e um ouvido
Dou-lhe um murro na cara estoura os pés,
Cantador do seu jeito eu dou em dez
Só enquanto mamãe troca um vestido,
Fuxiqueiro insultante e desconhecido
Atrasado sem luz e sem valor,
Decoreba perverso e traidor
Beberrão de latada e pé de serra,
Volte e digas chorando em sua terra
Que agora encontrou superior.

Manoel Xudu

Repentista se enche de pavor
Quando ouve meu verso e meu baião,
Sente logo tremer o coração
Gela o sangue, o rosto muda a cor,
Em martelo eu sou raio abrasador
Cantador sendo fraco eu dou em cem,
A pancada que dou é como o trem
Um gigante pra mim inda é pequeno,
Cascavel que eu pegar perde o veneno
Só me curvo a Deus e a mais ninguém.

Pedro Bandeira

Otacílio Batista canta bem
Lourival é o rei do trocadilho,
Zé Faustino morreu deixou seu filho
Clodomiro não perde pra ninguém,
Dr. Dimas um título também tem
Pinto velho é o rei do Pajeú,
Louro Branco e Moacir no Iguatu
Os Irmãos Bernardino se deleitam,
Todos esses poetas me respeitam
Quanto mais uma égua como tu.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 27 de janeiro de 2024

UM FOLHETO DE CANGAÇO (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

 

ANTONIO SILVINO, O REI DOS CANGACEIROS – Leandro Gomes de Barros

Antonio Silvino (1875 – 1944)

O povo me chama grande
E como de fato eu sou
Nunca governo venceu-me
Nunca civil me ganhou
Atrás de minha existência
Não foi um só que cansou.

Já fazem 18 anos
Que não posso descansar
Tenho por profissão o crime
Lucro aquilo que tomar,
O governo às vezes dana-se
Porém que jeito há de dar?!

O governo diz que paga
Ao homem que me der fim,
Porém por todo dinheiro
Quem se atreve a vir a mim?
Não há um só que se atreva
A ganhar dinheiro assim.

Há homens na nossa terra
Mais ligeiros do que gato,
Porém conhece meu rifle
E sabe como eu me bato,
Puxa uma onça da furna,
Mas não me tira do mato.

Telegrafei ao governo
E ele lá recebeu,
Mandei-lhe dizer: doutor,
Cuide lá no que for seu,
A capital lhe pertence
Porém o estado é meu.

O padre José Paulino
Sabe o que ele agora fez?
Prendeu-me dois cangaceiros,
Tinha outro preso fez três,
O governo precisou
Matou tudo de uma vez.

Porém deixe estar o padre,
Eu hei de lhe perguntar
Ele nunca cortou cana
Onde aprendeu a amarrar?
Os cangaceiros morreram
Mas ele tem que os pagar.

Depois ele não se queixe,
Dizendo que eu lhe fiz mal,
Eu chego na casa dele,
Levo-lhe até o missal,
Faço da batina dele
Três mochilas para sal.

 

Um dos cabras que mataram,
Valia três Ferrabrás
Eu não dava-o por cem papas,
Nem quinhentos cardeais
Não dava-o por dez mil padres,
Pois ele valia mais.

Mas mestre padre entendeu
Que ia acertadamente
Em pegar meus cangaceiros
E fazer deles presente,
Quem tiver pena que chore
Quem gostar fique contente.

Meus cangaceiros morreram
Mas ele morre também,
Eu queimando os pés aqui
Nem mesmo o diabo vem,
Eu não vou criar galinhas
Para dar capões a ninguém.

Tudo aqui já me conhece
Algum tolo inda peleja,
Eu sou bichão no governo
E sou trunfo na igreja.
Porque no lugar que passo
Todo mundo me festeja.

No norte tem quatro estados
À minha disposição,
Pernambuco e Paraíba
Dão-me toda distinção,
Rio-Grande e o Ceará
Me conhecem por patrão.

No Pilar da Paraíba
Eu fui juiz de direito,
No povoado – Sapé,
Fui intendente e prefeito,
E o pessoal dali
Ficou todo satisfeito.

Ali no entroncamento
Eu fui Vigário-Gral,
Em Santa Rita fui bispo,
Bem perto da capital,
Só não fui nada em Monteiro,
Devido a ser federal.

Porém tirando o Monteiro,
O resto mais todo é meu,
Aquilo eu faço de conta
Que foi meu pai que me deu
O governo mesmo diz:
Zele porque tudo é seu.

Na vila de Batalhão,
Eu servi de advogado,
Lá desmanchei um processo
Que estava bem enrascado,
Livrei três ou quatro presos
Sem responderem jurado.

Só não pude fazer nada
Foi na tal Santa Luzia.
Perdi lá uma eleição,
A cousa que eu não queria,
Mas o velho rifão diz:
Roma não se fez n’um dia.

O padre José Paulino
Pensa que angu é mingau
Entende que sapo é peixe
E barata é bacurau
Pegue com chove e não molha,
Depois não se meta em pau.

Eu já encontrei um padre,
Recomendado de papa,
Tinha o pescoço de um touro,
Bom cupim para uma tapa,
Fomos às unhas e dentes,
Foi ver aquela garapa.

Quando o rechonchudo viu
Que tinha se desgraçado,
Porque meu facão é forte,
Meu baço é muito pesado,
Disse: vôte, miserável,
Abancou logo veado.

Eu gritei-lhe: padre-mestre,
Me ouça de confissão.
Ele respondeu-me: dane-se
Eu lhe deixo a maldição,
Em mim só tinha uma coroa,
Você fez outra a facão.

Eu inda o deixei correr
Por ele ser sacerdote,
Para cobra só faltava
Enroscar-se e dar o bote,
Aonde ele foi vigário,
Quatro levaram chicote.

Foi tanto qu’eu disse a ele:
Padre não seja atrevido
Tire a peneira dos olhos,
Veja que está iludido,
Eu lhe respeito a coroa,
Porém não o pé do ouvido.

O velho padre Custódio,
Usurário, interesseiro,
Amaldiçoava quem desse
Rancho a qualquer cangaceiro,
Enterrou uma fortuna,
E eu sonhei com o dinheiro!…

Então fui na casa dele,
Disse, padre eu quero entrar,
Sonhei com dinheiro aqui!…
E preciso o arrancar,
Quero levá-lo na frente
Para o senhor me ensinar.

O padre fez uma cara,
Que só um touro agastado,
Jurou por tudo que havia,
Não ter dinheiro enterrado,
Eu lhe disse, padre-mestre,
Eu cá também sou passado.

Lance mão do cavador,
E vamos ver logo os cobres,
Esse dinheiro enterrado
Está fazendo falta aos pobres,
Usemos de caridade
Que são sentimentos nobres.

Dez contos de réis em ouro
Achemos lá n’um surrão,
Três contos de réis em prata
Achou-se n’outro caixão,
Eu disse: padre não chore,
Isso é produto do chão.

O padre ficou chorando
Eu disse a ele afinal
Padre mestre este dinheiro
Podia lhe fazer mal
Quando criasse ferrugem
Lhe desgraçava o quintal.

Ajuntei todos os pobres
Que tinham necessidade
Troquei ouro por papel
Haja esmola em quantidade
Não ficou pobre com fome
Ali naquela cidade.

O padre José Paulino
Acha que estou descansado
Queria fazer presente
Ao governo do Estado
Deu três cangaceiros meus
Sem nada lhe ter custado.

Um desses ditos rapazes,
Estava até tuberculoso,
O segundo era um asmático,
O terceiro era um leproso,
O urubu que o comeu
Deve estar bem receios.

Tive nos meus cangaceiros
Um prejuízo danado,
Primeiro foi Rio-Preto,
Segundo Pilão-Deitado,
Os homens mais destemidos
Que tinham me acompanhado.

Eu juro pelo meu rifle,
Que o Padre José Paulino
Cai sempre na ratoeira
E paga o grosso e o fino,
Não há de casar mais homem,
Nem batizar mais menino.

Eu sempre gostei de padre
Tenho agora desgostado
Padre querer intervir
Em negócio do Estado?!…
Viaja sem o missal,
Mas leva o rifle encostado.

Em vez de estudar o meio
Para nos aconselhar,
Só quer saber com acerto,
Armar rifle e atirar,
Lá onde ele ordenou-se,
Só lhe ensinaram a brigar.

Depois ele não se queixe,
Nem diga que sou malvado,
Ele nunca assentou praça
Como pode ser soldado?
Não tem razão de queixar-se,
Se tiver mau resultado.

Quatro estados reunidos
Tratam de me perseguir,
Julgam que não devo ter
O direito de existir,
Porém enquanto houver mato,
Eu posso me escapulir.

Eu ganhando essas serras,
Não temo alguém me pegar
Ainda sendo um que pegue,
Uma piaba no mar,
Um veado em mata virgem
E uma mosca no ar.

Eu já sei como se passa
Cinco dias sem comer,
Quatro noites sem dormir,
Um mês sem água beber,
Conheço as furnas onde durmo
Uma noite se chover.

Uma semana de fome,
Não me faz precipitar,
Mato cinco ou seis calangos
Boto no sol a secar,
Quatro ou cinco lagartixas,
Dão muito bem um jantar.

Eu passei mais de um mês
Numa montanha escondido,
Um rapaz meu companheiro
Foi pela onça comido,
Por essa também
Eu fui muito perseguido.

Era um lugar esquisito,
Nem passarinho cantava!…
Apenas à meia noite
Uma coruja piava,
Então uma grande onça,
De mim não se descuidava.

Havia muito mocós,
Eu não podia os matar,
Andava tropa na serra
Dia e noite a me caçar,
No estampido do tiro
Era fácil alguém me achar.

Passava-se uma semana
Que nada ali eu comia,
Eu matava algum calango
Que por perto aparecia
Botava-os na pedra quente
Quando secava eu comia.

Quando apertava-me a sede
Pegava a croa de frade
Tirava o miolo dela
Chupava aquela umidade
Lá eu conheci o peso
Da mão da necessidade.

Um dia que a tropa andava
Na serra me procurando
Viram que um grande tigre,
Estava em frente os emboscando
Um dos oficiais disse:
Estamos nos arriscando.

E o Antonio Silvino
Não anda neste lugar,
Se ele andassem, aquela onça
Havia de se espantar,
Eu estava perto deles,
Ouvindo tudo falar.

Ali desceu toda a tropa,
Não demoraram um momento,
Um soldado que trazia
Um saco de mantimento,
Por minha felicidade
Deixou-o por esquecimento.

Eu estava dentro do mato,
Vi quando a tropa desceu
O tigre soltou um urro,
Que o tenente estremeceu
Até a borracha d’água
Uma das praças perdeu.

Quando eu vi que a tropa ia
Já n’uma grande lonjura,
Fui, apanhei a mochila,
Achei carne e rapadura,
Farinha queijo e café,
Aí chegou-me a fartura.

Achei a borracha d’água
Matei a sede que tinha,
A carne já estava assada,
Fiz um pirão de farinha
Enchi a barriga e disse:
Deus te dê fortuna, oncinha.

Porque a tua presença,
Fez toda a força ir embora,
O ronco que tu soltasses,
encheu-me a barriga agora,
Eu com a sede que estava,
Não durava meia hora.

E é agora o que faço,
Havendo perseguição,
Procuro uma gruta assim
E lá faço habitação,
Só levo lá, um, dous rifles
E o saco de munição.

Me mudo para uma furna
Que ninguém sabe onde é,
A furna tem meia légua
Marcando de vante a ré,
A onça chega na boca
Mas dentro não põe o pé.

A onça conhece a furna,
Desde a entrada à saída
Porém qual é essa fera
Que não tem amor à vida?
Uma onça parte assim,
Se vendo quase perdida!…

Quando eu deixar de existir
Ninguém fica em meu lugar,
Ainda que eu deixe filho,
Ele não pode ficar,
Porque a um pai como eu
Filho não pode puxar.

Pode ter muita coragem
Ser bem ligeiro e valente,
Mas vamos ver suporta
Passar três dias doente,
Com sede de estalar beiço
E fome de serrar dente.

Se não tiver natureza
De comer calango cru,
Passe um mês sem beber água
Chupando mandacaru,
Dormir em furna de pedra
Onde só veja tatu.

Não podendo fazer isso,
Nem pense em ser cangaceiro,
Que é como um cavalo magro
Quando cai no atoleiro,
Ou um boi estropiado
Perseguido do vaqueiro.

Há de ouvir como cachorro,
Ter faro como veado,
Ser mais sutil do que onça,
Maldoso e desconfiado,
Respeitar bem as famílias,
Comer com muito cuidado.

Andar em qualquer lugar
Como quem está no perigo,
Se for chefe de algum grupo
Ninguém dormirá consigo,
O próprio irmão que tiver,
O tenha como inimigo.

O cangaceiro sagaz
Não se confia em ninguém,
Não diz para onde vai,
Nem ao próprio pai se tem,
Se exercitar bem nas armas,
Pular muito e correr bem.

Em meu grupo tem entrado
Cabra de muita coragem,
Mas acha logo o perigo
E encontra a desvantagem
Foge do meio do caminho,
Não bota o meio da viagem.

Porque andar vinte léguas
Isso não é brincadeira,
E romper mato fechado,
Subir por pedra e ladeira,
Como eu já tenho feito,
Não é lá cousa maneira.

Pegar cobra como eu pego
Quando ela quer me morder,
Cascavel com sete palmos,
Só se Deus o proteger,
Mas eu pego quatro ou cinco
E solto-a, deixo-a viver.

Que é para ela saber,
Que só eu posso ser duro,
Eu já conheço o passado,
Nele ficarei seguro,
Penso depois no presente
Previno logo o futuro.

 


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 20 de janeiro de 2024

CANTORIA COM GERALDO AMÂNCIO (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA!

 

O poeta cantador cearense Geraldo Amâncio, nascido no Sítio Malhada de Areia, município do Cedro, Ceará,  em Cedro 29/Abr/1946, é verbete no Dicionário Cravo Albim da MPB. Lá consta o seguinte:

Cantor. Violeiro. Poeta. Escritor. Nascido em um sítio, em Cedro, no Ceará, até os 17 anos de idade trabalhou na roça. Cursou faculdade de História em Fortaleza (CE).

Começou com acompanhamento de viola em 1966. Participou de centenas de festivais em todo o país, e classificou-se mais de 150 vezes em primeiro lugar. Organizou festivais internacionais de repentistas e trovadores, além do festival Patativa do Assaré. É autor de três antologias sobre cantoria em parceria com o poeta Vanderley Pareira. Gravou 15 CDs ao longo da carreira, além de ter publicado cordéis em livros. Apresentou o programa dominical “Ao som da viola”, na TV Diário, em Fortaleza (CE).

* * *

Poetas repentistas Geraldo Amâncio e Valdir Teles

 

 

 


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 13 de janeiro de 2024

CORONAVÍRUS EM CORDEL (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

 

 

 

 

 


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 06 de janeiro de 2024

VALDIR TELES ENCANTOU-SE (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDEO MALTA)

 

Valdir Teles (1956-2020)

Valdir Teles, poeta maior do repente, morre aos 64 anos

Ele fazia parte de um pequeno grupo que rreunia a elite da cantoria nordestina

O repentista Valdir Teles, um dos maiores nomes da poesia oral brasileira, teve sua morte anunciadanesse domingo, dia 22, pela filha, a advogada Mariana Teles, em seu perfil no Facebook. A provável causa da morte foi um infarto. O poeta estava com 64 anos, e faleceu no Sítio Serrinha, onde morava, na Zona Rural de São José do Egito (PE), no Sertão pernambucano, sua cidade natal.

Leia matéria completa clicando aqui

* * *

Mote de Mariana Teles, filha de Valdir, glosado por Santanna:

Na solidão da latada
Lembrando meu cantador.

Precisei me recluir
Pois as postagens que via
Eram sempre poesia
Em homenagem a Valdir
Eu não pude prosseguir
Pois no meu peito uma dor
Mitigava com furor
A poesia celebrada
Na solidão da latada
Lembrando meu Cantador.

Santanna O Cantador

* * *

No painel onde Deus escreve a lista
dos poetas maiores deste mundo
tem Homero, Virgílio, e mais no fundo,
a brilhar, vem o nome do Salmista!
No letreiro de Deus um repentista…
É mais um, nesta lista de imortais!
Entre todos os vates geniais,
Valdir Teles figura no caderno
deste livro sagrado e sempre eterno
da mais pura poesia que Deus faz!

Nonato Freitas

* * *

Partiu uma grande garganta
Para o céu onde Deus mora
E por lá fará agora
Uma cantoria santa.
Quando um artista se encanta
O céu ganha nova luz
Um anjo a introduz
Nas miríades do universo
Waldir hoje fez seu verso
Na presença de Jesus.

Jesus de Ritinha de Miúdo, colunista do JBF

* * *

Todo mundo parava pra lhe ouvir
De repente um infarto lhe parou
O Nordeste tremeu quando escutou
A notícia da morte de Valdir
Adorava cantar pra divertir
Foi um homem de luz, um ser de paz
Transferiu-se pra o lar dos imortais
E só deixou pra os mortais exemplos plenos
Na calçada da fama um ídolo a menos
No exército de Deus um anjo a mais

Nonato Neto

* * *

Não se pode escrever em poesia
Como foi importante repentista,
Valdir Teles esteve em nossa lista
Dos melhores nos shows da cantoria.
Só brilhou nas pelejas que fazia
Por veloz ser a sua inteligência.
Bom na métrica, na rima e na cadência
Não deixava ninguém na sua frente
Valdir deixa a chorar nosso repente
E a viola a cantar a sua ausência.

Ismael Gaião

* * *

 * * *

Valdir Teles, semana passada, improvisando sobre a crise do coronavírus

 


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 30 de dezembro de 2023

SEIS MESTRES DO IMPROVISO E UMA AULA DE ORTOGRAFIA (POSTAFGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

 

São Francisco do Oeste-RN

 

Isso aqui é Salamandra,
São Francisco do Oeste,
Já faz uns 40 anos
Que eu conheço esta peste,
Tirando o nome do santo,
Não tem mais ninguém que preste!

Chico Monteiro

* * *

Na sala de chão batido
nos rincões do meu sertão,
violas se lamentando
no repicar do baião
em popular cantoria
que faz voltar o mourão.

Dois tamboretes de pau,
dois repentistas sentados,
uma bandeja de flandre,
violas em seus trinados,
cantoria verdadeira,
martelos agalopados.

Manoel Dantas

* * *

Nesse troco bunda e banda
o leitor não se confunda
tanto a bunda como a banda
tem uma atração profunda
Chico Buarque de Holanda
ficou rico com a banda
Carla Perez com a bunda.

Flavia Maroja

* * *

Pra sair ou chegar não marco a hora
No meu canto me deito saio e entro
A tristeza queimando peito a dentro
A saudade matando mundo afora
Não faltou-me saúde até agora
Mas saúde sem paz não é vantagem
Pra os sem rumo sou só um personagem
Pra BR sou só um inquilino
Sou mais um retirante sem destino
Que só leva saudade na bagagem.

Saudosista,carente,andarilho
Me levanto pensando a lágrima cai
Sinto tanto a ausência do meu pai
Mas não sei se ele sente a do seu filho
Cabisbaixo,abatido,maltrapilho
Visto ao longe pareço uma visagem
Precisando usar nova roupagem
Pra voltar a sonhar como menino
Sou mais um retirante sem destino
Que só leva saudade na bagagem.

Raimundo Nonato

* * *

Nosso sertão tem sossego
Que eu quero sol e luz
Tem carne assada na brasa
Pra gente comer com cuscuz
Quem vai ao sertão e volta
Vê a cara de Jesus

Francisco Nunes

* * *

Eu puxei antigamente
Jumento pelo estovo
Vendo pai fazendo cerca
E minha mãe juntando ovo
Daria tudo que tenho
Pra ser criança de novo

A paisagem nordestina
Primeiro a chuva caindo
Segundo a terra molhada
Terceiro a flor se abrindo
Quarto um açude sangrando
Quinto a pastagem surgindo

Eu comparo a mocidade 
Com a aurora prateada
Velhice cadeia triste
Com sua porta fechada
Que o delegado dos anos
Vê tudo mas não faz nada

A enchente empurra as varas
Pra desmanchar o caniço
As abelhas fazem mel
Se enganchar no cortiço
Quem se criou no sertão
Sabe o que é tudo isso

Aldo Neves

* * *

O ACORDO ORTOGRÁFICO E AS MUDANÇAS NO PORTUGUÊS DO BRASIL

De autoria do colunista fubânico Marcos Mairton. Publicado no seu blog Mundo Cordel em fevereiro de 2009

Com licença, meus amigos,
Quero falar com vocês
Sobre o que estão fazendo
Com o nosso português.
Eu não sei se é bom ou mau
Mas, Brasil e Portugal
Assinaram um tratado
Pra que em nossa ortografia,
Que é diferente hoje em dia,
Seja tudo unificado.

Moçambique, Cabo Verde,
Angola e Guiné-Bissau
Assinaram o acordo
Com Brasil e Portugal.
O Timor Leste também
Embarcou no mesmo trem
E andaram me dizendo
Que entrou até São Tomé,
Mas este, sendo quem é,
Eu só acredito vendo.

Eu sei é que para nós,
Do português-brasileiro,
O acordo entrou em vigor
A primeiro de janeiro.
E agora não tem jeito,
Reclamando ou satisfeito,
O que é preciso fazer
É estudar a reforma
Para conhecer a forma
Que nós temos que escrever.

Eu já soube, por exemplo,
Que acabaram com o trema
E, aliás, quanto a isso,
Não vejo o menor problema.
Pois pronunciar “frequência”,
“tranquilidade”, “sequência”
e até “ambiguidade”,
A gente foi aprendendo
Ouvindo e depois dizendo
Através da oralidade.

O “k”, o “y” e “w”
Entraram no alfabeto.
E quanto a isso eu achei
Que o acordo foi correto
Pois já tinha muita gente
Com nome bem diferente
No sertão do Ceará:
O Yuri e o Sidney,
Franklyn, Kelly e Helvesley,
Já usam essas letras lá.

Mais complicado é o hífen
Que ora tem, ora não.
Parece que há uma regra
Pra cada situação.
Em muitas ele caiu
Mas em algumas surgiu.
E, como a coisa complica,
Já falam em reunir
Mais gente pra discutir
Quando sai e quando fica.

Mas, parece que os problemas
Que vão incomodar mais
Vêm com a queda dos acentos
Ditos diferenciais.
Pólo, pêra, pêlo e pára
Ficam com a mesma cara
Pra sentidos diferentes.
Mas, de acordo com reforma,
“pôde”, “pôr”, “dêmos” e “forma”
São exceções existentes.

Tem muitas outras mudanças
Que ainda temos que estudar.
Permitam-me um conselho
Que agora quero lhes dar:
É bom ficar bem atentos
Para essa queda de acentos
Na escrita brasileira.
E quando for se sentar
Cuide pra ninguém tirar
O assento da cadeira.

Já chega de falar tanto
Sobre a língua portuguesa.
Vou pegar um avião
E voar pra Fortaleza.
Mas, antes desse percurso
Devo dizer que esse curso
Valeu mais que ouro em pó.
Tomara que o tratado
Seja também adotado
No país de Mossoró.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 23 de dezembro de 2023

TRÊS POEMAS NA SEXTA-FEIRA SANTA (POSTAGEM D COLUNISTA PEDRO MALTA)

 

 

É SEXTA-FEIRA! – Josemar Bessa

 

Tradução livre e adaptação de um poema de M. Lockbridge

É sexta-feira
Jesus está orando
Pedro está dormindo
Judas está traindo
Mas o domingo está chegando!
É sexta-feira
Pilatos julgando
O conselho está conspirando
A multidão está difamando
Mas eles não sabem
Que o domingo está chegando!
É sexta-feira,
Os discípulos estão fugindo
Como ovelhas sem pastor
Maria está chorando
Pedro está negando
Mas eles não sabem
Que o domingo está chegando!
É sexta-feira
Os romanos batem em meu Jesus
Eles o vestem de escarlate
Eles o coroam com espinhos
Mas eles não sabem
Que o domingo está chegando!
É sexta-feira
Veja Jesus caminhando para o Calvário
Seu sangue pingando
Seus pés tropeçando
Sobrecarregado está em seu espírito
Mas você vê, é só sexta-feira
Mas o domingo está chegando!
É sexta-feira
O mundo está vencendo
As pessoas estão pecando
E o mal está sorrindo
É sexta-feira
Os soldados pregam as mãos do meu Salvador
Na cruz
Pregam os pés do meu Salvador
na cruz
E então eles o crucificam
Ao lado de criminosos
É sexta-feira
Mas deixe-me dizer-lhe uma coisa
O domingo está chegando!
É sexta-feira,
Os discípulos estão questionando
O que aconteceu com o seu Rei
E os fariseus estão celebrando
Que seu plano astuto
Foi alcançado com sucesso
Mas eles não sabem
É apenas sexta-feira,
Mas o domingo está chegando!
É sexta-feira
Ele está pendurado na cruz
Sentindo-se abandonado por seu Pai
Deixado sozinho e morrendo…
Pode alguém salvá-lo?
Ooooh
É sexta-feira
Mas o domingo está chegando!
É sexta-feira
A terra treme
O céu escurece
Meu rei entrega seu espírito
É sexta-feira
A esperança está perdida
A Morte ganhou
O pecado conquistou
E Satanás apenas ri.
É sexta-feira
Jesus é enterrado
Soldados montam guarda
E uma pedra é rolada no sepulcro
Mas é sexta-feira
Só é sexta-feira
Mas o domingo está chegando.

* * *

GALOPE A BEIRA MAR – NOVO TESTAMENTO – Fernando Paixão

Eu lembro que o povo lá da Galileia
No tempo passado esperava o Messias
Até que cessou a contagem dos dias
Surgindo do meio da classe plebeia
Um jovem pregando pra sua plateia
Dizendo que as coisas precisam mudar
E chama discípulos pra lhe ajudar
Convidando gente do campo e da praça
Chamou pescadores que viu na barcaça
Cantando galope na beira do mar.

Tudo começou quando na Palestina
O povo amargava uma forte opressão
Sofrendo sonhava por libertação
E de Nazaré uma jovem menina
Tão doce, inocente, pura e pequenina
Um anjo aparece pra lhe avisar
Que seu ventre puro iria gerar
Um filho que ia ser grande poeta
Salvador e santo, pastor e profeta
Cantando galope na beira do mar.

A jovem assustada prostrou-se no chão
Dizendo que aquilo não era possível
Mas a pulsação do seu peito sensível
Qual jovem criança quase sem razão
Dizendo pro anjo: não tenho varão
Por isso não posso esse filho gerar
Mas, faça-se em mim o que Deus desejar
Pra Deus quero ser uma serva fiel
Cantando louvores ao Deus de Israel
Nos dez de galope na beira do mar.

O tempo passou e o povo escutava
A voz que clamava no alto deserto
Pra cima, pra baixo, pra longe e pra perto
Soava essa voz que o profeta pregava
Nas águas do rio também batizava
Pedindo ao povo pra se preparar:
Que nosso Messias não tarda a chegar
– Batizo com água começando o jogo
Mas ele batiza com Espírito e com fogo
Cantando galope na beira do mar.

Jesus aparece para João Batista
Mergulha nas águas do Rio Jordão
Quando se batiza tem uma visão
Narrada no livro do Evangelista
O céu se abrindo diante da vista
Palavra serena ele ouve no ar
O Espírito Santo vem sobrevoar
Jesus nessa hora se faz consciente
Que ele é o Filho do Onipotente
Cantando galope na beira do mar.

E para o deserto ele foi conduzido
A soma dos dias contava quarenta
Jesus persevera, se esforça e enfrenta
Todo pesadelo por ele sofrido
Escuta uma voz lhe falando no ouvido
Eu tenho poderes pra lhe ofertar
Porém Jesus Cristo se fez superar
Não foi seduzido por seu inimigo
Com a força de Deus se livrou do perigo
Cantando galope na beira do mar.

E assim começou para o pobre e pequeno
Feliz despontar de uma nova bonança
Porque nessa hora a finada esperança
Já ressuscitava em Jesus Nazareno
Aquele rapaz com aspecto sereno
Com plenos poderes se pôs a pregar
Chamando os pequenos para celebrar
Seu Reino de paz, de justiça e igualdade
Um Reino onde impera somente a verdade
Nos dez de galope na beira do mar.

A sua mensagem não foi escutada
Por gente importante da sua nação
Porém encantando toda multidão
A boa semente da paz foi plantada
Mas foi o Sinédrio que armou a cilada
Dizendo: esse homem nós vamos calar
Prenderam, julgaram para o condenar
A morte cruel duma cruz amargou
No terceiro dia ele ressuscitou
Cantando galope na beira do mar.

* * *

O VÍRUS E O VELHO – Mané Beradeiro

Meu doutor eu sou do mato.
Lá não tem televisão,
Meu rádio tá quebrado,
Telefone tem também não!
Eu senti o mundo parado
O povo todo trancado
Numa grande aflição!
Quando procurei a feira,
Na cidade do meu chão,
Nem bancas estavam lá.
Surgiu minha indagação:
– O que é que se assucede?
– Será guerra mundial?
Mas não ouço um estrondo, nenhum um tiro de canhão.
Doutor me arresponda:
– Que está acontecendo?
E o doutor foi explicando
Coisa que eu não sabia.
Um tal de coronavírus vindo lá do estrangeiro,
Tá matando muita gente, muito mais que Lampião,
Que os peidos de Jandira, que o bafo de Tonhão,
Que inhaca de Raimundo,
Que a fome no meu sertão.
Eu fiquei agoniado e disse para o doutor:
– Será possível que não tenha
Um homem que mate esse sujeito?
Que fure os olhos dele, quebre as pernas por inteiro,
Destrua as suas armas, lasque logo este estrangeiro?
Doutor, só mais uma pergunta. Pode ser?
– Esse tal de coronavírus come mesmo o quê?
Menino! Quando o doutor falou fiquei todo arrepiado.
Minha alma deu um pulo, meu corpo ficou gelado.
Vou voltar pra minha casa e ficar todo trancado.
O tal do coronavírus come velho pra todo lado!

 

 


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 16 de dezembro de 2023

O PADRE QUE MATOU O BISPO: UM DOCUMENTÁRIO E UM FOLHETO(POSTAGEM DO COLUNISTA PEDR MALTA)

 

 

 

* * *

Um folheto de José Soares – A MORTE DO BISPO DE GARANHUNS

Garanhuns está de luto:
numa bisonha manhã
foi morto dom Expedito,
um bispo de alma sã,
pelo revólver dum padre
partidário de Satã.

Um padre matar um bispo
quase não tem fundamento;
maculou com sua fúria
dos dez, este mandamento:
‘Não Matarás’, disse Deus
no sagrado sacramento.

Quantas vezes esse padre
lá no púlpito a pregar
repetiu nos seus sermões
que Deus não manda matar,
quando ele próprio faz
su’alma se condenar.

É lamentável leitores
mas tudo se comprovou
e desse drama de ontem
que a todo o mundo abalou
vou contar em poucas linhas
como tudo se passou.

O padre Hozana Siqueira,
vigário de Quipapá
não cumpria pela regra
a lei de Deus Geová,
ligando pouco os deveres
de ministro de Alá.

Porque ele, sendo padre
estava no seu critério
defender e pugnar
pelo santo presbitério,
combater e condenar
qualquer ato deletério.

 

Mas o padre assim não fez
e fugindo da rotina
seguindo outro endereço
fora da casa divina
desrespeitando sem medo
a lei da santa doutrina.

Seus atos precipitados
lhe tiram toda razão
prova que ele abraçara
os atos do Deus pagão
repudiando sem asco
a cristã religião.

Se ele não tinha fibra
pra ser ministro de Cristo,
renunciasse à igreja;
hoje estava fora disso:
talvez não fosse assassino,
odiado e mal visto.

Pois bem, esse dito padre
coração de caifaz
achou que tudo fazia
e depois saísse em paz,
dando uma vela a Deus
e outra pra Satanaz.

Foi quando dom Expedito,
o bispo de Garanhuns,
sabendo daqueles fatos
por rumores e zunzuns
resolveu tirar o padre
dos seus atos incumuns.

Fez ciente ao padre Hozana
que este fazia jus
à condenação de Deus
por ser um padre sem luz
ficando o mesmo suspenso
da igreja de Jesus.

O bispo fez o ofício
confiado em Geová
e mandou ao padre Hozana,
vigário de Quipapá,
pra esse ficar suspenso
de fazer sermões por lá.

O padre Hozana ficou
bastante contrariado;
consigo mesmo dizia
‘o bispo está enganado;
eu sou padre na igreja
mas fora sou um danado’.

De rato este padre Hozana
tinha vida dezabrida;
de púlpito da matriz,
a sua doce guarida,
ele espancava a pessoa
que falasse de sua vida.

Descompunha os infelizes
que iam lá na matriz;
espancava até menores
com sua fúria infeliz;
dentro lá de Quipapá
sempre fez o que bem quis.

Então esse dito padre,
ao par da intimação,
disse que dom Expedito
iria pedir perdão
a ele, por ordenar
logo sua suspensão.

Com o revólver na cinta
e no coração o mal,
o padre Hozana seguiu
pra difusora local
tentando manchar o bispo,
nessa hora seu rival.

Chegando na difusora
lá não foi bem recebido;
pra usar o microfone
ele não foi atendido;
então saiu furioso
já bastante decidido.

Chegando na diocese,
quando a porta se abriu,
o bispo Expedito Lopes
na sua frente surgiu;
o padre como um demônio
contra a vítima investiu.

Sacando de seu revólver
nessa triste ocasião,
três estampidos soaram
foi tremenda a explosão,
e logo dom Expedito
ferido tombou no chão.

O primeiro que ouviu
dos estampidos a zuada,
soldado José Cordeiro,
que, não sabendo de nada,
foi entrando no palácio:
ali cismou da parada.

Pois, o padre vinha louco
correndo desembalado,
entrando logo num jeep
ali estacionado,
saindo em velocidade
com destino ignorado.

O soldado então entrou
no palácio episcopal;
seus olhos se depararam
com um quadro sepulcral:
dom Expedito jazia
em sangue ali no local.

Dom Expedito gemia
se contorcendo de dores;
ele, sendo tão pacato,
nunca pensou em horrores;
estava em leito de espinhos
quem tanto cuidou de flores.

Foi levado ao hospital
dali a dado momento
pois a notícia espalhou-se
do triste acontecimento,
e no Hospital Dom Moura
parou o seu sofrimento.

Pois, não suportando as dores
sua vida foi passada
às duas horas e quinze
de uma triste madrugada,
deixando o povo tão triste
e a cidade enlutada.

O mundo é um vale de lágrimas
a morte temos por certo;
nossa vida é por enquanto,
nosso túmulo vive aberto;
contente o bispo vivia
porque ainda não sabia
que a morte estava tão perto.

Terminarei, caros leitores,
nada mais tenho a dizer;
o triste acontecimento
estou disposto a vender;
de um jornal escrevi
porque lá não assisti:
melhor não pude fazer.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 09 de dezembro de 2023

POETA PEDRO BANDEIRA, UM GÊNIO DA CANTORIA (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

 

Encantou-se na última segunda-feira (24), o poeta paraibano Pedro Bandeira de Caldas, aos 82 anos, vítima de uma parada cardíaca.

Pedro Badeira era natural de São José de Piranhas e faleceu em Juazeiro do Norte, onde morava.

Na Nação Nordestina, Pedro Bandeira ostentava o título de “Príncipe dos Poetas Populares”

 

Pedro Bandeira de Caldas (1938-2020)

 

* * *

Pedro Bandeira

O sopapo do meu braço
Todo cantador respeita
Do lado esquerdo espatifo
Lasco da banda direita
Aonde eu baixo a munheca
A bagaceira está feita.

* * *

 

 

* * *

Pedro Bandeira – Jesus – Meu galope na beira do mar

Jesus – esperança da voz do perdão
Divino cordeiro, poeta e pastor
Juiz infalível do código do amor
Estrela cadente da constelação
Nascente perene do ventre do chão
Painel que reflete na luz do luar
O mundo é pequeno pra te comparar
Perpétuo socorro dos desiludidos
Farol que ilumina os barcos perdidos
Cantando galope na beira do mar.

Jesus – padroeiro do homem de fé
Cometa visível do largo horizonte
Pedaços de pétalas que descem da fonte
Deixando perfume no igarapé
Estátua sagrada que tem como sé
Um adro, uma igreja, um santo, um altar
Piso envergonhado no teu patamar
Gemendo, vergado no peso das culpas
Orando, chorando, pedindo desculpas
Cantando galope na beira do mar.

Jesus – o refúgio de nós pecadores
Autor da orquestra do som dos arcanjos
Poema evangélico do coro dos anjos
Maestro do palco dos bons cantadores
Canário que trina no leque das flores
Artista das almas, que vive a cantar
Lanterna profética do topo do altar
Libélula que pousa no dorso da malva
O homem é quem peca, Você é quem salva
Cantando galope na beira do mar.

Jesus – oceano completo de encantos
Angico frondoso coberto de ninhos
Preserva a vivenda de seus passarinhos
Com sopros de vida por todos recantos
Lençol perfumado, consolo dos prantos
Da alma penada que vive a chorar
Nos teus lindos olhos quem bem reparar
Vê duas lanternas nas noites de inverno
Criança sorrindo no colo materno
Cantando galope na beira do mar.

 

Jesus – tabernáculo de portas abertas
Teus gestos são mansos, teus dias são calmos
Profeta que prega o livro dos salmos
Nas areias brancas das praias desertas
Palavras de mãe no pão das ofertas
Que a mãe carinhosa não sabe humilhar
Ministro de Deus que vive a rezar
Vaqueiro prudente das ovelhas mansas
Patrão dos adultos, pastor das crianças
Cantando galope na beira do mar.

Jesus – matemático que tira o atraso
Escola sublime de todos os mestres
Orvalho aromático das rosas silvestres
Retrato de nimbus nas cores do ocaso
Fiel seresteiro que em todo parnaso
As musas pairaram pra lhe escutar
Nasceu pra sofrer, morreu pra salvar
Varou o deserto, quebrou a algema
É chefe do fórum na corte suprema
Cantando galope na beira do mar.

Jesus – primogênito, meu Deus e meu tudo
Tenor das colinas, garganta sinfônica
Toalha de sangue nas mãos de Verônica
Guerreiro sem flecha, sem míssil ou escudo
Rosário de pérolas, versículo de estudo
profundo que o homem não pode igualar
Minha ignorância queira perdoar
Angústia das dores do monte calvário
Segredo do sangue do Santo Sudário
Cantando galope na beira do mar.

Jesus – solução dos grandes fracassos
Amigo que chega na dor dos suplícios
Nas horas difíceis de mil sacrifícios
Feliz da pessoa que segue seus passos
Levando-o no peito, na alma e nos braços
Rasgando a floresta pra o corpo passar
Quem anda contigo é certo chegar
No pouso celeste dos aventurados
Banhar-se na fonte, tirar os pecados
Cantando galope na beira do mar.

Jesus – que perdoa os fracos de ações
Estrela da paz, remédio da guerra
A única pessoa do céu e da terra
Que entende a linguagem de todas Nações
Morreu coroado entre dois ladrões
Cuspido e zombado da voz popular
Tirou na história primeiro lugar
Pendeu a cabeça pro lado direito
Pra todos os séculos merece respeito
Cantando galope na beira do mar.

Jesus Nazareno – filho de Maria
Lições infindáveis dos povos essênios
Espelho fantástico de todos os gênios
Soluços da noite, sorrisos do dia
Montanha escalável da teologia
Caminho pra alma se regenerar
Palavra gostosa de pronunciar
Troféu dos humildes, perdão das ofensas
Estrada infinita de todas as crenças
Cantando galope na beira do mar.

* * *

Pedro Bandeira – Eu não sei nem quem eu sou

No dia qui eu tou cá peste
Eu não sei nem quem sou eu,
Sou um fio do Nordeste
Que por descuido nasceu.
Cabôco do pé da serra
Fio legítimo da terra
De Inácio da Catingueira,
Juvená do Picuí,
De Zé Duda do Zumbí
E Mané Gardino Bandeira.

Sou um dos fí de Jesus
Qui nasceu por um arranjo,
Na terra de Zé da Luz
E de Argusto dos Anjo.
Sou do mesmo tabuleiro
Onde Pinto do Monteiro
É o primeiro da lista,
Cantador de desafôro
Tirando lapa de couro
Do rabo de repentista.

Sou dos cabra do Teixeira
Do sertão véi sem imprêgo
Da terra de Zé Limeira,
E dotô Zé Lins do Rêgo.
De Zé Américo de Armêida
Orador da voz de seda
Político da linha boa.
Sou cantadô das coivara
Do sertão das Ispinhara
A capitá João Pessoa.

Sou um doido da viola
Repentista vagabundo
Como um jumento sem bola
Sorto no ôco do mundo.
Bibí água do riacho
Onde todo cabra macho
Se acorda de madrugada
Sou um matuto pai-dégua
Nasci na Baixa da égua
Perto da tába lascada.

Sou um cabra resorvido
Bicho sem assombração
Poeta véio nascido
No miolo do sertão.
Sou neto de João Mandióca.
Cumpadre de Cobra Choca.
Mês de maio é o mês meu.
Me batisei em oitubro
Vou ver se ainda descubro
Onde a garrota morreu.

Sou do cabo da enxada,
Neto que dá língua a vó.
Cabra da rede rasgada
E um buraco no lençó.
Sou da terra de Ugolino,
Famia de Ontôe Sirvino,
Parente de Lampião.
Colega de Zé Catôta,
Romeiro véio da gôta
Do Padre Cícero Romão.”


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 02 de dezembro de 2023

DOIS MOTES BEM GLOSADOS E UM FOLHETO BUNDEIRO (POSTAFEM DE O COLUNISTA PEDRO MALTA)

 

Lenildo Ferreira glosando o mote

Fez de mim objeto descartável
Que usou, abusou e jogou fora

Todo mundo sonha com um grande amor
Com alguém que o ame de verdade
Hoje lembro sem um pingo de saudade
E até com um tanto de torpor
Como fui inocente e credor
Enganando-me com o teu olhar outrora
Pois a alma apaixonada ignora
E ignorei o quanto eras miserável
Fez de mim objeto descartável
Que usou, abusou e jogou fora

Eu pensei reconhecer em um olhar
O haver verdade em alguém
E em ti acreditei ver tanto bem
Que desejei mais ainda te amar
Hoje sei, depois de todo o penar
Que ao semblante o fingimento se incorpora
E fingida é o que fostes cada hora
Me tornando um idiota memorável
Fez de mim objeto descartável
Que usou, abusou e jogou fora

Ainda assim, depois do que me aprontou
Sei que agora faz carinha de inocente
E com esse jeito engana a muita gente
Assim como igualmente me enganou
Se faz vítima daquele a quem vitimou
Mas quem te apoia ainda terá a sua hora
Pois uma cobra sempre morde sem demora
E tu és cobra, venenosa, incurável
Fez de mim objeto descartável
Que usou, abusou e jogou fora

Quando mais precisastes de alguém
Lá estive para poder te apoiar
Te dizendo o que sonhavas escutar
E jamais te foi dito por ninguém
Eu te fiz muito mais que muito bem
E me pagaste como declaro agora
Com ingratidão e mentira por penhora
Numa atitude totalmente inexplicável
Fez de mim objeto descartável
Que usou, abusou e jogou fora

Eu me culpo, me arrependo, me castigo
Por ter sido o que para ti me fiz ser
O homem que toda mulher deseja ter
Carinhoso, indulgente, grande amigo
Pois em troca, tu fostes para comigo
Traiçoeira e maldosa, indo embora
Tão logo tua dor teve melhora
E meu amor então tornou-se dispensável
Fez de mim objeto descartável
Que usou, abusou e jogou fora

Mas bem sei que a Justiça não falhará
E do mal que me fizestes terás troco
Teu coração também será feito de louco
Por alguém que, sorrindo, te enganará
E, nesse dia, você se lembrará
Que este é o saldo de tua troca de outrora
Mal por mal, também levarás um fora
E chorarás, dizendo em pranto lastimável:
Fez de mim objeto descartável
Que usou, abusou e jogou fora.

* * *

Carlos Severiano Cavalcanti glosando o mote:

Revelei o meu filme preto-e-branco,
O retrato exibiu sertanidade.

No Nordeste, saí a cavalgar,
percorri o sobejo das restingas,
contornei as arestas das caatingas
sob o sol, procurei fotografar
a paisagem sem vida do lugar,
na intenção de mostrar a fealdade
do sertão quando traz a soledade
e borrifa de suor o meu potranco.
Revelei o meu filme preto-e-branco,
o retrato exibiu sertanidade.

Xiquexique sem flor junto a facheiros,
galhos secos torcidos nos arbustos,
vegetais tortuosos e combustos
espetando as encostas dos outeiros.
Carrascais entorroam tabuleiros
das coroas furentas, as de-frade
que vicejam naquela imensidade
quando o sol cobre a rocha em cada flanco.
Revelei o meu filme preto-e-branco,
o retrato exibiu sertanidade.

Legiões de famintos retirantes
fugitivos do fogo da coivara,
passageiros de muitos paus-de-arara,
buscam vidas em terras mais distantes.
Os que ficam são trôpegos errantes,
filhos órfãos da mãe calamidade,
empurrados à marginalidade
na vivência cruel desse atravanco.
Revelei o meu filme preto-e-branco,
o retrato exibiu sertanidade.

Já cansado de ver triste paisagem,
desisti de esporar o meu cavalo,
preferi buscar água pra lavá-lo,
procurando abrandar nossa viagem.
Entretanto, faltou-nos a coragem,
o cansaço tirou-me a agilidade,
o potranco a mostrar debilidade,
percebi que o cavalo estava manco.
Revelei o meu filme preto-e-branco,
o retrato exibiu sertanidade.

Meu cavalo cansou. Faltou ração.
Acabaram-se os filmes que comprei,
todos eles eu mesmo revelei,
registrei a crueza do sertão.
No meu álbum deixei a coleção
tradutora da dor e da orfandade,
com perfis exibindo obesidade,
nessa vida de rude solavanco.
Revelei o meu filme preto-e-branco,
o retrato exibiu sertanidade.

E naquele ambiente de mormaço,
encerrei na metade o meu roteiro,
procurei descansar num juazeiro,
coloquei a cabeça sobre o braço,
relaxei e dormi, pois o cansaço
reduziu-me o vigor pela metade.
Despertei temeroso da cidade
e sentei-me a pensar, sobre um barranco.
Revelei o meu filme preto-e-branco,
o retrato exibiu sertanidade.

* * *

O PODER QUE A BUNDA TEM – José João dos Santos (Mestre Azulão)

 

 

Nesse troço de bunda e banda
O leitor não se confunda
Tanto a bunda como a banda
Tem uma atração profunda
Chico Buarque de Holanda
Ficou rico com a banda
Carla Perez com a bunda.

Nestes versos de humorismo
Não quero atingir ninguém
E sim, arrancar do povo
Risos que nos fazem bem
Dizer detalhadamente
O poder que a bunda tem.

A bunda que me refiro
É da mulher, com razão
Com o seu poder oculto
De magia e sedução
Que faz a visão direta
Deixando a mulher completa
De beleza e perfeição.

Com bunda grande e bem feita
A mulher se sente bem
Onde passa todos olham
Mas a mulher que não tem
Faz um gesto e sai olhando
Quem sabe até desejando
Ter bunda grande também.

 

Mulher batida sem bunda
É a maior negação
Busto pequeno, magrela
Não tem a mínima atração
Mulher que tem bunda cheia
Ainda que seja feia
A bunda chama atenção.

Mulher magrela é difícil
De arranjar um marido
Mas se casar, ele diz
Eu estou arrependido
Com esta cruz que carrego
Eu estava doido e cego
Casar com um pau vestido.

Ele enjoa da magrela
De relações se atrasa
Pega uma mulher fora
Na hora que manda brasa
Diz com esta eu me derreto
Não é aquele esqueleto
Que eu tenho na minha casa.

Velho que não pode mais
Nem a de casa procura
Se vê a mulher bunduda
Diz, ou minha tanajura
Vamos ali num lugar
Te pago só pra pegar
No volume da fartura.

A mulher vai pela grana
Que dele quer receber
Lá no motel tira tudo
O velho pega a tremer
Vendo tamanha fartura
Lambuza-se na gordura
Mas nada pode fazer.

Na minha terra eu conheço
Uma Francisca Raimunda
Que tem o busto tão grande
Chega até andar corcunda
O rosto dela é bem feio
Mas tem dez quilos de peito
Com trinta e cinco de bunda.

Um rapaz muito guloso
Gostou e casou com ela
Numa cama perfumada
Os dois se deitaram nela
No começo do programa
A moça quebrou a cama
No peso da bunda dela.

Na alta sociedade
Se dá coisa interessante
Mulher magrela faz tudo
Para atrair um amante
Quando o homem não cobiça
Usa até bunda postiça
Pra ficar mais elegante.

O cabra que não conhece
Diz, esta aqui é de luxo
Leva para uma suíte
Sem saber que é um bucho
Lá na hora ele se lasca
De bunda só tem a casca
O miolo é todo murcho.

É quando perde o prazer
E diz, entrei numa fria
Gastei com lanche e suíte
Uma senhora quantia
Sem saber que aquela calça
Guardava uma bunda falsa
Com péssima mercadoria.

Moça de bunda bem grande
Com quase tudo de fora
Pela rua aonde passa
É cantada toda hora
Diz o pilantra, ora veja
Desta é que mamãe deseja
Para ser a sua nora.

Todo tipo de piadas
Cai na bunda da mulher
Um diz, que coisa gostosa
É desta que o papai quer
Outro diz, é boa à beça
Quem tem uma bunda dessa
Só é pobre se quiser.

Rapaz que quer se casar
Mas não compreende bem
A mãe dele diz, meu filho
Moça magra não convém
Arranje uma gordinha
Aquela sua é magrinha
Que até bunda não tem.

Mulher pra ser cobiçada
Não é preciso ser bela
Basta ter a bunda grande
Empinada como sela
Mesmo casada que seja
Tem homem até que deseja
Montar na garupa dela.

A maioria dos homens
Gosta de mulher peixão
Busto cheio e bunda grande
Que chame tudo atenção
Na hora daquilo bom
A carne é filé mignom
Macia como um colchão.

Mulher de bunda bem feita
Tem sempre o andar faceiro
Que atrai a simpatia
Do mais nobre cavalheiro
Quem por ela se depara
Antes de olhar a cara
Olha pra bunda primeiro.

A mulher pode ser linda
Que enfeite uma vidraça
Loura, morena ou mulata
Sem ter distinção de raça
Uma rainha perfeita
Não tendo a bunda bem feita
Perde o valor e a graça.

A moça para ser misse
Não precisa ter riqueza
E sim, toda perfeição
Dos dotes da natureza
Não tendo uma bunda exata
Não pode ser candidata
Ao concurso de beleza.

A mulher mostrar a bunda
É o que mais ela quer
Não há lei que funcione
Contra a bunda da mulher
Seja feia, ou seja bela
É propriedade dela
Ela faz o que quiser.

Vi um homem criticando
Duma mulher seminua
Dizendo você é doida
Mostrando a bunda na rua
Ela disse eu sou sozinha
Mostro porque ela é minha
Você quiser mostre a sua.

Para rainha ou princesa
Dos blocos de carnaval
É escolhida a cabrocha
Que tem a bunda legal
Só representa a escola
A que melhor se rebola
Mostrando o material.

Qualquer setor de negócio
É a bunda quem domina
No bar, na churrascaria
Na fábrica, na oficina
Para atrair as pessoas
Tem até mulheres boas
Nos postos de gasolina.

Você viaja de ônibus
Automóvel ou caminhão
Aonde estacionar
Para lanche ou refeição
As lanchonetes são cheias
Dessas mulheres sereias
Chamando os homens atenção.

Você fica rodeado
Por Rosa, por Marieta
Que lhes servem com agrados
Cobrando uma nota preta
Mostrando a bunda e umbigo
Dizendo o troco é comigo
Pra caixinha da gorjeta.

A mulher hoje tornou-se
Um poderoso instrumento
Usada em todos negócios
Pra crescer o movimento
Pra isso tem que ser bela
Exibindo a bunda dela
No estabelecimento.

Comerciais de bebidas,
Roupa, cigarro e charuto
A mulher exibe a bunda
No vídeo mais de um minuto
Sem censura e sem demanda
A bunda faz propaganda
Pra vender qualquer produto.

Nas companhias aéreas
Este transporte excelente
Só aceita aeromoça
Bonita e inteligente
Com exigidos diplomas
Que fale três idiomas
E tenha a bunda atraente.

Tem homem desempregado
Que trabalha muito bem
Quando procura um emprego
O patrão diz com desdém
Se tem mulher boa traga
Aqui pra mulher tem vaga
Mas para macho não tem.

Mulher é anjo atraente
Admirada e querida
Zeladora da família
Uma joia preferida
Linda da cabeça ao pé
Além disso ainda é
O ser que nos deu a vida.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 25 de novembro de 2023

OTACÍLIO BATISTA, UM GÊNIO DA CANTORIA NORDESTINA (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA)

 

 

 

* * *

Alguns repentes de Otacílio Batista:

Nas brancas sereias formosas da praia
Um homem com trinta e seis anos de idade
Chorava com pena dessa humanidade
Que tomba, desmaia, delira e fracassa
Usava um túnica da cor de cambraia
Seus olhos brilhavam sem pestanejar
Nenhuma sereia podia imitar
Sua voz de veludo a Deus dirigida
Eu sou o caminho, a verdade e a vida
Palavras de Cristo na beira do mar.

* * *

Um caboclo na cabana
Deitado em sua palhoça
Olhando o verde da roça
Diz sorrindo pra serrana:
Bote um traguinho de cana.
Bebe, tempera a garganta
Almoça, pensa na janta
Faz um cigarro de fumo
Abre a porta e sai no rumo
Da sombra de qualquer planta.

* * *

Essa terra prendeu meu coração
Sua brisa daqui é mais suave,
O seu som para mim, pois é mais grave
O oceano possui mais perfeição,
Esse povo tem mais educação
E essa gente daqui é muito boa,
Quando olho a paisagem da lagoa
Para mim, pois imita um jardim,
É por isso que eu digo sempre assim
Deus me livre sair de João Pessoa.

* * *

Ao romper da madrugada,
um vento manso desliza,
mais tarde ao sopro da brisa,
sai voando a passarada.
Uma tocha avermelhada
aparece lentamente,
na janela do nascente,
saudando o romper da aurora,
no sertão que a gente mora
mora o coração da gente.

* * *

O cantador violeiro
longe da terra querida,
sente um vazio na vida,
tornando prisioneiro,
olha o pinho companheiro,
aí começa a tocar,
tem vontade de cantar,
mas lhe falta inspiração.
Que a saudade do sertão
faz o poeta chorar.

* * *

Seis Poetas geniais
honram da poesia o manto,
seis estrelas divinais,
que o mundo admira tanto:
Dante, Camões e Virgílio,
Louro, Dimas e Otacílio,
Não morrem, mudam de canto.

* * *

Há beijo que vale o beijo
Porém meu avô dizia:
Atrás dos lábios que beijam
Vive oculta a covardia,
Com os dentes que dilaceram
E a língua que calunia.

* * *

Fiz da santa poesia a mensageira
Da pobreza mais pobre do país,
É pequeno o poeta que não diz
Quanto sofre a criança brasileira
Ninguém pode viver dessa maneira
Sem um teto, sem lar, sem pão, sem nome
Quem é filho de rico bebe e come,
Quem é filho de pobre não escapa,
As crianças sem papa pedem ao PAPA
Santo Papa dê papa a quem tem fome.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 18 de novembro de 2023

GERALDO AMÂNCIO E SEBASTIÃO DA SILVA: UMA GRANDE DUPLA DE POETAS REPENTISTAS (POSTAGEM DO COLUNISTA PEDRO MALTA

 

Geraldo Amâncio e Sebastião da Silva glosando o mote:

Se eu pudesse comprava a mocidade
Nem que fosse pagando a prestação

 

 

* * *

Geraldo Amâncio e Sebastião da Silva glosando o mote:

Quem passar no sertão corre com medo
das caveiras dos bois que a seca mata.

Geraldo Amâncio:

No sertão do Nordeste do Brasil,
vive a seca ao povo castigar
pouca água até pra se banhar.
Daqui pobre povo sempre fugiu
para trás deixou tudo quando partiu.
Quando parte nosso cabeça-chata
busca a vida ganhar sem bravata.
Sofrimento deste povo foi enredo.
Quem passa no sertão corre com medo
das caveiras dos bois que a seca mata.

Sebastião da Silva:

Sertanejo, foi sempre muito bravo,
mas correndo da seca que atormenta,
larga a terra que pouco lhe alimenta.
Deixa sua terra para ser escravo,
mundo afora não ganha um centavo.
Mas voltar à sua terra a fé lhe ata,
mesmo que nunca tenha uma data,
até quem partiu daqui muito cedo.
Quem passar no sertão corre com medo
das caveiras dos bois que a seca mata.

* * *

ALGUNS IMPROVISOS DE GERALDO AMÂNCIO E SEBASTIÃO DA SILVA

Geraldo Amâncio:

Eu bem novo pensei em me casar
Com uma moça do meu conhecimento
Disse ela: eu aceito o casamento
Se você deixar a arte de cantar
Ela estava esperando no altar
E eu voltei da calçada da matriz
Quebrei todas as juras que lhe fiz
E comecei a cantar dali por diante
Sou feliz porque sou representante
Da cultura mais bela do país.

Sebastião da Silva:

O Nordeste tem sido a grande escola
Dos maiores poetas cantadores
Sustentáculos e eternos defensores
Da origem maior que nos consola
Inspirados no ritmo da viola
Nos acordes de arame na madeira
Cantam de improviso a vida inteira
E o que cantam somente Deus ensina
Venham ver a viola nordestina
Defendendo a cultura brasileira.

Geraldo Amâncio:

Tire da bíblia sagrada
Sua perfeita lição,
Seja humilde, ajude ao próximo
Ao faminto estenda a mão;
Console quem está aflito
Se quiser seu nome escrito
No livro da salvação!

Sebastião da Silva:

A casa que morei nela,
que fui feliz com meus pais,
só restam teias de aranha,
cupim roendo os frechais,
é um poema de angústias,
de saudades, nada mais.

Geraldo Amâncio:

Quem nasce onde eu nasci
E se cria sem escola,
Andando com pés descalços
Ou corrulepe de sola,
Ou cresce pra ser vaqueiro
Ou cantador de viola.

Sebastião da Silva:

Gosto de ouvir a seresta
Da patativa-de-gola
E também do canarinho
Nas traves de uma gaiola:
Só não canta como a gente
Porque não possui viola.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 11 de novembro de 2023

A GENIALIDADE DE RONALDO CUNHA LIMA (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DESTE ALMANAQUE)

 

Ronaldo José da Cunha Lima, Guarabira-PB, (1936-2012). Foi advogado, promotor de justiça, professor, poeta e político

 

* * *

CONVERSANDO COM MEU PAI

Na quietude d’aquela noite densa,
reclamei numa saudade a presença
do meu Pai, que há muito já morreu!…
Sorumbático e só, fiquei na sala,
sem ouvir de ninguém uma só fala:
todos dormiam entregues a Morfeu.

Continuei sozinho na vigília,
Contemplando a placidez da mobília,
num silêncio quase que perfeito;
quebrando apenas com o gemer da rede,
as pancadas do relógio na parede
e o pulsar do coração dentro do peito.

De repente, coberta com um véu,
uma nuvem nascia lá do céu,
na sala onde eu estava, caí…
era algo de espanto realmente
dissipa-se a nuvem lentamente
e vai surgindo a imagem do meu pai.

Boa noite, meu filho! E se assusta?
Tenha mais um pouco de calma, porque custa
novamente voltar por este trilho:
Eu rompi os umbrais da eternidade
para, em braços de amor e de saudade,
conversar com você, filho querido!…

Tenho assistido todos os seus passos,
suas lutas, vitórias e fracassos,
em ânsias que não posso mais contê-las:
eu lhe assisto, meu filho, todo dia,
em suas vitórias choro de alegria
e as lágrimas transformam-se em estrelas.

Tenho visto também seus sofrimentos
suas angústias, dores e tormentos
e esperanças que foram já frustradas;
tenho visto, meu filho, da eternidade,
o desencanto de sua mocidade
e o pranto de suas madrugadas.

Compreendo, também, sua tristeza
ante a ânsia que traz na alma presa
de adejar cortando monte e serra;
sua ânsia de voar, cantando notas,
misturar seu voo ao das gaivotas,
que beijam os céus sem deixar a terra.

Mas, ao lado dos atos de grandeza,
você me causa, filho, também tristeza,
em desgosto minh’alma já flutua:
Ontem, porque não estava pronta a ceia,
pra sua mãe você fez cara feia,
bateu a porta e foi jantar na rua.

Você não soube, meu filho, e no entanto,
Ela caiu prostrada em um pranto
soluçando seu íntimo desgosto.
Nunca mais, meu filho, isto faça,
pois para o filho não há maior desgraça
que em sua mãe deixar rugas no rosto.

Nunca mais a ofenda, nem de leve!…
O seu amor a ela aos céus eleve
e escute sempre, sempre o que ela diz.
Peça a Deus para durar sua existência
e, se assim fizer de consciência,
você, na vida, tem que ser feliz.

Conduza-se na vida com altivez,
fazendo da probidade, da honradez,
para você o seu forte brasão;
aprofunde-se, meu filho, no estudo,
fazendo da justiça o seu escudo,
amando o povo como ao seu irmão.

Continue no trabalho a que se entregas
sem temer obstáculo nem refrega,
pois com a vitória sempre você vai,
e se assim fizer, querido filho,
sua vida há de ser toda de brilho,
e honrará o nome de seu pai.

E nisso a nuvem comoventemente,
aos poucos se junta novamente,
envolvendo meu pai num denso véu;
e num olhar meigo e bem sereno,
dirige para mim um triste aceno
e vai de novo subindo para o céu!

E eu fiquei chorando de saudade,
alimentando aquela ansiedade,
sem poder abrandá-la. Que castigo!
Por isso nunca mais dormi. Vivo na ânsia,
esperando que meu Pai rompa a distância,
pra vir de novo conversar comigo!

* * *

HABEAS PINHUS

 


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 04 de novembro de 2023

UM POEMA DE MARIANE BIGIO - (POSTAGEM DE PEDRO MALTA,COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A cordelista recifense Mariane Bigio, graduada em Comunicação Social e especialista em Literatura de Cordel

* * *

A roupa que a gente veste
A roupa que veste a gente

 

A gente andava pelado
Isso foi antigamente
O Índio ‘inda anda assim
Se porta naturalmente
A gente é que se reveste
A roupa que a gente veste
A roupa que veste a gente

Tanta roupa diferente
Cada qual do seu jeitinho
Camisa, calça, vestido
Bem comprido ou bem curtinho
Tem roupa de ir à praia
Tem sunga, biquíni, saia
Tem maiô e tem shortinho

Se fizer um friozinho
A roupa faz ficar quente
Tem casaco, meia e gorro
Pra que o calor se sustente
No tecido é que se investe
A roupa que a gente veste
A roupa que veste a gente

Pode ser que o clima esquente
E o suor pingue da testa
Tem tecido leve e fino
Estampas fazem a festa
As mangas cortadas fora
Chapéus vêm em boa hora
Fazendo sombra modesta.

Às vezes a gente empresta
Pega emprestado também
Às vezes a gente ganha
A roupa que foi de alguém
Roupa usada do brechó
Roupa antiga da vovó
Bem miúda pro neném.

A roupa vai muito além
De uma casca exterior
Não precisa ser de marca
Nem ser cara, não senhor
Ser confortável convém,
Se ela nos faz sentir bem
Já é de grande valor.

Em uma história de amor
Caso haja um casamento
O traje de quem se casa
De acordo com o sacramento
Traduz significados
Nas roupas representados
Neste especial momento.

Pra nos proteger do vento
Um cachecol bem felpudo
As luvas vestem as mãos
Sendo de lã ou veludo
A roupa preta é pro luto
Padrão pro atleta astuto
Tem mesmo roupa pra tudo.

Até merecem estudo
As famosas vestimentas
De alguns ícones da história
Cuja a roupa salienta
Sua singularidade
Faraós na Antiguidade
Madona aos Anos Oitenta.

A lista aqui só aumenta
Elvis Presley com seu brilho
As moças de antigamente
As que usavam o espartilho
A Gueixa com seu Quimono
Pijama é pra quem tem sono
E os versos seguem seu trilho.

Às vezes de pai pra filho
A roupa é feio uma herança
Tem a batina do padre
Que batiza uma criança
Tem roupa que é fantasia
Se o carnaval principia
Pra poder entrar na dança.

Cor verde traz esperança
Para quem acreditar
Que a roupa muda o astral
E pode nos transformar
Tem roupa que comunica
Como bandeira que indica
À que viemos lutar.

A roupa pode falar
Simbolizar a Cultura
Através da indumentária
Um Povo se configura
Beleza que não se poupa
Uma ciranda de roupa
Que no mundo se costura.

São as cores, a textura
Fios a se entrelaçar
Tem as máquinas e as tinturas
Agulha, linha e tear
Norte ou sul, leste, oeste
A roupa que a gente veste
Tem histórias pra contar.

Roupa sempre vai mudar
A moda é sua regente
O estilo é particular
Da vitrine é independente
Do Nordeste ao sudeste
A roupa que a gente veste
A roupa que veste a gente!


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 28 de outubro de 2023

UM POEMA DE MARIANE BIGIO (2) - (POSTAGEM DE PEDRO MALTA,COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A cordelista recifense Mariane Bigio, graduada em Comunicação Social e especialista em Literatura de Cordel

 

* * *

UM VOO SOBRE O MAR

Te convido a escutar
A beleza da poesia
Do encontro entre as palavras
Com encanto e a magia
Feche os olhos e desfrute
Qual fosse uma melodia…

Sente ou deite, confortável
Respire profundamente
Inspire puxando o ar
Solte vagarosamente
Deixe que o ar penetre
E acalme a sua mente

Inspire como quem sente
O cheiro de uma florzinha
Expire como quem sopra
A chama de uma velinha
Sinta a calma se instalar
E sigamos nessa linha

Imagine uma prainha
Com longa faixa de areia
Ao longe se ouve o canto
De uma mamãe baleia
Que no fundo do oceano
Com seu filhote passeia

As ondas batem nas pedras
Nos recifes de corais
E se espraiam nos seus pés
Lhes trazendo água e sais
Na ciranda das marés
Cheias de “vens” e “vais”

Na areia, muitas conchas
E barcos a descansar
O Sol já se despediu
A leve brisa a soprar
E o som de alguns passarinhos
Vai cessando devagar

Os grãos de areia nos pés
Fazem massagem gostosa
Ouça o barulho do mar
É uma voz melodiosa
Como a sereia que canta
Com sua cauda escamosa

A Lua chega, brilhosa
Demonstrando realeza
Seu reflexo nas águas
É de extrema singeleza
É Deus mostrando pra gente
Como é bela a Natureza

Os coqueiros se balançam
As folhas dançam no ar
Como fossem guardiões
Guardando a beira-do-mar
Os siris saem das tocas
E seu balé vêm mostrar

O Céu é azul escuro
Negro céu com seus encantos
As nuvens, muito macias
O recobrem com seu manto
As estrelas vêm surgindo
Cada uma no seu canto

As constelações se mostram
Diante do seu olhar
Continue respirando
Pro seu corpo relaxar
Imagine que no céu
Você começa a voar

Flutuando lá em cima
Tão leve como uma pena
As nuvens tocam seu rosto
A brisa sopra serena
Imagine este passeio
Com a sua mente plena

Veja o jardim celeste
Com estrelas cintilantes
Seus dedos tocam nos astros
Que desgastam pó brilhante
Deixe que a paz enfim
Seja a sua tripulante

Volte aos poucos, respirando
Como um barco que regressa
Aterrize de seu voo
Tranquilamente, sem pressa
Foi uma breve viagem
E que com o pouso cessa

De volta à praia outra vez
Vá nas areias pisando
Sinta os grãos por entre os dedos
Aos seus pés, massageando
O canto da mãe baleia
Já vai se distanciando

A sereia que nadava
Já se vai, submergir
E aos pouquinhos você pode
Os seus olhinhos abrir
Ou quem sabe até prefira
Sonhar mais, até dormir

Que a poesia embale o sonho
E o verso possa ecoar
Preenchendo o coração
De quem deixou-se levar
Pelas ondas das palavras
Do Cordel pra Meditar….


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 21 de outubro de 2023

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS - 22.01.21 (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Pedro Nunes e Rômulo Nunes glosando o mote

No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Pedro Nunes

Vi riachos descendo apressados
De chapadas, de vales e baixios
Carregando nas águas para os rios
O adubo das terras do Sertão
Uma rosa infeliz que foi ao chão
No tumulto das águas fenecia
Cada pétala vermelha que caía
Me deixava inda mais insatisfeito
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Rômulo Nunes

Se a cauã agorenta não mais canta,
Sertanejo já fica preparado,
Tira logo os bichos do roçado
E aguarda ansioso a chuva santa.
Seu depósito só tem milho de planta,
Resultado de sua economia
Tem feijão, jerimum e melancia
E um semblante alegre e satisfeito
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Pedro Nunes

Os enfeites na casa de um vaqueiro
São as botas, perneiras e gibão,
Um chocalho com o ferro do patrão,
Uma peia, uma corda, um peitoral,
Nos dois loros estribos de metal
Passadores, fivelas, prataria,
Uma sela com boa montaria
Para homem nenhum botar defeito
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Rômulo Nunes

Reviver o lugar que fui criado,
É para mim o desejo principal,
Esquipar em cavalo de pau,
Ossos velhos que eu tinha como gado,
Um pião com ponteira bem pesado,
Que eu jogava com muita maestria,
São brinquedos que eu tinha alegria,
Nem queria saber por quem foi feito,
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Pedro Nunes

No alpendre da casa onde eu morava,
Ouvi muitas histórias de vaqueiros,
De cruéis e terríveis cangaceiros
Que infestavam as estradas do Sertão
Foi Silvino, depois foi Lampião,
Atacando na hora que queria
E apesar do perigo que havia
Para idoso, mulher e homem feito,
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Rômulo Nunes

Bem sentado na calçada ou na cadeira,
Lá ouvia as estórias de trancoso
Sem dormir eu ficara bem medroso,
Mesmo assim não parava a brincadeira,
Quebra-pau, futebol, barra-bandeira,
Esconder, pular corda e academia,
Era assim que a vida me fazia,
Um garoto alegre e satisfeito,
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Pedro Nunes

Os vaqueiros famosos foram tantos
Nas caatingas fechadas do Sertão
Vi Cazuza, Ribinga e Militão,
Vi Charuto, Zé Mago e Oliveira,
Severino, Eugênio e Quixabeira,
Otaviano, Ricardo e Ventania
Eram homens de muita valentia
Para as lutas do campo e do eito
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

Rômulo Nunes

Eu queria viver na natureza,
Pra sentir o cheiro da neblina,
Vendo o açoite do galo de campina,
Bem alegre a voar com sutileza.
O xexéu e o concriz, quanta beleza,
O tatú, o preá, peba e cutia
Caçador que atira, é covardia,
Sem amor, insensível e sem respeito,
No terreiro da casa do meu peito
Nasce um pé de saudade todo dia.

* * *

João Paraibano e Severino Feitosa glosando o mote:

O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

João Paraibano

Cada verso que o repentista faz,
para mim tá presente em toda hora,
no tinido do ferro da espora,
na passada que vem dos animais,
na cor verde que tem nos vegetais
nas estrelas que têm no firmamento,
tá na cruz do espinhaço do jumento,
e no vaqueiro correndo atrás do gado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

Severino Feitosa

O poeta é um gênio que crepita
no espaço azul esmeraldino,
percorrendo as estradas do destino,
sem saber o planeta aonde habita,
sua mente pra o canto é infinita,
cada verso que faz é seu sustento,
é quem sabe cantar o parlamento,
sem ter voto pra ser um deputado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

João Paraibano

Uma vida vivida no sertão,
uma fruta madura já caindo,
um relâmpago na nuvem se abrindo,
um gemido do tiro do trovão,
meia dúzia de amigos no salão,
nem precisa de um piso de cimento,
minha voz, as três cordas do instrumento,
o meu quadro de louco está pintado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

Severino Feitosa

O poeta é um simples mensageiro,
que acaba uma guerra e um conflito,
ele sabe cantar o infinito,
todas pedras que têm no tabuleiro,
a passagem do fim do nevoeiro,
que ultrapassa o azul do firmamento,
que conhece o impulso desse vento,
todas as rosas que enfeitam o nosso prado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

João Paraibano

Foi mamãe que me deu a luz da vida
e me ensinou a viver da humildade,
eu nasci para ter felicidade,
porque toco na lira adquirida,
poesia me serve de bebida,
um concerto me serve de alimento,
uma pedra me serve de assento
e todo rancho de palha é meu reinado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.

Severino Feitosa

O poeta é uma criatura
que procura mostrar, no seu caminho,
toda uva do fabrico de vinho,
e toda planta que faz nossa fartura,
é quem sabe cantar a amargura
da pessoa, que está num sofrimento,
é quem sabe cantar o regimento
do quartel, que Jesus é delegado.
O poeta é um ser iluminado
que faz verso com arte e sentimento.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 14 de outubro de 2023

DUAS DUPLAS EM CANTORIA E UM FOLHETO DE PELEJA (PORTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Valdir Telles e João Paraibano glosando o mote:

Minha alma matuta foi gerada,
nas entranhas do ventre do sertão

 

 

 

* * *

Moacir Laurentino e Sebastião da Silva cantando em sextilhas:

 

 

* * *

PELEJA DE BERNARDO NOGUEIRA COM O PRETO LIMÃO – João Martins de Athayde

Em Natal já teve um negro
Chamado Preto Limão
Representador de talento
Poeta de profissão
Em toda parte cantava
Chamando o povo atenção

Esse tal Preto Limão
Era um negro inteligente
Em toda parte que chega
Já dizia abertamente
Que nunca achou cantador
Que lhe desse no repente

Nogueira sabendo disto
Prestava pouca atenção
Dizendo: – eu nunca pensei
Brigar com Preto Limão
Sendo assim da raça dele
Eu não deixo nem pagão

O encontro destes homens
Causou admiração
Que abalou o povo em roda
Daquela povoação
Pra ver Bernardo Nogueira
Brigar com Preto Limão

Eu sou Bernardo Nogueira
Santificado batismo
Força de água corrente
Do tempo do Sacratíssimo
Quando eu queimo as alpercatas
Pareço um magnetismo

Me chamam Preto Limão
Sou turuna no reconco
Quebro jucá pelo meio
Baraúna pelo tronco
Cantador como Nogueira
Tudo obedece meu ronco

Seu ronco não obedeço
Você pra mim não falou
Até o diabo tem pena
Das lapadas qu’eu lhe dou
Depois não saia dizendo:
– Santo Antônio me enganou!

Bernardo eu não me enganei
Agora é que eu pinto a manta
Cantor pra cantar comigo
Teme, gagueja, se espanta
Dou murro em braúna velha
Que o entrecasco alevanta!

Você pra cantar comigo
Precisa fazer estudo
Pisar no chão devagar
Fazer o passo miúdo
Dormir tarde, acordar cedo
Dar definição de tudo…

Você pra cantar comigo
Tem de cumprir um degredo
Pisar no chão devagar
Bem na pontinha do dedo
Dar definição de tudo
Dormir tarde, acordar cedo…

 

Cantor que canta comigo
Estira como borracha
O suor do corpo mina
Os olhos salta da caixa
Quer tomar pé mas não pode
Procura o fôlego e não acha…

Nogueira, estás enganado
Queira Deus você não rode
Teimar com Preto Limão
Você quer porém não pode
Se cair nas minhas unhas
Hoje aqui nem Deus acode!

Moleque, se eu te pegar
Me escancho em tuas garupas
Das pernas eu faço gaita
Da cabeça uma cumbuca
Dos queixos um par de tamanco
Da barriga chupa-chupa

Nogueira se eu te pegar
Até o diabo tem dó!
Desço de goela abaixo
Em cada tripa dou nó
Subo de baixo pra cima
E vou morrer no gogó

Da forma qu’eu te deixar
Não vale a pena viver
Porque teus próprios amigos
Não hão de te conhecer
Corto-te os beiços de cima
Faço te rir sem querer!

Você vai ficar pior
Send’eu já estava chorando
Porque de ora em diante
Hás de falar bodejando
Corto-te a ponta da língua
Fica o tronco balançando

O resto de tua vida
Terás muito o que contar
Dês de perto, abertamente
Se acaso desta escapar
Diga que foste ao inferno
Depois tornaste a voltar

Tive uma pega com Inácio
Moleque bom na madeira
É negro que não se afronta
Com dez léguas de carreira
Dum açoite que dei nele
Quase larga a catingueira

Você cantou com Inácio
Porém só foi uma vez
E faz vergonha contar
O que foi qu’ele te fez
Te pôs doente um ano
Aleijado mais dum mês

Inácio não me fez nada
Porque vivia cismado
Duma surra qu’eu dei nele
Há vinte do mês passado
De preto ficou cinzento
Quase morre asfixiado

Moleque tu me conhece
Como cantor afamado
No lugar qu’eu ponho a boca
É triste teu resultado
Tive uma pega com Inácio –
Já vi serviço pesado!

É porque você não viu
Preto Limão enfezado
Acendia os horizontes
De um para o outro lado
Rasga as decondências dele
De um negro encondensado

Tive aperreado um dia
Fiz a terra dar um tombo
No recreio da parcela
O mar é surdo urubombo
Cobri o mundo de fogo
E nada me fez assombro

Você fazendo tudo isso
Dá prova de homem forte
Eu já o considerava
Pela sua infeliz sorte
Se você chegasse a ir
Ao Rio Grande do Norte

Se eu for lá ao Rio Grande
Até você desanima
O sol perderá seus raios
A terra, o mundo e o clima
Tapo a boca do rio
Deixo correndo pra cima!

Se me tapares o rio
Verás como eu sou tirano
Rasgo pela terra a dentro
E vou sair no oceano
Deixo a maré do Brasil
Enchendo uma vez por ano!

Moleque, o que você tem?
Parece um pinto nuelo?
Contaste tanta façanha
Como estás tão amarelo?
Quanto mais você se visse
Seu Nogueira no martelo

Se eu cantar o martelo
Você encontra banzeiro
Qu’eu perco a fé em doente
Quando muda o travesseiro
Afinal siga na frente
Qu’eu irei por derradeiro

O cantor qu’eu pegá-lo no martelo
Pego na goela
O cabra esmorece
A língua desce
Os olhos racha
Salta da caixa
Por despedida
Procura a vida
Porém não acha

Tenho chumbo e bala
Para seu Nogueira
Cantador goteira
Pra mim não fala
Dentro duma sala
Fica entupido
E amortecido
E sem recurso
Até o pulso
Lhe tem fugido

É na bebedeira
Que o preto morre
Tropeça e corre
Topa ladeira
Mede porteira
E passadiço
E alagadiço
Se for com trama
Se encontrar lama
Topa serviço

Duro de fama
Dura bem pouco
Que o pau que é oco
Não bota rama
Chora na cama
Qu’é lugar quente
Quebro-te dente
Furo-te a língua
Faço-te íngua
Cabra insolente

Vante o perigo
É qu’sou valente
Sou a serpente
Do tempo antigo
Negro comigo
Não tem ação
Boto no chão
Quebro a titela
Arranco a moela
Levo na mão

Nogueira, tu reparaste
Num sujeito que chegou?
Trouxe um recado urgente
Que minha mulher mandou
Por hoje eu não canto mais
Fique cantando qu’eu vou…

Não quero articulação
Vá se embora seu caminho
Canário que estala muito
Costuma borrar o ninho
Quem gosta de surrar negro
Não pode cantar sozinho

Naquele mesmo momento
Saiu o Preto Limão
Deixou o povo na sala
Tudo em uma confusão
Uns diziam que correu
Outros diziam que não

Quando o Preto voltou
Nogueira tinha saído
Preto Limão disse ao povo:
– Vão chamar o atrevido
Venham olhar bem de perto
Como se açoita um bandido

Foram chamar o Nogueira
Estando ele descansado
Deitado na sua rede
Quando chegou-lhe o recado
Nogueira com muito gosto
Foi acudir ao chamado

Quando Nogueira chegou
Encontrou Preto Limão
Acuado numa sala
Ringia que só leão
Naquele mesmo momento
Começaram a descrição

Cantador qu’eu pegá-lo de revés
Com o talento qu’eu tenho no meu braço
Dou-lhe tanto que deixo num bagaço
Só de murro, tabefe e pontapés
Só de surras eu dou-lhe mais de dez
E o povo não ouve um só grito
Faz careta e se vale do Maldito
Miserável, tua culpa te condena
Mas quem é que no mundo terá pena
Deste monstro que morre tão aflito?

Cantador com Nogueira não peleja
Sendo assim como o tal Preto Limão
Só se for pra tomar minhas lição
Ele engole calado e não bodeja
Vai comendo da mesa o que sobeja
Precisa me tratar com muito agrado
No instante fazer o meu mandado
É de pressa, é ligeiro, é sem demora
Qu’eu não gosto de moleque que se escora
Pois assim é qu’eu o quero por criado

Vale a pena não seres cantador
É melhor trabalhares alugado
Vai cumprir por aí teu negro fado
Vai viver sob o ferro dum feitor
Da senzala já és um morador
Teu trabalho é lá na bagaceira
O que ganhas não dá pra tua feira
Renego tua sorte tão mesquinha
Que te assujeitas às amas da cozinha
E te ofereces pra delas ser chaleira

Este homem já vive desvalido
É descrente de Deus e da Igreja
Lúcifer o teu nome já festeja
Tu só podes viver é sucumbido
Sois tão ruim que só andas escondido
Para Deus nunca mais serás fiel
Tua raça é descendente de Lusbel
Que do Céu já perdeste a preferência
Farás tua eterna convivência
Lá embaixo dos pés de São Miguel

Tu pareces que vinhas na carreira
Sempre olhando pra frente e para trás
Como quem chega assim veloz de mais
Eu vi bem quatro paus de macaxeira
Uma jaca partida e outra inteira
Também vi dois balaios de algodão
Creio que tu já foste um ladrão
Com o peso fazia andar sereno
Às dez horas da noite, mais ou menos
Encontrei-te com esta arrumação

Meus senhores de dentro do salão
Este enorme convívio de alegria
Exaltar este homem é covardia
Só lhe falta o nome de ladrão
Para o povo tem sido muito exato
Só o que tem é que peru, galinha e pato
No lugar que ele mora não se cria
Muita gente aqui já desconfia
Que ele passa lição a qualquer rato

Quiosque fechado não se vende
Cantador sem rimar é desfeitado
Como tu neste banco te alevantas
Não precisa que o povo me encomende
Quem é cego de nada compreende
Vive numa masmorra anzolado
Por que eu já o tenho protejado
Desta tua incivil sorte mesquinha
Eu te deixo no mato sem caminho
Sob as garras dum gancho pendurado

Cantador capoeira não me aguenta
Inda duro e valente qu’ele seja
Com Bernardo Nogueiras não peleja
Adoece, entisica e se arrebenta
Dou na testa, dou na boca, dou na venta
Desta pisa ele fica amortecido
Endoidece, fica vário do sentido
Eu o boto na roda e no manejo
Ficará satisfeito meu desejo
Pra não seres cantador intrometido

Te arrepende da hora que nasceste
Seu Nogueira como é tão infeliz
Tua vida no mundo contradiz
Contra mim pelejando não venceste
Na prisãp de masmorra já sofreste
Tua vida já perde as esperança
Eu armei uma forca e uma balança
Num minuto hás de ser bem degolado
Ficará todo mundo consolado
Preto Limão só assim terá vingança!

Eu já tenho um moinho de quebrar osso
Uma prensa inglesa preparada
Qu’inda ontem emprensei um camarada
Qu’era duro, valente e muito moço
Eu já tenho guardado o teu almoço
Qu’é um bolo de ovos com manteiga
Pra cantor malcriado que lá chega
Eu agarro na gola desse cuba
Piso a carne diluída e faço puba
Se eu não matar levo ele para a pega

Quando eu apareço numa casa
Que me mandam então eu divirtir
Quatro, cinco dias vê cair
Relâmpago, trovão, curisco e brasa
Cantador comigo não se atrasa
E quem for valente, já morreu
A tocha de fogo já desceu
Meu martelo é de ferro e aço puro
Cantador comigo está seguro
Nunca houve um martelo como o meu…

Você diz que no martelo é atrevido
E somente porque não considera
Você nas minhas unhas desespera
Fica louco e quase sem sentido
Numa hora ficarás doido varrido
Teu repente não passa de besteira
As peiadas que eu te dou levanta poeira
Todo o povo já lhe tem é compaixão
Eu te deixo embolando pelo chão
Como porco que bebe manipueira

Dou-te sufregada
Dou-te tapa-queixo
Com pouco te deixo
Com a boca lascada
A língua puxada
Três palmo de fora
Casco-te as esporas
P’rós teus suvaco
Faço raco-raco
Danado, tu chora!

Dou-te bofetão
No pé do cangote
Eu vou no pacote
Do Preto Limão
Eu boto no chão
E piso a barriga
Espirra a lombriga
Os pinto comendo
O povo dizendo:
– Agüenta a espiga…


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 07 de outubro de 2023

A GENIALIDADE DE GERALDO AMÂNCIO (CRÔNICA DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O poeta cearense Geraldo Amâncio, um dos maiores nomes da cantoria de improviso da atualidade

 

 

* * *

O mundo se encontra bastante avançado
A ciência alcança progresso sem soma
Na grande pesquisa que fez do genoma
Todo o corpo humano já foi mapeado
No mapeamento foi tudo contado
Oitenta mil genes se podem contar
A ciência faz chover e molhar
Faz clone de ovelha, faz cópia completa
Duvido a ciência fazer um poeta
Cantando galope na beira do mar.

* * *

Olho a tela do tempo e me torturo
Vejo o filme do meu inconsciente,
Meu passado maior que o meu presente
Meu presente menor que o meu futuro;
Se a velhice é doença eu não me curo,
Que os três males que atacam um ancião:
São carência, desprezo e solidão,
E é difícil escapar dessa trindade;
Se eu pudesse comprava a mocidade
Nem que fosse pagando a prestação.

* * *

Registrando o passado e o presente,
Para tudo o cordel tem sempre espaço:
Pra amor, pra política, pra cangaço,
Romaria, promessa e penitente,
Retirante, romeiro, presidente,
Seca, fome, fartura, inundação.
Qualquer um que quiser informação,
Nele encontra o melhor documentário,
O cordel completou um centenário
Viajando nas asas do pavão.

* * *

Entre os Dez Mandamentos dos sermões,
Respeitar pai e mãe é o primeiro,
O defeito de um filho é ser grosseiro;
A virtude dos pais é serem bons.
Todo filho tem três obrigações:
Escutar, respeitar e obedecer;
Respeitar pai e mãe é um dever;
Esquecer mãe e pai é grosseria,
Se não fossem meus pais, eu não teria
O direito sagrado de viver.

* * *

Com pintura e poesia
Nossa festa está completa;
Não tem quase diferença
Do pintor para o poeta:
Eu trago a imagem abstrata,
E ele a imagem concreta.

* * *

Itapetim és a pista
De Louro, Otacílio e Dimas
Aonde o carro das rimas
Obedece ao motorista
Que cada página é revista
Escrita em diversas cores
És do Pajeú das Flores
A mais poética cidade
Itapetim, faculdade
Que diploma cantadores.

* * *

Monteiro berço divino
De povo alegre e feliz,
De Pinto, de Jansen Filho,
De Heleno e de Diniz;
O chão que deu quatro estrelas
Não foi céu porque não quis.

* * *

Quem não cantar do meu tanto
Não acompanha o meu passo,
Não tem a força que eu tenho,
Quando manejo o meu braço,
Não planta a roça que eu planto
Nem faz verso que eu faço.

* * *

Na vida de Michael Jackson
Eu digo o que aconteceu
Não tinha fama arranjou
Era pobre enriqueceu
Era preto ficou branco
Mudou de cor e morreu.

* * *

Eu sei que Jesus do céu me conhece,
Gosta do meu verso, dessa propaganda.
Se eu peço um repente, o Cristo me manda,
Me manda ligeiro, pois lá do céu desce.
Depois, na cabeça, o verso aparece,
Me desce pra boca pr’eu pronunciar.
Inda tem um anjo para me ajudar.
E tem uma máquina nesse meu juízo:
Não faz outra coisa, só faz improviso
Nos dez de galope na beira do mar.

* * *

GERALDO AMÂNCIO CANTANDO COM VALDIR TELES

 


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 30 de setembro de 2023

UMA HOMENAGEM DE ORLANDO TEJO A PINTO DE MONTEIRO E LOURO DO PAJEÚ (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Dois ícones da cantoria nordestina de improviso: Lourival Batista, o Louro do Pajeú (1915-1992) e Severino Pinto, o Pinto de Monteiro (1895-1990)

 

  • * *

PINTO E LOURO – Orlando Tejo

Grande saudade hoje sinto
Das cantorias-tesouro
Do gigante que foi Pinto,
Do uirapuru que foi Louro.

Era uma graça, um estouro
Ouvir em qualquer recinto
Os trocadilhos de Louro
Os desconcertos de Pinto.

Tal qual no Bar do Faminto,
Do Pátio do Matadouro,
Quando Louro aceitou Pinto
E Pinto abençoou Louro.

Mas no Bar Rosa de Ouro
Houve um encontro distinto
Pinto elogiando Louro,
Louro chaleirando Pinto.

Jamais ficará extinto
O meu prazer de ouvir Louro
Querendo derrubar Pinto,
Pinto brigando com Louro.

No Bar Casaca-de-Couro
Vi o maior labirinto:
Pinto depenando Louro
E Louro esganando Pinto.

No Mercado, em Rio Tinto,
Um momento imorredouro
com as emboscadas de Pinto
E as escapadas de Louro.

No Beco do Bebedouro
Um desafio ao instinto:
Pinto superava Louro,
Louro desmontava Pinto.

No bar de Moisés Aminto
(À Curva do Varadouro)
Louro acompanhava Pinto,
Pinto fugia de Louro.

Assisti, no Bar Jacinto,
Luta de cristão e mouro
Quando Louro açoitou Pinto,
E Pinto escanteou Louro.

O sol no nascedouro
E haja mel e haja absinto
Nas divagações de Louro,
Nos ultimatos de Pinto.

Num diálogo sucinto
Reverberavam em coro
Iluminuras de Pinto,
Clarividências de Louro.

Essa dupla, sem desdouro,
Reinou do primeiro ao quinto:
Pinto maior do que Louro,
Louro maior do que Pinto.

Duas fivelas num cinto,
Batéis sem ancoradouro,
Assim foram Louro e Pinto,
Assim serão Pinto e Louro.

Penso, reflito, pressinto
Que em todo o tempo vindouro
Ninguém vai superar Pinto,
Nenhum fará sombra a Louro.

Pois não há praga ou agouro
Que manche a paz do recinto
Das glórias que envolvem Louro,
Dos louros que adornam Pinto.

Aqui faço paradouro
(Ir além me não consinto),
Rendido ao gênio que é Louro,
Curvado ao estro de Pinto.

 

* * *

 

 


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 23 de setembro de 2023

GRANDES MESTRES DO REPENTE E UM FOLHETO DE CANCÃO (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

Lenelson Piancó

Quando a chuva passava aparecia
Muita água descendo o tabuleiro
E um açude na curva do terreiro
Com uma quenga de coco eu construía
Como eu nunca entendi de engenharia
Meu diploma foi só de agricultor
O açude não tinha sangrador
Toda vez que enchia, ele arrombava
No passado era assim que se criava
Um menino feliz e sonhador!

* * *

Cicinho Gomes

Eu admiro o canção
Na cabeça de uma estaca;
Olha pra baixo e pra cima
Acuando a jararaca
Como quem diz : “Ó meu Deus!
Ah se eu tivesse uma faca!”

Eu admiro demais
É uma gata parir,
Pegar o filho na boca,
Levar pra onde quer ir.
Nem fere o filho no dente,
Nem deixa o gato cair.

* * *

Bráulio Bessa

Sou o gibão do vaqueiro,
Sou cuscuz sou rapadura
Sou vida difícil e dura
Sou nordeste brasileiro
Sou cantador violeiro,
Sou alegria ao chover
Sou doutor sem saber ler,
Sou rico sem ser grã-fino
Quanto mais sou nordestino,
Mais tenho orgulho de ser.

Da minha cabeça chata,
Do meu sotaque arrastado
Do nosso solo rachado,
Dessa gente maltratada
Quase sempre injustiçada,
Acostumada a sofrer
Mais mesmo nesse padecer
Eu sou feliz desde menino
Quanto mais sou nordestino,
Mais orgulho tenho de ser.

Terra de cultura viva,
Chico Anísio, Gonzagão
De Renato Aragão
Ariano e Patativa.
Gente boa, criativa
Isso só me dá prazer
E hoje eu quero dizer
Muito obrigado ao destino,
Quanto mais sou nordestino
Mais tenho orgulho de ser.

* * *

Zé Saldanha

Sou poeta sertanejo,
Sei o caminho onde passo
Tem muito poeta grande
Que nunca fez o que faço
Nem sabe tudo que sei
Nem traça o traço que traço.

Baralho tem 4 ases,
Quatro Duques, 4 Três,
Quatro 4, quatro 5,
Quatro 8, quatro 6,
Quatro 9, quatro 7,
Quatro 10, quatro valetes,
Quatro Damas, quatro Reis.

* * *

Generino Batista

Nós somos dois caborés
cantando aqui neste escuro
é um em cima de um toco
o outro em cima de um muro
e quem tá de fora dizendo:
– Ô caborés sem futuro!.

Eu moro num pé de serra
que não sabe ler ninguém
o meu pai chama “promode”
minha mãe chama “quiném”
e o filho de um casal deste
que português é que tem?

* * *

Manoel Dodô

Na profissão de carreiro,
eu faço tudo e não deixo,
compro sebo ensebo o eixo,
a canga e o tamoeiro,
sete palmos de fueiro
medidos na minha mão,
uma vara de ferrão,
dois canzis de mororó:
carro de boi e forró
faz eu gostar do sertão.

* * *

UM FOLHETO DE JOÃO BATISTA DE SIQUEIRA, O CANCÃO

 

A CASA DO ÉBRIO

Era um casebre tristonho
De cujas paredes tortas
Vinha um rangido enfadonho
Dos gonzos de duas portas
As telhas já nodoadas
Duas roletas deitadas
Numa camarinha escura
O vento, quando passava
Parecia que falava
Nas frinchas das fechaduras.

Na parede do nascente
Um banco desmantelado
Um garrafão de aguardente
Que ainda havia sobrado
Junto ao quarto de dormida
Cera que foi derretida
Do resto de algumas velas
No chão, marcas de escarros
Cacos de vidros, cigarros
Rolavam por cima delas.

Uma rede remendada,
Outra parte descosida
Em um torno pendurada
Pela fumaça tingida
De um lado havia um cambito
Onde um couro de um cabrito
Sobre um arame pendia
Mais adiante, um jirau
Junto à travessa de um pau
Onde um morcego vivia.

Uma corda, uma rodilha
Bem acima de um caixão
Um pote, numa forquilha
Vazava junto ao fogão
Um gato cego e doente
Deitado sobre um batente
Por certo sentia sono
De fora, um jumento olhava
O seu olhar revelava
A malvadez do seu dono.

Uma vara de ferrão
A banda de uma tigela
Meio quilo de sabão
Embrulhado dentro dela
A banda de um cobertor
Atada em um armador
Onde havia um candeeiro
Uma camisa de saco
Mostrava por um buraco
A tampa dum tabaqueiro.

 

Uma cadeira quebrada
As pernas de um tamborete
Uma foice enferrujada
Encabada num cacete
Ao lado de uma cangalha
Havia um chapéu de palha
Com um remendo de pano
Um tronco de mandioca
Um anzol numa taboca
Pra pesca do fim de ano.

Havia armado um quixô
Encostado a um baú
Costurado com cipó
Todo feito a couro cru
Num recanto separado
Conservava-se embrulhado
O braço de uma viola
Zelava por tradição
Que seu pai foi campeão
De cantar pedindo esmola.

Uma calça de azulão
Perto da porta do meio
A bainha de um facão
Balançava em um esteio
Numa mesinha na sala
Havia cascas de bala
Um bisaco e uma garrucha,
A manga de um paletó
E um galho de mororó
Guardado pra tirar bucha.

Cinco ovos de galinha,
Um punhado de limão
Uma cuia com farinha
Sobre a boca de um pilão
Uma rolinha pelada
Numa gaiola quebrada
Junto à porta dormia
Em frente, um cão cochilava
Com certeza decorava
Sua cruel profecia.

Um pedaço de perneira
Um serrote e uma enxó
Tudo dentro duma esteira
Amarrada em um cipó
Um candeeiro sem asa
E num recanto da casa
Quatro cartas de baralho
Em um barbante, num prego
Atada por um nó cego
Estava preso um chocalho

A canela de um veado
Uma ponta de carneiro
Em um gibão amarrado
Um facho de marmeleiro
Em frente havia um baú
Bem apoiado no chão
Sobre sua tampa aberta
Mostrava uma prova certa
Donde guardava o carvão.

Abaixo de um travesseiro
Um pouco de sola em dobra
Dada por um curandeiro
Pra mordedura de cobra
Ais um cachimbo de barro
Que o mau cheiro de sarro
Chegava até o cozinho
Em um recanto, num banco
Um sapato preto e branco
Que recebeu de um padrinho.

Muitas formigas pequenas
Umas vinhas, outras iam
E assim muitas centenas
Entre os torrões se escondiam
Duas varas emendadas
Numa parede pregadas
Quase na forma de uma “vê”
Se o vento balançava, vinha
Do terreiro ou da cozinha
Um cheiro não sei de quê.

Uma criança chorava
Juntinho da mãe doente
Que com esforço lhe olhava
Mas já com ar diferente
O rosto banhado em pranto,
Deitado sobre um recanto
Numa parece encostada
A face triste e sóbria
Que durante aquele dia
Não tinha comida nada.

Depois, um homem barbado
Entrava cambaleando
Num andar lento e pesado
Exasperado falando
Um ferimento num braço
Se ia aumentar o passo
Botava a mão na parede
Sorria e depois chorava
Pelos seus traços mostrava
Sinais de quem tinha sede.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 16 de setembro de 2023

JÓ PATRIOTA E UM DOCUMENTÁRIO SOBRE ROGACIANO LEITE (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUERAIMUNDO FLORIANO)

 

A GENIALIDADE DE JÓ PATRIOTA:

Eu comparo a nossa vida
Com o mar irritado e forte
Alguma bússola indicando
Leste, oeste, sul e norte
Dum lado a praia da vida
Do outro o porto da morte.

* * *

A gaivota sai da praia
Vai voando de mansinho
As estrelas são faróis
Que iluminam seu caminho
Se encanta tanto com os astros
Que finda esquecendo o ninho.

* * *

O meu prazer foi extinto
Hoje no meu pensamento
Passam como passa o vento
As alegrias que eu sinto
Fiz do mundo um labirinto
E saí em busca do amor
Encontrei um dissabor
Me oferecendo agonias
Porque minhas alegrias
São intervalos da dor.

* * *

A dor de mim se aproxima
E pra não perder a calma,
Passo uma esponja de rima
Nos ferimentos da alma.

* * *

Sinto que estou delirando
Tal qual o cisne vagando
Na superfície de um lago
Se não recebo um afago
Vai embora a alegria
A minha monotonia
Não há no mundo quem cante
Sou poeta delirante
Vivo a beber poesia!

* * *

Mote:

Na frieza da gruta o Deus Menino
Teve o bafo de um boi por cobertor.

Num recanto afastado de Belém
Fora onde uma Virgem Imaculada
Deu a luz à pessoa mais sagrada
Que se chamou de Cristo, o Sumo Bem…
Nessa noite Maria um prazer tem
De rezar o rosário com fervor
Contemplando seu fruto, o Redentor
Santo Corpo Sacrário Pequenino
Na frieza da gruta o Deus Menino
Teve o bafo de um boi por cobertor.

Foi assim que o rebento de Maria
No silêncio da simples manjedoura
Teve a mãe como santa defensora
E seu pai adotivo como guia
Nessa pobre e humilde hospedaria
Estalagem pequena sem valor
Entre pedra, capim, garrancho e flor,
Diferente de um prédio bizantino
Na frieza da gruta o Deus Menino
Teve o bafo de um boi por cobertor.

* * *

Mote:

Eu quero os teus seios puros
Nas conchas das minhas mãos!

Estes teus seios pulados
Nossos olhos insultando
São dois carvões faiscando
No fogão dos meus pecados…
São dois punhais aguçados
Ameaçando os cristãos
Para meus lábios pagãos
São dois sapotis maduros
Eu quero os teus seios puros
Nas conchas das minhas mãos!

* * *

Mote:

Frágeis, fragílimas danças
De leves flocos de espumas.

Na madrugada esquisita
O pescador se aproveita
Vendo a praia como se enfeita
Vendo o mar como se agita
Hora calmo hora se irrita
Como panteras ou pumas
Depois se desfaz em brumas
Por sobre as duras quebranças
Frágeis, fragílimas danças
De leves flocos de espumas.

* * *

Mote:

Tudo quanto eu sofrer na minha vida
Só me queixo da tua ingratidão.

Eu pensei que tu eras inocente
Como a Virgem quando foi anunciada
Por mim mesmo tu foste comparada
Com a estrela Dalva refulgente
Que guiou os três reis do Oriente
A visita do Pai da Criação
Mas agora provaste a revelação
Que tiveste comigo foi perdido
Tudo quanto eu sofrer na minha vida
Só me queixo da tua ingratidão.

Tu de falsa roubaste o meu amor
Tu não tens coração mulher ingrata
Teu fingir cada vez mais me maltrata
Mais eu sofro, mais gemo, tenho dor
Se ao menos não fosse um cantador
Não conhecesse saudade nem paixão
Pois quem é desprezado sem razão
Perde até o direito da dormida
Tudo quanto eu sofrer na minha vida
Só me queixo da tua ingratidão.

* * *

O documentário “Reminiscência em prosa e versos” foi produzido em 2007 pela jornalista itapetinense Tarcianna Lopes, contando uma história de Rogaciano Leite, saudoso poeta pernambucano, artista sensível, notável orador, jornalista, exímio declamador de poesia.

 

 


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 09 de setembro de 2023

PINTO DO MONTEIRO, UM GÊNIO DO REPENTE (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

Improvisos de Pinto do Monteiro, denominado de A Cascavel do Repente, em cantorias diversas

Lá no meio da caatinga,
Sem moradia vizinha
Bem na beira de um riacho
Um pé de palmeira tinha.
Meu avô, nesse lugar,
Começou a trabalhar
E chamar de Carnaubinha.
Parece que estou vendo
Um homem cortando cana;
Uma engenhoca moendo
Os três dias da semana.
Fazer cerca, queimar broca,
Raspar milho e mandioca,
Da massa, fazer farinha;
Comer com mel de engenho,
Ai, que saudades que eu tenho
Da minha Carnaubinha.

Ninguém deve ignorar
Porque Pinto do Monteiro
Largou de mão a viola
E passou a usar pandeiro
O volume é mais menor
E o pacote mais maneiro.

Eu admiro o tatu
Com desenho no espinhaço,
Que a natureza fez
Sem ter régua, nem compasso
Eu tenho compasso e régua,
Pelejo, porém, não faço.

Sua terra é muito ruim
Só dá quipá e urtiga
Planta milho, o milho nasce
Não cresce nem bota espiga
De legume de caroço
Só dá sarampo e bexiga.

Homem deixe de história
Que se eu for ao Pajeú,
Dou em Jó e dou em Louro,
Em Zé Catota e em tu,
E fico no meio da rua,
Cantando e dançando nu.

Em dezembro, começa a trovoada,
Em janeiro, o inverno principia,
Dão início a pegar a vacaria:
Haja leite, haja queijo, haja coalhada!
Em setembro, começa a vaquejada:
É aboio, é carreira, é queda, é grito!
Berra o bode, a cabra e o cabrito;
A galinha ciscando no quintal,
O vaqueiro aboiando no curral;
Nunca vi um cinema tão bonito!

Esta palavra saudade
Conheço desde criança
Saudade de amor ausente
Não é saudade, é lembrança
Saudade só é saudade
Quando morre a esperança.

Saudade é tudo e é nada
Saudade é como o perfume
Eu só comparo a saudade
Com o peso do ciúme
Que a gente carrega o fardo
Mas não conhece o volume.

Se você fosse uma franga
Eu ia pegar-lhe agora
Botar os dois pés em cima
As asas servir de escora
Dar-lhe um beliscão na crista
E o resto eu digo outra hora…

* * *

Pinto de Monteiro cantando com João Furiba:

João Furiba

Se você quiser ter sorte
na sua mercearia,
coloque uma etiqueta
em cada mercadoria
e ponha meu nome nela
que conquista a freguesia.

Pinto do Monteiro

Triste da mercadoria
que nela tiver seu nome!
Pode vir um guabiru
Com oito dias de fome,
Caga o pão, mija no queijo,
Passa por cima e não come

 

No vídeo abaixo, Severino Pinto e Lourival Batista cantando de improviso o gênero Meia Quadra.

Constante da Coleção Música Popular do Nordeste, com 4 discos, lançada em 1972.

A abertura da cantoria é feita por Lourival.

 


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 02 de setembro de 2023

UM COMOVENTE POEMA DE PINTO DE MONTEIRO (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Severino Lourenço da Silva Pinto, Monteiro-PB (1895-1990). Um gênio da cantoria improvisada nordestina. Saiba mais sobre ele no Wikipédia

 

Eu comparo esta vida
à curva da letra S:
tem uma ponta que sobe
tem outra ponta que desce
e a volta que dá no meio
nem todo mundo conhece

* * *

POR QUE DEIXEI DE CANTAR

Recebi mais de um poema
Fazendo interrogação
Por que eu da profissão
Mudei de rumo e sistema
Resolverei um problema
De não poder tolerar
Muita gente a perguntar
Ansiosa pra saber
Em verso vou responder
Por que deixei de cantar.

Deixei porque a idade
já está muito avançada
A lembrança está cansada
O som menos da metade
Perdi a facilidade
Que em moço possuía
Acabou-se a energia
Da máquina de fazer verso
Hoje eu vivo submerso
Num mar de melancolia.

Minha amiga e companheira
Eu embrulhei de molambo
Pego nela por um bambo
Para tirar-lhe a poeira
Hoje não tem mais quem queira
Ir num canto me escutar
Fazer verso e gaguejar
Topar no meio e no fim
Canto feio, pouco e ruim
Será melhor não cantar.

Não foi por uma pensão
Que o governo me deu
Por que o eu do meu eu
Não me dá mais produção
Cantor sem inspiração
Tem vontade e nada faz
Eu hoje sou um dos tais
Que ninguém quer assistir
Nem o povo quer ouvir
Nem eu também posso mais.

Ando gemendo e chorando
E vendo a hora cair
O povo de mim fugir
E a canalha mangando
E eu tremendo e tombando
Sem maleta e sem sacola
Hoje estou nesta bitola
Por não ter outro recurso
Carrego a bengala a pulso
Não posso andar com a viola.

Com a matéria abatida
Eu de muito longe venho
Com este espinhoso lenho
Tombando na minha vida
Tenho a lembrança esquecida
Uma rouquice ruim
A vida quase no fim
A cabeça meio torta
Quem for moço tome conta
Cantar não é mais pra mim.

Já pelo peso de oitenta
E uma das primaveras
Dezesseis lustros, oito eras,
E a carga me atormenta
O corpo não se sustenta
Quando anda cambaleia
Cantador de cara feia
Se eu for lhe assistir
Por isso deixei de ir
Para cantoria alheia.

Estes oitenta e um degraus
Que acabei de subir
Foi só para distinguir
Quais são os bons e os maus
Por cima de pedra e paus
Tive atos de bravura
Hoje só tenho amargura
Tormento dor e cansaço
Passando de passo a passo
Por cima da sepultura.

Existe uma corriola
De sujeito vagabundo
Que anda solta no mundo
Pelintra e muito gabola
Compra logo uma viola
Da frente toda enfeitada
Só canta coisa emprestada
Mentir, fazer propaganda
Dizendo por onde anda
Que topa toda parada.

E ver em certos meios
Gente cantando iê-iê-iê
Arranjar dois LP
Tudo com versos alheios
Eu estou de saco cheio
De não poder tolerar
A muita gente escutar
Dizer viva e bater palma
Isso me doeu na alma
Fez eu deixar de cantar.

Fiz viagem de avião
A pé, a burro, a cavalo
De navio, outras que falo
De automóvel e caminhão
Cantando em rico salão
Muito moço, gordo e forte
Passei rampa, curva e corte
Para findar num retiro
E dar o último suspiro
Na emboscada da morte.

Corrente, fivela, argola,
Picinez, óculos, anel,
Livro, revista, papel,
Arame, bordão, viola,
Mala, maleta, sacola,
Perfume, lenço, troféu,
Roupa, sapato, chapéu,
Eu não posso conduzir
Quando for para eu subir
Na santa escada do céu.

Nunca pensei num tesouro
Que estava pra mim guardado
Quando fui condecorado
Com uma viola de ouro
O riso tornou-se um choro
O armazém em bodega
A cara cheia de prega
Ando tombando e tremendo
E as matutas dizendo:
Menino o velho te pega.

Não posso atender pedido
Que a mim fez muita gente
Porque estou velho e doente
Fraco, cansado, abatido,
De mais a mais esquecido
Sem som, sem mentalidade,
Ficou somente a vontade
Mordendo como formiga
Nunca mais vou em cantiga
Pra não morrer de saudade.

Vaquejada, apartação,
futebol e carnaval,
Véspera de ano e Natal
De São Pedro e São João
Dança, novela e leilão
E farra em botequim
Passear em um jardim
De braço com a querida
Neste restinho de vida
Não chega mais para mim.

Por não poder mais beber
Com meus colegas de arte
Das festas não fazer parte
Perdi da vida o prazer
Estou vivendo sem viver
Na maior fragilidade
Pelo peso da idade
Prazer pra mim não existe
Vou viver num canto triste
Até a finalidade.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 26 de agosto de 2023

UMA DUPLA EM CANTORIA E OS VERSOS DE UM POETA (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A dupla Valdir Teles e João Paraibano improvisando com o mote:

Deus pintou o sertão de poesia
Meu orgulho é ser filho do sertão 

 

 

* * *

Fabio Gomes

Quem diz que esse corona
É praga do fim do mundo
Não sabe o que está dizendo
Nem seu pensar é profundo
Desconhece o próprio nome
Não sabe o que é passar fome
Ou não ter o que comer
Lhe aconselho, esse menino
Pergunte a um nordestino
E ele vai lhe dizer.

A fome é doença braba
Não quero nem no meu mote
É difícil amanhecer
Tendo só água no pote
É algo triste na vida
Ver filho pedir comida
E você sem ter pra dar
Diga sim ou não, senhor
Existe acaso, uma dor
Maior pra se suportar?

Quando esse vírus surgiu
Mesmo sem ser tão letal
Fizeram em poucos dias
Um enorme hospital
Se do dinheiro investido
Fosse um por cento investido
Em alimento ou comida
Eu sou um dos tais que diz
Seria um mundo feliz
Com muito mais luz e vida.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 19 de agosto de 2023

DOIS MOTES BEM GLOSADOS E UM FOLHETO BUNDEIRO - 15.09.2020 (PSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Lenildo Ferreira glosando o mote

Fez de mim objeto descartável
Que usou, abusou e jogou fora

Todo mundo sonha com um grande amor
Com alguém que o ame de verdade
Hoje lembro sem um pingo de saudade
E até com um tanto de torpor
Como fui inocente e credor
Enganando-me com o teu olhar outrora
Pois a alma apaixonada ignora
E ignorei o quanto eras miserável
Fez de mim objeto descartável
Que usou, abusou e jogou fora

Eu pensei reconhecer em um olhar
O haver verdade em alguém
E em ti acreditei ver tanto bem
Que desejei mais ainda te amar
Hoje sei, depois de todo o penar
Que ao semblante o fingimento se incorpora
E fingida é o que fostes cada hora
Me tornando um idiota memorável
Fez de mim objeto descartável
Que usou, abusou e jogou fora

Ainda assim, depois do que me aprontou
Sei que agora faz carinha de inocente
E com esse jeito engana a muita gente
Assim como igualmente me enganou
Se faz vítima daquele a quem vitimou
Mas quem te apoia ainda terá a sua hora
Pois uma cobra sempre morde sem demora
E tu és cobra, venenosa, incurável
Fez de mim objeto descartável
Que usou, abusou e jogou fora

Quando mais precisastes de alguém
Lá estive para poder te apoiar
Te dizendo o que sonhavas escutar
E jamais te foi dito por ninguém
Eu te fiz muito mais que muito bem
E me pagaste como declaro agora
Com ingratidão e mentira por penhora
Numa atitude totalmente inexplicável
Fez de mim objeto descartável
Que usou, abusou e jogou fora

Eu me culpo, me arrependo, me castigo
Por ter sido o que para ti me fiz ser
O homem que toda mulher deseja ter
Carinhoso, indulgente, grande amigo
Pois em troca, tu fostes para comigo
Traiçoeira e maldosa, indo embora
Tão logo tua dor teve melhora
E meu amor então tornou-se dispensável
Fez de mim objeto descartável
Que usou, abusou e jogou fora

Mas bem sei que a Justiça não falhará
E do mal que me fizestes terás troco
Teu coração também será feito de louco
Por alguém que, sorrindo, te enganará
E, nesse dia, você se lembrará
Que este é o saldo de tua troca de outrora
Mal por mal, também levarás um fora
E chorarás, dizendo em pranto lastimável:
Fez de mim objeto descartável
Que usou, abusou e jogou fora.

* * *

Carlos Severiano Cavalcanti glosando o mote:

Revelei o meu filme preto-e-branco,
O retrato exibiu sertanidade.

No Nordeste, saí a cavalgar,
percorri o sobejo das restingas,
contornei as arestas das caatingas
sob o sol, procurei fotografar
a paisagem sem vida do lugar,
na intenção de mostrar a fealdade
do sertão quando traz a soledade
e borrifa de suor o meu potranco.
Revelei o meu filme preto-e-branco,
o retrato exibiu sertanidade.

Xiquexique sem flor junto a facheiros,
galhos secos torcidos nos arbustos,
vegetais tortuosos e combustos
espetando as encostas dos outeiros.
Carrascais entorroam tabuleiros
das coroas furentas, as de-frade
que vicejam naquela imensidade
quando o sol cobre a rocha em cada flanco.
Revelei o meu filme preto-e-branco,
o retrato exibiu sertanidade.

Legiões de famintos retirantes
fugitivos do fogo da coivara,
passageiros de muitos paus-de-arara,
buscam vidas em terras mais distantes.
Os que ficam são trôpegos errantes,
filhos órfãos da mãe calamidade,
empurrados à marginalidade
na vivência cruel desse atravanco.
Revelei o meu filme preto-e-branco,
o retrato exibiu sertanidade.

Já cansado de ver triste paisagem,
desisti de esporar o meu cavalo,
preferi buscar água pra lavá-lo,
procurando abrandar nossa viagem.
Entretanto, faltou-nos a coragem,
o cansaço tirou-me a agilidade,
o potranco a mostrar debilidade,
percebi que o cavalo estava manco.
Revelei o meu filme preto-e-branco,
o retrato exibiu sertanidade.

Meu cavalo cansou. Faltou ração.
Acabaram-se os filmes que comprei,
todos eles eu mesmo revelei,
registrei a crueza do sertão.
No meu álbum deixei a coleção
tradutora da dor e da orfandade,
com perfis exibindo obesidade,
nessa vida de rude solavanco.
Revelei o meu filme preto-e-branco,
o retrato exibiu sertanidade.

E naquele ambiente de mormaço,
encerrei na metade o meu roteiro,
procurei descansar num juazeiro,
coloquei a cabeça sobre o braço,
relaxei e dormi, pois o cansaço
reduziu-me o vigor pela metade.
Despertei temeroso da cidade
e sentei-me a pensar, sobre um barranco.
Revelei o meu filme preto-e-branco,
o retrato exibiu sertanidade.

* * *

O PODER QUE A BUNDA TEM – José João dos Santos (Mestre Azulão)

 

Nesse troço de bunda e banda
O leitor não se confunda
Tanto a bunda como a banda
Tem uma atração profunda
Chico Buarque de Holanda
Ficou rico com a banda
Carla Perez com a bunda.

Nestes versos de humorismo
Não quero atingir ninguém
E sim, arrancar do povo
Risos que nos fazem bem
Dizer detalhadamente
O poder que a bunda tem.

A bunda que me refiro
É da mulher, com razão
Com o seu poder oculto
De magia e sedução
Que faz a visão direta
Deixando a mulher completa
De beleza e perfeição.

Com bunda grande e bem feita
A mulher se sente bem
Onde passa todos olham
Mas a mulher que não tem
Faz um gesto e sai olhando
Quem sabe até desejando
Ter bunda grande também.

 

Mulher batida sem bunda
É a maior negação
Busto pequeno, magrela
Não tem a mínima atração
Mulher que tem bunda cheia
Ainda que seja feia
A bunda chama atenção.

Mulher magrela é difícil
De arranjar um marido
Mas se casar, ele diz
Eu estou arrependido
Com esta cruz que carrego
Eu estava doido e cego
Casar com um pau vestido.

Ele enjoa da magrela
De relações se atrasa
Pega uma mulher fora
Na hora que manda brasa
Diz com esta eu me derreto
Não é aquele esqueleto
Que eu tenho na minha casa.

Velho que não pode mais
Nem a de casa procura
Se vê a mulher bunduda
Diz, ou minha tanajura
Vamos ali num lugar
Te pago só pra pegar
No volume da fartura.

A mulher vai pela grana
Que dele quer receber
Lá no motel tira tudo
O velho pega a tremer
Vendo tamanha fartura
Lambuza-se na gordura
Mas nada pode fazer.

Na minha terra eu conheço
Uma Francisca Raimunda
Que tem o busto tão grande
Chega até andar corcunda
O rosto dela é bem feio
Mas tem dez quilos de peito
Com trinta e cinco de bunda.

Um rapaz muito guloso
Gostou e casou com ela
Numa cama perfumada
Os dois se deitaram nela
No começo do programa
A moça quebrou a cama
No peso da bunda dela.

Na alta sociedade
Se dá coisa interessante
Mulher magrela faz tudo
Para atrair um amante
Quando o homem não cobiça
Usa até bunda postiça
Pra ficar mais elegante.

O cabra que não conhece
Diz, esta aqui é de luxo
Leva para uma suíte
Sem saber que é um bucho
Lá na hora ele se lasca
De bunda só tem a casca
O miolo é todo murcho.

É quando perde o prazer
E diz, entrei numa fria
Gastei com lanche e suíte
Uma senhora quantia
Sem saber que aquela calça
Guardava uma bunda falsa
Com péssima mercadoria.

Moça de bunda bem grande
Com quase tudo de fora
Pela rua aonde passa
É cantada toda hora
Diz o pilantra, ora veja
Desta é que mamãe deseja
Para ser a sua nora.

Todo tipo de piadas
Cai na bunda da mulher
Um diz, que coisa gostosa
É desta que o papai quer
Outro diz, é boa à beça
Quem tem uma bunda dessa
Só é pobre se quiser.

Rapaz que quer se casar
Mas não compreende bem
A mãe dele diz, meu filho
Moça magra não convém
Arranje uma gordinha
Aquela sua é magrinha
Que até bunda não tem.

Mulher pra ser cobiçada
Não é preciso ser bela
Basta ter a bunda grande
Empinada como sela
Mesmo casada que seja
Tem homem até que deseja
Montar na garupa dela.

A maioria dos homens
Gosta de mulher peixão
Busto cheio e bunda grande
Que chame tudo atenção
Na hora daquilo bom
A carne é filé mignom
Macia como um colchão.

Mulher de bunda bem feita
Tem sempre o andar faceiro
Que atrai a simpatia
Do mais nobre cavalheiro
Quem por ela se depara
Antes de olhar a cara
Olha pra bunda primeiro.

A mulher pode ser linda
Que enfeite uma vidraça
Loura, morena ou mulata
Sem ter distinção de raça
Uma rainha perfeita
Não tendo a bunda bem feita
Perde o valor e a graça.

A moça para ser misse
Não precisa ter riqueza
E sim, toda perfeição
Dos dotes da natureza
Não tendo uma bunda exata
Não pode ser candidata
Ao concurso de beleza.

A mulher mostrar a bunda
É o que mais ela quer
Não há lei que funcione
Contra a bunda da mulher
Seja feia, ou seja bela
É propriedade dela
Ela faz o que quiser.

Vi um homem criticando
Duma mulher seminua
Dizendo você é doida
Mostrando a bunda na rua
Ela disse eu sou sozinha
Mostro porque ela é minha
Você quiser mostre a sua.

Para rainha ou princesa
Dos blocos de carnaval
É escolhida a cabrocha
Que tem a bunda legal
Só representa a escola
A que melhor se rebola
Mostrando o material.

Qualquer setor de negócio
É a bunda quem domina
No bar, na churrascaria
Na fábrica, na oficina
Para atrair as pessoas
Tem até mulheres boas
Nos postos de gasolina.

Você viaja de ônibus
Automóvel ou caminhão
Aonde estacionar
Para lanche ou refeição
As lanchonetes são cheias
Dessas mulheres sereias
Chamando os homens atenção.

Você fica rodeado
Por Rosa, por Marieta
Que lhes servem com agrados
Cobrando uma nota preta
Mostrando a bunda e umbigo
Dizendo o troco é comigo
Pra caixinha da gorjeta.

A mulher hoje tornou-se
Um poderoso instrumento
Usada em todos negócios
Pra crescer o movimento
Pra isso tem que ser bela
Exibindo a bunda dela
No estabelecimento.

Comerciais de bebidas,
Roupa, cigarro e charuto
A mulher exibe a bunda
No vídeo mais de um minuto
Sem censura e sem demanda
A bunda faz propaganda
Pra vender qualquer produto.

Nas companhias aéreas
Este transporte excelente
Só aceita aeromoça
Bonita e inteligente
Com exigidos diplomas
Que fale três idiomas
E tenha a bunda atraente.

Tem homem desempregado
Que trabalha muito bem
Quando procura um emprego
O patrão diz com desdém
Se tem mulher boa traga
Aqui pra mulher tem vaga
Mas para macho não tem.

Mulher é anjo atraente
Admirada e querida
Zeladora da família
Uma joia preferida
Linda da cabeça ao pé
Além disso ainda é
O ser que nos deu a vida.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 12 de agosto de 2023

A GENIALIDADE DE MANOEL XUDU (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

O paraibano Manoel Lourenço da Silva, o Manoel Xudu (1932-1985)

 

 

* * *

Dia 13 de março terça-feira
Ano mil novecentos trinta e dois
Pouco tempo depois que o sol se pôs
Mamãe dava gemidos na esteira
Numa casa de barro e de madeira
Muito humilde coberta de capim
Eu nasci pra viver sofrendo assim
Minha dor vem dos tempos de menino
Vivo triste por causa do destino
E a saudade correndo atrás de mim.

* * *

O mar se orgulha por ser vigoroso,
Forte, gigantesco que nada lhe imita
Se ergue, se abaixa, se move, se agita,
Parece um dragão feroz e raivoso.
É verde, azulado, sereno, espumoso;
Se espalha na terra, quer subir pro ar,
Se sacode todo, querendo voar,
Retumba, ribomba, peneira, balança,
Nem sangra, nem seca, nem para, nem cansa,
São esses fenômenos da beira do mar.

* * *

 

Analise o caju e a castanha,
São os dois pendurados num só cacho,
Bem unidos, um em cima, outro embaixo,
Porém tendo um do outro a forma estranha,
Dela, extrai o azeite, o sumo, a banha,
Dele, o suco pro vinho e o licor,
Quando ambos maduros mudam a cor
Ele fica amarelo e ela escura,
Mas o gosto dos dois não se mistura,
Quanto é grande o poder do Criador.

* * *

Não há tempestades e nem furacões,
Chuvada de pedra no bosque esquisito
Quedas de coriscos e meteorito
Tiros de granadas, obuses, canhões,
Juntando os ribombos de muitos trovões
Que tem pipocado na massa do ar
Cascata rugindo, serra a desabar,
Estrondo, ribombos, rumores de guerra,
Nuvens mareantes, tremores de terra
Que imitem a zoada na beira do mar.

* * *

Voei célere aos campos da certeza
E com os fluidos da paz banhei a mente
Pra falar do Senhor Onipotente
Criador da Suprema Natureza
Fez do céu reino vasto, onde a beleza
Edifica seu magno pedestal
Infinita mansão celestial
Onde Deus empunhou saber profundo
Pra sabermos nas curvas deste mundo
Que ele impera no trono divinal.

* * *

Os astros louros do céu encantador
Quando um nasce brilhando, outro se some
E cada astro brilhante tem um nome
Um tamanho, uma forma, brilho e cor
Lacrimosos vertendo resplendor
Como corpos de pérolas enfeitados
Entre tronos de plumas bem sentados
Vigiando as fortunas majestosas
Que Deus guarda nas torres luminosas
Que flutuam nos paramos azulados.

* * *

Quando eu segurei a tua mão
Foi achando que ela estava fria
Ela tava tão quente e tão macia
Igualmente um capucho de algodão
Vou mandar repartir meu coração
Pra fazer-te presente da metade
Pra gente ficar de igualdade
Tu me dá teu retrato eu dou o meu
O retrato me serve de museu
Pra eu guardar meu romance de saudade.

* * *

O nome da minha amada
Escrevi com emoção
Na palma da minha mão,
No cabo da minha enxada
No batente da calçada
E no fundo da bacia
Na casca de melancia
Mais grossa do meu roçado
Pode ir lá que tá gravado
O nome Ana Maria.

* * *

Eu admiro um caixão
Comprido como um navio
Em cima uma cruz de prata
No meio um defunto frio
E um cordão de São Francisco
Torcido como um pavio.

* * *

O homem que bem pensar
Não tira a vida de um grilo
A mata fica calada
O bosque fica intranquilo
A lua fica chorosa
Por não poder mais ouvi-lo.

* * *

Sou igualmente a pião
saindo de uma ponteira
que quando bate no chão
chega levanta a poeira
com tanta velocidade
que muda a cor da madeira.

* * *

Tristeza é a do peruzinho
Beliscando essa maniva
Correndo atrás da galinha
A sua mãe adotiva
Como quem está dizendo
Ah se mamãe fosse viva !

* * *

A mulher que eu casei
Além de linda é brejeira
Daquelas que vai à missa
No domingo e terça-feira
Das que faz uma sombrinha
Com um pé de carrapateira.

* * *

Estou como um penitente
Que não possui um barraco,
Dorme à-toa pela rua,
Um guabiru fura o saco,
Quando recebe uma esmola
Ela cai pelo buraco.

* * *

Judas pegou uma corda,
Morreu com ela enforcado,
Não estava arrependido,
Estava desesperado,
E o desespero da culpa
Nunca redime o pecado.

* * *

Com você canto apertado
Que só cobra de cipó.
Que, com três dias de fome,
Tenta engolir um mocó,
De tanto forçar a boca,
Finda estourando o gogó.

 


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 05 de agosto de 2023

GRANDES MESTRES DA POESIA POPULAR (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

Manoel Filomeno de Menezes, o Manoel Filó, Afogados da Ingazeira-PE (1930-2005)

* * *

Manoel Filó

Eu acho que não convêm
Falar de quem bebe porre
Porque se quem bebe morre
Sem beber morre também
Apenas quem bebe tem
Suas artérias normais
Trata das fossas nasais
Controla o metabolismo
Cachaça no organismo
É necessário demais.

O meu pai, que era Manoel
Filomeno de Menezes
Foi também Mané Filó
Criado entre os camponeses
Um repentista inerente
Nunca viveu do repente
Mas cantou diversas vezes

Quando eu partir deste abrigo
Seguir à mansão sagrada,
A morte está perdoada
Do que quis fazer comigo,
Quis que eu fosse igual ao trigo
Que ao vendaval se esfarela,
Mas eu vou passar por ela
De cabeça levantada
“A morte está enganada,
Eu vou viver depois dela”.

* * *

Antônio Pereira (O poeta da saudade)

Saudade é um parafuso
Que na rosca quando cai,
Só entra se for torcendo,
Porque batendo num vai
E enferrujando dentro
Nem distorcendo num sai.

Saudade tem cinco fios
Puxados à eletricidade,
Um na alma, outro no peito,
Um amor, outro amizade,
O derradeiro, a lembrança
Dos dias da mocidade.

Saudade é como a resina,
No amor de quem padece,
O pau que resina muito
Quando não morre adoece.
É como quem tem saudade
Não morre, mas adoece.

Adão me deu dez saudades
Eu lhe disse: muito bem!
Dê nove, fique com uma
Que todas não lhe convêm.
Mas eu caí na besteira,
Não reparti com ninguém.

Saudade é a borboleta,
Que não conhece a idade.
Voando, vai lá, vem cá,
Misteriosa, à vontade.
Soltando pêlo das asas,
Cegando a humanidade.

Quem quiser plantar saudade
Primeiro escalde a semente.
Depois plante em lugar seco,
Onde bata o sol mais quente.
Pois, se plantar no molhado,
Quando nascer mata gente.

* * *

João Paraibano

Como é triste se ver um nordestino,
Apurar mil reais em quatro reses,
A esposa gestante de seis meses,
Sem poder com o peso do menino,
Muitas vezes caminha sem destino,
Com um pedaço de pau riscando o chão,
Como quem tá caçando uma ilusão,
Que perdeu na poeira da estrada,
A cigarra só canta sufocada,
Na terrível quentura do verão.

* * *

José Alves Sobrinho

Eu também fui cantador
Repentista e violeiro,
Todo o norte brasileiro
Inda lembra, sim senhor,
O meu nome, o meu valor,
A minha voz estridente,
Porém, repentinamente,
A mão do destino atroz
Arrebatou minha voz.
Deixei de cantar repente.

Eu era um uirapuru
Na voz e na melodia
Mas sem esperar, um dia
Fiquei qual urubu:
Sem voz, sem som, nu e cru,
Fui forçado a abandonar
A profissão popular
De cantar para viver!
Como é triste não poder
Cantar, sabendo cantar.

* * *

Onildo Barbosa

Quando o dia vai embora
A tarde é quem sente a queixa
O portão da noite abre
A porta do dia fecha
A boca da noite engole
Os restos que o dia deixa.

* * *

Oliveira de Panelas

Vejo muita diferença
Do presente para o passado
Salomão com mil mulheres
Foi um homem abençoado
E hoje se eu tenho duas
o padre diz que é pecado.

* * *

Manoel Xudu

A arte do passarinho
Nos causa admiração:
Prepara o ninho no feno,
No meio, bota algodão
Para os filhotes implumes
Não levarem um arranhão.

* * *

Dimas Batista

Dos discípulos do Senhor
Houve um falso somente
Aquele foi a serpente
Que traiu o Salvador!
Traiu num beijo de amor
Levou-O ao cadafalso!
Por isso é que eu realço
Ser o maior dos pecados:
“Eu quero trinta intrigados
Não quero um amigo falso!


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 29 de julho de 2023

UM CORDEL DE PARAIBÊS (CORDEL DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

UM CORDEL DE PARAIBÊS

Pedeo Malta

 

DICIONÁRIO DE PARAIBÊS – Vicente de Campos Filho

 

Todos sabem no Brasil
Que o idioma é português
Assim como lá na França
Todos falam o francês
Por isso, na Paraíba
Falamos PARAIBÊS.

Quem não tem dinheiro é LISO
Quem é rico é ESTRIBADO
Não ter como cair morto
É ser LISO E LASCADO
Quem não dá sorte é PÉ FRIO
Quem tem sorte é CAGADO.

Axila é SUVACO
Cisco no olho é ARGUEIRO
Longe é LÁ NA CAIXA PREGO
Matuto é BERADEIRO
O alcoólatra é PINGUÇO
Mas também é CACHACEIRO.

Um mal cheiro é uma CATINGA
Também pode ser INHACA
Na axila é SUVAQUEIRA
Quem fecha um botão ATACA
Quem se vai PEGA O BECO
Quem entra em casa EMBURACA.

Longe é a BAIXA DA ÉGUA
O ali é ACULÁ
Devagar é SÓ NA MANHA
Correr é DESIMBESTAR
O de cima é o de RIBA
Botar no chão é ARRIAR.

Mulher bonita é VISTOSA
Mulher feia é CANHÃO
Quem se zanga DÁ A GOTA
Quem dá bronca DÁ CARÃO
Menino que anda lento
OH… MENINO REMANCHÃO!

O otário é MANÉ
O malandro é MALAQUIA
Estar com pressa é AVEXADO
Dizer: “Vem logo” é “AVIA”
E quem se espanta com algo
Diz assim: “AFF MARIA!”.

 

Caprichar é DAR O GRAU
Mal feito é ARRUMAÇÃO
O que é bom é ARRETADO
O medroso é CAGÃO
Pessoa boa é FILÉ
E puxa saco é BABÃO.

Briga grande é ARRANCA RABO
Briga pequena é ARENGA
Problema grande é BRONCA
Na justiça é PENDENGA
A mulher virgem é MOÇA
Mulher da vida é QUENGA.

Mulher grávida é BUXUDA
E parir é DESCANSAR
Falar alto é DAR UM BERRO
Falar baixo é COCHICHAR
Quem se cala FECHA O BICO
Confessar é DESEMBUCHAR.

Conversa mole é ARESIA
Escapar é ESCAPULIR
Precisar é CARECER
Dar risada é SE ABRIR
Desistir: PEDIR PINICO
Torcer o pé: DESMENTIR.

Quem mora pra lá de longe
Mora na CAIXA BOZÓ
O barulho é ZUADA
Homem brabo é MORORÓ
E quem nunca se casou
Já FICOU NO CARITÓ.

Mulher é RABO DE SAIA
O sem valor é FULEIRA
O chifre chama-se GAIA
Diarreia é CAGANEIRA
O rapaz que tá solteiro
Tá SOLTO NA BAGACEIRA.

O termo “entendeste?” é “VISSE?”
Consertar é EMENDAR
“Me admira” é “SOXTÔ!”
Dedurar é ENREDAR
Molho de carne é GRAXA
Dar um encosto é TRISCAR.

Frango assado é GALETO
Dar aperto é ARROXAR
Puxa saco é XELELEU
Folgar mais é AFROXAR
Pedaço de pedra é XEXO
Passar ferro é ENGOMAR.

Quem tem raiva é ENFEZADO
Quem não escuta é MÔCO
O pão-duro é AMARRADO
O botão de som é PITOCO
Pernilongo é MURIÇOCA
Resto de lápis: COTOCO.

Demorar-se é CUSTAR
Até logo é INTÉ
Regar a planta é AGUAR
Cambalhota é CANGAPÉ
Comprimido é CACHETE
Forró é ARRASTAPÉ.

O arrogante é BESTA
Apertado é ACOCHADO
Sandália é ALPERCATA
Com folga é AFOLOZADO
Tumulto é FUZUÊ
Escondido é ACOITADO.

Sujeito medroso é FROUXO
Destemido é ARROXADO
Rapaz alto é GALALAU
Tímido é ENCABULADO
Homem alto é VARAPAU
Homem bobo é ABESTALHADO.

Confusão grande é MUÍDO
E folgado é FOLOTE
Desbotado é FRANGOTE
Grampo de cabelo é FRISO
Bando de ladrão: “MAGOTE”.

O assanhado é ENXERIDO
Se assanhar é SE ENXERIR
A flor chama-se FULÔ
O fecho ecler é RIRRI
Sapo grande é CURURU
Deflorar moça é BULIR.

Correr é DAR UMA CARREIRA
O cismado é ESCABRIADO
Coisa ruim é FULERAGEM
Se não presta é DERRUBADO
O pedinte é ESMOLÉ
Cansado é ESTRUPIADO.

Palavrão é NOME FEIO
Vigiar é PASTORAR
Enganar é DAR UM MIGUÉ
Rir dos outros é MANGAR
Fofoca chama FUXICO
Persistir é PELEJAR.

Dar a volta é ARRUDIAR
Malandro junto é CAMBADA
Gente sem classe é MUNDIÇA
Porrada é CIPUADA
Ousadia é CABIMENTO
E cuspida é GOIPADA.

Passar vergonha é VEXAME
Pessoa inquieta é DANADA
Abóbora é JERIMUM
Fácil é BRONCA SAFADA
O mal-estar é GASTURA
Dose da cana é LAPADA.

Sanitário é APARÊI
O GALEGO é todo louro
O bombom chama CONFEITO
Chifre é CHAPÉU DE TOURO
Dizer: “venha” é dizer: “CHEGUE”
Namorar é FURAR O COURO.

Do homem que é mulherengo
Diz-se que é RAPARIGUEIRO
Tudo que é ruim é PEBA
Dirige mal é CANGUEIRO
Toda planta é PÉ DE PAU
Todo último é DERRADEIRO.

Zangado é TÁ COM A BIXIGA
A nuca chama CANGOTE
Do bobo diz-se que é LESO
Dar cascudo é COCOROTE
Estourar é DAR PIPÔCO
Dar um pulo é DAR UM PINOTE.

Perna fina é CAMBITO
Perna aberta é ARREGANHADO
Perna torta é CAMBOTA
Perna em cima é ESCANCHADO
Perna desigual: ZAMBETA
Não rimar é PÉ QUEBRADO.

Olho aberto é ARREGALADO
Amalucado é DOIDIM
Água com açúcar: GARAPA
E sacolé é DIM-DIM
Zombar de alguém é ZONAR
E frescura é PANTIM.

É assim mesmo que se fala
Na Paraíba da gente
E se quiser aprender
Mostre que é CABRA QUENTE
Mostrando admiração
Comece dizendo: “OXENTE!”.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 22 de julho de 2023

UM MOTE BEM GLOSADO E UM CORDEL FEMININO (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Poeta João Paraibano, um dos gênios da cantoria nordestina (1952/ 2014)

* * *

João Paraibano glosando o mote:

Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três dias de chuva no Sertão.

O bezerro mamando a cauda abana;
A espuma do leite cobre o peito;
Cada estaca de cerca tem direito
A um rosário de flor da jitirana.
No impulso do vento a chuva espana
A poeira do palco do verão;
A semente engravida e racha o chão,
Descansando dos frutos que germina.
Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três dias de chuva no Sertão.

Quando Deus leva em conta a nossa prece
O relâmpago clareia, o trovão geme,
Uma nuvem se forma, o vento espreme,
Pelos furos do véu, a água desce;
A campina se enfeita, a rama tece
Um tapete de folhas sobre o chão;
Cada flor tem formato de um botão
No tecido da roupa da campina.
Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três meses de chuva no Sertão.

No véu negro da barra, o sol se esconde;
Um caniço amolece e cai no rio;
Nos tapetes de grana do baixio,
Um tetéu dá um grito, outro responde;
A frieza da terra faz por onde
Pé de milho dar nó no esporão
E a boneca, na sombra do pendão,
Lava as tranças com gotas de neblina.
Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três meses de chuva no Sertão.

A presença do Sol é por enquanto.
Onde vinga uma fruta, a flor desprende;
Cada nuvem que a mão de Deus estende
Cobre os ombros do céu, de canto a canto.
Camponês não precisa roubar santo,
Nem lavar mucunã pra fazer pão;
Faz cacimba na areia com a mão
Onde o pé deixa um rastro, a água mina.
Jesus salva a pobreza nordestina,

Com três meses de chuva no Sertão.
A cabocla mulher do camponês
Caça ninho nas moitas quando chove
Quando acha dez ovos, tira nove,
Deixa o outro servindo de indez;
As formigas de roça fazem vez
De beatas seguindo procissão;
As que vêm se desviam das que vão,
Sem mão dupla, farol e nem buzina.
Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três meses de chuva no Sertão.

Sertanejo apelida dois garrotes,
Bota a canga nos dois e desce a serra;
Passa o dia no campo arando terra,
Espantando mocó pelos serrotes;
Sabiá, pra o conforto dos filhotes,
Forra o ninho com pasto de algodão;
Bebe o suco da polpa do melão,
Limpa o bico nas varas da faxina
Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três meses de chuva no Sertão.

Treme o gado na lama do curral,
Sopra o vento, cheirando a chão molhado;
Cada pingo de chuva, congelado,
Brilha mais do que pedra de cristal.
Uma velha, durante o temporal,
Se ajoelha, rezando uma oração,
Fecha os lhos com medo do trovão
E abre a porta, depois que a chuva afina
Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três meses de chuva no Sertão.

Cresce a planta, viçosa, e frutifica
Com um cacho de flor em cada galha;
Vê-se o milho mudando a cor da palha
E o telhado chorando pela bica;
A cigarra emudece, a acauã fica
Sem direito a fazer lamentação;
Deus afina a corneta do carão,
Só depois de três meses, desafina.
Jesus salva a pobreza nordestina,
Com três meses de chuva no Sertão.

* * *

MULHER TAMBÉM FAZ CORDEL – Salete Maria da Silva

O folheto de cordel
Que o povo tanto aprecia
Do singelo menestrel
À mais nobre academia
Do macho foi monopólio
Do europeu foi espólio
Do nordestino alforria

Desde que chegou da França
Espanha e Portugal
(Recebido como herança)
De caravela ou nau
O homem o escrevia
Fazia a venda e lia
Em feira, porto e quintal

Só agora a gente vê
Mulher costurando rima
É necessário dizer
Que de limão se faz lima
Hoje o que é limonada
Foi águas podre, parada
Salobra com lama em cima

A mulher não se atrevia
Nesse campo transitar
Por isso não produzia
Vivia para seu lar
Era o homem maioral
Vivia ele, afinal
Para o mundo desbravar

 

Tempo de patriarcado
Também de ortodoxia
À mulher não era dado
Sair pela cercania
Exibindo algum talento
Pois iria a julgamento
Quem não a condenaria?

Era um tempo obscuro
Para o sexo feminino
O castigo era seguro
Para qualquer desatino
Como não sabia ler
Como podia escrever
E mudar o seu destino?

Sem ter a cidadania
Vivendo vida privada
Pouco ou nada entendia
Não era emancipada
Só na cultura oral
Na forma original
Se via ela entrosada

Nas cantigas de ninar
Na contação de história
Tava a negra a rezar
A velha sua memória
Porém disso não passava
Nada ela registrava
Para sua fama e glória

Muitas vezes era tida
Como musa inspiradora
Aquela de cuja vida
Tinha que ser sofredora
Era mãe zelosa e pura
Qual sublime criatura
Porém não era escritora

Sempre a versão do homem
Impressa nalgum papel
Espero que não me tomem
Por feminista cruel
Mas o fato é que a mulher
Disto temos que dar fé
Tinha na vista um véu

O homem que a desejava
Queria-a qual princesa
Sempre que a venerava
Era por sua beleza
Só isto tinha virtude
Para macho bravo e rude
Mulher com delicadeza

De sua cria cuidando
Cosendo calça e camisa
Para o homem cozinhando
Como vir ser poetisa?
Isto era coisa para macho
Até hoje ainda acho
Gente que assim profetiza.

Até porque o folheto
Era vendido na feira
E era um grande defeito
Mulher sem eira nem beira
Era preciso viagens
Contatos e hospedagens
Pra fazer venda ligeira

E durante muitos anos
Assim a coisa se deu
Em muitos cordéis tiranos
A mulher emudeceu
O homem falava dela
Mas não falava com ela
Nem ela lhe respondeu

Ocorre que em trinta e oito
No ano mil e novecentos
Um fato dito afoito
Veio soprar outros ventos
Uma mulher escreveu
No cordel se intrometeu
Mostrando novos talentos

Talvez seja o primeiro
Cordel de uma mulher
Neste solo brasileiro
Nenhum registro sequer
Confere a este fato
Que seja o dito exato
Mas não é coisa qualquer

Filha de um editor
Família de trovadores
Se esta mulher ousou
A ela nossos louvores
Mas temos a lamentar
Porque não pode assinar
O verso como os autores

Não era uma desvalida
Que escrevia um cordel
Mas uma moça entendida
Parente de menestrel
Mesmo assim se escondia
Pois a vida requeria
Não assumir tal papel

A Batista Pimentel
Com prenome de Maria
Não assinou o cordel
Como a história merecia
Mas que o destino tirano
Um Altino Alagoano
Era quem subscrevia

Pseudônimo usou
Para a obra ser aceita
O marido orientou:
“Assim tudo se ajeita”
Tava pronto pra vender
Quem poderia dizer
Ser o autor a sujeita?

Neste tempo já havia
Escola, educação
Alguma mulher já lia
Tinha certa instrução
Tinha delas que votavam
Outras até trabalhavam
Nalguma repartição

Outro tempo aparecendo
Reclamando outra postura
A população crescendo
Emprego e certa fartura
Indústria se instalando
O povo se empregando
Buscando alguma leitura

Mas foi muito gradual
No campo do popular
Tinha aqui um bom sinal
E um retrocesso acolá
No nordeste nada é reto
Até hoje analfabeto
Não conhece o bê-á-bá

Somente em setenta e dois
Vicência Macedo Maia
Viria escrever depois:
Nascia o verso de saia!
No estado da Bahia
Deu-se a tal rebeldia
Que hoje não leva vaia

Depois disso, alagoana
Potiguar e cearense
Também tem a sergipana
Paraíba e maranhense
Tem delas no Piauí
Também estão a surgir
Paulista e macapaense

Em todo o nosso Brasil
Mulheres versejam bem
Muito verso se pariu
Não se excluiu ninguém
Tem rima a dar com pau
— acho que me expressei mal —
Pois com a vagina também

Mas a grande maioria
Se concentra no nordeste
Onde um dia a poesia
Era do cabra da peste
Hoje as mulheres estão
Rimando e não é em vão
Do litoral ao agreste

Talvez seja sintomático
Que o cordel no sertão
Ainda seja simpático
E noutros lugares não
O tal cordel já foi tido
Como jornal e foi lido
Em muita ocasião

Serviu para ensinar
Muita gente aprender a ler
Serve para recitar
E muita gente entreter
Cordel é sempre estudado
Em tese de doutorado
Mas tem gente que não vê

Alguns pensam hoje em dia
Que cordel é só tolice
Que não tem categoria
Que é mera invencionice
Feito por homem, não presta
Por mulher então, detesta
Veja quanta idiotice

Mesmo assim elas versejam
E muito bem por sinal
Algumas até desejam
Ir para uma bienal
Mostrar a nossa cultura
A nossa literatura
Etecétera e coisa e tal

Versos de todos matizes
De toda forma e cor
Algumas são infelizes
Reproduzindo o horror
Do machismo autoritário
Consumismo perdulário
Que tanto as dominou

Mas são as contradições
Presentes neste sistema
Onde mulheres padrões
Vivem também nos esquemas
Eu só quero é celebrar
Da mulher o versejar
Longe dos velhos dilemas

Nosso tempo nos permite
Botar o verso na rua
Quem vai colocar limite
Quem ousa sentar a pua?
Cordel também é cultura
Quem nunca fez a leitura
Iletrado continua

O cordel é centenário
Nesse Brasil de mistura
É recente no cenário
Da fêmea a literatura
Só estamos começando
Devagar, engatinhando
Quem agora nos segura?

Trinta cordéis eu já tenho
Publicados pelo mundo
Mais uma vez me empenho
Me emocionando no fundo
Metade é sobre mulher
Para mostrar como é
Amor e verso profundo

Aqui encerro meu verso
Cumprindo o meu papel
Se ele foi controverso
Deselegante ou pinel
Só quis dizer para o povo
O que para alguém é novo:
Mulher também faz cordel!


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 15 de julho de 2023

O TEMA É JUMENTO (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O TEMA É JUMENTO

Pedro Malta

LUIZ GONZAGA – APOLOGIA AO JUMENTO

 

 

* * *

DISCUSSÃO DE UM JUMENTO COM UMA MOTO – Edson Francisco

Nas quebradas do sertão
Já vi tudo acontecer
Vi homem virar mulher
Gente morta envivecer
Já vi alma frente a frente
Vi matuto presidente
Cabra valente morrer

Quero contar pra você
Um raro acontecimento:
Eu vi uma motocicleta
Discutir com um jumento
Você pode duvidar
Mas queira me escutar
Pra ver se tem cabimento

Vinha naquele momento
A caminho da cidade
Em cima de minha moto
A toda velocidade
Quando, me sentindo mal,
Parei em um matagal
Pra fazer necessidade

Realizada a vontade
Eu ouvi um burburinho
Eram vozes na estrada
Bem no meio do caminho
Pensando que era ladrão
Me deitei ali no chão
E fui ouvindo tudinho:

“Você é um coitadinho”
Ouvi a moto falar.
“Já está ultrapassado
Coloque-se em seu lugar
É bicho sem importância
Símbolo da ignorância
Não serve mais pra montar”.

“Não queira me humilhar”
– Lhe respondeu o jumento –
“Se você é novidade
A atração do momento
Eu também já fiz sucesso
Já carreguei o progresso
E qual foi meu pagamento?

Jogado no esquecimento
Na maior ingratidão
Abandonado de tudo
Nas estradas do sertão
Só me restam as lembranças
De um tempo de bonança
Sem tristeza e humilhação”

“Já cheguei à conclusão
Que seu tempo é o passado
Fase sem tecnologia
Período muito atrasado
Meu sucesso hoje é tanto
Que estou em todo canto
É moto pra todo lado

 

Eu tenho facilitado
A vida no interior
Sou rápida e econômica
Tenho força no motor
Sou liberdade e beleza
Todo mundo me deseja
Sou bem melhor que o senhor”.

“Sei que você tem valor”
– o jumento respondeu –
“mas não venha me dizer
Que é melhor do que eu
Também tenho agilidade
Força e capacidade
Mas disso o povo esqueceu”.

Disse a moto: “Agora deu!
Eu não tenho culpa disso
Você é ultrapassado
Deixe desse rebuliço
Você perdeu para mim
Agora chegou seu fim
E ninguém vai mudar isso”

“Mas eu tenho compromisso
Com a história do país
Com muita raça e trabalho
Fiz estrada, chafariz
Transportei pedra, carvão
Pelo povo do sertão
Ninguém faz o que eu fiz

Esse progresso infeliz
Fez meu povo se esquecer
Que a força do meu lombo
Deu a muitos de comer
Levei matuto pra feira
Corri atrás de parteira
Pra sertanejo nascer

Se você quiser saber
Transportei açúcar e sal
Fui carro-pipa na seca
Dei a hora no quintal
E lhe digo sem assombro
Como a força do meu ombro
Não existe outra igual”.

“Você é pobre animal”
– disse a moto arrogante-
“não queira me superar
Sou muito mais elegante
É melhor ficar calado
Você pra mim é passado
E nunca foi importante”.

“Espere aí, um instante
Sou mesmo muito antigo
6 mil anos de história
Guarde isso aí contigo:
Na fuga para o Egito
Eu servi a Jesus Cristo
São José me deu abrigo”.

“Esqueça disso, amigo
Peça aposentadoria
Você está obsoleto
Perdeu a sua valia
Não tem mais utilidade
Pegue, então, sua saudade
Vá pra outra freguesia

Quem tem moto hoje em dia
Enfrenta qualquer parada
Vive muitas aventuras
É mais veloz na estrada
E atrai mulher bonita
Pois a moto facilita
Conquistar a namorada”.

“Jumento não gasta nada
Nem mesmo com gasolina
Já viu falar de um jegue
Que derrapou na neblina?
Viu jegue sendo empurrado?
Já viu jumento quebrado
Parado numa oficina?

Se subir aqui em cima
Eu já sei a direção
Não precisa trocar óleo
Não deixo o dono na mão
E não precisa pagar
Multa nem IPVA
E pneu não fura, não

Sem essa de prestação
Não precisa emplacamento
Parcelas que não terminam
Pagar estacionamento?
Nem guarda para na rua
Dizendo: ‘Fique na sua
E passe seus documentos’

E saiba que de jumento
Se anda na contramão
Ninguém morre atropelado
Não existe colisão
Quem cai de cima de tu
Pode chamar o Samu
Ou preparar o caixão”.

“Não venha com agressão
Também tem os seus defeitos
Às vezes fica emburrado
Não faz as coisas direito
Tem um coice violento
E uma queda de jumento
Não tem doutor que dê jeito

“Ninguém aqui é perfeito
Mas fui muito maltratado
Levei espora na barriga
Cacete pra todo lado
Fizeram carne de mim
Me abandonaram no fim
Eu me sinto injustiçado

Mas também fui respeitado
Houve quem me deu valor
O homem simples do campo
O humilde agricultor
E o velho rei do baião
‘O jumento é nosso irmão’
‘Cumi seu mi sim, senhor’

Na voz daquele cantor
Eu fui imortalizado
Bem soube me dá valor
E me fez ser respeitado
Por isso que Gonzagão
Aqui por este sertão
Continua admirado

Eu não sou nenhum coitado
Jegue me orgulho de ser
Sou jumento não sou burro
Besta é quem vem dizer
Que não tenho serventia
Que perdi a garantia
E só me resta morrer”.

Sem saber o que dizer
A moto ficou calada
Parecendo reconhecer
Que tinha dado mancada
Ela, então, silenciou
O jumento disparou
E seguiu pela estrada

E u ali não falei nada
D aquilo que escutei
S egui a minha viagem
O lhando para a paisagem
N a mente, tudo guardei

F oi num cordel que anotei
R esolvi fazer assim
A ntes que falem de mim
N egando o que passei…
C onfirmo que não invento
I sto aqui é o testamento
S e você não acreditar
C orra e vá entrevistar
O meu amigo jumento.

 


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 08 de julho de 2023

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS E UM FOLHETO DE ABC (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Moacir Laurentino e Sebastião da Silva glosando o mote:

 

A poeira da estrada
Apagou o nome dela.

Sebastião da Silva

Eu passeei com meu bem
Pelo cantinho da sorte,
Já cruzei de Sul a Norte,
De Leste a Oeste também
E o destino ingrato vem
Nos deixa dores, sequela,
E hoje da minha bela
Tenho lembrança e mais nada.
A poeira da estrada
Apagou o nome dela.

Moacir Laurentino

O antigo casarão
Do meu amor verdadeiro,
Que eu abracei no terreiro,
Lhe dei aperto de mão,
Hoje só tem solidão,
A tristeza e a sequela,
Está velhinha a cancela,
Pendida e escancarada.
A poeira da estrada
Apagou o nome dela.

Sebastião da Silva

Naquele belo recanto,
Que foi nossa moradia,
Onde havia Cantoria,
Muita festa em todo canto,
Houve novena de santo,
No altar e na capela,
Só tem o santo e a vela,
Onde a missa era rezada.
A poeira da estrada
Apagou o nome dela.

Moacir Laurentino

A mulher que me amou,
Que me queimou como brasa,
Eu fui visitar a casa
E tudo se divisou,
A saudade ela deixou,
A sua saia amarela,
O resto de uma chinela
E uma blusa remendada.
A poeira da estrada
Apagou o nome dela.

Sebastião da Silva

Naquela nossa casinha,
Que tinha na encruzilhada,
Bem na beira da estrada,
A casa era dela e minha,
Lá o nome dela tinha,
Desenhado na janela,
Mas hoje não estou com ela
E a casa já está fechada.
A poeira da estrada
Apagou o nome dela.

* * *

Geraldo Amâncio glosando o mote:

Pra que tanto tesouro acumulado
Se ninguém leva nada no caixão.

Não adianta um pecador enganar
E nessa vida viver da fase crítica
Entre luta, entre roubo, entre política
Pra depois nesse mundo ele enricar
Que se a gente também for comparar
Desde um rico para um pobre cristão
Para Deus vale mais quem pede um pão
Do que um presidente ou deputado
Pra que tanto tesouro acumulado
Se ninguém leva nada no caixão.

* * *

Bob Motta glosando o mote:

Quer ver cachaça o que faz?
Não beba e preste atenção…

Chama cachorro de cacho,
chama mestre de aprendiz,
militar de militriz,
e nunca sossega o facho.
Bêbado de cima abaixo,
anda nu na multidão,
caga em cima do balcão,
não deixa ninguém em paz,
Quer ver cachaça o que faz?
Não beba e preste atenção…

* * *

Rafael Neto glosando o mote:

Me afoguei na maré da sedução
Quando o barco do amor perdeu o rumo.

Já cruzei muitos mares caudalosos,
Porém nesse eu quase perco a vida.
Nesse barco a passagem é só de ida
Nos prazeres dos mares ondulosos,
Meus desejos carnais são poderosos
Pra tirar minha vida do seu prumo,
E pra viver ou morrer eu mesmo assumo,
Que o culpado de tudo é a paixão.
Me afoguei na maré da sedução
Quando o barco do amor perdeu o rumo.

* * *

ABC PARA LEMBRAR RAULZITO E GONZAGÃO – Rouxinol do Rinaré

Amigos que apreciam
Meus cordéis, peço atenção
Pois vou falar de dois mitos
Saudosos dessa nação
No ABC pra lembrar
Raulzito e Gonzagão.

Baião é ritmo dançante
Do nordeste brasileiro
Se originou da toada
Do popular violeiro
E imortalizou Luiz
Nosso maior sanfoneiro.

Cantando, Luiz Gonzaga,
Resgatou nosso nordeste
Tocou baião, polca e xote,
Com o baião passou no teste
Engrandeceu nosso chão
Como um bom “cabra da peste”.

Declarou Luiz Gonzaga:
– Após a minha partida
Eu quero enfim ser lembrado
Como quem cantou a lida
Do sertanejo e amou
Toda essa gente sofrida.

Eu quero que não esqueçam
Que cantei sempre o sertão
Os padres, os cangaceiros,
O covarde, o valentão,
As secas, os animais,
E as aves de arribação…

 

Fui um historiador
Do nordeste brasileiro
Documentei seus costumes
Junto de cada parceiro
Cantei minha região,
Fui fiel e verdadeiro.

Gonzagão e Raul Seixas
Provam genialidade
Cada qual compondo um hino,
Conforme a realidade,
Um falando do sertão
E o outro de liberdade.

Hino nacional do povo
Segundo Mestre Marçal
É a toada Asa Branca
E do Raul liberal
Sociedade Alternativa
É o hino universal.

Inda criança Raul
Escutava Gonzagão
Na adolescência o Elvis
Completava a formação
Musical para que ele
Criasse o Rock-Baião.

Juntando tais influências
Raulzito genial
Fez então Let Me Sing
E o Sétimo Festival
Da Canção ele venceu
De forma sensacional.

K, lembrei de Karolina
Que era mulher faceira.
Conforme Luiz Gonzaga
Também era presepeira…
A “Karolina com K”,
Dançarina de primeira.

Luiz marcou Raul Seixas
Cantando Cintura Fina
Lorota Boa, entre outras,
De raiz bem nordestina
Porém Raul foi autêntico
E isso é que me fascina.

Mas, pra Raul e Luiz,
Tinha o destino proposto
No ocaso da existência
Sumirem feito sol posto,
Morreram em Oitenta e Nove,
Ambos no mês de Agosto.

No dia dois desse mês
Luiz foi pro infinito
E no dia Vinte e Um
Seguia-lhe Raulzito
Segundo Otávio Menezes*
Houve um encontro bonito.

Os covers que me desculpem,
Reflitam por um segundo:
“Cada um é um universo…”
“Cada cabeça é um mundo…”
“Siga o seu próprio caminho…”
Aqui Raul foi profundo!

Porque Raul sempre teve
Forte personalidade
Curtiu Luiz, Lennon e Elvis
Com particularidade,
Não foi cover de ninguém.
Tinha a própria identidade.

Quero lembrar Raulzito
Não como um simples roqueiro
Pois cantou diversos gêneros
Com o intuito verdadeiro
De dar um alertar, um toque,
Para o povo brasileiro.

Raul com certeza não
Foi “apenas o cantor”
Ele que desde criança
Sonhava em ser escritor
Com a mente além de seus dias
Foi um livre pensador.

Sessenta e quatro anos fez
Que Raulzito nasceu
E agora já vinte anos
Completou que ele morreu,
Mas é eterno na mente
De quem o compreendeu.

Todos tiveram parceiros.
Gonzaga: Humberto Teixeira
E o famoso Zé Dantas.
Raul teve um de primeira:
O mago Paulo Coelho,
Que marcou sua carreira.

Um dia Raul falou
Algo que me convenceu.
Ele disse: “Antes de ler
O livro que o Guru deu
Abra o olho, meu ‘cumpadi’,
Procure escrever o seu!”

Viva Raul Santos Seixas
Que cumpriu sua missão
E embarcou no Trem das Sete,
“O último trem do sertão”,
Pra festejar no infinito
Com Luiz, Rei do Baião.

White wings, versão
De “Asa Branca” em inglês,
Umas das muitas proezas
Que Dom Raulzito fez.
O som ficou bem “maneiro’,
Isso eu garanto a vocês!

Xote Ecológico tem letra
Falando de ecologia
Gonzagão com Aguinaldo
Nessa bela poesia
Nos fala de Chico Mendes
E o crime, então, denuncia.

“Y lá é psiloni”,
Assim cantou Gonzagão.
Brincou com nosso alfabeto
Em um gostoso baião
Cujo título apropriado
É “ABC do sertão”.

Zumbizando feito a mosca
Na sopa, Raul provou.
Que a verdade incomoda.
Nas musicas que ele cantou
Lucidez é o legado
Que para os seus fãs deixou.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 01 de julho de 2023

DOIS POEMAS DE CANCÃO (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

João Batista de Siqueira, Cancão, São José do Egito-PE (1912-1982), foi poeta

* * *

MEU LUGAREJO

Meu recanto pequenino
De planalto e de baixio
Onde eu brincava em menino
Pelos barrancos do rio
Gigantescos braunais,
Meus soberbos taquarais
Cheios de viço e vigor
Belas roseiras nevadas
Diariamente abanadas
Das asas do beija-flor

A terra da catingueira
Criada na penedia
Onde a ave prazenteira
Canta a chegada do dia
Planalto, ribeiro, prado
Onde até o próprio gado
Parece ter mais prazer
Terreno das andorinhas
Onde arrulham mil rolinhas
Quando começa a chover

A borboleta ligeira
Que desce do verde monte
Passa voando maneira
Roçando as águas da fonte
As aragens dos campestres
Pelas florzinhas silvestres
Atravessam sem alarde
Quando o sol se debruça
A Natureza soluça
Nas sombras do véu da tarde

Terreno em que os sabiás
Cantam com mais queixumes
Belas noites de cristais
Cravadas de vaga-lumes
Meus mangueirais magníficos
Por onde os ventos pacíficos
Atravessam mansamente
Verdes matas perfumadas
Nas lindas tardes toldadas
Das cinzas do sol poente

Esvoaçam, preguiçosas,
As abelhas pequeninas
Tirando néctar das rosas
Das regiões campesinas
Os colibris multicores
Pelos serenos verdores
Perpassam com sutileza
O orvalho cristalino
Lembra o pranto divino
Dos olhos da Natureza

Palmeiras que o rouxinol
Canta ainda horas inteiras
As auras do pôr-do-sol
Soluçam nas laranjeiras
A pelúcia aveludada
De muitas flores bordada
Desde o vale até o outeiro
Lugar em que cada planta
Soluça, sorri e canta
Pelos trovões de janeiro

Deslumbra a gente o encanto
Das borboletas douradas
Pousarem no róscio santo
Das manhãs cristalizadas
Fingem variadas fitas
De fato que são bonitas
Porém se fingem mais belas
Que a divina Natureza,
Por ter-lhes posto a beleza,
Deu mais vaidade a elas

Oh, noite de Lua cheia
De minha terra querida!
Lindas baixadas de areia
Princípios da minha vida
Lugares de despenhado
Onde gozei, descansado
Sombra, frescura e carinho
Bosque, vale, serrania
Lugares onde eu vivia
Em busca de passarinho

Os colibris delicados
Pelas manhãs de neblina
Passam voando vexados
Na vastidão da campina
Nos frondosos jiquiris
Dezenas de bem-te-vis
Elevam seus madrigais
Lugar que grita o carão
Olhando o santo clarão
Primeiro que o dia traz

As pequeninas ovelhas
Descem buscando o aprisco
Colhendo ainda as centelhas
Do sol ocultando o disco
Seguem pelas mesmas trilhas
Como que sejam as filhas
Dum pastor que lhes quer bem
Recebendo ainda as cores
Dos derradeiros rubores
Que o céu do oeste tem

Vivia sempre brincando
Fosse de noite ou de dia
Na alma se apresentando
Um mundo de poesia
Minhas queridas delícias
Aquelas santas primícias
Se passaram como um hino
Hoje só resta a lembrança
Do tempo em que fui criança
No meu torrão pequenino.

* * *

MINHA MENINICE

Foi-se meu tempo de flores
A data da inocência
Dos primeiros resplendores
Do sol da minha existência
Meu palacete dourado
Puramente bafejado
Das brisas celestiais
Felizes dias risonhos
Foram ilusões, foram sonhos
Que ao despertar não vi mais.

Estórias de belas vindas
De príncipes, reinos e fadas
Atrás de princesas lindas
Que ainda estão encantadas
Depois da hora da ceia
Ia saltar sobre a areia
Logo que a lua surgia
Sentia a má impressão
Olhando a sombra no chão
Fazendo o que eu fazia.

 

A fereza do chacal
Estórias da minha avó
As lendas de um animal
Que tinha uma perna só
De outras feras estranhas
Criadas lá nas montanhas
Que vinham sem paradeiro
Em tudo eu acreditava
E aquela noite passava
Sem sair mais no terreiro.

Ora com meu currupio
Ora empurrando meu carro
Seguia em busca do rio
Pra fazer bicho de barro
Na fronde dos ingazeiros
Passava dias inteiros
Em um balanço seguido
O meu pião de bom nome
Bastava só esse nome
Para ser mais garantido.

Vi as estrelas aos pares
Umas as outras unidas
Julgava ser luminares
De crianças falecidas
Pensava que os pirilampos
Fossem faíscas nos campos
Que vinham lá do penedo
Se a mãe-da-lua gritava
Eu muitas vezes ficava
Quase tremendo de medo.

As borboletas ligeiras
Que eu tanto perseguia
Nos ramos das goiabeiras
Todas manhãs que chovia
Com meu bodoque afamado
De canela de veado
Que um dia eu mesmo fiz
Me julgava o mais capaz
Debaixo dos braunais
Na caça dos bem-te-vis.

Estórias de um lobisomem
Que à noite vinha do mato
Na formatura de um homem
Tendo a cabeça de gato
Mais outro conto lendário
De um ancião solitário
Pai do Saci Pererê
Negrinho que foi criado
Correndo, espantando gado
Sem ninguém saber por quê.

O conto das açucenas
Que soluçavam na flora
O pastor que criou penas
Depois voou, foi embora
Outras lendas de um dragão
Que se criou no porão
De um oceano profundo
Um velho monge dizia
Que um dia ele saía
Pra devorar todo mundo.

Dizia um certo vizinho
Que tinha havido uma data
Ninguém andava sozinho
Por causa do pai-da-mata
Velho do corpo cascudo
Alto, seco e cabeludo
Com um só olho na testa
Á noite sempre saía
De manhã se recolhia
Num grotilhão da floresta.

Meus avós também diziam
Que em tempos de maré cheia
Os marinheiros ouviam
A canção de uma sereia
Era uma moça encantada
Fazia a sua morada
Em diversas regiões
Na hora em que cantava
Todo o mar se agitava
Sorvendo as embarcações.

Adeus, meu tempo ditoso
De amor, sorriso e meiguice
Das estórias de Trancoso
Dos dias da meninice
De meus tempos de criança
Hoje só resta a lembrança
Se acaso fizer estudo
Os tempos são soberanos
A marcha ingrata dos anos
Passa liquidando tudo.

O tempo em seu decorrer
Tudo desfaz e destrói
Depois, num mesmo poder
Tudo edifica e constrói
Em sua eterna pisada
Passando, deixa pra cada
Só o que for de razão
Não obedece a ninguém
Nos traz o mal e o bem
Só a meninice não.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 24 de junho de 2023

A VIDA DE CANCÃO DE FOGO (2ª PARTE) – LEANDRO GOMES DE BARROS (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLNUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O autor Leandro Gomes de Barros, Pombal-PB (1865-1918) e seu cordel

* * *

SEGUNDA PARTE

Eis o final formidável
Da história de Cancão,
O ente mais trapaceiro
Que houve nesta nação,
Pra ele tudo era fácil
Sem precisar ser ladrão.

Ficou no outro volume
O Alfredo e o Cancão,
Pedindo esmola ao povo
Para São Sebastião,
Mas o santo nem sequer
Viu a sombra dum tostão.

Ao cabo de quatro meses
O vigário já cismado,
Foi aonde Alfredo disse
Que tinha sido criado,
Lhe disseram que ali
Tempo algum tinha morado.

O padre ficou sem fala
Ao saber daquele horror,
Torceu-se como serpente
No mais tremendo furor,
Subiu o sangue a cabeça
Quase dar-lhe um estupor.

Enquanto isso Cancão
Junto com seu secretário,
Sorria bem satisfeito
Dizendo: que pare otário,
Desta vez nós ensinamos
O padre nosso ao vigário.

Um dia Cancão de Fogo
Consultou o companheiro,
Dizendo: somos felizes
Temos bastante dinheiro,
Já temos mais de três contos
Vamos ao Rio de Janeiro?

– Pode ser que aquele padre
Venha nos incomodar,
E nós estando distante
É fácil de se escapar,
Lá comeremos do bom
Pois temos para gastar.

Alfredo achou muito boa
A ideia de Cancão,
E disse vamos amigo
Sou ave de arribação,
Aonde não me servir
Mudemos de posição.

E seguiram para o Rio
Como Cancão calculou,
Depois de oito ou dez dias
A precatória chegou,
Nem notícia de Cancão
A autoridade achou.

 

Todos dois estavam em Crato
Cancão disse: companheiro,
Saímos de madrugada
Não se passa em Juazeiro,
E vamos diretamente
Para o Rio de Janeiro.

Passaram em Pernambuco
Entraram pela Bahia,
Dez, doze, quatorze léguas
Tiravam eles num dia,
Vendo a hora e o instante
Que uma onça os comia.

Entraram por matas virgens
No cipoal intrincado,
Um dormia sobre as folhas
Outro dormia trepado,
Comiam frutas da mata
Sempre andavam com cuidado.

Já no Estado do Rio
Um dia deram uma errada,
Dormiram numa fazenda
Saíram de madrugada,
Deixaram o caminho certo
Seguiram por uma estrada.

Cancão disse para Alfredo:
Ouça aguda, e vista alerta,
Para não sermos pegados
Juntinhos de boca aberta,
Aonde nós estivermos
Todo perigo é na certa.

E andaram todo dia
Não viram uma só morada,
Tinham saído do rancho
À uma da madrugada,
Água achavam que bebiam
Porém o que comer nada.

À noite faziam fogo
Um velava outro dormia,
A onça rosnava perto
Cancão de Fogo dizia:
Se está com frio, tem fogo
Se está só, tem companhia.

Às seis horas da manhã
Se levantaram e seguiram,
Eram três horas da tarde
Quando uma casa eles viram,
Cheiro duma feijoada
Chegando perto sentiram.

Cancão lambeu logo os beiços
Alfredo riu sem querer,
E disse para Cancão:
Agora vamos comer,
Uma empreitada dessas
Nós não podemos perder.

Era um lugar esquisito
Somente uma casa havia,
Uma crioula acolá
Com quatro filhos vivia,
Dali até doze léguas
Não tinha uma moradia.

A crioula cozinhava
Era fora do oitão,
Eles viram a panela
Que cozinhava o feijão,
A crioula pisava milho
Estava cozinhando um pão.

Cancão de Fogo chegou
Cumprimentou-a contente,
A negra cravou-lhe os olhos
Que parecia serpente,
O Cancão de Fogo disse:
– Eu pensava diferente!

O Cancão de Fogo disse:
– Não podemos viajar,
Vossa excelência me arrume
O que se possa jantar,
Temos dinheiro e pagamos
O que a senhora cobrar.

A negra olhou e disse:
– Já por ali vagabundo,
Gente branca para mim
É a pior deste mundo,
Você pode se danar
E morrer de olho fundo.

Cancão olhou para Alfredo
E ele compreendeu,
Aquele olhar de Cancão
Alfredo logo entendeu,
De novo olharam pra negra
Ela então se enfureceu.

A negra chamou um filho
Dizendo: João venha cá,
Vá a baixa do capim
E mude a cabra de lá,
E volte com muita pressa
Preciso de você já.

Disse a Cancão e ao outro:
– Vocês vão logo saindo,
Tem aqui um filho meu
Que mata gente sorrindo,
Eles saíram voltando
Por onde já tinham vindo.

O Cancão de Fogo disse:
Nós havemos de voltar,
Para não darmos motivo
A negra desconfiar,
Se ela vir por onde vamos
É fácil de nos achar.

Alfredo então perguntou-lhe
E como se faz agora?
As tripas estão roncando
A fome já me devora.
O que nós vamos fazer
Para a negra dar o fora?

Disse Cancão a Alfredo:
– Para poder conseguir,
Roubar aquela panela
É preciso você ir
Se esconder atrás da casa
Até a negra sair.

– Pra negra sair de lá
Meu plano já está formado,
Faça como estou dizendo
Pro golpe não ser errado,
Vou dizer-lhe mais ou menos
O que tenho planejado.

– Eu pego aquele moleque
E vou com ele à madeira,
A negra há de vir a mim
E você não faça asneira,
Pegue a panela com tudo
E saia em grande carreira.

– Antes da negra chegar
A minha carreira é feia,
Procure a estrada na frente
Me espere a légua e meia,
E procure logo o mato
Aonde se bote a ceia.

Alfredo entusiasmou-se
Com o plano de Cancão,
E disse: aperte esses ossos
És um homem de ação,
Penso até que no diabo
Tu já passaste a lição.

De onde estavam escondidos
Viram um moleque passar,
Alfredo correu depressa
Para poder atocaiar,
A panela que a negra
Tinha de abandonar.

Cancão pegou o moleque
Deitou-lhe o cipó no lombo,
A negra partiu danada
Com o bacamarte no ombro,
Cancão soltou o moleque
Disse: com chumbo não zombo.

A negra ainda atirou-lhe
Mas o tiro não pegou,
A negra uivava de ira
E de que forma ficou,
Depois que chegou em casa
E a panela não achou?

A negra soltava praga
Se rasgava e se mordia,
Puxava irada os cabelos
Babava sangue e cuspia,
Suas pragas reboavam
Só o eco respondia.

– Ah! cachorro da moléstia
Infeliz quem te gerou!
Ladrão, infeliz, infame
Satanás te batizou,
És o monstro mais nojento
Que nosso mundo criou!

Cancão chegou adiante
Voltou por dentro do mato,
Dizendo com seus botões:
– Quem morre de fome é pato,
Quem trabalha deus ajuda
O pão é muito barato.

– Eu não vou morrer de fome
Achando onde comer,
Nem ficar de goela seca
Tendo água pra beber,
Não vou andar compassado
Sendo preciso correr.

Cancão de Fogo saiu
Correndo sem dizer nada,
Ia por dentro do mato
Beirando sempre a estrada,
Onde encontrou o Alfredo
Já com a ceia botada.

Era feijão mulatinho
Com ossada de carneiro,
Cancão quando acabou disse:
– Já vi hotel barateiro,
Enche-se bem a barriga
E não se gasta dinheiro.

Os programas de Cancão
Tinha que se apreciar,
Porque o Cancão dizia:
Nada faz-me admirar,
Aquele que sorrir hoje
Amanhã tem que chorar.

– Bem só pode está o sol
Porque ninguém o alcança,
Haja no mundo o que houver
O sol lá nem se balança,
Enquanto a fortuna dorme
A desgraça não descansa.

– Pai e mãe é muito bom
Barriga cheia é melhor,
A moléstia é bem ruim
A morte é muito pior,
O poder de Deus é grande
Porém o mato é maior.

Disse o Cancão ao Alfredo
Assim se deve roubar,
Não é crime e nem pecado
Eu falei para comprar,
A negra não quis vender-me
Deu-me direito a pegar.

– Se ela fosse de acordo
Como o que eu desejava,
Não ficava sem comida
Eu ainda lhe pagava,
Não açoitava o moleque
E tudo na paz ficava.

Diz Alfredo: e eu calculo
O ódio que ficou nela,
Vê o moleque apanhado
Vê seu fogão sem panela,
Confesso que desmaiava
Só em ver a cara dela.

Depois de terem almoçado
Procuraram descansar,
Na manhã do outro dia
Trataram de caminhar,
Mesmo já faltava pouco
Não queriam demorar.

Afinal chegaram ao Rio
Quando estavam hospedados,
Na mesa estavam almoçando
Chegaram cinco soldados,
Oficiais de justiça
E dois subdelegados.

Alfredo olhou pra Cancão
Cancão também o olhou,
Como quem diz: caro amigo
A nossa hora soou,
É bom logo despedir-nos
Porque a cana chegou.

Ambos ficaram surpresos
Mas sem dar demonstração,
Continuaram comendo
Cada qual na impressão,
Se conviria fugir
Ou entregar-se a prisão.

– Quem é o Cancão de Fogo?
Um dos homens perguntou,
– Sou eu, respondeu Cancão:
– As suas ordens estou,
– Está preso: disse um
O Cancão não se alterou.

O oficial da justiça
Leu claramente o mandado,
Então o Cancão de Fogo
Disse ao subdelegado:
Dê-me licença almoçar
Que ficarei obrigado.

Toda gente do hotel
Prestou grande atenção,
Tudo parou o talher
Olhando para o Cancão,
Até as autoridades
Fizeram admiração.

Quando acabou de almoçar
Pediu a conta e pagou,
Tirou um conto de réis
Ao companheiro entregou,
Disse ao subdelegado
Agora querendo, eu vou.

Alfredo disse a Cancão:
É pena ter que deixa-lo,
Lamento da minha parte
Em não poder ajuda-lo,
Esta é uma das viagens
Que não posso acompanha-lo.

Então lhe disse Cancão:
Você faça o que aprouver,
E veja se pode ir
No lugar que eu estiver,
E demais até um dia
Quando o governo quiser.

Foi Cancão a chefatura
Para ser interrogado,
Disse o chefe de polícia:
– O senhor é viciado,
Como foi no Ceará
O roubo do delegado?

O Cancão de Fogo disse:
– Lá eu não roubei ninguém,
Fui a um mandado dele
Ele não deu-me um vintém,
Eu fiquei com a bengala
Que não sou pai de ninguém.

– Qualquer um faria o mesmo
Pra qualquer um cascudo,
Não era empregado dele
Nunca o vi tão carrancudo,
Ia trabalhar de graça
Sou algum pai de pançudo?

– E Cadê os cem mil réis
Lá do subdelegado?
– Vossa excelência crê nisso?
Isso é plano mal traçado,
Quem é que dar cem mil réis
A quem está denunciado?

– E a roupa do alferes
Que vossa mercê carregou?
– Foi para me defender
Foi isso que me salvou,
Ele, pra que me prendeu
Quando ninguém o mandou?

Disse o chefe de polícia:
– O leve para a marinha,
O Cancão de Fogo disse:
– Essa vontade eu já tinha,
A desgraça ia em viagem
Quando a fortuna já vinha.

– Tomara que me aceitem
Disse ele ao delegado,
A tempos que esperava
Esse momento chegado,
Espero que não descubram
Que eu sofro de puxado.

Então lhe disse a polícia:
– Sinto muito meu rapaz,
Essa história de puxado
É um plano bem sagaz,
Mas desculpe que lhe diga
Seus truques não pegam mais.

Mas o médico da marinha
Estava nesta ocasião,
O recusou por doente
Da laringe e do pulmão,
Achou ser uma injustiça
Não se proteger Cancão.

Às quatro horas da tarde
Cancão de Fogo chegou,
Dizendo: bendito seja
O que me denunciou,
Há males que trazem o bem
Como este agora chegou.

Depois de solto Cancão
Seguiu junto com Alfredo,
Enganado até gatuno
Como estradeiro rochedo
Deu quengada em fazendeiro
Pois Cancão fazia medo.

Enrolou o quanto quis
Depois chegou o momento
Desejando ter família
Arranjou um casamento,
Como ele estava doente
Quis fazer seu testamento.

O TESTAMENTO DE CANCÃO DE FOGO

Nesta história o leitor viu
Quem era Cancão de Fogo,
Era aquele que dizia:
A vida é mesmo que um jogo,
Pra morrer não falta tempo
Pra dar não precisa rogo.

– Roubar a quem tem demais
É forma de caridade,
Tirar dez de quem tem vinte
É forma de regularidade,
Quem não precisa de tudo
Basta ficar-lhe a metade.

– Da forma que vai ao mundo
Só poderá triunfar,
Aqueles que tem astúcia
E não se deixam enganar,
No mar da vida se afoga
Quem nunca soube nadar.

Foi o que Cancão de Fogo
Disse: na hora da morte,
A fortuna tem o peso
Que tem a tirana sorte,
A desgraça quando vem
Não respeita quem é forte.

Quando ele viu que morria
Chamou a mulher pra junto,
E disse: minha mulher
Não precisa chorar muito,
Não há tempo mais perdido
Do que chorar por defunto.

Disse um filho: eu vou chamar
Depressa um facultativo,
Ali tem um médico bom
Inteligente e ativo,
Disse Cancão: é asneira
Dar remédio a quem está vivo.

– Inda que ganhe desta vez
Doutra tenha que perder,
Porque é ordem celeste
Não podemos inverter,
É este o lema da terra
Nascer, crescer e morrer.

– Agora depois de eu morto
Você o manda chamar,
Pergunte quanto ele quer
Para me ressuscitar,
E diga logo: só pago
Se meu pai se levantar.

– Isto não! Disse-lhe o filho
Morrendo, aí se liquida,
Disse lhe Cancão: meu filho
Isso é coisa conhecida,
Aquele que expulsa morte
Não faz com que volte a vida.

A pessoa que tomar
Remédio pra não morrer,
É como quem salga carne
Depois de apodrecer,
Como rezar pra São Bento
Depois da cobra morder.

Chegou um frade e lhe disse:
– Venho ajudá-lo a morrer,
Tenho que agradecer,
Sente-se aí para um canto
Cuide logo em se torcer.

– Torcer como? Disse o frade
Disse Cancão: meu amigo,
O senhor não vem morrer
Para ir junto comigo?
O frade respondeu: votes
Um burro é quem vai contigo.

O Cancão de Fogo disse:
Se eu não tivesse prostrado,
Você tinha que sair
Cortês e civilizado,
E só entraria em casa
Depois que fosse chamado.

– Porque pra eu liquidar-me
Não preciso de vigia,
Embora depois de morto
Leve minha companhia,
Porque o defunto é cego
Só anda se tiver guia.

– Meu irmão, lhe disse o frade:
Eu vim aqui exortá-lo,
O inferno está aberto
E diabo a esperá-lo,
As chamas do purgatório
Estão prontas pra queimá-lo.

– Eu entrei na tua casa
Foi para te confessar,
Pois levas grande pecado
Para o leito tumular,
Vim salvar-te do diabo
Para ele não te levar.

Disse-lhe Cancão de Fogo:
Frade quero que me dê,
Explicações do inferno
Lhe peço a vossa mercê,
No inferno inda haverá
Um diabo como você?

– Eu não mandei-o chamar
Nós não temos amizade,
Eu nunca quis relação
Com cigano nem com frade,
Apenas tenho a dizer-lhe
Dane-se por caridade!

O frade saiu dali
Se benzendo amedrontado,
Dizendo: aquilo é o cão
Em um ente transformado,
Me valha o rosário bento
E o madeiro sagrado!

Cancão chamou a mulher
A quem tinha estimação,
Disse: não chore mulher
Por minha consumação,
Reze para encontrar outro
Marido como Cancão.

– Agora quero que chame
O juiz e o escrivão,
De alguns bens que me restam
Vou fazer uma doação,
Vou fazer publicamente
Minha recomendação.

Encontrou em casa o juiz
Junto com o tabelião,
Foram logo para o quarto
Onde estava o Cancão,
O juiz disse: aqui estou
A sua disposição.

Disse o juiz: o senhor
Tem uns bens para deixar?
– Sim senhor, disse Cancão
Eu não os posso levar,
Se alguém quiser ir comigo
Tem um bom frete a ganhar.

Disse o escrivão: não brinque
Repare que a morte é crua!
– Pode até ser cozinhada
Pode vir vestida ou nua,
Eu brinco aqui com a minha
Você lá respeite a sua.

O juiz lhe perguntou:
Você não tem dois sobrados,
Quer deixa-los pra alguém?
Disse Cancão: estão vexados!
Ou vocês são dois gatunos,
Ou são meus filhos bastardos.

Disse o juiz: ora essa
Entenda essa charada,
Gente em casa me esperando
E o senhor dando massada,
Eu fazendo falta lá
Devido a sua embrulhada!

Disse Cancão: meu amigo
Você assim não vai bem,
Vexames fazem fadigas
Difícil escapar alguém,
Padre, juiz, escrivão
Não fazem falta a ninguém.

Portanto não tenho pressa
Para lhe dar atenção,
Mas depois de tudo feito
E de nossa transação,
O senhor dirá consigo
Como é bondoso o Cancão!

Puxou um papel lacrado
De dentro do travesseiro,
Entregou para o juiz
E disse: veja primeiro,
Veja quem eu constituo
Como meu testamenteiro.

– Sessenta contos de réis
Que tenho depositados,
No Banco Nacional
Três casas e dois sobrados,
Estão fora do testamento
Serão inventariados.

O juiz bem satisfeito
Mostrando contentamento,
Sua voz ficou macia
Quase dar-lhe um passamento,
De ver seu nome gravado
Nas folhas do testamento.

“Ao Doutor João de Cerqueira
“escrivão dos testamentos,
“deixo em Belo Horizonte
“na praça dos Sacramentos,
“a casa número cem
“com todos compartimentos.
2
“Ao Doutor João de Lira
“eu deixei em Canta-Galo,
“a casa número seis
“na rua de São Gonçalo,
“e o Sítio dos Ausentes
“na capital de São Paulo”

Disse o juiz: oh! senhor
É muita dignidade!
O senhor dar tanta coisa
Por sua livre vontade,
A mim e ao escrivão
Isso é muita bondade!

– Não doutor, disse Cancão
Meus filhos ficam aí,
Podem precisar um dia
Os senhores são daqui,
Disse o doutor: precisando
Já sabe eu moro ali.

Saíram numa palestra
O doutor e o escrivão,
Dizendo um para o outro
Foi sublime aquela ação,
Só nós dois livraríamos
Dum calote de Cancão.

Morreu o Cancão de Fogo
A mulher participou,
Poucos minutos depois
O juiz se apresentou,
Daí a uns dez minutos
O tabelião chegou.

Disse o juiz a mulher:
– Seu marido já morreu,
Com relação ao enterro
Deixe que quem faz sou eu,
Eu não quero que dependa
Um tostão do que é seu.

Fique com esta importância
Porque talvez necessite,
Mandou fazer catacumba
Fez quem fez todo convite,
Disse à mulher de Cancão
Com a senhora estou quite.

Depois de quarenta dias
Que Cancão tinha morrido,
Procedeu-se o inventário
Foi tudo bem dividido,
Filhos e mulher de Cancão
Cada qual foi bem servido.

O juiz depois pensou
Que havia precisão,
De exigir a escritura
Da família de Cancão,
Chegou lá não encontrou
Quem desse definição.

Mas depois disse consigo:
– Eu tenho provas legais,
Provo com o testamento
Não preciso nada mais,
Tratou de pegar o trem
Partiu pra Minas Gerais.

Saltou em Belo Horizonte
Foi ao hotel, almoçou,
Indagando aonde era
Uma pessoa ensinou,
A rua até era perto
Num instante ele chegou.

Quando o doutor viu o prédio
Sorriu-se aí de contente,
Examinou-o por fora
Achou-o muito excelente,
Tinha cem palmos de fundo
E setenta e dois de frente.

Então batendo na porta
Com pouco um homem chegou,
– Que deseja cavalheiro?
O homem interrogou,
– Sou o dono desse prédio
O homem aí o fitou.

– De qual prédio, meu senhor?
– deste aí que você mora;
– Isto é conto de vigário
É cedo, inda não é hora,
Aí bateu o postigo
Nem falou mais, foi embora.

O Doutor João de Cerqueira
Disse: momentos danados!
Ficou possesso de tudo
Porém minutos passados,
Foi ao cartório e mandou
Dar busca nos registrados.

Foi ao cartório e bateu
Saiu o tabelião,
O doutor disse: me consta
Que o senhor é escrivão,
E eu venho em seu cartório
Decidir uma questão.

E puxou ali do bolso
Os papéis do testamento,
E disse: colega veja
Se acha este apontamento,
Veja se não é legal
Todo este documento.

Encontrou a escritura
Da casa já referida,
Vendida pelo doutor
Félix Teixeira Guarida,
Comprada por uma órfã
Da viúva Margarida.

– Colega, como foi isso?
Pergunta o tabelião,
– Foi o conto dum vigário
Passado por um ladrão,
Disse o tabelião: esse
É igualmente a Cancão.

– Pois foi esse tal Cancão
Que mora no Rio de Janeiro,
Disse o tabelião:
– É esse grande estradeiro,
Quando ele era pequeno
Roubou este mundo inteiro.

– Aqui mesmo uma vez
Uma noite de São João,
Um ladrão veio roubá-lo
Ele roubou o ladrão,
E o gatuno por isso
Acabou-se na prisão.

– O ladrão tinha dois contos
Que de alguém tinha roubado,
E julgando que Cancão
Fosse um vendilhão de gado,
Foi ver se passava um quengo
Foi quem saiu quengado.

Disse o gatuno a Cancão:
– Patrão, eu tenho dinheiro,
Desejava fazer sérias
Transações com o cavalheiro,
Disse Cancão: é preciso
Que eu examine-o primeiro.

O ladrão ficou imóvel
Ficou bastante assombrado,
O Cancão de Fogo disse:
Ladrão, eu sou delegado,
Desde três horas da tarde
Que tenho sido avisado.

O ladrão ali ficou
Sem saber o que fizesse,
Pensou, aquele dinheiro
Se acaso Cancão quisesse,
Seria melhor que ele
Uma escapula desse.

– Meu moço disse o ladrão
Por vida dos nossos pais,
Por vida da vossa mãe
Me deixe aqui em paz.
Me solte que lhe prometo
Nunca hei de roubar mais.

Aí tirou o dinheiro
Disse: senhor delegado,
Pegue dois contos de réis
Aceite do seu criado,
Cancão pegou o dinheiro
E disse: vá com cuidado.

– Botou-lhe um cerco por fora
Adiante denunciou-o,
A patrulha foi atrás
Minutos depois pegou-o,
O gatuno conheceu
Que outro gatuno roubou-o.

O gatuno confessou
Quando a polícia o prendeu,
Procuraram o Cancão
Ele desapareceu,
O gatuno na cadeia
Deu-lhe bixiga e morreu.

– Um preto aqui fazendeiro
No tempo da escravidão,
Botou-o como empregado
E ele uma ocasião,
Foi a um comprador de escravos
E lá vendeu o patrão.

– Meteu o cobre no bolso
E ninguém o pode achar,
O preto viu-se apertado
Para se desembaraçar,
O que Cancão tinha feito
Deu trabalho desmanchar.

– Passou quengada enormes
Com tanta facilidade,
Então nas empresas dele
Tinha tal felicidade,
Que nunca pode cair
Em poder de autoridade.

– Eu não sei como o colega
Mora no Rio de Janeiro,
Não sabia que o Cancão
Era o maior estradeiro,
– Estradeiro não, ladrão
Um falsário verdadeiro!

Também o Dr. Cerqueira
Ficou encolerizado,
Passou em Belo Horizonte
Uma noite incomodado,
Pelo conto do vigário
Que Cancão tinha passado.

Dizia sou escrivão:
Nunca roubei um vintém,
Trinta quarenta mil réis
Não é roubo de ninguém,
O roubo que eu considero
É o que passa de cem!

– Eu fazer o enterro
Do diabo desse ladrão,
Gastei seiscentos mil réis
Sem a mínima precisão,
Dei sepultura ao gatuno
Como se fosse um barão!

– Raios te parta, danado
Deus há de te castigar!
O prejuízo que tive
No inferno hás de pagar!
Tenho fé na Providência
Que lá hás de amargar!

– Quase trezentos mil réis
Nessa viagem gastei,
Quando o diabo morreu
Quantas passadas eu dei,
Gastei meu tempo e dinheiro
Veja agora o que lucrei!

Também voltou apitando
Com a carranca mais feia,
Chegou em casa e deitou-se
Não quis mais saber da ceia,
E lá soube que o juiz
Já tinha ido a cadeia.

Porque foi em Canta-Galo
Ver a casa que herdou,
Na rua de São Gonçalo
A dita casa encontrou,
O morador era dono
Já que ele o intimou.

Como o dono não saiu
Botou a pulso pra fora,
O homem foi a polícia
Prenderam na mesma hora,
E botaram num asilo
Quase que não vai embora.

O escrivão logo cedo
Foi a casa de Cancão,
E disse para a mulher:
Seu marido era um ladrão,
Depois de morrer roubou-me
Eu sendo dele escrivão.

– A senhora viu a casa
Que ele pra mim deixou-a,
Sendo a casa de uma órfã
Que o diabo não comprou-a,
Disse a mulher de Cancão:
– Doutor ele não levou-a.

– O meu marido deixou
O prédio que o senhor diz,
Deixou vinte um Estados
Que tem o nosso país,
Ficou para quem quisesse
Ele nada disso quis.

O doutor corou e disse:
– Também garanto a senhora,
Se Deus botá-lo no céu
Pode esperar a hora,
De uma quengada dele
Que bota até Deus pra fora.

– Porque eu nunca achei
Ladrão fino igual aquele,
Desgraçado do defunto
Que sepultar-se com ele,
Eu acho Cancão capaz
De roubar os ossos dele.

– E a senhora também
Desculpe a minha ousadia,
Vossa mercê herdou dele
Costume e categoria,
Pois a mulher do filósofo
Aprende a filosofia.

A mulher disse doutor:
Meu marido não roubava,
Mas com algum escrivão
Ele se comunicava,
Sendo um pouco inteligente
Muitas coisas decorava.

– Ele chamou os senhores
Quando estava aqui prostrado,
Porque queria imitar
O Cristo crucificado,
Queria morrer também
Com um ladrão de cada lado?

– Como sabe as pessoas
Estando perto de morrer,
Às vezes sentem remorsos
E temem de se perder,
Dizem que no outro mundo
A pessoa há de sofrer.

– O doutor não viu o frade
Vir também por sua vez,
E não viu o meu marido
Que barulho logo fez?
Disse: eu chamei dois ladrões
Não é preciso de três.

Aí lhe disse o escrivão:
– Dê licença eu vou embora,
Sou obrigado a dizer
Que tenho medo da senhora,
Eu acho vossa excelência
Capaz de vender-me agora.

– Até logo, senhor doutor
Disse a mulher de Cancão,
Aqui fico às suas ordens
Se acaso houver precisão,
Tem uma criada aqui
À sua disposição.

– Dana-te cachorra doida!
Disse o escrivão correndo,
O diabo é quem vem mais cá
Ainda estando morrendo,
O quengo do teu marido
Parece que em ti estou vendo!

FIM


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 17 de junho de 2023

A VIDA DE CANCÃO DE FOGO (1ª PARTE) – LEANDRO GOMES DE BARROS (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O autor Leandro Gomes de Barros, Pombal-PB (1865-1918) e seu cordel

* * *

PRIMEIRA PARTE

Leitor se não se enfadar
Desta minha narração,
Leia a vida deste ente
E preste toda atenção,
Que foi o quengo mais fino
Desta nossa geração.

Pois ele desde criança
Sabia a tudo iludir,
Estradeiro muito velho
Não pode a ele competir,
O Cancão nunca armou laço
Que alguém pudesse sair.

Cigano que no Egito
O temiam como lobo,
Entre todos os ladrões
Era professor de roubo,
Chegou aqui no Brasil
O Cancão fez dele um bobo.

Até na hora da morte
O Cancão caloteou,
Com o Testamento dele
Inda o juiz se enrascou,
O escrivão recebeu
Um processo que tomou.

Na vida dele houve caso
De chamar a atenção,
Muita gente talvez pense
Que seja exageração,
Ia um ladrão roubar ele
Ele roubava o ladrão.

Agora vamos saber
Quem era esse tal Cancão,
Descrever os sinais dele
Costumes e propensão,
Para podermos entrar
Em sua apreciação.

Cancão era um apelido
Que os irmãos lhe puseram,
Pelas as travessuras dele
Esse apelido lhe deram,
Por ele nunca querer
O que os parentes quiseram.

Ele era um branco moreno
De olhos agateados,
O rosto largo pequeno
Os cabelos estirados,
Não eram preto nem louro
Eram quase acastanhados.

O corpo muito franzino
E muito pouco comia,
Vivia sempre pensando
De noite pouco dormia,
Não confiava em ninguém
E nem contava o que via.

No quengo é que não se pode
Dar dele uma descrição,
Só posso classificá-lo
Como grande aberração,
Um caso extraordinário
Enfeites da criação.

Porque admira a todos
Este ente se criar,
E enganar a todo mundo
E ninguém o enganar,
Nunca achou um estradeiro
Que pudesse o enrascar.

 

Roubar objeto algum
Isso não, nunca roubou,
Mas em negócio com ele
Nunca ninguém se salvou,
Desde a Igreja a justiça
Tudo isto se queixou.

O pai de Cancão de Fogo
Foi um homem preparado,
De muitos bons sentimentos
E muito bem arranjado,
Mas a sorte neste mundo
Dar e tira, como um dado.

Por isso Cancão um dia
Estava numa discussão,
Disse a um irmão da mãe dele
Homem algum tem distinção,
A vantagem do fiel
É a mesma do ladrão.

Já tenho quase dez anos
Nunca ouvi dizer assim:
Pedro escapou por ser bom
Paulo morreu por ser ruim,
Bom e mal, bonito e feio
Tudo tem o mesmo fim.

Cancão tinha sete anos
Quando andou perto da morte,
Foi passar um rio cheio
A correnteza era forte,
Desta vez quase a desgraça
Fez ele mudar de sorte.

O Cancão já se afogando
Estava bastante vexado,
Quando passou um cavalo
Que ali morreu afogado,
O Cancão saltou em cima
E disse: estou embarcado.

Os irmãos bateram palmas
Quando viram ele cair,
Disseram em casa nós vimos
O Cancão se consumir,
Afogou-se nesse instante
Ali deitaram a sorrir.

A própria mãe de Cancão
Não deu sinal de sentida,
Quando trouxeram-lhe a nova
Da desgraça acontecida,
Disse: ele não prestava
Não perdi nada na vida.

Cancão saiu no cavalo
Com as pernas a remar,
Tocaram numa barreira
Cancão pode se salvar,
Disse ele: bom cavalo
Que faz o dono escapar.

O Cancão entrou em casa
Pôs tudo surpreendido,
Principalmente os que viram
Quando ele tinha caído,
Já tinha corrido a nova
Que Cancão tinha morrido.

A mãe dele perguntou-lhe
– A morte então não te quis?
Quem não quis, disse Cancão
Foi o esforço que eu fiz,
Graças a um cavalo morto
Que foi quem me fez feliz.

Cancão de Fogo já tinha
Nove ou dez anos de idade,
Quando o pai dele morreu
Deixou-os em necessidade,
Cancão quando soube disse:
– Isso não é novidade.

Minha mãe está sem marido
Por isso não vá chorar,
Eu também fiquei sem pai
Porém sempre hei de passar,
Ela pode achar marido
Pai é que não posso achar.

Eu digo como o macaco
A um outro respondeu:
Quando ele disse: meu mano
Sua mãe hoje morreu,
Disse –lhe então o macaco
Por isso já esperava eu.

A mãe de Cancão de Fogo
Decidiu-se a trabalhar,
Cancão de Fogo não quis
A isso se sujeitar,
Dizendo: não tenho força
Para serviço acabar.

Agora para viagem
Ou para qualquer mandado,
Achava-o de prontidão,
Não se mostrava enfadado,
Ninguém conseguia dele
Era trabalho pesado.

Todos na casa queriam
Ver o Cancão se acabar,
Dizia o Cancão de Fogo:
Pode tudo me odiar,
Amor não enche barriga
Ódio não faz empacar.

Minha mãe acha que fez
Favor ter-me concebido,
Eu cá sim, fiz lhe um favor
Livrei-a de ter morrido,
E o que seria dela
Se eu não tivesse nascido?

Se ela deu-me de mamar
Eu não sei, ela é quem diz,
Eu não lhe pedi o peito
Se me deu foi porque quis,
Em eu lhe vazar os seios
Foi um favor que lhe fiz.

Eu cá só devo favor
Ao sol e a água do rio,
A água porque eu bebo
E tomo banho no estio,
Devo ao sol porque me esquenta
Na hora que tenho frio.

Um dia disse a mãe dele:
– Não tenho o que almoçar,
O Cancão de Fogo disse:
– É fácil de se arranjar,
O mundo é uma dispensa
Tem o que se procurar.

Então a mãe dele disse:
– Só se for comprar fiado,
Eu morro, porém não compro
Deus está vendo o meu estado,
Seu pai morreu sem dever
Conservou seu nome honrado.

Disse Cancão: essa honra
Não passa de palhaçada,
Porque o capitalista
Não olha a pessoa honrada,
Leve a honra numa venda
E veja se arruma nada.

Disse a velha: não puxaste
Ao teu pai que foi honrado,
Disse Cancão: Deus me livre
De ter a ele puxado,
Se eu fosse como meu pai
Também estava enterrado.

Ela chorando não pode
Pronunciar mais um nome,
O Cancão de Fogo disse:
Minha mãe está é com fome,
Disse: espere aí mais um pouco
Que nessa casa se come.

Saiu encontrou um velho
Que andava ali perdido,
O velho era sertanejo
E ali desconhecido,
Não sabia dum hotel
Onde fosse garantido.

O velho muito usurário
Não queria se arranchar,
Em qualquer hotel decente
Só com medo de pagar,
Dava preferência a um rancho
Somente a fim de poupar.

Disse-lhe o Cancão de Fogo:
Vossa mercê está perdido?
Me pague que eu vou botá-lo
Em um lugar garantido,
Foi o hotel que já vi
De preço mais resumido.

Eu vou contar uma história
Eu, lá levei um freguês,
Era um mês que ia passar
Foi tão bom que passou três,
Quer saber quanto pagou?
Dez tostões por cada vez.

Se me der cinco mil réis
Vamos que está arranchado,
E a despesa é a que disse
Lá não há preço alterado,
Leve os contos que tiver
Que lá ninguém é roubado.

O velho disse consigo:
Esse assim vem me servir,
É atrás desse que eu ando
Para comer e dormir,
Só gastarei seis mil réis
Daqui para eu sair.

E saiu com o Cancão
Com o mesmo a conversar,
Cancão mostrou–lhe uma casa
Disse: é ali pode entrar,
Dê-me o dinheiro que volto
Ver outro pra hospedar.

O velho deu-lhe dinheiro
E Cancão saiu danado,
Não procurou mais ninguém
Foi logo para o mercado,
Dizendo com seus botões
– Eu hoje como deitado.

Gastou os cinco mil réis
Não ficou com um vintém,
Chegou em casa com tudo
E disse a mãe: aí tem,
Pode cuidar no almoço
Por hoje jantamos bem.

A velha olhou para ele
Com cara bastante feia,
Perguntou: foste comprar
Fiado na venda alheia?
Disse Cancão: foi um frete
Que eu levei para a cadeia.

A velha aí exclamou:
– Oh! bruto amaldiçoado,
Além de seres ladrão
És de mais até malvado,
Além de roubar o velho
Deixaste tão enrascado.

Lançando mão uma vara
Atacou ela a Cancão,
Cancão se fez na canela
E disse: na vara não,
Eu não hei de ser fiel
Obrigado a ser ladrão.

O velho chegou na casa
Julgando que fosse hotel,
Então logo quando entrou
Conheceu que era quartel,
Vieram ao encontro dele
O cabo e o coronel.

O furriel perguntou-lhe:
– O senhor vem se entregar?
É sem dúvida um criminoso
E vem do júri se livrar,
O velho ficou de forma
Que nem podia falar.

– Ladrão! Exclamou o velho
Traiçoeiro e desgraçado!
Disse–lhe o cabo se sente
Não precisa ter cuidado,
Porém só pode sair
Com ordem do delegado.

Então esse caso deu-se
No centro da capital,
E Cancão de Fogo disse:
– Se ficar aqui vou mal,
Eu posso correr o mundo
E não gasto o principal.

O tio dele sabendo
O que tinha se passado,
Foi na casa da mãe dele
Que ia desesperado,
Dizendo que do Cancão
Inda seria vingado.

Cancão ganhou a estrada
De Paraíba a Goiana,
Passando por um partido
Entrou chupou uma cana,
Disse: nessas condições
Eu viajo uma semana.

Largou-se de estrada a fora
Sem direção sem destino,
Quando chegou em Goiana
Embora que pequenino,
Foi procurar uma casa
Que empregasse menino.

Empregou-se numa casa
Para vender tabuleiro,
A doze mil réis por mês
Disse ele: é bom dinheiro,
Isso é quase um ordenado
Dum guarda livro caixeiro

Do serviço de Cancão
Tudo na casa gostava,
Muito fiel e esperto
Aquilo não se encostava,
E do tabuleiro dele
Um bolo não se roubava.

Ao cabo de sete meses
O Cancão tinha juntado,
Sessenta e quatro mil réis
Quase todo ordenado,
O dinheiro que ganhou
O tinha todo guardado.

Um dia disse consigo:
Minha mãe tem precisão,
Talvez não tenha mais roupa
E até lhe falte o pão,
Vou mandar-lhe esse dinheiro
Que ela agradeça ou não.

Enviou-o pelo correio
Mandou dizer onde estava,
E o emprego que tinha
A quantia que ganhava,
Então mandou lhe dizer
Que todo mês lhe mandava.

Assim mesmo pela velha
Tudo tinha se arrumado,
Ela pensou que Cancão
Tinha até melhorado,
Mas o tio quando soube
Ficou como um cão danado.

E era irmão da mãe dele
Essa fera inconsciente,
Só odiava a Cancão
Por ser ele inteligente,
E os filhos desse monstro
Brutos desgraçadamente.

Havia ali um mulato
Chamado José Vaqueiro,
Um indivíduo ladrão
Covarde e alcoviteiro,
Jurava o que nunca viu
Por diminuto dinheiro.

Esse tendo feito um roubo
O Cancão de Fogo viu,
Foi logo ao delegado
E o roubo descobriu,
Por isso o cabra foi preso
E a sentença se cumpriu.

O tio de Cancão de Fogo
Julgou ir muito acertado,
Mandou por José Vaqueiro
Vir o Cancão escoltado,
Dizendo com seus botões:
– Ele chega desgraçado.

Chamou o vaqueiro e disse:
– Dou–lhe parte de uma história,
Vá ver Cancão em Goiana
Está aqui a precatória,
Ele já lhe deve uma
Tem mais você esta glória.

A precatória que vai
Foi feita por escrivão,
O delegado assinou
O mandado de prisão,
A denúncia vai provando
Que o mesmo é ladrão.

Ele descobriu seu roubo
Você pode se vingar,
Ele fez você ir preso
E custou a se soltar,
Essa ocasião é própria
Para você se descontar.

O indivíduo saiu
Como uma fera tirana,
Levou chuva no caminho
Pôs-se a tomar muita cana,
Foi cair embriagado
Num dos ranchos de Goiana.

O Cancão ia passando
E achou ele deitado,
Disse aí dentro de si:
– Esse cabra vem danado,
O carcereiro amanhã
Terá mais esse apurado.

Meteu-lhe a mão na algibeira
E achou a precatória,
Era um protocolo enorme
De uma medonha história,
Disse Cancão: eu te arranjo
Um baile de palmatória,

Aonde Cancão dormia
Tinha chaves enferrujadas,
De portas de armazéns velhos
Por ali depositadas,
Cancão limpou-as dizendo:
– Hoje são aproveitadas.

Voltou encontrou o cabra
Inda na mesma soneira,
Cancão tomou-lhe chegada
Pôs a mão muito maneira,
Trazia as chaves num mólho
Botou-lhe na algibeira.

Saiu no mesmo instante
Foi dizer ao delegado,
Vi no rancho de tal parte
Um indivíduo deitado,
É ladrão e assassino
E três vezes processado.

Anda com chave que abre
Qualquer porta de armazém,
E na casa aonde vai
Não deixa nela um vintém,
Se não o prenderem logo
Não escapará ninguém.

Então foram lá no rancho
Inda estava ele deitado,
Cinco chaves na algibeira
Foi visto por um soldado,
– O indivíduo é ladrão
Disse o praça ao delegado.

O indivíduo acordou
Já debaixo de facão,
Falava, porém ali
Ninguém lhe dava atenção,
Ele ali calculou logo
Ser cilada de Cancão.

Daí a sessenta dias
Foi que veio justificar,
Levou sessenta e três surras
Quase morre de apanhar,
Por um milagre de Deus
Ainda pôde voltar.

Cancão disse consigo:
– Eu aqui sou descoberto,
Pedir as contas e sair
Este é o plano certo,
Eu não quero que a polícia
Me ache de peito aberto.

Devido a José Vaqueiro
Ter caído na prisão,
O comércio de Goiana
Fez um presente a Cancão,
Deu-lhe duzentos mil réis
Como gratificação.

Cancão antes de sair
Fez duas cartas primeiro,
Uma foi para a mãe dele
Lhe mandando mais dinheiro,
Outra ao tio dando lembrança
Que mandava Zé Vaqueiro.

Dizia a carta do tio:
– Seu mordomo excelente,
Eu apresentei-o aqui
Ao delegado somente,
Foi para a casa da câmara
Seguido por muita gente.

Está na casa do governo
Lá tem honra de sultão,
Soldados ali na porta
A sua disposição,
Se o senhor tivesse vindo
Era mais satisfação.

Cancão pediu ao patrão
Licença de uma semana,
Para visitar sua mãe
Que estava em Itabaiana,
Dizendo: ela não pode
Vir a pé até Goiana.

O patrão aí pagou-lhe
O resto do ordenado,
Disse: Cancão eu agora
Quero tomar mais cuidado,
Dormir pouco e andar muito
Viver mais acautelado.

O tio de Cancão de Fogo
Veio cá pessoalmente,
E provou com documentos
Que a prisão foi inocente,
Foram procurar Cancão
Há um mês estava ausente.

O tio de Cancão de Fogo
Disse: ao tal José Vaqueiro:
– Você siga daqui mesmo
Atrás daquele estradeiro,
– Disse o cabra eu não vou lá
Inda por todo dinheiro.

Quem sofreu do que sofri
Não vai atrás de Cancão,
No meu lombo não tem lixa
Para limpar-se facão,
Os dois meses de cadeia
Me serviram de lição.

Fui eu que quase morri
De facão e palmatória,
Os tormentos que passei
Me ficaram na memória,
Garanto que seu sobrinho
Foi quem ganhou a história.

Cancão embolsou o cobre
Disse: vou dar um passeio,
O mundo é mole eu sou duro
Vou furar de meio a meio,
Agora vou a Recife
Vou ver se é bonito ou feio.

Cancão saiu de Goiana
Antes de dar meio-dia,
Chegou em Igarassu
Ao tocar Ave-Maria,
Não quiseram dar-lhe rancho
Pois ninguém o conhecia.

A polícia o encontrou
Perguntou de onde vinha,
Disse ele: venho da casa
Da minha avó e madrinha,
Disse o subdelegado:
Você está bom pra marinha.

O Cancão dentro de si
Ficou bastante agitado,
Mas se mostrasse recusa
Ia dormir amarrado,
Disse consigo: eu arrumo
Esse subdelegado.

Este subdelegado
Era um alferes ambulante,
Sujeito metido a bom
Porém muito ignorante,
O Cancão disse consigo:
Este aqui cai num instante.

Disse Cancão: senhor tenente
Era atrás disso que eu vinha,
Porque até quando eu durmo
Eu sonho com a marinha,
Por isso já desgostei
A minha avó e madrinha.

O senhor faz uma carta
A quem eu hei de falar,
Me ensine a rua onde é
Que é fácil de se acertar,
Disse o alferes: eu mando
Um soldado lhe levar.

Inda é melhor para mim
Disse contente o Cancão,
Peço a vossa senhoria
Para me dar um cartão,
Porque já me arrumei bem
Com a sua proteção.

Foi Cancão a chefatura
Mas não se deu por achado,
No dito quartel dormia
O tal subdelegado,
Por fortuna nessa noite
Da força tinha um soldado.

O alferes confiado
Que ali estava garantido,
Armou a rede e deitou-se
Da roupa todo despido,
Ressonava como porco
Estava do mundo esquecido.

O soldado na tarimba
Da mesma forma dormiu,
O Cancão de Fogo disse:
– Este sono me serviu,
Tirou a roupa de todos
Abriu a porta e saiu.

Carregou as duas blusas
Do alferes e do soldado,
Calças, camisas e ceroulas
Tudo isso foi levado,
Só ficou com o relógio
O mais botou no valado.

Às seis horas da manhã
Encontrou ele um menino,
Um desses que vem ao mundo
Por capricho do destino,
E ao princípio da vida
Triste como a voz do sino.

Cancão perguntou a ele
O que tens que vem chorando,
Já vai te doendo os pés?
E te vejo suspirando!
Respondeu ele: eu devia
Viver só me lastimando.

Fui um menino enjeitado
Fui logo triste ao nascer,
Nem uma ave noturna
Tão triste não pode ser,
Eu sou igual ao deserto
Onde ninguém quer viver.

Esse homem que me cria
Me maltrata em tal altura,
Que nem um preso no cárcere
Sofrerá tanta amargura,
Não foi Deus é impossível
Que me deu tal desventura.

– E para onde é que vás?
O Cancão lhe perguntou:
– Eu vou daqui a dez léguas,
Que hoje ele me mandou,
E não me deu um vintém
Veja em condições que vou.

– Queres fazer como eu
Já ficará descansado,
E teu pai de criação
Talvez nem tenha cuidado,
Pois só se tem prejuízo
Se o objeto é comprado.

Eu também sou como tu
Só não fui foi enjeitado,
Mas até por minha mãe
Eu sou bastante odiado,
Porém este mundo é grande
Eu hei de viver folgado.

Como se chama você?
Respondeu: chamo-me Alfredo
– Eu sou o Cancão de Fogo
Meu nome digo sem medo,
Tendo precisão eu nego
Porque em tudo há segredo.

Quer ir comigo, acompanhe-me
Faço-lhe observação,
Não há de insultar a ninguém
E nem há de ser ladrão,
Ser esperto nos negócios
Isso é uma obrigação.

Só furtará uma coisa
Estando necessitado,
Se não quiserem lhe dar
Tem o direito sagrado,
Aí se rouba até Deus
Se achar Ele descuidado.

Se um ladrão vir nos roubar
Devemos procurar jeito,
De roubar primeiro ele
Porém roubá-lo direito,
Que depois dele roubado
Todos digam: foi bem feito.

Disse o Alfredo: pois vamos
Porém eu quero saber,
Nós ainda tão pequenos
De que podemos viver?
Disse Cancão: ora essa
Vivemos do que comer.

Agora vamos saber
Como o Alferes ficou,
Às sete horas do dia
Foi quando se levantou,
Gritou: acorda soldado
O menino me roubou.

O soldado deu um grito
Que o Alferes se assustou,
E perguntou: o que foi?
O soldado suspirou,
Dizendo: tudo que eu tinha
Aquele infeliz roubou.

Que faço? disse: o alferes
Nuzinho sem poder sair,
Se o governo souber disso
Pode até me demitir,
Só não deserto hoje mesmo
Por não ter o que vestir.

Ás quatro horas da tarde
Ainda estava despido,
E o chefe da polícia
Já tinha disso sabido,
Mandou ver preso o alferes
E foi logo demitido.

Cancão chegou em Recife
Cismado do que houve lá,
Soube que ia um vapor
Com destino ao Pará,
Disse em voz baixa: Alfredo
Vamos até ao Ceará.

Entremos que ninguém veja
Chegando a ocasião,
Que nos veja sem passagem
Você diz que é meu irmão,
O resto é por minha conta
Eu desenrolo a questão.

Entraram pelo rebordo
Sem a ninguém dizer nada,
Já perto do Ceará
Foram então fazer chamada,
Cancão disse a Alfredo
– Não conte história furada.

Perguntou o comissário:
– Meninos vocês quem são?
– Nós somos dois passageiros
Respondeu sério Cancão,
– Passageiros sem bilhetes
Para onde vocês vão?

Papai comprou as passagens
E mandou nos trazer cá,
– Em que vapor mandou ele?
Diz Cancão: no Ceará,
Ele mora no Recife
Mamãe mora no Pará.

– Este vapor é o Olinda
O Ceará lá ficou,
Cancão exclamou de forma
Que o comissário chorou,
Disse: maninho a nossa roupa
Ai meu Deus! que jeito eu dou!

Perguntou o comandante:
– Menino seu pai quem é?
Disse Cancão: é fiscal
No Recife, em São José,
Minha mãe é professora
E se chama Salomé.

Perguntou o comandante:
– Como o senhor é chamado?
O Cancão de Fogo disse:
O meu nome é Romualdo,
– O nome de seu irmão?
Disse Cancão: é Reinaldo.

Então disse o comandante
– Quando chegar em Belém,
Mando chamar sua mãe
E o delegado também,
Lá é que posso saber
O erro de onde vem.

O comandante fiado
Que eles eram do Pará,
Não os privou que saltassem
No porto do Ceará,
O Cancão de Fogo disse:
– Um burro é que volta lá.

Naquele mesmo vapor
A precatória seguiu,
Denunciando o Cancão
Quando no quartel dormiu,
Porém ia no correio
O comandante não viu.

Saltaram no Ceará
Cancão ia descuidado,
Andando casualmente
Na porta do delegado,
Este disse: esteja preso
Você foi denunciado.

Você é Cancão de Fogo
Da Paraíba do Norte,
Você lá só falta ser
Cúmplice em pena de morte,
Cancão sorriu e disse:
– Meu senhor, só sendo sorte.

– Sorte por quê? Perguntou
O homem impressionado,
Disse Cancão: já ali
Por um subdelegado,
Nós dois já não fomos presos
Por papai ser empregado.

– E você tem pai aqui
Disse Cancão: tem acolá,
Diz o delegado então:
– Chame o seu irmão e vá,
Diga a seu pai que o chamo
E seu irmão fique lá.

Então disse o delegado:
– Espere um pouquinho aí,
Deu a bengala a Cancão
E disse: leve isso ali,
Diga ao subdelegado
Que traga seu pai aqui.

O Cancão saiu sorrindo
E disse: estou arrumado,
Chegou onde estava o moço
E deu o seguinte recado,
Está aqui esta bengala
Que mandou lhe o delegado.

Ele me ordena que eu
Diga a vossa senhoria,
Que lhe mande cem mil réis
Que ele já aparecia,
E mandou essa bengala
Que o senhor já conhecia.

O moço deu-lhe o dinheiro
Cancão de Fogo voltou,
Disse a Alfredo eu agora
Pensarei por onde vou,
A bomba demora pouco
Se ainda não estourou.

Saímos da capital
Ganhamos a capoeira,
Não havemos de passar
Em lugar que tenha feira,
Perder cem mil réis assim
Não é boa a brincadeira.

E voltou com a bengala
Que tinha lindos anéis,
Disse Cancão: isso aqui
Vale quatrocentos mil réis,
Porém não me custou nada
Eu vendo até por dez.

Quando o delegado soube
Disso que tinha se dado,
E que a bengala dele
O Cancão tinha levado,
De raiva que teve ali
Quase morre asfixiado.

Dava duzentos mil réis
A quem trouxesse Cancão,
Dava o valor da bengala
Como gratificação,
Chorava como criança
E rolava pelo chão.

Disse Cancão: procuremos
Um mato muito fechado,
Então só devemos ir
Por onde tenha roçado,
Onde tenha milho verde
Que a noite se coma assado.

O Alfredo tinha um jeito
Para os olhos revirar,
E representava um cego
Que podia se jurar,
Até um médico oculista
Era fácil se enganar.

E dava um jeito na boca
Que parecia aleijado,
O Cancão de Fogo disse:
– Agora tome cuidado,
Você vai para a cidade
Para ver o que é passado.

Alfredo foi a cidade
E lá viu os movimentos,
Parecia um aleijado
E cego dos mais nojentos,
Soube de tudo que havia
Trouxe três mil e trezentos.

Cancão disse a Alfredo:
– Amanhã vá preparado,
Converse com o vigário
Mas assim como aleijado,
Pregue-lhe uma das minhas
E peça-lhe um atestado.

Você diz: senhor vigário
Eu venho aqui lhe consultar,
Minha mãe antes da morte
Me pediu para pagar,
Uma promessa que fez
Para um santo festejar.

Pedir pelo mundo esmola
Exposto a todo rigor,
Para São Sebastião
E entregar ao senhor,
Vossa mercê não estando
Eu desse o outro pastor.

Se ele der o atestado
Já vê que aí não há nada,
Você peça lhe uma coroa
E a tolha emprestada,
Nós com esses documentos
Faremos boa jornada.

O Alfredo arrumou tudo
Quando o Cancão o esperava,
Disse o vigário consigo:
– Atrás de ti eu andava,
Um conto de réis de esmola
O vigário projetava.

Então deu-lhe o atestado
Escrito com perfeição,
Com carimbo da igreja
Feito por Tabelião,
De forma que só estava
De acordo com Cancão.

Mandou-lhe fazer três vestes
De lutos para ele andar,
E lhe disse: das esmolas
Você não pode tirar,
Um vintém dela não tire
Sob pena de pecar.

E quando Alfredo chegou
Cancão ficou satisfeito,
Deu-lhe um abraço dizendo:
És um menino direito,
Presta atenção aos mandados
Tudo que faz é bem feito.

Meia-noite eles saíram
Quando o dia amanheceu,
Dizia Cancão: neste mundo
Não há mestre como eu,
Disse: nem o diabo pode
Escapar dum laço meu.

Com seis dias de viagem
Começaram a esmolar,
Cancão aonde pedia
Fazia gente chorar,
A fim de dar uma esmola
Era capaz de furtar.

A graça era quando eles
Chegava num povoado,
O Cancão com uma coroa
Ia pedindo de um lado,
Então Alfredo pedia
Como cego e aleijado.

No Ceará não ficou
Uma só povoação,
Que não fosse explorada
Por Alfredo e por Cancão,
E nunca chegou o dia
Que gastasse um tostão.

Sou forçado aqui leitores
A partir as aventuras,
Desse quengo inteligente
Esse rei das travessuras,
Que já foi classificado
Como o rei das diabruras.

Leia o segundo volume
Desse livro apreciado,
E veja o que fez Cancão
Depois de tudo arranjado,
Com o dinheiro das esmolas
Deixando o padre danado.

FIM


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 10 de junho de 2023

NO DIA DO NORDESTINO, DOIS GRANDES REPENTISTAS DA TERRA (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Valdir Teles e João Paraibano glosando o mote:

Deus pintou o sertão de poesia
Meu orgulho é ser filho do sertão

 

 

* * *

Valdir Teles (1956-2020) e João Paraibano (1953-2014)

* * *

IMPROVISOS DE JOÃO PARAIBANO E VALDIR TELES

João Paraibano

Eu fiz meu verso da grota
Que secava no verão,
Da cera que eu colocava
Na ponteira do pião,
No baião da lata seca
Nas pedras do cacimbão.

Valdir Teles

Minha mulher já brigou
Com minha própria cunhada,
Chamou a irmã safada
Porque me cumprimentou.
Inda ontem perguntou
Por que é que essa cadela,
Só vem na minha janela
Quando você se apresenta?
Eita mulher ciumenta
Essa que casei com ela!…

João Paraibano

A cabra abana as orelhas
para espantar o mosquito,
e se acocora lambendo
os cabelos do cabrito,
depois vai olhar de longe
pra ver se ficou bonito!

Valdir Teles

Pra quem vive encarcerado
Uma hora vale três
Um dia vale a semana
A semana dura um mês
Trinta dias dura um ano
E um século de desengano
Pra quem vive no xadrez

João Paraibano

Vê-se a serra cachimbando…
Na teia, a aranha borda;
O xexéu canta um poema;
Depois que o dia se acorda,
Deus coloca um batom roxo
Na flor do feijão de corda.

Valdir Teles

Meio-dia o sol é quente
Mas de maneira adversa
A luz que encandecia
A tarde raia dispersa
O sol vira mar de ouro
E o céu um tapete persa.

João Paraibano

Do nevoeiro pra o chão
a nuvem faz passarela;
o sapo pinota n’água,
entra na lama e se mela;
faz uma cama de espuma
pra cantar em cima dela.

Valdir Teles
(Quando da morte de Pinto do Monteiro)

No momento em que Pinto faleceu
As violas pararam de tocar
Deus mandou o Nordeste se enlutar
Respeitando o valor do nome seu
Pernambuco ao saber entristeceu
Paraíba até hoje está doente
Só tem galo cantando atualmente
Porque Pinto mudou-se do poleiro
Com a morte de Pinto do Monteiro
Abalou-se o império do repente.

João Paraibano

Sempre vejo a mão divina
no botão de flor se abrindo,
no berço em que uma criança
sonha com Jesus sorrindo;
a mão caçando a chupeta
que a boca perdeu dormindo.

Valdir Teles

Pai vinha de São José
Com uma bolsa na mão
Minha mãe abria a bolsa
Me dava a banda de um pão
Porque se desse o pão todo
Faltava pro meu irmão

João Paraibano

Cai a chuva no telhado,
a dona pega e coloca
uma lata na goteira,
onde a água faz barroca:
cada pingo é um baião
que o fundo da lata toca.

Valdir Teles

Aprendi a cantar vendo um chiqueiro
Entupido de bode e de marrã,
Um vaqueiro ordenhando de manhã,
Um suíno fuçando no terreiro,
Vinte ou trinta galinhas no poleiro,
Um bichano dormindo num fogão,
Um jumento espojando no oitão
E um cachorro debaixo de uma mesa
Aprendi a cantar a natureza
Pesquisando a história do sertão.

João Paraibano

Quando esbalda o nevoeiro,
rasga-se a nuvem, a água rola,
um sapo vomita espuma;
onde o boi passa se atola,
e a fartura esconde o saco
que a fome pedia esmola.

Valdir Teles

No sertão a fartura as vezes dobra
Quando a máquina da chuva funciona,
Milho verde, jerimum, feijão, mamona,
Toda casa do sítio tem de sobra.
Quando o tejo é mordido pela cobra,
Mete o dente no tronco de um pinhão,
Recebe o leite que serve de injeção
Contra o líquido que a cobra tem na presa
Aprendi a cantar a natureza
Pesquisando a história do sertão.

João Paraibano

O que mais me admira
É ver o sapo inocente
Que gosta de lama fria
Mas detesta a terra quente
Vendo da cobra o pescoço
Pinota dentro do poço
Pra se livrar da serpente.

Valdir Teles

Em lagoa, riacho, rio e poço
A traíra constrói sua morada
Se a quentura do sol não lhe agrada
O porão do açude é um colosso
É o peba um trator de carne e osso
Faz alavanca da unha e cava o chão
Pra fazer sua própria construção
Sem gastar um centavo de despesa
Aprendi a cantar a natureza
Pesquisando a história do sertão.

João Paraibano

Faço da minha esperança
Arma pra sobreviver
Até desengano eu planto
Pensando que vai nascer
E rego com as próprias lágrimas
Pra ilusão não morrer.

Valdir Teles

Sem ter nível, colher, prumo e escada
João de barro tornou-se um arquiteto
Aprendeu com Jesus fazer projeto
Pra depois construir sua morada.
Na beleza da pena desenhada
Outra ave não ganha do pavão
Foi pintada com tanta perfeição
Pra não ser superado na beleza
Aprendi a cantar a natureza
Pesquisando a história do sertão.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 03 de junho de 2023

SEIS MESTRES DO IMPROVISO E UMA GRANDE PELEJA (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, Assaré-CE (1909-2002)

* * *

Patativa do Assaré:

Sou poeta afamado
das bandas do Assaré
respeito home casado,
moça, menina e muié,
pra acabar com essa peleja
pode ser que sua mãe seja
pueta tirando o é.

* * *

Manoel Xudu:

Voei célere aos campos da certeza
E com os fluidos da paz banhei a mente
Pra falar do Senhor onipotente
Criador da suprema natureza
Fez do céu reino vasto, onde a beleza
Edifica seu magno pedestal
Infinita mansão celestial
Onde Deus empunhou saber profundo
Pra sabermos nas curvas deste mundo
Que Ele impera no trono divinal.

* * *

Antonio Marinho do Nascimento:

Eu sou de uma terra de heróis e vilões
Valentes, covardes, fortes e fracos
De pretos, de brancos, brilhantes e opacos
De homens- farrapos, de homens-brasões
Todos personagens de destruições
Que ousam, que teimam a história manchar
O índio morrendo e o negro a clamar
Que seu cativeiro chegasse ao final
Sentindo o chicote frio de Portugal
Fazer jorrar sangue na beira do mar .

* * *

Otacílio Batista Patriota:

Ao romper da madrugada,
um vento manso desliza,
mais tarde ao sopro da brisa,
sai voando a passarada.
Uma tocha avermelhada
aparece lentamente,
na janela do nascente,
saudando o romper da aurora,
no sertão que a gente mora,
mora o coração da gente.

O cantador violeiro
longe da terra querida,
sente um vazio na vida,
tornando prisioneiro,
olha o pinho companheiro,
aí começa a tocar,
tem vontade de cantar,
mas lhe falta inspiração.
Que a saudade do sertão
faz o poeta chorar.

* * *

João Viana dos Santos:

Há entre o homem e o tempo
Contradições bem fatais,
O homem não faz, mas diz,
O tempo não diz , mas faz,
O homem não traz nem leva,
Mas o tempo leva e trás.

* * *

Lira Flores:

Quando as tripas da terra mal se agitam
E os metais derretidos se confundem
E os escuros diamantes que se fundem
Das crateras ao ar se precipitam,
As vulcânicas ondas que vomitam
Grossas bagas de ferro incendiado
Em redor deixam tudo sepultado!
Só com o som da viola que me ajuda,
Treme o sol, treme a terra, o tempo muda,
Eu cantando martelo agalopado!

* * *

A PELEJA DE BERNARDO NOGUEIRA E O PRETO LIMÃO – João Martins de Athayde

Em Natal já teve um negro
Chamado Preto Limão
Representador de talento
Poeta de profissão
Em toda parte cantava
Chamando o povo atenção

Esse tal Preto Limão
Era um negro inteligente
Em toda parte que chega
Já dizia abertamente
Que nunca achou cantador
Que lhe desse no repente

Nogueira sabendo disto
Prestava pouca atenção
Dizendo: – eu nunca pensei
Brigar com Preto Limão
Sendo assim da raça dele
Eu não deixo nem pagão

O encontro destes homens
Causou admiração
Que abalou o povo em roda
Daquela povoação
Pra ver Bernardo Nogueira
Brigar com Preto Limão

Eu sou Bernardo Nogueira
Santificado batismo
Força de água corrente
Do tempo do Sacratíssimo
Quando eu queimo as alpercatas
Pareço um magnetismo

Me chamam Preto Limão
Sou turuna no reconco
Quebro jucá pelo meio
Baraúna pelo tronco
Cantador como Nogueira
Tudo obedece meu ronco

Seu ronco não obedeço
Você pra mim não falou
Até o diabo tem pena
Das lapadas qu’eu lhe dou
Depois não saia dizendo:
– Santo Antônio me enganou!

Bernardo eu não me enganei
Agora é que eu pinto a manta
Cantor pra cantar comigo
Teme, gagueja, se espanta
Dou murro em braúna velha
Que o entrecasco alevanta!

 

Você pra cantar comigo
Precisa fazer estudo
Pisar no chão devagar
Fazer o passo miúdo
Dormir tarde, acordar cedo
Dar definição de tudo…

Você pra cantar comigo
Tem de cumprir um degredo
Pisar no chão devagar
Bem na pontinha do dedo
Dar definição de tudo
Dormir tarde, acordar cedo…

Cantor que canta comigo
Estira como borracha
O suor do corpo mina
Os olhos salta da caixa
Quer tomar pé mas não pode
Procura o fôlego e não acha…

Nogueira, estás enganado
Queira Deus você não rode
Teimar com Preto Limão
Você quer porém não pode
Se cair nas minhas unhas
Hoje aqui nem Deus acode!

Moleque, se eu te pegar
Me escancho em tuas garupas
Das pernas eu faço gaita
Da cabeça uma cumbuca
Dos queixos um par de tamanco
Da barriga chupa-chupa

Nogueira se eu te pegar
Até o diabo tem dó!
Desço de goela abaixo
Em cada tripa dou nó
Subo de baixo pra cima
E vou morrer no gogó

Da forma qu’eu te deixar
Não vale a pena viver
Porque teus próprios amigos
Não hão de te conhecer
Corto-te os beiços de cima
Faço te rir sem querer!

Você vai ficar pior
Send’eu já estava chorando
Porque de ora em diante
Hás de falar bodejando
Corto-te a ponta da língua
Fica o tronco balançando

O resto de tua vida
Terás muito o que contar
Dês de perto, abertamente
Se acaso desta escapar
Diga que foste ao inferno
Depois tornaste a voltar

Tive uma pega com Inácio
Moleque bom na madeira
É negro que não se afronta
Com dez léguas de carreira
Dum açoite que dei nele
Quase larga a cantingueira

Você cantou com Inácio
Porém só foi uma vez
E faz vergonha contar
O que foi qu’ele te fez
Te pôs doente um ano
Aleijado mais dum mês

Inácio não me fez nada
Porque vivia cismado
Duma surra qu’eu dei nele
Há vinte do mês passado
De preto ficou cinzento
Quase morre asfixiado

Moleque tu me conhece
Como cantor afamado
No lugar qu’eu ponho a boca
É triste teu resultado
Tive uma pega com Inácio –
Já vi serviço pesado!

É porque você não viu
Preto Limão enfezado
Acendia os horizontes
De um para o outro lado
Rasga as decondências dele
De um negro encondensado

Tive aperreado um dia
Fiz a terra dar um tombo
No recreio da parcela
O mar é surdo urubombo
Cobri o mundo de fogo
E nada me fez assombro

Você fazendo tudo isso
Dá prova de homem forte
Eu já o considerava
Pela sua infeliz sorte
Se você chegasse a ir
Ao Rio Grande do Norte

Se eu for lá ao Rio Grande
Até voc6e desanima
O sol perderá seus raios
A terra, o mundo e o clima
Tapo a boca do rio
Deixo correndo pra cima!

Se me tapares o rio
Verás como eu sou tirano
Rasgo pela terra a dentro
E vou sair no oceano
Deixo a maré do Brasil
Enchendo uma vez por ano!

Moleque, o que você tem?
Parece um pinto nuelo?
Contaste tanta façanha
Como estás tão amarelo?
Quanto mais você se visse
Seu Nogueira no martelo

Se eu cantar o martelo
Você encontra banzeiro
Qu’eu perco a fé em doente
Quando muda o travesseiro
Afinal siga na frente
Qu’eu irei por derradeiro

O cantor qu’eu pegá-lo no martelo
Pego na goela
O cabra esmorece
A língua desce
Os olhos racha
Salta da caixa
Por despedida
Procura a vida
Porém não acha

Tenho chumbo e bala
Para seu Nogueira
Cantador goteira
Pra mim não fala
Dentro duma sala
Fica entupido
E amortecido
E sem recurso
Até o pulso
Lhe tem fugido

É na bebedeira
Que o preto morre
Tropeça e corre
Topa ladeira
Mede porteira
E passadiço
E alagadiço
Se for com trama
Se encontrar lama
Topa serviço

Duro de fama
Dura bem pouco
Que o pau que é oco
Não bota rama
Chora na cama
Qu’é lugar quente
Quebro-te dente
Furo-te a língua
Faço-te íngua
Cabra insolente

Vante o perigo
É qu’sou valente
Sou a serpente
Do tempo antigo
Negro comigo
Não tem ação
Boto no chão
Quebro a titela
Arranco a moela
Levo na mão

Nogueira, tu reparaste
Num sujeito que chegou?
Trouxe um recado urgente
Que minha mulher mandou
Por hoje eu não canto mais
Fique cantando qu’eu vou…

Não quero articulação
Vá se embora seu caminho
Canário que estala muito
Costuma borrar o ninho
Quem gosta de surrar negro
Não pode cantar sozinho

Naquele mesmo momento
Saiu o Preto Limão
Deixou o povo na sala
Tudo em uma confusão
Uns diziam que correu
Outros diziam que não

Quando o Preto voltou
Nogueira tinha saído
Preto Limão disse ao povo:
– Vão chamar o atrevido
Venham olhar bem de perto
Como se açoita um bandido

Foram chamar o Nogueira
Estando ele descansado
Deitado na sua rede
Quando chegou-lhe o recado
Nogueira com muito gosto
Foi acudir ao chamado

Quando Nogueira chegou
Encontrou Preto Limão
Acuado numa sala
Ringia que só leão
Naquele mesmo momento
Começaram a descrição

Cantador qu’eu pegá-lo de revez
Com o talento qu’eu tenho no meu braço
Dou-lhe tanto que deixo num bagaço
Só de murro, tabefe e pontapés
Só de surras eu dou-lhe mais de dez
E o povo não ouve um só grito
Faz careta e se vale do Maldito
Miserável, tua culpa te condena
Mas quem é que no mundo terá pena
Deste monstro que morre tão aflito?

Cantador com Nogueira não peleja
Sendo assim como o tal Preto Limão
Só se for pra tomar minhas lição
Ele engole calado e não bodeja
Vai comendo da mesa o que sobeja
Precisa me tratar com muito agrado
No instante fazer o meu mandado
É de pressa, é ligeiro, é sem demora
Qu’eu não gosto de moleque que se escora
Pois assim é qu’eu o quero por criado

Vale a pena não seres cantador
É melhor trabalhares alugado
Vai cumprir por aí teu negro fado
Vai viver sob o ferro dum feitor
Da senzala já és um morador
Teu trabalho é lá na bagaceira
O que ganhas não dá pra tua feira
Renego tua sorte tão mesquinha
Que te assujeitas às amas da cozinha
E te ofereces pra delas ser chaleira

Este homem já vive desvalido
É descrente de Deus e da Igreja
Lúcifer o teu nome já festeja
Tu só podes viver é sucumbido
Sois tão ruim que só andas escondido
Para Deus nunca mais serás fiel
Tua raça é descendente de Lusbel
Que do céu já perdeste a preferência
Farás tua eterna convivência
Lá embaixo dos pés de São Miguel

Tu pareces que vinhas na carreira
Sempre olhando pra frente e para trás
Como quem chega assim veloz de mais
Eu vi bem quatro paus de macaxeira
Uma jaca partida e outra inteira
Também vi dois balaios de algodão
Creio que tu já foste um ladrão
Com o peso fazia andar sereno
Às dez horas da noite, mais ou menos
Encontrei-te com esta arrumação

Meus senhores de dentro do salão
Este enorme convívio de alegria
Exaltar este homem é covardia
Só lhe falta o nome de ladrão
Para o povo tem sido muito exato
Só o que tem é que peru, galinha e pato
No lugar que ele mora não se cria
Muita gente aqui já desconfia
Que ele passa lição a qualquer rato

Quiosque fechado não se vende
Cantador sem rimar é desfeitado
Como tu neste banco te alevantas
Não precisa que o povo me encomende
Quem é cego de nada compreende
Vive numa masmorra anzolado
Por que eu já o tenho projetado
Desta tua incivil sorte mesquinha
Eu te deixo no mato sem caminho
Sob as garras dum gancho pendurado

Cantador capoeira não me aguenta
Inda duro e valente qu’ele seja
Com Bernardo Nogueiras não peleja
Adoece, entisica e se arrebenta
Dou na testa, dou na boca, dou na venta
Desta pisa ele fica amortecido
Endoidece, fica vário do sentido
Eu o boto na roda e no manejo
Ficará satisfeito meu desejo
Pra não seres cantador intrometido

Te arrepende da hora que nasceste
Seu Nogueira como é tão infeliz
Tua vida no mundo contradiz
Contra mim pelejando não venceste
Na prisão de masmorra já sofreste
Tua vida já perde as esperança
Eu armei uma forca e uma balança
Num minuto hás de ser bem degolado
Ficará todo mundo consolado
Preto Limão só assim terá vingança!

Eu já tenho um moinho de quebrar osso
Uma prensa ingleza preparada
Qu’inda ontem imprensei um camarada
Qu’era duro, valente e muito moço
Eu já tenho guardado o teu almoço
Qu’é um bolo de ovos com manteiga
Pra cantor malcriado que lá chega
Eu agarro na gola desse cuba
Piso a carne diluída e faço puba
Se eu não matar levo ele para a pega

Quando eu apareço numa casa
Que me mandam então eu divertir
Quatro, cinco dias vê cair
Relâmpago, trovão, corisco e brasa
Cantador comigo não se atrasa
E quem for valente, já morreu
A tocha de fogo já desceu
Meu martelo é de ferro e aço puro
Cantador comigo está seguro
Nunca houve um martelo como o meu…

Você diz que no martelo é atrevido
E somente porque não considera
Você nas minhas unhas desespera
Fica louco e quase sem sentido
Numa hora ficarás doido varrido
Teu repente não passa de besteira
As peiadas que eu te dou levanta poeira
Todo o povo já lhe tem é compaixão
Eu te deixo embolando pelo chão
Como porco que bebe manipueira

Dou-te sufregada
Dou-te tapa-queixo
Com pouco te deixo
Com a boca lascada
A língua puxada
Três palmo de fora
Casco-te as esporas
P’rós teus suvaco
Faço raco-raco
Danado, tu chora!

Dou-te bofetão
No pé do cangote
Eu vou no pacote
Do Preto Limão
Eu boto no chão
E piso a barriga
Espirra a lombriga
Os pinto comendo
O povo dizendo:
– Aguenta a espiga !


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 27 de maio de 2023

PINTO DE MONTEIRO, UM GÊNIO DA CANTORIA (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O paraibano Severino Lourenço da Silva Pinto, o Pinto do Monteiro (1895-1990)

* * *

A resposta de Pinto de Monteiro numa cantoria com João Furiba:

João Furiba:

Cruzei o velho Saara
montado numa bicicleta.
Matei leão de tabefe,
Crivei serpente de seta.
Fiz das penas d’uma hiena
Um blusão pra minha neta.

Pinto do Monteiro:

João até que é bom poeta
Mas sabe ler bem pouquinho.
Vou fazer-lhe uma pergunta,
responda meu amiguinho :
– Quem diabo foi que te disse
que hiena é passarinho ?

* * *

Alguns improvisos de Pinto de Monteiro:

O meu cavalo é dum jeito
Que nem o diabo aguenta,
Entra no mato fechado,
Toda madeira arrebenta,
Dá tapa em bunda de boi
Que a merda sai pela venta.

* * *

Lá no meio da caatinga,
Sem moradia vizinha
Bem na beira de um riacho
Um pé de palmeira tinha.
Meu avô, nesse lugar,
Começou a trabalhar
E chamar de Carnaubinha.
Parece que estou vendo
Um homem cortando cana;
Uma engenhoca moendo
Os três dias da semana.
Fazer cerca, queimar broca,
Raspar milho e mandioca,
Da massa, fazer farinha;
Comer com mel de engenho,
Ai, que saudades que eu tenho
Da minha Carnaubinha.

* * *

Ovo de pato e marreca
Quebrar na beira do poço,
Abrir milho, na boneca,
Pra ver se tinha caroço;
Ir pra beira da estrada
Jogar pedra e dar pancada
Em cabra, bode e suíno;
Em cachorro, pontapé,
Que isso tudo foi e é
Brincadeira de menino.

* * *

Mas essa estória de dente,
Para mim, nada adianta;
Eu não preciso de dente;
Eu quero é peito e garganta:
Pois sabiá não tem dente,
É quem mais bonito canta!

* * *

Eu sou Severino Pinto
Da Paraíba do Norte
Sou feio, porém sou bom
Sou magro, mas muito forte
Depois d’eu tomar destino
Temo a Deus não temo à morte.

* * *

Há vários dias que ando,
Com o satanás na corcunda:
Pois, hoje, almocei na casa
Duma negra tão imunda,
Que a prensa de espremer queijo
Era as bochechas da bunda!

* * *

Eu admiro o tatu
Com desenho no espinhaço
Que a natureza fez
Sem ter régua nem compasso
E eu com compasso e régua
Tenho planejado e não faço.

* * *

Esta palavra saudade
conheço desde criança
saudade de amor ausente
não é saudade, é lembrança
saudade só é saudade
quando morre a esperança.

* * *

Gostei muito de mulher
No meu tempo de rapaz
Mas depois que fiquei velho
A trouxa envergou pra trás
Sentou-se em cima dos ovos
Que a ponta encostou no ás.

* * *

Admiro o vagalume
Enxergando de mato a dentro
Com sua lanterna acesa
Sem se importar com o vento
Apaga de vez em quando
Poupando seus elementos.

(“elemento” no linguajar nordestino é pilha)

* * *

No tempo da mocidade
Eu também já fui vaqueiro.
Não tinha jurema grossa,
Mororó nem marmeleiro.
Fui cabra de vista boa,
Negro de corpo maneiro.

* * *

SEVERINO PINTO E LOURIVAL BATISTA

Uma cantoria improvisada de Meia-Quadra nos anos 70

Constante da coleção Música Popular do Nordeste, organizada por Marcus Pereira

 


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 20 de maio de 2023

CEGO ADERALDO, UM GÊNIO DA POESIA POPULAR NORDESTINA (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Aderaldo Ferreira de Araújo, o “Cego Aderaldo”, Crato-CE (1878-1967)

 

* * *

A prisão deve ter sido
Invenção de Lúcifer
Eu só aceito a prisão
Nos braços duma mulher
Aguentando o que ela faz
E fazendo o que ela quer.

Jesus a mim quis fazê
Neste caso que se deu:
Eu perdê a minha vista
Meus olhos escureceu
Mas estou cantando as virtudes
Que a natureza me deu

Deus a mim deu a bola
Para levar a cantoria
Tirou a luz dos meus olhos
Eu não vejo a luz do dia
Porém eu levo a palavra
Transcrita em poesia

Oh! Santo de Canindé!
Que Deus te deu cinco chagas,
Fazei com que este povo
Para mim faça as pagas;
Uma sucedendo as outras
Como o mar soltando vagas!

Só nos falta ver agora
Dar carrapato em farinha,
Cobra com bicho-de-pé,
Foice metida em bainha,
Caçote criar bigode,
Tarrafa feita sem linha.

Muito breve há de se ver
Pisar-se vento em pilão,
Botar freio em caranguejo,
Fazer de gelo carvão,
Carregar água em balaio,
Burro subir em balão.

Ah! Se o passado voltasse,
Todo cheio de ternura.
Eu ainda tinha vista,
Saía da vida escura…
Como o passado não volta
Aumenta minha tristeza:
Só conheço o abandono
Necessidade e pobreza.

A lagarta tem forma de serpente
Quando vai viajando numa estrada,
Mas, depois de metamorfoseada,
Ela toma uma vida diferente:
Cria asas de cor bem transparente,
Verdadeiro vislumbre de beleza.
Nem ciência, nem arte, nem riqueza
Poderia pintar beleza igual.
Isto é lei do Juiz Universal
E é impulso da mão da natureza.

Quis casar-me, que loucura !
Quando pensei em casar,
Deixei e fui meditar,
Fui pensar na vida escura,
Nesse cálice de amargura,
Que recordo dia a dia,
Mas ouvindo a melodia
Fui sentindo a flor do goivo,
De repente fiquei noivo
Me casei com a poesia.

* * *

 


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 13 de maio de 2023

UM GRANDE MOTE E UM CLÁSSICO DE LEANDRO GOMES DE BARROS (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Davi Calisto Neto glosando o mote

Pra que tanta ganância e correria
Se ninguém veio aqui para ficar?

Se o final é normal pra que correr
E se morrer é ruim mais é comum
Se o caixão vai levar de um em um
Se o dinheiro não pode socorrer…
Eu só quero o bastante para comer
Para viver para vestir e pra calçar
Mesmo sendo pouquim se não faltar
Eu só quero esse tanto todo dia
Pra que tanta ganância e correria
Se ninguém veio aqui para ficar?

Todo homem podendo tem que ter
Moradia, saúde e alimento
Um pouquinho também de investimento
Que um dia ele pode adoecer
Necessita também de algum lazer
Para o corpo cansado descansar
Mas tem gente que pensa em enricar
Não descansa de noite nem de dia
Pra que tanta ganância e correria
Se ninguém veio aqui para ficar?

Pra que tanta ganância por poder
Exibir a fortuna adquirida
Se o que a gente ganhar durante a vida
É preciso deixar quando morrer
Se na cova não tem como caber
E no caixão ninguém tem como levar
Lá no céu não tem banco para guardar
O que o morto juntou quando vivia
Pra que tanta ganância e correria
Se ninguém veio aqui para ficar?

Sei que a vida da gente se encerra
E muita gente se esquece com certeza
E é por isso pensando na riqueza
Que alguns loucos estão fazendo guerra
O pior é que brigam pela terra
Para depois nela mesma se enterrar
Toda essa riqueza vai ficar
E só o corpo é que vai para a terra fria
Pra que tanta ganância e correria
Se ninguém veio aqui para ficar?

Pra que tanta ganância e ambição
Se essa vida é bastante passageira
Tudo finda num monte de poeira
Na mortalha, na cova e no caixão
Ninguém pode pedir prorrogação
Quando o jogo da vida terminar
A não ser uma vela pra queimar
O destino é partir de mãos vazia
Pra que tanta ganância e correria
Se ninguém veio aqui para ficar?

A ganância infeliz desenfreada
Deixa o mundo sem paz e sem sossego
Pois tem gente com mais de um emprego
E muita gente morrendo sem ter nada
Mas a vida da gente é emprestada
E qualquer dia o seu dono vem buscar
Qualquer vida que a morte carregar
Ninguém pode tirar segunda via
Pra que tanta ganância e correria
Se ninguém veio aqui para ficar?

* * *

UMA VIAGEM AO CÉU – Leandro Gomes de Barros

Uma vez eu era pobre
vivia sempre atrasado
botei um negócio bom
porém vendi-o fiado
um dia até emprestei
o livro do apurado.

Dei a balança de esmola
e fiz lenha do balcão
desmanchei as prateleiras
fiz delas um marquezão
porém roubaram-me a cama
fiquei dormindo no chão.

Estava pensando na vida
como havia de passar
não tinha mais um vintém
nem jeito pra trabalhar
o marinheiro da venda
não queria mais fiar.

Pus a mão sobre a cabeça
fiquei pensando na vida
quando do lado do céu
chegou uma alma perdida
perguntou era o senhor
que aí vendia bebida?

Eu disse que era eu mesmo
e a venda estava quebrada
mas se queria um pouquinho
ainda tinha guardada
obra de uns 2 garrafões
de aguardente imaculada.

Me disse a alma: eu aceito
e lhe agradeço eternamente
porque moro no céu, mas lá
inda não entra aguardente
São Pedro inda plantou cana
porém perdeu a semente.

Bebeu obra de 3 contas
ficou muito satisfeita
disse: aguardente correta
imaculada direita
isso é o que chamo bebida
essa aqui ninguém enjeita.

Perguntei-lhe alma quem és?
disse ela: tua amiga
vim te dizer que te mude
aqui não dá nem intriga
quer ir para o céu comigo?
lá é que se bota barriga.

 

E lá subi com a alma
num automóvel de vento
então a alma me mostrava
todo aquele movimento
as maravilhas mais lindas
que existe no firmamento.

Passamos no purgatório
tinha um pedreiro caiando
mais adiante era o inferno
tinha um diabo cantando
e a alma de um ateu
presa num tronco apanhando.

Afinal cheguei no céu
a alma bateu na porta
com pouco chegou São Pedro
que estava pela horta
perguntou-lhe: esta pessoa
ainda é viva ou é morta?

Então alma respondeu:
é viva, estava no mundo
não tinha de que viver
está feito um vagabundo
lá quem não for bem sabido
passa fome vive imundo.

São Pedro aí perguntou:
o mundo lá como vai?
eu aí disse: meu Santo
lá, filho rouba do pai
está se vendo que o mundo
por cima do povo cai.

Eu ainda levava um pouco
da gostosa imaculada
dei a ele e ele disse:
aguardente raciada!
e aí me disse: entre
aqui não lhe falta nada.

Arrastou uma cadeira
e mandou eu me sentar
chamou um criado dele
disse: cuide em se arrumar
vá lá dentro e diga a ama
que bote um grande jantar.

Quando acabei de jantar
o Santo me convidou
disse: vamos lá a horta
fui, ele me mostrou
coisas que me admirava
e tudo me embelezou.

Vi na horta de São Pedro
arvoredos bem criados
tinha pés de plantações
que estavam carregados
pés de libras esterlinas
que já estavam deitados.

Vi cerca de queijo e prata
e lagoa de coalhada
atoleiro de manteiga
mata de carne guisada
riacho de vinho do porto
só não tinha imaculada.

Prata de quinhentos réis
eles lá chamam caipora
botavam trabalhadores
para jogar tudo fora,
esses niqueis de cruzados
lá nascem de hora em hora.

Então São Pedro me disse:
quero fazer-lhe presente
quando você for embora
vou lhe dar uma semente
você mesma vai escolher
aquela mais excelente.

Deu-me dez pés de dinheiro
alguns querendo botar,
filhos de queijo do reino
já querendo safrejar,
uns caroços de brilhante
pra eu na terra plantar.

Galhos de libras esterlinas
deu-me cento e vinte pés
deu-me um saco de semente
de cédulas de cem mil réis
deu-me maniva de prata
e diamante umas dez.

Aí chamou Santa Bárbara
esta veio com atenção
São Pedro aí disse a ela:
eu quero uma arrumação
este moço quer voltar
arranje-lhe uma condução.

-Bote cangalha num raio
e a sela num trovão
veja se arranja um corisco
para ele levar na mão
porque daqui para a terra
existe muito ladrão.

Eu desci do céu alegre
comigo não foi ninguém
passei pelo purgatório
ouvi um barulho além
era a velha minha sogra
que dizia: eu vou também.

Eu lhe disse: minha sogra
eu não posso a conduzir
ela me disse: eu lhe mostro
porque razão hei de ir
e se não for apago o raio
quero ver você seguir.

Nisso o raio se apagou
desmantelou-se o trovão
o corisco que trazia
escapuliu-se da mão
e tudo quanto eu trazia
caiu desta vez no chão.

Aí a velha voltou
rogando praga e uivando
quando entrou no purgatório
foi se mordendo e babando
dizendo tudo de mim
lançando fogo e falando.

Bem dizia meu avô:
sogra, nem depois de morta
fede a carniça de corpo
a língua da alma corta
não diz assim quem não viu
uma sogra em sua porta.

Eu vinha com isso tudo
que o santo tinha me dado
mas minha sogra apanhou
o diabo descuidado
fiquei pior do que estava
perdi o que tinha achado.

E quando eu cheguei em casa
a mulher quase me come
ainda pegou um cacete
e me chamou tanto nome
e disse que eu casei com ela
para matá-la de fome.

Se não fosse minha sogra
eu hoje estava arrumado,
mas ela no purgatório
achou tudo descuidado
abriu a porta e danou-se
veio deixar-me encaiporado.

Nunca mais voltei ao céu
para falar com São Pedro
e ainda mesmo que possa
não vou porque tenho medo
posso reencontrar minha sogra
e vai de novo outro enredo.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 06 de maio de 2023

OITO MESTRES DO IMPROVISO E O CORDEL DO SABIDO (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

UM GALOPE PARA O UMBUZEIRO – Júnior Guedes

 

Frondoso e bonito, o velho umbuzeiro
Que brotou das fendas abertas da terra.
Cresceu num aceiro do pé de uma serra
Passando agruras o tempo inteiro.
Foi ficando forte a cada janeiro,
Mudando a paisagem que tem no lugar.
Felizes daqueles que vem contemplar,
Seu verde, a sombra e sua doçura
O doce da fruta na forma mais pura
Que o puro da brisa que sobra do mar.

* * *

Manoel Xudu

Voei célere aos campos da certeza
E com os fluidos da paz banhei a mente
Pra falar do Senhor onipotente
Criador da suprema natureza
Fez do céu reino vasto, onde a beleza
Edifica seu magno pedestal
Infinita mansão celestial
Onde Deus empunhou saber profundo
Pra sabermos nas curvas deste mundo
Que Ele impera no trono divinal.

* * *

João Paraibano

A minha mulher pediu
Pra eu deixar de beber,
Mas eu já disse pra ela
Que não vou lhe obedecer,
Se eu fizer os gostos dela,
Eu deixo os meus sem fazer.

* * *

Arnaldo Pessoa

As flores do Pajeú
Eram os improvisadores
Muitos desapareceram
Mas deixaram sucessores
Eu sou o fruto mais novo
Da árvore dos cantadores.

* * *

Miro Pereira

O meu pai não tem estudo
Mamãe é analfabeta
Eu pouco fui à escola
Somente Deus me completa
Com esse sublime dom
De repentista e poeta.

* * *

Zé Fernandes

A seca seca primeiro
Os depósitos cristalinos
Depois seca as esperanças
De milhões de peregrinos
Mas bota enchente de lágrimas
Nos olhos dos nordestinos.

* * *
Adauto Ferreira Lima

Quando o sujeito envelhece
Quase tudo lhe embaraça
Convida a mulher pra cama
Agarra, beija e abraça
Porém só faz duas coisas:
Solta peido e acha graça.

* * *

Pedro Tenório de Lima
(Poeta analfabeto do sertão do Pajeú)

Me criei abraçando a agricultura
Já tô véi, a cabeça tá cinzenta
Pra onde vou é levando a ferramenta
E uma faca de doze na cintura
Minha boca lambendo rapadura
E meu almoço, um punhado de farinha
A merenda é um ovo de galinha
Namorei abraçando as raparigas
Me deitando por cima das formigas
Que uma cama bonita eu não tinha.

* * *

O SABIDO SEM ESTUDO – Manoel Camilo dos Santos

Deus escreve em linhas tortas
Tão certo chega faz gosto
E fez tudo abaixo dele
Nada lhe será oposto
Um do outro desigual
Por isto o mundo é composto

Vejamos que diferença
Nos seres do Criador
A águia um pássaro tão grande
Tão pequeno um beija-flor
A ema tão corredeira
E o urubu tão voador

Vê-se a lua tão formosa
E o sol tão carrancudo
Vê-se um lajedo tão grande
E um seixinho tão miúdo
O muçu tão mole e liso
O jacaré tão cascudo

Vê-se um homem tão calado
Já outro tão divertido
Um mole, fraco e mofino
Outro valente e atrevido
Às vezes um rico tão tolo
E um pobre tão sabido

É o caso que me refiro
De quem pretendo contar
A vida d’um homem pobre
Que mesmo sem estudar
Ganhou o nome de sábio
E por fim veio a enricar

Esse homem nunca achou
Nada que o enrascasse
Problema por mais difícil
Nem cilada que o pegasse
Quenguista que o iludisse
Questão qu’ele não ganhasse

Era um tipo baixo e grosso
Musculoso e carrancudo
Não conhecia uma letra
Porém sabia de tudo
O povo o denominou
O Sabido Sem Estudo…

Um dia chegou-lhe um moço
Já em tempo de chorar
Dizendo que tinha dado
Cem contos para guardar
Num hotel e o hoteleiro
Não quis mais o entregar

 

O Sabido Sem Estudo
Disse: – isto é novidade?
Se quer me gratificar
Vamos lá hoje de tarde
Se ele entregar disse o moço:
– Dou ao senhor a metade

O Sabido Sem Estudo
Disse: – você vá na frente
Que depois eu vou atrás
Quando eu chegar se apresente
Faça que não me conhece
Aí peça novamente

O Sabido Sem Estudo
Logo assim que lá chegou
Falou com o hoteleiro
Este alegre o abraçou
O rapaz nesse momento
Também se apresentou

O Sabido Sem Estudo
Disse: – Eu quero me hospedar
Me diga se a casa é séria
Pois eu preciso guardar
Quinhentos contos de réis
Pra depois vir procurar

Respondeu o hoteleiro:
– Pois não, a casa é capaz
Agora mesmo eu já ia
Entregar a este rapaz
Cem contos que guardei dele
Há pouco dias atrás

Nisto o dono do hotel
Entrou e saiu ligeiro
Com um pacote, disse ao moço:
– Pronto amigo, seu dinheiro
Confira que está certo
Pois sou homem verdadeiro

Aí o Sabido disse:
– Ladrão se pega é assim
Você enganou o tolo
Mas foi lesado por mim
Vou metê-lo na polícia
Ladrão, safado, ruim

O hoteleiro caiu
Nos pés dele lhe rogando:
– Ó meu senhor não descubra
Disse ele: – só me dando
A metade do dinheiro
Que você ia roubando

O hoteleiro prevendo
A derrota em que caía
Além de ir pra cadeia
Perder toda freguesia
Teve que gratificar-lhe
Se não ele descobria

Foi ver os cinquenta contos
No mesmo instante lhe deu
Outros cinquenta do moço
Ele também recebeu
E disse: – nestas questões
Quem ganha sempre sou eu

E assim correu a fama
Do Sabido Sem Estudo
Quando ele possuía
Um cabedal bem graúdo
O rei logo indignou-se
Quando lhe contaram tudo

Disse o rei: – e esse homem
Sem nada ter estudado
Vive de vencer questão?
Isso é pra advogado
Vou botá-lo num enrasque
Depois o mato enforcado

O rei mandou o chamar
E disse: – eu quero saber
Se o senhor é sabido
Como ouço alguém dizer
Vou decidir sua sorte
Ou enricar ou morrer

Você agora vai ser
O médico do hospital
E dentro de quatro dias
Tem que curar afinal
Os doentes que lá estão
De qualquer que seja o mal

Se você nos quatro dias
Deixar-me tudo curado
De forma que fique mesmo
O prédio desocupado
Ganhará cinco mil contos
Se não será degolado

Está certo disse ele
E saiu dizendo assim:
– O rei com essa asneira
Pensa que vai dar-me fim
Pois eu vou mostrar a ele
Se isto é nada pra mim

E chegando no hospital
Disse à turma de enfermeiros:
– Vocês podem ir embora
Eu sou médico verdadeiro
De amanhã em diante aqui
Vocês não ganham dinheiro

Porque amanhã eu chego
Bem cedo aqui neste canto
Mato um destes doentes
E cozinho um tanto ou quanto
Com o caldo faço remédio
E curar os outros eu garanto

Foram embora os enfermeiros
E ele saiu calado
Os doentes cada um
Ficou dizendo cismado
– Qual será o que ele mata?
Será eu? Isto é danado!…

Outro dizia consigo:
– Será eu o caipora?
Mais tarde um disse: – E eu
Estou sentindo melhora
Outro levantou e disse:
– Estou melhor, vou embora

Um amarelo que estava
Batendo o papo e inchado
Levantou-se e disse: – Eu
Estou até melhorado
Pois já estou me achando
Mais forte, gordo e corado

Já estou sentindo calor
De vez em quando um suor
Um doente disse: – Tu
Estás é muito pior
Disse o amarelo: – Não
Vou embora, estou melhor

E assim foram saindo
Cada qual para o seu lado
Quando chegava na porta
Dizia: – Vôte danado!
O diabo é quem fica aqui
Pra amanhã ser cozinhado

Um moço disse que ouviu
Um mudo e surdo dizer
Que um cego tinha visto
Um aleijado correr
Sozinho de madrugada
Já com medo de morrer

De fato um aleijado
Que tinha as pernas pegadas
Foi dormir, quando acordou
Não achou os camaradas
A casa estava deserta
E as camas desocupadas

Com medo pulou da cama
E as pernas desencolheu
Rasgou a “pêia” no meio
E assombrado correu
Dizendo: – Fiquei dormindo
E nem acordaram eu!…

No outro dia bem cedo
O Sabido Sem estudo
Chegando no hospital
Achou-o deserto de tudo
Sorriu e disse consigo:
– Passei no rei um canudo

O Sabido Sem Estudo
Chegou no prazo marcado
Na corte e disse ao rei:
– Pronto já fiz seu mandado
Os doentes do hospital
Já saiu tudo curado

O rei foi pessoalmente
Percorrer o hospital
Não achando um só doente
Disse consigo afinal:
– Aquele ou é satanás
Ou um ente divinal

Deu-lhe o dinheiro e lhe disse:
– Retire-se do meu reinado
O Sabido Sem Estudo
Lhe disse: – Muito obrigado
Pra ganhar dinheiro assim
Tem às ordens um seu criado.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 29 de abril de 2023

19 DE NOVEMBRO – DIA DO CORDELISTA (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Leandro Gomes de Barros (1865-1918)

 

No dia de hoje, 19 de Novembro, é comemorado o Dia do Cordelista.

Uma homenagem ao grande poeta Leandro Gomes de Barros, nascido no dia de hoje, em Pombal-PB, no ano de 1865.

É o maior nome da poesia popular e do cordel nordestino.

* * *

A ALMA DE UMA SOGRA – Um cordel de Leandro Gomes de Barros

Em dias do mez passado
Vi n´uma reunião,
Um trocador de cavallos,
Um velho tabellião,
Um criado de um vigário
E a avó de um sachristão.

Veio uma dessas ciganas
Que lê a mão da pessoa,
Leu a mão de um velho e disse:
Vossa mercê anda atôa,
De cinco sogras que teve
Não obteve uma boa.

É muito exacto cigana
Disse o velho a suspirar,
A melhor de todas cinco,
Essa obrigou-me a chorar,
Depois de morta tres mezes,
Quase me faz expirar.

Disse o velho, minha vida,
Dá muito bem uma scena,
Dá um romance e um drama,
E a obra não é pequena,
O velho tabelião
Quase que chora com pena.

O velho ali descreveu
Todas scenas que deram
Alguns daquelles ali,
Foram escutar não puderam
Foi um serviço de gancho
O que essas sogras fizeram.

Então a primeira sogra,
Foi uma tal Marianna,
Tinha os dentes arqueados
Como a cobra caninana
Elle casou-se na quarta
Brigou no fim da semana.

A segunda era uma typa
Alta, magra e corcovada,
Damnada para passeios,
Enredadeira exaltada
Cavilosa e feiticeira,
Intrigante e depravada.

Por felicidade dele
Chegou-lhe a fortuna um dia,
Deu a munganga na velha
Chegou-lhe a hydrophobia,
Foi morta a tiro no campo
Graças ao povo que havia.

 

A terceira se chamava
Genovéva bota-abaixo,
Espumava pela boca
Que a baba cahia em caixo,
Um dia partiu a elle
Fez-lhe da cabeça um facho.

A quarta era fogo-vivo
Se chamava Anna-Martello
Filha de uma tal medonha,
Bala de bronze, cutello,
Parecia um jacaré
Desses do papo amarello.

Era da côr de jibóia,
O rosto muito cascudo
E tinha no céo da boca
Um dente grande e agudo
Essa engoliu pelas ventas
Um genro com roupa e tudo.

Meu amigo disse o velho,
Eu me casei inocente
Porque antes de me casar
A velha era tão prudente
Eu disse com os meus botões,
Tenho uma sogra excellente.

Depois que casei, um dia
Eu inda estava deitado
Vi a velha dar um pulo
E abecar o creado,
Arrancar-lhe o coração
E disse este, eu como assado.

Veio à porta do meu quarto,
Disse: pedaço de um burro,
Inda não se levantou?
Quer se levantar a murro?
Você, ou cria coragem,
Ou cria cheiro de esturro!…

A derradeira de todas
Não era muito ruim,
Me levantava algum falso,
Fallava muito de mim,
Eu teria me banhado
Se as outras fossem assim.

Sempre tinha alguns defeitos,
Mas também não era tanto,
Uma vez quis obrigar-me
Passar tres dias n´um canto,
Com um defuncto nas costas,
Fazendo oração a um santo.

Mas se ella não fosse assim
A velha fazia gosto
Me fazia algum favor
E depois lançava em rosto
Se brigávamos em Janeiro,
Ficávamos bem em Agosto.

Ella depois de morrer
Fez um papel temerário
Ajuntou-se co´a alma
Da avó de um boticário
E me passaram por sonho
Um dos contos de vigário.

Essa avó do boticário,
Em vida votou-me tédio
Por ter o neto botica
E eu não comprar remédio:
Morreu ella e minha sogra
Quase desgraçam meu prédio.

Disse-me a velha em sonho,
Cave lá no pé do muro,
Lá achará uma jarra
Com moedas de ouro puro,
É teu e de minha filha,
Serão ricos no futuro.

Acordei disse á mulher
Tudo que tinha sonhado
Disse ella, vá atraz
Desse thesouro enterrado
Escavaque o pé do muro
Só se lá tiver peccado.

Então tornei a dormir
Ellas voltaram de novo
Me disseram a jarra lá
Está cheia que só um ovo
Mulher só diz é asneira
Vá escutar este povo!

Vá cavar no pé do muro,
Aonde teve um coqueiro,
Debaixo da raiz dele
Acha uma laje primeiro
E debaixo dessa laje
Tem a jarra de dinheiro.

De manhã me levantei
E fui logo para lá
Cavei, encontrei a laje
Disse contente oh! vem cá
Sabe o que achei? um cortiço
De bezouro mangangá.

Ali os bezouros todos
Frecharam em cima de mim,
Eu nem sei como corri,
Julguei ali ser meu fim,
Ouvi a velha gritar,
Bezouros bons, assim sim!

Passei um anno e dous mezes
Com febre sobre o chão duro,
Tinha febre todo dia
Trancado num quarto escuro
E a alma da damnada
Me esperando no monturo.

A mulher estava dormindo
Por sonho viu ella vir
E lhe disse minha filha
Tu não podes resistir
Eu trago aqui um escravo
Que vem para te servir.

A mulher lhe perguntou
E lá pelo mundo eterno
Existe também escravo?
Filha lá tudo é moderno
Minha mãe onde achou este?
Disse a velha, no inferno.

Minha mulher disse ali,
Jesus, Maria e José,
A velha espantou-se, e disse:
Atrevida! como é?
Que chama por tres pessoas
De quem eu perdi a fé.

Disse a velha se mordendo,
Eu parto senão me acabo,
Diabos carreguem meu genro,
Que nem sogra dá-lhe cabo,
Sahiram então se mordendo
A velha com o diabo.

Essa tal de bota-abaixo
No dia que ella morreu
Eu lhe mostrei uma imagem
Pois a velha inda se ergueu
Arrebatou-me a imagem
Deu um bote e me mordeu.

Depois de morta tres anos
Onde sepultaram ella
Nasceu em cima da cova
Tres touceiras de mazella
Um livro de nova seita
Achou-se no caixão della.

A cobra era nova seita
Eu conheci o mysterio
E eu pude conhecer
Que o acto não era serio,
Tanto que eu disse logo,
Desgraçou-se o cemitério.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 22 de abril de 2023

A OITAVA MARAVILHA (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A OITAVA MARAVILHA

Pedro Malta

Poeta Antonio Francisco, um talentoso potiguar de Mossoró, é também xilógrafo e compositor

 

* * *

A OITAVA MARAVILHA – UM CORDEL DE ANTONIO FRANCISCO

Como na antiga Grécia,
O Nordeste também tinha
Os seus deuses mitológicos –
Deus da chuva, deus da vinha,
Do verão, da primavera,
Mas, o mais famoso era
Cafuné – deus da morrinha.

Filho de uma caipora
Com uma alma de gato.
Ombros largos, braços longos,
Perna curta, do pé chato.
Vivia pela caatinga
Mascando e bebendo pinga
E caçando peba no mato.

Mas, quando um dia, ele soube
Que Hércules tinha apartado
Toda a África da Europa,
Disse meio enciumado:
– “Eu vou mostrar a Teseu,
A Hércules e a prometeu
O gás que eu tenho guardado.”

Botou três quilos de fumo
No bolso do seu calção,
Lavou os pés num barreiro
E disse olhando o verão:
– “Eu vou pra Minas Gerais
Mostrar o que um deus faz
Com uma enxada na mão.”

Andou em Minas Gerais –
Norte, Sul, Leste e Oeste.
Furou aqui e ali
E disse depois do teste:
– “Aqui tem água pra dar,
Para destruir e matar
A sede do meu Nordeste.

Se eu conseguir levar
Daqui para o Maranhão
Um rio de água doce,
Rasgando a cara do chão
Sem deixar nenhuma ilha
Vai ser uma maravilha
Para o povo do sertão.”

Foi na serra da Canastra,
Se abaixou, deu um risco,
Depois fez uma enxada
Da pedra de um corisco,
Tomou uma pra esquentar
E começou a cavar
O leito do São Francisco.

Na primeira enxadada
A terra toda tremeu,
A lua mudou de canto,
O Sol com medo desceu,
O nhambu perdeu um dedo,
O tetéu depois do medo
Nunca mais adormeceu.

 

O pavão perdeu a voz,
O macaco ficou pabo,
O papagaio falou,
O guaxinim ficou brabo,
A preguiça deu o prego,
O morcego ficou cego
E o preá perdeu o rabo.

Voou uma pedra enorme
Na direção da Polônia,
Pegou na Torre de Pizza,
Desviou pra Macedônia,
Rodando como um pneu,
Só o vento suspendeu
O Jardim da Babilônia.

Passou por cima do Ártico,
Deixou a água mais fria,
A noite ficou mais longa
Reduziu a luz do dia,
Da África passou de lado
Deixando o facho empenado
Do Farol de Alexandria.

Bateu no Túmulo de Máusolo,
Rodou e pegou efeito…
Entre o Japão e a China,
Passou tão veloz de um jeito
Que, até hoje, os japoneses
E nunca mais os chineses
Abriram os olhos direito.

Passou por cima de Roma
Deixando o seu povo aflito.
Caiu no norte da África,
Num lugar muito esquisito.
Deram vários riscos nela,
Depois fizeram com ela
As Pirâmides do Egito.

Era a enxada subindo,
Descendo e cortando o chão.
Foi, não foi, subia um pau
Rodando como um pião.
Tinha desses que passava,
Todo planeta e chegava
Num minuto no Japão.

Voou um pé de jurema
Por cima da Argentina,
Passou pelo oriente
Arregaçando a campina.
Como se fosse um tufão
Quase que bota no chão
Toda a Muralha da China.

Pelo colosso de Rodes
Passou por cima tremendo,
Atravessou a Turquia
Soprando o chão e varrendo,
Só o Templo de Diana
Passou mais de uma semana
Se balançando e gemendo.

Passou por Júpiter e Olímpio
Rodando a sua coroa.
Atravessou Hong Kong,
Formando rio e lagoa,
Ilha, baía e canal,
Foi cair em Portugal
A cem léguas de Lisboa.

E ficou ali no mato,
Rodando como um funil.
Quando parou de rodar
Veio alguém muito sutil,
Fez dela uma caravela,
Botou Cabral dentro dela
E mandou para o Brasil.

Logo correu a notícia
Circulando a região
Que tinha um deus nordestino
Com uma enxada na mão
Com fé, amor e carinho,
Cavando um rio sozinho
De Minas pro Maranhão.

Deus da vinha quando soube,
Disse logo: – “É Cafuné.
Tanto cavava com a mão,
Como escavacava com o pé
E é o único deus de bem
Por aqui que ainda tem
No peito um pouca de fé.”

Deus da chuva comentava:
– “Cafuné está maluco!
Cavar um rio sozinho,
Vai morrer velho e caduco.
Se a enxada não quebrar
E a sorte lhe ajudar
Talvez chegue ao Pernambuco.”

Deus da seca gritou alto:
– “Perto dali eu não chego.
Se eu ajudar a cavar,
Vou perder o meu emprego.
E além disso, eu sou sem fé…
Que se vire Cafuné
Pra dar uma de deus grego.”

Era Cafuné na frente
Com a enxada na mão,
Os braços feito um moinho
Rodando e cavando o chão
E a água atrás correndo
Como uma cobra lambendo
O fundo do seu calção.

Com três horas de trabalho
Cafuné parou pra ver
O rasgo que tinha feito
E disse: – “Se eu não morrer
E manter esse rojão,
Vou chegar no Maranhão
Antes do anoitecer.”

E continuou cavando
Até o final do dia.
Parou, limpou a enxada,
Comeu uma melancia,
Foi dormir desanimado,
Pois só tinha atravessado
A metade da Bahia.

Acordou todo quebrado,
Com pouca disposição.
Passou o dia inteirinho
Com a enxada na mão,
Mas, quando olhou para trás,
Não tinha cavado mais
Do que dez léguas de chão.

E continuou cavando
Doze anos sem parar.
Mas, cansado como estava,
Cavava tão devagar
Que às vezes passava um mês,
Quatro, cinco e até seis
Cavando o mesmo lugar.

Caía e se levantava,
Se levantava e caía.
A enxada muito cega,
E ele cego de guia.
Cansado e manco dum pé,
Até que enfim Cafuné
Atravessou a Bahia.

Quarenta anos depois,
Cansado, velho e caduco,
Se arrastando feito cobra,
Cavando como um maluco,
Não chegou ao Maranhão,
Morreu cavando com a mão
O sertão de Pernambuco.

Morreu sem ter conseguido
Fazer a transposição
De trazer o São Francisco
De Minas pro Maranhão,
Mas aqueceu nossa fé…
Obrigado, Cafuné!
Valeu a sua intenção.

Agora, pergunto eu:
Se vamos ficar em pé
Contando estrelas no céu
E deixando a nossa fé
E a vontade esfriar
Ou vamos continuar
A obra de Cafuné?

Vamos salvar o Nordeste,
Irrigar milha por milha,
Afogar no São Francisco
A fome que nos humilha.
Vamos banir essa peste,
Concluindo no Nordeste
A oitava maravilha.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 15 de abril de 2023

UM MOTE BEM GLOSADO E UM FOLHETO DE CORNO (POSTAGEM DE PEDRO MALTA,COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O grande poeta cantador João Pereira da Luz, o João Paraibano (1952-2014)

* * *

João Paraibano glosando o mote

Obrigado meu Deus por ter me feito
Nordestino, poeta e cantador.

Já nasci inspirado no ponteio
Dos bordões da viola nordestina
Vendo as serras banhadas de neblina
Com uma lua imprensada pelo meio
Mãe fazendo oração de mão no seio
E uma rede ferindo um armador
Minha boca pagã cheirando a flor
Deslizando no bico do seu peito
Obrigado meu Deus por ter me feito
Nordestino, poeta e cantador.

Me criei com cuscuz e leite quente
Jerimum de fazenda e melancia
Com seis anos de idade eu já sabia
Quantas rimas se usava num repente
Fui nascido nas mãos da assistente
Na ausência dos olhos do doutor
Mamãe nunca fez sexo sem amor
Papai nunca abriu mão do seu direito
Obrigado meu Deus por ter me feito
Nordestino, poeta e cantador.

Fiz farofa de pão de mucunã
Me inspirei com o velhinho do roçado
O sertão é o palco esverdeado
Que eu ensaio as canções do amanhã
Minha artista da seca é acauã
No inverno o carão é meu cantor
Um imbu espremido é meu licor
Um juá eu não dou por um confeito
Obrigado meu Deus por ter me feito
Nordestino, poeta e cantador.

Minha vida do campo foi liberto
Merendando café com milho assado
Vendo a lua nas brechas do telhado
E o vento empurrando a porta aberta
Um jumento me dando a hora certa
Já o galo era meu despertador
Meu mingau foi pirão de corredor
Eu cresci forte e gordo desse jeito
Obrigado meu Deus por ter me feito
Nordestino, poeta e cantador.

* * *

A.B.C. DOS CORNOS – Luiz Alves da Silva

A cornura está na moda
O corno hoje é moderno
Até o diabo tem chifres
E reina lá no inferno
O que ninguém ignora
Os do diabo é pra fora
E os do homem são interno

Besta é o corno que acha
Que a mulher dele é honesta
Se chega no outro dia
Depois que findou-se a festa
E ele bem sossegado
Não vê que de cada lado
Tem um calombo na testa

Corno só é quem tem sorte
Tem quem não é e deseja
Bota um detetive e diz: –
Siga a mulher, olhe e veja
Depois venha mim chamar
Que vou a ela encontrar
Em qualquer lugar que esteja

Depois que o chifre nasce
Não morre mais nem mocheia
Se o corno inconformado
Matar um vai pra cadeia
De lá demora a sair
Não pode se divertir
E a mulher com a casa cheia

E machos dentro de casa
Igual abelha em cortiço
Um entrando outro saindo
E o maior reboliço
Na cadeia ele contesta
Com tanto chifre na testa
Já parecendo um ouriço

Feliz o corno que sabe
Porque não mata ninguém
A mulher dá pra os outros
E dá pra ele também
Ele diz: – Sou satisfeito
E melhor do que prefeito
Que é hoje, e amanhã não tem

 

Gaia é um negócio bom
Para quem faz profissão
Tem sua casa arrumada
E nunca lhe falta o pão
O negócio está crescendo
E já tem gente querendo
Fazer o corno padrão

Hoje em dia é diferente
Do tempo da minha avó
Se alguém chamava um de corno
Ele o matava sem dó
Hoje não é mais problema
O corno diz: eczema
É ela quem come só

Igual a Papai Noel
Corno gosta de criança
Todo corno é imortal
Morto fica na lembrança
No mármore do cemitério
Quem ler diz: Ele era sério
E o mais corno da vizinhança

Jesus deu ordem a São Pedro
Pra laçar alma com gaia
Quem for laçado segure
Na corda pra que não caia
Que se uma ponta quebrar
E de cima ela despencar
No chão se espatifaia.

Livrai-me meu São Cornélio
Grita o corno já caindo
O santo vem lhe segura
Na outra ponta sorrindo
E diz: – Você quase cai
São pontas do Paraguai
Estão sempre escapulindo

Mas como tu me chamaste
Logo vim te socorrer
Corno que não crê em santo
Com certeza vai sofrer
Sem estar no meu caderno
Morrendo vai pro inferno
Chorar, penar e gemer

Na terra tem muitos cornos
Sem fé sem religião
No Brasil tem mais chifrudos
Do que em outra nação
Se um dia necessitar
Fazer a lista e contar
O Brasil é o campeão

O que está acontecendo
Parece uma epidemia
Eu vejo sempre aumentando
A cornura a cada dia
Ninguém não tem mais vergonha
Tem gente que a noite sonha
Que é corno e sente alegria

Papai sempre me dizia
Gaieira só vai matada
Ou então fica mavú
Com a orelha cortada
Se fosse assim hoje em dia
Eu creio que sobraria
Orelhas pra feijoada

Quem é corno e não reclama
Está feliz hoje em dia
Que a vida não está fácil
E precisa de garantia
Me disse Zé de Lulu
Se tem corno cururu
Tá faltando o corno jia

Respondi: – Meu caro amigo
Logo vai aparecer
Que o que não tem no Brasil
Alguém procura fazer
Se não tem ninguém fazendo
Mas vão terminar trazendo
No Paraguai deve ter

Seguro morreu de velho
É um ditado popular
Se a cornura já dá lucros
O Brasil vai exportar
Corno é o homem que ama
Se ver outro em sua cama
Espera ele terminar

Tá faltando é empresário
Pra investir na cornura
O que ler este ABC
Ou ver na TV Cultura
Creia no que eu escrevi
Pode o dinheiro investir
Que sua renda é segura

Um corno já me contou
Que a mulher ganha bem
E até me sugeriu
Pra eu ser corno também
E eu só fiz responder
Antes prefiro morrer
Sem possuir um vintém

Vários poetas fizeram
Folhetos sobre a cornura
E eu fiz este ABC
Valorizando a cultura
Coloquei no meu diário
Fazer o Dicionário
Dos cornos com estrutura

Xavier para ser corno
Já nasceu predestinado
A primeira mulher dele
O engaiou com um soldado
A segunda com um banqueiro
A terceira com um joalheiro
Chega o pobre anda envergado

Zé das Medalhas também
E a rede Globo mostrou
Através de uma novela
Que há muito tempo passou
Aqui termino o livrinho
Leve um pra seu vizinho
E é corno quem não gostou.

Leitor isso é homenagem
A quem foi corno primeiro
Lhe digo não foi Adão
Vi o seu currículo inteiro
Ele não teve um rival
Segundo este folheteiro


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 08 de abril de 2023

GRANDES MESTRES DO IMPROVISO E UM CORDEL EM HOMENAGEM A CARUARU (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Lourival Batista Patriota, também conhecido por Louro do Pajeú (1915-1992)

* * *

Lourival Batista Patriota

Que beleza, se vê de manhãzinha,
Quando o sol vem surgindo no horizonte,
Espalhando seus raios sobre o monte,
E o sino a tocar na igrejinha!
Borboleta, canário e andorinha
Festejando o nascer duma alvorada!…
Quem não gosta de ouvir a passarada,
Desconhece o sertão dos cantadores,
Onde a brisa cochila com as flores,
Anunciando o começo da invernada!

* * *

Oliveira de Panelas

No silente teclado universal
Deus pôs som nas sutis constelações,
e na batida dos nossos corações
colocou a pancada musical,
quando a harpa da brisa matinal
vai fazendo concerto pra aurora,
nessas lindas paisagens que Deus mora
em tecidos de nuvens está escrito:
é a música o poema mais bonito
que se fez do princípio até agora.

Quando as pétalas viçosas das roseiras
dançam juntas com o sol se levantando,
vem a brisa suave carregando
pólen vivo das grávidas cerejeiras,
verdejantes, frondosas laranjeiras,
soltam hálito cheiroso à atmosfera,
toda mãe natureza se aglomera:
de perfume, verdume, que beleza!…
É o canto da própria natureza,
festejando o nascer da primavera!

* * *

Dimas Batista

Alguém já me perguntou:
o que são mesmo os poetas?
Eu respondi: são crianças
dessas rebeldes, inquietas,
que juntam as dores do mundo
às suas dores secretas.

Nossa vida é como um rio
no declive da descida,
as águas são a saudade
duma esperança perdida,
e a vaidade é a espuma
que fica à margem da vida.

* * *

Diniz Vitorino Ferreira

Qualquer dia do ano se eu puder
para o céu eu farei uma jornada
como a lua já está desvirginada
até posso tomá-la por mulher;
e se acaso São Jorge não quiser
eu tomo-lhe o cavalo que ele tem
e se a lua quiser me amar também
dou-lhe um beijo nas tranças do cabelo
deixo o santo com dor de cotovelo
sem cavalo, sem lua e sem ninguém.

* * *

Canhotinho

Acho tarde demais para voltar
estou cansado demais para seguir,
os meus lábios se ocultam de sorrir,
sinto lágrimas, não posso mais chorar;
eu não posso partir e nem ficar
e assim nem pra frente nem pra trás,
pra ficar sacrifico a própria paz,
pra seguir a viagem é perigosa,
a vereda da vida é tão penosa
que me assombro com as curvas que ela faz.

Te prepara, ladrão da consciência,
Que tuas dívidas de monstro já estão prontas,
Quando o Justo cobrar as tuas contas,
Quantas vezes pagarás à inocência?
Teu período banal de existência
Se compõe de miséria, dor e pragas;
Em teu corpo, se abrem vivas chagas,
Que tu’alma de monstro não suporta…
Se o remorso bater à tua porta,
Como pagas? Com que? E quanto pagas?

* * *

Antonio Marinho

Quem quiser plantar saudade
Escalde bem a semente
Plante num lugar bem seco
Quando o sol tiver bem quente
Pois se plantar no molhado
Ela cresce a mata a gente.

* * *

Toinho da Mulatinha

Em Sodoma tão falada
Passei uma hora só
Lá vi a mulher de Ló
Numa pedra transformada
Dei uma talagada
Com caldo de mocotó
E saí batendo o pó
Adiante vi Simeão
Tomando café com pão
Na barraca de Jacó.

* * *

Pinto do Monteiro

Admiro um formigão
Que é danado de feio
Andando ao redor da praça
Como quem dá um passeio
Grosso atrás, grosso na frente
E quase torado no meio.

* * *

Odilon Nunes de Sá

Admiro a mocidade
Não querer envelhecer
Velho ninguém quer ficar
Moço ninguém quer morrer
Quem morre moço não vive
Bom é ser velho e viver.

* * *

Léo Medeiros

Ensinei Ronaldinho a jogar bola
Fui o mestre de Zico e Maradona
Seu Luiz aprendeu tocar sanfona
Bem depois que saiu da minha escola
Caboré no pescoço eu botei mola
Também fiz beija-flor voar pra trás
Conquistei cinco copas mundiais
Defendendo a nossa seleção
Inventei em Paris o avião
O que é que me falta fazer mais?

* * *

CARUARU A PRINCESA DO AGRESTE, A CAPITAL DO FORRÓ – Ivaldo Batista

 

 

Chegando a Caruaru
De longe logo adiante
Uma paisagem tão linda
Vejo ainda distante
Olha lá aquele morro
Do meu Bom Jesus do Monte.

Uma visão deslumbrante
Que eu gosto de apreciar
E depressa vou correndo
Desejo ali chegar
A paisagem é riqueza
Que adoro desfrutar.

No alto quando eu chegar
Vou fazer minha oração
Dentro daquela igrejinha
Onde reina a tradição
Lá de cima eu avisto
Como se fosse Azulão.

Que doce recordação
Do seu tempo de criança
Ao lembrar a terra boa
Uma gostosa lembrança
Caruaru do passado
De cantar nunca se cansa.

Aqui faço uma aliança
Com você vou celebrar
As coisas que se referem
As terras de caroá
Que hoje é Caruaru
No cordel vou relatar.

 

Pra você localizar
É bom prestar atenção
Estado de Pernambuco
Tem o maior São João
No vale do Ipojuca
Que banha esse torrão.

A maior população
Que temos no interior
No agreste e no sertão
Em número de eleitor
Terra das confecções
Torrão de grande valor.

Deu vice-governador
Ao Estado pernambucano
Foi eleito o João Lira
Para ficar oito anos
Representando assim
O povo interiorano.

Colégio Diocesano
Zé Queiroz vai lá votar
E o caruaruense
A gestão foi aprovar
E também nessa eleição
O Zé vai continuar.

Enquanto ele governar
O povo está apoiando
E eu vou continuar
No meu cordel registrando
Tudo em Caruaru
Aqui eu vou declinando.

Com isto tô afirmando
Que o polo regional
Cidade Caruaru
Tem peso eleitoral
No cenário do estado
E a nível nacional.

Por isso é especial
Tanto que já recebeu
Visita da presidente
Dilma aqui compareceu
Em Junho 2011
Ela aqui apareceu.

Zé Queiroz agradeceu
Ao lado de Eduardo
Foi lá no Alto do Moura
Com governo do Estado
Registro o momento ímpar
Pra ficar documentado.

O momento foi citado
Agora eu vou cuidar
Tantas coisas na cidade
Eu preciso revelar
As belezas e os encantos
Eu tenho que declinar.

Por onde vou começar
Agora eu decidi
Vou falar de seu inicio
Tudo começou ali
Numa fazenda de gado
Inicio de tudo aqui.

Há muito pra discutir
Pra entender a expressão
Alguns dizem que o termo
Vem de uma plantação
O nome Caruaru
Gera especulação.

Sobre sua fundação
Eu quero aqui lembrar
Foi em 18 de maio
É preciso recordar
Cento e cinquenta e nove
Anos pra comemorar.

Por favor, pode anotar
O ano da aprovação
Foi século dezenove
Aceito sem discussão
No ano 57 (1857)
Houve sua criação.

Assim foi a fundação
Com a lei provincial
Foi a primeira cidade
Do Agreste regional
Tudo que já foi criado
Tem seu valor cultural.

No cenário estadual
E em toda conjuntura
Caruaru é progresso
IDH se costura
Com trabalho e empenho
Tecemos muita fartura.

Esta cidade fatura
Com tudo que se produz
Olhando pro seu início
Tem Rodrigues de Jesus
Dono daquela fazenda
Que foi a primeira luz.

Essa fazenda reluz
Ao ganhar uma capela
A fazenda Caruru
Inté que ficou mais bela
Ali foi só o inicio
Dessa cidade aquarela.

Gosto de lembrar-me dela
Pois tudo ali começou
A senhora Conceição
Esse chão abençoou
Com essa povoação
Caruaru se formou.

A cidade transformou
O agreste regional
É princesa do Agreste
Metrópole principal
É celeiro de artistas
Patrimônio cultural.

Do forró é capital
Não importa o desafio
O teu nome faz sendo
Ou é fonte ou um rio
Ou é água ou é planta
Nada ofusca o teu brio.

Só me dá um arrepio
Nessa cabeça maluca
Quando vejo tratamento
Dado ao rio Ipojuca
Isso me dá um desgosto
Que no meu peito machuca.

É coisa meio caduca
Esse jeito de pensar
Pois a água desse rio
Devíamos preservar
E tratar todo esgoto
Para depois despejar.

Só isso pra reclamar
O resto é louvação
Adoro te visitar
Levando até excursão
Aprendo com teus artistas
Teus mestres dão uma lição.

Um celeiro de artesão
O maior é Vitalino
Irmão Manoel Eudócio
E também seu Severino
Nicinha e Marliete
Viva o mestre Galdino.

Caruaru teu destino
É essa gente abrigar
Eles são memória viva
Que vão te representar
É capital da cultura
Pra gente comemorar.

Sei que não dá pra contar
Nem fazer uma entrevista
Afinal tu tens um mói
De cantor e cordelista
De escultor e artesão
Em todo canto um artista.

É infinita a lista
A folha está repleta
Entre teus compositores
Escultores e poetas
Caruaru sempre à frente
Qual o melhor dos atletas.

Essa cidade é completa
Por isso eu boto fé
Austragésilo de Athayde
Ludugero coroné
Também tem Álvaro Lins
Elísio, João e Zé Condé.

Da cultura é um pé
Que produz a vida inteira
Eu percebi passeando
No meio de tua feira
Tua arte e tua gente
Falam pra nação inteira.

Que terra hospitaleira
Pra o turista chegar
Na BR dois três dois
Quem quiser pode usar
São 130 km
Do Recife para lá.

É fácil pra encontrar
A cidade monumento
A BR 104
Tem lá o seu cruzamento
E há outras opções
Você verá no momento.

A cidade em movimento
Pode se aproximar
Tem os argos em couro
Roupa pra gente comprar
Na feira acha de tudo
Que se pode imaginar.

Se você for viajar
Para curtir o São João
Aproveite a viagem
Em nome da Conceição
Visite a Catedral
Espelho da tradição.

Sobre sua construção
O frei assim ordenou
Foi o frei Eusébio Sales
Ele foi quem comandou
A construção da matriz
Onde tudo começou.

E se você já chegou
Pra degustar um bom prato
Visitou o Alto do Moura
Centro de artesanato
Ali o artesão faz
E vende tudo no ato.

Com todo esse aparato
Caruaru te espera
No ranking do Guines book
A cidade é quem lidera
E entre todas as festas
É lá que São João impera.

Lugar de gente sincera
Que quer você conquistar
Lá no museu do forró
Espera te acompanhar
No espaço Zé Caboclo
O Museu do barro está.

Creio você vai gostar
Tem o museu Gonzagão
Tem casa de caroá
Onde foi iniciação
É que o Museu da fábrica
Trás boa recordação.

Pavilhão de exposição
No espaço cultural
Chamado Tancredo Neves
Esse nome atual
Foi Fábrica Caroá
No período inicial.

Lá é polo principal
Das noites de São João
Tá decretada alegria
É pura animação
É gente dançando xote
Forró e muito baião.

Ali há muita opção
Para você escolher
Tem arte figurativa
Bonita pra você ver
Espaço Elba Ramalho
Tá lá pra receber.

Também você vai rever
Entregue pelo prefeito
Zé Queiroz recuperou
Agora isto é direito
Memorial Caruaru
O povo bate no peito.

E tudo fica bem feito
Cidade organizada
Israel Filho ilustre
É semente lá plantada
E o Petrúcio Amorim
Faz versos pra sua amada.

Já vai ser dada a largada
Praça internacional
Temos a fórmula Truck
Essa festa é anual
Autódromo Ayrton Senna
No Estado é o principal.

Tem Copa de Futsal
Copa TV Asa Branca
Realizada no Sesc
Lá na Feira da Sulanca
Junto com os seus parceiros
Essa TV é quem banca.

Caruaru alavanca
Faz grande celebração
Todo 15 de Setembro
O povo faz procissão
Nossa Senhora das Dores
Padroeira desse chão.

Trabalho e devoção
Nessa terra altaneira
Apresentar-se ao mundo
De forma bem brasileira
Exaltando o civismo
Da população inteira

Caruaru tem bandeira
Feita pelo professor
Senhor Amaro Maas
Que foi o seu criador
O pavilhão dessa terra
Que foi feito com amor

Tem o fundo tricolor
Verde branco e vermelho
Que tal lembrarmos Narcizo
Em frente ao seu espelho
Quando vejo teu escudo
Eu me ponho de joelho

Na cartola há um coelho
Mas não vou apresentar
O escudo na bandeira
Tem muito para mostrar
E sua simbologia
Muito pra representar

E para homenagear
Conhecido fundador
Zé Rodrigues de Jesus
Um tributo em seu louvor
Tem os ramos de aveloz
Tributo ao seu criador

Ao mostrar o destemor
Fica patente a coragem
De um povo lutador
Por isso é justa homenagem
Caruaru tem história
Bastante em sua bagagem

Fazendo a reportagem
Sempre em primeira mão
Está o jornal Vanguarda
Matéria e edição
É ele que nos informa
E nisso tem tradição

Também na informação
Tem rádio de qualidade
Todo o povo sintoniza
Ouve Rádio Liberdade
Há muito tempo no ar
Com sua diversidade

Mas também tem na cidade
A nossa Rádio Jornal
Noventa e oito FM
A Globo é sem igual
Mas nossa Rádio Cultura
Tem importância vital

Área territorial
Merece nossa atenção
Novecentos e vinte e um
Km de extensão
Todo dia percebemos
Cidade em expansão

Até a vegetação
Parece já alterada
Em vez de Mandacaru
Na cidade foi plantada
São tantos arranha-céus
Que marcam nossa morada

A paisagem transformada
Nem parece interior
Mercado imobiliário
Atribui grande valor
Não importa quanto cresças
Caruaru meu amor

De dia muito calor
A noite vem o teu frio
Inverno é passageiro
A seca dá arrepio
Mas o teu céu é tão lindo
O mais lindo do Brasil

O azul é mais anil
Não paro de contemplar
Em junho aquela garoa
Que é para abençoar
Nem a fogueira em chama
Consegue ela apagar

Quem dera saber dançar
Mas isso importa não
Mas vale poder olhar
As noites de São João
Pra ver mais de trinta dias
Bastante é ter a visão

Também minha audição
Que me permite escutar
Os fogos de artifícios
Que riscam os céus sem parar
Caruaru faz a festa
Pra o mundo participar

Mas quando o dia raiar
E a gente for trabalhar
Um borda outro traveta
E outro vai costurar
E quando a peça tá pronta
Vamos mandar pra lavar

E assim que ela voltar
A feira já esperando
Gente de muitas cidades
Hoje está visitando
Escolhe pouco ou muito
Mas sempre acaba comprando

A feira tá acabando
Por hoje finda aqui
Sempre na segunda feira
Vai sempre se repetir
Por que vai e sempre volta
Pra você adquirir

É fácil você seguir
É porta está aberta
É espaço garantido
De arte está repleta
Essa feira tem de tudo
Por isso é mais completa

Quando a saudade aperta
Uso a imaginação
As vezes estou tão longe
Mas perto no coração
Lembro meu Caruaru
Que doce recordação

Ao pensar no meu torrão
No forró que a gente dança
Pense numa alegria
Que me enche de esperança
Pode crer quando eu voltar
Vai ser dia de festança

A noite a gente balança
De dia vou assistir
Partida no Lacerdão
O maior jogo daqui
Central ganhando do Porto
Pra patativa curtir

Ao terminar vou sair
Talvez até visitar
Amigos no Vassoural
Tem gente boa por lá
Mas no Maurício Nassau
Eu escolhi pra morar

Agora vou terminar
Faço um convite a você
Antes de outra cidade
Você tem que conhecer
A capital do forró
É tão linda de se ver

Eu quero te convencer
Um dia nos visitar
Tem muita gente que veio
Decidiu se instalar
Não conseguiram ir embora
Resolveram então morar

É fácil se apaixonar
Por essa linda princesa
Alguns chegando por lá
Constroem muita riqueza
E outros são seduzidos
Por sua extrema beleza

Capricho da Natureza
Que a Borborema esculpiu
E o forte sertanejo
Desenhou e construiu
Caruaru é essência
Do nosso imenso Brasil.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 01 de abril de 2023

DOIS POEMAS NATALINOS (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

DOIS POEMAS NATALINOS

Pedro Malta

 

 

 

NATAL – Bráulio Bessa

Que você, nesse Natal,
entenda o real sentido
da data em que veio ao mundo
um homem bom, destemido
e que o dono da festa
não possa ser esquecido.

Vindo lá do Polo Norte
num trenó cheio de luz
Papai Noel é lembrado
muito mais do que Jesus.
Ô balança incoerente
onde um saco de presente
pesa mais que uma cruz.

Sei que dar presente é bom
mas bom mesmo é ser presente
ser amigo, ser parceiro
ser o abraço mais quente
permitir que nossos olhos
não enxerguem só a gente.

Que você, nesse momento,
faça uma reflexão
independente de crença,
de fé, de religião
pratique o bem sem parar
pois não adianta orar
se não existe ação.

Alimente um faminto
que vive no meio da rua,
agasalhe um indigente
coberto só pela lua,
sua parte é ajudar
e o mundo pode mudar
cada um fazendo a sua.

Abrace um desconhecido,
perdoe quem lhe feriu,
se esforce pra reerguer
um amigo que caiu
e tente dar esperança
pra alguém que desistiu.

Convença quem está triste
que vale a pena sorrir,
aconselhe quem parou
que ainda dá pra seguir,
e pr’aquele que errou
dá tempo de corrigir.

Faça o bem por qualquer um
sem perguntar o porquê,
parece fora de moda
soa meio que clichê,
mas quando se ajuda alguém
o ajudado é você.

Que você possa ser bom
começando de janeiro
e que esse sentimento
seja firme e verdadeiro.
Que você viva o Natal
todo ano, o ano inteiro.

* * *

Uma declamação de Euriano Sales:

 

 

 

 


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 25 de março de 2023

MANOEL XUDU, UM GÊNIO DA POESIA NORDESTINA DE IMPROVISO (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O grande poeta paraibano Manoel Lourenço da Silva, o Manoel Xudu (1932-1985)

* * *

Dia 13 de março terça-feira
Ano mil novecentos trinta e dois
Pouco tempo depois que o sol se pôs
Mamãe dava gemidos na esteira
Numa casa de barro e de madeira
Muito humilde coberta de capim
Eu nasci pra viver sofrendo assim
Minha dor vem dos tempos de menino
Vivo triste por causa do destino
E a saudade correndo atrás de mim.

* * *

O mar se orgulha por ser vigoroso,
Forte, gigantesco que nada lhe imita
Se ergue, se abaixa, se move, se agita,
Parece um dragão feroz e raivoso.
É verde, azulado, sereno, espumoso;
Se espalha na terra, quer subir pro ar,
Se sacode todo, querendo voar,
Retumba, ribomba, peneira, balança,
Nem sangra, nem seca, nem para, nem cansa,
São esses fenômenos da beira do mar.

* * *

Analise o caju e a castanha,
São os dois pendurados num só cacho,
Bem unidos, um em cima, outro embaixo,
Porém tendo um do outro a forma estranha,
Dela, extrai o azeite, o sumo, a banha,
Dele, o suco pro vinho e o licor,
Quando ambos maduros mudam a cor
Ele fica amarelo e ela escura,
Mas o gosto dos dois não se mistura,
Quanto é grande o poder do Criador.

* * *

Não há tempestades e nem furacões,
Chuvada de pedra no bosque esquisito
Quedas de coriscos e meteorito
Tiros de granadas, obuses, canhões,
Juntando os ribombos de muitos trovões
Que tem pipocado na massa do ar
Cascata rugindo, serra a desabar,
Estrondo, ribombos, rumores de guerra,
Nuvens mareantes, tremores de terra
Que imitem a zoada na beira do mar.

* * *

Voei célere aos campos da certeza
E com os fluidos da paz banhei a mente
Pra falar do Senhor Onipotente
Criador da Suprema Natureza
Fez do céu reino vasto, onde a beleza
Edifica seu magno pedestal
Infinita mansão celestial
Onde Deus empunhou saber profundo
Pra sabermos nas curvas deste mundo
Que ele impera no trono divinal.

* * *

Os astros louros do céu encantador
Quando um nasce brilhando, outro se some
E cada astro brilhante tem um nome
Um tamanho, uma forma, brilho e cor
Lacrimosos vertendo resplendor
Como corpos de pérolas enfeitados
Entre tronos de plumas bem sentados
Vigiando as fortunas majestosas
Que Deus guarda nas torres luminosas
Que flutuam nos paramos azulados.

* * *

Quando eu segurei a tua mão
Foi achando que ela estava fria
Ela tava tão quente e tão macia
Igualmente um capucho de algodão
Vou mandar repartir meu coração
Pra fazer-te presente da metade
Pra gente ficar de igualdade
Tu me dá teu retrato eu dou o meu
O retrato me serve de museu
Pra eu guardar meu romance de saudade.

* * *

O nome da minha amada
Escrevi com emoção
Na palma da minha mão,
No cabo da minha enxada
No batente da calçada
E no fundo da bacia
Na casca de melancia
Mais grossa do meu roçado
Pode ir lá que tá gravado
O nome Ana Maria.

* * *

Eu admiro um caixão
Comprido como um navio
Em cima uma cruz de prata
No meio um defunto frio
E um cordão de São Francisco
Torcido como um pavio.

* * *

O homem que bem pensar
Não tira a vida de um grilo
A mata fica calada
O bosque fica intranquilo
A lua fica chorosa
Por não poder mais ouvi-lo.

* * *

Sou igualmente a pião
saindo de uma ponteira
que quando bate no chão
chega levanta a poeira
com tanta velocidade
que muda a cor da madeira.

* * *

Tristeza é a do peruzinho
Beliscando essa maniva
Correndo atrás da galinha
A sua mãe adotiva
Como quem está dizendo
Ah se mamãe fosse viva !

* * *

A mulher que eu casei
Além de linda é brejeira
Daquelas que vai à missa
No domingo e terça-feira
Das que faz uma sombrinha
Com um pé de carrapateira.

* * *

Estou como um penitente
Que não possui um barraco,
Dorme à-toa pela rua,
Um guabiru fura o saco,
Quando recebe uma esmola
Ela cai pelo buraco.

* * *

Judas pegou uma corda,
Morreu com ela enforcado,
Não estava arrependido,
Estava desesperado,
E o desespero da culpa
Nunca redime o pecado.

* * *

Com você canto apertado
Que só cobra de cipó.
Que, com três dias de fome,
Tenta engolir um mocó,
De tanto forçar a boca,
Finda estourando o gogó.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 18 de março de 2023

SEIS MESTRES DO IMPROVISO E UM FOLHETO DE PELEJA (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

UM GALOPE PARA O UMBUZEIRO – Júnior Guedes

 

Frondoso e bonito, o velho umbuzeiro
Que brotou das fendas abertas da terra.
Cresceu num aceiro do pé de uma serra
Passando agruras o tempo inteiro.
Foi ficando forte a cada janeiro,
Mudando a paisagem que tem no lugar.
Felizes daqueles que vem contemplar,
Seu verde, a sombra e sua doçura
O doce da fruta na forma mais pura
Que o puro da brisa que sobra do mar.

* * *

Biliu de Campina

Versejar é minha sina
No mundo transcendental
Passo do ponto final
Fazendo o que me fascina
Vou pelo mapa da mina
Navegando em barco a vela
Sem ter medo da procela
Numa letal disparada
A morte está enganada
Eu vou viver depois dela.

* * *

Miro Pereira

O meu pai não tem estudo
Mamãe é analfabeta
Eu pouco fui à escola
Somente Deus me completa
Com esse sublime dom
De repentista e poeta.

* * *

Zé Fernandes

A seca seca primeiro
Os depósitos cristalinos
Depois seca as esperanças
De milhões de peregrinos
Mas bota enchente de lágrimas
Nos olhos dos nordestinos.

* * *

Adauto Ferreira Lima

Quando o sujeito envelhece
Quase tudo lhe embaraça
Convida a mulher pra cama
Agarra, beija e abraça
Porém só faz duas coisas:
Solta peido e acha graça.

* * *

Pedro Tenório de Lima
(Poeta analfabeto do sertão do Pajeú)

Me criei abraçando a agricultura
Já tô véi, a cabeça tá cinzenta
Pra onde vou é levando a ferramenta
E uma faca de doze na cintura
Minha boca lambendo rapadura
E meu almoço, um punhado de farinha
A merenda é um ovo de galinha
Namorei abraçando as raparigas
Me deitando por cima das formigas
Que uma cama bonita eu não tinha.

 

* * *

 

PELEJA DE MANOEL CAMILO COM MANOEL MONTEIRO – Manoel Monteiro

 

Peço inspiração aos magos
Luz, força, brilho, fulgor
Para em poesia alegre
Contar ao caro leitor
Uma discussão que tive
Com um grande cantador.

Pernambuco é o torrão
Em que nasci e andei
Após uso da razão
A poesia abracei
E saí vendendo versos
Na Paraíba aportei.

Chegado em Campina Grande
Novato e desconhecido
Na quarta fui para feira
“Cantar versos” carecido
De ganhar dinheiro pois
Estava “desprevenido.”

Notei um senhor de óculos
Quando eu estava cantando
Que pôs-se à parte e ficou
Somente me observando,
Quando terminei o “show”
Ele foi se aproximando.

E perguntou-me; Poeta,
Estás só ou com amigo?
Respondi-lhe, na viagem
Só trago o pinho comigo,
Ele convidou, eu quero
Fazer um “baião” contigo.

Sem conhece-lo falei:
– O convite está aceito
Que pra cantar desafio
Fiz, faço e farei bem feito,
Poesia é minha água,
Meu pão, meu sal e meu leito.

Disse ele, o Dr. Limeira
Convidou-me pra cantar
Estando sem parceria
Pra fazer-me acompanhar
Ouvindo e vendo seus versos
Resolvi lhe convidar.

Ele fechou o contrato
Pra noite do outro dia
Recolhi-me ao dormitório
E de quando em quando ouvia
Na rua o autofalante
Divulgando a cantoria.

 

Dizia o autofalante
Meu povo paraibano
Esta noite vai haver
O espetáculo do ano
Pois Manoel Camilo vai
“Bater” num pernambucano.

Ouvindo o carro de som
No tal Camilo falar
Me arrependi de ter feito
O trato para cantar.
Mas a essa altura não
Podia mais recuar.

Então na noite seguinte
As 7 e meia cheguei
Embora um pouco nervoso
Por educação e lei
Abracei Dr. Limeira,
Aos demais cumprimentei.

Homem, mulher, moço e moça
Superlotavam o salão,
Trouxeram logo pra mim
Um bocado de alcatrão
Depois pediram que a gente
Desse início à diversão.

Em duas cadeiras simples
Junto um ao outro sentamos
Com os ouvidos atentos
O som dos pinhos casamos
E com a força do peito
A cantiga iniciamos.

Camilo baixou a vista
Pigarreou uma vez
Solfejou uma colcheia
Com aparente altivez
Sorriu despreocupado
Quando essa sextilha fez:

Camilo

-Oh! Trovador forasteiro
Vamos travar sem barganha
Um duelo de improviso
Para ver quem perde ou ganha,
Antes devo preveni-lo
Ou canta bem ou apanha.

Monteiro

– Poeta bom não se acanha
Aonde quer que esteja
Por isso firme e tranquilo
Aceitei essa peleja
Disponha do seu amigo
Diga o que é que deseja.

Camilo

– Antes o povão almeja
Apresentação formal
Que você diga bem claro
E em verso original
Qual seu nome de batismo
E qual é seu natural.

Monteiro

-Eu direi ao pessoal
O meu nome verdadeiro,
Sou natural de Bezerros
Belo torrão agresteiro,
Meu Estado é Pernambuco,
Nome? Manoel Monteiro.

Camilo

-Se és um bom violeiro
Dá-nos as provas cabais
Mostra sem titubear
Os teus dotes culturais,
Contigo não me aperto
Porque és novo demais.

Monteiro

– Já disse em outros locais
Cantor velho não me espanta
Cante, brinque, farre e prose
Que Monteiro se levanta
Porque velho, fraco e feio
Nem me empolga, nem me encanta.

Camilo

– Vou picotar sua manta
Com o bico de minha lança,
Você morre, mas não pega
Onde minha mão alcança
Pois na canga de boi velho
Garrote novato amansa.

Monteiro

– Desfaço toda aliança
Fujo de todo degredo,
Hieróglifo ou enigma
Para mim não têm segredo
Cantador não fez nem faz
Eu parar cantiga cedo.

Camilo

-Você diz que não tem medo
Mas diz isso sem razão
Porque pra cantar comigo
Precisa rima e baião
Descender de cantador
Ser bamba na profissão.

Monteiro

– Canto na China e Japão
Velho e Novo Continente
Canto no mato e na rua
Canto diariamente
Quando durmo sonho e sinto
Que estou cantando repente.

Camilo

– Porém hoje em sua frente
Tem um cabra carniceiro
Que aqui em Campina é
Chamado “galo guerreiro”
Que nunca deu milho ou trela
A pinto doutro terreiro.

Monteiro

-Você pode ser treiteiro
Igual Pedro Malazarte,
Mais sábio do que Camões,
Mais bravo que Bonaparte
Mesmo assim vai ver o peso
Do braço da minha arte.

Camilo

– Respeite meu baluarte,
Puxe o carro, vá em frente,
Pegue algum dinheiro e saia
Vá enganar outra gente
Pois no canto que eu cantar
Cantor não canta repente.

Monteiro

– Se o sol nascer no poente
Gelo não for pedra fria
Fogo não queimar a face
Desgosto for alegria
Poeta capenga pode
Passar-me na poesia.

Camilo

– Quando eu estou em porfia
Com cantador malcriado
A terra balança um pouco
E um nevoeiro pesado
Faz água jorrar na terra
Que deixa o mundo alagado.

Monteiro

-Ao cantar improvisado.
Se acaso for desafio
Cai avião do espaço,
No mar afunda navio,
As nuvens ficam tremendo,
Lajedo morre de frio.

Camilo

-No meu escudo confio
Por isso não temo bala
Mesmo perante Juiz
O réu treme e perde a fala,
Enquanto é tempo, meu caro,
Tire seu time da sala.

Monteiro

– Hoje meu chicote estala
Em cantador velho e fraco,
Peçam martelo ou mourão
Que disputo taco a taco
Porque meu trator poético
Vence ladeira e buraco.

(Deu-se uma parada na peleja
Em seguida veio um cidadão
Que estava presente no salão
Colocou cem cruzeiros na bandeja
E nos disse: O povo aqui deseja
Que ponham mais fogo na porfia,
Mais garra, mais guerra e picardia
No tema que agora trago e traço
Todo mundo admira o que faço
Porque sou um assombro em cantoria.)

Monteiro

-Meus repentes são fontes de Narciso
Com água limpinha, pura e boa,
Quando canto o grito meu ressoa
Pelo mar, céu e terra e paraíso,
Deus e deusas dão o que preciso
Por causa da minha maestria
Neste caso cantor sem energia
Ao topar-me de frente cai no laço
Todo mundo admira o que faço
Porque sou um assombro em cantoria.

Camilo

– Quando grito abalo céu e terra,
O planalto, a planície e a colina
Desce logo do alto uma neblina
Que encharca de sangue vale e serra,
O sábio mais sábio pensa e erra
Esquecendo de pronto o que sabia
Gaguejando não lembra o que dizia
Dá-lhe um branco, desmaia de cansaço
Todo mundo admira o que faço
Porque sou um assombro em cantoria.

Monteiro

– No dia em que eu me aborreço
Este mundo de todo se transforma
Toma jeito e ganha nova forma
Até carne e feijão baixam de preço
Me dizem na rua, o agradeço,
Quando veem acabar-se a carestia
Rico besta deixar a fidalguia
Pobretão passar a ser ricaço
Todo mundo admira o que faço
Porque sou um assombro em cantoria.

Camilo

-Quando canto martelo improvisado
O eixo da terra enverga e geme
O velho perece, o moço treme
E o globo balança um bocado,
O azul do céu fica encarnado,
Poetaço suspira em agonia
Emudece com a mente vazia
Dissolve-se qual gelo no mormaço
Todo mundo admira o que faço
Porque sou um assombro em cantoria.

Monteiro

– Quando em versos faço mero ensaio
Com ciência, segredo e com mistério
Se acaso estiver cantando sério
Caem chuvas de pedra, fogo e raio,
Seja agosto, outubro, junho ou maio
Paro o tempo e faço a noite dia
Faço encher-se de som e harmonia
Os recantos mais longes do espaço
Todo mundo admira o que faço
Porque sou um assombro em cantoria.

Camilo

– Se estou afobado improvisando
Um pedaço de Marte cai ligeiro
Outra banda cai lá no estrangeiro
O resto que fica é balançando,
O mar agitado vai secando
No centro da terra a lava esfria,
Faço rio perder leito e bacia,
Vigas grossas de bronze liquefaço
Todo mundo admira o que faço
Porque sou um assombro em cantoria.

Monteiro

-Ao cantar um martelo em desafio
Faíscas azuis de fogo descem
Os mais bravos guerreiros esmorecem
Quando veem o céu ficar sombrio
Sendo inverno eu mudo para estio
Se chover a chuva é sem valia
Pois não molha, resseca, nada cria,
Pego trilho de ferro, torço, amasso
Todo mundo admira o que faço
Porque sou um assombro em cantoria.

Camilo

– No momento que quero faço tudo
Pires, prato, colher e candeeiro,
Mesa, banco, cadeira e petisqueiro,
Bicho liso, caspento ou cabeludo,
Linho, seda, morim, crepe, veludo,
Pai, mãe, primo, sobrinho, tio e tia
Porém isso só faço em poesia
Ritmada, sem falha no compasso
Todo mundo admira o que faço
Porque sou um assombro em cantoria.

Monteiro

– Nesta vida trabalho de enfermeiro,
Balconista de loja e contador,
Pedreiro, mecânico, soldador,
Caiador de parede, funileiro,
Motorista, alfaiate, serralheiro,
Faço sela, cangalha, peia e cia,
Porta, casa, mosaico, louça e pia,
Toco, canto, aboio, pesco e caço
Todo mundo admira o que faço
Porque sou um assombro em cantoria.

Camilo

-Seu Monteiro, procure me seguir
Mas se acaso você cambalear
Prepare-se que a peia vai cantar
E queira ou não queira tem que ir,
Nesta noite não vou admitir
Falha grande, pequena, ou covardia
Jamais pense em parar enquanto o dia
Não trouxer a aurora pelo braço
Todo mundo admira o que faço
Porque sou um assombro em cantoria.

Monteiro

– Nem me importa com esse seu ataque
De estrelismo babaca e petulante
Sejas cobra, leão, ou elefante
Quanto mais, maior vai ser o baque,
Só prossegue no jogo se for craque
Sobrar força, coragem e energia,
Seu Camilo, sou luz que irradia,
Sou o mestre da terra e do espaço
Todo mundo admira o que faço
Porque sou um assombro em cantoria.

Camilo

– Manoel Monteiro em
Você notei perfeição
Porém ainda lhe falta
Uma grande provação
É ver se você consegue
Acompanhar-me em quadrão.

Monteiro

-Manoel Camilo, então,
Segues que te seguirei
Se ainda não fiz vergonha
Garanto que não farei
Podes colher os teus versos
Que os meus já maturei.

Camilo

– Meio conde e meio duque
Meio forro e meio estuque
Meia carta e meio truque
Meio gato e meio cão
Meia massa e meio pão
Meio pão e meia massa
Meio riso e meia graça
Meia quadra e meio quadrão.

Monteiro

– Meio céu e meio solo
Meio feio e meio Apolo
Meio peito e meio colo
Meio fraco e meio são
Meia lava e meio vulcão
Meio vulcão, meia lava
Meio livre, meia escrava
Meia quadra meio quadrão.

Camilo

– Meia guerra e meio tiro
Meia volta e meio giro
Meia dama e meio firo
Meia flor meio botão
Meia sala e meio salão
Meio salão meia sala
Meio rifle e meia bala
Meia quadra meio quadrão.

Monteiro

-Meia boca e meio grito
Meio feio meio bonito
Meia Grécia meio Egito
Meia Holanda meio Japão
Meia pata meio pavão
Meio pavão meia pata
Meio campo meia mata
Meia quadra meio quadrão.

Camilo

– Meia bomba e meio traque
Meio terno e meio fraque
Meio lerdo e meio craque
Meio braço e meia mão
Meia pipa meio balão
Meio balão meia pipa
Meio caibro meia ripa
Meia quadra meio quadrão.

Monteiro

– Peço que vá se inspirando
Para ir me acompanhando
Pois agora eu vou mudando
O estilo de cantar,
Se correr hei de pegar
E se ficar vai sofrer
Porque vou desenvolver
Um quadrão a beira mar.

Camilo

-Não sei o que é perder
Só luto para vencer
Nem pense que vou correr
Porque pretendo ficar
Na matéria de cantar
Tenho força, estilo e calma
Por isso recebo palma
No quadrão a beira mar.

Monteiro

– Meu verso penetra a alma,
Alegra, embevece, acalma
Severo, Antônio, Djalma,
Francisco, Pedro, Edmar
Luiz, Júlio, Augusto, Oscar
Dr. Limeira também
Que aplaude e paga bem
Meu quadrão a beira mar.

Camilo

– Monteiro amigo já tem
Um bom dinheiro no prato
Fora o que Dr. Limeira
Nos pagou pelo contrato
Como já é madrugada
Vamos encerrar o ato.

Monteiro

– Se você diz eu acato,
Por mim, estou encerrando,
O duelo foi bacana
E mais está me agradando
É que nem um sai perdendo
E nem outro sai ganhando.

Camilo

-Estamos finalizando
Este encontro tão feliz,
Tirando a prova dos nove
O resultado me diz
Que tu és a filial
E eu permaneço a matriz.

Mas eu que bolei e fiz
A memorável peleja,
Neste acróstico final
O que o autor almeja
É vender a produção,
Levem o folheto, então,
MONTEIRO o bem lhes deseja


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 11 de março de 2023

UMA DUPLA EM CANTORIA (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

UMA DUPLA EM CANTORIA

Pedro Malta

A grande dupla de cantadores Sebastião Silva e Moacir Laurentino glosando o mote:

Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Sebastião da Silva:

Essa minha viola é companheira,
que dá tudo o que quero em minha vida,
é a deusa total e tão sentida,
que me serve de amiga a vida inteira,
essa minha viola é padroeira,
é a deusa que dorme no meu leito,
é a força que causa grande efeito,
é a deusa divina idolatrada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Moacir Laurentino:

Eu sem esse pedaço de madeira,
já não tinha alegria em minha vida,
minha face seria entristecida,
porque falta a legítima companheira,
ela toca comigo a noite inteira,
eu com ela decanto satisfeito,
da maneira dum caboco do eito,
arrastando no cabo da enxada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Sebastião da Silva:

Com a minha viola em minha mão,
penso, toco, divirto, bebo e canto,
vou com ela feliz pra todo canto,
pra exercer muito bem a profissão,
é com ela que eu tenho inspiração,
o meu verso no ato sai direito,
no repente que faço eu aproveito
caminhando feliz na minha estrada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Moacir Laurentino:

Essa minha viola é ganha pão,
misturada com minha cantoria,
sacrifício, talento e melodia,
e um pouquinho da minha inspiração,
a palheta pegada em minha mão,
e o baião tão saudoso sai perfeito,
que eu com ela pelejo e me ajeito,
e num instante fazer bela toada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Sebastião da Silva:

É a viola que espanta as minhas dores,
é quem mata as mágoas que eu sinto,
com a minha viola em meu recinto
canto modas em músicas e tenores,
gosto muito de ouvir dois cantadores,
para o povo ficar mais satisfeito,
um poeta canhoto, outro direito,
e a cantiga bastante fermentada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

Moacir Laurentino:

Sem a minha viola eu vou sofrer,
mas com ela inda gozo em meu destino,
que ela segue o poeta Laurentino,
e acompanha o que eu posso dizer,
que me dá de comer e de beber,
e com ela eu não tenho preconceito,
ao contrário aumentou o meu conceito,
ela é minha eterna namorada.
Sem a minha viola eu não sou nada,
mas sou tudo com ela no meu peito.

* * *

A DUPLA IMPROVISANDO NUM QUADRÃO PERGUNTADO

 

 

 

 


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 04 de março de 2023

GRANDES MESTRES DO REPENTE - 21.01.22 (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Poeta cantador pernambucano Otacílio Batista Patriota (1923-2003)

* * *

Otacílio Batista

Certa vez fui convidado
Para dançar numa festa
Perto de Nova Floresta
Na Vila do Pau Inchado
Eita forró animado:
Chega a poeira cobria
Mas a mulher que eu queria
Do Pau não se aproximava
Quando eu ia ela voltava
Quando eu voltava ela ia.

* * *

O poeta e o passarinho
são ricos de inteligência
simples como a natureza
eternos como a ciência
estrelas da liberdade
peregrinos da inocência.

Herdeiros da providência,
um no chão, outro voando,
um pena com tanta pena
outro sem pena penando,
um canta cheio de pena,
outro sem pena cantando.

* * *

Arnaldo Cipriano de Souza

A mulher do meu encanto
saiu comigo em passeio,
eu guiando um veraneio,
de uísque bebi um tanto,
chegando no Bel-recanto,
fomos dar ar no pneu,
a câmara de ar encheu,
no nono mês estourou:
eu pequei, ela pecou,
mas o culpado fui eu.

* * *

João Paraibano

Faço da minha esperança
Arma pra sobreviver,
Até desengano eu planto
Pensando que vai nascer
E rego com as próprias lágrimas
Pra ilusão não morrer.

Há três coisas nesta vida
Que Deus me deu e eu aceito:
A terra para os meus pés,
A viola junto ao peito
E um castelo de sonhos
Pra ruir depois de feito.

* * *

Braulio Tavares

Superei com o valor da minha prosa
o meu mestre imortal Graciliano,
os romances de Hermilo e de Ariano
e as novelas de João Guimarães Rosa;
sou maior que Camões em verso e glosa,
com Pessoa também fui comparado,
tenho a verve do estilo de Machado
e a melódica lira de Bandeira:
sou o Gênio da Raça Brasileira
quando canto martelo agalopado!

* * *

Zé Vicente da Paraíba

O reflexo de estrelas luminosas
São lanternas de Deus no firmamento
Fica muito suave a voz do vento
Evitando qualquer destruição
Os rebanhos deitados pelo chão
E cada pássaro no galho se aquieta
Enriquece o juízo do poeta
O cair de uma noite no sertão.

* * *

Manuel Lira Flores

Quando as tripas da terra mal se agitam
e os metais derretidos se confundem,
os escuros diamantes que se fundem
das crateras ao ar se precipitam.
As vulcânicas ondas que vomitam
grossas bagas de ferro incendiado
ao redor deixam tudo sepultado
só com o som da viola que me ajuda:
treme o sol, treme a terra, o vento muda
quando eu canto o martelo agalopado!

* * *

Joaquim Vitorino

Tenho enorme inteligência
Poeta não me dá vaia
Sou vento rumorejando
Nos coqueiros de uma praia
Sou mesmo, que Rui Barbosa
Na conferência de Haia.

* * *

Diniz Vitorino cantando com Manoel Xudu

Manoel Xudu

Voei célere aos campos da certeza
E com os fluidos da paz banhei a mente
Pra falar do Senhor Onipotente
Criador da Suprema Natureza
Fez do céu reino vasto, onde a beleza
Edifica seu magno pedestal
Infinita mansão celestial
Onde Deus empunhou saber profundo
Pra sabermos nas curvas deste mundo
Que ele impera no trono divinal.

Diniz Vitorino

Vemos a lua, princesa sideral
Nos deixar encantados e perplexos
Inundando os céus brancos de reflexos
Como um disco dourado de cristal
Face cálida, altiva, lirial
Inspirando canções tenras de amor
Jovem virgem de corpo sedutor
Bem vestida num “robe” embranquecido
De mãos postas num templo colorido
Escutando os sermões do Criador.

Manoel Xudu

Os astros louros do céu encantador
Quando um nasce brilhando, outro se some
E cada astro brilhante tem um nome
Um tamanho, uma forma, brilho e cor
Lacrimosos vertendo resplendor
Como corpos de pérolas enfeitados
Entre tronos de plumas bem sentados
Vigiando as fortunas majestosas
Que Deus guarda nas torres luminosas
Que flutuam nos paramos azulados.

Diniz Vitorino

Olho os mares, os vejo revoltados
Quando o vento fugaz transtorna as brumas
E as ondas raivosas lançam espumas
Construindo castelos encantados
As sereias se ausentam dos pecados
Que nodoam as almas dos humanos
E tiram notas das cordas dos pianos
Que o bom Deus ocultou nos verdes mares
E gorjeiam gravando seus cantares
Na paisagem abismal dos oceanos.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 25 de fevereiro de 2023

A GENIALIDADE DE PINTO DE MONTEIRO (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O paraibano Severino Lourenço da Silva Pinto, o Pinto do Monteiro (1895-1990)

* * *

A resposta de Pinto de Monteiro numa cantoria com João Furiba

João Furiba:

Cruzei o velho Saara
montado numa bicicleta.
Matei leão de tabefe,
Crivei serpente de seta.
Fiz das penas d’uma hiena
Um blusão pra minha neta.

Pinto do Monteiro:

João até que é bom poeta
Mas sabe ler bem pouquinho.
Vou fazer-lhe uma pergunta,
responda meu amiguinho :
– Quem diabo foi que te disse
que hiena é passarinho ?

* * *

Improvisos de Pinto de Monteiro:

O meu cavalo é dum jeito
Que nem o diabo aguenta,
Entra no mato fechado,
Toda madeira arrebenta,
Dá tapa em bunda de boi
Que a merda sai pela venta.

* * *

Lá no meio da caatinga,
Sem moradia vizinha
Bem na beira de um riacho
Um pé de palmeira tinha.
Meu avô, nesse lugar,
Começou a trabalhar
E chamar de Carnaubinha.
Parece que estou vendo
Um homem cortando cana;
Uma engenhoca moendo
Os três dias da semana.
Fazer cerca, queimar broca,
Raspar milho e mandioca,
Da massa, fazer farinha;
Comer com mel de engenho,
Ai, que saudades que eu tenho
Da minha Carnaubinha.

* * *

Ovo de pato e marreca
Quebrar na beira do poço,
Abrir milho, na boneca,
Pra ver se tinha caroço;
Ir pra beira da estrada
Jogar pedra e dar pancada
Em cabra, bode e suíno;
Em cachorro, pontapé,
Que isso tudo foi e é
Brincadeira de menino.

* * *

Mas essa estória de dente,
Para mim, nada adianta;
Eu não preciso de dente;
Eu quero é peito e garganta:
Pois sabiá não tem dente,
É quem mais bonito canta!

* * *

Eu sou Severino Pinto
Da Paraíba do Norte
Sou feio, porém sou bom
Sou magro, mas muito forte
Depois d’eu tomar destino
Temo a Deus não temo à morte.

* * *

Há vários dias que ando,
Com o satanás na corcunda:
Pois, hoje, almocei na casa
Duma negra tão imunda,
Que a prensa de espremer queijo
Era as bochechas da bunda!

* * *

Eu admiro o tatu
Com desenho no espinhaço
Que a natureza fez
Sem ter régua nem compasso
E eu com compasso e régua
Tenho planejado e não faço.

* * *

Esta palavra saudade
conheço desde criança
saudade de amor ausente
não é saudade, é lembrança
saudade só é saudade
quando morre a esperança.

* * *

Gostei muito de mulher
No meu tempo de rapaz
Mas depois que fiquei velho
A trouxa envergou pra trás
Sentou-se em cima dos ovos
Que a ponta encostou no ás.

* * *

Admiro o vagalume
Enxergando de mato a dentro
Com sua lanterna acesa
Sem se importar com o vento
Apaga de vez em quando
Poupando seus elementos.

(“elemento” no linguajar nordestino é pilha)

* * *

No tempo da mocidade
Eu também já fui vaqueiro.
Não tinha jurema grossa,
Mororó nem marmeleiro.
Fui cabra de vista boa,
Negro de corpo maneiro.

* * *

SEVERINO PINTO E LOURIVAL BATISTA

Uma cantoria improvisada de Meia-Quadra nos anos 70

Constante da coleção Música Popular do Nordeste, organizada por Marcus Pereira

 

 

 

 


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 18 de fevereiro de 2023

GRANDES MOTES, GRANDES GLOSAS - 04.02.2022 (POSTAGEM DE PEDRO MATA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Sebastião da Silva e Geraldo Amâncio glosando o mote:

Se eu pudesse comprava a mocidade
Nem que fosse pagando a prestação

 

 

* * *

Pinto do Monteiro glosando o mote:

O cavalo do vaqueiro
Nas quebradas do sertão.

Quebra galho de aroeira,
De jurema e jiquiri,
Rasga beiço e calumbí,
Mororó e quixabeira.
Quebra-faca e catingueira,
Urtiga braba e pinhão;
Pau-serrote e pau-caixão,
Baraúna e marmeleiro,
O cavalo do vaqueiro
Nas quebradas do sertão.

* * *

José Vicente da Paraíba glosando o mote

São frios, são glaciais,
Os ventos da solidão.

Quando se sente saudade
Duma pessoa querida,
Dá-se um vazio na vida
E dói esta soledade…
Ninguém suporta a metade
Da dor do meu coração,
Lembrando o aceno de mão
Do amor que não voltou mais…
São frios, são glaciais.
Os ventos da solidão.

* * *

Zé Adalberto glosando o mote:

Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura.

Pra que casa cercada por muralha
Se a cova é cercada pelo pranto
Se pra Deus todos têm do mesmo tanto
Tanto faz a fortuna ou a migalha
Pra que roupa de marca se mortalha
Não requer estilista na costura
E o cadáver que a veste não procura
Nem saber se a costura ficou boa
Pra que tanta riqueza se a pessoa
Nada leva daqui pra sepultura.

* * *

Chico Nunes glosando o mote

A saudade é companheira
De quem não tem companhia.

Vivo em eterna agonia
Sem saber o resultado
Deus já me deu o atestado
Pra eu baixar à terra fria.
Em volta só vejo o mal
Deste meio social,
E espero sozinho o dia
De minha hora derradeira.
A saudade é companheira
De quem não tem companhia.

* * *

Léo Medeiros glosando o mote:

O sertão se acorda mais bonito
Com o aboio saudoso do vaqueiro.

De manhã no sertão que eu fui criado
De três horas pras quatro, papai ia
Caminhando com rumo a vacaria
Pra tirar o leitinho do seu gado;
O bezerro ficava enchiqueirado
Esperando a saída do leiteiro
Quando solto corria bem ligeiro
Pra mamar eu um úbere tão bendito
O sertão se acorda mais bonito
Com o aboio saudoso do vaqueiro.

O vaqueiro sujeito encarregado
Dos trabalhos diários da fazenda
Sai pra lida pensando em sua prenda
Vai soltando aboio apaixonado;
De gibão e perneira bem montado
No cavalo cortando o tabuleiro
Enfrentando terreno traiçoeiro
Seu valor, ninguém soma tenho dito:
O sertão se acorda mais bonito
Com o aboio saudoso do vaqueiro.

* * *

Jó Patriota glosando o mote:

Na frieza da gruta o Deus Menino
Teve o bafo de um boi por cobertor.

Num recanto afastado de Belém
Fora onde uma Virgem Imaculada
Deu a luz à pessoa mais sagrada
Que se chamou de Cristo, O Sumo Bem…
Nessa noite Maria um prazer tem
De rezar o rosário com fervor
Contemplando seu fruto, O Redentor
Santo Corpo Sacrário Pequenino
Na frieza da gruta o Deus Menino
Teve o bafo de um boi por cobertor.

Foi assim que o rebento de Maria
No silêncio da simples manjedoura
Teve a mãe como santa defensora
E seu pai adotivo como guia
Nessa pobre e humilde hospedaria
Estalagem pequena sem valor
Entre pedra, capim, garrancho e flor,
Diferente de um prédio bizantino
Na frieza da gruta o Deus Menino
Teve o bafo de um boi por cobertor.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 11 de fevereiro de 2023

DOIS DESAFIOS MALCRIADOS (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMNDO FLORIANO)

 

DOIS DESAFIOS MALCRIADOS

Pedro Malta

TEREZINHA E LINDALVA

 

 

* * *

LINDALVA E LAVANDEIRA DO NORTE NUM DESAFIO MALCRIADO

 

 

 

 


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 04 de fevereiro de 2023

GRANDES MESTRES DO REPENTE - 18.02.2022 (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Aderaldo Ferreira de Araújo, mais conhecido como “Cego Aderaldo” um dos maiores cantadores da poesia popular nordestina (1878-1967)

* * *

Cego Aderaldo

(atendendo a um pedido do Padre Cícero)

À ordem do meu padrinho
Vou colher algumas flores…
Fazer minhas poesias
Cheias de grandes louvores
Saudando, primeiramente,
A Santa Virgem das Dores.

O nome do santo Padre
Anda pelo mundo inteiro,
A cidade está crescendo
Com este povo romeiro,
Devido às grandes virtudes
Do santo de Juazeiro.

Nossa Senhora das Dores
É que nos dá proteção,
Ordena ao nosso bom Padre,
E ele cumpre a Missão,
Ensinando a todo mundo
O ponto da salvação.

Deixo aqui no Juazeiro
Todos os sentidos meus
Juntamente ao meu Padrinho
Que me limpou com os seus,
Vou correr por este mundo
Levando a bênção de Deus.

* * *

Louro Branco

Cantador como eu ninguém num fez
Deus deixou pra mandar muito depois
Que se cabra for grande eu dou em dois
E se o cabra for médio eu dou em três
E se for bem pequeno eu dou em seis
Que a minha riqueza é bem total
Cantador como eu não nasce igual
Que ou nasçe mais baixo sou mais estreito
Repentista só canta do meu jeito
Se for fora de série ou genial.

* * *

Otacílio Batista Patriota

Ao romper da madrugada,
um vento manso desliza,
mais tarde ao sopro da brisa,
sai voando a passarada.
Uma tocha avermelhada
aparece lentamente,
na janela do nascente,
saudando o romper da aurora,
no sertão que a gente mora,
mora o coração da gente.

*

O cantador violeiro
longe da terra querida,
sente um vazio na vida,
tornando prisioneiro,
olha o pinho companheiro,
aí começa a tocar,
tem vontade de cantar,
mas lhe falta inspiração.
Que a saudade do sertão
faz o poeta chorar.

* * *

João Paraibano

Vê-se a serra cachimbando…
Na teia, a aranha borda;
O xexéu canta um poema;
Depois que o dia se acorda,
Deus coloca um batom roxo
Na flor do feijão de corda.

*

Do nevoeiro pra o chão
a nuvem faz passarela;
o sapo pinota n’água,
entra na lama e se mela;
faz uma cama de espuma
pra cantar em cima dela.

*

Sempre vejo a mão divina
no botão de flor se abrindo,
no berço em que uma criança
sonha com Jesus sorrindo;
a mão caçando a chupeta
que a boca perdeu dormindo.

* * *

Roberto Queiroz

Admiro o Zé Ferreira
Um cantador estupendo
Se a roupa se suja, lava
Se rasga, bota remendo
Gasta menos do que ganha
Que é pra não ficar devendo.

* * *

Luciano Carneiro

Eu não tive vocação
Pra diácono nem vigário
Tornei-me então um poeta
Não muito extraordinário
Mas sou com muita alegria
No campo da poesia
Um verdadeiro operário.

* * *

Leonardo Bastião

Ontem vi uma coruja,
Sentada numa cancela,
Demorei trinta segundos,
Olhando a feiura dela,
Quando me vi no espelho,
Tava mais feio do que ela.

*

Admiro o juazeiro,
Nascido na terra enxuta,
A fruta é pequena e ruim,
A madeira é torta e bruta,
Mas a bondade da sombra,
Cobra a ruindade da fruta.

*

Eu não vou plantar saudade,
Que não estou mais precisando,
A caçamba da saudade,
Toda vez que vai passando,
Ao invés de levar a minha,
Derrama a que vai levando.

* * *

Josué Romano

Eu já suspendi um raio
E já fiz o tempo parar.
Já fiz estrela correr,
Já fiz sol quente esfriar.
Já segurei uma onça
Para um moleque mamar!


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 28 de janeiro de 2023

A GENIALIDADE DE JOÃO PARAIBANO (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O grande poeta cantador João Pereira da Luz, o João Paraibano (1952-2014)

* * *

Muitas cenas são revistas
Na hora crepuscular
O bico de um peito cheio
Proíbe um pagão chorar
A casca do fruto racha
A voz do silêncio é baixa
Mas dá pra Deus escutar.

* * *

É bonito o matuto se firmar
Num galão carregando duas latas
Um cachorro sentar nas duas patas
Convidando o seu dono pra caçar
Uma gata na boca carregar
Um filhote que nasceu sem a visão
Quando a boca se cansa põe no chão
Mas o dente não fere a sua cria
Deus pintou o sertão de poesia
Meu orgulho é ser filho do sertão.

* * *

Branca, preta, pobre e rica,
toda mãe pra Deus é bela;
acho que a mãe merecia
dois corações dentro dela:
um pra sofrer pelos filhos;
outro pra bater por ela.

* * *

Ao passar em Afogados
diga a minha esposa bela
que derramei duas lágrimas
sentindo saudades dela
tive sede, bebi uma
e a outra guardei pra ela.

* * *

O sol diminui os raios
Depois que a tarde se fecha
O vento carrega a folha
Da galha de um pé de ameixa
Sai dando tabefe nela
Depois se aborrece e deixa.

* * *

Toda noite quando deito
um pesadelo me abraça
meu cabelo que era preto
está da cor da fumaça
ficou branco após os trinta
eu não quis gastar com tinta
o tempo pintou de graça.

* * *

Fiz capitão na bacia
de feijão verde e farinha
quando o angu tava feito
mãe saía da cozinha
subia em cima da cerca
dava um grito e papai vinha.

* * *

Ainda lembro do cheiro
que minha mãe dava n’eu
da cor da primeira nota
que meu padrinho me deu
eu não peguei com vergonha
papai foi quem recebeu.

* * *

Quem vive numa prisão
leva a vida no desprezo
pede uma esmola a quem passa
nas mãos um cigarro aceso
pernas do lado de fora
e o resto do corpo preso.

* * *

Meu passado foi assim
comendo juá banido
o vento dando empurrão
no lençol velho estendido
com tanta velocidade
que mudava a qualidade
que a tinta dava ao tecido.

* * *

Vou pro meu sertão antigo
pra ver tapera sem centro
ver minha mãe na cozinha
cortando cebola e coentro
botando um prato no pote
pra não cair mosca dentro.

* * *

MINHA INFÂNCIA

Minha infância foi na casa
De três janelas da frente
A cruz de palha na porta
Lata de flor no batente
Um jumento dando as horas
E um galo acordando a gente

Catei algodão de ganho
Matei preá na coivara
Levei queda de jumento
Derrubei enxu de vara
De vez enquanto uma abelha
Deixava um ferrão na cara

Rodei mais de um cata-vento
Feito de lata amassada
Pegava mosca na mão
Depois matava afogada
Presa num lençol de nata
De um caldeirão de coalhada

Até rolinha eu criava
Em gaiola de palito
Piei mocotó de cabra
Quebrei perna de cabrito
O meu passado na roça
Foi pobre mais foi bonito

Fiz capitão na bacia
De feijão verde e farinha
Quando o angu estava feito
Mãe saía da cozinha
Subia em cima da cerca
Dava um grito papai vinha

Vi em oco de cortiço
Abelha entrando e saindo
Me escondi por trás de cerca
Para ver vaca parindo
E roubei açúcar da lata
Quando mãe estava dormindo

Um cinto de couro cru
Pai nunca deixou de ter
Mais educou cinco filhos
Sem precisar de bater
Bastava um rabo de olho
Para a gente lhe obedecer.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 21 de janeiro de 2023

DOIS MOTES BEM GLOSADOS - 04.03.22 (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

Enoque Ferreira Leite glosando o mote:

Cancela velha se abrindo
Faz meia lua no chão.

A cancela se desgasta
Arreia a parte da frente
Abrindo diariamente
Toda cancela se gasta
Devido a terra que arrasta
Não encosta no mourão
Se não botarem um cambão
Termina o gado saindo
Cancela velha se abrindo
Faz meia lua no chão.

Cancela é só uma grade
Na posição vertical
Gira na horizontal
De um círculo faz a metade
E a força da gravidade
Não diminui a pressão
Até que as cunhas da mão
Vão afrouxando e caindo
Cancela velha se abrindo
Faz meia lua no chão.

Fica ruim de abrir
Muito pior de fechar
Que é preciso levantar
Vendo a hora ela cair
Uma trave escapulir
Arriscado um machucão
Somente por precisão
Ela ainda está servindo
Cancela velha se abrindo
Faz meia lua no chão.

Pra quem precisa passar
Pra entrar ou pra sair
Tem que puxar para abrir
Tem que empurrar pra fechar
Cada volta que ela dá
Vai de terra uma porção
Uns lhe fecham e outros não
Ainda o dono pedindo
Cancela velha se abrindo
Faz meia lua no chão.

Quando começa a afrouxar
Cada trave em cada mecha
Se fecha, fica uma brecha
Que dá pra o bicho passar
Para abrir é devagar
Diminui a rotação
Só fecha no empurrão
Pesada mole e rangindo
Cancela velha se abrindo
Faz meia lua no chão.

* * *

Antônio Carneiro glosando o mote:

Encontrei um pedaço de saudade
No terreno da casa que morei.

Regressei ao lugar que fui criado
Como quem vai cumprir um juramento
Avistei os arreios do jumento
Pendurados na cerca do cercado.
No curral que papai trancava o gado
O chocalho da vaca eu procurei
Bem ao lado da casa encontrei
Os resquícios da minha mocidade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

Avistei o meu cabo de enxada
Encabando uma velha Tramontina
A ferrugem comendo a lamparina
E uma cela de couro empoeirada.
Mas chorei quando vi uma latada
E o cavalo de pau que eu montei
No cavalo da História disparei
Retornei aos quarenta de idade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

Encontrei bem no “pé” do casarão
O meu carro de flandre na poeira
Adentrando avistei uma roqueira
Dos folguedos de noite de São João.
Vi meu rádio de pilha campeão
Meu cachorro de caça não achei
Mas a cama velhinha que deitei
Inda mora comigo na cidade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

Vi pedaços de bola canarinho
Enganchados em cima do telhado
Vi um saco de estopa amarelado
Que a galinha de mãe fazia ninho.
A “camisa” bonita do meu pinho
Que nas noites de lua dedilhei
O balanço que um dia despenquei
Lembrarei para toda eternidade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

Na “sapata” da casa eu vi salina
Vi “bezerros” de osso no oitão
Vi pegadas de gado pelo chão
Num aceiro a carcaça da turina.
Recordei de uma tarde de neblina
Da arapuca no mato que armei
Quando vi a chinela que calcei
Relembrei toda minha castidade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

No oitão também vi uma balança
Onde a pedra de quilo era o peso
Um arame farpado que era teso
Uma estaca apontada como lança.
O sapato que eu ia numa dança
O sabugo de milho que usei
Pra fazer o chiqueiro que criei
Pra prender toda aquela liberdade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

A gamela que pai tomou um banho
O cacete assassino de uma rês
Algaroba, um angico, dois ipês
Que serviam de sombra pro rebanho.
Vi um prato branquinho de estanho
A rural de madeira que ganhei
Vi o cinto de pai que apanhei
Com requinte de pura crueldade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

A cumbuca de mãe guardar azeite
Enxerguei pendurada no pereiro
Avistei lá em cima do chiqueiro
A caneca que pai tirava leite.
A cabeça de vaca como enfeite
Que um dia na cerca enganchei
Vi um banco velhinho que sentei
E o cupim só deixou uma metade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

Encontrei um pedaço de cocão
Uma mesa de carro sem fueiro
Uma roda, tarugo e um tamueiro
Do transporte mais belo do Sertão.
Uma tira de pano e um botão
Uma agulha de saco que comprei
E a Monark que tanto pedalei
Eu garanto de vê-la ter vontade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

Uma tampa de vinho indiano
Com o rótulo do índio Jurubeba
O cotoco do rabo de um peba
A moldura do nosso Soberano.
Uma quarta da peça de um pano
Que num ano de safra eu comprei
E uma braça de terra que enterrei
As agruras da minha enfermidade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

A cangalha surrada do jerico
Pendurada no torno da parede
Candeeiro, pavio e uma rede
Um machado, uma foice, um maçarico.
Um martelo, uma mala e um pinico
Um gibão que um dia campeei
No cavalo rudado que esporei
Cavalgando a procura da verdade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.

Caco velho que mãe torrava massa
Caldeirão pra botar milho de molho
Uma lasca de lenha e um ferrolho
Chaminé, um isqueiro, uma cabaça.
A garrafa verdinha de cachaça
Que papai dava trago, não traguei
Eu pensando em voltar inda pisei
Numa foto da minha identidade
Encontrei um pedaço de saudade
No terreiro da casa que morei.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 14 de janeiro de 2023

A GENIALIDADE DE IVANILDO VILANOVA (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O Poeta pernambucano de Caruaru Ivanildo Vilanova, um dos maiores nomes da cantoria nordestina na atualidade

É o céu uma abóbada aureolada,
Rodeada de gases venenosos,
Radiantes planetas luminosos
Gravidade na cósmica camada!
Galáxia também hidrogenada,
Como é lindo o espaço azul-turquesa
E o sol, fulgurante tocha acesa,
Flamejando sem pausa e sem escala!
Quem de nós pensaria em apagá-la?
Só o Santo Autor da Natureza!

De tais obras, o homem e a mulher
São antigos e ricos patrimônios.
Geram corpos em forma de hormônios,
E criam seres sem dúvida sequer.
O homem, após esse mister,
Perpetua a espécie, com certeza.
A mulher carinhosa e indefesa
Dá à luz uma vida, novo brilho,
Nove meses, no ventre, aloja o filho,
Pelo Santo Poder da Natureza!

O peixe é bastante diferente:
Ninguém pode entender como é seu gênio!
Ele reserva porções de oxigênio
E mutações para o meio ambiente!
Tem mais cartilagem resistente
Habitando na orla ou profundeza,
Devora outros peixes pra despesa
Tem a época do acasalamento
Revestido de escamas, esse elemento,
Com a força da Santa Natureza!

O poraquê ou o peixe elétrico, é um tipo genuíno,
Habitante dos rios e águas pretas,
E com ele possui certas plaquetas
Que o dotam de um mecanismo fino!
E com tal cartilagem, esse ladino
Faz contato com muita ligeireza,
E quem tocá-lo padece de surpresa
Descarga mortífera, absoluta,
Sua alta voltagem eletrocuta,
Com os fios… da Santa Natureza!

A tartaruga é gostosa, feia e mansa,
Habitante dos rios e oceanos!
Chegar aos quatrocentos anos
Pra ela é rotina… é confiança!
Guarda ovos na areia e nem se cansa
De por eles zelar como defesa.
Nascido os filhotes, com presteza,
Nas águas revoltas já se jogam,
Por instinto da raça não se afogam
E também pelo Poder da Natureza!

O canário é pássaro cantor,
Diferente de garça e pelicano.
Papagaio, arara e tucano,
Todos eles com majestosa cor!
O gavião é um tipo caçador
E columbiforme é a burguesa,
O aquático flamingo é, da represa,
A ave, a rapace agigantada,
Eis o mundo das aves, a passarada
Quanto é grande, poderosa e bela, a Natureza!

A gazela, o antílope e o impala
A zebra e o alce, felizardo,
Não habitam em comum com o leopardo,
O leão e o tigre-de-bengala!
O macaco faz tudo mas não fala,
Por atraso da espécie,ou por franqueza,
Tem o búfalo aspecto de grandeza,
O boi manso e o puma tão valente,
Cada um de uma espécie diferente
Isso é coisa também da Natureza!

E acho também interessante
O réptil de aspecto esquisito
O pequeno tamanho de um mosquito,
A tromba preênsil do elefante
A saliva incolor do ruminante
A mosca nociva e indefesa
A cobra que ataca de surpresa
Aplicar o veneno é seu mister:
De uma vez mata trinta, se puder
Mas é coisa também da Santa Natureza!

No Nordeste há quem diga que o carão
Possui certos poderes encantados
E, que, através de fenômenos variados,
Prevê a mudança de estação.
De fato, no auge do verão,
Ele entoa seu cântico de tristeza
E, de repente, um milagre, uma surpresa:
Cai a chuva benéfica e divina!
Quem lhe diz, quem lhe mostra, e quem lhe ensina?
É somente o Autor da Natureza!

Quem é que não sabe que o morcego
Com o rato bastante se parece?
Nas cavernas escuras sobe e desce
Sugar sangue dos outros é seu emprego!
Às noites escuras tem apego,
Asqueroso ele é, tenho certeza.
Tem na vista sintoma de fraqueza
Porém, o seu ouvido é muito fino:
Também tem um sonar, aparelho pequenino,
Que lhe deu o Autor da Natureza!

Admiro a formiga pequenina,
Fica tal inimiga da lavoura.
No trabalho, aplicada professora,
Um exemplo de pura disciplina!
Através das antenas se combina
Nos celeiros alheios faz limpeza.
Formigueiro é a sua fortaleza
Onde cada uma delas tem emprego,
Uma entra, outra sai, não tem sossego
Quanto é grande e bonita a Natureza!

E a aranha pequena, tão arguta,
De finíssimos fios faz a teia
Nesse mundo almoça, janta e ceia
É ali que passeia, vive e luta!
Labirinto intrincado ela executa
Seu trabalho é bordado em qualquer mesa.
Quem pensar destruir-lhe a fortaleza
Perderá de uma vez toda a esperança,
Sua rede é autêntica segurança
Operária das Mãos da Natureza!

A planta firmada no junquilho:
Begônia, tulipa, margarida,
As pedras riquíssimas da jazida
Com a cor, o valor, a luz, o brilho.
A prata e o ouro cor de milho,
O brilhante, a opala e a turquesa
A pérola das joias da princesa
É difícil, valiosíssima e até
Alguém pensa ser vidro, mas não é:
É um milagre da Santa Natureza!

O inseto do sono tsé-tsé
As flores gentis, com seus narcóticos,
As ervas que dão antibióticos,
A mudança constante da maré!
A feiura real do caburé,
No pavão é enorme a boniteza,
Tem o lince visão e a agudeza
E o cachorro, finíssima audição!
Vigilante mal pago do patrão,
Isso é coisa da Natureza!

A cigarra cantante dialoga
Através do seu canto intermitente.
De inverno a verão canta contente
E a sua canção não sai de voga!
Qualquer árvore é a sua sinagoga
Não procura comida pra despesa
Sua música é sinônimo de tristeza
“Patativa da Seca” é o seu nome
Se deixar de cantar morre de fome
Mas a gente sabe que é da Natureza!

* * *

Ivanildo Vilanova pelejando com Severino Feitosa sobre o tema:

Canta quem souber cantar

Ivanildo Vilanova

Antes que apareça mote,
Poema, rojão e glosa,
Eu quero ver se Feitosa
Aguenta também meu trote,
Saber se seu holofote
Tem claridade estrelar
E dá água no seu mar
E cabe meu barco potente,
Comigo o rojão é quente,
Canta quem souber cantar.

Severino Feitosa

Não gosto de exageros,
Não tenho sangue de persa,
Muito menos de conversa
De qualquer um bagunceiro,
Não quero que o companheiro
Venha me desafiar,
Eu aqui neste lugar
Só tenho amigo e parente,
Comigo o rojão é quente,
Canta quem souber cantar.

Ivanildo Vilanova

Sua voz é de tenor
E sua presença é de artista,
Você como repentista
Pode até ter um valor,
E com outro cantador
Você pode até triunfar,
Mas é bom se incomodar
Quando me vê pela frente,
Comigo o rojão é quente,
Canta quem souber cantar.

Severino Feitosa

Se você possui cuidado
No papel de cantador,
E se acaso o colega for
Hoje decepcionado,
Regresse pra seu estado,
Pode até se preparar,
E quando um pouco decorar,
Venha que estou novamente,
Comigo o rojão é quente
Canta quem souber cantar.

Ivanildo Vilanova

Eu devia cobrar taxa
E além de taxa o juro,
Pra cantador sem futuro
Que comigo se esborracha
Pois hoje aqui você acha
Um santo pra seu altar,
Água pra seu alguidar
E vinho pra sua corrente,
Comigo o rojão é quente,
Canta quem souber cantar.

Severino Feitosa

Você teve algum cartaz
Naquele tempo passado,
Mas foi desclassificado
Em diversos festivais,
Hoje em dia está pra trás
Que nem sabe mais falar,
Antes era titular
E hoje é reserva somente,
Comigo o rojão é quente,
Canta quem souber cantar.

Ivanildo Vilanova

Mas eu achei que seu dito
Foi muito mal empregado,
Só fui desclassificado
Em São José do Egito,
Mas não me deixou aflito
Nem me tomaram o lugar,
Não digo que foi azar
Pois foi marcação somente,
Comigo o rojão é quente
Canta quem souber cantar.

Severino Feitosa

Eu que tenho poesia
Pra cantar a vida inteira,
Porque a minha bandeira
Desfraldada é mais sadia,
E tenho em minha companhia
Jesus pra me ajudar
E você para escapar
Não vai dizer que é gente,
Comigo o rojão é quente,
Canta quem souber cantar.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 07 de janeiro de 2023

DOIS MOTES BEM GLOSADOS (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

João de Lima de Alagoas glosando o mote:

Só um pingo da minha poesia
Enverdece a paisagem nordestina.

Minha nuvem de verso é tão pesada
Se eu for nos Estados mais enxutos,
Basta eu derramar vinte minutos
Toda terra de lá fica brejada
Todo mundo se atola na estrada
O mundo se enche de neblina
O arco-íris por cima da campina
Faz o sol esconder-se ao meio dia,
Só um pingo da minha poesia
Enverdece a paisagem nordestina.

Meu martelo de aço é tão potente
Onde bate não fica nem o cisco
Tem a velocidade dum corisco
Não existe pedreira que aguente
Resplandece no chão, passa corrente
Tem o brilho do sol que ilumina
Mas, depois se transforma em vitamina
Fertiliza a terra quando esfria,
Só um pingo da minha poesia
Enverdece a paisagem nordestina.

Com as ordens do Pai Celestial
Minha nuvem de versos é imensa
Se jorrar meia hora o povo pensa
Que é outro dilúvio universal
Derramando uma chuva de cristal
Enche toda barragem: chega mina
Toda água barrenta se refina
Fica doce igualmente melancia,
Só um pingo da minha poesia
Enverdece a paisagem nordestina.

Me inspiro somente em coisas boas
Nas estrelas, na lua, na floresta,
Onde as aves cantando fazem festa
Onde a voz do meu Deus do céu ecoa
No riacho, na fonte, na lagoa,
No açude, no rio, na piscina,
No lodo, no óleo, na rizina,
Na flor perfumada e bem macia,
Só um pingo da minha poesia
Enverdece a paisagem nordestina.

Me inspiro nos lindos colibris
E nas penas dos lindos sanhaçus
No batom dos bicos dos nambus
e na pronúncia dos lindos bem-te-vis
No brilho, na tinta e no verniz
Que Deus derramou da mão divina
Dando cor e beleza cristalina
Ensinando cantar com melodia,
Só um pingo da minha poesia
Enverdece a paisagem nordestina.

Me inspiro nas florestas bem cheirosas
Admiro de mais sua beleza
Vejo a mão divinal da natureza
Colocando perfume em suas rosas
Me inspiro nas pedras preciosas
Esmeralda, rubi e turmalina
Diamante, safira e oliveira
Na ciência da mineralogia,
Só um pingo da minha poesia
Enverdece a paisagem nordestina.

* * *

Marcílio Pá Seca Siqueira glosando o mote:

O nó da saudade aperta
Na amortecência do dia.

De tardezinha a saudade
De forma forte e pujante
Se torna viva e vibrante
No peito da humanidade
Bate com intensidade
Na porta da moradia
Acordando a nostalgia
Pelo vão da porta aberta
O nó da saudade aperta
Na amortecência do dia.

Depois de trancar o gado
Na calçada eu me sentava
Na sala um radio tocava
Bem baixinho e com chiado
No radio mesmo enfadado
Ouvindo a Ave Maria
O meu coração sentia
A porta da noite aberta
O nó da saudade aperta
Na amortecência do dia.

 

Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 31 de dezembro de 2022

SEIS MESTRES DO IMPROVISO E UM FOLHETO DE PELEJA (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Frondoso e bonito, o velho umbuzeiro
Que brotou das fendas abertas da terra.
Cresceu num aceiro do pé de uma serra
Passando agruras o tempo inteiro.
Foi ficando forte a cada janeiro,
Mudando a paisagem que tem no lugar.
Felizes daqueles que vem contemplar,
Seu verde, a sombra e sua doçura
O doce da fruta na forma mais pura
Que o puro da brisa que sobra do mar.

* * *

Diniz Vitorino

Qualquer dia do ano se eu puder
para o céu eu farei uma jornada
como a lua já está desvirginada
até posso tomá-la por mulher;
e se acaso São Jorge não quiser
eu tomo-lhe o cavalo que ele tem
e se a lua quiser me amar também
dou-lhe um beijo nas tranças do cabelo
deixo o santo com dor de cotovelo
sem cavalo, sem lua e sem ninguém.

* * *

Expedito de Mocinha

Eu nasci e me criei
Aqui nesse pé de serra
Sou filho nato da terra
Daqui nunca me ausentei
Estudei não me formei
Porque meu pai não podia
Jesus filho de Maria
De mim se compadeceu
E como presente me deu
Um crânio com poesia.

* * *

Firmo Batista

Um dia eu estava olhando
a serra Jabitacá
conheci que nela está
a natureza sonhando
o vento passa embalando
o corpo robusto dela
a nuvem cobrindo ela
pingos de orvalho descendo
e o Paraíba dizendo
a minha mãe é aquela.

* * *

Marcos Passos

Aos primeiros sinais da invernada,
Logo após longo tempo de estiagem,
Lá da serra, do vale e da barragem
Escutamos os sons da trovoada.
Vislumbrando a campina esverdeada,
Sertanejo se anima igual criança.
Logo mais, quando o mato se balança
E um corisco atravessa o céu nublado,
Cai a chuva no colo do roçado,
Germinando o pendão da esperança.

* * *

Jó Patriota

Na madrugada esquisita
O pescador se aproveita
Vendo a praia como se enfeita
Vendo o mar como se agita
Hora calmo, hora se irrita
Como panteras ou pumas
Depois se desfaz em brumas
Por sobre as duras quebranças
Frágeis, fragílimas danças
De leves flocos de espumas.

* * *

PELEJA DE SEVERINO PINTO COM SEVERINO MILANÊS

Um folheto da autoria de Severino Milanês da Silva

Milanês estava cantando
em Vitória de Santo Antão
chegou Severino Pinto
nessa mesma ocasião
em casa de um marchante
travaram uma discussão.

Milanês

– Pinto, você veio aqui
se acabar no desespero
eu quero cortar-lhe a crista
desmantelar seu poleiro
aonde tem galo velho
pinto não canta em terreiro

Pinto

– Mas comigo é diferente
eu sou um pinto graúdo
arranco esporão de galo
ele corre e fica mudo
deixa as galinhas sem dono
eu tomo conta de tudo

Milanês

– Para um pinto é bastante
um banho de água quente
um gavião na cabeça
uma raposa na frente
um maracajá atrás
não há pinto que aguente

Pinto

– Da raposa eu tiro o couro
de mim não se aproxima
o maracajá se esconde
o gavião desanima
do dono faço poleiro
durmo, canto e choco em cima.

Milanês

– Pinto, cantador de fora
aqui não terá partido
tem que ser obediente
cortês e bem resumido
ou rende-me obediência
ou então é destruído

Pinto

– Meu passeio nesta terra
foi acabar sua fama
derribar a sua casa
quebrar-lhe as varas da cama
deixar os cacos na rua
você dormindo na lama

Milanês

– Quando vier se confessar
deixe em casa uma quantia
encomende o ataúde
e avise a freguesia
que é para ouvir a sua
missa do sétimo dia

 

Pinto

– Ainda eu estando doente
com uma asa quebrada
o bico todo rombudo
e a titela pelada
aonde eu estiver cantando
você não torna chegada

Milanês

– O pinto que eu pegar
pélo logo e não prometo
vindo grande sai pequeno
chegando branco sai preto
sendo de aço eu envergo
sendo de ferro eu derreto

Pinto

– No dia que eu tenho raiva
o vento sente um cansaço
o dia perde a beleza
a lua perde o espaço
o sol transforma-se em gelo
cai de pedaço em pedaço

Milanês

– No dia que dou um grito
estremece o ocidente
o globo fica parado
o fruto não dá semente
a terra foge do eixo
o sol deixa de ser quente

Pinto

– Eu sou um pinto de raça
o bico é como marreta
onde bate quebra osso
sai felpa que dá palheta
abre buraco na carne
que dá pra fazer gaveta

Milanês

– Eu pego um pinto de raça
e amolo uma faquinha
faço um trabalho com ele
depois pesponto com linha
ele vivendo cem anos
não vai perto de galinha

Pinto

– Milanês, você comigo
desaparece ligeiro
eu chego lá tiro raça
me aposso do poleiro
e você dorme no mato
sem poder vir no terreiro

Milanês

– Pinto, agora nós vamos
cantar em literatura
eu quero experimentá-lo
hoje aqui em toda altura
você pode ganhar esta
porém com grande amargura

Pinto

– Pergunte o que tem vontade
não desespere da fé
do oceano, rio e golfo
estreito, lago ou maré
hoje você vai saber
Pinto cantando quem é

Milanês

– Pinto, você me responda
de pensamento profundo
sem titubear na fala
num minuto ou num segundo
se leu me diga qual foi
a primeira invenção do mundo

Pinto

– Respondo porque conheço
vou dar-lhe minha notícia
foi o quadrante solar
pelo povo da Fenícia
os babilônios também
gozaram a mesma delícia

Milanês

– Como você respondeu-me
não merece disciplina
hoje aqui não há padrinho
que revogue a sua sina
se você souber me diga
quem inventou a vacina?

Pinto

– Não pense que com pergunta
enrasca a mim, Milanês
foi a vacina inventada
no ano noventa e seis
quem estuda bem conhece
que foi Jener Escocês

Milanês

– Sua resposta foi boa
de vocação verdadeira
mas queira Deus o colega
suba agora essa ladeira
me diga quem inventou
o relógio de algibeira?

Pinto

– No ano mil e quinhentos
Pedro Hélio com façanha
em Nuremberg inventou
essa obra tão estranha
cidade da Baviera
que pertence a Alemanha

Milanês

– Pinto, cantando não gosto
de amigo nem camarada
se conhece a história
Roma onde foi fundada?
o nome do fundador
e a data comemorada?

Pinto

– Em l7 e 53
antes de Cristo chegar
nas margens do Rio Tibre
isso eu posso lhe provar
Rômulo ali fundou Roma
a 15 milhas do mar

Milanês

– Pinto, eu na poesia
quero mostrar-lhe quem sou
relativo o avião
perguntando ainda vou
diga o primeiro balão
quem foi que inventou?

Pinto

– Em mil seiscentos e nove
Bartolomeu de Gusmão
no dia oito de agosto
fez o primeiro balão
hoje no mundo moderno
chama-se o mesmo avião

Milanês

– Pinto estou satisfeito
já de você eu não zombo
mas não pense que com isto
atira terra no lombo
disponha de Milanês
pra ver se ele aguenta o tombo

Pinto

– Milanês, você comigo
ou canta ou perde o valor
você me responda agora
seja que de forma for
de quem foi a invenção
do primeiro barco a vapor?

Milanês

– Eu quero lhe explicar
digo não muito ruim
a 16 a 87
você não desmente a mim
o inventor desse barco
foi o sábio Diniz Papim

Pinto

– Em que ano inaugurou-se
da Europa ao Brasil
a linha pra esse barco
a vapor e mercantil?
Se não souber dê o fora
vá soprar em um funil

Milanês

– Foi um navio inglês
que levantou a bandeira
em 18 a 51
veio a terra brasileira
sendo a nove de janeiro
fez a viagem primeira

Pinto

– E qual foi a 1a guerra
feita a barco a vapor?
Você ou diz ou apanha
da surra muda de cor
quebra a viola e deserta
nunca mais é cantador

Milanês

– Em l8 e 65
a esquadra brasileira
dentro do Riachuelo
içou a sua bandeira
na guerra do Paraguai
foi a batalha primeira

Pinto

– Milanês, você comigo
ou canta muito ou emperra
não pode se defender
salta, pula, chora e berra
qual foi a primeira estrada
de ferro, na nossa terra?

Milanês

– Foi quando Pedro II
tinha aqui poderes mil
em 18 e 54
no dia trinta de abril
inaugurou-se em Mauá
a primeira do Brasil

Pinto

– Milanês, você é fraco
não aguenta o desafio
eu ainda estou zombando
porque estou de sangue frio
me diga quem inventou
o telégrafo sem fio?

Milanês

– Pinto, você não pense
que meu barco vai a pique
em mil seiscentos e oito
na cidade de Munique
Suemering inventou
este aparelho tão chique

Pinto

– Eu já vi que Milanês
não responde cousa à toa
se ainda quiser cantar
hoje um de nós desacoa
puxe por mim que vai ver
um pinto de raça boa

Milanês

– Pinto, o seu pensamento
pra todo lado manobra
mas eu não conheço medo
barulho pra mim não sobra
é fogo queimando fogo
é cobra engolindo cobra

Pinto

– Do pessoal do salão
levantou-se um cavalheiro
dizendo: quero que cantem
pelo seguinte roteiro
Milanês pergunta a Pinto
como passa sem dinheiro

Milanês

Oh! Pinto, você precisa
dum palitó jaquetão
uma manta, um cinturão
uma calça, uma camisa
está de algibeira lisa
não encontra um cavalheiro
que forneça ao companheiro
pra fazer-lhe um beneficio
olhe aí o precipício
como compra sem dinheiro?

Pinto

– Eu recomendo a mulher
que compre na prestação
um paletó jaquetão
a camisa se tiver
quando o cobrador vier
ela esteja no terreiro
eu fico no fogareiro
pelo oitão vou furando
ele ali fica esperando
assim compro sem dinheiro

Milanês

– Você em uma cidade
precisa de refeição
porém não tem um tostão
que mate a necessidade
ali não há caridade
na casa do hoteleiro
só encontra desespero
fala e ninguém lhe atende
fiado ninguém lhe vende
como come sem dinheiro?

Pinto

– Eu levo um carrapato
guardado dentro do bolso
vou no hotel peço almoço
no fim boto ele no prato
faço logo um desacato
chamo o garçom ligeiro
ele me diz: cavalheiro
cale a boca, vá embora;
saio por ali a fora
assim como sem dinheiro

Milanês

– Você precisa casar
para ser pai de família
precisa roupa e mobília
cama para se deitar
você não pode comprar
cadeira nem petisqueiro
atoalhado estrangeiro
mesa para refeição
você não tem um tostão
como casa sem dinheiro?

Pinto

– Se a moça amar-me enfim
me tendo amor e firmeza
não especula riqueza
nem diz que eu sou ruim
ela ontem disse a mim:
eu quero é um cavalheiro
e você é o primeiro
para ser meu defensor
quero é gozar teu amor
e assim caso sem dinheiro

Milanês

– Você depois de casado
sua esposa cai doente
você não tem um parente
que lhe empreste um cruzado
ver seu anjo idolatrado
gemendo sem paradeiro
olhe aí o desespero
na porta do camarada
só ver pobreza e mais nada
como cura sem dinheiro?

Pinto

– Eu boto-a nos hospitais
do governo do estado
pra quem está necessitado
aquilo serve demais
as irmãs especiais
chamam logo o enfermeiro:
— Vamos com isto ligeiro
tratam com mais brevidade;
se interna na caridade
assim curo sem dinheiro

Milanês

– Oh! Pinto, camaradinha
você precisa ir à feira
para comprar macaxeira
arroz, batata e farinha
bacalhau, charque e sardinha
tomate, vinho e tempero
gás, açúcar e candeeiro
biscoito, chá, macarrão
bolacha, manteiga e pão
Como compra sem dinheiro?

Pinto

– Eu dou um jeito no pé
envergo um dedo da mão
um dali dá-me um pão
outro dá-me um café
à tarde vou à maré
espero ali o peixeiro
ele é hospitaleiro
humanitário e carola
dá-me um peixe por esmola
e assim como sem dinheiro

* * *

Com este verso do Pinto
encheu de riso o salão
houve uma recepção
naquele nobre recinto
ergueu-se um rapaz distinto
com frase meiga e bela
disse: mudem de tabela
pra uma ideia mais grata:
nem a polícia me empata
de chorar na cova dela

* * *

Milanês

– Eu tive uma namorada
bonita igual Madalena
parecia uma verbena
pela manhã orvalhada
a morte tomou chegada
matou a minha donzela
quando sepultaram ela
quase a tristeza me mata
nem a polícia me empata
eu chorar na cova dela

Pinto

– Eu amei uma criatura
ela o coração me deu
na minha ausência morreu
eu sofri muita amargura
fui à sua sepultura
para abraçar-me com ela
ainda via a capela
toda bordada de prata
nem a polícia me empata
eu chorar na cova dela

Milanês

– Um dia um amigo meu,
disse com toda bravura
deixe de sua loucura
se esqueça de quem morreu
uma desapareceu
Procure outra donzela;
eu disse: igualmente aquela
não existe nesta data
nem a polícia me empata
eu chorar na cova dela

Pinto

– Desperto de madrugada
o sono desaparece
me levanto e faço prece
na cova de minha amada
volto pela mesma estrada
com o pensamento nela
quando eu não avisto ela
vou dormir dentro da mata
nem a polícia me empata
eu chorar na cova dela

* * *

– Caros apreciadores
qualquer que analisou
nem Pinto saiu vaiado
nem Milanês apanhou
vamos esperar por outra
que esta aqui terminou.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 24 de dezembro de 2022

SEIS MESTRES DO IMPROVISO E UM FOLHETO DE LEANDRO GOMES DE BARROS (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)O

Valdir Teles

No momento em que Pinto faleceu
As violas pararam de tocar
Deus mandou o Nordeste se enlutar
Respeitando o valor do nome seu
Pernambuco ao saber entristeceu
Paraíba até hoje está doente
Só tem galo cantando atualmente
Porque Pinto mudou-se do poleiro
Com a morte de Pinto do Monteiro
Abalou-se o império do repente.

Severino Lourenço da Silva Pinto, o Pinto do Monteiro (1895-1990)

* * *

Domingos Martins da Fonseca

Falar de nobreza e cor
É um grande orgulho seu
Morra eu e morra um nobre,
Enterre-se o nobre e eu,
Que amanhã ninguém separa
O pó do nobre do meu.

* * *

Manoel Macedo

Fui cantador violeiro
Nas terras do meu sertão
Mas deixei a profissão
Em Goiás fui açougueiro
Eu trabalho o dia inteiro
Com minha faca amolada
Mas da profissão passada
Uma coisa me consola
Ainda tenho a viola
Como relíquia sagrada.

* * *

Dudu Morais

A lei do retorno é dona
De uma justiça tamanha
Porque quem bate se esquece
Da cara do que apanha
Mas quem apanhou se lembra
Da cicatriz que arranha.

* * *

Oliveira de Panelas

No saco de cego tem:
Arroz, feijão e farinha
fubá de milho e sardinha,
tem pão, café, tem xerém
algum dinheiro também,
sal, bolacha, amendoim,
tem pé de porco e pudim,
tem tripa e carne de bode.
Só outro cego é quem pode
ter tanta salada assim.

* * *

Otacílio Batista Patriota

Certa vez fui convidado
Para dançar numa festa
Perto de Nova Floresta
Na Vila do Pau Inchado
Eita forró animado:
Chega a poeira cobria
Mas a mulher que eu queria
Do Pau não se aproximava
Quando eu ia ela voltava
Quando eu voltava ela ia.

A garota Manuela
Quis viver só de um negócio
Entrava sócio e mais sócio
Dentro do negócio dela
Eu fui lá falar com ela
Mostrando o que possuía:
Ela somava e media
Meu negócio não entrava
Quando eu ia ela voltava
Quando eu voltava ela ia.

* * *

O IMPOSTO DE HONRA – Leandro Gomes de Barros

O velho mundo vai mal
E o governo danado
Cobrando imposto de honra
Sem haver ninguém honrado
E como se paga imposto
Do que não tem no mercado?

Procurar honra hoje em dia
É escolher sal na areia
Granito de pólvora em brasa
Inocência na cadeia
Agua doce na maré
Escuro na lua cheia.

Agora se querem ver
O cofre público estufado
E ver no Rio de Janeiro
O dinheiro armazenado
Mande que o governo cobre
Imposto de desonrado.

Porém imposto de honra
É falar sem ver alguém
Dar remédio a quem morreu
Tirar de onde não tem
Eu sou capaz de jurar
Que esse não rende um vintém.

Com os incêndios da alfândega
Como sempre tem se dado
Dinheiro que sai do cofre
Sem alguém ter o tirado
Mas o empregado é rico
Faz isso e diz: — Sou honrado.

Dizia Venceslau Brás
Com cara bastante feia
Diabo leve a pessoa
Que compra na venda alheia
O resultado daí
É o freguês na cadeia.

 

Ora o Brasil deve à França
Mas a dívida não foi minha
Agora chega Paris
Tira o facão da bainha
E diz: — Quero meu dinheiro
Inda que seja em galinha.

Seu fulano dos anzóis
Entrou e meteu o pau
Pensou que tripa era carne
E gaita era berimbau
Vão cobrar desse, ele diz,
Quem paga é seu Venceslau.

Disse Hermes da Fonseca
Eu não tinha nem um x.
Mas achei quem emprestasse
Tomei tudo quanto quis
Embora tivesse feito
A derrota do país.

Disse Pandiá Calógeras:
— Há um jeito de salvar
Cobre-se imposto de honra
Que ver dinheiro abrejar.
Disse o Brás: — Ninguém tem honra,
Como se pode cobrar?

Apareceu uma parte
Do Rivadávia Correia:
Não tem aqui entre nós
Devido à cousa está feia
Não acha-se no senado
Procura-se na cadeia.

O major Deocleciano
Disse da forma seguinte:
— Na cadeia do Recife
Eu tive um constituinte
Entre ele e outros mais
Inda se pode achar vinte.

Disse o Dr. Rivadávia:
— Eu fiz doutor de 60
Dei carta aqui a quadrado
Que não escreve pimenta
Tem médico que receitando
Procura o pulso na venta.

Porém na minha algibeira
Sessenta fachos ficaram
Embora tenha saído
Mais burro do que entraram
Dei diploma a criaturas
Que nem o nome assinaram.

E este imposto de honra
Está nas mesmas condições
Tira-se bom resultado
Onde houver muitos ladrões
Até mesmo a meretriz
Levará seus dez tostões.

Ela pagando imposto
Pode provar que é honrada
Tendo uns oito ou nove erros
Isso não quer dizer nada
Passa por viúva alegre
Ou uma meia casada.

Qualquer ladrão de cavalo
Paga o que for exigido
Porque dessa data cru diante
Não rouba mais escondido
Com o talão do imposto
Não o prendem é garantido.

Pelo menos eu conheço
Um tal Chico Galinheiro
Que disse: — Eu pago imposto
Também quem tiver poleiro
Nunca mais há de criar-se
Nem um pinto no terreiro.

Disse Marocas de todos:
— Oh! cousa boa danada
Eu compro um vestido preto
E grito: — Rapaziada
Meu marido não morreu
Mas eu? sou viúva honrada.

Pago o imposto de honra
Boto no bolso o talão
E grito no meio da rua
Se aparecer um ladrão
Que diga: — Não és honrada
Veja se eu provo ou não.

Esses diabos que hoje
Me chamam Marocas tinha
Quando eu pagar o imposto
Me tratam por sinhazinha
Se for de tenente acima
Chamam dona Maroquinha.

Disse um zelador da noite:
— O imposto não é mau
Foi uma lembrança ótima
Aquela do Venceslau
O diabo é se o talão
Não livrar ninguém do pau.

Se a cousa for como eu penso
E não tiver seus conformes
Nós operários noturnos
Teremos lucros enormes
Cada corador por noite
Nos rende dous uniformes.

Dormindo o dono da casa
Dar-se a busca no quintal
Inda a polícia chegando
Não pode nos fazer mal
Pois nós pagamos imposto
Ao governo federal.

Disse um passador de cédula:
— Ai eu não sei o que faça
Se quem pagar o imposto
Puder passar cédula falsa
Com uma eu pago o imposto
Sai-me a receita de graça.

Disse Zé Frango: — Esse imposto
Chegando eu tenho que pagá-lo
O pago com sacrifício
Mas também tenho o regalo
Quem me chamava Zé Frango
Há de chamar Zeca-Galo.

Dizia João caloteiro:
— Está muito bem isso assim
Benza-te Deus, Venceslau
Deus te ajude até o fim
Eu hei de ver se o comércio
Ainda cobra de mim.

Tem dia que lá em casa
Eu desespero da fé
Ouço baterem na porta
Vou abrir e ver quem é
Acho na porta escorado
O caixeiro do café.

Antes de desenganá-lo
Chega o danado da venda
O sapateiro de um lado
E o turco da fazenda
O recado do açougue
A velha cobrando a renda.

Nisso chega outro diabo
Com um recibo na mão
Antes de chegar, pergunta
Se eu tenho dinheiro ou não.
Ou o dinheiro ou a chave
Manda dizer o patrão.

Eu pagando esse imposto
Fico disso descansado
Quando um bater-me na porta
Digo puxe desgraçado
Eu pago imposto de honra
Não sou desmoralizado.

Embora roube de alguém
O imposto hei de pagar
Mas todo mundo já sabe
Na bodega que eu chegar
Nem pergunto pelo preço
É só mandar embrulhar.


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 17 de dezembro de 2022

SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO EM CORDEL (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS SOFRIMENTOS DE JESUS CRISTO – José Pacheco

 

Oh Jesus meu Redentor
dos altos Céus infinitos
abençoai meus escritos
por vosso divino amor
leciona um trovador
com divina inspiração
para que vossa paixão
seja descrita em clamores
desde o princípio das dores
até a ressurreição.

Dentro do Livro Sagrado
São Marco com perfeição
nos faz a revelação
de Jesus crucificado
foi preso e foi arrastado
cuspido pelos judeus
por um apóstolo dos seus
covardemente vendido
viu-se amarrado e ferido
nas cordas dos fariseus.

Dantes predisse o Senhor
meus discípulos me rodeiam
e todos comigo ceiam
mas um me é traidor
só a mão do pecador
meu corpo ao suplicio vai
porém vos digo que vai
do homem que por dinheiro
transforma-se traiçoeiro
contra o Filho de Deus Pai.

Todos na mesa consigo
clamavam em alta voz
Senhor, Senhor qual de nós
vos trai dos que estão contigo
disse Cristo: é quem comigo
juntamente molha o pão
e todos me deixarão
mas São Pedro respondeu
mestre garanto que eu
não vos deixarei de mão.

Em verdade deixarás
nesta noite sem tardar
antes do galo cantar
três vezes me negarás
Pedro com gestos leais
disse em voz compadecida
eis-me a morte preferida
mas não serei teu contrário
ainda que necessário
me seja perder a vida.

Estava tudo benquisto
com Pedro dizendo igual
até na hora fatal
da prisão de Jesus Cristo
então quando se deu isto
Pedro a espada puxou
num fariseu despejou
um golpe tão destemido
que destampou-lhe o ouvido
quando a orelha voou.

 

Ouviu a voz sublimada
de Cristo em reclamação
dizendo em repreensão
Pedro guarde a tua espada
deixa não promovas nada
porque tudo é permitido
não sejas enfurecido
não tentes e nem te alteres
pois se com o ferro feres
com ele serás ferido.

Jesus na frente seguia
na hora que lhe prenderam
todos discípulos correram
mas Pedro atrás sempre ia
de longe coitado via
Jesus de queda e de trote
sobre as mãos do grande lote
cada bordoada um passo
até chegar no terraço
da casa do sacerdote.

Depois da tropa chegada
Jesus foi interrogado
bastantemente acusado
e Pedro viu da calçada
quando veio uma criada
perguntando com rigor
– Tu és acompanhador
do que está preso aqui?
Pedro disse: eu nunca vi
nem conheço esse Senhor.

E assim continuou
de quando em vez a negar
antes do galo cantar
3 vezes Pedro negou
depois então se lembrou
do que Jesus tinha dito
amargo e bastante aflito
derramou pranto no chão
porque fez a transgressão
do que disse a Jesus Cristo.

Jesus além da prisão
bofetes e pontapés
ainda diziam: tu és
réu da crucificação
e procuravam razão
para o tal cruel transporte
uma testemunha forte
com legalidade pura
que lhe desse a desventura
passando a pena de morte.

O sacerdote indagou
perante os fariseus
tu és o Filho de Deus
disse Jesus Cristo: eu sou
em breve verão que vou
pra meu pai Celestial
eis a voz sacerdotal
pra que testemunha mais
do que as blasfêmias tais
da boca do mesmo tal.

E rasgando-lhe o vestido
cuspiram as faces divinas
logo das mãos assassinas
foi espancado e ferido
nas cordas foi envolvido
atado de braço e mão
no outro dia então
ordenou Poncio Pilatos
dizendo aos insensatos
dai-lhe crucificação.

Pilatos bem que sabia
quase com realidade
que por inveja ou maldade
deu-se essa algozaria
mas Jesus nada dizia
Pilatos quis revogar
mas não podia falar
tantos que lhe cercavam
que lhe pedindo gritavam:
mandai-o crucificar.

Sob o poder dos ingratos
escribas e fariseus
Jesus o Filho de Deus
foi entregue por Pilatos
os mais horrendos maltratos
cada um deles fazia
Jesus a cruz conduzia
golpe de sangue lançava
do peso que carregava
quando topava caía.

Do seu vestido brilhante
brutamente lhe despiram
depois noutro lhe vestiram
de púrpura agonizante
uma corôa infamante
de espinhos tecida a mão
pra fazerem mangação
na cabeça lhe botando
todos gritavam zombando
viva o rei da nação.

Um algoz lhe espancou
com uma cana pesada
que com esta bordoada
sua cabeça sangrou
seu sangue se derramou
lavando-lhes os ombros nus
e marchando em passo truz
para em Gólgota chegar
aonde ia se findar
morto e pregado na cruz.

Jesus depois de cravado
ouviu-se os gemidos seus
clamando Deus oh! Meu Deus
porque fui abandonado
e viu-se o astro nublado
trevas pelo mundo inteiro
um centurião fronteiro
disse verdadeiramente
este homem é inocente
filho de Deus verdadeiro.

E um algoz suspendeu
uma esponja flocada
numa cana enfiada
botou vinagre e lhe deu
logo ali Jesus morreu
com seu gesto divinal
que tormento sem igual
daquela tão vil derrota
foi Judas Escariota
o sacerdote fatal.

Que profano traidor
equiparado a Lusbel
da morte fria e cruel
foi êle o traidor
que fez nosso Salvador
na cruz de prego cravado
pelo corpo retalhado
fitas de sangue corriam
dos pregos que lhe feriam
cada qual mais aguçado.

Veio José de Arimatéia
pediu seu corpo e foi dado
pareceu sendo tocado
por uma divina ideia
tirou no meio da plateia
inda pregado na cruz
afastou-se dos tafus
antes do morrer do sol
envolvido num lençol
deu sepultura a Jesus.

Numa pedra natural
que tinha grande abertura
ele deu a sepultura
ao seu corpo divinal
felizmente este local
muito fácil ele encontrou
ali o depositou
a rocha era rachada
revolveu outra pesada
cobriu com ela e deixou.

Perto estava Madalena
que sempre a Jesus seguia
ela com outra Maria
ali chorava com pena
depois dessa triste cena
seguiram na noite escura
compraram essência pura
num vaso branco trouxeram
logo de manhã vieram
incensar-lhe a sepultura.

Porém um anjo sentado
em verdade lhe dizia
eis a rocha que jazia
Jesus o crucificado
mas já foi ressuscitado
para o alto tribunal
está na graça real
na corte santa e perfeita
da parte da mão direita
de Deus Pai Celestial


Pedro Malta - Repentes, Motes e Glosas sábado, 10 de dezembro de 2022

GRANDES MESTRES DO REPENTE - 22.04.22 (POSTAGEM DE PEDRO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

O grande poeta paraibano Manoel Xudu (1932-1985)

Manoel Xudu

A arte do passarinho
Nos causa admiração:
Prepara o ninho no feno,
No meio, bota algodão
Para os filhotes implumes
Não levarem um arranhão.

* * *

Otacílio Batista

O poeta e o passarinho
são ricos de inteligência
simples como a natureza
eternos como a ciência
estrelas da liberdade
peregrinos da inocência.

Herdeiros da providência,
um no chão, outro voando,
um pena com tanta pena
outro sem pena penando,
um canta cheio de pena,
outro sem pena cantando.

* * *

João Paraibano

Faço da minha esperança
Arma pra sobreviver,
Até desengano eu planto
Pensando que vai nascer
E rego com as próprias lágrimas
Pra ilusão não morrer.

Há três coisas nesta vida
Que Deus me deu e eu aceito:
A terra para os meus pés,
A viola junto ao peito
E um castelo de sonhos
Pra ruir depois de feito.

* * *

Braulio Tavares

Superei com o valor da minha prosa
o meu mestre imortal Graciliano,
os romances de Hermilo e de Ariano
e as novelas de João Guimarães Rosa;
sou maior que Camões em verso e glosa,
com Pessoa também fui comparado,
tenho a verve do estilo de Machado
e a melódica lira de Bandeira:
sou o Gênio da Raça Brasileira
quando canto martelo agalopado!

* * *

Zé Vicente da Paraíba

O reflexo de estrelas luminosas
São lanternas de Deus no firmamento
Fica muito suave a voz do vento
Evitando qualquer destruição
Os rebanhos deitados pelo chão
E cada pássaro no galho se aquieta
Enriquece o juízo do poeta
O cair de uma noite no sertão.

* * *

Manuel Lira Flores

Quando as tripas da terra mal se agitam
e os metais derretidos se confundem,
os escuros diamantes que se fundem
das crateras ao ar se precipitam.
As vulcânicas ondas que vomitam
grossas bagas de ferro incendiado
ao redor deixam tudo sepultado
só com o som da viola que me ajuda:
treme o sol, treme a terra, o vento muda
quando eu canto o martelo agalopado!

* * *

Joaquim Vitorino

Tenho enorme inteligência
Poeta não me dá vaia
Sou vento rumorejando
Nos coqueiros de uma praia
Sou mesmo, que Rui Barbosa
Na conferência de Haia.

* * *

Diniz Vitorino cantando com Manoel Xudu

Manoel Xudu

Voei célere aos campos da certeza
E com os fluidos da paz banhei a mente
Pra falar do Senhor Onipotente
Criador da Suprema Natureza
Fez do céu reino vasto, onde a beleza
Edifica seu magno pedestal
Infinita mansão celestial
Onde Deus empunhou saber profundo
Pra sabermos nas curvas deste mundo
Que ele impera no trono divinal.

Diniz Vitorino

Vemos a lua, princesa sideral
Nos deixar encantados e perplexos
Inundando os céus brancos de reflexos
Como um disco dourado de cristal
Face cálida, altiva, lirial
Inspirando canções tenras de amor
Jovem virgem de corpo sedutor
Bem vestida num “robe” embranquecido
De mãos postas num templo colorido
Escutando os sermões do Criador.

Manoel Xudu

Os astros louros do céu encantador
Quando um nasce brilhando, outro se some
E cada astro brilhante tem um nome
Um tamanho, uma forma, brilho e cor
Lacrimosos vertendo resplendor
Como corpos de pérolas enfeitados
Entre tronos de plumas bem sentados
Vigiando as fortunas majestosas
Que Deus guarda nas torres luminosas
Que flutuam nos paramos azulados.

Diniz Vitorino

Olho os mares, os vejo revoltados
Quando o vento fugaz transtorna as brumas
E as ondas raivosas lançam espumas
Construindo castelos encantados
As sereias se ausentam dos pecados
Que nodoam as almas dos humanos
E tiram notas das cordas dos pianos
Que o bom Deus ocultou nos verdes mares
E gorjeiam gravando seus cantares
Na paisagem abismal dos oceanos.


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