Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

José Domingos Brito - Memorial segunda, 31 de março de 2025

AS BRASILEIRAS: Carolina Bori (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

AS BRASILEIRAS: Carolina Bori

José Domingos Brito

Carolina Martuscelli Bori nasceu em 4/1/1924, em São Paulo, SP. Psicóloga, pesquisadora e professora, foi pioneira na área da psicologia experimental, em fins da década de 1940. Foi uma batalhadora pela consolidação da Psicologia como ciência e sua contribuição para a Educação em todos os níveis. Sua opção pela área experimental deu-se pela crença no rigor científico na área psicológica.

 

 

 

 

 

Filha de Maria Teresa Colombo e Aurelio Martuscelli, imigrantes italianos, teve os primeiros estudos numa escola alemã e na Escola Caetano de Campos. Graduou-se em Pedagogia pela USP-Universidade de São Paulo em 1947, especializando-se em Psicologia educacional no ano seguinte. Concluiu o mestrado em 1952 na New School For Social Research, de Nova Iorque, EUA. O doutorado foi concluído na USP, em 1954, com a tese Experimentos de Interrupção de Tarefas e a Teoria de Motivação de Kurt Lewin. Em 1969 recebeu o título de livre-docente pela USP.

Liderou várias campanhas sobre o exercício profissional do psicólogo e teve o registro número 1 no conselho regional da categoria, em 1971, sendo a única mulher dentre os constituintes. Batalhou pelo currículo mínimo para a graduação e pela implantação do curso de pós-graduação em Psicologia. Presidiu e participou de inúmeras comissões para criação de cursos de Psicologia e de pós-graduação em todo o país, defendendo a obrigatoriedade de uma porcentagem de disciplinas com trabalho de campo ou laboratório e solicitando auxílios às instituições de fomento. Na década de 1960, assessorou Darcy Ribeiro na criação do curso de Psicologia da Universidade de Brasília e na estrutura dos cursos de formação básica.

Intermediou contatos com a administração da USP para importar equipamentos e realizou congressos com grupos de colaboradores, enquanto divulgava os princípios de análise do comportamento pelo Brasil propiciando condições para a vinda do professor Fred Simmons Keller, praticante da Análise do Comportamento e um dos responsáveis pela introdução dessa abordagem psicológica no Brasil, em sua passagem pela USP em 1961.

Participou de diversas instituições, convivendo com cientistas do Conselho da SPBC e assumiu vários cargos, na condição de presidente da ABP-Associação Brasileira de Psicologia (1954-1955 e 1963-1965); ANPEPP-Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (1984-1986); Área da Comissão de Acompanhamento e Avaliação de Cursos de Psicologia do MEC; SBPC-Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (1986-1989); SBP-Sociedade Brasileira de Psicologia (1990-1994) e Comissão de Especialistas de Psicologia do MEC (1995-1996).

Orientou mais de cem teses e dissertações acadêmicas e trabalhou na formação de pesquisadores, produção e registro de conhecimentos. Traduziu livros básicos para a formação de alunos, numa época de poucas opções bibliográficas. Partia da formulação do problema para tomar decisões, buscar soluções e conseguir resultados. Participou das campanhas para o desenvolvimento da Psicologia e ciência no Brasil até sua morte, em 4/10/2004, aos 80 anos. Dentre as homenagens que recebeu, destacam-se o Prêmio “Fred Keller”, outorgado pela APA-American Psicological Association, em 1999 e comendadora da Ordem Nacional do Mérito Científico, em 1998. Desde o ano 2000, A SBPC concede anualmente o “Prêmio Carolina Bori Ciência e Mulher“ às cientistas destacadas em suas áreas.

Um panorama geral de sua atuação foi realizado pela revista Psicologia: Ciência e Profissão, nº 32 de 2012: Contribuição para a formação de psicólogos: análise de artigos de Carolina Bori publicados até 1962. Outro artigo enfocando a pessoa, um ensaio biográfico, encontra-se na revista Psicologia: Reflexão e Crítica, vol. 11, nº 2. 1998: Carolina Matuscelli Bori: uma cientista brasileira.

 

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 23 de março de 2025

OS BRASILEIROS: Gilberto Freyre (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

OS BRASILEIROS: Gilberto Freyre

José Domingos Brito

Gilberto de Mello Freyre nasceu em 15/3/1900, em Recife, PE. Foi um dos “intérpretes” do Brasil. O verbete da Wikipedia diz que “foi um polímata brasileiro”, ou seja, alguém que detém um grande conhecimento em diversos assuntos. Sociólogo, escritor, antropólogo, geógrafo, historiador, jornalista, ensaísta, poeta e pintor. Foi o intelectual mais premiado na história do País e um dos mais importantes sociólogos do século XX, conclui o verbete.

 

 

Filho de Francisca de Mello Freyre e Alfredo Freyre, professor de Economia Política da Faculdade de Direito do Recife, teve os primeiros estudos em inglês, no jardim da infância, do Colégio Americano Batista Gilreath, que seu pai ajudou a fundar. Ainda jovem foi protestante batista, chegando a ser missionário. Aos 18 anos foi estudar nos EUA, na Universidade Baylor (Texas), onde se formou bacharel em Artes Liberais e na Universidade Columbia, onde conheceu Franz Boas, sua referência intelectual. Ao frequentar cultos nos EUA, desencantou-se com protestantismo batista e tornou-se ateu, embora mantivesse uma cosmovisão cristã e simpatizasse com o Xangô do Recife.

Em 1922 publicou sua dissertação de mestrado Social life in Brazil in the middle of the 19th century, na revista Hispanic American Historical Review, obtendo o título “Master of Arts”. Seu primeiro (e mais conhecido) livro Casa-grande & senzala (1933), é considerado uma das intepretações do Brasil. Embora o livro tenha lhe rendido o título de “ideólogo da democracia racial no Brasil”, o tema não foi abordado diretamente no livro. Ao contrário da acepção do termo erroneamente atribuído a ele, Freyre não via o Brasil como uma “democracia racial” no sentido de ausência de racismo. De certo modo, ele rechaça as doutrinas racistas de branqueamento do Brasil e demonstrou que o determinismo racial ou climático não influencia no desenvolvimento de um país. O livro é o primeiro de uma trilogia junto com Sobrados & Mucambos (1936), sobre a sociedade no Brasil imperial e Ordem & Progresso (1957), onde discute a sociedade brasileira durante a República.

Era dotado de estilo, uma verve literária incomum. Na década de 1920 escreveu um poema inspirado em sua primeira visita à Salvador, intitulado Bahia de todos os santos e de quase todos seus pecados. O poema deixou Manuel Bandeira tão animado, que declarou numa carta: “Teu poema, Gilberto, será a minha eterna dor de corno. Não posso me conformar com aquela galinhagem tão gozada, tão envergonhosamente lírica, trescalando a baunilha de mulata asseada!”. Os dois mantinham uma ativa troca de correspondência.

Como historiador deu certa relevância ao protagonismo de Portugal e foi pioneiro no estudo histórico e sociológico dos territórios colonizados pelos portugueses. Chegou a desenvolver um ramo de estudo/pesquisa, que chamou de “Lusotropicologia”, com a publicação do livro O mundo que o português criou (1940), ressaltando o papel dos portugueses na criação da “primeira civilização moderna nos trópicos”. É verdade que a ditadura portuguesa do governo Salazar, usou e abusou destes feitos para exaltar a pátria portuguesa no mundo e justificar seus atos, mas isso é outra história.

Antecedeu questões do atual multiculturalismo como política de uma ideal inclusão harmônica. Frente à questão, o historiador George Reid Andrews sintetizou sua posição: “Os proponentes do branqueamento tinham buscado europeizar o Brasil e torná-lo branco; Freyre, em contraste, aceitou que o Brasil não era nem branco nem europeu, e que nunca o seria. Em vez de a Europa dos trópicos, o Brasil estaria destinado a ser um novo mundo nos trópicos: um experimento exclusivamente americano no qual europeus, índios e africanos tinham se juntado para criar uma sociedade genuinamente multirracial e multicultural”. Como político, foi presidente do partido UDN-União Democrática Nacional e foi eleito deputado para a Assembleia Constituinte, em 1946. Faleceu em 18/7/1987 e deixou mais de 30 livros publicados com fecundos estudos sobre o povo brasileiro.

A lista de prêmios, títulos e honrarias que recebeu é grande, incluindo o “Prêmio Aspen”, consagrado a “indivíduos notáveis por contribuições excepcionalmente valiosas para a cultura humana”, Ordem Nacional da Legião de Honra, da França, Ordem do Império Britânico, Prêmio Internacional La Madonnina, Ordem Militar de Cristo, de Portugal, entre outros. No plano nacional, foi agraciado com outros tantos, como: Prêmio Moinho Santista, Medalha Joaquim Nabuco, Premio Jabuti, Prêmio Esso, Troféu Diarios Associados, Medalha Massagana, Ordem do Mérito dos Guararapes, de Pernambuco etc.

A Fundação Gilberto Freyre abriga a Casa-Museu Magdalema e Gilberto Freyre, no bairro Apipucos, Recife, onde viveu por mais de 40 anos. Aberto à visitação pública, mantém variado acervo de objetos colecionados e ordenados pela família Freyre. São peças de origem africana, azulejos portugueses com peças da arte popular brasileira, porcelanas orientais com prataria inglesa e portuguesa, além de vasto acervo bibliográfico e uma rica pinacoteca. Clique aqui para acessar.

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 16 de março de 2025

AS BRASILEIRAS: Alice Canabrava (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

AS BRASILEIRAS: Alice Canabrava

José Domingos Brito

Alice Piffer Canabrava nasceu em 22/10/1911, em Araras, SP. Historiadora, professora e pesquisadora, revolucionou o método de pesquisa da história econômica do Brasil, modificando a forma de levantar dados e informações sobre a construção da economia nas Américas. O método consiste em buscar registros da época dos acontecimentos circunstanciais de seu objeto de pesquisa.

 

Filha de Otilia Pìffer e Clementino Canabrava, cursou o ginásio no Colégio Stanfford e ingressou na Escola Normal Caetano de Campos, tornando-se professora do ensino primário. No início da década de 1930 cursou História e Geografia na FFLCH-Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Aluna destacada, foi convidada como professora assistente de História da América. Tal convite incentivou-a realizar os cursos de mestrado e doutorado em História.

Nestes cursos foi influenciada por professores que promoviam a adoção de métodos interdisciplinares que facilitavam a interconexão entre história, geografia e economia, que vieram marcar sua abordagem ao longo da carreira acadêmica. O período de rápida industrialização nas décadas de 1930 e 1940, durante o governo de Getúlio Vargas levou-a considerar as mudanças no contexto nacional e buscar uma compreensão do desenvolvimento econômico do País através de uma perspectiva histórica.

Recebeu influência da “Escola dos Annales”, de Paris, com ênfase no aspecto econômico-social e tornou-se uma referência nessa área de estudo. Explorando questões referentes ao comércio, à circulação de riquezas e aos impactos econômicos, tal abordagem fortaleceu o campo da história econômica no Brasil. Concluiu o doutorado com a tese O comércio português no Rio da Prata1580-1640, Em 1946 obteve o título de livre-docente com a tese A indústria do açúcar nas ilhas inglesas e francesas do Mar das Antilhas (1697-1755).

Em 1951 foi nomeada professora titular de História Econômica do Brasil na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo-FEA da USP, onde se tornou a primeira mulher da USP a conquistar a posição de catedrática por concurso com a tese O Desenvolvimento da Cultura do Algodão na Província de São Paulo. Na década de 1940, no Brasil, a História Econômica ainda não era uma disciplina bem definida. As duas teses que ela apresentou à cátedra de História da América na FFCLH/USP, obtendo os títulos de doutora e livre-docente, podem ser consideradas pesquisas em História Econômica.

Em 1961, foi uma das fundadoras da Associação dos Professores Universitários de História-ANPUH) e participou do “Encontro Internacional de Estudos Brasileiros”, em 1971, onde foi debatido importantes questões sobre a historiografia brasileira. Na década de 1970 contribuiu em duas áreas: reflexões sobre Von Martius, Varnhagen e Capistrano de Abreu, e a análise da estrutura da propriedade da terra, escravidão e riqueza na capitania de São Paulo, utilizando métodos da história quantitativa. Nessas reflexões, defendeu a ideia que a acumulação de riqueza em São Paulo se dava a partir de uma dinâmica interna, desprendendo-se da visão de Caio Prado. Por tais contribuições, recebeu o título de Professora Emérita da USP, em 1985, após sua aposentadoria 1981.

A metodologia e enfoque de seus estudos moldaram as dinâmicas sociais e econômicas do colonialismo europeu nas Américas. Segundo o historiador Sergio Buarque de Holanda “Se os modernos estudos de história econômica, tais como, entre nós, vem praticando especialmente Alice P. Canabrava, podem ser responsabilizados até certo ponto pela renúncia às vastas sínteses em proveito de trabalhos monográficos, ninguém negará que tendem a oferecer, por outro lado, algumas vantagens claras. Entre elas a de contribuírem para desfazer as ilusões raciais, políticas ou nacionais que por tanto tempo vem perseguindo certos espíritos”

Faleceu em fevereiro de 2003 e deixou um legado considerável na área dos estudos de História. Sua tese de doutorado, transformada em livro – O comércio português no Rio da Prata 1580-1640 -, publicado em 1984 pela Editora Itatiaia, revelou as vias clandestinas pelas quais a prata extraída das minas de Potosí, localizadas na Bolívia, fluía para o Brasil durante o período colonial. Esse trabalho foi amplamente elogiado pela crítica nacional e internacional, devido à sua profundidade e originalidade, bem como ao uso intensivo de fontes primárias de informação.

 


José Domingos Brito - Memorial segunda, 10 de março de 2025

OS BRASILEIROS: Angelo Agostini (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

OS BRASILEIROS: Angelo Agostini

José Domingos Brit

Angelo Agostini nasceu em 8/4/1843, em Vercelli, Itália. Caricaturista, ilustrador, desenhista, crítico de arte, pintor e gravador. É o mais importante artista gráfico no período do Segundo Reinado, pioneiro da revista em quadrinhos e desenhista da queda do Império e a consolidação da República no Brasil.

 

 

Ainda criança mudou-se para Paris, onde concluiu os estudos de desenho. Aos 16 anos, passou a viver em São Paulo com sua mãe, a cantora lírica Raquel Agostini. Aos 21 iniciou a carreira de cartunista e, junto com Sizenando Barreto Nabuco de Araújo (1842-1892) e do poeta Luís Gama (1830-1882), funda o semanário liberal Diabo Coxo, contando com sátiras sobre a Guerra do Paraguai e pequenos artigos com críticas às ordens religiosas. No ano seguinte lançou o Cabrião, cuja sede chegou a ser depredada, devido as críticas ao clero e à elite escravocrata. Fechou no ano seguinte e foi o primeiro órgão de imprensa no país a sofrer processo judicial.

Em seguida, mudou-se para o Rio de Janeiro e passa a colaborar no periódico O Arlequim e na revista Vida Fluminense, em 1869, que publica pela primeira vez a história (em quadrinhos) infantil Nhô Quim, publicada também em outras revistas. Os personagens são caipiras recém-chegados à cidade e convivem ao mesmo tempo com um mundo que se estrutura à margem da corte e com todos os tipos e entidades da mitologia rural brasileira.

Em 1876 fundou a Revista Ilustrada, uma das primeiras a exercer concretamente a autonomia de imprensa no 2º Reinado. Não aceita patrocínios e vive da venda de sua tiragem. Aqui publicou a célebre série de caricaturas do imperador Dom Pedro II. Seu traço aprofunda o realismo se aproximando de uma imagem quase fotográfica. A revista se engaja na campanha abolicionista e serve de veículo para posições anticlericais e republicanas. Segundo Joaquim Nabuco, a “Revista Ilustrada era a Bíblia Abolicionista do povo que não sabia ler”. O editor passa a atuar regularmente como crítico de arte, defendendo pintores que demonstram discordância com os preconceitos da Academia Imperial de Belas Artes.

Saiu em defesa dos artistas do Grupo Grimm, demostrando simpatia pelo comportamento antiesquemático daqueles paisagistas. Em 1879, editou a série de caricaturas “Salão Fluminense-Escola Brazileira”, em que satiriza as obras enviadas para os salões de belas-artes, incluindo as obras do pintor Victor Meirelles: “A Batalha dos Guararapes” e de Pedro Américo: “A Batalha do Avaí”. Durante a campanha abolicionista, publica a série de caricaturas “Cenas da Escravidão”, denunciando as diversas formas de tortura aplicadas aos negros cativos.

Em 1889 mudou-se para Paris e lá permanece até 1895. No retorno ao Rio de Janeiro, fundou a revista Dom Quixote; inicia a publicação das Aventuras de Zé Caipora; e passa a se dedicar mais às histórias em quadrinhos. Por esta época passou a se dedicar, também, à pintura e participou de todas as exposições gerais de belas artes até sua morte, em 28/1/1910. Segundo Nelson Werneck Sodré, “foi um artista extraordinário que engrandeceu suas criações com o sentido político que lhes deu”. Para o crítico Quirino Campofiorito “sua presença como pintor é bastante modesta, destacando-se sobretudo como desenhista e caricaturista. Foi feroz e decidido trabalhador pelo Abolicionismo e pela República, como jornalista brilhante e corajoso”.

O Salão Internacional do Humor de Piracicaba outorga anualmente o “Trofeu Angelo Agostini”, uma premiação promovida pela ACQ-Associação de Caricaturistas e Quadrinistas. Trata-se do maior prêmio dos quadrinhos no Brasil (https://bit.ly/TroféuAngeloAgostini). O dia 30 de janeiro entrou no calendário oficial do Brasil como “Dia do Quadrinho Nacional”, devido ao fato dele ter publicado ter publicado As aventuras de Nhô-Quim, o primeiro quadrinho brasileiro nesta data, em 1869.

Gilberto Maringoni publicou, em 2011, a biografia Angelo Agostini: a imprensa ilustrada da Corte à Capital Federal, pela editora Devir, com base em sua tese de doutorado, defendida em 2006 na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Sociais da USP.

 


José Domingos Brito - Memorial segunda, 24 de fevereiro de 2025

OS BRASILEIROS: Cesar Lattes (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

OS BRASILEIROS: Cesar Lattes

José Domingos Brito

Cesare Mansueto Giulio Lattes nasceu em 11/7/1924, em Curitiba. Um dos maiores cientistas brasileiros. Físico, codescobridor do “méson pi”, que deu o Prêmio Nobel de Física de 1950 a Cecil Frank Powell, líder do grupo de pesquisa, e fundamental para o desenvolvimento da física atômica. Exerceu forte liderança na criação do CNPq-Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

 

 

 

Filho de Carolina Maroni Lattes e Giuseppe Lattes, imigrantes italianos, completou o ensino médio no Colégio Dante Alighieri e se graduou em física aos 19 anos pela USP-Universidade de São Paulo. Teve como professor e mentor o cientista Gleb Wataghin, mestre de uma geração de físicos, como Mário Schenberg, Jayme Tiomno, Oscar Sala e Sônia Ashauer.

Conviveu com os cientistas pernambucanos Mário Schenberg, José Leite Lopes e Leopoldo Nachbin, e costumava brincar dizendo que para ser um grande cientista, só havia duas alternativas: nascer em Pernambuco ou se casar com uma pernambucana. Foi o que ele fez em 1947 ao se casar com a matemática Martha Siqueira Neto, com quem teve 4 filhas e foi o amor de sua vida em mais de 50 anos. Quando ela faleceu, em 14/10/2002, ele declarou “Minha vida acabou”. De fato, foi o que se deu logo após, com problemas cardíacos e pulmonares, que se acumularam até o falecimento em 8/3/2005.

Embora fosse o principal pesquisador e primeiro autor do artigo que descreve o “méson pi”, apenas Cecil Frank Powell -líder do grupo- foi agraciado com o Nobel de Física, não obstante ele ter merecido a premiação devido ao “seu desenvolvimento do método fotográfico de estudo dos processos nucleares e suas descobertas em relação a mésons feitas com este método”. O que impediu que ele recebesse o prêmio foi a determinação da política do Comitê do Nobel, até 1960, de conceder o prêmio apenas ao líder do grupo de pesquisa.

Mais tarde ele declarou: “Sabe por que eu não ganhei o prêmio Nobel? Em Chacaltaya, quando descobrimos o méson-pi, se publicou: Lattes, Occhialini e Powell. E o Powell, malandro, pegou o prêmio Nobel pra ele. Occhialini e eu entramos pelo cano”. Realmente, ele é o primeiro autor citado no artigo, que levou ao Prêmio Nobel. Powell é o último, conforme a referência bibliográfica: Lattes, C.M.G.; Muirhead, H.; Occhialini, G.P.S.; Powell, C.F. (1947). Processes involving charged mesons. Nature. 159 (4047): 694–697. Tal façanha marcou o início de um novo campo de estudos: a física das partículas elementares. Chegou a haver rumores que Niels Bohr teria deixado uma carta intitulada “Por que César Lattes não ganhou o Prêmio Nobel – Abra 50 anos após a minha morte”. No entanto, durante as buscas feitas no Arquivo Niels Bohr, em Copenhague, a carta não foi encontrada.

Não recebeu a premiação, mas entre 1949 e 1954, foi indicado 7 vezes ao Prêmio Nobel de Física. Além de sua atuação na criação do CNPq, em 1951, teve papel destacado na criação do CBPF-Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, em 1949, e do IMPA-Instituto de Matemática Pura e Aplicada, em 1952. Teve participação fundamental no Instituto de Física da USP, onde implantou o laboratório de emulsões nucleares, e na UNICAMP, dirigindo o Departamento de Cronologia, Raios Cósmicos e Altas Energias do Instituto de Física e montou o laboratório de Síncroton.

Apesar de ser crítico de Einstein, suas pesquisas foram fundamentais para o desenvolvimento da ‘Teoria da Relatividade’, pois foram precursoras para a concepção dos ‘quarks’, apresentando fundamentos das teorias sobre a criação e a expansão do universo. Suas contribuições não se restringem ao meio acadêmico. Entre 1945 e 1956, houve uma forte interseção entre ciência e política. Os pesquisadores tinham a noção de que a ciência, para progredir, tem que partir de preceitos políticos capazes de arregimentar apoio logístico e financeiro em questões estratégicas para o desenvolvimento nacional.

De 1950 a 1959, esteve presente na Comissão de Raios Cósmicos da União Internacional de Física Pura e Aplicada, demonstrando a necessidade de integração em parcerias e cooperação entre nações em prol do desenvolvimento científico. Recebeu várias homenagens nacionais e internacionais em reconhecimento ao legado de suas contribuições. Numa das homenagens, o CNPq deu seu nome à “Plataforma Lattes”, uma base de dados de currículos e instituições nas áreas do conhecimento. Trata-se do registro da vida profissional dos pesquisadores, elemento indispensável à análise de mérito e competência dos pleitos apresentados às agências de fomento no Brasil.

Dentre tantas homenagens de instituições científicas, vale citar uma bem popular, como o samba-enredo da Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira: “Ciência e Arte”, numa parceria de Cartola e Carlos Cachaça, em 1947. A canção foi regravada em 1999 por Gilberto Gil no álbum Quanta Live, premiado com o “Grammy” na categoria World Music. Contamos ainda com a excelente biografia – Cesar Lattes: uma vida – visões do infinito, de Maria Góes e Tato Coutinho, publicada pela editora Record, em 2024. Neste ano seu nome foi inscrito no “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”. Para conhecer melhor o caráter humano do cientista, vale a pena ver a entrevista concedida por suas filhas. Para ler, clique aqui.

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 16 de fevereiro de 2025

AS BRASILEIRAS: Julia Wanderley (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

AS BRASILEIRAS: Julia Wanderley

José Domingos Brito

Júlia Augusta Wanderley de Souza Petrich nasceu em 26/8/1874, em Ponta Grossa, PR. Professora e educadora, pioneira no magistério feminino. Aos 16 anos requereu ao Governo do Estado autorização para cursar a Escola Normal, só frequentada na época por meninos. Foi a primeira mulher nomeada pelo Governo do Paraná a exercer o magistério.

 

Filha e Laurinda de Souza Wanderley e Afonso Guilhermino Wanderley, um dos pintores do interior da Catedral de Curtitiba. Ainda criança, mudou-se com a família para Curitiba, onde teve aulas com professores particulares antes de frequentar o colégio. Em 1890 ingressou no curso secundário, concluindo-o no Ginásio Paranaense. Nesta época liderou o movimento para o ingresso de moças no educandário até então permitido somente para homens. Recebeu o diploma de professora normalista em novembro de 1892.

Em seguida tornou-se regente da Cadeira de Instrução Primária de Curitiba. A partir de 1894, passou a dirigir a Escola Tiradentes. No ano seguinte casou-se com o comerciante Frederico Petriche e passou a atuar imprensa local com artigos no jornal Operário Livre sobre pedagogia e questões sociais. Ficou conhecida pelos colegas como “advogada do professorado”, devido a defesa e importância que atribuia à profissão. De formação católica e idéias socialistas, adotou o pseudônimo de Augusta de Souza para assinar muitos de seus artigos

Segundo o fundador da UFPR-Universidade Federal do Paraná, Dr. Vítor Ferreira do amaral: “Era o tipo mais completo de professora que conheci, durante os anos em que fui diretor da Instituição. Inteligência lúcida, de uma intuição que quase atingia as raias da adivinhação, com uma cultura não vulgar e uma decidida vocação pedagógica que a tornava querida e admirada de seus discípulos e a colocava em destaque entre as suas colegas como primus inter pares.”

Em 1915, foi nomeada membro efetivo do Conselho Superior do Ensino Primário e ditetora da Escola Intermediária de Curitiba, onde lecionou por 25 anos. Faleceu em 5/4/1918 e recebeu diversas homenagens. Em 1927 foi inaugurado na Praça Santos Andrade, frente ao Museu da UFPR, seu busto. Seu nome foi dado à ruas de Ponta Grossa e Curitiba, bem como um colégio estadual e o grêmio do Instituto de Educação do Paraná.

Como atividade de lazer, gostava de fotografar e manteve uma grande ccoleção do fotos sobre a sociedade paranaense, contando com imagens do cotidiano, do povo, dos costumes, das atividades laborais, dos eventos e outros temas assuntos. Muitos dados que os historiógrafos do Paraná hoje utilizam foram obtidos através da pesquisa desse vasto material iconográfico. Em 2013, Silvete Aparecida Cripa de Araújo escreveu sua biografia: Professora Julia Wanderley: uma mulher-mito (1874 – 1918), publicada na: Série Pesquisa da Editora da UFPR.

 


José Domingos Brito - Memorial segunda, 10 de fevereiro de 2025

OS BRASILEIROS: Fernando Gasparian (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOA BRITO)

OS BRASILEIROS: Fernando Gasparian

José Domingos Brito

Fernando Gasparian nasceu em 27/1/1930, em São Paulo. Empresário, editor, livreiro, escritor, jornalista e político. Deputado federal, na Assembléia Constituinte de 1988, ficou conhecido por ter elaborado o polêmico § 3º do art. 192 da Constituição brasileira de 1988 que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano. Teve atuação destacada na criação de uma imprensa livre e independente.

 

 

Filho de Zília Gasparian e Gaspar Gasparian, imigrante armênio e industrial do ramo têxtil, ingressou na Escola de Engenharia da Universidade Mackenzie, em 1948. No movimento estudantil, presidiu o Centro Acadêmico Horácio Lane e a UEE-União Estadual dos Estudantes de São Paulo, em 1951. Graduou-se em 1952 e no ano seguinte passou a integrar o grupo responsável pelo Jornal de Debates, ao lado de Rubens Paiva, Almino Afonso, Matos Pimenta e Marcos Pereira.

Ingressou na vida sindical e elegeu-se, em 1957, diretor e depois presidente do Sindicato das Indústrias da Fiação e Tecelagem de São Paulo, à época o maior sindicato patronal do País. No ano seguinte, integrou o quadro de diretores da FIESP/CIESP. Em 1960 foi diretor-financeiro da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Atuou como interventor na CNI-Confederação Nacional da Indústria, em 1961, substituindo Franco Montoro. Neste periodo, reduziu o nº de funcionários de 2 mil para 1.200 e conseguiu o apoio da CNI para o proejto de lei do 13º salário, aprovado mais tarde No Governo João Goulart foi cogitado para assumir o Ministério da Indústria e Comércio, mas foi preterido por Auro de Moura Andrade. Em 1963 passou a integrar o CNE-Conselho Nacional de Economia. No ano seguinte, pouco antes do Golpe Militar, adquiriu, junto com Francisco Filleppo e Fuad Mattar a empresa América Fabril, que se encontrava sob intervenção do Banco do Brasil. Mudou-se para o Rio de Janeiro, em fins de 1964, e continuou na área sindical, vindo a representar o Estado no conselho da CNI. Por esta época ajudou a fundar o partido MDB-Movimento Democrático Brasileiro, de oposição ao governo militar e teve seu nome cogitado para suceder o governador Laudo Natel, de São Paulo.

Em 1966 lançou o livro Em Defesa da Economia Nacional, publicado pela Editora Saga. No ano seguinte, com a nova Constituição, foi extinto o CNE e ficou decidido que os membros ficariam em disponibilidade remunerada até o encerramento do mandato, em fins de 1968. Ele recusou-se a permanecer no cargo e pediu demissão. “Não iria passar pelo vexame de receber sem trabalhar”, declarou mais tarde. Com a decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5), foi cassado e passou por um auto-exílio. Teve que mudar-se para os EUA, onde foi trabalhar no Centro de Estudos Internacionais da Universidade de Nova Iorque, seguido da Inglaterra, passando a lecionar no St. Anthony’s College, da Universidade de Oxford, como professor-visitante na área de economia latino-americana.

Na ocasião, escreveu o livro Capitais estrangeiros e desenvolvimento na América Latina, lançado no Brasil em 1973, pela Ed. Civilização Brasileira. Ainda na exílio na Europa, seu filho Marcus Gasparian conta que ele “perdeu sua indústria (têxtil) ao ser forçado por um emissário do governo a assinar um documento no aeroporto de Heatrrow, passando todas as suas ações pelo preço de um cruzeiro. Do contrário, todos os créditos seriam cortados, o que levaria a empresa à falência provocando o desemprego de milhares de funcionários”.

Retornou ao Brasil, em 1972, e fundou o semanário Opinão, em oposição aberta ao regime militar. Entre os colaboradores, contava com os principais intelectuais brasileiros. Por essa época adquiriu o controle acionário da editora Paz e Terra e fundou a livraria e a revista Argumento. Como editor, recebeu de seu amigo Paulo Freire os originais do livro Pedagogia do oprimido, “contrabandeado” para o Brasil pelo diplomata suíço Jean Ziegler. Mesmo que o autor fosse um exilado cujas obras estivessem proibidas pela censura, ele publicou a obra e a divulgou pelo país, arrostando a censura prévia e a perseguição política de que também era alvo. Em 1975, lançou os Cadernos de Opinião”, publicação mensal de maior fôlego e voltada ao público mais acadêmico.

No mesmo ano foi diretor da SIP-Sociedade Interamericana de Imprensa e em agosto foi preso por ter publicado, nos Cadernos de Opinião, uma conferência do cardeal Dom Hélder Câmara, cujo nome era proibido até de ser mencionado na imprensa. A publicação foi apreendida e retornou mais tarde com o título Ensaios de Opinião. Em novembro de 1976, a sede do semanário Opinião foi alvo de uma atentado a bomba e deixou de circular no ano seguinte. A partir daí, ele passou a dedicar-se à administração da Editora Paz e Terra.

Com a extinção do bipartidarismo, em 1979, filiou-se ao PMDB-Partido do Movimento Democrático Brasileiro, vindo a integrar o diretório regional. Em 1982, voltou a viver em São Paulo e assumiu a vice-presidência do SNEL-Sindicato Nacional dos Editores de Livros. Acumulou o cargo com a Secretaria de Relações Internacionais do PMDB. Em seguida foi tesoureiro da campanha de Fernando Henrique Cardoso à prefeitura de São Paulo em 1985, e no ano seguinte ocupou a tesouraria do PMDB de São Paulo. Em seguida elegeu-se deputado federal constituinte, empossado em 1987. Participou de diversas comissões, e ganhou notoriedade como relator da Comissão Subcomissão do Sistema Financeiro, onde defendeu uma emenda constitucional que previa restringir a cobrança de juros bancários a 12% ao ano, visando uma desoneração das atividades produtivas. Mais tarde afirmou que o limite de 12% de juros ao ano não prosperou por culpa dos banqueiros, que, segundo ele “mandam neste País”

Em 1988 presidiu a Comissão de Fiscalização e Controle dos atos do Executivo, paralelamente aos trabalhos da Constituinte. Disputou a reeleição em 1990, mas obteve apenas uma suplência e deixou a Câmara em 1991. Enquanto isso, Orestes Quércia construia a sede do Parlamento Latino-Americano, instalado no Memorial da América Latino, um sonho que vinha sendo alimentado por Franco Montoro durante décadas. Gasparian foi convocado para dirigi-lo no periodo 1993-1995, defendendo a formação da União Latino-Americana de Nações. Em 1995 o Parlatino ficou sob a presidência de um deputado colombiano e ele passou a compor o conselho consultivo da entidade e o conselho curador do Memorial da América Latina. Estas foram suas últimas atividades públicas. Logo retomou suas atividades na Editora Paz e Terra e veio a falecer em 7/10/2006. Os interessados em conhecê-lo melhor podem acessar seu necrológio: “Fernando Gasparian, o homem que disse não ao não”, disponivel no link: https://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/500-memoria-1

Opinião foi um semanário brasileiro que circulou entre 23 de outubro de 1972 e 8 de abril de 1977.[1] Chegou a atingir a tiragem de 38 mil exemplares semanais em seu primeiro ano, aproximando-se à tiragem da revista Veja, tamanha sua repercussão no cenário nacional. Destacou-se, ao lado dos jornais O Pasquim e Movimento, como um jornal ligado à chamada imprensa alternativa,[2] concentrando-se na veiculação de artigos escritos por jornalistas e intelectuais de oposição ao regime militar. O fim do jornal nas palavras de Fernando Gasparian, dono da empresa que publicava o jornal, se deu “quando não era mais possível aguentar a censura”.

 

História

O Opinião surgiu no apogeu do regime militar brasileiro, indo às ruas pela primeira vez em 23 de outubro de 1972. Um de seus idealizadores foi Fernando Gasparian, que teve a morte de Rubens Paiva como grande motivação para criar este semanário.[3] Para integrar a equipe de redação, convidou Raimundo Rodrigues Pereira, que passou a atuar como editor-chefe.

A ideia original de Fernando Gasparian era montar um veículo que permitisse discussões e debates intelectuais, inspirado no inglês The New Statesman. Já Raimundo Pereira projetou o jornal inspirado no The Guardian Weekly, também britânico, que se tratava de uma seleção semanal de artigos de outras publicações como o The Guardian, Le Monde e New York Times.
Características editoriais

O projeto gráfico do Opinião foi elaborado por Elifas Andreato. O formato, as composições e a diagramação do semanário “privilegiava as caricaturas fortes de conteúdo grotesco, mas com traço fino e elegante”.[3]

Algumas das seções de maior destaque dentro do jornal eram Cena Brasileira e Gente Brasileira. Apresentavam aos leitores alguns protagonistas sociais e cenários desconhecidos do Brasil para muitos habitantes dos grandes centros. Exploravam o interior, seu povo e seu cenário. O Opinião também reproduzia, em português, matérias publicadas pelo jornal francês Le Monde e artigos do New York Review of Books.[4] Também publicava matérias do jornal britânico The Guardian.

O jornal contrastava radicalmente com os semanários que tratavam de amenidades e temas cotidianos da classe média, como a própria Veja. Opinião mostrava, ainda, pelos debates e discussões, que a notícia era apenas uma pequena parte da verdade, e que por trás dela existem razões ocultas, interesses, jogadas.[5] Tinha oitenta por cento de seus leitores nas classes A e B.[4] Buscava numa nova esquerda mundial projetos desligados das propostas marxistas revolucionárias que deveriam confluir para a tomada do poder.[4] No jornal havia espaço para mulheres, negros e homossexuais.[4]

O projeto atraiu a colaboração de jornalistas da grande imprensa, com matérias muitas vezes não assinadas. Foi um semanário influente, vendendo em média 29 mil exemplares por edição.

Colaboradores

Dentre seus colaboradores, destacavam-se :Antonio Candido, Antonio Callado, Fernando Henrique Cardoso, Francisco Weffort, Paul Singer, Darcy Ribeiro, Celso Furtado, Otto Maria Carpeaux, Hélio Jaguaribe, Paulo Francis, Lauro de Oliveira Lima, Jean-Claude Bernardet, Aguinaldo Silva, Millôr Fernandes, Oscar Niemeyer, Júlio Cesar Montenegro, Marcos Gomes, Tonico Ferreira, Bernardo Kucinski, Dirceu Brisola, Maurício Azedo[1]

Censura

O fim do jornal se deu por conta das restrições impostas pela censura. Juntamente com Movimento e Tribuna da Imprensa, Opinião foi um dos jornais mais afetados pela censura, com base no artigo 9 do AI-5. Opinião resistiu a quatro anos e meio de pressões: 221 edições foram feitas sob censura prévia. Contam os envolvidos que em alguns casos, mais da metade do jornal era censurada, obrigando os envolvidos a escreverem sempre mais matérias do que o necessário. Das 10.548 páginas escritas pelos colaboradores do jornal, somente 5.796 chegaram aos leitores.[6] O número 24 foi apreendido mas voltou a circular; os números 26, 195, 205 e o último número, 231, foram efetivamente apreendidos. As partes censuradas eram por vezes substituídas por tarjas pretas. Além dos problemas com a censura, a sede do jornal sofreu um atentado a bomba, promovido pela auto-intitulada Aliança Anticomunista Brasileira, na madrugada de 15 de novembro de 1976.[7]

Em sua penúltima edição, o jornal anunciava que o próximo número só seria lançado se estivesse livre de censura.[8] Desta forma, a edição 231 foi lançada sem ter sido submetida a avaliação prévia pela censura federal, em Brasília, como ocorria normalmente. Na sequência, os exemplares foram apreendidos nas bancas, e o jornal encerrou suas atividades.

Referências

1. ↑ Ir para:a b Biblioteca Nacional Digital. Fundação Biblioteca Nacional. Hemeroteca Digital Brasileira. Fac-símiles das 232 edições do jornal Opinião, da n° 0 (23 de outubro de 1972) à n° 231 (1977).

2. ↑ Imprensa Alternativa no Brasil: o caso do jornal Opinião. Por Roberta Kelly de Souza BRITO e Naiana Rodrigues da SILVA. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. XIV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste. Recife, 14 a 16 de junho de 2012.

3. ↑ Ir para:a b KUCINSKI, Bernardo; “Jornalistas e Revolucionários, nos tempos da imprensa alternativa. Scritta Editorial, 1991”.

4. ↑ Ir para:a b c d Gaspari, Elio (2014). A Ditadura Escancarada 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca. 526 páginas. ISBN 978-85-8057-408-1

5. ↑ CHINEM, Rivaldo; “Imprensa alternativa: jornalismo de oposição e inovação. Editora Ática, 1995.

6. ↑ Censura durante o regime autoritário, por Glaucio Ary Dillon Soares. Trabalho apresentado ao XII Encontro Anual da Anpocs. Águas de São Pedro, 25 a 28 de outubro de 1988.

7. ↑ Hemeroteca Digital Brasileira. Opinião.

8. ↑ Biblioteca Nacional Digital. Fundação Biblioteca Nacional. Hemeroteca Digital Brasileira. Fac-símile da edição n° 230, de 1° de abril de 1977, p. 6 “Fim de uma etapa”.


José Domingos Brito - Memorial terça, 04 de fevereiro de 2025

AS BRASILEIRAS: Claudia Andujar (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

AS BRASILEIRAS: Claudia Andujar

José Domingos Brito

Claudia Andujar nasceu em 12/6/1931, em Neuchântel, Suiça. Destacada fotógrafa e ativista em defesa dos índios Yanomami desde a década de 1970, na condição de brasileira naturalizada.

 

 

Filha de Germaine Guye e Siegfrid Haas, engenheiro húngaro judeu, vitimado no campo de concentração de Dachau. Ainda criança foi morar num convento, fechado pouco depois. Em seguida foi morar com a mãe, que mantinha um relacionamento com um policial ligado aos nazistas, garantindo a sobrevivência de ambas, sobretudo da menina, considerada judia.

Em 1944, durante a II Guerra Mundial, a Hungria foi ocupada pela Alemanha e mãe e filha conseguem escapar, passando pela Áustria e chegar à Suiça. Ao fim da guerra, um tio paterno que vivia nos EUA, convidou-as a viver com ele em Nova Iorque, em 1948. Estudou Humanidades no Hunter College, à noite e trabalhava para se manter. Não concluiu os estudos e trabalhou no comércio; em escritório; manteve interesse pela pintura e foi guia de visitantes na sede da ONU. “Me empregaram porque eu falava várias línguas”.

Por essa época conheceu Julio Andujar, um refugiado da Guerra Civil Espanhola, com quem se casou em 1949, aos 18 anos. No ano seguinte, o marido se apresenta como voluntário na Guerra da Coreia (1950-1953), esperando ser recompensado com a cidadania americana. Ficou 3 anos em combate e ela não o perdoou dos perrengues que passou. Quando voltou deu-se a separação. “Por tudo que aconteceu, quis eliminar meu nome de infância, Claudine Haas. Queria começar uma vida nova.” Em 1955, mudou-se para o Brasil, em São Paulo, onde já vivia sua mãe. Comprou uma câmera Rolleiflex e passou a fotografar, mas nunca fez curso de fotografia.

Passou a viajar pelo Brasil e América Latina, fotografando para si mesma, e querendo estabelecer contato com a população, pois não dominava a língua portuguesa. Aos poucos, começou a publicar suas fotos em revistas brasileiras: Quatro Rodas, Setenta, Claudia, Goodyear Brasil e estrangeiras: Life, Look, Fortune, IBM, Horizon USA, Aperture. Interessada nos índios, manteve contato com Darcy Ribeiro, em 1958, que sugeriu conhecer a Ilha do Bananal, terra dos índios Karajá. Conheceu outras aldeias e tribos e obteve boas fotos, que foram compradas por Edward Steichen, diretor do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. Está traçado e pavimentado o caminho de uma grande fotógrafa, destacada na área do “fotojornalismo”.

Trabalhou na revista Realidade, da Editora Abril, no período 1966-1971, onde conheceu o fotógrafo George Love, o segundo marido. Em 1971, através de uma edição especial da Realidade sobre a Amazônia, foi conduzida até os índios Yanomami. Esta viagem foi o divisor de águas em sua carreira e em sua vida. Afim de se aprofundar no conhecimento da cultura indígena, saiu de São Paulo e foi viver entre Roraima e Amazonas. Para isso contou com o apoio de duas bolsas da Fundação Guggenheim em 1971 e 1974. Pouco depois separou-se do marido e conseguiu uma nova bolsa da FAPESP, para prosseguir seu trabalho com os Yanomami.

Em 1978 foi enquadrada na “Lei de Segurança Nacional” pelo governo militar, mesmo sem ter expressiva participação política, e foi expulsa do território indígena pela FUNAI-Fundação Nacional do Índio. Retornou à São Paulo e comandou a organização de um grupo de estudos visando a criação de uma área indígena Yanomami, o embrião da ONG “Comissão pela Criação do Parque Yanomami-CCPY”, com ajuda do missionário leigo italiano Carlo Zacquini. A partir daí passou a denunciar as ameaças à sobrevivência dos Yanomami e promoveu uma grande campanha pela demarcação da terra indígena, que veio ocorrer em 1992. Não fosse sua atuação nessa conquista, os Yanomami hoje não estariam mais aí para defender seus direitos novamente ameaçados.

Ao longo da década de 1980, foi diminuindo sua função de fotógrafa conhecida mundialmente, na medida em que foi aumentando sua participação, mobilizando forças em torno da demarcação de terras indígenas. Teve seus trabalhos expostos em várias amostras coletivas e individuais. Em 2005 expôs na Pinacoteca de São Paulo A Vulnerabilidade do Ser, a mais completa. Em 2015, apresentou Claudia Andujar no lugar do outro, no IMS-Instituto Moreira Salles (RJ), A 1ª parte de suas obras. A 2ª parte, dedicada aos Yanomami, foi exibida no IMS de São Paulo e em 9 países entre 2018 e 2024. Sua obra está exposta numa galeria permanente no Instituto Inhotim.

Seu acervo com mais de 40 mil fotos, documentos e publicações foi adquirido pelo IMS, em 2023. Foi agraciada com a Ordem do Mérito Cultural, pelo governo brasileiro, em 2008, e recebeu a Medalha Goethe, do Goethe Institut/República Federal da Alemanha, por seu trabalho junto aos índios Yanomami. Conta ainda com 12 livros publicados no Brasil e exterior na área fotográfica e defesa dos índios Yanomami.

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 26 de janeiro de 2025

MEMORIAL: Domingos José Martins (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

MEMORIAL: Domingos José Martins

José Domingos Brito

Domingos José Martins nasceu em Marataízes, ES, em 9/5/1781. Militar, comerciante e um dos líderes e mártir da Revolução Pernambucana de 1817, que antecipou em 5 anos a independência do Brasil. Entusiasta dos ideais liberais, ligado à maçonaria inglesa e amigo de Francisco de Miranda, precursor da independência da América espanhola.

 

 

Filho de D. Joana Luíza de Santa Clara Martins e do capitão de milícias Joaquim José Martins, comandante do “Quartel” de estrada, cuja função era fiscalizar e impedir o desembarque clandestino de escravizados africanos. Teve os primeiros estudos em Salvador e mais tarde foi complementar sua formação em Lisboa e seguiu para Londres, onde foi comerciante na firma Dourado Dias & Carvalho. Pouco depois tornou-se sócio da firma.

Retornou ao Brasil em 1813 e passou a viver no Recife, onde se estabeleceu no comércio. Era um observador inteligente, ambicioso, afável e logo percebeu a evolução das ideias liberais na Europa. Se deu bem no Recife no ramo comercial e mantinha bom relacionamento num grande círculo social. Conta a história que era um homem que “andava de braços com todos os cabras, mulatos e crioulos”. Nesta citação pode-se ver o quanto ele tinha influência em todos os níveis sociais e também poder político, pois arregimentou muitos militares para a causa.

Compreendeu bem as aspirações libertárias das nações latino-americanas e percebeu que Pernambuco poderia ser um glorioso capítulo do processo de emancipação de Portugal. A vinda da Coroa Portuguesa para o Brasil, em 1808, junto com altos custos para mantê-la, propiciaram as condições para se instalar os alicerces do último movimento separatista de caráter republicano do período colonial brasileiro. Em seguida fundou a loja maçônica “Pernambuco do Ocidente” e, em segredo, planejou a revolução com data marcada para 1817.

No início daquele ano, viajou para Salvador e para o Rio de Janeiro e acertou os trâmites com seus confrades maçons. O levante se daria simultaneamente naquelas duas cidades e no Recife, as três maiores do País, na Semana Santa, em abril. Entretanto, o comerciante português “Carvalhinho”, descobriu a trama e a denunciou ao governador da Capitania Caetano Pinto Montenegro, que ordenou a prisão dos líderes civis e militares do movimento, em 6 de março. Os civis, incluindo Domingos, foram logo detidos. Mas, quando o brigadeiro português Manoel Barbosa deu ordem de prisão ao capitão José de Barros Lima, apelidado de “Leão Coroado”, o caldo entornou.

Em vez de se render, sacou a espada e atravessou a barriga do brigadeiro. Assim a rebelião iniciou no quartel daquela tropa, logo recebendo apoio dos recifenses e rapidamente se estendeu por todo Pernambuco, atingindo a Paraíba e o Rio Grande do Norte, nos dias seguintes. A Corte, instalada no Rio Janeiro, sentiu o golpe; preparou uma esquadra bem armada; enviou-a ao Recife; fechou as cercanias da cidade e, em 3 meses, conseguiu derrotar os revoltosos. Muitos deles foram mortos logo após o confronto e Domingos foi enviado para julgamento em Salvador, sendo fuzilado em 12/6/1817.

Evaldo Cabral de Mello, em seu livro Rubro Veio, considera que depois dos movimentos existentes em Pernambuco (a Restauração em 1654 contra o domínio Holandês, Guerra dos Mascates entre 1710 e 1712, a Revolução Pernambucana 1817, Confederação do Equador em 1824 e Revolta Praieira em 1848) “os pernambucanos se orgulhariam de sua participação ativa na história do Brasil, sempre mantendo altos ideais de liberdade”. Estes movimentos libertários foram instalados no imaginário ativista brasileiro.

Domingos José Martins, conhecido na história como líder da Revolução Pernambucana de 1817, é bastante reconhecido no Espírito Santo, sua terra natal. É patrono da Polícia Civil do Estado e do Instituto Histórico e Geográfico, em Vitória; nomeia algumas escolas e deu nome à cidade Domingos Martins. Em 2011 seu nome foi inscrito no “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”

Clique aqui e veja vídeo com a história de Domingos José Martins.


José Domingos Brito - Memorial domingo, 19 de janeiro de 2025

AS BRASILEIRAS: Luz del Fuego (CRÔNICA DO COLUNISA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

AS BRASILEIRAS: Luz del Fuego

José Domingos Brito

Dora Vivacqua nasceu em 21/2/1917, em Cachoeiro de Itapemirim, ES, em 21/2/1917. Dançarina, atriz, escritora, naturista e feminista. Pioneira do naturismo no Brasil e fundadora do primeiro reduto naturista da América Latina na década de 1940. Foi pioneira também na luta pela emancipação das mulheres.

 

 

 

Filha de Etelvina Souza Monteiro Vivacqua e José Antônio Vivacqua, tradicional família de políticos e intelectuais, vivendo em Belo Horizonte no “Salão Vivacqua”, um casarão que promovia saraus mensais frequentados por Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava e a turma modernista da cidade, onde ela participava ainda criança.

Desde cedo exibia comportamento rebelde e gostava de caminhar pela praia de Marataízes somente de roupa íntima e bustiê. Nos carnavais aparecia com curtas fantasias confeccionadas por ela mesma. Era uma adolescente aversa às convenções sociais. Aos 20 anos fugiu para o Rio de Janeiro e quando foi encontrada pela família, foi enviada ao Colégio da Imaculada Conceição, do qual saiu aos 21 anos, com a maioridade. Em seguida, bacharelou-se em Ciências e Letras, mas preferiu seguir carreira artística em 1942. Sua estreia no cinema, se deu em 1946, com o filme No Trampolim da Vida, apresentando-se com suas cobras vivas. No ano seguinte, embarcou em uma excursão para Nova Iorque, onde se apresentou em danceterias noturnas por três meses.

Foi a primeira artista brasileira a aparecer nua no palco. Fez o curso de dança de Eros Volúsia, adestrou serpentes e estreou nos teatros de revista do Rio com o nome “Luz del Fuego”. Fazia espetáculos de dança com uma serpente enrolada no corpo quase nu. Foi desse modo que provocou furor em todo o País, tornando-se numa das principais artistas do teatro mais conhecidas na década de 1950, chegando a excursionar pelo exterior. Foi repudiada pelo público conservador; enfrentou a repressão; foi expulsa de algumas cidades e impedida de entrar noutras.

Pouco antes do sucesso, passou a expor seus ideais existencialistas e naturistas em defesa dos direitos da mulher e da liberdade de expressão, combatendo os preconceitos sociais. Publicou 2 livros: Trágico Black-out, em 1942, um “romance passado em três noites de escurecimento em Copacabana” e A verdade nua, em 1943, uma autobiografia expondo os ideais de sua filosofia naturista e suas ideias naturistas de vegetarianismo e nudismo. O livro foi apreendido pela polícia em 1948. Mas uma 2ª edição saiu em 1950, vendido por reembolso postal. Junto com o livro, lançou a teorização do movimento naturista brasileiro, defendendo-o das acusações de imoralidade.

Tentou candidatar-se a deputada federal no Partido Naturista Brasileiro, fundado por ela mesma, mas não obteve o registro. Logo aventurou-se em algumas produções cinematográficas ao longo da década de 1950. Por essa época, conseguiu uma autorização da Marinha do Brasil para ocupar a ilha Tapuama de Dentro, rebatizada como “Ilha do Sol”, onde fundou o Clube Naturista Brasileiro, em 1951. Foi o primeiro do gênero na América Latina, mantendo rígido controle e proibindo a entrada de bebidas alcoólicas, palavras de baixo calão e relações sexuais, bem como a entrada de menores de idade.

Seu clube chegou a receber as visitas Ava Gardner, Errol Flynn, Glen Ford, Brigitte Bardot e Steve MaQueen. Segundo o Correio da Manhã, mais de 3 milhões de pessoas visitaram a ilha. O local foi incluído na Federação Internacional de Nudistas, na Alemanha, e ela foi entrevistada pela revista Frieden Leden. Mais tarde foi convidada para viajar à Alemanha, para concorrer ao título de “Mais Bela Nua do Mundo”. Por volta de 1960, foi morar na Ilha do Sol; afastou-se do teatro de revista e dedicou-se mais ao cinema. Em 1965 queixou-se à polícia da visita de malfeitores à Ilha. Meses depois reiterou a reclamação, citando a presença de dois pescadores suspeitos. Em 19/6/1967 os tais pescadores mataram-na a facadas e saquearam sua casa. Seu corpo foi encontrado 10 dias depois no mar.

Sua história foi tema do documentário A Nativa Solitária (1954) e do filme Luz del Fuego (1982). Em 2010 foi incluída na lista das “Musas que fizeram a história do Rio” Três biografias dão conta de sua vida e legado: (1) Luz del Fuego, de Aguinaldo Silva e Joaquim Vaz de Carvalho, incluído como vol. 122 da Coleção Edições do Pasquim; (2) Luz del Fuego: a bailarina do povo, de Cristina Agostinho. Edições Loyola, 1994 e A verdadeira Luz del Fuego, de Thiago de Menezes, publicado (s,d.) pela editora All Print.

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 12 de janeiro de 2025

OS BRASILEIROS: Rubens Paiva (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

OS BRASILEIROS: Rubens Paiva

José Domingos Brito

Rubens Beirodt Paiva nasceu em 26/12/1929, em Santos, SP. Engenheiro, empresário, jornalista e político. Deputado federal pelo PTB em 1962, foi cassado em 1964 pela ditadura militar. Após o autoexilo, retornou ao Brasil em princípios de 1970 e manteve contatos com os exilados. Em 1971 foi preso, torturado e assassinado num quartel militar do Rio de Janeiro, sob a suspeita de envolvimento com o guerrilheiro Carlos Lamarca.

 

 

Filho de Jaime de Almeida Paiva, um dos maiores fazendeiros do Vale do Ribeira e prefeito da cidade de Eldorado Paulista. Teve os primeiros estudos em São Paulo, no Colégio Arquidiocesano e Colégio São Bento e formou-se engenheiro civil pela Universidade Mackenzie numa época de grande efervescência política. Com presença ativa no movimento estudantil, alcançou a vice-presidência da UEE-União Estadual dos Estudantes. Em 1962 foi eleito deputado federal por São Paulo, no Partido Trabalhista Brasileiro-PTB. No ano seguinte participou da CPI- Comissão Parlamentar de Inquérito, criada para examinar as atividades do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais – Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IPES-IBAD), que financiava escritores com artigos sobre a chamada “ameaça vermelha” no Brasil. Sua participação nesta CPI foi uma das causas que resultou em sua prisão em 1971.

No dia do Golpe Militar, em 1° de abril de 1964, fez um breve discurso, na Rádio Nacional, criticando o governador paulista, Ademar de Barros, apoiador do golpe, e conclamando trabalhadores e estudantes a defenderam a legalidade. Foi um dos primeiros políticos cassados após o Golpe, em 10 de abril. Pouco depois, se exilou na Iugoslávia e França, onde permaneceu por um ano e retornou ao Brasil, sem comunicar as autoridades. Mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, onde voltou a exercer a engenharia e retomou seus negócios. Como atividade política em segundo plano fundou, junto com Fernando Gasparian, o Jornal de Debates; dirigiu o jornal Última Hora e manteve contatos com seus amigos exiliados e ajudou alguns deles ainda no Brasil, em risco de serem presos, a saírem do País. Em 1969 esteve em Santiago, Chile, para ajudar a exilada Helena Bocayuva Cunha, filha de seu amigo Bocayuva Cunha, também cassado em 1964.

Pouco depois, uma pessoa, que trazia uma carta de Helena endereçada a ele, foi presa pelos órgãos da repressão política. Os agentes suspeitaram que ele fosse o contato de “Adriano”, membro do MR-8 e contato de Carlos Lamarca, na época o militante mais procurado do País. Em 20/1/1971, seis homens armados invadiram sua casa e levaram-no para o quartel do comando da III Zona Aérea, junto com a esposa e filha de 15 anos. A filha foi solta no dia seguinte, deixada na Praça Saens Peña e a esposa ficou presa por 12 dias. Em seguida foi transferido para o DOI-CODI, no quartel da Polícia do Exército, onde foi interrogado, torturado e veio a falecer devido aos ferimentos sofridos. Em nota oficial, os órgãos de segurança alegaram que o carro que o levava à prisão, foi abalroado e atacado por desconhecidos, que o sequestraram. Assim, ele foi dado oficialmente como desaparecido.

A partir daí inicia a via sacra de sua esposa – Eunice Paiva – para que o Governo investigasse o desaparecimento do marido. Esteve no STM-Supremo Tribunal Militar e no Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, sempre barrada pela farsa do desaparecimento. A falsa versão foi desmascarada apenas em 2014. Em depoimento à CNV-Comissão Nacional da Verdade, o major Raimundo Ronaldo Campos, admitiu ter montado a versão, incendiando e atirando no suposto fusca no qual Paiva teria sido resgatado por subversivos, para que ele assim fosse encontrado, confirmando a versão oficial de resgate.

Em carta, ainda em 1971, ao Conselho de Defesa dos Direitos Humanos, Eunice Paiva contou que provavelmente seu marido começara a ser torturado no mesmo dia de sua prisão, durante o interrogatório na sede da III Zona Aérea, sob o comando do brigadeiro João Paulo Burnier. Em 1996, com a Lei dos Desaparecidos Políticos, promulgada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, foi emitido o atestado de óbito do deputado, ficando assim reconhecida oficialmente a sua morte. O corpo, entretanto, nunca foi encontrado.

Em fevereiro de 2014, a CNV confirmou o assassinato de Rubens. Seu relatório final concluiu que ele “foi morto e desaparecido quando (…) se encontrava sob a guarda do Estado brasileiro, em contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela ditadura militar, implantada no país a partir de abril de 1964, restando desconstruída a versão oficial divulgada à época dos fatos.” Em março do mesmo ano, sob condição de anonimato, o jornal O Globo publicou o depoimento de militares envolvidos no caso, esclarecendo o que foi feito com o corpo. Foi enterrado na zona oeste da cidade e 2 anos depois seus restos mortais foram jogados em alto mar.

Em seguida o MPF-Ministério Público Federal decidiu instaurar a denúncia formal de 5 militares reformados envolvidos no caso. A denúncia foi aceita e os militares tornaram-se réus pelos crimes de homicídio triplamente qualificado, ocultação de cadáver e associação criminosa, além fraude processual. O MPF pedia, também, cassação das aposentadorias e a anulação de medalhas e condecorações obtidas por eles. O entendimento foi que os crimes não estavam prescritos, pois constituíam crimes de lesa-humanidade. No entanto, na última instância, o ministro Teori Zavascki, do STF, concedeu liminar aplicando a jurisprudência da corte, reconheceu a constitucionalidade da lei de anistia, e assim suspendeu o processo.

Por outra via institucional, em 2/4/2024, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos anunciou a reabertura da investigação sobre o assassinato de Rubens Paiva. Embora tenha sido considerada constitucional pelo STF, a Lei da Anistia não abrange crimes comuns, como ocultação de cadáver. Assim, o TRF-Tribunal Regional Federal-2 negou o trancamento do processo. O relator, Messod Azulay, também entendeu que se trata de crime permanente, ou seja, crime que, em tese, ainda continua sendo perpetrado porque o corpo não foi localizado. A procuradora Silvana Batini, considerou “histórica” a decisão. Segundo ela, foi a primeira vez que a Justiça brasileira reconheceu que determinados crimes cometidos durante a ditadura militar configuram crimes contra a humanidade.

Os interessados em conhecer o caso Rubens Paiva em detalhe, podem consultar a dissertação de mestrado A construção da busca por Rubens Paiva: um estudo de caso nas investigações sobre o desaparecimento do parlamentar (2016) de Julian Schwatz Dal Piva, no CPDOC-Centro de Pesquisa e Documentação da FGV-Fundação Getúlio Vargas, (clique aqui para acessar)

Rubens Paiva vem sendo homenageado desde 1992, quando seu nome foi dado ao Terminal de Integração de Passageiros, em Santos; em 1998 nomeou a estação do Metrô do Rio, no bairro da Pavuna; em 2014, seu busto foi inaugurado na Praça Lamartine Babo, na Tijuca em frente e de costas ao 1º Batalhão de Polícia de Exército, a sede do DOI-CODI, local onde foi torturado e morto. Em 2015, seu filho, Marcelo Rubens Paiva, publicou o livro Ainda Estou Aqui, pela Editora Alfaguara, contando a história de seu desaparecimento.

O livro entrou na lista dos melhores livros do ano; foi indicado aos prêmios “Oceano” e “Governador do Estado” e obteve o 3º lugar no Prêmio Jabuti. Em 2024 foi adaptado para o cinema por Walter Salles e obteve um dos maiores recordes de bilheteria. O filme estrelado por Fernanda Torres e Selton Mello recebeu o prêmio de melhor roteiro no Festival de Veneza entre outros prêmios; Fernanda Torres foi premiada como melhor atriz no “Globo de Ouro” e foi escolhido para representar o Brasil no Oscar de 2025, na categoria de melhor filme internacional.

Obs: “Li, conferi e atesto a correção de todas estas informações”.
José Paulo Cavalcanti Filho- Membro da Comissão Nacional da Verdade.

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 05 de janeiro de 2025

AS BRASILEIRAS: Eunice Paiva (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

AS BRASILEIRAS: Eunice Paiva

José Domingos Brito

Maria Lucrécia Eunice Fracciolla Paiva nasceu em São Paulo, SP, em 7/11/1929. Advogada e um dos símbolos da luta contra a ditadura militar no Brasil. Destacou-se pelo empenho na denúncia e busca dos desaparecidos políticos, incluindo seu marido, o deputado federal Rubens Paiva. A gravidade do caso e o sentimento evocado contribuíram para obnubilar sua contribuição na defesa legal dos direitos dos povos indígenas.

 

 

Cresceu no bairro do Brás numa comunidade de imigrantes italianos e pouco depois se mudou para o bairro de Higienópolis, onde se formou no curso de Letras, na Universidade Mackenzie, aos 18 anos, com fluência nas línguas inglesa e francesa. Aos 23 anos casou-se com Rubens Beirodt Paiva; tiveram 5 filhos e era amiga de alguns escritores, como Lygia Fagundes Telles, Antonio Calado e Haroldo de Campos.

No ano de 1971, com o Brasil em pleno regime ditatorial, seu marido, na condição de deputado federal, foi sequestrado, torturado e assassinado pela ditadura. Os militares foram até sua casa e levaram-no junto com ela e a filha de 15 anos. A menina ficou presa por um dia e ela ficou presa 12 dias passando por interrogatórios, enquanto o marido já devia estar morto. Aqui começa sua luta para descobrir o que ocorreu com o marido desaparecido. Em recente decisão (dezembro de 2024) o ministro do STF Flávio Dino, decidiu que a Lei da Anistia não pode valer para casos de ocultação de cadáver. Trata-se de uma conquista na luta por justiça aos desaparecidos durante o regime militar (1964-1985) e pelo fortalecimento do Estado Democrático de Direito no País.

Ciente da tarefa que iniciava, ingressou, de novo, na Unversidade Mackenzie, afim de tornar-se advogada. Formou-se em 1977, aos 47 anos, e passou a liderar campanhas para abertura de arquivos sobre vítimas da ditadura, mesmo correndo riscos. Mais tarde ficou comprovado que ela e os filhos foram vigiados pelos militares de 1971 a 1984. Sua trajetória, junto com outras duas viúvas de presos políticos, foram contadas no documentário Eunice, Clarice (Vladimir Herzog), Thereza (Manuel Fiel Filho) lançado em 1978 por Joatan Berbel.

Sua luta resultou na promulgação da Lei 9.140/95, que reconhece como mortas as pessoas desaparecidas devido a sua partipação em atividades políticas. No ano seguinte, 25 anos depois, ela conseguiu em 1996 que o Estado emitisse o atestado de óbito de seu marido, mesmo não encontrando o corpo. Sua dedicação à causa indígena resultou na publicação, junto com Manuela Carneiro da Cunha, do livro O Estado contra o índio, em 1985. Pouco depois, em 1987, fundou o IAMA-Instituto de Antropologia e Meio Ambiente, uma ong que atuou na defesa e autonomia dos povos indígenas.

Em 1988, foi consultora da Assembleia Nacional Constituinte, que promulgou a Constituição Federal Brasileira. Em fins da década de 1980, atuou no Conselho Consultivo da Fundação Mata Virgem, uma fundação criada pelo músico Sting, para lutar pela demarcação da terra dos índios Kayapó, no Xingu. Seu filho, o escritor Marcelo Rubens Paiva, conta que “A minha mãe tinha uma vida incrível, porque ela ficou viúva aos 41 anos, com cinco filhos, se formou em direito e virou uma militante muito intensa com relação à anistia, redemocratização, Diretas-Já, Constituinte. Ela começou com o direito de família, mas depois se especializou em direito indígena. Ela era uma das pouquíssimas especialistas em demarcações de terras indígenas e passou a ser requisitada”.

Em 2015, Marcelo publicou o romance autobiográfico Ainda estou aqui, contando a história de sua mãe e entrou na lista dos melhores livros do ano. Foi também indicado aos prêmios “Oceano” e “Governador do Estado” e obteve o 3º lugar no Prêmio Jabuti. Em 2024 foi adaptado para o cinema por Walter Salles e ganhou o prêmio de melhor roteiro no Festival de Veneza e foi escolhido para representar o Brasil no Oscar de 2025, na categoria de melhor filme internacional. No âmbito interno, o filme obteve um dos maiores recordes de bilheteria. Em 5/4/2024, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo outorgou o “Colar de Honra ao Mérito Legislativo” às 3 mulheres que simbolizam a luta contra a ditadura: Clarice Herzog; Ana Dias e, postumamente, Eunice Paiva.

 

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 29 de dezembro de 2024

OS BRASILEIROS: Oswaldo Aranha (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ COMINGOS BRITO)

OS BRASILEIROS: Oswaldo Aranha

José Domingos Brito

Oswaldo Euclides de Sousa Aranha nasceu em Alegrete, RS, em 15/2/1894. Advogado, diplomata e político. Personagem destacado na política brasileira na década de 1930, no governo Vargas, e nas relações do Brasil com os EUA. Presidiu a Assembleia Geral da recém-criada ONU, em 1947, atuando no Plano de Partilha da Palestina, que criou o Estado de Israel. A tradição de se manter a abertura da reunião anual da ONU, por um brasileiro, é mantida até hoje.

 

 

Filho de Luísa Jacques de Freitas Vale Aranha e Euclides Egídio de Sousa Aranha, fazendeiro e coronel da Guarda Nacional, teve os primeiros estudos no Colégio dos Jesuítas de São Leopoldo e no Colégio Militar do Rio de Janeiro, concluído em 1911, aos 17 anos. Ingressou na Faculdade Nacional de Direito, mas antes de se formar, foi para a França em tratamento da saúde e passou uma temporada em Paris. Aproveitou a estadia para aprofundar estudos na área jurídica e, de volta ao Brasil, retomou o curso de Direito, concluído em 1916. Na universidade manteve intensa atividade política junto a alguns nomes que se destacariam mais tarde no cenário nacional.

Retornou ao Rio Grande do Sul e instalou banca de advogado em Uruguaiana, em 1917, aos 24 anos. Aí atuou até 1923 e ficou conceituado em questões relacionadas com transações de terra e gado. Nessa época travou amizade com o advogado Getúlio Vargas, com quem chegou ter clientes em comum. Em 1923, quando explodiu a luta fratricida entre “chimangos” (aliados de Borges de Medeiros, presidente do estado) e “maragatos” (opositores à sua quinta reeleição), chegou a pegar em armas a favor do sistema republicano de Borges de Medeiros. Em 1925 foi prefeito de Alegrete, cidade fundada por seu avô. Além de Porto Alegre, foi a única cidade do Estado a contar com luz elétrica nas ruas, calçamento e rede de esgotos. Com sua peculiar diplomacia conseguiu apaziguar os conflitos entre as famílias separadas pelos conflitos entre os chimangos e maragatos, de 1923.

Em 1924 foi lecionar direito internacional na Faculdade de Direito de Porto Alegre e participou dos combates aos movimentos armados, incluindo a “Coluna Relâmpago”, em fins de 1926, visando impedir a posse de Washington Luiz na presidência da República. Nesse combate, foi atingido no pé e teve o calcanhar esfacelado. Sempre atuante na política, foi candidato pelo PRR-Partido Republicano Rio-grandense, e eleito para a Assembleia de Representantes do estado. Mas não chegou a assumir o cargo, pois logo seria eleito também para a Câmara Federal, em maio de 1927, ocupando o lugar de Vargas, que foi indicado para o Ministério da Fazenda.

Na Revolução de 1930, agia nos bastidores para organizar o levante armado e negociou com a Junta Governativa Provisória a entrega do Governo a Getúlio Vargas e foi nomeado Ministro da Justiça. No ano seguinte assumiu o Ministério da Fazenda, consolidando a dívida externa brasileira. Como foi alijado do processo político na escolha do interventor em Minas Gerais, pediu demissão do cargo em 1934 e foi assumir a embaixada brasileira nos EUA. Ficou impressionado com a democracia estadunidense e tornou-se amigo do presidente Franklin Roosevelt. Em 1937 não aceitou os rumos da política de Vargas, com o Estado Novo, e entregou o cargo de embaixador. No entanto, aceitou o cargo de Ministro das Relações Exteriores; combateu a tendência germanófila do governo e buscou maior aproximação com os EUA. Sob sua direção o Itamaraty passou por uma grande reforma administrativa.

Na II Guerra Mundial, destacou-se na criação da ala pan-americanista, defendendo a aliança com os EUA e contra o ministro da Guerra Eurico Gaspar Dutra, partidário de uma aproximação com a Alemanha. Presidiu a “Conferência do Rio”, em 22/8/1942, quando o Brasil rompe as relações com os países do Eixo, anunciando o estado de beligerância com a Alemanha Nazista e a Itália. Foi uma vitória de suas convicções pan-americanistas. Pouco depois se demitiu de cargo de chanceler, após o fechamento da Sociedade dos Amigos da América, da qual era vice-presidente, em 1944. Alguns analistas viam-no como candidato natural nas eleições de 1945, mas a falta de uma base política e a fidelidade a Vargas fizeram com que não disputasse as eleições.

Em 1947 voltou à cena política como chefe da delegação brasileira na recém-criada ONU-Organização das Nações Unidas e presidente da Assembleia Geral, que votou o “Plano de Repartição da Palestina, culminando na criação do Estado de Israel. Tal feito rendeu-lhe eterna gratidão dos judeus e sionistas por sua atuação. Foi homenageado com seu nome dado a ruas em Tel Aviv, Bersebá, Ramat Gan e uma em Jerusalém. Em 1953 voltou a ocupar a pasta da Fazenda, promovendo reformas na área econômica, enfrentando a crise do final do governo Vargas. Com a morte de Vargas, retirou-se do governo e só voltou no governo Juscelino Kubitschek (1956-61), retornando à ONU na frente da delegação brasileira e fechando sua carreira política.

Faleceu em 27/1/1960 e dentre as diversas homenagens que recebeu em vida, consta o prato carioca “Filé à Oswaldo Aranha”, um filé alto temperado com alho frito, acompanhado de batatas portuguesas e farofa de ovos. Certamente era um “bon gourmet”. Em 2020 entrou no “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”. No ano seguinte, seu neto Pedro Correa do Lago prestou-lhe uma homenagem com o lançamento do livro Oswaldo Aranha – Uma fotobiografia, pela Ed. Capivara. É detentor de diversas biografias, com destaque para Oswaldo Aranha: a Estrela da Revolução, de Aspásia Camargo, lançada pela Ed. Mandarin em 1996; Oswaldo Aranha: uma biografia, de Stanley Hilton, lançada pela Ed. Objetiva em 1994 e Oswaldo Aranha: um estadista brasileiro, de Sérgio Eduardo Moreira Lima, lançada pela Ed. da Fundação Alexandre Gusmão em 2017.

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 22 de dezembro de 2024

AS BRASILEIRAS: Zacimba (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

AS BRASILEIRAS: Zacimba

José Domingos Brito

Zacimba Gaba nasceu em Angola, em meados do século XIX. Foi uma princesa da nação Cabinda, capturada como escrava e trazida para o Brasil, numa fazenda em Espírito Santo. Liderou uma revolta dos escravizados e fundou um quilombo às margens do riacho Doce. Passou a vida na construção de canoas e na organização de ataques noturnos no porto próximo à São Mateus para libertar os negros recém-chegados.

 

 

Ao chegar no Brasil, foi vendida com mais 12 súditos como escravos ao fazendeiro português José Trancoso, e foi castigada por não se submeter às ordens do senhor. Num primeiro momento, o fazendeiro não tinha noção do seu status entre os angolanos, mas percebeu logo o tratamento dado a ela. Assim, foi torturada e revelou que fazia parte da realeza em sua terra de origem. Conta-se que ela proibiu seus companheiros de a libertarem até que ela conseguisse envenenar seus algozes. O que foi feito aos poucos, utilizando-se de um pó preparado com a cabeça moída de uma cobra jararaca, o “pó de amansar sinhô”.

Após a fuga da Casa Grande, com a morte do fazendeiro e alguns capatazes, ela guiou seu povo pelo interior e criou um quilombo nas margens do Rio Doce, próximo do atual distrito de Itaúnas, na cidade de Conceição da Barra, no Espírito Santo. O povo de Zacimba organizou algumas revoltas pela liberdade e o quilombo tornou-se ponto de referência para escravizados em fuga. A princesa passou o resto da vida guiando batalhas no porto de São Matheus pela libertação dos negros chegados da África, e pela destruição dos navios negreiros. Faleceu na invasão de um navio português, lutando pela libertação do povo cabindense.

Existe pouca documentação sobre a vida de Zacimba e a que existe não é precisa, com algumas fontes indicando o século XIX e outras o século XVII, o período de sua existência. Mas existem alguns livros contando sua história. Em 1995 Maciel de Aguiar publicou o livro Zacimba Gaba: princesa, escrava, guerreira, pela Editora Brasil em parceria com o Centro Cultural Porto de São Mateus. Uma nova edição foi relançada em 2007 pela Memorial Editora.

No livro Heroínas Negras Brasileiras em 15 Cordéis, Jarid Arraes retrata a história de Zacimba em cordel.

“ (…) Quando Zacimba chegou
E então foi interrogada
Respondeu com altivez
Fez a história confirmada
Era sim uma princesa
Por seu povo era adorada (…)

Em 2020 Tati Rabelo e Rod Linhares realizaram o documentário Zacimba Gaba: um raio na escuridão, uma mistura de animação e cenas reais, em que 3 mulheres contam sua história. Zacimba é uma das descendentes do quilombo de Linharinho, no Espirito Santo e atualmente é uma figura destacada na história do Estado.

 

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 15 de dezembro de 2024

OS BRASILEIROS: Marc Ferrez (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

OS BRASILEIROS: Marc Ferrez

José Domingos Brito

Marc Ferrez nasceu no Rio de Janeiro, em 7/12/1843. Um dos primeiros fotógrafos do Brasil, teve atuação destacada no período 1860-1922, constituindo o mais importante legado visual do País neste período. Suas fotos retratam diversos aspectos da vida brasileira, com ênfase nos processos de modernização urbana e vistas panorâmicas do Rio de Janeiro.

 

 

 

Filho de Alexandrine Caroline Chevalier e Zéphyrin Ferrez, gravador de medalhas e escultor vindo como membro da Missão Artística Francesa. Ficou órfão de pai e mãe aos pais aos 7 anos, e foi mandado para a França, onde foi morar com o escultor e gravador Alphée Dubois; estudou até a adolescência, e retornou ao Brasil. Foi trabalhar na casa Leuzinger, uma papelaria e tipografia com uma seção de fotografia. Aí aprendeu a técnica fotográfica com Franz Keller.

Aos 21 anos abriu a firma Marc Ferrez & Cia., um estúdio fotográfico, e logo tornou-se um dos principais fotógrafo da Corte. Aprimorou a técnica fotográfica com estudos de física e química, estando sempre a par das últimas novidades técnicas e importando novos equipamentos da Europa. Foi além de seu ofício mantendo o comércio de equipamentos e materiais fotográficos. A partir de 1905, junto com os filhos Júlio e Luciano Ferrez, passou a dedica-se também ao cinema, tornando-se dono do “Cinema Pathé”, um dos primeiros do Brasil, e distribuidor de filmes.

Na década de 1870 realizou a documentação fotográfica de diversos eventos, como a construção do Arco do Triunfo e do Templo da Vitória, no Campo da Aclamação, bem como os festejos públicos ao término da Guerra do Paraguai. Em 1872 fotografou as festas em diversas ruas, comemorando o retorno da família imperial, após longa estadia na Europa. No mesmo ano, a pedido da comissão organizadora da 3ª Exposição Nacional, fotografou o evento, cujas fotos foram enviadas à Exposição Universal de Viena.

Em 1873, um incêndio destruiu sua loja/residência, fazendo-o partir para a Europa, a fim de readquirir os materiais e equipamentos. Retornou em 1875, restabeleceu sua empresa e integrou-se à Comissão Geológica do Império do Brasil, chefiada pelo geógrafo canadense Charles Frederick Hartt. Esta foi a primeira expedição de caráter científico, realizada no século XIX, e ele foi o primeiro a fotografar os índios botocudos, na selva no sul da Bahia. Em seguida, passa a viajar e fotografar as principais cidades brasileiras, com destaque para a capital do país.

Participou de diversas exposições nacionais e internacionais, sendo premiado com medalhas de ouro em Filadélfia (1876) e Paris (1878). Em 1880 recebeu o título de “Photographo da Marinha Imperial” e da Comissão Geográfica e Geológica do Império. No mesmo ano providenciou a importação de um aparelho fotográfico para a execução de grandes imagens panorâmicas e procurou aperfeiçoar o aparelho. Seus contatos com a indústria fotográfica, em Paris, eram constantes. Em 1881, introduziu no mercado nacional as primeiras chapas secas elaboradas pelos Irmãos Lumière. Anos depois, introduziu no País as chapas de “autochrome”, também lançadas pelos Irmãos Lumière em Paris, em 1912.

Participou das reuniões da Société Française de Photographie, em 1885, onde apresentou sua câmara para panorâmicas de grandes dimensões e presenteou a instituição com vistas panorâmicas do Brasil, medindo 1,08 m de comprimento, e 2 álbuns contendo numerosas paisagens do País. Neste ano foi agraciado com o título de “Cavaleiro da Ordem da Rosa, pelo Imperador Dom Pedro II. Tendo em vista a realização da Exposição Universal de Paris, em 1889, o Barão do Rio Branco organizou o Album de Vues de Brésil, com suas fotografias, para ser enviado à Exposição. Pouco depois associou-se a Henri Gustave Lombaets, encadernador da Academia Imperial de Belas Artes, fundando a empresa Lombaetes, Marc Feerrez & Cia. e passa a editar postais, o jornal A Estação e o álbum Quadros de História da Pátria.

Em 1895, realizou experiências com luz oxietérica e raios X em seu laboratório, junto com o cientista Henrique Morize, diretor do Observatório Nacional. Em 1899 lançou uma série de postais executado com a técnica da fototipia. Em 1900 realizou a documentação fotográfica das comemorações do IV Centenário da descoberta do Brasil. Em 1907 publicou o álbum Avenida Central: 8 de março de 1903-15 de novembro de 1906. Trata-se do registro das transformações urbanas empreendidas pelo prefeito Francisco Pereira Passos, em princípios do século XX. Seus filhos Júlio e Luciano Ferrez passam a se dedicar mais ao cinema e criam a Companhia Cinematográfica Brasileira, tornando-se mais tarde na Casa Marc Ferrez Cinemas e Eletricidade. Por essa época surge uma nova tecnologia: a fotografia em cores naturais. Em 1915 viajou à Paris, visando incorporar esta novidade em seu ofício e fica por lá durante 5 anos. Retorna doente em 1920 e falece em 12/1/1923.

Seu grande acervo de fotos foi adquirido em 1998 pelo IMS-Instituto Moreira Salles, do seu neto, o historiador Gilberto Ferrez. Todo o acervo conta com mais de 5.500 imagens, sendo 4000 negativos originais de vidro. O IMS passou a organizá-lo e apresentá-lo num trabalho de recuperação e pesquisa, cuja mostra, “O Brasil de Marc Ferrez – Fotografias do Acervo do Instituto Moreira Salles”, reúne 350 imagens e foi apresentada ao público em algumas cidades brasileiras e no Museu Carnavalet, em Paris em 2005.

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 08 de dezembro de 2024

AS BRASILEIRAS: Eros Volúsia (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

AS BRASILEIRAS: Eros Volúsia

José Domingos Brito

Eros Volúsia, nome artístico de Heros Machado, nasceu no Rio de Janeiro em 1/6/1914. Dançarina e atriz de projeção internacional, com uma coreografia inspirada na cultura brasileira. Recusou seguir carreira em Hollywood e influenciou a dança de Carmen Miranda. Foi a criadora de um “bailado nacional”, num movimento que seguia as propostas modernistas da Semana de Arte Moderna de 1922, incorporando elementos culturais negros e indígenas na dança clássica.

 

 

Filha de poetas Gilka Machado e Rodolfo de Melo Machado e neta de Teresa Cristina Muniz, atriz de rádio e teatro e Hortêncio da Gama Souza Melo, outro poeta, foi a primeira baillarina a dançar samba de sapatilhas e primeira a dançar descalça no Theatro Municipal, do Rio de Janeiro. Foi também a primeira “dançarina-pesquisadora”, ao unificar o trabalho de estudo ao que registrava em seus passos de dança. Em 1928, aos 14 anos, ingressou no curso de bailado do Theatro Municipal. Neste ano, a grande bailarina russa Anna Pavlova esteve se apresentando no Brasil e elogiou o talento de Volúsia.

Sua primeira apresentação pública se deu no palco do teatro onde estudou, em 1929, onde participou de uma homenagem ao então presidente Washington Luiz. A bailarina apareceu dançando descalça, acompanhada por violão e batucadas. O que se caracterizou, naquele período, uma ousadia, tendo em vista as tradições daquele espaço. Ousadia que ela nunca abandonou em toda sua vida artística. Na época, Mário de Andrade disse que sua dança rompia com o “velho classicismo com suas poses acadêmicas ou os pinotes vulgares da coreografia lírica”.

A mãe e a avó tinham uma pensão no centro do Rio de Janeiro e a mãe já era uma importante poeta no estilo simbolista. O local era frequentado pela intelectualidade da época, tais como Artur Azevedo, Coelho Neto, Olavo Bilac, Carlos Gomes, Chiquinha Gonzaga e Darcy Vargas (primeira-dama do País) entre outros. Alcançou sucesso internacional com o filme Rio Rita (1942), uma comédia musical da Metro-Goldwyn-Maier com a dupla Abbott & Costello. A influência africana em sua dança começou cedo, conforme declarou em 1934: “Eu nasci defronte a uma macumba célebre, a macumba do João da Luz. Com quatro anos de idade fugia de casa para ir dançar no terreiro. As primeiras impressões nunca mais se apagaram da minha memória”.

No mesmo ano foi saudada pelo jornalista e poeta Carlos Maul como “A Bailarina do Brasil” e que ela “é brasileira até a medula… Tem nas veias o sangue das três raças formadoras da nacionalidade. Da linha materna vêm-lhe as virtudes do índio, a ingenuidade, a intrepidez, o instinto bom do habitante primitivo da floresta. O coração que é a riqueza do preto e a inteligência que a civilização desenvolveu no branco trouxe-os do ascendente paterno”. Em 1937, apresentou no Theatro Municipal o espetáculo “Eros Volúsia – Bailados Brasileiros”, junto com a orquestra sinfônica, regida pelo maestro Francisco Migone, tendo na plateia a nata da elite carioca e o presidente Getúlio Vargas aplaudindo bailados como Yara, Iracema, No terreiro da Umbanda e Lundu.

Em 1939 sintetizou suas experiências e ideias numa palestra – “A creação do bailado brasiliense” -, onde discorreu sobras origens da dança brasileira. Ao final do ano, o jornal Correio da Manhã publicou um artigo de João Itiberê da Cunha, crítico musical respeitado, elogiando a trajetória da artista e destacando que ela havia contribuido para recuperar e estilizar as danças tradicionais “primitivas” e “selvagens” brasileiras. Nesta época, Gustavo Capanema, ministro da Educação e Saúde, convidou-a para assumir a direção do curso de balé do Serviço Nacional de Teatro. O objetivo era identificar e explorar a “verdadeira indentidade nacional”. O curso era gratuito e recebeu muitos alunos pobres e negros, como Mercedes Baptista, a primeira negra a integrar o corpo de baile do Theatro Municipal. Foi também professora de Luz del Fuego, famosa e polêmica bailarina na década de 1950.

Na edição de 22/9/1941, a revista Life deu-lhe capa e apresentação: “o sangue das três cepas raciais dominantes no Brasil – portuguesa, índia e negra – ferve nas veias da flexível jovem Eros Volusia. Mas a dança que fez a bailarina do Rio de Janeiro veio diretamente das selvas africanas”. Não obstante o sucesso alcançado nos EUA, recusou alguns convites para continuar em Hollywood e retornou ao Brasil, vindo a participar de diversos fimes nacionais: Caminho do Céu (1943), Romance Proibido (1944) e Pra Lá de Boa (1949) e voltou a lecionar dança no Serviço Nacional de Teatro. Assim, ela teve relevante papel na construção de uma cultura nacional. Há quem diga que, embora ela tenha dado uma substancial contribuição nessa área, seu nome vem sendo cada vez mais esquecido.

De qualquer modo, foi homenageada com seu nome dado ao Centro de Documentação e Pesquisa Eros Volúsia da UnB-Universidade de Brasília, vinculado ao Departamento de Artes Cênicas, em 2002. Dois anos depois, faleceu em 1/1/2004 aos 94 anos. No ano seguinte, o professor de História e crítico de dança do Jornal do Brasil, Roberto Pereira, publicou a biografia Eros Volúsia: a criadora do bailado nacional, lançado pela editora Relume Dumará. Bem antes, em 1983, ela publicou sua autobiografia Eu e a dança, pela editora Revista Continente Editorial. Em 2007 foi publicada não uma biografia, mas um estudo relacionando a poesia de Gilka Machado, sua mãe, com sua dança: Poemadançando: Gilka Machado e Eros Volúsia, de Maria Soraia Silva, lançado pela Editora da UnB.

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 01 de dezembro de 2024

OS BRASILEIROS: Monteiro Lobato (II) - (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

OS BRASILEIROS: Monteiro Lobato (II)

José Domingos Brito

Duas das atividades que mais o atraiam eram o petróleo e a indústria siderúrgica, sem deixar, porém, a literatura. Por essa época escreveu Mr. Slang e o Brasil (1927), As Aventuras de Hans Staden (1927), Aventuras do Príncipe (1928), O Gato Félix (1928), A Cara de Coruja (1928), O Circo de Escavalinho (1929) e A Pena de Papagaio (1930). Muitos destes títulos foram reunidos e publicados em um único volume: Reinações de Narizinho (1931). Em 1928 visitou a Ford e a General Motores, em Detroit e organizou uma siderúrgica brasileira. Para isso, jogou na Bolsa de Valores de Nova Iorque e perdeu tudo com o estouro da Grande Depressão, a crise de 1929. Para cobrir o rombo, teve que vender as ações da Companhia Editora Nacional, em 1930.

 

 

De volta à São Paulo, em 1931, passou a defender o “tripé” para o progresso brasileiro: ferro, petróleo e estradas para escoar a produção. Aderiu com entusiasmo à campanha presidencial de Júlio Prestes, que no governo de São Paulo realizara explorações de petróleo. “Sua política na presidência significará o que de mais precisa o Brasil: continuidade administrativa!”. Mas a “Revolução de 1930”, i.é, o golpe de estado em 3 de outubro, liderado por Getúlio Vargas, com o objetivo derrubar o governo de Washington Luís e impedir a posse de Júlio Prestes, dá início ao seu infortúnio na área política.

Em 1931, fundou a Companhia Petróleos do Brasil e iniciou uma campanha para convencer a população e os governantes da existência de petróleo no país e necessidade de explorá-lo. Criou as empresas: Companhia Petróleo Nacional, Companhia Petrolífera Brasileira, Companhia de Petróleo Cruzeiro do Sul, e a maior de todas, em 1938: Companhia Mato-grossense de Petróleo, Assim, contrariou os interesses de muitos políticos brasileiros e de grandes empresas estrangeiras. Enquanto isso, prevalecia a política oficial do governo em negar a existência de petróleo no Brasil. A partir daí passou a enviar cartas ao presidente Vargas demonstrando o contrário, baseado em sólidas informações. Em 1940, em plena ditadura, ele reitera numa das cartas suas denúncias e acusa o Conselho Nacional do Petróleo de agir a favor dos “interesses do imperialismo perpetuando a nossa situação de colônia americana”. Na ocasião, enviou carta ao general Góis Monteiro, reiterando a “displicência do sr. Presidente da República, em face da questão do petróleo no Brasil, permitindo que o Conselho Nacional do Petróleo retarde a criação da grande indústria petroleira em nosso país”.

Bater de frente com o presidente da República e com o chefe do Estado-Maior do Exército em tempos ditatoriais, agravou sua situação política. Manteve por alguns anos dedicação à campanha do petróleo, enquanto se mantinha com edição livros traduzidos. Em 1936 ingressou na Academia Paulista de Letras e apresentou um dossiê O Escândalo do Petróleo, no qual acusava o governo de “não perfurar e não deixar que se perfure”. O livro esgotou várias edições em menos de um mês. Aturdido, o governo de Getúlio proibiu o livro e mandou recolher as edições. Vargas tentou conseguir sua adesão ao governo, convidando-o dirigir o Ministério da Propaganda, mas ele recusou.

Noutra carta ao presidente, fez severas críticas à política de minérios. O teor da carta foi considerado subversivo e desrespeitoso, fazendo com que fosse detido e condenado a 6 meses de prisão, de março a junho de 1941. Um grupo de intelectuais conseguiu um indulto do governo e a pena foi reduzida para 3 meses. Mas ele continuou fazendo oposição ao governo e denunciando as torturas praticadas pela polícia do Estado Novo. Em 1943 Caio Prado Jr. fundou a Editora Brasiliense e negociou com ele a publicação de suas obras completas. Em seguida recusou a indicação para a ABL-Academia Brasileira de Letras. Um título que ele tentou conquistar anos antes, mas foi preterido pelos acadêmicos da época.

Em 1945 participou do I Primeiro Congresso Brasileiro de Escritores, realizado, em São Paulo, organizado pela ABDE-Associação Brasileira de Escritores. O evento foi consagrado pela historiografia como um movimento da intelectualidade brasileira em favor da democracia, em franca oposição ao Estado Novo. A partir daí suas empresas foram liquidadas, enquanto na Itália se publicava Nasino, a edição italiana de Narizinho e aqui a obra foi transformada em radionovela para crianças pela Radio Globo. Seu último cargo público foi diretor do Instituto Cultural Brasil-URSS, mas logo foi obrigado a se afastar para ser operado às pressas de um cisto no pulmão. Em 1946 mudou-se para Buenos Aires. Mas, antes tornou-se sócio da Editora Brasiliense, que preparava as Obras Completas já traduzidas para o espanhol e editadas na Argentina. Não se ambientou ao clima porteño e retornou ao Brasil em 1947. Aos jornalistas que o aguardava no aeroporto, chamou o governo Eurico Gaspar Dutra de “Estado Novíssimo, no qual a constituição seria pendurada num ganchinho no quarto dos badulaques”. Em seu último livro – Zé Brasil – publicado pela Editorial Vitória, reelaborou seu personagem Jeca Tatu, transformando-o num trabalhador sem terra e esmagado pelo latifúndio.

Seu último gesto político se deu em 18/6/1947, após a cassação do Partido Comunista. Escreveu A Parábola do Rei Vesgo para um comício de protesto no Vale do Anhangabaú. O texto, narrando seu desencanto com a democracia restritiva do general Dutra, foi lido e aclamado pela multidão. Em abril de 1948 sofreu um espasmo vascular que afetou sua motricidade. Mesmo assim publicou mais 2 folhetos na revista Fundamentos: De Quem É o Petróleo na Bahia e Georgismo e Comunismo. Em 2/7/1948 deu sua última entrevista na Radio Record, à disposição na Internet, e sofreu o segundo espasmo, vindo a faleceu em 4/7/1948, aos 66 anos.

As homenagens pós morte foram muitas com seu nome dado a diversos logradouros públicos e escolas em todo o País. Mas, uma especial foi a nomeação da Biblioteca Infantojuvenil Monteiro Lobato, em 1955, e que se tornou o embrião da Rede de Bibliotecas Infantojuvenis da cidade de São Paulo. Seu legado foi registrado algumas biografias, com destaque à duas pelo enfoque centrado em seu próprio relato e uma centrada no empresário, pioneiro da indústria gráfica no Brasil: Reinações de Narizinho: uma biografia, de Marisa Lajolo e Lilia Moritz, publicada pela Cia. das Letrinhas, em 2019; Minhas memórias de Lobato, de Luciana Sandroni, publicada em 1997 pela Cia. das Letrinhas; Monteiro Lobato: intelectual, empresário e editor, de Alice Mitika Koshiyama, publicada pela Edusp, em 2006. Por fim, temos a clássica biografia Vida e obra de Monteiro Lobato, de Edgar Cavalheiro, em 2 volumes, publicada pela Gráfica Urupês, em 1962.

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 24 de novembro de 2024

OS BRASILEIROS: Monteiro Lobato (I) - (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

OS BRASILEIROS: Monteiro Lobato (I)

José Domingos Brotp

José Bento Renato Monteiro Lobato nasceu em 18/4/1882, em Taubaté, SP. Advogado, promotor, empresário, jornalista, editor, tradutor, fotógrafo, pintor e o mais destacado escritor da literatura infantil brasileira. Na condição de empresário foi pioneiro no mercado editorial e criador do livro paradidático. Foi também o primeiro industrial do petróleo brasileiro.

 

Filho de Olímpia Augusta Lobato e José Bento Marcondes Lobato, foi alfabetizado em casa com a mãe professora e teve acesso a imensa biblioteca do avô materno Visconde de Tremembé. Aos 11 anos ingressou no Colégio São João e aos 14 já dominava o inglês e francês. Aos 16 anos perdeu o pai e aos 17 decidiu viver na capital. Queria ingressar num curso de belas artes, devido ao talento como desenhista. Mas ingressou na Faculdade de Direito, por imposição do avô. Junto com os colegas, fundou a “Arcádia Acadêmica”; tornou-se líder da turma e passou a presidir a “Arcádia”. Foi colaborador do jornal Onze de Agosto, da Faculdade, publicando artigos sobre teatro. Tais artigos resultaram, em 1903, na formação do grupo “O Cenáculo”, integrado por Godofredo Rangel, Tito Lívio Brasil e Ricardo Gonçalves entre outros.

Era um tipo anticonvencional e sem papas na língua. Por essa época venceu um concurso de contos, na Faculdade, com o texto Gens Ennuyeux. Aos 22 anos formou-se bacharel em Direito e retornou à Taubaté, onde passou a ocupar interinamente a promotoria da cidade. Conheceu “Purezinha” (Maria Pureza da Natividade de Souza e Castro), com quem casou-se em 1908. Aos 26 anos, o tino empresarial foi despertado com a associação num negócio de estradas de ferro e passou uma temporada vivendo em pequenas cidades da região. Passou a escrever regularmente, colaborando em jornais, como A Tribuna, de Santos, Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro e na famosa revista Fon-Fon, com caricaturas e desenhos. Os negócios, porém, não prosperavam.

Aos 29 anos, com o falecimento do avô, tornou-se herdeiro da Fazenda Buquira, para onde se mudou com a família. Dedicou-se à modernização da fazenda, mas não era propriamente um “homem do campo” A Fazenda serviu, posteriormente, de inspiração para os personagens de seus livros e se tornou centro de visitação turística. A casa-sede da fazenda ainda se encontra em seu estado original, à margem da rodovia atualmente denominada “Estrada do Livro”, que liga a cidade de Monteiro Lobato à Caçapava. A partir de 1912 sua fama foi se consolidando através de artigos publicados no jornal O Estado de São Paulo e se estabelece em 1914 com a publicação de um artigo – Velha praga – contra as queimadas praticadas pelos caboclos. O artigo repercutiu bem entre os leitores e contribuiu para sua mudança do interior para a capital, deixando de ser fazendeiro para tornar-se escritor-jornalista.

Em fins de 1917 publicou o artigo Paranoia ou mistificação, uma crítica arrasando a exposição de Anita Malfatti, gerando uma polêmica até a Semana de Arte Moderna de 1922. Os modernistas passaram a vê-lo como reacionário. Polemista e nacionalista, ele criticava os “ismos” importados da Europa: cubismo, dadaísmo, surrealismo etc., causando certo estranhamento com os modernistas. Em 1918 publicou o livro de contos Urupês, contendo seu personagem mais conhecido – Jeca Tatu – e considerado sua obra-prima. A tiragem ultrapassou os 100 mil exemplares, um fenômeno até para os dias atuais. Em seguida entrou no ramo editorial, comprando a Revista do Brasil; abriu espaço para novos talentos e tornou-se um intelectual engajado na causa do nacionalismo.

A revista prosperou levando-o à editoração de livros. Dizia que “livro é sobremesa: tem que ser posto debaixo do nariz do freguês”. Encarou o livro como um produto de consumo e caprichou na capa e produção gráfica, além de introduzir novas formas de distribuição. Assim, criou a editora Monteiro Lobato & Cia e entregou a direção da revista a Paulo Prado e Sergio Milliet. Importou novas máquinas impressoras para atender a demanda e ampliou o parque gráfico. Em 1921, atendendo um pedido do presidente de São Paulo, Washington Luís, publicou A menina do narizinho arrebitado e distribuiu gratuitamente 500 exemplares nas escolas.

Por essa época, o País enfrentou uma grande seca levando a uma crise energética. O Governo de Arthur Bernardes promoveu uma desvalorização da moeda, gerando um enorme rombo financeiro e muitas dívidas à editora. A saída foi decretar a falência da editora, em 1925, e criar outra – a Companhia Editora Nacional -, em sociedade com Octalles Marcondes Ferreira e mudou-se para o Rio de Janeiro, onde foi dirigir a filial da Editora. A nova editora teve um impacto revolucionário na indústria editorial, conforme declarou: “Fui um editor revolucionário. Abri as portas aos novos. Era uma grande recomendação a chegada dum autor totalmente desconhecido – eu lhe examinava a obra com mais interesse. Nosso gosto era lançar nomes novos, exatamente o contrário dos velhos editores que só queriam saber dos ‘consagrados’”.

A editora começou a investir em títulos educacionais. Os livros tinham a garantia do “selo de qualidade” Monteiro Lobato, com bons projetos gráficos e enorme sucesso de público. Assim, alavancou a publicação de novos sucessos editoriais, especialmente com Narizinho e outras personagens, como Dona Benta, Pedrinho, Tia Nastácia, Visconde de Sabugosa Emília. Além disso, por não gostar das traduções dos livros europeus para crianças, e sendo um nacionalista convicto, criou aventuras com personagens ligadas à cultura brasileira, recuperando inclusive costumes da roça e lendas do folclore. Desse modo, tornou-se pioneiro na literatura didática com o ensino de história, geografia, matemática, física e gramática como parte de suas histórias.

Antes do auge da editora ocorre nova mudança em sua vida, participando mais efetivamente na política. Enviou uma carta ao recém-empossado presidente Washington Luís -seu amigo paulista-, defendendo os interesses da indústria editorial. O contato reatado rendeu-lhe a nomeação para adido comercial nos EUA, em 1927. Assim, mudou-se para Nova Iorque e deixou a Editora sob a direção de seu sócio. Nos EUA ficou encantado com o progresso e confirmou a tese do presidente: “Governar é abrir estradas”. Na correspondência mantida com o presidente, aconselhava-o a desenvolver atividades semelhantes no Brasil.

(Continua no próximo domingo)

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 17 de novembro de 2024

AS BRASILEIRAS: Tomie Ohtake (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

AS BRASILEIRAS: Tomie Ohtake

José Domingos Brito

Tomie Ohtake nasceu em Kioto, Japão, em 21/11/1913. Artista plástica e uma das mais importantes representantes do abstracionismo informal, com uma vasta obra nas áreas da pintura, gravura e escultura blica. É considerada a “Dama das artes plásticas brasileira”.

 

 

Filha de Kimi e Inosuke Nakakubo, veio visitar um irmão no Brasil, em 1936, e ficou impressionada com a intensidade da luz amarela, do calor e da umidade ao desembarcar no porto de Santos. Em seguida conheceu seu conterrâneo Ushio Ohtake; casaram-se e decidiu viver em São Paulo, no bairro da Mooca. Tiveram dois filhos -Ruy e Ricardo-, que deram continuidade a sua obra. Iniciou na pintura, em 1952, com o artista Keisuke Sugano. Em seguida integrou o Grupo Seibi e passou a produzir obras no contexto da arte figurativa. Mais tarde definiu-se pelo abstracionismo.

Iniciou na vida artística aos 39 anos, incentivada pelo pintor Keiya Sugano, num gesto de abertura de um novo território para si e para o outro. De forma independente e sem aderir à narrativa hegemônica da arte, fez seus estudos e seguiu produzindo durante décadas. Criou, investigou, experimentou e produziu pinturas, desenhos, gravuras, escultura. A carreira atingiu plena efervescência a partir dos 50 anos, quando realizou mostras individuais e conquistou prêmios na maioria dos salões brasileiros. Em sua trajetória vê-se obstinação da pesquisa, o rigor na produção e uma atitude livre, sem nunca se filiar, seja a uma ideia, movimento, grupo, linguagem ou manifesto. Uma artista que fez da sua própria casa um lugar de acolhimento e cruzamento de pessoas de diferentes gerações, perspectivas e origens.

Naturalizou-se brasileira em 1968, quando já tinha acumulado experiência na serigrafia, litogravura e gravura em metal. Nas décadas de 1950 e 1960 participou de diversas exposições nacionais e internacionais e foi agraciada com o Prêmio “Panorama da Pintura Brasileira” do MAM-Museu de Arte Moderna de São Paulo. Em 1972 foi convidada a participar da Bienal em Veneza e manteve afinidade com a obra do pintor Mark Rothko, “na pulsação obtida em suas telas pelo uso da cor e nos refinados jogos de equilíbrio”. Na década de 1980 foi influenciada pelo surgimento de outros artistas, como Tomoo Handa, Kazuo e Wakabayashi entre outros da comunidade nipônica. Em 1987 recebeu o “Prêmio Mulher do Ano na Arte”,
pelo Conselho Nacional de Mulheres do Brasil e Academia Brasileira de Letras. Em 1995 foi agraciada com o “Prêmio Nacional de Artes Plásticas” pelo Ministério da Cultura.

Destacou-se também no trabalho com esculturas em grandes dimensões, ocupando espaços públicos e teve uma sala especial na 23ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1995. Atualmente tem 27 de suas obras públicas expostas em algumas cidades brasileiras, a maior parte em São Paulo, com destaque para a obra em concreto armado instalada na Av. 23 de Maio, os painéis da Estação Consolação do Metrô e a pintura em parede cega no centro (Ladeira da Memória). Entre 2009 e 2010, suas esculturas alcançaram também os jardins do Museu de Arte Contemporânea de Tóquio e a província de Okinawa, no Japão. Em 2012, foi convidada pelo Mori Museum, em Tóquio, para produzir uma obra pública instalada no jardim do Museu.

Em sua extensa trajetória, participou de 20 bienais internacionais: 6 em São Paulo, além das bienais de Veneza, Tóquio, Havana e Cuenca. Seu currículo conta com mais de 120 exposições individuais em todo o mundo e umas 400 coletivas no Brasil e no exterior, sendo detentora de 28 prêmios. Em 1995 recebeu o “Prêmio Nacional de Artes Plásticas” do MinC-Ministério da Cultura. Em 2000, foi criado o Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, mantido pelos filhos, tornando-se um grande centro irradiador das artes plásticas. Em meados de 2010 foi convidada pelo arquiteto Oscar Niemayer para fazer a uma tapeçaria de 800 m² decorando uma das paredes do Auditório Simón Bolívar, no Memorial da América Latina, em São Paulo. Infelizmente um incêndio, em 2013, destruiu 90% do auditório e a tapeçaria.

Em 2012 criou uma série de pinturas azuis, nas quais, mais uma vez, fica evidente o seu interesse em renovar-se ao inventar uma nova pincelada – a pincelada como forma, sem que a tela perca o movimento e a profundidade característicos de sua produção. Segundo ela mesma: “A transparência e a profundidade se tornaram elementos fundamentais no meu trabalho. A criação de um espaço, com profundidade e transparência, é trabalhada por meio de pinceladas de cores em que os intervalos entre elas dão visão para um segundo e um terceiro planos. Quando falo das camadas de tinta, são justamente as camadas que não são planas, mas pinceladas que vão se sobrepondo para criar determinada dimensão para o fundo da tela.”

Em 2013, seu centenário foi comemorado com 17 exposições pelo Brasil, destacando 2 no Instituto Tomie Ohtake: Gesto e razão geométrica, com curadoria de Paulo Herkenhoff, e Tomie Ohtake: correspondências e influxo das formas, com curadoria de Agnaldo Farias e Paulo Miyada, realizadas respectivamente em fevereiro e agosto. Anualmente o Instituto realiza o “Prêmio Territórios Tomie Ohtake”, destinado a incentivar as artes plásticas.

Seu legado e biografia foram publicadas alguns livros: Tomie: cerejeiras na noite, de Ana Miranda, baseado em depoimentos da artista, publicado em 2006 pela Cia. das Letrinhas; Tomie Ohtake: Construtiva, de Paulo Herkenhoff, pela Edições Pinakoteke, em 2013; Tomie Ohtake, de Lígia Rego e Ligia Santos, pela Editora Moderna, em 2016. Em dezembro de 2014, a cineasta Tizuka Yamasaki lançou o documentário Tomie, retratando o universo da artista, mesclando momentos íntimos com depoimentos críticos de Paulo Herkenhoff, Agnaldo Farias e Miguel Chaia. Dos 100 aos 101 anos realizou cerca de 30 pinturas e faleceu em 12/2/2015, aos 101 anos.

Clique aqui e veja documentário biográfico com Tomie Ohtake


José Domingos Brito - Memorial domingo, 10 de novembro de 2024

OS BRASILEIROS: Aurélio Buarque de Holanda (CRÔNICA D9O COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

OS BRASILEIROS: Aurélio Buarque de Holanda

José Domingos Brito

Aurélio Buarque de Holanda Ferreira nasceu em Passo de Camaragibe, AL, em 3/5/1910. Escritor, filólogo, lexicógrafo, advogado, professor, tradutor e crítico literário. Professor precoce de português, lecionou por quase 30 anos no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Seu apego a língua portuguesa e o gosto pelas palavras, levou-o a criar seu próprio dicionário, em 1975, o Novo Dicionário da Língua Portuguesa, conhecido como Dicionário Aurélio ou apenas “Aurelião”.

 

 

 

 

 

Filho de Maria Buarque Cavalcanti Ferreira e Manuel Hermelindo Ferreira, teve os primeiros estudos em Maceió, onde ingressou no Liceu Alagoano e no magistério aos 15 anos, quando passou a se interessar pela língua e literatura. Pouco depois, mudou-se para o Recife para estudar Direito, concluindo o curso em 1936. Nesta época integrou o grupo de intelectuais composto por José Lins do Rego, Graciliano Ramos e Rachel de Queiroz entre outros. Retornou à Maceió e passou a lecionar no Colégio Estadual de Alagoas e dirigir a Biblioteca Municipal, em 1937-1938.

Mudou-se para o Rio de Janeiro e continuou lecionando Português e Literatura no Colégio Anglo-Americano até 1940. Neste ano ingressou como professor no Colégio Pedro II, onde permaneceu até 1969, lecionando no Ensino Médio de 1949 a 1980. Este período foi interrompido apenas por um ano e meio, quando assumiu a cadeira de Estudos Brasileiros na UNAM-Universidade Autônoma do México em 1954-1955. Colaborou na imprensa carioca e foi secretário da Revista do Brasil de 1939 a 1943.

Nesta época desponta o escritor com o livro de contos Dois mundos, publicado em 1942 e premiado em 1944 pela ABL-Academia Brasileira de Letras. Conta-se que poderia ter sido um grande escritor, caso não tivesse abraçado a carreira de lexicógrafo. Em 1941 foi convidado para colaborar, como revisor do Pequeno Dicionário da Língua Portuguesa, editado pela Civilização Brasileira. Em 1944 trabalhou no Dicionário Enciclopédico do Instituto Nacional do Livro, e foi tomando gosto pela lexicografia. Pouco depois iniciou no Suplemento Literário do Diário de Notícias, a seção “O Conto da Semana”, tendo Paulo Rónai como colaborador. Tal parceria resultou na edição dos 5 volumes da coleção Mar de histórias, uma antologia do conto mundial, iniciada em 1945, pela Editora Nova Fronteira. A coleção conta hoje com 10 volumes.

A partir de 1950, manteve na revista Seleções do Reader’s Digest, a seção “Enriqueça o seu vocabulário”, que em 1958 resultou na publicação de um livro com este título. Assim, foi lançado o germe de seu dicionário, que viria a ser publicado em 1975. A partir daí iniciou uma jornada de palestras por todo o País para falar dos mistérios e sutilezas da língua portuguesa, que ele enriqueceu com tantos brasileirismos, “fazendo do brasileiro comum um consulente de dicionário e um usuário consciente do seu idioma”. No plano internacional, foi convidado a dar inúmeras conferências sobre linguística em diversos países. O estrondoso sucesso de vendas suscitou uma ferrenha disputa judicial pela coautoria e por direitos autorais, que foi parar no STF-Supremo Tribunal Federal 4 décadas após seu lançamento. Toda a questão foi esmiuçada no livro Por trás das palavras: as intrigas e disputas que marcaram a criação do Dicionário Aurélio, o maior fenômeno do mercado editorial brasileiro, do jornalista Cezar Mota, publicado pela Editora Máquina de Livros, em 2020.

O nome “Aurélio” passou a ser considerado como sinônimo de dicionário e os editores sugeriram sua inclusão como verbete no próprio dicionário. Porém sua modéstia vetou a inclusão do verbete com este sentido. Tendo em vista o sucesso editorial, dois anos após foi lançado o Minidicionário da Língua Portuguesa, também chamado de “Miniaurélio”, uma espécie de “dicionário de bolso”. 10 anos depois e ainda decorrente do sucesso editorial, foi lançado em 1989 o Dicionário Aurélio Infantil da Língua Portuguesa, com ilustrações de Ziraldo. A edição original, de 1975, teve mais de um milhão de exemplares vendidos até 1987, quando saiu a 2ª edição, contendo cerca de 115 mil vocábulos. Uma quantidade abaixo da média, segundo o próprio Aurélio, já que o português falado no Brasil possui cerca de 400 mil palavras.

Assim, o Aurélio tornou-se o dicionário padrão na sociedade brasileira, estabelecendo a norma linguística e lexicológica mesmo que esta não tenha sido a intenção do autor. Em 1961 ingressou na ABL-Academia Brasileira de Letras, vindo a participar de diversas entidades, como Academia Brasileira de Filologia, do Pen Clube do Brasil, da Comissão Nacional do Folclore, do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, e da Hispanic Society of America. Faleceu em 28/2/1989 e em 2015 foi homenageado no bicentenário de Maceió, com uma estátua em bronze na orla de Ponta Verde. Em 2022, recebeu a homenagem de sua cidade natal com um monumento no trevo de entrada da cidade.

Aurélio Buarque de Holanda teve ascendentes holandeses – originários de Pernambuco – dos dois lados da família. Do lado Buarque de Holanda, descende de Arnaud Florentz Boeyens Van Holland e da ascendência da família Wanderley, sobrenome que não herdou, descende de Caspar Von Niehoff Van der Ley. Aurélio era primo de segundo grau de Chico Buarque; sua mãe, Maria Buarque, era sobrinha de Cristovão Buarque de Holanda, portanto prima de Sérgio Buarque de Holanda, que era o pai de Chico Buarque de Holanda. Não deixa de ser curioso o fato de não termos ainda a publicação de uma biografia para chamar de sua, mesmo diante do “boom” editorial que o tema tem suscitado atualmente. Navegando na Internet encontrei apenas um folheto de 39 páginas – Vida e obra de Aurelio Buarque de Holanda Ferreira -, publicado em 1982 por uma editora desconhecida, de autoria de Gilberto de Macedo.

 




José Domingos Brito - Memorial domingo, 03 de novembro de 2024

AS BRASILEIRAS: Maria Aragão (CRÔNICA DO COLOUNISTA JOSÉW DOMINGOS BRITO)

AS BRASILEIRAS: Maria Aragão

José Domingos Brito

Maria José Camargo Aragão nasceu em 10/2/1910, em Pindaré Mirim, MA. Médica, professora, jornalista e ativista política destacada na luta contra a ditadura brasileira, em 1964, e na defesa dos direitos da mulher. Sua história tem origem na extrema pobreza e foi uma referência na condição de líder do Partido Comunista no Maranhão.

 

 

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Filha de Maria José Camargo Aragão e Emídio Aragão, descendentes de africanos. A mãe era analfabeta, porém obstinada na educação dos filhos. Com esta finalidade, a família mudou-se para São Luís, onde ela concluiu os primeiros estudos. Em seguida fez o curso “Normal” no Liceu Maranhense e formou-se professora. Mas alimentava o sonho de se tornar médica, o que parecia quase impossível diante de tantas dificuldades. Em princípios da década de 1930, sua mãe adoeceu e o médico indicou um tratamento mais apropriado, que só podia se realizar no Rio de Janeiro.

Em julho de 1934, a família mudou-se para o Rio com a mãe doente, vindo a falecer pouco depois. O sonho de se tornar médica foi retomado e no mesmo ano e ingressou na Universidade do Brasil, atual UFRJ. Com poucos recursos, passou por uns perrengues e, por pouco, não desistiu do curso. “Eu quis estudar Medicina, porque eu achava muito admirável um médico que era o amigo da gente, e a amizade ficou, porque ele foi nos visitar uma vez, algum de nós estava doente e ele não cobrou, porque viu nossa miséria, e eu achei aquilo muito bonito. Eu tinha sempre a vontade de ajudar, de que pudesse ser útil. A fome que nós passávamos era muito grande e eu achava que devia ter um jeito de se acabar com a fome, porque eu sabia que outras pessoas também passavam fome.” Revelou mais tarde num documentário.

Formou-se médica em 1942, iniciando como pediatra e foi trabalhar no Rio Grande do Sul, enfrentando o preconceito por ser mãe solteira. Sua vida sofreu uma guinada com a morte da filha, redirecionando sua carreira para a ginecologia. “Perder a filha pra mim foi uma das coisas mais dolorosas da vida, e eu pirei. Eu não conseguia trabalhar com criança, embora fosse pediatra e adorasse trabalhar com crianças, ainda hoje adoro crianças, e eu não conseguia trabalhar. Naquela época, eu entrava na sala do consultório, via aquelas crianças e saía pela porta dos fundos. Então, ia para rua andar, andar, andar… Eu ficava pensando: Isso não podia ser. Tinha perdido outra qualidade, que eu acho que é uma das minhas características, além de teimosa, de autossuficiência, é paixão pela vida, que eu conservo”.

Em 1944, impactada pela eloquência de Luiz Carlos Prestes num comício histórico, encontrou no Partido Comunista (PCB) um caminho para canalizar sua indignação. Retornou ao Maranhão, em 1945, e mergulhou de cabeça na organização e fortalecimento do partido em São Luís, enfrentando perseguições e difamações. Na época, o PCB chegou a ter mais de 2 mil militantes. Nas cidades do interior, a médica era tratada como prostituta ou besta-fera por alguns padres que incitavam a população contra ela. Mandavam tocar o sino a dobre de finados, símbolo da morte de alguém, quando ela chegava. Na cidade de Codó chegou a ser apedrejada.

Em 1962, viajou para a União Soviética, onde ficou um ano e três meses participando de cursos de formação política e visitou outros países do Leste europeu. De volta à São Luíz, passou a organizar o partido em bases mais sólidas Na década de 1960, sob o peso do regime militar instalado em 1964, enfrentou as oligarquias políticas e resistiu às perseguições e represálias impostas pela ditadura. Sua liderança no PCB, aliada à direção do jornal Tribuna do Povo, transformou-a num símbolo contra a repreensão. Manteve a atuação médica como bandeira de resistência, enfrentando humilhações ao atender pacientes em seu consultório sob a vigilância policial. Foi presa em diferentes momentos, inclusive sendo brutalmente torturada em 1973. Em 17 de maio foi interrogada pela Polícia Federal. “Esse interrogatório foi muito duro, foi muito duro, vendada, vendada, queriam saber quem era daqui quem era comunista, não sei, eu sei que lá tem oposicionista, comunista eu não sei, sabe.”

Em 1980, alinhou-se a Luiz Carlos Prestes na ruptura com o PCB e reafirmou seu compromisso com ideais libertários, juntando-se à Corrente Prestista. A partir de 1983, passou a integrar a direção da CUT-Central Única dos Trabalhadores do Maranhão, no cargo de Tesoureira. Em 1987 foi criada a Associação Brasileira de Mulheres Médicas-Seção do Maranhão, da qual foi a primeira presidente. Pouco depois foi reeleita na direção da CUT/MA e faleceu em 23/7/1991, aos 81 anos.

As homenagens, como a denominação da Praça Maria Aragão, no centro histórico foram previstas com ela ainda viva. Mas foram efetivadas com a criação do Instituto Maria Aragão, na Sociedade de Medicina e Cirurgia do Maranhão, em 19/10/2001, com a finalidade de preservar e servir de referencial para o estudo da vida social e política, favorecendo o resgate e a divulgação da história das lutas populares no Maranhão. Tais homenagens culminaram na inauguração do Memorial Maria Aragão, em 2004, projetado por Oscar Niemayer no Centro Histórico de São Luís. Como documento biográfico, temos o livro organizado por Euclides Moreira Neto: Maria por Maria – ou a saga da besta-fera nos porões do cárcere e da ditadura. Depoimento autobiográfico da médica militante comunista Maria José de Aragão, publicado pela EDUFMA, em 2017 e à disposição na Internet.

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 27 de outubro de 2024

OS BRASILEIROS: Lima Barreto (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

OS BRASILEIROS: Lima Barreto

José Domingos Brito

Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu em 13/5/1881, no Rio de Janeiro, RJ. Jornalista, escritor, cronista e um dos precursores da reportagem, junto com João do Rio. Suas 440 crônicas apresentam um retrato vívido do Rio de Janeiro em princípios do século XX, quando a cidade passava por uma radical transformação urbana, alterando a estrutura social da cidade.

 

 

Filho de Amália Augusta, filha de escravizada e agregada da família Pereira Carvalho e de João Henriques de Lima Barreto, filho de uma antiga escravizada. Moravam próximo ao Largo do Machado e o pai era tipógrafo e funcionário da Imprensa Oficial. A mãe foi professora e faleceu quando o garoto tinha 6 anos. Em 1907, aos 26 anos, fez suas primeiras publicações na revista Fon-Fon, da qual tornou-se secretário, a pedido do poeta e jornalista Mário Pederneiras.

Sentindo-se desvalorizado no serviço, logo demitiu-se e lançou sua própria revista Floreal. Sua textos tiveram espaço nas principais revistas populares ilustradas e periódicos anarquistas do início do século XX, tais como as revistas ABC e Careta. Em 1911 iniciou a publicação do romance Triste fim de Policarpo Quaresma no Jornal do Commercio e lançou o livro em 1915, tendo a edição bancada com seus próprios recursos. Por esta época, as crises de alcoolismo e depressão tornaram-se mais agudas, provocando sua primeira internação no Hospital dos Alienados, em 1914. Voltou a trabalhar em algumas revistas, em 1916, publicando artigos de viés político. Em seguida os problemas de saúde retornaram e ele teve que ser aposentado em 1918. No ano seguinte, publicou o romance Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá pela editora Revista do Brasil, de Monteiro Lobato. Os períodos de internação no hospício resultaram na composição de diversos diários e no romance inacabado Cemitério dos vivos.

Foi excluído da crítica oficial – no período 1909-1922 – com um silêncio implacável quanto aos seus escritos. Mesmo antes disso já não encontrava editores interessados em sua obra, levando-o a tentar a edição em Portugal. Assim, foi publicado o romance Recordações do Escrivão Isaías Caminha, em 1907, pela Livraria Clássica de Lisboa. Sua posição combativa e crítica contundente, aliado ao preconceito de cor e ao alcoolismo, custaram-lhe a marginalidade e a indiferença da elite cultural. Tal fato pode se comprovar na descoberta e valorização de sua obra após sua morte, em 1/11/1922 aos 41 anos.

A maior parte de sua obra foi redescoberta e publicada após sua morte através do esforço de seu biógrafo Francisco de Assis Barbosa. Logo após seu falecimento, o editor Jacinto Ribeiro dos Santos publicou Os Bruzundangas, uma sátira da vida brasileira nos primeiros anos da República. Além deste, foram publicados Bagatelas, em 1923, e Clara dos Anjos, em série, na Revista Santa Cruz em 1923-1924. Outras obras, como Cemitério dos vivos, Diário íntimo e parte da correspondência pessoal, foram publicadas nas décadas de 1940 e 1950, a partir das pesquisas de Francisco de Assis Barbosa.

Seu talento como escritor foi reconhecido por Monteiro Lobato, conforme escreveu, em 1/19/1916, ao seu amigo Godofredo Rangel: “Conheces Lima Barreto? Li dele, na Águia, dois contos, e pelos jornais soube do triunfo do Policarpo Quaresma, cuja segunda edição já lá se foi. A ajuizar pelo que li, este sujeito me é romancista de deitar sombras em todos os seus colegas coevos e coelhos, inclusive o Neto. Facílimo na língua, engenhoso, fino, dá impressão de escrever sem torturamento – ao modo das torneiras que fluem uniformemente a sua corda-d’água”.

Outros críticos se manifestaram de modo diverso, porém reconhecendo o talento do autor. Antônio Cândido, ao observar sua concepção literária, considera que “de um lado favoreceu nele a expressão escrita da personalidade”, enquanto “de outro pode ter contribuído para atrapalhar a realização plena do ficcionista”. Ressalta o valor de sua “inteligência voltada com lucidez para o desmascaramento da sociedade e a análise das próprias emoções”, mas também afirma ser ele um escritor que não atingiu toda a sua potencialidade como narrador. Osman Lins afirmou que, para além de realizações estéticas desiguais, há “certas características de ordem literária e humana que atravessam todos os seus livros – ou, até, todas as suas páginas –, dando-lhes grande homogeneidade”, concluindo que “sua obra tão variada é um bloco coerente e em toda ela reconhecemos, inconfundível, nítida, a personalidade do autor”.

Foi o crítico mais agudo de sua época, rompendo com o nacionalismo ufanista e pondo a nu a roupagem republicana que manteve os privilégios de famílias aristocráticas e dos militares. Definindo seu projeto literário como o de escrever uma “literatura militante” — apropriando-se da expressão de Eça de Queirós — sua obra está quase inteiramente voltada para a investigação das desigualdades sociais, da hipocrisia e da falsidade dos homens e das mulheres em suas relações dentro da sociedade. Em muitas obras, o método adotado para tratar desses temas é o da sátira, cheia de ironia, humor e sarcasmo. Foi severamente criticado por alguns escritores de seu tempo por seu estilo despojado e coloquial, que Manuel Bandeira chamou de “fala brasileira” e que acabou influenciando os escritores modernistas.

Foi Homenageado, no carnaval do Rio de Janeiro de 1982, pela Escola de Samba Unidos da Tijuca, com o samba-enredo Lima Barreto, mulato pobre mas livre e 15ª edição Flip-Festa Literária Internacional de Paraty, em 2017. Duas excelentes biografias dão conta de seu legado literário: A vida de Lima Barreto, de Francisco de Assis Barbosa, publicada em 2002 pela José Olympio Editora e Lima Barreto: triste visionário, de Lilia Moritz Schwarcz, pela Cia. das Letras em 2017.

 

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 20 de outubro de 2024

AS BRASILEIRAS: Ana Jansen (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BITO)

AS BRASILEIRAS: Ana Jansen

José Domingos Brito

Ana Joaquina Jansen Pereira, conhecida como Donana por seus escravizados, nasceu em São Luís, MA, em 1798. Empresária e politica, rica proprietária de terras. Foi uma personagem controversa na história. Conta-se que devido a crueldade com seus escravizados, foi criada uma lenda sobre seu espírito vagando pelas ruas de São Luís, conduzindo uma carruagem fantasma.

 

 

Filha de Rosa Maria Jansen Muller e Vicente Gomes de Lemos Albuquerque, uma família descendente de holandeses e portugueses instalada na Província do Maranhão. Na adolescência teve um filho de pai desconhecido, tornando-se “desonrada”, e expulsa de casa pelo pai com o filho recém-nascido. Após passar por uns perrengues e grandes dificuldades, tornou-se amante por muitos anos do rico coronel Isidoro Rodrigues Pereira, pertencente à família mais rica da região. Deste relacionamento duradouro, surgiram alguns filhos, passando de amante a esposa após a morte da primeira mulher do coronel, que aceitou criar seu filho sem pai. Ele a sustentava, lhe deu casa e uma vida digna para criar seu filho. No entanto, era alvo de preconceito por criá-lo sozinha, morando na casa cedida pelo coronel.

O relacionamento era mal visto pela vizinhança na sociedade moralista da época, personificada acima de tudo por sua maior inimiga: Dona Rosalina Ribeiro, que conservava a moral e os bons costumes com muito rigor. Não admitia uma mulher não ser casada, ter filho de um homem que ninguém sabe quem é e ser amante de outro, ainda casado. Tal comportamento chocava as mulheres da época, que se casavam cedo e levavam uma vida de submissão ao marido. Após a morte de sua esposa, o coronel assumiu oficialmente a relação e permaneceram juntos por 15 anos, até a morte do marido, que deixou 6 filhos para criar. Aos poucos, ela passou a ser aceita e até respeitada pela sociedade local. Assim, tornou-se uma viúva rica e poderosa senhora proprietária de terras, escravos e líder política até que chegou a ficar conhecida como “Rainha do Maranhão”.

Empreendedora e ciente de seu poder econômico, assumiu o controle da Fazenda Santo Antônio e tempos depois conseguiu triplicar a fortuna herdada. Em seguida passou a ser uma das maiores produtoras de algodão e cana-de-açúcar do Império, além de possuir o maior número de escravos da região. Implantou um sistema de distribuição de água substituindo o anterior, cobrando a população pela prestação deste serviço por um período de 15 anos. Perseverante e ambiciosa, transformou o dinheiro em poder, assumindo a liderança política da cidade e reativando o esfacelado partido liberal Bem-te-Vi (nome do jornal do partido), passando a comandá-lo.

Além de empresária, era hábil na política, costurando acordos nos bastidores entre alguns líderes locais. Durante a revolta da Balaiada (1828-1841), conta-se na história que ajudou a financiar o exército comandado pelo Duque de Caxias, enviado para conter a revolta, uma das mais longas durante o Império. No âmbito local, manteve forte rivalidade política com o Comendador Meireles, líder do Partido Conservador. Seu temperamento forte, explosivo e competitivo, além de sua capacidade de liderança, alcançaram a corte de D. Pedro II, onde ficou conhecida como “Rainha do Maranhão”. Passou, também, a ficar famosa pela dureza com que tratava os inimigos e pelo autoritarismo extremado com seus funcionários e escravizados. Era voz corrente entre seus opositores de que não tinha piedade de quem atrapalhasse seus planos, e açoitava os negros que não a obedeciam, mutilando-os.

Embora haja certo consenso sobre sua crueldade, de acordo com o historiador Rodrigo do Norte, muitos dos relatos seriam exagerados. Ela não era mais cruel que a média dos escravagistas de sua época. Com a fama espalhada na região, tornou-se vaidosa e requereu o título nobiliárquico de Baronesa de Santo Antonio, local onde mantinha a fazenda principal, ao Imperador Dom Pedro II, que lhe foi negado. Após a morte do coronel Isidoro, seu marido, ela foi amante, por alguns anos, do Desembargador Francisco Vieira de Melo e teve mais 2 filhos. Assim, foi matriarca de uma família de 11 filhos. Ela não via nada demais em ser amante e nem ligava para o que as mulheres casadas diziam. Sempre aparecia grávida diante todos, que ficavam chocados

Mais tarde, já aos 60 anos, casou-se pela segunda vez oficialmente com o comerciante paraense Antônio Xavier e faleceu em 11/4/1869. Atualmente, em São Luís, existem ruas com o seu nome e uma lagoa em sua homenagem: a Lagoa da Jansen, um dos principais pontos de lazer da cidade. No folclore de São Luís, existe uma lenda sobre a carruagem de Ana Jansen. De acordo com esta lenda, por maltratar seus escravizados, ela foi condenada a vagar perpetuamente pelas ruas da cidade numa carruagem assombrada. O coche maldito partiria do cemitério do Gavião, em noites de quinta para sexta-feira. Um escravo sem cabeça conduziria a carruagem, puxada por cavalos também decapitados ou uma mula-sem-cabeça em outras versões.

Ana Jansen ficou muito conhecida no Maranhão, fazendo com que a hsitória de sua vida fosse mitificada ao longo do tempo, levando a exageros ampliados pelo folclore. Diante de tais exageros, duas historiadoras - Elizabeth Souza Abrantes e Sandra Regina Rodrigues Santos - empreenderam uma pesquisa embasada em fatos e documentos, que resultou no livro A Senhora do Maranhão: uma biografia de Ana Jansen, publicado pela editora da UEMA, em 2023. A biografia foi resenhada e publicada – SALVE ANA, SALVE DONANA: um olhar sobre a biografia da Senhora do Maranhão, Ana Jansen – por Nila Michele Bastos Santos na revista Outros Tempos, vol. 21, nº 37, 2024, que pode ser acessada clicando aqui.


José Domingos Brito - Memorial domingo, 13 de outubro de 2024

OS BRASILEIROS: Emiliano Mundurucu (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

OS BRASILEIROS: Emiliano Mundurucu

José Domingos Brito

Emiliano Felipe Benício Mundurucu nasceu em 1791, em Pernambuco. Militar e ativista político, é considerado a primeira pessoa na história dos EUA a desafiar a segregação racial em um tribunal. Foi também o primeiro negro a ingressar em uma loja maçônica de Boston que até então só aceitava brancos.

 

 

O sobrenome “Mundurucu” foi incorporado ao seu nome em 1823, seguindo um costume entre revolucionários nas colônias americanas de adotar nomes de povos originários das Américas como manifestação de uma nova identidade nacionalista e independente da Europa. Os mundurucus são um grupo indígena brasileiro que habita as áreas do sudoeste do estado do Pará.

Emiliano participou da Revolução Pernambucana de 1817 e foi major do batalhão de pardos durante a Confederação do Equador, em 1824. Chegou a ser indicado pelo governo regencial para comandar o Forte do Brum, mas não assumiu o posto devido à resistência movida pelo preconceito racial da elite pernambucana. Foi um militar muito influenciado pela revolução haitiana (1791-1804) Acreditava que uma grande revolta dos negros deveria ser realizada no Brasil, tal como se deu no Haiti. Assim, ficou conhecido e chamado de “haitianista”, causando temor nas elites.

O historiador Marco Morel, em seu livro A Revolução do Haiti e o Brasil escravista (Jundiaí, SP: Editora Paco, 2017), conta que Emiliano ensaiou uma ação militar no Recife enquanto recitava versos que exaltavam o então líder haitiano Henri Christophe. Em 1824, durante a Coonfederação do Equador, foi preso junto com figuras como Frei Caneca e recebeu sentença de morte. No entanto, conseguiu fugir e refugiou-se em Boston. Em 1825 fez uma breve visita ao Haiti e no ano seguinte desembarcou na Venezuela e alistou-se no exército do bolivarianos, onde ficou apenas um ano e retornou à Boston em 1827.

Em Massachusetts, em 1832, foi vítima de segregação racial ao embarcar num vapor com sua mulher Harriet e sua filha de 1 ano. Foram impedidos pelo capitão do navio de ocupar um espaço restrito às pessoas brancas. Ele argumentou que havia comprado a passagem mais cara, que lhe daria direito àquela área, mas o capitão do navio negou, alegando que sua esposa era negra, e eles tiveram que viajar num espaço menos confortável. Mundurucu advertiu o capitão: “go and get a writ out immediately”, algo como “Nos vemos no tribunal”. Ele ajuizou uma ação contra o capitão Edward Barker, por quebra de contrato, e o caso foi noticiado em alguns jornais dos EUA

O historiador Lloyd Belton registrou: “É incrível que um imigrante negro brasileiro tenha sido a primeira pessoa na história dos EUA a desafiar a segregação em um tribunal. E é ainda mais incrível que ninguém saiba quem ele é… a atitude desafiadora de Mundurucu inspirou diretamente outros ativistas negros”. No julgamento ele foi representado por juristas de peso, entre eles, David Lee Child, renomado abolicionista. Em 1833, o júri condenou o cap. Baker a pagar uma indenização de US$ 125 dólares a Mundurucu, mas o capitão conseguiu reverter a decisão na Corte Judicial Suprema de Massachussets.

Após o episódio, o navio Telegraph passou a ter a segregação racial escrita e exposta, definindo que os negros só podiam comprar as passagens mais baratas e confinadas em local mais exposto do navio. Segundo a historiadora Caitlin Fitz, Mundurucu foi pioneiro na ação judicial impetrada, decorrente de sua atitude tomada durante a viagem no navio. Ela lembra que a partir daí os ativistas passaram a ter argumentos mais amplos contra o racismo nos processos judiciais, ou seja, indo além da queixa de quebra de contrato.

Em 1837 foi anistiado no Brasil e retornou à Pernambuco, onde tentou reconquistar seu posto no Exército e assumir o comando do Forte do Brun. Sua posse foi impedida pelo presidente da província Vicente Tomás P.F. Camargo, alegando que ele não era qualificiado para tal comando. Assim, foi travada uma polêmica através de cartas publicadas no Diário de Pernambuco, onde ele afirma o interesse em “deprimir minha reputação tanto civil, quanto militar”. A polêmica se extendeu por alguns meses, através da imprensa, e ele decidiu retornar aos EUA em 1841, onde se tornou um eminente abolicionista e faleceu, em Boston, em 1863, aos 72 anos.

Clique aqui e acesse o Livro de história em quandrinhos: “Mundurucu na Confederação do Equador”, editado pela CEPE-Companhia Editora de Pernambuco


José Domingos Brito - Memorial domingo, 06 de outubro de 2024

AS BRASILEIRAS: Maria Isaura de Queiroz (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

AS BRASILEIRAS: Maria Isaura de Queiroz

José Domingos Brito

Maria Isaura Pereira de Queiroz nasceu em 26/8/1918, em São Paulo, SP. Socióloga, escritora e tradutora, conhecida como a grande dama da sociologia brasileira. Foi pioneira no estudo do povo do interior do Brasil, produzindo obras clássicas sobre o sertanejo, o caipira, a vida no campesinato e analise do “mandonismo local”.

 

 

 

 

 

Filha de Maria Moraes Barros Pereira de Queiroz e Manoel Elpídio Pereira de Queiroz, foi sobrinha da primeira deputada brasileira Carlota Pereira de Queiroz, na década de 1930. Teve os primeiros estudos na Escola Normal Caetano de Campos e ingressou no curso de Ciências Sociais da Faculdade de Ciências e Letras da USP-Universidade de São Paulo, concluído em 1949. Emendou um mestrado em Sociologia, Antropologia e Política na USP, em 1951 e um doutorado em Sociologia na École Pratique des Hautes Études, em 1959, com bolsa do governo francês.

Foi aluna – e herdeira intelectual – de Roger Bastide que, em 1938, inaugurou os estudos sociais na USP, com a criação da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, onde lecionou até se aposentar, em 1978, como professora emérita. Lecionou também na École des Hautes Études, em 1963-64; no Institut des Hautes Études d’Amerique Latine, na Universidade de Paris em 1961-1970; Université Laval, em Quebec, em 1964, e na Université des Mutantes, no Senegal, em 1979.

Membro da SBPC-Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência por mais de 40 anos. Sua obra abrange 3 temas: reforma e revolução por meio dos movimentos religiosos, messiânicos e do mandonismo na política; estudos rurais com base no campesinato e a cultura brasileira, destacando as histórias de vida, relações de gênero e o carnaval.

Principais livros: A Guerra santa no Brasil: o movimento messiânico no Contestado (1957), O messianismo no Brasil e no mundo (1965), Réforme et Révolution dans les société traditionnelles (1968), Os Cangaceiros : les bandits d’honneur brésiliens (1968), Images messianiques du Brésil (1972), O campesinato brasileiro (1973), O mandonismo local na vida política brasileira (1969), além dos ensaios: Cultura, sociedade rural e sociedade urbana no Brasil (1978), Carnaval brasileiro: o vivido e o mito (1992).

Em 1964 fundou o CERU-Centro de Estudos Rurais e Urbanos, ligado ao Departamento de Sociologia da USP, no qual se distinguiu por longo tempo, seja como presidente, seja como diretora de pesquisas. Sua finalidade é desenvolver pesquisas, organizar encontros de estudiosos das mais diversas áreas das ciências sociais e oferecer treinamento a estudantes de graduação e pós-graduação em ciências sociais. Edita uma revista e realiza encontros anuais, cujo tema do 49º Encontro Nacional de Estudos Rurais e Urbanos, em 2023, foi “Memórias & Patrimônios: as relações entre sujeitos, histórias e sociedades”.

Como socióloga, foi mais reconhecida fora do Brasil. Seus trabalhos foram traduzidos na Europa. Eric Hobsbawn, qu e muito a respeitava, traduziu para o inglês um de seus trabalhos. Teve destacada atuação logo após o Golpe Militar de 1964. Quando Florestan Fernandes foi preso, ela se encontrava no Canadá. Ali sua voz foi ouvida e repercutiu nos meios intelectuais. O Presidência da República, general Castelo Branco, alarmado com as repercussões, determinou que se apurasse quem era Florestan, para entender o acontecido. No movimento estudantil de 1968, os alunos da Faculdade de Filosofia organizaram a grande passeata contra a ditadura. O diretor da Faculdade fechou as portas da escola para que os estudantes fossem impedidos de nela reentrar. Ela colocou uma cadeira contra a porta, para impedir que fosse fechada; sentou-se e com seu guarda-chuva em riste, informou ao professor Erwin Rosenthal: “Os estudantes combinaram que vão bater pique aqui. E vão fazê-lo.”

Foi premiada no XI Concurso Mario de Andrade, do Departamento de Cultura do Município de São Paulo, em 1957; vencedora do Prêmio Jabuti de Ciências Sociais, da Câmara Brasileira do Livro, com o livro O messianismo no Brasil e no mundo, em 1966, e o Prêmio Almirante Álvaro Alberto, do CNPq, em 1998. O prêmio foi entregue pelo seu colega, o presidente da República Fernando Henrique Cardoso. Na época esta premiação era a mais alta condecoração científica do País. Ficou conhecida como a socióloga que tentou decifrar o Brasil e faleceu em 29/12/2018, aos 100 anos

 

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 29 de setembro de 2024

OS BRASILEIROS: Guimarães Rosa II (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

OS BRASILEIROS: Guimarães Rosa II

José Domingos Brito

Não deixa de ser um prenúncio do que viria 12 anos depois com a publicação de sua obra-prima Grande sertão: Veredas, em 1958. Considerada uma das grandes obras da literatura brasileira, segundo os críticos, a obra “renova a linguagem narrativa, sobretudo as noções de tempo, espaço e personagem. O andamento do enredo não segue a cronologia linear. Os episódios têm ritmo aparentemente caótico, sem obedecer à sequência temporal própria do romance realista, e o espaço é dimensionado pelo fluxo de viagem”.

 

 

Para escrevê-lo, o autor realizou duas viagens: em 1945, foi ao interior de Minas Gerais rever as paisagens de sua infância, e em 1952, acompanhou a condução de uma boiada pelo sertão mineiro que marcaria sua vida e sua obra. Junto com 8 vaqueiros e levando 300 cabeças de gado, percorreu em 11 dias os 240 quilômetros que separam Três Marias e Araçaí, na região central de Minas Gerais. A viagem foi toda feita a cavalo e durou 11 dias. Munido de pequenas cadernetas e lápis de duas pontas pendurado no pescoço, ele perguntava tudo aos vaqueiros e anotava na caderneta.

O próprio Rosa qualificou esta obra como uma “autobiografia irracional”, marcada por elementos regionalistas, existencialistas e religiosos. Ainda, segundo os críticos, sua prosa faz uso de “uma linguagem levada ao limite por meio de recursos como a fusão de fala popular, expressões regionais, neologismos, palavras indígenas e construções inusitadas de frases que, por vezes, se chocam com a própria sintaxe da língua portuguesa. O escritor traz à tona a complexidade da experiência humana com uma linguagem única e inventiva. Explora as formas de narrar subvertendo a cronologia linear e cria cenários tão profundamente brasileiros quanto imaginativos e oníricos”.

Diante de tantas análises e questões sobre seu estilo literário, ele chegou a ensaiar uma reposta: “Escrevo, e creio que este é o meu aparelho de controle: o idioma português, tal como o usamos no Brasil; entretanto, no fundo, enquanto vou escrevendo, eu traduzo, extraio de muitos outros idiomas. Disso resultam meus livros, escritos em um idioma próprio, meu, e pode-se deduzir daí que não me submeto à tirania da gramática e dos dicionários dos outros. A gramática e a chamada filologia, ciência linguística, foram inventadas pelos inimigos da poesia”. Mas poderia responder de modo diferente, como o fez noutra oportunidade, de modo mais poético: “Quando escrevo, repito o que já vivi antes. E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente. Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser um crocodilo porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma de um homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranqüilos e escuros como o sofrimento dos homens”.

Sua literatura recupera também o universo onírico da cultura popular, o gosto pela história e o estilo assombroso dos “casos”, de enredo curto e cheio de surpresas. “Em muitos desses textos breves, o sertão continua vestido de Idade Média, com cavaleiros corteses, e mulheres-damas, que jamais perdem a condição de senhora a quem se serve por amor e por quem se guerreia, e para quem se empreende a travessia dos medos. Nas narrativas, porém, os tipos medievais aparecem travestidos de jagunços, fazendeiros, prostitutas, beatos e loucos”.

Sua obra foi estudada em muitas teses e dissertações acadêmicas e por diversos críticos sob diversos ângulos, com destaque para alguns livros: WILLI BOLLE (2004), com grandesertão.br: o romance de formação do Brasil. Editoras Duas Cidades/Ed. 34; EDUARDO COUTINHO (1991), com Guimarães Rosa. Editora Civilização Brasileira; WALNICE NOGUEIRA GALVÃO (1986), com As formas do falso: um estudo sobre a ambiguidade no Grande sertão: veredas. Editora Perspectiva; ETTORE FINAZZI-AGRÒ (2001), com Um lugar do tamanho do mundo: tempos e espaços da ficção em João Guimarães Rosa. Editora da UFMG; FRANCIS UTÉZA (1994), com João Guimarães Rosa: metafísica do Grande sertão. Editora da USP, entre outros.

A partir de 1961, passou a escrever uma coluna semanal de contos no jornal O Globo e no mesmo ano ganhou o Prêmio Machado de Assis, da ABL, pelo conjunto da obra. Muitos dos contos publicados são compilados nas coletâneas Primeiras Estórias (1962) e Tutameia (1967), seu último livro, uma nova coletânea de contos e nova efervescência no meio literário, novo êxito de público. A obra, aparentemente hermética, divide a crítica. Uns veem o livro como “a bomba atômica da literatura brasileira”; outros consideram que em suas páginas encontra-se a “chave estilística da obra de Guimarães Rosa, um resumo didático de sua criação”. Por esta época suas obras são continuamente editadas e reeditadas em todo o mundo, e seu nome foi indicado para o Prêmio Nobel de Literatura, numa iniciativa de seus editores alemães, franceses e italianos.

Foi eleito por unanimidade para a ABL em 1963, mas não tomou posse. Supersticioso, temendo ser tomado por uma forte emoção no momento de sua consagração, adiou a cerimônia de posse por quatro anos. Em 1967, na cerimônia de posse, chegou a afirmar, em tom de despedida, como se soubesse o que se passaria ao entardecer do domingo seguinte: “…a gente morre é para provar que viveu.” e faleceu 3 dias depois, em 19/11/1967, vitimado por um infarto fulminante, prematuramente aos 59 anos, no auge da carreira literária e diplomática.

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 22 de setembro de 2024

OS BRASILEIROS: Guimarães Rosa (I) - (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

OS BRASILEIROS: Guimarães Rosa (I)

José Domingos Brito

João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo, MG, em 27/6/1908. Escritor, médico, diplomata, poeta, romancista, contista e poliglota, é considerado um dos maiores escritores da literatura brasileira. Além de criar, dar forma e voz ao ser-tão expressivo na escrita, registrou um modo de ser-tão peculiar dos lugares mais afastados dos centros urbanos.

 

 

Filho de Francisca Guimarães Rosa e Flordualdo Pinto Rosa, começou a estudar línguas, sozinho, aos 7 anos (francês); aos 9 encarou o holandês; com uns professores; em seguida pega o alemão e prossegue. Mais tarde declarou: “Eu falo: português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com o dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituano, do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do checo, do finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo mal. E acho que estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por divertimento, gosto e distração”.

Este gosto pela linguagem propiciou-lhe um estilo literário marcado pela influência da falar popular e regional que, somados à erudição do autor, permitiu a criação de inúmeros vocábulos a partir de arcaísmos e palavras populares, invenções e intervenções semânticas e sintáticas. Seus contos e romances têm como ambiente o sertão brasileiro, onde os personagens utilizam uma linguagem “simples”, própria do interior, i,é do sertão.

Na infância, foi morar com os avós em Belo Horizonte, onde concluiu os primeiros estudos. O curso secundário se deu em São João del-Rei e retornou à capital. O tio Adonias, rico fazendeiro, patrocinou seus estudos no Colégio Arnaldo. Em 1925 ingressou na Faculdade de Medicina com apenas 16 anos. Ainda estudante, participou de um concurso literário da revista O Cruzeiro, em 1929. Enviou 4 contos: Caçador de camurças, Chronos kai anagke (tempo e destino), O mistério de Highmore Hall e Makiné. Todos foram premiados e publicados em 1929-30 e foram escritos com a intenção de ganhar uma bolada de 100 contos de réis.

Em 1930 casou-se com Lígia Cabral Pena, com quem teve duas filhas e no mesmo ano recebeu o diploma de médico. Passou a exercer a profissão em Itaguara, onde permaneceu por 2 anos.

Consta que foi aí que passou a ter contato com os elementos do sertão, servindo-lhe de referência e inspiração a sua obra. Em seguida serviu como médico voluntário durante a Revolução Constitucionalista de 1932, e depois tornou-se oficial-médico, por concurso, da Força Pública do Estado de Minas Gerais. Atuando em Passa Quatro (MG), manteve contato com o futuro presidente Juscelino Kubitschek, médico-chefe do Hospital de Sangue.

Em 1933 foi para Barbacena, ocupando o cargo de médico no 9º Batalhão de Infantaria. No ano seguinte decidiu seguir a carreira de diplomata; prestou o concurso do Itamarati e passou alguns anos atuando em países da Europa e América Latina. Foi cônsul-adjunto do Brasil em Hamburgo, na Alemanha, de 1938 a 1942, onde conheceu sua segunda esposa: Aracy de Carvalho, da Embaixada, que ficou notabilizada pela ajuda que prestou a muitos judeus para fugir do Holocausto durante a 2ª Guerra Mundial. Por esta ação humanitária e de coragem, ela ganhou o reconhecimento do Estado de Israel e é a única mulher brasileira homenageada no “Jardim dos Justos entre as Nações”, no memorial oficial de Israel para lembrar as vítimas judaicas do Holocausto.

De volta ao Brasil, serviu como diplomata nas embaixadas brasileiras do em Bogotá e Paris. Em 1937, recebeu um prêmio da ABL – Academia Brasileira de Letras, pelo livro de poesia Magma, considerado por ele mesmo uma obra menor. No mesmo ano, participou de outro concurso com o livro de contos Sagarana, que foi revisto e publicado em 1946. Aí incluiu o conto A hora e a vez de Augusto Matraga, adaptado para o cinema em 1965, sob a direção de Roberto Santos. A publicação deste livro garantiu-lhe um lugar de destaque no panorama da literatura brasileira, pela linguagem inovadora, pela singular estrutura narrativa e a riqueza de simbologia dos seus contos.

A partir dali o regionalismo estava novamente em pauta, mas com um novo significado e assumindo a característica de experiência estética universal. O nome “Sagarana” foi criado por ele mesmo, com a junção das palavras “saga”, que designa as epopeias escandinavas, e “rana”, que vem do tupi e quer dizer “semelhante a”, ou seja, “próximo a uma saga”. (continua no próximo domingo)

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 15 de setembro de 2024

AS BRASILEIRAS: Maria Odília (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

AS BRASILEIRAS: Maria Odília

José Domingos Brito

Maria Odília Teixeira nasceu em São Felix, BA, em 5/3/1884. Médica e professora, conhecida como a primeira médica negra do Brasil e primeira professora negra da Faculdade de Medicina da Bahia-FAMEB.

 

 

Filha de Josephina Luiza Palma, cuja mãe foi escravizada, e do médico José Pereira Teixeira, aos 13 anos foi estudar no Ginásio da Bahia, uma escola da elite soteropolitana em Salvador, formando-se professora. Em 1904, ingressou na FAMEB, tendo como tutor o irmão Joaquim Pereira Teixeira, ingressado no curso 2 anos antes. Formou-se médica em 1909, a única mulher numa turma de 47 alunos. Sua tese – Algumas considerações acerca da curabilidade e do tratamento das Cirrhoses Alcoólicas – também foi pioneira ao fugir de temas ligados à ginecologia e pediatria. Na época o estudo sobre o alcoolismo estava vinculado à raça.

Em seguida, passou a viver em Cachoeira, onde trabalhava sob a tutela do pai, do irmão ou de outro médico. Depois passou a atender a clientela, majoritariamente feminina, sozinha. Em 1914 foi convidada para lecionar na FAMEB na cátedra de Clínica Obstétrica. Em 1917, teve que deixar a docência para cuidar do pai doente. Após breve estadia em Cachoeira, mudou-se com a família para a cidade de Irará em busca da melhora do pai. Aí conheceu o advogado Eusínio Lavigne, com quem se casou aos 37 anos. Uma idade avançada para o casamento naquela época. A família do noivo não acreditou que ele ia se casar com uma negra e não compareceu no casamento.

Ela sentiu o preconceito da família do marido e da sociedade quando chegaram à Ilhéus. Pouco depois deixou a medicina para se dedicar à família com dois filhos. Por essa época, o marido, inspirado em ideias comunistas, ingressou na política e tornou-se intendente (prefeito) de Ihéus até 1937. Mesmo na condição de primeira-dama da cidade, ela permaneceu sofrendo preconceito. As filhas relatam que ela se manteve serena e mantendo a dignidade do cargo, mesmo diante do preconceito.

Em 1937, o marido foi destituido do cargo e preso durante a ditadura do Estado Novo, no Governo Vargas. Os ideais políticos por uma sociedade mais solidária e menos desigual continuaram ao longo de sua vida. Uma nova prisão por motivos políticos viria ocorrer anos depois, em 1964, na ditadura militar. Logo que foi solto, a família mudou-se para Salvador, onde veio a falecer em 1970, aos 86 anos. Deixou filhos, netos e bisnetos, que também se tornaram médicos.

Partilhava os ideais políticos do marido e interferiu numa polêmica que ele manteve com um desafeto politico. Em 1960, Ruy Santos, que chegou ao cargo de senador da Bahia, publicou o livro Teixeira Moleque, pela editora José Olympio, desmerecendo os feitos de seu pai. Ao tomar conhecimento do fato, Maria Odília escreveu-lhe uma longa carta avisando sobre as providências que iria tomar. Não temos notícia sobre algum processo movido por ela contra o inimigo político de seu pai.

Deixou um legado para a Medicina que ultrapassa a pesquisa histórica e tornou-se referencia de conduta profissional para seus familiares. Uma terceira bisneta médica -Paula Lavigne- afirma que “Acredito que toda a minha paixão pelo cuidar veio da minha bisa Odília. Formar-se em Medicina sendo mulher negra há tanto tempo não deve ter sido fácil. Muita luta, muita força e muito amor”. Outra bisneta – Luciana Lavigne – oftalmologista, emenda: “um estimado apreço e reconhecimento por sua honrosa história e trabalho, e isso se faz presente diariamente em minha vida profissional”.

Seu filho, também médico, José Leo Lavigne, conta que “minha mãe, sem nunca ter saído do Brasil, falava cinco línguas fluentemente, e não concebia como os professores ousavam ensinar o português, sem ao menos dominar o grego e o latim”.

 

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 08 de setembro de 2024

OS BRASILEIROS: Sergio Buarque de Holanda (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

OS BRASILEIROS: Sergio Buarque de Holanda

José Domingos Brito

Sergio Buarque de Holanda nasceu em 11/7/1902, em São Paulo, SP. Historiador, escritor, sociólogo, crítico literário e jornalista. Não foi propriamente político, mas ajudou a fundar o PT-Partido dos Trabalhadores. Também não foi músico, mas foi pai de Chico Buarque de Holanda e ficou tão conhecido do público quanto seu primo “Aurelião”, como é conhecido o Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda.

 

 

 

Filho de Heloisa Gonçalves Moreira de Holanda e do farmacêutico Cristóvão Buarque de Holanda, é reconhecido como um dos intérpretes do Brasil, com seu livro Raízes do Brasil, publicado em 1936 e considerado um dos clássicos da historiografia e da sociologia brasileira. Teve os primeiros estudos na Escola Caetano de Campos e Ginásio São Bento, onde foi aluno de Afonso d’Escragnolle Taunay. Publicou seu primeiro artigo – Originalidade literária -, em 1920, no Correio Paulistano e mudou-se para o Rio de Janeiro, em 1921. Em seguida passou a colaborar, também, com a revista Cigarra e Revista do Brasil. Participou do Movimento Modernista de 1922, designado por Mario e Oswald de Andrade como representante da revista Klaxon no Rio.

Formou-se advogado pela Faculdade Nacional de Direito, em 1925, e passou a trabalhar como jornalista nas revistas Ideia Ilustrada e O Mundo Literário. Em 1926 mudou-se para Cachoeiro do Itapemirim, ES, para trabalhar como editor-chefe do jornal O Progresso e dá-se uma grande mudança em sua formação intelectual, afastando-se do projeto modernista. Retornou ao Rio de Janeiro para trabalhar no Jornal do Brasil, onde foi correspondente em Berlim no período 1929-1931. De volta ao Brasil, passou a lecionar na Universidade do Distrito Federal. Na Revolução Constitucionalista, de 1932, chegou a ser preso por defender os insurgentes. Em 1935 publicou na revista Espelho o artigo Corpo e alma do Brasil, um esboço do livro que estava em gestação.

Em 1936 casou-se com Maria Amélia de Carvalho Cesário Alvim e no mesmo ano publicou seu livro mais conhecido, o ensaio Raízes do Brasil pela editora José Olympio. Trata-se de uma investigação das origens da formação do povo brasileiro, baseado nas teorias sociológicas de Max Weber. O livro aborda o conceito do tipo brasileiro como um “homem cordial”, um sujeito que almeja a intimidade no relacionamento pessoal e rejeita o formalismo social. Tal conceito foi sofrendo modificações ao longo das edições posteriores. Porém, ficou marcado na caracterização do “tipo” brasileiro tendo como virtude a hospitalidade, a generosidade e a expansividade emocional. Uma destas marcas é a dificuldade em distinguir entre as instâncias públicas e privadas, principalmente entre o Estado e a família.

Continuou lecionando História na Universidade do Distrito Federal até sua extinção em 1939 e passa a dirigir a seção de publicações do INL-Instituto Nacional do Livro, onde traduziu algumas obras clássicas. Em 1944 passou a dirigir a seção de consultas da Biblioteca Nacional e a publicar livros: História do Brasil, com Otávio Tarquínio de Souza; Cobra de vidro e Monções, em 1945. Neste ano mudou-se para São Paulo, onde presidu a Associação Brasileira de Escritores e participa do famoso “Congresso de Escritores”, um encontro dos críticos ao governo ditatorial de Getúlio Vargas.

A partir de 1946 passa a dirigir o Museu Paulista e lecionar História Econômica do Brasil na Escola de Sociologia e Política de São Paulo e ingressou no PSB-Partido Socialista Brasileiro, 1947. No período 1953-1955 viveu na Itália e assumiu a cátedra de estudos brasileiros da Universidade de Roma. De volta ao Brasil, foi lecionar História da Civilização Brasileira, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Aí tornou-se Mestre, em 1958, com a dissertação Visão do Paraíso; os motivos edênicos no descobrimento e na colonização do Brasil, logo publicada em livro. No mesmo ano ingressou na Academia Paulista de Letras.

De 1960 a 1972 coordenou o projeto editorial “História Geral da Civilização Brasileira”, em 11 volumes, junto com Pedro Moacyr Campos e Boris Fausto e publicada pela DIFEL-Difusão Europeia do Livro. Dos 11 volumes, 7 foram redigidos por ele mesmo. Em 1961 foi condecorado pelo governo francês como “Officier de l’Ordre des Arts et des Lettres”. Logo foi convidado para assumir a presidência do recém-fundado Instituto de Estudos Brasileiros da USP, em 1962. Em seguida foi professor convidado em universidades do Chile e participou de diversas missões culturais da UNESCO em países da América Latina.

Em 1969 decidiu encerrar a carreira docente, em protesto contra a aposentadoria compulsória de muitos colegas da USP, quando foi decretado o AI-5 pela ditadura militar. Como escritor, recebeu os prêmios “Juca Pato”, da UBE-União Brasileira de Escritores e o “Jabuti”, da Câmara Brasileira do Livro (1979) e publicou seu último livro: Tentativas de mitologia, pela Ed. Perspectiva. Participou da fundação do PT-Partido dos Trabalhadores, em 1980, recebendo a 3ª carteira, após Mário Pedrosa e Antônio Cândido. A partir daí a saúde foi declinando e veio a falecer em 24/4/1982.

Seu nome na Historiografia brasileira foi ressaltado na edição do livro Sergio Buarque e o Brasil, organizado por Antônio Cândido e publicado pela Fundação Perseu Abramo, em 1998. Em termos biográficos, temos Sérgio Buarque de Holanda: escrita de si mesmo e memória, de Raphael Guilherme de Carvalho, publicado pela Editora da UFPR, em 2021 e Raízes do Brasil: uma cinebiografia de Sergio Buarque de Holanda, dirigida por Nelson Pereira dos Santos, em 2001.

Clique aqui e veja alguns vídeos sobbre Sergio Buarque de Holanda

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 01 de setembro de 2024

AS BRASILEIRAS: Maria da Penha (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

AS BRASILEIRAS: Maria da Penha

José Domingos  Brito

Maria da Penha Maia Fernandes nasceu em 1/2/1945, em Fortaleza, CE. Farmacêutica e ativista do direito das mulheres, foi vítima da violência doméstica, tornando-a paraplégica. Batalhou para que seu agressor fosse condenado com base na lei que recebeu seu nome, promulgada em 7/8/2006. Sua atuação fez com que este crime saísse da área dos juizados especiais, que julgam crimes de menor potencial ofensivo, modificando a competência para julgá-los.

 

 

Em 1983, seu marido, o colombiano e professor universitário Marco Antonio Heredia Viveros, deu-lhe um tiro em suas costas, enquanto dormia, e deixou-a paraplégica. Sua alegação foi que o tiro ocorreu devido a uma tentativa de assalto e não foi preso. Ela passou por duas cirurgias, internações, tratamentos e retornou para sua casa 4 meses depois. Após ser mantida por 15 dias em cárcere privado, o marido, tentou assassiná-la pela segunda vez, agora por eletrocussão durante o banho.

Com apoio da família e amigos, ela pode sair de casa sem que isso pudesse configurar abandono do lar, correndo o risco de perder a guarda dos filhos, dando-lhe apoio jurídico. Assim, foi iniciado um processo contra o agressor, que durou 8 anos. Com isto, configurou-se mais um ato de violência, cometido agora pelo Poder Judiciário. Em 1991, ocorreu o primeiro julgamento. O agressor foi sentenciado a 15 anos de prisão, mas devido a recursos impetrados pela defesa, saiu do fórum em liberdade.

Sua luta em busca de justiça continuou foi intensificada com seu relato publicado no livro Sobrevivi… posso contar, publicado em 1994, em Fortaleza pela editora Armazém da Cultura. Com a lentidão da justiça, somente 2 anos depois deu-se o segundo julgamento. O agressor foi condenado a 10 anos e 6 meses de prisão. No entanto a defesa recorreu alegando irregularidades processuais e mais uma vez a sentença não foi cumprida. Em artigo publicado em 2003, a advogada Carmem Campos apontou as várias deficiências desta prática jurídica, que, na maioria dos casos, gerava arquivamento massivo dos processos, insatisfação das vítimas e banalização da violência doméstica.

A partir daí o caso Maria da Penha ganhou dimensão nacional, impulsionado pela divulgação do livro e sua participação na imprensa através de entrevistas. O caso foi levado às organizações não governamentais CEJIL-Centro para a Justiça e o Direito Internacional e CLADEM-Centro Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, que lhe perguntaram se ela aceitava denunciar o Estado brasileiro à CIDH/OEA-Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos.

A denúncia foi aceita, em 1998, e o caso assumiu o caráter de litígio internacional, o qual trazia uma grave questão de violação dos direitos humanos e deveres protegidos por documentos que o próprio Estado assinou. Mesmo assim, o Estado brasileiro permaneceu omisso e não se pronunciou em nenhum momento durante o processo. Assim, em 2001, após receber quatro ofícios da CIDH/OEA (1998 a 2001) − e silenciando diante das denúncias −, o Estado foi responsabilizado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras. A história de Maria da Penha significava mais do que um caso isolado: era um exemplo do que acontecia no Brasil sistematicamente sem que os agressores fossem punidos.

A CIDH/OEA, além de responsabilizar o Estado, em 2001 pelo crime, deu 9 “recomendações” ao Governo brasileiro. A primeira foi “Completar, rápida e efetivamente, o processamento penal do responsável da agressão e tentativa homicídio em prejuízo da Senhora Maria da Penha Maia Fernandes”. A última foi “Incluir em seus planos pedagógicos unidades curriculares destinadas à compreensão da importância do respeito à mulher e a seus direitos reconhecidos na Convenção de Belém do Pará, bem como ao manejo dos conflitos intrafamiliares”. Entre as “recomendações”, há uma crítica a manutenção de impunidade por mais de 15 anos e a necessidade de ação reparatória e indenização civil

Assim, foram lançadas as bases para a elaboração da Lei, em 2002, através de um consórcio de ONGs feministas. Após muitos debates com o poder Legislativo, o Executivo e a sociedade, o Projeto de Lei nº 4.559/2004, da Câmara dos Deputados, chegou ao Senado Federal e foi aprovado por unanimidade em ambas as Casas. A Lei nº 11.340 foi sancionada em 7/8/2006 e o Estado do Ceará teve que pagar uma indenização à requerente. O Governo Federal nomeou a Lei com o nome Maria da Penha, como forma de reparação simbólica. 18 anos após, o presidente do STF-Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, fez um pedido de desculpas à Maria da Penha pela demora e por falhas da justiça brasileira.

A Lei Maria da Penha é considerada pela ONU como uma das três leis mais avançadas do mundo no combate à violência doméstica e familiar contra mulher. A mulher que a nomeia continua vigilante quanto a sua aplicação através do IMP-Instituto Maria da Penha, organização não governamental, criada em 2009 (https://www.institutomariadapenha.org.br) com sede em Fortaleza e representação no Recife. Recebeu inúmeras homenagens em seu País e no mundo: Ordem do Rio Branco (2009), Medalha da Abolição (2015), Prêmio Franco-alemão de Direitos Humanos (2013), Orden de Isabel la Católica (2011), International Women of Courage Award (2010) etc.

Os interessados em conhecê-la melhor podem acessar uma entrevista sua clicando aqui.

 

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 25 de agosto de 2024

OS BRASILEIROS: Dragão do Mar (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

OS BRASILEIROS: Dragão do Mar

José Domingos Brito

Francisco José do Nascimento, conhecido como “Dragão do Mar” ou ainda Chico da Matilde, nasceu em 15/4/1839, em Aracati, CE. Jangadeiro e prático-mor, teve atuação destacada no Movimento Abolicionista, no Ceará, estado pioneiro na abolição da escravidão, em 25/3/1884.

 

 

 

Filho de Matilde Maria da Conceição e do pescador Manoel do Nascimento, falecido quando ele tinha 8 anos. Ainda criança trabalhou como menino de recados nos navios que faziam a rota Maranhão-Ceará. Trabalhou em alguns navios como embarcadiço até os 20 anos e depois como comandante em portos do Norte e Nordeste.

Pouco depois trabalhou na construção de portos e como chefe dos catraieiros, até ser nomeado prático-mor na Capitania dos Portos do Ceará. Aluguel de jangadas para transporte de pessoas e mercadorias foi outra de suas atividades exercidas em paralelo à luta abolicionista. O movimento abolicionista surgiu no Ceará em 25/3/1879 e foi a primeira província a abolir a escravidão, em 25/3/1884.

Em janeiro de 1881, Chico da Matilde junto com seus colegas jangadeiros se engajaram na luta contra escravidão e recusaram-se a transportar os escravos para os navios negreiros com destino ao Rio de Janeiro. “No porto do Ceará não embarcam mais”, teria dito na ocasião. Em agosto de 1881, houve nova tentativa de embarcar escravos para serem vendidos em São Paulo e Rio de Janeiro. Os jangadeiros, mais uma vez, liderados por Chico da Matilde e José Luis Napoleão, escravo liberto, impediram o transporte e o porto do Ceará foi considerado oficialmente fechado para o tráfico interprovincial.

Os movimento dos jangadeiros recebeu apoio de uma parte de elite cearense e das forças policiais no impedimento do transporte de escraavos. Na ocasião, Chico da Matilde foi elogiado pelo tenente coronel Sena Madureira. Também foi homenageado pelo desenhista Angelo Agostini com seu retrato na capa da Revista Ilustrada e a legenda “À testa dos jangadeiros cearenses, Nascimento impede o tráfico dos escravos da província do Ceará vendidos para o sul”. A homenagem maior se deu com a viagem, junto com a jangada, em 1884, até o Rio de Janeiro, com direito a desfile pelas ruas sendo ovacionado pela multidão.

A visita ao Rio foi registrada pelo jornalista Raimundo Caruso no livro Aventuras dos jangadeiros do Nordeste: “A jangada Liberdade, de Francisco José do Nascimento, era a clássica, de troncos. Símbolo de uma resistência popular vitoriosa no Ceará, foi levada à Capital do Império (…). A embarcação foi exibida nas ruas do Rio de Janeiro, sob os aplausos da multidão, e pouco depois é doada ao Museu Nacional, onde foi recebida como valiosa peça etnográfica (…). Em seguida a jangada foi transferida para o Museu da Marinha (…), de onde, queimada, feita em pedaços ou desmontada, desapareceu”.

Chico da Matilde, falecido em 5/3/1914, é considerado herói em Fortaleza, com uma estátua no pátio do “Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura”. Seu nome foi dado a uma escola pública no bairro do Mucuripe, além de nomear uma rua e o aeroporto de Aracati e uma praça em Canoa Quebrada. Em agosto de 2013, A Petrobrás lançou ao mar o navio petroleiro, batizado “Dragão do Mar” e em julho de 2017 seu nome foi inscrito no Livro dos Heróis e Heroinas da Pátria, através da Lei nº 13.468/2017. Na falta de uma biografia, contamos com o esboço biográfico O Dragão do Mar na Terra da Luz: a construção do herói jangadeiro, escrito por Patrícia Pereira Xavier, em sua dissertação de mestrado na PUC/SP, em 2010.

 

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quinta, 22 de agosto de 2024

AS BRASILEIRAS: Carolina Nabuco (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

AS BRASILEIRAS: Carolina Nabuco

José Domingos Brito

Maria Carolina Nabuco de Araújo nasceu em 9/2/1890, no Rio de Janeiro, RJ. Escritora, tradutora e biógrafa. Passou a infância em Petrópolis e a adolescência nos Estados Unidos, onde o pai era embaixador do Brasil. Foi vítima de um dos mais famosos plágios da literatura anglo-brasileira, em fins da década de 1930.

 

 

 

 

Filha de Evelina Torres Ribeiro Nabuco e Joaquim Nabuco, diplomata, deputado geral do Império do Brasil e cofundador da ABL-Academia Brasileira de Letras. Seu primeiro livro – Joaquim Nabuco -, a biografia de seu pai, publicado em 1928, lhe garantiu o Prêmio de Ensaio da Academia Brasileira de Letras. O segundo – A Sucessora -, publicado em 1934, foi um sucesso de público e causou um problema internacional na história dos plágios de obras literárias.

A Sucessora conta a história de Mariana, jovem recém-casada, que ao mudar-se para a mansão do marido, o milionário Roberto Steen, depara-se com um imponente retrato de sua primeira mulher, falecida poucos meses antes de se conhecerem. A partir daí ela passa por momentos de insegurança e conflitos e o romance prossegue. Animada com o sucesso editorial, ela decide traduzir o livro para o inglês e o enviou para uma agência literária de Nova York, com pedido que fizessem contato, também, com agentes na Inglaterra.

Em 1938 ela teve acesso ao romance Rebeca, de Daphne du Maurier, publicado na Inglaterra, e verificou semelhanças bem visíveis com seu romance A Sucessora. Entrou em contato com seus agentes literários perguntando sobre o contato com os editores ingleses e a resposta foi que não havia encontrado. Pouco depois, o New York Times Book Review publicou um artigo ressaltando as semelhanças entre os dois romances.

Rebeca também foi um sucesso editorial na Inglaterra, motivando uma adaptação para o teatro, em 1939, e para o cinema, em 1940, dirigido por Alfred Hitchcock, abrindo o Festival de Cinema de Berlim e concorrendo em 11 categorias. Conquistou duas estatuetas do Oscar, incluindo a de melhor filme, que foi estrelado por Joan Fontaine e Laurence Olivier. O fato repercutiu no Brasil e quando o filme chegou aqui, a United Artists procurou Carolina para que assinasse uma declaração, mediante uma compensação financeira, concordando que houve uma “coincidência” literária. A oferta não foi aceita.

O sucesso do filme causou grande repercussão aqui e no exterior. Em suas memórias, Carolina conta que a oferta em dinheiro para que reconhecesse a “coincidência” era de valor considerável. No entanto, além de não aceitar, também não processou a editora inglesa. A história toda foi esclarecida no ano 2000 com o livro da escritora Nina Auerbach, da Universidade da Pensilvânia, Daphne du Maurier, haunted heiress (herdeira assombrada), dizendo que Carolina enviou seu livro para um editor inglês, que seria o mesmo da romancista inglesa.

Entre nós, A Sucessora foi adaptada para a televisão, numa telenovela de Manoel Carlos, exibida 1978, em 126 capítulos e distribuída em cerca de 50 países. Neste ano, Carolina recebeu o Prêmio Machado de Assis, da ABL, pelo conjunto da obra e veio a falecer em 18/8/1981, aos 91 anos. Em 2019 a editora Instante lançou uma nova edição de A Sucessora.

 

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 18 de agosto de 2024

OS BRASILEIROS: Pe. José Maurício (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

OS BRASILEIROS: Pe. José Maurício

José Domingos Brito

José Maurício Nunes Garcia nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 22/9/1797. Religioso, compositor, cravista, organista, violonista e pioneiro da música clássica brasileira no período colonial. Segundo Andrade Muricy, ex-presidente da Academia Brasileira de Música, é “o maior compositor clássico das Américas”. Sua produção, em torno de 400 peças, é constituída em grande parte de música religiosa, tendo ainda composto música dramática, modinhas e música para orquestra.

 

 

Filho de Vitória Maria da Cruz Neto e Apolinário Nunes Garcia e neto materno de escravizado, ficou órfão de pai aos 6 anos e passou a estudar música influenciado pela mãe. Iniciou como aluno do prof. Salvador José, pardo e amigo da família, demonstrando grande facilidade. Aos 16 anos, escreveu sua primeira obra – Antífona Tota Pulcra Es Maria – e aos 17 participou da fundação de uma confraria de professores de música, Ingressou no sacerdócio aos 25 anos, com a intenção de, nesta condição, prosseguir na carreira musical.

Tornou-se mestre-de-capela da Catedral da Sé, contando com um grupo de instrumentistas e cantores. Neste cargo, ficou encarregado de compor para o calendário litúrgico e dirigir as obras. Assim, surgem diversos graduais, como Justus cum ceciderit (1799) e Alleluia, angelus Domini (1799). Teve uma sólida formação, que foi ampliada através de uma grande biblioteca de partituras e tratados musicais, trazida da Europa com a vinda da corte real, em 1808. Desse modo, conheceu as principais obras de Mozart e Haydn e pode aperfeiçoar sua técnica de instrumentação e escrita vocal.

Seu talento foi logo apreciado por D. João VI, que providenciou sua transferência para a Capela Real ocupando alto cargo. No ano seguinte, recebeu o hábito da Ordem de Cristo e em 1816 ficou incumbido de dirigir a missa pela elevação do Brasil a Reino Unido de Portugal. Apesar do apreço recebido pelo Rei, sua remuneração não foi devidamente revista. Em 1821, com o retorno de D. João VI à Lisboa, passou por uns perrengues financeiros, devido a turbulência política e econômica do processo de independência do Brasil. Os músicos da Capela Real sofreram um grande arrocho salarial.

O Pe. José Maurício, que nunca chegou a ter um piano ou um cravo, foi sendo levado gradativamente à miséria. Além disso, sua relação com os músicos foi prejudicada pelo preconceito. O fato de ser mulato interfere no seu reconhecimento como músico. A situação foi agravada com a vinda do antigo mestre-de-capela -Marcos Portugal-, que passa a usufruir mais privilégios que o padre brasileiro. Assim, enquanto conhece a música erudita praticada na Europa no fim do século XVIII, vive num mundo em que a cor da pela o prende a um mundo cruel e sem direitos.

Sua música procura solucionar, de algum modo, esse conflito. Junto a sua admiração pelos mestres europeus, como Mozart e Haydn, ele se torna um dos iniciadores da música popular no Brasil, com a publicação, após sua morte, das modinhas Beijo a Mão que Me Condena, No Momento da Partida, Meu Coração Te Entreguei (1837) e Marília, Se Não Me Amas, não Me Digas a Verdade (1840). São obras que ficaram menos conhecidas que as obras sacras, como o Requiem e o Ofício de Finados (1816) e as missas de Nossa Senhora do Carmo (1818) e de Santa Cecília (1826).

Não obstante ser lhe atribuído cerca de 400 obras, apenas 240 composições sobreviveram: umas 20 missas, 15 credos, 12 antífonas, 30 graduais, 28 hinos, 10 matinas e ofícios de defuntos, 7 Te Deum, 6 novenas, numerosos salmos e vésperas, sequências, ladainhas etc. além de umas poucas obras profanas. Além de compor, tocar e cantar, foi também professor no curso gratuito que manteve durante 38 anos no centro do Rio de Janeiro. Faleceu em 18/4/1830 e foi o compositor mais prolífico de sua época. Hoje é um dos nomes mais representativos da música brasileira de todos os tempos e o mais importante compositor de sua geração. Uma consistente biografia escrita por Cleofe Person de Mattos – Padre José Maurício: uma biografia – teve uma 2ª edição publicada pela Biblioteca Nacional, em 2019, e uma versão em PDF encontra-se disponível na Internet.

Em meados do século XIX houve um movimento de recuperação e resgate da “música nacional”, incluindo a música sacra, tendo o Pe. José Mauricio em destaque. Sua reabilitação deve-se ao trabalho de alguns apreciadores de seu talento musical, como Manuel de Araújo Porto-Alegre, primeiro biógrafo do compositor, que publicou em 1856 Apontamentos sobre a vida e a obra do Padre José Maurício Nunes Garcia, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Outro entusiasta neste resgate foi o Visconde de Taunay (1843-1899), que defendeu no Parlamento e na imprensa a restauração da obra e a construção de uma memória histórica em torno do padre compositor, vinculando-o à música germânica e contrapondo-o à ópera italiana. Seus artigos, reunidos em livro, em 1930, foram publicados originalmente no período 1880-1898 nas principais revistas brasileiras da época.

Além de escrever sobre José Maurício, Taunay conseguiu que o governo brasileiro adquirisse a grande coleção de manuscritos que Bento das Mercês havia recolhido e com a ajuda de Alberto Nepomuceno publicou o Requiem de 1816 em versão reduzida para canto e teclado. Um trecho de Manuel Duarte Moreira de Azevedo, outro entusiasta do fim do século, é ilustrativo do fervor de seus admiradores neste momento em que ele era “redescoberto” e iniciava-se um processo de mitificação da sua figura e realizações, onde já aparecia como um mestre consumado.

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 11 de agosto de 2024

AS BRASILEIRAS: Henriqueta Lisboa (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

AS BRASILEIRAS: Henriqueta Lisboa

José Domingos Brito

Henriqueta Lisboa nasceu em Lambari, MG, em 15/7/1901. Escritora, professora e tradutora das línguas inglesa, francesa, alemã, espanhola e essencialmente poeta. Foi destacada representante da lírica modernista e primeira mulher a ingressar na Academia Mineira de Letras. Junto com sua amiga Cecília Meireles foi uma das principais poetas de sua geração.

 

Filha de Maria de Vilhena e do deputado federal João de Almeida Lisboa, formou-se professora na cidade de Campanha e mudou-se para o Rio de Janeiro, em 1926. Mais tarde mudou-se para Belo Horizonte (1935), onde lecionou no ensino secundário e foi professora da PUC/MG e UFMG. Seu primeiro livro de poesias – Fogo fátuo – saiu em 1924. Porém, ela desconsidera o fato e indica Enternecimento, publicado em 1929, como sua obra de estreia. Trata-se de uma obra de forte caráter simbolista, que lhe rendeu o Prêmio Olavo Bilac de Poesia da ABL-Academia Brasileira de Letras.

Em meados de 1945, aderiu ao Modernismo sob a influência de seu amigo e mentor Mario de Andrade, com quem trocava correspondência e sobre o qual escreveu dois livros: A face lívida, quando Mário faleceu em 1945 e Flor da morte, em 1949, seu livro mais conhecido. Manteve estreitos contatos com grandes poetas de sua época, como Manuel Bandeira, Cecília Meireles, a chilena Gabriela Mistral e Carlos Drummond Andrade, que declarou “Muitas pessoas poderiam ter em casa um livro seu […] como têm um toca-discos, um televisor, um gravador, um eletrodoméstico de lazer ou de serviço. E não têm. As tiragens de livros de poesia são limitadas. E fazem tanta falta os poetas como Henriqueta Lisboa!” Em setembro de 1943 recepcionou Gabriela Mistral, que vivia em Petrópolis na condição de consulesa do governo chileno, numa visita oficial a Belo Horizonte, com o beneplácito do prefeito Juscelino Kubitschek e do secretário de educação Cristiano Machado. Foram 10 dias de passeios, visitas e palestras da escritora chilena, que sacudiram a cidade. A visita foi uma retribuição às visitas que Henriqueta lhe fizera no Rio de Janeiro. As duas poetas mantiveram uma amizade que se desdobrou em cartas, viagens, traduções e convívio intelectual.

Publicou vários livros de poesia, os quais junto com suas traduções e ensaios críticos, estão reunidos na obra Henriqueta Lisboa: obra completa, organizado por Reinaldo Marques e publicado em 2020 pela Editora Peirópolis. Deixou um legado literário composto de 20 obras, com destaque para Prisioneira da noite (1941); Flor da morte (1949); Além da imagem (1963); Nova Lírica (1971); O alvo humano (1973); Miradouro e outros poemas (1976); Pousada do ser (1982) e Poesia geral (1985). É Cidadã Honorária de Belo Horizonte, por decreto municipal em 1972. Foi também uma das poetas mais homenageada e premiada em sua época.

Amealhou mais de 30 comendas, prêmios e titulações, 9 delas em caráter post-mortem após seu falecimento em 9/10/1985: Prêmio Othon Bezerra de Melo, da Academia Mineira de Letras (1950); 1º Prêmio da Câmara Brasileira do Livro (1952), Medalha de Honra da Inconfidência Mineira (1955), Prêmio Presenza d’Italia in Brasile (1970), Prêmio Poesia 1976, pela APCA, Grande Medalha da Inconfidência (1980), Prêmio Machado de Assis, da ABL e Pen Club do Brasil (1984) e Prêmio Jabuti (2010), pela Câmara Brasileira do Livro, com a obra Correspondência Mário de Andrade & Henriqueta Lisboa.

Foi homenageada, também, com seu nome dado a duas premiações: ”Prêmio Literário Henriqueta Lisboa”, pela Secretaria de Cultura de Minas Gerais, em 1987 e “Prêmio Henriqueta Lisboa”, pela FNLIJ-Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, em 2006.

Segundo Reinaldo Marques, professor da Faculdade de Letras da UFMG, no ensaio Henriqueta Lisboa: tradução e mediação cultural, à disposição na Internet, ela “vivenciou de forma lúcida e agônica esse aspecto mediador da tradução, conforme testemunha todo o seu trabalho de tradutora de poesia. Um trabalho que envolvia a leitura, o estudo, a vivência do mundo e da técnica dos autores a serem traduzidos”. Tal forma lúcida e agônica pode ser vista na tradução que fez do “Purgatório” da Divina Comédia, de Dante Alighieri, ao contemplar outras traduções.

Outro aspecto a ser ressaltado, em sua trajetória, é a dedicação à literatura infanto-juvenil. Não por acaso, recebeu o diploma de membro fundadora da Academia Brasileira de Literatura Infantil e Juvenil e Personalidade do Ano Internacional da Criança, em 1979. Três de seus livros receberam o “Selo Altamente Recomendável” da FNLIJ-Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil: Literatura oral para a infância e a juventude (2003), Antologia de poemas portugueses para a juventude (2005) e O menino poeta (2009).

Seu sobrinho, o economista e membro da ABL, Edmar Lisboa Bacha, guarda boas memórias da tia: “Tia Henriqueta foi uma pessoa especial. Não só por sua poesia, que é admirada mundo afora. Também por sua figura frágil que parecia ser feita de porcelana, e sua personalidade a um tempo forte e reclusa. Ao contrário de minha mãe, Maria de Jesus Lisboa Bacha, que adorou a experiência do Sion, Henriqueta a detestou, mas tanto assim que da madre superiora ganhou a alcunha de la petite orguilleuse, a pequena orgulhosa. Irritava-se quando a chamavam de “poetisa”, e me dizia algo assim: “só mesmo homens para quererem se apoderar de um substantivo terminado em ‘a’, como ‘poeta’, para relegar as mulheres poetas a um diminutivo ‘poetisa’”.

 

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 04 de agosto de 2024

OS BRASILEIROS: João do Rio (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

OS BRASILEIROS: João do Rio

José Domingos Brito

João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto nasceu em 5/8/1881, no Rio de Janeiro, RJ. Jornalista, escritor, cronista, tradutor, teatrólogo e pioneiro da crônica-reportagem no Brasil. Foi um dos principais retratistas da sociedade carioca no início do século XX, focado nos costumes, hábitos e rituais de seus membros mais requintados, bem como dos mais pobres. Transformou a crônica social num gênero literário cultivado pela imprensa diária.

 

 

Filho de Florência dos Santos Barreto e do prof. Alfredo Coelho Barreto, teve os primeiros estudos no Colégio São Bento e no Ginásio Nacional, atual Colégio Pedro II. Seu primeiro texto foi publicado aos 17 anos, no jornal A Tribuna, uma crítica sobre a peça Casa de Bonecas, de Ibsen. No período 1900-1903 colaborou em diversos jornais: O Paiz, O Dia, Correio Mercantil, O Tagarela e O Coió, até chegar na Gazeta de Notícias, indicado por Nilo Peçanha e permanece até 1913. Aí adotou o pseudônimo João do Rio, em 16/11/1903, através do qual ficou famoso.

A fama iniciou com o texto de abertura do álbum sobre o Theatro Municipal do Rio de Janeiro, lançado pelo Photo Musso, em 1913, onde divergiu de seu amigo Arthur Azevedo, ao elogiar o pano de boca do Theatro, pintado por Eliseu Visconti, cuja concepção foi muito atacada por seu amigo. Tal querela ajudou-o a ficar conhecido no público e firmar um novo tipo de jornalismo na imprensa brasileira. Até então, o exercício do jornalismo e da literatura por intelectuais era visto como “bico”, um passatempo de funcionários públicos. Foi diretor da revista Atlântida: mensário artístico literário e social para Portugal e Brazil (1915-1920), ajudou a fundar o jornal A noite e colaborou na revista Serões (1901-1911).

Em 1904 fez algumas reportagens sobre a Umbanda e o Candomblé, seguidas da publicação do livro As Religiões no Rio, inovando na temática e no modo de enfoque, adotando o “jornalismo investigativo”. Foi um bestseller na época, relançado mais tarde pela Editora Nova Aguilar (1976) e pela Editora José Olympio (2006). O livro serviu de base para todos os pesquisadores que escreveram sobre o assunto e antecipou em mais de 25 anos as publicações de Nina Rodrigues sobre o tema. Seu pioneirismo na aliança do jornalismo com a literatura contribuiu para seu ingresso na ABL-Academia Brasileira de Letras, em 1910. Era um profissional bem relacionado no meio jornalístico. Em 1911 seu colega Irineu Marinho pediu-lhe emprestado 20 contos de réis para fundar o jornal A Noite.

Seu comportamento e vestimenta era a de um “dândi de salão”, como diziam e diziam também que era homossexual. Assim, na condição de mulato foi um alvo perfeito para toda sorte de racistas e homofóbicos. Foi amigo íntimo da bailarina Isadora Duncan, que conheceu em Lisboa, e conta-se a história que ela, na temporada que passou no Rio, interpelou-o sobre sua orientação sexual. A resposta foi “Je suis trés corrompu” (Sou completamente corrupto). Pode-se dizer que ele foi o introdutor no Brasil da obra de Oscar Wilde, com a tradução de vários livros.

Em 1920 fundou o jornal A Pátria, onde defendeu os “poveiros”, pescadores lusos oriundos de Póvoa de Varzim, que abasteciam de pescado a cidade do Rio. Havia a ameaça de uma lei exigindo que a pesca fosse exercida por brasileiros, obrigando a naturalização dos lusos para poder continuar na profissão. Devido a esta defesa da colônia portuguesa, arrebanhou muitos inimigos e muitas ofensas morais, chegando a levar uma surra de nacionalistas enfurecidos. Portugal soube retribuir a simpatia de seu gesto com seu nome dado a uma rua no centro da cidade de Póvoa de Varzim.

O bom relacionamento com Portugal vem de 1913, quando se tornou sócio correspondente da Academia de Ciências de Lisboa. Após sua morte ergueram um pequeno monumento na Praça João do Rio, em Lisboa, com suas palavras: “Nada me devem os portugueses por amar e defender portugueses, porque assim amo, venero e quero duas vezes a minha pátria”. No Brasil, o nome Paulo Barreto ganhou apenas uma rua inexpressiva no bairro de Botafogo, mas quase ninguém sabe que se trata do conhecido João do Rio.

Faleceu em 23/6/1921, vitimado por um enfarte do miocárdio fulminante, dentro de um táxi. A notícia correu toda a cidade rapidamente e levou cerca de 100 mil pessoas no cortejo até o cemitério São João Batista. Seu túmulo é considerado um dos mais belos trabalhos de arte funerária. Sua vida e legado estão registrados em 2 biografias: João do Rio: uma biografia, de João Carlos Rodrigues, publicadas pela Ed. Topbooks, em 1996 e João, João do Rio, uma edição voltada ao público infantojuvenil, de Fabiano Ormaneze, publicada pela Ed. Mostarda, em 2023. A FLIP-Feira Literária de Paraty de 2024, anunciou que nesta 22ª edição, de outubro, João do Rio será o autor homenageado.

 

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 28 de julho de 2024

AS BRASILEIRAS: Janete Costa (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

AS BRASILEIRAS: Janete Costa

José Domingos Brito

Janete Ferreira da Costa nasceu em Garanhuns, PE, em 3/6/1932. Arquiteta, designer, colecionadora e destacada curadora de diversas exposições de arte popular. Colocou o artesanato brasileiro num patamar até então não reconhecido na decoração de interiores e exposições artísticas no Brasil e no exterior, valorizando a arte popular e o trabalho do artesão de modo expressivo no mundo das artes.

 

 

Filha Carmen Viana da Costa e Francisco Ferreira da Costa, passou parte da infância e adolescência em João Pessoa, PB e aos 20 anos foi para Recife, onde fez o curso de Arquitetura da EBAP-Escola de Belas Artes de Pernambuco. Casou-se em 1954 com o arquiteto Maurício Leitão Santos e tiveram 3 filhos, todos ligados às artes e arquitetura. Em seguida mudou-se para a praia de Icaraí, em Niterói, e abriu uma loja de móveis e decoração, comercializando peças de designers brasileiros. Em 1961 concluiu o curso de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ-Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em 1969 deu-se o segundo casamento com Acácio Gil Borsoi, do qual nasceu mais uma filha, também arquiteta.

Em 1979, a convite de Gilberto Freyre, deu palestra no Seminário de Tropicologia sobre “Design Interior nos Trópicos”. Enquanto mantinha o interesse no artesanato, trabalhou como arquiteta de interiores atuando em mais de mil projetos: residências, escritórios e edifícios públicos e, particularmente, hotéis, devido ao fato de darem maior visibilidade aos seus projetos. Buscava sempre garantir o sentido da brasilidade em torno de suas obras. Por essa época foi premiada pelo IAB-instituto de Arquitetos do Brasil, seção de Pernambuco e concluiu um curso de especialização em planejamento de ambientes interiores, no Instituto Joaquim Nabuco, em Recife.

Seu olhar apurado sobre o artesanato consistiu em lapidá-lo um pouco mais na criação de um projeto chamado “Interferências”, reunindo arquitetos e designers num trabalho em conjunto com os artesãos e artistas populares, com novos olhares e detalhes, sem mexer em sua natureza. “Interferir sem ferir”, era seu lema. Este renovado enfoque artístico lhe rendeu a “Medalha de Ordem do Mérito Guararapes”, concedida pelo Governo do Estado de Pernambuco, em 2006; a “Medalha João Ribeiro” da ABL-Academia Brasileira de Letras, em 2007, e o prêmio “Mulheres influentes do Brasil”, na categoria Arquitetura e Decoração.

A influência do artesanato aliada ao interesse pela arquitetura e decoração de interiores projetou-a em âmbito nacional, quando foi curadora da exposição “Viva o Povo Brasileiro”, em 1992, no MAC-Museu de Arte Contemporânea de Niterói. Fez a curadoria de diversas exposições em outros estados, como o Museu da Casa Brasileira e Pinacoteca do Estado de São Paulo, bem como em Portugal, na Fundação Ricardo do Espirito Santo e outros países, como a França e Inglaterra.

Em 1993 lançou o livro Janete Costa: Interiores, publicado pela Ed. Index, expondo sua concepção sobre a importância do artesanato na arte brasileira. Suas obras foram registradas no livro de arte Janete Costa: arquitetura, design e arte popular, publicado em edição bilingue pela CEPE Editora, em 2021. Segundo sua concepção há diferenças entre arte popular e artesanato. Arte popular é aquela feita pelo artista, geralmente peças únicas e assinadas por ele mesmo; já o artesanato, são as peças produzidas em grupos, em maiores quantidades e sem assinatura.

Dentre seus trabalhos destacam-se as curadorias sobre o designer Joaquim Tenreiro no MAC/Niterói, Pinacoteca do Estado de São Paulo e em Lisboa; design de interiores do Hotel Pergamon; Exposição “Meninas Gerais”, no Museu da Casa Brasileira; arquitetura de interiores dos hotéis Ceasar Park e Ceasar Business, de São Paulo; mostra de arte popular no Espaço Brasil em Paris, em 2005; restauração de edifícios históricos, como o Teatro Arthur Azevedo, em São Luíz (MA) e o Solar do Jambeiro, em Niterói. Após seu falecimento, outros trabalhos foram concluídos por seus filhos: projeto para o Hotel Verde Green, em João Pessoa (PB) e a museografia do Museu do Homem do Nordeste da Fundação Joaquim Nabuco.

Em 2005 foi acometida por um câncer de estômago, com o qual lutou por mais de 3 anos e faleceu em 28/11/2008. No ano seguinte a seção pernambucana do IAB lançou um prêmio em sua homenagem. Recebeu, também, homenagens de alguns espaços onde atuou: Espaço Janete Costa no Museu do Homem do Nordeste (PE); Galeria Janete Costa no Parque Dona Lindu (PE) e Museu Janete Costa de Arte Popular em Niterói (RJ).

 

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 21 de julho de 2024

OS BRASILEIROS: Mário Sette (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

OS BRASILEIROS: Mário Sette

José Domingos Brito

Mário Rodrigues Sette nasceu em Recife, PE, em 19/4/1886. Escritor, professor, cronista, tradutor, jornalista, radialista, memorialista, dramaturgo e agitador cultural do Recife em princípios do século XX. Teve papel destacado na construção de uma cultura histórica republicana em Pernambuco.

 

 

Filho de Ana Emília Luna Sette e Antonio Rodrigues Sette Jr., foi alfabetizado em casa e fez o curso primário na escola de seu avô materno. Aos 11 anos ficou órfão do pai e a família foi morar em Santos, SP. Após uma temporada, sua mãe casou-se de novo e a família mudou-se para o Rio de Janeiro, onde concluiu o curso secundário e foi redator do jornal estudantil A Semana, do Colégio Pedro II.

Aos 15 anos, não convivendo bem com o padastro, decidiu voltar ao Recife e foi morar na casa de um tio. A juventude foi levada na “boêmia” junto aos estudantes da Academina de Direito, frequentando o Café 15 de Novembro, a Livraria Francesa, entre outros “points” da cidade, e retomou o namoro com a menina que conhecia desde criança. O casamento se deu em 1927; tiveram 3 filhos e viveram em Olinda e Recife. Ainda solteiro colaborou em jornalecos humorísticos e também em grandes jornais, como A Província e Diário de Pernambuco.

Já casado, trabalhou na ferrovia Great Western e nas Lojas Paulistas, atual Casas Permbucanas. Apartir de 1909 foi funcionário público dos Correios de Pernambuco e continuou colaborando com outros jornais, como o Jornal Pequeno e, mais tarde, com a famosa revista Fon-fon, do Rio de Janeiro. Seu primeiro livro – Ao clarão dos obuses – publicado em 1916, foi bem recebido pela crítica e teve 2 edições. O segundo – Rosas e espinhos – lançado em 1918, também recebeu boa acolhida do público e da crítica. O terceiro – Senhora de engenho – em 1921, marcou sua consagração na literatura nacional.

A 1ª edição foi esgotada em 15 dias, um best-seller com 7 edições, com a 3ª publicada pela editora de Monteiro Lobato, numa tiragem de 5 mil exemplares. O livro garantiu-lhe uma vaga na Academia Pernambucana de Letras. Em 1925 ingressou no magistério e passou a lecionar História e Língua Francesa em inúmeros colégios particulares do Recife. Nas décadas de 30 e 40, suas publicações passam a tratar mais da reconstituição histórica, social e pitoresca do Recife em fins do século XIX e princípios do XX.

Dentre estas obras encontram-se Maxabombas e maracatus (1935) e Arruar (1948), sobre a qual Gilberto Freyre escreveu: “Quem lê Arruar... se é pernambucano, fica mais pernambucano; se brasileiro de outro Estado, mais amigo de Pernambuco e do Recife; se estrangeiro, mais simpático à gente pernambucana e à cidade que não é apenas capital de um Estado, mas metrópole de uma região”.

Em 1943 transpôs para o teatro seu livro Senhora de engenho e pediu ao seu amigo Capiba para compor a valsa Maria Betânia, nome da protagonista. A música fez mais sucesso do que a peça, pois extrapolou para outros estados, como a Bahia, onde Caetano Veloso aproveitou para sugerir o nome de sua irmã recém nascida. Pouco depois tornou-se radialista ativo no comando de alguns programas, dos quais destaca-se “A Hora da Saudade”, na Rádio Jornal do Commércio.

Faleceu em 25/3/1950 e teve sua vida e legado esmiuçados numa tese de doutorado em História, defendida por Amanda Alves Miranda Cavalcanti, em 2023, na UFPE-Univesidade Federal de Pernambuco, com um título apropriado: Mário Sette, o condutor de travessias históricas pelo Recife, à disposição no link https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/54168

Outro link, de consulta mais breve é o site Mário Sette – Um conceito de pernambucanidade (mariosette.com.br)

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 14 de julho de 2024

AS BRASILEIRAS: Conceição Tavares (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

Maria da Conceição de Almeida Tavares nasceu em Portugal em 24/4/1930 e naturalizou-se brasileira em 1957. Matemática, economista, política, professora e escritora. Atuou com destaque na politica ecônomica brasileira desde o Plano de Metas, do governo Kubitschek, em 1960, até o governo Lula 3, em 2024. Foi deputada federal pelo PT-Partido dos Trabalhadores, em 1995-1999, e autora de diversos livros sobre desenvolvimmento econômico.

 

 

Filha de Maria Augusta de Almeida Caiado e Fausto Rodrigues Tavares, anarquista durante a era Salazar em Portugal. Iniciou o curso de Engenharia na Universidade de Lisboa, mas logo transferiu-se para as Ciências Matemáticas. Fugindo da ditadura salazarista, mudou-se para o Brasil em 1954. No Rio de Janeiro, passou a participar da política através das atividades e debates da SBPC-Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.

Não conseguindo a equivalência de diplomas para poder lecionar em universidades brasileiras, foi trabalhar como estatística no atual INCRA-Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. No ano em que naturalizou-se, ingressou no curso de Economia da Universidade do Brasil, atual UFRJ, e no ano seguinte tornou-se Analista de Matemática do BNDES-Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social até 1960. Neste periodo integrou o GEIMAPE-Grupo Executivo da Indústria Mecânica Pesada, um dos grupos no período do Governo Kubitschek.

O grupo era ligado ao Conselho do Desenvolvimento, órgão central ligado à presidência da República, encarregado de elaborar e coordenar os programas setoriais da política econômica do Governo. Em seu trabalho teve influência de 3 economistas renomados: Celso Furtado, Caio Prado e Ignácio Rangel. Publicou centenas de artigos, muitos deles reunidos em livros. No ensaio Além da estagnação (1972), demonstrou que era possível atingir elevado crescimento econômico, conforme o “milagre econômico” da época, embora com aumento ainda maior da concentração de renda.

Em fins dos anos 1960 chefiou o escritório da CEPAL-Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe no Brasil e foi designada para ocupar o escritório central da CEPAL, no Chile, onde também foi convidada a lecionar na Escolatina, ligada a Universidade do Chile, em 1968. Assim, escapou da prisão ou punição, com o AI-5. Em 1972 licensiou-se da CEPAL para iniciar uma pós-graduação na Sorbonne, em Paris e retornou ao Chile para trabalhar na assessoria econômica do governo de Salvador Allende. Em fins do ano seguinte foi lecionar na UNAM-Universidade Autônoma do México e voltou a trabalhar no escritório da CEPAL.

Ao embarcar, em 1974, no aeroporto do Galeão para uma reunião no Chile, foi detida e presa por alguns dias pelos agentes da Ditadura Militar. Foi libertada por intervenção direta dos ministros Severo Gomes e Mário Henrique Simonsen, junto ao presidente Ernesto Geisel. Na década de 1980, assessorou o PMDB enquanto lecionava no Instituto de Economia da Unicamp-Universidade de Campinas e implantava os cursos de mestrado e doutorado. Por esta época trabalhou na elaboração do Plano Cruzado, em 1986, e chegou a chorar de emoção, em rede nacional, por considerar que o plano não era prejudicial aos assalariados.

Nos anos 1993-2004 comandou a coluna semanal “Lições Contemporâneas” no jornal Folha de São Paulo, com algumas críticas ao Plano Real. Em 1994 foi eleita deputada federal pelo PT-Partido dos Trabalhadores. Ao longo de 60 anos formou uma geração de economistas e líderes políticos, dentre os quais: José Serra, Carlos Lessa, Luciano Coutinho, Luis Gonzaga Beluzzo, Aloísio Teixeira, Edward Amadeo, Dilma Rousseff. Era uma respeitada economista, muitas vezes vista como temperametal, dado o caráter incisivo de suas afirmações: “Se você não se preocupa com justiça social, com quem paga a conta, você não é um economista sério. Você é um tecnocrata”, trecho de uma entrevista no programa Roda Viva, da TV Cultura.

Dentre seus livros, vale destacar Da substituição de importações ao capitalismo financeiro: ensaios sobre economia brasileira (1975) Ed. Zahar; Desajuste global e modernização conservadora (1996) Ed. Paz e Terra e Acumulação de capital e industrialização no Brasil (1998) Unicamp. Foi agraciada com diversos prêmios e comendas: Grande Oficial da Ordem de Rio Branco; Medalha de Honra da Inconfidência; Grau de Comendador, Governo de Portugal; Medalha Bernardo O’Higgins, Governo do Chile; Prêmio Visconde de Cairu, da UFRJ; Prêmio Jabuti; Medalha Pedro Ernesto entre outros.

Faleceu em 8/6/2024 e segundo a publicação inglesa A biographical dictionary of dissenting economist, do ano 2000, ela é uma das quatro mulheres selecionadas entre os 100 mais importantes economistas heterodoxos mundiais do século XX e a única mulher da América Latina. Um bom apanhado de sua vida e obra ficou registrado no livro Maria da Conceição Tavares: vida, ideias teorias e política, organizado por Hildete Pereira de Melo, publicado em 2019 pela Fundação Perseu Abramo.

Clique aqui e veja vídeo sobre Conceição Tavares.


José Domingos Brito - Memorial domingo, 07 de julho de 2024

OS BRASILEIROS: Linduarte Noronha (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

OS BRASILEIROS: Linduarte Noronha

José Domingos Brito

Linduarte Noronha nasceu em Ferreiros, PE, em 1930. Advogado, jornalista, professor, crítico de cinema e cineasta. Foi precursor do “Cinema Novo”, na opinião dos cineastas, incluindo Glauber Rocha, seu representante mais expressivo. Trabalhou como jornalista e crítico de cinema nos jornais da Paraíba, onde se tornou cineasta.

 

 

Ainda jovem foi ao Rio de Janeiro para conhecer o INCE-Instituto Nacional do Cinema Educativo (1936-1966). Entrou em contato com seu presidente, Humberto Mauro, contou-lhe suas ideias, pretensões e pediu-lhe emprestado uma câmera e outros apetrechos. O pioneiro do cinema brasileiro achou interessante e o rapaz saiu de lá com uma câmera Bell & Howell, voltou à João Pessoa e passou a filmar sob a chacota dos colegas da redação. Seu primeiro curta-metragem teve origem numa reportagem que fez, em 1958, sobre o trabalho das mulheres numa olaria do sertão, As oleiras do Olho d’Água na Serra do Talhado.

O segundo curta Aruanda, lançado em 1959, é um documentário de 20 minutos e conta a história da fundação de um quilombo, retratando a vida do ex-escravizado Zé Bento com a família em busca de uma vida melhor. A palavra “aruanda” tem um significado próprio na Umbanda: um lugar utópico, o paraíso da liberdade perdida. A trilha sonora foi definida em conformidade com as imagens, com a escolha genial da comovente canção folclórica “Ô mana deixa eu ir”, recriada por Villa-Lobos. Depois disso, o cinema brasileiro mudou completamente e inaugurou uma nova estética cinematográfica. Segundo alguns críticos, o filme está para o moderno cinema brasileiro como o romance A Bagaceira está para nosso modernismo literário.

Na época, o Nordeste, sua realidade, seus mitos, texturas, asperezas, locações e personagens, abria novo capítulo na cinematografia nacional. O filme Aruanda deu origem a uma escola de documentários na Paraíba, a partir dos colegas da equipe de Noronha: Vladimir Carvalho, João Ramiro Mello, Rucker Vieira, Jurandy Moura, entre outros. O então jovem crítico baiano Glauber Rocha comparou-o ao cineasta Roberto Rosselini, o papa do neorrealismo italiano. Quando viu o filme, Glauber ficou extasiado: “Como fui burro! Como fui burro!” repetia numa referência ao fato de ter começado com o curta O pátio (1959), que pouca coisa teria a ver com os caminhos trilhados posteriormente.

Glauber pressentiu que o mapa da mina estava ali e lastimou o fato de não ter seguido aquela pegada. Jean-Claude Bernardet, confirmou dizendo que o filme era “simultaneamente documento e interpretação da realidade”. E disse mais: “a fita é importante porque, além de ser uma provocação e um estímulo, além de tratar de assunto brasileiro, o faz de uma maneira que pode se tornar um estilo e dar ao cinema brasileiro uma configuração particular (fora de qualquer emprego de folclore, exotismo, naturalismo, etc.), o que este, ao que eu saiba, nunca possuiu, nem de longe.”

Outro renomado crítico, Paulo Emilio Sales Gomes, dizia que o filme era um manifesto. Na década seguinte, o Cinema Novo e o documentário nacional aplicariam suas lições. Nessa época realizou mais um filme em parceria com Rucker Vieira: Cajueiro nordestino (1962), inspirado numa monografia de Mauro Mota, retratando o ciclo do caju e sua importância para as comunidades da periferia de João Pessoa. Em 1963, criou o Departamento de Cinema da UFPB-Universidade Federal da Paraíba, onde lecionou até se aposentar na década de 1990. Enquanto lecionava, realizou o primeiro longa-metragem de ficção do cinema da Paraíba: Salário do medo, em 1971. Costumava dizer que “o verdadeiro cinema brasileiro só poderá alcançar, um dia, a universalidade, quando se voltar ao elemento antropológico”.

Como o cinema que realizava não era uma atividade lucrativa, e precisando trabalhar, foi Procurador de Justiça e no período 1971-1991 foi presidente do IPHAEP-Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba. Aí batalhou pela preservação dos bens culturais, numa época em que não se dava valor algum ao patrimônio fossilífero. Teve um importante papel na defesa do Vale dos Dinossauros, hoje este patrimônio paleontológico é protegido pelo Governo.

Em 2008, o “Festival Internacional de Documentários – É tudo Verdade” prestou-lhe uma homenagem com a apresentação de seus filmes e seu retrato filmado por Geraldo Sarno, outro mestre do documentário brasileiro. Em 2010 foi homenageado pelos 50 anos de carreira no “Cine Fest Aruanda”, festival de cinema paraibano, que leva o nome do filme que entrou para a história do cinema brasileiro. O cineasta faleceu dois anos depois, em 30/1/2012. Pouco depois, a Fundação Cultural de João Pessoa deu nome à sua sala de cinema: “Cine Funjope Linduarte Noronha”.

Clique aqui para assistir o vídeo A linguagem do cinema – Linduarte Noronha


José Domingos Brito - Memorial domingo, 30 de junho de 2024

AS BRASILEIRAS: Adalzira Bittencourt (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

AS BRASILEIRAS: Adalzira Bittencourt

José Domingos Brito

Adalzira Cavalcanti de Albuquerque Bittencourt Ferrara nasceu em 2/11/1904, em Bragança Paulista, SP. Escritora, poeta, jornalista, advogada e pioneira do movimento feminista destacando o papel da mulher na literatura brasileira. Foi uma das fundadoras e primeira presidente da Academia Feminina de Letras do Rio de Janeiro, na década de 1940.

 

 

Ainda adolescente, fundou o jornal Miosótis, em Piracicaba, SP. Em seguida mudou-se para a capital paulista, onde concluiu o curso secundário e passou a escrever poemas. Seu primeiro livro de poesias, publicado em 1919, foi prefaciado pelo poeta Vicente de Carvalho. Aos 23 anos formou-se advogada pela USP-Universidade de São Paulo, a única mulher de sua turma, e no mesmo ano embarcou para a Europa, onde estudou Sociologia na Itália e Direito Internacional na Holanda.

Em Paris, conheceu o jornal La Jeunesse et La Paix Du Monde, do qual tornou-se colaboradora. Pouco depois viveu uma temporada em Buenos Aires, onde foi professora universitária. Em 1929, publicou seu primeiro romance: Sua Excelência o Presidente da República no Ano 2500, através do tornou-se conhecida no meio cultural. Trata-se de um enredo, uma utopia onde o feminismo venceu e libertou o país das calamidades causadas pelos homens.

O livro foi espelhado no romance de Monteiro Lobato – O choque de raças ou O presidente negro – Romance americano, lançado em 1926, uma utopia que mostra a divisão do eleitorado branco em 2228, com a eleição nos EUA de um presidente negro. Foi um grande sucesso editorial. Em 1932, fundou uma escola para menores abandonados e a liga infantil Pró-Paz, a primeira organização pacifista do Brasil. Seu interesse pela educação da criança, resultou mais tarde na criação do jornal Mensageiro do Lar das Crianças, em 1951.

Sempre atenta a produção bibliográfica das mulheres, organizou a Primeira Exposição do Livro Feminino, no Rio de Janeiro, em 1943. Sobre essa temática, publicou Mulheres e livros (1948), A mulher paulista na história (1954) e deixou uma obra inacabada: Dicionário bio-bibliográfico de mulheres ilustres, notáveis e intelectuais do Brasil. Outra área de interesse crucial em sua vida pessoal foi a educação. Defendia que a educação do futuro deve ser ativa, em consenso com as ideias do educador brasileiro Anísio Teixeira e do Manifesto da Escola Nova de 1932. São ideias progressistas na época. Porém, no futuro imaginado em seu romance, o exercício da memorização é uma prática vigente. Vê-se aqui uma fusão de propostas contraditórias e pouco compatíveis.

Sua obra é composta de 10 livros de poesia, 8 de polêmicas e atualidade e o romance que lhe deu notoriedade. Participou de várias comissões governamentais durante a ditadura do governo Vargas e militou no Partido Republicano Feminino, apoiada no ideário de Auguste Comte, que tinha a mulher como base natural da nação, como esposa e educadora dos futuros cidadãos do mundo. Integrou a primeira onda do feminismo no Brasil, rejeitando o feminismo importado e propondo um feminismo nacionalista.

Foi homenageada com seu nome dado à Biblioteca Pública de Bragança Paulista e faleceu em 28/10/1976. Não contamos com uma biografia exclusiva, mas é possível conhecer seu legado na área literária e sua participação na luta pela emancipação feminina no artigo – Ao Brasil dos meus sonhos: feminismo e modernismo na utopia de Adalzira Bittencourt -, publicado por Maria Bernardete Ramos, na revista Estudos Feministas vol. 10, nº 1, de 2002, à disposição no link periódicos ufsc.


José Domingos Brito - Memorial domingo, 23 de junho de 2024

OS BRASILEIROS: Alceu Amoroso Lima (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

OS BRASILEIROS: Alceu Amoroso Lima

José Domingos Brito

Alceu Amoroso Lima nasceu em 11/12/1893, no Rio de Janeiro, RJ. Também conhecido como Tristão de Athaíde, pseudônimo adotado aos 26 anos, foi escritor, crítico literário, professor, advogado, jornalista, pensador e líder católico. Publicou dezenas de livros sobre os mais variados temas e teve uma profícua carreira intelectual.

Filho de Camila da Silva Amoroso Lima e Manuel José de Amoroso Lima. Aprendeu a ler em casa, com o prof. João Kopke, teve os primeiros estudos no Colégio Pedro II e formou-se advogado pela Faculdade Nacional de Direito, em 1913. Iniciou como crítico literário n’O Jornal, em 1919, e publicou seu primeiro livro em 1922: Afonso Arinos, um estudo crítico. Ainda jovem viajou pela Europa com seus pais e voltou à Paris, em 1913, para estudar no Collège de France.

Aí teve aulas com Henri Bergson e, segundo seu relato, teve uma grande transformação em suas ideias, passando do “evolucionismo spenceriano” ao evolucionismo criador de Bergson, a partir da primazia do espírito. De volta ao Brasil, teve uma breve experiência como diplomata, mas logo deixou a carreira para substituir o pai na direção da fábrica de tecidos Cometa. Em seguida, optou pela vida literária. O pseudônimo Tristão de Athayde, adotado em 1957, “o nome ficou […] e hoje quase é possível dizer que tem o mesmo curso do verdadeiro”, declarou.

Sob a influência de Chesterton, Maritain e Jackson de Figueiredo, foi convertido ao catolicismo e escreveu uma carta aberta à Sergio Buarque de Holanda – Adeus à disponibilidade -, em 1928, significando “a primazia do literário ao ideológico. Do primado da crítica estética à crítica filosófica”. A partir daí inicia no movimento católico leigo no Brasil com disposição: “ao converter-se, não me recolhi a um porto, mas parti para o alto mar”. Na década de 1930 teve intensa produção editorial e ingressou na ABL-Academia Brasileira de Letras, em 1935. Foi catedrático de literatura na Faculdade Nacional de Filosofia, um dos fundadores da PUC/RJ e ministrou cursos sobre civilização brasileira na França (Sorbonne) e nos EUA.

Por indicação de Dom Sebastião Leme, substituiu Jackson de Figueiredo na presidência do Centro Dom Vital e na direção da revista A Ordem. Por esta época alimentou simpatias com o Integralismo, com artigos na imprensa, mas pouco depois reconheceu o equívoco, a partir da obra de Jacques Maritain Humanismo integral (1936). Não era um adepto da militância política e menos ainda da partidária, mas participou ativamente da criação da LEC-Liga Eleitoral Católica, em 1934, por iniciativa de Dom Sebastião Leme, que lhe pediu para estudar o problema das novas posições da Igreja em face dos problemas sociais, então recolocados em exame de maneira bastante incisiva pela Encíclica Quadragésimo Anno, de 1931.

Em fins da década de 1940 viajou pela Argentina e Uruguai palestrando sobre a Democracia Cristã na América Latina, organizando o “Movimento de Montevidéu” Pouco antes havia participado da criação do PDC-Partido Democrata Cristão, em 1945, junto com Franco Montoro. Escritor prolífico, foi também editor na Editora Agir, que ajudou a fundar em 1944. Em 1950 foi convidado para o cargo de Diretor Cultural da União Pan-Americana e logo se tornou Secretario Geral da OEA, com sede em Washington. Sua adesão ao movimento social católico foi intensificada a partir do Concílio Vaticano II, convocado pelo Para João XXIII no período 1962-1965.

A adesão a corrente renovadora da Igreja causou-lhe algumas críticas, que foram respondidas: “Pelo fato de colocar-me entre os renovadores da Igreja, sou chamado de progressista e de inocente útil. Mas a verdade é que a Igreja, no decorrer dos últimos 50 anos, tem evoluído gradativamente no sentido daquilo que chamo de humanismo, isto é, de uma colocação do primado do bem comum, em que o indivíduo se subordina à coletividade e a coletividade, por sua vez, se subordina à pessoa, à liberdade e à justiça. É aí que considero possível um entendimento entre as duas correntes antagônicas”.

Em 1964, com o golpe militar, alinhou-se a Dom Hélder Câmara contra a ditadura e tornou-se um dos mais respeitáveis críticos do regime político implantado no País, através da imprensa. Em 1967 comentou um livro sobre tortura, do deputado Márcio Moreira Alves: “Entre nós a revolução de 64 recolocou a tortura política em evidência. Márcio teve o desassombro… de ir aos fatos, de ouvir as vítimas, de arrancar os véus que impediam ver através dos muros das penitenciárias. E só agora pôde revelá-los em livro, que a Censura oficial procurou impedir que se divulgasse”.

No inicio da década de 1970, mostrou-se favorável à Teologia da Libertação, liderada pelo frade franciscano Leonardo Boff: “Considero a chamada Teologia da Libertação… que ela representa para mim a verdadeira e mais positiva concepção do papel capital que a Igreja de hoje, fiel às suas tradições mais primitivas da era patrística, pode e deve representar neste momento crucial, em que se chocam as concepções mais puramente antagônicas do futuro da humanidade, entre o crepúsculo da burguesia e a aurora do proletariado, entre a crise do capitalismo e a crise do socialismo, em tão grande parte herdeiro dos próprios males do capitalismo.”

Faleceu em 14/8/1983, aos 90 anos e, na condição de oblato beneditino, foi velado no Mosteiro de São Bento. No mesmo ano, a Comissão de Justiça e Paz, de São Paulo, liderada por Dom Paulo Evaristo Arns, criou o “Prêmio Alceu Amoroso Lima”, concedido pela Universidade Candido Mendes juntamente com o Centro Alceu Amoroso Lima pela Liberdade. Deixou um legado de 78 livros publicados sobre os mais variados temas e pode ser melhor conhecido através do site alceuamorosolima.com.br.

A Universidade Cândido Mendes mantém o CAALL-Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade, com o objetivo de manter e divulgar seu legado. Pouco antes de completar 90 anos, cuidou de suas memórias e organizou o livro Memorando dos 90: entrevistas e depoimentos, publicado pela editora Nova Fronteira, em 1984. Outro livro revelador – Cartas do pai: de Alceu Amoroso Lima para sua filha, Madre Maria Teresa – foi lançado em 2003 pelo IMS-Instituto Moreira Salles.


José Domingos Brito - Memorial domingo, 16 de junho de 2024

AS BRASILEIRAS: Maria Esther Bueno (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

AS BRASILEIRAS: Maria Esther Bueno

José Domingos Brito

Maria Esther Andion Bueno nasceu em 11/10/1939, em São Paulo, SP. Conhecida como a “Bailarina do Tênis” devido a elegância do estilo de jogo, de certo modo atendeu ao desejo do pai, que queria vê-la dedicada ao balé. Grande dama do tênis brasileiro; melhor tenista do século XX da América Latina; uma das melhores tenistas da História; obteve 589 títulos internacionais.

Iniciou aos 6 anos no Clube de Regatas Tietê, ao lado de sua casa, com algum sucesso na disputa de provas de natação, mas logo mudou para o tênis. Aos 11 anos disputou o 1º campeonato; aos 14 conquistou o Brasileiro Infantil e 2 meses depois ganhou o Brasileiro de Adultos; aos 15 conquistou medalha de bronze de duplas nos Jogos Pan-Americanos do México, ao lado de Ingrid Charlotte Metzzner; aos 17 sagra-se bicampeã do torneio Orange Bowl, na Flórida, e aos 18 conquista seu 1ª título internacional adulto: o torneio de Fort Lauderdale.

No mesmo ano (1957), foi vice-campeã em Coral Gables e venceu 6 torneios em duplas. No ano seguinte, ao lado de Althea Gibson, ganhou o torneio de duplas de Wimbledon. Em 1959, aos 19 anos, ganhou o torneio de Grand Slam ao vencer Darlene Hard e pôs fim a 21 anos de domínio norte-americano em Wimbledon, assumindo a liderança do Rank Mundial. No dia seguinte, o jornal O Estado de São Paulo publicou: “A vitória de Estherzinha é festejada em todo o Brasil como um feito que supera o dos craques do futebol que se tornaram campeões mundiais há exatamente um ano, na Suécia.”

Por essa conquista, recebeu um prêmio de 15 dólares em voucher, “que você trocava por meia ou munhequeira, porque era totalmente amador e não podia ter prêmio em dinheiro”, declarou. Em 1960 alcançou o bicampeonato do torneio simples em Wimbledon e saiu na capa da revista Cruzeiro, de janeiro de 1961, ao lado de Pelé, Éder Jofre e o bicampeão de pesca submarina Bruno Hemanny. Em seguida participou do tradicional torneio da Austrália (atual Australian Open), onde teve poucas derrotas e algumas vitórias e faturou mais 3 torneios na Europa e 2 na América do Sul. Em duplas ganhou os 4 eventos do Grand Slam e outros 11 troféus, sendo a primeira mulher a conquistar o Grand Slam de tênis em duplas. Por isso foi novamente indicada nº 1 do ranking feminino.

Sua vida foi uma enorme coleção de premiações em torneios. Em 1961 teve um breve intervalo de 8 meses, devido a uma hepatite. Mas retomou a carreira no ano seguinte com 4 troféus de simples, vice na Itália, vitória de duplas nos EUA. Em 1963 retoma sua performance com 17 troféus de duplas, campeã em Wimbledon e Medalha de Ouro nos Jogos Pan Americanos de São Paulo. Em 1964 volta a ocupar o 1º lugar do Ranking Mundial e entrou no Guiness Book por ter vencido a tenista Carole Caldwell Graebner, no final do US Open, em apenas 19 minutos.

O final da carreira plena de vitórias, começou em 1965 com uma contusão no joelho esquerdo, que já vinha incomodando-a, e precisou de uma cirurgia e 4 meses de recuperação. Mesmo assim, conseguiu o tricampeonato na Itália e o vice em Wimbledon e Austrália neste ano. Em 1966 faturou mais alguns prêmios, como o tetracampeonato nos EUA e mais 4 títulos de simples e 2 de duplas. No ano seguinte, sua carreira foi praticamente encerrada, devido a uma contusão no braço direito. Na época não havia o “tie-brake” e ela jogou por mais de 10 horas seguidas, causando-lhe uma “epicondite”, inflamação no tendão do cotovelo, o tal “cotovelo de tenista”. Em 1968, os médicos disseram-lhe que o estrago era grande e ela não poderia voltar jogar.

“Um depoimento revela o profissionalismo de sua carreira: “Quando estava no auge em Wimbledon, acumulei três competições ao mesmo tempo (simples, duplas e duplas mistas) e cheguei a jogar 120 games num mesmo dia. Treinei pela manhã e joguei das 14h até 22h. Tive um problema muito sério, não podia mexer a mão. Fiz quinze cirurgias. Não tive coragem de dizer “não vou jogar mais”. Não podia deixar o público esperando. Você se sente na obrigação de jogar”. A partir daí, as paradas são mais constantes, mas em 1968 ainda faturou seu último título de Grand Slam e mais 2 torneios em 4 finais.

Após várias cirurgias na década de 1970, voltou a jogar sem o vigor de antes. Ainda assim, conquistou o Aberto do Japão de 1974, seu último título internacional. Em 1976, aos 36 anos, disputou Roland Garros e Wimbledon e chegou às quartas, seu pior resultado. No ano seguinte deu-se a última temporada: chegou à final em Dublin, caiu na 3ª rodada em Wimbledon e na 2ª do US Open. Pouco depois, em São Paulo foi eliminada na 2ª partida e anuncia o abandono definitivo das quadras, em 1978. Em seguida teve seu nome incluído no International Tennis Hall of Fame e ganhou uma estátua de cera no Museu Madame Tussands.

Recebeu diversas homenagens, como a “Raccheta D’Oro”, em 2006 em Roma e no mesmo ano foi convidada pelo US Open para a cerimônia de renomeação da instituição nacional do tênis nos EUA. A partir daí participou de diversos torneios internacionais como comentarista e faleceu em 8/6/2018, aos 78 anos. Segundo Gwen Robyns, no livro In Wimbledon: the Hidden dream “ela parecia um gato siamês exótico quando se movia pela quadra. Maria era sinuosa, sensual e feminina. Eles a chamavam de Rainha de Wimbledon”.

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 09 de junho de 2024

OS BRASILEIROS: Dom Hélder Câmara (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOA BRITO)

 

OS BRASILEIROS: Dom Hélder Câmara

José Domingos Britto

Hélder Pessoa Câmara nasceu em Fortaleza, CE, em 7/2/1909. Religioso franciscano, bispo e arcebispo emérito de Olinda e Recife. Patrono Brasileiro dos Direitos Humanos e indicado várias vezes ao Prêmio Nobel da Paz, teve atuação destacada na redemocratização do País.

 

 

Filho de Adelaide Pessoa Câmara e Eduardo Torres Câmara Fº, manifestou vocação sacerdotal ainda criança. Teve os primeiros estudos em casa, com a mãe professora, e ingressou no Seminário Diocesano de Fortaleza, aos 14 anos, em 1923, onde eram abominados o Iluminismo, a Revolução Francesa e o Comunismo. Ao final do curso sofreu uma crise vocacional e pensou em não prosseguir na carreira religiosa. Mas foi persuadido pela mãe e pelo reitor Pe. Tobias a continuar.

Foi ordenado padre em 1931, aos 22 anos, com autorização especial da Santa Sé, por não ter a idade mínima exigida. Logo após sua primeira missa, foi designado a coordenar os Círculos Operários e iniciar a organização da JOC-Juventude Operária Católica. No ano seguinte foi fundada a Legião Cearense do Trabalho, a fim de combater o individualismo e recuperar o cooperativismo. A Legião se declarava anticapitalista, anticomunista e antiburguesa e a JOC seguiu esta orientação ideológica. Em pouco tempo reuniu 2 mil rapazes pobres com a oferta de alfabetização e recreação.

Em 1932 foi criada a AIB-Ação Integralista Brasileira, liderada por Plínio Salgado, cujo lema “Deus, Pátria e Família” atraiu-o para o movimento. Assumiu o cargo de Secretário do Setor de Estudantes da AIB no Ceará, animado com um dos textos intitulado “Cristo e o Estado Integral”. Dedicou-se ativamente ao movimento político e mais tarde desligou-se da AIB após perceber suas implicações ideológicas, em meados de 1937. Em seguida aderiu ao humanismo integral de Jacques Maritain. Seu empenho visava maior participação da igreja no meio social, reduzir a pobreza e alavancar a educação, chegando a ser Secretário de Educação do Ceará. Pouco depois foi transferido para o Rio de Janeiro, onde teve como diretor espiritual o Pe. Leonel Franca, criador da primeira universidade católica do País, a PUC/RJ.

Em 1939 foi nomeado chefe do Instituto de Pesquisas Educacionais da Secretaria Geral de Educação e Cultura e atuou noutras áreas, como na Fundação Nacional de Imigração, em apoio à imigração de refugiados no pós-guerra. Nomeado bispo auxiliar do Rio de Janeiro, em março de 1952, foi ordenado bispo no mês seguinte. No mesmo ano conseguiu aprovação do Monsenhor Giovanni Batista Montini, subsecretário de estado do Vaticano e futuro papa Paulo VI, na criação da CNBB-Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, da qual foi secretário-geral até 1964.

O Monsenhor Montini apoiou também a criação do CELAM-Conselho Episcopal Latino-Americano, em 1955, com sede em Bogotá. A 1ª Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano foi realizada no Rio de Janeiro, tendo Dom Hélder como articulador. Na condição de presidente e vice-presidente do CELAM, participou de todas as conferências até 1992. Com sua capacidade de articulação foi possível a realização do XXXVI Congresso Eucarístico Internacional, em 1955, no Rio de Janeiro, contando com a presença de cardeais e bispos de todo o mundo. A partir daí passou a ajudar os pobres com a Cruzada São Sebastião, da qual resultaram alguns conjuntos habitacionais. Em 1959, fundou o Banco da Providência, auxiliando as pessoas mais carentes.

Participou do Concílio Ecumênico Vaticano II, em 1961, na condição de padre conciliar em 4 sessões do concílio e foi um dos propositores do “Pacto das Catacumbas”, em 1965, que teve forte influência na “Teologia da Libertação”, movimento católico caracterizado pela preocupação social com os pobres e a libertação política do povo oprimido. Por essa época, diante da conturbada situação sociopolítica, suas atividades entraram em conflito com as posições do Cardeal Dom Jaime Câmara, tornando difícil sua permanência no Rio de Janeiro. Em 12/3/1964, a poucos dias do Golpe Militar, foi designado arcebispo de Olinda e Recife, cargo exercido até 1985.

Nesta diocese estabeleceu uma administração em setores pastorais; criou o Movimento Encontro de Irmãos; o Banco da Providência; a Comissão de Justiça e Paz e fortaleceu as comunidades eclesiais de base. Exerceu forte resistência o ditadura militar e tornou-se líder contra o autoritarismo, pregando no Brasil e no exterior uma fé cristã compromissada com os mais pobres. Foi perseguido pelos militares e acusado de comunista. Após o AI-5, em 1968, foi proibida qualquer referência ao seu nome. Aos 75 anos renunciou ao cargo e passou o comando da Arquidiocese a Dom José C. Sobrinho, em 1985; continuou no Recife, vivendo nos fundos da Igreja das Fronteiras e faleceu aos 90 anos, em 27/8/1999, e foi sepultado no interior na Catedral da Sé de Olinda.

Em seu centenário, em 2009, A CNBB, Arquidiocese de Olinda e Recife, Instituto dom Hélder Câmara, PUC/PE entre outras entidades, promoveram homenagens visando manter viva sua memória e legado. Recebeu 32 títulos de doutor honoris causa em todo o mundo; foi cidadão honorário de 28 cidades no Brasil e no exterior. Nos EUA recebeu o Prêmio Martin Luther King e na Noruega o Prêmio Popular da Paz. Foi indicado 4 vezes ao Prêmio Nobel da Paz. Seu acervo histórico é mantido no Instituto Hélder Câmara, em Recife. Em 2002 foi instituído o Prêmio Dom Hélder Câmara de Imprensa pela CNBB. Em 2010 o Senado Federal criou a Comenda de Direitos Humanos Dom Hélder Câmara, para agraciar personalidades destacada nessa área. Em 2017, a Lei nº 13.581 declarou-o Patrono Brasileiro dos Direitos Humanos.

Em 2014 foi anunciada a abertura do processo de beatificação e no ano seguinte o Vaticano deu parecer favorável através da Congregação para as Causas dos Santos, recebendo o título de Servo de Deus. Em 2018, após 3 anos de investigação foi concluído o processo e remetido à Congregação. Em 2022, durante o 18º Congresso Eucarístico Nacional, foi anunciado que a documentação recebeu aprovação dos membros da Congregação e que está sendo elaborado a positio para que Dom Hélder possa ser declarado venerável. Porém, na Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, ele já se encontra no calendário do santos e sua festa litúrgica é comemorada em 27 de agosto.

Dom Hélder deixou um legado de 13 livros traduzidos em diversos idiomas, dentre os quais: Revolução dentro da paz (1968). Mil razões para viver (1979) e Espiral de violência (1978). Sua trajetória religiosa foi exposta no livro de Ivanir Antonio Rampon no livro O caminho espiritual de Dom Helder Câmara, publicado pelas Edições Paulinas, em 2015.

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 02 de junho de 2024

AS BRASILEIRAS: Magda Tagliaferro (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

AS BRASILEIRAS: Magda Tagliaferro

José Domingos Brito

Magdalena Maria Yvonne Tagliaferro nasceu em Petrópolis, RJ, em 19/1/1893. Pianista franco-brasileira, foi uma referência mundial na arte de tocar piano. Criou uma concepção de sonoridade feminina no teclado, sem esquecer a missão pedagógica. Dizia que “não há gênio no mundo que resista à falta de estudo”.

Filha Louise Hergenröder e Joseph Paul Tagliaferro Tagliaferro, músico e professor de canto e piano, teve sua primeira apresentação pública aos 9 anos. Aos 12 realizou uma turnê pelo Brasil e no ano seguinte foi para França estudar no Conservatório de Música de Paris, dirigido por Grabriel Fauré. Lá conviveu com Ravel e Polenc e teve como mestres Raoul Pugno e Alfred Cortot, sobre o qual ela declarou: “Ele abriu minha imaginação musical de um modo extraordinário”. Conta-se que ele, casado, apaixonou-se pela aluna.

Era uma menina prodígio e conquistou seu primeiro prêmio – medalha de ouro – aos 14 anos (1907). O primeiro disco foi gravado em 1928 e no mesmo ano recebeu a comenda “Legião de Honra da França”. Por esta época apresentava-se regularmente nos palcos da Europa, EUA e Brasil. Em 1937 foi nomeada catedrática do Conservatório onde estudara e desenvolveu uma nova técnica de ensino. Criou o que se chama hoje de “Aula Pública”, visando a educação dos alunos e a formação do público simultaneamente.

A partir daí desenvolveu uma expressiva carreira internacional, apresentando-se com importantes orquestras: Filarmônica de Viena, Concertgebouw de Amsterdam, Filarmônica de Berlim, Orquestra da Suiça Romanda etc. Atuou com os principais maestros: Wilhelm Furtwan, Pierre Pierné, Ernest Ansermet, Charles Munch, Leopold Stokowski, Lorin Maazel, Pierre Monteux e os brasileiros Heitor Villa-Lobos, Eleazar de Carvalho e João de Souza. Durante a II Guerra Mundial deu-se o fechamento do Conservatório de Paris e ela retornou ao Brasil com suas aulas e concertos. Foi convidada pelo Ministro da Educação Gustavo Capanema, em 1942, a ministrar seu curso anual de interpretação artística, com aulas em São Paulo, Porto Alegre, Salvador e outras cidades.

Em 1949 voltou a viver em Paris e pouco depois foi condecorada com o título de Commandeur da Legião de Honra da França. Numa temporada no Brasil, criou em São Paulo a Fundação Magdalena Tagliaferro, promovendo cursos e concursos com bolsas de estudos para novos artistas. Pouco depois, com o incentivo de Alfred Cortot, levou o curso para a França. Sua pedagogia foi dissecada no livro – A arte pianística de Magda Tagliaferro – publicado em inglês, japonês e português por sua ex-aluna Asako Tamura, em 1997. No Brasil, abriu o 1º Festival de Inverno de Campos de Jordão, em 1970, e 2 anos depois foi condecorada com a comenda “Ordem do Rio Branco”. Em seguida foi agraciada pelo Governo de São Paulo com a “Ordem do Ipiranga”, no grau Grande Oficial, em 1976.

Em 1979, após seu segundo concerto no Carnegie Hall, em Nova Iorque, escreveu sua autobiografia Quase tudo… Memórias de Magdalena Tagliaferro, publicada pela Ed. Nova Fronteira. Foi jurada dos principais concursos internacionais de piano: Concurso Chopin, em Varsóvia; Concurso Tchaikovsky, na União Soviética; Concurso Rainha Elizabeth, na Bélgica; e o Concurso da Academia de Verão do Mozarteum, em Salzburgo. Segundo Fábio Caramuru, solista da OSESP e seu aluno, ela dizia que “o brasileiro é o povo mais musical que existe no mundo, é uma musicalidade natural que dá de dez a zero na do europeu”.

Os especialistas eram unânimes em afirmar que ela “além de trazer as técnicas interpretativas do impressionismo francês, ao mesmo tempo, a pianista transmitia ao povo brasileiro um estilo mais leve e humanizado de ensinar piano”. Em 1981, gravou um disco com seu aluno Daniel Varsano (1953-1988), interpretando obras de Fauré para duo de pianos, álbum que recebeu o Grand Prix de l’Académie du Disque Français.

Sua última homenagem se deu em 1985, com a outorga da comenda “Ordem Nacional do Mérito” pelo presidente José Sarney no palco onde fez sua última apresentação. Manteve uma intensa atividade pedagógica e artística até o final da vida em 9/9/1986, aos 93 anos. Um bom apanhado de sua longa vida pode ser apreciado na pesquisa realizada pelo maestro Édson Leite, patrocinada pela FAPESP, para sua tese de doutoramento na ECA/USP, em 1999, que resultou no livro Magdalena Tagliaferro: testemunha do seu tempo, publicado pela Ed. Annablume em 2001.

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 26 de maio de 2024

OS BRASILEIROS: Euclides da Cunha (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

OS BRASILEIROS: Euclides da Cunha

José Domingos Brito

Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha nasceu em 20/1/1866, em Cantagalo, RJ. Engenheiro, geógrafo, militar, jornalista, poeta e escritor célebre com a obra Os Sertões, um clássico da literatura brasileira.

 

 

Teve os primeiros estudos nos colégios Caldeira, Anglo-Americano e Aquino, onde publicou alguns artigos no jornal O Democrata, fundado por ele e seus colegas, em 1884. Pouco depois ingressou na Escola Militar da Praia Vermelha, onde foi aluno de Benjamin Constant e passou a colaborar na Revista da Família Acadêmica. Em seguida teve sua matrícula trancada devido ao protesto numa visita do ministro Tomás Coelho. Retornou à Escola Militar em 1889, com a Proclamação da República; conclui curso na Escola Superior de Guerra, em 1891, e no ano seguinte foi promovido a 1º tenente, passando a lecionar na Escola Militar.

Em plena campanha republicana foi convidado a colaborar no jornal A Província de São Paulo. Em 20/12/1888 fez sua estreia com o artigo A pátria e a dinastia. Em meados de 1890 casou-se com Ana Emílio Ribeiro, com quem terá uma vida marcada por constantes viagens a trabalho e teve seu primeiro filho em 1893. Em seguida teve que interromper a colaboração no jornal, devido a uma forte pneumonia, e volta a trabalhar como engenheiro na Estrada de Ferro Central do Brasil. A pneumonia logo se torna tuberculose, obrigando-o a deixar o Exército no posto de tenente.

Volta a colaborar no jornal O Estado de São Paulo em 1897. Pouco depois foi cobrir a 4ª Expedição contra Canudos, como correspondente. Por esta época foi nomeado adido do estado-maior do Ministro da Guerra e torna-se sócio correspondente do Instituto Geográfico e Histórico de São Paulo. Após 4 meses de licença para cuidar da saúde, foi morar em Descalvado, onde começa a escrever Os Sertões. Em 1898 reassume seu cargo na Superintendência de Obras Públicas em São Paulo. Retoma sua colaboração no Estadão e publica Excerto de um livro e trechos de Os Sertões, quando defende a tese: “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”, cuja energia contrasta com a debilidade dos mestiços do litoral.

Conclui Os Sertões, em 1902, e assina contrato a editora Laemmert para a edição de 1.200 exemplares, cobrindo metade dos custos editoriais. Após um trabalho insano de revisão, o livro é distribuído nas livrarias e recebido com aplausos do público e restrições da crítica. No ano seguinte, a 1ª edição se esgota em poucos meses, culminando com seu ingresso na ABL-Academia Brasileira de Letras. Em seguida vende os direitos da 2ª impressão do livro para a o editor Massow e passa a escrever artigos nos jornais sobre os conflitos na fronteira Bolívia-Brasil e defende uma solução diplomática que permita a incorporação do território do Acre.

Outra trincheira jornalística defendida é o combate contra as secas do Nordeste, propondo uma “guerra dos cem anos”, que inclua a exploração científica da região, a construção de açudes, poços e estradas de ferro e o desvio das águas do rio São Francisco para as regiões afetadas, um projeto que veio a se concretizar mais de 100 anos depois. Em 1905 realizou uma grande viagem na Amazônia, chefiando a missão oficial do Ministério das Relações Exteriores, navegando cerca de 6.400 km. e alguns trechos a pé. Na viagem contraiu uma malária e retornou ao Rio de Janeiro, em 1906. Ao chegar encontra a esposa grávida do cadete Dilermando de Assis. A criança faleceu 7 dias após o nascimento.

Em 1907 publicou o livro Contrastes e confrontos, em Portugal, e sua esposa tem outra criança – Luís Ribeiro da Cunha -, registrado como seu filho, mas que adotará mais tarde o sobrenome Assis, seu pai biológico. No ano seguinte publicou no Jornal do Commércio, a crônica A última visita, sobre a visita de um anônimo estudante a Machado de Assis em seu leito de morte. Com o falecimento deste, em 29/9/1908, ocupou a presidência da ABL por breve período e passa o cargo para Rui Barbosa. Pouco depois passou a lecionar no Colégio Pedro II, assumindo a cadeira de Lógica.

Em 1909 não temos notícias sobre sua vida. Porém, seu relacionamento com a esposa não ia bem. Não aceitando seu caso extraconjugal de anos antes, entra em conflito com o cadete Dilermando de Assis e vem a falecer numa troca de tiros em 15/8/1909. A tragédia não acaba aí e prossegue até 1916, quando o, agora 2º tenente Dilermando mata o aspirante naval Euclides da Cunha Filho, que tentou vingar a morte do pai. Nos dois casos, Dilermando foi absolvido pelo mesmo veredicto: legítima defesa.

Sua obra-prima Os Sertões é considerada o primeiro livro-reportagem brasileiro. O livro desfez sua visão anterior, que via a Guerra de Canudos, como tentativa de restauração da Monarquia e passa a ver o movimento como uma seita messiânica de sertanejos famintos, liderada pelo religioso Antônio Conselheiro. Assim, muda seu relato para denunciar uma carnificina, que liquidou todos os componentes num combate que durou 11 meses, com a morte de cerca de 20 mil sertanejos e 5 mil soldados, em 4 expedições, e a destruição total do Arraial de Canudos.

Além do culto à sua memória realizada anualmente com a “Semana Euclidiana” em Cantagalo (RJ), São José do Rio Pardo (SP) e São Carlos (SP) e encontrar-se inscrito no “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”, a vida e obra de Euclides da cunha tem sido explorada em diversos formatos: filmes, documentários e teatro. Um resumo conciso pode ser visto no site http://euclidesite.com.br. São diversas também as biografias: A vida dramática de Euclides da Cunha (1938), de Eloy Pontes, pela Ed. José Olympio; A glória de Euclides da Cunha (1940), de Francisco Venancio Fº, pela Cia. Editora Nacional; Euclides da Cunha (1966), de Sylvio Rabello, pela Ed. Civilização Brasileira; Retrato interrompido da vida de Euclides da Cunha (2003), de Roberto Ventura, pela Cia. das Letras.

 


José Domingos Brito - Memorial segunda, 20 de maio de 2024

AS BRASILEIRAS: Emília Viotti (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

AS BRASILEIRAS: Emília Viotti

José Domingos Brito

Emília Viotti da Costa nasceu em 28/2/1928, em São Paulo, SP. Historiadora e professora, ficou conhecida como “grande dama da historiografia nacional”. Seu livro Da senzala à colônia (1966) é considerado referência obrigatória no estudo deste período. Lançou novos rumos na análise histórica da diáspora africana e da escravidão no Brasil e América Latina.

Filha de um português com uma brasileira com formação política, empresarial e artística. Seu avô foi presidente das províncias do Paraná e Maranhão e senador pelo estado de São Paulo, em meados do século XIX. Concluiu o curso de história pela USP-Universidade de São Paulo, em 1951. Em seguida cursou história medieval, moderna e contemporânea na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ituverava, SP, em 1951-1953. Continuou os estudos de história na École Pratique des Hautes Études, em Paris, no período 1953-1956, através de uma bolsa de estudos concedida pelo governo francês.

De volta ao Brasil, retomou os estudos na USP, onde concluiu os cursos de mestrado e doutorado e foi professora de 1964 a 1969. Defendeu tese de livre-docência intitulada Escravidão nas áreas cafeeiras, aspectos econômicos, sociais, políticos e ideológicos da transição do trabalho servil para o trabalho livre, renovando as pesquisas sobre a Abolição. Em 1968 fez severas críticas a reforma universitária promovida pelo governo ditatorial; realizou palestras sobre “A Crise da Universidade” e debateu o tema, em programa de TV, com o Ministro da Educação, Tarso Dutra. Foi presa no ano seguinte junto com outros colegas; aposentada compulsoriamente pelo AI-5 e afastada da USP.

Não podendo mais lecionar aqui, mudou-se para os EUA, onde foi professora de história da América Latina nas universidades de Yale, Tulane e Illinois no período 1973-1999. Retornou ao Brasil e passou integrar o Conselho Consultivo da USP, enquanto lecionava na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Mais tarde recebeu o título de professora emérita desta faculdade e da Universidade de Yale, onde foi também diretora do Programa de Estudos da Mulher e do Conselho de Estudos Latino-Americanos.

Além do citado Da senzala à colônia, publicou Da Monarquia à República: momentos decisivos, pela Editora Unesp, analisando o processo que levou à República, na tentativa de compreender a subsequente marginalização de amplos setores da população brasileira; Coroas de glória, lágrimas e sangue, pela Cia. das Letras, uma reconstrução das maiores revoltas de escravos, ocorrida na Guiana inglesa em 1823. Seu último livro O Supremo Tribunal Federal e a construção da cidadania (2001), pela Editora Unesp, colocou o poder judiciário em primeiro plano ao analisar a história política do Brasil.

Sua carreira acadêmica no exterior permitiu formar pesquisadores norte-americanos que se tornaram importantes brasilianistas, entre eles John French e Barbara Weinstein, que foi fazer seu doutorado em Yale sobre a Argentina e, com as aulas de Emília, acabou optando por pesquisar o Brasil e declarou: “Ela me mostrou que o país oferecia um campo rico para investigar questões da história do trabalho e que era impossível entender a classe operária sem estudar a trajetória dos empresários”.

O filósofo Jézio Gutierre considera que uma das suas preocupações centrais foi entender questões contemporâneas do Brasil olhando para aspectos do passado. “Emília se incomodava com historiadores que se debruçavam sobre a história antiga sem pensar nas consequências à vida contemporânea”. É desta perspectiva que Emília via e estudava a História.

De uma conversa com sua colega, a historiadora Zilda Márcia Grícoli Iokoi, a respeito das manifestações que sacudiram o Brasil em 2013 e 2015, brotou a preocupação, levantada por Emília, que as escolhas feitas por cidadãos de um país estão ligadas diretamente à concepção de mundo da qual se dispõe. A partir daí, para entender como esse processo de seleção se dá, nasceu o livro A escrita do historiador: cosmovisões em conflitos, organizado pela colega historiadora e lançado pela Editora Unesp em 2018. A reunião de artigos presta uma homenagem à professora Emília Viotti da Costa, que, falecida em 2017, não pôde ver o trabalho concluído. Segundo sua colega “Para ela, as questões eram mais amplas e resultado de desigualdades mais profundas, de resquícios coloniais”.

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 19 de maio de 2024

OS BRASILEIROS: Padre João Maria (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

OS BRASILEIROS: Padre João Maria

José Domingos Brito

João Maria Cavalcanti de Brito, mais conhecido como Padre João Maria, nasceu em 23/6/1848, em Caicó, RN. Sacerdote, médico, jornalista e assistente social, reconhecido como santo em Natal, RN, conta com um processo de Beatificação aberto em 2002. Teve atuação destacada na grande seca de 1877 e na abolição da escravatura, quando foi apelidado de “Pai dos negros forros’.

 

Filho de Ana de Barros Cavalcanti e Amaro Soares de Brito, Estudou no Seminário de Olinda, PE; concluiu o curso teológico no Seminário da Prainha, em Fortaleza, onde foi colega do Padre Cícero Romão, e foi ordenado sacerdote em 30/11/1871. Sua família pobre e respeitada na vizinhança, contou com a ajuda financeira de fazendeiros amigos para custear seus estudos. Ralizou sua primeira missa aos 23 anos; foi vigário de algumas cidades e assumiu a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação, antiga Catedral de Natal, onde criou a Escola São Vicente, para crianças pobres e fundou a imprensa católica, com a edição do jornal “Oito de Setembro”.

Era “médico” prático e ministrava medicação natural para os enfermos e cuidava das crianças, particularmente no cuidado com a higiene e prevenção de doenças. Em 1883 foi eleito presidente da Sociedade Libertadora Norte-Riograndense, e publicou o “Boletim da Libertação Norte-Riograndense”, motivo que lhe rendeu o apelido de “Pai dos Negros Forros”.

Ficou conhecido pelo trabalho em prol dos mais pobres; na luta contra a escravidão e a seca e no combate à variola, numa grande epidemia em 1905, da qual foi vítima em 16/10/1905. Era um padre querido pela povo, tendo batizado milhares de natalenses, entre os quais o historiador e folclorista Luís da Câmara Cascudo, em 1901.

Seu falecimento causou um abalo em Natal e pouco depois foi homenageado com um busto erguido na praça, que hoje leva seu nome, atrás da antiga catedral. Em 7/8/1979 seus restos mortais foram transladados do Cemitério do Alecrim para a Igreja de Nossa Senhora de Loudes. Sua vida ficou registrada em romance e poesia nos livros de Wanderley, R.C. Romance da vida e dos milagres do Padre João Maria (1968) e Costa, G. Padre João Maria: o santo de Natal na poesia (1999).

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 05 de maio de 2024

AS BRASILEIRAS: Ercília Cobra (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

AS BRASILEIRAS: Ercília Cobra

José Domingos Brito

Ercília Nogueira Cobra nasceu em Mococa, SP, em 1/10/1891. Escritora, jornalista e uma das pioneiras do movimento feminista. Combateu, através da publicação de dois livros com seus próprios recursos, a obrigatoriedade de manutenção da virgindade até o casamento, com veemência estampada nos títulos: Virgindade Anti-Higiênica: preconceitos e convenções hipócritas (1924) e Virgindade Inútil: novela de uma revoltada (1927)

Filha de Jesuína Ribeiro da Silva e do deputado Amador Brandão Nogueira Cobra, tradicional família de cafeicultores paulistas. Com a morte do pai, a família foi à falência e perdeu a Fazenda Paraíba. Vivia na capital, mas teve que voltar a viver em Mococa. Não se adaptando à vida no interior, planejou uma fuga junto com a irmã mais velha. Em seguida foram localizadas num circo na cidade de Santos.

A pedido da mãe e por ordem do Secretário de Segurança, foram enviadas para um colégio interno de freiras, o Asilo Bom Pastor, quando teve o nome mudado para Maria Madalena, aos 17 anos. Aí permaneceu por 4 meses até 20/7/1909. As irmãs foram estudar em Pirassununga e eram consideradas indisciplinadas e inteligentes. Conta uma neta da família que as duas foram chamadas a depor na delegacia, e começaram a falar entre si em francês. O delegado interveio na conversa também em francês. As duas logo passaram a falar em alemão.

Em 1915 foi diplomada professora; passou num concurso para dar aulas em Mogi Guaçu, mas não assumiu o cargo. Passou a escrever para o jornal anarquista Giesta e viajar, chegando a conhecer o Rio de Janeiro, Buenos Aires e Paris na década de 1920. Pouco depois publicou o ensaio Virgindade anti-higiênica: preconceitos e convenções hipócritas (1924), publicado em tom de manifesto pela editora de Monteiro Lobato, causou polêmica no meio social. Sua crítica ao tabu da virgindade baseava-se na psicanálise, como antinatural e causadora de distúrbios psíquicos. O livro, visto como uma crítica acirrada à religião, ao casamento e à educação da mulher, foi retirado de circulação.

Em 1926 mandou uma carta para a revista O Malho, criticando o atraso da sociedade brasileira e exaltando os franceses pelo avanço contra a desigualdade de gênero naquele país. No ano seguinte publicou outro livro, agora como ficção: A virgindade Inútil: novela de uma revoltada (1927), causando nova polêmica. Cláudia, a protagonista da novela, ao perder a virgindade numa viagem de trem, torna-se legalmente maior de idade e em seguida caiu na prostituição. Sobre esta condição, declarou em seu ensaio que “90% das mulheres que estão nos prostíbulos não caíram por vício, mas por necessidade”. Claudia demonstra certa liberdade sexual através de relações homo e heterossexuais.

Seus textos eram diretos e vistos como agressivos: “Filhos são criaturas humanas, que se não nascem sob boa orientação, vão encher cadeias e prostíbulos…” “Bendita a mulher francesa, já que os milhões de operários sem emprego que enchem a Europa não são oriundos dela…” “Os cem mil morféticos que perambulam pelo Brasil têm origem na criminosa fecundidade irrefletida…”. Durante o Estado Novo, foi presa em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul. Não sabemos as razões destas prisões. Mas, sabe-se que foi interrogada nua e uma parente conta que ela tentou o suicídio numa destas ocasiões. Cansada e marginalizada no meio social, mudou-se, aos 43 anos, para Caxias do Sul; adotou o nome de Suzana Germano e abriu a “Pensão Royal”, um cabaré na zona do meretrício.

Mantinha correspondência com sua mãe e em 1934 enviou uma carta dizendo que “relativamente fui uma pessoa feliz. Fiz o que quis na vida, e continuo fazendo o que eu quero! Os preconceitos estúpidos desta sociedade em decadência a qual a Senhora pertence nunca me incomodaram”. Documentos policiais da época demonstram críticas da sociedade contra o cabaré, citando “fatos que depõem a moral e os bons costumes”. O promotor público classificou o local como “antro de perdição” e sua proprietária como “desavergonhada”. No início da década de 1940, a pensão mudou-se do centro para a periferia da cidade, devido a um abaixo-assinado da vizinhança. Em seguida sua casa foi penhorada pela Prefeitura, devido aos atrasos no pagamento de impostos. Não se tem notícia do local e data de sua morte. A última informação, em 1940, consta que um oficial de justiça ao cumprir um mandado na Pensão Royal, certifica que ela não morava mais em Caxias do Sul.

Em agosto de 1986, a pesquisadora Maria Lúcia de Barros Mott publicou o artigo Biografia de uma revoltada: Ercília Nogueira Cobra nos “Cadernos de Pesquisa da Fundação Carlos Chagas”, nº 58, p.89-104. Em 2016, Daniele de Medeiros Souza apresentou a dissertação de mestrado em Ciências Sociais na UFRN com o título O grito do silêncio na obra de Ercília Nogueira Cobra: de mulher demoníaca a feminista pioneira. Apesar de não ter recebido nenhuma homenagem em sua cidade natal, seu nome foi dado a uma escola pública em São Vicente, SP.


José Domingos Brito - Memorial domingo, 28 de abril de 2024

OS BRASILEIROS: Vinícius de Moraes II (CRÔNICA DO CLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

OS BRASILEIROS: Vinícius de Moraes II

José Domingos Brito

Em 1959 surge a “Bossa Nova”, com o álbum-disco “Canção do Amor Demais”, gravado por Elizeth Cardoso, contendo a música “Chega de saudade” e uma nova batida de violão tocada por João Gilberto. A música é fundamental no movimento, tornando-o famoso em todo o mundo. Enquanto suas músicas faziam sucesso por aqui, ele servia ao Itamaraty em Montevideo no periodo 1957-1960. De volta ao Brasil, inaugurou o Teatro Santa Rosa, em 1961, com a peça Procura-se uma rosa, em parceria com Pedro Bloch e Glaucio Gil. Em 1962 gravou Garota de Ipanema, a 2ª música mais executada do mundo depois de Yesterday, dos Beatles.

A peça foi transposta para o cinema italiano: Una rosa per tutti, estrelado por Claudia Cardinale. Na poesia publicou mais 3 livros: Antologia Poética, Procura-se Uma Rosa e Para Viver Um Grande Amor. Mas continuou na música com a gravação de discos junto com os amigos: “Vinicus e Odete Lara” e “Elizabeth interpreta Vinicius” ambos em 1963. Em 1965 inscreveu duas músicas no 1º Festival da Música Popular Brasileira: Arrastão, em parceria com Edu Lobo e defendida por Elis Regina, ficou em 1º lugar e Valsa do amor que não vem, em parceria com Baden Powell, defendida por Elizeth Cardoso, ficou com o 2º lugar.

No mesmo ano foi homenageado com o show “Vinicius: poesia e canção” no Teatro Municipal de São Paulo, com apresentações de Carlos Lyra, Edu Lobo, Luis Eça, Francis Hime, Ciro Monteiro e Baden Powell acompanhados pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. No ano seguinte lançou o álbum “Os Afro-Sambas” e participou do concerto “Pois é” no Teatro Opinião ao lado de Maria Bethânia e Gilberto Gil em sua primeira apresentação.

Ainda em 1966 foi convidado a participar do júri do Festival de Cannes. Na ocasião descobriu que sua canção Samba da Benção foi utilizada, sem créditos, no filme Um homem e uma mulher, dirigido por Claude Lelouch. Diante da ameaça de processo, Lelouch creditou a música. Em seguida se deu a estreia do filme Garota de Ipanema, baseado na canção homônima. Em 13/12/1968 deu-se o recrudescimento da ditadura militar com o AI-5. Neste dia, encontrava-se num show em Portugal, quando soube pelos jornais. Aproveitou o instante para fazer um protesto na apresentação e declamou seu poema Pátria Minha, tendo Baden Powell dedilhando o Hino Nacional no violão. Esse protesto lhe rendeu a exoneração do Itamaraty, por ordem direta do presidente Costa e Silva.

Ao fim do espetáculo, estudantes salazaristas ficaram na porta do Teatro para protestar contra o poeta. Foi aconselhado a se retirar pela porta dos fundos, mas ele decidiu enfrentar a turba e declamou Poética I: “De manhã escureço / De dia tardo / De tarde anoiteço / De noite ardo”. Um dos manifestantes tirou a capa acadêmica e colocou no chão para que ele passasse sobre ela, ato imitado por todos os estudantes. Por essa época fez uma parceria com Toquinho e gravou algumas canções: Tarde em Itapoã, Testamento e Como dizia o poeta, entre outras. Em 1970 se apresentaram num show no “Canecão”, que ficou quase um ano em cartaz. A dupla realizou shows em diversas cidades brasileiras e lançou o primeiro LP em 1971.

No ano seguinte lançaram o segundo: “São demais os perigos dessa vida”. Outros discos da dupla foram lançados até 1978, quando saiu o álbum “10 anos de Toquinho e Vinicius”, coletânea de uma década de trabalhos em parceria. Em 1979, convidado pelo líder sindical Luís Inácio Lula da Silva, declamou o poema O operário em construção na Assembleia do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Em 9/7/1980 sentiu-se mal na banheira e faleceu pouco depois enquanto planejava o lançamento do álbum “Arca de Noé” nº 2. A primeira homenagem que recebeu foi seu nome dado a uma rua do bairro de Ipanema. A rua repleta de bares e restaurantes também abriga a “Toca do Vinicius”, uma loja de discos especializada em Bossa nova. Novos relançamentos se deram por mais de 10 anos após o falecimento, dado a riqueza de seu legado: os álbuns “Toquinho, Vinicius e Maria Creuza: O Grande Encontro (1988) e “A História dos Shows Inesquecíveis – Poeta, Moça e Violão: Vinicius, Clara e Toquinho” (1991).

Foram lançados também livros sobre o poeta: Vinicius de Moraes – Livro de Letras, de José Castello, em 1993; a biografia Vinicius de Moraes: o poeta da paixão, também de José Castello, em 1994, pela Ed. Companhia das Letras; outra biografia Vinicius de Moraes, de Geraldo Carneiro; uma edição em 3 volumes do Songbook Vinicius de Moraes, de Almir Chediak, em 1993 e Poesia completa e prosa, organizado por Alexei Bueno, em 1998, pela Ed. Nova Aguilar. Foi homenageado com um show, em 2000, ao completar 20 anos de sua morte, na Praia de Ipanema, com participação da Orquestra Sinfônica Brasileira e grande elenco de cantores interpretando suas canções. Em 2003, quando completaria 90 anos, foram lançados vários projetos e seu website oficial. Em 2005, a música Garota de Ipanema entrou na galeria das 50 grandes obras musicais da Humanidade pela Biblioteca do Congresso dos EUA.

No mesmo ano, na abertura do 7º Festival do Rio, esteou o documentário Vinicius, dirigido por Miguel Faria Jr. e participação de Chico Buarque, Caetano Veloso e Maria Bethânia entre outros. No ano seguinte, foi lançada a caixa “Vinícius de Moraes & Amigos”, com 5 álbuns do poeta, contendo 70 canções gravadas por vários intérpretes, biografia e letras das canções. 30 anos após sua morte o poeta foi reabilitado pela Lei 12.265 de 21/6/2010 e promovido a ministro de primeira classe, cargo equivalente ao de embaixador. Em 2011, a Escola de Samba Império Serrano saiu no carnaval com o enredo “A Benção, Vinicius”.

 

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 21 de abril de 2024

OS BRASILEIROS: Vinícius de Moraes I (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO!

 

OS BRASILEIROS: Vinícius de Moraes I

José Domingos Brito

Marcus Vinícius da Cruz de Mello Moraes nasceu em 19/10/1913, no Rio de Janeiro. Diplomata, jornalista, advogado, cantor, compositor, dramaturgo, crítico de cinema e essencialmente poeta lírico notabilizado pelos seus sonetos. Ficou célebre, também, como boêmio inveterado, “casadoiro” e um grande conquistador.

Filho de Lydia Cruz de Moraes, pianista amadora, e Clodoaldo Pereira da Silva Moraes, funcionário público, poeta e violinista amador, teve os primeiro estudos na Escola Afrânio Peixoto, onde rabiscou os primeiros poemas. Em 1924 ingressou no Colégio Santo Inácio; entrou no coral e começou a fazer pequenas peças de teatro. Em seguida fez amizade com os irmãos Campos e Paulo Tapajós e compôs os primeiros poemas.

Ingressou na Faculdade Nacional de Direito em 1929 e graduou-se advogado em 1933. Durante o curso tornou-se amigo do escritor Otávio de Faria, que estimulou sua carreira literária e promoveu seu ingresso no movimento nacionalista “Ação Integralista Brasileira”. Por um breve período, trabalhou como censor de cinema no Ministério da Educação e Saúde e em 1937 publicou Soneto de Katherine Mansfield, na revista Anauê! No ano seguinte ganhou uma bolsa do Conselho Britânico para estudar língua e literatura inglesa na Universidade de Oxford. Retornou ao Brasil em 1949 e passou a trabalhar no jornal A Manhã, como crítico de cinema.

Foi também colaborador da revista Clima e prestou concurso para diplomata no MRE-Ministério das Relações Exteriores, em 1942, mas não passou. Tentou de novo no ano seguinte e foi aprovado. Assumiu o posto de vice-cônsul em Los Ageles, EUA, em 1946, e retornu ao Brasil em 1950, com a morte do pai. Na década de 1950 atuou como diplomata em Paris e Roma, onde mantinha animados encontros na casa de seu amigo Sergio Buarque de Holanda.

Em fins de 1968 foi aposentado compulsoriamente pelo AI-5 e afastado da diplomacia. O motivo alegado foi seu comportamento boêmio, que comprometia suas funções. Mas, foi anistiado (post-mortem) em 1998. Em 2010 recebeu promoção póstuma ao cargo de ministro de primeira classe do MRE. O cargo -o mais alto da carreira diplomática- equivale a embaixador. Sempre apaixonado, casou-se nove vezes e manteve uma vasta obra na literatura, teatro, cinema e música e dizia que a poesia foi sua primeira maior vocação. Dizia também que suas outras artes derivam do fato de ser poeta.

Na música teve como parceiros a nata da MPB: Tom Jobim, Chico Buarque, Toquinho, Baden Poweel, João Gilberto, Carlos Lyra, Antonio Maria… João Cabral de Melo Neto, que dizia não gostar de música, opinou: “se ele não fizesse tanta musiquinha, seria um poeta ainda maior”, que ganhou gargalhadas do poeta. Vinicius foi prolífico tanto como compositor como poeta. Em fins da década de 1920 compôs 10 canções gravadas pelos Irmãos Tapajós, em 1932. No ano seguinte lançou o primeiro livro de poemas: O Caminho para a distância e continuou produzindo canções e poemas simultaneamente.

Por esta época fez amizade com Manuel Bandeira, Mário de Andrade e Oswald de Andrade e passou por uma fase mística, quando ganhou o “Prêmio Felipe D’Oliveira” pelo livro Forma e Exegese (1935). Em seguida lançou Ariana, a Mulher (1936), uma temática que passou a predominar em sua carreira. Na década de 1940 deu-se uma mudança de fase e passou a escrever em linguagem mais simples e sensual abordando, eventualmente, temas sociais. Publicou os livros Cinco Elegias (1943) e Poemas, Sonetos e Baladas (1946). Além de poeta e compositor, atuou como jornalista e crítico de cinema, chegando a lançar, em 1947, a revista Filme, junto com o cineasta Alex Vianny.

Pouco antes viajou pelo Nordeste junto o escritor americano Waldo Frank e, vendo a seca e a pobreza nordestina, passa a se influenciar pelos ideais comunistas. Em seguida foi para os EUA, como diplomata, numa curta temporada e retorna ao Brasil no inicio da década de 1950. Gravou seu primeiro samba – Quando tu passas por mim -, em 1953, com Aracy de Almeida em parceria com Antonio Maria. No mesmo ano foi para Paris trabalhar na embaixada brasileira.

No ano seguinte publicou Antologia Poética e a peça Orfeu da Conceição. Na busca de alguèm para musicar a peça, encontrou Antonio Carlos Jobim, um jovem pianista, dando origem a uma fecunda parceria, de onde sairam: Garota de Ipanema, Eu sei que vou te amar, Lamento no morro, Chega de Saudade entre outras. A peça deu origem a dois filmes (1): “Orfeu Negro”, uma produção ítalo-franco-brassileira, em 1959, dirigido por Marcel Camus, premiado com o Oscar de melhor filme estrangeiro e Palma de Ouro no Festival de Cannes e (2) “Orfeu”, em 1999, dirigido por Cacá Diegues.

 

Continua no próximo domingo

 

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial segunda, 15 de abril de 2024

AS BRASILEIRAS: Aracy Rosa (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ COMINGOS BRITO)

AS BRASILEIRAS: Aracy Rosa

José Domingos Brito

Aracy Moebius de Carvalho Guimarães Rosa nasceu em Rio Negro, PR, em 5/12/1908. Diplomata e poliglota, trabalhou no consulado brasileiro em Hamburgo, Alemanha. Ficou conhecida como “O Anjo de Hamburgo”, devido a ajuda que prestou a muitos judeus a entrarem ilegalmente no Brasil a partir de 1938, com a proibição estabelecida no Governo Vargas.

Filha de Sidonie Moebius de Carvalho e Amadeu Anselmo de Carvalho, dono do Grande Hotel de Guarujá, onde passou a infância. Casou-se aos 22 anos com Johann Eduard Ludwig Tess, com quem teve um filho e separou-se 5 anos depois, indo morar com a tia na Alemanha. Dominando 4 idiomas, foi trabalhar no consulado brasileiro, chefiando a Seção de Passaportes. Em 1938 passou a vigorar no Brasil a circular secreta nº 1.127, restringindo a entrada de judeus no País. Ela ignorou a restrição e não colocava a letra “J”, identificando quem era judeu, nos vistos de entrada, permitindo com isto a livre entrada no Brasil.

Por essa época conheceu João Guimarães Rosa, cônsul adjunto, e passaram viver juntos até 1942, quando o Brasil rompeu relações diplomáticas com a Alemanha e apoiou os países aliados na II Guerra Mundial. Devido a eclosão da guerra, o retorno ao Brasil teve algumas dificuldades. Ficaram 4 meses sob custódia do governo alemão e só foram liberados após uma troca por diplomatas alemães. Como ambos eram divorciados, tiveram que se casar no México.

Aracy ficou conhecida pela ajuda que prestou aos judeus, salvando-os do Holocausto. Mas pouco se fala de sua importância na vida do marido como escritor. As pesquisadoras Elza Miné, da USP-Universidade de São Paulo, e Neuma Cavalcanti, da UFC-Universidade Federal do Ceará, estudaram as cartas do casal e encontraram informações reveladoras: “Serás tudo para mim: mulher, amante e companheira. Sim, querida, hás de ajudar-me a escrever os nossos livros. Tu mesma não sabes o que vales. Eu sei. Serás, além de inspiradora, uma colaboradora valiosa, apesar ou talvez mesmo por não teres pretensões de ‘literata pedante”, escreveu Rosa em 1942.

Noutra carta, de 1946, escreveu: “O teu, o nosso Sagarana está quase pronto. Pegue um exemplar para nós. Seria uma alegria dupla: a chegada de ARA e SAGARANA. Mas em caso de perigo, joga fora o Sagarana e venha só a ARA, que é 300 bilhões de vezes mais importante para mim”. Sua obra prima Grande Sertão: Veredas foi dedicada a ela em 1956. Conta-se que ela não apenas revisava os textos do escritor; eventualmente modificava algumas partes.

Anos depois ela voltou a ajudar perseguidos políticos. Em 1964, após o Golpe Militar, deu guarida a alguns intelectuais e compositores, como Geraldo Vandré, de cuja tia Aracy era amiga. Em 8/7/1982, o governo de Israel incluiu seu nome no Jardim dos “Justos entre as Nações” do Museu do Holocausto, devido a sua bravura na salvação de muitos judeus do extermínio comandado pelo nazismo. A homenagem foi realizada, também, no Museu do Holocausto de Washington, nos EUA.

Ficou viúva em 1967 e mais tarde foi acometida pelo mal de Alzheimer, vindo a falecer em 28/2/2011, aos 102 anos. Foi sepultada no Mausoléu da ABL-Academia Brasileira de Letras, ao lado de seu marido. No mesmo ano a historiadora Mônica Schpun lançou sua biografia enfatizando o feito heroico: Justa: Aracy de Carvalho e o Resgate de Judeus: Trocando a Alemanha Nazista pelo Brasil, publicado pela editora Civilização Brasileira, em 2011.

A história de Aracy foi retratada também no documentário “Esse viver ninguém me tira”, de Caco Ciocler, produzido em 2014, à disposição no Youtube. O governo brasileiro entrou no rol das homenagens, em 2019, quando os Correios fizeram circular 54 mil selos especiais com sua imagem estampada. Mais tarde, a TV Globo em parceria com a Sony Pictures Television, exibiu a minissérie Passaporte para a liberdade, em 2021, mostrando sua trajetória.

 

 

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 31 de março de 2024

FELIZ PÁSCOA (REFLEXÃO DO COLUNISTA JOÃO PAULINO QUARTAROLA)

 

F E L I Z P Á S C O A
 
QUE NESTA PÁSCOA O CRISTO RESSUSCITADO FAÇA RENASCER EM CADA UM DE NÓS UM NOVO SER, COM MUITA SABEDORIA, PARA COLOCARMOS EM PRÁTICA O BEM E O AMOR A TODOS OS NOSSOS IRMÃOS DE JORNADA DO PLANETA TERRA!
João Paulino Quartarola
 
 
 
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José Domingos Brito - Memorial domingo, 31 de março de 2024

AS BRASILEIRAS: Ana Barandas (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

AS BRASILEIRAS: Ana Barandas

José Domingos Btrito

Ana Belmira da Fonseca Barandas ou Ana Eurídice Eufrosina de Barandas, seu nome literário, nasceu em Porto Alegre, RS, em 8/9/1806. Segundo a historiadora Hilda Flores, “é a primeira mulher poeta-cronista-novelista do Brasil”; para Maria Helena de Bairros “foi uma das introdutoras da forma narrativa na literatura sulina e brasileira” e segundo Sergio Barcelos Ximenes, Eugênia ou a filósofa apaixonada (1845) é a primeira história de ficção de escritora brasileira e Diálogos (1845), o primeiro texto feminista do teatro nacional”.

A pioneira da literatura feminina e feminista no País era filha de Ana Felícia do Nascimento e Joaquim da Fonseca Barandas, um casal de portugueses. O pai, cirurgião culto, amealhou considerável riqueza e possibilitou refinada educação literária e musical à filha. Casou-se em 1822 com o advogado português José Joaquim Pena Penalta e viveram alternadamente no Rio de Janeiro e Porto Alegre até 1843, quando se deu a separação do casal.

Após a morte do pai, em 1850, ela assumiu a chefia da família. Seu primeiro contato com o feminismo se deu com a leitura do livro Direitos das mulheres e injustiça dos homens (1832), escrito por Nísia Floresta (1810-1885), de quem se tornou amiga. Na Revolução Farroupilha (1835-1845, tomou partido a favor do Império contra o separatismo. Em 1845 publicou o livro O ramalhete, ou flores escolhidas no jardim da imaginação, reeditado pela historiadora Hilda Flores, em 1990, e lançado pela Editora Nova Dimensão/EDIPUCRS.

Trata-se de uma coletânea de poesias, crônicas e contos escritos ao longo da década anterior, onde expressa o amor, suas alegrias e desilusões; a experiência da guerra; o patriotismo numa reflexão filosófica e crítica social. Segundo os críticos, “registra-se em sua obra um certo grau de erudição e um desejo de filiar-se a uma tradição pelo fato de ter invocado figuras mitológicas para traduzir a fatalidade das situações e dos atos humanos”.

O caráter feminista de sua obra foi acentuado no texto Diálogos, uma argumentação que se contrapõe ao machismo dominante. Uma batalha intelectual entre os personagens Mariana (a própria autora), Huberto (o pai ultra-conservador) e Alfredo, o primo conciliador que aceita em parte as mudanças e inovações impostas pela Revolução Farroupilha. No conto Eugênia ou a filósofa apaixonada, ela se posiciona contra o casamento arranjado pelos pais, um costume comum na época.

No texto A filosofia por amor, defendeu que as mulheres passassem a participar das preocupações políticas, ou seja, daquilo que diretamente influenciava a vida da mulher, de seus maridos e filhos. De resto, uma preocupação compreensivel em tempos de guerra. Ainda segundo Maria Helena de Bairros Campos, em sua tese de doutorado “A produção de poesia lírica das mulheres sul-riograndenses: uma escrita amarfanhada” defendida em 2004, na PUC/RGS, ela “fez uso da temática da guerra como mote para a criação literária”.

Faleceu em 23/6/1863 e não dispomos de uma biografia da autora, mas contamos com um estudo bio-bibliográfico: Ana Eurídice Eufrosina de Barandas, escrito por Hilda Agnes Flores, publicado em “Travessia – Revista de Literatura Brasileira”, nº 23, 1991. Clique aqui para acessar.


José Domingos Brito - Memorial domingo, 24 de março de 2024

OS BRASILEIROS: Leonel Brizola (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

OS BRASILEIROS: Leonel Brizola

José Domingos Brito

Leonel de Moura Brizola nasceu em 22/1/1922, em Carazinho, RS. Engenheiro e político, exerceu destacada liderança como prefeito, secretário de obras públicas, deputado estadual e federal e, por fim, como governador do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro no final do século XX. Foi um dos principais políticos ligados ao movimento trabalhista e fundador do PDT-Partido Democrático Trabalhista.

 

 

Filho de Onívia de Moura e José Oliveira dos Santos Brizola, assassinado em 1923. A mãe perdeu o marido e as terras e passou por dificuldades para manter a família. Aos 10 anos Brizola foi morar num hotel, onde lavava os pratos e carregava malas em troca da moradia. Pouco depois ganhou uma bolsa de estudos e concluiu o curso primário no Colégio da Igreja Metodista. Aos 14 anos mudou-se para Porto Alegre, trabalhou como engraxate, ascensorista e fez um curso de técnico rural. Participou de concurso público e trabalhou no Ministério da Agricultura e Prefeitura de Porto Alegre entre outros empregos.

Aos 17 anos ingressou no curso de engenharia civil da UFRGS, concluído em 1949. Durante o curso, organizou a ala jovem do PTB – Partido Trabalhista Brasileiro e conheceu Neusa Goulart -irmã do futuro presidente João Goulart-, com quem casou-se em 1950. O casamento em São Borja teve Getúlio Vargas como padrinho. Deputado estadual em 1947, foi secretário de Obras Públicas, em 1952, com atuação relevante no Primeiro Plano de Obras do estado, com obras de infraestrutura, rodovias e saneamento básico. Em 1954 foi eleito deputado federal com grande votação. No ano seguinte fundou e dirigiu o tabloide O Clarim, para comunicar e obter apoio aos seus projetos.

Em seguida foi eleito prefeito de Porto Alegre com o slogan “Nenhuma criança sem escola”. Ampliou o número de vagas na rede de ensino e urbanizou grande parte dos trechos próximos ao Rio Guaíba. Como governador do Estado, em 1959, recebeu o apelido de “lobisomem” por comandar, à noite, um programa na Rádio Farroupilha para prestar contas ao eleitorado. Era um orador articulado e se utilizou do poder de comunicação do rádio. Quando assumiu o governo, o déficit no ensino público era de 270 mil vagas. Assim, fez um acordo com as escolas privadas, em troca de professores do estado e verbas públicas, para disponibilizar vagas gratuitas aos mais pobres.

Ao término de seu mandado haviam sido construídos 6302 estabelecimentos, dos quais 5902 eram escolas primárias; 278 escolas técnicas e 122 ginásios (as chamadas “Brizoletas”). na época, o Rio Grande do Sul passou a ter a maior taxa de escolaridade do País. Seu governo priorizou também uma política de investimentos com capital nacional e encampou empresas multinacionais, como a Bond and Share (energia) e ITT-International Telephone and Telegraph, causando problemas nas relações Brasil-EUA. Criou também o IGRA-Instituto Gaúcho de Reforma Agrária para solucionar o problema da propriedade da terra no Estado, fornecendo recursos e equipamentos aos agricultores. Ampliou a reforma agrária doando mais de mil hectares de suas terras, na Fazenda Pangaré, a um grupo de famílias e deu início a uma cooperativa agrícola.

Em agosto de 1961, quando os militares tentaram impedir a posse de João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros, ele criou a “Campanha da Legalidade”, através de um grupo de estações de rádio para garantir a posse do novo presidente. Para isso, fez do Palácio Piratini uma trincheira, contando com o apoio do Exército regional, e chegou a armar parte da população civil para impedir o golpe. Os militares ordenaram o bombardeio do Palácio, mas a ordem não foi cumprida pelos sargentos e suboficiais da Base Aérea de Canoas. Após doze dias de uma guerra civil iminente, Goulart aceitou a proposta dos militares e foi empossado presidente.

Em 1962 mudou-se para o Rio de Janeiro, onde elegeu-se deputado federal e manteve-se até o Golpe Militar de 1964, quando foi exilado no Uruguai e pouco depois passou a viver na Europa. Após 15 anos de exílio, retornou ao Brasil com o decreto da Anistia em 1979. Lutou pela retomada da sigla PTB, mas perdeu-a para Ivete Vargas, e fundou o PDT-Partido Democrático Trabalhista. Foi eleito governador do Rio de Janeiro em 1982, tendo Darcy Ribeiro como vice e ocupando algumas secretarias. Em sua gestão foram construídos o “Sambódromo”, que abriga escolas de 1º e 2º grau. 127 CIEPs-Centro Integrado de Educação Pública, projetados por Oscar Niemayer, UENF-Universidade Estadual do Norte Fluminense, Biblioteca Pública Estadual entre outras destacadas obras. Foi candidato na eleição presidencial de 1989, sem êxito, e voltou a governar o Rio de Janeiro, em 1990, eleito no primeiro turno.

Para ele, o trabalhismo era uma doutrina política que se contrapunha ao comunismo, que surgia em Cuba na década de 1960. Já em 1958 deixou claro em seu manifesto que “o trabalhismo se inspira na doutrina social cristã; o comunismo é a abolição da propriedade; o trabalhismo defende a propriedade dentro de um fim social; o comunismo escraviza o homem ao Estado e prescreve o regime de garantia do trabalho; o trabalhismo é a dignificação do trabalho e não tolera a exploração do homem pelo Estado nem do homem pelo homem”. Faleceu em 21/6/2004 e foi incluído no “Livro de Heróis da Pátria”, em 2015. No mesmo ano em que faleceu, o PDT aprovou a incorporação de seu nome à Fundação que ajudou a criar, passando a se chamar Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini.

Os gaúchos reverenciam seu legado com uma estátua de bronze em tamanho natural, exposta nas cercanias do Palácio Piratini, em Porto Alegre. Sua vida foi narrada em algumas biografias: El caudillo – Leonel Brizola: um perfil biográfico (2008), de Francisco das Chagas Leite Filho; A razão indignada: Leonel Brizola em dois tempos (1961-1964 e 1974-2004) (2016), de Américo Freire e Jorge Ferreira; Leonel Brizola: uma biografia política (2015), de Alexandre Brust e Nilton Nascimento e Brizola (2015), relato de memórias e fatos curiosos descritos pelos amigos Clóvis Brigagão e Trajano Ribeiro.

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 17 de março de 2024

AS BRASILEIRAS: Esperança Garcia (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

AS BRASILEIRAS: Esperança Garcia

José Domingos Brito

Esperança Garcia nasceu numa fazenda de propriedade dos jesuítas, onde hoje fica o município de Nazaré do Piauí, PI, provavelmente em 1751. Escravizada e primeira mulher advogada brasileira, um título simbólico outorgado pela OAB-Ordem dos Advogados do Brasil, em 5/9/2017.

 

 

 

 

Com a expulsão dos jesuítas do Piauí, em 1759, por ordem do Marquês de Pombal, a menina de, aproximadamente, 8 anos, foi levada como escrava para a casa do capitão Antônio Vieira de Couto. Em 6/9/1770 escreveu uma carta ao então presidente da Província de São José do Piauí, Gonçalo Lourenço de Castro, denunciando maus-tratos contra ela e seu filho, pelo feitor da Fazenda Algodões. Pedia, ainda, para retornar à Fazenda, onde queria batizar sua filha.

Não se tem notícia de alguma providência tomada, mas sabe-se que pouco depois fugiu da fazenda e seu nome reapareceu numa relação de trabalhadores escravizados da Fazenda Algodões, datada de 1778, casada com o angolano Ignácio e com 7 filhos. Sua carta, redigida em 6/9/1770, é considerada a primeira petição de direito escrita por uma mulher. O documento foi descoberto no Arquivo Público do Estado do Piauí, em 1979. Devido ao caráter histórico da carta, o dia 6 de setembro é celebrado como o Dia Estadual da Consciência Negra no Piauí.

Carta na íntegra:

“Eu sou uma escrava de Vossa Senhoria da administração do Capitão Antônio Vieira do Couto, casada. Desde que o capitão lá foi administrar que me tirou da fazenda algodões, onde vivia com o meu marido, para ser cozinheira da sua casa, ainda nela passo muito mal. A primeira é que há grandes trovoadas de pancadas em um filho meu sendo uma criança que lhe fez extrair sangue pela boca, em mim não posso explicar que sou um colchão de pancadas, tanto que cai uma vez do sobrado abaixo peiada; por misericórdia de Deus escapei. A segunda estou eu e mais minhas parceiras por confessar há três anos. E uma criança minha e duas mais por batizar. Peço a Vossa Senhoria pelo amor de Deus ponha aos olhos em mim ordinando digo mandar ao procurador que mande para a fazenda aonde me tirou para eu viver com meu marido e batizar minha filha”

Aprendeu a ler e escrever provavelmente com os padres jesuítas. Após a expulsão dos jesuítas do Brasil e a mudança da fazenda para outros senhores de escravo, foi transferida para as terras do capitão Antônio Vieira de Couto. Longe do marido e dos filhos maiores, usou a escrita para reivindicar seus direitos. Sua carta reclama as violações a que foi submetida, pois desrespeitavam a lei conforme Decreto 1.695 de 1869, que proíbe a venda de escravos debaixo de pregão, separar o marido da mulher, o filho do pai da mãe, salvo quando maiores de 15 anos.

Segundo os pesquisadores a carta é um de ato de resistência, um tipo específico de resistência: uma atuação como membro da sociedade escravocrata que denuncia e pede proteção do Estado, como um Habeas Corpus, numa expressão de exercício da advocacia em nome próprio e de outras mulheres que também sofriam maus-tratos. Em 2009 foi criado em São Paulo o “Coletivo Cultural Esperança Garcia”, formado por mulheres negras e periféricas, com a finalidade de fomentar ações de educação, arte e cultura negra para pessoas em situação de vulnerabilidade, conforme o blog http://esperanca-garcia.blogspot.com

Como homenagem e reconhecimento histórico, Esperança Garcia denomina uma maternidade na cidade de Nazaré do Piauí e o auditório da UnB-Universidade de Brasília. Em 2017, o Memorial Zumbi dos Palmares, em Teresina, passou a denominar-se Memorial Esperança Garcia.] No Carnaval de 2019, a Estação Primeira de Mangueira prestou-lhe homenagem com o samba-enredo “História pra Ninar Gente Grande”. No mesmo ano foi apresentado o Projeto de Lei nº 3.772-A inscrevendo seu nome no “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria’, tendo como relatora a deputada Benedita da Silva.


José Domingos Brito - Memorial terça, 05 de março de 2024

OS BRASILEIROS: MÁRIO JURUNA (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGODS BRITO)

 

OS BRASILEIROS: Mario Juruna

José Domingos Brito

 


 

Mário Juruna, batizado Mário Dzuruna Butsé, nasceu na aldeia Xavante Namakura, próximo a Barra do Garças, MT, em 3/9/1943. Líder indígena e político ligado ao PDT-Partido Democrático Trabalhista. Foi primeiro deputado federal indígena do Brasil.

Filho de Isaías Butsé, chefe da aldeia Namakura, o principal cacique do povo Xavante. Seu primeiro contato com os brancos se deu aos 17 anos, quando sucedeu o pai na liderança da aldeia. Pouco depois passou a viajar pelo Brasil e na década de 1970 passou a frequentar a sede da FUNAI, em Brasília, em busca da demarcação das terras indígenas e fazer denúncias contra o Estatuto do Índio.

 

Tal Estatuto, nos artigos 2, 17 e 22, permitia que os povos indígenas pudessem ser removidos de suas terras, de maneira permanente ou temporária, com as seguintes condições: por imposição da segurança nacional; para a realização de obras públicas que interessem ao desenvolvimento nacional; para a exploração de riquezas do subsolo de relevante interesse para a segurança e o desenvolvimento nacional. Sua atuação e visibilidade na imprensa denunciando a precária situação dos índios fizeram com que tomasse a decisão de adotar um posicionamento mais firme e efetivo em sua luta.

Assim, em 1982 telefonou para Leonel Brizola, dirigente do PDT-Partido Democrático Trabalhista, manifestando interesse em se candidatar a deputado federal. No ano seguinte foi eleito com 31 mil votos. Uma de suas primeiras iniciativas na Câmara dos Deputados foi a criação da Comissão Permanente do Índio no Congresso Nacional, em março de 1983, que dá  início a atual Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial. A partir daí, amplifica sua atuação junto as comunidades e instituições de proteção aos povos indígenas.

Em seu primeiro discurso na Câmara Federal, declarou “Sou homem do povo, sou homem de campo, quando me criei não encontrei nem um branco, não encontrei nem um avião, nem automóvel, nem estrada; onde me criei era sertão, eu só escutava canto do passarinho, e hoje eu encontro muito pressão contra índio, e invasor, e estrada. A gente está recebendo muita pressão”.

 

Em 1980 foi convidado, junto com Darcy Ribeiro, a participar do Tribunal Bertrand Russel, na Holanda, onde denunciou os abusos que os indígenas do Brasil estavam sofrendo com a ocupação de suas terras pelos brancos e os assassinatos cometidos contra os índios. Ficou conhecido como um deputado combativo, tendo sempre um gravador portátil para registrar as conversas com políticos e autoridades, para cobrar depois o que era prometido. Não confiava nas promessas ou afirmações dos políticos. Em 1982 foi publicado o livro O Gravador do Juruna, organizado por Antônio Hofeld e Assis Hofman, publicado pela editora Mercado Aberto.

 

No prefácio, Darcy Ribeiro traça um breve perfil de Juruna:  “Como e por que este líder de uma aldeia indígena com menos de 100 pessoas se impõe, assim, a todos nós? Metade da resposta se encontra certamente na forte personalidade de Mário Juruna que faz sentir, de imediato, o seu carisma. A outra metade está na autenticidade de sua encarnação da causa indígena. Ele é a grande voz índia do Brasil que calou indigenistas, antropólogos e missionários que pretendiam interpretá-la. Depois de Rondon, os índios do Brasil têm pela primeira vez um representante incontestável: Mário Juruna”.

 

Foi um crítico ferrenho da FUNAI, que segundo ele não representava os povos indígenas adequadamente. Como Deputado, conseguiu a aprovação do projeto que alterava a composição de sua diretoria, incluindo pessoas indicadas pelas comunidades indígenas, que podiam ser índios ou indigenistas reconhecidos.

 

Em 29/3/1984, a Rede Globo dedicou o programa “Globo Repórter” à análise da questão indígena no Brasil, onde Juruna foi apresentado junto com uma entrevista realçando sua luta pela demarcação das terras. Em 1986 tentou se reeleger na Câmara Federal. Não conseguiu, mas continuou participando na política mesmo sem cargo político. Em 1994 houve nova tentativa, mas não foi eleito. No ano seguinte atuou como assessor parlamentar na Câmara dos Deputados. Sua saúde era precária -sofrendo de diabetes e artrose infecciosa- e veio a falecer em 17/7/2002.

 

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial segunda, 04 de março de 2024

AS BRASILEIRAS: Lota de Macedo Soares (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

AS BRASILEIRAS: Lota de Macedo Soares

José Domingos Brito

 

Maria Carlota Costallat de Macedo Soares, mais conhecida como Lota, nasceu 16/3/1910, em Paris, França. Arquiteta, paisagista e urbanista autodidata, fez do aterro do Flamengo um jardim -Parque do Flamengo-, consagrando o Rio de Janeiro como “Cidade Maravilhosa” na gestão do governo Carlos Lacerda, em 1960. A empreitada evitou a construção de 4 avenidas com prédios à beira-mar.

Filha de Adélia de Carvalho Costallat e José Eduardo de Macedo Soares, Tenente da Marinha baseado na Europa. A família retornou ao Brasil em 1912 e o pai fundou o jornal O Imparcial, precursor do Diário Carioca. Na década de 1920, devido as críticas que o jornal fazia ao governo, o pai teve que fugir para a Europa, onde Lota estudou até os 18 anos num colégio interno na Suíça, e retornaram ao Brasil. Na década de 1930, teve aulas de arquitetura com Carlos Leão e pintura com Candido Portinari na Universidade do Distrito Federal.

Era fã da corredora de carros Mariette Hélène Delange e chegou a participar de algumas corridas do Circuito da Gávea. Por esta época ficou conhecida no meio intelectual e artístico do Rio. Em meados de 1942, passou uma temporada em Nova Iorque e fez alguns cursos no Museu de Arte Contemporânea. De volta ao Rio, foi vizinha e amiga do futuro governador Carlos Lacerda e conheceu, em 1951, a poeta Elizabeth Bishop com quem viveu até 1967. Bishop é uma das poetas mais famosas dos EUA, que veio para o Brasil passar 2 semanas e ficou por mais de 20 anos. Segundo os críticos este período em que ficaram juntas, foi o mais produtivo da poeta, tornando-a vencedora do Prêmio Pulitzer em 1956.

Quando Lacerda assumiu o governo do recém-criado estado da Guanabara, em 1960, convidou Lota para trabalhar num projeto de remodelação ao longo da Praia do Flamengo. Sua proposta ampliou bastante o aterro; impediu a construção de prédios e criou a Fundação Parque do Flamengo, da qual foi designada presidente. Na eleição seguinte Lacerda não foi eleito e a pressão dos sucessores levou-a a pedir demissão. Mas o Parque já estava pronto e foi inaugurado em 17/10/1965, contando com 1.200.000 metros quadrados.

O Parque passou a ser chamado oficialmente de Parque Brigadeiro Eduardo Gomes (o trecho entre o Aeroporto e o Monumento aos Pracinhas) e de Parque Carlos Lacerda (área do Monumento aos Pracinhas até o Túnel do Pasmado). Lacerda formou um grupo de trabalho, sob o comando de Lota, visando a urbanização do aterro Glória-Flamengo a partir do desmonte do Morro de Santo Antonio. Ela montou a equipe contando com o arquiteto Affonso Reidy, que foi diretor do Departamento de Urbanismo na década de 1940 e alimentava a ideia de criação do Parque desde aquela época.

A equipe contou também com o paisagista Burle Marx e diversos engenheiros e arquitetos. Conta-se que ela era uma chefe durona e que Burle Marx chegou a chamá-la de prepotente e autoritária em entrevistas nos jornais. Lota e Bishop viveram juntas de 1951 a 1965. Dois anos após, Lota viajou a Nova Iorque para encontrar Bishop. No mesmo dia foi encontrada no sofá da sala com um vidro de antidepressivos na mão. Entrou em coma e faleceu pouco depois, em 25/9/1967.

Em 2008 Nadia Nogueira lançou o livro Invenções de si em histórias de amor: Lota-Bishop, pela editora Apicuri. Em 2011 Carmen L. Oliveira lançou o romance biográfico Flores raras e banalíssimas: a história de Lotta de Macedo Soares e Elizabeth Bishop, pela editora Rocco. Em 2013 o livro foi transposto para o cinema com o filme Flores raras, dirigido por Bruno Barreto, tendo Glória Pires no papel de Lota.

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 28 de fevereiro de 2024

OS BRASILEIROS: Leopoldo Nachbin (CRÔNICA DO COLOUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

OS BRASILEIROS: Leopoldo Nachbin

José Domingos Brito

 

Leopoldo Nachbin nasceu em 7/1/1922, em Recife, PE. Professor, matemático e um dos fundadores do IMPA-Instituto de Matemática Pura e Aplicada e do CBPF-Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas. Ficou conhecido pela formulação do “Teorema de Nachbin”, usado para estabelecer um

limite no crescimento de uma função analític

Filho de Léa Drechter Nachbin e Jacob Nachbin, uma família judaica, vinda da Europa em princípios do século XX. Ainda criança demonstrava interesse pela matemática e estudou num colégio onde foi amigo inseparável de Clarice Lispector. Mais tarde, quando já era escritora famosa, ela relembrou a antiga amizade numa crônica – As grandes punições – publicada no Jornal do Brasil em 1967 e dizia que ele era “um dos maiores matemáticos que hoje existem no mundo”.

No colégio foi aluno do prof. Luís Freire, conhecido estimulador de talentos, que o aconselhou a estudar no Rio de Janeiro, para onde se mudou aos 17 anos. A partir de 1940 e, simultaneamente com o curso de engenharia, frequentou como ouvinte o curso de matemática, pois não era permitido a matrícula em dois cursos ao mesmo tempo. Ainda aluno, tornou-se auxiliar de ensino no curso de cálculo infinitesimal, em 1941, e no mesmo ano publicou seu primeiro trabalho acadêmico, aos 19 anos, nos Anais da Academia Brasileira de Ciências. Em 1943 graduou-se em engenharia civil pela Escola Nacional de Engenharia da Universidade do Brasil.

Em 1947 foi contratado como professor da Faculdade Nacional de Filosofia e no ano seguinte prestou concurso de Livre Docência em Análise Matemática na mesma faculdade. Mais tarde tornou-se professor titular do CBPF-Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas e UFRJ-Universidade federal do Rio de Janeiro. Em 1948 foi estudar nos EUA, na Universidade de Chicago e manteve contatos com renomados matemáticos, como André Weil, Jean Dieudonné, Marshall Harvey Stone e Laurent Schwartz.

Na década de 1950 foi empossado na Academia Brasileira de Ciências. Lindolpho de Carvalho Dias, um dos primeiros diretores o considerava “excelente matemático, extremamente competente”. Fundou, também, a ELAM-Escola Latino-Americana de Matemática, em 1967. Foi o primeiro matemático a receber o prêmio Moinho Santista, em 1962 e primeiro brasileiro a palestrar no Congresso Internacional de Matemáticos, na Suécia, naquele ano.

Publicou 10 livros, a maior parte no exterior e centenas de artigos em revistas especializadas. Foi editor da prestigiada série “Mathematical Studies”, publicada pela editora North Holand. Suas contribuições situam-se nas áreas de Análise Funcional, Análise Harmônica, Topologia, Álgebras Topológicas, Teoria da Aproximação e Holomorfia em Dimensão Infinita. Segundo ele mesmo, seu trabalho mais importante é o estudo dos espaços Hewit-Nachbin.

Foi professor visitante e conferencista em renomadas instituições: Institut des Hautes Études Scientifiques (IHES), as Universidades de Paris VI, Chicago, Oxford, professor titular da University of Rochester e da Escola Normal Superior de Pisa. Em 1970, recebeu uma medalha honorífica da Universidade de Liege e, em 1973, recebeu o título de professor Honoris Causa da Universidade Federal de Pernambuco. Recebeu, em 1982, o Prêmio de Ciências Bernardo Houssay, da Organização dos Estados Americanos (OEA) e, nesse mesmo ano, por ocasião de seus 60 anos, foi homenageado com um simpósio internacional de matemática realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A UNICAMP-Universidade Estadual de Campinas concedeu-lhe o título de professor Honoris Causa em 17/8/1989. Faleceu ainda jovem aos 67 anos, em 3/4/1993, em plena atividade. Em agosto de 2014, a biblioteca do Instituto de Matemática da UFRJ passou a denominar-se “Biblioteca Professor Leopoldo Nachbin”.

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 21 de fevereiro de 2024

AS BRASILEIRAS: Bartira (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

AS BRASILEIRAS: Bartira

José Domingos Brito

Bartira (também conhecida como Potira) ou Isabel Dias foi uma indígena Tupiniquim e uma das primeiras colonizadoras de São Paulo, em princípios do século século XVI. Sua prole de 3 filhas e 5 filhos se constituiu nos formadores da elite colonial paulista.

 

 

 

 

 

Filha do cacique Tibiriça, líder Tupiniquim, casou-se com João Ramalho, o famoso degredado português, possivelmente, em 1515. Na época era comum a união de mulheres indígenas com brancos europeus, visando a manutenção de alianças politicas e familiares que favorecia tanto os nativos como os colonizadores. Ela foi batizada pelos jesuitas, recebendo o nome de Isabel Dias.

A Igreja viu no enlace uma boa oportunidade para a conversão dos nativos, visto que Bartira era filha de um respeitado cacique. Os brancos também viram ali uma facilidade para a conquista portuguesa do planalto paulista. Quase todos seus filhos se destacaram na política e economia da região. Joana Ramalho casou-se com Jorge Ferreira, capitão mor da capitania de Santo Amaro e depois ouvidor da capitania de São Vicente. Antônia Ramalho casou-se com Bartolomeu Dias Nunes Camacho, figura destacada na colonização do litoral paulista.

O filho mais velho – André Ramalho – ficou conhecido por ter acompanhado o padre Manuel da Nóbrega no trabalho de catequese dos índios pelo sertão. Alguns netos e bisnetos descendentes dos primeiros fihos também tiveram posição de destaque no periodo colonial. Além dos 8 filhos com Bartira, conta a história que João Ramalho tinha uma numerosa prole com outras mulheres. Atualmente o nome Bartira anda negligenciado na historiografia do Brasil. Seu nome consta em alguns relatos, mas poucos citam o fato dela ter sido uma mulher indígena influente, guerreira e que falava outras línguas. Sua imagem está sempre ligada ao pai Tibiriçá e ao marido João Ramalho, restringindo seu protagonismo na História.

Na década de 1930 havia uma estátua em bonze de Bartira (foto acima) localizada no Jardim Helena, Zona Leste de São Paulo, esculpida por João Batista Ferri, próxima de um casarão do século XVI, que ficou abandonado por um longo periodo. Mario de Andrade, que além de escritor, foi um dos fundadores do IPHAN-Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, defendeu arduamente o tombamento do local, que só veio ocorrer na década de 1990. A escultura foi estraviada ou roubada há muito tempo e atualmente a Prefeitura busca revitalizar o local. Porém sem uma proposta de refazer a estátua de Bartira.

Bartira teve trajetória semelhante a de outra índigena já incluida em nosso Memorial. Trata-se de Paraguaçu (1503-1583), filha do cacique Taparica, na região da Bahia e esposa do náufrago português Diogo Álvares, o Caramuru. Parece que nos primórdios do descobrimento havia o costume dos grandes caciques oferecerem suas filhas aos primeiros colonizadores.

Pouco se sabe acerca do falecimento de Bartira, algumas pesquisas apontam que ocorreu em 1559, quando teria completado 54 anos. Outro documento data sua morte no ano de 1550. Sua história, como a de tantos outros colonizadores do Brasil, é quase desconhecida. É mais uma vítima da falta de políticas de preservação e segurança do patrimônio público. Hoje sua memória resiste apenas na denominação de uma rua no Bairro Perdizes, em São Paulo.

 

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quinta, 08 de fevereiro de 2024

OS BVRASILEIROS: ANTONIO MARIA (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

OS BRASILEIROS: Antônio Maria

José Domingos Brito

 


 

Antônio Maria Araújo de Morais nasceu em 17/3/1921, em Recife, PE. Jornalista, locutor esportivo, cronista, poeta, compositor, apresentador, dramaturgo, cartunista, diretor de rádio e TV no ano de seu surgimento. Foi destacado “boêmio” e figura marcante das noites cariocas nos anos 1950 e 1960. É considerado o primeiro “multimídia” brasileiro.

 

Filho de uma tradicional família de usineiros. Na infância aprendeu em casa a tocar piano e ler francês; na adolescência perdeu o pai e a família passa por um perrengue financeiro. Estudou no colégio Marista, onde conheceu Fernando Lobo (pai de Edu Lobo), de quem será parceiro musical mais tarde e amigo por toda a vida. Era primo do poeta Vinicius de Moraes, uma descoberta feita  por acaso numa conversa familiar.

 

Aos 17 anos foi apresentador de programas musicais na Rádio Clube de Pernambuco; aos 19  mudou-se para o Rio de Janeiro, onde trabalhou como locutor esportivo. Morava num prédio, onde tinha como vizinhos Abelardo Barbosa, o futuro Chacrinha, Dorival Caummy, o pintor Augusto Rodrigues e seu velho amigo Fernando Lobo. Mas não conseguiu se estabelecer no Rio; retorna ao Recife em 1944 e casa-se com Maria Gonçalves Ferreira.

 

Em seguida mudou-se para Fortaleza, onde foi locutor na Rádio Clube do Ceará. No ano seguinte foi morar em Salvador; assume a direção das Emissoras Associadas e passa a conviver com Jorge Amado e Di Cavalcanti. Com 2 filhos, voltou a morar no Rio em 1947 e foi contratado como diretor artístico da Rádio Tupi. Com a chegada da Televisão, Assis Chateaubriand promoveu-o a diretor de produção, em 1951. A partir daí passa a escrever crônicas diárias na imprensa, mantendo as colunas “A Noite é Grande”, “O Jornal de Antonio Maria” (O Jornal e Última Hora), “Mesa de Pista” (O Globo) e manteve o “Romance Policial de Copacabana” no jornal Ultima Hora, com crônicas e reportagens.

 

Tais crônicas foram reunidas e publicadas em livros após sua morte, em 15/10/1964: O Jornal de Antônio Maria (Ed. Saga, 1968); Com vocês, Antônio Maria (Ed. Paz e Terra, 1994), Benditas sejam as moças: As crônicas de Antônio Maria. (Ed. Civilização Brasileira, 2002) e O diário de Antônio Maria (Ed. Civilização Brasileira, 2002). Pouco depois foi contratado pela Rádio Mayrink Veiga, com um salário de 50 mil cruzeiros, e alavancou a vida boêmia com a compra de um cadillac. Continuou trablhando no Rádio e, em 1957, manteve parceria com Ary Barroso no programa da TV Rio “Rio, Eu gosto de você”. Manteve também shows nas boates “Casablanca” e “Night and Day” e compunha jingles publicitários.

 

Como compositor emplacou diversos sucessos, como Manhã de Carnaval, Ninguém me ama, Samba do Orfeu, Valsa de uma cidade, As suas mãos, Se eu morresse amanhã, frevo nº 2  num repertório de 62 gravações. Entre seus intérpretes, contava com Dolores Duran, Elizeth Cardoso, Lucio Alves, Ângela Maria, Dircinha Batista..., além de Nat King Cole, que gravou Ninguém me ama e As suas mãos. Em fins de 1950, apaixonou-se por Danusa Leão, mulher de Samuel Wainer, dono do jornal e seu patrão. Decidiram morar juntos até 1964, quando veio o Golpe Militar e Danusa resolveu voltar a viver com Wainer e acompanhá-lo ao exílio.

 

O golpe foi duro e pouco depois não resistiu ao segundo enfarte e faleceu em 15/10/1964. Tinha problemas cardíacos desde a infância. Era um “cardisplicente”, como ele mesmo se descrevia. Em 2006 Joaquim Ferreira dos Santos publicou a excelente biografia Um homem chamado Maria, pela Editora Objetiva. Na contracapa, Sergio Augusto disse: “No melhor dos mundos Antonio Maria, o menino grande, estaria ainda vivo, fazendo aquilo que nenhum de seus contemporâneos sabia fazer melhor: inebriar de charme uma conversa”.

 

Um pouco mais do bom Antonio Maria

 

 

 

ANTONIO MARIA

Publicado em 17 de março de 2021 no jbf

 

 

Lembra-me o colunista fubânico Jessier Quirino que hoje, 17 de março, é o dia de nascimento do notável pernambucano Antônio Maria.

Antônio Maria Araújo de Morais foi cronista, comentarista esportivo, poeta e compositor brasileiro.

Nasceu em Recife no ano de 1921, e encantou-se no Rio de Janeiro, em 1964.

Na flor da idade, com apenas 43 anos.

Uma figura pela qual sempre tive uma grande admiração, desde os meus tempos de adolescência.

Está feito o registro, meu Poeta.

Grato por ter me lembrado

Cliquem aqui e leiam um texto publicado na página da Fundação Joaquim Nabuco sobre esta figura extraordinária

 

Nat King Cole interpretando “Ninguém de Ama”, de Antônio Maria

 



José Domingos Brito - Memorial quarta, 31 de janeiro de 2024

AS BRASILEIRAS: LAURA RUSSO (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

AS BRASILEIRAS: Laura Russo

José Domingos Brito

 

 

Laura Garcia Moreno Russo nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 20/2/1915. Advogada e bibliotecária pioneira no exercício da profissão no Brasil. Teve atuação destacada na elaboração e regulamentação da legislsção profissional do bibliotecário no País, em 1962. Colaborou na implantação dos cursos de biblioteconomia e criou a FEBAB-Federação Brasileira das Associações de Bibliotecários.

 

Diplomada em Biblioteconomia pela Escola Livre de Sociologia e Política (atual Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo), em 1942 e em Documentação pela mesma institutição, em 1959. Trabalhou na seção de Aqusição e Registro da Biblioteca Mário de Andrade no periodo 1942-1959. Em seguida foi chefe da seção de Psicologia Infantil da Biblioteca Monteiro Lobato por 3 anos e retornou ao antigo cargo em 1961-1968, quando foi promovida a diretora da biblioteca.

 

Igressou no magistério, em 1954, através do curso de Formação Profissional de Professor na Escola Normal Dr. Veiga Filho. Realizou o curso de especialização na Biblioteca Nacional de Madrid, onde obteve o título de mestre  em Biblioteconoomia e Arquivística em 1958. Trabalhou na criação da biblioteca da Santa Casa de Misericórdia, Academia Paulista de Letras e do Centro Cervantes, atual Centro Universitário Ibero-Americano, onde foi homenageada com uma placa de prata. Na década de 1960 realizou cursos de especialização nos EUA e em 1975 foi diplomada advogada pela USP-Universidade de São Paulo.

 

Em fins da década de 1950 iniciou um movimento dos bibliotecários reunindo todas as associações profissionais e criou a FEBAB-Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários, em 1959. O objetivo central da FEBAB foi obter a regulamentação da profissão. Tal objetivo foi conquistado em 1962 com a Lei 4.084/62, dispondo sobre a profissão de bbliotecário, enquadrada entre as profissões liberais, e regulamentando seu exercício. Alem deste objetivo, a função da FEBAB é congregar a categoria em âmbito nacional, o que vem sendo realizado através dos congressos anuais, e manter a atualização profissional, com a edição da Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, onde foi diretora da redação.

 

Em 1961 elaborou Código de Ética Profisssional do Bibliotecário, aprovado com poucas mudanças no IV Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação, que passou a ter status de lei, atribuindo ao CFB a responsabilidade pela fiscalização do exercício e da ética profissional. Em 1966 participou da criação do CFB-Conselho Federal de Biblioteconomia e dos conselhos regionais, assumindo a primeira gestão do CFB. Neste mesmo ano publicou um histórico e diagnóstico desta atividade no Brasil -A biblioteconomia no Brasil, 1915-1965- pelo Instituto Nacional do Livro.

 

Em 1979 foi criada a APBESP-Associação Profissional dos Bibliotecários do Estado de São Paulo, pré-requisito para criação do Sindicato da categoria, que veio ocorrer em 1985. Dona Laura foi uma grande apoiadora na criação do primeiro sindicato dos bibliotecários. Aos 71 anos participou entusiasmada da Assembléia de criação do Sindicato em São Paulo.

 

Dona Laura foi homenageada com uma placa de prata, pelo Centro Universitário Ibero-Americano, em 1957, e pela APB-Associação Paulista de Bibliotecários, em 1962, pelo trabalho em prol da regulamentação da pofisssão. Devido a sua atuação, o  Conselho Regional de Biblioteconomia do Estado de São Paulo (CRB-8) criou o “Prêmio Laura Russo”, em 1998, com o objetivo de reconhecer iniciativas culturais dos bibliotecários, incentivo ao uso da biblioteca e estímulo à leitura. Faleceu em 30/4/2001.

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 24 de janeiro de 2024

OS BRASILEIROS: Noel Nutels (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSSÉ DOMINGOS BITO

 

OS BRASILEIROS: Noel Nutels

 

 

Noel Nutels nasceu em 1913, na Ucrânia. Médico, etnólogo e indigenista, esteve na famosa “Expedição Roncador-Xingu”, junto com os irmãos Villas-Boas, em 1943, explorando o interior do País. Foi médico do SPI-Serviço de Proteção ao Índio, atual FUNAI e pioneiro no combate a malária e tuberculose no Brasil.

A família mudou-se para a Europa com o recém-nascido visando escapar da perseguição aos judeus durante a I Guerra Mundial. Mas o destino era o Brasil, onde foram morar em São José da Lage, AL. Em seguida estudou em Garanhuns, PE e mais tarde a família mudou-se para o Recife, onde foi estudar medicina e formou-se em 1938, ano em que se naturalizou brasileiro. Pouco depois mudou-se para Botucatu, SP para trabalhar no Instituto Experimental de Agricultura. 

Em 1943 integrou a primeira Expedição Roncador-Xingu, junto com os irmãos Villas-Boas, e passou a se dedicar à defesa dos índios e à erradicação das doenças oriundas do contato a “civilização”. Em 1957 idealizou e dirigiu o SUSA-Serviço de Unidades Sanitárias Aéreas no âmbito do Ministério da Saúde. Utilizou a infraestrutura do correio aéreo para chegar a cidades onde não havia assistência médica. Seu feito maior foi criação do Parque Nacional do Xingu, no Mato Grosso, junto com os Irmãos Villas-Boas, em 1961. Foi a primeira terra indígena homologada pelo governo federal.

 

Pouco depois foi nomeado diretor do SPI no nos anos 1963-1964. Sua filha conta que ele costumava comparar o índio brasileiro com povo judeu. “A comunidade judaica existe até hoje porque soube preservar sua cultura. O Índio não conseguiu fazê-lo. Um povo sem cultura é marginalizado”. Além do trabalho de assistência aos índios, lecionou em diversas universidades nacionais e estrangeiras e deixou mais de 50 trabalhos científicos publicados em revistas especializadas. 

 

Foi acometido por diversas malárias e ainda jovem, aos 59 anos, em 10/2/1973. Na mesma semana seu amigo Carlos Drummond de Andrade dedicou-lhe sua coluna no Jornal do Brasil: “Valeu? Valeu a pena / teu cerne ucraniano / fundir-se em meiga argila brasileira / para melhor sentires / o primitivo apelo da terra”. Em Manaus foi homenageado com seu nome dado a avenida ligando as zonas Norte e Leste e no Rio ao LACEN-Laboratório Central de Saúde Pública do Rio de Janeiro Noel Nutels. Algumas escolas públicas e logradouros receberam seu nome.

 

Sua trajetória de vida inspirou Orígenes Lessa a escrever o romance biográfico O Índio cor-de-rosa: Evocação de Noel Nutels, publicado em 1978 pela Editora Codecri e vem sendo reeditado pela Ed. Record. Mais tarde, a mesma trajetória rendeu outro romance biográfico. Moacyr Scliar publicou A Majestade do Xingu, em 1997, enaltecendo seus feitos junto aos índios. Bem antes destas memórias romanceadas, Antonio Houaiss cuidou de organizá-las e publicou Noel Nutels: Memórias e depoimentos, lançado em 1974 pela Editora José Olympio.

 

Em 2019  o título do livro de Origenes Lessa -e seu apelido dado pelos amigos- foi adotado no filme-documentário  O Índio cor de rosa contra a fera invisível: a peleja de Noel Nutels, dirigido por Tiago Carvalho e lançado pela Fiocruz Vídeo.  Foi apresentado no Festival Biarritz, na França, onde obteve o prêmio de melhor documentário e encontra-se à disposição na  Internet/Youtube.

 

Os 100 anos de Noel Nutels

 

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 17 de janeiro de 2024

AS BRASILEIRAS: Adalgisa Nery (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

AS BRASILEIRAS: Adalgisa Nery

José Domingos Brito

 

 

 

             

 

                    

 

Adalgisa Maria Feliciana Noel Cancela Ferreira nasceu em 29/10/1905, no Rio de Janeiro, RJ. Poeta, escritora, tradutora, jornalista, embaixatriz e política. Contando apenas com o curso primário, única educação formal recebida, teve uma vida social intensa e atribulada e deixou uma expressiva obra literária, além de sua participação na política como deputada

 

Filha da portuguesa Rosa Cancela e do advogado Gualter Ferreira, ficou órfã da mãe aos 8 anos e não se deu bem com o temperamento da nova esposa de seu pai. Estudou como interna num colégio de freiras e se desentendeu com as professoras por defender as meninas órfãs, que eram maltratadas. Vista como “subversiva”, foi expulsa da escola. Aos 15 anos se apaixonou por seu vizinho, o pintor Ismael Nery, com quem se casou aos 16.

 

O casamento com um dos precursores do Modernismo no Brasil, proporcionou uma grande mudança em sua vida com a entrada num sofisticado circuito intelectual e artístico. Viveu por dois anos na Europa, adquiriu uma refinada cultura e tiveram 7 filhos homens, porém só o mais velho e o caçula sobreviveram. Foi uma vida marcada pelo glamour e pelo sofrimento com a perda dos filhos, acentuada pelos conflitos com o marido. Tais conflitos foram registrados no romance autobiográfico A Imaginária, seu maior sucesso editorial, publicado em 1959.

 

Em 1934 ficou viúva aos 29 anos, com poucos recursos financeiros. Trabalhou por um tempo na CEF-Caixa Econômica Federal e depois conseguiu um cargo no Conselho do Comércio Exterior do Itamaraty. Em seguida publicou sua primeira coletânea de poesias: Poemas, em 1937, incentivada por seu amigo, o poeta Murilo Mendes. Sua vida começa tomar novo rumo, quando conheceu o jornalista Lourival Fontes, diretor do DIP-Departamento de Imprensa e Propaganda do governo Vargas, e se casaram em 1940

 

No período 1943-1945 acompanhou o marido em missões diplomáticas em Nova York e México, onde conheceu e travou amizades com os artistas Diego Rivera, Frida Kahlo, José Orozco e David Siqueiros.  Pouco depois, retornou ao país como embaixatriz, representando o Brasil na posse do presidente Adolfo Ruiz Cortinez e recebeu a comenda da “Ordem da Águia Asteca’, devido às suas conferências sobre Juana Inés de la Cruz. Como poeta foi apreciada por seus colegas Carlos Drummond de Andrade, que a chamava de “indômita” e por Manuel Bandeira, que comparou sua poesia à obra da poeta grega Safo de Lesbos, pelo erotismo libertário, e do poeta português Antero de Quental, pelo tom trágico.

 

Em princípios da década de 1950, surge nova temporada de tormentas. Lourival se apaixonou por outra mulher, causando-lhe grande sofrimento com a separação. Mesmo sendo reconhecida como escritora no Brasil e na França, decidiu abdicar da própria fama e renegar sua obra. Passou a se dedicar ao jornalismo, em 1954, com uma coluna –“Retrato sem retoques”- no jornal Última Hora, tratando de temas políticos e econômicos nacionais e internacionais.  Em seguida entrou na política através do PSB-Partido Socialista Brasileiro, onde foi eleita deputada federal três vezes até 1969, quando foi cassada pela ditadura militar. 

 

Como havia doado todos seus bens aos filhos, passou a viver só e sem recursos numa casa cedida por seu amigo Flávio Cavalcanti, em Petrópolis. Contrariando o propósito de não mais escrever, publicou alguns livros de poesia e contos e um romance -Neblina (1972)-, dedicado ao amigo Cavalcanti em gratidão. Devido ao fato de seu amigo ser simpatizante da ditadura militar, o livro foi ignorado pela crítica.

 

Mais tarde foi morar na casa de seu filho mais moço, Emmanuel. Pouco depois, em maio de 1976, o filho não a encontrou em casa. Ela havia saído e deixou um bilhete de despedida: foi se  internar sozinha e por livre e espontânea vontade numa casa de repouso para idosos, em Jacarepaguá. No ano seguinte sofreu um acidente vascular cerebral; ficou afásica e hemiplégica; e faleceu 3 anos depois, aos 74 anos, em 7/6/1980.

 

Em 2023, o poeta Ramon Nunes Mello, estudioso de sua obra, organizou e publicou Do fim ao princípio: poesia completa (1937-1973), pela Editora José Olympio. Anos antes Ramon relançou pela mesma editora os romances A Imaginária (2015) e Neblina (2016). Ana Arruda Callado providenciou um belo ensaio biográfico e deu-lhe um título apropriado: Adalgisa Nery: muito amada e muito só, publicado em 1999,  incluído na Coleção Perfis do Rio, em convênio com a Secretaria Municipal de Cultura/RioArte e a editora Relume Dumará.

 

Poema Patrimônio

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 10 de janeiro de 2024

OS BRASILEIROS: JORGE TIBIRIÇÁ (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

OS BRASILEIROS: Jorge Tibiriçá

José Domingos Brito

 

 

 

Jorge Tibiriçá Piratininga nasceu em Paris, França, em 15/11/1855. Fazendeiro e político, foi um dos governadores mais progressitas de São Paulo. Filho de João Tibiriçá Piratininga, líder republicano, e Pauline Eberlé, veio para o Brasil aos 4 anos e fixou residência numa fazenda perto de Itu. Foi alfabetizado em casa pela mãe e concluiu os primeiros estudos no Colégio Barth. Aos 14 anos, viajou com a mãe para Zurique, afim de continuar os estudos.

 

O conflito na Europa na segunda metade do séc. XIX, com a guerra franco-alemã, dificultou sua estadia e causou a morte de sua mãe. Mas o pai, no Brasil, determinou que ele continuasse na Europa, onde concluiu o ensino médio no Colégio Riffel, em Zurique. Em seguida graduou-se em agronomia, concluiu o doutourado na Alemanha e emendou com um curso de filosofia em Zurique.  De volta ao Brasil em fins da década de 1870, foi tocar a fazenda do pai, nas redondezas de Campinas; conheceu Ana de Queiroz Teles, com quem se casou em 1880, e se estabeleceu como fazendeiro e agrônomo. Com o  falecimento do pai em 1888, herdou enormes extensões de terras. Seguindo os passos do pai, que foi presidente da Convenção de Itu e um dos fundadores do Partido Republicano Paulista-PRP e de seu sogro -Antonio de Queiroz Teles- que governou o Estado em 1886-87, logo ingressou na carreira política.   

 

Como republicano apoiou o fim da escravidão e se antecipou à Lei Áurea. Foi um dos primeiros fazendeiros a fixar os imigrantes em suas terras, tornando-os pequenos produtores rurais, porém servindo aos seus negócios. Assim, a abolição não afetou tanto sua situação econômica. Com a proclamação da República, em 1889, Deodoro da Fonseca elegeu Prudente de Morais como governador de São Paulo, que logo deixou o  cargo para se tornar senador do Congresso Constituinte. Assim, Tibiriçá chegou ao governo do Estado e iniciou o madato em outubro de 1890. Suas proridades foram a reconstrução da Estação Agronômica de Campinas e a organização das eleições para a Constituinte do estado.  Mas devido aos atritos com o governo Deodoro da Fonseca, foi exonerado em 4/3/1891.   

 

No plano estadual, os republicanos de São Paulo preparam as eleições de 1892. Jorge é eleito senador estadual, assume a vice-presidência do Senado e se torna membro da Comissão de Fazenda e Contas. No mesmo ano Bernardino de Campos foi eleito governador e convida-o para a Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, tomando posse em 12/12/1892. Sua gestão foi marcada por um grande impulso no desenvolviento do Estado com o aumento significativo do fornecimento de água na capital, que passou de 3,5 milhões de litros diários para 31,5 milhões. Impulsionou a formação de engenherios agronômos e, consequentemente, o desenvlvimento agroindustrial. Sua atuação nestas áreas tornaram a Escola Politécnica de São Paulo, a Escola Prática de Piracicaba e o Instituto Agricola de Campinas, referências em nível nacional na formação de técnicos agricolas e fez de São Paulo uma potência agricola. Ficou neste cargo até 1895.

 

Amigo do arquiteto Ramos de Azevedo, promoveu a construção de diversos palácios na capital paulista, incluindo o Teatro Municipal. Pouco depois voltou a ocupar uma cadeira no Senado Estadual e em 1896 voltou a integrar as comissões de Fazenda e Contas, onde permanceu até 1900, quando passou a integrar, também, as comissões de Terras Públicas e Minas. Em 1901 foi reeleito senador e tornou-se membro das comissões de Indústria, Comércio, Obras Públicas e Estatística. Foi um político articulado e dotado de grande capacidade administrativa. Mesmo assim, sofreu um abalo com a crise do sistema cafeeiro no mesmo ano, obrigando-o a hipotecar sua Fazenda e conceder parte de suas terras para a subsistência de seus colonos. Encontrou uma saída na exploração da pecuária. Com a ajuda da esposa, passou a utilizar seu rebanho de gado na produção de leite e derivados

 

A crise do café fez com que o PRP voltasse a apostar em seu nome para nova candidatura ao governo de São Paulo. Assim, em 1904 foi eleito pela segunda vez com um madato até 1908. Contando com Washington Luís na Secretaria de Justiça e Segurança Pública, trouxe especialistas de Paris para ajudar na modernização da “Força Pública”, atual Polícia Militar e instalou a Polícia Civil, em 1906, nomeando apenas funcionário público, formado em Direito, para delegado de polícia. Esta modernização acabou com as indicações dos coronéis e ficou conhecida como “polícia sem política”.    

 

Em sua gestão promoveu a aproximação com os governos do Rio de Janeiro e Minas Gerais, os maiores produtores de café, em prol de uma remodelação no sistema monetário. Com isso, teve que enfrentar o governo central de Rodrigues Alves e sua política de câmbio. Não podendo bater de frente com o governo central, promoveu, em agosto de 1905, uma reunião secreta com os governos do Rio e Minas Gerais ojetivando um pacto de proteção ao café com o aumento do seu preço no mercado internacional.  O pacto ficou conhecido como “Convênio de Taubaté”, que rendeu  uma expressiva lucratividade no setor. Isto se deu no ano de uma safra (20 milhões de sacas) que rendeu mais que o dobro das safras anteriores, O plano era que tais lucros fossem dirigidos à indústria, transformando-a no carro chefe da economia paulista.     

 

Após deixar o governo em 1908, voltou a ser eleito para o Senado Estadual em 1916 e assumiu também a presidência do PRP, mantendo-se nos dois cargos até 1924. No mesmo ano renunciou o mandato de senador para assumir o cargo de ministro do TCE-Tribunal de Contas do Estado, a convite do governador Carlos de Campos. Na sessão inaugural de instalação da corte, foi escolhido por aclamação presidente do TCE, cargo em que permaneceu até o falecimento em 29/9/1928, aos 71 anos. Não obstante sua competência, prolífica vida política e relevância no  desenvolvimento do Estado de São Paulo, hoje é uma figura pouco conhecida na história paulista. Sua vida e carreira política ficou registrada na biografia escrita por Rodrigo Soares Jr. Jorge Tibiriça e sua época, publicada por Rodrigo Soares Jr. pela Cia. Editora Nacional, em 1958.

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 03 de janeiro de 2024

AS BRASILEIRAS: LAUDELINA DE CAMPOS (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO)

AS BRASILEIRAS: Laudelina de Campos

José Domingos Brito

 


 

 

Laudelina de Campos Mello nasceu em 12/10/1904, em Poços de Caldas, MG. (1904-1991). Empregada doméstica, líder sindical de várias associações de classe em São Paulo, Santos e Campinas. Fundou o primeiro sindicato das trabalhadoras domésticas no Brasil, em 1988, além de destacada participação no movimento negro. 

Filha de pais alforriados pela Lei do Ventre Livre, em 1871, perdeu o pai aos 12 anos e foi obrigada a trabalhar desde os 7 anos. Teve que abandonar a escola para cuidar dos irmãos, enquanto a mãe trabalhava. Na adolescência ajudava a mãe a fazer doces caseiros para vender na cidade e aos 17 anos passou a dirigir o Clube 13 de Maio, uma agremiação que realizava atividades recreativas e políticas entre a população negra.

Pouco antes disso, foi empregada doméstica na casa da família do futuro presidente da República Juscelino Kubitschek. Aos 18 anos mudou-se para São Paulo e casou-se aos 20. Em seguida mudou-se para Santos, onde teve o primeiro filho. Junto com o marido -Geremias Henrique Campos Mello- participou da agremiação “Saudade de Campinas”, a fim de valorizar a cultura negra em Santos. Ao se separar do marido, em 1938, com 2 filhos, passou a atuar com mais frequência nos movimentos populares de cunho político.

Era filiada ao PCB-Partido Comunista Brasileiro desde 1936, ano em que fundou a primeira Associação de Trabalhadoras Domésticas do País, fechada durante o Estado Novo, e reativada em 1946.  Participou de outras associações e da fundação da Frente Negra Brasileira, uma entidade que chegou a ter 30 mil filiados ao longo da década de 1930. Em fins da década seguinte foi convidada por sua patroa para gerenciar um hotel fazenda em Mogi das Cruzes, onde permaneceu por 3 anos.

 

Logo mudou-se para Campinas, onde teve enfrentar o preconceito explícito nos jornais, que davam preferência às empregadas domésticas brancas. O fato levou-a a protestar no jornal Correio Popular, que veiculava os anúncios. Em meados da década de 1950 participou de diversas atividades culturais, incluindo o “Baile Pérola Negra”, de debutantes, no Teatro Municipal de Campinas, em 1957.

 

Em 1961, com o apoio do Sindicato da Construção Civil de Campinas, criou a Associação das Empregadas Domésticas em suas dependências, que pouco depois tornou-se Associação Profissional Beneficente das Empregadas Domésticas, com atuação em diversas frentes e lutas. A fundação desta entidade se deu em 18/5/1961, contando com a presença de 1200 empregadas domésticas.  Em seguida foi convidada para participar da organização de diversas associações profissionais (pré-sindicato) da categoria em outros estados, além da participação nos movimentos negros e feministas.

 

Em 1964, com o Golpe de Estado, ela aceitou abrigar a entidade no partido UDN-União Democrática Nacional para que não fechasse. Em 1968, adoeceu e afastou-se da associação e só voltou à direção em 1982, por insistência das antigas companheiras. Em 1988 a associação foi transformada em sindicato, ampliando as atividades em defesa da categoria, contra a discriminação social e exigindo melhores condições de trabalho e igualdade de direitos trabalhistas. 

 

No ano seguinte foi criada a Ong “Casa Laudelina de Campos Mello” dedicada a celebrar sua atuação em defesa das empregadas domésticas, culminando com a conquista do direito à carteira de trabalho e a previdência social. Faleceu em 12/5/1991 e deixou sua casa para o sindicato da categoria, em Campinas. Em 2005, recebeu uma homenagem póstuma do presidente Lula, com a outorga da Ordem do Mérito do Trabalho, no grau de Cavaleira post-mortem. Em 2015 foi produzido, numa parceria entre o Museu da Cidade e o MIS-Museu da Imagem e do Som, de Campinas, o documentário Laudelina: Lutas e conquistas, contendo trechos de sua entrevista realizada em 1989.  Em 12/10/2020 foi homenageada pelo Google com um “Doodle”. Ainda não contamos com uma biografia sua, mas temos uma tese defendida na UNICAMP, em 1992, intitulada Etnicidade, gênero e educação: a trajetória de vida de D. Laudelina de Campos Mello.

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quinta, 28 de dezembro de 2023

OS BRASILEIROS: OLIVEIRA LIMA (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

OS BRASILEIROS: Oliveira Lima

José Domingos Brito

 

 

 

Manuel de Oliveira Lima nasceu em 25/12/1867, em Recife, PE. Escritor, jornalista, crítico literário, professor, diplomata e destacado pesquisador da historia do Brasil. Antecipou temas como o feminismo, declarando: “quando as mulheres dispuserem algum dia da maioria parlamentar e do governo, a organização política será muito mais dotada de justiça social… e a legislação poderá, então, merecer a designação humana”.

 

Filho Maria Benedita de Oliveira Lima e Luís de Oliveira Lima, teve os primeiros estudos em Lisboa. Lá, aos 14 anos atuou como jornalista no Correio do Brazil, jornal fundado por ele mesmo. Realizou o curso de Humanidades no Colégio Lazarista e diplomou-se pela Faculdade de Letras de Lisboa, em 1887, dedicando-se aos estudos da história do Brasil. Entrou no serviço diplomático brasileiro em 1890, em Lisboa, e pouco depois foi transferido para Berlim e em seguida para Washington (1896) Por essa época publicou seus três primeiros livros: Sete anos de República (1895), Pernambuco: seu desenvolvimento histórico (1896) e Aspectos da literatura colonial brasileira (1896).

 

Mais tarde foi designado para Londres, onde conviveu com Joaquim Nabuco, Graça Arranha e Eduardo Prado. Integrou a primeira missão diplomática brasileira no Japão em princípios do séc. XX e atuou na Venezuela, em 1904, cuja nomeação desagradou-lhe bastante. A partir de 1907 passou a chefiar a legação do Brasil em Bruxelas, cumulativamente com a da Suécia. Em 1913 esteve perto  de voltar à Londres como chefe da legação, mas foi vetado pela interferência do senador Pinheiro Machado. Além disso, era mal-viso pelo governo britânico por defender a neutralidade do Brasil na 1ª Guerra Mundial e por sua afininidade intelectual com a Alemanha.

 

Em 1897 ingressou na ABL-Academia Brasileira de Letras na condição de membro-fundador. Leitor voraz, possuía o terceiro maior acervo de livros sobre o Brasil. Sua biblioteca, com 58 mil livros, foi doada à Universidade Católica da América, em Washington, EUA, em 1916, com a condição que ele fosse o primeiro bibliotecário e organizador do acervo. Em 1920 mudou-se para os EUA, onde passou a lecionar Direito Internacional, em 1924, na universidade que recebeu sua biblioteca. Neste mesmo ano foi designado professor honorário da Faculdade de Direito do Recife.

 

Entre os livros publicados destacam-se alguns importantes para a historiografia brasileiraHistória diplomática do Brasil: o reconhecimento do Império (1901), A Língua portuguesa, A Literatura brasileira (1909), Secretário Del-Rei (teatro) e Dom João VI no Brasil (1909), considerado um clássico por muitos estudiosos, devido a sua importância para o rearranjo da historiografia brasileira. Alguns autores como Gilberto Freyre, Otávio Tarquínio de Sousa e Wilson Martins escreveram sobre esta obra. Nela consta fatos importantes sobre a situação internacional de Portugal em 1808, a chegada da corte no Brasil, a formação do primeiro ministério e as primeiras providências, a respeito da emancipação do Brasil.

 

Mais tarde, este livro deu origem a outro esmiuçando nosso processo de independência. Um grupo de historiadores publicaram, em 2021, Oliveira Lima e a longa história da independência, pela Alameda Editorial. Trata-se do registro de um evento, com o mesmo título, realizado em 10 e 11 de setembro de 2019 na Biblioteca Brasilina Guita e José Mindlin, tendo como objetivo resgatar e revalorizar a obra de Oliveira Lima numa perspectiva histórica de “longa duração”. Ao final do evento chegou-se a conclusão que ele é “o grande historiador da independência do Brasil”.  

 

Além de suas contribuições para a História, teve forte influência no desenvolvimento da diplomacia brasileira. Tais  influências foram analisadas por Maria Theresa Diniz Foster no livro Oliveira Lima e as relações exteriores do Brasil: o legado de um pioneiro e sua relevância atual para a diplomacia brasileira, publicado em 2011 pela FUNAG-Fundação Alexandre de Gusmão.

 

A publicação póstuma de seu livro Memórias, publicado em 1937, teve grande repercussão, devido as revelações íntimas e apreciações críticas. Após aposentar-se foi viver nos EUA, onde faleceu em 24/3/1928 e foi sepultado no cemitério Mont Olivet, Washington. Em sua lápide consta apenas a frase "Aqui jaz um amigo dos livros

 

Exibir vídeo sobre a biblioteca Oliveira Lima, nos EUA

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 20 de dezembro de 2023

AS BRASILEIRAS: BEATRIZ NASCIMENTO (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

AS BRASILEIRAS: Beatriz Nascimento

José Domingos Brito

 


 

Maria Beatriz Nascimento nasceu em 12/7/1942, em Aracaju, SE. Professora, historiadora, poeta, roteirista e militante em defesa dos direitos humanos de negros e mulheres. Realizou diversas pesquisas sobre os quilombos no Brasil e as condições de trabalho da população negra.

 

Filha de Rubina Pereira do Nascimento e Francisco Xavier do Nascimento, uma família humilde com 10 filhos. Aos 7 anos mudou-se para o Rio de Janeiro, onde realizou os primeiros estudos. Em 1968 ingressou no curso de História, na UFRJ-Universidade Federal do Rio de Janeiro. Durante o curso, concluído em 1971, fez estágio no Arquivo Nacional, tendo como orientador o historiador José Honório Rodrigues.

 

Em seguida passou a lecionar História na escola Estadual Roma, em Copacabana e em 1978 iniciou o curso de pós-graduação na UFF-Universidade Federal Fluminense, concluído em 1981. Sua área de pesquisa abrangeu os sistemas alternativos organizados pelos negros nos quilombos e favelas. Tornou-se conhecida na área dos estudos das relações raciais e no movimento negro a partir do documentário Ô (1989). Trata-se de um “filme-tese” de longa metragem, dirigido por Raquel Gerber, baseado em suas narrações e pesquisas realizadas no período 1977-1988 sobre o movimento negro nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Alagoas.

 

O filme tem o quilombo como tema, permeado com a trajetória de sua própria vida. Uma síntese extraída da sinopse do filme relata a “abordagem de temas como corporeidade do negro, a perda da imagem que atingia os africanos escravizados e seus descendentes em diáspora e a situação das mulheres negras no Brasil, analisando sua condição social inferior devida ao amálgama de heranças escravistas com mecanismos racistas”.

Estreou em 4/3/1989 no Festival Panafricano de Cinema e Televisão de Ougadougou, em Burkina Fasso, recebendo o prêmio Paul Robeson e em Curitiba, em 5/10/1989.

 

Através de seus artigos, publicados em periódicos especializados, sobre o conceito de quilombo na história, raça, racismo e sexismo ficou conhecida também no meio acadêmico. Teve atuação destacada na criação do “Grupo de Trabalho André Rebouças”, na UFF-Universidade Federal Fluminense, em 1974, e o Instituto de Pesquisas das Culturas Negras, em 1975. Segundo Lélia Gonzalez, Beatriz foi responsável pelo renascimento do movimento negro no Rio de Janeiro nos anos 1970. Participou de diversos eventos sobre cultura negra e quilombos no meio acadêmico e esteve 2 vezes em Angola afim de conhecer os territórios dos antigos quilombos.

 

Tinha uma consciência muito clara de sua condição e uma nítida visão do preconceito estrutural que permeia as relações sociais no Brasil: "Ser negro é enfrentar uma história de quase quinhentos anos de resistência à dor, ao sofrimento físico e moral, à sensação de não existir, à prática de ainda não pertencer a uma sociedade em que consagrou tudo o que possuía, oferecendo ainda hoje o resto de si. Ser negro não pode ser reduzido a um "estado de espírito", "alma branca ou negra", aspectos de comportamento que certos brancos escolhem como sendo negros e assim os adotam como seus."

 

Em 1995, enquanto cursava mestrado em Comunicação Social na UFRJ, aconselhou uma amiga a se separar do companheiro   após ouvir várias reclamações de violência doméstica. Em 28 de janeiro daquele ano, o companheiro da amiga deu-lhe 5 tiros  por entender que ela interferia em sua vida privada. Em 19/4/1996, o assassino foi condenado a 17 anos de prisão pela morte de Maria Beatriz.

 

Em 2009, o pesquisador Alex Raatts publicou o livro Eu sou Atlântica: sobre a trajetória de vida de Beatriz Nascimento, publicado pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e Instituto Kuanza. Em 2015 o mesmo autor organizou e publicou Todas [as] distâncias: poemas, aforismos e ensaios de Beatriz Nascimento, publicado pela editora Ogum’s Toques Negros. Em seguida o senador Paulo Paim elaborou o PL 614/2022, que resultou na Lei 14.712/2023, incluindo-a no “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”.

 

Exibir vídeo: Beatriz Nascimento resgatou a verdadeira história dos Quilombos | série documental "Resíduo"

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 13 de dezembro de 2023

OS BRASILEIROS - TIBIRIÇÁ (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

OS BRASILEIROS: Tibiriçá

José Domingos Brito

 

 

 

Martim Afonso Tibiriçá, nome de batismo cristão dado pelo Padre Anchieta ao líder indígena tupiniquim, nasceu em fins do século XV em São Paulo, SP. O nome homenageia Martim Afonso de Souza, fundador da vila de São Vicente. É considerado na História como um dos fundadores da cidade de São Paulo, em 1554, devido a sua colaboração com os jesuítas Manuel da Nóbrega, José de Anchieta e Manuel de Paiva.

Seu nome significa “vigilante da terra” na língua tupi, e sua aproximação com os portugueses ocorreu por volta de 1510, quando João Ramalho chegou ao planalto, vindo do litoral. O cacique ofereceu (em casamento) ao náufrago ou degredado sua filha Bartira, com quem viveu 40 anos e teve uma grande família, constituindo-se na primeira geração dos colonizadores paulistas. Além do casamento desta filha, o cacique manteve boas relações de parentesco com os portugueses, concedendo-lhes o casamento com outras duas filhas.

O nome Tibiriçá está na raiz de 16 gerações de mamelucos, muitos deles tornando-se paulistas quatrocentões, constituindo um novo povo. Mais tarde uma ala da ilustre família Almeida Prado trocou o nome pelo do cacique e um destacado membro -Jorge Tibiriçá - foi governador do Estado em 2 ocasiões. Em 1554 colaborou com os jesuítas Manuel da Nóbrega e José de Anchieta no trabalho de fundação da vila de São Paulo e instalou-se com sua tribo próximo deles, no local onde hoje se encontra o Mosteiro de São Bento. Durante muito tempo, a rua São Bento foi chamada Rua Martim Afonso. Consta a História que o próprio cacique e seus índios ajudaram na construção do colégio ali instalado.

Assim naquele ponto da colina, onde de um lado temos o rio Tamanduateí e de outro tínhamos o riacho do Anhangaba. O que  havia na época da fundação da cidade (25/1/1554) era um colégio de padres rodeado de habitações indígenas sob o comando do cacique Tibiriçá. Segundo Roberto Pompeu de Toledo, em seu livro A capital da solidão: uma história de São Paulo (Ed. Objetiva, 2003), o padre Anchieta declarou que o cacique “não mereceria apenas o título de benfeitor, mas ainda o de fundador e conservador da Casa de Piratininga”.

Graças ao cacique, os jesuítas puderam agrupar seus primeiros neófitos naquela redondeza, atual centro antigo de São Paulo. A maior prova de sua fidelidade aos jesuítas se deu em 9/7/1562, quando o cacique liderou o povoado na defesa do maior ataque de índios de outras tribos. Articulou o apoio de três aldeias; formou um exército e venceu os inimigos numa luta sangrenta. O episódio -quase ignorado nos livros de História- ficou conhecido como a “Guerra de Piratininga”

O curioso nessa história é que o grupo dos índios invasores era comandado pelo cacique Araraiga, irmão de Tibiriçá. O plano   de invadir a vila dos jesuítas foi comunicado previamente pelo sobrinho Jaguanharon, a fim de salvar família do tio. Tibiriça logo avisou os padres, que tiveram tempo de pedir reforços em Santos e salvar a vila do ataque. Vê-se que não havia consenso entre todos os índios sobre a presença dos jesuítas naquele território. Entre os revoltosos encontravam-se alguns índios que já viviam nas aldeias próximas, que tinham como chefe o próprio irmão de Tibiriçá.  

Pouco depois desse combate, uma epidemia de peste negra abateu-se sobre a vila de São Paulo e algumas aldeias do planalto paulista e vitimando o velho cacique em 25/12/1562. Os jesuítas providenciaram um honroso funeral e seu corpo foi sepultado na igreja.  Hoje seu túmulo encontra-se na cripta da catedral da Sé, no mesmo local onde estão sepultadas outras importantes figuras da história paulista.

Foi homenageado com o nome dado a alguns logradouros da cidade e a rodovia estadual SP-031, ligando a região do ABC ao Alto Tietê. Consta também mais uma homenagem com um projeto de lei tramitando na Câmara dos Deputados, que solicita a inscrição de seu nome no “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria”, localizado no Panteão da Pátria e da Liberdade, ao lado da Praça dos Três Poderes, em Brasília.

 

Construtores do Brasil: Tibiriçá

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 06 de dezembro de 2023

AS BRASILEIRAS: ROSA EGIPICÍACA (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

AS BRASILEIRAS: Rosa Egipcíaca

José Domingos Brito

 


 

Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz nasceu em 1719, na Costa de Ajudá, atual Benin, África. Escravizada e autora do mais antigo livro escrito por uma mulher negra na história do Brasil: Sagrada teologia do amor divino das almas peregrinas. Capturada pelo tráfico negreiro, aos 6 anos, foi trazida para o Rio de Janeiro. O nome Egipcíaca foi dado em referência à Santa Maria Egipcíaca.

 

Viveu no Rio de Janeiro prestando serviços domésticos até 1733, quando foi vendida para a mãe do Frei José de Santa Rita Durão e levada para Minas Gerais. Pouco depois caiu na prostituição e teve uma enfermidade. Neste período passou a ter visões místicas, levando-a a deixar o meretrício e se tornar beata. Em 1748 se desfez de seus bens, distribuindo tudo aos pobres. Passou a se dedicar aos ofícios divinos e em diversas ocasiões foi tomada por espíritos, segundo o vigário, malignos. Foi exorcizada algumas vezes e fazia sermões edificantes alternados entre visões de Nossa Senhora da Conceição e comportamentos estranhos, como se estivesse possuída por demônios.

 

Tais sermões levaram-na a ficar conhecida em Mariana, Vila Rica e São João del-Rei. Levada ao Bispo de Mariana, foi acusada de embusteira, sendo açoitada no pelourinho da cidade. Sobreviveu aos castigos e teve o lado direito do corpo semiparalisado. Pouco depois foi novamente analisada pelo frei Manoel da Cruz; passou por uma série de testes e concluíram que tudo era fingimento. Com tal diagnóstico o povo passou a chamá-la de feiticeira, tornando sua vida insuportável, fazendo-a retornar ao Rio de Janeiro, em 1751, numa fuga a pé percorrendo 500 km.

 

Diz-se que, motivada por inspiração espiritual, aprendeu a ler e escrever e passou a revelar seus dons sobrenaturais ao Provincial dos Franciscanos, Agostinho de São José, que se tornou seu mentor espiritual. Sua devoção extrema, jejuns prolongados, comunhão frequente e autoflagelação levaram os franciscanos a chamarem-na de “Flor do Rio de Janeiro”.  Ainda em 1751 fundou uma casa com o nome de “Recolhimento do Parto”, destinado a receber ex-prostitutas e manter orações, que atraiu a atenção da população. Em pouco tempo passou a ser adorada por fiéis que a procuravam de joelhos, beijando-lhe os pés e venerando suas relíquias. Suas cerimônias católicas eram misturadas com ritos africanos, como o hábito de pitar cachimbo.   

 

Por esta época escreveu a Sagrada Teologia do Amor Divino das Almas Peregrinas, um livro de cerca de 250 páginas, que foi considerado como heresia e parcialmente destruído pelo seu confessor e ex-exorcista Pe. Francisco Gonçalves Lopes, conhecido como Xota-Diabos, tendo em vista preservá-la da Inquisição. Conta a história que ela se indispôs com o clero ao “dizer-se mãe de Deus redentora do universo, superior a Santa Teresa, objeto de verdadeira e herética idolatria em seu recolhimento, além de capitanear rituais religiosos sincréticos igualmente suspeitos".

 

Tais histórias contadas pelo povo relatam que em dado momento, ela chegou a dizer que o menino Jesus diariamente ia pentear seus cabelos e, em agradecimento, dava-lhe de mamar. Certamente, tais declarações irritaram os padres, que a entregaram aos oficiais do Santo Ofício da Inquisição, em 1763. Foi enviada ao cárcere, em Lisboa, onde não desmentiu suas visões e experiências sobrenaturais e veio a falecer, em 12/10/1771.

 

Em fins da década de 1980, o antropólogo Luiz Mott realizou uma pesquisa de fôlego sobre o fenômeno e publicou, em 1993 o livro Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil pela Editora Bertrand Brasil. O livro despertou o interesse público em conhecer melhor a história dessa mulher, suscitando a publicação de diversos artigos em revistas acadêmicas.  Segundo ele, Rosa Egipcíaca "é certamente a mulher negra africana do século XVIII, tanto em África como na diáspora afro-americana e no Brasil, sobre quem se dispõe mais detalhes documentais sobre sua vida, sonhos, escritos e paixão".

 

Outro livro que alavancou o interesse por essa história foi o romance ficcional Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz: a incrível trajetória de uma princesa negra entre a prostituição e a santidade, publicado por Heloisa Maranhão, em 1997, pela Editora Rosa dos Tempos. Segundo o historiador John Russel-Wood, em seu livro Escravos e libertos no Brasil colonial (2005), "Rosa Egipcíaca abre uma janela para a história das mentalidades de uma sociedade escravocrata e também dá identidade e individualidade a uma mulher africana, escrava e depois livre, no mar de anonimidade conferido aos escravos e aos indivíduos de ascendência africana livres no Brasil".

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 29 de novembro de 2023

OS BRASILEIROS: FREI CANECA (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

OS BRASILEIROS: Frei Caneca

José Domingos Brito

 


 

 

Joaquim da Silva Rabelo ou Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, após ordenar-se sacerdote aos 22 anos, nasceu no Recife, PE em 20/8/1779. Religioso, professor, jornalista, poeta e destacado líder revolucionário com participação na Revolução Pernambucana (1817) e mártir da Confederação do Equador (1824).

 

Filho de Francisca Maria Alexandrina de Siqueira e Domingos da Silva Rabelo, ingressou ainda jovem no Convento de Nossa Senhora do Carmo, onde foi noviço aos 17 anos. Ordenou-se aos 22 anos e obteve autorização para cursar outras disciplinas no Seminário de Olinda e frequentar sua biblioteca, além da biblioteca dos Oratorianos, formando sua notável erudição. Aos 24 anos foi nomeado professor de Retórica, Geometria, Filosofia e Moral em seu Convento. Em seguida ingressou na Loja Maçônica Academia de Suassuna e na Loja Maçônica Academia do Paraíso, passando a postular ideais libertários.

 

Por esta época as ideias liberais em defesa da república fervilhavam nas colônias espanholas e, também no Brasil, em Pernambuco. Enquanto isso Portugal insistia com o regime monárquico com a Côrte Real instalada no Rio de Janeiro, em 1808. Para se manter o fausto real foi preciso explorar mais os recursos da colônia. Nesse contexto Pernambuco era uma das províncias mais prósperas, cujos recursos eram desviados para manter o luxo e tudo o mais necessário à manutenção da família real. Tais ingredientes lançaram as bases da Revolução Pernambucana, em 6/3/1817.

 

Assim, foi proclamada a independência da Província, que deveria se estender por todo o País. Chegou a ter hino, bandeira e enviou o “embaixador” Cruz Cabugá aos EUA em busca de apoio à nascente república. Mas durou pouco e o movimento foi derrotado 72 dias depois. Segundo o historiador Evaldo Cabral de Mello, “a presença de Frei Caneca na insurreição só foi detectada ao final do levante, quando marchava para o sul da província a enfrentar as tropas do conde dos Arcos, ocasião em que, segundo a acusação, foi capitão de guerrilhas”, sob o comando do Coronel Suassuna.

 

Foi preso e enviado para Salvador; ficou detido por 4 anos; elaborou uma gramática da língua portuguesa e manteve aulas com os presos. Libertado em 1821, retornou à Pernambuco e voltou a se envolver com a política. Participou do “Movimento de Goiana”, contando com o apoio dos fazendeiros. Um exército de milícias marchou contra o Recife e chegou a expulsar os portugueses de Pernambuco, marcando o início da Guerra da Independência do Brasil. O episódio ficou conhecido como “Convenção de Beberibe”. Em setembro de 1821, a “Convenção” estabeleceu que as juntas do Recife e Goiana continuariam atuando nesta área e no mês seguinte foi realizada a eleição de uma Junta Provisória, instalando o primeiro governo autônomo da província. Frei Caneca apoiou esta primeira Junta Governativa de Pernambuco, presidida por Gervásio Pires Ferreira.  

 

Em 1822, entusiasmado com a Junta, redigiu a “Dissertação sobre o que se deve entender por pátria do cidadão e deveres deste para com a mesma pátria", visando dar uma base teórica ao movimento. No entanto, divergências internas levaram a deposição da Junta por um grupo de militares, em 23/9/1822, denominado “Junta dos matutos”, que se estendeu por um mês.   Foi neste período que Frei Caneca iniciou sua participação mais ativa no movimento através de seu jornal, o Typhis Pernambucano, que se tornou a trincheira do movimento. Era um jornal semanal, destinado a divulgar os ideais revolucionários dos filósofos franceses do Iluminismo, como Rousseau e  Montesquieu. O movimento tomou maior vulto em 1824, quando D. Pedro dissolveu a assembleia nacional constituinte e adotou uma nova constituição outorgada no Brasil. Frei Caneca foi chamado a opinar e fez algumas declarações: “Esta constituição peca pelo principal, pois não garante a independência do Brasil com a determinação e a dignidade necessária, e deixa uma fisga para se aspirar a reunião com Portugal... Além do mais, é a Nação que escolhe a forma de governo, e Sua Majestade não tem comissão dos brasileiros para isso”. Também acusou D. Pedro de querer impor sua vontade pela força, e concluiu: “por todas estas razões, sou de voto que se não se adote e muito menos se jure este projeto”.

 

Foi o estopim para os líderes pernambucanos romperem definitivamente com o poder central, em 2/7/1824, e anunciar a formação de uma nova república, a Confederação do Equador. Era um projeto para o Brasil que tinha os EUA como modelo, ou seja, um conjunto de províncias autônomas, reunidas numa grande federação republicana. O apoio esperado das províncias do Norte e Nordeste e de outros países não prosperou e o movimento foi sufocado após muitos combates. Dom Pedro suspendeu as garantias constitucionais na província e amputou a comarca do São Francisco, incorporada ao território da Bahia, diminuindo o tamanho da província pernambucana.

 

Recife sofreu um bloqueio naval; os canhões invadiram a cidade e em 12/9/1824 as tropas do Brigadeiro Lima e Silva ocuparam todo o território. Derrotado, Frei Caneca fugiu para o Ceará, mas logo foi preso e conduzido para o Recife, em 29/11/1824. Foram muitas as manifestações e petições de ordens religiosas para que não fosse executado. Foi acusado do crime de sedição e rebelião e condenado à morte por enforcamento, em 13/1/1825. Porém, três carrascos, sucessivamente, negaram-se a enforcá-lo. Assim, foi amarrado numa das hastes da forca e foi morto por fuzilamento diante dos muros do Forte das Cinco Pontas. Seu corpo foi deixado em frente ao Convento das Carmelitas e recolhido pelos padres que o enterraram num local até hoje não identificado. O muro frente ao qual foi fuzilado, continua de pé, marcado por um busto e uma placa alusiva, colocada em 1917.

 

Na Wikipedia consta uma frase síntese sobre sua importância na História. “Frei Caneca foi o principal pensador político do processo de emancipação do Brasil que se desenhou a partir de Pernambuco, saltando do convento para as trincheiras na Revolução de 1817 e na Confederação do Equador, de 1824”. Como biografia vale citar, entre muitas, a realizada por Frei Tito -Frei Caneca: vida e escritos- publicada em 2017 pela CEPE-Companhia Editora de Pernambuco e Obras políticas e literárias de frei Joaquim do Amor Divino Caneca, organizada por Antônio Joaquim de Melo e publicada pela Assembleia Legislativa de Pernambuco, em 1972.

 

O poeta João Cabral de Melo Neto descreveu seu último dia no poema O Auto do Frade e seu irmão, o historiador Evaldo Cabral de Mello, organizou e redigiu a introdução ao livro Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, incluído na Coleção Formadores do Brasil, da Editora 34, em 2001. Em seguida e pela mesma editora lançou o livro a Outra Independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, contando a história “na contramão da historiografia oficial”.

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 22 de novembro de 2023

AS BRASILEIRAS: TERESA BENGUELA (CRÔNICA D COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

AS BRASILEIRAS: Teresa de Benguela

José Domingos Brito

 


 

Teresa de Benguela nasceu em princípios de 1700, na região de Benguela, atual República de Angola. Líder quilombola, liderou uma revolta no Quilombo do Quariterê (ou Quilombo do Piolho) na Capitania de Mato Grosso;  tornou-se “rainha” no início dos anos 1750, e se manteve por 20 anos, quando o quilombo foi destruido em meados de 1770.

 

Sua origem é controversa. Há registros portugueses que afirmam se tratar de uma escravizada angolana, embarcada para o Brasil no porto de Benguela. Mas há historiadores que afirmam ter nascido no Brasil. O Quilombo foi criado em 1740 por seu marido José Piolho e tornou-se um núcleo de resistência de negros fungidos da escravidão. Sua localização na selva amazônica, além de dificil era perto da fronteira pemitindo fugas para o lado espanhol. Tais condições permitiram uma resistência mais prolongada.

 

Por volta de 1750, deu-se a morte de José Piolho e ela, na condição de rainha viúva, assume seu lugar. A mudança ocorrida no Quilombo não foi apenas no comando. A rainha Teresa passa a governar ao modo de um Parlamento, com um local apropriado e reuniões em dias fixos todas as semanas com seus “deputados” e os convidados, presididos pela rainha. Segundo a pesquisadora Edir Pina de Barros, junto ao aspecto “democrático’ era mantida uma rígida disciplina afim de garantir sua defesa e sobrevivência.  

 

Ainda segundo a pesquisadora, o Quilombo Quariterê contrastava com a escassez na região: “Tal abundância relacionava-se à forma de apropriação da terra (pelo trabalho), disponibilidade de mão de obra e, sobretudo, trabalho cooperativo e solidariedade social... Através de relações mantidas com a sociedade ‘branca’, obtinham ferro, além de sal e outros artigos”. A prosperidade e o crescimento do Quilombo alertaram o governo português, que passou a se preocupar com seu exemplo entre outros quilombos existentes no período colonial.

O Quilombo foi invadido pelos portugueses em 1770. A rainha Teresa comandou a resistência, mas após alguns combates muitos quilombolas morreram e 79 negros e 30 indígenas foram capturados e levados para Vila Bela da Santíssima Trindade, atual estado de Mato Grosso, e devolvidos aos seus proprietários. Entre eles estava a rainha, que, segundo o sociólogo Clóvis Moura, ingeriu umas ervas venenosas e faleceu. Teve a cabeça decepada e pendurada no centro do Quilombo para servir de exemplo.

Mas este ainda não foi o fim do Quilombo Quariterê. Muitos quilombolas que fugiram do ataque se esconderam na mata e se reorganizaram noutro assentamento. O final do quilombo se deu em 1795 com outra investida dos portugueses, guiados por um negro forro capturado na invasão de 1770. Por essa época ainda se falava na liderança da rainha Teresa. Mas aos poucos foi caindo no esquecimento e tornou-se umas das mártires menos conhecidas do período colonial. 

Sua memória foi resgatada pelos historiadores e em 1994 a Escola de Samba Viradouro, do Rio de Janeiro, desfilou no carnaval com o enredo “Teresa de Benguela, uma Rainha Negra no Pantanal”. Antes disso ela foi lembrada em 1992 no I Encontro de Mulheres Negras da América Latina e do Caribe, realizado na República Dominicana. Em 2014, o dia 25 de julho foi instituído como “Dia Nacional de Teresa de Benguela e da Mulher Negra”, através da Lei nº 12.987/2014.

 

Mais uma homenagem ocorreu em 2020, em São Paulo, feita pela Escola de Samba Barroca Zona Sul, no desfile de carnaval com o samba-enredo “Benguela... A Barroca Clama a Ti, Teresa’.  A historiadora Thais de Campos Lacerda realizou uma pesquisa que pode ser vista como um bom ensaio biográfico -Tereza de Benguela: identidade e representatividade negra-, publicado na Revista de Estudos Acadêmicos de Letras da UNEMAT, vol. 12, nº 2, de 2019, à disposição na Internet, link https://periodicos.unemat.br/index.php/reacl/article/view4113

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 15 de novembro de 2023

OS BRASILEIROS: JOSÉ LINS DO REGO (CRÔNICA DO COLUNISTA JOSÉ DOMINGOS BRITO)

 

OS BRASILEIROS: José Lins do Rego

José Domingos Brito

 

 

José Lins do Rego Cavalcanti nasceu no Engenho Corredor, em Pilar, PB, em 3/6/1901. Advogado, romancista e jornalista, foi um autor destacado na geração de 1930 do modernismo brasileiro e um dos maiores romancistas regionalistas. Com um estilo despojado e direto, descreveu a decadência de uma época. Criado numa família de senhores de engenho, fez um relato nostálgico e crítico da transição da época em que viveu.

 

Filho de Amélia Lins Cavalcanti e João do Rego Cavalcanti e neto do famoso Coronel “Bubu do Corredor” (José Lins Cavalcanti de Albuquerque), senhor de 8 engenhos. concluiu os primeiros estudos em João Pessoa e Recife, onde ingressou na Faculdade de Direito e diplomou-se em 1923. Durante o curso, fundou o semanário Dom Casmurro e manteve contatos com o meio literário recifense, particularmente Gilberto Freyre, de quem recebeu forte influência.

 

Em 1924 casou-se com a prima Philomena Massa, filha do senador Antônio Massa e no ano seguinte ingressou no Ministério Público de Minas Gerais, como promotor em Manhuaçu, mas ficou pouco tempo no cargo. Mudou-se para Maceió, onde exerceu as funções de fiscal de bancos até 1930 e fiscal de consumo de 1931 a 1935. Neste período conviveu com Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Aurélio Buarque de Holanda e Jorge de Lima. Seus primeiros livros, integrantes do chamado “Ciclo da cana-de-açúcar” refletem a decadência do mundo rural nordestino: Menino de engenho (1932), Doidinho (1933), Bangüê (1934), O moleque Ricardo (1935) e Usina (1936).

 

Sua obra regionalista, contudo, não se encaixa somente na denúncia sociopolítica, mas, segundo Manuel Cavalcanti Proença, igualmente em sua “sensibilidade à flor da pele, na sinceridade diante da vida, na autenticidade que o caracterizavam”. Conforme alguns críticos, ele imprimiu uma nova forma de oralidade na literatura brasileira, praticada pelos modernistas de 1922. Após consolidar seu nome na literatura regional, transferiu-se para o Rio de Janeiro, em 1935, ampliando o leque de amigos, e passou a escrever para os Diários Associados e O Globo. Por essa época, revelou-se uma faceta pouco conhecida de sua personalidade: a paixão pelo futebol. Foi um grande torcedor do Flamengo e chegou a exercer o cargo de secretário-geral da CBD-Confederação Brasileira de Futebol no período 1942-1954.

 

Em 1956 entrou para a Academia Brasileira de Letras e logo depois estreou na literatura infanto-juvenil com Histórias da velha Totônia, seu único livro nesta área. Alguns de seus livros foram adaptados para o cinema e muitos deles foram traduzidos em diversos idiomas. Foi um escritor inteiramente despojado de atitudes ou artifícios literários. Ele mesmo se via como um escritor instintivo e espontâneo: “Quando imagino nos meus romances tomo sempre como modo de orientação o dizer as coisas como elas surgem na memória, com os jeitos e as maneiras simples dos cegos poetas”.

 

Faleceu em 12/9/1957 e deixou 23 livros publicados, além da imagem de um escritor comprometido com sua terra e seu tempo. Na avaliação dos críticos, deixou uma obra que “Bem examinadas as coisas… Nada há nele que não seja o espelho do que se passa na sociedade rural e nas cidades do Norte e do Sul do Brasil. É de todo o Brasil e um pouco de todo o mundo”, conforme José Ribeiro. Já Wilson Martins não gostou de Fogo Morto e afirmou que o “o livro não passa de simples reelaboração do Ciclo da Cana-de-Açúcar, sem nada lhe acrescentar e até tirando-lhe alguma coisa”. No entanto, Alfredo Bosi considerou Fogo Morto a verdadeira “superação” do ciclo da cana-de-açúcar.

 

Numa análise dos personagens, Antônio Candido declarou que “o que torna esse romance ímpar entre os publicados em 1943 é a qualidade humana dos personagens criados: aqui, os problemas se fundem nas pessoas e só têm sentido enquanto elementos do drama que elas vivem.” Outro respeitado crítico, Massaud Moisés, fez questão de colocar Fogo morto entre os livros dos anos 30, muito embora tenha sido lançado em 1943, pela razão da obra ser uma expressão “acabada do espírito do projeto estético e ideológico regionalista característico daquela década...é uma das mais representativas obras não só da ficção dos anos 30 como de todo o Modernismo”.

 

Entre os críticos, há um consenso, no qual sua obra caracteriza-se, particularmente, pelo extraordinário poder de descrição. “Reproduz no texto a linguagem do eito, da bagaceira, do nordestino, tornando-o o mais legítimo representante da literatura regional nordestina”. Segundo Luciana Stegagno Picchio, graças a José Lins "o regionalismo tornou-se um ato pessoal, um instrumento de realização literária". Sérgio Milliet disse que ele fez "uma imagem muito nítida do Nordeste dos últimos engenhos, evoluindo lentamente entre crises políticas e lutas domésticas, modorrento sob o sol das secas". Para Otto Maria Carpeaux todo o universo da casa-grande, da senzala, dos senhores de engenho e etc. "nunca mais existirá a não ser nos romances de José Lins do Rego".

 

 

Exibir vídeo “De lá pra cá”

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 08 de novembro de 2023

AS BRASILEIRAS: RUTH GUIMARÃES (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNSTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS BRASILEIRAS: Ruth Guimarães

José Domingos Brito

 


 

Ruth Guimarães Botelho nasceu em 13/6/1920, em Cachoeira Paulista, SP. Escritora, poeta, cronista, professora, jornalista. teatróloga, folclorista e tradutora. Foi a primeira escritora brasileira negra a projetar-se em âmbito nacional com seu romance Água Funda, publicado em 1946 pela Editora Globo. O livro retrata aspectos da vida rural e o universo caipira do Vale do Paraíba Paulista e mineiro.

 

Filha de Maria Botelho e Christino Guimarães, concluiu os primeiros estudos em sua cidade natal e o curso Normal em Guaratinguetá. Morando com os avós maternos em Cachoeira Paulista, aos 10 anos publicou os primeiros versos nos jornais A Região e A Notícia. Em 1938 mudou-se para São Paulo, levando três irmãos menores que acabou de criar. Frequentou a famosa Farmácia Baruel, do farmacêutico e escritor mineiro Amadeu de Queiroz, travando contato com escritores da época, como os irmãos Amado, Jorge e James, Mário da Silva Brito, Jamil Almansur Haddad, Mário Donato entre outros. No início da década de 1940 conheceu Mário de Andrade, que orientou sua pesquisa sobre o diabo e suas manifestações no imaginário popular.

 

Sua carreira se consolidou com o segundo livro - Os Filhos do Medo-, publicado também pela Editora Globo em 1950. Tal livro rendeu-lhe um verbete na Encyclopédie Française de la Pléiade, tornando-a a única escritora latino-americana a merecer tal distinção. A partir desse livro, teve atuação destacada na pesquisa da literatura oral no Brasil e no conhecimento da cultura caipira. Foi uma das primeiras alunas do curso de Letras Clássicas da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP; teve aulas com os professores Roger Bastide, Fidelino de Figueiredo, Silveira Bueno e Antonio Soares Amora, entre outros.

 
No início da década de 1960 frequentou a EAD-Escola de Arte Dramática da USP, especializando-se em Dramaturgia e Crítica. Trabalhou em algumas editoras como revisora e tradutora e publicou crônicas, artigos e crítica literária em jornais e revistas de São Paulo, Rio de Janeiro e Lisboa. Foi repórter das revistas Noite Ilustrada, Quatro Rodas, Realidade, Carioca e Globo. Como professora, lecionou francês na Aliança Francesa de São Paulo; grego na Universidade de Taubaté; Psicologia da Arte e Literatura nas Faculdades Integradas Teresa D’Ávila, em Lorena e Literatura na Faculdade de Ciências e Letras de Cruzeiro.

 
Passou anos pesquisando a medicina popular, as ervas, raízes e simpatias curativas, com a intenção de publicar uma enciclopédia em 12 volumes sobre medicina natural, que não chegou a ser concluída (os filhos estão completando esse trabalho). Seu legado é composto por mais de 50 livros, incluindo traduções do francês, italiano e latim. Ativa também fora da literatura, fundou o Museu de Folclore Valdomiro Silveira e a Guarda Mirim de Cachoeira Paulista. Participou da Sociedade Paulista de Escritores e da Associação Brasileira de Escritores (as duas entidades que se fundiram em 1958 para formar a UBE-União Brasileira de Escritores) e do Centro de Pesquisas Folclóricas Mário de Andrade. Foi membro da Comissão Estadual do Folclore, ao lado de Inezita Barroso, Oneyda Alvarenga e Rossini Tavares de Lima. Foi uma das fundadoras do IEV-Instituto de Estudos Valeparaibanos, que lhe concedeu o Prêmio Cultural Eugênia Sereno.
 
Na sua cidade natal, Cachoeira Paulista, fundou em 1972 a primeira academia de letras do Vale do Paraíba, a Academia Cachoeirense de Letras (hoje Academia Cachoeirense de Letras e Artes). Em 2008, eleita para a Academia Paulista de Letras, ocupou a cadeira 22, que foi de Guilherme de Almeida. Às vésperas de completar 89 anos, foi convidada pelo prefeito Fabiano Vieira para assumir a pasta da Cultura. Foi seu último cargo público e veio a falecer em 21/5/2014, aos 94 anos. Em 2019 foi criado em Cachoeira Paulista o Instituto Ruth Guimarães, um espaço cultural que mantém suas obras e memória.  
 

Segundo seu filho, Joaquim Maria Botelho, jornalista e  ex-presidente da UBE-União Brasileira de Escritores, no prefácio do livro Crônicas Valeparaibanas, “Ela gostaria de ter tempo para se dedicar à bruxaria... Ruth vive sem tempo, mas já é uma bruxa - a bruxa boa que o folclore valeparaibano representa nas suas histórias como a simpática velhinha que ensina o caminho às almas perdidas, que destrói com artimanhas geniais os monstros para deixar passar os príncipes que vão, por sua vez, salvar as princesas transformadas em rãs e as donzelas amaldiçoadas pelas feiticeiras malvadas. É assim que a Ruth quer continuar vivendo neste Vale do Paraíba que ela conta e reconta nos seus escritos deliciosos, pesquisados com o carinho de quem garimpa brilhantes. Na sua calma de cachoeirense, Ruth vem abrindo a alma, há 86 anos, para ser o relicário vivo das informações e da cultura valeparaibanas..." 

 

Quem é Ruth Guimarães?

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 01 de novembro de 2023

OS BRASILEIROS: MILLÔR FERNANDES (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: Millôr Fernandes

José Domingos Brito

 

 

 

Milton Viola Fernandes nasceu em 16/8/1923, no Rio de Janeiro, RJ. Escritor, poeta, jornalista, desenhista, humorista e dramaturgo, tornou-se o mais conhecido desenhista de humor gráfico da imprensa brasileira. Ficou célebre na sátira politica, filosófica e de costumes através das principais revistas e jornais em mais de 70 anos de atividade. Não era filófoso, mas recebeu título de “O pensador de Ipanema”.

 

Filho de Maria Viola Fernandes e do imigrante espanhol Francisco Fernandes, falecido quando Millôr ainda era bebê. A mãe, aos 27 anos, passou por uns perrengues financeiros e foi obrigada a alugar parte do casarão no Méier. Aos 11 anos, a mãe também faleceu e a família teve que viver separada, quando ele passou a ser criado pela

avó. Aos 14 anos conseguiu emprego fixo como entregador de remédio. Mas durou pouco e logo estava trabalhando na imprensa. Fã ardoroso de gibis, copiava os desenhos quadro por quadro e mais tarde declarou que esta foi sua “maior e mais legítima influência” em sua formação de humorista e escritor. Seu tio estimulou-o a enviar um desenho  para O Jornal, que foi aceito e lhe rendeu o pagamento de 10 mil réis.

 

Aos 15 anos foi trabalhar na revista O Cruzeiro e ingressou Liceu de Artes e Ofícios, onde estudou de 1938 a 1942. Aos 17 anos adotou o nome artístico Millôr Fernandes, devido à caligrafia do escrivão, transfomando o nome Milton em Millôr. Estreou na revista A Cigarra, em 1945, sob o pseudônimo Vão Gogo, com a seção “O Pif-Paf’, em parceria com cartunista Péricles. Pouco depois, lançou um livro em defesa do homem -Eva sem costela- com o nome Adão Júnior. Casou-se em 1948 com Wanda Rubino, com quem teve 2 filhos. No ano seguinte lançou o livro Tempo e contratempo, usando o nome Emmanuel Vão Gogo e produz seu primeiro roteiro de cinema Modelo 19.

 

Em 1953 estreou sua primeira peça teatral -Uma mulher em três atos- no Teatro Brasileiro de Comédia (SP). 4 anos depois já era um desenhista conhecido e realiza uma exposição no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1957. No ano seguinte passa a manter sozinho a coluna “Pif-Paf” em página dupla semanal, assinada por Vão Gogo, mantida até 1962, quando assumiu o próprio nome. Mantiha intensa atividade intelectual junto com práticas esportivas. Junto com um gurpo de amigos, lançou um novo esporte de praia denominado “Frescobol”, em 1958. Segundo ele "o único esporte em que ninguém tem a obrigação de ganhar, e nem a vergonha de perder". Trata-se um esporte de estilo cooperativo, em oposição ao estilo competitivo do tênis de praia.

 

Em 1960 estreou a peça Um elefante no caos, no Teatro da Praça (RJ), que lhe rendeu o prêmio de melhor autor, pela Comissão Municipal de Teatro. Em seguida inicia uma coluna semanal no Diário Popular, de Lisboa, mantida por 10 anos. Em 1965, junto com Flávio Rangel, escreveu o musical Liberdade liberdade, um protesto contra o Golpe Militar, instaurado no ano anterior, apresentado no Teatro Opinião (RJ). Com o acirramento da ditadura militar em 1969, passou colaborar no jornal O Pasquim, tornando-se um de seus principais colaboradores.

 

No ano seguinte, com a redação desfalcada de muitos colegas presos, ele junto com Henfil e ajuda de Chico Buarque, Glauber Rocha e Odete Lara entre outros, procuram manter o jornal até 1972, quando assume a diretoria do jornal. Reorganizou as finanças salvando-o da falência e permanece até 1975. Em seguida escreveu para Fernanda Montenegro a peça É..., que veio a se tornar seu maior sucesso teatral. Aos 57 anos, em 1980, conheceu a jornalista Cora Rónai e mantiveram um relacionamento até o fim de sua vida. 20 anos depois, aos 77 anos, experimenta uma novidade profissional: lançou o Saite Millôr Onlline, publicando novos desenhos e resgatando antigos trabalhos. Foi um pioneiro na Internet alcancando grande sucesso.

 

Sua ironia fina e a sátira nos textos e desenhos sempre foram alvo dos censores de plantão, que não lhe davam trégua. A partir de 2010, aos 86 anos, a saúde já não era a mesma e sofreu AVC isquêmico no ano seguinte. Com a saúde fragilizada, veio a falecer em 27/3/2012. Bem antes disso, deixou um Poeminha com saudades de mim mesmo:

“Quando eu morrer / Vão lamentar minha ausência / Bagatela / Pra compensar o presente / Em que ningúem dá por ela”.  Pouco depois foi homenageado pelos cariocas com o nome dado ao seu local predileto entre as praias do Diabo e do Arpoador: o Largo do Millôr. Em 27/5/2013 o local ganhou um banco incorporado a um monumento com sua sihueta desenhada por Chico Caruso, batizado como “O Pensador de Ipanema”.

 

Em 2018 a atriz Fernanda Montenegro fez-lhe uma declaração comovente em seu livro Itinerário fotobiográfico: “Millôr – retrato 3x4 corajosamente à maneira do próprio: Millôr, duas sílabas fortes, desconcertantes e gentis, cuja rima pode ser flor e também dor. Os olhos eram de águia, mas, também de pintassilgo, colibri, sabiá...” Foi reconhecido como um dos melhores frasistas do País, exibindo irreverência, ironia, sagacidade e senso de humor: “A morte é compulsória, a vida não”. “Amor não é coisa para amador”. “A vida é uma doença terminal”. “O ruim das amizades eternas são os rompimentos definitivos. “Todo homem nasce original e morre plágio”. “Livrai-me da justiça, que dos malfeitores me livro eu”. Em 2002 lançou o livro Millôr definitivo – A Bíblia do Caos, reunindo mais de 5 mil frases, lançado e relançado pela Editora L&PM diversas vezes.

 

No mês de seu centenário -agosto de 2023- diversos amigos publicaram textos reverenciando sua memória. Entre eles os acadêmicos Geraldo Carneiro: “Costumo dizer que ele tinha um processador mental inigualável. Suas respostas eram anárquicas e engraçadíssimas. Era uma figura maravilhosa, não só pelo intelecto, mas também pela ética, pela retidão intelectual. Era um dos caras mais bacanas da história do Brasil”, e José Paulo Cavalcanti Filho, em artigo aqui publicado https://luizberto.com/millor-e-terno/#comments: “Millôr era amigo certo de amigos incertos. Homem reto, apesar do empeno da coluna. Que sentia dores e quase todos os seus derivativos ‒ sobretudo amores, andores e ardores. Apreciador de bolo de rolo; e, para ser justo, de outros bolos e outros rolos. Alguém que acreditava na bolsa dos valores e nas boas ações. Que não gostava de roubar nem o tempo dos outros. Magro, no corpo. E gordo, nos sentimentos. Pobre, mas não de espírito. E rico, até de ilusões perdidas. Homem justo, em uma vida injusta, onde os dias passam tão devagar e os anos passam tão depressa. Dizem que Millôr morreu? Impossível. Que Millôr é terno. Eterno. Viva Millôr”.

Como biografia, ele mesmo providenciou a sua em 1972 com o lançamento de 30 anos de mim mesmo, uma autobiografia bem-humorada em seu estilo próprio, como se dizia “um escritor sem estilo”. Em seu centenário foi programado o relançamento de 16 de seus livros, 13 deles pela Editora L&PM. Em meados de 2023 foi publicada a Coletânea Centenário de Millôr Fernandes, fruto de um concurso realizado pelo Projeto Apparere, contendo 86 textos selecionados de 152 textos inscritos, conforme se vê no link https://www.perse.com.br/Coletanea+Centenario+de+Millor+Fernandes-13686.htm

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 25 de outubro de 2023

AS BRASILEIRAS: RENATA PALLOTTINI (CRÔNICA DE JOSÉ DOMNGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNSO FLORIANO)

 

AS BRASILEIRAS: Renata Pallottini

José Domingos Brito

 

 

 

Renata Monachesi Pallottini nasceu em  São Paulo, SP, em 28/3/1931. Advogada, professora, escritora, poeta, tradutora e essencialmente dramaturga. Atuou também na televisão com a produção de programas relevantes na cultura brasileira. Foi uma das pioneiras ao questionar as limitações impostas à mulher na sociedade. Foi a primeira mulher a fazer, pensar e revolucionar o Teatro no Brasil.

 

Filha de Iracema M. Pereira de Souza e Pedro Pallottini, graduou-se em Filosofia na PUC/SP-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 1951, e em Direito na USP-Universidade de São Paulo, em 1953. Em seguida ganhou uma bolsa de estudos do governo espanhol e ingressou na Universidade de Madrid (1959-1960), onde realizou cursos de História da arte e Literatura no Instituto de Cultura Hispânica. De volta ao Brasil, cursou Dramaturgia na EAD-Escola de Arte Dramática da USP (1961-1962) e concluiu o doutorado, em 1982, na ECA-Escola de Comunicações e Artes da USP, sob orientação de Sábato Magaldi.

 

Sua tese incluiu a peça O País do Sol, como parte da trilogia sobre a imigração italiana no Brasil, junto às peças Colônia e Tarantela. A parte teórica da tese resultou no livro Introdução à dramaturgia, publicado em 1983. Foi convidada por Sábato Magaldi para substituí-lo como docente na EAD/USP, ministrando aulas sobre História do teatro brasileiro. Lecionou também Artes Cênicas na ECA/USP, que lhe concedeu o título de professora emérita, em 2012.

 

Sua peça A Lâmpada (1960), foi pioneira ao abordar o tema da homossexualidade e trouxe inovações no campo teatral com uma nova dramaturgia nas décadas de 1960 e 1970. Destacou-se na nova geração de escritoras de teatro, junto com Hilda Hilst, Leilah Assumpção, Consuelo de Castro e Elza Câmara, entre outras, integrantes da chamada “Nova Dramaturgia”. Segundo Elza Cunha de Vicenzo, no livro Um teatro de mulher (1992), nascia ali uma nova proposta para o teatro brasileiro apresentado em São Paulo e que marcou de modo decisivo as gerações posteriores. Foi uma das autoras de vanguarda do movimento político-cultural que caracterizou a época e marcou as gerações posteriores.

 

Teve suas obras produzidas por diretores como Silnei Siqueira, Ademar Guerra, José Rubens Siqueira. Marcia Abujamra e Gabriel Vilela, entre outros. Traduziu o musical Hair, de James Rado e Gerome Ragni, traduziu e adaptou o romance Cidades invisíveis, de Ítalo Calvino, entre as traduções e adaptações realizadas. Com tantas e variadas publicações, manteve-se fiel a poesia desde os primeiros livros, como na coletânea de poemas Acalanto (1952). O romance Mate é a cor da viuvez (1975), ganhou um comentário de Lygia Fagundes Telles opinou: “um belo e corajoso livro”. Para Carlos Dummond de Andrade, sua poesia “é uma das realizações mais vibrantes no campo do lirismo voltado para a vida real e imediata, a vida não pontada de sonho”.

 

Destacou-se também em cargos políticos e administrativos, tais como presidente da Comissão Estadual de Teatro da Secretaria de Cultura, fundadora e presidente da Associação Paulista de Autores Teatrais e presidente do Centro Brasileiro de Teatro, filiado ao International Theatre Institute, da UNESCO. Integrou entidades como a União Brasileira de Escritores, PEN Clube do Brasil, Clube de Poesia de São Paulo e Academia Paulista de Letras, a partir de 2013.

 

Foi premiada diversas vezes: Prêmio Juca Pato 2017, da União Brasileira de Escritores; Prêmio Jabuti 1996, da Câmara Brasileira do Livro, na categoria poesia e o prêmio do Pen Clube de Poesia 1961, pela obra Livro de Sonetos. Em 1974 e 1976 foi premiada pela APCA-Associação Paulista dos Críticos de Arte com os prêmios Melhor Roteiro, com novela O Julgamento e Melhor Tradução, com a peça Lulu; Prêmio Anchieta da Comissão Estadual de Teatro, 1968; Prêmio Molière 1965, com a peça O Crime da Cabra. Em 2016 foi contemplada com o “Colar Guilherme de Almeida’, concedido pela Câmara Municipal de São Paulo. 

 

O legado de Renata Pallottini conta com dezenas de peças de teatro, adaptações e traduções, poemas, romances, estudos teóricos e trabalhos para a televisão. Faleceu em 8/7/2021 e ainda não contamos com uma biografia mais completa. Porém, pode-se contar com o ensaio biográfico escrito por Rita Ribeiro Guimarães -Renata Pallotini cumprimenta e pede passagem, incluido na Coleção Aplauso Brasil, publicada pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, em 2006.

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 18 de outubro de 2023

OS BRASILEIROS: LUÍS FREIRE (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO AMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: Luís Freire

José Domingos Brito

 


 

 

Luís de Barros Freire nasceu em 16/3/1896, em Recife, PE. Engenheiro civil, professor, pioneiro da ciência no Brasil, catalisador de talentos em Pernambuco e estimulador de futuros cientistas do naipe de Mário Schenberg, Leopoldo Nachbin e José Leite Lopes, que o chamava de “arquiteto de valores humanos”.

 

Realizou os primeiros estudos no Recife e ingressou no curso de engenharia civil da Escola de Engenharia de Pernambuco. Diplomado em 1918, voltou-se para o magistério e passou a lecionar matemática na Escola Normal. Em 1920 foi contratado como professor da Escola de Engenharia, onde estudara. Em 1930 casou Branca Palmeira Freire e logo nasce o primeiro filho: Marcos Freire, que se destacou na política como deputado e senador de Pernambuco na década de 1970.

 

Em 1933 recebeu o título de Doutor em Ciências Físicas e Matemáticas e foi aprovado no concurso para professor catedrático de Física. Além de lecionar nos principais colégio do Recife, foi nomeado, em 1943, professor de Análise Matemática na Faculdade de Filosofia Manuel da Nóbrega, hoje incorporada a Universidade Católica de Pernambuco. Em seguida mudou-se para o Rio de Janeiro, onde foi lecionar na Faculdade de Ciências da Universidade do Distrito Federal, atual UFRJ, dirigida por Anísio Teixeira.

 

Em 1951, com a criação do CNPq-Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, foi nomeado membro, participando da Comissão de Ciências Físicas e Matemáticas até sua morte, em 17/7/1963. Seu grande sonho foi realizado em 1952: a implantação do Instituto de Física e Matemática, na Universidade do Recife. Sua ideia foi criar um centro de estudos nesta área altamente especializada. Para ele a universidade não devia apenas transmitir, mas também produzir conhecimento. Dirigiu o Instituto e manteve intercâmbio com instituições congêneres no País e no exterior, sobretudo em Paris, onde esteve em missão científica do CNPq, em 1958.

Entre suas contribuições como cientista consta a famosa expressão do chamado “Potencial Vetor”, utilizando a linguagem do cálculo vetorial com recursos dos operadores vetoriais. Pouco depois publicou um trabalho destacando a “Equação geral das escalas termoelétricas”, que obteve elogiosas referências do físico James Chappuis, professor da École Centrale des Arts et Manufactures de Paris.  Em 1977, o físico José Leite Lopes declarou: “Era a figura mais notável de todas porque era um homem de uma grande cultura em Matemática e em Física, um grande espírito filosófico e de crítica e dava as aulas de uma maneira muito elegante, muito atraente, Foi ele, exatamente, ao fazer já o curso no primeiro ano, que me desviou da Química Industrial”.

Ocupou vários cargos e participou de diversos eventos na área da Física, tais como membro do Conselho Orientador do Instituto de Matemática Pura e Aplicada-IMPA, membro fundador do Centro Brasileiro de Pesquisas físicas-CBPF, integrou o Comitê Internacional do Jubileu Científico do Professor Arnaud Denjoy, da Sorbonne, membro da American Mathematical Society, do Conimbrigensis Institut Academia e presidente do Instituto Tecnológico de Pernambuco.

Os brasileiros e principalmente os pernambucanos estão devendo a edição de uma biografia mais abrangente de Luís Freire, mas podemos contar com o excelente ensaio biográfico de duas professoras de Física -Ivone Freire da Mota e Albuquerque e Amélia Império Hamburger- apresentado em 1989 no 2º Congresso Latino-Americano de História da Ciência e da Tecnologia: Luiz de Barros Freire: pioneiro da institucionalização da pesquisa científica no Brasil. 

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 15 de outubro de 2023

AS BRASILEIRAS: ADELPHA FIGUEIREDO (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA D ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANOo

 

AS BRASILEIRAS: Adelpha Figueiredo

José Domingos Brito

Adelpha Silva Rodrigues de Figueiredo nasceu em 20/9/1894, em Sorocaba, SP. Professora, dentista e principalmente bibliotecária. Foi a primeira brasileira a concluir o curso de biblioteconomia numa universidade e pioneira, junto com Rubens Borba de Moraes, na implantação deste curso no Brasil.

Filha de Maria Magdalena Camargo Gomes da Silva Rodrigues e do professor e médico Antonio Gomes da Silva Rodrigues. Aos 7 anos, a família mudou-se para São Paulo afim de manter a educação dos filhos. A mãe também era professora e os filhos tiveram a oportunidade de estudarem no exterior, quando a família passou uma temporada na França e na Suíça. Assim, os filhos puderam escolher os cursos profissionais que mais lhe interessavam.

Adelpha ingressou na Faculdade de Odontologia de São Paulo e formou-se cirurgiã-dentista em 1910 e lecionou no Colégio Mackenzie no período 1916-1926. Neste último ano foi construído um novo prédio para alojar a Biblioteca do Colégio e ela ficou encarregada dos primeiros serviços. Deixou o cargo de professora e passou a se dedicar ao estudo da biblioteconomia. Em 1929 foi contratada a bibliotecária norte-americana Dorothy M. Gedde para organizar o acervo e treinamento de Adelpha na função de atendimento aos alunos.

Suas atividades foram coroadas com uma bolsa de estudos para cursar biblioteconomia na Universidade de Columbia, nos EUA. Ao retornar ao Brasil, Adelpha ministrou o primeiro curso de biblioteconomia, enquanto dirigia a Biblioteca George Alexander, do Mackenzie, até 1936. No ano anterior Mário de Andrade havia organizado o Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo, que tinha como um dos objetivos criar um sistema de bibliotecas públicas e uma escola de biblioteconomia. Adelpha foi convidada para o cargo de chefe da nova divisão, bibliotecária-chefe da Biblioteca Municipal Mario de Andrade e professora do curso de biblioteconomia, posteriormente transferido para a FESPSP-Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

Na chefia da biblioteca inovou com novas técnicas de classificação dos livros, arranjo dos e adotou o sistema norte-americano de livre acesso dos leitores ao acervo. Pouco depois foi convidada para reorganizar a biblioteca da Faculdade de Medicina e em 1938 teve participação destacada na fundação da APB-Associação Paulista de Bibliotecários, a primeira entidade profissional dos bibliotecários brasileiros, dirigindo-a no período 1947-1951. Neste último ano realizou a Conferência sobre o Desenvolvimento de Bibliotecas Públicas na América Latina, com o patrocínio da UNESCO.

Em 1948 participou da fundação da Escola de Biblioteconomia da Faculdade de Filosofia Sede Sapientae da PUC/SP. Faleceu em 3/8/1966 e mais tarde, foi criado na sede da APB o primeiro sindicato dos bibliotecários no Brasil, em 1985. Adelpha foi homenageada com seu nome dado a Biblioteca Pública Municipal, no bairro do Pari, a uma rua no bairro Chácara do Encosto e ao Centro Acadêmico da Escola de Biblioteconomia da PUC-Pontifícia Universidade Católica de Campinas.


José Domingos Brito - Memorial quarta, 04 de outubro de 2023

OS BRASILEIROS: PAULA BRITO (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: Paula Brito

José Domingos Brito

 


 

 

Francisco de Paula Brito nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 2/12/1809. Escritor, jornalista, poeta, dramaturgo, atiivista político, tradutor, pioneiro da editoração no Brasil e pioneiro também ao colocar a questão do racismo na ordem do dia, i.é, na imprensa, com o lançamento da revista “Um homem de cor”.

 

Filho de Maria Joaquina da Conceição Brito e do carpinteiro  Jacinto Antunes Duarte. Enquanto jovem, trabalhou como ajudante de farmácia, aprendiz de tipógrafo na Tipografia Nacional e, mais tarde, no Jornal do Comércio, como diretor das prensas, tradutor e contista. Em 1830 casou-se com Rufina Rodrigues da Costa e no ano seguinte adquiriu uma pequena loja na Praça da Constituição, onde funcionava uma papelaria e oficina de encadernação.

 

Aí tem início sua “Typographia Fluminense”, na Rua da Constituição, onde instalou um prelo e passa a trabalhar como impressor. Em 1833 abriu mais uma tipografia na mesma rua e começa a expandir seu negócio. Parecia um misto de livraria, gráfica e editora frequentada por ilustres literatos. Empregou o poeta Casimiro de Abreu e o jovem Machado de Assis, que começou como revisor de provas e teve seus primeiros textos publicados ali mesmo. Pouco depois foi criada na editora a “Sociedade Petalógica”, onde se “discutia” a mentira, a lorota etc. Era uma agremiação dedicada ao lazer dos intelectuais frequentadores da livraria.

 

Mais tarde, Machado escreveu: "Lá se discutia de tudo, desde a retirada de um ministro até a pirueta da dançarina da moda, desde o dó do peito de Tamberlick até os discursos do Marquês do Paraná". Na condição de mulato e jornalista atuou na defesa dos afrodescendentes. Publicou o periódico O Homem de Cor, entre 14 de setembro e 4 de novembro de 1833, o primeiro jornal dedicado a luta contra o preconceito racial. Com isso dá início à imprensa negra no Brasil. De sua livraria/editora saíram livros como O juiz de paz na roça (1838), A festa e a família na roça (1840), de Martins Pena;  Antonio José ou o poeta e a inquisição (1839), de Gonçalves de Magalhães. 

 

Além de editor, também escreveu e foi um dos precursores do conto brasileiro, tais como O enjeitado, A mãe-irmã e A revolução póstuma, publicados em 1839. Assim, ele desempenhou relevante papel na promoção da leitura no País, onde o livro era considerado produto clandestino poucos anos antes. Estimulou a escrita de romances, através de outro mulato -Teixeira e Souza-, que foi pioneiro no gênero com o livro O filho do pescador (1843). Suas publicações -ao contrário do que ocorria na época, com textos sobre administração, política e informações práticas- dirigiam-se mais ao leitor comum, fruto das marcantes mudanças ocorridas no Brasil entre a Independência e a maioridade de Dom Pedro II,   

 

Em 2/12/1850 criou a Imperial Typographia Dous de Dezembro, data de seu aniversário e de D. Pedro II, que se tornou seu acionista, num patrocínio movido mais por caráter pessoal do que político. O Imperador admirava seu empenho em estimular os escritores brasileiros. Foi o primeiro editor de Machado de Assis, tornando-se seu amigo e indicando o jovem cronista para trabalhar na Tipografia Nacional, em 1856, sob a direção de Manuel Antônio de Almeida. No período 1849-1861 editou o periódico A Marmota, um folhetim satírico e noticioso, junto com o polêmico jornalista baiano Próspero Ribeiro Diniz. Foi um importante veículo, contando com a colaboração assídua de Machado de Assis no período 1855-1861.

 

Faleceu em 5/12/1861 e pouco depois Machado prestou-lhe homenagem com uma crônica em sua coluna no Diário do Rio de Janeiro: “pelas suas virtudes sociais e políticas, por sua inteligência e amor ao trabalho, o que levou a alcançar com louvor a estima geral...Tinha fé nas suas crenças políticas, acreditava sinceramente nos resultados da aplicação delas; tolerante, não fazia injustiça aos seus adversários; sincero, nunca transigiu com eles”. Tornou-se o livreiro preferido pela elite intelectual do Rio de Janeiro e o principal editor da época

 

A editora de Paula Brito lançou 372 publicações. Sua vida e legado na editoração brasileira podem ser contemplados na biografia -Vida e obra de Paula Brito- escrita por Eunice Ribeiro Gondim e publicada pela Livraria Brasiliana Editora, em 1965. Ocupa lugar de destaque na História do livro no Brasil. 

 

 


José Domingos Brito - Memorial terça, 03 de outubro de 2023

OS BRASILEIROS: MACHADO DE ASSIS - II (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: Machado de Assis II

José Domingos Brito

Aos 69 anos sofreu um abalo com a morte de sua amada e passou uma temporada em Nova Friburgo visando restauração. Com o abalo escreveu seu último soneto: A Carolina, uma de suas melhores poesias, segundo Manuel Bandeira uma das peças mais comoventes da Literatura Brasileira. Alguns biógrafos garantem que Machado visitava o túmulo todos os domingos. Em seguida publicou suas últimas obras: Esaú e Jacó (1904), Relíquias de casa velha (1906), Memorial de Aires (1908) e a última peça teatral Lição de botânica (1908).

Sem ânimo, continuou participando das reuniões na ABL, mais por dever de ofício, e manteve-se no trabalho como diretor-geral do Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas. Escreveu ao amigo Joaquim Nabuco: “Foi-se a melhor parte da minha vida, e aqui estou só no mundo…”. Em janeiro de 1908, entrou em licença de saúde e passa a receber a visita dos amigos e admiradores. Nas últimas semanas, escreveu muitas cartas aos amigos. Tal como Mário de Andrade, cultivava a “literatura epistolar”, reunida nos 5 volumes de sua Correspondência de Machado de Assis. Faleceu em 29/9/1908, vitimado por uma úlcera cancerosa e epilepsia.

Rui Barbosa fez o elogio fúnebre, em nome da ABL, e o ministro do interior Tavares de Lyra discursou em nome do governo. No funeral, uma multidão dirigiu-se ao Cemitério São João Batista, onde foi sepultado ao lado da amada Carolina. Em 21/4/1999, a ossada do casal foi transladada para o Mausoléu da ABL. Seu legado é composto de 10 romances, 200 contos, 10 peças teatrais, 5 coletâneas de poesias e mais de 600 crônicas. São inúmeras as homenagens recebidas em vida e pós-morte. Ainda hoje a ABL é chamada de “Casa de Machado de Assis”. Seu maior prêmio literário também recebe o nome. É o escritor mais estudado da literatura brasileira.

Na condição de crítico literário, tinha uma noção precisa de seu significado: “Estabelecei a crítica, mas a crítica fecunda, e não a estéril, que nos aborrece e nos mata, que não reflete nem discute, que abate por capricho ou levanta por vaidade; estabelecei a crítica pensadora, sincera, perseverante, elevada – será esse o meio de reerguer os ânimos, promover os estímulos, guiar os estreantes, corrigir os talentos feitos; condenai o ódio, a camaradagem e a indiferença – essas três chagas da crítica de hoje; ponde, em lugar deles, a sinceridade, a solicitude e a justiça – e só assim que teremos uma grande literatura”, escreveu no Diário do Rio de Janeiro, em 8/10/1865.

Certamente, devido a este sentido, é que foi agraciado com uma “fortuna crítica” gigantesca. Qual o tamanho dessa “fortuna”? O pesquisador Elfi Kurten Fenske teve o trabalho de realizar um levantamento dos estudos, artigos, teses, ensaios etc. publicados sobre o autor e sua obra. O levantamento conta com 2630 referências bibliográficas publicadas na revista Templo Cultural Delfos, de fevereiro/2021 e disponível na Internet

Em termos biográficos, vale citar Machado de Assis: estudo crítico e biográfico, de Lucia Miguel Pereira, publicado em 1936 e reeditado até hoje. Trata-se de uma das maiores críticas literárias e estudiosa da obra de Machado. Sua publicação provocou uma reviravolta na interpretação psicológica do autor e renovou o interesse em sua obra. Mais tarde outro crítico literário – Raimundo Magalhães Júnior – publicou a monumental biografia em 4 volumes: Vida e obra de Machado de Assis, em 1981, e vem sendo reeditada até agora. Aí são revelados novos aspectos do autor, mostrando um homem antenado com os problemas sociais e políticos do País. Outra biografia digna de nota – A vida de Machado de Assis – foi publicada por Luiz Viana Filho, em 1965.

O Crítico inglês John Gledson, especializado em sua obra, publicou Machado de Assis: ficção e história (1986) e Por um novo Machado de Assis (2006). São tantas as biografias que a profª Maria Helena Werneck chegou a publicar, em 1996, um livro investigando as biografias machadianas, analisando o momento histórico em que foram produzidas e deu-lhe um título apropriado: O homem encadernado: Machado de Assis na escrita das biografias.

O tempo passa e novos críticos apaixonados pela obra machadiana vão surgindo. Em 2005 Daniel Piza lançou uma biografia apresentando “uma nova abordagem da vida, da morte, da obra e, sobretudo do seu quotidiano numa perspectiva histórico-jornalística”: Machado de Assis – Um gênio brasileiro, lançado pela Imprensa Oficial. Uma biografia privilegiando o universalismo, a imprevisibilidade e o talento do autor. A magnitude do gênio literário não pode ser contemplada numa só biografia e novas facetas do homem e enforques de sua obra vão surgindo com o tempo.

 


José Domingos Brito - Memorial segunda, 02 de outubro de 2023

OS BRASILEIROS: MACHADO DE ASSIS - I (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: Machado de Assis - I

José Domingos Brito

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 21/6/1839. Escritor destacado em todos os gêneros literários: romancista, poeta, cronista, dramaturgo, jornalista, tradutor e crítico literário, é reconhecido como o maior nome da literatura brasileira. Introduziu o Realismo no Brasil e registrou os costumes e eventos político-sociais em fins do séc. XIX e princípios do séc. XX. Segundo o crítico Harold Bloom é o maior escritor negro de todos os tempos.

Filho de uma lavadeira portuguesa – Maria Leopoldina da Câmara Machado – e um descendente de negros alforriados -Francisco José de Assis-, ambos alfabetizados e “agregados” de Maria José de Mendonça Barroso, viúva do senador Bento Barroso Pereira. Ela junto com o cunhado – Joaquim Alberto de Souza da Silveira – foram madrinha e padrinho do bebê, que recebeu o nome em homenagem aos dois. O garoto estudou numa escola pública e foi “coroinha” de igreja, onde conheceu o Padre Silveira Sarmento, que se tornou seu amigo e professor de latim.

Aos 10 anos, perdeu a mãe e, junto com pai, foram morar em São Cristóvão. Seu pai casou-se de novo, em 1854, e a madrasta cuidou bem do garoto, que a essa altura demonstrava interesse pela leitura. Passou a frequentar o centro da cidade e aos 14 anos publicou seu primeiro soneto no Periódico dos Pobres. Virou cliente da livraria do jornalista e tipógrafo Francisco de Paula Brito, onde chegou a trabalhar como revisor de provas. A livraria sediava a “Sociedade Petalógica”, ou seja onde se “estudava” a mentira, a lorota etc. Mais tarde, Machado escreveu: “Lá se discutia de tudo, desde a retirada de um ministro até a pirueta da dançarina da moda, desde o dó do peito de Tamberlick até os discursos do Marquês do Paraná”.

Em 1855, seu amigo Brito publicou mais dois de seus poemas: Ela e A palmeira na Marmota Fluminense, a revista da livraria. No ano seguinte, por indicação de Paula Brito, passou a trabalhar como aprendiz de tipógrafo e revisor na Imprensa Nacional, onde fez amizade com Manuel Antônio de Almeida, autor de Memórias de um sargento de milícias, que o estimulou na carreira literária. Trabalhou aí por 2 anos e em 1858 foi convidado pelo poeta Francisco Otaviano para trabalhar como cronista e revisor do Correio Mercantil. Aos 20 anos fazia parte do métier intelectual carioca cultivando o Teatro. Em fins de 1859 escreveu o libreto da ópera Pipelet, que não foi bem recebido pelo público. Escreveu mais um libreto para a ópera As bodas de Joaninha, que também não foi bem recebido.

Pouco depois foi convidado por Quintino Bocaiúva para trabalhar no Diário do Rio de Janeiro, onde permaneceu de 1860 a 1867, sob a supervisão de Saldanha Marinho. Na época colaborou com outros jornais e revistas usando pseudônimos. e publicou a coletânea de poesias Crisálidas. Em 1865 fundou a “Arcádia Fluminense”, agremiação artístico-literária para promover saraus e reunir os intelectuais. No ano seguinte escreveu: “A fundação da Arcádia Fluminense foi excelente num sentido: não cremos que ela se propusesse a dirigir o gosto, mas o seu fim decerto que foi estabelecer a convivência literária, como trabalho preliminar para obra de maior extensão”. Certamente a Arcádia foi um prenúncio da ABL-Academia Brasileira de letras, fundada 32 anos depois.

Por essa época, Machado era mais um “homem de teatro’ do que escritor. Era um “rato de coxia”, como se dizia, e frequentava as rodas de teatro junto com José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo e outros. Chegou a aprender grego para se familiarizar com o teatro antigo. Em 1867 foi nomeado, por Dom Pedro II, diretor-assistente do Diário Oficial. Dado suas ideias progressistas, foi anunciado como candidato a deputado pelo Partido Liberal do Império, mas logo desistiu para se dedicar às letras. Por essa época conheceu Castro Alves, encaminhado por José de Alencar com o bilhete: “Seja o Virgílio do jovem Dante, conduza-o pelos ínvios caminhos por onde se vai à decepção, à indiferença e finalmente à glória, que são os três círculos máximos da divina comédia do talento”. Pouco depois Machado escreveu sobre o jovem poeta baiano: “Achei uma vocação literária cheia de vida e robustez, deixando antever nas magnificências do presente as promessas do futuro”.

Em seguida conheceu Carolina Augusta Xavier de Novais, uma portuguesa culta, por quem logo se apaixonou e se casaram em 1869. Conta-se que ela retificava seus textos durante sua ausência e que talvez tenha contribuído para a transição de sua narrativa convencional à realista. O casal viveu no casarão da Rua Cosme Velho por 35 anos. Em fins do século XIX, um grupo de intelectuais inspirados na Academia Francesa, decidiram criar a ABL e encontraram em Machado um apoiador entusiasmado pela ideia. Precisavam de um presidente sobre o qual não pairasse dúvidas quanto a sua competência e houvesse unanimidade sobre a escolha. Machado era o nome talhado para o cargo e a Academia foi instalada em 20/7/1897. (continua no próximo domingo)

 

 

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial domingo, 01 de outubro de 2023

AS BRASILEIRAS: RUTH DE SOUZA (CRÔNICA DE JOSÉ DOMNGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS BRASILEIRAS: Ruth de Souza

José Domingos Brito

Ruth Pinto de Souza nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 12/5/1921. Atriz e uma das grandes damas da dramaturgia brasileira. Foi a primeira brasileira indicada ao prêmio de melhor atriz no Festival de Veneza, em 1954, com o filme Sinhá Moça; a primeira atriz negra a protagonizar uma novela – A Cabana do Pai Tomás – na televisão, em 1969, e primeira mulher negra a atuar no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.

 

Nascida numa família humilde do subúrbio carioca, mudou-se para uma fazenda em Minas Gerais, onde viveu até os 9 anos, e volta a morar no Rio de Janeiro com a morte do pai. O interesse pelo teatro se deu logo cedo, ingressando no grupo Teatro Experimental do Negro, em 1945, liderado por Abdias do Nascimento. Neste ano, foi o 1º grupo de teatro negro a se apresentar no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com a peça O Imperador Jones, de Eugene O’Neil.

Sua primeira grande atuação se deu em 1947, com a peça O filho pródigo, de Lucio Cardoso. Em 1948 foi indicada por Pascoal Carlos Magno para receber uma bolsa de estudos da Fundação Rockfeller. Passou um ano nos EUA, onde frequentou a Universidade de Harvard, escola de teatro Karamu House e American National Theater and Academy. Na volta ao Brasil, estreou no cinema com o filme Terra Violenta. Na década de 1950, com o surgimento da TV, passou a atuar em teleteatros da TV Tupi. Sua atuação, em 1959, na peça Oração para uma negra, de William Faulkner, lhe rendeu os principais prêmios da temporada.

Em seguida fez sucesso na televisão com a novela A Deusa Vencida (1965), de Ivani Ribeiro, na TV Excelsior. Foi o detonador dos grandes índices de audiência que notabilizaram o gênero televisivo-literário que o País espelha e agora espalha pelo mundo. Sua atividade possibilitou a reconfiguração do imaginário cultural em relação a população negra. Participou de inúmeras produções no teatro, cinema e TV e foi agraciada como atriz com os prêmios: Troféu APCA (1976), Festival de Gramado (2004), Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro (2016), Prêmio Dandara da ALERJ (2017) e 5º Festival de Cinema Internacional (2018).

Em 2016 foi homenageada com a mostra “Pérola Negra: Ruth de Souza”, exposta no Centro Cultural Banco do Brasil. Em 2019 recebeu mais uma homenagem no carnaval, com o enredo da Escola de Samba Acadêmicos de Santa Cruz: “Ruth de Souza –Senhora da Liberdade- Abre as Asas Sobre Nós”. Foi a última homenagem em vida e veio a falecer 4 meses depois, em 28/6/2019, aos 98 anos. Outras homenagens ocorreram em janeiro de 2021, no mês de seu centenário.

Na ocasião, o pesquisador Breno Lira Gomes, curador da mostra, declarou que ela “precisa, a cada ano, ser lembrada e mostrar para cada geração que vai surgindo a importância que ela tem, principalmente para os atores e para as atrizes negras pelo fato dela junto com o Grande Otelo terem aberto as portas do cinema, do teatro e da televisão para que todos os atores e atrizes pudessem ter seu espaço, que não fossem meros coadjuvantes, meros participantes do cenário artístico aqui no Brasil”.

Nas comemorações de seu centenário, em 2021, a Prefeitura do Rio de Janeiro inaugurou o “Teatro Municipal Ruth de Souza”, no bairro de Santa Teresa. Sua biografia escrita por Maria Angela de Jesus – Ruth de Souza: estrela negra -, publicada pela Imprensa Oficial de São Paulo, apresenta amplo retrato de sua trajetória e legado.

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 06 de setembro de 2023

AS BRASILEIRAS: ANNA ROSA (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS BRASILEIRAS: Anna Rosa

José Domingos Brito

 

 

 

Anna Rosa Termacsics dos Santos nasceu em 1821, na Hungria e veio para o Brasil, com a família, aos 7 anos. Professora de piano, canto e alfabetizadora, foi precursora do movimento feminista brasileiro ao publicar o livro, em forma de manifesto: Tratado sobre a emancipação política da mulher e direito de votar, em 1868. Tal direito foi alcançado no mundo em 1893 (Nova Zelândia) e no Brasil apenas em 1932.  

Filha de Antônio Termacsics e mãe desconhecida pelas fontes, foi descoberta pela historiadora Cristiane de Paula Ribeiro a partir de uma investigação, iniciada em 2016, para sua dissertação de mestrado. Descobriu primeiro seu nome, pois o Tratado traz na capa e página de rosto apenas a sigla A.R.T.S. Outras descobertas se deram com o entusiasmo da pesquisadora no encontro com a feminista tão precoce na história. Ficou sabendo que pertencia a uma família de posses; que gostava de ler; estudou aritmética, filosofia e história e devia ter uma boa biblioteca em casa.   

A vinda da família para o Brasil deveu-se a perda de uma fortuna em processo judicial tido como “injusto e ruinoso”. O pai era agricultor e comerciante de vinhos conhecido na região. Aqui a família viveu na região de Taubaté, mudando-se para o Rio de Janeiro em meados de 1850. A família mantinha uma escola, onde ela, aos 15 anos, passou a dar aulas de piano, corte, costura e bordado. Manteve a docência, sobretudo a musical, até sua morte em 15/1886.

Foi uma mulher que trabalhou muito para manter seu sustento, vivendo em pequenos sobrados nas redondezas do centro do Rio de Janeiro. Além de trabalhar como professora de piano e canto, lecionou idiomas e alfabetização em algumas residências e colégios. Não se casou nem teve filhos, condição que dificultava sua vida num ambiente em que a mulher tinha poucas condições de se manter só e dignamente. Poucos antes de falecer, ainda se via seu nome anunciado em jornais como professora.

Seu Tratado conta com uma dupla reivindicação, ambas pioneiras: o reconhecimento da mulher como cidadã e o direito ao voto. Não é pouca coisa, visto que se deu em meados do século XIX. O livro foi publicado pela Tipografia Paula Brito, um nome conhecido no métier cultural da época, cuja editora era frequentada por Machado de Assis, Gonçalves Dias e Joaquim Manuel Macedo entre outros. Foi reeditado em 2022, incluído na série “Vozes Femininas” na Edições Câmara (dos Deputados), com prefácio e notas da pesquisadora Cristiane de Paula Ribeiro, cuja dissertação de mestrado traz o título A vida caseira é a sepultura dos talentos: gênero e participação política nos escritos de Anna Rosa Termacsics dos Santos (1850-1886), disponível na Internet.

A fim de termos uma ideia do conteúdo do livro, reproduzimos algumas partes, onde autora expõe suas reflexões sobre a emancipação da mulher: “Para interesse tanto dos homens como das mulheres, e do melhoramento do mundo, no mais largo senso, a emancipação da mulher, que o mundo moderno se gaba que tem efetuado (…), não pode parar aí”. Sobre o sufrágio feminino, sua reivindicação é mais objetiva: “O protesto das mulheres não é contra um abuso especial, mas contra um inteiro sistema de injustiças; e a importância particular do sufrágio político para a mulher é porque ele parece ser o símbolo de todos os seus direitos”.

Sobre a educação dispensada à mulher, que tinha um curriculum diferenciado do homem, suprimindo algumas matérias básicas, sua reflexão é um desabafo: “só a educação faz a diferença; diz-se que a mulher é deserdada da natureza, é destituída do espírito de invenção, que nada tem produzido; que o homem é astrônomo, poeta, maquinista e descobridor de terras; mas se ele recebesse a triste educação da mulher, que só serve para pasto do despotismo do homem, quero saber que habilidades ele adquiriria”.

 
Tratado sobre a emancipação política da mulher e ... - YouTube

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 30 de agosto de 2023

OS BRASILEIROS: CORNÉLIO PIRES (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNSTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO

OS BRASILEIROS: Cornélio Pires

José Domingos Brito

 

 

 

Cornélio Pires nasceu em 13/7/1884, em Tietê, SP. Poeta, escritor, compositor, jornalista, cineasta, folclorista, humorista e etnógrafo, foi um tipo de showman da cultura caipira. Foi também empresário e pioneiro da indústria fonográfica gravando seus próprios discos. Sua obra constiui-se num relevante registro do dialeto caipira.

 

Filho de Ana Joaquina de Campos Pinto e Raimundo Pires de Campos Camargo, teve os primeiros estudos com um mestre-escola ambulante. Em seguida, a família mudou-se para a cidade, passando a estudar no Grupo Escolar Luiz Antunes. Aos 15 anos foi trabalhar no jornal O Tietê, como aprendiz de tipógrafo e tomou gosto pela imprensa. Aos 17 foi ganhar a vida em São Paulo e trabalhou nos grandes jornais da capital. Em 1904 fez diversas reportagens sobre a Revolta da Vacina, ocorrida no Rio de Janeiro.

 

Pouco depois passou a viajar pelo interior fazendo shows como humorista caipira e em 1910 publicou o livro: Musa caipira, onde apresenta as primeiras “poesias dialetais” registradas em livro. No mesmo ano apresentou no Colégio Mackenzie um espetáculo reunindo catiriteiros, cururueiros e duplas caipiras. Foi a primeira apresentação da cultura capira na capital. Devido ao sucesso da apresentação, montou um show humorístico, com anedotas, causos e imitações caipiras, encerrando com duplas de violeiros e cantadores de modas.

 

Viajou pelo País levando seu show e difundindo a cultura caipira paulista com livros e palestras, que lhe rendeu o título de “Bandeirante do Folclore Paulista”. Durante as comemorações do centenário da Independência, em 1922, realizou diversas palestras e apresentações junto com o maestro Eduardo Souto. Em 1924 dirigiu seu primeiro filme -Brasil pitoresco-, retratando suas viagens e mostrando características e aspectos sociais de diversos grupos e comunidades do País. Publicou mais de 20 livros, incluindo As estrambóticas aventuras de Joaquim Bentinho (1924), de grande sucesso, tornando-se o maior best-seller.

 

Foi pioneiro na gravação de discos 78rpm, ao gravar a primeira moda de viola -Jorginho do Sertão- lançada em 1929 e passou a ser chamado de o “Pai da música sertaneja”. Ele fez a adaptação da música caipira ao formato fonográfico e à natureza do espetáculo circense, já que a música caipira é originalmente música litúrgica do catolicismo popular, presente nas folias do Divino, no cateretê e na catira. Em seu livro Conversas ao pé do fogo, vemos o etnólogo ao fazer uma descrição dos diversos tipos de caipiras, incluindo um “Dicionário do Caipira”. Noutro livro -Sambas e Cateretês- recolheu inúmeras letras de composições populares, que teriam caído no esquecimento, caso não estivessem registradas neste livro.

 

Sua importância como pesquisador é reconhecida no meio acadêmico, como se vê nas citações de sua obra feitas por Antônio Candido em seu livro Os Parceiros do Rio Bonito. Na gravação da música Moda de peão, ele inicia com uma explicação: “Moda de viola cantada por dois genuínos caipiras paulistas. Este é o canto popular do caipira paulista em que se percebe bem a tristeza do Índio escravizado, a melancolia profunda do Africano no cativeiro e a saudade enorme do Português saudoso da sua Pátria distante. Criado, formado nesse meio o nosso caipira, a sua música é sempre dolente, é sempre melancólica, é sempre terna. Eis a ‘Moda do Peão’".

Monteiro Lobato e Cornélio Pires foram contemporâneos e ambos trataram sobre o caipira; porém, de modos opostos. Enquanto Lobato vê o caipira como um ente vegetativo, indolente e preguiçoso, Cornélio procura valorizar sua cultura, porque entende ser essencial ao futuro do país integrar populações à margem da modernidade. A partir de 1935 iniciou um programa na Radio Difusora de São Paulo, onde apresentava seus discos, causos e duplas caipiras de violeiros. O programa tinha vasta audiência no Estado e no Brasil. No mesmo ano, levou o caipira às telas do cinema, dirigindo o filme Vamos passear, com a dupla Sorocabinha e Mandy no papel principal. É o primeiro filme “sonoro” independente do Brasil.

 

Não obstante ser presbiteriano, tomou contato com vários fenômenos espíritas em suas viagens e algumas comunicações com o espírito Emílio de Menezes. Passou a estudar as obras de Allan Kardec, León Denis e alguns livros do então jovem Francisco Xavier. Nos anos  1944-1947 publicou os livros "Coisas do outro mundo" e "Onde estás, ó Morte?". Era tio de José Herculano Pires, conhecido autor espírita e faleceu em 17/2/1958, quando se dedicava à redação do livro Coletânea Espírita. Pouco antes de falecer, retornoou à Tietê, adquiriu uma chácara e fundou a “Granja de Jesus”, um lar para crianças desamparadas, que não chegou a ver implantada. Sua memória é cultuada em Tietê através de um monumento (herma) na praça central, do Instituto Cornélio Pires (www.corneliopires.com.br) e  da “Semana Cornélio Pires”, realizada desde 1959, na segunda quinzena de agosto.   Dentre suas biografias, vale citar os livros de Jofre Martins Veiga: A vida pitoresca de Cornélio Pires (1961) e de Marcelo Dantas: Cornélio Pires, criação e riso (1976).  

  

Cornélio Pires documentario - completo - 2018 "60 anos de morte" - YouTube

 

 

 

 

AS BRASILEIRAS: Presciliana Duarte de Almeida

 

2Introdução

PrescilianaDuarte  de  Almeida  foi  uma  poetisa,  escritora,  fundadora  da Academia Paulista  de  Letras,  fundadora  e  diretora  da  revista A  mensageira, considerada  atualmente  a primeira  revista  com  teor  feminista  do  Brasil,e  mulher  doséculo  XX.  Importante  ressaltar que por se tratar do século passado não era comum ver mulheres ativas no campo da educação ou ocupando lugares sociais, diferentes dos afazeres do lar.Foi possível encontrar cópias da revista A mensageira no ano de 1897, buscando pela primeira ediçãofoi possível encontrar a seguinte citação,escrita pela própria Presciliana;Estabelecer  entre  as  brazileiras  uma  sympathia  espiritual,  pela  comunhão  das mesmas  ideias,  levando-lhes  de  quinze  em  quinze  dias  ao  remansoso  lar,  algum pensamento novo –sonho de poeta ou fructo de observação acurada, eis o fim, que modestamente, nos propomos. (ALMEIDA, 1897)3.Entende-se  que  Presciliana  foi  uma  mulher  de  fibra  para  sua  época,e  que  se preocupava com a vida das mulheres que se encontravam cuidando de seuslares.Pela análise da  citação,  é  possível  afirmarque  Presciliana  entendia  que  essas  mulheres  tinham  direito  a Literatura e aum pensamento novo.1Aluna  do  Curso  de  Pedagogia  da  Universidade  Estadual  de  Mato  Grosso  do  Sul  (UEMS),  Unidade  deParanaíba. Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC).2Doutora  em  Educação  pela  Universidade  Estadual  Paulista  Júlio  de  Mesquita  Filho;  pós-doutorado  em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho; pós-doutorado em Educação na Universidade  do  Estado  do  Rio  de  Janeiro  (2014).  É  professora  da  Universidade  Estadual  de  Mato  Grosso  do Sul, atuando no curso de Pedagogia e Mestrado em Educação, vinculada à linha de pesquisa História, Sociedade eEducação.3Ortografia original da época, citação direta da revista publicada no ano de 1897.

An. do Semin. em Educ. e Colóq. de Pesq., Paranaíba, MS, 2017, ISSN: 2446-6069138Realizando uma busca no site Googlepelo nome de Prescilianaé possível encontrá-loescrito das seguintes formas: Prisciliana, Presciliana, Prescilliana, Priscilianna. Por se tratar de pesquisa  inicial,  não  foi  possível  encontrar  nenhuma  certificação  de  como  se  escreve corretamente seu nome.Também,  não  foi  possível  encontrar  nenhuma  fotografiadigna  da  escritora,  e  nem pesquisas  que  enfatizem  a  mulher  e  escritora  Presciliana  Duarte  de  Almeida. Dentre  suas várias publicações e o tempo dedicado àLiteratura,Presciliana dedicou parte da sua escrita à Literatura Infantil escolar, tendo publicadodois livros:Páginas Infantis(1908) e O livro das aves: crestomatia4em prosa e verso(1914).Pesquisar e estudar Presciliana éumprazer, pois é importante para a área de pesquisa em  Literatura  Infantil  dar  ênfase  aos  escritores  que  antecederam  Monteiro  Lobato(1882-1948),  preenchendo  a  lacuna  histórica  que  existe  dentro  da  área  de  pesquisas  em  Literatura Infantil.Nesse sentido, como primeira aproximação, o objetivo deste texto é o de reconstituir uma biografia de Presciliana Duarte de Almeida.1.O que é biografia?Por que realizar a biografia de uma escritora?Quando  decidi  realizar  uma  biografia  da  autora  Presciliana  Duarte  de  Almeida,  uma inquietação  surgiu  em  mim  e  em  alguns  colegas  de  pesquisa,  o  que  seria  uma  biografia? Muitos  podem  acreditar  dentro  do  senso  comum  que  essa  éumapergunta  fácil  para  se encontrar resposta, mas  seria fácil mesmo? Qual a importância de realizar a biografia de um autor? Para que ela serve?Respondendo a primeira pergunta sobre:o que  é uma biografia? Encontrei a resposta em  Burke(1997).  Segundo  ele: “[...] a idéia de uma vida ‘escrita’pode  ser  encontrada  na Idade  Média.  O  termo  biographia  foi  cunhado  na  Grécia  no  fim  do  período  antigo.  Antes disso, falava-se em escrevervidas. [...]” (BURKE, 1997, p. 91, grifos do autor)Buscando a resposta para a minha segunda inquietação, após realizar leituras de alguns autores,  achei  de  forma  mais  clara  o  entendimento  que  Burke(1997)traz,  buscando  na história o porquêque se realizavam escritas de biografias. Segundo Burke(1997, p. 87): 4Segundo o dicionário crestomatia  significa: coletânea de trechos em prosa ou verso escolhidos da obra de um ou mais autores, com finalidade didática.

An. do Semin. em Educ. e Colóq. de Pesq., Paranaíba, MS, 2017, ISSN: 2446-6069139No  mundo  antigo  predominaramgovernantes  e  filósofos,  mas  havia  também  um pequeno  espaço  disponível  para  generais  e  literatos.  ComélioNepos  escreveu  não apenas   sobre   comandantesmilitares   como   Aníbal,   mas   também   sobre   Ático. Plutarco   escreveu   sobre   Cícero,enquanto   Suetônio   e   o   gramático   Donato escreveram  sobre  Virgílio.  NoRenascimento,  [...],foram  escritas  biografias  de governantes  comoAlfonso  de  Aragão  e  Cosimo  de Medici,  de  escritores  como Dante  e  Petrarca,de  filósofos  como  Ficino  e  Pico  e  de condottiericomo  NiccoloPiccinino eBraccioMontone. A escolha de capitães de soldados mercenários como heróispode  parecer  estranha  hoje  em  dia,  mas  as  biografias  de  Gattamelata  porDonatello  e  de  Colleoni  por  Verrocchio  nos  lembram  que  os condottieri,  comoos príncipes,  mereciam  estátuas  em  lugares  públicos.  O  repertório  agora  seexpandia para incluir mulheres e artistas (entre eles o compositor Josquin dês Prez, cuja vida foi escrita pelo humanista suíço Glareanus). Os protagonistas debiografias incluíam ainda indivíduos de outras culturas, como no caso dos sultãesde Giovio, ou do Átila(1537)do  húngaro  MiklósOláh,  um  discípulo  de  Erasmo;do Maomé(1543)  do alemão Widmanstetter; ou do Tamerlão(1553) dePerondinus.Por último, responderei a pergunta:paraque serve escrever a biografia de um autor?Na  linha  cronológica  da  Literatura  Infantil,  temos  muitos  espaços  em  branco, muitas lacunas  a  serem  preenchidas.  A  história  da  Literatura  Infantil  Brasileira,segundo  os  estudos realizadosse  iniciacom  Figueiredo  Pimentel(1869 –1914), havendoum  saltocronológicopara  Monteiro  Lobato,  e  depois,para  a  época  da  ditadura  militar, momento  em  que  se consagravam autores como Ana Maria Machado, Cecília Meirelles entre outros.Resgatarautores  e  principalmente  autoras  que  antecederam  Monteiro  Lobato,  que  é considerado   por   grandes   pesquisadores   o   Pai   da   Literatura   Infantil   no   Brasil,   é algo fundamental  para  a  área  de  pesquisas  em  Literatura  voltada  para  as  criançasem  nosso  país. Mostrar  e  relembrar  que houveautores  e  principalmente  autoras,que  foram  importantes  na sua época e que influenciaram toda uma sociedade com seus livrosé o que se pode alcançar com o que apresento neste texto.Esse é o caso de Presciliana Duarte de Almeida, mulher do século XX, que influenciou diretamente toda a história da Literatura Infantil antes de Lobato, mulher que dedicou parte de sua história como escritora e poetisa preocupando-se em levar textos para leitura decrianças com seus poemas.Buscando  uma  explicação  em  Burke,  ele  afirma  que: “[...]Algumas  coleções  de biografias tinham um objetivo didático: não apenas as vidas de santos, mas também as vidasde artistas [...].”(BURKE, 1997, p. 87).2.Quem foi Presciliana Duarte de Almeida?

An. do Semin. em Educ. e Colóq. de Pesq., Paranaíba, MS, 2017, ISSN: 2446-6069140Foram  poucos  os  livros e  artigos  encontradosque  citam  Presciliana  Duarte  de Almeida,  ou  que  possibilitam  um  encontro   com  sua  biografia.  Pretendo  realizar  esse levantamento  até o  final  da  pesquisa,  que  será  em julho  do  ano  de  2018;  porém  os  livros, artigos  e  textosque  encontrei até  o  momento trazem  praticamente  asmesmas  informaçõessobre a vida easobrasda autora.Segundo Nelly Novaes Coelho(1984),Presciliana Duartede Almeida foi:Figura feminina de destaque no movimento cultural literário e educacional paulista, no entre séculos. Presciliana Duarte de Almeida nasceu em Pouso Alegre (MG), em 3 de junho de 1867. [...]. Em S. Paulo, vem a falecer aos 77 anos, a 13 dejunho de 1944, sendo enterrada no Cemitério do Araçá. (COELHO, 1984, p. 790).Buscando  por  Presciliana  naenciclopédia  Itaú  Culturalfoi  possível  encontrar  a seguinte informação:Presciliana Duarte de Almeida nasceu em Pouso Alegre –MG no ano de 1867,efaleceu em 1944, na cidade de São Paulo –SP, publicou seu primeiro livro em 1890, intitulado  de Rumorejos,  trabalhou  como  colaboradora  dos  periódicos Almanaque  Brasileiro Garnier, A estação, Rua do Ouvidor e A Semana. Fundou a revista A Mensageira em 1897, e foi diretora da mesma até o ano de 1900, Tornou-se colaboradora da revista Educaçãono ano de 1902, e da revista Alvorada, que era do Grêmio Literário dos alunos do Ginásio Silvio de Almeida, em 1909. Também em 1909 é membro –fundador da Academia Paulista de Letras;em  1906  lança Sombraslivro  de  poesias, Paginas  Infantis em  1908,  em  1910  o Livro  das Aves e Vetiver em 1939.Outra  informação  interessante,  que  foi  possível  localizar  na  Enciclopédia  Itaú  é  que Presciliana também assinava com outro nome que era: Perpétua do Vale.Para minha surpresa, em setembro do ano de 2016, ao participar do 7º SLIJ5, evento de Literatura Infantil e Juvenil, realizado na cidade de Florianópolis/SC, a pesquisadora Marisa Lajolo trouxe um poema6de Presciliana, e fez umacomparação com os e-books757º  Seminário  deLiteratura  Infantil  e  Juvenil,  II  Seminário  Internacional  de  Literatura  Infantil  e  Juvenil  e Práticas de Mediação Literária. Linguagens poéticas pelas frestas do contemporâneo.6Trata-se do poema que pode ser encontrado no livro Páginas infantis de 1910, p. 11-12, a saber: “–Para mim livrobonito/É aquele que tem figuras/Para você não é, Carlitos?”7Livros digitais que são utilizados pelos jovens atualmente.

An. do Semin. em Educ. e Colóq. de Pesq., Paranaíba, MS, 2017, ISSN: 2446-6069141Pode-se encontrar um poucomaisde Presciliana no livro Literatura Infantil Brasileira de  Leonardo  Arroyo.  Segundo  Arroyo,  Presciliana  foi  uma  das  percussoras da  Literatura Infantil e tem grande importância na área.Em  Zalina  Rolim,  Presciliana  Duarte  de  Almeida,  Francisca  Julia  e  Olavo  Bilac, entre  os  precursores  de  nossa  literatura  infantil,  encontramos  as  mais  válidas  vozes da  poesia  para  criança  no  Brasil.  São  quatro  autores  que  nos  deixaram  uma  obra clássica,  classicamente poética,  para  a  infância  mostrando  assim  os  verdadeiros critérios de composição de uma lírica capaz de ser longamente amada pelas crianças. (ARROYO, 1988, p. 217).No  livro Panorama  Histórico  da  literatura  infantil  Juvenilde  Nelly  Novaes  Coelho(1991),  no  tópico Livros  e  Autoresencontramos  a  seguinte  citação  sobre  Presciliana  e  sua obra Páginas Infantis (1908);Figura feminina de destaque no movimento cultural, literário e educacional paulista, no  entre  séculos,  a  mineira  Presciliana  Duarte  de  Almeida  (1867/1944)  teve  ação importante  na  divulgação  das  novas  idéias  feministas  e  educacionais.  Incentiva  a criação da revista estudantil A Aurora(no Ginásio Silvio de Almeida –SP), escreve peças  de  teatro  que  leva  a  encenação  pelos  escolares  e,  em  1908,  publicaPáginas Infantis,  coletânea  de  estorietas  referendadas  por  uma  carta –prefácio  de  João Kopke. Em 1914, escreve o livro de leitura O Livro das Aves (crestomatia em prosa e verso), adotado em várias escolas paulistas.(COELHO, 1991, p. 219).O  site  da Universidade  de  Campinas  (UNICAMP)  tem  um  tópico  dedicado  às memórias  da  Literatura  Infantil.  Nele,é  possível  encontrar  a  seguinte  informação  sobre  a autora pesquisada:Presciliana  Duarte  de  Almeida  nasceu  em  Pouso  Alegre  (MG)  em  3  de  junho  de 1967.  Primade  Júlia  Lopes  de Almeida  e  Adelina  Lopes  Vieira.  Após casar-se muda-se    para    São    Pauloonde    funda,    em    1889,    a    revista feministaA Mensageira.Participa da fundação da Academia Paulista de Letras em 05 de outubro de  1909  onde  ocupa  a  cadeira  nº  8,  escolhendo  a  poetisa  Bárbara  Heliodora,  sua trisavó,  como  patrona. Morreu  aos  77  anos,  em  São  Paulo,  em  13  de  junho  de 1944.1908 -Página Infantis1914 -O Livro das Aves(UNICAMP, 2017).Realizando  busca  no siteda  Academia  Paulista  de  Letras deque  Presciliana  foi fundadora,  ocupando  a  cadeira  de  número  oito,  foi possívellocalizar cinco  resultados  em Discursos  e  um  resultado  em Memória.  Quando  realizei  a  busca  pelo  nome  escrito  como Presciliana  não  localizei  nenhuma  informação,  foi  possível  localizar  essas  informações  a partir  do  momento  em  que  digitei  o  nome  da  autora  da  seguinte  forma:  Prisciliana.  Como citado anteriormente não consegui nenhuma confirmação,ainda, de como seu nome é escrito

An. do Semin. em Educ. e Colóq. de Pesq., Paranaíba, MS, 2017, ISSN: 2446-6069142corretamente,  a  pesquisa  está  em  fase  inicial,  e  esse  problema  é  um  dos  que  pretendo encontrar respostae solução até o final da pesquisa.Aliás,  a  título  de  curiosidade,  se  bem  que  en  passant,  gostaria  de  assinalar  duas peculiaridades  no  nascedouro  desta  Academia:  primeiro,  o  fato  de  haver  entre  os acadêmicos uma grande farturade  médicos sete entre 40 membros, talvez pelo fato de  o  próprio  fundador  ter  sido  um  ilustre  profissional  da  Medicina;  e,  depois,  pela presença  de  uma  mulher,  a  poeta  Prisciliana  Duarte  de  Almeida,  que  se  fez acompanhar,  no  colegiado,  de  seu  primo  e  marido,  também  poeta,  Silvio de Almeida. (SOUZA,2016).Ainda no discurso de Paulo Nathanael Pereira de Souza ele faz mais uma referênciaa Presciliana:Por  20  anos,  Maria  de  Lourdes,  dentro  da  tradição  inaugurada  pela  presença feminina  de  Prisciliana  de  Almeida  na  Academia,  ocupou  seu  posto  entre  os imortais, trabalhando incansavelmente, fosse a  favor do fortalecimento institucional deste cenáculo, fosse na produção literária em prosa e verso de sua obra, esse legado de incontáveis e imperecíveis riquezas com que nos herdou.(SOUZA, 2016).No  discurso  de  boas  vindas  da  acadêmica  Anna  Maria  Martins  para  desejar  as  boas-vindas à escritora Ruth Rocha:Na área da cultura literária, Maria de Lourdes Teixeira, a primeira mulher eleita para a Academia Paulista de Letras, abriu-nos o caminho. Prisciliana Duarte de Almeida foi  fundadora.  A  entidade  passou  então  a  acolher  escritoras,  juristas,  historiadoras. Espaço livre  para  a  intelectual com trabalho de  relevância  no panorama  cultural  do país,  a  APL  recebe  a  mulher  com  o  merecido  reconhecimento  por  sua  atividade profissional.(MARTINS,2016).Segundo Paulo Bomfim, no discurso de recepção à escritora Myriam Ellis,Presciliana Duarte  de  Almeida  foi  a  primeira  mulher  a  ocupar  uma  cadeira  na  Academia  Paulista  de Letras:Quarenta cadeiras representam bem o espírito do solo onde estão plantadas. Nelas se assentam  intelectuais  de  todos  os  quadrantes  do  país.  Aqui  se  encontram  com  o gaúcho  Freitas  Valle,  os  catarinenses  Affonso  de  Taunay  e  Monsenhor  Manfredo Leite,  os  paranaenses  Eurico  Branco  Ribeiro  e  Ernani  da  Silva  Bruno,  os  mineiros Basílio  de  Magalhães,  Aureliano  Leite  e  Prisciliana  Duarte  de  Almeida  que  deu  à Academia  Brasileira  de  Letras  o  exemplo  da  primeira  mulher  Acadêmica.  Aqui estiveram  também  o  paranaense  Afranio  do  Amaral,  o  maranhense  Carlos  Alberto Nunes, o sergipano Cleomenes Campos, o carioca Luiz Martins, o baiano Fernando Góes,  o  cearense  Raymundo  de  Menezes  e,  até  ontem,  para  alegria  de  todos  nós  o alagoano Ricardo Ramos, hoje habitante de nossa saudade.(BOMFIM, 2016).

An. do Semin. em Educ. e Colóq. de Pesq., Paranaíba, MS, 2017, ISSN: 2446-6069143Em  outro  discurso  de  recepção,  agora  pelo  acadêmico  Israel  Dias  Novaes,  para  a escritora  Anna  Maria  Martins,  citando  o  nome  de  Presciliana  como  fundadora  e  primeira mulher  a  ocupar  uma  cadeira  na  AcademiaPaulista  de  Letras,  ele  ainda  destaca  que  foi necessário quase meio século depois para outra mulher ocupar outracadeira na Academia.Acadêmica  Anna  Maria  Martins:  Vosso  ingresso  na  Academia  Paulista  de  Letras tem múltiplos significados, inclusive aquele da crescente representação feminina nos nossos quadros. Entre os quarenta patronos escolhidos figurava apenas uma mulher, Barbara  Heliodora,  na  cadeira  de  nº  8,  fundada  por  Prisciliana  Duarte  de  Almeida, poetisas  ambas.  Foram  necessários  mais  de  meio  século  para  que  outra  mulher viesse  a  formar  entre  os  quarenta  imortais:  a  mestra  do  romance  urbano  Maria  de Lourdes  Teixeira,  empossada  em  1969.  Possivelmente,  a  Academia,  assim  tão paradoxalmente masculina, considerasse as escritoras apenas como zelosos repousos do guerreiro.(NOVAES, 2016).Juca  de  Oliveira  em  seu  discurso  de  posse  relembra  e  cita  Presciliana  Duarte  de Almeida, a primeira pessoa e mulher a ocupar a cadeira de número oito que agora se destinava a ele,relembrando e realizando uma breve biografia da autora:[...]Prisciliana Duarte de Almeida, a fundadora da cadeira, poetisa, nasceu em junho de  1867.  Em  1890  publicou  seu  primeiro  livro  de  poesias,  "Rumorejos",  e  a  partir daí desenvolveu intensa atividade literária e cultural. Entre 1897 e 1900, fez circular em  São  Paulo  a  publicação  "A  Mensageira",  de  tendência  feminista,  que  exerceu grande  influência  na  emancipação  da  mulher  brasileira.  Inicialmente  destinada  à produção  literária,  seus  artigos  passaram  a  exigir  mais  direitos  para  as  mulheres, ampliação  do  mercado  de  trabalho  feminino  e  uma  educação  de  melhor  qualidade. Em 1938, aos 75 anos, editou ‘Vetiver’, seu último volume de poesia.(OLIVEIRA, 2016).Ainda  em  seu  discurso  de  posse  Juca  de  Oliveira  faz  outra  citação  de  Presciliana, quando  cita  o  teatro  e  afirma  a  importância  da  revista A  Mensageira,  fundada  em  1897  pela escritora. Não fazemos teatro por dinheiro, ou por vaidade. Fazemos teatro para exercer nossa função estética e social, que é mudar o homem; torná-lo melhor, mais afetivo, mais generoso,  mais  solidário  e  sobretudo,  menos  predador.  O  teatro  abre  picadas,  cria modelos  novos  de  cultura,  e  socializa  comportamentos.  Para  citar  um  exemplo,  a nossa  querida  Prisciliana  Duarte  de  Almeida,  com  absoluta  certeza,  engendrou  sua revista  "A  Mensageira",  inspirada  pela  Nora,  de  "A  Casa  de  Bonecas"  de  Ibsen,  o primeiro  manifesto  feminista,  levado  ao  palco  em  1978.  Sem  essa  personagem criada  por  Ibsen,  as  mulheres  não  teriam  atingido  a  posição  que  têm  hoje  na sociedade!(OLIVEIRA, 2016).

An. do Semin. em Educ. e Colóq. de Pesq., Paranaíba, MS, 2017, ISSN: 2446-6069144No tópico das Memórias,aindapesquisandono site da academia,Presciliana foi citada da seguinte forma:‘Então  é  bom  dizer  bem  alto  que  dessa  Academia  fazem  parte  os  literatos  e  poetas —D.  Prisciliana  de  Almeida,  Dr.  Freitas  Guimarães,  o  velho  Carlos  Ferreira, Benedito  Otávio,  Alberto  Faria,  Basílio  de  Magalhães,  Dr.  Raul  Soares  de  Moura, Dr.Valdomiro  Silveira,  Dr.Venceslau  de  Queirós’,  Amadeu  Amaral,  que  é  redator chefe  do  "O  Comércio  de  São  Paulo",  e  outros.  E  qual  destes  12  literatos  e  poetas precisa do beneplácito do Dr. Roberto Moreira?...(ACADEMIA, 1911).Ainda no siteda academia, mas agora digitando o nome da autora da seguinte forma: Priscillianafoipossívelencontrar dois resultados:um em acadêmicos anteriores e outro em Patronos.No  resultado  em  acadêmicos  anteriores encontramos  apenas  as  informações  do número  da  cadeira  que  Presciliana  ocupou,  sendo  a  de  número  oito,  o  patrono: Bárbara Eliodora Guilhermina da Silveira Bueno, o aniversário: 1/1/11118, e a data de posse que foi em 27/11/1909, data de fundação da academia.Como citado anteriormente abusca pelo nome escrito da seguinte forma: Presciliana e Priscilianna não trouxeram nenhum resultado. Na obra de referência para a Literatura Infantil, escrita por Lajolo e Zilberman(2007, p.  28), Literatura  Infantil: história  &  histórias,  foi  possível  localizar  a  seguinte  citação: “Datam  desse  mesmo  período  as  antologias  folclóricas  e  temáticas  estas  últimas  com  o objetivo  de  constituírem  material  adequado  para  celebração  escolares:  [...] Livro  das  aves (1914), de Presciliana D. de Almeida.” 3.Considerações finaisPresciliana  Duarte  de  Almeida  foi  uma  figura  de  extrema  importância  para  a  sua época,  mulher  que  se  preocupava  com  as  outras  mulheres  que  não  obtiveram  a  mesma oportunidade que ela, mulher essa que já vinha de família de escritoras.O  estudo  sobre  a  vida  e  obra  de  Presciliana  Duarte  de  Almeida  tem  extrema importância para a população acadêmica que pesquisa ou que pode vir  a  pesquisara área de Literatura Infantil.8Acredito que essa data não está correta, porém é a informada no site e decidi usar asinformações que o site da academia proporciona.

An. do Semin. em Educ. e Colóq. de Pesq., Paranaíba, MS, 2017, ISSN: 2446-6069145Pode –se  perceber  nesse  breve  levantamento  que  muitas  informações  são  idênticas  e que outras não batem, como por exemplo a publicação do livro Páginas  Infantis, que alguns pesquisadores  trazem  como  data  de  publicação  o  ano de  1908  e  outros  o  ano  de  1910.  Por haverpoucosestudossobre a autora é comum encontrar essas incoerências, por isso pretendo com  meu  estudo  e  minha  pesquisa,  tentar  dar  o  máximo  de  coerência  e  informações sustentáveis, nem que para isso, seja necessárioir direto a arquivos, como visitas a cidade de Pouso  Alegre  onde  Presciliana  Nasceu,  ao  antigo  Ginásio  Silvio  de  Almeida  e  à  própria Academia Paulista de Letras.Temos  um  enorme  número  de  pesquisas  voltadas  para  o  autor  Monteiro  Lobato,  não desmerecendo  oautor,  pretendo  jamais  fazer  isso,  temos  consciência  da  importância  de Lobato  para  a  Literatura  Infantil  Brasileira;  mas  precisamos  pensar  e  refletir  sobre  os  que antecederam  Lobato, que talvez, de alguma forma, tiveram alguma influência não só  em sua época, mas também nas histórias pensadas e escritas por Monteiro Lobato.Além  da  importância  de  se  pesquisar  autores  que  antecederam  Lobato,  é  importante ressaltar   que   a   Literatura   Infantil   tem   um   enorme   campo   de   pesquisas,   com   fontes extremamenteinesgotáveis que precisam e devem ser exploradas.Caso  não tenha  tempo  o  suficiente  para encontrar  todas  as  respostas  até  o  final  da pesquisa,  pretendo  continuar  pesquisando  a  autora,  pois  acredito  que  será  de  extrema importância  para  a  área  de  Literatura  e  LiteraturaInfantil  relembrar,  quão  importante  foi  a escritora Presciliana Duarte de Almeida.ReferênciasACADEMIA. A Polêmica. In: Academia Paulista de Letras. São Paulo: Academia Paulista de Letras, 2016. Disponível em: <http://www.academiapaulistadeletras.org.br/memoria.asp?materia=912>. Acesso em: 26 de maio 2017.______. Priscilliana Duarte de Almeida. In: Academia Paulista de Letras. São Paulo: Academia Paulista de Letras, 2016. Disponível em: <http://www.academiapaulistadeletras.org.br/osacademicos.asp?materia=76>. Acesso em: 26 de maio 2017.ARROYO, Leonardo. Literatura Infantil Brasileira. São Paulo: Melhoramentos. 1988. 248 p.ALMEIDA, Presciliana Duarte de. Revista A mensageira. Anno 1, n.1. São Paulo. 1987. Disponível em:

An. do Semin. em Educ. e Colóq. de Pesq., Paranaíba, MS, 2017, ISSN: 2446-6069146<http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_periodicos/per352438_contente/per352438_item1/P2.html>. Acesso em maio2017BOMFIM, Paulo. Discurso de Recepção pelo Acadêmico Paulo Bomfim. In: Academia Paulista de Letras. São Paulo: Academia Paulista de Letras, 2016. Disponível em: <http://www.academiapaulistadeletras.org.br/discursos.asp?materia=1003>. Acesso em: 26 de maio 2017.BURKE, Peter. A invenção da biografia e o individualismo renascentista. Revista Estudos Históricos, v. 10, n. 19, p. 83 –97, maio de 1997. Trad. José Augusto Drummond.Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2038/1177>. Acesso em: 27 de maio 2017.COELHO, Nelly Novaes. Dicionário crítico da Literatura Infantil/Juvenil Brasileira1882-1982. 2. ed. São Paulo: Quíron, 1984.COELHO, Nelly Novaes. Panorama Histórico da literatura Infantil Juvenil. 4.ed.São Paulo: Ática S. A., 1991. 288 p.ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras.PRESCILIANA Duarte de Almeida. São Paulo: Itaú Cultural, 2017. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa6192/presciliana-duarte-de-almeida>. Acesso em: 26de maio.2017. LAJOLO, Marisa; ZILBERMAN, Marisa. Literatura Infantil Brasileira: História & Histórias.São Paulo: Ática, 2007. 186 p.MARTINS, Anna Maria. Discursode Recepção pela Acadêmica Anna Maria Martins.In: Academia Paulista de Letras. São Paulo: Academia Paulista de Letras, 2016. Disponível em: <http://www.academiapaulistadeletras.org.br/discursos.asp?materia=1015>. Acesso em: 26 de maio 2017.NOVAES, Israel Dias. Discursode Recepção pelo Acadêmico Israel Dias Novaes.In: Academia Paulista de Letras. São Paulo: Academia Paulista de Letras, 2016. Disponível em: <http://www.academiapaulistadeletras.org.br/discursos.asp?materia=987>. Acesso em: 26 de maio 2017.OLIVEIRA, Juca. Discurso de Posse. In: Academia Paulista de Letras. São Paulo: Academia Paulista de Letras, 2016. Disponível em: <http://www.academiapaulistadeletras.org.br/discursos.asp?materia=937>. Acesso em: 26 de maio 2017.SOUZA, Paulo Nathanael Pereira de Souza. Discurso de Posse. In: Academia Paulista de Letras. São Paulo: Academia Paulista de Letras, 2016. Disponível em: <http://www.academiapaulistadeletras.org.br/discursos.asp?materia=1016>. Acesso em: 26 de maio 2017.UNICAMP. Presciliana Duarte de Almeida. In: Unicamp. Campinas: SP. Disponível em: <http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/LiteraturaInfantil


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ELA FOI E CONTINUARÁ SENDO A PRIMEIRA - Dona Presciliana Duarte de Almeida ("Perpétua do Vale"), filha do Tenente-Coronel Joaquim Roberto Duarte e de Rita Vilhena de Almeida Duarte ((Pouso Alegre, MG, 03.06.1867 - 13.06.1944, Campinas, SP, "com o corpo trasladado para a cidade de São Paulo para ser sepultado ao lado do marido Sílvio de Almeida" falecido aos 30.03.1924. Presciliana era prima pelo lado materno da também escritora Maria Clara Vilhena da Cunha (Santos, depois de casada). Suas mães eram irmãs. Maria Clara nasceu em Pelotas, RS, aos 18.11.1866. Quando juntas em Pouso Alegre as duas jovens iniciaram-se na literatura fundando o jornalzinho manuscrito "O Colibri", de pequenas tiragem e existência, que era distribuído graciosamente. - Todo esse preâmbulo precede o assunto principal: falar um pouco de dona Presciliana. Depois de Joana Paula Manso de Noronha com o "Jornal das Senhoras" (1852-1855); de Francisca Senhorinha com "O Sexo Feminino" (1860); de Revocata de Melo, com o "Corymbo", o de maior duração (1884-1944); Josefina Álvares de Azevedo com "A Família", SP/RJ, 1888-1897, entre tantos outros periódicos, para encerrar esta prosa com a preciosa revista "A MENSAGEIRA" - Revista literária dedicada à mulher brasileira, S. Paulo. Diretora: Presciliana Duarte de Almeida. Publicação quinzenal. A matéria das colaborações literárias aqui representada pelas figuras da linha de frente de nossa literatura encontra-se em seus vários segmentos. Depois de mais esse "dedo de prosa" iremos ao assunto principal: A ELEIÇÃO PARA A FUNDAÇÃO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS em 1909. Entre outras exigências a de ter obra literária publicada. Na ala feminina a mineira Presciliana Duarte de Almeida, radicada na capital paulista onde já fundara e dirigira a revista literária "A MENSAGEIRA" de 1897 a 1900 e aí publicara seu livro de versos "SOMBRAS" prefaciado pelo Conde de Afonso Celso (Afonso Celso de Assis Figueiredo, MG, 1860-1938), impresso em São Paulo por Rothschild & Comp., 1906. O trio feminino de candidatas contava mais com as paulistas Zalina Rolim (Maria Rosalina Xavier de Toledo, 1869-1961), a principal educadora paulista ao final do Séc. XIX e início do XX, foi a criadora e administradora do "Jardim de Infância"; sua obra literária "Coração" (poes.) foi publicada em S. Paulo, 1893; sua obra educativa "LIVRO DAS CRIANÇAS", em vários volumes, foi impresso em Boston (U.S.A.), em 1897, e vasta colaboração em periódicos. - Francisca Júlia da Silva (1872-1920) completa o trio feminino, como autora do livro de versos "Mármores", publicado em São Paulo, 1895, com prefácio do filólogo João Ribeiro (SE, 1860-1934), radicado no Rio de Janeiro. Das três candidatas somente dona Presciliana Duarte de Almeida, juntamente com seu marido, o filólogo Sílvio de Almeida (MG, 1867-1924) foi eleita na mesma eleição. Comentários à época "à boca pequena", maldosos ou não, falavam que ele, o marido, trabalhou muito bem com "cabo eleitoral" da mulher. - O que fica e se eterniza na História são os fatos, que colocam definitivamente dona PRESCILIANA DUARTE DE ALMEIDA como A PRIMEIRA MULHER BRASILEIRA a participar da eleição de fundação de uma Academia de Letras no Brasil e tornar-se co-fundadora. Salve o 27 de Novembro de 1909.


José Domingos Brito - Memorial quarta, 16 de agosto de 2023

OS BRASILEIROS: JOÃO CAETANO

 

OS BRASILEIROS: João Caetano

José Domingos Brito

 


 

João Caetano dos Santos nasceu em Itaboraí, R.J. em 14/1/1808. Ator, encenador e empresário teatral. Hoje, quando o nome é citado quase ninguém reconhece. É preciso acrescentar Teatro ao nome para saber de quem se trata. Nomeia o primeiro teatro, no Rio de Janeiro, e um importante teatro em São Paulo. É reconhecido como o “Pai do Teatro Brasileiro”.

 

Ainda jovem foi cadete do batalhão do imperador e esteve no Exército participando da Guerra da Cisplatina (1825-28). Mas, logo sentiu-se vocacionado para o teatro e ingressou numa companhia portuguesa. Aí sentiu na pele a discriminação por ser brasileiro, a quem só cabia papéis secundários. O fato causou-lhe certa insatisfação, que foi percebida pelos atores lusitanos. Para humilhá-lo deram-lhe um papel de destaque numa comédia -O chapéu pardo- de texto fraco. O objetivo era derrubá-lo do salto alto. Mas, o tiro saiu pela culatra quando se viu a plateia se contorcer em gargalhadas. Surgia ali um grande autor.

 

Sua estreia como ator profissional se deu aos 23 anos, em 1831, com a peça O carpinteiro da Livônia, mais tarde representada como Pedro, o grande. Em seguida criou a Companhia João Caetano, em Niterói, junto com um elenco de atores brasileiros. Em 1838 interpretou o papel principal da tragédia António José, ou o poeta e a inquisição, de Gonçalves de Magalhães, o primeiro drama brasileiro, seguido da primeira comédia: O juiz de paz na roça, de Martins Pena. Foi o primeiro ator brasileiro a interpretar Shakespeare, sob a influência do poeta e dramaturgo Domingos José Gonçalves de Magalhães, em traduções realizadas pelo próprio Magalhães. Antes disso, as montagens de Shakespeare no Brasil utilizavam versões em português lusitano. Hamlet foi a primeira peça a ser traduzida ao português do Brasil. 

 

Ainda em 1938 foi condecorado com medalha de bronze, consagrando-o como o “Talma Brasileiro”, -numa referência a François-Joseph Talma, o maior ator francês da época- e equiparando-o a um ator da linhagem clássica. A plateia ficava encantada com seus arroubos tocados de entusiasmo. Vale ressaltar que o ator surge diante um teatro precário, onde eram raras as cenas com mulheres atrizes, após o edito de D. Maria I, que as proibia de representar. Em muitos casos as mulheres eram substituídas por atores com perucas mal ajambradas e voz masculina. Visando corrigir tal situação, ele preconizava uma junção da “Comédie française” com o mecenato da corte trazido por D. João VI em 1808. Sua intenção era obter do Governo um mecenato no sentido estrito, um tipo de proteção esclarecida e não um estado paternalista.

 

Conseguiu realizar, em parte, seu ideal de teatro. O Imperial Theatro de São Pedro Alcântara foi-lhe concedido, junto com uma subvenção mensal de 2 contos de reis. Aos poucos a subvenção da Corte foi aumentada para 3 e, mais tarde, 4 contos de reis. Ali o teatro passa a existir, de fato, ou seja, profissionalmente, com uma plateia comporta na maior parte de portugueses ou portugueses naturalizados. O teatro foi inaugurado em 1813 como Real Teatro São João. Em 1826 passou a se chamar Imperial Teatro São Pedro de Alcântara; em 1839 mudou para Teatro Constitucional e se manteve até fins da década de 1920, quando foi demolido, dando origem ao prédio atual, batizado de Teatro João Caetano. Durante muito tempo os cariocas lamentaram a demolição do antigo teatro e seu imponente prédio.  

 

Foi autodidata no estudo do teatro e tinha preferência pela tragédia, mas representou alguns papéis cômicos. Em 1860 fez apresentações em Lisboa e visitou o Conservatório Real, em Paris. Na volta ao Brasil organizou uma escola de arte dramática, onde o ensino era gratuito. Promoveu a criação de um júri, a fim de estimular e premiar a produção nacional. Segundo o pesquisador José Galante de Souza, ele “dotado de verdadeira intuição artística, reformou completamente a arte dramática no Brasil... substituiu aquela cantilena pela declamação expressiva, com inflexões e tonalidades apropriadas, ensinou a representação natural, chamou a atenção para a importância da respiração e mostrou que o ator deve estudar o caráter da personagem que encarna, procurando imitar, não igualar a natureza”. Visando a formação de atores, publicou dois livros: Reflexões dramáticas (1837) e Lições dramáticas (1862). 

 

Quando retornou da Europa foi acometido por uma moléstia grave e veio a falecer, aos 55 anos, em 24/8/1863. Digno representante dos “homens de teatro”, preparou a cena de seu sepultamento e deixou registrado de próprio punho: “Vistam o meu cadáver com o hábito de São Francisco e coloquem-lhe no peito o hábito de Cristo com que meu pai foi sepultado; encerrem-no em um caixão pintado ou forrado de paninho e conduzam-no ao cemitério na sege mais pobre que houver, acompanhando-o somente o meu compadre Afonso e o capuchinho Frei Luiz”. Este último item não foi cumprido e uma multidão seguiu o féretro. Por iniciativa do ator Francisco Correia Vasques, mais tarde, foi homenageado com uma estátua em bronze e tamanho natural frente ao teatro que leva seu nome, na Praça Tiradentes.

 

Como biografia, temos um apurado trabalho de Décio de Almeida Prado com o livro João Caetano, lançado pela Editora Perspectiva, em 1972, onde, além de cuidadoso levantamento biográfico, apresenta reavaliação crítica do significado histórico-estético de uma época de afirmação de uma arte teatral autóctone. Mais tarde o mesmo autor decidiu aprofundar o caráter artístico do ator e publicou, em 1984, João Caetano e a arte do ator: estudos críticos, pela Editora Ática.

 

PEÇA CELEBRA ENSINAMENTOS DO ATOR JOÃO CAETANO

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 09 de agosto de 2023

AS BRASILEIRAS: ELISA FROTA PESSOA (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS BRASILEIRAS: Elisa Frota Pessoa

José Domngos Brito

 


 

Elisa Esther Habbema de Maia nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 17/1/1921. Física experimental e professora, foi uma das pioneiras da ciência no Brasil e uma das primeiras a se formar em Física. Foi cofundadora do CBPF-Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas e destacou-se na área da Física Nuclear.

 

Filha de Elisa Habbema de Maia e Juvenal Moreira Maia, passou a se interessar pela ciência no curso ginasial, sob a influência do professor de Física Plinio Sussekind da Rocha. Ingressou no curso de Física da Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil, atual UFRJ, e graduou-se em 1942. Já no segundo ano do curso, foi convidada pelo professor Joaquim da Costa Ribeiro para ser assistente e trabalhou sem renumeração até 1944, quando foi contratada pela universidade. 

 

Aos 18 anos casou-se com seu ex-professor, o  biólogo Oswaldo Frota-Pessoa, com quem teve dois filhos. Em 1951 separou-se do marido e passou a viver com o físico Jayme Tiommo, um nome reconhecido na área. Assim, passou a integrar uma plêiade de cientistas, tais como José Leite Lopes, Cesar Lattes e Mario Schenberg, promotores da ciência no Brasil. Não obstante o fato de ser uma cientista, sofreu preconceitos pelo fato de ser uma mulher separada numa época em que não havia divórcio.

 

Nos anos 1942-1969, teve participação ativa na luta para vencer o proconceito contra o trabalho da mulher, atuando como chefe da Divisão de Emulsões Nucleares do CBPF, que ajudou a fundar em 1949. Publicou seu primeiro artigo -Sobre a desintegração do méson pesado positivo- nos Anais da Academia Brasileira de Ciências, em 1950, junto com sua colega Neusa Margem, com o qual obteve pela primeira vez resultuados que apoiavam a teoria “V-A” das interações fracas. Noutro artigo, publicado em 1969, pôs fim a uma longa controvérsia sobre a possibilidade do “méson n” ter “spin” diferente de zero. Além destes trabalhos, colaborou com pesquisadores europeus no estudo dos “mésons K”.

 

Em 1965 mudou-se para Brasília, indo lecionar na UnB e pouco depois transferiu-se para a USP-Universidade de São Paulo, onde lecionou até abril de 1969, quando foi aposentada compulsoriamente pelo Ato Institucional nº 5, promulgado pela ditadura militar no ano anterior. Não podendo mais lecionar aqui, foi trabalhar na Europa e Estados Unidos, colaborando na formação de físicos brasileiros.

 

De volta ao Brasil, passou a colaborar na montagem de um laboratório de emulsões na PUC/SP-Pontifícia Universidade Católica junto com Ernst Hamburger, do IFUSP-Instituto de Física da USP. Em 1980 reassumiu seus trabalhos no CBPF e implantou um laboratório de emulsões nucleares para estudo da espectroscopia nuclear e permaneceu como professora emérita do Centro até 1995, aos 74 anos.

 

Faleceu em 28/12/2018, aos 97 anos, e deixou um legado científico composto de diversos artigos e estudos publicados nas principais revistas internacioanais. Sobre sua trajetória de vida, temos um belo ensaio biográfico -Elisa Frota-Pessoa: suas pesquisas com emulsões nucleares e a Física no Brasil- publicado na revista “Cosmo & Contexto”, de outubro de 2012, juntamente com uma entrevista comandada por Maria Borba e disponível na Internet.

 

Elisa Frota Pessoa, a menininha que adorava Física. - YouTube

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 26 de julho de 2023

AS BRASILEIRAS: ENEDINA MARQUES (CRÔNICA DE JOSÉ DOMNGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

AS BRASILEIRAS: Enedina Marques

José Domingos Marques

 


 

Enedina Alves Marques nasceu em 13/1/1913, em Curitiba, PR.  Professora, primeira engenheira negra no Brasil e primeira mulher engenheira com destacada atuação profissional em seu Estado.

 

Filha de Virgília Alves Marques e Paulo Marques, que chegaram a Curitiba em 1910. A mãe trabalhava como empregada doméstica na casa do major Domingos Nascimento Sobrinho, que tinha uma filha da mesma idade de Enedina. Como as duas famílias se davam bem, o major bancou os estudos de Enedina, para que ela fizesse companhia a sua filha. As duas concluíram o curso Normal em 1935 e passaram a lecionar no interior do Estado: São Mateus do Sul, Cerro Azul e Campo Largo.

 

De volta a Curitiba, em 1936, ingressou num curso supletivo e passou a morar (e trabalhar) na residência do casal Mathias e Iracema Caron, no bairro do Juvevê, seus novos benfeitores. Ela não era formalmente empregada da família, mas pagava a guarida com alguns serviços domésticos. Pouco depois, ingressou no curso complementar em pré-Engenharia no Ginásio Paranaense (atual Colégio Estadual do Paraná) no período noturno, enquanto ainda residia com a família Caron. 

 

Em 1940 ingressou na Faculdade de Engenharia da Universidade do Paraná e formou-se em Engenharia Civil, em 1945. Antes dela, apenas dois negros se formaram em engenharia naquela faculdade. No ano seguinte foi contratada como auxiliar de engenharia na Secretaria de Viação e Obras Públicas. Como funcionária pública ocupou os cargos de chefia da Divisão de Hidráulica e Divisão de Estatística. Em seguida, o governador Moisés Lupion concedeu-lhe transferência para o Departamento Estadual de Águas e Energia Elétrica, onde trabalhou no Plano Hidrelétrico do Estado e atuou no aproveitamento das águas dos rios Capivari, Cachoeira e Iguaçu.     

 

Conta-se que sua melhor atuação como engenheira se deu na Usina Capivari-Cachoeira. Apesar de vaidosa, usava macacão nos canteiros de obras e carregava uma arma na cintura, e de vez em quando disparava tiros para o alto para se fazer respeitar entre os homens da construção. Posteriormente dedicou-se a engenharia civil e atuou com desenvoltura na construção do Colégio Estadual do Paraná e na Casa do Estudante Universitário de Curitiba. Em 1958, o major Domingos faleceu, deixando-a como uma de suas beneficiárias em seu testamento.

 

Devido a sua carreira profissional, foi entrevistada, em 1961, pelo sociólogo Octávio Ianni, para uma pesquisa intitulada “Metamorfoses do escravo”, financiada pela Unesco. Aposentou-se em 1962 e recebeu do governador Ney Braga o reconhecimento de seus feitos na Engenharia, garantindo-lhe proventos equivalentes ao salário de um juiz. Passou a residir num apartamento no centro de Curitiba até agosto de 1981, quando foi encontrada morta, vitimada por um infarto dias antes. Estima-se que tenha falecido em 20/8/1981. Não tinha parentes próximos, nunca se casou nem teve filhos.

 

O Diário Popular, um tabloide sensacionalista, fez uma longa matéria retratando-a apenas como uma idosa excêntrica sem importância alguma e causou grande indignação entre os membros do Instituto de Engenharia do Paraná, que resultou numa razoável polêmica na mídia local e relatando seu legado como engenheira. A partir daí vieram homenagens póstumas: seu nome foi dado a uma rua no bairro Cajuru; recebeu uma inscrição no Memorial à Mulher Pioneira, local construído pelas Soroptimistas, organização internacional dedicada aos direitos humanos, da qual participou; em 2006, foi fundado o Instituto de Mulheres Negras Enedina Alves Marques, em Maringá; denominação do trecho da PR-340 na cidade de Antonina. Uma breve biografia ressaltando sua vida profissional foi realizada por Lindamir Salete Casagrande e publicada pela Editora Verso em 2021. 

 

 Conheça a história de Enedina Alves Marques - YouTube

 

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José Domingos Brito - Memorial quarta, 19 de julho de 2023

OS BRASILEIROS: CATULO DA PAIXÃO (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

OS BRASILEIROS: Catulo da Paixão

José Domingos Brito

 


 

 

Catulo da Paixão Cearense nasceu em 8/10/1863, em São Luís, MA. Poeta, músico, compositor, teatrólogo e relojoeiro. Conhecido como “Poeta do Sertão”, segundo o musicólogo Zuza Homem de Melo, “quando introduziu em sua poética a linguagem herdada do que ouvia na adolescência vivida no Nordeste.

 

Filho de Maria Celestina Braga e do cearense Amâncio José da Paixão Cearense, mudou-se, com a família, para o Rio de Janeiro aos 17 anos e pouco depois passou a trabalhar como relojoeiro. Conviveu com vários chorões, como Viriato Figueira da Silva, Anacleto de Medeiros e João Pernambuco. Junto com a vida boêmia, associou-se ao livreiro Pedro da Silva Quaresma, dono da Livraria do Povo, que passou a editar seus folhetos de cordel.  

 

Aos 19 anos compôs sua primeira modinha famosa Ao Luar; largou os estudos; trocou a flauta pelo violão e passou a dedicar-se mais à vida boemia, cantando modinhas. Compôs algumas como Talento e formosura, Canção do africano e invocação de uma estrela. Noutras composições, teve parcerias com Anacleto de Medeiros, Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga e Francisco Braga. Por essa época publicou duas coletâneas de autores diversos: O cantor fluminense e O Cancioneiro popular.  

 

Casou-se aos 21 anos com Hermelinda Aires da Silva, passando a levar uma vida modesta. Foi um autodidata e costumava dizer “aprendi música, como aprendi a fazer versos’. Aprendeu a ler em casa com sua mãe e pegou rápido o habito da leitura. Foi um obcecado por livros e professor dos filhos do Conselheiro Gaspar da Silveira, que lhe possibilitou o acesso à Biblioteca do Senado do Império. Em 1908 fez uma apresentação de modinhas ao violão no Conservatório de Música e compôs o primeiro poema em 1912: O Marrueiro, um dos seus apelidos. Em seguida foi convidado pelo presidente Hermes da Fonseca e a 1ª dama Nair de Tefé para um recital no Palácio do Catete.

 

Em 1914 compôs a música Luar do sertão, reconhecida como “hino nacional do sertanejo”, gravada com mais 150 interpretações, em parceria com João Pernambuco e registrou sem citar o parceiro. Na disputa judicial Villa-Lobos, Pixinguinha e Almirante deporam a favor de João Pernambuco, que teve seu nome incluído. Os dois foram responsáveis pela introdução do violão nas festas da elite carioca no começo do século XX. Entre suas obras poéticas, destacam-se  Um caboclo brasileiro (1900), Poemas bravios (1925), Fábulas e alegorias (1934), Um boêmio no céu (1938) e Modinhas (1943).

 

Vivia numa pequena casa de Engenho de Dentro, quase no meio do mato, onde os lençóis serviam de paredes para os cômodos. Ali recebia admiradores, escritores, acadêmicos sempre em concorridas feijoadas regadas a cachaça. Faleceu aos 83 anos, em 10/5/1946, e foi sepultado no cemitério São Francisco de Paula. O cortejo funerário contou com uma multidão embalada ao som de Luar do sertão. Tinha convicção do valor de sua poesia e aos que comentavam o fato de ser um autodidata, sem cultura formal, dizia: “com gramática ou sem gramática, sou um grande poeta”.  

 

Em 2018, o Selo SESC prestou-lhe uma homenagem com o lançamento do álbum A paixão segundo Catulo incluindo suas principais canções. Em 2016 foi lançada uma apurada biografia escrita por Luiz Américo Lisboa Júnior –Da modinha ao sertão: vida e obra de Catulo da Paixão Cearense-, publicada pelo Instituto Geia, com prefácio do ex-presidente José Sarney. O sobrenome “Paixão Cearense” pode parecer pseudônimo artístico, mas é o nome de origem de seu pai e um irmão homônimo.

 

Exibir, se possível, poema de Catulo declamado por Rolando Boldrin

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 12 de julho de 2023

AS BRASILEIRAS: MARIA BADERNA (CRÔNICA DE JOSÉ DOMIN GOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS BRASILEIRAS: Maria Baderna

José Domingos Brito

 


 

Marietta Baderna Giannini nasceu em 1828, na Itália. Famosa bailarina veio para o Brasil em 1849 e causou tamanho rebuliço na dança e costumes da época, fazendo com que seu sobrenome familiar entrasse no vocabulário brasileiro como sinônimo de bagunça, confusão, desordem. Já em 1889 o dicionário de Antônio Joaquim Macedo Soares registrava a palavra “Baderna” como “súcia dançante”. Depois a palavra perdeu a referência a dança e passou a designar bagunça em geral, até tornar-se um insulto, conforme registra o Dicionário Brasileiro de Insultos. Baderneiro é quem “gosta de aprontar confusão. Vem do nome próprio ‘Baderna’, pelo qual era conhecida uma bailarina que esteve no Rio de Janeiro em 1851. Essa senhora chamada Baderna, por certo, provocou alguma estrepolia envolvendo várias pessoas e tornando sua ação muito visível. O seu papel de provocadora de bagunça foi mais forte do que seu trabalho de atriz”.

 

Esta é a história da bailarina italiana, bem-sucedida na carreira artística nos palcos da Europa, que, no Brasil foi alijada do palco e caiu no conceito da elite na mesma proporção em que crescia no gosto popular. Conquistou um séquito de admiradores chamados de “badernistas”, logo rebaixados a “baderneiros”. que delirava com sua dança e gritava “baderna!, baderna!”, junto aos aplausos, deixando as damas e cavalheiros da colônia ainda mais furiosos. É também a história de uma palavra antiga e usada apenas no Brasil, além de ensejar uma reflexão sobre a origem das palavras, dos sentidos que algumas adquirem conforme seu uso e circunstâncias.

 

Ainda criança manifestou inclinação para a dança e teve a sorte de ser estimulada pelo pai nessa arte. Estreou cedo nos palcos da cidade de Piacenza e pouco depois entrou para o corpo de baile do Teatro Scala de Milão. Aos 19 anos apresentou-se numa temporada de sucesso no Teatro Covent Garden, de Londres e aos 21 já era uma “prima ballerina assoluta”. Pertencia a uma família da alta burguesia da Lombardia. Seu pai -Antônio Baderna- era médico, músico amador e revolucionário do movimento republicano, que enfrentou a ocupação austríaca na Itália. Após o fracasso da revolução de 1848, ela recebeu um convite para se apresentar no Rio de Janeiro. Seu pai, com dificuldades de viver na Itália, aproveitou a oportunidade e vieram para o Brasil.

 

No Rio de Janeiro, a estreia no Teatro São Pedro de Alcântara se deu em 29/9/1849, com o balé “Il ballo dele fate” (O balé das fadas). foi um sucesso retumbante, tal como ocorria na Europa. O jornal “Correio Mercantil” deu-lhe matéria, chamando-a “a rainha das fadas. Mas a moça, como o pai, era rebelde não apenas na política, mas também nos costumes. Aos poucos, ela passou a gostar dos ritmos afro-brasileiros dos escravos e do povo: lundu, umbigada e cachucha, incorporando-os ao seu balé. Aqui começa a radical transformação da palavra. Segundo seu biógrafo Silverio Corvisieri: “No começo, os cariocas usavam o termo baderna para indicar coisas muito belas. Somente depois de a dança ser considerada fator de corrupção da juventude, a palavra assume os significados atuais”.

 

A bailarina foi se aclimatando aos costumes da sociedade carioca que se formava. Gostava de festejar, de beber, namorar e, por mais que dançasse nos salões tradicionais, apreciava bastante as manifestações culturais dos negros e do povo da rua. Foi nas ruas que conheceu a resistência dos escravos, e se apaixonou pelas danças e festejos. A sensualidade e a força dos ritmos e danças africanas rapidamente foram assimiladas pela bailarina, que passou a incorporar à delicadeza do balé os passos das danças populares. Ao término das apresentações, seu fã clube, os baderneiros, saiam pelas ruas batendo os pés e gritando o nome da bailarina.

 

O interesse pela sua história se deu em 1987, com a curiosidade do jornalista Moacyr Werneck de Casto ao consultar a palavra “Baderna” no dicionário e ver a menção sobre a bailarina. Escreveu um artigo fantasiando a vida da bailarina e “sem querer, acertei no essencial. Baderna foi mesmo ativa politicamente. Coloquei-a lutando ao lado de Bento Gonçalves e como subversiva nas ruas do Rio. Mas sua história real é mais interessante”. Em Milão, o escritor (e ex-deputado) Silverio Corvisieri também achou a história interessante e iniciou uma pesquisa de fôlego sobre a bailarina. Tal pesquisa resultou no livro Maria Baderna: a bailarina de dois mundos, publicado pela Editora Record em 2001.

 

O livro faz uma reconstrução histórica do Rio de Janeiro; do seu cotidiano em meados do século XIX. Relata que a bailarina era bastante conhecida do público; foi amiga do ator João Caetano e era elogiada por escritores e jornalistas, como José de Alencar e José Maria da Silva Paranhos, o Visconde do Rio Branco. Traça o perfil de uma autêntica heroína que enfrentou o preconceito com sua dança “subversiva” e revolucionou os costumes da época. O autor diz que Marietta, de personalidade rebelde, vivia de maneira excessivamente liberal para o Brasil de D. Pedro II. Há registros de que, certa vez, tendo havido atrasos de pagamento da companhia de danças, ele organizou uma greve e promoveu agitações que foram identificadas como “da turma da Baderna e seus baderneiros”.

Em 2023 sua tetraneta Paula Giannini lançou o livro Baderna: o memoricídio no dicionário pela Editora Palco das Letras. Paula fez um resgate sobre a memória de sua tetravó, uma bailarina de grande sucesso na Europa, aqui teve seu nome torcido e retorcido e continua desconhecido do público.

 

Exibir vídeo: Maitê Proença fala sobre Maria Baderna

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 05 de julho de 2023

OS BRASILEIROS: MATIAS AIRES (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: Matias Aires

José Domingos Brito

 


 

Matias Aires Ramos da Silva de Eça nasceu em 27/3/1705, na Capitania de São Paulo. Filósofo, escritor e tradutor, considerado o maior nome da Filosofia de Língua Portuguesa do século XVIII. Foi Cavaleiro da Ordem de Cristo, provedor da Casa da Moeda de Lisboa e autor do famoso livro Reflexões sobre a vaidade dos homens, publicado em 1752.

 

Filho de Catarina de Orta e José Ramos da Silva, provedor das expedições que encontraram ouro nas Minas Gerais.  Segundo Alceu Amoroso Lima, “a figura de José Ramos da Silva, e a sua ascensão de criado de servir a magnata máximo da fortuna paulista do século XVIII, tornou-se um dos tipos mais representativos do Brasil Colonial.” Seu filho Matias estudou no colégio jesuíta de São Paulo e aos 11 anos, a família mudou-se para Lisboa, onde o pai era amigo de D. João V e foi designado para o cargo de Provedor das Casas de Fundição. As filhas foram estudar no Convento de Odivelas e Matias ingressou no tradicional Colégio de Santo Antão. Em 1722 entrou na Faculdade de Direito de Coimbra.

 

Continuou os estudos na Galiza, obtendo os diplomas de Bacharel em Filosofia e Mestre em Artes. Em 1728 foi estudar na Sorbonne, em Paris, e obteve diplomas em Direito Civil e Canônico. Retornou a Lisboa em 1733 e passa a viver numa de suas Quintas, tornando-se notável literato e naturalista. Por essa época manteve longa amizade com Antonio José da Silva, “o Judeu”, que procurou salvá-lo da fogueira da Inquisição, sem sucesso. Com a morte do pai, em 1743, o substitui no cargo de Provedor da Casa da Moeda. Passa a residir no Solar das Janelas, atual Museu de Arte Antiga, levando uma vida suntuosa e dilapidando a herança paterna. Por esta época inicia uma disputa jurídica com a irmã Teresa Margarida (conhecida como a primeira romancista em língua portuguesa) visando obter a melhor parte da herança, sem sucesso. Em 1761 não se deu bem com as reformas do Marquês de Pombal e foi destituído do cargo de Provedor, agravando sua situação econômica. Veio a falecer em 10/10/1763 numa condição distinta daquela vida de riqueza levada até então.

 

Foi nesse contexto que escreveu, num tom pessimista, a Carta sobre a fortuna, onde declara “E assim nada espero da fortuna, nem a fortuna de mim pode esperar nada; porque o meu talento foi discursivo sempre, operativo nunca, e a fortuna quer obras e não palavras...  Tudo sei para dizer, mas para fazer só sei que não sei nada. As minhas artes são todas em pensamento e por isso são justamente desgraçadas, porque a fortuna não pode fazer milagres” A Carta foi incluída, a partir de 1778, em sua obra mais conhecida Reflexões sobre vaidade dos homens: discursos morais sobre os efeitos da vaidade, publicada em 1752.

 

Esta é sua obra mais conhecida e teve origem, segundo o estudioso Carvalho Reis, na vida faustosa levada pelo seu pai e que foi continuada pelo filho, que não obstante a deferência com que era tratado no Brasil, “agora era apenas o filho de um dos tais mineiros que o povo da corte invejava, mas não estimava”. Tais experiências terão ensinado, posteriormente, ao filho que a vaidade própria tende a ofender a vaidade alheia, dando início ao seu interesse em refletir sobre o assunto. Tais reflexões ocorreram a partir do trecho bíblico extraído do Eclesiastes: “Vanitas vanitatum et omnia vanitas” (Vaidade das vaidades, tudo é vaidade).

 

Antes dele, o Padre Antônio Vieira também refletiu sobre a vaidade, mesmo não considerando a vaidade como um pivô, tal como Matias Aires. Segundo Vieira "Os homens, como somos camaleões da vaidade, mudamos de cor a cada mudança de vento: quantos são os ventos de que nos sustentamos, tantas são as cores de que nos vestimos". Claro que esta falha moral foi criticada pelo Padre: “Portai-vos de tal maneira, sendo sempre o mesmo, que vos possam todos louvar, ao menos que vos possam conhecer”.

 

Ainda segundo Alceu de Amoroso Lima, o culto à ciência foi levado para Portugal por Matias Aires, completamente embebido de cartesianismo e influenciado pelo naturalismo científico que o século XVII legara ao século XVIII. Assim ele foi um dos grandes humanistas do século XVIII, comparado à Montaigne e La Rochefoucauld. É considerado um dos que abriram caminho aos estudos e ao cientificismo em Portugal. Trata-se de um filósofo  relativamente pouco conhecido no Brasil, talvez devido ao fato de apenas ter nascido no Brasil colonial e ter vivido em Portugal desde os 11 anos. Isto tem levado a uma discussão se ele era português ou brasileiro. Tal discussão se deve ao fato de na primeira Constituição Brasileira, de 1824, e primeira Constituição Portuguesa, de 1822, não existirem referências sobre “nacionalidade”. Assim, ele pode ser considerado paulista, brasileiro e português, i.é um polipátrida.

 

É patrono da cadeira nº 6 da Academia Brasileira de Letras e da cadeira nº 3 da Academia Paulista de Letras, onde é considerado o primeiro filósofo brasileiro. O professor Antonio Pedro Mesquita, doutor pela Universidade de Lisboa, deixou um alentado estudo sobre o filósofo: Homem, sociedade e comunidade: o pensamento de Matias Aires, publicado em 1998 pela Imprensa Nacional, em Lisboa.


Matias Aires | "Reflexões Sobre A Vaidade Dos Homens"

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 28 de junho de 2023

AS BRASILEIRAS: TERESA MARGARIDA (POSTAGEM DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

AS BRASILEIRAS: Tereza Margarida

José Domingos Brito

 


Teresa Margarida da Silva e Orta nasceu em São Paulo, SP, em 1711. Reconhecida como a primeira romancista em língua portuguesa, era irmã do filósofo Matias Aires e escrevia sob o pseudônimo de Dorotéia Engrassia Tavareda Dalmira, um anagrama perfeito de seu nome. Teve uma relação conflituosa com o irmão durante boa parte da vida, produzindo obras autônomas e independentes. Pode ser considerada, também, a primeira feminista brasileira

 

, “a figura de José Ramos da Silva, e a sua ascensão de criado de servir a magnata máximo da fortuna paulista do século XVIII, tornou-se um dos tipos mais representativos do Brasil Colonial.” Seu filho Matias estudou no colégio jesuíta de São Paulo e aos 11 anos, a família mudou-se para Lisboa, onde o pai era amigo de D. João V e foi designado para o cargo de Provedor das Casas de Fundição. As filhas foram estudar no Convento

 

Sua mãe era brasileira e o pai português -José Ramos da Silva- minerador e um dos homens mais ricos do Brasil Colonial. Aos ? anos, a família mudou-se para Lisboa, onde viveu e publicou toda sua obra. Teve uma vida atribulada, mantendo bom relacionamento com a corte portuguesa e com o Marquês de Pombal. O pai internou-a num convento, mas ela saiu de lá para casar-se com alguém de sua escolha, algo incomum para a época, quando os casamentos era arranjados. Após a morte do pai e do marido, lutou pelo direito de acesso aos bens da família e mais tarde foi presa sob a acusação de mentir à corte por defender o casamento do filho com uma nobre cuja família não aceitava a união. Em 1752 publicou o romance político e feminista As aventuras de Diófanes, o primeiro da língua portuguesa escrito por uma mulher.  

 

O romance traz como pano de fundo ideias que subvertem os padrões absolutistas de Portugal, do século XVIII, num enredo cheio de imprevistos e reviravoltas. Suas ideias, insubmissas para a época, pregavam a educação igualitária entre meninos e meninas e trabalho para as mulheres, numa crítica à ociosidade que lhes era imposta. Tais ideais estavam afinados com o Iluminismo, que descortinava e se constituía num posicionamento contrário ao Absolutismo praticado por Dom João V. Tais ideais eram compartilhados por seu irmão e seu amigo, o diplomata Alexandre de Gusmão.   

 

 

 Todas essas atitudes demonstram no mínimo um questionamento, para não falar em não-aceitação, da condição submissa que era imposta às mulheres na época. Tal reflexão também pode ser vista em As Aventuras de Diófanes, no qual a autora narra as aventuras da família real de Tebas que, numa viagem para a cidade de Delfos, com o intuito de casar sua filha Hemirena com príncipe da cidade, Arnesto, tem sua embarcação atacada. Assim, rei, rainha e princesa são vendidos como escravos e obrigados a mudar de identidade para sobreviver e conseguir reencontrar novamente sua família.

A história foca principalmente a jornada de Hemirena, que muda sua identidade para Belino a fim de poder sobreviver: temos então um exemplo esquecido de donzela guerreira dentro da história literária. Enfrentando reviravoltas, perigos, lutas e paixões, por conta de seu disfarce, a personagem não é apenas a defesa da força e capacidade feminina, mas também uma crítica a um mundo estritamente masculino e hierárquico.

O desenrolar das histórias se dá num vai-e-vem de encontros e desencontros entre as personagens que, disfarçadas, não conseguem se reconhecer ou preferem não se identificar para manterem-se salvas – como é o caso de Hemirena/Belino, quando encontra sua mãe, Climinéia/Delmetra, numa caverna a caminho de Argos. Num intervalo de muitos anos de busca para a reunião de todos em suas condições iniciais de nobres – busca essa de que faz parte até mesmo o príncipe de Delfos, prometido de Hemirena -, eles conseguem se encontrar e o enredo termina com um final feliz.

Num romance didático e moralizante, típico do século XVIII, são nos diálogos que encontramos um discurso retórico que ilustra um pouco as opiniões da autora, fazendo jus ao primeiro título dado ao livro e apresentando aos leitores suas máximas de virtuosidade.

“São inumeráveis as heroínas que se tem visto tão inteligentes que umas têm parecido o milagre das artes e outras têm dado a entender que eles julgam ignorância o que são efeitos da modéstia.”  (As Aventuras de Diófanes, livro III, página 92)

 

Palavra como instrumento de defesa

 

São também nesses diálogos que Teresa Margarida defende suas ideias insubmissas: educação igualitária entre meninos e meninas; trabalho para mulheres, independente da classe social, numa crítica à ociosidade que lhes era imposta, principalmente às mulheres da corte; e ideais iluministas, que repercute o convívio da autora com seus defensores – entre eles seu irmão Matias Aires e o diplomata Alexandre Gusmão. O iluminismo representava nessa época um posicionamento contrário ao absolutismo praticado por Dom João V em Portugal.

Vale ressaltar que Teresa Margarida e sua obra, apesar de atípica, conseguiram destaque devido à condição social elevada da autora numa sociedade portuguesa altamente hierarquizada. Além disso, imagina-se que foi a passagem pelo convento que proporcionou seu contato com os estudos, pois naquele momento a carreira religiosa era praticamente o único meio das mulheres receberem algum tipo de instrução igual à recebida pelos homens. Não é à toa que a maior parte das poucas mulheres que escreviam e recebiam reconhecimento na época eram freiras.

Mesmo com esses privilégios e com um recebimento elogioso depois da publicação da primeira edição do livro –  a qual, apesar do pseudônimo, já se supunha que era de Teresa Margarida -, a sua condição feminina foi motivo para relativização da autoria de sua obra: a terceira edição teve, por exemplo, como autor Alexandre Gusmão. A questão é que estamos tratando aqui de uma sociedade que enclausurava suas mulheres com o respaldo da lei e as maltratavam de maneira totalmente impune. Logo, questionar a autoria de um livro por ter sido escrito por uma mulher apenas vem como consequência da noção inferiorizada que se tinha do sexo feminino.

É claro que entre os diálogos e as máximas defendidas ao longo da história é possível encontrar algumas noções que hoje em dia não dialogam com as que se acredita serem justas para uma sociedade igualitária e com liberdade para as mulheres. Mas o importante é tentar compreender o que foi o livro em sua época e o que ele significa para nós hoje, dentro de uma ideia de que toda obra precisa ter no mínimo duas leituras. A partir disso, reconhece-se que o feito de Teresa Margarida foi excepcional até mesmo na questão de gênero literário: naquela época era incomum que mulheres escrevessem em prosa, dedicando-se principalmente à poesia.

Assim, Teresa Margarida tomou a palavra e foi precursora. Na sua estréia teve um  momento de merecido reconhecimento que se estendeu até o século XIX. Depois disso, foi aos poucos sendo esquecida na história literária, mesmo com a reedição de sua obra no fim do século XX. A Academia Brasileira de Letras, apesar das discussões, a considera como a primeira romancista do país. Nesse sentido, pode-se dizer que, apesar de não ter vivido aqui, os questionamentos e reivindicações que traz em seu livro também se relacionavam muito com o Brasil do século XVIII e por isso, o romance não é totalmente alheio ao cenário nacional da época.

Mas, ainda com tal consideração, pouco se conhece ou se fala sobre sua figura, sua importância e também sobre seu papel como defensora do que chamamos de um pré-feminismo. Isso tudo nos leva a novas discussões, dessa vez acerca da situação feminina no universo das letras atualmente e, principalmente, acerca do reconhecimento de mulheres relevantes para a história literária que merecem ser lembradas. E por mais estranho que possa soar, é fato: Teresa Margarida foi primeira brasileira a escrever um romance.

“Não resplandece em todas a luz brilhante das ciências porque eles ocupam as aulas em que não teriam lugar se elas frequentassem, pois temos igualdade de almas e o mesmo direito aos conhecimentos necessários.”(As Aventuras de Diófanes, livro III, página 92)

 

Referências Bibliográficas

 

Araújo, Sofia de Melo. Aventuras de Diófanes de Teresa Margarida da Silva e Orta – Os ideias de Climenéia e Diófanes à luz dos tempos. Revista da Faculdade de Letras — Línguas e Literaturas, II Série, vol. XXIII, Porto, 2006 [2008], pp. 103-126.  http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/5640.pdf

Furquim, Tania Magali Ferreira. Aventuras Instrutivas: Teresa Margarida da Silva e Orta e o Romance Setecentista. Dissertação de Mestrado. Campinas
Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, Departamento de Teoria Literária, 2003 Disponível em http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270034/1/Furquim_TaniaMagaliFerreira_M.pdf 

Orta, Teresa Margarida da Silva e. Obra Reunida. Rio de Janeiro: Graphia Editorial, 1993.

Viralhele, Eva Loureiro . Fabricação de ideias e identidades na historiografia literária luso e brasileira: Começa a literatura brasileira com um romance, feminista e político escrito por uma mulher? VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiros de Ciências Sociais. Centro de Estudos Sociais, Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra, 2004. Disponível em: https://www.ces.uc.pt/lab2004/pdfs/Eva_Loureiro_Vilarelhe.pdf

 

Gabrielle Gonçalves de Carvalho é graduanda em Letras (Postuguês/Italiano) pela FFLCH-USP.

 

Folha de rosto da edição de 1777

Filha de mãe brasileira e pai português, Teresa Margarida nasceu em São Paulo no ano de 1711. Porém, ainda muito jovem, muda-se para Portugal, onde mantém-se o resto de sua vida e onde também publica toda a sua obra, incluindo As Aventuras de Diófanes. É nesse momento então que se iniciam as discussões: até que ponto tal romance realmente pode ser considerado relevante para a cultura brasileira? Não apenas como o primeiro de autoria feminina em língua portuguesa, mas também como o defensor de ideais tão impopulares no momento de publicação, de que maneira ele diz respeito ao Brasil da época? Se nos atermos apenas à nacionalidade da escritora, é surpreendente pensar que o que seria o primeiro romance brasileiro carrega esse tipo de significação.

Em Portugal, a autora viveu uma vida que, assim como a sua história, foi cheia de aventuras: entrou para o convento por vontade do pai mas saiu de lá para casar-se com alguém de sua escolha – algo extremamente incomum para a época visto que a maioria dos casamentos eram arranjados. Depois da morte do pai e do marido, lutou pelo direito de acesso aos seus bens, chegando a dialogar por correspondência com figurões da época, como Marquês de Pombal, para não permitir que sua herança fosse parar nas mãos de qualquer homem da família. Além disso, foi presa sob a acusação de mentir à corte por defender o casamento de seu filho com uma nobre cuja família não aceitava a união.

“Nós não temos a profissão das ciências nem a obrigação de sermos sábias; mas também não fizemos voto de sermos ignorantes.” (As Aventuras de Diófanes, livro III, pag. 90)

 

De epopeia subversiva ao romance de valores

Todas essas atitudes demonstram no mínimo um questionamento, para não falar em não-aceitação, da condição submissa que era imposta às mulheres na época. Tal reflexão também pode ser vista em As Aventuras de Diófanes, no qual a autora narra as aventuras da família real de Tebas que, numa viagem para a cidade de Delfos, com o intuito de casar sua filha Hemirena com príncipe da cidade, Arnesto, tem sua embarcação atacada. Assim, rei, rainha e princesa são vendidos como escravos e obrigados a mudar de identidade para sobreviver e conseguir reencontrar novamente sua família.

A história foca principalmente a jornada de Hemirena, que muda sua identidade para Belino a fim de poder sobreviver: temos então um exemplo esquecido de donzela guerreira dentro da história literária. Enfrentando reviravoltas, perigos, lutas e paixões, por conta de seu disfarce, a personagem não é apenas a defesa da força e capacidade feminina, mas também uma crítica a um mundo estritamente masculino e hierárquico.

O desenrolar das histórias se dá num vai-e-vem de encontros e desencontros entre as personagens que, disfarçadas, não conseguem se reconhecer ou preferem não se identificar para manterem-se salvas – como é o caso de Hemirena/Belino, quando encontra sua mãe, Climinéia/Delmetra, numa caverna a caminho de Argos. Num intervalo de muitos anos de busca para a reunião de todos em suas condições iniciais de nobres – busca essa de que faz parte até mesmo o príncipe de Delfos, prometido de Hemirena -, eles conseguem se encontrar e o enredo termina com um final feliz.

Num romance didático e moralizante, típico do século XVIII, são nos diálogos que encontramos um discurso retórico que ilustra um pouco as opiniões da autora, fazendo jus ao primeiro título dado ao livro e apresentando aos leitores suas máximas de virtuosidade.

“São inumeráveis as heroínas que se tem visto tão inteligentes que umas têm parecido o milagre das artes e outras têm dado a entender que eles julgam ignorância o que são efeitos da modéstia.”  (As Aventuras de Diófanes, livro III, página 92)

 

Palavra como instrumento de defesa

 

São também nesses diálogos que Teresa Margarida defende suas ideias insubmissas: educação igualitária entre meninos e meninas; trabalho para mulheres, independente da classe social, numa crítica à ociosidade que lhes era imposta, principalmente às mulheres da corte; e ideais iluministas, que repercute o convívio da autora com seus defensores – entre eles seu irmão Matias Aires e o diplomata Alexandre Gusmão. O iluminismo representava nessa época um posicionamento contrário ao absolutismo praticado por Dom João V em Portugal.

Vale ressaltar que Teresa Margarida e sua obra, apesar de atípica, conseguiram destaque devido à condição social elevada da autora numa sociedade portuguesa altamente hierarquizada. Além disso, imagina-se que foi a passagem pelo convento que proporcionou seu contato com os estudos, pois naquele momento a carreira religiosa era praticamente o único meio das mulheres receberem algum tipo de instrução igual à recebida pelos homens. Não é à toa que a maior parte das poucas mulheres que escreviam e recebiam reconhecimento na época eram freiras.

Mesmo com esses privilégios e com um recebimento elogioso depois da publicação da primeira edição do livro –  a qual, apesar do pseudônimo, já se supunha que era de Teresa Margarida -, a sua condição feminina foi motivo para relativização da autoria de sua obra: a terceira edição teve, por exemplo, como autor Alexandre Gusmão. A questão é que estamos tratando aqui de uma sociedade que enclausurava suas mulheres com o respaldo da lei e as maltratavam de maneira totalmente impune. Logo, questionar a autoria de um livro por ter sido escrito por uma mulher apenas vem como consequência da noção inferiorizada que se tinha do sexo feminino.

É claro que entre os diálogos e as máximas defendidas ao longo da história é possível encontrar algumas noções que hoje em dia não dialogam com as que se acredita serem justas para uma sociedade igualitária e com liberdade para as mulheres. Mas o importante é tentar compreender o que foi o livro em sua época e o que ele significa para nós hoje, dentro de uma ideia de que toda obra precisa ter no mínimo duas leituras. A partir disso, reconhece-se que o feito de Teresa Margarida foi excepcional até mesmo na questão de gênero literário: naquela época era incomum que mulheres escrevessem em prosa, dedicando-se principalmente à poesia.

Assim, Teresa Margarida tomou a palavra e foi precursora. Na sua estréia teve um  momento de merecido reconhecimento que se estendeu até o século XIX. Depois disso, foi aos poucos sendo esquecida na história literária, mesmo com a reedição de sua obra no fim do século XX. A Academia Brasileira de Letras, apesar das discussões, a considera como a primeira romancista do país. Nesse sentido, pode-se dizer que, apesar de não ter vivido aqui, os questionamentos e reivindicações que traz em seu livro também se relacionavam muito com o Brasil do século XVIII e por isso, o romance não é totalmente alheio ao cenário nacional da época.

Mas, ainda com tal consideração, pouco se conhece ou se fala sobre sua figura, sua importância e também sobre seu papel como defensora do que chamamos de um pré-feminismo. Isso tudo nos leva a novas discussões, dessa vez acerca da situação feminina no universo das letras atualmente e, principalmente, acerca do reconhecimento de mulheres relevantes para a história literária que merecem ser lembradas. E por mais estranho que possa soar, é fato: Teresa Margarida foi primeira brasileira a escrever um romance.

“Não resplandece em todas a luz brilhante das ciências porque eles ocupam as aulas em que não teriam lugar se elas frequentassem, pois temos igualdade de almas e o mesmo direito aos conhecimentos necessários.”(As Aventuras de Diófanes, livro III, página 92)

 

Referências Bibliográficas

 

Araújo, Sofia de Melo. Aventuras de Diófanes de Teresa Margarida da Silva e Orta – Os ideias de Climenéia e Diófanes à luz dos tempos. Revista da Faculdade de Letras — Línguas e Literaturas, II Série, vol. XXIII, Porto, 2006 [2008], pp. 103-126.  http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/5640.pdf

Furquim, Tania Magali Ferreira. Aventuras Instrutivas: Teresa Margarida da Silva e Orta e o Romance Setecentista. Dissertação de Mestrado. Campinas
Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem, Departamento de Teoria Literária, 2003 Disponível em http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/270034/1/Furquim_TaniaMagaliFerreira_M.pdf 

Orta, Teresa Margarida da Silva e. Obra Reunida. Rio de Janeiro: Graphia Editorial, 1993.

Viralhele, Eva Loureiro . Fabricação de ideias e identidades na historiografia literária luso e brasileira: Começa a literatura brasileira com um romance, feminista e político escrito por uma mulher? VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiros de Ciências Sociais. Centro de Estudos Sociais, Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra, 2004. Disponível em: https://www.ces.uc.pt/lab2004/pdfs/Eva_Loureiro_Vilarelhe.pdf

 

eresa Margarida da Silva e Orta (São Paulo1711 - Lisboa24 de outubro de 1793[1]) é considerada a primeira mulher romancista em língua portuguesa[2]. Irmã de Matias Aires, publicou inicialmente sob o pseudônimo de Dorotéia Engrassia Tavareda Dalmira, um anagrama perfeito de seu nome.[3][4][5][6]

Biografia

Filha de José Ramos da Silva, cavaleiro da Ordem de Cristo, provedor da Casa da Moeda de Lisboa, e de Catarina de Orta, Teresa nasce em São Paulo, no Brasil Colonial[7]. Segundo Tristão de Ataíde, a família de Teresa era um dos fenômenos sociais mais expressivos do Brasil do período. José Ramos da Silva, pai de Teresa Margarida, viera para o Brasil em 1695. Em 1704, casou-se com D. Catarina de Orta, de família ilustre paulistana. Nessa época, já era um dos homens mais ricos de São Paulo, proprietário de imóveis na cidade e de terras auríferas e diamantinas em Minas Gerais. Foi um dos que fizeram fortuna atuando como fornecedor dos “bandeirantes”, dos paulistas.[8]

Aquando do regresso da família a Lisboa, Teresa e a irmã estudam no [[Convento das Trinas, com o objetivo de seguirem a vida religiosa. Casa com Pedro Jansen Moller van Praet, com quem tem doze filhos[7]; e foi dama das Cortes de D. João V e D. José I[9]. É fluente em português, francês e italiano[7].

Depois da morte do seu esposo, quando apenas tem 42 anos, Teresa é acusada de mentir ao rei. Por ordem do Marquês de Pombal, Teresa é mantida em cativeiro, durante sete anos, no Mosteiro de Ferreira de Aves[2]. Em 1777 sai em liberdade, e passa a viver com o cunhado, monsenhor e inquisidor, Joaquim Jansen Moller[2].

Obras

Manuscritas

  • Theresa Margarida da Silva e Horta encerrada no mosteiro de Ferreira encaminha aos ceos os seus justissimos prantos no seguinte poema epico-tragico
  • Novena do Patriarcha S. Bento  
  • Carta dedicatória À Abadessa D. Anna Josepha de Castel-Branco 

Impressas

  • Máximas da virtude, e fermosura com que Diofanes, Clyminea, e Hemirena Principes de Thebas venceraõ os mais apertados lances da desgraça, Lisboa, Officina Miguel Manescal da Costa, 1752.
  • Aventuras de Diófanes, Imitando o sapientisssimo Fenelon na sua Viagem de Telemaco[10]
  • Aventuras de Diófanes, imitando o Sapientissimo Fenelon na sua Viagem de Telemaco por Dorothea Engrassia Tavareda Dalmira. Seu verdadeiro author Alexandre de Gusmão[11]
  • Historia de Diofanes, Clymenea e Hemirena, Principes de Thebas. Historia Moral escrita por huma Senhora Portugueza, Lisboa, Typographia Rollandiana, 1818

Obras póstumas

No livro Obra Reunida, da Série Revisões, publicado em 1993[12], além de suas Máximas de Virtude e Formosura (1752), encontram-se também os textos que escreveu na clausura do Mosteiro de Ferreira de Aves. São eles o Poema épico-trágico, a Novena do patriarca São Bento e a Petição que a presa faz à rainha N. Senhora. Sobre ela, na mesma coletânea há depoimentos dos primeiros críticos, como Rodrigo de Sá e Barbosa Machado, e textos críticos de Ernesto Ennes, Tristão de Athayde e Rui Bloem.

Referências

  1. «GÊNERO(S) NA OBRA DE TERESA MARGARIDA DA SILVA E ORTA» (PDF). Mulher e Literatura. Consultado em 2 de janeiro de 2018
  2. ↑ Ir para:ab c Flores, Conceição. «Teresa Margarida da Silva e Orta (1711-1793)». Revista Convergência. Consultado em 6 de outubro de 2017
  3. Ennes, Ernesto Jose Bizarro (1944–1952). Dois paulistas insignes. Col: Bibliotheca Pedagógica Brasileira. Série V. Brasiliana; v. 236. 2. São Paulo: Ed. Nacional
  4. Ennes, Ernesto (abril–junho de 1953). «Uma Poetisa brasileira (1711 ou 1712-1793)». São Paulo. Revista de história. 6 (14): 421-436
  5. Vidal, Barros. Precursoras brasileiras. Rio de Janeiro: A Noite. 277 páginas
  6. Série Histórias Não Contadas - "As Mensageiras" - Primeiras Escritoras do Brasil Câmara dos Deputados - acessado em 6 de março de 2021
  7. ↑ Ir para:ab c «Teresa Margarida da Silva e Orta». "Escritoras em Português" - Projeto FLUL. Consultado em 6 de outubro de 2017
  8. FURQUIM, Tânia Magali Ferreira; A vida conturbada de Teresa Margarida. Capítulo 1: A época de Teresa Margarida
  9. Revista Colóqui/Letras n.º 110/111 (Julho de 1989). Huma Senhora do Século XVIII - Theresa Margarida da Silva e Orta, pág. 35.
  10. Aventuras de Diófanes, Imitando o sapientisssimo Fenelon na sua Viagem de Telemaco, Lisboa, Régia Officina Tipográfica, 1777
  11. Aventuras de Diófanes, imitando o Sapientissimo Fenelon na sua Viagem de Telemaco por Dorothea Engrassia Tavareda Dalmira. Seu verdadeiro author Alexandre de Gusmão, Lisboa, Régia Officina Tipográfica, 1790
  12. Orta, Teresa Margarida da Silva e (1993). Obra reunida Teresa Margarida da Silva e Orta. Col: Série Revisões 4. Introdução, pesquisa bibliográfica e notas de Ceila Montez. Rio de Janeiro: Graphia. 244 páginas

 

Gabrielle Gonçalves de Carvalho é graduanda em Letras (Postuguês/Italiano) pela FFLCH-USP.

 ACERVO LITERATURA

VIDA E OBRA DE UMA PIONEIRA DO FEMINISMO BRASILEIRO

12/01/2021CURADORIA  2 COMMENTS

 

O Blog da BBM conversou com a historiadora Cristiane Ribeiro para saber mais sobre a vida e a obra de Anna Rosa Termacsics dos Santos, uma das pioneiras do feminismo no Brasil.  Foi a partir da leitura de um texto publicado pelo Blog, o Tratado sobre a emancipação política da mulher e direito de votar – uma feminista no Brasil de 1868, que Cristiane Ribeiro iniciaria uma trajetória de pesquisa que revelou aspectos fundamentais dessa importante personagem do movimento feminista no Brasil do século XIX. Na capa da única edição do Tratado sobre emancipação política da mulher e direito de votar, publicado em 1868, a autoria da obra era atribuída a uma autora identificada somente pela sigla A.R.T.S.  A partir desse indício, a pesquisa realizada por Ribeiro não apenas conseguiu descobrir que a sigla se referia a Anna Rosa Termacsics dos Santos como também foi capaz de reconstituir muitos elementos de sua trajetória de vida.

Blog da BBM – Como as mulheres brasileiras da segunda metade do século XIX manifestavam suas reivindicações e quais eram os principais pontos defendidos por elas?

 

Cristiane Ribeiro: No decorrer da História, as mulheres utilizaram muitas formas para contestar a condição de opressão em que se encontravam. Há diversos indícios que comprovam isso. Mulheres negras, por exemplo, resistiram de diversas maneiras à escravidão, seja através de fugas para quilombos, abortos forçados para não submeter seus filhos/as à condição de escravizados ou até mesmo através da justiça, que no século XIX foi espaço fundamental para que reivindicassem a liberdade, como mostram processos judiciais. Já as mulheres brancas e intelectuais, que viviam em um mundo completamente oposto, utilizaram fundamentalmente suas penas. Através da escrita, essas mulheres colocaram suas ideias para circular no espaço público – por meio de periódicos e livros, por exemplo – fazendo com que o debate sobre os seus direitos aparecesse naquele momento. As brasileiras de meados do século XIX também foram muito influenciadas pelas discussões internacionais. A principal pauta colocada nesse momento esteve relacionada ao direito educacional. Para se ter uma ideia, os currículos de meninos e meninas eram completamente diferentes no quesito gênero. Aos  meninos caberiam os aprendizados de aritmética, ciência e história. Às meninas, por sua vez, eram direcionados os aprendizados básicos de leitura e escrita e os relacionados aos cuidados com o lar, como corte, costura, culinária, boas maneiras e, vez ou outra, algumas lições de idiomas e música, normalmente piano. Tudo isso fez com que as mulheres vivessem em condições coercitivas de privação do desenvolvimento de suas faculdades intelectuais e profissionais.

Blog da BBM – Quais os principais pontos reivindicados pelo Tratado sobre emancipação política da mulher e direito de votar, publicado em 1868 e assinado apenas com a sigla A.R.T.S? 

Cristiane Ribeiro: O Tratado sobre a emancipação política da mulher e direito de votar traz uma infinidade de reivindicações. À data de sua publicação, em 1868, as mulheres não tinham direitos mínimos garantidos pela legislação. Não podiam frequentar universidades ou cursos especializados, seguir alguma carreira profissional e votar. Até mesmo aquelas que fossem ricas e com propriedades eram impedidas, segundo o Código Comercial de 1850, de ser as responsáveis legais por seus patrimônios, cabendo isso a seus maridos. O Tratado surge nesse momento de exclusão sistemática do sexo feminino do espaço público e reivindica os direitos das mulheres em uma esfera ampla: educacional, legal, trabalhista, matrimonial e política. A ideia de emancipação política da mulher, segundo a autora, seguia um caminho lógico que, de forma bastante concisa, iniciava-se por uma boa educação, profissionalização, direito a tomar parte da política – tanto por meio do voto quanto por meio da candidatura a cargos públicos – e direito a uma relação igualitária no contrato do casamento. Todavia, também é importante ressaltar o contexto de que se fala, em que a escravidão e as desigualdades estruturais resultantes dela eram fatores de forte exclusão. Para a autora do Tratado, por exemplo, os direitos reivindicados estavam destinados apenas às mulheres instruídas, uma fração ínfima das mulheres brasileiras. Para se ter uma ideia, mulheres escravizadas não tinham nem mesmo o direito de manter suas próprias famílias, sendo a maioria separada de seus filhos/as logo depois que nasciam.

Primeira página do Tratado

Blog da BBM – Em que contexto sócio-histórico se deu a publicação do Tratado

Cristiane Ribeiro: Olha, falar resumidamente de um período em que tanta coisa aconteceu é difícil. É importante não esquecermos que tudo se movia a partir de um governo monárquico que usufruía do regime escravocrata. Na esfera jurídica, como comentei antes, as mulheres eram sistematicamente destituídas de direitos mínimos. Já no que se refere aos acontecimentos políticos, ao longo da década de 1860 cresciam as contestações à monarquia e ao imperador D. Pedro II. Outro ponto importante de contestação estava relacionado ao sistema eleitoral. O debate sobre o assunto girava em torno da necessidade de uma reforma do sistema, que há muito tempo sofria com fraudes. Em âmbito internacional, nesse período o sufrágio feminino era discutido no Reino Unido e nos EUA mulheres organizavam convenções para debater assuntos relacionados à abolição da escravidão e aos seus direitos civis e políticos. Em suma, a década de 1860 era propícia para que todas as ideias presentes na obra fossem postas no debate público. Elas são, portanto, resultados diretos de seu momento de produção. 

Blog da BBM – Quais as principais ideias, autoras e autores com os quais a autora do Tratado dialoga?

Cristiane Ribeiro: Essa é uma questão que rende muito, afinal, ela está citando e se apropriando de muita gente, sejam vivos/as em 1868 ou não. No decorrer da pesquisa, eu levantei cerca de 112 nomes citados pela autora, entre filósofos, políticos, literatas/os, reis, rainhas, advogadas/os, jornalistas, poetisas etc. Isso comprova sua grande percepção e conhecimento histórico do tempo em que viveu. Nomes como Jean Jacques Rousseau, John Locke, Stuart Mill, Friedrich Schiller, Condorcet, Madame de Stael, George Sand, Lucrécia Bórgia, Taylor Coleridge e Mme. La Plache figuram como algumas das personagens que aparecem no decorrer da leitura de suas páginas. Ela foi uma mulher erudita, que lia muito, lia sobre todos os temas possíveis, inclusive em outros idiomas. 

Blog da BBM – Em que circunstâncias editoriais o Tratado veio a público e como a obra foi recebida pelos leitores?

Cristiane Ribeiro: O Tratado foi impresso nos primeiros meses de 1868, pela Tipografia Paula Brito, um estabelecimento que teve como idealizador Francisco de Paula Brito. Esse editor teve atuação significativa no meio editorial daquele momento, o que possibilitou projetar seu nome e suas relações no universo das letras. Nomes como Machado de Assis, Antônio Gonçalves Dias e Joaquim Manuel Macedo frequentaram sua editora. Todavia, em 1868, Paula Brito já havia falecido (morreu em 1861) e era sua mulher, Rufina Rodrigues da Costa, quem estava à frente dos negócios. A viúva encontrava-se repleta de dívidas, que dificultaram, e muito, a manutenção das atividades editoriais. Em 1868, a tipografia imprimiu  pouquíssimas obras e o Tratado foi uma das poucas publicadas naquele ano a marcar presença nos periódicos. A autora pagou pelos serviços, acredito que em condições bem mais acessíveis, devido à situação de crise por que passava Rufina. As características materiais da edição também demonstram uma produção mais barata. O  Tratado é um livro de bolso, que tem 15,4 cm de altura por 11,5 cm de comprimento, tamanho um pouco menor que um lápis, e o papel utilizado é de qualidade inferior. Localizei anúncios da obra em diversas livrarias do Rio de Janeiro: os preços variavam de 1$000 a 3$000 e há indícios de que o livro circulou em outras outras províncias e mesmo em outros países.  

 

Capa do Tratado

Blog da BBM – Ao longo de sua pesquisa de mestrado, você identificou a identidade da autora do Tratado. Você poderia contar como foi esse processo de descoberta?

Cristiane Ribeiro: Essa é a típica questão que me anima, às vezes rola aquela empolgação de historiador/a que adora escarafunchar arquivos e seus papéis amarelos. Vamos lá, tentarei ser breve. A única identificação de autoria do Tratado é a sigla A.R.T.S., impressa na capa do livro. Os periódicos da época tampouco dão a identidade da autora. Descobrir que a sigla se refere a Anna Rosa Termacsics dos Santos foi uma das minhas maiores satisfações. Digo isso pois desde a primeira vez que escrevi para a BBM, em fevereiro de 2016, quando ainda era graduanda em História, iniciei uma busca incansável por mais informações sobre a obra, que até então era desconhecida nos espaços acadêmicos. Não localizei nenhum artigo, dissertação ou tese que analisasse suas ideias ou apontasse indícios sobre sua autoria. Apenas o Blog da BBM havia publicado alguns poucos dados até então, mas o livro ainda  não estava disponível no acervo digital da instituição. Após solicitar sua digitalização aos bibliotecários da BBM, recebi uma cópia digital do Tratado [a obra também foi disponibilizada na BBM Digital: https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/6702]. Após isso, li e reli aquelas páginas várias vezes e a cada leitura eu ficava mais intrigada; afinal, uma mulher estava ali reivindicando direitos em um sentido amplo e também ousando ao falar em voto feminino em um momento que isso pouco aparecia nos debates. Iniciei então uma pesquisa de mestrado sobre a obra, o que me permitiu avançar nas investigações. O primeiro caminho que percorri foi a análise de jornais. Os anúncios de venda da obra me forneceram muitas informações. Neles constavam, por exemplo, o preço da obra, os locais em que era possível adquiri-la e para quem ela estava sendo direcionada. Nesses anúncios, o endereço da autora – na rua Sete de Setembro, n223/1ºandar – era um dos locais onde a obra podia ser adquirida. Essa informação foi o fio condutor da investigação. Cruzei-a com as informações do Almanak Laemmert, um impresso anual com mais de mil páginas que veiculava informações variadas sobre a Corte carioca, dentre as quais anúncios de serviços. No Almanak descobri que na rua Sete de Setembro no 223/1º eram dadas aulas de piano e canto por uma professora chamada Anna Rosa Termacsics dos Santos. O percurso não terminou por aí. Eu precisava obter mais informações sobre Anna Rosa Termacsics dos Santos. Seu sobrenome chamou inicialmente sua atenção. Descobri que Termacsics é um nome da região que hoje abarca a Croácia, Áustria e a Hungria, o que me levou a contatar diversas instituições arquivísticas dessa região. Depois de pesquisar e cruzar as informações de documentos de várias instituições, descobri que Anna Rosa Termacsics dos Santos foi uma húngara que veio para o Brasil aos 7 anos de idade e aqui permaneceu até o falecimento, em 15 de outubro de 1886. Foi por meio dos diversos documentos que sobreviveram ao tempo, numa prática indiciária de pesquisa, que consegui uma infinidade de informações sobre a autora do Tratado de 1868.

Blog da BBM – Conte um pouco sobre a trajetória de vida de Anna Rosa Termacsics dos Santos. Além da publicação do Tratado, ela participou por outros meios das discussões feministas de seu tempo?

Cristiane Ribeiro: A reconstrução de trajetórias de pessoas que já não existem é uma tarefa desafiadora. Para dar inteligibilidade a uma narrativa histórica, historiadores/as devem reconstruir inúmeros rastros com que se deparam. No caso de Anna Rosa, há muitas lacunas sobre sua vida, seja por conta da não localização de fontes precisas, seja pela  impossibilidade de fazer afirmações generalizantes. Postas essas ressalvas, é possível afirmar que Anna Rosa chegou ao Brasil por volta de 1828, quando tinha cerca de 7 anos de idade, fixando-se inicialmente na província paulista, região de Taubaté, onde seu pai tentou se estabelecer com negócios de produção e comercialização das vinhas. Em 1836, aos 15 anos, ela lecionou, ao lado de suas duas irmãs, no estabelecimento educacional da família, que ofertava aulas de piano, costura, corte e bordado. Esse fato possivelmente é o marco na sua experiência com a docência, sobretudo a musical, trabalho que a acompanhou até os seus últimos dias de vida. 

Não consegui definir em qual data específica ela chegou ao Rio de Janeiro, mas sei que a partir de 1850 seu nome começou a constar nos anúncios anuais e diários dos meios de comunicação da Corte carioca. Além de professora de piano e canto, ela lecionou idiomas e primeiras letras em diversas casas e colégios da cidade, em um cansativo trânsito diário pelas ruas cariocas. Anna Rosa também também chegou a trabalhar na governança, principalmente com os cuidados da casa de homens solteiros e viúvos. Ela não se casou e permaneceu sem prole, condição que dificultava, e muito, a sua mobilidade no universo público de meados do XIX, que devia ser ocupado apenas por homens. Às mulheres brancas e intelectuais como ela caberia o espaço doméstico e suas funções correlatas. Todos esses fatores aparecem descritos em seu texto, que traz muito de suas experiências com as opressões de gênero que relegou historicamente mulheres à condição de inferiores e contra a qual Anna Rosa se colocou obstinadamente. Ela teceu, por exemplo, críticas contundentes ao contrato do casamento, à falta de postos de trabalho e à desigualdade salarial no universo do trabalho. Como mulher erudita que foi, é de imaginar que ela viajou bastante e manteve importantes trocas culturais com seus pares. Frequentou países como Chile, Argentina, França e Inglaterra. Nesse último despontavam diversas mobilizações pelo direito ao voto das mulheres, o que poderá ter influenciado a publicação do Tratado.

No decorrer dos anos ela mudou muito de endereço, sempre residindo em pequenos sobrados, que eram anunciados como espaços ideais para pequenas famílias ou senhoras sós. Ao que parece, compartilhou a casa apenas com algumas escravizadas com filhas moças, que realizavam todas as tarefas da casa e outras fora, como serviços ambulantes nas ruas. O que mais chama a atenção em toda sua trajetória é a necessidade do trabalho como sustento econômico, já que foi uma mulher que trabalhou muito e que deixou isso claro em seus textos. Além da publicação do Tratado em 1868, Anna Rosa também publicou outros pequenos artigos sobre o mesmo tema na imprensa periódica.  Constatei que até alguns meses antes de vir a óbito, no dia 15 de outubro de 1886, Anna Rosa Termacsics dos Santos figurava entre as professoras anunciantes de serviços em jornais, o que dá indícios de que ela não permaneceu doente muito tempo. 

Blog da BBM – Está prevista uma reedição do Tratado sobre emancipação política da mulher e direito de votar? Há elementos da obra de Anna Rosa Termacsics dos Santos que se mantêm atuais para o debate feminista contemporâneo?

Cristiane Ribeiro: Sim. Estou trabalhando, junto com a Edições Câmara, na reedição da obra. A proposta é que o nome da autora apareça logo na capa, o que seria uma forma de reconhecimento, ainda que tardio, de sua trajetória de luta, que também é nossa. Se tudo der certo, até meados deste ano o Tratado sobre a emancipação política da mulher e direito de votar estará publicado e disponível para aquelas/es que tenham interesse em buscar as raízes da história da luta das mulheres no Brasil. Muitas das questões colocadas no Tratado ainda permanecem na agenda feminista contemporânea, ressignificadas, claro, após mais de um século e meio de luta. A própria ideia de participação política reivindicada pelo Tratado, sobretudo no que se refere à elegibilidade, é um problema para nós mulheres, que ainda temos só 14% de representação no legislativo federal, o que dá uma dimensão das dificuldades que as mulheres temos de enfrentar nas estruturas políticas e partidárias para se eleger. Do mesmo modo, é sempre importante conhecer nossa história para que aprendamos sobre nosso passado, uma vez que quando Anna Rosa escreveu, as questões colocadas eram completamente diferentes das que temos hoje, ainda bem! Os feminismos avançaram e têm avançado cada vez mais. Quando falamos em direitos das mulheres temos que ter ciência que eles não são, e nunca foram, os mesmos para todas. É preciso entender a diferença de gênero a partir de diversos marcadores sociais, que, aliás, carregam resquícios desse nosso passado escravocrata vigente no XIX.

Saiba mais

Ribeiro, Cristiane de Paula. A vida caseira é a sepultura dos talentos: gênero e participação política nos escritos de Anna Rosa Termacsics dos Santos (1850 1886).

 

eresa Margarida da Silva e Orta (1711-1793), a primeira romancista de língua portuguesa. Publicou inicialmente sob o pseudônimo de Dorotéia Engrassia Tavareda Dalmira.

Vida literária
Teresa Margarida escreveu as Aventuras de Diófanes (1777), livro de claro enjagamento nas ideias iluministas. No livro Obra Reunida, da Série Revisões, publicado em 1993, além de suas Máximas de Virtude e Formosura (1752), encontram-se também os textos que escreveu na clausura do Mosteiro de Ferreira e Aves, para onde fora mandada pelo Marquês de Pombal por insubordinação. São eles o "Poema épico-trágico", a "Novena do patriarca São Bento" e a "Petição que a presa faz à rainha N. Senhora". Sobre ela, na mesma coletânea há depoimentos dos primeiros críticos, como Rodrigo de Sá e Barbosa Machado, e textos críticos de Ernesto Ennes, Tristão de Athayde e Rui Bloem.

 

Falecimento: 24 de outubro de 1793, Lisboa, Portugal

O primeiro romance publicado por uma mulher em língua portuguesa foi o da brasileira Teresa Margarida da Silva e Orta, em 1752. O livro se chamava Máximas de virtude e formosura e foi reeditado sob o nome Aventuras de Diófanes. Teresa utilizava o pseudônimo de Dorotéia Engrássia Tavareda Dalmira

CategoriasCuriosidades

Vida literária
Teresa Margarida escreveu as Aventuras de Diófanes (1777), livro de claro engajamento nas ideias iluministas. No livro Obra Reunida, da Série Revisões, publicado em 1993, além de suas Máximas de Virtude e Formosura (1752), encontram-se também os textos que escreveu na clausura do Mosteiro de Ferreira e Aves, para onde fora mandada pelo Marquês de Pombal por insubordinação. São eles o "Poema épico-trágico", a "Novena do patriarca São Bento" e a "Petição que a presa faz à rainha N. Senhora". Sobre ela, na mesma coletânea há depoimentos dos primeiros críticos, como Rodrigo de Sá e Barbosa Machado, e textos críticos de Ernesto Ennes, Tristão de Athayde e Rui Bloem.

Biografia

a primeira mulher romancista em língua portuguesa.[11][nota 1]

 

Filha de José Ramos da Silva, cavaleiro da Ordem de Cristo, provedor da Casa da Moeda de Lisboa, e de Catarina de Orta, Teresa nasce em São Paulo, no Brasil Colonial[7]. Segundo Tristão de Ataíde, a família de Teresa era um dos fenômenos sociais mais expressivos do Brasil do período. José Ramos da Silva, pai de Teresa Margarida, viera para o Brasil em 1695. Em 1704, casou-se com D. Catarina de Orta, de família ilustre paulistana. Nessa época, já era um dos homens mais ricos de São Paulo, proprietário de imóveis na cidade e de terras auríferas e diamantinas em Minas Gerais. Foi um dos que fizeram fortuna atuando como fornecedor dos “bandeirantes”, dos paulistas.[8]

Aquando do regresso da família a Lisboa, Teresa e a irmã estudam no [[Convento das Trinas, com o objetivo de seguirem a vida religiosa. Casa com Pedro Jansen Moller van Praet, com quem tem doze filhos[7]; e foi dama das Cortes de D. João V e D. José I[9]. É fluente em português, francês e italiano[7].

Depois da morte do seu esposo, quando apenas tem 42 anos, Teresa é acusada de mentir ao rei. Por ordem do Marquês de Pombal, Teresa é mantida em cativeiro, durante sete anos, no Mosteiro de Ferreira de Aves[2]. Em 1777 sai em liberdade, e passa a viver com o cunhado, monsenhor e inquisidor, Joaquim Jansen Moller[2].

Obras

Manuscritas

  • Theresa Margarida da Silva e Horta encerrada no mosteiro de Ferreira encaminha aos ceos os seus justissimos prantos no seguinte poema epico-tragico
  • Novena do Patriarcha S. Bento  
  • Carta dedicatória À Abadessa D. Anna Josepha de Castel-Branco 

Impressas

  • Máximas da virtude, e fermosura com que Diofanes, Clyminea, e Hemirena Principes de Thebas venceraõ os mais apertados lances da desgraça, Lisboa, Officina Miguel Manescal da Costa, 1752.
  • Aventuras de Diófanes, Imitando o sapientisssimo Fenelon na sua Viagem de Telemaco[10]
  • Aventuras de Diófanes, imitando o Sapientissimo Fenelon na sua Viagem de Telemaco por Dorothea Engrassia Tavareda Dalmira. Seu verdadeiro author Alexandre de Gusmão[11]
  • Historia de Diofanes, Clymenea e Hemirena, Principes de Thebas. Historia Moral escrita por huma Senhora Portugueza, Lisboa, Typographia Rollandiana, 1818

Obras póstumas

No livro Obra Reunida, da Série Revisões, publicado em 1993[12], além de suas Máximas de Virtude e Formosura (1752), encontram-se também os textos que escreveu na clausura do Mosteiro de Ferreira de Aves. São eles o Poema épico-trágico, a Novena do patriarca São Bento e a Petição que a presa faz à rainha N. Senhora. Sobre ela, na mesma coletânea há depoimentos dos primeiros críticos, como Rodrigo de Sá e Barbosa Machado, e textos críticos de Ernesto Ennes, Tristão de Athayde e Rui Bloem.

 

A dama estrangeira ou o mistério das letras misturadas

ANA MIRANDA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Um homem chega ao palácio real em Lisboa. Cruza os corredores, entra na sala de música e se ajoelha aos pés da princesa. Entrega à adolescente um delicado exemplar de um livro dedicado à alteza que, melancólica, o deposita em uma almofada. Na capa está escrito: "Máximas de virtude e formosura, com que Diófanes, Climenéia e Hemirena, príncipes de Tebas, venceram os mais apertados lances da desgraça, oferecidas à princesa nossa senhora, a senhora d. Maria Francisca Isabel Josefa Antonia Gertrudes Rita Joanna. Por Dorothea Engrassia Tavareda Dalmira. Lisboa, na oficina de Miguel Manescal da Costa, impressor do Santo Ofício. Ano 1752, com todas as licenças necessárias".
A princesa dá um sorriso estranho, percebe-se um ar de loucura nos seus olhos.
Não se sabe quem é Dorothea Engrassia Tavareda Dalmira, a autora do romance que conta as aventuras dos reis de Tebas, escrito para a futura rainha, ensinando-lhe regras de comportamento e atacando a monarquia, da mesma forma que Fénelon escrevera as aventuras de Telêmaco para instruir o jovem duque de Borgonha, ensinando-lhe mitologia e poesia gregas, e para fazer críticas a seu avô, Luís 14. Na Corte sussurram pelos corredores, durante as tertúlias, as festas, as caçadas: quem teria tido a ousadia de escrever aquele romance que critica o despotismo do rei? Descobre-se que Dorothea, simplesmente, não existe.
À mesa de gamão, um padre e um conde procuram desvendar o segredo que há no nome suposto da autora. Estendem no veludo as 32 letras do nome de Dorothea Engrassia Tavareda Dalmira e realizam toda sorte de combinações. Depois de uma noite em claro, muitas doses de licor de anis e bocetinhas de rapé, têm a revelação: é um anagrama perfeito do nome Dona Theresa Margarida da Silva e Orta, sem sobrar nem faltar uma só letra.
Os dois homens se assombram. É a amiga de Alexandre de Gusmão!
Que senhora é esta?
Numa sessão de academia, o padre e o conde falam sobre sua descoberta. O livro, de intensa erudição, foi escrito por uma senhora, dona Theresa Margarida, irmã do moralista Mathias Ayres, que acaba de publicar uma reflexão sobre a vaidade dos homens. "Certamente a autora foi orientada pelo irmão e pelo protetor Alexandre de Gusmão", diz o padre.
Alguém lembra que o livro pode ter sido escrito pelo próprio Alexandre. O geógrafo e embaixador Alexandre de Gusmão, 57 anos, foi secretário privado do rei dom João 5º e autor de libretos de óperas. Um homem de espírito sarcástico, que enviava aos inimigos cartas "rápidas e cortantes como chicotadas", o mais esclarecido de sua época, de grande influência na Corte até a morte do rei, dois anos antes. É irmão de Bartolomeu, o padre criador de um aeróstato e que diante de dom João 5º fez um pequeno balão de papel com foco ígneo subir até o teto da sala, pelo que passou a desfrutar de muita popularidade como Padre Voador.
"Alexandre de Gusmão pode ser o autor do romance, pois é conhecido seu iluminismo de estrangeirado, seu horror ao despotismo e sua virulência na crítica ao novo governo."
"Por que precisaria Alexandre se fazer passar por mulher, em vez de receber as glórias da autoria do romance?", diz alguém.
"As glórias e os cárceres."
"Ora, pode ter sido escrito pelo irmão de Alexandre, o padre Bartolomeu", zomba um acadêmico.
"Este está mais interessado em máquinas elevatórias, modos de bombear água dos navios e um sistema de lentes."
"Para assar carne ao sol", grita alguém. Ecoam gargalhadas na sala.
"Dona Theresa, por sua vez, teria motivos para não revelar que é a autora do romance", diz o conde.
"No livro pode-se perceber uma reação contra a política adotada pelo novo rei dom José 1º. Isso, por acaso, é assunto para uma senhora?"
"Por que não?", responde o padre. "Nas palavras que antecedem a obra, a autora reafirma", o padre abre o livro e lê, "esta obra, lembra-te que é de mulher, que nas tristes sombras da ignorância suspira por advertir a algumas a gravidade de Estratônica, a constância de Zenóbia, a castidade de Hipona, a fidelidade de Políxena e a ciência de Cornélia. Sim, a autora é uma senhora, dona Theresa Margarida, a filha de José Ramos da Silva".
"Mas quem é esta senhora?", perguntam-se as pessoas presentes.
Prazeres no claustro
Theresa Margarida é uma bela mulher de cerca de 40 anos de idade. Embora não seja nobre, é aceita nos salões reais, nas conferências secretas e eruditas das academias, nas aulas no paço, pois foi educada no convento das Trinas, letrada, instruída em poesia, música, astronomia, e é conhecedora de línguas. Seu pai possuía o palácio dos Condes de Alvor, propriedades em Alemquer, em Belas, a quinta da Corujeira, onde se enchem a cada ano mais de 300 pipas de vinho e tantas outras quintas, capelas, abegoarias, logradouros, vastíssimos domínios. Seus amigos são pessoas poderosas do governo anterior, dizem até que Theresa teria beijado a mão de dom João 5º num Te Deum em Odivelas, onde o soberano ia se encontrar com sua amante, a freira Maria Paula, e que o rei apreciava o comportamento exuberante da súdita, afinal, fora ele quem mandara as mulheres arrancarem do rosto os véus negros, quem abrira as janelas do paço, iluminara com milhares de velas os salões, colorira as roupas, fizera cintilarem aljôfares e damascos, mandara que toucassem os rostos com pós alvos, cobrira de ouro os colos das mulheres e permitira que os homens usassem leques. Mas Theresa sempre foi vista com reserva na Corte, pois é estrangeira. Nasceu no Brasil.
Nasceu em São Paulo, enquanto seu pai, minerador enriquecido nas Minas Gerais, com um pequeno exército de escravos lutava no Rio de Janeiro para expulsar os franceses que haviam invadido a cidade em 1711. Desses colonos, diziam em Portugal serem daquele tipo de rapaz que foi de pés descalços "roubar nos Sertões as Minas, e cá vem dispender às mãos cheias", e mais, "esquecido do seu antigo estado; porque toda a memória conserva no presente: Trovão da rua nova, nos dias de pagamento, e muitas vezes sucede ser relâmpago a sua riqueza".
Mas a riqueza do pai de Theresa Margarida era sólida. Quando a menina tinha cerca de cinco anos, ele voltou ao reino e comprou ingresso entre a nobreza, tendo em toda sua vida emprestado dinheiro a fidalgos como o marquês de Valença, que nunca lhe pagou, ou o conde de Ericeira, que o olhavam, todavia, com desdém. O pai pôde educar seu filho como um nobre e suas filhas nos melhores conventos. No mosteiro das Trinas, Theresa conheceu uma vida de liberdade e prazer, entre grades de doces, lausperenes, visitas de homens apaixonados por freiras, as mulheres mais desejadas na época, as musas, as amantes. Ali, sem a presença opressiva do pai, Theresa aprendeu a ler, escreveu poemas, conheceu rapazes, apaixonou-se e decidiu que não queria ser freira. Contra a vontade dos pais, deixou o mosteiro.
Também enfrentando as tempestades familiares, resolveu casar com o jovem que amava, filho de um desembargador, mas sem nenhum sangue azul. O pai ameaçou deserdá-la, não permitiu que ela avistasse o pretendente, expulsou de casa a criada que guardava as cartas de amor, fez insinuações torpes sobre sua honra, ficou doente à morte durante seis meses, mas nada a demoveu. O pai a meteu numa carruagem, levou-a para a quinta da Agualva e a trancou num quarto escuro, sem deixar que falasse com ninguém. Obrigou-a a assinar um papel sem saber o que continha, subornou gente, fez tudo para impedir o casamento.
Porém, depois de uma batalha judicial, instruída pelo sogro, usando uma lei que protegia as filhas que desejavam contrair matrimônio sem autorização do pai, com apenas 16 anos Theresa Margarida casou com o holandês. O pai cumpriu sua promessa e por uma escritura pública a deserdou. Em meio a dificuldades financeiras, uma gravidez atrás da outra, brigas familiares, obrigações domésticas, maternais e de esposa e intensa vida intelectual, ela teria escrito o romance.
"Impossível", gritou alguém, indignado.
Paixões líricas e fatais
Sete anos depois de publicado, o livro foi registrado pelo abade Barbosa Machado, no tomo 4 da monumental "Biblioteca Lusitana", como de autoria de Theresa Margarida da Silva e Orta. Antes de fazer tal afirmação, o abade consultara Alexandre de Gusmão sobre sua bibliografia, que lhe dissera não ter nada escrito; isso em 1740, mas Theresa também fora consultada e, quando o abade publicou sua "Biblioteca", ela não a contestou. Porém, depois da morte de Theresa, em 1790, uma nova edição atribuiu, na capa, a verdadeira autoria a Alexandre de Gusmão, o embaixador e não seu padrinho, jesuíta que vivera no Brasil, e que, este sim, escrevera obras de ficção.
"Aventuras de Diófanes", como foi intitulado na segunda edição, é, portanto, o primeiro romance publicado por um autor brasileiro (Alexandre também era paulista, nasceu em Santos). Theresa o escreveu um século antes de ser publicado o que costumamos registrar como primeiro romance brasileiro, "A Moreninha", de Joaquim Manoel de Macedo.
O livro de Theresa é lindo. Sensível e corajoso, repleto de paixões líricas e fatais, inconformista, fez muito sucesso na época, tendo quatro edições, o que era muito raro. As mulheres em Portugal, até então, costumavam escrever apenas textos conventuais ou religiosos. É romance da maneira como concebemos hoje a palavra, uma narrativa em prosa, com personagens, seus diálogos e reflexões, descrições, conectivas de narração. Apresenta uma literatura corrompida pela relação impossível da Arte com o Bem e uma linguagem que se ressente do peso do moralismo doutrinário. Mas é elegante, ousado, pré-romântico, apesar de imitar os modelos clássicos greco-romanos e os seiscentistas franceses. Theresa rompe com o barroco e o castelhanismo e se mostra "estrangeirada", como seu irmão Mathias, o que era a vanguarda da época. Há um narrador onisciente que conta a história, mas em seguida o mesmo episódio é narrado com mais detalhes e impressões pelo personagem, como lembrança de sua última desventura.
Conta a história dos reis de Tebas que, com os filhos, partem numa esquadra para a ilha de Delos. Surpreendidos por uma tempestade, são atacados por dois navios argelinos. O rei, Diófanes, é aprisionado e vendido aos coríntios. O filho é morto. A mãe e a bela filha, Hemirena, ficam em Argos, separadas uma da outra. Hemirena se torna escrava de Anquísia, que, com ciúmes da princesa, a manda para o campo, na esperança de que o vento, o sol, a chuva estraguem sua beleza. O pastor Túrnio, irmão de Anquísia, se apaixona por Hemirena e deseja casar com ela. A irmã não permite e a vende à princesa de Atenas. O pastor, inconsolável, sem saber do destino de sua amada, enlouquece.
Em Atenas, com narrativas em lágrimas, Hemirena encanta sua senhora, Beraniza, que, ao descobrir as origens nobres da escrava, torna-se sua amiga e interlocutora, quando se sucedem diálogos entre as duas princesas repletos de noções de virtude. O príncipe Ibério, igualmente, sucumbe ao fascínio de Hemirena e deseja casar com ela, que recusa. Beraniza fica doente e morre. O príncipe torna Hemirena sua prisioneira. Mas, numa noite, Hemirena foge, "com vestido de homem, disposta com aquele fingimento a vencer os maiores assaltos de sua cruel fortuna".
Hemirena encontra um mendigo coberto de chagas e trava com ele um diálogo sobre as dores físicas e as morais, sobre as relações entre súditos e reis, sobre a inveja, a ingratidão, os homens e seus venenosos enganos. O mendigo é seu pai, o rei Diófanes, e Hemirena parte para não ser reconhecida. Depois encontra sua mãe, desmemoriada, numa caverna de pedras, onde a rainha vive entre feras. Ambas passam a viver com pastores, como mãe e filho. Hemirena encanta as pastoras, respondendo com inteligência a suas perguntas e com mais conselhos sobre o comportamento dos nobres e a virtude, sobre as mulheres, o casamento, os adornos, os efeitos do ócio e os da paixão.
A bela pastora Atília, entretanto, se apaixona por Hemirena, pensando tratar-se de um homem, motivo pelo qual a princesa e a rainha fogem, até Esparta, depois vão para Micenas e novamente para Corinto, numa triste peregrinação, e depois de mais viagens, discursos, diálogos, conselhos, prisões, naufrágios e novas paixões, a bela Hemirena retorna, com os pais, a Tebas, onde se realizam grandes festas para os soberanos. São 266 páginas, que terminam com uma ingenuidade tipicamente feminina, quando a autora diz que "sempre é vencedora a verdade, e que a formosura triunfa, quando é constante a virtude".
Dona Theresa Margarida, porém, passou os últimos anos de sua vida encarcerada no mosteiro de Ferreira, por ordem de seu inimigo, o marquês de Pombal, onde ela escreveu um longo poema épico-trágico, dividido em cinco prantos, para contar suas dores e tristezas. Seu livro caiu no esquecimento.

Referências

  1. «GÊNERO(S) NA OBRA DE TERESA MARGARIDA DA SILVA E ORTA» (PDF). Mulher e Literatura. Consultado em 2 de janeiro de 2018
  2. ↑ Ir para:ab c Flores, Conceição. «Teresa Margarida da Silva e Orta (1711-1793)». Revista Convergência. Consultado em 6 de outubro de 2017
  3. Ennes, Ernesto Jose Bizarro (1944–1952). Dois paulistas insignes. Col: Bibliotheca Pedagógica Brasileira. Série V. Brasiliana; v. 236. 2. São Paulo: Ed. Nacional
  4. Ennes, Ernesto (abril–junho de 1953). «Uma Poetisa brasileira (1711 ou 1712-1793)». São Paulo. Revista de história. 6 (14): 421-436
  5. Vidal, Barros. Precursoras brasileiras. Rio de Janeiro: A Noite. 277 páginas
  6. Série Histórias Não Contadas - "As Mensageiras" - Primeiras Escritoras do Brasil Câmara dos Deputados - acessado em 6 de março de 2021
  7. ↑ Ir para:ab c «Teresa Margarida da Silva e Orta». "Escritoras em Português" - Projeto FLUL. Consultado em 6 de outubro de 2017
  8. FURQUIM, Tânia Magali Ferreira; A vida conturbada de Teresa Margarida. Capítulo 1: A época de Teresa Margarida
  9. Revista Colóqui/Letras n.º 110/111 (Julho de 1989). Huma Senhora do Século XVIII - Theresa Margarida da Silva e Orta, pág. 35.
  10. Aventuras de Diófanes, Imitando o sapientisssimo Fenelon na sua Viagem de Telemaco, Lisboa, Régia Officina Tipográfica, 1777
  11. Aventuras de Diófanes, imitando o Sapientissimo Fenelon na sua Viagem de Telemaco por Dorothea Engrassia Tavareda Dalmira. Seu verdadeiro author Alexandre de Gusmão, Lisboa, Régia Officina Tipográfica, 1790
  12. Orta, Teresa Margarida da Silva e (1993). Obra reunida Teresa Margarida da Silva e Orta. Col: Série Revisões 4. Introdução, pesquisa bibliográfica e notas de Ceila Montez. Rio de Janeiro: Graphia. 244 páginas

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 21 de junho de 2023

OS BRASILEIROS: JOÃO PERNAMBUCO (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: João Pernambuco

José Domingos Brito

 

 

 

João Teixeira Guimarães nasceu em 2/11/1883, em Petrolândia,  PE. Músico e primeiro compositor a criar um repertório de choros escritos especialmente para violão. Conhecido como "Poeta do Violão", é coautor do clássico “Luar do Sertão”, junto com Catulo da Paixão Cearense, e de Sons de Carrilhão entre outros clássicos da música brasileira.

 

Filho de Teresa Vieira e Manuel Teixeira Guimarães, começou a tocar viola na infância, quando vivia no Recife, e foi influenciado pelos cantadores e violeiros de rua. Aprendeu a tocar violão com cantadores sertanejos como Bem-te-vi, Mandapolão, o cego Sinfrônio e Fabião das Queimadas. Em 1904, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde foi morar com uma irmã. Trabalhou em diversas atividades, incluindo a função de “calceteiro”, o operário que calça ruas. Pouco depois foi tocar na casa do senador Pinheiro Machado, que se tornou seu admirador e lhe arrumou um emprego como contínuo num almoxarifado, um serviço menos arriscado para as mãos de um violonista, propiciando-lhe mais tempo livre para se dedicar à música.

 

Em seguida mudou-se para uma pensão no centro da cidade e passou a conviver com vários amigos músicos violonistas, onde tocava e cantava músicas de sua terra. Vem daí o apelido João Pernambuco. Na pensão viviam Pixinguinha e Donga e era frequentada pelo violonista Sátiro Bilhar e pelo poeta Catulo da Paixão Cearense. Em 1908 já era considerado entre os grandes chorões e compôs, junto com Catulo, Engenho de Humaitá, que deu origem à toada Luar do Sertão. (1914). Mais tarde, Catulo registrou a música sem a coautoria de João Pernambuco. Mas, na disputa judicial Heitor Villa-Lobos, Pixinguinha e Almirante depõem a seu favor, passando a ter seu nome creditado.

 

Além de tocar, também cantava e montou o “Grupo Caxangá“, em 1914, com 7 integrantes, entre os quais Pixinguinha e Donga, lançando moda no Rio com sua caracterização sertaneja. Em 1916 montou o grupo “Troupe Sertaneja”, apresentando-se em São Paulo e Porto Alegre. Mais tarde, em 1922, integrou o grupo dos “Turunas Pernambucanos” e dos “Oito Batutas”, ao lado de Pixinguinha. De 1928 até 1935, morou num casarão da Av. Mem de Sá, que abrigava muitos músicos em concorridas rodas de choro, frequentada por gente como Villa-Lobos, que lhe arranjou um emprego como contínuo na Superintendência de Educação Musical e Artística (SEMA).

 

Suas composições eram de tal densidade e profundidade, que permaneceram na memória musical do País, como a música Sons de Carrilhões. Alguns músicos deixaram registrado depoimentos sobre sua obra: “Bach não se envergonharia em assinar os estudos de João Pernambuco” (Villa-Lobos); “João Pernambuco está para o violão assim como Ernesto Nazareth está para o piano” (Mozart de Araújo); “Dificilmente se encontra um violonista brasileiro, seja ele músico erudito ou popular, que não tenha em seu repertório alguma música do João... a mais legítima expressão do jeito brasileiro de tocar violão” (Maurício Carrilho). Foi João Pernambuco quem introduziu o chapéu de couro nordestino no cenário cultural brasileiro, cf. se vê na foto do verbete e  A foto do verbete mostra que, antes de Lampião, ele já dobrava a aba do chapéu pra cima

 

Faleceu em 16/10/1947, ano em que musicou os versos de Castro Alves, Canção do violeiro. Seu legado é composto por mais de 100 obras entre cocos, toadas, emboladas, choros e valsas. Sua presença na música brasileira é fundamental. wwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwwww  visto que ele chegou ao Rio de Janeiro na época em que a cidade por um processo de modernização inspirado nas reformas urbanas que ocorrem em Paris. Na época o que prevalecia aqui era a música instrumental estrangeira e de ópera, particularmente a italiana. Os músicos populares eram vistos apenas nas salas de cinema e no teatro de revista.

 

Assim, a música popular passa a ser cada vez mais frequente, sobretudo com a ampliação das gravações fonográficas. Segundo os historiadores, neste contexto João Pernambuco se destaca pela divulgação de gêneros como a toada sertaneja e a embolada e por meio de sua atividade como professor de violão. É um dos protagonistas da geração que sistematizou o choro, um gênero musical próprio do Brasil. O violonista erudito Turíbio Santos tem se dedicado a recolher, publicar e tocar as composições de João Pernambuco desde 1970 e diz-se que seu arranjo para Sons de Carrilhão é uma virtuose.

 

Leandro Carvalho é outro violonista empolgado com sua obra. Em 1999 gravou o CD João Pernambuco, o poeta do violão pela gravadora Eldorado. No ano seguinte gravou o CD Descobrindo João Pernambuco pela gravadora Ritornelo Records e fez um mestrado na UFPE, com orientação de Ariano Suassuna, enfocando as obras do compositor. Pouco depois foi lançado por Baden Powell o CD João Pernambuco e o sertão, com uma coletânea especial.  Como biografia sucinta, temos João Pernambuco: arte de um povo- de José de Souza Leal e Artur Luiz Barbosa, publicado pelo MEC/FUNARTE, em 1982.

 

João Pernambuco: Sons de Carrilhoes - YouTube

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 14 de junho de 2023

AS BRASILEIRAS: MARIA BOA (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

AS BRASILEIRAS: Maria Boa

José Domingos Brito

 

 

 

 

Maria Oliveira Barros nasceu em Remígio, PB, em 24/6/1920. Empreendedora bem-sucedida dona de um cabaré, em Natal, RN, na década de 1940 e seguintes. Um luxuoso prostíbulo com apresentações musicais, teatro de revista e encontros casuais. No início sua clientela era constituída principalmente por soldados norte-americanos, instalados na base de Natal, durante a II Guerra Mundial. Teve seu nome gravado numa aeronave da FAB-Força Aérea Brasileira.

Na adolescência ajudava o pai numa banca da feira de Campina Grande e ganhou o apelido de Maria Boa, devido a gentileza com os fregueses e, também, aos belos atributos físicos. Era uma moça bonita, que chamava à atenção com seus cabelos pretos e longos. O apelido não agradou o pai, mas encantou os rapazes que passavam na barraca só pra vê-la. Ela acabou engraçando-se por um deles, que  tirou-lhe a virgindade. O pai exigiu o casamento como reparação, mas o rapaz recusou. Ela se viu abandonada pelo namorado e pelo pai, que a expulsou de casa.

A mãe sentiu muito o desfecho da tragédia, mas não pode fazer nada e teve que aceitar a decisão do marido seguindo o padrão exigido pela sociedade local naquela época. A família não podia manter sob o mesmo teto uma filha sem honra. Era este era o costume. A partir daí, ela sentiu-se estranha e indesejável na cidade e foi tentar uma nova vida na capital João Pessoa, em meados de 1935. Arrumou emprego numa tipografia como secretária. Pouco depois conheceu um político; namoraram; brigaram e ela foi ameaçada de morte. Em pouco tempo passou a ganhar a vida como prostituta em algumas cidades da Paraíba até chegar em Natal.

Segundo relata o jornalista Luiz Henrique Gomes, há uma controvérsia entre os cronistas sobre o modo como chegou em Natal. Diz-se que ela já trabalhava num bordel, quando Madame Georgina, dona da Boate Estrela, soube que em Campina Grande havia uma bela jovem que acabara de cair na vida. Foi até lá e trouxe-a para sua Boate. Outra versão conta que ela chegou em Natal, em julho de 1942, aos 22 anos. “Sem eira nem beira”, porém bonita e atraente, logo encontrou emprego na Boate Estrela, onde foi bem recebida por Madame Georgina, que não poupou nos vestidos e joias, nem nas músicas para apresentá-la à sua clientela. Logo encontrou um alto funcionário público, com quem manteve relacionamento e engravidou. Ao saber da gravidez, o namorado não gostou e acabou o namoro. Ela abortou, ficou impossibilitada de procriar e abalada com a situação, afastou-se do Cabaré. 

 

Em seguida trabalhou em algumas “casa de drink” e tinha como característica o respeito e educação. Era reservada, não tolerava gaiatices e tratava os clientes com cortesia. Levava seu trabalho a sério e era respeitada pelas colegas. Por esta época os soldados norte-americanos se instalaram em Natal, causando uma mudança urbana na capital potiguar. Em 1943, a cidade com 40 mil habitantes fervilhava com a chegada dos 15 mil militares americanos, que trouxeram o cinema de Hollywood, cigarros com filtro, coca-cola e os bailes na base militar alimentando fantasias de progresso material. Foi aí que ela aguçou o tino empreendedor. Percebeu que a cidade não dispunha de um lugar onde os homens pudessem se divertir. Em parceria com um amigo, alugou um casarão e montou seu negócio. Além dos soldados norte-americanos, a casa era frequentada pelos homens da alta sociedade e, assim, prosperou, rapidamente.

 

O Cabaré tornou-se um lugar conhecido não só pela prostituição. Mantinha uma boa cozinha e dizem que lá foi o primeiro lugar a servir o galeto assado, quando só existia o frango caipira cozido. Em pouco tempo reuniu um time de garotas bonitas dos estados vizinhos e fez com que sua Boate se tornasse uma referência no turismo da cidade e ponto de encontro dos empresários, fazendeiros e políticos da região. O serviço era impecável naquele ambiente, digamos, do pecado. Cuidava da saúde das moças e exigia algum recato na recepção e trato com os clientes. Foi neste ambiente que Maria Boa reinou com seu Cabaré.

 

Sua fama chegou também aos militares da aeronáutica brasileira. Os aviões B-25 eram identificados com variadas cores, conforme o local da base aérea. Na Base de Natal, além das cores foi acrescido desenhos artísticos de mulheres em trajes de praia, ao lado esquerdo da fuselagem. Na aeronave 5079 foi aplicado o desenho e o nome de Maria Boa. Alguns tenentes levaram-na até o hangar dos B-25 para lhe mostrar a homenagem prestada, deixando-a comovida.


Com o tempo adquiriu a sobriedade de uma madame. Não gostava de

ser fotografada nem dava entrevistas, talvez para proteger sua família. Adotou duas crianças e manteve-as em boas escolas. Ajudou a pagar os estudos das primas e sobrinhos e fazia questão que todos tivessem uma formação diferente da sua. Chegou a ajudar inúmeras famílias carentes e as mães de suas funcionárias. Enfim, o nome Maria Boa fez justiça ao nome e tornou-se uma mulher respeitada e admirada em Natal. Em 1997, aos 77 anos, tinha problemas cardíacos e passou por uma cirurgia de alto risco. Pouco depois teve um AVC e faleceu em 22/7/1997. No dia seguinte o Diário de Natal estampou a manchete: “Morre a Dama das Camélias”.

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 07 de junho de 2023

OS BRASILEIROS: ARMANDO SALES DE OLIVEIRA (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: Armando Sales de Oliveira

José Domingos Brito

 


 

Armando de Sales Oliveira nasceu em 24/12/1887, em São Paulo, SP. Engenheiro, empresário e político, tem o nome ligado a história de São Paulo, particularmente, na criação da USP-Universidade de São Paulo e do IPT-Instituto de Pesquisas Tecnológicas em 1934.

 

Filho de Adelaide Sá de Sales Oliveira e o engenheiro e político português Francisco de Sales Oliveira Jr., presidente da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro. Teve parte dos primeiros estudos em escola pública e ingressou no curso de engenharia da Escola Politécnica. Durante o curso, trabalhou na construção de alguns trechos da Mogiana, em 1908. Destacou-se na área de projetos técnicos como engenheiro e empresário e casou-se com Raquel de Mesquita, filha de Júlio de Mesquita Filho, dono do jornal O Estado de São Paulo, de quem se tornou sócio.  

 

Com a morte do sogro, em 1927, assumiu a presidência da sociedade anônima proprietária do jornal. Apoiou a Revolução de 1930 e teve atuação destacada na Revolução Constitucionalista de 1932. Manteve ligações com os constitucionalistas, enquanto procurava uma aproximação com o governo Vargas. Em 1933 foi designado interventor em São Paulo e promoveu uma reordenação na política do Estado com a criação do Partido Constitucionalista. A USP-Universidade de São Paulo constituiu-se na criação mais expressiva de seu governo. A proposta era tornar-se um centro de excelência acadêmica de projeção nacional, um objetivo plenamente alcançado.

 

Para ressaltar o objetivo, criou o IPT-Instituto de Pesquisas Tecnológicas, ao lado da Escola Politécnica. As justificativas no próprio texto do decreto são claras: “a organização e o desenvolvimento da cultura filosófica, científica, literária e artística constituem as bases em que se assentam a liberdade e a grandeza de um povo” e “somente por seus institutos de investigação científica, de altos estudos, de cultura livre, desinteressada, pode uma nação moderna adquirir a consciência de si mesma, de seus recursos, de seus destinos”. Assim, reuniu os institutos e escolas existentes, criou a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras para formar professores primários e secundários e deu no que deu: a grande USP, cujo campus hoje leva seu nome.

 

Além dos objetivos acima, queria preparar uma elite intelectual moderna e necessária ao País. Ainda segundo seus criadores, era necessário à “formação das classes dirigentes, mormente em países de populações heterogêneas e costumes diversos, condicionada à organização de um aparelho cultural e universitário, que ofereça oportunidade a todos e processe a seleção dos mais capazes”. Para isto, foi firmado um convênio com as universidades francesas, garantindo a vinda de professores para lecionar aqui. No ano seguinte foi eleito governador do Estado e pouco depois comunicou à Vargas seu interesse em se candidatar à presidência da República.

 

Foi dissuadido dessa intenção pelo presidente Vargas. Porém, não acatou o conselho, pois contava com o apoio de Flores da Cunha, governador do Rio Grande do Sul e de outros governadores da oposição à Vargas. Em 1937 homologou a candidatura na eleição que deveria ocorrer em 1938, que não se deu devido ao golpe instaurando Estado Novo em fins de 1937. Ele ficou detido por um ano em prisão domiciliar e passou a viver exilado na França até 1939, quando se mudou para os EUA. Com o Golpe de Estado, seu jornal foi confiscado pelo Governo. No exílio divulgou diversos manifestos contra a ditadura de Vargas.

 

Em 1943 mudou-se para a Argentina e pouco depois foi anistiado. Retornou ao Brasil em 1945, quando se encontrava doente. Ainda assim participou ativamente na política, como membro da comissão diretora que criou a UDN-União Democrática Nacional, partido reunindo os adversários do Estado Novo. Mas, logo veio a falecer em 17/5/1945. Seu nome ficou gravado no campus da USP e diversos logradouros públicos do Estado.

 

Deixou alguns livros publicados com relatos sobre sua trajetória política: Jornada democrática (1937), Para que o Brasil continue  (1937) e Diagrama de uma situação política; manifestos políticos do exílio (1945). Alguns textos biográficos esclarecem tal trajetória:  Síntese do pensamento de Armando de Sales Oliveira, de Joaquim A. Sampaio Vidal (1937), Armando de Sales Oliveira, de Cesário Coimbra, Manuel dos Reis e Moacir E. Álvaro (1946); Armando de Sales Oliveira, de A.C. Pacheco Silva (1966) e o artigo Armando de Sales Oliveira, de Ricardo Maranhão, publicado no “Suplemento do Centenário” de O Estado de S. Paulo, em 1975.

 

A voz de Armando Sales de Oliveira - YouTube

 

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 31 de maio de 2023

AS BRASILEIRAS : ADA ROGATO (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS BRASILEIRAS: Ada Rogato

José Domingos Brito

 

 

Ada Leda Rogato nasceu em 22/12/1910, em São Paulo, SP. Uma das pioneiras da aviação no Brasil; primeira mulher paraquedista; primeira piloto de avião planador e terceira a obter o brevê de aviadora. Foi também a primeiro piloto agrícola do País e ficou famosa com suas acrobacias aéreas. Voando sempre sozinha em pequenas aeronaves e grandes percursos, ganhou fama internacional a partir da década de 1950.

 

Filha dos imigrantes italianos Maria Rosa Greco e Guglielmo Rogato, teve os primeiros estudos em bons colégios com aulas de piano e pintura. O pai constituiu nova família em meados da década de 1930 e ela passou por alguns perrengues ajudando a mãe com bordados e artesanato para se sustentar. Trazia consigo o sonho de voar e conseguiu, em 1935, o primeiro brevê feminino de voo a vela. No ano seguinte conseguiu a primeira licença concedida a uma mulher para pilotar avião pelo Aeroclube de São Paulo. Em 1941 fez o curso de paraquedismo no Campo de Marte e recebeu o primeiro certificado concedido a uma mulher.

                                                                      

Utilizou suas habilidades para divulgar a aviação e participou de diversos eventos aeronáuticos em todo o País. Durante a II Guerra Mundial, ajudou voluntariamente o Exército com 213 voos de patrulhamento aéreo no litoral paulista. Em 1948, com o surgimento da “Broca-do-café” no Brasil, ameaçando sua hegemonia no mercado mundial, ela foi a salvação da lavoura. Aceitou o desafio e implantou a dispersão aérea dos defensivos agrícolas. Em 1956, no “Cinquentenário do primeiro voo 14-bis”, ela percorreu mais de 25 mil km. de voo por todos os estados para homenagear e divulgar os feitos de Santos Dumont, levando material sobre a vida e obra do Pai da Aviação.

 

A pedido das autoridades eclesiásticas, levou também nesta peregrinação aérea uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, colaborando, assim, para divulgar a santa padroeira do Brasil. Na década de 1950 foi redatora de aviação da Revista dos Aviadores e da revista Velocidade. Recebeu da imprensa diversos epítetos “Milionária do Ar”, Gaivota Solitária”, “Águia Paulista” e no Chile “Condor dos Andes”. Foi uma colecionadora de feitos notáveis na aviação: 1ª piloto brasileira a atravessar os Andes, 11 vezes, em 1950; única aviadora do mundo a cobrir uma extensão de 51.064 km. em voo solitário pelas 3 Américas chegando até o Alaska; a 1ª a atingir o aeroporto de La Paz, o mais alto do mundo até então (1952).

 

Foi também 1º piloto, homem ou mulher, a cruzar a selva amazônica num avião pequeno e sem rádio, usando apenas uma bússola (1956); 1ª aviadora a chegar sozinha à Terra do Fogo (1960); 1ª mulher no mundo a saltar de um helicóptero, realizando 105 saltos, e 1ª mulher paraquedista das Américas. Foi condecorada diversas vezes e recebeu centenas de  troféus: foi a primeira aviadora a receber no Brasil a Comenda Nacional do Mérito Aeronáutico, no grau de Cavaleiro, as “Asas da Força Aérea Brasileira e o título de Piloto Honoris Causa da FAB; também no grau de Cavaleiro, recebeu na Bolívia o troféu Condor dos Andes; no Chile, foi condecorada com a medalha Bernardo O’Higgins no grau de Oficial e na Colômbia com as “Asas da Força Aérea Colombiana”.

 

Em 1954, recebeu da Federação Aeronáutica Internacional, o diploma “Paul Tissander” por seus méritos na aviação. Em 1986 foi conselheira, secretária e presidente da Fundação Santos Dumont e se manteve no cargo de diretora do Museu da Aeronáutica, no parque do Ibirapuera, até seu falecimento em 15/11/1986. O cortejo de seu funeral foi acompanhado pela “Esquadrilha da Fumaça”, recebendo todas as honras da Aeronáutica brasileira. Seu avião -o Cessna 140-A- encontra-se hoje em exposição no Museu TAM, em São Carlos, SP.   

 

Os feitos aeronáuticos de Ada Rogato podem ser vistos no filme de curta metragem Folguedos no firmamento, realizado em 1984, com direção de Regina Rheda e na biografia Um pássaro solitário, de Lucita Briza, publicada em 2018 pelo Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica, acessível na Internet https://www2.fab.mil.br/incaer/images/eventgallery/instituto/Opusculos/Textos/opusculo_ada_rogato.pdf

 

 PÁSSARO SOLITÁRIO - A VIDA DE ADA ROGATO

 

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 24 de maio de 2023

OS BRASILEIROS: ALBERTO LUIZ COIMBRA (CRÔNICA DE JOSÉ DOMINGOS RITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS:  Alberto Luiz Coimbra

José Domingos Brito

 

 

 

Alberto Luiz Galvão Coimbra nasceu em 30/8/1923, no Rio de Janeiro, RJ. Engenheiro, pesquisador, professor e pioneiro ao revolucionar o estudo da engenharia com um método de ensino integral voltado à pesquisa no Brasil. Foi o criador da COPPE/UFRJ–Coordenadoria dos Programas de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 1963, atualmente denominado Instituto Alberto Luiz Coimbra.

 

Filho de Zahra Braga e Deodato Galvão Coimbra, que motivaram os filhos a falar inglês em casa. Aos 17 anos, a família morou por um ano em Nova Iorque e na volta ingressou na Escola Nacional de Química da Universidade do Brasil, atual UFRJ. Tomou gosto pela matemática e concluiu o curso de engenharia química. Através de seu professor Athos da Silveira Ramos, conseguiu uma bolsa, em 1947, para fazer o mestrado na Universidade Vanderbilt, nos EUA. Lá encontrou uma estrutura de ensino e pesquisa bem diferenciada do que havia no Brasil. Antes de concluir o curso, recebeu a visita do padre Roberto Saboia de Medeiros, que o convidou para lecionar na Faculdade de Engenharia Industrial, em São Paulo. Retornou ao Brasil em 1949; se casou com a estilista Betty Quadros e viveu uns 4 anos em São Paulo.

 

Em 1953 retornou ao Rio de Janeiro, na condição de professor do Instituto de Química da Universidade do Brasil. Para manter a família com 2 filhos, teve vários empregos e alguns simultâneos. Foi professor na PUC/RJ; no curso de refinação de petróleo da Petrobrás; consultor das empresas Castrol e Carborundum, além de sua firma própria, elaborando projetos industriais. Por essa época obteve o doutorado pela Universidade do Brasil e viu que o ensino brasileiro de engenharia não formava cientistas. Daí nasceu a ideia de implantar um curso de mestrado de Engenharia Química. Em contatos com seu orientador na Universidade Vanderbilt, Frank Tiller, foi-lhe recomendado a visita a diversas universidades norte-americanas. O prof. Tiller tinha ideia de modificar a estrutura da universidade brasileira para algo mais parecido com o modelo norte-americano e considerou que ele poderia assumir esta tarefa.

 

Nesta época, a Guerra Fria entre EUA e URSS provocou uma mudança nos cursos de engenharia, com ênfase na pesquisa científica, algo que faltava no Brasil. Assim, começa a se formar o embrião que viria a se constituir na COPPE. Para isso era preciso aliar os princípios da matemática, da física e da química ao espírito prático dos engenheiros. Do contrário, os brasileiros estariam para sempre condenados a importar tecnologia. Com professores bem renumerados em período integral com tempo dedicado à pesquisa, o curso iniciou em 1/3/1963 com apenas 8 alunos. Para recrutar mais alunos, mandou duplas de professores às cidades onde havia cursos de Engenharia. Punham anúncio no jornal local, convidando estudantes em fim de curso para entrevista num hotel.  Explicavam o que era mestrado e analisavam os interessados. Se o jovem parecesse promissor, era informado que havia uma bolsa de estudos esperando por ele no Rio de Janeiro.

 

O curso foi progredindo e com recursos do FUNTEC-Fundo de Desenvolvimento Técnico-Científico, o prof. Coimbra animou-se a criar, em 1965, o 2º curso de mestrado: Engenharia Mecânica. Ocupando 2 salas do prédio da Praia Vermelha, ele largou os empregos paralelos e passou dedicar-se ao curso de pós-graduação. Exigia pontualidade dos professores e uso de gravata. Mesmo divergindo da direção da Universidade, conseguiu trazer professores estrangeiros, inclusive da URSS, em pleno regime de ditadura militar. Os resultados obtidos apontavam à necessidade de um nome que englobasse os 2 cursos e os próximos que seriam criados. Assim surgiu o nome COPPE-Coordenação dos Programas de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia.

 

A partir daí, a COPPE foi alavancada e quando se mudou para instalações mais amplas na Cidade Universitária, em 1967, já contava com 7 programas. Em 1968, com a reforma do sistema universitário, a pós-graduação foi oficializada no Brasil nos moldes praticados pela COPPE. Seu progresso continua com novos professores estrangeiros e a contratação de alguns brasileiros perseguidos pela ditadura militar. Para o prof. Coimbra a Engenharia era desprovida de ideologia política. Mas, isto lhe trouxe problemas com o governo militar. Em 1973, através de uma delação, sofreu um processo administrativo, que resultou no seu afastamento e a um demorado processo que o inocentou. Nesse período foi depor várias vezes, foi fichado e humilhado pelos militares e foi obrigado a depor num inquérito na sede do MEC. Queriam saber por que ele contratava tantos professores russos.

 

Certa vez, enquanto flanava no calçadão de Ipanema, foi abordado por agentes à paisana e foi levado ao DOI-Codi, no 1º Batalhão da Polícia do Exército, para dar mais explicações sobre os professores russos. Em fins de 1973, o Conselho Universitário proibiu-o de ocupar postos de chefia. Teve que deixar a COPPE e foi trabalhar na FINEP-Financiadora de Estudos e Projetos, a convite do amigo José Pelúcio Ferreira. Contam os amigos que, longe da universidade, este foi o pior momento de sua vida. Foi reabilitado apenas em 1981, com o Prêmio Anísio Teixeira, do MEC. Para recebê-lo, tiveram que revogar a proibição que lhe foi imposta. Pouco depois, retornou à COPPE para assumir a coordenação do Programa de Engenharia Química, onde permaneceu até se aposentar, em 1993, com o título de professor emérito da UFRJ.

 

Em 1995, a COPPE passou a se chamar Instituto Alberto Luiz  Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia. Mas, manteve a sigla COPPE, o maior centro de ensino e pesquisa de Engenharia na América Latina. Em 1973 um grupo do programa de engenharia de produção decidiu criar uma escola de pós-graduação em negócios e fundaram a COPPEAD-Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da UFRJ. Trata-se de uma das melhores escolas de negócios e seu curso MBA já esteve 11 vezes no Top 100 do Global Ranking do jornal Financial Times.

Em 2015, no cinquentenário da COPPE, seu diretor, o cientista Luiz Pinguelli Rosa, realizou o evento/exposição “Coppe em cinco décadas: a arte de antecipar o futuro”, lançando a revista Engenharia e Inovação e o relançamento do livro Mecânica dos fluídos, de Alberto Luiz Coimbra, presente na ocasião em que foi homenageado pela criação da COPPE e os serviços prestados à Engenharia no Brasil. Na ocasião recebeu o título de Pesquisador Emérito do CPNq. Foi a última homenagem que lhe foi prestada, vindo a falecer em 16/5/2018. Segundo Roberto Leher, ex-reitor da UFRJ, “Em quase seis décadas atuando de forma dedicada na COPPE e na UFRJ, Coimbra contribuiu para o desenvolvimento econômico e social do país e iluminou o caminho não apenas de engenheiros, mas também da instituição universitária brasileira”. 

 

Alberto Luiz Galvão Coimbra: O Senhor Pós-Graduação

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 17 de maio de 2023

AS BRASILEIRAS: FIDERALINA LIMA (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS BRASILEIRAS: Fideralina Lima

José Domingos Brito


 

Fideralina Augusto Lima nasceu em 24/8/1832, em Lavras da Mangabeira, CE. Líder política e destacada figura do “coronelismo”, na região do Cariri Cearense. Teve papel relevante na Revolução de 1914, conhecida por “Sedição de Juazeiro”, movimento messiânico liderado, entre outros, pelo Padre Cícero. Recebeu as alcunhas de “matriarca” e “governadora” do Nordeste e inspirou Rachel de Queiroz no seu romance Memorial de Maria Moura.

 

Filha de Isabel Rita de São José e do tenente-coronel João Carlos Augusto, herdou a veia política do pai, que chegou a ser deputado provincial. Desde cedo cultivou o espírito de liderança e passou a comandar os negócios da família com o falecimento do pai, em 1856, e exercer o poder político após o casamento com o major Idelfonso Correia Lima, com quem teve 12 filhos. Manteve o poder político na região por longo tempo através dos casamentos arranjados por ela mesma entre seus filhos com as sobrinhas e as filhas com os filhos e sobrinhos de chefes políticos da região.

 

Momento marcante em sua história política foi quando teve que derrubar seu próprio filho -Honório Correia de Lima- da chefia da Intendência local, cargo equivalente a prefeito, em 1907. Na disputa política pelo poder em Lavras, seu filho Honório entrou em conflito com seu irmão, o coronel Gustavo Augusto Lima. Segundo este, a política do irmão se mostrava contrária a alguns interesses da família e entraram em conflito armado. A matriarca, chamada a encontrar uma solução, tomou o partido do coronel e enviou seus próprios homens à luta com ordens expressas para que não atirassem no filho Honório.

 

Ao final do conflito, Honório se rendeu e se mudou com a família para Fortaleza. O poder ficou com o coronel Gustavo e dividiu a família.  A matriarca deve participação decisiva na “Sedição de Juazeiro”, movimento messiânico surgido quando o local despontava como cidade sagrada, também conhecida como “Nova Jerusalém”, para onde se dirigiam milhares de fiéis em busca dos milagres do Padre Cícero. Devido ao crescimento da cidade com os romeiros, deu-se o movimento de reivindicação de autonomia política do município com seu desligamento da cidade do Crato. A separação pacífica não foi possível e desencadeou a revolta da população contando com a liderança de Floro Bartolomeu e do Padre Cícero no embate com as forças do governo provincial, em princípios de 1912. O chamado “Pacto dos Coronéis” levou mais de 20 mil pessoas às ruas de Fortaleza e derrubou o governo de Antonio Nogueira Acióli em 24/1/1912.

 

Em seguida, o coronel Franco Rabelo foi eleito presidente da Província e o movimento de emancipação da cidade foi retomado com apoio dos fiéis do Padre Cícero, os homens de Floro Bartolomeu e um batalhão armado patrocinado por Fideralina. Foi decretado estado de sítio no Ceará e o conflito só terminou em março de 1914, com o envio de tropas do governo federal ao Ceará. Como troféu, Juazeiro foi elevada a categoria de cidade em 23/7/1914 e o Padre Cícero tornou-se a figura mais importante da região.

 

Alguns livros publicados em Fortaleza dão conta da trajetória política da matriarca:  Fideralina Augusto: mito e realidade (2017), de Dimas Macedo; Uma matriarca do sertão: Fideralina Augusto Lima (2008), de Melquíades Pinto Paiva e  A Vocação Política de Fideralina Augusto Lima (1991), de Rejane Augusto. Em sua crônica publicada na revista O Cruzeiro, Raquel de Queiroz disse que a matriarca lavrense “foi a mais famosa dona do Nordeste, e a senhora de maior cartaz do seu tempo... foi uma espécie de rainha sem coroa, foi uma legenda”. Hoje, no centro de Lavras é mantida a Casa-Museu de Dona Fideralina, recheada de fotos e uma biblioteca adquirida pelos herdeiros e aberta à visitação pública.


A PODEROSA MATRIARCA DE LAVRAS DA MANGABEIRA

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 10 de maio de 2023

OS BRASILEIROS: JOSÉ LEITE LOPES (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: José Leite Lopes

José Domingos Brito

 


 

José Leite Lopes nasceu em 28/10/1918, no Recife, PE. Físico, escritor, professor especializado em física quântica e cientista de renome internacional. Criou o CBPF-Centro Brasileiro de Pesquisas Física e articulou a fundação da CNEN-Comissão Nacional de Energia Nuclear; CNPq-Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e a FINEP-Financiadora de Estudos e Projetos.

 

Filho de Beatriz Coelho Leite e do comerciante José Ferreira Lopes, perdeu a mãe ao nascer e foi criado pela avó Claudina. Realizou os primeiros estudos no Colégio Marista e ingressou no curso de Química Industrial da Escola de Engenharia de Pernambuco, em 1935. Aí manteve amizade com seu mestre Luiz Freire, através do qual tomou gosto pela ciência.  Iniciou o curso de Física na Faculdade Nacional de Filosofia, no Rio de Janeiro, em 1940 e concluído em 1942. Neste período deu aulas no ensino secundário e trabalhou no Instituto de Biofísica.  Em 1943 realizou pesquisas no Departamento de Física da FFCL/USP e no ano seguinte ganhou uma bolsa de estudos do governo dos EUA, onde iniciou o doutorado na Universidade de Princeton.

 

Sob a orientação de Wolfgang Pauli, prêmio Nobel de Física 1945, recebeu o título de Ph.D em 1946 e no mesmo ano foi nomeado professor de Física Teórica e Física Superior na Faculdade Nacional de Filosofia. Nos anos 1956-1957, a convite de Richard Feynman, foi Pesquisador Visitante no California Institute of Technology. Manteve contatos regulares com os físicos Cesar Lattes, Occhialini e Powell, junto aos quais realizou a descoberta do “Meson Pi” utilizando radiação cósmica incidindo em Emulsão Nuclear. Aproveitando a publicidade desta descoberta, alargou o ciclo de amigos cientistas brasileiros, incluindo Mario Schenberg, e fundaram o CBPF, em 1949. Seu papel de criador de instituições de pesquisas ultrapassou as fronteiras do Brasil e alcançou a América Latina. Em fins da década de 1950 sugeriu ao Ministério das Relações Exteriores e à UNESCO a criação de um Centro Latino-Americano de Física-CLAF, criado em 26/3/1962, reunindo 20 países.  

 

Através de um bolsa de estudos da Fundação Guggenheim, foi trabalhar no Instituto de Estudos Avançados de Princeton, em 1949-1950, a convite de Robert Oppenheimer. Na ocasião escreveu, junto com Richard Feynman, um trabalho referente a descrição do “Deutron”. Um de seus famosos artigos -A Model of the Universal Fermi Interaction-, de 1958, foi a base de outros estudos e suas teses foram comprovadas pelos cientistas Abdus Salam, Steve Weinberg e Sheldon Glascow, que foram premiados, em 1979, com o prêmio Nobel de Física por um trabalho inspirado por Leite Lopes. Os temas que mais o atraiu foram a unificação da forças eletromagnéticas e fracas; teorias das forças nucleares; reações fotonucleares; modelo de estrutura de léptons; estudos sobre possíveis léptons e quarks com spin 3/2, sem falar no tema Ciência & Sociedade que permeia toda a sua carreira, destacando-se o papel da Ciência no Desenvolvimento dos Países do Terceiro Mundo.

 

Perseguido pelo governo militar de 1964, passou a viver na França, onde foi lecionar na Faculdade de Ciências de Orsay, a convite de Maurice Lévy e permaneceu até 1967. Aí estimulou 5 jovens estudantes de engenharia pernambucanos a seguirem carreira científica na Física, os quais fundaram o Departamento de Física da UFPE-Universidade Federal de Pernambuco. Em 1981, a UFPE retribuiu-lhe o gesto com a concessão do título de Doutor Honoris Causa. Foi vitimado com o AI-5, em 1968, teve os direitos políticos cassados e foi aposentado compulsoriamente em 1969. No ano seguinte foi convidado para lecionar na Universidade de Strasbourg, onde ficou até 1985 e retornou ao Brasil para dirigir o CBPF até 1989.

 

Além de cientista, teve papel destacado como professor dedicado. Atuou em várias fases da carreira de físico em defesa do ensino em vários níveis. Traduziu, junto com Jayme Tiommo, o famoso livro Física na escola secundária, de Oswald H. Blackwood (Ed. Fundo de Cultura, 1961). Escreveu 20 livros indicados em cursos universitários e outros sobre as relações entre ciência e sociedade. Costumava dizer que “Os cientistas atualmente têm que se preocupar com o problema da educação básica e não podem ficar em seus castelos de marfim. Eles devem dedicar algumas horas por mês (...) e entrar em contato ou fazer com que os colégios secundários ou professores os convidem para dar palestras sobre os últimos avanços da Ciência, como eu fiz. Isso é uma obrigação das universidades.”

 

Um aspecto menos conhecido de sua biografia é seu apreço pela pintura. Dizia que “precisava pintar pois precisava fazer as mãos trabalharem também junto com o cérebro”. Pintou dezenas de quadros a óleo e muitos desenhos. Seus temas preferidos eram a religião, além de quadros abstratos. Ao completar 80 anos, a crítica de arte Miriam de Carvalho, junto com alguns amigos, organizaram uma exposição de 30 obras no Iate Club do Rio de Janeiro. Faleceu em 12/6/2006 e seu nome passou a denominar diversos logradouros públicos e o Aeroporto de Ribeirão Preto.

 

Entre os títulos honoríficos e prêmios obtidos, destacam-se: Medalha Jubileu de Prata da SBPC; Medalha do CNPq no 30º aniversário dessa instituição; Prêmio Estácio de Sá de Ciência (RJ); Ordem do Rio Branco, grau de grande oficial; Medalha da Universidade Louis Pasteur, Strasbourg, França; Ordre des Palmes Academiques; Ordre National du Mérite; Prêmio México de Ciência e Tecnologia para a América Latina; Prêmio de Ciência da UNESCO; Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico.

 

José Leite  Lopes: um dos maiores cientistas brasileiros

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 26 de abril de 2023

AS BRASILEIRAS: MARIA TOMÁSIA (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS BRASILEIRAS – Maria Tomásia

José Domingos Brito

 

 

 

 

Maria Tomásia Figueira Lima nasceu em 6/12/1826, em Sobral, CE. Foi a principal mulher pioneira na luta pela abolição da escravatura no Ceará, em 25/3/1884, antecipando a Lei Áurea de 1888. Neste dia, reconhecido em Lei como Data Magna do Ceará desde 2011, é feriado estadual. 

 

Filha de Ana Francisca Figueira de Melo e José Xerez, nascida em berço aristocrata. Foi educada e alfabetizada ainda criança e tornou-se uma boa oradora com acesso livre em todas as classes sociais. Casou-se aos 15 anos com o fidalgo Rufino Furtado e ficou viúva ainda jovem com 8 filhos. Pouco depois contraiu o segundo casamento com o abolicionista Francisco de Paula de Oliveira Lima e mudaram-se para Fortaleza.

 

Tanto quanto, ou ainda mais que seu marido, envolveu-se no movimento abolicionista e foi cofundadora e primeira presidente da “Sociedade Cearense Libertadora”, em 8/12/1880, reunindo 22 mulheres de famílias influentes na sociedade cearense. No mês seguinte foi criado o jornal Libertador, através do qual as mulheres passaram a divulgar suas ideias e iniciar efetivamente a campanha abolicionista. Começaram de modo radical, organizando greves e facilitando fugas de escravos, mas logo passaram a utilizar a propaganda para convencer os senhores a libertarem seus escravos e buscar recursos para comprar a alforria de alguns escravos.

 

Para arrecadar fundos, foram realizados muitos bazares e o movimento chegou a receber ajuda financeira do Imperador Dom Pedro II. Na primeira reunião da Sociedade, as abolicionistas assinaram 12 cartas de alforria e em seguida conseguiram convencer os senhores de engenho a alforriar 72 escravos. A partir daí o movimento abolicionista tomou corpo com o envolvimento de boa parte da sociedade local até 25/3/1884, quando o presidente da Província -Sátiro de Oliveira Dias- anunciou: “O Ceará não possui escravos”.

 

Não foi uma lei, mas era uma “Declaração de Direito de Liberdade”. Na ocasião Maria Tomásia foi homenageada e aclamada “Incansável Protetora dos Cativos”. O ato declaratório manteve a chama pela luta libertadora e fortaleceu as articulações dos abolicionistas em todo o País. A criação da Sociedade Cearense Libertadora 8 anos antes da Lei Áurea estimulou outras províncias a batalhar pela proclamação do fim da escravatura no País, possibilitando a proclamação da República no ano seguinte.

 

Maria Tomásia faleceu em 1902 e seu nome encontra-se hoje esquecido, inclusive dentro do “Movimento Negro”, devido a falta de divulgação sobre os antecedentes da Abolição da Escravatura. Na intenção de mitigar este esquecimento, o deputado federal Dr. Jaziel Pereira apresentou Projeto de Lei, em 2020, para inscrever o nome de Tomásia Figueira Lima no “Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. Mas, por enquanto, a intenção é apenas um projeto.    

 

O município de Redenção, a 64 km. de Fortaleza, anteriormente denominado Acarape, recebeu este nome em devido a ser a primeira cidade do Brasil a libertar os escravos. Para manter a memória deste pioneirismo, a cidade mantém o “Museu Senzala Negro Liberto” aberto à visitação pública e sedia a UNILAB-Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira, desde 2009.

 

Biografia de Maria Tomásia, a abolicionista

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 19 de abril de 2023

OS BRASEIROS: ROQUETTE PINTO (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS BRASILEIROS: Roquette-Pinto

José Domingos BRITO

 


 

Edgard Roquette-Pinto nasceu em 25/9/1884, no Rio de Janeiro, RJ. Médico legista, escritor, ensaísta, professor, antropólogo, etnólogo e um dos pioneiros da radiofusão no Brasil. Era, de fato, um polímata, i.é, versado em diversas áreas. É considerado o pai de radiodifusão no Brasil com a criação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, em 1923, doada ao MEC-Ministério da Educação, com o objetivo de impulsionar a educação. Com este mesmo objetivo criou o INCE-Instituto Nacional de Cinema Educativo, em 1932.

 

Ingressou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, diplomado em 1905. Porém, foi estudar os “sambaquis” no litoral gaúcho e no ano seguinte já era professor-assistente de Antropologia no Museu Nacional. Tornou-se um dos mais conceituados antropólogos do País e foi Delegado do Brasil no Congresso de Raças, realizado em Londres em 1911, e aproveitou a viagem para estudar na Europa. Em 1916 foi professor de história natural na Escola Normal do Distrito Federal e retomou a medicina em 1920, lecionando fisiologia na Universidad Nacional de Asunción, Paraguai. Mas a antropologia lhe interessava mais que a medicina. Em 1912 integrou a Missão Rondon e manteve os primeiros contatos com os índios Nambiquaras. Recolheu vasto material etnográfico e publicou, em 1917, o livro Rondônia - Antropologia etnográfica, que veio a se tornar uma obra clássica da antropologia brasileira.

 

Seus estudos demonstraram que a miscigenação racial brasileira não produziu “tipos raciais” degenerados ou inferiores, conforme pregavam alguns “cientistas” da época. Para ele o problema dos brasileiros não se encontrava na raça miscigenada e sim nas questões sociais e políticas, sobretudo na falta de educação e saúde pública. Foi um entusiasta do cinema e, na condição de diretor do Museu Nacional por 16 anos (1915-1936) organizou a maior coleção de filmes científicos no Brasil. Em 1932, fundou a Revista Nacional de Educação e no mesmo ano, com o decreto do Governo Vargas obrigando a exibição de filmes nacionais, criou e dirigiu o Instituto Nacional de Cinema Educativo-INCE. No mesmo ano criou o Serviço de Censura Cinematográfica. A pedido de Gustavo Capanema, convidou o cineasta Humberto Mauro para trabalhar com ele. O INCE produziu mais 300 documentários no período 1936-1964.

 

Seu interesse pelo rádio deu-se em 1922, na comemoração do I Centenário da Independência do Brasil, quando foi organizada uma grande feira internacional. O Rio de Janeiro foi visitado por empresários de todo o mundo, quando os norte-americanos trouxeram a tecnologia da radiodifusão, na época o assunto principal dos EUA. Para testar o novo meio de comunicação, instalaram uma antena no morro do Corcovado e realizaram a primeira transmissão radiofônica no Brasil -um discurso do presidente Epitácio Pessoa-, que foi captado em Niterói, Petrópolis e em São Paulo. Sua reação foi imediata: “Eis uma máquina importante para educar nosso povo”.

 

Tentou convencer o governo federal a adquirir os equipamentos apresentados na Feira, mas não conseguiu. Mas convenceu a Academia Brasileira de Ciências e em 20/4/1923 fundou a segunda rádio do País: Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. A “história oficial” conta que foi a primeira emissora do país. Na verdade, a primeira foi a Rádio Clube de Pernambuco, em 1919. Pouco depois criou e passou a dirigir a revista Electron, especializada na nova tecnologia com diagramas de receptores da época. Em 1936 fez a doação de sua emissora ao MEC, tendo Gustavo Capanema como Ministro, e passou a ser chamada Rádio MEC. Em 1940 foi eleito diretor do Instituto Indigenista Americano do México.

 

Foi um intelectual com participação ativa em diversas instituições. Desde 1927 integrava a ABL-Academia Brasileira de Letras e foi membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, da Academia Brasileira de Ciências, da Sociedade de Geografia, da Academia Nacional de Medicina. Foi Também presidente de honra da Associação Brasileira de Antropologia e um dos fundadores do Partido Socialista Brasileiro. Na condição de diretor do Museu Nacional da UFRJ, em 1926, organizou ali a maior coleção de filmes científicos no Brasil.  Foi presidente do 1º Congresso Brasileiro de Eugenia, em 1929, um tema considerado relevante na comunidade científica da época. Para ele o estudo da Eugenia deveria ser aplicado na melhoria das condições físicas e mentais da população brasileira, sem excluir negros e mestiços.

 

Com o surgimento da TV na década de 1950, esforçou-se para criar uma TV Educativa, tal como tinha feito com o Rádio e conseguiu do governo Vargas a concessão de um canal de TV em 14/3/1952. Apesar de planejada nos mínimos detalhes e possuir financiamento aprovado pela Câmara Municipal do Distrito Federal, o plano não saiu do papel. Não obstante seu empenho neste projeto, não conseguiu realizá-lo e faleceu amargurado em 18/10/1954. Ainda vivo foi homenageado com seu nome dado a mais antiga premiação da televisão brasileira, o “Troféu Roquette-Pinto”, criado em 1950.  A última edição desta comenda se deu em 1982. Como homenagem aos seus estudos científicos, seu nome denomina várias espécies de plantas e animais: Endodermophyton Roquettei, Alsophila Roquettei, Roquetia Singularis, Phyloscartes Roquettei e Agria Claudia Roquettei.

 

Além de um grande número de artigos científicos e conferências, deixou alguns livros publicados, com destaque para Guia de antropologia (1915), Elementos de mineralogia (1918), Conceito atual da vida (1920), Seixos rolados: estudos brasileiros (1927), Ensaios de antropologia brasileira (1933), ensaios brasilianos) 1941. Como biografia e estudos sobre seu legado, temos: Antropologia brasiliana: ciência e educação na obra de Edgard Roquette-Pinto, publicado em 2008 pelas editoras da UFMG e Fiocruz; Edgard Roquette-Pinto, na Coleção Educadores do MEC, de Jorge Antonio Rangel, publicado em 2010 pela Fundação Joaquim Nabuco; Em busca do Brasil: Edgard Roquette-Pinto e o retrato antropológico brasileiro, de Vanderlei Sebastião de Souza, publicado em 2018 pela Editora da Fundação Getúlio Vargas.  

                                                                         

Roquete-Pinto, o porta-voz da ciência para o povo

 

 


José Domingos Brito - Memorial quarta, 12 de abril de 2023

AS BRASILEIRAS: GAIAKU LUÍZA (ARTIGO DE JOSÉ DOMINGOS BRITO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AS BRASILEIRAS: Gaiaku Luíza

José Domingos Brito

 


 

Luiza Franquelina da Rocha nasceu em 25/8/1909, em Cachoeira, BA. Mais conhecida como Gaiaku Luíza de Oyá, a denominação para Mãe- de-Santo na religião do Candomblé. Seu Terreiro “Roça do Ventura” foi tombado como patrimônio cultural pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia em 2006. Inspirou Dorival Caymmi a compor o samba O que é que a baiana tem? e estabeleceu um  “padrão” da baiana quituteira mantido até hoje em Salvador.

 

Nascida e criada numa família descendente de africanos escravizados e dirigentes de terreiros do Candomblé. Diz-se que nasceu predestinada a ser uma dirigente religiosa. Porém, só veio a saber disso mais tarde, quando foi sacramentada, em 1945, aos 36 anos.  Se casou em 1936 com o alfaiate Aristóteles, que a abandou pouco depois após o falecimento da primeira filha. Grávida da segunda filha, e sem condições de se manter, voltou a Cachoeira e foi acolhida pela mãe. Pouco depois foi iniciada na nação Ketu e mais tarde foi confirmado que seu santo de guia era da nação Jeje.

Em meados de 1938 vendia acarajé em seu tabuleiro no centro de Salvador e teve um encontro com Dorival Caymmi, um jovem de 25 anos, que pediu para fotografá-la. No ano seguinte Caymmi gravou a música – O que é que a baiana tem?- descrevendo o modo como Gaiaku Luiza se vestia. A música foi apresentada em 1939 no filme Banana da terra, estrelado por Carmen Miranda vestida paramentada como baiana e gravada no mesmo ano nos EUA, constituindo-se num sucesso internacional que projetou Caymmi e estabeleceu o padrão do vestuário da baiana.

Eles nunca mais se encontraram, até que em 2005 ela tomou coragem, telefonou para Caymmi e tiveram um breve diálogo, que não prosperou: “Olha, a baiana de 1938 ainda está viva”. Quem? A do acarajé?”, perguntou Caymmi já idoso e desligou o telefone.  Em 1944 foi iniciada na nação Jeje-Mai e recebeu o cargo de Gaiaku no ano seguinte. Em 1952 fundou o Terreiro “Humpame Ayono Huntoloji’, em Salvador, no Parque São Bartolomeu, e passou a trabalhar formando novas mães-de-santo. Em 1963 adquiriu um sítio em Cachoeira, para onde transferiu seu Terreiro e permaneceu até 20/6/2005, quando veio falecer aos 94 anos.

No ano seguinte Marcos Carvalho lançou sua biografia Gaiaku Luiza e a trajetória do Jeje-Mahi na Bahia, pela Editora Pallas, no Rio de Janeiro, enfocando seu aspecto religioso. Em 2013 Nívea Alves dos Santos apresentou a dissertação (Mestrado na área de Estudos Étnicos e Africanos) na UFBA-Universidade Federal da Bahia, intitulada “Entre ventos e tempestades: os caminhos de uma Gaiaku de Oiá” e disponível no link  https://repositorio.ufba.br/bitstream/ri/13963/1/XDissertacao_Nivea_Santana_08_2013.pdf  Em 2018 a dissertação foi transformada em livro, lançado pela Editora da UFBA.

 

No “Livro do Registro Especial dos Espaços Destinados a Práticas Culturais e Coletivas” da Bahia, seu Terreiro se apresenta como um verdadeiro celeiro de resistência cultural e religiosa e Gaiaku Luiza é vista como “uma das mais prestigiadas mães-de-santo do Recôncavo Baiano e uma das mais importantes e emblemáticas sacerdotisas da história das religiões de matrizes africanas no Brasil e nome fundamental para a resistência do Candomblé Jeje no Brasil nas últimas décadas”. Em 2013 ela inspirou o samba-enredo da Escola de Samba Acadêmicos do Sossego: “De Luiza D’oyá a Carmem Miranda. O que é que a baiana tem?.

 

Encontro de Gaiaku Luiza e Naná Vasconcelos

 

 

 


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