Não deixa de ser um prenúncio do que viria 12 anos depois com a publicação de sua obra-prima Grande sertão: Veredas, em 1958. Considerada uma das grandes obras da literatura brasileira, segundo os críticos, a obra “renova a linguagem narrativa, sobretudo as noções de tempo, espaço e personagem. O andamento do enredo não segue a cronologia linear. Os episódios têm ritmo aparentemente caótico, sem obedecer à sequência temporal própria do romance realista, e o espaço é dimensionado pelo fluxo de viagem”.
Para escrevê-lo, o autor realizou duas viagens: em 1945, foi ao interior de Minas Gerais rever as paisagens de sua infância, e em 1952, acompanhou a condução de uma boiada pelo sertão mineiro que marcaria sua vida e sua obra. Junto com 8 vaqueiros e levando 300 cabeças de gado, percorreu em 11 dias os 240 quilômetros que separam Três Marias e Araçaí, na região central de Minas Gerais. A viagem foi toda feita a cavalo e durou 11 dias. Munido de pequenas cadernetas e lápis de duas pontas pendurado no pescoço, ele perguntava tudo aos vaqueiros e anotava na caderneta.
O próprio Rosa qualificou esta obra como uma “autobiografia irracional”, marcada por elementos regionalistas, existencialistas e religiosos. Ainda, segundo os críticos, sua prosa faz uso de “uma linguagem levada ao limite por meio de recursos como a fusão de fala popular, expressões regionais, neologismos, palavras indígenas e construções inusitadas de frases que, por vezes, se chocam com a própria sintaxe da língua portuguesa. O escritor traz à tona a complexidade da experiência humana com uma linguagem única e inventiva. Explora as formas de narrar subvertendo a cronologia linear e cria cenários tão profundamente brasileiros quanto imaginativos e oníricos”.
Diante de tantas análises e questões sobre seu estilo literário, ele chegou a ensaiar uma reposta: “Escrevo, e creio que este é o meu aparelho de controle: o idioma português, tal como o usamos no Brasil; entretanto, no fundo, enquanto vou escrevendo, eu traduzo, extraio de muitos outros idiomas. Disso resultam meus livros, escritos em um idioma próprio, meu, e pode-se deduzir daí que não me submeto à tirania da gramática e dos dicionários dos outros. A gramática e a chamada filologia, ciência linguística, foram inventadas pelos inimigos da poesia”. Mas poderia responder de modo diferente, como o fez noutra oportunidade, de modo mais poético: “Quando escrevo, repito o que já vivi antes. E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente. Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser um crocodilo porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma de um homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranqüilos e escuros como o sofrimento dos homens”.
Sua literatura recupera também o universo onírico da cultura popular, o gosto pela história e o estilo assombroso dos “casos”, de enredo curto e cheio de surpresas. “Em muitos desses textos breves, o sertão continua vestido de Idade Média, com cavaleiros corteses, e mulheres-damas, que jamais perdem a condição de senhora a quem se serve por amor e por quem se guerreia, e para quem se empreende a travessia dos medos. Nas narrativas, porém, os tipos medievais aparecem travestidos de jagunços, fazendeiros, prostitutas, beatos e loucos”.
Sua obra foi estudada em muitas teses e dissertações acadêmicas e por diversos críticos sob diversos ângulos, com destaque para alguns livros: WILLI BOLLE (2004), com grandesertão.br: o romance de formação do Brasil. Editoras Duas Cidades/Ed. 34; EDUARDO COUTINHO (1991), com Guimarães Rosa. Editora Civilização Brasileira; WALNICE NOGUEIRA GALVÃO (1986), com As formas do falso: um estudo sobre a ambiguidade no Grande sertão: veredas. Editora Perspectiva; ETTORE FINAZZI-AGRÒ (2001), com Um lugar do tamanho do mundo: tempos e espaços da ficção em João Guimarães Rosa. Editora da UFMG; FRANCIS UTÉZA (1994), com João Guimarães Rosa: metafísica do Grande sertão. Editora da USP, entre outros.
A partir de 1961, passou a escrever uma coluna semanal de contos no jornal O Globo e no mesmo ano ganhou o Prêmio Machado de Assis, da ABL, pelo conjunto da obra. Muitos dos contos publicados são compilados nas coletâneas Primeiras Estórias (1962) e Tutameia (1967), seu último livro, uma nova coletânea de contos e nova efervescência no meio literário, novo êxito de público. A obra, aparentemente hermética, divide a crítica. Uns veem o livro como “a bomba atômica da literatura brasileira”; outros consideram que em suas páginas encontra-se a “chave estilística da obra de Guimarães Rosa, um resumo didático de sua criação”. Por esta época suas obras são continuamente editadas e reeditadas em todo o mundo, e seu nome foi indicado para o Prêmio Nobel de Literatura, numa iniciativa de seus editores alemães, franceses e italianos.
Foi eleito por unanimidade para a ABL em 1963, mas não tomou posse. Supersticioso, temendo ser tomado por uma forte emoção no momento de sua consagração, adiou a cerimônia de posse por quatro anos. Em 1967, na cerimônia de posse, chegou a afirmar, em tom de despedida, como se soubesse o que se passaria ao entardecer do domingo seguinte: “…a gente morre é para provar que viveu.” e faleceu 3 dias depois, em 19/11/1967, vitimado por um infarto fulminante, prematuramente aos 59 anos, no auge da carreira literária e diplomática.