Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 28 de março de 2025

O DISFARCE (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

O DISFARCE

Violante Pimentel

O forte disfarça o frágil que há nele. Só a alguns é dado compreender o espetáculo que cerca as estrelas. A alma humana é escondida pela máscara da alegria, que esconde a mais vil tristeza.

O homem luminoso, derrotado nos seus sonhos, mas com sua grande estrela ainda acesa, há de superar, em todos os sentidos, a maldade dos seus semelhantes.

Recordando o filme El Cid, de 1961, que nunca esqueci:

El Cid (bra/prt: El Cid) é um filme épico de 1961, que conta a história romanceada da vida do cristão e maior herói do Reino de Castela, o cavaleiro Don Rodrigo Diaz de Bivar (Vivar), chamado El Cid (do árabe as-Sidi, que significa “O Senhor”), que, no século XI, lutou contra o norte-Africano Ibn Yussuf, da dinastia dos Almorávidas e, finalmente, contribuiu para a unificação da Espanha. O filme é estrelado por Charlton Heston no papel-título e Sophia Loren como Doña Ximena.

 

 

Produzido por Samuel Bronston Productions em associação com Dear Film Production e lançado nos Estados Unidos por Allied Artists Pictures Corporation, o filme foi dirigido por Anthony Maann e produzido por Samuel Bronston, com Jaime Prades e Michal Waszynski como produtores associados. O roteiro foi de Philip Yordan, Bem Barzman e Fredric M. Frank, a partir de uma história de Frank. A trilha sonora foi de Miklós Rozsa, a cinematografia realizada por Robert Krasker e a edição por Robert Lawrence.

Enredo do filme El Cid:

O general Ibn (pronuncia-se Ben) Yussuf (Herbert Lom), da dinastia dos Almorávidas, convocou todos os Emires de Al-Andalus para o Norte de África, castiga-os por sua complacência com os infiéis e revela seu plano para dominar o mundo islâmico.

Mais tarde, durante o caminho para cumprir seus votos de noivado com Dona Ximena (Sophia Loren), o nosso herói Don Rodrigo (Charlton Heston), envolve-se em uma batalha contra o exército mouro. Dois dos emires, Al-Mu’tamin (Douglas WilmeDouglas Wilmer) de Zaragoza e Al-Kadir (Frank Thring) de Valência, são capturados, mas Rodrigo liberta-os na condição de prometerem nunca mais atacar as cercanias de rei Ferdinand de Castela (Ralph Truman).

Assim, os emires proclamam-no “El Cid” (castelhano espanhol para pronúncia árabe de Senhor: “Al Sidi”) e juram amizade a ele. Por este ato de misericórdia, Don Rodrigo é acusado de traição contra o rei pelo conde García Ordóñez (Raf Vallone), e mais tarde pelo pai de Ximena, Gormaz de Oviedo (Andrew Cruickshank). Por esse motivo o pai de Rodrigo, Don Diego (Michael Hordern), declara serem Gormaz e Ordóñez mentirosos. Gormaz atinge Don Diego, com uma luva, para desafiar o velho homem a uma duelo.

Rodrigo chega a implorar a Gormaz que é o Campeão do Rei para retirar o desafio, porém ele se recusa a tomar de volta o mesmo, e Rodrigo mata-o por este duelo.

Gormaz, ferido mortalmente, clama por Ximena, e, como último desejo, pede que ela se vingue de seu assassino, o seu próprio noivo. Rodrigo, em seguida, reclama para si o manto de Campeão do Rei em um único combate pelo controle da cidade de Calahorra, que ele ganha.

Rodrigo é enviado em uma missão para recolher o tributo de vassalos mouros da coroa castelhana, mas Ximena e o conde Ordóñez, se juntam para tentar matá-lo. Rodrigo e seus homens são emboscados, mas são salvos pelo Emir Al-Mu’tamin, um dos pares a quem mostrara misericórdia anteriormente. Voltando para casa, sua recompensa é a mão de Ximena em casamento. Mas o casamento não se consuma e ela desloca-se para um convento.

Com a morte do rei Fernando, o reino é dividido entre seus filhos, mas seu filho mais velho, Príncipe Sancho (Gary Raymon ), a quem foi dado o reino de Castela, age para tornar-se o rei do reino unificado. Ao filho mais novo, Príncipe Alfonso (John Fraser), foi prometido o trono de León, e à sua irmã, a princesa Urraca (Geneviève Page) foi dado o trono da cidade de Calahorra. Diante das tentativas de Sancho de dominar todo o reino, a princesa Urraca envolve-se em um plano para seu assassinato. Na coroação de Alfonso, El Cid o faz jurar sobre a Bíblia que ele não tinha parte na morte de seu irmão. Desde que ele não tinha parte nisso (como sua irmã era responsável), ele jura, e faz Rodrigo banido por seu atrevimento. O amor de Ximena para El Cid reacendeu. Ela o acompanha em seu exílio.

Mas, Rodrigo é posto em serviço por outros combatentes espanhóis exilados e eventualmente, para o serviço do rei em proteger Castela do exército norte-Africano de Yussuf em uma batalha na planície de Sagrajas. Rodrigo não se junta ao rei, mas alia-se com os emires que lutam em Valência, onde Rodrigo alivia a cidade do ímpio Emir de Al-Kadir, que o traiu. Em represália por sua desobediência, o rei Alfonso aprisiona D. Ximena e as filhas gêmeas de El Cid. Ordóñez traz Ximena de onde o rei a tinha aprisionado com suas filhas e juntam-se a Rodrigo nas proximidades de Valência. Valência cai e o Emir Al-Mu’tamin juntamente com o exército de Rodrigo e os valencianos oferecem a coroa a Rodrigo, “O Cid”, mas ele se recusa e envia a coroa para o Rei Alfonso. Rodrigo então repele o exército do invasor de Ben Yussuf, mas é ferido em batalha por uma flecha da vitória final. Se a seta fosse removida, ele seria incapaz de levar seus combatentes, mas ele teria uma chance de recuperação. El Cid obtém uma promessa de Ximena de não retirar a flecha, optando por montar em seu cavalo e lutar, morrendo ou morto. O Rei Alfonso chega em seu leito e pede seu perdão.

Rodrigo, El Cid, morre, e assim seu corpo é preso na cela de seu cavalo e enviado à frente de seu exército, com o rei Alfonso e Emir Al-Mu’tamin montados em ambos os lados. Quando o exército de Yussuf percebe que El Cid está com os olhos abertos, acredita que o seu fantasma voltou dos mortos.

Babieca, seu cavalo, atropela e mata Ben Yussuf, que está apavorado demais para lutar. O exército norte-Africano invasor é esmagado. O rei Alfonso leva mouros e cristãos em uma oração “para o cavaleiro mais puro de todos”.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 22 de março de 2025

O AZULÃO (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

O AZULÃO

Violante Pimentel

 

Não estou falando do belíssimo pássaro Azulão, mas sim de um antigo bar, que existiu em Natal, durante décadas (possivelmente, a partir da década de 70), e encerrou suas atividades, não faz tanto tempo assim.

As histórias do Azulão eram folclóricas e tornaram-se conhecidas, até por quem nunca o frequentou.

Exaltando o pássaro nordestino, encontrei no Blog dos Pássaros: “O azulão-do-nordeste (Cyanoloxia brissonii) é uma ave passeriforme da família Cardinalidae, também conhecido como azulão-bicudo, azulão, azulão-do-sul, azulão- verdadeiro, azulão-da-mata, guarundi-azul e tiatã. É um pássaro de porte médio, com plumagem predominantemente azul. Ave nativa do Brasil, e pode ser encontrado no nordeste até o Rio Grande do Sul. Além disso, ele também pode ser encontrado em países vizinhos, como Venezuela, Colômbia, Argentina, Paraguai e Bolívia.”

Pois bem. Até poucos anos, havia em Natal (RN) um pequeno bar, localizado na Avenida Afonso Pena, no Tirol, com o nome de Azulão Bar. Era ponto de encontro de boêmios da cidade, incluindo poetas, escritores, políticos e servidores públicos do alto escalão, da administração direta e indireta.

Conta o folclore boêmio da cidade, que um conhecido advogado de Natal, boêmio maduro, alto funcionário público, fazia do Azulão uma “extensão” da repartição onde trabalhava. Era comum, se ver, no final da tarde, um contínuo da repartição adentrar ao bar, portando uma pasta com documentos para o “chefão” assinar, como se estivesse em expediente, no órgão público onde trabalhava.

Havia um bloco de boêmios de idade madura, frequentadores habituais do Azulão Bar, que, de manhã cedo, chegavam ao bar, “para assinar o ponto.” Bebiam antes do início do expediente das repartições públicas, para poderem assinar o nome com firmeza, sem tremer, no “livro de frequência”.

No bar, de manhã cedo, havia sempre uma toalha de rosto para o boêmio colocar no pescoço, segurando com as duas mãos, para parar de tremer, e poder assinar a “folha de presença”. Em alguns, a tremedeira só passava depois que ingeriam alguma bebida.

Como brincadeira mórbida, ao findar o ano, os frequentadores gaiatos organizavam um “bolão”, apostando nos possíveis nomes de quem eles achavam que morreriam no ano seguinte. E quando ocorria o óbito de algum frequentador, era dado baixa no seu nome e prestada uma homenagem póstuma comovente, incluindo discursos de pessoas ilustres.

Naquela confraria, a vida era levada com bom humor e a saúde dos frequentadores preocupava mais à família do que a eles próprios.

Todos os dias, ali se podia saborear tira-gostos simples, como carne de sol e queijo de coalho assados, feijoada, ou cozido.

Aos sábados, podia-se comer uma boa rabada, dobradinha, sarapatel (picado) ou buchada, alimentos fortes e gordurosos, que davam “sustança” aos boêmios.
Aos domingos, o Azulão era fechado.

Alguns figurões da cidade, aos sábados, costumavam levar a família para o Azulão, onde almoçavam e permaneciam até o final da tarde. A diversão eram as boas conversas, coisa que não faltava.

Podia ter música ao vivo, se algum músico amador, seresteiro, lá chegasse com o seu instrumento musical, de preferência um violão.

O Azulão era altamente familiar, reunindo poetas, escritores e outras figuras importantes do Rio Grande do Norte. Era a segunda casa de muitos boêmios de Natal.

Muito bem localizado e bem frequentado por boêmios diferenciados, o Azulão era uma seleta confraria, onde se respirava amizade, respeito e cultura.

Figuras ilustres da cidade, de saudosa memória, como Dr. Ney Aranha Marinho, Dr. Fernando Pereira, Dr. Francisco Bittencour, Dr. Cleto Barreto, Gildázio Felipe de Souza e outros, eram frequentadores do Azulão, e costumavam levar as esposas.

O Azulão faz parte da memória boêmia da cidade, como o Bar do Mário e o bar de Zé Coroa.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 14 de março de 2025

O COMEÇO DE TUDO (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VILOANTE PIMENTEL)

O COMEÇO DE TUDO

Violante Pimentel

Estávamos na Barra do Cunhaú, eu e minha filha Diana, juntamente com meu irmão Bernardo, esposa e filhos, em janeiro de 2013, em pleno veraneio.

Percebi que Bernardo e o filho caçula não saíam do “notebook”, coisa que eu ainda não possuía. Certo dia, minha curiosidade aumentou e eu perguntei:

– O que vocês estão vendo de tão engraçado no computador?

Meu irmão e o filho responderam:

– É o Jornal da Besta Fubana, de Recife.

O filho caçula de Bernardo estava cursando Medicina em Recife, e através dos colegas, passou a conhecer o JBF, que, naquela época, já fazia sucesso.

Bernardo tornou-se leitor assíduo do JBF e, uma vez por outra, passou a escrever para Luiz Berto, o Editor, pedindo a publicação de textos que ele escrevia.

Fiquei com inveja do meu irmão e enviei um texto da minha autoria para Luiz Berto, me apresentando como irmã de Bernardo. Nunca tinha publicado nada, apesar de ter mania de escrever, para mim mesma, poesias, crônicas e contos.

Luiz Berto publicou o primeiro texto que enviei, e recebi elogios de leitores e grandes colunistas, como a consagrada poeta Glória Horta (É A GLÓRIA), de saudosa memória, e da grande poeta e Cordelista Dalinha Catunda.

O segundo texto também agradou e, quando eu menos esperava, recebi um e-mail do Editor Luiz Berto, me tecendo elogios e me convidando para assinar uma coluna no JBF.

Temerosa da responsabilidade, liguei para Bernardo, que vibrou com o convite e me incentivou a aceitar, pois “isso é o que todo o mundo deseja.” Disse para mim que “um convite desse ninguém enjeita”.

E assim, com a cara e a coragem, inibida diante da intelectualidade do Escritor e Editor Luiz Berto e dos excelentes colunistas, tornei-me fubânica, numa época em que o JBF já era uma irmandade maravilhosa.

Confesso que sinto saudade da minha estreia no JBF, pois passei a conviver virtualmente com pessoas maravilhosas, que sempre me incentivaram.

Relembrando um dos meus primeiros textos publicados no JBF:

  • * *

UMA CANA

Pedro Elias era motorista de um órgão público estadual. Era um homem bom, respeitador e honesto. Para não ser perfeito, gostava de beber, e, uma vez por outra, tomava umas carraspanas, chegando ao trabalho embriagado. Já havia sido repreendido, verbalmente, diversas vezes, até que recebeu as penalidades de advertência e de suspensão.

Depois disso, ficou envergonhado e com medo de perder o emprego. Afinal, tinha a esposa e três filhos para sustentar. A partir de então, esforçou-se para andar na linha.

Depois de passar dois meses sem beber, recuperou a confiança dos colegas e do chefe imediato. Um dia, o Dr. José Silveira, Secretário desse órgão, precisou fazer uma viagem a João Pessoa, a serviço. Não gostou, quando soube que o motorista escalado para dirigir o carro oficial era Pedro Elias, que tinha fama de pinguço. O chefe da oficina, entretanto, garantiu que ele havia deixado de beber, e agora era outro homem.

Passando em Mamanguape (PB), por volta de meio dia, o Secretário ordenou ao motorista que parasse em um restaurante, a fim de almoçarem. Gentilmente, facultou ao motorista sentar-se com ele à mesa. Por timidez, o homem preferiu ficar mais afastado, em outra mesa, onde se sentiria mais à vontade.

O Secretário pediu ao garçom o almoço e um refrigerante. O motorista chamou o garçom e cochichou-lhe: “Rapaz, pelo amor de Deus, eu estou aqui doido pra tomar uma chamada de cana. Quero que você me traga uma doze grande de cachaça, disfarçada numa xícara, pra meu chefe, que está ali, não notar.”

O garçom anotou os pedidos, inclusive o do motorista, e do meio do salão os transmitiu ao colega que atendia no balcão. Para surpresa do Secretário, soou-lhe aos ouvidos a voz estridente do garçom, lendo os pedidos anotados: – ” Pra mesa 5, uma coca cola e um filé com fritas! Pra mesa 8, aquela ali, o homem quer uma cana “disfalçada”, numa xícara!

O Secretário virou-se para a mesa onde estava Pedro Elias, encarou-o, e balançou a cabeça em sinal de reprovação. O motorista, sentindo-se perdido, levantou-se nervoso e protestou: – Eu mesmo não pedi isso não, doutor! Eu não quero é nada! Esse garçom se atrapalhou!” E saiu do restaurante, indo aguardar o Secretário no carro.

A viagem até João Pessoa prosseguiu em completo silêncio. O motorista, com medo de uma nova punição, ainda tentou explicar ao Secretário, sem êxito, que o garçom havia se enganado. Dr. José Silveira, visivelmente irritado, permaneceu calado, demonstrando não acreditar em nenhuma daquelas palavras.

E foi assim que ruiu por terra a picardia do motorista Pedro Elias, de pretender tomar uma chamada de cana, disfarçada, numa xícara.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 07 de março de 2025

DEPOIS DO CARNAVAL (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

DEPOIS DO CARNAVAL

Violante Pimentel)

Hoje, depois do carnaval, literalmente, inicia-se o Ano Novo (2025). O Carnaval é uma festa que transcende fronteiras geográficas e temporais, representando tradição e inovação.

É uma verdadeira lavagem cerebral do povo, com show de bundas, vestidas apenas com fio dental, na televisão e nos blocos carnavalescos que enchem as ruas do País, onde as visões se turvam e a libido enlouquece.

No Carnaval, há uma lavagem cerebral generalizada e o brasileiro, durante o período de Momo, adormece a mente para os problemas diários, e foca apenas na nudez exibida na mídia, agitando os cérebros e proliferando desejos.

Com as fantasias minúsculas que exibem o corpo, e muita bebida, o carnaval dá uma prega na vida e no pensamento. Fica tudo pra depois…E o depois só traz contas a pagar.

O Carnaval é a expressão mais genuína da cultura brasileira. É o tempo em que o povo brasileiro se reúne para celebrar sua própria miséria e sua própria ignorância, e expor as suas bundas. Alguns aproveitam o carnaval para sair do armário e assumir seus distúrbios hormonais e suas taras.

O Carnaval é o verdadeiro “Laissez-faire”, expressão francesa, que significa “deixe fazer”. Ela é utilizada para identificar um modelo político e econômico de não – intervenção estatal. O poder público deixa tudo acontecer.

A Barra do Cunhaú, bela praia do Rio Grande do Norte (Canguaretama), que já foi um recanto familiar, onde se podia descansar com tranquilidade, atualmente, no carnaval, passou a ser invadida por visitantes carnavalescos perturbadores e inconvenientes, portando paredões e serviços de som, onde a baixaria da música Funk impera. É de fazer vergonha o nível de músicas Funk que esses visitantes impõem aos veranistas e proprietários. Um verdadeiro deboche, sob os olhos do poder público, que, mesmo disponibilizando diversos veículos de fiscalização, são desrespeitados pelos invasores. Ao serem avistados, impõem aos infratores apenas a diminuição do volume dos sons. Ao se afastarem, a barulheira volta a imperar.

Acorda, Barra do Cunhaú!

Os administradores estão se deixando dominar pelos forasteiros, e enxotando os veranistas e proprietários de imóveis. Permitem que os baderneiros invadam a praia, fazendo com que os veranistas e moradores batam em retirada, à procura de outros lugares, onde possam preservar a saúde.

* * *

Marcha de Quarta-Feira de Cinzas – Vinicius de Moraes

 

 

Acabou nosso carnaval
Ninguém ouve cantar canções
Ninguém passa mais brincando feliz
E nos corações, saudades e cinzas
Foi o que restou

Pelas ruas, o que se vê
É uma gente que nem se vê, que nem se sorri
Se beija e se abraça, e sai caminhando
Dançando e cantando cantigas de amor

E no entanto, é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade

A tristeza que a gente tem
Qualquer dia, vai se acabar, todos vão sorrir
Voltou a esperança, é o povo que dança
Contente da vida, feliz a cantar

Porque são tantas coisas azuis
Há tão grandes promessas de luz
Tanto amor para amar de que a gente nem sabe

Quem me dera viver pra ver
E brincar outros carnavais
Com a beleza dos velhos carnavais

Que marchas tão lindas
E o povo cantando seu canto de paz
Seu canto de paz, seu canto de paz
Seu canto…


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 28 de fevereiro de 2025

O CARNAVAL (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

O CARNAVAL

Violante Pimentel

Alguns estudiosos entendem o Carnaval como uma festa cristã, pois sua origem, na forma como entendemos a festa atualmente, tem relação direta com o jejum quaresmal.

Durante a Idade Média, as festas de Carnaval consistiam, principalmente, em bailes ao ar livre, nas praças públicas, e de serenatas feitas pelas pessoas mais importantes da cidade.

 

Os mascarados usavam uma espécie de capuz com duas orelhas bem compridas, que tinham em cada ponta um guiso.

Nem sempre os músicos se saíam bem nessas serenatas, pois se de algumas casas recebiam dinheiro e víveres, de outras, como nas dos comerciantes e pessoas ricas e avarentas, recebiam lixo, água suja e até estopa em chamas. Em represália, os músicos atiravam pedras nas casas, onde eram mal recebidos, sendo, por sua vez revidados, estabelecendo-se, assim, violentos combates.

Como acontecia quase sempre, resultarem vários feridos, a polícia proibiu essas festas. Também os mascarados e blocos grotescos terminavam quase sempre em pauladas, com grande alegria dos espectadores.

Até bem pouco tempo, o Carnaval de Nice (França) era muito afamado, pelos cortejos e carros artisticamente enfeitados. Os desenhos e “maquetes” para esses préstimos eram obras de dois pintores: pai e filho de nome Mossa, pouco conhecidos. Em 1874, Mossa teve a ideia de preparar um cortejo humorístico que tivesse, numa carroça, uma figura que seria proclamada como o rei do Carnaval.

Esta inovação foi muito aplaudida, tanto que nos anos seguintes foram muitos os imitadores, mas nenhum a suplantou.

Nas grandes oficinas de Mossa, quatro ou cinco meses antes do Carnaval, era intenso o trabalho e havia mais de sessenta pessoas trabalhando na confecção dos carros carnavalescos. As figuras eram feitas de papelão ou de armação de arame e depois vestidas. As cabeças eram verdadeiras obras de arte.

Os povos antigos do Oriente costumavam usar máscaras nas cerimônias. Na fabricação dessas máscaras, eles empregavam os materiais mais diversos.

No Museu de Londres ainda se encontra uma máscara feita de mosaico e malaquita, que foi usada pelos grandes sacerdotes. A malaquita é um carbonato básico de cobre que contém também cromo, cálcio e zinco e se forma em áreas de oxidação superficial em depósitos do mineral. Os egípcios faziam as máscaras de lâminas de ouro, de vidro, de uma espécie de cera, cujo segredo de fabricação possuíam, e até de madeira. Essas máscaras de madeira, porém, só serviam para cobrir os rostos das múmias.

Entre os gregos e romanos as máscaras tiveram utilidade menos fúnebre. Durante o espetáculo, cada ator aparecia com uma máscara que caracterizava seu papel na cena. Para cada idade, cada ramo social , desde o rei, o herói ou o escravo, havia uma máscara diferente, de modo que qualquer pessoa, por menos inteligente que fosse, que assistisse a um espetáculo, logo reconhecia em cada ator o personagem que representava.

Em Veneza, o Dooge – o supremo magistrado – oferecia, durante as festas do Carnaval, grandes bailes no Palácio do Governo. A “Ridotta” (assim se chamava a festa), reunia toda a nobreza veneziana.

Damas e Cavalheiros ostentavam luxuosas fantasias e exibiam caríssimas joias. Nos jardins, muito bem iluminados por lanternas de cores, também se dançava.

Os mascarados se disfarçavam com meias-máscaras de veludo preto, que tiveram sua origem na cidade de Veneza, e assim, irreconhecíveis, podiam fazer brincadeiras espirituosas e interessantes, sem correr o risco de serem descobertos.

Durante o baile, os criados percorriam os salões e jardins com bandejas cheias de guloseimas de toda espécie. Porém, algumas dessas gulodices eram recheadas com substâncias amargas, picantes ou então bem azedas, e aqueles que as recebiam faziam caretas, que muito divertiam os outros convivas. Mas, havia alguns que engoliam depressa o doce, sem dar a perceber aos outros o logro em que haviam caído, enquanto seus companheiros esperavam atentamente o menor sinal de repugnância, para estourarem em gostosas gargalhadas.

Repisando, o Carnaval teve sua origem na Antiguidade, onde se celebravam os deuses, e quando se permitia uma alteração na ordem social.

Desta maneira, os escravos e servos assumiam os lugares dos senhores e a população aproveitava para se divertir.

Embora seja conhecido como o país do Carnaval, o Brasil não é o único a comemorá-lo de forma intensa.

Cidades como Veneza (Itália), Nice (França), Nova Orleans (EUA), Ilhas Canárias (Espanha), Oruro (Bolívia) e Barranquilla (Colômbia), também celebram a festa de forma bem animada.

Na Babilônia, se realizava a comemoração das Saceias, onde era permitido que um prisioneiro assumisse a identidade do rei por alguns dias, sendo morto ao fim da comemoração. Igualmente havia uma celebração, no templo do deus Marduk, quando o rei era agredido e humilhado, confirmando a sua inferioridade diante da figura divina.

Já na Grécia Antiga, havia festas para se comemorar a chegada da primavera onde estava permitido que toda população, sem distinção de nascimento, participasse do evento. Celebração semelhante ocorria no Império Romano, na Saturnália, quando as pessoas se mascaravam e passavam dias a brincar, comer e beber.

Com a ascensão do Cristianismo, as festas pagãs ganharam novos significados. Assim, o Carnaval tornou-se a oportunidade dos fiéis despedirem-se de se alimentarem de carne. Inclusive, a palavra carnaval vem do latim carnis levale, que significa “retirar a carne”.

Para a Igreja Católica, o Carnaval antecede a Quaresma, o período de quarenta dias antes da Páscoa, onde se recorda o momento no qual Jesus esteve no deserto e foi tentado pelo demônio. O carnaval de Veneza se caracterizava pelos bailes e trajes ricamente elaborados.

Desde o início da sua comemoração, no Carnaval, as pessoas podiam esconder ou trocar de identidade.

Assim, tinham maior liberdade para se divertir, ao mesmo tempo que podiam adquirir características ou funções diferentes do que eram verdadeiramente: pobres podiam ser ricos, homens podiam ser mulheres, entre outros.

Em Veneza, Máscaras de Carnaval eram usadas pelos nobres, para esconder sua identidade e para que desfrutassem da festa junto ao povo, na clandestinidade.

Esta é a origem do uso da máscara, que é uma característica marcante desta celebração.

No Brasil, o Carnaval surgiu com o entrudo trazido pelos portugueses. Este consistia numa brincadeira quando as pessoas atiravam água, farinha, ovos e tinta uma nas outras.

Por sua parte, os africanos escravizados se divertiam nestes dias ao som de batuques e ritmos trazidos da África e que se mesclariam com os gêneros musicais portugueses. Esta mistura seria a origem da marchinha de carnaval e do samba, entre muitos outros ritmos musicais.

No começo do século XX, com o objetivo de civilizar a festa, a prática de lançar farinha e água foi proibida. Por isso, as pessoas começaram a importar dos carnavais de Paris e Nice o costume de jogar confetes, serpentinas e buquês de flores.

Com a popularização dos automóveis, as famílias mais abastadas do Rio de Janeiro, Salvador ou Recife, saíam com os carros e jogavam confetes e serpentinas nos passantes.

Esta tradição se manteve até a década de 30, quando se registrou o fim da fabricação dos automóveis descapotáveis e também pelo barateamento dos veículos que permitiam as classes populares entrarem na festa.

O Carnaval de rua era animado pelas marchinhas, um gênero musical parecido com as marchas militares, porém mais rápidas e com letras de duplo sentido. Desta maneira, criticam a sociedade, a classe política e a situação do país de maneira geral.

Considera-se que a primeira marchinha de Carnaval tenha sido “Ò Abre Alas”, escrita em 1899 pela compositora carioca Chiquinha Gonzaga.

Surgem os “ranchos”, as “sociedades carnavalescas” e os “cordões”, agrupações de foliões que saíam pelas ruas da cidade tocando as marchinhas e fazendo todos dançarem.

Com a popularização do rádio, as marchinhas caíram no gosto popular. Vários cantores registraram estas composições, mas cabe destacar os nomes de Carmem Miranda e Francisco Alves como os maiores intérpretes do gênero.

Na década de 60, a marchinha deu lugar ao samba-enredo das escolas de samba.

Começaram a surgir as escolas de samba. A primeira agremiação que surgiu no Rio de Janeiro se chamava “Deixa Falar”, hoje “Estácio de Sá”, em 1928. A origem do nome “escola” se dá ao fato de que os fundadores da “Deixa Falar” estavam num bar em frente a uma escola.

Hoje em dia, elas recebem o nome oficial de “Grêmio Recreativo Escola de Samba”, pois têm o compromisso de difundir a cultura na comunidade onde estão inseridas.

O Carnaval de rua no Rio de Janeiro sofreu um golpe com a construção do “Sambódromo”, que confinava os desfiles a este espaço. A festa passou a ser transmitida pela TV e os ingressos ficaram cada vez mais caros.

Os desfiles das escolas de samba, no Rio de Janeiro, acontecem na marquês de Sapucaí e terminam na Praça da Apoteose.

O Carnaval de rua sobrevivia nos subúrbios com grupos como o “Cacique de Ramos”, no centro da cidade, através de blocos como o “Cordão do Bola Preta” e os “Carmelitas”. Na Zona Sul carioca, havia a “Banda de Ipanema” e mesmo o “Imprensa que eu Gamo”, formado por profissionais da comunicação.

Parecia que a festa carioca mais popular estaria destinada aos turistas, mas um grupo de teatro amador, o Boitatá, ressurgiu com o costume de arrastar os foliões pela rua. Atualmente, quase 500 blocos desfilam pelas ruas cariocas.

Por ser um país de dimensões continentais, cada região do Brasil comemora o Carnaval de uma maneira diferente.

Duas capitais nordestinas, Salvador e Recife, destacam-se pela beleza de sua festa, a diversidade cultural e musical.

Em Salvador, os trios elétricos fazem a alegria dos foliões. Sua origem está ligada às batalhas de flores e aos corsos.

O primeiro trio elétrico foi inventado pelos músicos Dodô e Osmar, em 1950, quando utilizaram amplificação elétrica para seus instrumentos musicais. A partir daí, os demais carros fizeram o mesmo.

Dodô e Osmar animaram o carnaval baiano em 1952.

Se no Rio de Janeiro as marchinhas deram a tônica da festa, na Bahia o samba, a batucada, o axé, a timbalada e os grandes grupos de percussão como os “Filhos de Gandhi” são a marca da festa baiana.

A festa carnavalesca da capital de Pernambuco e da cidade de Olinda é animada pelo frevo. Igualmente, os recifenses utilizam os bonecos gigantes nos seus desfiles.

Estes bonecos vieram da Europa, pois em países como a Espanha, são confeccionados enormes figuras de reis, rainha e da corte, que passeiam pela cidade em certas festas religiosas.

A cada ano, as agremiações lançam novos rostos como jogadores de futebol, atores, personalidades que faleceram, heróis dos quadrinhos, etc.

Igualmente, os bonecos são usados para fazer crítica social e é comum ver políticos retratados por estes artistas.

Ao longo dos anos, o carnaval brasileiro se reinventou, adaptando-se aos tempos modernos sem perder sua essência.

Desfiles de escolas de samba, blocos de rua, bailes de máscaras e festas populares são apenas algumas das formas pelas quais essa festividade se manifesta Brasil afora.

Cada região do país imprime sua marca peculiar no carnaval, refletindo as múltiplas facetas de uma nação tão vasta e diversificada.

Pescando lirismo na grande obra “Lira de Poti” – Versos – 1949, do grande poeta Norte-riograndense ANTÔNIO SOARES (1847 a 1947), da Academia Norte-riograndense de Letras, trago o soneto “Carnaval” (1949)

CARNAVAL – Antônio Soares – 1949

Carnaval! Pelas praças e avenidas,
Sons de clarins e tilintar de guizos;
Verbos galantes, frases atrevidas,
Na confusão dos gestos e dos risos.

Carnaval! Pensamentos indecisos,
Intenções e palavras mal contidas;
Lábios em festa e corações incisos,
Olhos contentes e almas doloridas.

Carnaval! Sob a máscara esquisita,
Quantas vezes, cruel, barbaramente,
Um mundo de misérias não se agita!

Carnaval! Uns instantes de ventura
Trocados, muita vez, levianamente,
Por uma vida inteira de amargura!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 21 de fevereiro de 2025

O LOBO MAU (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

O LOBO MAU

Violante Pimentel

 

As histórias do Lobo Mau nasceram na Europa, onde o lobo sempre foi um animal incompreendido e temido.

O Lobo Mau é um personagem que aparece em inúmeras fábulas folclóricas, incluindo as Fábulas de Esopo, e nas histórias dos Irmãos Grimm. É a personificação de um lobo mal-intencionado, famoso pelo seu apetite.

Pois bem. Um lobo mau estava pondo olhos grandes sobre um rebanho de carneirinhos que descansava à sombra amiga das grandes árvore. Como o lobo é feroz, os carneirinhos o temem.

O lobo preparou um plano para se aproximar dos mansos cordeiros, sem intimidá-los. Assim, envolveu-se com um manto e pôs um bastão às costas, querendo passar por um pastor que bem apascenta as suas ovelhas. Para completar o disfarce, colocou um chapéu na cabeça, onde escreveu uma mensagem para os cordeirinhos:

Tão astucioso era o lobo, que passou a usar um manto e um chapéu, onde escreveu: “Meus carneirinhos, eu sou Pedro, o pastor de vocês todos.” O lobo era mesmo muito sabido.

Pé ante pé, o falso Pedro foi se aproximando do rebanho, até chegar bem perto. Todos os carneirinhos estavam dormindo profundamente.

O lobo preparou o “bote”, tentando falar imitando a voz de um pastor. Foi aí que se perdeu.

A voz do lobo saiu horrenda e cavernosa. Voz de lobo mau mesmo. Uma voz que apavora o mundo todo.

O pastor e os carneirinhos acordaram todos, aterrorizados.

Descoberto no seu plano macabro, o lobo malvado não pôde fugir, nem se defender, atrapalhado pelos disfarces que estava usando.

O rebanho escapou ileso e o lobo mau.

Há sempre um pequeno imprevisto que põe a perder os planos de um malfeitor.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 14 de fevereiro de 2025

Ó ABRE ALAS (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VILANTE PIMENTEL)

“Ó ABRE ALAS”

Violante Pimentel

O Carnaval de antigamente era um encanto, um bálsamo, um deslumbramento, e fazia bem à alma das pessoas, exceto aquelas que se reuniam em seus retiros espirituais, levadas pela religiosidade.

No tempo em que o rádio era o maior sucesso da tecnologia, o carnaval era caseiro e toda a família se divertia ao som dos rádios.

As marchinhas de carnaval estrondavam nas rádios brasileiras e a criatividade do pensamento projetava nas mentes saudáveis a beleza do carnaval que acontecia nas principais capitais do País, principalmente o carnaval Pernambucano e o da Cidade Maravilhosa.

Mesmo com a pobreza própria de cada cidade, o povo nordestino também sempre comemorou o carnaval.

O sentido do carnaval, bem diferente do sentido natalino, traz alegria ao povo, independente de classe social. Enquanto o Natal é festa dos ricos, o Carnaval traz alegria a todas as camadas sociais, trazendo ao povo euforia, alegria e também confraternização. No meu entender, o Carnaval embriaga a tristeza, e os pobres se contagiam com o glamour dos ricos. Durante o carnaval, o normal é haver uma prega na tristeza. É festa de ricos e pobres, não se falando em presentes natalinos, “perus do natal” ou bebidas caras.

Por isso, sou fã do carnaval.

Carnaval é uma festa popular marcada pelos exageros. Tem forte ligação com o catolicismo e possui relações com festivais realizados na Antiguidade.

O Carnaval chegou ao Brasil durante a colonização e transformou-se na maior festa popular do país.

Apesar do forte secularismo presente no Carnaval, a festa é tradicionalmente ligada ao catolicismo, uma vez que sua celebração antecede a Quaresma. O Carnaval não é uma invenção brasileira, pois sua origem remonta à Antiguidade. O secularismo é a separação entre o Estado e as instituições religiosas, que garante a liberdade de crença e a igualdade de tratamento para todas as religiões.

A palavra Carnaval é originária do latim, carnis levale, cujo significado é “retirar a carne”. Esse sentido está relacionado ao jejum que deveria ser realizado durante a Quaresma e também ao controle dos prazeres mundanos. Isso demonstra uma tentativa da Igreja Católica de controlar os desejos dos fiéis.

A história do Carnaval no Brasil iniciou-se no período colonial. Uma das primeiras manifestações carnavalescas foi o entrudo, uma brincadeira de origem portuguesa que, na colônia, era praticada pelos escravos. Nela, as pessoas saíam às ruas sujando umas às outras, jogando lama, urina etc. O entrudo foi proibido em 1841, mas continuou até meados do século XX.

Depois, surgiram os cordões e ranchos, as festas de salão, os corsos, e as escolas de samba. Afoxés, frevos e maracatus também passaram a fazer parte da tradição cultural carnavalesca brasileira. Marchinhas, sambas e outros gêneros musicais foram incorporados, posteriormente, à maior manifestação cultural do Brasil.

A primeira marchinha de carnaval brasileira, Ó Abre Alas, foi composta por Chiquinha Gonzaga em 1899. A marcha-rancho Ó Abre Alas foi criada para embalar o desfile do cordão Rosa de Ouro, no Rio de Janeiro.

Ó Abre Alas é a composição mais conhecida de Chiquinha Gonzaga e aquela de maior sucesso.

Repetindo, a canção foi feita para o Cordão Carnavalesco Rosa de Ouro, citado na letra. O sucesso é considerado a primeira marcha carnavalesca da história.

Na época, Chiquinha Gonzaga morava no Andaraí, já era compositora consagrada, quando integrantes do Cordão a procuraram com o pedido de um “hino” para as folias momescas daquele ano, como registrou o historiador Geysa Boscoli, seu parente. Apesar de sua posição, não refutou o pleito que resultou na vitória do Cordão no carnaval. Era comum, naquele tempo, os cordões entoarem versos que anunciavam sua passagem, e a marcha de Chiquinha antecipou um gênero que só veio a se firmar duas décadas após.

Entre os anos 1901 e 1910, “Ó Abre Alas” foi grande sucesso nos carnavais, tornando-se símbolo do carnaval carioca, até os dias atuais.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 07 de fevereiro de 2025

O ANJO (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

O ANJO

 Violante Pimentel

Mais uma vez, o Carnaval se aproxima, trazendo à nossa memória as mais remotas lembranças de uma infância e juventude felizes, e de um passado feito de encanto, pureza, candura e divertimentos saudáveis. Uma época em que a maldade nem tinha nascido. Um passado de décadas atrás.

Em Nova-Cruz (RN), minha terra natal, o Carnaval era esperado com alegria e os blocos carnavalescos eram organizados com criatividade e arte. Não havia luxo, mas havia euforia, respeito e muita amizade consolidada entre as famílias, incluindo jovens e adultos.

As fantasias que enchiam de brilho os olhares esperançosos, pareciam ungidas da mais pura água, que lavava a alma da juventude e dos adultos, unindo os corações e transformando em intensa alegria o período carnavalesco. Não havia brigas nem excessos de bebidas.

 

 

O Carnaval era esperado com ansiedade e alegria.

Pois bem. Morava em Nova Cruz (RN) um rapaz de nome José Teixeira, filho de uma viúva, pertencente a uma ramificação de tradicional família daquela cidade.

Dizem que, desde criança, sempre demonstrou tendência feminina nos gestos, preferindo os brinquedos das meninas e desprezando carrinhos e bolas com que os meninos brincavam. Cresceu assim, e, dessa forma, tornou-se rapaz, passando a se dedicar às prendas domésticas.

Revelou-se um verdadeiro artista, aprendendo a bordar, pintar, confeccionar flores e chapéus femininos ornamentados.

Com o passar do tempo, José Teixeira dedicou-se completamente à decoração de ambientes e preparação de festas, difundindo cada vez mais suas habilidades artísticas. Com elas, passou a ganhar dinheiro, ajudando no sustento da mãe, viúva pobre, e suas duas irmãs.

Era religioso, educado, e sabia respeitar as pessoas, sendo por isso também respeitado. Nenhuma festa acontecia na cidade, sem que estivessem presentes a sua arte e o seu bom gosto. O preparo de altares na Matriz da Imaculada Conceição, Padroeira da cidade, os andores para as procissões, festas de casamento, aniversários, enfim, quaisquer acontecimentos festivos contavam com a sua indispensável participação.

Tornou-se o decorador oficial da cidade, nos eventos públicos ou privados, inclusive nas festas religiosas do final do ano, onde havia uma Quermesse para angariar fundos para a Igreja.

Eram frequentes os jantares, os saraus, os bailes, as procissões e novenas, como manifestações da realidade artística, religiosa e social da cidade. Em tudo, estava a presença marcante desse filho de Nova-Cruz.

Merece destaque o fato de José Teixeira nunca ter escondido sua tendência feminina, mantendo, entretanto, uma conduta discreta e digna. Vivia para o trabalho, e nunca se meteu em fofocas. Seu excelente círculo de amizade incluía moças, senhoras casadas, senhores e rapazes. Até o Padre da Paróquia de Nova-Cruz lhe fazia elogios publicamente, em agradecimento pelo seu trabalho de embelezador e colaborador das festas e procissões.

Nessa época remota, o distúrbio genético apresentado por José Teixeira era raro, e a cidade que o viu nascer o aceitava como era.

Sua presença tornou-se indispensável nas festas de aniversários, casamentos e bailes. Também ocupava lugar de honra na vida familiar da cidade, sendo sempre convidado para almoços e jantares, e ainda para padrinho de crianças. Tornou-se amigo e confidente de todos.

A cidade se desenvolveu e passou a ter mais festas, aumentando também o prestígio de José Teixeira. Era um verdadeiro “patrimônio” artístico de Nova-Cruz.

Surgiu o primeiro bloco de carnaval da cidade, tendo José Teixeira como organizador, decorador e figurinista. Esse bloco saía às ruas de Nova-Cruz no tríduo carnavalesco, “assaltando” as residências de pessoas da cidade, onde era recebido com bebidas e salgadinhos, à vontade.

As calçadas e ruas transformavam-se em salões de festa e a alegria era imensa.

O nosso Tio Paulo, uma figura inesquecível, era um dos maiores incentivadores do bloco, e o “assalto” à sua casa era indispensável! Irmão do nosso pai, Francisco, as casas eram vizinhas, e o “assalto” era aproveitado por nós, ainda crianças. Dançávamos no meio da rua, jogando confetes e serpentinas, presenteadas por ele, num clima de felicidade sem igual.

Tio Paulo distribuía lança-perfumes para os seus amigos, compradas em Natal, que eram usadas para perfumar o cangote das moças. E o cheiro se espalhava pelo ar. Não havia porre, loló nem brigas. O carnaval era só alegria e higiene mental.

O Rei Momo e a Rainha do Carnaval eram eleitos, uma semana antes, por uma comissão apontada por José Teixeira, da qual fazia parte.

José Teixeira confeccionava as alegorias, porta-estandartes e as fantasias para o carnaval.

Pierrôs, Colombinas, Arlequins, Odaliscas (vem Odalisca do meu harém vem, vem vem… ) e Piratas eram as principais fantasias.

A tarde entrava pela noite, com trombones, tamborins e outros instrumentos, executando os mais belos e tradicionais frevos e marchinhas de carnaval. A cidade era calma e o povo todo era conhecido.

Não havia o carnaval sensual/sexual de hoje, e os seios e nádegas eram guardados com recato.

As marchinha e frevos não tinham maldade. Tinham beleza e poesia.

Podemos dizer que, em Nova-Cruz, foi José Teixeira quem inventou o carnaval, o bloco, a alegoria e o estandarte, quando a maldade não tinha nascido.

Assim era José Teixeira. Totalmente feminino, amado, respeitado, e aceito por todos, sem sofrer exclusão pelo seu modo involuntário de ser.

Para mim, ele era um Anjo. E Anjo não tem sexo…

Hoje, desapareceu a pureza. Os Pierrôs, Colombinas, Arlequins, Odaliscas e Piratas se desnudaram. Restaram expostos, em abundância, seios, nádegas e tatuagens. A irreverência tomou conta da festa de momo.

A modernidade nos deixou apenas o direito de nos fantasiar de PALHAÇOS!!!Palhaços das nossas ilusões! E é a fantasia de palhaço, com seu nariz de bola vermelha, a que mais se adapta ao povo brasileiro, com seu riso sardônico, sem razão ser.

Decepcionados, abafamos no peito a saudade dos velhos carnavais.

O cheiro de lança-perfumes sumiu! Roubaram as fantasias do nosso povo!

Roubaram o sorriso de felicidade, que existia nos rostos nos dias de carnaval.

Ó, ABRE ALAS, QUE EU QUERO PASSAR!

Salve José Teixeira, o Eterno Anjo de Nova-Cruz!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 31 de janeiro de 2025

AS PROPAROXÍTONAS (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

AS PROPAROXÍTONAS

Violante Pimentel

A dupla caipira “Alvarenga e Ranchinho”, formada em 1929 por Murilo Alvarenga, mineiro de Itaúna, e Diésis dos Anjos Gaia, paulista de Jacareí, iniciou sua carreira apresentando-se em circos no interior de São Paulo.

Em 1934, Murilo e Diésis foram contratados pelo maestro Breno Rossi e passaram a se apresentar na Rádio São Paulo.

A carreira da dupla se consolidou, após a mudança para o Rio de Janeiro, onde os dois gravaram o seu primeiro disco, em 1936, e passaram a integrar o grupo de atrações do Cassino da Urca. Foi aí que trabalharam durante dez anos e aprimoraram o talento para a sátira política, uma das suas principais características. Por causa dessas sátiras, participaram de dezenas de campanhas eleitorais e também acabaram presos diversas vezes.

A dupla participou do primeiro filme falado feito em São Paulo, “Fazendo Fita”, (1935), levada por Ariovaldo Pires, o Capitão Furtado. Fizeram participações em mais de 30 filmes.

Em 1949, a dupla “Alvarenga e Ranchinho” lançou a composição “O Drama de Angélica”, na qual, cada verso termina com uma palavra proparoxítona, ou seja, a sílaba tônica cai na antepenúltima sílaba. Essa música foi o seu maior sucesso.

Ao que parece, essa dupla foi a precursora das composições com versos terminados em palavra proparoxítona.

O Drama de Angélica” nos remete àqueles “causos” que ouvíamos de nossos antepassados, histórias das quais ansiávamos pelo final, mesmo que fosse trágico. Uma verdadeira novela, arrebatadora, com idas e vindas, em uma interpretação perfeita da dupla. Ao final, não há como não sorrir, em face do modo satírico, como é contado “O Drama de Angélica”.

A formação original da dupla se desfez em 1965, quando Diésis a abandonou definitivamente. Sumiços anteriores já haviam ocorrido, quando, então, havia sido substituído por Delamare de Abreu, irmão por parte de mãe de Murilo Alvarenga.

Com o rompimento definitivo, um “terceiro” Ranchinho surgiu, Homero de Souza Campos, conhecido também como Ranchinho da Viola e como “Ranchinho II” (apesar de ter sido o “terceiro”). Homero cantou com Alvarenga de 1965 até o falecimento deste, em 1978.

Pois bem. Em 1971, cerca de vinte anos depois do lançamento de “O Drama de Angélica”, de “Alvarenga e Ranchinho”, foi lançado o LP “CONSTRUÇÃO”, de Chico Buarque de Holanda, com dez músicas belíssimas, onde se destaca “Construção”, que dá nome ao disco, com estrondoso sucesso no cenário da MPB.

Por coincidência, “Construção” de Chico Buarque e “O Drama de Angélica”, da dupla caipira “Alvarenga e Ranchinho”, tem em comum, versos cuja última palavra é proparoxítona. Além disso, “Construção” também retrata um drama do cotidiano, tal qual a música “O Drama de Angélica”, com a diferença de que esta última tem conotação satírica.

Para muitos admiradores, somente Chico Buarque, com a sua inteligência privilegiada, seria capaz de usar essa peculiaridade, numa composição musical.

Indiscutivelmente, Chico Buarque é genial. Mas, em relação às proparoxítonas ao final dos versos, a dupla caipira, “Alvarenga e Ranchinho”, já tinha feito o mesmo, há mais de vinte anos (1949), com a música “O Drama de Angélica”.

A coincidência de versos, finalizando com uma palavra proparoxítona, feitos por compositores de mundos e épocas diferentes, chamou a atenção da crítica.

Na verdade, a genialidade é universal. Não existe regra geral para se nascer gênio, pessoa com grande capacidade mental. Ela pode se manifestar por um intelecto de primeira grandeza, ou um talento criativo fora do comum.

Chico Buarque, intelectual com ótima formação cultural, e a dupla “Alvarenga e Ranchinho”, de origem humilde, que iniciou a carreira artística em circo, tiveram inspirações parecidas, ao escrever um drama, com versos terminados com uma palavra proparoxítona.

Ainda hoje, o LP “CONSTRUÇÃO”, de Chico Buarque, lançado no início de 1971, é considerado um dos grandes discos da história da MPB, com versos alexandrinos (o que contém doze sílabas poéticas) e uma palavra proparoxítona no final de cada verso.

O primeiro poeta brasileiro a usar versos alexandrinos foi Machado de Assis, ainda no período do Romantismo, movimento artístico caracterizado pelo sentimentalismo, subjetivismo e fuga da realidade.

Esse movimento surgiu no século XVIII na Europa, durante a revolução industrial, e logo se espalhou por diversos países, como: França, Alemanha, Inglaterra, Brasil e Portugal. Durou até meados do século XIX, quando surgiu o Realismo.

A coincidência que há nas duas canções, “O Drama de Angélica (1949 – Alvarenga e Ranchinho) e “Construção” (1971 – Chico Buarque) não está relacionada somente à presença de uma palavra proparoxítona no final de cada verso. As duas canções descrevem, respectivamente, um drama do cotidiano.

Chico Buarque descreve, em “Construção”, o dia a dia de um operário da construção civil, com todos os riscos e desencantos, usando versos alexandrinos ( o que contém doze sílabas poéticas) e uma palavra proparoxítona no final de cada verso. No caso, as proparoxítonas funcionam como tijolos em uma construção mágica e trágica, em uma tensão crescente, embalada pelo bonito arranjo do maestro Rogério Duprat (1932 – 2006).

Chico Buarque é um intelectual, com sólida formação cultural. Tornou-se um ícone da Música Popular Brasileira.

Por sua vez, a dupla “Alvarenga e Ranchinho”, de origem humilde, iniciou a carreira artística em circo e tornou-se um ícone da música caipira, hoje chamada “Música Sertaneja”.

Salve a genialidade do Compositor Brasileiro!

 

Drama de Angélica (1949) – Murilo Alvarenga e M.G. Barreto (Letra completa no final da postagem)

 

 

* * *

Construção, de Chico Buarque

 

 

* * *

Drama de Angélica

Ouve meu cântico
quase sem ritmo
Que a voz de um tísico
magro esquelética

Poesia épica
em forma esdrúxula
Feita sem métrica
com rima rápida

 

Amei Angélica
mulher anêmica
De cores pálidas
e gestos tímidos

Era maligna
e tinha ímpetos
De fazer cócegas
no meu esôfago

Em noite frígida
fomos ao Lírico
Ouvir o músico
pianista célebre

Soprava o zéfiro
ventinho úmido
Então Angélica
ficou asmática

Fomos ao médico
de muita clínica
Com muita prática
e preço módico

Depois do inquérito
descobre o clínico
O mal atávico
mal sifilítico

Mandou-me célere
comprar noz vômica
E ácido cítrico
para o seu fígado

O farmacêutico
mocinho estúpido
Errou na fórmula
fez despropósito

Não tendo escrúpulo
deu-me sem rótulo
Ácido fênico
e ácido prússico

Corri mui lépido
mais de um quilômetro
Num bonde elétrico
de força múltipla

O dia cálido
deixou-me tépido
Achei Angélica
já toda trêmula

A terapêutica
dose alopática
Lhe dei em xícara
de ferro ágate

Tomou num fôlego
triste e bucólica
Esta estrambólica
droga fatídica

Caiu no esôfago
deixou-a lívida
Dando-lhe cólica
e morte trágica

O pai de Angélica
chefe do tráfego
Homem carnívoro
ficou perplexo

Por ser estrábico
usava óculos
Um vidro côncavo
o outro convexo

Morreu Angélica
de um modo lúgubre
Moléstia crônica
levou-a ao túmulo

Foi feita a autópsia
todos os médicos
Foram unânimes
no diagnóstico

Fiz-lhe um sarcófago
assaz artístico
Todo de mármore
da cor do ébano

E sobre o túmulo
uma estatística
Coisa metódica
como Os Lusíadas

E numa lápide
paralelepípedo
Pus esse dístico
terno e simbólico

“Cá jaz Angélica
Moça hiperbólica
Beleza Helênica
Morreu de cólica!”


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 24 de janeiro de 2025

RECORDANDO UM SONHO LINDO (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

RECORDANDO UM SONHO LINDO

Violante Pimentel

O passado sempre nos volta em sonhos. E nada mais gratificante do que passarmos a noite revivendo momentos felizes dos tempos idos e vividos, quando no sonho estão presentes figuras queridas e inesquecíveis.

Tenho por hábito pôr em prática o que Freud ensina, em “Além da Alma.” Quando o sonho é bom, ao acordar, registro-o num caderno que trago sempre ao lado da minha cama.

Hoje, sonhei com minha mãe, cantarolando “Garoto da Rua”, uma das suas músicas preferidas (1947 – composição de Renê Bittencourt e gravação de Augusto Calheiros).

Ao acordar, ouvi a música mais de uma vez e de repente me veio à memória a beleza de “Nós, os Meninos de Palmares”, primeiro capítulo do livro “A Prisão de São Benedito e Outras Histórias”, obra prima do consagrado escritor Luiz Berto.

O livro é belíssimo desde a capa, as orelhas escritas pelo autor, e a fabulosa apresentação do poeta Orlando Tejo.

Sobre a Prisão de São Benedito e Outras Histórias, escreveu o poeta Orlando Tejo, em artigo publicado na Revista A REGIÃO, Recife, 1983:

“Há alguns meses, porém, A Prisão de São Benedito e outras histórias”, o mais opulento livro que já li em seu gênero, possibilitou-me a visão clara e geral do universo palmarense.

Nunca os tipos populares de nenhum lugar mereceram perfis literários mais precisos. Nenhum deles é caricaturado. São todos fotografados com a exatidão da arte que se pode exigir de um mestre. Luiz Berto os faz desfilar em assombrosa passarela universal, cada um deles com seus cacoetes humanos e suas características congênitas, fundo do riquíssimo cotidiano local que, em verdade, não é diferente do dia a dia de nenhuma outra cidade interiorana. Todas as cidades possuem os mesmos doidos, os mesmos boêmios, os mesmos aleijados, as mesmas prostitutas, as mesmas presepadas; e os bares, o cabaré, a noite, o clima de vida, o folclore, enfim, são clichês.

Tipos populares, portanto, não são privilégios de lugar nenhum. Ocorre, todavia, que somente Palmares deu um Luiz Berto. E isso explica o fenômeno. É o mesmo que pensarmos o que seria a Bahia sem Jorge Amado.”

Diz o Escritor Luiz Berto que não é poeta. “Nós, os meninos dos Palmares”, entretanto, é poesia pura; puro lirismo, característica dos poetas. Os meninos de Palmares eram “apontadores de estrelas”, “gáveas ao vento’, e “bebiam até a última gota naquele pote de felicidade.” Colocações poéticas lindíssimas!

Teimo em dizer, que o Escritor Luiz Berto é um dos maiores poetas que eu conheço. Seus escritos são poemas em prosa.

O garoto da rua, de que fala a composição de Renê Bittencourt, tinha a mesma alma dos meninos de Palmares, os mesmos sonhos, a mesma liberdade e as mesmas aspirações. Era um craque na bola de meia e andava com o bolso pesado de bolas de gude.

Nós, os meninos de Palmares” é o retrato de uma infância feliz, que marcou uma época em que a maldade não tinha nascido.

Augusto Calheiros – GAROTO DA RUA

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 17 de janeiro de 2025

ACONTECÊNCIAS DA FEIRA DE NOVA-CRUZ (RN) - (CRÔNICA DA COLUNISTAMADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

ACONTECÊNCIAS DA FEIRA DE NOVA-CRUZ (RN)

Violante Pimentel

Décadas atrás, entrando pelo século passado, a pequena cidade de Nova – Cruz (RN) era paupérrima. Sem água e sem luz, também não dispunha de consultórios médicos, ambulatórios nem hospitais.

A mortalidade infantil era absurda. A criança adoecia à tarde e antes de amanhecer o dia estava morta. Lá, não havia assistência médica nenhuma, e, consequentemente, não havia plantão médico.

 

 

Chá de canela era o “remédio” que os curiosos indicavam para os bebês, quando de repente ficavam febris, pálidos e choramingando. Foi assim que vi um irmãozinho meu, Galdino, morrer, no dia em que completou sete meses de idade, ao sofrer uma convulsão pela madrugada. Tinha amolecido à noitinha, ficou febril e foi “medicado” por um conhecido charlatão da cidade, que, em sua casa, consultava o povo da roça, dia de feira. O remédio por ele indicado foi chá de canela, achando que deveria ser uma gripezinha.

Nunca esqueci o desespero da minha mãe naquela madrugada, gritando desolada, sem querer acreditar que a criança estava morta. Meu pai, também desesperado, tentava acalmá-la, mas era em vão. Eu tinha pouco mais de quatro anos. Nunca esqueci essa terrível cena, numa madrugada escura e fria.

Pela manhã, a casa se encheu de gente. À tarde, houve o enterro de Galdininho (como minha mãe o chamava), com a presença de familiares da minha mãe, que moravam em Natal. Essas coisas tristes da vida, a gente nunca esquece…

Pois bem. A feira municipal de Nova – Cruz (RN) acontecia na segunda – feira. Era considerada a maior feira da região agreste. Começava pela madrugada e se estendia até o final da tarde.

Do balcão da venda do nosso pai, assistíamos a um verdadeiro espetáculo de cultura popular: As cantigas dos cegos, pedindo esmolas, e insultando uns aos outros, defendendo seus direitos àquele ponto. Era uma verdadeira festa do Cordel. Os desafios eram hilários e maliciosos.

A feira era um verdadeiro encontro ou reencontro de almas. Era um dia divertido, com meu pai, minha mãe e quase todos os filhos no balcão da venda. Em frente, havia duas barracas que vendiam cocorotes (de coco), bolo branco (hoje chamado “bolo da moça”) e doce americano (geleia de coco). Nunca me esqueci do gosto dos cocorotes. Tudo era uma gostosura.

Mais adiante, chegava um vendedor ambulante, com uma mala cheia de óculos de grau para vender, e formava-se uma fila de pretensos “clientes”, para comprar óculos, cujo grau lhes permitisse ler as letrinhas da caixinha de fósforo “OLHO”. Esse era o teste para aprovação do grau.

A precariedade da vida em Nova – Cruz forçava o povo a dar preferência aos óculos vendidos pelo ambulante. Além do mais, se o problema fosse apenas “vista curta”, seria mais cômodo e mais em conta comprar os óculos já prontos na feira, do que ter que viajar a Natal, somente para esse fim. Os compradores de óculos ficavam satisfeitos quando enxergavam perfeitamente as letrinhas da caixinha de fósforos “OLHO”. Era o sinal de que o grau era aquele.

De Nova – Cruz a Natal são 110km. Entretanto, naquela época (60/70), em estrada de barro, a viagem de ônibus levava de 4 a 5 horas. Durante o inverno, o atoleiro era grande. Por isso, os feirantes da zona rural eram acostumados a comprar óculos de grau na feira, já prontos. A aprovação dos óculos era 100%, e ninguém reclamava. Meu saudoso tio Paulo Bezerra, por comodidade, também só comprava óculos de grau na feira, e se dava muito bem.

Também na feira de Nova – Cruz, costumava estar presente um homem vestido com uma bata branca, com pose de doutor, que ali armava uma pequena banca e sobre ela mantinha uma garrafada, que continha um ácido para “tirar” sinais da pele. Nessa época, não se falava em carcinoma. A fila de pessoas que pagavam para tirar sinais era grande. Nunca se soube de um insucesso de um desses “procedimentos cirúrgicos”. Hoje, esse homem seria preso por charlatanismo. Meus tios Paulo Bezerra e Eulina Bezerra chegaram a tirar alguns sinais com ele e os “procedimentos” foram muito bem sucedidos.

Essas lembranças fazem parte da minha saudade. Volto à minha infância e juventude. Essa feira, na minha vida, foi muito mais do que uma simples feira.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho quinta, 09 de janeiro de 2025

O CRISTIANISMO E OS DOZE MESES DO ANO (POSTAGEM DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)
Blog ponto de vista - Nelson Freire
Artigos
O CRISTIANISMO E OS DOZE MESES DO ANO (Artigo) - Violante Pimentel
Publicado em 8 de janeiro de 2025
O CRISTIANISMO E OS DOZE MESES DO ANO
 
 
O Cristianismo surgiu no Império Romano, durante o reinado de Otávio Augusto, primeiro imperador romano.
 
A religião tem como base os ensinamentos de Jesus Cristo. Por isso, seu nascimento marca o início da doutrina cristã.
 
Com o aparecimento do Cristianismo, a crença em divindades pagãs desapareceu. Mas, apesar disso, a memória dos deuses e deusas ainda permanece viva em muitas tradições.O calendário que usamos foi uma evolução do antigo calendário romano e os nomes utilizados vieram dos deuses.Estando estreitamente ligados os seus nomes aos costumes e instituições romanas, o nosso calendário, para contagem do tempo, permanece o mesmo estabelecido pelo imperador romano Júlio César.Escrevendo a história dos nomes dos doze meses do ano, é como se estivéssemos assistindo a um desfile dos meses romanos.
 
JANEIRO – Primeiro, aparece uma figura estranha, um deus com duas caras, um deus que olha para diante e para trás, e que segura na mão esquerda uma chave. É JANO.
Os romanos adoravam Jano, num templo que estava aberto durante as guerras e que se fechava quando havia paz. Era o deus dos princípios e dos fins. JANO era também considerado o porteiro do céu, e os romanos o tinham como protetor das suas portas e portões. Como o ano tem doze meses, o templo de JANO tinha 12 portas.
 
FEVEREIRO – Segue-se ao deus JANO, uma majestosa dama romana. Era FEBRUA, a deusa das purificações. Celebravam-se no segundo mês do ano, festas especiais em honra a Juno e Plutão, rei dos infernos e havia sítios especiais para aplacar as almas dos defuntos. Essas festas eram também de expiação para o povo, e chamavam-se “februais”. O termo vem da palavra februm, que significa purificar; neste mês acontecia um ritual de purificação romana.Fevereiro é o mês mais curto do ano, pois tem 28 dias nos anos comuns, e 29 nos anos bissextos. Constando o ano, aproximadamente, de 365 dias e 6 horas, ao cabo de quatro anos essas 6 horas formam um dia, que se agrega a Fevereiro. Essa inovação é do tempo de Júlio César, o qual, vendo os inconvenientes que resultavam de não serem levadas em conta aquelas 6 horas, chamou a Roma o astrônomo Sosígenes, de Alexandria, o qual propôs que de quatro em quatro anos se acrescentasse um dia a Fevereiro; daí ficou o mês, a cada quatro anos, com mais um dia, passando a ser chamado de “bissexto”.
 
MARÇO – Nome originado de Marte, o deus da guerra. No desfile imaginário, ele passa num carro puxado por dois cavalos, cujos nomes eram Terror e Fuga. É uma figura de guerreiro ameaçador, manejando uma comprida lança, levantando para o céu um escudo luzidio e erguendo a sua cabeça altiva, sendo iluminado pelos raios e pelo capacete. Para os romanos, Marte era mais do que um guerreiro. Era um deus que podia conseguir tudo pela sua grande força. Pediam-lhe chuva, consultavam-no sobre casos particulares, sacrificando no seu altar um cavalo, carneiro, pega ou abutre.
 
ABRIL – Depois de Marte (Março), aparece ABRIL. Não é nem deus nem deusa. É o Anjo da primavera. Gracioso, delicado, meigo e bom. Chega espalhando pela terra lindas flores e fazendo nascer nos sulcos feitos pelas rodas do carro do guerreiro, flores tão pequeninas, tão bonitas e tão delicadas, que comove vê-las. “Abril é o que abre.”
 
MAIO – Nome em homenagem à deusa MAIA, que desfila sentada num trono de luz. Seu pai chamava-se Atlas e sobre os seus ombros pesava o mundo inteiro. Ele tinha sete filhas, das quais a mais célebre foi Maia, cujo filho era Mercúrio, que levava as ordens dos deuses para a terra.
Júpiter, o pai de todos os deuses, levou Maia e as irmãs e colocou-as como estrelas no firmamento. Eram elas que formavam o grupo de estrelas chamadas plêiadas. A sétima estrela do grupo é invisível. Representa uma das irmãs que casou com um homem chamado Sisypho, e, desde então, como o pobre Sisypho foi condenado a rolar eternamente uma pedra por um monte acima, ela, envergonhada, escondeu a cara.
 
JUNHO- Seguem no cortejo duas figuras disputando o sexto lugar. Uma é a deusa Juno e a outra é um homem de nome JUNIO. Mas a deusa Juno deu nome ao mês de Junho. Juno era a rainha do céu e esposa de Júpiter. Seu trono de ouro estava junto de seu marido. Todos os deuses lhe prestavam homenagem, quando se apresentavam no palácio de Júpiter; tinha poderes superiores e exercia domínio sobre os fenômenos celestes; produzia o trovão nas alturas, desencadeava os ventos e mandava nos astros. Gostava de passear pelos bosques sagrados, num carro puxado por pavões.
 
JULHO – Em honra ao guerreiro e imperador Júlio César, surgiu o nome do mês de Julho. Júlio César não só conquistou nações, fez leis célebres e escreveu livros imortais, como também emendou o calendário, que estava em estado deplorável. O tempo e os meses já não se correspondiam como antigamente; a primavera vinha em janeiro e o inverno nos meses que deviam corresponder à primavera. O mês “quintilius’ foi eliminado em sua honra, tomando o seu nome Júlio.
 
AGOSTO – Nome derivado de Augusto, o primeiro imperador romano, última personagem da procissão pagã imaginária a que assistimos. A princípio, Augusto chamava-se Octávio e governou os romanos, com Marco Antônio e Lépido. Por fim, foi imperador, e fez muito pela glória e engrandecimento do seu magnífico império. O povo, na intenção de lhe agradar, mudou o seu nome de Octávio para Augusto, que significa “nobre”.
O oitavo mês foi escolhido para ter o nome de Agosto, porque era nessa ocasião que o imperador Augusto celebrava os principais acontecimentos da sua vida. Foi em Agosto que ele foi nomeado Cônsul, que acabaram as suas guerras e que conquistou o Egito. Augusto ficou na história como uma grande personagem. O seu reinado recebeu o nome de Idade de Ouro, porque ele não só trouxe paz ao mundo, farto e cansado de guerras, como também fez florescer a arte e a literatura.
Foi no reinado desse imperador poderoso que, longe, na Síria, nasceu a Criança, cujo reinado ainda não acabou e cujo nascimento criou uma época. Nunca o imperador orgulhoso pensou, quando se gabava no seu palácio, de ter encontrado Roma feita de tijolo e tê-la deixado de mármore, que existia já uma Criança que dividiria as épocas da terra e poria uma Cruz entre o reinado de Augusto e o começo de uma nova religião.
Os poetas imortais, Horácio e Virgílio, viveram nessa época. Fundaram-se, então, livrarias e construíram-se templos por toda a parte.
 
SETEMBRO – Os outros meses aparecem disfarçados, com nomes enigmáticos. Para compreendermos o nome do mês de setembro é necessário recordar que o primitivo calendário romano constava de dez meses e que começava em Março, sendo, portanto, Setembro, o sétimo mês. Por isso, é representado pelo número sete, em algarismos romanos, VII. Este número lia-se em latim “septen”, de onde se derivou Setembro.
 
OUTUBRO – Para os romanos, como hoje é para os povos que lhes sucederam no continente europeu, Outubro era o mês das colheitas e vindimas. O nome provém de “octos”, que em latim é oito. Com efeito, era o oitavo mês do antigo calendário romano, passando a ser o décimo, quando Nuna, rei de Roma, fixou o princípio do ano no dia primeiro de Janeiro.Celebravam neste mês, tanto os romanos como os gregos, muitas festividades. Em uma dessas festas era costume atirar aos poços e fontes coroas tecidas de flores e ervas, como tributo às ninfas, a quem tais festas eram consagradas. Era também o mês da colheita das frutas, cujas primícias se ofereciam às divindades.
 
NOVEMBRO – Era o nono mês, no primeiro calendário romano, e por isso lhe chamavam “November”. Contava-se que, entre as festividades e ritos religiosos mais importantes, estava o consagrado a Diana, deusa das montanhas e dos bosques. Começava com um banquete dedicado a Júpiter e com os jogos circenses, chamados assim, porque se realizavam no circo. No mesmo mês se celebravam os jogos “plebeus”, instituídos para comemorar a reconciliação de patrícios, nobres e plebeus. Eram oferecidos sacrifícios a Netuno, deus dos mares; e se faziam as festas abrumais ou do inverno, por começar na Itália o tempo chuvoso, nevoento e frio.
 
DEZEMBRO – do latim “December” de “decem”, dez – o décimo e último mês do antigo calendário romano. É representado hoje por um velho de barbas brancas, que traz brinquedos para dar às crianças no dia de Natal, 25 de dezembro.
Para algumas pessoas, esse velho representa São Nicolau, que viveu no século IV e é considerado o patrono das crianças. Essa ideia teve origem numa lenda, segundo a qual São Nicolau teria feito ressuscitar três crianças que haviam sido assassinadas por um carniceiro. Dezembro é um mês característico do frio inverno nos países da Europa, e por isso o representam numa paisagem desolada, com os caminhos cobertos de neve.
 
Quando se inicia um novo ano, a humanidade se enche de esperança de que venha um bom tempo. Que reine a Paz entre as Nações e entre as pessoas.
 
Em 1968, a música “Bom Tempo”, de Chico Buarque de Holanda, foi classificada em segundo lugar na I Bienal do Samba, realizada em São Paulo. A partir desse ano, passou a ser sempre indicado para receber o Golfinho de Ouro do MIS. O Conselho de Música Popular do museu resolveu declará-lo “Hors concours”. Eis a letra de “Bom Tempo”:
 
Bom Tempo – Chico Buarque – 1968
 
Um marinheiro me contou
Que a boa brisa lhe soprou
Que vem aí bom tempo
O pescador me confirmou
Que o passarinho lhe cantou
Que vem aí bom tempo
Dou duro toda semana
Senão pergunte à Joana
Que não me deixa mentir
Mas, finalmente é domingo
Naturalmente, me vingo
Eu vou me espalhar por aí
No compasso do samba
Eu disfarço o cansaço
Joana debaixo do braço
Carregadinha de amor
Vou que vou
Pela estrada que dá numa praia dourada
Que dá num tal de fazer nada
Como a natureza mandou
Vou
Satisfeito, a alegria batendo no peito
O radinho contando direito
A vitória do meu tricolor
Vou que vou
Lá no alto
O sol quente me leva num salto
Pro lado contrário do asfalto
Pro lado contrário da dor…
Um marinheiro me contou
Que a boa brisa lhe soprou
Que vem aí bom tempo
O pescador me confirmou
Que um passarinho lhe cantou
Que vem aí bom tempo
Ando cansado da lida
Preocupada, corrida, surrada, batida
Dos dias meus
Mas uma vez na vida
Eu vou viver a vida
Que eu pedi a Deus
“As canções de Chico Buarque fazem uma combinação rara entre a atemporalidade de sua beleza lírica, às vezes quase metafísica (quando o tempo em si é seu grande personagem), e a emergência de cada momento histórico”.
Violante Pimentel – Escritora
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Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 03 de janeiro de 2025

ANO NOVO EM NOVA-CRUZ (RN) - (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

ANO NOVO EM NOVA-CRUZ (RN)

Violante Pimentel

Entre as recordações da minha adolescência, que guardo de Nova Cruz (RN), sempre me vem à memória a passagem de ano de 1959/1960, quando a cidade entrou em polvorosa, diante de previsões radiofônicas de que o Novo Ano raiaria com uma enxurrada de macacos invadindo as ruas.

No final de 1959, surgiu um boato em todo o Brasil, de que um profeta havia preconizado que em 1960 os negros iriam virar macacos (sic). Os compositores imediatamente aproveitaram a dica e fizeram o frevo-canção “Operação Macaco” da autoria de Sebastião Lopes e Nelson Ferreira, interpretado por Nerize Paiva.

No interior nordestino, principalmente em Nova Cruz-RN, antiga Anta Esfolada, o boato se transformou em praga. As pessoas mais ingênuas tomaram isso ao pé da letra, e a notícia, de tão repetida, virou verdade, tal qual a atual fake news.

A festa da padroeira da cidade, Nossa Senhora da Conceição, pela primeira vez foi tensa, pois havia quem acreditasse nessa propagada profecia.

A barraca, armada em frente à Matriz estava repleta de pessoas que aguardavam a chegada do Ano Novo. Notavam-se nas fisionomias de todos, tensão e medo, diante da perspectiva do cumprimento da profecia divulgada pela cidade. Havia pessoas nervosas, que acreditavam nos boatos negativos. Mesmo assim, a cidade estava repleta de nova-cruzenses, tanto da zona rural como da zona urbana. Essas pessoas invadiam a cidade, na véspera de Ano Novo, em busca de diversão, como passeios no Parque São Luiz, compras de iguarias regionais, incluindo cestinhas com alfenins e doces secos. Tudo isso era vendido em barraquinhas armadas ao longo da Rua Grande, principal rua da cidade.

Havia também o serviço de alto-falante, onde os casais apaixonados pagavam para oferecer músicas significativas, verdadeiras declarações de amor aos parceiros.

As senhoras católicas da cidade prestavam sua colaboração à Igreja, preparando iguarias, como perus assados, pasteis e outros salgados, e as garçonetes e garçons eram pessoas conhecidas, que também prestavam sua ajuda gratuita à paróquia.

Quando se aproximava a hora da passagem do ano, a banda de música da cidade, comandada pelo exímio maestro Tenente Freitas, de saudosa memória, executava emocionantes dobrados, e na passagem do ano tocava o Hino Nacional. Nessa hora, ouvia-se o pipocar de foguetões, o sino da Igreja repicava por alguns minutos, e as emoções explodiam entre pessoas amigas e até inimigas eventuais. Em seguida, o Padre Pedro Moura dava a Benção do Santíssimo da janela da Igreja, o que completava o clima de emoção. Era uma verdadeira apoteose!!!

Na passagem do ano de 1959 para 1960, notavam-se crianças em pânico, agarradas às saias de suas mães, apavoradas com a profecia de que negro iria virar macaco, na passagem de ano.

Dona Lia, minha saudosa mãe, atendia na barraca da Igreja, juntamente com outras senhoras da sociedade, despachando fatias de peru assado e salgadinhos variados, solicitados pelos ocupantes das mesas. De repente, ela percebeu que o filho caçula, Bernardo, de quatro anos, não se desgrudava de sua saia, e chegava a tremer de medo, observando a fisionomia de cada pessoa morena ou negra da cidade. Apavorado, o menino temia que na passagem do ano, a barraca fosse invadida por gorilas, como nos filmes de Tarzan. Esperava que os negros da cidade se transformassem em macacos. Foi uma expectativa de terror. Não só as crianças, como também alguns adultos supersticiosos, temiam a anunciada previsão, amplamente divulgada pelas emissoras de rádio.

Os passeios em redor da barraca principal eram contínuos, por pessoas mais simples, que não podiam gastar dinheiro na barraca da Igreja. Havia leilão de prendas ofertadas pelas pessoas da cidade, que variavam de coisas simples, como frango assado, até animais vivos, bovinos e caprinos, ofertados por fazendeiros ricos da região, e que davam muito lucro à Paróquia.

A bem da verdade, as pessoas, principalmente as crianças, só se tranquilizaram no final da festa, já ao amanhecer o dia, quando constataram que nenhum negro tinha virado macaco. Nem tampouco tinha havido invasão de gorilas na festa da Padroeira de Nova Cruz, Nossa Senhora da Conceição.

A crendice popular tem o condão de impressionar as pessoas, e essa passagem de ano marcou época em Nova Cruz.

fake new deu origem a um grande sucesso carnavalesco, a música Operação Macaco, da autoria de Sebastião Lopes e Nelson Ferreira, interpretada pela cantora pernambucana Nerize Paiva. 

Isso aconteceu antes da época do politicamente correto. Hoje seria humanamente impossível, tamanha gozação.

Se fosse hoje, a “profecia” seria fake new, e os autores da música Operação Macaco teriam sido punidos.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho quinta, 02 de janeiro de 2025

ORANGO (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)
ORANGO
Violante Pimentel 


Alice era empregada doméstica da casa do Sr. José Gadelha e esposa dona Lúcia. O casal nos vendeu a casa e logo nos mudamos para lá. Três dias depois, ouvi palmas no portão de manhã cedo, e dei de cara com uma moça se oferecendo para serviços domésticos. Ela se identificou, dizendo que, há um ano, era empregada do casal que nos vendeu a casa e que não estava gostando da nova morada. Queria voltar a trabalhar ali naquela casa, pois já estava acostumada com a localização. Coincidiu que eu estava precisando de alguém para trabalhar, e, por ter simpatizado com a moça, dei-lhe um crédito de confiança, admitindo-a sem qualquer informação. Décadas atrás, isso era normal. Ela demonstrou ser cozinheira de mão cheia e logo se adaptou à nossa rotina.

Nos primeiros dias, notei que era muito nervosa e gostava de falar sozinha, olhando para um pequeno retrato. Antes que eu perguntasse de quem era a foto, ela me contou que havia tido um filho, sem ser casada, e que para poder trabalhar, deixava a criança na casa de uma irmã, no Morro de Mãe Luíza. Um certo dia, ao voltar do trabalho, procurou o filho, já com nove meses, e a irmã respondeu que tinha dado a criança a um casal rico, ele, um “doutor engenheiro”, que tinha viajado para fora de Natal. 

Antigamente, um caso desse ficava por isso mesmo, principalmente quando a vítima era pobre. Era o retrato da miséria humana. Desde esse dia, Alice passou a “sofrer dos nervos” e, sem saber o que fazer, teve que aceitar o ato criminoso da irmã, que deu o seu filho traiçoeiramente, coisa que ela, a mãe, jamais faria. No desespero de Alice, o único consolo que lhe restava era saber que seu filho iria ter conforto e estudo, o que jamais ela lhe poderia dar.

A tristeza que se apoderava dessa moça, de vez em quando, evoluiu para um quadro depressivo crônico. Tinha mania de doença. Ia ao INPS se consultar quase todos os dias. Uma hora, era uma dor no braço (bursite), outra hora na coluna; outra hora era gastrite, mas do que mais se queixava era de uma “agonia na cumeeira da cabeça”.

Entre os médicos com quem Alice se consultava, estava o Dr. Hélio Barbosa, que era Psiquiatra. Ele lhe receitava antidistônicos, para que essa “agonia na cumeeira da cabeça melhorasse”. Alice era totalmente hipocondríaca.

Pensando em dispor de mais tempo para suas idas ao INPS, passou a me pressionar, para que eu contratasse outra empregada para lhe ajudar. Depois de muita insistência, terminei admitindo uma colega sua. Só deu certo uma semana. Ela queria ser chamada de Dona Alice e que a moça a tratasse de “senhora”. As duas pegaram uma briga e se engalfinharam pelo chão, aos gritos, atraindo a atenção dos vizinhos. Quando cheguei do trabalho, a novata estava de malas prontas para ir embora. Achei ótimo, pois na nossa casa uma empregada era suficiente. Quinze dias depois, Alice me propôs novamente admitir outra empregada. Ameacei de despedi-la. Na mesma semana, por brincadeira, disse-lhe que tinha encomendado um orangotango adestrado, que fazia trabalhos domésticos, para lhe ajudar. Ela se entusiasmou e perguntou logo:

– Posso chamar esse macaco de Orango? Será que ele atende telefone? Só tomara que ele não seja arengueiro!!!

No dia seguinte, a rua toda ficou sabendo que iria chegar na nossa casa um orangotango para trabalhar com Alice. E os vizinhos me perguntaram se era verdade. A calçada se encheu de meninos da rua para perguntar quando o macaco iria chegar.

Eros, meu marido, brincando com Alice, disse-lhe que se preparasse para dar banho no orangotango uma vez por semana. Aí ela endoideceu!!! E assustada, disse:

– Seu Eros, macaco é um bicho enxerido! Meu irmão disse que um macaco do Amazonas “adeflorou” uma moça!!! Para dar banho nele, eu não tenho coragem!!!

Alice levou tão a sério a “compra” do orangotango, que eu fiquei assustada e resolvi dizer que tinha desistido do negócio. Ela já estava tão empolgada com a perspectiva de trabalhar com “Orango, que implorou para que eu o deixasse vir. Disse que não iria arengar com ele e já estava lhe querendo bem. E fez um último apelo:

– Dona Violante, pelo menos, vamos “expromentar”!!!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 27 de dezembro de 2024

O CABO DA CAÇAROLA (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VILANTE PIMENTEL)

O CABO DA CAÇAROLA

A história da humanidade se repete, como se o mundo fosse um carrossel que não para de girar, e os cavalinhos fossem sempre os mesmos. Apenas as cores são trocadas cada gestão pública.

 

 

Pois bem. Durante o reinado de Henrique IV, da França, quando o Ministro da Fazenda era Sully, certo dia o Rei percebeu que o mesmo estava com o semblante preocupado e perguntou-lhe a causa.

– Senhor – respondeu Sully: As necessidades do Estado são prementes e vamos ser obrigados a criar novos impostos. É isto o que me preocupa.

– Oh! Novos impostos! – Exclamou o Rei, perdendo, de repente, todo o ar de brincadeira. Não me fale nisto! Meu povo já está muito sobrecarregado de impostos, para que lhe imponhamos outros! É impossível!

– Senhor, continuou Sully – acho-me diante de sérios compromissos: as despesas aumentam dia a dia, e as rendas diminuem, não dando para cobri-las. Preciso fazer grandes pagamentos e me encontro sem recursos. Já sabeis, Majestade, que aquele que segura o cabo da caçarola é o que em pior situação se encontra.

– Quem lhe disse isto? – Perguntou o Rei.

– A sabedoria popular, Majestade. É voz corrente. E a voz do povo é a voz de Deus!

E o Rei contestou, rindo:

– Pois você está redondamente enganado! Não é quem segura o cabo da caçarola quem corre perigo. Quem se encontra em situação de perigo é quem está sendo cozinhado na caçarola. No caso, quem está correndo perigo sou eu, o Rei.

O Ministro Sully se acalmou.

Quem somente segura o cabo da caçarola, assiste de camarote à derrocada do Rei.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho quinta, 26 de dezembro de 2024

A NOITE DE NATAL (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

A NOITE DE NATAL

Violante Pimentel

 

O NATAL é a grande festa da cristandade. Há uma Luz nessa festa, e não são luzes artificiais.

A Noite de Natal é sagrada. Noite de encanto, mistério e ternura, para crianças e adultos, principalmente aqueles que tem boas condições financeiras. Para os pobres, é mais uma noite, onde as diferenças sociais são gritantes e eles sabem que a solidariedade, típica da época natalina, é passageira.

É também uma noite de saudade dos nossos entes queridos, que já não se encontram entre nós.

O meu Pai, Francisco Bezerra Souto, se encantou na véspera de Natal (24.12.1984). A partir de então, apesar dos anos decorridos, essa data, para mim, permanece marcada e eu sofro de “uma alegria triste. Por isso, a celebração natalina me traz melancolia. Tento disfarçar a minha dor, mas a saudade e as lembranças são mais fortes.

Entretanto, na noite de Natal, o brilho das estrelas é mais intenso. Entre elas, há o brilho dos olhos dos entes queridos que nos deixaram e que, lá do Céu onde se encontram, estão a nos iluminar.

A representação mais verdadeira dessa noite é o Presépio, que revive o cenário em que Jesus nasceu. O primeiro presépio que existiu foi montado por São Francisco de Assis, no século XIII. Ele quis mostrar ao povo como aconteceu o nascimento do Menino Jesus. Depois, o presépio tornou-se uma tradição e passou a ser montado nas casas, nas igrejas e em diversos locais, durante o ciclo natalino.

No presépio, figuram a Sagrada Família, composta por Jesus, Maria e José; os três Reis Magos (Belchior, Gaspar e Baltasar), o Anjo que anunciou a Maria que ela iria ser a Mãe de Jesus, e a Estrela-guia, que iluminou o caminho para que os Reis Magos encontrassem a manjedoura.

No sentido religioso, os anjos usados na decoração do Natal remetem a São Gabriel, o anjo que teria anunciado à Maria que ela seria a mãe de Jesus.

Os três Reis Magos foram à procura do Menino Jesus, para adorá-lo e levar-lhe de presente, incenso, ouro e mirra.

Jesus nasceu em Belém, a menor cidade da Judéia, na simplicidade, humildade e pobreza.

A festa do Natal tem como figura principal o Menino Jesus, que nasceu numa manjedoura, dentro de uma gruta despojada e pobre.

Naquele momento, a gruta abrigou toda a riqueza do Céu e da terra. O Menino estava envolto em panos e deitado na manjedoura, sob o aconchego de Maria e José, seus pais, porque não havia lugar para eles na casa dos homens.

José era um homem justo e santo, carpinteiro, que acolheu o mistério da encarnação do Filho de Deus no ventre de sua esposa. Maria, a jovem mãe judia, deu à luz o Filho gerado em seu ventre, pela ação do Espírito Santo.

Nas lautas ceias de Natal, em casas de pessoas ricas e poderosas, muitas vezes, a figura do Menino Jesus é esquecida. Nessas ocasiões, o espírito cristão, simplesmente, não existe. Comemora-se o Natal como se fosse uma festa profana, e a preocupação são a comida, a bebida, os presentes trocados e a decoração.

O Menino Jesus, Maria e José são lembrados, superficialmente, salvo em ambientes religiosos.

Para os Cristãos, os presentes de Natal remetem à lembrança dos presentes que os Reis Magos levaram para o Menino Jesus: O ouro, o incenso e a mirra.

Os anjos e estrelas, usados nas decorações natalinas, remetem ao Anjo Gabriel, que anunciou à Virgem Maria, que ela daria à luz o Filho de Deus, e à Estrela-guia, que iluminou o caminho de Belchior, Gaspar e Baltasar até à manjedoura.

Pois bem. Numa noite de Natal, dois mendigos caminhavam pela escuridão. De repente, tropeçaram num cachorro vira-lata, que parecia estar faminto e abandonado. Sentiram dó do animal e viram que ele era tão pobre quanto eles. Os pobres são bons para os pobres e ajudam-se uns aos outros, dividindo entre si o pouco que conseguem para comer.

Os dois mendigos, solidários ao vira-lata, levaram-no com eles, e lhe deram para comer um pouco do pão que haviam recebido de esmola. O cachorro, depois de comer, ficou mais forte e saiu caminhando à frente deles, latindo e olhando para trás, como se os estivesse guiando, através da escuridão, até uma cabana abandonada. Na cabana, havia dois bancos e uma lareira apagada, visíveis através do clarão da lua. Os dois mendigos sentaram- se em frente à lareira.

De repente, o cachorro desapareceu. Como por milagre, as duas brasas se acenderam e tornaram-se enormes. A claridade tomou conta da cabana, e os dois mendigos sentiram seus corpos aquecidos. Ficaram certos de que tinham sido agraciados com um milagre, pois, somente o Menino Jesus teria sido capaz de se lembrar deles, naquela hora de tanto frio e sofrimento. Acreditavam, piamente, que o Menino Jesus os estava protegendo daquele frio, enviando duas brasas para acender a velha lareira. Adormeceram profundamente. As brasas brilharam até o amanhecer do dia.

Os dois mendigos acordaram, como se estivessem despertando de um lindo sonho. Tinham recebido, de presente de Natal, um verdadeiro tesouro. Mesmo por uma única noite, dormiram sob o teto de uma cabana abandonada, aquecidos por uma misteriosa lareira. Olharam em sua volta e viram o cachorro dormindo. Pobre igual a eles, o vira-lata lhes retribuiu o pão que eles lhe haviam dado, levando-os até aquela cabana encantada.

Pelo menos, naquela noite de Natal, eles dormiram sob um teto, abrigados contra o frio e o vento.

Está provado que o grande tesouro dos pobres é o sonho.

Nesta Noite de Natal, elevemos uma prece a Deus:

“Senhor, dai pão a quem tem fome e fome de justiça a quem tem pão!”

A escuridão dos nossos dias decorre da fome, da impunidade e da corrupção.

Que a Noite de Natal ilumine os corações do povo brasileiro!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 20 de dezembro de 2024

A SABEDORIA DOS ANIMAIS (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

A SABEDORIA DOS ANIMAIS

Violante Pimentel

 

Quem diz que os animais não pensam, na minha opinião, está redondamente enganado. Eles tem faro, e por isso, tanto pensam quanto raciocinam.

Segundo os estudiosos do assunto, os gatos tem um olfato muito potente, que é até 20 vezes mais potente do que o do ser humano.

O faro do gato é importante para sua comunicação com outros felinos e com o mundo.

Graças ao seu privilegiado sentido auditivo, os felinos são capazes de perceber vários estímulos sonoros que passam despercebidos ao ouvido humano.

Há sons distantes que somente os gatos ouvem.

Sons a longas distâncias, frequências ultrassônicas e ruídos de presas são alguns dos sons que apenas os gatos conseguem ouvir.

Os humanos pensam, mas nem sempre raciocinam. Há pessoas que tem o raciocínio curto.

Há animais muito mais inteligentes do que certos humanos. Assim são os cachorros e gastos.

Sou testemunha de que Koruga, o gato preto angorá, da minha tia Carmen, tanto pensava, como raciocinava. Conhecia que ela estava se aproximando de casa, pela zoada do motor do carro.

Por volta das cinco horas da tarde, o gato ficava pulando junto à janela, querendo subir para vê-la chegar do trabalho, no seu primeiro fusquinha.

Abriam-lhe a janela da casa da Praça Padre João Maria, para que subisse no patamar, onde ficava todo faceiro, com o olhar fixo na esquina da Igreja Matriz, por onde o carro viria. Parecia estar querendo dar-lhe as “boas vindas”, depois do trabalho. Era uma cena linda.

Certo dia, minha tia cismou que o gato estava sendo maltratado por uma serviçal da casa, pois quando ele dormia numa cadeira de balanço, na sala de jantar e a moça se aproximou, bruscamente ele despertou e saiu correndo em disparada, como se estivesse apavorado. Seu instinto animal o avisou de que estava em perigo, e ele se defendeu.

Minha tia botou na cabeça quer iria descobrir o porquê desse pavor. Não deu outra. Poucos dias depois, ela flagrou a moça enxotando Koruga da cozinha, às vassouradas.

Deu-lhe um show de “carões” e deu-lhe as contas, dizendo o porquê: Não admitia que ninguém maltratasse seu gato, nem o enxotasse da cozinha debaixo de vassouradas. Não houve pedido de desculpas que a comovesse. A moça pediu-lhe mil desculpas e prometeu que não faria mais isso.

Não houve jeito dela voltar a confiar na moça. Sabia que a maldade humana não tem jeito. Tinha certeza de que, mais cedo ou mais tarde, o gato voltaria a ser maltratado pela serviçal.

Koruga tinha bom gosto. Era louco por sardinhas enlatadas, e minha tia o acostumou a esse alimento, que estava presente em qualquer refeição que ele fizesse.

Era um bichano fino e muito bem tratado.

Uma vez por outra, o veterinário o consultava em casa, receitando-lhe o que havia de melhor, para mantê-lo saudável, com saúde perfeita. E Koruga viveu muitos anos.

Encontrei, pesquisando no site “Perito Animal”: “O gato Angorá é uma raça de “personalidade” forte e, por isso, precisa de donos dispostos a lidar com as suas manias. É uma raça de gato bem sociável, que gosta de estar em contato com humanos o tempo todo. Mas, apesar de gostar de carinho, também é arisco e se cansa com muito agrado, se afastando de repente.”

Ao se pegar um Angorá no colo, ele, provavelmente, vai pedir para descer. O angorá gosta de atenção e de tomar conta do espaço doméstico. Esperto e ágil, o Angorá também “adora” uma brincadeira, principalmente as que envolvem escalar móveis e objetos altos pela casa. Por isso, telar janelas da casa ou apartamento é uma boa saída para evitar que esse gato agitado fuja.

Ninguém consegue desafiar a inteligência de um gato Angorá. Eles são muito espertos e capazes de aprender muitas coisas com os humanos. Isso pode ser percebido através de sua extrema curiosidade, sempre explorando os ambientes. Além disso, se adaptam facilmente a qualquer local, apesar de não serem fãs de mudanças.

Eles se dão muito bem com crianças e idosos.

Minha saudosa tia Carmen tinha grande afeição por esse tipo de gato.

Aprendi com ela, a também gostar.

Os humanos pensam, mas nem sempre raciocinam. Há pessoas que pensam, mas tem o raciocínio curto.

Há animais inteligentes, como os cachorros e os gatos.

Sou testemunha de que Koruga, o gato preto, angorá, da minha tia Carmen, conhecia que ela estava se aproximando de casa, pela zoada do motor do carro. Por volta das cinco horas da tarde, o gato ficava pulando junto à janela, querendo subir para vê-la chegar do trabalho, no seu primeiro fusquinha. Abriam a janela para o gato subir, e ele ficava todo faceiro, com o olhar fixo na esquina da Igreja Matriz, por onde o carro viria. Parecia estar querendo dar-lhe as “boas vindas”, depois do trabalho. Era uma cena linda.

Certo dia, minha tia cismou que o gato estava sendo maltratado por uma serviçal da casa, pois quando ele dormia numa cadeira de balanço, na sala de jantar e a moça se aproximou, bruscamente ele despertou e saiu correndo em disparada, como se estivesse apavorado. Seu instinto animal o avisou que estava em perigo e ele se defendeu.

Minha tia botou na cabeça quer iria descobrir o porquê desse pavor. Não deu outra. Poucos dias depois, ela flagrou a moça enxotando Koruga da cozinha, às vassouradas.

Deu-lhe um show de “carões” e deu-lhe as contas, dizendo o porquê: Não admitia que ninguém maltratasse seu gato, nem o enxotasse da cozinha debaixo de vassouradas. Não houve pedido de desculpas que a comovesse. A moça pediu-lhe mil desculpas e prometeu que não faria mais isso.

Não houve jeito dela voltar a confiar na moça. Sabia que a maldade humana não tem jeito. Tinha certeza de que, mais cedo ou mais tarde, o gato voltaria a ser maltratado pela serviçal.

Koruga tinha bom gosto. Era louco por sardinhas enlatadas, e minha tia o acostumou a esse alimento, que estava presente em qualquer refeição que ele fizesse.

Era um bichano fino e muito bem tratado.

Uma vez por outra, o veterinário o consultava em casa, receitando-lhe o que havia de melhor, para mantê-lo saudável, com saúde perfeita.

E Koruga viveu muitos anos.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 13 de dezembro de 2024

O PEDIDO DE CASAMENTO (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

O PEDIDO DE CASAMENTO

Violante Pimentel

Nossa vida é um livro repleto de histórias, nossas ou que vivenciamos ao longo dos anos. Às vezes, dependendo do destino de cada um de nós, o livro da vida pode ter vários volumes, e daí os super inteligentes extraem deles suas histórias, filmes, peças de teatro, composições musicais e poesias

A inspiração é um dom divino, que ilumina a pessoa a só fazer o bem. Às vezes o espírito do mal é mais forte, e é ele que prevalece.

Parafraseando o compositor Gonzaguinha, de saudosa memória, “eu fico com a pureza das respostas das crianças…É a vida, e é bonita e é bonita…”

De repente, me vem à mente histórias antigas.

Contava minha querida e saudosa mãe, Dona Lia, que, quando era jovem, começou a namorar com Francisco, parente da sua madrasta, e o namoro resultou num pedido de casamento dele, cuja aceitação foi por ela condicionada à inclusão de uma privada com aparelho sanitário de louça, igual aos da capital.

A preocupação da noiva era que o seu pedido não fosse atendido.

Apesar de muito apaixonada, ela não suportaria se mudar da capital para o interior, indo morar numa cidade atrasada, sem energia elétrica, água encanada e sem, ao menos, poder desfrutar de um banheiro digno.

Em Nova-Cruz (RN), não havia o mínimo conforto material. A cidade não tinha energia elétrica nem água encanada. Água doce, somente para beber e cozinhar. O banho era com água salobra (salgada), levada do Rio Piquiri , aos sábados pela manhã, de trem. Era o chamado “trem da água”.

Nesse dia, as casas se abasteciam de água doce, mediante pagamento aos carregadores, que usavam seus galões, feitos com latas vazias de querosene “jacaré”.

Nos domingos, minha mãe controlava a lavagem de cabeça da meninada, com água doce do Piquiri e raspa de Juá, para evitar caspa.

Na cidade, ainda não existia aparelho sanitário de louça, e sim um quadrado feito com cimento e tijolo, chamado sentina ou latrina, onde o usuário tinha de se acocorar para fazer suas necessidades fisiológicas.

Embaixo, ficava a fossa.

A outra opção eram os penicos.

Por mais amor que existisse entre um casal, era preciso um esforço sobre-humano, para se trocar o conforto da capital, pelo desconforto de uma cidade do interior, sem energia elétrica, água encanada, assistência médica, e com banheiros precários.

Mas os grandes amores existem. Foi o caso do meu pai e minha mãe.

A exigência da noiva foi atendida, e seu sonho foi realizado. A casa ficou perfeita.

Era estilo “bangalô”, e tinha privada de capital, com sanitário de louça.

Ali, os noivos iniciaram a vida de casados, constituindo família, com uma prole de seis filhos, sendo três homens e três mulheres.

A nossa casinha era um lindo “bangalô”, o primeiro de Nova-Cruz.

Ali nasceram os seis filhos de Francisco e Lia, numa união que durou mais de cinquenta anos.

Essas reminiscências, ouvi diversas vezes minha mãe contar, sob protestos e risos do meu pai, que dizia que essa exigência dela tinha sido desnecessária, pois a casinha tinha sido projetada com “banheiro de capital”.

– Deixe de conversa, Lia! Nunca houve isso. Você era louca por mim, e dizia sempre que queria casar comigo, mesmo que fosse para morar debaixo de um pé de pitomba.

Resposta da minha mãe:

– Isto mesmo não!!!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 06 de dezembro de 2024

O ENXOVAL (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

O ENXOVAL

Violante Pimentel

 

Antigamente, era comum pessoas de Nova – Cruz (RN) irem, de trem, às compras em Guarabira (PB), onde o comércio primava pela excelente qualidade de produtos de cama, mesa e banho, com preços módicos. Era o comércio ideal para se comprar enxoval de noivas, coisa fora de moda nos dias de hoje, quando se encontra tudo do bom e do melhor em grandes lojas e armazéns da capital e até em cidades do interior, com a facilidade dos cartões de crédito.

No final da década de 60, quando chegou minha vez de comprar o meu enxoval de noiva, fomos eu e minha mãe a Guarabira (PB), no trem das dez horas, que vinha de Natal, para passarmos o dia fazendo compras, e regressarmos à noite, no trem de Recife.

Quando o trem chegou a Guarabira, minha mãe, de braço comigo, certa de que conhecia bem a cidade, pisou firme no chão à procura da rua do comércio, onde ficavam as lojas principais. Andamos a pé mais de uma hora, e nada de chegarmos ao comércio de Guarabira. Mamãe desconfiou de que estávamos perdidas, sem acertar andar naquela progressiva cidade, onde ela já tinha ido anos atrás, comigo mesma e a amiga Alzira Carneiro. Quando se convenceu de que tínhamos nos perdido, minha mãe pediu informações a um transeunte, que respondeu:

– Senhora, aqui é a zona do “baixo meretrício”. O comércio a que a senhora se refere é bem longe daqui, exatamente no lugar oposto a este. Vocês fizeram o caminho ao contrário. O comércio fica bem pra lá da Estação Ferroviária, voltando. E o ambiente aqui é “carregado.” É o comércio da prostituição.

Minha mãe, desapontada e com vergonha, agradeceu a informação e nós duas, apressadamente, iniciamos o caminho de volta. Demoramos quase uma hora para chegarmos à tão falada rua do comércio de Guarabira, onde se podia comprar enxovais de noivas por preços módicos.

Se arrependimento desse febre, naquela hora, estaríamos, minha mãe e eu, com mais de 40 graus.

Ao chegarmos ao bairro onde ficava o comércio, nossos ânimos serenaram aliviados, e imaginamos a cara aborrecida do meu pai, quando soubesse que a sua esposa e a filha de 17 anos foram “passear” na “zona” de Guarabira. Não paramos de rir.

Em Nova-Cruz (RN), a zona do baixo meretrício se chama “Rua do Sapo”, cujo acesso é um beco estreito, que fica na rua principal. Meu pai não permitia que passássemos nem pela calçada que dá acesso ao tal beco. I

Imaginei o semblante contrariado dele, quando soubesse que a esposa e a filha noiva, perdidas em Guarabira, foram bater na “zona do baixo meretrício”.

Minha mãe, muito católica, desabafou:

– Misericórdia, meu Deus! Que ideia infeliz a minha, de vir comprar o enxoval da minha filha aqui em Guarabira, podendo ter ido comprar em Natal!!!

A compra foi maravilhosa: Colchas de cama requintadas, guarnições completas de cama, mesa e banho, lençóis avulsos, além do tecido de cetim branco e brocado, para o meu vestido de noiva, que foi confeccionado por minha mãe. Juntando-se todas as compras, daria para se montar uma lojinha em Nova-Cruz… rsrs. Foi coisa demais.

Realmente, o comércio de Guarabira (PB), naquela época, era de dar gosto. O comércio de Nova – Cruz “não amarrava a chuteira”. Se bem que, hoje, as duas cidades se equivalem no que se refere ao progresso.

Nova – Cruz (RN) faz fronteira com a Paraíba, e há uma rua depois do Catolé (Bairro), onde a metade é RN e a outra é Paraíba. Dá gosto de ver.

Nessa viagem, para fazer compras em Guarabira, o estresse tirou nosso apetite. Não almoçamos e somente depois das compras, tomamos um sorvete.

Foi um alívio, ao chegarmos à Estação Ferroviária, para aguardar o trem de Recife para voltarmos a Nova -Cruz, onde só chegamos às nove horas da noite.

Seu Francisco, meu pai, estava a nos esperar na estação. Chegando em casa, minha mãe contou-lhe a nossa “odisseia” em Guarabira, onde nos vimos perdidas, sem saber andar na cidade. Minha mãe contou ao meu pai, que tínhamos nos perdido em Guarabira, indo parar na “zona do baixo meretrício”.

Meu pai, muito sisudo, disse: Muito bonito pra minha cara, Lia. Minha mulher e minha filha noiva, serem vistas na “zona” de Guarabira!!! E minha mãe, rindo, respondeu:

– Mas, Chico, foi sem querer… A gente se distraiu. Nem imaginava que aquilo fosse a zona. Não tinha nenhuma placa avisando! Eu não podia imaginar uma coisa dessa!

Só pode ter sido obra de Satanás!!!

Mas, graças a Deus, estamos aqui, sãs e salvas. Maior do que Deus, ninguém!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 29 de novembro de 2024

A SUPERSTIÇÃO (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

A SUPERSTIÇÃO

Violante Pimentel

 

A superstição sempre esteve presente na cabeça das pessoas, e chega a atrapalhar decisões que devem ser tomadas, como datas de viagem ou de mudanças de imóvel.

Sempre se ouviu falar que gato preto dá azar. Entretanto, minha querida tia Carmen era louca por gato preto, e na casa dela sempre havia um, cujo nome era Koruga.

Existem várias superstições, carregadas de crenças passadas por gerações.

O conceito de superstição está ligado à crença em algo sem fundamento lógico. Ou seja, é passada oralmente entre gerações, como se fosse parte da cultura popular.

Superstição também é chamada de crendice popular, e sempre influencia o comportamento das pessoas .

As superstições podem ter características pessoais, religiosas ou culturais.

Na religião, por exemplo, acredita-se que ao abrir a página da Bíblia ao acaso irá se receber uma resposta, ou mensagem que diz respeito a algum problema pessoal pelo qual alguém está passando.

As superstições acompanham a humanidade desde a antiguidade. Estiveram sempre presentes na história e associadas a rituais pagãos.

O termo superstição vem do latim “superstitio, sendo associado ao conhecimento popular. Desde a antiguidade, os povos associavam as crenças aos aspectos mágicos, determinando o que seria sorte ou não. Muitas superstições da antiguidade se perderam no tempo e deixaram de impressionar as pessoas.

Há pessoas que detestam gato preto, borboleta preta ou qualquer outro animal preto. A visão de um gato preto ou borboleta preta, para essas pessoas, significa aviso de futura contrariedade, premonição de algum acontecimento trágico, ou qualquer outra ocorrência maléfica, que afaste a alegria.

Na obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881), Machado de Assis fixa a superstição:

“Digo lá dentro, porque cá fora o que esvoaçou foi uma borboleta preta, que subtamente penetrou na varanda, e começou a bater as asas em derredor de D, Eusébia. D. Eusébia deu um grito, levantou-se, praguejou umas palavras soltas;- T’esconjuro! Sai, diabo… Virgem Nossa Senhora!…- Não tenha medo, disse eu, e, tirando o lenço, expeli a borboleta” (capítulo XXX) No capítulo XXXI, “”A borboleta preta”, há toda uma cena. Brás Cubas não pode suportar a companhia da borboleta negra. Afugenta-a de todos os modos. Acaba matando-a. Depois, arrepende-se, concluindo na velha técnica machadiana: “Também por que diabo não era ela azul?”

Se fosse azul, não anunciava tristeza. borboleta preta, pode ser a representação, figuração, encarnação de uma feiticeira, de um espírito mau, trazendo desgostos, espalhando misérias. A borboleta preta, comumente é chamada de bruxa.

Há pessoas tão supersticiosas, que se descontrolam diante de um animal preto, seja ele qual for, inclusive uma inofensiva borboleta.

Nos dias atuais, a superstição exagerada é algo muito difícil de se ver. Quando muito, admite-se preferências de cor nas vestimentas ou adornos. Nada que tenha a ver com pessoas ou animais.

As superstições estão presentes em várias culturas e países. Em alguns países, sobretudo, essas crenças foram criadas na Idade Média, acerca de bruxas e gatos pretos.

Nos Estados Unidos, por exemplo, tem-se receio do número 13. Aliás, algumas linhas áreas não tem assentos com esse número. E alguns prédios são construídos sem o 13º andar.

Na Itália, o número 13 também é visto como número de azar. Além disso, o número 17 também causa receio nos italianos, principalmente, se for sexta-feira.

Há artistas brasileiros tão supersticiosos, como Roberto Carlos, que só fazem show de azul, ou azul e branco.

Esse tipo de superstição é comum e não prejudica ninguém.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 22 de novembro de 2024

MY FAIR LADY (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

MY FAIR LADY

Violante Pimentel

Não sei porque, hoje, acordei com minhas lembranças agitadas, buscando coisas de um passado remoto, sonhos e fantasias, numa miscelânia com ridículas ocorrências atuais, que não me dizem respeito. Sonhos, bastam os meus. Sonhos perdidos e decepções, também.

Quando me casei, fui morar na casa da minha sogra, viúva, com quem meu marido morava. Tivemos uma convivência maravilhosa e ainda hoje sinto saudade daquele tempo, onde a maldade não existia. Depois de dois anos, nos mudamos para o nosso apartamento.

Minha saudosa sogra preservava a memória viva do falecido marido, livros e discos.

Nunca esqueci de um LP, do meu sogro, o musical “MY FAIR LADY,” que minha sogra gostava muito de ouvir. E por conta dela, me apaixonei pelo disco.

My Fair Lady conta a história de Eliza Doolittle, uma mendiga que vende flores pelas ruas escuras de Londres em busca de uns trocados. Em uma dessas rotineiras noites, Eliza conhece um culto professor de fonética, Henry Higgins, e sua incrível capacidade de descobrir muito sobre as pessoas, apenas através de seus sotaques. Quando o professor ouve o péssimo sotaque de Eliza, aposta com o amigo Hugh Pickering, que é capaz de transformar uma simples vendedora de flores, inculta, numa dama da alta sociedade, no espaço máximo de seis meses.

My Fair Lady (Brasil: Minha Bela Dama ou Minha Querida Dama/ Portugal: Minha Linda Lady ou Minha Linda Senhora) é um filme estadunidense de 1964, do gênero comédia musical, dirigido por George Cukor, baseado na peça teatral Pigmaleão, de George Bernard Shaw.)

No Brasil, a primeira encenação de My Fair Lady, intitulada Minha Querida Lady, foi realizada em 1962 pelo produtor Victor Berbara. Além de Bibi Ferreira e Paulo Autran nos papéis principais, a montagem contava ainda com a jovem atriz Marília Pêra, em início de carreira.

Esse LP, jamais esqueci. E o musical romântico tratava de uma bela história de amor.

Para o meu contentamento, encontrei no YouTube o Musical e o Filme My Fair Lady.

 

Maravilhosos!!!

MY FAIR LADY | Official Trailer | Paramount Movies

 

 

Bibi Ferreira – My Fair Lady (Eu Dançaria Assim)

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 15 de novembro de 2024

ERRO DE COR (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

ERRO DE COR

Violante Pimentel

Seu João Pedro, pequeno vendedor de caibros e linhas, em Nova-Cruz (RN), era um homem solitário, que residia no mesmo local onde trabalhava. Sem família, todas as manhãs, ia à bodega de Dona Lindalva, que ficava vizinha à sua casa, e lá tomava alguns goles de cachaça.

 

 

Certo dia, no “Mercadão das Tintas” de Nova-Cruz, uma das melhores lojas da cidade, Seu João Pedro comprou um galão de tinta “amarelo-ocre”, para pintar a frente da sua pequena casa, para esperar a chegada do natal e Ano Novo. Como de costume, ele mesmo faria a pintura.

No dia seguinte, eufórico, logo cedo começou a pintura.

Quando parou para apreciar o trabalho, percebeu que a tinta não correspondia àquela que ele havia escolhido, “amarelo-ocre”.

A entrega feita pela loja viera trocada. A tinta “vermelho -terra”, nunca fora do seu agrado e ele jamais compraria. Foi a que lhe mandaram, e ele abriu a lata, e foi logo usando, sem conferir.

Quando notou o erro, já tinha pintado a parede quase toda e não tinha mais como trocar a lata de tinta. Contrariado, ficou esbravejando, achando a cor da tinta horrorosa.

Sua vontade era voltar à loja e “quebrar a cara” do vendedor irresponsável, que lhe entregou a tinta errada. Mas, reconhecia que também tinha errado, quando não conferiu a compra recebida.

Muito triste, ele começou a desabafar com todas as pessoas que por sua casa passavam. Elas, sem qualquer sensibilidade, foram unânimes em concordar com ele, dizendo que, de fato, a tinta era muito feia. Bonita mesmo era a “amarelo-ocre”. Sua tristeza aumentava ainda mais.

Seu João Pedro, antes de começar a pintura da frente da casa, já tinha tomado a primeira chamada de cachaça do dia. E quando percebeu que a tinta comprada não era aquela, já tinha usado uma boa parte do galão. Ficou contrariado, até a medula óssea.

Quase caiu da escada.

Convencido do engano da loja, viu que já era tarde, para devolver a tinta, pois já estava pintando a frente da casa. A lata de tinta já estava quase pela metade. Desceu da escada e foi à bodega tomar outra bicada de cachaça. Voltou ao serviço, completamente embriagado.

Nessas alturas, vinha passando a professora Dona Lia Pimentel, minha saudosa mãe, que, ao vê-lo, o cumprimentou e parabenizou pela bonita cor da tinta escolhida para a pintura da casa. Disse-lhe que ele teve bom gosto!

Seu João Pedro não acreditou no que estava ouvindo. Dona Lia achando a cor da tinta bonita, enquanto ele estava contrariado e se maldizendo pelo equívoco da loja.

Teve que se conformar, pois já tinha pintado a parede quase toda e não tinha mais como trocar a lata de tinta. Contrariado, ficou esbravejando, achando a cor da parede horrorosa.

A tinta “amarelo-ocre” que ele escolhera, por equívoco do vendedor veio trocada, e em seu lugar veio uma “vermelho-terra”, que ele jamais compraria. Como já estava usando a tinta, o caso estava sem jeito.

Muito triste, Seu João Pedro começou a desabafar com todas as pessoas que por sua casa passavam. Elas foram unânimes em concordar com ele, dizendo que, de fato, a tinta era muito feia.

Seu João Pedro, antes de começar a pintura da frente da casa, já tinha tomado a primeira chamada de cachaça do dia.

Quando percebeu a troca da tinta, já tinha usado uma boa parte do galão. Ficou contrariado, até a medula óssea.

De repente, mudou o cenário. Pela frente da sua casa, vinha passando a professora Dona Lia Pimentel, que era incapaz de um comentário depreciativo, que contrariasse alguém. E a bondosa senhora cumprimentou o homem, delicadamente:

– Bom dia, Seu João Pedro! Como está ficando linda sua casa! Que cor bonita e diferente! Está formidável!

Contrariado, Seu João Pedro respondeu:

– Bom dia, Dona Lia! Veja que moleza a minha: Comprei uma tinta “amarelo-ocre”, linda, e me mandaram esta cor horrível! Estou com vontade de voltar na loja e quebrar a cara do vendedor. Mas se eu fizer isso, vai sobrar pra mim: vou ser preso e mofar na cadeia.

Muito inteligente, Dona Lia, vendo o estado de nervos do homem, procurou acalmá-lo:

– Seu João Pedro, a cor da tinta está linda! Um amarelo diferente! Está formidável! Pode acreditar! Da próxima vez que eu mandar pintar minha casa, vai ser da cor da sua!

Seu João Pedro ficou mais calmo e Dona Lia seguiu para o Colégio Nossa Senhora do Carmo, onde ensinava Inglês.

Mais calmo e conformado com a cor da tinta, Seu João Pedro foi completar a tarde com outros goles de cachaça na bodega de Dona Lindalva. Tomou mais três bicadas, uma atrás da outra.

Muito embriagado, o homem fez um verdadeiro discurso. Mesmo revoltado com a cor da tinta, teceu grandes elogios à Dona Lia:

– Dona Lia é uma santa! Não faz mal a ninguém. Achou linda a tinta que veio trocada. Disse até que vai mandar pintar a casa dela da mesma cor da minha! Disse que a cor da tinta é linda e a pintura está formidável.

E o homem continuou discursando:

“Dona Lia é uma mulher de fibra! Disse que a minha casa está formidável! Eu já me conformei e estou gostando da cor. Está mesmo formidável!!!.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 08 de novembro de 2024

COALHADA COM RAPADURA (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

COALHADA COM RAPADURA

Violante Pimentel

Coalhada e rapadura

 

Numa das campanhas eleitorais para Governador do Estado, um conhecido deputado estadual, candidato à reeleição, após um comício numa cidade do interior, foi dormir em sua fazenda, que ficava a poucos quilômetros de distância. De manhã cedo, acordou com alguém batendo palmas no portão da sua propriedade. Era a esposa de um antigo eleitor, à procura de socorro para o marido, que, desde a noite anterior, encontrava-se passando mal. Segundo ela, durante o jantar, ele havia exagerado na coalhada com rapadura, e pouco tempo depois, começou a passar mal. Deitou-se com o estômago muito cheio e logo que adormeceu, começou a passar mal. Ainda não tinha parado de vomitar. Quanto mais remédio caseiro tomava, mais aumentava sua indisposição. Já estava perdendo as forças, muito pálido e suando frio.

Como se encontrava em plena campanha política, o deputado viu-se na obrigação de transportar o doente para Natal, no seu luxuoso carro, à procura de socorro médico. Mandou, então, que o colocassem deitado no banco de trás, muito bem forrado, com a cabeça no colo da esposa, e sentou-se no banco da frente, ao lado do motorista.

A violenta indisposição gástrica, realmente, havia derrubado o seu fiel eleitor, que agora estava passando por maus momentos. Após uma noite inteira de fermentação, a barriga do homem, cheia de gazes, parecia um zabumba.

O gesto de solidariedade do deputado, para ele, iria comover as pessoas da redondeza, e, com certeza, seria uma forma de angariar mais votos para a sua reeleição. Por isso, fez questão de acompanhar o doente a um pronto-socorro da capital do Estado.

Nessa época, as estradas eram de barro e esburacadas. Com os constantes solavancos do carro, o mal-estar do doente aumentou, ainda mais, durante a viagem. O pobre coitado sofria com os balanços e com os “embrulhos” no estômago. Não parava de vomitar.

Muito encabulado, mesmo trincando os dentes, não podia evitar que os salpicos dos resíduos estomacais atingissem as costas do deputado. A coisa foi ficando feia, e o deputado olhou para trás, visivelmente irritado, ao sentir sua camisa molhada de vômito. Estava bastante chateado e arrependido de estar transportando o doente na sua “Hilux”. Num dado momento, o parlamentar olhou para trás e resmungou um palavrão. O velho eleitor percebeu a sua irritação, e então, num humilde pedido de desculpa, balbuciou:

– Calma, “cumpade”…o soro sai, mas a “quaiada” fica…

O pior é que o mau cheiro de fezes se misturava com o de vômito azedo.

O paciente foi levado ao melhor Pronto Socorro de Natal, onde foi medicado, permanecendo internado até o dia seguinte.

O deputado não podia mais disfarçar sua ira. Entretanto, sabia que sua “generosidade” faria com que conseguisse mais votos.

Essa viagem deixou o deputado tão contrariado, que, para esquecê-la, trocou de carro na mesma semana, e fez uma jura de nunca mais fazer sua “Hilux” de ambulância, para eleitor nenhum.

A infecção intestinal, ou no português rasteiro, a “caganeira” é fator nivelador da igualdade humana, e ninguém está livre dela. Seja rico ou seja pobre, não importando a classe social, o homem sempre estará sujeito a esse tipo de constrangimento.

Mas o deputado não se lembrou disso.

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 01 de novembro de 2024

OS ÓCULOS (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)
 

OS ÓCULOS

Violante Pimentel

 

Toninho era um homem de quarenta anos, boêmio, poeta, namorador e escritor. Vivia apaixonado…Separado da mulher, tinha desistido de se amarrar novamente. Gostava de paixões violentas e aventuras amorosas complicadas.

Mulher casada safada, se fosse bonita e gostosa, era com ele mesmo. Bonitão e insinuante, era também devorador de livros. Um intelectual.

Nas suas andanças pelas portas dos comes e bebes dos bares da vida, conheceu Rosalinda, quando ela e o marido saboreavam um opíparo almoço, em um dos melhores restaurantes da cidade.

A mulher, loura, nova e bonita, dona de um corpo escultural, cravou-lhe os olhos verdes, e Toninho se sentiu fortemente atraído por ela. Flertaram descaradamente, e o marido, almoçando de cabeça baixa, nem ao menos percebeu a troca de olhares entre os dois. Em certo momento, aproveitando a ida do marido da beldade ao banheiro, o conquistador Toninho arranjou um jeito de passar pela mesa do casal. Discretamente, entregou à mulher o seu cartão de apresentação, com telefone e endereço. Ela o guardou imediatamente.

No dia seguinte, Rosalinda lhe telefonou e os dois combinaram um encontro. Tornaram-se amantes fervorosos, passando a frequentar motéis, sempre durante o dia, no horário em que o marido se encontrava no seu consultório.

O tempo passou, e o romance se estendeu por meses.

Muito coquete, Rosalinda traía o marido, desde o início de sua vida de casada. Ele, muito ingênuo, vivia para o trabalho. O homem levava mais chifres do que pano de toureiro. Suspeitava da traição da mulher, mas não queria acreditar, pois a amava loucamente. Era o chamado corno “cuscuz” (abafado).

Os amigos já haviam tentado alertá-lo para os boatos maldosos que circulavam na cidade, sobre a suposta infidelidade da sua mulher, mas ele cortava o assunto, dizendo que isso tudo era inveja, por causa da beleza dela. Não se cansava de dizer que ela era uma santa.

O casal não tinha filhos, pois a mulher dizia que, por enquanto, não queria deformar seu belo corpo.

Num certo dia, o marido viajou para um congresso da área odontológica, em Fortaleza (CE). Avisou à esposa que somente estaria de volta no domingo pela manhã.

Feliz da vida, Rosalinda deu o sinal verde para que, no sábado, o namorado viesse encontrá-la em seu próprio apartamento. A farra foi grande. Foi um início de tarde maravilhoso, e tinha tudo para ser inesquecível. Os dois amantes não se cansavam de trocar carinhos, e o encontro prometia superar os anteriores. O sabor do fruto proibido contribuiu para isso. Afinal, eles usavam a própria cama onde Rosalinda e o esposo dormiam.

Mas a vida apronta grandes surpresas…

O marido de Rosalinda, sem “aviso prévio”, e pensando em agradá-la, antecipou sua volta para o sábado.

Quando menos esperavam, os amantes, quase exaustos da maratona amorosa, foram surpreendidos pelo barulho do carro do dono da casa entrando na garagem.

Apavorados, pularam da cama. Toninho vestiu a cueca, agarrou a calça e a camisa nos braços, e pulou a janela do quarto, correndo para o apartamento do vizinho, seu velho e conhecido amigo. Como era sábado, a rua estava deserta. Por sorte, o amigo ouviu sua voz e mandou que entrasse. Dentro do apartamento do vizinho, Toninho terminou de se vestir e, bastante nervoso, já se preparava para ir embora, quando pôs no rosto os óculos que trazia nas mãos. Notou, então, que aqueles óculos não eram os seus. Estava sem enxergar absolutamente nada, pois usava um grau muito mais forte´, chamado “fundo de garrafa”.

A ficha, então, caiu!!! Ele trocara seus óculos pelos óculos do marido da amante!!!

Apelou, então, para o amigo, e insistiu para que ele fosse ao apartamento do dentista traído, efetuar a troca. Velho conhecedor das peripécias amorosas do poeta, mesmo vendo a sua aflição, o amigo recusou-se a atendê-lo. Naquela hora, isso seria coisa de louco! Seria humanamente impossível!!!

Rindo muito, disse para o poeta que ele criasse juízo. Não aprovava suas loucuras, nem iria arriscar sua vida, se envolvendo num caso sórdido e leviano.
De repente, o dentista traído bateu na janela do vizinho, trazendo nas mãos os óculos do poeta e pedindo pelo amor de Deus que ele devolvesse os seus. Tinha percebido que o traidor, seminu, entrara no apartamento do vizinho, carregado de pertences, e com certeza havia, por equívoco, deixado os seus óculos “fundo de garrafa” e levado os dele.”


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 25 de outubro de 2024

A FORÇA DOS HÁBITOS (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

A FORÇA DOS HÁBITOS

Violante Pimentel

 

Os hábitos mudam e o modismo se renova constantemente.

Antigamente, quando se queria dizer que algum acontecimento social tinha sido muito bom, bastava segurar na ponta da orelha e dizer “foi daqui, ó!, da pontinha da orelha”, e estava proclamada a excelência do objeto indicado.

Com o simples gesto de segurar a pontinha da orelha, dava-se opinião sobre vinho, mulher, cavalo, culinária, versos, quadros, finalmente, tudo o que envolvesse a sensibilidade humana. Sem discussão ou polêmica. Segundo os estudiosos, em Portugal, o gesto de se pegar no lóbulo da orelha, em sinal de aprovação a alguma coisa, continua sendo usado, e faz parte da mímica tradicional de comunicação.

A sociedade sempre esteve em ebulição, com renovação de hábitos e lançamento de modas.

Muitas pessoas são escravas do modismo, enquanto outras são indiferentes ao mundo da moda e da futilidade.

A começar pelos cabelos multicoloridos, com vários comprimentos e estilos, adotados, preferencialmente, pelos jovens, o modismo está sempre presente. Uma hora são encaracolados, outra hora são trançados, outra hora com diferentes texturas, e por aí, vai o mundo girando, como uma roda viva do cotidiano.

Há alguns anos, caiu no gosto do povo brasileiro, principalmente dos nordestinos, a alimentação complementada com vários tipos de sementes, como chia, quinoa, linhaça, gergelim, semente de girassol, semente de jerimum, semente de maracujá e outras.

O modismo trouxe outras novidades e já não se fala tanto dos benefícios dessas sementes à saúde. Até o alpiste, alimento de passarinho, já foi introduzido na mesa do nordestino, misturado com água, como remédio milagroso para gota. O tempo passou e não se fala mais nisso, nem se conhece os “milagres” do alpiste. Continua sendo ótima alimentação para passarinhos.

Os costumes também sofreram mutação no tempo, no que se refere às crendices populares. Já não se fala em olho grande ou mau olhado, uma cisma centenária e verdadeira.

Não se diz mais que uma planta morreu por causa de olho grande, nem que um bebê adoeceu por causa de mau olhado. Mesmo assim, a maldade do ser humano continua existindo. Mas, ainda há valores que nos induzem a acreditar que tudo vai melhorar.

Por enquanto, para as rezadeiras ou benzedeiras, como Dona Gina, não falta trabalho.

Pessoalmente, acredito que o olho grande e a inveja continuam existindo.

Mesmo assim, o dicionário Houaiss define “superstição” e “crendice”, como “a crença ou noção sem base na razão ou no conhecimento, que leva a criar falsas obrigações, a temer coisas inócuas, a depositar confiança em coisas absurdas, sem nenhuma relação racional entre os fatos e as supostas causas a eles associados”. Ou seja, é acreditar em fatos ou relações sobrenaturais, fantásticas ou extraordinárias e que também não encontram apoio nas religiões ou no pensamento religioso.

As crendices e superstições são vestígios de um passado em que o ser humano tinha uma visão mágica do mundo, acreditando que diversos fatores sobrenaturais podiam interferir diretamente no seu dia-a-dia. Esse modo de pensar foi se transmitindo de geração a geração, em especial entre as camadas populares, que foram mantidas à margem da evolução do conhecimento científico.

Segundo o folclorista potiguar Luís da Câmara Cascudo, “as superstições participam da própria essência intelectual humana e não há momento na história do mundo sem a sua inevitável presença. A elevação dos padrões de vida, o domínio da máquina, a cidade industrial ou tumultuosa em sua grandeza assombrosa, são outros tantos viveiros de superstições velhas, renovadas e readaptadas às necessidades modernas e técnicas”.

Portanto, não é preciso ser pobre nem ignorante para ser supersticioso. Como diz o ditado, “não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem”. Então, por via das dúvidas, mesmo as pessoas mais instruídas podem apresentar certos comportamentos supersticiosos.

O cientista dinamarquês Niels Bohr (1885-1962), que ganhou o Prêmio Nobel de física, por superstição, mantinha uma ferradura pregada acima da porta de sua casa.

Por sua origem popular, as crendices e superstições também integram o Folclore de um povo.

São muitas as superstições e crendices do Folclore Brasileiro. Entre elas, acredita-se que dá azar passar debaixo de uma escada, quebrar um espelho ou cruzar com um gato preto na rua. Muita gente também teme as sextas-feiras que caem no dia 13, especialmente quando se trata do mês de agosto – que é “mês de desgosto” ou “mês de cachorro louco”.

“Em bruxas eu não acredito, mas que elas existem, existem.” (Miguel de Cervantes, 1547-1616)


Violante Pimentel - Cenas do Caminho quarta, 23 de outubro de 2024

CARNAVAL DO *PEGA NA CHALEIRA* (CRÔNICA DA CLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)
CARNAVAL DO "PEGA NA CHALEIRA"
Violante Pimentel



“Iaiá me deixa subir esta ladeira…eu sou do bloco do pega na chaleira”…

Essa marchinha, do começo do século passado, ainda hoje faz sucesso e o tema é sempre atual. Os “chaleiras” ou “puxa-sacos” estão sempre presentes em todos os segmentos da sociedade, até mesmo nas Igrejas. No interior, antigamente, havia carolas que chaleiravam o Padre, tornando-se quase governantas da Casa Paroquial. Tomavam conta das batinas, calças, camisas e até das cuecas do vigário, além de manterem o controle de horários das missas e arrumação do Altar da celebração. Elas se apossavam da privacidade do Padre, e ficavam por dentro de todos os seus passos. Eram intoleráveis e dificultavam o seu entrosamento com o povo da cidade.

Em escolas e outras repartições públicas, a figura do (da) chaleira também sempre esteve presente. Dedurava os colegas, fazia fofocas e babava o chefe, querendo fazer dele um amigo íntimo. Mas a falsidade era logo percebida, quando chefe era uma pessoa decente.

O termo chaleirar tem sua história registrada no folclore político brasileiro.

Dizem os memorialistas literários que o termo surgiu motivado pelo chimarrão, tomado todas as tardes pelo ex-Senador gaúcho, José Gomes Pinheiro Machado, nascido em 1852 e assassinado no Rio de Janeiro em 1915.

Esse homem fora a grande força política brasileira, no começo do século passado. Morava na Ladeira da Graça, no Rio de Janeiro, de difícil acesso. Mesmo assim, isso não impedia que os políticos bajuladores fossem todas as tardes visitá-lo e lhe beijar a mão.

O ex-Senador sentava-se em volta de uma pequena fogueira, sobre a qual era posta uma belíssima chaleira de prata, onde a água para o chimarrão era mantida em ebulição. De cuia na mão e canudo no bico, o ex-Senador puxava o seu chimarrão, paparicado pelos bajuladores. Essa chaleira era disputada por eles, que queriam, todos ao mesmo tempo, servir o chimarrão ao “todo-poderoso”. Uma vez por outra, algum deles, na ânsia de pegar primeiro na alça da chaleira, pegava no bico, recebendo todo o bafo quente que dali saía. A história se espalhou e esses políticos bajuladores, que viviam com os dedos queimados, passaram a ser chamados de chaleiras. Esse vocábulo passou a ser sinônimo de puxa-saco e bajulador.

Daí, surgiu a marchinha de carnaval, Pega na Chaleira, de autor desconhecido, com arranjo do Maestro Costa Júnior, que se assinava “Juca Storoni”, sucesso no carnaval de 1909.

 

Depois, surgiu “Cordão de Puxa-Saco”, marchinha de Frazão e Roberto Martins, gravada pelos Anjos do Inferno. Essa marchinha foi grande sucesso no carnaval de 1946, ficando definitivamente conhecido o tema do chaleirismo ou puxa-saquismo.

 

 

Na época atual, os (as) chaleiras ainda continuam inspirando os compositores de plantão, que, como Juca Chaves, não perdem tempo em compor sátiras e paródias, ridicularizando esses políticos sem escrúpulos, que vivem chaleirando os poderosos, tentando conseguir vantagens e favores.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 18 de outubro de 2024

UMA BELA AÇÃO (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

UMA BELA AÇÃO

Violante Pimentel

Há muitos séculos, Androcles, um escravo romano, foi levado pelo seu dono ao norte da África. Como o amo era muito perverso, a vida do escravo era de maus tratos e sofrimento. Por isso, o negro resolveu fugir, mesmo sabendo que corria o risco de ser morto, caso fosse capturado. Fugiu, para ver se chegava à costa, e se dali poderia voltar a Roma. Esperou uma noite escura e sem lua para sair, secretamente, da casa do amo. Atravessou a cidade e saiu para o campo.

 

 

No meio da escuridão, apressou a marcha, mas, com a luz do dia, viu que, em lugar de ter fugido para a costa, havia caminhado até um solitário deserto. Estava abatido, cheio de fome e de sede. Descobriu a entrada de uma caverna na base de uma colina, penetrou naquele local escuro, deitou-se no chão e dormiu o sono dos justos. De repente, despertou-o um terrível rugido, e de um salto pôs-se em pé, vendo à entrada da caverna um enorme leão. Assombrado, Androcles viu que tinha dormido no covil daquela fera e entendeu logo que, dali, já não poderia sair, pois o animal impedia a passagem. Esperava, horrorizado, que a fera saltasse sobre ele e o matasse. Mas o leão não se movia.

Queixava-se e lambia uma pata, da qual corria sangue. Androcles esqueceu o seu terror e, vendo o sofrimento da fera, aproximou-se. O leão levantou a pata como que a pedir-lhe auxílio. Androcles viu que o leão tinha nela um enorme espinho, que já lhe produzira grande inflamação. Num rápido movimento, extraiu o espinho, deteve a marcha da inflamação e estancou o sangue.

Aliviado da sua dor, o leão saiu da caverna e daí a poucos minutos voltou com um coelho morto, que pôs junto de Androcles. O pobre escravo assou o coelho e comeu-o. Depois, o leão conduziu-o a um sítio onde brotava na terra um manancial de água fresca.

Durante três anos, o homem e a fera viveram juntos, sempre caçando e comendo o que caçavam. Durante a noite, o leão repousava, estendido ao lado do seu benfeitor e movia a cauda de um lado para o outro, como um cão ou um gato que se deita aos pés do dono e se sente feliz.

Finalmente, Androcles sentiu desejos de se comunicar com os seus semelhantes e deixou a caverna, sendo logo preso por uns soldados e mandado para Roma como escravo fugitivo.

Os antigos romanos não tinham piedade com os escravos que fugiam e eram capturados. Por essa razão, Androcles foi condenado a ser despedaçado pelas feras no primeiro dia de festa no circo, que tinha o nome de Coliseu.

Uma grande multidão correu a presenciar o triste espetáculo, e entre os espectadores via-se o próprio imperador de Roma, que tinha no Coliseu a sua cadeira imperial. Rodeado pelos seus senadores, dali contemplava a cruel festa.

Empurraram Androcles para a arena e meteram-lhe na mão uma lança, para que se defendesse da fera que o atacaria. De repente, entrou na arena um enorme leão, que estava sem se alimentar há vários dias, a fim de que se tornasse mais feroz. Apavorado, o escravo se viu sem qualquer esperança de sobrevivência. Naquela arena, num ato festivo para o imperador, os senadores e o povo em geral, sua vida iria chegar ao fim.

Estremeceu, quando o leão esfomeado saiu da jaula. A lança caiu-lhe das mãos, ao ver que o animal, aos saltos, se dirigia para ele. Mas, em vez de o atacar e o derrubar, o leão agitou amigavelmente a cauda e lambeu-lhe as mãos. Então, Androcles viu que o leão era o seu companheiro da caverna. Acariciou-o, inclinou-se sobre a sua cabeça e chorou copiosamente. Ninguém entendia o que estava acontecendo. Incrédulo e decepcionado diante daquela estranha cena, nunca vista na história do Coliseu, o imperador ordenou que se encerrasse a frustrada execução do escravo. O que deveria ter sido uma apoteose, terminou numa grande frustração para as pessoas ávidas por torturas e mortes.

Não obstante, o povo ficou maravilhado com aquela prodigiosa cena, e o imperador mandou chamar Androcles, pedindo-lhe a explicação para o que havia se passado ali.

De tal forma o encantou a narrativa do escravo, que lhe concedeu a liberdade e a dignidade de homem livre, e deu-lhe uma importante soma em dinheiro. Dias depois, Androcles era visto, passeando pelas ruas de Roma, sempre acompanhado pelo seu leão, que o seguia por todos os lugares, como se fosse um cão fiel.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 11 de outubro de 2024

UMA VIAGEM ATRAPALHADA (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPEERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

UMA VIAGEM ATRAPALHADA

Violante Pimentel

Íamos, eu e minha filha Diana, em outubro de 2013, ao XXXIX CONGRESSO NACIONAL DOS PROCURADORES DE ESTADO, a ser realizado em Porto de Galinhas (PE), cujo tema era:

“O Advogado público, as funções da cidadania e os 25 anos da Constituição de 1988. Porto de Galinhas – PE- Outubro de 2013.”

 

 

Preferimos ir de táxi, pois tenho pavor a viajar de avião.

Sabendo disso, um casal amigo nosso, me vendeu a ideia de contratar para nos levar a Porto de Galinhas, um excelente taxista, Seu Radir, da amizade dos dois, que eram seus compadres. Apesar de eu não conhecer ainda o motorista, aceitei viajar com ele, para Porto de Galinhas.

Eles mesmos telefonaram para Seu Radir para que eu falasse com ele e o contratasse para a esperada viagem.

Acertados o preço e o horário, no sábado, às sete horas da manhã, estava o táxi de Seu Radir na porta do edifício em que moramos, para nos levar a Porto de Galinhas.

Muito educado, o motorista se desculpou porque o carro não era novo, mas o importante, para mim, é que ele tivesse experiência com estrada e fosse cuidadoso.

Colocamos a nossa bagagem na mala do veículo e nos sentamos no banco de trás, muito mal acomodadas, tendo entre nós uma grande ampola portando combustível (gás), o que nos assustou.

Não gostei de viajar ao lado dessa ampola de combustível. Tive medo que explodisse. Mas, diante das excelentes informações que nossos amigos nos tinham dado sobre o motorista, procurei me controlar. Iniciada a viagem, me benzi e fechei os olhos por alguns minutos, pedindo a Deus para fazermos uma ótima viagem. Quando abri os olhos, estranhei a estrada que estávamos trafegando, pois o motorista não estava seguindo pela: BR 101.

Perguntei:

– Por que o Senhor não está indo pela BR. 101?

Muito calmo, o motorista respondeu que estava indo pela estrada certa e tinha muita experiência em viagens. Disse que o caminho certo para GALINHOS, perto de Macau (RN), era o que ele estava fazendo.

Fiquei gelada de raiva.

Perguntei o que tinha a ver Porto de Galinhas em Pernambuco, com Galinhos (RN).

O homem mudou de cor. Havia confundido os dois lugares e já estava perto de Galinhos.

Pedi imediatamente para voltar a Natal, para eu contratar um outro motorista que nos levasse a Porto de Galinhas.

O taxista chorou e garantiu que já tinha ido diversas vezes a Porto de Galinhas.

Apenas, dessa vez, sem querer, tinha se equivocado, e entendeu que a nossa viagem seria para Galinhos (RN).

Fiquei furiosa e pedi para voltar para Natal, pois o trato que eu tinha feito com ele era para nos leva a Porto de Galinhas, em Pernambuco.

Realmente, eu o tinha contratado para nos levar a Porto de Galinhas (PE), para a abertura do Congresso de Procuradores do Estado, que seria á noite.

Ao ver o equívoco que havia cometido, o motorista implorou para que eu o desculpasse e permitisse que ele retornasse e seguisse viagem para Porto de Galinhas.

Como eu já tinha pago o hotel e a nossa inscrição, concordei em continuar a viagem com o mesmo taxista.

Superado o problema do equívoco, prosseguimos viagem para Porto de Galinhas, o que durou oito horas.

Depois de duas horas de viagem, pedi ao motorista que ligasse o som do carro e pusesse o CD novo de Chico Buarque que eu levava na bolsa. Ele suspirou e respondeu:

– Como seria bom que isso fosse um som, meu Deus! Mas, de som, só tem a tampa!

E continuou:

– Esse carro (Corsa Classic) faz parte da “frota” de táxis de um conhecido vereador de Natal, e faz dois anos que o som quebrou-se. Ele diz ter levado o som para consertar, e até hoje não trouxe de volta.

Resultado: Fomos de Natal a Porto de Galinhas, sem, ao menos, um rádio para nos distrair, e com um precário ar condicionado.

Ainda bem que o encontro de Procuradores e o Congresso foram uma maravilha, e o show de encerramento com Alceu Valença compensou a viagem.

Como “castigo”, o tal vereador de Natal, dono da frota de táxis, nunca mais conseguiu se reeleger. Ainda se candidatou este ano, mas obteve pouquíssimos votos.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 04 de outubro de 2024

AS BREJEIRAS (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

“AS BREJEIRAS”

Violante Pimentel

No interior nordestino, antigamente, o dia das eleições era um dia de festas, e muita comida nas casas dos candidatos, para alimentar os eleitores que vinham da zona rural. Era um dia divertido, apesar das brigas de rua, entre eleitores do PSD e UDN, com os “boca de urnas” tentando corromper os inocentes eleitores, que já sabiam em quem iriam votar e traziam as “chapas” para servirem de cola. Mas o perigo era a troca de chapas na boca de urna.

Em Nova – Cruz, cidade do interior do Rio Grande do Norte, se instalava um verdadeiro comitê, onde se trancavam conhecidos advogados venais, verdadeiros “medalhões”, vindos da capital, com a finalidade de fraudar as eleições. Eram títulos de eleitor tomados, chapas trocadas e no fim do dia, urnas adulteradas e “roubadas”. A polícia era obediente aos prefeitos e vereadores, e se limitava a prender cachaceiros, arruaceiros e fanáticos, que se agrediam na defesa de seus candidatos preferidos. Além dos eleitores vivos e ativos, também havia casos em que se flagrava pessoas com título eleitoral de pessoas já mortas, tentando votar.

Era um dia divertido, e a movimentação na cidade era grande. A animação e euforia eram maiores do que as que haviam nas festas de final de ano.

Eram comuns, nessas antigas eleições, o desaparecimento e a troca de urnas eleitorais, para o favorecimento de determinados candidatos. A apuração dos votos era lenta, manual e duvidosa, principalmente nas cidades do interior, como Nova – Cruz (RN), onde nasci e me criei.

Nas antigas eleições norte-rio-grandenses, era comum o desaparecimento de urnas eleitorais, após o encerramento da votação. Havia pessoas inescrupulosas e de “gabarito”, como certos advogados e latifundiários da capital, envolvidas nessas fraudes, mas, numa luta desigual; o que se sabia de verdadeiro, morria ali mesmo. A polícia nada podia fazer, diante da quadrilha de fiscais eleitorais, acobertados até a medula óssea, para pôr em prática as falcatruas planejadas para o dia das eleições.

Bem antes da era cibernética, as falcatruas marcavam a luta dos poderosos contra a pobreza. O que se sabia de fraudes morria ali mesmo. Triste de quem denunciasse. Ficava preso, sem pão e sem água, até que algum cristão se lembrasse de soltá-lo . Os conhecidos advogados e latifundiários do Rio Grande do Norte, responsáveis pela garantia dessas fraudes, eram protegidos pelo podres poderes que nunca deixaram de existir. A lei só punia ppp (preto, pobre e p…). Durante as eleições, só quem mandava na cidade eram os “podres poderes”. Os poderosos seriam capazes de destruir quem se opusesse contra eles e ficava tudo por isso mesmo.

Nessa época, o sistema eleitoral era precário e facilmente manipulável. Os fazendeiros ricos e cabos eleitorais compravam votos abertamente, ou negociavam os votos em troca de bens materiais, como dentaduras, óculos, pares de sapatos, cortes de tecidos, ou alimentos. Os “coronéis” alteravam votos e falsificavam títulos de eleitor, para que os eleitores pudessem votar várias vezes, em diversas seções, até mesmo com títulos de pessoas falecidas.

Um conhecido político e latifundiário de Natal, do PSD, era apontado como o principal mentor de fraudes eleitorais homéricas. Semianalfabeto, o homem era dono de um raciocínio rápido e maquiavélico. Dominava seu reduto eleitoral e seu apoio garantia a vitória de qualquer candidato. Seus adversários o acusavam de fazer fraudes nas votações e nos mapas eleitorais, conseguindo falsificar o resultado das urnas. Esse político tinha prestígio no Estado e também no âmbito federal. Liderava um grupo acostumado a fazer campanha política, eleição e apuração. Na época, não havia institutos de pesquisas, nem marqueteiros.

O medo das fraudes, na época apelidadas de “brejeiras” se espalhava tanto no partido da situação como da oposição.

Diz o folclore norte-rio-grandense, que o nome “brejeira”, caracterizando fraude eleitoral, surgiu numa eleição no município de São José de Campestre (RN). Nessa ocasião, o saudoso Deputado Djalma Marinho fora chamado para orientar o delegado do Partido, numa ocorrência, durante a contagem de votos. Ao subir os batentes da prefeitura, onde se realizava a apuração, o Deputado teria cumprimentado um matuto que se encontrava sentado num dos batentes da entrada da prefeitura, fumando um cigarro de palha (brejeiro ) e lhe teria perguntado:

– O que está acontecendo aqui?

O matuto respondeu:

-Tão dizendo que fizeram “brejeira”, doutor…trocaram as urnas verdadeiras por urnas falsas…

O Deputado Djalma Marinho teria achado graça da expressão dita pelo matuto e passou a chamar fraude eleitoral de “brejeira”. Com o tempo, o nome pegou, e os políticos, por brincadeira, também adotaram a expressão “brejeira” quando se referiam às fraudes eleitorais. muito comuns no Rio Grande do Norte, tanto na capital como no interior.

A expressão nativa “brejeira” agradou ao Deputado Djalma Marinho e ficou sendo usada por ele, por brincadeira, quando se referia às fraudes eleitorais, com substituição de urnas autênticas por urnas com votação falsa. Brejeira, no Rio Grande do Norte passou a ser sinônimo de fraude eleitoral. Logo caiu na boca do povo. e tornou-se uma expressão conhecida . Brejeira, portanto, no folclore político norte-rio-grandense, significa fraude eleitoral.

O medo das brejeiras se espalhava entre as lideranças políticas da capital e do interior, atingindo tanto o partido da situação como da oposição.

Inúmeras fraudes eleitorais foram cometidas no Rio Grande do Norte. Mas o caso mais gritante ocorreu com um candidato a deputado estadual, em Natal, que aguardava com ansiedade a apuração, e constatou que a urna em que ele depositara seu voto não fora apurada. Simplesmente, a urna “sumiu”. Ele não teve nem o seu próprio voto, na seção em que votava.

Desesperado, encheu a cara de cachaça e chorou copiosamente numa mesa de bar, depois da apuração, e sua lamentação causava pena:

– Que o meu sogro e minha sogra não tenham votado em mim, eu desculpo…

– Que meus irmãos e cunhados não tenham votado em mim, eu desculpo…

– Que minha mulher não tenha votado em mim, é duro, mas eu desculpo…

– Mas, EU!!! Eu mesmo não ter votado em mim?!!! Isso eu morro e não aceito nunca!!!

Entretanto, a modernidade e segurança das urnas eletrônicas tornaram impraticáveis as antigas fraudes eleitorais.

Salve o progresso!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 27 de setembro de 2024

PAIXÃO POR CAVALO (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VOLANTE PIMENTEL )

PAIXÃO POR CAVALO

Violante Pimentel

 

O último presidente militar do Brasil, JOÃO BATISTA FIGUEIREDO, em diversas ocasiões, chocou o País com seus posicionamentos controversos.

Extremamente carismático, o Presidente Figueiredo era uma simpatia e não escondia seus sentimentos. Não era homem de duas palavras. Gostava de externar seus pensamentos, e dizia abertamente que gostava mais do cheiro de animais do que que do cheiro de gente.

Em 1979, questionado por um garoto sobre o que faria se seu pai só ganhasse o salário mínimo, prontamente respondeu: “Eu daria um tiro na cuca”.

Praticante do hipismo, foi questionado uma vez sobre o “cheiro do povo” numa entrevista sobre a cavalaria. Sem dó, ele respondeu: “Eu prefiro o cheiro do cavalo”.

Seu governo foi marcado pela abertura controlada, a transição para um regime de eleições diretas. Quando questionado sobre a abertura, que ao mesmo tempo consolidava a estrutura de poder da Ditadura, mas tirava a centralidade dos militares, ele só gritou: “É para abrir mesmo. Quem quiser que não abra, eu prendo e arrebento”.

Por coincidência, a paixão por cavalo, que marcava o Presidente João Batista Figueiredo, aparece numa antiga fábula de Esopo.

Pois bem. O único ser de quem Frederico o Grande da Prússia gostava apaixonadamente era o seu cavalo, o mais formoso corcel que se possa imaginar, cavalo digno de um rei, e tão inteligente que abrandou e conquistou o coração do monarca.

Um dia em que ele estava muito aborrecido e atarefado, soube que o seu cavalo favorito estava doente.

Num acesso de furor, sentindo a sua própria insignificância, por não poder salvar a vida ao seu cavalo, apesar de ser um grande monarca, fez apregoar que aquele que lhe desse a notícia da morte do cavalo seria enforcado.

Passaram-se alguns dias e o estado do nobre animal era sempre o mesmo, mas uma manhã, quando os pajens faziam uma visita às cavalariças, encontraram o moço da estrebaria que lhes disse que o cavalo havia morrido. Quem se atreveria a dar a notícia ao rei? Quem iria correr o risco de ser enforcado?

Os escudeiros permaneceram conversando e discutindo vários planos, procurando uma forma de comunicar ao monarca a morte do seu cavalo favorito. Finalmente, chegou a hora de redigir o boletim para ser entregue ao rei, comunicando-lhe a morte do cavalo. Os escudeiros estavam em pânico, diante da ameaça previamente recebida do rei, de que aquele que lhe comunicasse a morte do seu cavalo seria enforcado.

Naquele momento, um dos escudeiros disse ao moço da estrebaria que não tivesse medo, pois ele próprio iria dar a notícia da morte do cavalo ao monarca. Iria enfrentar o rei.

Nesse momento, todos ficaram assustados com a inesperada visita do monarca.

“Olá! – Disse o Rei Frederico. “Como está o meu cavalo?”

“Senhor, respondeu o escudeiro. – O cavalo continua no seu lugar. Está deitado e não se mexe. Não tem forças e não come. Também não bebe, não dorme, nem respira, nem…

“Então,” exclamou, impacientemente, o rei, “meu cavalo favorito morreu!!!…”

“Vossa Majestade disse a verdade, respondeu tranquilamente o escudeiro. “Vossa Majestade foi o primeiro a dizer que o seu cavalo tinha morrido.”

O rei lembrou-se da jura de enforcamento que tinha feito contra quem lhe comunicasse a morte do seu cavalo favorito, e empalideceu. Afinal, foi ele mesmo quem pronunciou as palavras fatais, sobre a morte de “puro sangue”, seu cavalo favorito.

E os empregados foram perdoados.

A FÁBULA E O SEU NARRADOR MAIS FAMOSO-ESOPO

Esopo (Nessebar, 620 a.C. – Delfos, 564 a.C.) foi um escritor da Grécia Antiga a quem são atribuídas várias fábulas populares. A ele se atribui a paternidade da fábula como gênero literário. Sua obra, que constitui as Fábulas de Esopo, serviu como inspiração para outros escritores ao longo dos séculos, como Fedro e La Fontaine.

A Fábula é uma narração com intuitos morais.

Segundo os historiadores, as fábulas são muito antigas e foram empregadas nos livros sagrados, onde aparecem sob a forma de parábolas.

As fábulas mais célebres foram escritas por um escravo chamado Esopo, que nasceu em Xanto e Idmo; este último emancipou-o. Esopo adotou um método mais claro e mais simples que o dos filósofos: Fez falar os animais e as coisas inanimadas, para dar lições aos homens.

Creso, rei de Lydia, chamou-o à sua corte, e encheu-o de benefícios. Esopo chegou a viajar pelo Egyto e Pérsia, e estava em Athenas, quando Pisistrato a avassalava, e ao ver o que os atenienses sofriam sob o jugo d’aquele tirano, compôs a fábula das rãs descontentes que pediam um rei. De volta à corte de Creso, este mandou-o a Delphos para fazer um sacrifício a Apolo: a fábula das rãs, das achas flutuantes sobre as águas, que de longe parecem alguma coisa e de perto nada são, desagradou aos seus habitantes e Esopo foi atirado do alto de uma rocha.

Toda a Grécia lastimou a sua morte e em Athenas erigiram-lhe uma estátua.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 20 de setembro de 2024

A HISTÓRIA SE REPETE (CRÔNICA DA COLUNISTA PADRE SUPERIORA VIOLANTRE PIMENTEL)

A HISTÓRIA SE REPETE

Violante Pimentel

As Catilinárias são uma série de quatro discursos célebres de Cícero, (o Cônsul romano Marco Túlio Cícero), pronunciado em 63 a.C. Esses discursos são um ato de denúncia, contra a conspiração pretendida pelo senador Lúcio Sérgio Catilina, que logo de início destila:

“Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência? (…) Não vês que tua conspiração foi dominada pelos que a conhecem?”

 

 

O primeiro e o último destes discursos foram dirigidos ao Senado Romano; os outros dois foram proferidos diretamente ao povo romano. Os quatro foram compostos para denunciar explicitamente Lúcio Sérgio Catilina, no contexto da Segunda Conspiração Catilinária.

Falido financeiramente, Catilina, filho de família nobre, juntamente com seus seguidores subversivos, planejava derrubar o governo republicano para obter riquezas e poder. No entanto, após o confronto aberto por Cícero no senado, Catilina resolveu afastar-se, indo juntar-se a seu exército ilícito, para armar defesa.

Segundo registros históricos, após o quarto discurso, Catilina estava condenado à morte, mas recusou-se a entregar-se e foi morto em um campo de batalha no ano seguinte.

O modelo político de República passou a vigorar na antiga Roma, após a queda do último rei da dinastia etrusca que governou Roma durante 244 anos, chamado Tarquínio, o Soberbo, no ano de 509 a.C.

Cícero, que havia sido designado como um dos cônsules, no ano de 63 a.C., encarregou-se de desmascarar Catilina dentro do senado, por meio de discursos, os quais ficaram conhecidos até hoje por Catilinárias e são notáveis pela elegância de estilo e pela firmeza das acusações ciceronianas, com afluência de todos os homens de bem.

Marco Túlio Cícero, (3 de janeiro do ano 106 A.C), foi um dos mais importantes filósofos, e cônsul da Roma antiga.

Proveniente de uma cidade ao sul de Roma de nome Arpino, esse fato o discriminava, por não ser um romano tradicional.

 

Sua educação foi baseada nos grandes filósofos, poetas e historiadores gregos .

Foi toda a sua eficiência e competência na língua grega, que o levou à condição de intelectual e o colocou entre a elite romana tradicional.

A família de Cícero também o ajudou a crescer. Seu pai era um rico equestre, com importantes contatos em Roma.

Cícero era um estudante incansável e extremamente talentoso, características que despertaram a atenção de Roma. Desprovido de qualquer interesse pela vida militar, Cícero era um intelectual e começou sua carreira como advogado. Mais tarde, mudou-se para a Grécia e ampliou seus estudos de retórica. Através dessa estadia na Grécia, teve contato e passou a admirar calorosamente a obra de Platão. Foi o responsável por introduzir a filosofia grega em Roma, criando um vocabulário filosófico em Latim.

Tornou-se o homem mais importante de Roma, ao lado de Marco Antônio. O primeiro, como porta-voz do Senado e o segundo como Cônsul. Só que os dois nunca tiveram uma relação amigável, o que piorou quando Cícero acusou Marco Antônio de abusar na interpretação das intenções e dos desejos de Júlio César.

Cícero articulou um plano para colocar no poder o herdeiro de César, contudo seu plano não saiu como desejava. Octaviano aliou-se a Marco Antônio e formaram um triunvirato juntamente com Lépido para governar Roma.

Esse triunvirato elaborou uma lista de pessoas que deveriam ser consideradas inimigas do Estado, na qual Cícero foi incluído. Como o intelectual romano era muito bem visto por grande parte do público, Octaviano também se recusou a inseri-lo nessa listagem. Mas a medida foi inevitável.

Cícero foi capturado no dia 7 de dezembro do ano 43 A.C. , quando tentava fugir para a Macedônia. Seus escravos ainda tentaram escondê-lo, mas os assassinos o encontraram e o mataram. Cícero teve a cabeça cortada e as mãos também, por ordem de Marco Antônio, partes que foram pregadas no Fórum Romano.

O que Cícero clamava há dois mil anos pode ter se perdido entre as infinitas ressonâncias dos séculos. Mas, a corrupção que ele condenava continua impassível, cantando as suas vitórias e vangloriando-se da sua longa impunidade. Para poucos ouvidos ainda ecoam, da sombra de dois mil anos, as apóstrofes dos discursos de Cícero; e ouvindo-as, fica-se menos espantado diante dos quadros de corrupção e impunidade dos dias atuais.

Pergunta-se, ainda hoje, se toda aquela degradação social era possível em Roma, dentro do Senado e sob a indiferença do povo-rei. E os exemplos de homens da estirpe de Cincinato e Régulo, de que serviram? Onde andam os homens como Catão, o Antigo? Onde anda aquela jovem patrícia citada por Renan e cujo epitáfio dizia que fora bela, e que fiara o seu linho sem jamais sair de casa? É o próprio Cícero quem responde:

”A severidade dos costumes não está hoje em prática. Ainda mais, quase não se leem os livros que as recomendam; envelheceram e estão desatualizados. Hoje em dia, os livros que pregam que se deve seguir penosamente o caminho do direito para chegar à glória, são abandonados nas solidões das escolas”.

Essas palavras tem vinte séculos. Mas, repetidas em nossa época, ainda se traduzem em todas as línguas, sobretudo entre os povos mais novos, que poderiam, ao menos, ter a desculpa da inocência e da boa fé.

Justamente a fraude, a corrupção e o suborno se constituíram, em nosso tempo, as marcas predominantes nos crimes contra o patrimônio.

O que Cícero clamava, há dois mil anos, pode se ter perdido entre as infinitas ressonâncias dos séculos. Mas a corrupção que ele verberou continua, impassível, cantando as suas vitórias e vangloriando-se da sua longa impunidade.

Foi na antiga civilização romana que o modelo político da república se desenvolveu.

República, em sentido literal, quer dizer “Coisa Pública”, “Bem Público”, isto é, aquilo que diz respeito à vida em sociedade, à administração dos interesses e necessidades de todos.

Esse modelo político passou a vigorar na antiga Roma após a queda de Tarquínio, o Soberbo, último rei da dinastia etrusca (dinastia que governou Roma durante 244 anos), no ano de 509 anos AC.,

Com o advento da República, a estrutura monárquica foi abandonada e em seu lugar, novas instituições foram erguidas. Dentre elas, as mais importantes eram a Magistratura (que executava a administração pública) e o Senado (composto pelos cidadãos mais velhos, que eram encarregados da elaboração das leis e do controle da ação dos magistrados).

Dos vários cargos da magistratura, o mais alto era o de Cônsul. Quem estava à frente do poder da República eram dois Cônsules, escolhidos pela Assembleia Curiata, ou Assembléia das Cúrias, organismo legislativo, que existiu durante o período da Monarquia em Roma..

Na década de 60 a.C., Catilina, que já era um militar e senador famoso, e que também já havia passado por cargos de magistratura, pretendia ser designado Cônsul da República. Mas Catilina era encarado com desconfiança por seus pares.

Muitos viam nele um risco para as instituições republicanas. Em retaliação, Catilina, junto a seus aliados, entre eles o ex-Cônsul Públio Cornélio Lêntulo Sura, procurou organizar uma sublevação, ou golpe, contra a República. Esse golpe consistia no assassinato dos dois cônsules e na subjugação do Senado.”

Os extremos como conservadorismo, liberalismo, feminismo, machismo e outros devem ser evitados, pois atentam contra o Estado de Direito Constitucional.

A fraude, a corrupção e o suborno constituem, no tempo atual, as marcas predominantes dos crimes contra o patrimônio público.

O ladrão violento, nos dias atuais, passou a ser figurante, no palco onde se exibem os assaltantes do erário público e os ladrões de colarinho branco.

O cangaceiro brasileiro do tipo de Lampião e os “fora da lei” do oeste americano são personagens que saíram do palco, postos para fora do cenário, pelos golpistas e trapaceiros que estão em evidência.

É nas metrópoles, que agem esses bandidos elegantes, simpáticos, bem vestidos e sociáveis, que comandam o crime, esboçando sempre um sorriso sardônico.

Como exemplo, pode ser citado Al Capone, cavalheiro distinto, de superior elegância, que era considerado o rei dos “gangsters”. Morreu docemente, sem nenhum remorso, e ainda hoje é lembrado como um herói.

O que Cícero clamava, há dois mil anos, pode ter se perdido entre as infinitas ressonâncias dos séculos. Mas, a corrupção que ele condenava, continua, impassível, cantando as suas vitórias e vangloriando-se da sua longa impunidade. Para poucos ouvidos ainda ecoam, da sombra de dois mil anos, as apóstrofes dos discursos de Cícero; e ouvindo-as, fica-se menos espantado diante dos quadros de corrupção e impunidade dos dias atuais.

Pergunta-se ainda hoje, se toda aquela ignomínia era possível em Roma, dentro do Senado e sob a indiferença do povo-rei. E os exemplos de homens da estirpe de Cincinato e Régulo? Onde andam os homens como Catão o Antigo? Onde anda aquela jovem patrícia citada por Renan e cujo epitáfio dizia que fora bela, e que fiara o seu linho sem jamais sair de casa? É o próprio Cícero quem responde:

”A severidade dos costumes não está hoje em prática. Ainda mais, quase não se leem os livros que as recomendam; envelheceram e estão desatualizados. Hoje em dia, os livros que pregam que se deve seguir penosamente o caminho do direito para chegar à glória, são abandonados nas solidões das escolas”.

Essas palavras tem vinte séculos. Mas, repetidas em nossa época, ainda se traduzem em todas as línguas, sobretudo entre os povos mais novos, que poderiam ao menos ter a desculpa da inocência e da boa fé.

Justamente a fraude, a corrupção e o suborno se constituíram, em nosso tempo, as marcas predominantes nos crimes contra o patrimônio.

Foi na antiga civilização romana que o modelo político da república se desenvolveu.

República, em sentido literal, quer dizer “Coisa Pública”, “Bem Público”, isto é, aquilo que diz respeito à vida em sociedade, à administração dos interesses e necessidades de todos.

Esse modelo político passou a vigorar na antiga Roma após a queda de Tarquínio. o Soberbo, último rei da dinastia etrusca (dinastia que governou Roma durante 244 anos), no ano de 509 anos AC.,

Com o advento da República, a estrutura monárquica foi abandonada e em seu lugar, novas instituições foram erguidas. Dentre elas, as mais importantes eram a Magistratura (que executava a administração pública) e o Senado (composto pelos cidadãos mais velhos, que eram encarregados da elaboração das leis e do controle da ação dos magistrados).

Dos vários cargos da magistratura, o mais alto era o de Cônsul. Quem estava à frente do poder da República eram dois Cônsules, escolhidos pela Assembleia Curiata, ou Assembléia das Cúrias, organismo legislativo, que existiu durante o período da Monarquia em Roma.

Na década de 60 a.C., Catilina, que já era um militar e senador famoso, e que também já havia passado por cargos de magistratura, pretendia ser designado Cônsul da República. Mas Catilina era encarado com desconfiança por seus pares. Muitos viam nele um risco para as instituições republicanas. Em retaliação, Catilina, junto a seus aliados, entre eles o ex-Cônsul Públio Cornélio Lêntulo Sura, procurou organizar uma sublevação, ou golpe, contra a República. Esse golpe consistia no assassinato dos dois cônsules e na subjugação do Senado.”

DAS CATALINÁRIAS:

“Por quanto tempo ainda há de zombar de nós essa tua loucura? A que extremos se há de precipitar a tua audácia sem freio? Nem a guarda do Palatino, nem a ronda noturna da cidade, nem os tremores do povo, nem a afluência de todos os homens de bem, nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado, nem o olhar e o aspecto destes senadores, nada disto conseguiu perturbar-te? Não sentes que os teus planos estão à vista de todos? Não vês que a tua conspiração a tem já dominada todos estes que a conhecem? Quem, de entre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, em que local estiveste, a quem convocaste, que deliberação foram as tuas?

“Oh tempos, oh costumes! O Senado tem conhecimento destes fatos, o cônsul tem-nos diante dos olhos: todavia, este homem continua vivo! Vivo?! Mais ainda, até no Senado ele aparece, toma parte no Conselho de Estado, aponta-nos e marca-nos, com o olhar um a um para a chacina. E nós homens valorosos, cuidamos cumprir o nosso dever para com o Estado, se evitamos os dardos da sua loucura à morte, Catilina, é que tu deverias, há muito, ter sido arrastado por ordem do cônsul, contra ti e que se deveria lançar a ruína que tu, desde há muito tempo, tramas contra todos nós.”

Para onde quer que se olhe, a paisagem não está tranquila. Se as árvores estão paradas e as casas mudas e tristes, o seu silêncio é o de estarrecimento, insegurança e torpor.

O povo sofre a crise constitucional que afeta os poderes da Democracia.

Falido financeiramente, Catilina, filho de família nobre, juntamente com seus seguidores subversivos, planejava derrubar o governo republicano para obter riquezas e poder. No entanto, após o confronto aberto por Cícero no senado, Catilina resolveu afastar-se, indo juntar-se a seu exército ilícito para armar defesa.

Segundo registros históricos, após o quarto discurso, Catilina estava condenado à morte, mas recusou-se a entregar-se e foi morto em um campo de batalha no ano seguinte.

O modelo político de República passou a vigorar na antiga Roma, após a queda do último rei da dinastia etrusca que governou Roma durante 244 anos, chamado Tarquínio, o Soberbo, no ano de 509 a.C. Com o advento da República, a estrutura monárquica foi abandonada e, em seu lugar, novas instituições foram erguidas.

Cícero, que havia sido designado como um dos cônsules, no ano de 63 a.C., encarregou-se de desmascarar Catilina dentro do senado, por meio de discursos, os quais ficaram conhecidos até hoje por Catilinárias e são notáveis pela elegância de estilo e pela firmeza das acusações ciceronianas.

“Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?

Por quanto tempo a tua loucura há de zombar de nós?
A que extremos se há de precipitar a tua desenfreada audácia?
Nem a guarda noturna do Palatino,
nem a ronda da cidade,
nem o temor do povo,
nem a afluência de todos os homens de bem,
nem este local tão bem protegido para a reunião do Senado,
nem a expressão do voto destas pessoas?
nada disto conseguiu perturbar-te?
Não te dás conta que os teus planos foram descobertos?
Não vês que a tua conspiração está vinculado ao conhecimento de tudo isto?
Quem, dentre nós, pensas tu que ignora o que fizeste na noite passada e na precedente, onde estiveste, com quem te encontraste, que decisão tomaste?
Oh tempos, oh costumes!”

Original (em latim): Marcus Tullius Cicero

— Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?
Quam diu etiam furor iste tuus eludet?
Quem ad finem sese effrenata iactabit audacia?
Nihilne te nocturnum praesidium Palatii,
nihil urbis vigiliae,
nihil timor populi,
nihil concursus bonorum omnium,
nihil hic munitissimus habendi senatus locus,
nihil horum ora vultusque moverunt?
Patere tua consilia non sentis?
Constrictam omnium horum scientia teneri coniurationem tuam non vides?
Quid proxima, quid superiore nocte egeris, ubi fueris, quos convocaveris, quid consilii ceperis, quem nostrum ignorare arbitraris?
O tempora, o mores!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 13 de setembro de 2024

A INTOLERÂNCIA DO REI (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

A INTOLERÂNCIA DO REI

Violante Pimentel

Juliano, um orgulhoso Rei de uma belíssima cidade, almoçava tranquilamente, quando viu sobre a mesa uma pequena e inofensiva formiga, perto do seu prato. Como se falasse ao mais humilde servo, exclamou:

 


 

– Como ousas, desprezível formiga, andar sobre a mesa de Juliano o Grande Rei?

A formiga, nem sequer tomou conhecimento das palavras reais, ocupada como estava, em carregar sobre as costas um minúsculo pedaço de pão. Um formigueiro inteiro a aguardava.

– Então, não paras? Não me obedeces? Pois, então, morrerás! – Falou o odioso Rei.

Dizendo isto, ergueu o braço para esmagá-la, mas, com tal brutalidade que, ao levantá-lo, derrubou uma terrina de sopa quente. Furioso, pôs-se a procurar a formiga, para efetuar sua vingança imediatamente.

Não a encontrando, e dominado pela ira, virou a mesa, espalhando sobre o chão todas as iguarias, na tentativa de atingir a pobre formiguinha.

Atraídos pelo barulho, todos os criados tentaram contê-lo, mas o rei, furioso, atirou sobre eles um enorme castiçal. Este, porém, atingiu uma cortina, inflamando-a. Deu-se início a um grande incêndio, que, em segundos, se alastrou por todo o palácio real.

Tentaram extinguir o fogo, mas ele se propagou rapidamente, uma vez que a sala era forrada com tapetes persas e veludos da Turquia.

Em uma hora, todo o palácio estava em chamas. Como houvesse uma grande ventania, o fogo tomou conta dos prédios vizinhos.

Uma cidade inimiga sabendo do ocorrido, mobilizou seu exército, o qual, depois de um pequeno cerco, dominou a cidade de Juliano, o Grande Rei. O povo só pensava em fugir do incêndio que tudo devorava e destruía.

Enlouquecido, o rei tentava escapar, sob delírios, esbravejando impropérios contra a pobre formiga, e jurando matá-la.

Depois de algumas horas, o incêndio ainda ardia, e o povo enlouquecido fugia da cidade.

O rei conseguiu sobreviver, mas perdeu o juízo (que nunca teve), e seu palácio banhado a ouro.

O Rei enlouqueceu e tornou-se um mendigo.

Ao lhe perguntarem a causa da sua desgraça, laconicamente, ele respondia:

– Uma formiga…uma formiga destruiu todo o meu império!

Ninguém acreditava…

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 06 de setembro de 2024

LOUVADO SEJA (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

LOUVADO SEJA

Violante Pimentel

 

Louvado Seja era o apelido de um pedinte de Nova- Cruz, que sofria de um distúrbio nervoso, que o impulsionava a dar constantes carreiras, involuntariamente, com pequenos intervalos. Seu apelido foi motivado pela louvação que dizia ao pedir uma esmola: LOUVADO SEJA NOSSO SENHOR JESUS CRISTO! E vinha a resposta das pessoas que lhe davam esmolas: PARA SEMPRE SEJA LOUVADO!

Esse homem provocava medo às crianças, que, se estivessem na calçada, entravam em casa ligeiro, ao ouvirem a louvação do pedinte. O medo era consequência de boatos que se espalharam pela cidade, de que o pedinte tinha um “encosto”, ou mau espírito, que o empurrava o tempo todo e o fazia correr em disparada. Diziam que isso era obra do demônio. As pessoas ingênuas e céticas acreditavam que isso fosse verdade.

De longe, ouvia-se a voz do pedinte, quase gritando:

“Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo! “

Assustados, os meninos corriam para casa.

Louvado seja chegava às portas correndo, recebia as esmolas que punha numa sacola de pano, que trazia pendurada ao ombro, e saia correndo, repetindo o costumeiro jargão, em agradecimento: “Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo! Deus lhe pague”!

As crianças tinham pavor a ele, inclusive eu. Minha avó paterna, dona Júlia, nunca deixou de lhe dar uma esmola, nem tinha medo dele. Eu, que vivia muito na casa dela, que era vizinha à nossa, quando o avistava, tremia de medo e entrava correndo na nossa casa, pelo quintal, e me agarrava na saia da minha mãe. Ela me abraçava e tentava me explicar que Louvado Seja não fazia mal a ninguém e que o problema dele era uma doença.

Nova-Cruz, nessa época, era uma cidade muito atrasada, e, praticamente, sem assistência médica.

Minha mãe, Lia Pimentel, possuía um livro comprado em Natal, chamado “Medicina do Lar”, que fazia referência a esses sintomas como sendo próprios da “doença de São Guido” ou São Vito, doença que causa movimentos espasmódicos incontroláveis nos membros inferiores.

Ela relacionou essa informação à doença de Louvado Seja. Mas não comentou com ninguém, pois não era médica nem tinha certeza de que aquela informação fosse verdadeira. O fato é que Louvado Seja padeceu a vida toda desse mal, e nunca fez um exame médico. Era tido como um homem dominado por uma entidade espiritual, ou encosto. O estranho é que, mentalmente, era são.

Ainda hoje me lembro de Louvado Seja, e sinto medo. As carreiras rápidas, constantes e incontroláveis, e sua voz grossa me faziam tremer de medo. A louvação que ele fazia ao pedir esmolas soava tétrica aos meus ouvidos de criança. Tinha a aparência de um boneco movido a cordas. Apesar dos impulsos ou empurrões que, supostamente, levava do “espírito” que incorporava, Louvado Seja nunca foi visto caindo. Deus o protegia.

O caso mais hilário, apesar de triste, foi a carreira que, involuntariamente, Louvado Seja deu no entregador de pão de Nova-Cruz, seu Anízio, que, segurando o cesto de pão na cabeça, viu-se obrigado a descer a ladeira da rua Alberto Maranhão em disparada, sentindo-se perseguido por um suposto malfeitor, que corria em seu encalço.

Quando Louvado Seja conseguiu parar, seu Anízio já estava caído ao chão, no meio dos pães, que iria vender em diversas casas. Os pães quentinhos se espalharam pela areia, tornando-se imprestáveis para serem entregues à freguesia do patrão.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 06 de setembro de 2024

PRINCIPAIS FIGURAS DE LINGUAGEM (POSTAGEM DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

Pode ser uma imagem de texto


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 30 de agosto de 2024

AS CHAVES (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

AS CHAVES

Violante Pimentel

 

Décadas atrás, as mulheres eram submissas aos maridos, e suportavam caladas a “dor da traição”, se fossem casadas com homens mulherengos. Nessa época, muitos fazendeiros ricos de um conhecido Estado nordestino, costumavam resolver, semanalmente, seus negócios comerciais e bancários na capital do Estado. Hospedavam-se no melhor hotel da cidade. Era uma maneira de juntar o útil ao agradável. Resolviam todos os assuntos importantes e, em seguida, deslocavam-se para o mais famoso cabaré da cidade, o “Mary Good”.

À noite, voltavam para o hotel, e ali entregavam-se a uma famosa jogatina, que varava a madrugada, regada pelo mais legítimo whisky escocês. Estouravam dinheiro à vontade, perdendo ou ganhando.

Essas viagens à capital também serviam para que os maridos pudessem respirar melhor, longe das esposas, por quem já não nutriam qualquer atração física.

Enciumadas com essas repetidas viagens, as mulheres passaram a desconfiar dos maridos, achando que estavam sendo traídas. Por isso, começaram a exigir que eles as levassem também nessas viagens semanais à capital do Estado.

Para acabar com as sucessivas brigas, os fazendeiros concordaram em levá-las. Ao chegarem à capital, Incentivavam que elas fossem fazer compras no comércio, passear pelas praias, ver coisas novas, contanto que, à noite, estivessem nos seus respectivos apartamentos, no hotel onde costumeiramente se hospedavam.

Dentro de pouco tempo, todas as esposas desses fazendeiros ficaram amigas e aprenderam a beber, gostando da liberdade que os maridos resolveram lhes dar.

À noite, enquanto os homens jogavam dentro do hotel, as esposas ficavam recolhidas nos apartamentos. O jogo entrava pela madrugada. Quando já estavam exaustos de beber e jogar, e queriam encerrar o jogo, os homens anunciavam a última aposta da noite. Todos eles, então, jogavam na mesa de jogo as chaves dos apartamentos onde estavam hospedados e onde as esposas os esperavam, e as embaralhavam. Em seguida, cada um pegava uma dessas chaves e todos saíam, embriagados, em busca do quarto, cuja porta aquela chave abrisse. Nessas alturas, as mulheres já haviam se revelado fogosas e desavergonhadas, já aceitavam o troca-troca de homens, e já tinham sido iniciadas, pelos próprios maridos, na arte da infidelidade. Faziam isso, como uma forma de vingança contra eles, que já não as desejavam mais.

Certa vez, um conhecido fazendeiro, no final do jogo, por engano, pegou a chave do seu próprio apartamento. A esposa, sedenta por sexo, estava preparada para receber outro jogador em sua cama e não ele, o marido.

Na penumbra, ao reconhecer o próprio esposo, a mulher, também embriagada, deu um verdadeiro escândalo. Seus gritos ecoaram em todo o hotel:

– Além de não saber jogar baralho, meu marido não sabe, sequer, embaralhar as chaves!!! Só merece mesmo é ser corno!!!

Todos os homens, que participavam da tal jogatina, transformaram-se em cornos, por culpa deles próprios.

E a história se espalhou pela cidade, caindo no ridículo os machões milionários, que vinham de suas fazendas do interior do Estado, farrear na capital, contribuindo, eles mesmos, para que se transformassem em cornos.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 23 de agosto de 2024

O TEMPO DA DELICADEZA (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANRE PIMENTEL)
 

O TEMPO DA DELICADEZA

Violante Pimentel

A boa Música alimenta a alma. Não tem idade. Ela é eternizada pela letra e pela harmonia. Falo da música, cuja essência é pura poesia. A música que acalenta a alma e transmite a paz.

Nem toda música é poesia. Há músicas para a alma e músicas para o corpo, onde o ritmo contagiante traz alegria e vontade de dançar.

Minha vida sempre foi recheada de música, desde que eu nasci, a começar pelo meu nome de Batismo, que lembra um instrumento musical.

Ainda criança, aprendi a cantar as antigas modinhas que minha mãe cantava, acompanhada ao violão pelo meu avô paterno, Seu Bezerra, ou por ela mesma, que também tocava. Uma dessas modinhas nem se conhece mais. Chama-se “O Pajem”, ou “Pesadas Trevas”, cuja autoria não me lembro.

Hoje, o cancioneiro mudou e temos que conviver com ritmos agressivos e letras debochadas.

Mas as pérolas da MPB continuam vivas, como as composições de Evaldo Gouveia e Jair Amorim, que o tempo jamais apagará.

Evaldo Gouveia de Oliveira (Orós, 8 de agosto de 1928 — Fortaleza, 29 de maio de 2020) foi um músico compositor, cantor e violonista brasileiro, que marcou época e ainda hoje é sucesso em rodas de seresteiros. Era o romantismo em pessoa.

Além de Jair Amorim, Evaldo Gouveia compôs com outros grandes compositores, como o carioca Paulo César Pinheiro.

O talento que Deus lhe deu o fez superar as dificuldades da vida.

Aos seis anos, já cantava num sistema de alto-falantes na praça de sua cidade, Orós, no Ceará. Aos onze, mudou-se para Fortaleza para estudar. Nessa época, trabalhava como feirante e não dispensava o violão nas horas de folga.

Aos dezenove anos, passou a tocar violão num conjunto e acabou conseguindo um contrato numa rádio local. Em 1950, formou o Trio Nagô, com Mário Alves (seu alfaiate) e Epaminondas de Souza (colega de boemia). Após representar o estado do Ceará no programa Cesar de Alencar, na Rádio Nacional, o grupo foi contratado pela Rádio Jornal do Brasil e posteriormente pelas boates Vogue (RJ) e Oásis(SP). Dois anos depois, iniciaram um programa semanal na Rádio Record (SP), que durou cinco anos.

Em 57, Evaldo compôs sua primeira canção, “Deixe que Ela Se Vá” (com Gilberto Ferraz), obtendo sucesso na voz de Nelson Gonçalves.

No mesmo ano, fez “Eu e Deus”, com Pedro Caetano, gravada por Nora Ney. A partir de julho de 1958, quando conheceu o também compositor Jair Amorim na UBC, sua carreira deslanchou.

Logo no primeiro dia de contato, compuseram “Conversa”, gravada inicialmente por Alaíde Costa, em 1959. Essa seria a primeira de uma série de 150 composições da dupla nos dez anos que se seguiram, normalmente sambas-canções abolerados, cujo primeiro sucesso de vendas foi “Alguém Me Disse”, lançada por Anísio Silva em 60. Em 1962, o Trio Nagô se desfez com a saída de Mário Alves, mas Evaldo prosseguiu compondo com Jair Amorim, sucessos como “Poema do Olhar” (gravado por Miltinho) e o bolero “E a Vida Continua” nas vozes de Morgana e Agnaldo Rayol.

No ano seguinte, 63, Altemar Dutra fez muito sucesso, com a gravação de um bolero da dupla, “Tudo de Mim”, passando a ser seu intérprete mais constante com sambas-canções/boleros como “Que Queres Tu de Mim”, “Somos Iguais”, “Sentimental Demais”, “Brigas”, “Serenata da Chuva” e as marchas-rancho “O Trovador” e “Bloco da Solidão”. Moacyr Franco também vendeu muitos discos com o bolero “Ninguém Chora por Mim”, em 62, assim como Cauby Peixoto, no ano seguinte, com “Ave Maria dos Namorados”, lançada por Anísio Silva pouco antes.

Outros intérpretes da dupla foram Wilson Simonal, “Garota Moderna”, 1965, Agnaldo Timóteo, “Quem Será”, 1967, Jair Rodrigues, “O Conde”, 1969, a escola de samba Portela, “O Mundo Melhor de Pixinguinha”, 1973, Maysa, “Bloco da Solidão”, 1974, Ângela Maria, “Tango para Teresa” 1975, Jamelão, “Certas Mulheres” 1977, Dalva de Oliveira “E a Vida Continua”, além de Elymar Santos, Chitãozinho e Xororó, Gal Costa, Maria Bethânia, Zizi Possi, Emílio Santiago, Júlio Iglesias, Joanna, Cris Braun, Ana Carolina, Simone, Fafá de Belém, dentre muitas regravações.

Evaldo Gouveia teve uma vida profissional muito ativa e nunca esteve no ostracismo. As vezes em que fez show aqui em Natal, no Teatro Alberto Maranhão, era “casa cheia”. Sucesso garantido!

O grande músico, cantor e compositor cearense Evaldo Gouveia morreu aos 91 anos, em 29.05.2020, vítima do Covid-19.

Suas belíssimas composições, como “Sentimental Demais”, o eternizaram. E a lacuna por ele deixada na Música Popular Brasileira jamais será preenchida.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 16 de agosto de 2024

UM MUNDO SEM LIVROS (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

UM MUNDO SEM LIVROS

Violante Pimentel

 

O mundo seria um atraso geral, e um caos, se não tivesse havido a evolução Cultural.

Sem os livros, a evolução da humanidade não teria existido. O livro é o símbolo da Civilização.

O livro é um dos maiores símbolos da evolução humana.

Os amantes do progresso tecnológico tentam extinguir o livro impresso, substituindo-o pelo livro virtual. Fizeram isso com alguns jornais, que terminaram falindo.

O jornal virtual não possui a magia do contato com o cheiro do papel, com o qual nos acostumamos desde a infância.

Folhear um jornal e sentir o cheiro do papel faz parte do ritual da leitura, que é um ato de amor.

Amo meus livros como se fossem filhos. Jamais os substituirei por livros virtuais.

A satisfação que um livro ou um jornal impresso proporciona ao leitor é bem maior do que o prazer de uma leitura virtual. O livro ou o jornal pode ser lido em qualquer lugar, qualquer dia ou qualquer hora.

Um bom livro é um companheiro agradável e insubstituível.

Que destino teria uma sociedade que, fascinada pelo “novo”, abolisse o livro, a grande conquista da Civilização?

Proclamar a morte de um livro seria o maior retrocesso da Civilização.

Num país fictício, onde o avanço tecnológico andava a todo vapor, por decisão política, os livros foram proibidos. Ter livros era considerado crime.

Foi deflagrada, então, a operação caça-livros. Não só livros políticos, mas qualquer tipo de livros. Os livros encontrados eram incinerados na presença dos proprietários, e se estes opusessem resistência, eram presos, julgados e condenados.

Luzia, uma menina de 10 anos, maltratada pelos pais, descobre no porão da casa de seus avós, uma fortuna intelectual em livros, sem saber sequer o que era aquilo.Tentou esconder alguns volumes, pois sabia que os bombeiros viriam incinerá-los.

A menina se apaixonou pelos “cadernos bonitos”, sem saber o que significavam. Muito inteligente, Luzia captou a magia dos livros.

Quem cultua livros, está fazendo uma declaração de amor à Cultura, à Literatura, à Civilização e à língua Pátria.

Já houve em nosso País uma época em que a liberdade de ter livros era limitada. Nem todo livro era permitida a compra e muito menos a leitura. Era permitido ler, somente livros didáticos ou religiosos.

Nesse cenário tecnológico, encontramos homens que só interagem com mulheres, virtualmente; uma mãe que só se ocupa em assistir televisão; uma adolescente que só se relaciona com o mundo por meio das redes sociais, e uma menina que gosta de histórias, mas estas não tem quem lhe conte.

Para quebrar a monotonia, chegou à cidade um forasteiro, disposto a acabar com a proibição de livros.

O forasteiro encontrou nessa cidade uma placa, onde estava escrito que ter livros era crime.

A diferença do que aconteceu em certa época, num determinado país, é que a proibição antiga abrangia apenas os livros que lembrassem ideologia política. Já nesse mundo novo, a proibição atingia todos os livros impressos, sobre qualquer assunto, tal qual a trama contida do grande filme Fahrenheit 451, baseado romance distópico de 1953. O livro já havia sido adaptado para o cinema em 1966, pelo grande cineasta francês François Truffaut.

Fahrenheit conta a história de Guy Montag (Michael B. Jordan), um bombeiro, em um futuro distante, cuja tarefa ingrata é queimar todos os livros existentes, enquanto rebeldes tentam impedir que isso aconteça.

São os livros que nos levam a recônditos de nossas vidas, e através dos personagens, conseguimos observar o mundo com outros olhos, saboreando vidas que não são as nossas e, assim melhor entendendo os que nos cercam.

Os livros podem nos trazer imagens fictícias, como um oceano de livros e livros feitos de mar.

E a menina Luzia guardava um livro em casa, umas páginas velhas, pensava, com dedicatória da avó e tudo, mas tinham sido banidas. E era o único remanescente da antiga coleção do tio, uma dádiva colhida da estante abarrotada de livros que convidavam a uma amizade genuína e que encantaram a menina antes mesmo que ela soubesse ler. Vez por outra, ainda criança, a menina vira uma lombada saltar da prateleira, como se a desafiá-la “venha, devora-me, decifra-me” – e ela metia -se então em devaneios, inebriada com as cores, texturas e cheiros do papel. Mas depois o tio acabou preso por colecionar livros e todos os volumes foram destruídos, sobrando só aquele, de histórias, que a avó conseguira esconder na antiga máquina de costura.

Nem sempre havia sido assim: a menina ouvira sobre uma época, remota e mágica, na qual era permitido ler histórias em livros.

A menina gostava de histórias, mas não tinha quem as contasse. Os contadores já se tinham ido, e ela andava à procura de quem lhe contasse histórias do mar, desertos e colinas.

Como não tinha quem lhe contasse histórias, Luzia conversava com os pássaros, besouros e borboletas.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 09 de agosto de 2024

O PESO DA CACHAÇA (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

O PESO DA CACHAÇA

Violante Pimentel

Conheci pessoas que se perderam na vida e nunca mais se encontraram. Por causa da “cachaça”. Perderam a família, perderam a saúde e tudo o que tinham conquistado de bom. Essas pessoas, hoje, estão mortas.

A Maldita Cachaça, envolta na máscara “alegria, alegria”, levou-lhes embora, para a terra do “nunca mais”, depois de aniquilar a sua saúde, sua família e todos os seus ideais.

Josélio, dominado pelo álcool, desconhecia pai e mãe, mulher e filhos. Para ele, a família era um monstro marinho, que queria acabar com ele, porque estava dominado pelo alcoolismo.

A cachaça tirou-lhe as boas atitudes, o decoro e a dignidade. Também lhe tirou o respeito que os amigos tinham por ele.

Senão vejamos:

Após um dia de muita bebedeira, boa música e mesa farta, completamente embriagados, os dois amigos Josélio e Chiquinho, na Barra do Cunhaú (Canguaretama), se desentenderam na hora da despedida:

Chiquinho costumava se despedir de Rozana, a dona da casa, com os dois beijinhos costumeiros, nos dois lados do rosto.

Josélio, machista e bruto, detestava isso, mas nunca tinha demonstrado.

Nessa noite, como por obra do diabo, ele explodiu, dirigindo-se a Chiquinho, na hora dos cumprimentos de final de festa:

– Ei, rapaz! Não quero ninguém beijando a minha mulher! Somente eu, posso fazer isso!!!

Chiquinho ficou paralisado, pois não admitia uma grosseria dessa, vinda de um amigo tão querido, “quase irmão”, e depois de um dia tão feliz.

O mundo caiu para Chiquinho, homem sensível, que tocava flauta de olhos fechados e tocava violão sempre emocionado, deixando escapar lágrimas em seus olhos.
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A grosseria de Josélio pegou Chiquinho de surpresa. E o seu “mundo caiu” mesmo, diante da decepção sofrida, na frente de todos. Uma grosseria dessa, logo com ele, que era a delicadeza em pessoa, além de respeitador.

Chiquinho, além de grande amigo de Josélio, era um músico de mão cheia. Exímio “violonista 7 cordas” e flautista, Chiquinho tocava na flauta, praticamente, todo o repertório do exímio flautista Altamiro Carrilho, como também do Mestre do Cavaquinho, Waldir Azevedo, autor dos choros Brasileirinho, Delicado e Pedacinhos do Céu. além de mais de uma centena de outros chorinhos.

Sem acreditar na grosseria que o amigo Josélio lhe havia feito, Chiquinho, praticamente, foi puxado pela esposa, , com o filho pequeno nos braços, e entrou no seu Jeep Willians 51, dirigindo lentamente de volta até sua chácara, que ficava perto.

Chiquinho, ainda perplexo, não acreditava na grosseria que o amigo Josélio lhe havia feito. Há anos, frequentava a casa de Josélio, e nunca o tinha visto fazer uma grosseria com ninguém, principalmente com ele.

Chiquinho saiu em lágrimas, ofendido e humilhado, por aquela atitude baixa e vil de Josélio. Passou a noite assim, e logo ao amanhecer, cuidou de voltar à casa de Josélio, para “passar a limpo” aquele incidente. Queria dizer a Josélio que aquela grosseria que recebera dele, não tinha razão de ser. Jamais teve a intenção de desrespeitar sua esposa. Aqueles dois beijinhos, habituais, nos dois lados do rosto da dona da casa, para ele, eram sinônimo de carinho, como se estivesse cumprimentando uma filha. Josélio voltou a repetir que não gostava que homem nenhum beijasse sua mulher. A ignorância de Josélio extrapolou todos os limites. Chiquinho silenciou e retirou-se.

Esse episódio fez com que a amizade esfriasse e acabaram-se as visitas. A mágoa fou entranhada, congelando uma amizade antiga e sempre respeitosa.

Acabrunhado e com ressaca moral, Josélio não se desculpou ao amigo e ainda repetiu que não gostava que beijassem sua mulher.

Chiquinho se retirou e Josélio não deu um passo para reverter a situação. Para o bom entendedor, meias palavras bastam., diz o ditado popular.

Chiquinho era um grande músico e um amigo adorável. Tocava na flauta, todos os chorinhos de Altamiro Carrilho, Waldir Azevedo, Pixinguinha, Abel Fereira, Jacob do Bandolin e de outros grandes compositores.

No violão de sete cordas, dava “show”, acompanhando o vozeirão do grande seresteiro, Toinho de Canguaretama, e outros cantores amadores, que se chegavam à sua casa.

Por alguns anos, essa casa de praia foi chamada pelas crianças ,”a casa da música”. O motivo era simples. Sempre tinha um som portátil tocando músicas maravilhosas, quando não era música ao vivo, da melhor qualidade, principalmente nos finais de semana.

O propósito do casal era reunir sempre a família, principalmente nos finais de semana, com boa música, ao vivo ou através do aparelho de som.

Entretanto, o alcoolismo prejudicou a convivência familiar, e fez aparecer o lado doentio que o dono da casa escondia.

Josélio detestava crianças, o que não era normal, e sentia um ciúme tóxico pela mulher, sem nenhuma justificativa ou motivos aparentes.. E por cima de tudo, vivia alcoolizado e procurando inticar por tudo. Queria que somente sua palavra predominasse.

Gostava de dizer:

– “Mulher minha não manda nem no prato de comida que come! Mulher minha, eu trato debaixo dos pés. “

Estéril, odiava crianças, e isso não escondia, levando sempre regulagem dos “amigos”, que aos poucos iam se afastando.

Josélio sentia cheiro de chifre queimado por todos os cantos. Não aceitava as amizades da esposa com ninguém, incluindo os familiares.

O mau-caratismo é sempre camuflado pelo alcoolismo, e este é a desculpa barata para as agressões que tem havido entre casais, levando a fins dolorosos, como o feminicídio.

Prefiro, hoje, dizer que o alcoolismo moderado não é mal. A maldade está nas pessoas que bebem e se aproveitam da bebida, para extravasar suas taras, frustrações e recalques enrustidos, principalmente, se houver desnível social ou financeiro entre o casal.

Para liberar sua maldade e instinto tirânico, sob o efeito do álcool, essas pessoas se igualam aos maiores delinquentes da história.

Josélio, logo passou a conviver com a cirrose hepática, e faleceu aos 58 anos, depois de longo internamento hospitalar.

Voltando ao problema do alcoolismo, já vi muito bêbado que, quanto mais bebe, mais apaixonado pela esposa, é. Mas a “parte que desse latifúndio” coube a Rozana, foi a pior de todas. Quanto mais Josélio bebia, mais detestava a mulher, chamando o tempo todo pela falecida esposa, com quem tinha sido casado durante 17 anos.

Voltando ao Chorinho:

Altamiro Aquino Carrilho , o Áz do chorinho brasileiro, gravou seu primeiro choro em 1949, “Flauteando na Chacrinha” e em 1950 formou seu próprio conjunto na Rádio Guanabara. Em 1958, recebeu o troféu Microfone de Ouro, instituído pela revista Radiolândia. Em 1997, seu disco “Flauta Maravilhosa” recebeu o prêmio Sharp, de melhor álbum instrumental.

Altamiro Aquino Carrilho (Santo Antônio de Pádua, 21 de dezembro de 1924 – Rio de Janeiro, 15 de agosto de 2012) foi um compositor e flautista brasileiro. Gravou mais de cem discos e compôs cerca de duzentas canções, tendo se apresentado em mais de quarenta países, difundindo o Choro Brasileiro.

Foi o flautista brasileiro, com maior número de gravações registradas na história do disco no Brasil, além de ser considerado por críticos e especialistas da área, como um dos maiores flautistas da história desse instrumento.

Foi considerado pelo flautista francês Jean Pierre Rampal, como o melhor flautista do mundo.

Estreou em disco em 1943, participando da gravação de Moreira da Silva em formato 78 rpm, na Odeon.

Outro Ás do chorinho:

WALDIR AZEVEDO – (27 de janeiro de 1923 – Rio de Janeiro – RN – 20 de setembro de 1980 – São Paulo-SP)

Músico e compositor brasileiro, mestre do cavaquinho e autor dos famosos choros “Brasileirinho”, “Delicado” e Pedacinhos do Céu” além de uma infinidade de outro belíssimos chorinhos.

Nascido na Piedade e criado no bairro do Engenho Novo, no Rio de Janeiro, Waldir Azevedo foi, até hoje, o maior nome do cavaquinho brasileiro. Apesar disso, ele demorou a se encontrar com o instrumento. Começou tocando flauta e, em seguida, passou para o bandolim, só então assumindo o cavaquinho que o consagraria. Nesse meio tempo, também tocou violão. Mas foi com o inconfundível cavaquinho que ele criou “Pedacinhos do Céu”, uma das músicas mais bonitas do repertório de choro e que batiza um bar em Belo Horizonte.

“Pedacinhos do Céu” é considerado pelos adoradores do chorinho, o Hino Nacional do Choro.

“ANDRÉ DE SAPATO NOVO” é um chorinho que mexe comigo. Desde sempre aprendi a gostar, pois em Nova-Cruz, nas rodas de choro da casa da minha tia Nazinha (Ana Gadelha) não me cansava de ouvir e pedir bis para esse chorinho.

Em Barra de Cunhaú, Chiquinho da Flauta (ou Chiquinho Felipe) sempre atendia aos meus pedidos e uma vez por outra intercalava outras músicas com “ANDRÉ DE SAPATO NOVO”.

Quando Chiquinho da Flauta, ou Chiquinho Felipe, começava a tocar flauta, o prefixo que eu pedia era “ANDRÉ DE SAPATO NOVO”, que eu adorava. E ele sempre me atendia. Inclusive, intercalando outras músicas com esse maravilhoso chorinho.

Hoje, a saudade dos dias idos e vividos está doendo em mim. Saudade dos dias alegres da Barra do Cunhaú, com a família reunida, e todos vivos.

Waldir Azevedo – Delicado

 

 

Altamiro Carrilho – André De Sapato Novo

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 02 de agosto de 2024

A FALTA QUE ELE ME FEZ (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

A FALTA QUE ELE ME FEZ

Violante Pimentel

Estou tensa com o avançado da hora. A partir da meia noite, também terei que me desligar dele. Não poderei vê-lo, pegá-lo ou apertá-lo. Ele é meu companheiro de todas as horas. Sem ele, não me deito. E se me deito, não consigo dormir. Tem sido o meu amor e está comigo em todas as horas. A saudade dele está “doendo em mim”.

 

 

 

Pela primeira vez, depois 10 anos, vi-me obrigada a me afastar dele. Nunca imaginei que isso fosse possível. De repente, não mais que de repente, isso aconteceu.

Para mim, ele é do tamanho do mundo. Um mundo de paz e alegria.

A tranquilidade bateu em minha porta, desde o dia em que o conheci.

Fecho os olhos e tento mudar o pensamento. Sem ele, perdi “meu norte” e nada me satisfaz.

De repente, senti falta dele. De repente, o mundo parou. A sensação de que o ar iria me faltar tomou conta de mim. Senti pânico. Medo da vida, medo de tudo.

Já no Centro Cirúrgico, aguardando a minha vez, senti a boca seca.

Pensamentos confusos me embaraçaram a mente.

Pedi água, mas não me deram. Pedi ajuda a quem estava por perto, mas todos me ignoraram. Mesmo sem respirar direito, fechei os olhos. O Centro Cirúrgico estava gelado. Não notei quando fui anestesiada. Só me lembro do médico me respondendo “não” a tudo o que eu pedia.

Quando despertei, o pesadelo havia terminado. A cirurgia de vesícula foi um sucesso.

Com alegria, recebi de volta meu inseparável SORINE, razão dessa minha agonia.

O cirurgião, risonho, disse que ali no Centro Cirúrgico, já tinha visto de tudo:

Pacientes com escapulários, “agnus dei” e medalhas de santos, mas pela primeira vez na vida, tinha visto uma paciente desesperada, agarrada com um vidro de “sorine”.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 27 de julho de 2024

TUPI (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

TUPI

Violante Pimentel

 

Tupi foi o mais inteligente e o mais dócil dos cães vira-latas, que eu conheci. Amigo das pessoas da casa, principalmente do dono e das crianças, fazia as vezes de vigilante e de um verdadeiro cão- de- guarda.

Brincava com as crianças e disputava com elas todos os brinquedos. Era um companheiro incansável.

Dava gosto vê-lo jogar-se à piscina e resgatar os brinquedos que os filhos do seu dono lhe atiravam, por mais distantes que caíssem. Repetia essa “obrigação” até que os meninos se cansassem. Tirava da água cada brinquedo com a boca, e o exibia, como se fora um troféu. As crianças vibravam, com a rapidez com que o cão resgatava os brinquedos por elas atirados à água.

Essa brincadeira recomeçava inúmeras vezes, sem cansar a paciência de Tupi. Depois, eram corridas, lanches, gargalhadas, saltos, até que o assobio de um empregado da fazenda chamava o fiel animal às suas obrigações. Corria, então, como um raio, para tanger as vacas, que eram levadas aos pastos, impedindo-as de entrar nas terras do vizinho.

Quando Pedro, o carroceiro, ia levar batatas para vender no mercado, Tupi o acompanhava, como se fosse o capataz da fazenda.

Triste de quem ousasse saltar o muro para roubar. Uma vez, o cão deu prova de sua extraordinária sagacidade. Um desocupado pulou o muro, à noite, e tentou furtar uma saca de batatas, de 60k. Tupi, como um bom vigilante, esperou que ele procurasse o caminho da saída, levando a saca na cabeça, e o agarrou pela camisa, fazendo-o largar o objeto furtado.

Era como se dissesse: “Onde você pensa que vai, levando as batatas do meu dono?”

O homem quis pôr o saco no local de onde o tinha tirado, mas Tupi não deixou, mantendo-o seguro pela camisa, até amanhecer o dia, sem o ferir ou morder.

O dono da fazenda, logo cedo, levantou-se e encontrou Tupi nessa difícil posição. Repreendeu o malfeitor, que tremia de medo, e ameaçou de mandar prendê-lo, caso repetisse a má ação.

O ladrão, porém, passou a odiar o cachorro, e jurou para si mesmo que sua vingança contra aquele animal seria “maligna”.

Ladrão hoje, ladrão sempre”- diz a sabedoria popular.

Alguns dias depois, o ladrão voltou a pular o muro da fazenda. Percebendo a ausência do fazendeiro e das crianças, chamou Tupi, que correu para ele sem desconfiança. Sem qualquer testemunha, o bandido enlaçou o pescoço do cachorro com uma corda e o arrastou até à margem do rio, num local sinalizado como perigoso.

Atou à outra ponta da corda uma grande pedra, e, levantando o animal, jogou-o às águas do rio. Com o esforço feito ao segurar Tupi e a pedra, o malfeitor se desequilibrou e também caiu no rio, no mesmo local onde acabara de jogar o indefeso animal.

Como não sabia nadar, o covarde, apavorado, viu-se perdido. E teria morrido afogado, se não fosse o corajoso Tupi. Obedecendo ao seu instinto de salvador, e desembaraçando-se da pedra mal atada, o fiel cão de guarda, mergulhou duas vezes, trazendo para terra o seu mortal inimigo.

O cachorro conseguiu sair da água nadando. Olhou para o rio e viu seu algoz se debatendo, sem conseguir tomar pé. Decidido, Tupi pulou no rio e conseguiu salvar seu pretenso assassino.

Desnorteado, o homem se deu conta de que o cachorro que ele tentou matar afogado, fora salvo pelas mãos de Deus. E foi esse cachorro que pulou nas águas para salvá-lo.

O remorso subiu-lhe à cabeça

O bandido envergonhou-se do ato miserável que praticara e, desde esse dia, se regenerou, deixando de praticar ações violentas, contra pessoas ou animais.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 19 de julho de 2024

A ORELHA (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

A ORELHA

Violante Pimentel

 

A Orelha possui intenso significado na cultura popular, e sobre ela, se tem muitas histórias a contar.

Houve época em que os ladrões tinham as duas orelhas cortadas. (Ordenações Afonsinas, Livro I, título 60, parágrafo 11) e tornou-se uso velho e vulgar em Portugal e Espanha, espalhando-se pelas Américas.

Cortar a orelha do inimigo vencido era o troféu mais importante da época, pois isso o impediria de captar conhecimentos, pois todos achavam que entrava pela audição.

O pavilhão auricular era dedicado a Mnemosine, a deusa da Memória. Dessa certeza veio o costume de se puxar a orelha dos estudantes para que decorassem ou não esquecessem o que aprendiam. era o processo de mnemotécnica. Qualquer história antiga e minuciosa

O Conhecimento entrava pela audição. Era o pavilhão auricular dedicado a Mnemosine, a deusa da Memória. Por isso, havia o costume de puxar aorelha dos alunos a fim de que decorassem ou nã esquecesse3m o que aprendiam na Escola. Qualquer história antiga e registra esse furor de cortar orelhas.

Os portugueses fizeram maravilhas no Oriente, empilhando as orelhas derrotadas. Começou por Vasco da Gama, cortando 800 orelhas. Afonso de Albuquerque cortou ta orelha, que perdeu o número.

No Brasil, tornou-se uso e costume. Bartolomeu Dias, esmagando um quilombo de escravos fugidos, deixou todos sem orelhas, num total de 7.800 que ofereceu ao Conde de Bodadela, capitão-general.

No Dicionário do folclore brasileiro, Edição atual – 12 ed. São Paulo: Global, 2012. (N.E), a informação é maior, incluindo o costume romano de levar as testemunhas pela orelha ao tribunal, para que prestassem depoimento.

Puxar a orelha era uma invocação à deusa da Memória, atendida pela conservação imediata do que se procurava reter mentalmente. Seria uma maneira especial de pedir a intervenção sobrenatural de Mnemosine.

O castigo de cortar as orelhas, é muito antigo e comum. Era a punição por alguém não ter ouvido, entendido, compreendido, ou obedecido ao que determina a lei.

João Brígido (Ceará: homens e fatos, Rio de Janeiro, 1919) informando sobre a data de 3 de março de 1741, escreve:

“Um alvará dessa data ordena que os escravos que se encontrassem em quilombos, estando neles voluntariamennte, fossem assinalados com um F, e na resistência tivessem uma orelha cortada.

Esta pena se podia aplicar por simples mandado do ouvidor, do juiz de fora ou do juiz ordinário.

Se o Brasil adotasse essa norma, seria menos doloroso para a população carcerária do que apodrecer na prisão, cumprindo prisões preventivas infindáveis.

Pois bem. A orelha cortada mais famosa do mundo foi a do pintor Van Gog.

Por falar em orelha cortada:

Em 1888, na cidade francesa de Arles, aconteceu um dos episódios mais famosos da história da arte: um estrangeiro foi até um bordel da cidade e entregou a uma garota que estava no local um pacote com um pedaço sangrento de sua própria carne.

Era Vincent van Gogh, que acabara de cortar a própria orelha. Na época, tratava-se de um pintor desconhecido e sem sucesso, mas que posteriormente se tornaria um dos artistas mais famosos de todos os tempos.

O ano que ele passara na região francesa de Provença o definiu: foi o período em que criou suas obras-primas mais apreciadas, mas também aquele em que se mutilou.

Horas depois do episódio no bordel, às 7h da manhã, na véspera de Natal, o pintor Vincent van Gogh foi encontrado pela polícia em sua cama, em posição fetal e com a cabeça envolta em trapos empapados de sangue.

Os policiais pensaram que ele estava morto, mas não estava.

Van Gogh morreu 18 meses depois, em 29 de julho de 1890, em consequência de uma infecção que contraíra alguns dias antes, após tentar se matar com um revolver.

A história do corte de sua orelha é o incidente mais famoso do mundo da arte moderna. No entanto, ninguém sabe o que ocorreu realmente naquele dia de dezembro de 1888.

Até pouco tempo atrás, não havia nem certeza de que ele realmente tivesse cortado a própria orelha – se desconfiava que tinha apenas cortado o lóbulo.

A BBC acompanhou a historiadora de arte Bernadette Murphy, que desde 2010 se dedica a desvendar o mistério.

Em 2010, Murphy começou pesquisas nos cartórios da cidade, nas bibliotecas e nos arquivos de Arles e outras cidades da região.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 12 de julho de 2024

Aí SÃO OUTROS QUINHENTOS! (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

Aí SÃO OUTROS QUINHENTOS!

Violante Pimentel

 

Este ditado popular veio de Portugal há mais de três séculos, e ainda hoje permanece atual.

Nesse mesmo sentido, Walter Barelli, Ex-ministro do Trabalho do governo Itamar Franco (1992 a 1995), costumava dizer: “Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.”

Somente não enxerga as diferenças quem estiver acometido da cegueira política. E o maior cego que existe é aquele que não quer ver.

No Tesouro da Língua Portuguesa, de Frei Domingos Vieira (2ª edição, Lisboa 1874), consta: “Isto são outros quinhentos” quer dizer que nem todas as coisas são iguais. Cada caso é um caso.

A parte decente do povo brasileiro, cada vez mais indignado, vê a injustiça tomando corpo e o espírito do mal tentando aniquilar o cidadão de bem.

Enquanto isso, os corruptos estão, escandalosamente, mandando e destruindo o nosso País. E Mr. Pig, o torturador, continua agindo e cercando ofendidos e humilhados, sem temer a Deus, nem ao reverso da medalha.

A sede de vingança do poderoso chefão é infinita. Está ostensivamente amarrando a corda em redor do mito, pois o fato dele estar vivo, incomoda. Quer tirar o mito Jair Messias Bolsonaro definitivamente de cena. Ignora que existe outro mito maior, com quem ele não pode medir forças. Este grande mito é Deus. Contra Deus, não se pode medir forças.

Voltando à expressão “Aí são outros quinhentos”, nada se sabe sobre sua evolução temática. Continua sendo usado com o mesmo sentido. Mas, é impressionante, como uma velha frase, que veio de Portugal há mais de três séculos, seja tão atual.

O caso do ex-prisioneiro sortudo, que hoje é presidente, é um, enquanto os pecados do mito são puramente veniais. “Aí são outro quinhentos!!!”.

A frase vem de Portugal, na Península Ibérica, no século XIII. Surgiu a partir de uma lei que estipulava uma multa de 500 soldos a quem ofendesse um membro da nobreza. Caso houvesse reincidência, aí seriam cobrados “outros quinhentos”.

A expressão significa “outra coisa, outra situação, outra atividade, algo diferente”. Outro processo.

“São outros quinhentos!”, segundo o Historiador e Folclorista potiguar, Luís da Câmara Cascudo, vale dizer: “são outras razões”, é um novo caso; outra penalidade.

Quanto à opinião da mídia de que o ex-Presidente e o atual incorreram nos mesmos delitos, trata-se de uma narrativa equivocada. Não há termos de comparação. Só não vê quem não quer.

Atentemo-nos para a obra “A Revolução dos Bichos“, da autoria de George Orwell. Quando escrita em 1945, a obra causou mal-estar no cenário literário e político da época, pois foi recebida como uma sátira feroz da ditadura stalinista, e os soviéticos eram vistos como aliados na luta contra o nazifascismo.

Para agravar a provocação, os líderes do regime totalitário da “Granja dos Bichos” eram os Porcos – o que soou como uma ofensa direta aos dirigentes russos. Realmente, a semelhança era incontestável. Era impossível não identificar nos expurgos, assassinatos, exílios e na distorção da memória histórica o que ocorria na União Soviética.

Poucos anos depois, a situação se inverteu: com o acirramento da Guerra Fria, o Ocidente passou a usar a fábula política de George Orwell como arma ideológica anticomunista – situação incômoda para o próprio autor, que se professava socialista e havia lutado como voluntário ao lado dos republicanos na Guerra Civil Espanhola.

Hoje, passadas várias décadas de profundas transformações no mundo, “A Revolução dos Bichos“, verdadeira obra-prima de George Orwell, resiste intacta, refletindo como um espelho os mecanismo do poder, onde os diversos animais encarnam as fraquezas humanas, que levam à corrosão dos ideais igualitários e os transformam em tirania.

Pois bem. Falando sobre “A Revolução dos Bichos“:

“Cansados da exploração a que são submetidos pelos humanos, os animais da Granja dos Bichos rebelam-se contra seus donos e tomam posse da fazenda, com o objetivo de instituir um sistema cooperativo e igualitário, sob o slogan “Quatro pernas bom, duas pernas ruim”.

Mas não demora muito para que alguns bichos – em particular os porcos, que são mais inteligentes- voltem a usufruir de privilégios, restituindo aos poucos um regime de opressão, agora inspirado no lema “Todos os bichos são iguais, mas alguns bichos são mais iguais que outros.”

A história da insurreição libertária dos animais é reescrita, de modo a justificar a nova tirania. Os dissidentes desaparecem ou são silenciados à força.

A magnífica obra “A Revolução dos Bichos” foi inspirada na ditadura stalinista, e ainda hoje, decorridas várias décadas, continua se impondo como uma das mais importantes fábulas sobre o poder, produzidas pela literatura brasileira.

George Orwell, pseudônimo de Eric Arthur Blair (1903 – 1950), jornalista, crítico e romancista, foi considerado um dos mais importantes escritores do século XX.

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 05 de julho de 2024

SENTIMENTAL DEMAIS (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIRORA VIOLANTE PIMENTEL)

SENTIMENTAL DEMAIS

Violante Pimentel

A música Sentimental Demais, da autoria do compositor, cantor e músico cearense Evaldo Gouveia, foi lançada em 1965, na voz do cantor mineiro Altemar Dutra (1940 – 1983), com estrondoso sucesso.

Essa música sintetizou no título, a natureza do cancioneiro popular do compositor cearense Evaldo Gouveia (8 de agosto de 1928 – 29 de maio de 2020).

Em parceria com o compositor capixaba Jair Amorim (1915 – 1993), a quem foi apresentado em 1958, Evaldo Gouveia construiu uma obra já eternizada na memória afetiva do povo brasileiro.
Quase sempre compostas na cadência do bolero ou do samba-canção, suas músicas sempre soaram sentimentais, como a alma do povo brasileiro, que sempre as cantou em casa, nas ruas, nos bares, nos shows, enfim, em qualquer lugar em que, ao vivo ou na gravação de um disco, um intérprete se derrame ao dar voz a uma música de Evaldo Gouveia e Jair Amorim.

Nos anos 1960, um desses intérpretes foi Anísio Silva (1920 – 1989), cantor baiano que lançou o bolero Alguém me disse. Primeiro grande sucesso do compositor Evaldo Gouveia, Alguém me disse veio ao mundo um ano após Conversa (1959), primeiro título da parceria de Jair e Evaldo. Conversa ganhou as vozes das cantoras Alaíde Costa, Hebe Camargo (1929 – 2012) e Luciene Franco em gravações quase simultâneas.

Contudo, o laço mais forte da dupla de compositores foi mesmo com Altemar Dutra, em vínculo iniciado em 1963 com a gravação do bolero Tudo de mim pelo então emergente cantor com voz de trovador. Os registros sequenciais do bolero Que queres tu de mim e do samba-canção Somos iguais reforçaram em 1964 esse laço, definitivamente consolidado em 1965 com a gravação da canção Sentimental demais, à qual se seguiu, no ano seguinte, outro grande sucesso, Brigas (1966).

Sem se afastar totalmente dessa linha sentimental, Evaldo Gouveia também caiu no samba mais animado – sempre em parceria com Jair Amorim – ao compor O Conde (1969), grande sucesso na voz esfuziante do cantor Jair Rodrigues (1939 – 2014).

Na letra de O Conde, há referência à escola de samba Portela, para a qual Jair e Evaldo fizeram (com a adesão do compositor Euzébio Nascimento, o Velha) O mundo melhor de Pixinguinha (Pizindin), samba-enredo com o qual a agremiação desfilou no Carnaval de 1974, após compositores tradicionais do gênero terem protestado nos bastidores contra a entrada de dois estranhos no ninho folião. Alheio à controvérsia, o povo carioca cantou a plenos pulmões o fluente samba-enredo de Jair Amorim, Evaldo Gouveia e Velha.

Nascido na interiorana cidade cearense de Iguatu (CE), Evaldo Gouveia morreu em Fortaleza (CE), onde residia nos últimos anos, mas fez sucesso ao transitar entre as cidades de Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP) a partir dos anos 1940, em plena era do rádio.

Se o cantor (integrante do Trio Nagô de 1950 a 1962) nunca ficou muito tempo sob os holofotes, o compositor reinou nas paradas – em vozes alheias – entre 1960 e 1975, ano em que a cantora Ângela Maria (1929 – 2018) voltou a fazer sucesso massivo com Tango pra Tereza, última composição da dupla a obter ampla repercussão nacional.

A partir da década de 1980, o cancioneiro de Evaldo Gouveia perdeu impulso no mercado, embora sempre reaparecesse regularmente através de regravações dos sucessos do compositor por cantoras como Ana Carolina, Fafá de Belém e Gal Costa, entre outras vozes.

Além de Jair Amorim, Evaldo Gouveia compôs com parceiros do quilate do compositor carioca Paulo César Pinheiro – com quem assinou músicas como Poster, samba-canção gravado em 2017 pelo cantor Léo Russo – e do poeta conterrâneo Fausto Nilo, com quem fez Esquinas do Brasil (2001) e Nada mudou (2017).

Contudo, é mesmo pela obra composta com o parceiro mais famoso, Jair Amorim, que Evaldo Gouveia será lembrado como hábil arquiteto da canção popular. Um artista assumidamente sentimental demais, como o povo que, imune aos preconceitos dos críticos e das elites culturais do Brasil, desde o início referendou Evaldo Gouveia como compositor de grande sucesso.

Entre os compositores românticos da nossa MPB, na minha opinião, o que mais mexeu com os corações apaixonados foi o cearense EVALDO GOUVEIA, autor de uma discografia invejável.

Ele acertava em cheio, cada música para um momento próprio da trajetória do amor, inclusive os momentos de ciúmes.

Suas belíssimas composições também foram gravadas por grandes intérpretes da MPB, como Anízio Silva (Alguém Me Disse – 1960), Altemar Dutra (Sentimental Demais- 1965), Jair Rodrigues (O Conde – Samba-enredo da Escola de Samba Portela – 1973) e outros.

Evaldo Gouveia teve outros grandes parceiros musicais, como Paulo César Pinheiro e Fausto Nilo, valorizando ainda mais o seu legado musical.

Ao morrer em Fortaleza (CE), na sexta-feira, 29 de maio de 2020, aos 91 anos, vítima de infecção pelo covid-19, Evaldo Gouveia deixou para a posteridade suas canções belíssimas e sentimentais demais.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 28 de junho de 2024

A VOZ DO POVO (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

A VOZ DO POVO

Violante Pimentel

 

Antigamente, calvar ou descalvar a terra era abater a vegetação que cobria um cimo de monte, ficando a elevação despida de arvoredo.

Também, antigamente, o homem careca era chamado de calvo.

Ficar com a calva à mostra, era uma pena aplicada a um condenado, por ter se portado covardemente numa batalha, fugindo das fileiras, abandonando o posto que lhe fora confiado, ou praticando atos de vilania. O condenado tornava-se indigno do título e situação de fidalgo, e tinha a cabeleira cortada pelo carrasco, seguindo-se a sua expulsão das hostes privilegiadas.

Esse ato era uma dolorosa punição, e acontecia na presença de todos os antigos companheiros.

Os cabelos longos eram atributos notórios da nobreza. Um condenado, portanto, jamais poderia ter cabeleira bonita.

O ex- cavaleiro, com a calva à mostra, estava publicamente degradado de sua condição aristocrática. Passava a ser um plebeu miserável e um covarde por todos conhecido. Sua reabilitação era impossível.

Nos dias atuais, a evolução da cibernética tornou pública a exposição do infrator, com a revelação dos seus defeitos, sem falar dos seus direitos. Os chamados direitos humanos só existem no papel.

A mídia nos fala sobre infratores presos há mais de um ano, por suposta tentativa de golpe, sem quaisquer resquícios de sentimento humano, com relação à saúde e a vida regrada que eles, comprovadamente, levavam antes do fatídico dia, que resultou nesse encarceramento sem sentido.

Assim como os podres poderes, os presídios estão cheios de homens vazios e descrentes de tudo, à espera de um julgamento justo, que dê uma solução rápida aos seus supostos crimes. Enquanto criminosos cumprem pena fora da prisão, inocentes continuam na cadeia, cumprindo prisão preventiva infindável, o que acontece ao arrepio da lei.

E assim “caminha a humanidade”. Até quando?

Mudando o rumo dessa prosa:

No interior nordestino, o caloteiro contumaz tem fama de não pagar nem promessa a santo.

Há caloteiros de carteirinha, desonestos por compulsão. Incomodam pessoas conhecidas, sabendo que quem lhe emprestar dinheiro, já perdeu. O empréstimo irá para o “tinteiro”. Jamais será pago. Os caloteiros compulsivos enganam até ao Papa. Se tiverem oportunidade, serão capazes de furtar até o dinheiro da coleta da Igreja.

A humanidade é dividida em duas classes: Os honestos e os desonestos.

Não existe remédio para regenerar uma pessoa desonesta, principalmente no meio político. A desonestidade está no sangue e se propaga até a 5ª geração, ou mais. A reabilitação é muito rara, senão impossível.

Séculos atrás, raspar a cabeça do desonesto era punição. Hoje já não é. Nem se fala nisso. Se a moda de raspar a cabeça de ladrões voltar, vai ser “uma gracinha”.

Ninguém perde por ser honesto. O desonesto “está frito” para o resto da vida. É condenado pela opinião pública e perde sua dignidade.

A opinião pública é decisiva, em determinados julgamentos. Vale a sentença ditada pelo povo.

E “a voz do povo é a voz de Deus” – diz o ditado.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho segunda, 24 de junho de 2024

LOUVADO SEJA (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL

 

LOUVADO SEJA
Violante Pimentel
 
 

Há décadas, Louvado Seja era o apelido de um antigo pedinte de Nova- Cruz, portador de um distúrbio neurológico, que o impulsionava a andar correndo. Era como se alguém invisível o estivesse empurrando. Dava pequenas e constantes carreiras, em curtos intervalos. Não ficava parado um só instante, nas horas em que era visto a esmolar. Seu apelido foi motivado pela louvação que dizia a toda hora, inclusive antes de pedir uma esmola. Quando ele apontava no começo da nossa rua, Barão do Rio Branco, a meninada que brincava nas calçadas corria para casa, com medo. Esse pavor era provocado por comentários maldosos, espalhados pela cidade, de que Louvado Seja incorporava um espírito maligno, que o empurrava, para que corresse até sofrer uma queda fatal. Era como se alguém estivesse querendo, com ele, um acerto de contas. Diziam que eram coisas do demônio, e muita gente acreditava piamente nessa versão. Ao pedir uma esmola, a voz forte de Louvado Seja podia ser ouvida de longe:

“Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo! Uma esmola pelo amor de Deus”!

Recebia a esmola, repetia a louvação e era impulsionado a correr novamente. As crianças tinham pavor a ele, inclusive eu. Minha avó paterna, dona Júlia, nunca deixou de lhe dar uma esmola, nem tinha medo dele. Eu, que vivia muito com ela, em sua casa, vizinha à nossa, quando o avistava tremia de medo e entrava correndo. Arrodeava pelo quintal e ia à procura de minha mãe. Agarrava-me à sua saia, apavorada. Ela me abraçava e tentava me explicar que Louvado Seja não fazia mal a ninguém e que o problema dele era um doença.

Nova-Cruz, naquela época, era um atraso total. Morria-se à míngua, sem qualquer assistência médica.O deslocamento para Natal ou João Pessoa levava de cinco a seis horas. Isso, se o trem ou o ônibus não desse o “prego”. As estradas rodoviárias eram de barro e esburacadas, e no inverno, então, uma viagem dessa era um suplício. Uma verdadeira “odisseia”.

Nova-Cruz faz fronteira com a Paraíba. O progresso demorou muito a chegar até lá. A energia de Paulo Afonso só foi inaugurada em 1962, por esforço do então Governador Aluízio Alves. Água encanada, também demorou muito a chegar.

Minha saudosa mãe possuía um livro comprado em Natal, chamado “Medicina do Lar”, que, entre diversas doenças, fazia referência aos sintomas idênticos aos apresentados por Louvado Seja. Eram próprios da “doença de São Guido (ou Vito)”. Essa doença também é conhecida como Coreia de Huntington ou Mal de Huntington. É uma alteração hereditária do cérebro, que afeta pessoas de todas as populações em todo o mundo. O seu nome vem do médico George Huntington, que fez a primeira descrição do que ele chamou “Coreia Hereditária”. O termo “Coreia” tem origem na palavra latina choreus (que se refere a “dança”) devido aos movimentos involuntários, que são uns dos sintomas principais dessa doença rara.

Dona Lia se convenceu de que Louvado Seja era portador dessa enfermidade neurológica. Como não era médica, só comentava o assunto com o marido e familiares. O fato é que Louvado Seja padeceu desse mal a vida toda, sem nunca ter ido a um médico.

São Vito (?-303), também chamado por muitos de São Guido, foi um mártir italiano filho de pagãos, mas educado na fé cristã, por Santa Crescência e São Modesto.

As publicações católicas esclarecem que esse santo é considerado padroeiro dos epilépticos e foi um dos mais populares na Idade Média. Sua festa é comemorada no dia 15 de junho.

A associação existente entre São Guido ou Vito e a doença nervosa a que nos referimos, provavelmente, prende-se ao fato de que pessoas atacadas por esse mal começaram a procurar a sua Capela, erguida na Suábia, um antigo ducado alemão da Idade Média, para pedir sua proteção.

O nome “doença de São Guido (ou São Vito)” pegou, e, em algumas regiões, virou expressão popular, para denominar pessoas agitadas, com movimentos involuntários, provocados por contrações nervosas no rosto ou em outras partes do corpo. Estariam atacadas pela “doença de São Guido”.

Ainda hoje me lembro de Louvado Seja, e sinto medo. Suas carreiras curtas e constantes, seus tiques nervosos, além da voz grossa e assustadora, davam-lhe a aparência de um homem elétrico, um ser sobrenatural. Apesar das carreiras que dava, impulsionado pelos nervos doentes, Louvado Seja nunca fez mal a ninguém, durante os anos em que percorreu as ruas de Nova-Cruz, pedindo esmolas. Se algum espírito o empurrava, como muitas pessoas acreditavam, o poder de Deus sempre o protegeu e ele nunca caiu. Deixou de pedir esmolas de repente, e a notícia de sua morte se espalhou na cidade, provocando dó em todas as pessoas.

Ninguém sabia o seu verdadeiro nome, mas o seu apelido é impossível esquecer.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 22 de junho de 2024

A SAUDADE (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

A SAUDADE

Violante Pimentel

A palavra saudade tem origem latina. A hipótese mais aceita pelos estudiosos é que ela vem do latim “solitatem”, que significa solidão.

Saudade é o tema mais cantado pelos poetas e seresteiros brasileiros. É a palavra mais bonita da língua portuguesa e abrange um alcance infinito. Sentimos saudade de pessoas, lugares, épocas, perfumes, e até do cheiro e do gosto de algumas comidas, que marcaram época em nossas vidas.

Pois bem. A saudade tem cheiro e tem gosto. É assim que ela se apresenta diante de nós. A voz, o sorriso e a imagem de alguém querido nos acompanharão por toda a nossa vida. As lembranças doem demais.

Para quem é nordestino, há lembranças crônicas, que o tempo não apaga: O cheiro de café torrado, com rapadura derretendo no fogo, pão assando na chapa, milho-alho pipocando no tacho, canjica fervendo no caldeirão, milho cozinhando ou assando, cravo, canela e erva-doce no pé-de-moleque, cheiro de feijão cozinhando com jabá e jerimum, cheiro de castanha assando, e por aí vai…

Isso tudo faz ativar nossa memória e um festival de lembranças nos assola. De repente, se apossa de nós a saudade “matadeira”, que se traduz em pingos de chuva que inundam nossos olhos.

Saudade é uma das palavras mais usadas nas poesias de amor e nas músicas românticas da língua portuguesa. Significa a lembrança de um tempo feliz ou algo muito bom que já aconteceu na nossa vida e a imensa vontade de reviver esses momentos. É uma lembrança forte, sentimento de felicidade, mágoa ou nostalgia, causado pela ausência, distância ou privação de pessoas, épocas, lugares ou coisas, a que estivemos afetivamente ligados e que faríamos qualquer coisa para viver tudo novamente.

Vivo olhando pelo retrovisor do tempo e as minhas saudades são infinitas. Não sou masoquista, mas elas não me largam. A saudade é dor da gente…está dentro de nós, e quanto mais solitários somos, mais a saudade nos consome.

Saudade é um sentimento causado pela distância ou pela perda de algo ou alguém. Essa palavra tem origem no latim, com o significado de solidão. Ela é uma das palavras mais usadas nas poesias de amor e nas músicas românticas da língua portuguesa.

Saudade significa a memória de algo que aconteceu e a intensa vontade de reviver certos momentos.

Segundo a lenda, esse sentimento surgiu no período dos descobrimentos e definia a solidão que os portugueses vindos para o Brasil tinham da sua terra e dos seus familiares. Quando alguém sente saudades de algo ou de alguém, é chamado de saudosista. Os escravos adoeciam de saudade, que na época se chamava banzo.

Todas as pessoas sensíveis são saudosistas. É impossível não ser. Se bem, que conheço pessoas que ridicularizam os saudosistas, e usam como escudo a frase: “O que passou, passou…”

O que passou, passou, mas alguma coisa ficou. Não podemos dominar nossos sentimentos. Ninguém é igual a ninguém.

* * *

Sigo o gênio Chico Buarque de Holanda, Patrimônio da Música Popular Brasileira, no alto dos seus 80 anos, que emociona seus fãs desde os 16 anos, com a mesma pureza e magia da sua maturidade.

Músico, poeta, dramaturgo e escritor brasileiro, Chico Buarque se revelou ao público com a música “A Banda”, interpretada por Nara Leão, no II Festival de Música Popular Brasileira, exibido pela TV Record em 1966. Essa canção marcou o início da carreira do cantor e conquistou o público com sua melodia simples e mensagem de alegria em tempos difíceis.

Nascido em 19 de junho de 1944 no Rio de Janeiro, Chico Buarque é uma das figuras de maior destaque na música brasileira e nas artes e cultura do nosso País.

Filho do historiador Sérgio Buarque de Holanda, sua paixão pela música começou muito cedo.

Sua discografia é composta por 99 álbuns.

Sua composição “Maninha”, lançada em 1 de janeiro de 1977, aguça a saudade da minha infância e juventude, ao lado do meu Porto Seguro, Francisco Bezerra e Lia, e de todos os meus irmãos.

Outra música do grande compositor Chico Buarque que me emociona, entre tantas outras é “Tua Cantiga”, lançada em 28 de julho de 2017.

Puro lirismo e muita saudade.

Que Chico Buarque de Holanda, do alto dos seus 80 anos, receba todas as homenagens que merece, por ter atravessado todos esses anos com a personalidade firme e inabalável, sem mudar de opinião, nem se render ao deboche de pessoas pobres de espírito, que não valorizam o talento deste grande Brasileiro!

 

Viva Chico Buarque de Holanda!

A Banda

 

 

Maninha

 

 

Tua Cantiga

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 14 de junho de 2024

FESTAS JUNINAS (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

FESTAS JUNINAS

Violante Pimentel

Anteontem, Dia dos Namorados, à noite, os bares e restaurantes de Natal estavam repletos de casais apaixonados, indistintamente.

As festas juninas compreendem as celebrações de Santo Antônio (13/6), São João (23/6) e São Pedro (29/6).

Santo Antônio, na cultura popular, é considerado o santo casamenteiro. É quem abre as festas juninas. É dia de rezas fortes, com a intenção de se arranjar “pareia”. Santo Antônio é conhecido por trazer “pareia”, por gosto ou aos empurrões. Por isso, o dia dos Namorados é festejado em seu louvor.

 

 

 

As tradições juninas, no Brasil, datam de 1583. A fogueira, as quadrilhas, as roupas caipiras, os fogos e balões tem origem diversa.

A quadrilha teve origem na França (quadrille). Era uma dança com passos inspirados nos bailes da nobreza europeia, surgida nos salões da corte francesa.

Na época da colonização do Brasil, os portugueses trouxeram essa dança, onde os participantes obedecem a um marcador, que usa palavras afrancesadas, para indicar o movimento que devem fazer, tais como: “anavantur” (en avant tout), “anarriê” (en derrière), “avancê” (avancer), “balancê” (balancer), etc.).

As festas juninas são comemoradas em todo o Brasil, principalmente na região Nordeste, onde chegou através dos padres Jesuítas, com muito sucesso.

Como o Nordeste padece com a seca braba, o povo aproveita as festividades juninas para agradecer as chuvas que raramente caem na região, servindo para manter a agricultura.

A mistura do linguajar matuto com o francês deu origem ao “matutês”, com humor e sotaque do interior nordestino. Nesta dança, é preciso seguir os comandos e no final os casais participantes se despedem, acenando ao público.

Os fogos de artifício são originados da China, onde teria surgido a manipulação da pólvora para a fabricação de fogos. Há também quem diga que os fogos são uma forma de agradecer aos deuses pelas boas colheitas. Na crendice popular, os fogos são elementos de proteção, pois espantam os maus espíritos, além de servir para acordar São João com o barulho.

Os trajes de rendas e fitas, tradicionalmente usados pelas damas que dançam as quadrilhas, são características da Península Ibérica, muito usados em Portugal e na Espanha.

Os homens fazem opção por camisas coloridas, estampadas ou “Xadrez”.

Esses caracteres culturais foram, ao longo do tempo, se integrando aos aspectos culturais dos brasileiros, incluindo os indígenas, afro-brasileiros e imigrantes europeus, em todas as regiões do País.

O maior símbolo das festas juninas é a fogueira.

Conta a História que a fogueira tem raízes católicas. Deriva-se de uma promessa feita entre as primas Isabel e Maria, Mãe de Jesus. Isabel havia prometido a Maria mandar acender uma fogueira sobre um monte, para lhe avisar do nascimento do filho João Batista, e assim pedir a sua ajuda.

No Brasil, a fogueira foi muito bem aceita pelos índios, que já gostavam muito de dançar ao redor do fogo.

Há ainda quem considere a fogueira uma proteção contra os maus espíritos, que atrapalhavam a prosperidade das plantações.

Por fim, há aqueles que utilizam a fogueira apenas para se aquecer e unir as pessoas ao seu redor, já que a festa é realizada num mês frio.

As brasas da fogueira também são um exemplo dessas tradições: assim que se apagam, devem ser guardadas. Conservam, desse modo, um poder de talismã que garante uma vida longa a quem segue o ritual. Talvez por isso, algumas superstições dizem que faz mal brincar com fogo, urinar ou cuspir nas brasas ou arrumar a fogueira com os pés.

Em Nova-Cruz (RN), minha terra natal, crianças e adultos aguardavam com ansiedade que a fogueira fosse acesa. Se o fogo pegasse logo, era sinal de que no próximo São João, todos estariam vivos. Se não pegasse, era mal sinal. Por isso, quando a fogueira acendia logo, todos batiam palmas de felicidade!

Os balões coloridos enchiam de alegria o Céu estrelado das noites de São João. E o som das músicas de Luiz Gonzaga se ouvia no rádio à bateria.

A era cibernética ainda estava longe de acontecer.

A Internet era uma utopia; nem ao menos se sonhava com ela. Os sons estridentes também não eram ouvidos, nem em sonho.

Os sons barulhentos das atuais festas juninas, e a substituição dos antigos e românticos forrós de Luiz Gonzaga pelas músicas sertanejas e de vaquejada, e até pelo Funk, Rap e Axé, fazem com que os amantes da boa música sintam-se cada vez mais frustrados e saudosos das antigas festas juninas.

Apesar de Santo Antônio (13/06), São João (23/06) e São Pedro (29/06) serem muito festejados, entre as três festas juninas, a mais animada, por tradição, é a Festa de São João.

Mas, as três festas juntas dão ao mês de junho um sabor de milho verde, iguarias saborosas e uma alegria cheia de saudade dos tempos idos e vividos, quando as festas juninas eram puro lirismo, sonhos, adivinhações e fantasia.

Salve Santo Antônio, São João e São Pedro!

Viva a Cultura Nordestina!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 07 de junho de 2024

*INVESTIGAÇÃO SOBRE UM CIDADÃO ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA* (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUERIORRA VIOLANTE PIMENTEL)

 

“INVESTIGAÇÃO SOBRE UM CIDADÃO ACIMA DE QUALQUER SUSPEITA”

Violante Pimentel

Este é o título de um clássico do cinema italiano, dos anos 70, “relativamente esquecido, mas terrivelmente atual.”

Elenco: Gian Maria Volontè, Florinda Bolkan, Massimo Foschi

A trama mostra a dificuldade que tem as instituições competentes, na hora de proceder inquéritos, que envolvam figuras importantes do meio político.

Trata-se de um filme italiano, de 1970, dirigido por Elio Petri e escrito por Elio Petri e Ugo Pirro.

 

Em um momento de perturbação política interna na Itália, um Inspetor do alto escalão da polícia italiana, com reputação ilibada, fama de incorruptível, mas reacionário, recebe a tarefa de reprimir os dissidentes políticos. Dentre eles está sua amante Augusta Terzi (Florinda Bolkan), que é por ele assassinada, por motivos outros.

Ele começa a testar os limites da polícia, vendo se irá ser acusado pelo crime. Assim, começa a plantar pistas óbvias que o identificam como o assassino da mulher, e vê seus colegas ignorando-as, seja intencionalmente ou não. Nenhum colega seu acredita que seja ele o assassino. E desviam o curso das investigações.

O filme é levemente baseado em Crime e Castigo, de Dostoiévski e aborda o abuso e corrupção do poder e da moral.

Uma denúncia nua e crua do que acontece e permanece chocante até hoje.

A opinião pública, nem de longe admite que o Inspetor seja o assassino da amante, mesmo com indícios plantados por ele próprio. Ele atravessa o inquérito incólume.

Enquanto isso, um jovem esquerdista é incriminado pela morte da amante do Inspetor, justamente pelo policial responsável pelas investigações do verdadeiro assassino. O Inspetor assiste ao desenrolar dos fatos, perplexo diante da facilidade com que se usa a impunidade no alto escalão.

O Inspetor foi transferido da Seção de Homicídios para o Gabinete Político. Entre as salas em acesso da população civil no departamento de polícia, por duas vezes se pode ver uma placa azul com a frase, “No Estado Democrático, a polícia está a serviço dos cidadãos.”

Pouco antes, ele havia assassinado Augusta Terzi, sua amante. Ela gostava muito de simular os casos de homicídio que o Inspetor acompanhava em seu trabalho. A festa de troca de cargo foi comemorada com champanhe que o Inspetor roubou da geladeira de Augusta, após tê-la matado.

A partir daí, começa a espalhar amplas evidências de sua culpa na cena do crime e assiste cada vez mais confiante à descoberta delas, sem que ninguém da polícia o interrogue. A instituição prefere acusar o marido de Augusta, que o próprio Inspetor diz que é inocente.

Quando a polícia chega ao apartamento de Augusta e começa a analisar os indícios, um dos policiais diz que o assassino é um cretino e o Inspetor também concorda e repete “um cretino”.

Em flashback, Augusta e o Inspetor simulavam situações onde ele a interroga, como se ela estivesse presa, desempenhando o papel de pai substituto. Quando explica para Augusta que a polícia atua sobre os sentimentos de culpa dos cidadãos, que se tornam crianças quando confrontados com o Estado, ela diz que dos homens que conheceu, ele é o mais parecido com uma criança. O inspetor se irrita. Antônio Pace, o rapaz que o viu sair do prédio, é preso como agitador político de esquerda e ameaçado pelo Inspetor – até porque Augusta queria se separar dele e justificou, chamando-o de sexualmente incompetente e dizendo que Pace, o vizinho do andar de cima, era seu novo amante.

Durante o interrogatório, a coisa foge ao controle do policial, quando Pace demonstra saber que o encarregado da repressão de Estado é um assassino, e ameaça denunciá-lo.

Depois da discussão com Pace, o Inspetor (que seus pares chamam de doutor e a amante chamava de comissário) se entrega a um de seus subordinados através de uma carta onde confessa a autoria do assassinato de Augusta.

Em seguida, se fecha em sua residência, até ser acordado em sua cama por um colega, que o avisa da presença de figurões, que o esperam na sala. O Inspetor insiste em declarar-se culpado, apresentando uma após a outra as provas que o incriminam. Reiteradamente, o grupo de senhores nega a existência de provas, como por exemplo, no caso do fio de sua gravata que ele colocou na unha da vítima. Quando lhe pedem a gravata, ele diz que a destruiu porque ficou em dúvida entre confessar ou utilizar seu poder para encobrir o fato.

O Inspetor falou de uma doença contraída por aqueles que fazem uso permanente e prolongado do poder: “uma doença profissional, disse ele, comum a muitas personalidades que tem nas mãos as rédeas da nossa pequena sociedade.”

Ridicularizado e agredido, o Inspetor termina concordando com a versão dos fatos de acordo com os colegas, e brinda o seu retorno ao rebanho, com uma frase lapidar:

“CONFESSO MINHA INOCÊNCIA.”

Todos se retiram.

A história termina com a citação da frase de Franz Kafka em O Processo (1925, capítulo 9):

“Não importa a impressão que nos dê, ele é um servidor da Lei, portanto pertence à Lei e escapa ao juízo humano”.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho segunda, 03 de junho de 2024

CASA DA FARINHA (POSTAGEM DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

Pode ser uma imagem de 5 pessoas
 
CASA DA FARINHA SÓ QUEM É NASCIDO NA ROÇA SABE!
 
BOA TARDE A TODOS OS PARTICIPANTES!
 
 
 
 

Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 31 de maio de 2024

HAJA PRAGA! (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMEMNTEL)

 

HAJA PRAGA!

Violante Pimentel

 

Décadas atrás, entrando pelo século passado, de uma hora para outra, do telhado de uma casa simples em Nova-Cruz, passou a cair por todos os cantos, uma “peste” de rãs, que não havia vassoura nem inseticida que conseguisse expulsar.

Aí moravam três irmãs, Chanoca, Chiquinha e Doroteia, uma solteira e duas viúvas. As três eram muito religiosas e comungavam diariamente. Mesmo assim, passaram a acreditar que aquela chuva de rãs era coisa do demônio.

A rua tinha diversas casas conjugadas, mas a infestação de rãs ocorreu apenas na casa das três idosas, católicas fervorosas, que acreditavam em Deus.

Desde o primeiro dia da invasão das rãs, as três irmãs passaram a dormir na casa de parentes.

Durante o dia, dentro de casa, rezavam-se terços e rosários e acendiam-se velas, na esperança de que as rãs voltassem ao seu “habitat”, que é a beira do rio ou lagoa.

O fato se tornou público e os curiosos pediam para ver de perto a “peste” de rãs que tirava o sossego das moradoras. Parecia coisa demoníaca, de casa mal- assombrada.

O Padre, ao tomar conhecimento do que estava acontecendo, foi benzer a casa e “exorcizou” as rãs, como se elas tivessem vindo de um lugar amaldiçoado.

As mulheres se mudaram para outra casa e abandonaram de vez a casa invadida pelas rãs.

Mas a casa continuou sendo vista como “mal-assombrada”.

Esse caso faz parte do folclore mórbido de Nova-Cruz.

Depois disso, a história das dez Pragas do Egito passou a ser contada no sermão do Padre, semanalmente, para amedrontar, e também para forçar as pessoas a fazer o bem.

Eram elas:

Águas que se tornaram sangue; infestação de rãs, piolhos e moscas; peste no gado; úlceras nas pessoas; chuva de pedras; infestação de gafanhotos escuridão e a morte dos primogênitos das famílias e animais.

A história é narrada na Bíblia, no livro Êxodo do Antigo Testamento. A passagem conta que Deus mandou Moisés e Aarão ao encontro do Faraó (rei do Egito) para pedir que os hebreus ficassem livres da escravidão e pudessem realizar um culto. Porém, o Faraó recusou dez vezes os pedidos de Moisés e a cada recusa, Deus enviou uma praga à região.

Além de forçar a liberdade do povo hebreu, as pragas também serviram à tentativa de provar que os deuses egípcios não existiam ou eram fracos diante do Deus Cristão.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 24 de maio de 2024

OS HETERÔNIMOS (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

OS HETERÔNIMOS

Violante Pimentel

 

Há colecionadores de borboletas, selos, discos etc. Também há colecionadores de heterônimos, com personalidades variadas, estilo literário próprio, e inúmeros intuitos.

O heterônimo é um conceito literário utilizado por um autor, para criar um personagem completamente diferente da sua própria pessoa e se esconder atrás dele.

É uma construção completa de uma personalidade, com características próprias.

Foi o poeta Fernando Pessoa, um dos maiores expoentes da literatura em língua portuguesa, quem criou o heterônimo.

É usado, quando o autor quer se esconder de si mesmo ou de outras pessoas.

Heterônimos e pseudônimo se confundem. Alceu de Amoroso Lima (1893 – 1983) usava o pseudônimo de Tristão de Ataíde. Mas não representava outro personagem.

Enquanto os pseudônimos são apenas a criação e utilização de um nome falso para assinar um trabalho ou obra artística, os chamados heterônimos são criações de nomes e personalidades inteiras.

Um grande compositor brasileiro, perseguido pela censura nos “anos de chumbo”, para não perder o direito de compor, usou o pseudônimo de Julinho de Adelaide, e a censura o deixou em paz.

Fernando António Nogueira Pessoa nasceu em Lisboa, no dia 13 de junho de 1888 e faleceu na mesma cidade, aos 47 anos, em 30 de novembro de 1935, vítima de complicações hepáticas. Pessoa foi um poeta, filósofo, dramaturgo, ensaísta, tradutor, publicitário, astrólogo, inventor, empresário, correspondente comercial, crítico literário e comentarista político português. Fernando Pessoa é o mais universal poeta português.

Criou mais de setenta heterônimos, ou seja, autores fictícios, com características próprias.

Os heterônimos mais conhecidos de Fernando Pessoa são: Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Bernardo Soares. Cada heterônimo desses tem um estilo próprio e uma ideologia diferente, que refletem o projeto artístico e a personalidade rara de Pessoa, poeta inigualável.

Cada heterônimo possui uma voz própria, com suas próprias ideias, opiniões e visão de mundo. Essa diferenciação é fundamental para que o autor possa explorar diferentes perspectivas e estilos literários em suas obras.

Além dos heterônimos criados por Fernando Pessoa, existem diversos outros exemplos de autores que utilizaram esse conceito em suas obras. Um dos mais conhecidos é o escritor argentino Jorge Luis Borges, que criou diversos heterônimos ao longo de sua carreira. Outro exemplo é o poeta brasileiro Manuel Bandeira, que utilizou o heterônimo de “Mário de Andrade” para assinar algumas de suas obras.

Os heterônimos desempenham um papel fundamental na literatura, pois permitem que os autores explorem diferentes perspectivas e estilos literários.

Ao criar um personagem completamente diferente do seu próprio, o autor pode experimentar novas formas de expressão e abordar temas de maneira diferente. Além disso, os heterônimos também podem ser utilizados como uma forma de escapismo, permitindo que o autor se distancie de sua própria identidade e explore outros aspectos de sua personalidade.

A criação de um heterônimo envolve um processo complexo, no qual o autor precisa desenvolver uma personalidade completa, com características próprias, e estilo de escrita. Para criar um heterônimo, o autor precisa pensar em todos os aspectos da personalidade do personagem, como sua história de vida, suas opiniões, seus gostos e até mesmo suas manias. Além disso, o autor também precisa desenvolver um estilo de escrita único para o heterônimo, de forma a diferenciá-lo de sua própria escrita.

Embora mais usados pelos autores do passado, o heterônimo pode ser encontrado na literatura atual. Alguns autores ainda utilizam heterônimos para explorar diferentes estilos literários e perspectivas em suas obras. Além disso, os heterônimos também são utilizados em outras áreas artísticas, como a música e o cinema, onde artistas criam personagens fictícias para se expressarem de maneiras diferentes.

A utilização de heterônimos na literatura não está isenta de críticas e controvérsias. Alguns críticos argumentam que a criação de heterônimos pode ser vista como uma forma de enganar as pessoas, pois o autor está criando outro autor fictício para assinar suas obras. Além disso, também há quem argumente que a utilização de heterônimos pode ser uma forma de escapismo, na qual o autor foge de sua própria identidade e seu estilo literário.

Há quem considere o uso de heterônimos uma fuga da própria personalidade. É como se o escritor se escondesse na pele de outra pessoa, com um nome fictício, por insegurança ou deboche. É tentar se esconder de si mesmo e ludibriar a boa fé das pessoas.

Os heterônimos são uma ferramenta poderosa utilizada por autores para explorar diferentes perspectivas e estilos literários em suas obras. Ao criar uma personalidade completa, com características próprias, biografia e estilo de escrita, o autor pode experimentar novas formas de expressão e abordar temas de maneiras diferentes. A utilização de heterônimos pode gerar controvérsias, e é inegável o impacto que eles têm na literatura.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho quinta, 23 de maio de 2024

BRINCADEIRA DO ANEL (POSTAGEM DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

Pode ser uma imagem de 5 pessoas e texto que diz "Recordar é Viver QUEM BRINCOU SOUBE comO ERA DIVERTIDO."


Violante Pimentel - Cenas do Caminho segunda, 20 de maio de 2024

A LÍNGUA (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

A LÍNGUA

Violante Pimentel

O hábito de estirar a língua para um irmão ou colega de classe, durante uma discussão, rendia para a criança um castigo ou a ameaça da mãe passar pimenta na boca do filho.

É claro que a criança aprendeu a estirar a língua e dizer palavrões, com alguém, como colegas da escola ou mesmo gente de casa. Às vezes, os próprios pais e parentes ensinam gestos e palavrões aos filhos ainda pequenos, por brincadeira, e depois querem corrigir, quando já é tarde. Nenhuma criança nasce sabendo estirar a língua para alguém ou dizer palavrões. É injusto que os pais as castiguem por isso, se eles mesmos, às vezes, são os responsáveis por tal aprendizado.

No interior nordestino, as pessoas faladeiras e mentirosas tem fama de ter a língua muito grande. Existe até uma praga que diz que elas pagarão a maldade que praticam, com a língua pendurada e espetada com uma enorme e grossa agulha. Isso era castigo usado séculos atrás, também para aqueles que fossem incrédulos ou blasfemassem contra Deus e sua Mãe Santíssima. “Que lhes fosse tirada a língua pelo pescoço e fosse queimada.”

O Rei D. Afonso V estabeleceu que todo aquele que renegasse a Deus ou à Santa Maria, “se fosse Fidalgo, Cavaleiro ou Vassalo, pagasse por cada vez, mil réis para a arca da piedade (dos cativos); se fosse peão, que lhe dessem vinte açoites , enquanto, ao mesmo tempo, lhe metiam pela língua uma agulha de albardeiro, que ficasse na língua enquanto durassem os açoites.

O albardeiro era o fabricante de albardas, espécie de selas para jumentos e cavalos, e usava para costurá-las, uma agulha longa e grossa. Em qualquer castigo aplicado, a vítima teria o palmo de língua estirado fora da boca. A língua, atravessada por uma agulha, não podia ser recolhida. E o suplício era maior ainda, quando aplicado aos incrédulos e heréticos, homens de falsa fé, julgados merecedores da imagem atroz exposta.

Essa tortura, ao que se sabe, só é usada no Brasil como perjuros e pragas, rogadas aos merecedores de tal castigo.

Dizer que, necessariamente, alguém pagará a maldade praticada, com um palmo de língua de fora, espetada por uma agulha longa e grossa, é apenas um desejo de vingança de quem é ofendido.

O Gesto de estirar a língua para alguém, é considerado um insulto, pois, na prática, quem faz isso, está querendo mandar o outro para um determinado lugar, como o inferno ou à “m……”.

É um gesto agressivo e grosseiro e tem a mesma conotação de uma afronta ou injúria, em quase todas as partes do mundo. Sua prática é instintiva, quando “o saco” de alguém transborda de indignação. É uma reação agressiva, automática e não planejada. É uma resposta a um estímulo ou provocação.

Estirar a língua para alguém, num momento de raiva, é um gesto milenar, nacional e natural, sem origem nem história. Todos os povos o conhecem.

O escárnio, contido no gesto de mostrar a língua já era conhecido antes de Cristo.

Pois bem. – Trezentos e cinquenta e dois anos antes de Cristo, os gauleses assaltaram Roma com a violência tradicional. Um dos guerreiros, agigantado, confiando na sua robustez pessoal, diante do exército romano, desafiou-o para um duelo, exigindo um antagonista para o combate singular.
Os romanos, intimidados com a arrogância selvagem, ficaram silenciosos. O gaulês começou a rir com zombaria, e pôs a língua de fora num escárnio:

– “Deinde Gallus irridere coepit atque linguam exertare.” “Então o galo começou a rir e a esticar a língua”.

O jovem Titus Manlius, indignado com o ultraje, enfrentou o altíssimo inimigo, derrubou-o, decepou-lhe a cabeça, arrancando-lhe do pescoço um colar de ouro, e ornando-se com ele, a título de troféu. Ficou sendo chamado Torquatus, de “torques”, o colar.

O episódio consta em Tito Livio (VII, 9, 10) e em Aulo Gélio (IX, 13, 3), divulgando página dos desaparecidos Anais de Q. Claudius.
Portanto, séculos atrás, a língua estirada tinha a mesma conotação injuriosa, humilhante e provocadora dos dias atuais. Era um gesto idêntico para romanos e gauleses, germânicos e celtas.

Merece destaque a famosa fotografia do físico teórico alemão, Albert Einstein (Ulm, 14.03.1879 – Princeton, 18.04.1955), mostrando toda a língua, no dia em que completou setenta anos. Perguntado sobre a razão desse gesto, respondeu:

“A língua esticada expressa minhas opiniões políticas”, disse o célebre físico sobre a foto que o tornou um ícone pop.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 19 de maio de 2024

UM FELIZ DIA DAS MÃES (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANE PIMENTEL)

 

UM FELIZ DIA DAS MÃES

Violante Pimentel

Era um dia de domingo, o 2º domingo do maio, do ano de 1955. Eu era criança e chegou o Dia das Mães.

Em casa, Dona Lia, minha mãe, sentiu as dores do parto e meu pai foi buscar a parteira, Dona Maria Gorda, num troller da Rede Ferroviária.

Ao voltarem, a parteira já encontrou minha mãe em trabalho de parto, e o procedimento foi muito rápido.

Muito ansiosa, fiquei de pescoço duro (torcicolo) de olhar para o céu, pastorando a cegonha, que viria deixar o presente da minha mãe, naquele dia festivo. Sabia que eu iria ganhar um irmão ou irmã.

Desapontada, não vi a cegonha chegar, mas ouvi o choro do bebê, quando nasceu. A euforia dentro de casa foi grande. A parteira saiu do quarto onde estava minha mãe e disse para o meu pai: -“É um menino”.

Ele se emocionou e deixou cair algumas lágrimas. Tinha dado tudo certo, graças a Deus!

Dentro do quarto, uma bacia com água morna com uma colher de álcool garantia a assepsia do bebê e da minha mãe. Nossa casa era vizinha à da minha avó paterna, Dona Júlia.

Com minha mãe já relaxada do esforço do parto, e o bebê já limpinho e arrumado, a porta do quarto se abriu e podemos admirar o presente que minha mãe havia recebido. Um menino lindo, que recebeu o nome de Bernardo Celestino, o sexto filho de Lia e Francisco.

Era um presente de Deus para nossa Mãe e nosso Pai. Foi o que as minhas tias Edite e Eulina me disseram, emocionadas.

O bebê nasceu em casa, sob os cuidados de Deus e da eficiente parteira, Dona Maria Gorda, considerada a melhor parteira da cidade. Naquele tempo, em Nova-Cruz, não se dispunha de médico, nem de hospital ou maternidade. O parto foi normal e a nossa alegria foi imensa, com o presente que nossa mãe recebeu no Dia das Mães.

Ainda me lembro do cheiro de Alfazema, que perfumava o quarto e o berço do bebê.

Minha mãe exultava de alegria, por ter recebido como presente de Deus, naquele Dia das Mães, outro filho homem.

Anos depois, o menino se tornou médico. Deus atendeu aos anseios de Dona Lia, que viu seu ideal realizado.

Muitas vezes, vi minha mãe debruçada sobre o berço, estendendo as suas mãos de veludo e acariciando seu bebê, como uma ave que estende as asas macias sobre o ninho onde repousam seus filhotes implumes.

Cenas enternecedoras aconteceram junto àquele berço!

O amor e o carinho materno transbordavam em minha Mãe, não só com relação ao bebé recém-nascido, como com relação a mim, que perdi o posto de caçula, e aos outros irmãos.

As doces canções de ninar, que as mães cantam para adormecer os filhos, são preces que elas fazem a Deus, rogando para eles um futuro brilhante. O mais importante na vida delas é que os filhos sejam felizes.

É ali, junto ao berço, que se formam sábios, poetas, patriotas, heróis e santos! É ali que começa a educação para as coisas belas da vida, para a virtude, para o heroísmo, e para a bondade no coração.

É verdadeira a premissa que diz:

“A educação vem do Berço!”

A semente de boa qualidade, que a mãe depositar no coração dos filhos, há de germinar, crescer e subir, até ramificar-se numa grande árvore, que dará bons frutos.

Felizes as mães que plantam a semente do bem no terreno virgem do coração dos filhos! A colheita será farta, e grande a felicidade de quem semeou!

Os dias felizes da nossa vida jamais serão esquecidos.

Hoje, no topo da minha maturidade e órfã de pai e mãe, com a proximidade do Dia das Mães, as lembranças e a saudade dos dias idos e vividos afloram à minha memória e inundam a minha alma. E chove nos meus olhos.

Lia e Francisco, o nosso porto seguro, deixaram plantadas em nós as sementes do amor ao próximo, da generosidade, da caridade, da retidão e da solidariedade humana. As sementes germinaram e resultaram numa árvore imensa, que dá muita sombra e continua frutificando.

Dona Lia, minha querida Mãe, não era só uma rosa, mas um imenso jardim em flor!!!

Salve o Dia das Mães!

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 03 de maio de 2024

O GATO (CONTO DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIIOLANTE PIMENTEL)

 

O GATO

Violante Pimentel

 

Este caso é verídico.

Tonico, o gato mourisco de Dona Vera, que há cinco anos apareceu em sua casa e lá ficou, gozando das benesses de um filho, fugiu de casa. Viúva e morando somente com um filho único, rapaz, a companhia do gato preenchia a solidão de Dona Vera, que a ele muito se apegou.

Certo dia, Tonico, saiu de casa pela manhã e não voltou para dormir.

Amanheceu o dia e Dona Vera, sentindo sua ausência, saiu à sua procura, percorrendo algumas ruas do bairro onde morava. Quando já estava cansada de procurar, a mulher foi atraída por uma roda de curiosos, em volta de um gato mourisco atropelado, já morto, perto de uma parada de ônibus. Desesperada, Dona Vera constatou que se tratava do seu gato Tonico, amado como um filho.

Dona Vera conseguiu levar o “de cujus” para casa, e, com a ajuda do filho Daniel, o enterrou no quintal de sua casa, chorando muito, e sentindo-se enlutada, como se tivesse perdido um ente querido.

Dona Vera adoeceu de tristeza. Tomou um banho, mudou de roupa, tomou um chá de camomila preparado pelo filho e passou o resto do dia deitada, sem ânimo para nada. À noite, aceitou tomar um café e continuou deitada.

Pela madrugada, Dona Vera acordou sobressaltada, ouvindo miado de gato, como se fosse uma assombração. Reconheceu o miado de Tonico, acordou o filho que dormia em uma rede e o rapaz tentou acalmá-la, achando que ela tinha tido um pesadelo.

E o filho pensou:

– Assombração não é, pois ”isso não existe”. Além do mais, “Tonico está morto e sepultado, tendo eu mesmo ajudado a enterrá-lo.”

Para ele, um gato ressuscitar, seria uma coisa nunca vista. Seria impossível. Lógico que a mãe havia tido um pesadelo, pois a morte de Tonico a deixou muito nervosa.

De repente, o miado do gato foi ouvido por ele também, que pulou da rede assustado, mas querendo se fazer de forte. O rapaz, junto com a mãe, pegaram uma lanterna e saíram na escuridão da noite, à procura do gato, cujo miado eles estavam ouvindo.

Ele sabia que, infelizmente, o bichano estava morto e sepultado, e não acreditava que ele tivesse se transformado numa assombração, nem que tivesse ressuscitado. Será que Tonico estava pedindo reza???- Pensou o rapaz.

Por insistência da mãe, percorreram o quintal e o jardim, sem encontrar rastro de Tonico. De repente, um miado forte como um lamento, vindo de cima do muro, foi ouvido por mãe e filho, causando arrepios aos dois.

A surpresa de Dona Vera e do filho Daniel foi enorme. O gato estava preso em cima do muro, entre este e a cerca elétrica, sem conseguir se desvencilhar. Mãe e filho se aterrorizaram, sem acreditar naquela aparição. Com muita dificuldade, o filho de Dona Vera, ajudado pela mãe, conseguiu retirar o gato de cima do muro, sem, entretanto, deixar de levar um pequeno choque na cerca elétrica, sem sérias consequências.

Os dois identificaram o gato como sendo Tonico, o gato de estimação que havia morrido atropelado, e já estava sepultado.

Dona Vera abraçou o gato e se convenceu de que era mesmo o seu Tonico, que há cinco anos fazia parte da família. Botou na cabeça que o gato tinha ressuscitado, por obra e graça de São Francisco de Assis, o protetor dos animais.

Mãe e filho, emocionados, choravam com a volta do gato de estimação, se bem que agora, sem dúvida, Tonico estava morto e sepultado. Mas que era ele, era. Mistério!!!

De qualquer forma, Dona Vera e o filho Daniel, no dia anterior, haviam praticado uma obra de caridade, ao enterrar no quintal da casa onde moravam, um gato de rua, morto por atropelamento, e, por coincidência, sósia de Tonico.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho quarta, 01 de maio de 2024

A MORTE DE AYRTON SENNA – 1º DE MAIO DE 1994 (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)
A MORTE DE AYRTON SENNA – 1º DE MAIO DE 1994
 
 
 
 
 
O DIA EM QUE O BRASIL CHOROU...E A BARRA DO CUNHAÚ TAMBÉM CHOROU...
 
Era o feriado de 1º de maio, um dia de domingo, um dia de sol, um dia de mar, um dia de GP de Fórmula 1, com a expectativa de mais uma vitória de Ayrton Senna, que estava no auge do sucesso na modalidade de esporte que ele elegeu como prioridade em sua vida.
 
A Barra do Cunhaú era só alegria. A grande expectativa era a corrida de Fórmula 1. Os televisores ainda eram pequenos, com, no máximo, 20 polegadas. A cerveja corria solta, na Barra do Cunhaú, aliviando o calor, na euforia do feriado do Dia do Trabalho, como também pela expectativa da corrida. O Bar de Neco, o “point” da Barra do Cunhaú naquela época, encontrava-se com suas mesas todas ocupadas, inclusive com caravanas do interior, em comemoração ao “Dia do Trabalho”.
 
As conversas da maioria das pessoas, principalmente dos homens, giravam em torno da grande corrida de Fórmula 1, prestes a começar. Todos tinham certeza de que seria mais uma vitória do nosso tricampeão AYRTON SENNA, no auge da sua carreira, e no vigor dos seus 34 anos, e que tantas alegrias vinha dando ao esporte brasileiro, na modalidade de esporte por ele escolhida. Começou a corrida, e o barulho das conversas diminuiu, sendo substituído pelo barulho dos motores dos carros que participavam do certame. De repente, o acidente fatal, ocorrido com o ídolo brasileiro Ayrton Senna...A perplexidade se estampou no rosto dos telespectadores, instalando-se o pânico entre as pessoas que lotavam o Bar de Neco. Ninguém queria acreditar no que estava claro nas imagens da televisão e nas palavras dos comentaristas esportivos: AYRTON SENNA ESTAVA MORTO!!!! Um dia, que todos esperavam que fosse só de alegrias, de repente, não mais que de repente, se transformou num dia cinzento, com gosto de fel, não só para o mundo esportivo, como para todo o Brasil, que não se conformava em ver seu ídolo Ayrton Senna, no auge de sua carreira e no vigor dos seus 34 anos, ter sua vida ceifada ao praticar o esporte que ele amava. A confirmação da triste notícia levou às lágrimas todo o Brasil, inclusive aquele recanto abençoado por Deus, a Barra do Cunhaú. No Bar de Neco, onde eu me encontrava, a tristeza foi geral e todos choraram.
 
As águas azuis do mar se turvaram, e a Barra do Cunhaú também chorou...

Violante Pimentel - Cenas do Caminho quarta, 01 de maio de 2024

DIA DO TRABALHO (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)
DIA DO TRABALHO
Violante Pimentel
 
Pode ser uma imagem de 1 pessoa e texto que diz "1° de Maio DIA DO TRABALHADOR Sào José Abençoe e proteja nossos trabalhadores REDEVIDA"
 
 
Hoje é feriado universal. No Brasil e em pelo menos mais 80 países, o 1º de maio tem ligação com a reivindicação da jornada de trabalho de oito horas, no fim do século 19 e massacres de trabalhadores.
 
Mas, ao longo do tempo, a data passou a ser conhecida em lugares, como a França e o Brasil, como "dia do trabalho" e não do trabalhador.
 
Na década de 1880, operários aderiam em massa aos movimentos sindicais, influenciados especialmente pelo pensamento anarquista, e a cidade fervilhava com seus encontros e discussões.
 
Em 1º de maio de 1886, cerca de 80 mil trabalhadores pararam a cidade de Chicago para reivindicar melhores condições de trabalho.
 
O 1º de maio, Dia do Trabalho, é feriado em todo o mundo, menos nos Estados Unidos.
 
A expansão da comemoração do Dia do Trabalho pelo mundo teve como origem os protestos na cidade americana de Chicago.
 
Em 1º de maio de 1886, os trabalhadores tomaram as ruas, junto da Federação Americana do Trabalho - a maior central operária dos Estados Unidos - e iniciaram um protesto que levaria dias.
 
Os trabalhadores, que tinham uma jornada de até 13 horas diárias por seis dias na semana, reivindicavam uma redução para oito horas de trabalho diárias, além de melhores condições nas indústrias.
 
O protesto tomou forma. Foi alguns dias depois, na noite do dia 4, que as tensões aumentaram. Um confronto com a polícia começou, causando a morte de 11 pessoas e dezenas de feridos.
 
A notícia da manifestação chegou em todo o mundo.
 
Em 1889, a Segunda Internacional definiu na França o dia do início do protesto - 1º de maio - como o Dia do Trabalho.
 
A data do primeiro de maio é pensada por conta de Chicago. E, na França, começa a ser celebrado em 1890, com “feriados forçados” e paralisações.
 
A celebração começou a se repetir nos anos seguintes, com a reunião de trabalhadores em paradas comemorativas, mas também manifestações por melhores condições laborais. Em 1920, foi a vez da Rússia aderir à celebração.
 
Além do Brasil, cerca de 80 países consideram feriado o Dia Internacional do Trabalho, como Itália, Alemanha, Japão e Portugal.
 
Por aqui, a comemoração do dia foi sancionada pelo presidente Artur Bernardes em setembro de 1924, começando a valer no ano seguinte. O governo do presidente mineiro teve pequenos avanços na legislação, como assistência médica e definição de aposentadoria para alguns setores.
 
Mas foi com Getúlio Vargas que o 1º de maio ganhou força.
 
Em 1931, a comemoração da abolição da escravidão, em 13 de maio, deixou de ser feriado, passando a folga para o Dia do Trabalho.
A partir de 1938, o Estado Novo começa a valorizar a ideia de trabalho, fazendo grandes passeatas pelo Rio de Janeiro.
Vargas se utiliza dos grandes discursos, instituindo a lei do salário mínimo. A partir dali, em todo dia 1º de maio, era anunciado o reajuste do piso salarial.

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho domingo, 28 de abril de 2024

ME CATIVE (POSTAGEM DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)
 · 
A memória das pessoas parecem
com antigas mesas de trabalho de costura.
Há nas gavetas histórias guardadas
por muito tempo, há sachês de flores secas,
como os doces aromas que lembramos.
Há emaranhados de fios, tesouras que cortaram
sonhos e às vezes alguns alfinetes.
_ Marguerite Yourcenar

Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 26 de abril de 2024

VIVER (POSTAGEM DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

Pode ser uma imagem de 1 pessoa e texto que diz ""Viver é um um rasgar-se e remendar-se..." Guimarães Rosa"


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 26 de abril de 2024

ÁGUA DE BEBER (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

ÁGUA DE BEBER

Violante Pimentel

Nasci e me criei em Nova-Cruz, região agreste do rio Grande do Norte, fronteira com a Paraíba.

Uma terra seca e quente, e a cidade não tinha energia elétrica nem água encanada, o que só aconteceu no começo da década de 60.

A água que se usava era salobra e tirada de cacimbões. No sábado pela manhã, chegava o trem com água do Piquiri, água doce, para se beber e cozinhar.

Minha mãe tinha na cozinha uma jarra com capacidade para 150 m3, onde a água de beber era colocada, coada num pano de saco de açúcar vazio, lavado e abainhado por ela na máquina de costura. Essa jarra era sempre coberta com esse pano e sobre ele havia uma tampa feita de madeira. Antes de ser colocada no filtro de barro, a água fervida.

 

 

 

A água de beber era trazida do Rio Piquiri (Canguaretama), no “trem da água”, aos sábados, de manhã cedo. Os carregadores se aglomeravam na Estação Ferroviária, à espera do trem da água, o que lhes renderia alguns trocados.

Nessa ocasião, na Estação Ferroviária, ficava um aglomerado de carregadores de água, com galões feitos com duas latas vazias de querosene Jacaré, já lavadas e desinfetadas, e amarradas com correntes a um pedaço de madeira fornido, que eles carregavam nos ombros. Os carregadores de água davam inúmeras viagens, para abastecer as casas com “água doce, fria, gelada, do Piquiri”. Passavam o dia todo carregando água para os fregueses, mediante pagamento simbólico, pois aquela água e aquele serviço não tinham preço.

Repetindo, na nossa casa, a água de beber era colocada numa jarra de 150 litros cúbicos, coada num pano branco, feito de sacas de açúcar vazias, lavadas e desinfetadas por minha mãe, amarrado na boca da jarra. A água era fervida, antes de ser colocada em dois filtros de barro, para consumo.

Essa água era exclusivamente para se beber e cozinhar. Mas minha mãe enchia um balde com ela, para lavar as nossas cabeças, aos domingos, pois durante a semana o banho completo era com água salgada (salobra). Passávamos a semana tomando banho com água salgada, o que deixava nossos cabelos pegajosos.

No domingo, nossa mãe abria uma exceção, ao encher um baldo de água doce, para lavar nossas cabeças. Havia um grande caneco de alumínio emborcado sobre a tampa da jarra, exclusivamente para ser usado para tirar água doce da jarra.

A cidade era paupérrima, não havia médico nem posto de saúde, e o povo morria à míngua, como aconteceu com meu irmão Galdino, aos sete meses de idade. Era o fim do mundo!!!

Pois bem. Uma parenta de meu pai, idosa, que morava num sítio perto de Nova-Cruz, uma vez por outra era nossa hóspede. Surda igual a uma porta, chegava com uma trouxa de tecidos para costurar na máquina “Singer” da minha mãe e permanecia uma temporada conosco. Falava muito, mas ouvia pouquíssimo. Era uma pessoa agradável e muito querida.

O cuidado que a minha mãe tinha com a água de beber era grande. Somente ela tirava água dessa jarra, inclusive para ferver e colocar nos dois filtros.

Certa noite, já tarde, quando todos já haviam se recolhido para dormir, minha mãe acordou, com o barulho de água correndo dentro de casa.

Levantou-se descalça, para não acordar meu pai, e foi ver o que estava acontecendo.

Dona Lia, minha mãe, teve uma péssima surpresa, que lhe fez adoecer. Encontrou na cozinha, a lamparina acesa em cima da mesa, e a hóspede Lindoca nuazinha, de frente para a “jarra de ouro” de água de beber, calmamente, tomando banho, e tirando água da jarra com o penico que lhe servia durante a noite, para satisfazer às suas necessidades, uma vez que o banheiro ficava fora da casa.

Minha mãe, para suportar o mal-estar que sentiu com essa contrariedade, tomou 40 gotas de Coramina, remédio que não faltava na nossa casa.

A infratora Lindoca não percebeu a presença da minha mãe, por estar de frente para a jarrona d’água, e ser surda.

Minha mãe não acordou ninguém, e suportou essa contrariedade sozinha, sem ter com quem desabafar. Não chamou a atenção da hóspede, pois a água já estava contaminada. Não adiantava dar um escândalo, àquela hora da noite. E ainda mais, “não adianta chorar sobre o leite derramado”, diz o ditado.

Mal amanheceu o dia, com a chegada de Mendonça, o cortador de lenha para o fogão, minha mãe lhe ordenou que secasse a jarra imediatamente, e a tirasse de dentro de casa, levando-a bem pra longe da nossa casa. Desse-lhe o destino que quisesse.

Meu pai nunca soube disso, e minha mãe não teve coragem de repreender a hóspede. Ficou tudo por isso mesmo. Só que a guarda foi reforçada, sempre que Lindoca chegava à nossa casa para alguma temporada.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho quinta, 25 de abril de 2024

AMIGOS PARA SEMPRE (POSTAGEM DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

Violante e Raimundo
Uma amizade que já dura 6 anos

Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 19 de abril de 2024

O CINISMO (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL(

 

O CINISMO

Violante Pimentel

Cinismo, palavra com origem no termo grego kynismos, é o sistema e doutrina filosófica dos cínicos.

Antístenes foi o filósofo fundador da Escola Cínica de Filosofia e mestre de Diógenes de Sinope. Nasceu em Atenas em 445 a.C. e morreu em 365 a.C., aos 80 anos. Antístenes fundou sua escola no ginásio chamado Cinosargos, que em grego significa “cão rápido”.

 

 

Em sentido figurado, o cinismo tem uma conotação pejorativa, pois designa o homem bruto, que não respeita sentimentos, valores estabelecidos, nem convenções sociais.

O famoso escritor britânico Oscar Wilde cunhou uma frase lapidar a respeito do cínico: “Um cínico é um homem que sabe o preço de tudo, mas o valor de nada”.

A origem do cinismo vem da palavra grega kýon (“cão”, em português), pelo fato de Diógenes de Sinope, o filósofo, dormir no local usado como abrigo para cães. O filósofo faria isso para demonstrar seu desacordo com o modo de viver dos homens.

Antístenes acreditava que a virtude era a única coisa necessária para a felicidade e que ela poderia ser alcançada através do autocontrole e da renúncia aos prazeres materiais.

Os cínicos desprezavam as convenções sociais. Desprezavam a riqueza, o poder e o prestígio, considerando-os como fontes de corrupção e sofrimento. Em vez disso, valorizavam a liberdade, a autossuficiência e a honestidade.

Um cínico é alguém que desafia as normas sociais e as convenções estabelecidas. Eles não se importam com a opinião dos outros e não têm medo de expressar suas opiniões de forma franca e direta. São conhecidos por suas atitudes desafiadoras e sua tendência de ironizar tudo.

Embora o ceticismo cínico tenha suas raízes na Grécia Antiga, ainda podemos encontrar traços dessa filosofia na sociedade contemporânea. Muitas vezes, vemos pessoas que desafiam as normas sociais e questionam as convenções estabelecidas. Elas não têm medo de expressar suas opiniões e são conhecidas por suas atitudes irreverentes e falta de polidez.

Portanto, o ceticismo cínico pode ser uma fonte de inspiração e reflexão para aqueles que desejam viver de forma autêntica e verdadeira. Ele nos convida a pensar por nós mesmos e a buscar a virtude em um mundo cheio de ilusões.

O ideal do sábio era a indiferença perante o mundo. A origem da escola do Cinismo remonta aos séculos III e II A.C., com um ressurgimento posterior, nos séculos I e II d.C. Alguns filósofos a classificam como escola socrática, na linha de Sócrates-Antístenes-Diógenes. Outros negam a relação Antístenes-Diógenes, não a consideram uma escola socrática e veem em Diógenes o seu fundador e inspirador.

No contexto contemporâneo, o termo “cínico” é frequentemente usado para descrever pessoas que demonstram uma atitude de desrespeito e deboche em relação às motivações e intenções dos outros. Essas pessoas tendem a ser sarcásticas, irônicas e desdenhosas em suas interações sociais. Cometem erros e são injustas, além de não ter respeito a ninguém, salvo quando por interesse próprio.

O grupo de filósofos associados ao Cinismo tornou-se conhecido por seu comportamento, estabelecendo, assim, uma perspectiva ética. Acreditavam que a felicidade estaria relacionada a uma vida simples, em acordo com a natureza, e sem as complexidades das regras e valores sociais. Os cínicos eram, então, pessoas que desprezavam os ordenamentos sociais e viviam em circunstâncias consideradas degradantes para um grego, assemelhando-se a animais.

O comportamento dos filósofos cínicos apontava para uma distinção filosófica entre os aspectos naturais e os costumes humanos, um problema que permeou todo o pensamento filosófico da Grécia Antiga.

Diógenes representou uma das mais importantes figuras da corrente filosófica do Cinismo. Eram homens simples, nômades, sem família e sem pátria.

Diógenes de Sinope (404 ou 412 AC. – Corinto, 323aC), também conhecido como Diógenes, o Cínico, foi um filósofo da Grécia Antiga.

Diógenes de Sinope foi exilado de sua cidade natal e se mudou para Atenas, onde teria se tornado um discípulo de Antistenes, antigo pupilo de Sócrates. Tornou-se um mendigo que habitava as ruas de Atenas, fazendo da pobreza extrema uma virtude. Diz a História, que ele teria vivido num grande barril, no lugar de uma casa, e perambulava pelas ruas, carregando uma lamparina, durante o dia, alegando estar procurando por um homem honesto. Posteriormente estabeleceu-se em Corinto, onde continuou a buscar o ideal cínico da autossuficiência: uma vida que fosse natural e não dependesse das luxúrias da civilização. Por acreditar que a virtude era melhor revelada na ação do que na teoria, sua vida consistiu de uma campanha incansável para desbancar as instituições e valores sociais do que ele via como uma sociedade corrupta.

Segundo a tradição, Diógenes vivia a perambular pelas ruas na mais completa miséria até que um dia foi aprisionado por piratas para, posteriormente, ser vendido como escravo. Um homem com boa educação chamado Xeníades o comprou. Logo ele pôde constatar a inteligência de seu novo escravo e lhe confiou tanto a gerência de seus bens quanto a educação de seus filhos.

Diógenes levou ao extremo os preceitos cínicos de seu mestre Antístenes. Foi o exemplo vivo que perpetuou a indiferença cínica perante os valores da sociedade da qual fazia parte. Desprezava a opinião pública e parece ter vivido em uma pipa ou barril. Reza a lenda que seus únicos bens eram um alforje, um bastão e uma tigela (que simbolizavam o desapego e autossuficiência perante o mundo), sendo ele conhecido também, talvez pejorativamente como kinos, o cão, pela forma como vivia.

Diógenes é tido como um dos primeiros homens (antecedido por Sócrates com a sua célebre frase “Não sou nem ateniense nem grego, mas sim um cidadão do mundo.”) a afirmar, “Sou uma criatura do mundo (cosmos), e não de um estado ou uma cidade (polis) particular”, manifestando assim um cosmopolitismo relativamente raro em seu tempo.

Diógenes parece ter escrito tragédias ilustrativas da condição humana e também uma República que teria influenciado Zenão de Cítio, fundador do estoicismo. De fato, a influência cínica sobre o estoicismo é bastante saliente.

É famosa a história de que Diógenes saía em plena luz do dia com uma lamparina acesa procurando por homens verdadeiros (ou seja, homens autossuficientes e virtuosos).

Igualmente famosa é sua história com Alexandre, o Grande, que, ao encontrá-lo, ter-lhe-ia perguntado o que poderia fazer por ele. Acontece que devido à posição em que se encontrava, Alexandre fazia-lhe sombra. Diógenes, então, olhando para Alexandre, disse: “deixa-me ao meu sol!”. Essa resposta impressionou vivamente Alexandre, que, na volta, ouvindo seus oficiais zombarem de Diógenes, disse: “Se eu não fosse Alexandre, queria ser Diógenes.”

Normalmente, os cínicos são pessoas debochadas e sarcásticas, que caminham na contra-mão da consideração e do respeito às pessoas de bem e aos bons costumes. Transitam, querendo puxar o tapete de pessoas bem sucedidas.

Quando querem alcançar um intento, são iguais ao cururu. Quanto mais são enxotados, mais insistem, persistem e não desistem.

 

Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 12 de abril de 2024

UM FUMO PRETO (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

UM FUMO PRETO

Violante Pimentel

Adriano, meu saudoso irmão, funcionário da Petrobrás, estava morando em Aracaju, (Década de 60) e Tereza, a esposa, só tinha a filha Adriane, de seis meses.

Fui com minha mãe e Bernardo meu irmão caçula, de trem, de Nova-Cruz para Recife e lá pegamos um ônibus para Maceió (AL), na ânsia de conhecermos a 1ª neta da minha mãe e minha 1ª sobrinha.

Passamos quinze dias na casa de Adriano e Tereza, para matar a saudade, e curtir a filhinha deles.

Voltamos de ônibus até Recife e ali tomamos o trem de volta para Nova-Cruz. Na altura de João Pessoa, Seu Júlio, um ferroviário amigo de meus pais, seguiu viagem nesse trem e ao nos ver, se dirigiu à minha mãe muito comovido, e falou:

– Que pena, Dona Lia, a velhinha ter morrido!

Surpresa, minha mãe perguntou:

– Quem?

– Dona Júlia, sua sogra! Respondeu o homem.

Ficamos mudas, diante da triste notícia. Seu Júlio se desculpou, ao ver que nós ainda não sabíamos do ocorrido. Dona Júlia era minha avó paterna, a quem eu era muito apegada, a ponto de dormir com ela todas as noites. As casas eram vizinhas. Ela na cama e eu na rede. Meu avô, Seu Bezerra, já havia morrido.

Daí em diante, a viagem foi um mar de lágrimas e tristeza.

Nesse tempo, Nova-Cruz não tinha luz elétrica nem água encanada, e, muito menos, telefone.

Chegamos à Estação Ferroviária por volta das oito horas da noite. Encontramos a nos esperar, Francisco (meu pai) e Eulina (minha tia). Os dois de luto: Meu pai com um fumo preto no bolso da camisa (um quadrado de tecido preto que os homens usavam em sinal de luto), e a minha tia de vestido preto. Há quatro dias, minha avó Júlia havia sido sepultada.

A notícia da morte da minha avó Júlia marcou, para sempre, a alegria da nossa viagem a Maceió. Foi uma noite de tristeza e choro. Toda a alegria que vivemos durante nossa permanência em Maceió, em visita ao meu saudoso irmão Adriano, esposa Tereza e minha sobrinha Adriane, que estava com seis meses, de repente desapareceu.

Sentimos uma pena horrível de não termos participado do funeral da minha querida avó Júlia, que morreu de repente, de um edema pulmonar, aos 73 anos.

Foi um retorno muito triste.

Faça chuva ou faça sol, a cor do luto foi, por muito tempo, a preta. A tradição que perdurou por décadas dizia que, para estar adequado ao contexto fúnebre, a cor preta deveria ser usada nas vestimentas quando alguém morria. Atualmente deixado de lado, mas não completamente, o costume teve início em uma das famílias mais influentes da história – a realeza britânica.

Usamos luto durante seis meses. Mas a saudade permanece até hoje.

Pois bem. Os velórios do Ocidente tem o preto como predominância nos visuais. Embora Holywood ainda pareça tentar preservar esse costume, as vestimentas pretas não são mais o “uniforme dos cemitérios”, principalmente no Brasil. A cor preta é a que mais absorve calor. Permanecer por horas, sob o sol e em um país tropical, é uma tarefa que exige esforço. Somado à tristeza pela perda de um ente querido, o desconforto do luto é imenso.

 

 

 

 

A história do luto começou com a rainha Vitória, uma das monarcas de maior importância da história do Reino Unido, que viveu de 1819 a 1901. Durante esse tempo, a Inglaterra vivia a difusão do Romantismo, movimento artístico e social que, entre as pautas, defendia a revalorização da estética.

Em 1861, a morte do amado marido da rainha Vitória , o príncipe Albert, surpreendeu o mundo. Com apenas 42 anos, Albert estava doente há duas semanas antes de finalmente dar seu último suspiro. Sua viúva permaneceria no trono por mais cinquenta anos, e sua morte empurrou a rainha para uma dor tão intensa que mudou o curso do mundo. Pelo resto de seu reinado, até 1901, a Inglaterra e muitos outros lugares adotaram práticas funerárias e de morte incomuns, todas influenciadas pelo luto público de Victoria pelo falecido príncipe Albert. Graças à rainha Vitória, a dor e o luto tornaram-se bastante na moda.

Embora a rainha Vitória usasse vestidos de luto pretos pelo resto de sua vida após a morte de Albert, a maioria das pessoas não usava crepe por tanto tempo. No entanto, havia certos protocolos que tinham que ser seguidos para trajes de luto.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho terça, 09 de abril de 2024

A VASSOURADA (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)
A VASSOURADA
Violante Pimentel
 
 

Na campanha política para Presidente da República, em 1960, o então candidato Jânio da Silva Quadros tinha como símbolo da sua campanha uma vassoura. Nos comícios, subia ao palanque com uma vassoura na mão. Dizia que com a vassoura, seria varrida a bandalheira e a corrupção do País.

A vassoura, portanto, tornou-se a marca registrada da campanha de Jânio da Silva Quadro (UDN) contra o Marechal HenriqueLott (PSD).

No interior nordestino , os “janistas” tinham, cada qual a sua vassoura, usada nas passeatas e comícios, para insultar os adversários, partidários do Marechal Henrique Lott.

Em algumas cidades, durante a campanha a bagunça foi grande. Os eleitores que apenas assinavam o nome, não compreendiam o sentido da vassoura, nem os discursos de Jânio transmitidos pelo rádio. Então, começaram os insultos e, o que era pior, as vassouradas, durante as passeatas e comícios. A vassoura tornou-se uma arma perigosa nas mãos das pessoas ignorantes. Em Nova-Cruz (RN), o comércio de vassouras prosperou. A campanha tomou proporções alarmantes, e as vassouradas eram dadas indiscriminadamente, chegando a provocar ferimentos em algumas pessoas.

Lourdes, uma moradora da nossa rua, mulher ignorante e agressiva, resolveu ser “janista”, e passou a varrer a calçada de sua casa de manhã, de tarde e de noite, para insultar quem passava. Usando a vassoura como estandarte, agrediu o ex-marido com uma vassourada, e o acertou na fronte. Por um triz, o homem não morreu. Semianalfabeta, Lourdes não entendia de nada, principalmente de política. Mas tornou-se especialista em vassouradas. Não perdia passeatas e comícios, cantava todos os jingles e era uma entusiasta da campanha da vassoura.

Os carros de som, com seus incansáveis alto-falantes, invadiam as ruas das cidades com marchinhas (jingles), que o povão logo aprendeu a cantar.

Algumas delas:

“ Varre, varre, varre vassourinha, varre a corrupção”;

“Jânio vem aí / não demora não / ele vem aí / com uma vassoura na mão”;

“Varre, varre, varre, varre vassourinha / varre, varre a bandalheira / que o povo já tá cansado / de sofrer dessa maneira / Jânio Quadros é a esperança desse povo abandonado! .Jânio Quadros é a esperança de um Brasil moralizado/ Alerta meu irmão, vassoura, conterrâneo/ Vamos vencer com Jânio!”

 

 

Jânio Quadros chegou à presidência da República de forma muito veloz. Em São Paulo, havia exercido sucessivamente os cargos de vereador, deputado, prefeito da capital e governador do estado. Tinha um estilo político excêntrico e um vocabulário exótico, que chegava a ser hilário. Para parecer popular, enchia os bolsos de sanduíches para comer nos comícios.

Foi eleito Presidente da República em 3 de outubro de 1960, pela coligação PTN-PDC-UDN-PR-PL, para o mandato de 1961 a 1965, com 5,6 milhões de votos – a maior votação até então obtida no Brasil. Venceu o Marechal Henrique Lott de forma arrasadora, por mais de dois milhões de votos. Porém, não conseguiu eleger o candidato a vice-presidente de sua chapa, Milton Campos (naquela época votava-se separadamente para presidente e vice). Quem se elegeu para vice-presidente foi João Goulart, do partido da oposição.

Jânio Quadros assumiu a presidência em 31 de janeiro de 1961, em Brasília, que ,pela primeira vez, foi palco de uma posse presidencial.

O governo de Jânio Quadros perdeu sua base de apoio político e social, a partir do momento em que adotou uma política econômica austera. Adotou medidas drásticas, restringindo o crédito, congelando os salários e incentivando as exportações.

Mas foi na área da política externa que o presidente Jânio Quadros acirrou os ânimos da oposição ao seu governo. Jânio nomeou para o ministério das Relações Exteriores Afonso Arinos, que se encarregou de alterar os rumos da política externa brasileira. O Brasil começou a se aproximar dos países socialistas. O governo brasileiro restabeleceu relações diplomáticas com a União Soviética (URSS).

Num gesto considerado tresloucado, Jânio condecorou, no dia 19 de agosto de 1961, com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, Ernesto Che Guevara, o guerrilheiro argentino que fora um dos líderes da revolução cubana, e era ministro daquele país. Entretanto, segundo conta a História, essa condecoração foi um agradecimento a Ernesto Che Guevara, por ter atendido a seu apelo e libertado mais de vinte sacerdotes presos em Cuba, que estavam condenados ao fuzilamento, exilando-os na Espanha. Jânio fez esse pedido de clemência a Guevara por solicitação de Dom Armando Lombardi, Núncio Apostólico no Brasil, que o solicitou em nome do Vaticano.

A outorga da condecoração foi aprovada no Conselho da Ordem por unanimidade, inclusive pelos três ministros militares.
A repercussão desse gesto foi a pior possível, sendo, ainda segundo a História, a causa principal da perda de mandato de Jânio. Os problemas começaram na véspera, com a insubordinação da oficialidade do Batalhão de Guarda. Amotinada, se recusava a acatar as ordens de formar as tropas defronte ao Palácio do Planalto, para a execução dos hinos nacionais dos dois países, e a revista. Só a poucas horas da cerimônia, já na manhã do dia 19, conseguiram os oficiais superiores convencer os comandantes da guarda a se enquadrar.

Na imprensa e no Congresso, começaram a surgir violentos protestos contra a condecoração de Che Guevara. Alguns militares ameaçaram devolver suas condecorações em sinal de protesto. Em represália ao que foi descrito como um apoio de Jânio ao regime ditatorial de Fidel, nesse mesmo dia, Carlos Lacerda entregou a chave do Estado da Guanabara ao líder anticastrista Manuel Verona, diretor da Frente Revolucionária Democrática Cubana, que se encontrava viajando pelo Brasil em busca de apoio à sua causa.

No dia 21 de agosto de 1961, Jânio Quadros assinou uma resolução que anulava as autorizações ilegais outorgadas a favor da empresa Hanna e restituía as jazidas de ferro de Minas Gerais à reserva nacional. Quatro dias depois, os ministros militares pressionaram Jânio Quadros a renunciar:
Diz o texto da renúncia:

“Forças terríveis levantam-se contra mim, e me intrigam ou infamam, até com a desculpa da colaboração. Se permanecesse, não manteria a confiança e a tranquilidade, ora quebradas, e indispensáveis ao exercício da minha autoridade……………………………………”

Brasília, 25-8-61.

a) J. Quadros

E assim terminou o mandato de Jânio Quadros, que só durou sete meses. 56 anos se passaram, e o País encontra-se hoje mergulhado na maior crise política da História.

Não há vassourada que dê jeito…


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 05 de abril de 2024

O GATO E A ONÇA (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

O GATO E A ONÇA

Violante Pimentel

 

Essa fábula é muito antiga, do tempo em que os bichos falavam. É escarrada e esculpida a realidade em que vivemos.

O Gato era famoso entre os animais pela sua agilidade, e um certo dia, estando à beira de um rio para beber água, lá foi encontrá-lo a Onça, um dos animais mais perigosos e traiçoeiros da floresta.

– Bom dia, mestre Gato; como vai você?

– Vou bem, obrigado, comadre Onça; e você?

– Não ando bem. Ando muito triste ultimamente.

– Triste por que, comadre? Será que eu posso ajudá-la?

– Mestre Gato, você é o único bicho que pode me ajudar. Sinto-me assim, porque ouço sempre falar da sua habilidade para saltar, e eu não sou capaz de fazer o mesmo. Você pode me ensinar a saltar igual a você?

Mostrando-se gentil, o Gato respondeu:

– Ora, comadre, é só esse o seu problema? Não se aborreça! Vou lhe ensinar, sim. Podemos começar agora mesmo!

– Claro que sim, disse a onça muito satisfeita.

Começou então a mais estranha aula desse mundo: O Gato exibia todos os tipos de saltos que podia executar, e a Onça procurava imitá-lo da melhor maneira possível. Saltavam de um lado para outro, subiam nas árvores e de lá pulavam para o chão, davam saltos de altura, de extensão, e o Gato mostrava que era de fato um mestre. Depois de algum tempo, a Onça já estava saltando quase tão bem quanto o professor.

O Gato, solícito, ensinou à Onça todos os seus saltos, e ela aprendeu logo, passando a fazê-los com perfeição.

Mas o plano da Onça era outro. Queria devorar o Gato.

Depois dos saltos que aprendeu com o Gato, a Onça ficou faminta e resolveu atacá-lo. Preparou-se para saltar em cima dele e devorá-lo, mas, o Gato percebeu e foi mais ágil, pulando para trás e driblando os movimentos da Onça, que caiu dentro de uma fossa que transbordava.

Tal qual um jogador de baralho que guarda uma carta na manga da camisa, o Gato guardava consigo um salto secreto que não ensinava a nenhum outro animal, principalmente à Onça. Esse segredo era guardado a “sete chaves”.

Com o salto do Gato para trás, a Onça rolou por terra e caiu numa fossa que transbordava. Desapontada e demonstrando revolta, disse para o gato:

– Ora, Mestre Gato, este salto você não me ensinou!!!

Triunfante, o Gato respondeu:

– Não sou tão tolo assim, que, ao menos, não reservasse um salto secreto para me livrar das suas garras e de sua falsidade!
Nem tudo aquilo que o professor aprendeu na vida, ele ensina aos alunos.

E com outro salto de mestre, o Gato sumiu no mato, deixando a Onça machucada e “a ver navios”.

O instinto animal faz com que ele perceba quem lhe quer bem e quem o rejeita. Da mesma forma, o ser humano também distingue as pessoas que lhe querem bem, daquelas pessoas mesquinhas, fingidas, interesseiras, egoístas e invejosas, que não suportam o sucesso de ninguém. São verdadeiras artistas.

Por isso, a lição transmitida por essa fábula deve ser guardada a sete chaves, contra pessoas falsas e traiçoeiras.

Ficou a lição. Não se deve confiar em Onça. É imprescindível ao Gato que nunca ensine a ninguém sua jogada de mestre.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 30 de março de 2024

A SEMANA SANTA (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

A SEMANA SANTA

Volante Pimentel

Mais uma vez, estamos vivendo a Semana Santa. Mais uma vez, assistimos a paixão e morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, como também de outros Cristos, pessoas desvalidas, que apodrecem nas cadeias, sem defesa, e sem assistência digna.

O que vemos é que o mundo continua sob a opressão dos “poderosos”. Vemos o sofrimento dos mais fracos, com a perseguição e a tortura física e psicológica dos injustiçados.

A perseguição aos injustiçados e a opulência dos maus é chocante. Não se sabe até quando irá essa opressão.

Nossos antepassados, se pudessem voltar à vida, se assombrariam diante do turbilhão de maldades espalhadas pelo mundo atual, onde há um imenso palco, em que se desenrola a Paixão, não de um só Cristo, mas de inúmeros Cristos, que neste País, diariamente, são perseguidos, humilhados, torturados e crucificados.

O profano se sobrepuja às coisas santas. A igreja tornou-se um reduto de políticos, em época de campanha eleitoral, que se misturam aos verdadeiros cristãos.

Os costumes mudaram, mas a corrupção continua predominando.

A “caridade dos poderosos”, nesta Semana Santa, continua nas trevas. Só praticam o mal, perseguindo e desmoralizando pessoas e famílias inteiras.

Hoje, Sexta-feira Santa, não há respeito ao sofrimento de Cristo, salvo nos ritos religiosos. As operações para capturar infratores continuam ininterruptamente, transformando a Semana Santa num período mais do que profano. Um período de maus tratos ao ser humano, sofrimento, perseguição e humilhação.

A volúpia da perseguição vivida pelos podres poderes cada vez aumenta mais, e a mídia se delicia com isto, como se vê a olhos nus nos noticiários televisivos.

Tempos estranhos, estes que vivenciamos.

Mudando o rumo “desta prosa”, tento fixar meu pensamento num tempo distante e feliz, em Nova-Cruz (RN), terra abençoada, onde nasci e me criei, e onde hoje estão sepultados Francisco e Lia, meus inesquecíveis pais e de meus cinco irmãos. Vejo-me no tempo da minha infância e juventude, com a família toda reunida na Semana Santa, período esperado com ansiedade.

Ainda hoje trago na memória o calor humano da família toda reunida em Nova-Cruz (RN), e o clamor dos pedidos de esmolas, feitos por crianças, durante a Semana Santa, principalmente na Quinta-Feira Santa e Sexta-Feira da Paixão:

“ Uma esmolinha, pelo amor de Deus, pra minha mãe jejuar no dia de hoje!”

Esse apelo continua vivo na minha lembrança, e a saudade desse tempo feliz, quando ninguém tinha morrido, continua a mesma.

Hoje, vemos pessoas que podem comprar comida, mas não possuem a liberdade de ir e vir. Vivem sob a tirania daqueles que se sentem poderosos e que se acham no direito de tripudiar, humilhar e perseguir suas presas, na ânsia de crucificar e colocar uma pedra em cima daqueles que não se enquadram na cartilha traçada por eles, ao arrepio da lei.

Na época da minha infância e juventude, em Nova-Cruz, década de 60, na Quinta-Feira Santa e Sexta-Feira da Paixão, as esmolas eram de bacalhau e brote. Nessa época, bacalhau era produto de baixo custo, como também a qualidade era uma só, sem opção de um produto melhor. Na sala da nossa casa, ficavam um saco com brotes e outro com bacalhau, que minha saudosa mãe distribuía com os pedintes.

Na Sexta-Feira da Paixão, havia uma grande preocupação das famílias, de esconder suas galinhas dentro de casa. Os “biriteiros” de plantão costumavam furtá-las dos quintais nessa noite, e transformá-las em guisados, para lhes servir de tira-gosto.

O furto de galinhas, na noite da Sexta-Feira Santa, era uma tradição, fruto da cultura popular nordestina. Geralmente, os “gatunos” eram jovens conhecidos e de boa família, e faziam isso por brincadeira, às vezes compartilhada pelos próprios donos.

As comadres da minha mãe, que residiam na zona rural, traziam-lhe beijus de goma e coco de presente, cujo cheiro e gosto nunca esqueci.

A Semana Santa, para os adeptos da Igreja Católica, era uma época triste e sombria. Para começar, não havia aula durante essa semana. O martírio de Nosso Senhor Jesus Cristo era revivido com respeito. Não se ouvia música profana. Não se chamava nome feio, e quase não havia briga. Era um período de reflexão e esperança de um mundo melhor.

Na Quarta-Feira da Semana Santa, a chamada Quarta-Feira de Trevas, não se ouvia o apito do trem, pois ele não trafegava. Não havia entrega de leite dos currais, pois não se tirava leite naquele dia, sob pena de “em vez do leite, do animal jorrar sangue”. Ainda por cima, propagava-se o perigo de ficar entrevado, para aquele que tomasse banho na Quarta-feira de Trevas.

Esses medos faziam parte da crendice popular, nos recantos nordestinos mais atrasados. Mas Frei Damião, em suas Missões, desmistificou esse costume, comum na zona rural.

Na Quinta-Feira Santa , quando se revive a traição de Judas durante a Última Ceia, sentia-se na cidade o clima de tristeza, Era o começo do martírio de Jesus, que carregaria sua Cruz até ser crucificado e morto.

Na Sexta – Feira da Paixão, Jesus estava morto e a imagem do seu corpo ficava em exposição na Igreja, durante todo o dia. Formava-se uma fila interminável, para que os fiéis o beijassem.

Nesse dia triste, eram praticados o jejum de carne e a abstinência de bebidas alcoólicas.

As rádios só transmitiam músicas sacras ou clássicas. Não se comercializava nenhuma mercadoria, em respeito ao sofrimento de Jesus Cristo, traído por Judas, em troca de 30 moedas.

Os clubes sociais e outros ambientes de entretenimento não funcionavam, em respeito à morte de Jesus Cristo.

O sábado de Aleluia revive a expectativa da Ressurreição de Jesus Cristo, o filho de Deus. A liturgia da Páscoa, ou passagem, ocorre pela madrugada.

A Páscoa Cristã é uma das festividades mais importantes para o cristianismo. De acordo com o calendário cristão, a Páscoa consiste no encerramento da chamada Semana Santa.

Nos dias de hoje, há diversos judas infiltrados nas multidões e vários Cristos estão vivendo seu Calvário, com uma imensa torcida para que sejam crucificados.

A adoração ao “vil metal”, ou seja, ao dinheiro, se sobrepuja ao sentimento cristão, e as igrejas se tornaram redutos políticos, procurados pelos podres poderes durante campanhas eleitorais.

Quando estava orando no Monte das Oliveiras, num jardim chamado Getsêmani, Jesus disse: “Pai, afasta de mim este cálice!” Isto ocorreu na noite em que Ele foi traído. Antes, Ele havia acabado de celebrar a última Páscoa com seus discípulos, e instituído a Ceia do Senhor, como uma ordem a ser observada por seus seguidores.

Ele partiu para o Monte das Oliveiras como de costume. Ali Ele pediu que seus discípulos vigiassem em oração. Ele se afastou um pouco deles com o objetivo de orar. A Bíblia diz que ali Jesus orou ao Pai intensamente.

Naquele momento, Jesus Cristo estava experimentando um estado de agonia tão extremo, que até o seu suor se transformou em gotas de sangue. O escritor de Hebreus, também descreve que naquele momento Jesus apresentou um grande clamor com lágrimas ao Pai (Hebreus 5:7). Ali ele estava vivendo os momentos finais antes da prisão que resultaria em sua morte. Foi justamente nesse contexto que Ele clamou:

“PAI, AFASTA DE MIM ESTE CÁLICE!”


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 23 de março de 2024

EVOCAÇÃO À VASSOURA (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLAMNTE PIMENTEL)

 

EVOCAÇÃO À VASSOURA

Violante Pimentel

Jânio da Silva Quadros foi um grande político da UDN (União Democrática Nacional), que exerceu a Presidência da República por apenas sete meses, de 31 de janeiro de 1961 a 25 de agosto de 1961.

Durante a campanha política, Jânio, com sua voz empolada e seus jargões inteligentes, proferia fortes discursos de combate à bandalheira política. Usava como símbolo de sua campanha uma vassoura na mão, “para varrer a corrupção do País”.

Nunca se vendeu tantas vassouras nas cidades do interior nordestino, como na campanha de Jânio. Sem falar nas brigas com vassouradas que havia entre as donas de casa que torciam por ele e as adversárias, que torciam pelo Marechal Henrique Teixeira Lott.

O jingle da sua campanha dizia: “Jânio Quadros é a certeza do Brasil moralizado!” Em um curto governo de sete meses, Jânio Quadros tomou grandes decisões como Presidente da República.

A filosofia da vassoura de Jânio tinha um grande compromisso com a moralização pública dos hábitos e costumes brasileiros, sempre defendendo uma educação moral e conservadora.

A vassoura, portanto, foi o elemento-símbolo da campanha presidencial de Jânio Quadros, pois ele pretendia “varrer” a corrupção do país.

O jingle “varre, varre vassourinha/varre toda a bandalheira” tornou-se um sucesso na época.

Com seu vice-presidente João Goulart (1918-1976), oriundo do PTB, Jânio formou a chapa denominada “Jan-Jan”.

Foi o 22º Presidente do Brasil, e sucessor de Juscelino Kubitschek (1902-1976).

Começou a carreira política elegendo-se vereador, e posteriormente, prefeito, governador e deputado federal pelo estado de São Paulo.

Estes cargos foram primordiais para adquirir popularidade entre os paulistas e, mais tarde, assumir o cargo de Presidente da República.

Casou-se com Eloá Quadros em 1942 e teve uma filha, Dirce Maria Quadros, que seguiu a carreira política. Sua filha foi eleita deputada federal pelo PSDB, de 1987 a 1991.

Político inesquecível, com o patriotismo à flor da pele, sua fabulosa inteligência e sua verve irônica, Jânio Quadros tinha como meta varrer o lixo político do Brasil e acabar com a corrupção.

Foi um líder carismático das massas. Usava ternos escuros e tentava aproximar-se cada vez mais do povo, mantendo assim a sua popularidade.

Seus propósitos continuam em aberto, e o nosso País espera, desesperadamente, que a corrupção tenha fim, o que não deixa de ser uma utopia.

Sua intenção era a melhor do mundo, mas de boas intenções o inferno está cheio, como diz o ditado.

Jânio Quadros ascendeu à presidência do Brasil em 1961, eleito com 5,6 milhões de votos e apoiado pela UDN (União Democrática Nacional). Esse partido era de centro-direita e aliado com as políticas dos Estados Unidos. Teve como adversário político derrotado, o Marechal Henrique Teixeira Lott (1894-1984).

O cenário do Brasil era de crise, pois o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960) deixou o país com a economia desestruturada, e com a inflação e a dívida externa maiores.

“Tão graves como a situação econômica e financeira, se me afigura a crise moral, administrativa e político-social em que mergulhamos”, afirmou Jânio em seu discurso de posse como Presidente da República.

Para conter esses problemas, Jânio Quadros congelou salários, desvalorizou a moeda nacional e restringiu o acesso de fundos de crédito, como tentativa de equilibrar a economia.

Quanto ao cenário externo, o mundo vivia a Guerra Fria (liderada pelas duas superpotências mundiais, EUA, capitalista, e a URSS, socialista). Desse modo, Jânio permaneceu numa posição neutra e, muitas vezes, sendo pragmático e privilegiando os interesses econômicos.

Apesar de conservador e anticomunista, essa posição não refletiu na política externa de Jânio Quadros. Aproximou-se de nações socialistas como Cuba, China e URSS.

Embora possuísse certa inclinação autoritária, Jânio auxiliou na consolidação do regime democrático no país, atacando várias vezes a elite, em defesa das camadas populares.

Depois de eleito, Jânio extrapolou o limite de tolerância dos adversários, com proibições absurdas.

Seguindo essa linha, suas ações foram um tanto retrógradas, como:

– proibição do uso de biquínis nas praias;
– proibição das rinhas de galo;
– proibição de uso de lança-perfume .

Isso demonstrou fragilidade nas metas do plano político proposto, afastando a população, e com o tempo, o presidente foi perdendo a popularidade.

Como Presidente da República, em 1961, participou da entrega da medalha “Grã-Cruz do Cruzeiro do Sul”, a mais alta condecoração do governo brasileiro, a Che Guevara (1928-1967), líder do movimento socialista na América Latina. Esse gesto provocou críticas da direita brasileira e concorreu para que fosse forçado a renunciar, “por forças terríveis”, como ele disse, sendo substituído pelo vice-presidente João Goulart.

Após perder o apoio dos militares e com a pressão de Carlos Lacerda (1914-1977), líder da UDN, Jânio renunciou no dia 25 de agosto de 1961.
Foi o primeiro Presidente do Brasil a renunciar.

Numa carta ao Congresso Nacional, Jânio declarou a pressão que estava sofrendo por “forças terríveis”, fator determinante para justificar sua renúncia.
Trechos da Carta de Renúncia de Jânio Quadros:

“Fui vencido pela reação e assim deixo o governo. Nestes sete meses cumpri o meu dever. Tenho-o cumprido dia e noite, trabalhando infatigavelmente, sem prevenções nem rancores.

Mas baldaram-se os meus esforços para conduzir esta nação, que pelo caminho de sua verdadeira libertação política e econômica, a única que possibilitaria o progresso efetivo e a justiça social, a que tem direito o seu generoso povo.

Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse sonho, a corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou de indivíduos, inclusive do exterior.

Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis levantam-se contra mim e me intrigam ou infamam, até com a desculpa de colaboração.

Encerro, assim, com o pensamento voltado para a nossa gente, para os estudantes, para os operários, para a grande família do Brasil, esta página da minha vida e da vida nacional. A mim não falta a coragem da renúncia. Retorno agora ao meu trabalho de advogado e professor. Trabalharemos todos. Há muitas formas de servir nossa pátria.”

Com a volta da Democracia, em 1985, Jânio Quadros foi eleito prefeito de São Paulo, derrotando o então senador Fernando Henrique Cardoso.

Frases célebres e hilárias de Jânio Quadros:

• “Bebo-o porque é líquido, se fosse sólido comê-lo-ia.”

• “O PMDB é uma arca de Noé, sem Noé e sem a arca.”

• “Intimidade gera aborrecimentos ou filhos. Como não quero aborrecimentos com a senhora, e muito menos filhos, trate-me por Senhor.”

• “Aprendi no berço com minha mãe, que não há homem meio honesto e meio desonesto. Ou são inteiramente honestos ou não o são.”

• “A inflação dissolve o dinheiro, avilta os tesouros, compromete o crédito, perturba a produção, paralisa as obras, dessora os governos, depaupera os particulares, fermenta as revoluções.”

• “Neste país, milhões e milhões de homens trabalham, trabalham para uns poucos comerem, come¬rem.

Em um de seus polêmicos discursos , disse Jânio Quadros:

“No Brasil, há dois tipos de pessoas:

Aquelas que comem e não trabalham, e aquelas que trabalham e não comem.

Se essa premissa fosse verdadeira, Deus teria feito as primeiras sem braços e as segundas sem bocas.”

Jânio da Silva Quadros nasceu em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, no dia 25 de janeiro de 1917 e faleceu em São Paulo, em 16 de fevereiro de 1992, com 75 anos.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho segunda, 18 de março de 2024

O PEDIDO (CONTO DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

O PEDIDO
Violante Pimentel
 

 

Malvino era um fazendeiro rico e avarento, que só se preocupava em juntar dinheiro.

Para isso, usava um antigo cofre que tinha em casa, cujo segredo a esposa Damiana sabia, mas nunca teve coragem de mexer.

Não gostava de luxo nem de vaidade. Não admitia que se gastasse dinheiro com coisas supérfluas. A esposa e as duas filhas não pegavam em dinheiro para alimentar a vaidade feminina. Cabelos escovados e unhas feitas, o fazendeiro somente permitia nas festas de Natal e Ano Novo.  A casa, onde a família morava, não era forrada, e o piso era d elajota.

Aparentemente, Malvino trabalhou pesado a vida toda e não queria ver ninguém usufruir das suas conquistas, nem mesmo a esposa e filhas. Gostava de dizer que filho de pai rico, quando o pai morre, acaba com tudo; e que viúva rica só serve para atrair cabra safado e aproveitador. O plano dele era esse: levar tudo com ele no caixão.

Uma vez por outra, dizia para Damiana:

“Quando eu morrer, quero levar todo o meu dinheiro comigo no caixão. Quero ter toda a minha fortuna, após a morte”!

Claro que isso soava bastante rude e egoísta para toda a família, especialmente para a esposa.

Damiana chegou a conversar com o padre sobre o pedido do marido, e ele lhe disse que não levasse isso a sério.

Anos depois, Malvino adoeceu, passando a sofrer de hipertensão e diabetes. Depois, o quadro se agravou e ele foi a óbito.

A esposa, então, sentiu-se na obrigação de concretizar o seu desejo. Depois de pensar muito, encontrou uma forma genial de conciliar as coisas, sem se prejudicar.

Na hora em que o caixão seria fechado, gritou: “Esperem um minuto”!

Um dos familiares disse: “Espero que você não seja louca de colocar toda a fortuna no caixão”.

A mulher, chorando, respondeu:

“Eu prometi a ele. Sou cristã e irei cumprir o meu juramento”!

Os amigos e familiares ficaram indignados com a situação.

Damiana, então, tirou do sutiã um cheque e pôs sob a cabeça do defunto. E explicou, baixinho, aos familiares:

– Ele vai levando, no caixão, um cheque nominal, cruzado, assinado por mim, no valor de todo o dinheiro que ele deixou no cofre. Amanhã, irei depositar o dinheiro no banco.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 16 de março de 2024

FATO E VERSÃO (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

FATO E VERSÃO

Violante Pimentel

 

Estamos vivendo a era da mentira e das versões. Cada dia há mais versões para prejudicar políticos, principalmente quando se trata de pessoa querida pela banda decente do País. Sou do tempo em que o Direito era respeitado e que o estudante de Direito acreditava nas instituições.

 

S

 

As mudanças que tem havido no cenário político fazem a mesma trajetória do besouro “rola-bosta”, muito conhecido no interior nordestino.

Quando não havia energia elétrica em Nova-Cruz (RN), nem água encanada, a ornamentação noturna dos dormitórios contava sempre com um pinico, ou para usar uma palavra mais “chique”, urinol. Vez por outra, aparecia um besouro rondando o pinico, e se este estivesse ocupado, o besouro rodava, rodava, até se atolar dentro do pinico, na urina ou coisa parecida. Era o famoso besouro “rola-bosta”. Assim acontece com as pessoas, principalmente os políticos. Rodam, rodam, e se atolam no pinico cheio.

E é a lama que destrói quem se mete na política. Os coveiros estão a postos, para sepultar reputações de pessoas de bem.

Repito. Estamos vivendo a era das versões. O importante não é o fato, mas as versões que dão ao fato. Há pessoas que, por isso, pegam má fama e morrem com ela.

Não há coisa pior neste mundo do que língua grande. Por causa disso, há pessoas que pegam uma fama infundada e carregam até o fim da vida. É a versão suplantando o fato. A fama decorre da versão e não do fato.

Depois que a fama se espalha, é difícil o difamado se reabilitar perante a opinião pública, porque tem sempre a turma que torce pela desgraça alheia, principalmente quando se trata de adversário político.

O “crime impossível” previsto no art. 17 do Código Penal Brasileiro, é letra morta, quando é para defender o homem de bem, que nunca praticou crime de responsabilidade ou corrupção, e nunca esteve preso.

O Código Penal Brasileiro estabelece:

“Art. 17. Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.”

Portanto, podemos comparar qualquer minuta anônima e incompleta, sem continuação, seja qual fosse a finalidade, ao “crime impossível”, previsto no art. 17 do Código Penal Brasileiro. Ambos envolvem a não consumação do delito.

Uma minuta anônima e inacabada não tem validade jurídica. É apenas um rascunho, que qualquer espírito do mal pode fazer para incriminar alguém. Nunca, jamais, em tempo algum, essa minuta poderá surtir efeito, nem ser considerada como tentativa de golpe. É mais lógico que ela seja considerada um Crime Impossível.

“Para os amigos, tudo. Para os inimigos, a letra fria da lei”, se for para derrubar um cidadão de bem.

A torcida do mal é bem maior do que a torcida do bem.

Há pessoas que sonham em ver a queda de alguém. Odeiam gratuitamente e não poupam ocasião de se insurgir sobre alguém, por inveja ou preconceito, até mesmo contra a naturalidade. Como acontece com a luta do nordestino contra o resto do Brasil.

Já se cogitou até em excluir o Nordeste do mapa do Brasil, assim como algumas figuras caricatas, não nordestinas, criticam e zombam da TAPIOCA COM CARNE DE SOL NORDESTINA, DA SANFONA DE LUIZ GONZAGA e por aí vai. Não sabem essas pessoas que o nordestino tem muito mais caráter e coragem do que certos “distintos” que pensam ser melhores do que o resto do mundo.

Vez por outra, desaparece do mundo do Direito, por falta de uso, determinados artigos da Constituição Federal, do Código Penal etc.

O que mais tem ocupado a minha cabeça, atualmente, é a figura do “CRIME IMPOSSÍVEL”, previsto no art. 17 do Código Penal, que parece letra morta.

Mudando o rumo desta prosa, hoje faz 30 dias que fugiram dois apenados que cumpriam pena na Penitenciária de Segurança Máxima de Mossoró (RN).

Até hoje, os gastos públicos, para a recapturação desses fugitivos, dariam para reconstruir uma cidade em ruínas.

Seiscentos policiais, diversos drones e helicópteros, cães farejadores, viaturas, passagens aéreas, hospedagem em hotel de luxo para o Ministro da Justiça e ex Ministro do STF, e nem rastro dos fugitivos. E o Ministro ainda disse em entrevista, que a operação de tentativa de recapturação dos dois fugitivos está sendo EXITOSA. Desde quando está havendo êxito nessa operação? O Brasil desconhece esse tipo de êxito.

Valei-me, Santo “Stanislaw Ponte Preta”!!! O Ministro disse que os dois fugitivos estão na mata onde há muitas fruteiras, principalmente bananas, e eles devem estar muito bem alimentados!

“Pare o mundo que eu quero descer!!!” (Canção do compositor Sílvio Brito – 1976)

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 08 de março de 2024

A BALEIA (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

A BALEIA

Violante Pimentel

 

As baleias-jubartes estão entre os maiores e mais majestosos animais marinhos. Elas podem crescer até 16 metros de comprimento e pesar até 40 toneladas.

Originalmente, no Brasil, as baleias – jubartes se distribuíam, durante a época reprodutiva, do Rio Grande do Norte a São Paulo; atualmente, se concentram principalmente no Banco dos Abrolhos, uma extensão da plataforma continental, recoberta por recifes de coral entre o sul da Bahia e o norte do Espírito Santo.

No Brasil, as jubartes foram caçadas desde 1602, primeiro na região do Recôncavo baiano, com a chegada dos baleeiros bascos, e depois pelas estações costeiras de caça à baleia, chamadas Armações, que se estabeleceram entre a Bahia e Santa Catarina, para matança de jubartes.

Na primeira metade do século XX, baleeiros noruegueses e japoneses trouxeram navios para matar as baleias que restavam em águas brasileiras, um massacre que só terminou de vez em 1985 quando o então Presidente José Sarney suspendeu a caça de baleias no país.

Em 1987, a aprovação pelo Congresso da Lei Federal 7/643, que proíbe a captura e o molestamento intencional de toda espécie de cetáceo em águas jurisdicionais brasileiras, coroou quase duas décadas de campanhas contra a matança por ativistas brasileiros, e inaugurou uma nova política de Estado do Brasil a favor da conservação e do uso exclusivamente não-letal desses animais através da pesquisa científica e do Ecoturismo. Atualmente, a população das jubartes se recupera, e as pessoas tem a consciência de que uma baleia vale mais viva do que morta.

Os machos totalmente crescidos têm em média 13 m – 14 m. As fêmeas são ligeiramente maiores, com 15 m – 16 m.

A baleia-jubarte (nome científico: Megaptera novaeangliae), também conhecida como baleia-corcunda, baleia-cantora, baleia-corcova, baleia-de-corcova, baleia-de-bossas, baleia-preta ou baleia-xibarte é um mamífero marinho, presente na maioria dos oceanos. Suas longas nadadeiras peitorais, que chegam a medir até 1/3 de seu comprimento total, poderiam ser comparadas às asas de um pássaro. Esta é a origem do nome Megaptera, que em grego antigo significa “grandes asas”, enquanto novaeangliae fala do primeiro local onde foi registrada a espécie, Nova Inglaterra. É conhecida por seus comportamentos aéreos e outros mais realizados na superfície, o que as torna popular no turismo de observação de baleias. Machos produzem cantos complexos que duram de 10 a 20 minutos com a finalidade de atrair as fêmeas para acasalar. As baleias vivem na água apesar de não terem guelras, porque evoluíram há milhões de anos a partir de ancestrais que viviam na terra. Sua evolução está amplamente documentada no registro fóssil.

Por não possuir dentes, a base alimentar das baleias – jubartes, mesmo adultas, são pequenos crustáceos, conhecidos como krill.

Dessa forma, no hilário episódio do falso importunamento do Ex-Presidente à baleia-jubarte, jamais ela o engoliria. Primeiro, porque o Ex-Presidente não a importunou, nem de longe. Essa infâmia é mais uma intriga da oposição perseguidora e má. E em segundo lugar, apesar da boca da baleia poder medir até três metros, sua goela é muito estreita e mede, no, máximo, 15 centímetros. E isso tem história. Senão vejamos:

A baleia sempre foi o mais veloz e comilão animal marinho. Comia tudo o que via em sua frente. Nadava mais do que todos os outros peixes. Até que um incidente aconteceu entre uma baleia e uma moça devota de Santo Antônio, que viajava num navio.

A tripulante conduzia nas mãos uma imagem do santo casamenteiro, rezando o tempo todo e pedindo a Santo Antônio para que o navio entrasse logo na barra. A devota tinha muita fé e tinha certeza de que seu santo milagroso faria com que, naquele navio, ela encontrasse o seu príncipe encantado, para sair do detestável caritó.

De repente, a imagem de Santo Antônio caiu no mar. Imediatamente, uma baleia que acompanhava a embarcação abocanhou Santo Antônio, mas ao tentar engolir a imagem, sua goela se estreitou. Quanto mais a baleia tentava engolir a imagem, mais se engasgava. Quanto mais se engasgava, mais a goela ficava estreita.

Santo Antônio desapareceu e a baleia, até hoje, só se alimenta de peixes miúdos, como sardinhas.

Segundo a lenda, Nosso Senhor Jesus Cristo castigou a baleia, torcendo o seu rabo e deixando a barbatana virada para baixo, batendo água de baixo para cima e não da direita para a esquerda, como nadam todos os viventes da água. O castigo fez com que a baleia nadasse mais devagar e se tornasse o único peixe que tem a barbatana virada para baixo.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 01 de março de 2024

EVOCANDO O “FEBEAPÁ” (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

EVOCANDO O “FEBEAPÁ”

Violante Pimenel

Não me canso de relembrar o Escritor Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta, com o seu FEBEAPÁ – Festival de Besteira que Assola o País, (1ª edição – dezembro de 1966 e FEBEAPÁ 2, dezembro de 1967).

O besteirol tem aumentado muito nos dias atuais. Há muito mais besteiras hoje, do que na época de Stanislaw Ponte Preta.

 

Nunca ri tanto, como com esse episódio da Baleia Jubarte X Bolsonaro. Tenho certeza de que se essa baleia pudesse falar, ela absolveria o Ex- Presidente de todos os pecados a ele atribuídos por causa dela. Ela se sentiria vaidosa de ser alvo de tão importante polêmica, envolvendo o Ex-Presidente Bolsonaro, admirador das belezas naturais do Brasil e um motonauta admirável.

O ex-presidente da República Jair Bolsonaro prestou depoimento, na tarde desta terça-feira (27), na Polícia Federal, em São Paulo, sobre um caso de suposta importunação de animal marinho, ocorrido em junho de 2023, em São Sebastião, no litoral paulista.

Na época, vídeos publicados nas redes sociais mostraram que, de jet ski, com o motor ligado, Bolsonaro se aproximou de uma baleia jubarte no momento em que ela aparecia na superfície da água. O ex-presidente chegou a ficar a menos de 15 metros de distância do animal. Uma portaria do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), no entanto, proíbe embarcações com motor ligado a menos de 100 metros de qualquer baleia. No local, não há nenhuma sinalização, cartaz ou bandeira, que alerte os motonautas, para a distância que existe entre eles e o habitat” das baleias “jumarte”.

O advogado de Bolsonaro, Daniel Tesser, que acompanhou o depoimento, disse que o ex-presidente se reconheceu nos vídeos, mas declarou que não houve importunação do animal. “Você não consegue controlar um animal daquele tamanho que surge, ele emerge da água, de baixo. Foi exatamente o que aconteceu. O presidente tomou todas as precauções a partir do momento em que avistou a baleia, sem saber a que distância se encontrava dela.

O Ministério Público Federal abriu o processo de investigação em novembro do ano passado. A apuração vai definir se Bolsonaro desrespeitou a lei que proíbe “qualquer forma de molestamento intencional”, ou a importunação de baleias. A punição prevista é de dois a cinco anos de reclusão e multa.

Mais um caso hilário, digno de integrar o Festival de Besteira que Assola o País, se vivo fosse Sérgio Porto, o insubstituível Stanislau Ponte Preta.

No hemisfério sul, o principal alimento das baleias jubarte (Megaptera novaeangliae), da subordem Mysticeti, é o krill – um pequeno crustáceo semelhante ao camarão.

Enquanto isso, no hemisfério norte, as jubartes se alimentam de cardumes de peixes, como anchovas, bacalhau, lança-areia e capelim, de acordo com o site do Serviço Nacional de Pesca Marinha dos Estados Unidos.

O Ex-Presidente tem uma alma nobre. Ao invés de estar curtindo os finais de semana atracado com uma garrafa de cachaça, se presta a exercitar sua habilidade de motonauta, no seu Jet Ski, filmando com o seu celular as belezas naturais litorâneas. Não é um homem comum e sim um predestinado, a começar pelo seu nome de Batismo.

Relembrando o FEBEAPÁ (Festival de Besteira que Assola o País, de Stanislau Ponte Preta, pseudônimo do saudoso Sérgio Porto- 1ª Edição – 1966 – Febeapá 2 – 1967 – EDITORA SABIÁ), vemos que as besteiras de hoje superam as besteiras de antigamente.

Há pessoas especialistas em criar e falar besteiras, principalmente o novo Governo e parlamentares.

Obs. Uma grande besteira que assola o País: No discurso de hoje, o Presidente disse que “a Companhia Vale pertence ao Brasil e o Brasil é quem manda nela.” Esqueceu que a Vale foi privatizada em 1997. Há exatamente 26 anos, num leilão realizado em 6 de maio de 1997, o governo brasileiro vendeu a maior parte de suas ações da até então estatal Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). O negócio envolveu, na época, cerca de R$ 3,3 bilhões.

Mudando o rumo desta prosa:

Certo dia, correu o boato de que estavam conspirando contra o Estado Democrático de Direito, com a intenção de dar um golpe. A conspiração acontecia no domicílio de um Coronel.

Uma situação dessa quando vasa, vai um carro verificar a denúncia, para lavrar um flagrante. O carro, então, é uma viatura policial.

Pois bem. Espalhou-se a notícia de que uma conspiração de golpe estava sendo tramada no domicílio de um Coronel. Logo uma viatura se deslocou para dar uma incerta no endereço do tal Coronel, conforme informação colhida.

O caso ficou de boca em boca, com conotação de mistério. O suspense era grande.

E foi preparado o flagrante, para apanhar os conspiradores em ação. O que interessava aos agentes policiais era dar o flagrante e prender os conspiradores todos de uma vez. Essa notícia iria ser manchete de jornal.

A conspiração (ou reuniões), segundo a denúncia, começava por volta das 10 horas da noite e terminava de madrugada.

Várias pessoas de aparência suspeita entravam no edifício e lá ficavam, fazendo o silêncio mais constrangedor que se podia imaginar. As luzes permaneciam acesas, e quem estava de fora pressentia que o apartamento estava cheio de gente, mas os sons discretos que vinham de dentro não coincidiam com esses detalhes. Eram palavras quase murmuradas.

A viatura policial chegou de mansinho, encostou na outra esquina, para não ser identificada, e os componentes da patrulha desceram para cercar o domicílio. Foi tudo muito fácil, pois os conspiradores nem sequer tinham tomado providências contra um possível flagrante. O militar que chefiava a turma subiu ao andar onde o Coronel tinha domicílio certo, e protegido pela sua metralhadora, bateu na porta devagarinho, para que não desconfiassem. Abriram a porta e lá dentro estavam vários casais jogando biriba.

Nunca houve coisa mais ridícula do que este flagrante. E nunca houve atitude mais abominável do que este fiasco de flagrante, querendo encontrar cabelo em ovo, e maldade onde não existe.

Como também, nunca houve coisa mais forjada e ridícula, do que a tal minuta de golpe, escrita para prejudicar o Ex-Presidente. Mais uma perseguição e mais uma besteira, para “enriquecer” o “FEBEAPÁ” (FESTIVAL DE BESTEIRA QUE ASSOLA O PAÍS.

Voltando à Baleia:

A Baleia sempre foi o mais veloz e comilão animal do mar. Comia tudo o que via em sua frente. Nadava mais do que todos os outros peixes.

Diz a lenda que, certo dia, uma moça devota de Santo Antônio ia rezando com uma imagem desse santo casamenteiro, pedindo que o navio entrasse logo na barra. De repente, a imagem caiu no mar. A Baleia abocanhou Santo Antônio, mas ficou engasgada. Quanto mais se engasgava, mais a goela ficava estreita.

Santo Antônio desapareceu e a Baleia ficou, até hoje, só engolindo sardinhas e peixes miudinhos.

Também diz a lenda, que Nosso Senhor Jesus Cristo, como castigo, torceu o rabo da Baleia. Por isso, ela nada mais devagar e é o único peixe que tem a barbatana do rabo virada para baixo, batendo água de baixo para cima, e não da direita para a esquerda, como todos os viventes da água.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho quarta, 28 de fevereiro de 2024

O CIMENTO (CONTO DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

 

 

Ao entrar na casa dos “enta” (quarenta, cinquenta…), Marina já não pensava em príncipe. Queria mesmo era um homem para ser seu marido e companheiro. Um homem para chamar de seu. Vivia bem, financeiramente, e não pensava em acumular riqueza. Seria até capaz de dar casa, comida e roupa lavada, e ainda uma boa mesada, ao marido. Mas ele teria que ser amante e companheiro fiel, e o principal: Não podia ser cachaceiro!!!

Muito católica, a única bebida que Marina não censurava quando via era o Vinho do Padre, durante a Santa Missa.

Pois bem: Apareceu essa proposta de casamento para Marina e, por influência dos amigos, foi aceita, depois de muita insistência.

O pretendente tinha enviuvado recentemente, e os filhos já estavam casados. Funcionário público estadual, o homem ganhava bem, tinha uma excelente casa numa cidade do interior e as informações a seu respeito eram as melhores possíveis. Era o marido ideal para Marina. Logo houve a apresentação dos dois “pombinhos” pelo casal de amigos, e foi “amor à primeira vista”. A carência afetiva em que Marina vivia mergulhada somou-se à recente solidão apavorante do viúvo, que procurou se fazer amado pela celibatária. Surgiu, assim, um casal “apaixonado”, por pura conveniência.

O casamento de Marina e Solano ocorreu em cerimônia simples, na terra da noiva, Nova-Cruz (RN), com a presença de familiares e dos amigos que os aproximaram.

O viúvo fez questão de continuar na mesma cidade e na mesma casa, onde residiu com a falecida esposa e os filhos.

Marina tinha estampada no rosto a imagem da felicidade. O marido vivia bem financeiramente, era católico praticante, e fora casado durante trinta anos, tendo fama de excelente chefe de família.

Num dia de domingo, um mês depois de haver casado com Marina, Solano avisou que iria fiscalizar a feira municipal de um lugarejo vizinho, e passou o dia fora. Só chegou à meia-noite, completamente embriagado. Marina se descontrolou e deu um escândalo com ele, chamando a atenção dos vizinhos. Gritou para ele que aquela seria a primeira e a última vez que ele saía para beber. Disse que não sabia que ele tinha esse vício miserável, e que casou enganada. E que ele teve a sorte de se casar com uma moça virgem!

Solano adormeceu em berço esplêndido, e as palavras agressivas da mulher entraram por um ouvido e saíram pelo outro. Esse domingo, portanto, foi perdido para Marina. E foi também a primeira das várias decepções que viriam pela frente.

No dia seguinte, pela manhã, Marina soube por um companheiro de farra de Solano, que os dois tinham ido a uma vaquejada, um dos divertimentos preferidos dos homens daquela região.

Essa história de “fiscalização da feira” era conversa “pra boi dormir”! Pura mentira!

Marina “enlouqueceu” de raiva, e entrou no quarto onde o marido ainda dormia, aos gritos:

– Seu safado, você me enganou! Disse que ia fiscalizar uma feira , e foi farrear numa vaquejada. Chegou à meia-noite, e completamente bêbado! Você está pensando que eu sou o que? Você casou comigo, e eu era uma moça! Eu era virgem! Eu vou embora desta casa!!!

Solano despertou, com cana dormida, e pegou brabo, dizendo impropérios com a mulher:

– Quer ir embora? Pode ir!!! Mas não é mais moça!!! Não tem problema não! Vou dar um jeito nisso!

E chamou a empregada, aos gritos:

– Maria, traz aí um pacote de cimento que está na despensa! Vou, agora mesmo, tampar essa mulher com cimento e devolver a virgindade dela!!!

Ouvindo isso, Marina saiu do quarto.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 24 de fevereiro de 2024

AS PRAGAS (CRÔNICA DE COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

AS PRAGAS

Violante Pimentel

 

A primeira praga que eu ouvi falar na minha vida foi “a praga do mau vizinho”. Era um jargão que um mendigo usava para agradecer a esmola que alguém lhe dava. “Deus te livre da praga do mau vizinho”! Eu era adolescente e logo conheci de perto o mau vizinho. Entendi que um mau vizinho é uma verdadeira praga, e só nos faz mal.

Vi minha mãe chorar, ao ver sua gata angorá morrer, sem nenhum pelo, em consequência de uma panela de água fervendo que lhe foi jogada por sua má vizinha, Dona Geni, para enxotá-la do seu quintal.

Vi meu irmão chorar, ao ver seus dois cachorros mortos por envenenamento, consequência de “bolas” que lhes foram jogadas por um mau vizinho. Casos verdadeiros, testemunhados por serviçais.

Como diz o ditado, “matos tem olhos, paredes tem ouvidos.” Há sempre uma testemunha ocular que o acaso coloca na “cena do crime”, para desmascarar o mentiroso. Mas a principal testemunha que existe é Deus. Se o homem não punir, Deus punirá. A Justiça de Deus tarda, mas não falha.

As dez pragas do Egito estão registradas na Bíblia, no livro do Êxodo, no Antigo Testamento (Êxodo 7—12).

Sem dúvida, esse foi um dos acontecimentos mais emblemáticos da história bíblica de Israel. Foi depois de sair do Egito, que o povo de Israel se consolidou como nação em Canaã, após peregrinar por algumas décadas pelo deserto.

Segundo os estudiosos, as dez pragas do Egito foram os castigos que Deus enviou contra a nação que estava oprimindo o seu povo escolhido. Foi após o Senhor ter enviado as 10 pragas através do ministério de seu servo Moisés, que os egípcios libertaram os israelitas.

De acordo com o texto bíblico, a primeira praga consistiu na transformação das águas do Nilo em sangue.

A segunda praga foi a invasão de rãs em todo o Egito.

A terceira praga trouxe ao Egito uma infestação de piolhos; a quarta praga trouxe a invasão de moscas; a quinta praga trouxe doenças e mortes a todos os rebanhos do Egito.

A sétima praga foi uma chuva de pedras, que destruiu as plantações do Egito; a oitava praga, foi a invasão de um enxame de gafanhotos, que infestou as terras egípcias.

A nona praga trouxe uma escuridão, que durou três dias; e na décima praga do Egito, a cólera divina fez morrer todos os primogênitos dos homens e dos animais.

Com tudo isso, fica claro que o significado das dez pragas do Egito apontou para a soberania de Deus sobre todas as coisas. As pragas caíram sobre o Egito, para que todos soubessem que o Deus de Israel é o Senhor, e para que seu nome fosse glorificado em toda a terra.

No Brasil, tem havido várias pragas, comparáveis às pragas do Egito. Como exemplo, o Covid-19, ou Corona-vírus, onde o índice de óbitos foi pavoroso.

Houve derramamento de dinheiro público nas mãos dos corruptos, com verbas desviadas da compra de oxigênio, crime para o qual até hoje não houve punição. Enquanto isso, milhares de pessoas morriam pela falta de oxigênio e leitos hospitalares.

Neste ano de 2024, nova praga assolou o País, através da proliferação do mosquito da dengue, adoecendo pessoas (50.000) e já alcançando 131 óbitos até o momento, o que não tem termos de comparação com a pandemia do Covid-19.

Mas, o fato é que, agora, a dengue entrou em cena com gosto de gás. As verbas públicas estão fazendo o verdadeiro carnaval do Ministério competente. A Vacina Qdenga já está sendo aplicada em crianças, sem que se saiba quais serão os efeitos colaterais que ela provocará.

Essas terríveis pragas parecem uma maldição de fundo bíblico, lançada sobre o Brasil, que já foi considerado o “País do Futuro”. Há também as pragas que vestem paletó e gravata ou togas pretas. Destroem toda a economia do País, não poupando dinheiro para turismos internacionais.

O nosso País está contaminado de maus políticos, corrupção, degeneração dos costumes e desrespeito, sementes que, plantadas, resultam numa péssima colheita.

Comparando as dez pragas do Egito com o que tem acontecido no Brasil, fora o sangue que manchou o rio Nilo, há muitas coincidências.

Atualmente, a dengue chegou novamente ao Brasil, de vento em popa. A poluição hídrica continua cada vez pior, e até hoje, o Órgão competente não respondeu quem tingiu de óleo as praias do Nordeste brasileiro.

Junto com a epidemia de dengue, vão as verbas milionárias, para abastecer as eleições municipais. A dinheirama está por trás de toda epidemia de dengue, e as vacinas são uma fonte de renda.

Para os egípcios, Deus mandou uma chuva de granizo que devastou seus campos. Para o Brasil, alguém soprou um fogo enorme no pantanal, queimando quatro milhões de hectares de terra.

Para os egípcios, Deus mandou uma chuva de granizo que devastou seus campos. Para o Brasil, a praga soprou um fogo enorme no pantanal, recaindo a culpa em quem não teve nada a ver com isso.

Aliás, entre uma praga de gafanhotos e uma praga de políticos corruptos, o que seria pior? A corrupção apodrece os políticos e faz o homem desacreditar no seu semelhante.

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho segunda, 19 de fevereiro de 2024

DISQUE AMIZADE
 
Antes da era cibernética, a comunicação que servia de elo entre as pessoas distantes era a telefonia fixa.

A prestação do serviço telefônico, “145 – Disque-Amizade”, foi inaugurado em 1984.

Discávamos 145 e logo uma ou várias vozes atendiam ao telefone, estabelecendo-se uma conversa simpática, de pessoas geralmente solitárias, a fim de fazer amizades. Pela voz e pela qualidade da conversa, selecionávamos quem se mostrasse mais interessante, e os contatos eram constantes, com hora marcada para a conversa telefônica. Daí surgiam boas amizades, namoros e até casamentos. Havia também muita decepção, pois algumas pessoas trocavam os números dos seus telefones, e continuavam, na conversa reservada, mentindo da mesma forma. 

Na conversa coletiva, os participantes costumavam usar pseudônimos, pois ali, inicialmente, todos eram desconhecidos. A “brincadeira” era divertida, e servia de lenitivo às pessoas solitárias, desiludidas, e esperançosas de encontrar ou reencontrar um amor.

Muitas viúvas solitárias, mulheres divorciadas ou separadas, atravessando fases de depressão, ligavam o 145 e tinham a sorte de encontrar alguma pessoa boa para conversar. Dessas conversas, às vezes, surgiam amizades sinceras, que com o tempo se solidificavam.

Os homens, cuja natureza é de caçador, estavam sempre à procura de novas caças.

Emanuel, um rapaz de 28 anos, bonito, bem empregado e bem-nascido, através do “145” se apaixonou pela voz de Nina, uma jovem que dizia ter 23 anos, era muito rica, e cujo pai era um verdadeiro carrasco. Trocaram os números dos respectivos telefones e passaram a conversar diariamente. Com o tempo, os dois estavam apaixonados e Nina lhe sugeriu um encontro, para que se conhecessem pessoalmente. Combinou, então, para se encontrar com ele na Av. Hermes da Fonseca, perto do Quartel do Exército. No dia e horário marcados, o rapaz chegou ao local combinado, vestindo a roupa também combinada. Esperou das 15 às 18 horas pela moça, que não apareceu.

Emanuel voltou para casa decepcionado e jurou que nunca mais entraria no “disque-amizade”. No dia seguinte, logo cedo, Nina lhe telefonou se desculpando, e jogando a culpa no pai por ter faltado ao encontro. Para compensar, convidou o rapaz para um encontro em Olinda (PE) no fim de semana vindouro, pois lá ela contaria com a cumplicidade de uma tia. Viajariam separados, mas ficariam no mesmo hotel, cujo nome ela sugeriu. Muito apaixonado, e curioso para conhecer pessoalmente a musa que povoava os seus sonhos, Emanuel aceitou o pedido de desculpa e também o convite para que os dois fossem se encontrar em Olinda. Reservou o hotel e aguardou, com ansiedade, o fim de semana. Nessas alturas, suas duas irmãs já estavam sabendo que ele estava apaixonado, e torciam para que o encontro desse certo.

A sexta-feira chegou, e Emanuel viajou no seu Fusca para Olinda, ansioso pelo grande encontro. Não se cansava de imaginar como seria o rosto e o corpo de Nina. Apaixonadíssimo, apostava no destino, e tinha certeza de que estava indo ao encontro da “mulher da sua vida”.

Chegando ao Hotel Santo Amaro, onde fizera reserva para um casal, Emanuel instalou-se no apartamento. Tomou banho, vestiu uma roupa da melhor qualidade, e ficou aguardando Nina, que, pelo combinado, deveria ter chegado pela manhã à casa da tia.

Anoiteceu, chegou a madrugada, e raiou um novo dia. Nina não chegou nem mandou notícia. Terminou o fim de semana e no domingo à tarde, Emanuel retornou a Natal, arrasado. Adeus às ilusões. Outra decepção, que, dessa vez, pôs fim, definitivamente, ao seu sonho de amor. Nina não passava de uma tratante, e estava zombando dos seus sentimentos. Nunca mais entraria no “disque-amizade”, nem queria mais ouvir a voz de Nina.

Com a decepção estampada no rosto, Emanuel entrou em casa cabisbaixo, e contou às irmãs o “bolo” que, mais uma vez, havia levado de Nina. As duas moças ficaram revoltadas e decidiram descobrir quem seria essa tal moça.

Nessa época, os Catálogos Telefônicos anuais traziam o número do telefone, o nome e o endereço do usuário. Com a paciência de Jó, as duas moças, tendo em mãos o número do telefone da suposta Nina, conseguiram descobrir o nome e o endereço do dono do telefone. Uma delas discou o tal número, o dono atendeu e se identificou. Ela também se identificou e pediu para lhe falar pessoalmente sobre um assunto muito desagradável. Gentilmente, o homem a recebeu no seu local de trabalho, uma conhecida rádio de Natal. Tratava-se de um comentarista esportivo muito atuante nesta capital.

Mara contou-lhe, então, o envolvimento do seu irmão Emanuel com uma jovem chamada Nina, que usava o telefone dele. Disse que o irmão tinha sofrido uma grande decepção com a jovem, que, aliás, ele só conhecia pelo “disque-amizade”. Ela tinha combinado um encontro com ele em Olinda (PE) no último fim de semana, induzindo-o a fazer reserva em hotel, e lá não apareceu nem lhe deu satisfação. Falou também que, antes disso, a jovem havia pedido para se encontrar com seu irmão, nas imediações do Quartel do Exército, indicando o local certo onde ele deveria ficar. Depois de esperar três horas pela moça, o irmão teria retornado à sua casa, disposto a não querer mais conversa com ela. Entretanto, no dia seguinte, a jovem lhe ligou, pedindo desculpa e atribuindo a impossibilidade de ir ao encontro ao pai, que era um carrasco. Então, ela sugeriu a ideia dos dois irem se encontrar em Olinda.

Para surpresa da irmã de Emanuel, o homem falou que morava com a mãe, dona Matilde, uma senhora de oitenta e seis anos, que sofria de obesidade mórbida, e passava o dia todo em casa, somente com uma empregada doméstica. Disse também que Dona Matilde era viciada no “disque-amizade”, coisa que ele não podia proibir, pois era o seu maior divertimento.

Pois bem: A jovem Nina, de voz bonita e sensual, por quem Emanuel se apaixonou perdidamente, na realidade, era Dona Matilde, de oitenta e seis anos, e que sofria de obesidade mórbida. A mulher entrava diariamente no “disque-amizade”, e usava a cada dia um pseudônimo diferente. Fazia uma voz estudada, e facilmente se fazia passar por uma mocinha. Nessa brincadeira, arranjava “namorados”, que sempre se apaixonavam pela sua voz.

Convém salientar que, no dia combinado para o primeiro encontro, da janela do seu apartamento, Dona Matilde reconheceu Emanuel e deu ótimas gargalhadas, ao vê-lo olhar constantemente para o relógio. As características que o rapaz lhe havia dado do seu tipo físico, e a cor da roupa com a qual disse que iria vestido, não davam margem a equívoco. Emanuel foi mais um dos apaixonados por Nina, Tereza, Fátima, Sílvia, ou outros pseudônimos usados por Dona Matilde.

Com o advento da internet, o “disque-amizade” caiu no desuso, perdendo a utilidade. Continua, apenas, na nossa memória, como uma lembrança boa, de um tempo em que ainda não existia a violência exacerbada de hoje. É coisa do passado.

Os homens, cuja natureza é de caçador, estavam sempre à procura de uma nova caça. As mulheres, de um modo geral, alimentavam a esperança de que naquela linha telefônica estaria traçado o seu destino. Acreditavam que a felicidade estava a caminho, e elas iriam encontrar um amor, ou um novo amor, para substituir o que haviam perdido.

Atualmente, o 145 perdeu a utilidade; e hoje o “Disk Amizade” é só uma lembrança em algum blog, na seção de antiguidades.

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 16 de fevereiro de 2024

A PREVISÃO (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

A PREVISÃO

Violante Pimentel

 

José Romeiro, um comerciante de Natal, gostava muito de música e era um pesquisador nato da música antiga, especialmente da “modinha”. Também sabia dedilhar um violão, e gostava de se acompanhar cantando. Indiscutivelmente, tinha cultura musical e fazia questão de dizer. Não esperava elogios. Ele mesmo elogiava a si próprio, pois gostava de propagar as suas boas qualidades. Chegou a publicar uma coletânea de modinhas, focalizando antigos compositores do cenário musical brasileiro. Não tinha formação acadêmica, mas era metido a sabichão.

Desprovido de qualquer modéstia, dizia, abertamente, que se considerava o homem mais inteligente de Natal. Mesmo sendo um homem íntegro, essa sua vaidade o tornava extremamente antipático aos olhos das pessoas ligadas à intelectualidade da cidade. Isso também incomodava os seus próprios amigos.

Estavam se aproximando as festas de Natal e Ano Novo. Findava a década de 60 e iria começar a década de 70. As pessoas crédulas aguardavam, com ansiedade, as previsões dos videntes, sobre os acontecimentos que atingiriam a vida da cidade e do país, no novo ano.

Uma conhecida vidente de Natal, “Mãe Jacinta”, que morava no bairro das Rocas, fez suas previsões para o novo ano, e o principal jornal da cidade publicou a sua entrevista. Entre as previsões estava escrito que, logo no primeiro semestre, morreria em Natal um grande vulto, a maior cultura do Rio Grande do Norte, uma das figuras mais ilustres da cidade. A notícia publicada no jornal se espalhou. A repercussão foi grande, e virou assunto principal em todos os lugares da cidade, inclusive nas mesas de bar. A vidente deixou claro que o óbito do grande homem ocorreria em Natal mesmo.

Não deu outra coisa…José Romeiro tomou para si a previsão de “Mãe Jacinta”, e entrou em pânico. Antes que se cumprisse o agouro, preparou as malas e viajou, imediatamente, com a família, para o Rio de Janeiro. Só voltou a Natal no final do ano de 1970.

São e salvo!!!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 09 de fevereiro de 2024

PALHAÇOS E REIS (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

PALHAÇOS E REIS

Violante Pimentel

Na confusão de gestos e risos sardônicos, eis que o povo brasileiro sofre mais uma vez, com uma nuvem cinzenta de gafanhotos negros, chegando para perturbar a alegria do povo, às vésperas do Carnaval, festa de ricos e pobres, cada um ao seu modo.

Quem pode, se empanturra de lagosta e caviar e bebidas caras, às custas do dinheiro público. Quem não pode, se diverte na base da linguiça e da cachaça, com pandeiro ou sem pandeiro.

A “terceira guerra mundial”, representada pelo Covid 19, em 2020, pegou o povo de surpresa, podendo ser considerada mais uma praga, não do Egito, mas da China, com a proliferação de um vírus feito em laboratório, que dizimou milhares de pessoas em todo o mundo, inclusive no Brasil.

Agora em 2024, às portas do Carnaval, mais uma praga do Egito estourou, sendo acompanhada pelo mosquito da dengue, e do vírus fabricado pelo solar dos urubus, onde se fabrica a destruição moral de cidadãos de bem e de suas famílias.

O brasileiro assiste ao prepotente desfile de palhaços e reis, que se julgam acima de Deus, mas que, na verdade, são guiados por Lúcifer, o espírito do mal. Esses urubus togados merecem fazer um retiro espiritual no carnaval que se aproxima, para pedir perdão a Deus por tanto mal que tem praticado contra o povo brasileiro.

De repente, a gangorra política voltou a todo vapor. De um lado, Jesus, do outro, Lúcifer.

É Portela 74

Mais uma vez, estamos às portas do Carnaval. O povo anseia pelo tríduo de Momo, para, sem lenço nem documento, descansar da rotina do trabalho e recuperar as energias.

O Carnaval é um período de festas populares realizadas durante o dia e à noite. As comemorações ocorrem todos os anos, nos meses de fevereiro ou março, começando no sábado e estendendo-se até a Terça-feira de Carnaval.

As celebrações carnavalescas terminam na Quarta-feira de Cinzas, dia que marca o início da Quaresma – período de 40 dias que segue até a Sexta-feira Santa, dois dias antes da Páscoa.

As festas de Carnaval são adaptadas de acordo com a história e a cultura local. Em geral, as pessoas dançam, comem e bebem alegremente em festas, bailes de máscaras e bailes de fantasias.

Marchinha de carnaval é um gênero de música popular que foi predominante no Carnaval Brasileiro dos anos 20 aos anos 60 do século XX, altura em que começou a ser substituída pelo samba enredo.

Carmen Miranda foi a cantora mais popular de marchinhas de carnaval.

A primeira marcha foi a composição de 1899 de Chiquinha Gonzaga, intitulada Ó Abre Alas, feita para o cordão carnavalesco Rosa de Ouro.

A marcha foi um estilo musical importado para o Brasil, que descende diretamente das marchas populares portuguesas, partilhando com elas o compasso binário das marchas militares, embora mais acelerado, melodias simples e vivas, e letras picantes, cheias de duplo sentido. Marchas portuguesas faziam grande sucesso no Brasil até 1920, destacando-se Vassourinha, em 1912.

 

 

Oh! Dona Antonha

Oh! Dona Antonha, oh! Dona Antonha
Tu tá ficando mas é muito sem vergonha!
Oh! Dona Antonha, oh! Dona Antonha
Tu tá ficando mas é muito sem vergonha!
A dona Antonha tem três filhas bonitinhas
Uma é Miloca, outra é Dondoca, outra é Chiquinha
São três querubim, feitas só pra mim
E nesta trinca eu vou brincar o carnaval!
Levo a dona Antonha, porque é sem vergonha
Ela está velha, mas é boa, não faz mal! Agora!

Eu fiz um bloco pra brincar com a macacada
As três meninas vão sair fantasiada
Uma de dançarina, outra de colombina
Sai a Chiquinha de Maria Antonieta!
Mas a dona Antonha, que é muito sem vergonha,
Sai de baliza, vestida de borboleta! Enfeza!

Inicialmente calmas e bucólicas, a partir da segunda década do século XX as marchas passaram a ter seu andamento acelerado, devido a influência da música comercial norte-americana da era jazz-bands, tendo como exemplo as marchinhas Eu vi e Zizinha, de 1926, ambas do pianista e compositor José Francisco de Freitas, o Freitinhas.

A marchinha destinada expressamente ao carnaval brasileiro passou a ser produzida com regularidade no Rio de Janeiro, a partir de composições de 1920 como Pois não de Eduardo Souto e João da Praia, Ai amor de Freire Júnior e Ó pé de anjo de Sinhô, e atingiu o apogeu com intérpretes como Carmen Miranda, Emilinha Borba, Almirante, Mário Reis, Dalva de Oliveira, Sílvio Caldas, Jorge Veiga e Blecaute, que interpretavam, ao longo dos meados do século XX, as composições de João de Barro, o Braguinha, e Alberto Ribeiro, Noel Rosa, Ary Barroso, Noel Rosa e Lamartine Babo.

O último grande compositor de marchinha foi João Roberto Kelly.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 02 de fevereiro de 2024

A CONFUSÃO (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

A CONFUSÃO

Violante Pimentel

Anos atrás, na Igreja Matriz de uma capital nordestina, o padre começou a celebrar a Missa das 7 horas da noite do domingo, falando mal da politicalha que assolava o País. Isso desagradou aos presentes, na sua maioria petistas. E seu vozeirão ecoou aos quatro cantos do templo:

– Irmãos, estamos hoje aqui, reunidos para falar dos “Fariseus”, esse povo mentiroso e corrupto, que está acabando com a economia do nosso País!

– Virgem Maria!!! Foi o murmúrio generalizado que ecoou na Igreja.

 

 

Os petistas saíram xingando o padre, e houve bate-boca na porta da Igreja. O prefeito, indignado, foi falar com o padre na Sacristia, ameaçando-o de requerer ao Bispo a sua remoção daquela Diocese, se ele continuasse a falar mal dos políticos, na hora do Sermão.

– Padre, pega leve! Os petistas são sindicalistas e funcionários públicos que ganham bem. Gastam na lojas, e, nos restaurantes e colaboram com a coleta da Igreja. Não agrida os políticos! Isto é uma ordem! Não ponha a Prefeitura em situação difícil!

Durante toda a semana, na cidade não se falou de outra coisa, senão do padre e do Sermão do domingo. Aquele zum-zum-zum todo deixou as pessoas curiosas, para saber como seria o sermão do domingo seguinte.

É bem verdade, que uma parte da cidade estava até satisfeita, pois, muitos moradores não morriam de amores pelos petistas.

Finalmente, chega o novo domingo, o prefeito vai à sacristia e recomenda:

– Padre, o senhor lembra da nossa conversa? Por favor, não arrume nenhuma encrenca hoje, certo?

Começa a missa e o padre chega ao sermão:

– Irmãos, estamos aqui reunidos hoje, para falar de uma pessoa da Bíblia: “Maria Madalena”. Aquela mulher, a prostituta que tentou seduzir Jesus, como essas ativistas desgraçadas, do sovaco cabeludo e mal cheirosas, vagabundas, mentirosas, corruptas e ladras que estão aqui.

O Padre mal acabou de falar, não deu outra!!! Pancadaria na igreja, atendimentos no Pronto-socorro da cidade, e o prefeito, novamente, foi ao encontro do padre:

– Padre, pelo amor de Deus! O senhor não me disse que ia pegar leve? Olha, eu também não morro de amores por esses petistas, eles são complicados, tem uns probleminhas, são ignorantes, prepotentes, não tem nenhuma ética etc, mas se o senhor não parar com isso, vou ter que pedir ao Bispo a sua retirada da paróquia.

Naquela semana, o zum-zum-zum foi maior ainda. O papo era só o sermão e ninguém perderia a missa do próximo domingo, nem por decreto! Na noite do domingo, a Igreja parecia final de Campeonato Brasileiro : Muita gente em pé, pois faltou lugar para sentar.

Antes da Missa, o prefeito entrou na sacristia, acompanhado pela polícia e, mais uma vez, advertiu o Padre:

– Padre, pegue leve, senão o senhor vai preso!

A igreja estava lotada. Todos querendo ver “o circo pegar fogo”. Quase não se conseguia respirar de tanta gente. Pessoas que há anos não pisavam na igreja, no domingo estavam lá, com terços e santinhos nas mãos, parecendo super devotas.

Quando o padre apareceu, houve uma tensão generalizada, com cochichos espalhados pelos quatro cantos.

Aparentemente calmo, o Padre começou a falar:

– Irmãos, estamos aqui reunidos hoje, para falar do momento mais importante da vida de Cristo: “a Santa Ceia”.

– Jesus, naquele momento disse aos apóstolos:

– Esta noite, um de vocês me trairá!

Então, João perguntou:

– Mestre, serei eu?

E Jesus respondeu:

– Não, João, não será você.

Então Pedro perguntou:

– Mestre, serei eu?

E Jesus respondeu:

– Não, Pedro, não será você.

E então, Judas, aquele desgraçado, vagabundo, mentiroso, corrupto e ladrão, que estava vestindo uma túnica toda vermelha, perguntou:

– Cumpanhêro, é eu?

-Tu o dizes! – Respondeu o Mestre.

E a pancadaria comeu solta … !


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 26 de janeiro de 2024

ADORO QUINDIM (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

ADORO QUINDIM

Violante Pimentel

Uma das minhas iguarias preferidas é quindim. Aprendi a gostar com a minha saudosa mãe, dona Lia, que cozinhava muito bem e dava preferência às sobremesas que levassem coco.

O quindim é um doce, à base de açúcar, gemas e coco ralado. É de se comer, “até lamber os beiços.”

Além de gostar de quindim, minha mãe também gostava muito da canção “Os Quindins de Iaiá” (de 1941), que cantarolava, embalando o filho caçula, como se fosse uma canção de ninar.

Sem dúvida, foi dela que herdei a preferência por quindim, que conservo até hoje.

“Os Quindins de Iaiá”, da autoria de Ary Barroso (1903-Ubá-MG / 1964-Rio de Janeiro-RJ), fez muito sucesso na voz do autor, como também na voz de Carmen Miranda, Dorival Caymmi (1914–2008), Dominguinhos e outros excelentes intérpretes.

“Aquarela do Brasil”, também da autoria do grande compositor Ary Barroso, foi a música que consolidou o estilo samba-exaltação, e ajudou a elevar o gênero samba à categoria de símbolo musical nacional.

Filho do advogado João Evangelista Barroso e Angelina de Resende Barroso, Ary Barroso ficou órfão aos 6 anos de idade. Os pais foram vítimas da tuberculose.

Ary Barroso foi criado pela tia avó, a professora de piano Ritinha, que o introduziu na música. Com 12 anos de idade já trabalhava como pianista auxiliar no Cinema Ideal de Ubá (MG), acompanhando os filmes mudos. Com 15 anos, começou a compor.

Com 18 anos, recebeu uma herança do tio Sabino Barroso, ex-ministro da Fazenda, e partiu para estudar Direito no Rio de Janeiro. Morava numa pensão de luxo, frequentava os melhores restaurantes e comprava as melhores roupas.

Quando o dinheiro acabou, passou a tocar piano em cinemas e cabarés, para se sustentar. Acabou gostando da boemia carioca.

Em 1923, passou a tocar na orquestra do maestro Sebastião Cirino, na sala de espera do teatro Carlos Gomes.

Em 1926, iniciou o Curso de Direito, interrompido diversas vezes.

Em 1928, foi contratado pela orquestra do maestro Spina, de São Paulo, para uma temporada de oito meses em Santos e em Poços de Caldas.

Em 1929, Ary voltou para o Rio de Janeiro. De pensão em pensão, foi parar na Rua André Cavalcanti, 50. Gostou das acomodações e da filha da dona da pensão, Ivone Belfort de Arantes. A família não concordava com o casamento de Ivone com o pianista boêmio.

Depois de ganhar um concurso de música carnavalesca com a marchinha “Dá Nela”, Ary pode pagar as despesas, e com o diploma de bacharel em direito, conquistado em 26 de fevereiro de 1930, pode se casar com Ivone. Ainda morando na pensão, nasceram os filhos Flávio Rubens e Mariúzia.

Em 1932, Ary Barroso ingressou na Rádio Philips a convite de Renato Murse. Além de pianista, foi humorista, animador e locutor esportivo.

Em 1933, enfrentou uma grande crise pessoal, quando perdeu a esposa Ivone e a avó no mesmo ano.

Depois da Rádio Philips, Ary foi para a Mayrink Veiga, e de lá, em 1934 foi para a Cosmos, em São Paulo, época em que criou o programa “Hora H”. Exigia que os calouros cantassem apenas músicas brasileiras e que citassem o nome do compositor.

Carmem Miranda foi uma de suas principais intérpretes e também grande amiga, com quem passeava nas ruas do Rio. O sucesso de “Aquarela do Brasil” na voz da cantora, fez com que Ary Barroso se transformasse em compositor e arranjador de filmes de Hollywood.

Ary Barroso notabilizou-se pelas músicas “Aquarela do Brasil, “Na Baixa do Sapateiro”, “Os Quindins de Yaiá” “No Tabuleiro da Baiana” e outras.

Retratou em suas canções, muitos aspectos do cotidiano popular. O samba esteve presente na maior parte de suas músicas, mas também estiveram presentes o xote, o choro, o foxtrote e a marcha.

Foi convidado, em 1936, para ser locutor na Rádio Cruzeiro do Sul. Apesar de já ser um compositor de sucesso, a atividade de locutor e comentarista esportivo se tornaria uma marca registrada de sua carreira.

Seus programas de calouro ficaram famosos e em 1937 inovou com um sino, para eliminar os calouros na Rádio Cruzeiro do Sul, no Rio de Janeiro. Quando foi para a Rádio Tupi, instituiu o gongo.

Ary Barroso, portanto, foi o precursor do gongo, imitado em programas de calouros, na televisão, tipo “A Buzina do Chacrinha” do apresentador José Abelardo Barbosa de Medeiros, mais conhecido como Chacrinha (1917-1988), que muito divertiu os telespectadores brasileiros, com seus jargões engraçados.

 

 

Os quindins de Iaiá
Cumé, cumé, cumé?
Os quindins de Iaiá
Cumé, cumé, cumé?
Os quindins de Iaiá
Cumé?

Cumé que faz chorar
Os zóinho de Iaiá
Cumé, cumé, cumé?
Os zóinho de Iaiá
Cumé, cumé, cumé?
Os zóinho de Iaiá
Cumé?

Cumé que faz penar
O jeitão de Iaiá
Me dá, me dá
Uma dor
Me dá, me dá
Que não sei
Se é, se é
Se é ou não amor
Só sei que Iaiá tem umas coisas
Que as outras Iaiá não tem
O que é?

Os quindins de Iaiá
Os quindins de Iaiá
Os quindins de Iaiá
Os quindins de Iaiá

Tem tanta coisa de valor
Nesse mundo de Nosso Senhor
Tem a flor da meia-noite
Escondida nos canteiros
Tem música e beleza
Na voz dos boiadeiros
A prata da lua cheia
No leque dos coqueiros
O sorriso das crianças
A toada dos barqueiros
Mas juro por Virgem Maria
Que nada disso pode matar…
O quê?
Os quindins de Iaiá…

 

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 19 de janeiro de 2024

“A MOÇA DO SONHO” (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

“A MOÇA DO SONHO”

Violante Pimentel

Há sonhos estranhos, que nos dão a impressão de termos feito uma viagem ao além, onde nos encontramos com uma pessoa que é a perfeição da beleza, e que nos atrai física e espiritualmente. Quanto mais longo é o sonho, maior o desapontamento (ou alívio), que sentimos quando despertamos.

Os gênios Chico Buarque (letra) e Edu Lobo (música), em parceria, compuseram a belíssima música “A Moça do Sonho”, que nos transporta a um universo de fantasia, em busca da perfeição da pessoa amada.

O encontro desses dois gênios resultou nessa belíssima composição, uma verdadeira obra prima.

O “eu lírico” fala da mulher dos sonhos do poeta, num desejo desesperado de que fosse tudo realidade.

Essa canção foi composta para a peça de teatro Cambaio (2001). O eu lírico ou eu poético é a voz que se expressa em uma poesia. Tal voz manifesta sentimentos, emoções, pensamentos e até opiniões. Portanto, tudo que é dito em uma poesia deve ser atribuído ao eu lírico, e não ao poeta.

Na composição “A Moça do Sonho”, o poeta, em sonho consegue visualizar a mulher que mora na sua imaginação. Mas, não dá para perceber nitidamente seus traços fisionômicos, o que lhe faz se arriscar a perguntar quem é ela. Mas, tomado de emoção, não consegue falar. Sua voz fraqueja.

“Entre escadas que fogem dos pés/ e relógios que rodam pra trás/ se eu pudesse encontrar meu amor/não voltava jamais.”(Diz o poeta)

Soprando o rosto da moça, com tristeza, verificou que ele se desfez em pó e sumiu.

Como numa magia, a moça voltou sussurrando uma canção. Ele resolveu novamente perguntar quem era ela, mas numa luminosidade que não lhe permitia enxergar bem, sentiu que ela fugia novamente, devagarinho.

Procurando evitar a fuga, a segurou. Ele a ouviu gemer, mas não sabia dizer se era por prazer ou dor. O vestido se desfez, desapareceu, mas o poeta não conseguiu vê-la nua.

No seu rosto, não identificou a mulher dos seus devaneios.

E o poeta ficou a imaginar, que seria bem melhor se vivêssemos os sonhos e não a realidade. Porque os sonhos são manifestações dos desejos, vontade daquilo que pretendemos viver. A realidade, muitas vezes, é cruel.

Seria muito bom, se houvesse um lugar, onde os sonhos tivessem a energia do que é verdadeiro.

Nesse lugar, a Moça do Sonhos seria a rainha que fascinaria o poeta todos os dias, com seu sorriso, seu rosto de beleza deslumbrante e seus gemidos de prazer. Lá teria uma cama, onde, quem sabe, a cada noite ele se fizesse presente nos seus sonhos.

Quando os sonhos desaparecem e se findam, o que fazer para revivê-los? Onde encontrá-los? Devia haver uma praça com ofertas, para que pudéssemos localizar aqueles sonhos que se foram, mas que ainda temos esperança de que ressurjam!

Nada evitará que continuemos nessa busca. Mas, se eles forem encontrados, não voltarão jamais a ser como antes.

 

A MOÇA DO SONHO Canção de Chico Buarque (Letra) e Edu Lobo (Música)

 

 

Súbito me encantou
A moça em contraluz
Arrisquei perguntar: quem és?
Mas fraquejou a voz
Sem jeito eu lhe pegava as mãos
Como quem desatasse um nó
Soprei seu rosto sem pensar
E o rosto se desfez em pó

Há de haver algum lugar
Um confuso casarão
Onde os sonhos serão reais
E a vida não
Por ali reinaria meu bem
Com seus risos, seus ais, sua tez
E uma cama onde à noite
Sonhasse comigo
Talvez

Por encanto voltou
Cantando a meia voz
Súbito perguntei: quem és?
Mas oscilou a luz
Fugia devagar de mim
E quando a segurei, gemeu
O seu vestido se partiu
E o rosto já não era o seu

Um lugar deve existir
Uma espécie de bazar
Onde os sonhos extraviados
Vão parar

Entre escadas que fogem dos pés
E relógios que rodam pra trás
Se eu pudesse encontrar meu amor
Não voltava jamais

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 12 de janeiro de 2024

A HISTÓRIA DO “RI-RI” (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

A HISTÓRIA DO “RI-RI”

Violante Pimentel

A história do “ri-ri”, zíper, fecho-éclair ou simplesmente “fecho”, começou em 1893 na Exposição Mundial de Chicago, nos EUA, onde este objeto deslizante, usado para fechar e abrir roupas, foi apresentado pela primeira vez. Tratava-se de uma versão primitiva do objeto, com minúsculos ganchos e argolas, desenvolvida pelo engenheiro americano Whitcomb Judson. Cansado de abrir e fechar todos os dias os cordões dos seus sapatos, ele teve a ideia de criar um artefato rudimentar, composto de ganchos e furos. Porém, esse tipo de zíper não era muito eficiente: não fechava com facilidade e se abria em horas impróprias.

A peça utilitária ficou conhecida como fecho-éclair, palavra vinda do francês Éclair, que significa relâmpago, e se refere ao nome da sociedade detentora do registro da marca — a Éclair Prestil SN. Em Portugal e no Brasil adotou-se a expressão “fecho-éclair”. Este nome predomina no Rio, ao contrário de São Paulo onde prevalece “zíper”.

 

 

A primeira participação deste utilitário na indústria do vestuário aconteceu durante a I Guerra Mundial, quando os uniformes dos soldados norte- americanos foram confeccionados com fecho-éclair nas calças.

Na II Guerra, o fecho-éclair foi usado em sacos de dormir, uniformes, malas e sacolas para transportar mortos.

O americanoWhitcomb L. Judson, em 1891, inventou o primeiro protótipo de fecho com ‘dentadura incluída’. O sueco Gideon Sundback pegou a idéia em 1913, e desenvolveu.

O fecho-éclair tem dentes plásticos ou metálicos, pelos quais corre o cursor, que tem aberturas em forma de um «Y». Pela parte de cima passam os dois trilhos separados, lado a lado, e dentro do cursor os dentes dos trilhos se engancham, para saírem por uma saída só, juntos, pelo lado oposto pelo qual entraram.

No Brasil, o maior fabricante desse objeto que ri, ao qual as costureiras do interior nordestino passaram a chamar de “ri-ri”, foi a YKK, (Yoshida Brasileira Indústria e Comércio), com sede no Japão e atuando em 44 países. Os outros fabricantes são: Linhas Correntes e Metalúrgica Ultra.

O fecho-éclair atual é um conjunto, que resulta de equipamentos modernos e matérias-primas mais resistentes e mais variadas, como os metais que compõe seus ganchos, que podem ser dourados, niquelados ou de plástico.

No interior nordestino, antigamente, os fechos de saias e vestidos eram chamados de “ri-ri”. Fecho-eclair e zíper é como eram chamados no Rio de Janeiro e São Paulo. Era um utilitário, usado apenas em confecções femininas. Toda saia ou vestido tinha um “ri-ri”, costurado numa fenda lateral ou nas costas, que variava de 20 a 35 centímetros. Tinha a finalidade de facilitar o vestimento da peça, na passagem pela cabeça. O nome está ligado ao som, provocado pelo seu fechamento ou abertura, quando as duas carreiras de dentinhos de metal deslizam sobre os trilhos que o compõem.

Antigamente, a braguilha (ou barguilha) das calças de homens eram abotoadas, ou seja, fechadas com botões. Somente com a moda de calças Jeans (Faroeste, Lee etc), feitas de tecidos bastante pesados, os botões foram substituídos pelo “ri-ri”, chamado agora, oficialmente de fecho-eclair ou zíper.

Enquanto as calças e bermudas com braguilha (ou barguilha) abotoadas nunca causaram danos físicos ao homem, o zíper lhe tem causado muitos “acidentes”. Já houve casos do homem ficar preso ao zíper, pela pele do membro sexual, no momento de vestir ou tirar a calça ou bermuda. Em alguns casos, houve até necessidade de socorro médico, e de pequena cirurgia, onde um pouco da pele precisou ser cortada.

Por preconceito, o “ri-ri”, zíper ou fecho-eclair demorou muito a ser aceito pelo homem, em suas calças e bermudas. O homem achava que aquilo era artefato para roupa de mulher. Mas terminou cedendo, uma vez que o modelo abotoado saiu de linha.

Até então, o vestuário, tanto masculino como feminino só usava botões e colchetes.

A calça LEE fez, na década de 5O, a união do zíper com jeans, quando lançou a calça jeans feminina.

Na década de 70, o zíper, finalmente, triunfou no setor do vestuário, entrando em contato com a alta costura.

André Courrèges , estilista francês (1923 – 2016), foi considerado um marco na trajetória desse fecho. Foi ele o primeiro a usá-lo como adorno em suas coleções. Nesse mesmo período, a necessidade de renovação da moda para atender as exigências de um público jovem cada vez mais comprador, fez do zíper o parceiro ideal das roupas, confeccionados em materiais plásticos e de cores vibrantes. Além da moda plástica e geométrica de Pierre Cardin, Rabanne e Mary Quant, este utilitário esteve também a serviço do vestuário dos Hippies e dos Astronautas, e de lá para cá, esteve sempre presente na maioria dos produtos confeccionados, quer no mundo da moda, quer no mundo dos produtos utilitários.

Atualmente, o zíper acompanha a moda. Algumas vezes está fechando, outras vezes está somente adornando os produtos lançados pela moda.

O zíper entrou no mundo da moda em 1935, pelas mãos da estilista Elza Schiaparelli.

Nesse período, o vestuário, tanto masculino como o feminino usava botões e colchetes.

A calça LEE fez, na década de 5O, a união do zíper com jeans, quando lançou a calça jeans feminina.

Na década de 70, o zíper, finalmente, triunfou no setor do vestuário, entrando em contato com a alta costura.

Atualmente, o ri-ri (zíper ou fecho-éclair) acompanha a moda. Algumas vezes está fechando, outras vezes está abrindo, mas sempre adornando os produtos em lançamento.

O “ri-ri” atual (zíper ou fecho-éclair) é um conjunto, que resulta de equipamentos modernos e matérias-primas mais resistentes, variadas e bonitas, com os metais que compõe seus ganchos em cor dourada, niquelados ou de plástico, servindo de bonitos adornos na confecção de roupas.

No interior nordestino, antigamente, os fechos de saias e vestidos eram chamados de “ri-ri”, porque as duas tirinhas com quadradinhos de metal ou plástico, ao se juntarem, lembravam um sorriso. A palavra pegou e o objeto tornou-se conhecido pelas costureiras, com esse nome. Por isso, a palavra “ri-ri” predomina até hoje, entre as pessoas mais antigas, no interior nordestino.

Toda saia ou vestido tinha um “ri-ri”, de lado ou na parte de trás, num comprimento de 20 a 35 centimetros, com a finalidade de facilitar o vestimento da peça, na passagem pela cabeça.

Dona Lia, minha saudosa mãe, costurava muito e muitas vezes eu, ainda menina, ia ao armarinho de Seu Zé Cirilo, em Nova-Cruz (RN), comprar “ri-ri”, retrós, carretel de linha, agulha de máquina e de mão, botões, conforme ela anotava numa folha de papel. O nome “ri-ri” nunca faltava.

A partir da moda de calças Jeans (Faroeste, Lee etc), feitas com tecido bastante pesado, os botões das braguilhas (ou barguilhas) de calças masculinas foram substituídos definitivamente pelos “ri-ris”, que passaram oficialmente a ser chamados de “zíper” ou “fecho-eclair”.

O zíper atual é um conjunto, que resulta de equipamentos modernos e matérias-primas mais resistentes, variadas e bonitas, com os metais que compõe seus ganchos, em cor dourada, niquelados ou de plástico, servindo de bonitos adornos na confecção de roupas.

No interior nordestino, antigamente, os fechos de saias e vestidos eram chamados de “ri-ri”, porque as duas tirinhas com quadradinhos de metal ou plástico, ao se juntarem, lembravam um sorriso. A palavra “ri-ri”, no interior nordestino pegou e o objeto tornou-se conhecido pelas costureiras, com esse nome. A palavra “ri-ri”, portanto, faz sentido. Zíper e fecho-eclair não eram palavras conhecidas no interior nordestino. Eram palavras de capital. Por isso, “ri-ri” predomina até hoje, na linguagem das pessoas antigas.

Toda saia ou vestido tinha um “ri-ri”, de lado ou na parte de trás, num comprimento de 20 a 35 centímetros, com a finalidade de facilitar o vestimento da peça, na passagem pela cabeça.

Tempos depois, as braguilhas (ou barguilhas) de calças e bermudas masculinas, que antes eram fechadas com botões, passaram a ser fechadas com “ri-ri”, a partir da moda de calças Jeans (Faroeste, Lee etc), tecido bastante pesado.

E os botões das braguilhas (ou barguilhas) de calças masculinas foram substituídos definitivamente pelos “ri-ris”, que passaram oficialmente a ser chamados de “zíper” ou “fecho-eclair”, nomes já usados nas capitais.

Entretanto, no interior nordestino, esse invento permanecerá sempre com o nome de “ri-ri”. Quando em Nova-Cruz, alguém se refere a ele como zíper ou fecho-éclair, já se sabe que é gente de fora, com outros hábitos e costumes.

Salve o “RI RI”!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 05 de janeiro de 2024

ANTA ESFOLADA (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

ANTA ESFOLADA

Violante Pimentel

Nasci e me criei em Nova-Cruz (RN), às margens dos rios Curimataú e Bujari.

Faz parte da história de Nova-Cruz uma suposta lenda, que diz que, séculos atrás, no vale do Curimataú, habitava uma anta de espírito maligno, que assombrava os moradores e boiadeiros que por ali passavam. Com o propósito de retirar seu feitiço, um caçador resolveu prendê-la e esfolá-la viva. Contudo, ao receber o primeiro golpe, a anta deu um pulo, deixando sua pele nas mãos do seu algoz. Embrenhou-se na mata, assumindo a forma de um animal feroz e demoníaco, com dois chifres, tal qual o demônio. A partir desse dia, a anta esfolada passou a aterrorizar os moradores, correndo como um relâmpago, rodeando as casas, fedendo a enxofre e roncando alto.

O primeiro nome de Nova-Cruz foi Urtigal, devido ao matagal de urtigas que cercava o arruado, onde surgiria a futura cidade. Depois, o acontecimento nefasto da anta esfolada fez com que o povo passasse a chamar Urtigal de Anta Esfolada.

 

Numa 6ª feira 13, quando o mês era agosto, do ano 1813, a anta esfolada apareceu em Urtigal (antigo nome de Nova-Cruz-RN), dando pinotes e parecendo estar possuída pelo demônio. Cada testemunha da terrível aparição contava o fato, acrescentando detalhes fantasiosos e apavorantes. Foram muitas as narrativas mirabolantes sobre a anta maldita. As pessoas contavam a história, acrescentando detalhes fantásticos da possessão demoníaca do animal.

O boiadeiro Severino Bento chegou no Urtigal e contou que no caminho, uma anta esfolada e com chifres, se meteu no meio do gado e espantou as reses. Apareceu do nada, correndo e pulando, como se estivesse com o demônio no couro. E assim, provocou o estouro da boiada;

Tonhão contou que foi tomar banho na lagoa, e quando saiu da água viu um bicho parecido com uma anta, se estrebuchando nas cinzas de uma coivara. Bufava e fedia a enxofre. Assombrado, o homem chegou em casa numa carreira só, como se tivesse visto o próprio demônio;

Joaninha contou que estava deitada, quando ouviu um estrondo, que parecia um trovão. Olhando pelas frestas do telhado, viu um fogaréu se espalhando pelo Céu, soltando faíscas para todos os lados. Sentiu-se sufocar com um cheiro forte de enxofre e logo ouviu um tropel se aproximando. Saiu pra ver o que era e viu passar um homem a cavalo, segurando uma pele ensanguentada. O homem tinha dois chifres na testa!

O assunto correu de boca em boca, espalhando o terror.

Mesmo contra a vontade dos proprietários, o povo passou a chamar Urtigal de Anta Esfolada. E o nome pegou.

Em qualquer ambiente, quando alguém se referia ao Urtigal, as pessoas se benziam e acrescentavam que era o lugar onde apareceu a anta esfolada. Indignados com a atitude do povo, que passou a chamar Urtigal de Anta Esfolada, os proprietários se mudaram para a Serra do Pires, que depois passou a ser chamada de Serra de São Bento. Eles consideravam pejorativo o nome de Anta Esfolada, como um fator a mais para declínio de seus empreendimentos. E os proprietários continuaram a chamar a fazenda de Urtigal. Mas o povoado nascente passou a ser chamado definitivamente Anta Esfolada.

E o nome Anta Esfolada permaneceu, até que viessem para lá as primeiras missões de evangelização, dirigidas pelo Frei Serafim de Catânia.

Anos depois, os missionários que chegaram àquele povoado para evangelizar, se chocaram com a origem nefasta do seu nome, Anta Esfolada, e fizeram uma campanha para que aquele nome fosse mudado. Impressionados com a história demoníaca da anta esfolada, fizeram uma campanha para que o nome fosse trocado para NOVA-CRUZ. Para isso, encomendaram uma enorme cruz de madeira e fincaram ao solo, e também uma placa, onde em letras garrafais, estava escrito NOVA-CRUZ – RNUZ – RN. Os frades capuchinhos que lá estavam evangelizando em Missões, celebraram uma Missa no local, a que compareceram todos os moradores do lugarejo.

As Santas Missões em Anta Esfolada, praticamente começaram com a Missa da Meia Noite, na véspera de Natal.

Durante uma semana, todos os dias, ainda de madrugada, Frei Serafim deixava o leito e fazia uma caminhada pelo povoado. Uma multidão já o esperava para a procissão matinal. Um Coroinha tocando uma sineta, animava o povo, cantando o bendito Vinde Pais e Vinde Mães.

Às seis horas da manhã, no local onde seria construída a futura capela, Frei Serafim celebrava a Santa Missa. Era uma palhoça de folhas de sapé em frente do cruzeiro e do palanque. Só às oito horas, o frade tomava o café da manhã. Todas as vezes que os padres deixavam o local das para fazer as refeições na casa de Zeferino, uma pequena multidão os acompanhava.

Durante o dia, na latada, os missionários ouviam as demoradas confissões.

As crianças eram acolhidas por catequistas que levavam o grupo para a areia do rio, para os folguedos próprios da idade e, rezando em voz alta, aprendiam as orações básicas do catecismo.

À tardinha, a multidão comparecia em peso para o grande acontecimento religioso. No palanque, Frei Alberto Cabral, com forte sotaque italiano, ensinava os benditos, especialmente um que se tornou o símbolo das missões dos frades capuchinhos do Nordeste:

“Abençoe esta missão
Virgem Mãe, Nossa Senhora
Dá-nos tua proteção
Oh! Senhora Imaculada!”

Depois, Frei Serafim da Catânia proferia o seu sermão.

Ele tinha o dom de cativar os afastados de Deus, que sentindo o apelo divino, desejavam mudar de vida e, assim, esperavam horas e horas na fila, para se confessar com ele. Os outros padres disponíveis para esse atendimento tinham as filas bem menores. Muitos, mesmo depois de ter se confessado, voltavam à fila de frei Serafim, atraídos pela sua inexplicável e cativante simpatia. E não ficava ninguém sem se confessar.

Muitos afirmavam, que ele perguntava por pecados escondidos e que tinha o poder de adivinhar o que tivesse acontecido na vida de quem estivesse falando.

Assim era a rotina das missões de Frei Serafim de Catânia, em Anta Esfolada.

O último dia das missões foi muito emocionante. Era o dia 31 de dezembro de 1846, o último dia do ano.

Depois do meio dia, o frade mandou chamar o povo para uma confissão comunitária. Sentados em torno dele, todos formavam um grupo todo especial.

O frade se dirigiu ao grupo dizendo que tanto Deus como o Demônio podiam agir no mundo através dos homens. E como um adivinho, começou a falar sobre o que tinha acontecido na vida daquelas pessoas, relatando fatos antigos. Falou da ação do Demônio no episódio da anta esfolada e da ação de Deus, livrando o povo daquela maldição.

Já estava escuro quando os frades acenderam uma grande fogueira junto do cruzeiro. Era a a última noite de missão, a despedida geral. Os índios se aproximaram trazendo dois anciãos. Um deles, Joaquim, pediu para ficar mais perto da fogueira e, inesperadamente, jogou no fogo um anel de couro ressequido. Era o couro da anta esfolada, a última lembrança de seu passado maldito, que devia ser definitivamente esquecido.

Os frades deram início aos trabalhos da missão. Nessa ocasião, Frei Serafim de Catânia olhando para a cruz iluminada pelas chamas falou para todos com voz forte:

– EM NOME DE DEUS, EU VOS ORDENO QUE ESTE LUGAR, DE HOJE EM DIANTE, SEJA CHAMADO DE NOVA-CRUZ!

O povo irrompeu com gritos de aplauso:

– NOVA-CRUZ! NOVA-CRUZ! NOVA-CRUZ!

E assim a terra da Anta Esfolada encontrava o seu nome definitivo. Ao final, Frei Serafim mandou que todos fossem para seus alojamentos e voltassem de madrugada para a Missa de Ano Novo que ele celebraria antes de viajar.

A Lei 609, de 12 de março de 1868, elevou a povoação de Nova-Cruz à categoria de Vila, mediante a transferência da sede municipal e paroquial de Serra de São Bento. A partir de então, Nova-Cruz passou a ser Sede de Paróquia, se desligando de São Bento.

Assim, Nova-Cruz passou a ser município legalmente constituído e sede paroquial, de direito, uma vez que, de fato, já o era desde 1855. O Padre João Alípio da Cunha, que era deputado da Assembleia Provincial, foi nomeado o primeiro vigário de Nova Cruz. Ficou muito feliz com a nomeação e preparou uma grande festa para a instalação da paróquia. Convidou o Frei Serafim de Catânia para presidir os festejos, o que atraiu grande número de pessoas, de todos os povoados da redondeza.

Os índios e os negros das comunidades de Baía da Traição e de Sibaúma, vieram para a festa e assim demonstraram seu contentamento com o progresso do povoado. Houve uma grande festa, para a instalação da paróquia.

Em 1871 foi criada a comarca de Nova-Cruz, com a nomeação do Dr. Jerônimo Américo Raposo da Câmara como o primeiro Juiz de Direito. No mesmo ano, também foi criada a comarca de Canguaretama, para onde tinha sido transferida a comarca de Vila Flor. Por esse tempo foi promulgada a Lei do Ventre Livre, que teve pequena repercussão em Nova-Cruz, dado o fato de que, praticamente, já tinha sido abolida a escravidão, pela alforria que Zeferino e o deputado João Mendes concederam a seus escravos.

Muitas famílias vieram morar em Nova-Cruz, atraídas pela feira, que todas as segundas-feiras reunia gente de toda a região, proporcionando grande movimento comercial.

Em 1872, quando o Padre Emídio Fernandes de Oliveira assumiu o cargo de vigário de Nova-Cruz, a vila participou do primeiro recenseamento feito no Brasil, ao mesmo tempo em que a população foi atingida pela epidemia de varíola, o que obrigava os contaminados a ficarem em regime de reclusão pelos matos, enrolados em folhas de bananeiras, para minorar o queimor das bexigas purulentas.

O casal de velhos, fundadores de Nova-Cruz, Zeferino e Araci, foi atingido pela peste de varíola.

Envoltos em folhas de bananeira, foram levados para uma antiga cabana junto do pé de barriguda. Ali não resistiram e morreram.

Foram enterrados no mesmo lugar.

Com o tempo, o pé de barriguda ficou sendo a referência para as romarias dos negros de Sibaúma e dos índios de Baía da Traição.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 29 de dezembro de 2023

A PRIMEIRA “FAKE NEWS” DA TERRA DA ANTA ESFOLADA (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

A PRIMEIRA “FAKE NEWS” DA TERRA DA ANTA ESFOLADA

Violante Pimentel

ENTRADA DE ANO NOVO – 1959/1960

No final de 1959, surgiu um boato em todo o Brasil de que um profeta havia preconizado que em 1960 os negros iriam virar macacos (sic). Os compositores imediatamente aproveitaram a deixa e fizeram o frevo-canção “Operação Macaco” (Sebastião Lopes/Nelson Ferreira). interprete Nerize Paiva. acompanhamento: Orquestra. nº da matriz. R-1099.

No interior nordestino, principalmente em Nova-Cruz, antiga Anta Esfolada, o boato se transformou em praga. As pessoas mais ingênuas tomaram isso ao pé da letra, e a notícia, de tão repetida, virou verdade, tal qual a atual “FAKE NEWS”

A festa da padroeira da cidade, Nossa Senhora da Conceição, pela primeira vez foi tensa, pois havia quem acreditasse nessa propagada profecia.

A barraca armada em frente à Matriz de Nossa Senhora da Conceição estava repleta de pessoas que aguardavam a chegada do Ano Novo. Notavam-se nas fisionomias de todos, tensão nervosa e medo, diante da perspectiva do cumprimento da profecia divulgada pela cidade. Havia pessoas nervosas, que acreditavam nos boatos negativos. Mesmo assim, a cidade estava repleta de nova-cruzenses, tanto da zona rural como da zona urbana. Essas pessoas invadiam a cidade, na véspera de Ano Novo, em busca de diversão, como passeios no Parque São Luiz, compras de iguarias regionais, incluindo alfenins e doces-secos. Tudo isso era vendido em barraquinhas armadas ao longo da Rua Grande, principal rua da cidade.

Havia também o serviço de alto-falante, onde os casais apaixonados pagavam para oferecer músicas significativas, verdadeiras declarações de amor aos parceiros.

As senhoras católicas da cidade prestavam sua colaboração à Igreja, preparando iguarias, como perus assados, pasteis e outros salgados, e as garçonetes e garçons eram pessoas conhecidas, que também prestavam sua ajuda gratuita à paróquia.

Quando se aproximava a hora da passagem do ano, a banda de música da cidade, comandada pelo exímio maestro Tenente Freitas, de saudosa memória, executava emocionantes dobrados, e na passagem do ano tocava o Hino Nacional. Nessa hora, ouvia-se o pipocar de foguetões, o sino da Igreja repicava por alguns minutos, e as emoções explodiam entre as pessoas amigas e até inimigas. Em seguida, o Padre dava a Benção do Santíssimo da janela da Igreja, o que completava o clima de emoção. Era uma verdadeira apoteose!!!

Na passagem do ano de 1959 para 1960, notavam-se crianças em pânico, agarradas às saias de suas mães, apavoradas com a profecia de que negro iria virar macaco.

Dona Lia, minha saudosa mãe, atendia na barraca da Igreja, juntamente com outras senhoras da sociedade, despachando fatias de peru assado e salgadinhos variados, solicitados pelos ocupantes das mesas. De repente, ela percebeu que o filho caçula, Bernardo, de quatro anos, não se desgrudava de sua saia, e chegava a tremer de medo, observando a fisionomia das pessoas morenas ou negras da cidade. Apavorado, o menino temia que na passagem do ano, a barraca fosse invadida por gorilas, como nos filmes de Tarzan… Esperava que os negros da cidade se transformassem em macacos. Foi uma expectativa de terror. Não só as crianças, como também alguns adultos supersticiosos, temiam a anunciada transformação.

Os passeios em redor da barraca principal eram contínuos, por pessoas mais simples, que não podiam gastar dinheiro na barraca da Igreja. Havia leilão de prendas ofertadas pelas pessoas da cidade, que variavam de coisas simples, como frango assado, até animais vivos, bovinos e caprinos, ofertados por fazendeiros ricos da região, e que davam muito lucro à Paróquia.

A bem da verdade, as pessoas, principalmente as crianças, só se tranquilizaram no final da festa, quando constataram que nenhum negro tinha virado macaco. Nem tampouco tinha havido invasão de gorilas na festa da Padroeira de Nova-Cruz, Nossa Senhora da Conceição.

A crendice popular tem o condão de impressionar as pessoas, e essa passagem de ano marcou época em Nova-Cruz.

“A FAKE NEWS” deu origem a um grande sucesso carnavalesco, “OPERAÇÃO MACACO”, de autoria de Sebastião Lopes/Nelson Ferreira. Interprete: Nerize Paiva. Acompanhamento: Orquestra. nº da matriz. R-1099.

Isso aconteceu antes da época do politicamente incorreto. Hoje seria humanamente impossível, tamanha gozação.

Se fosse hoje, a “profecia” seria “FAKE NEWS”, e os autores da música “Operação Macaco” teriam sido punidos.

OPERAÇÃO MACACO

 

 

Dizem que em 60 nego vai virar macaco
Ora vejam só que grande confusão
Se for verdade essa Operação Macaco
Penca de banana vai custar um milhão.
Quem mata um gato tem sete anos de atraso
Tem nego como o diabo fazendo tchuí-tchuí
Se for verdade o que diz o profeta
O que seria de Pelé ou do Didi?
Nego é gente igual a gente
Muito preto existe pra ninguém botar defeito
Profeta toma jeito, cuidado com a negrada
Se ela te pega vai dizendo, me dê a papada!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 23 de dezembro de 2023

NÃO TEM VAGA (CRÔNICA DA COLUNISTA VIOLAANTE PIMENTEL)

 

NÃO TEM VAGA

Violante Pimentel

 

Um casal chegou a um lugarejo, tarde da noite. Marido e mulher, estavam cansados da viagem. Ela, grávida, prestes a dar à luz, não se sentia bem. Foram procurar um lugar onde pudessem passar a noite. Uma hospedaria simples serviria, desde que não fosse cara.

Pensavam que seria fácil de encontrar. Mas, ao contrário do que esperavam, foi muito difícil. Na primeira hospedaria onde chegaram, encontraram como recepcionista um homem rude, que, ao vê-los, disse logo que não havia vaga. Na segunda, o encarregado da portaria olhou com desconfiança o casal e solicitou apresentação de documentos. A resposta do pretenso hóspede foi de que a pressa da viagem fizera com que esquecesse os documentos. Foi o suficiente para que o encarregado desse um não.

Disse o recepcionista, grosseiramente:

– Como pretende o senhor conseguir hospedagem, se não tem documentos? – disse. – Eu nem sei se o senhor teria como pagar a conta…

Humilhado, o viajante não disse nada. Tomou a mulher pelo braço e seguiu adiante. Na terceira hospedaria, mesmo havendo vaga, o encarregado resolveu dizer que estava lotado. Desconfiou do casal, ao ver a pobreza das roupas que os dois vestiam. Resolveu dar uma desculpa, para disfarçar a má vontade:

– As hospedarias simples, como esta, não recebem incentivo nenhum do governo. Já os grandes hotéis, recebem incentivos e os donos podem fazer reformas. Hospedam até delegações estrangeiras. Até hoje, não consegui nada. Se eu conhecesse alguém influente…já tinha melhorado de vida. O senhor não conhece ninguém nas altas esferas?

O viajante hesitou, depois disse que sim, que talvez conhecesse alguém “nas altas esferas”.

– Pois, então, – disse o dono – fale para esse seu conhecido sobre esta hospedaria. Assim, da próxima vez que o senhor vier, talvez eu já possa lhe arranjar um quarto de primeira classe, com banho e tudo.

O viajante agradeceu, lamentando a urgência do seu problema. Precisava de um quarto para aquela noite. Foi adiante.

Na hospedaria seguinte, quase tiveram êxito. O gerente estava esperando um casal de conhecidos artistas, que viajavam incógnitos. Quando os viajantes apareceram, pensou que fossem os hóspedes que aguardava e disse que sim, que o quarto já estava pronto. Ainda fez um elogio.

– O disfarce está muito bom!

– Que disfarce? Perguntou o viajante.

– Essas roupas velhas que vocês estão usando, disse o gerente.

– Isso não é disfarce – disse o homem. São as roupas que nós temos. O gerente, então, percebeu o engano:

– Sinto muito – desculpou-se. – Eu pensei que tinha um quarto vago, mas parece que já foi ocupado.

O casal foi adiante. Na hospedaria seguinte, também não havia vaga, e o encarregado, metido a engraçado, disse:

– Ali perto há uma manjedoura. Por que não se hospedam lá? Não é muito confortável, mas, em compensação, não pagarão diária.

Para surpresa dele, o viajante achou a ideia boa e até agradeceu. Saíram.

Não demorou muito, apareceram os três Reis Magos, perguntando ao encarregado se não tinha chegado por lá um casal de viajantes, com a mulher prestes a dar à luz. E foi aí que o gerente começou a achar, que talvez tivesse perdido os hóspedes mais importantes, já chegados a Belém de Nazaré.

A Estrela-Guia levou os Reis Magos Belchior, Gaspar e Baltazar, ao local onde Maria acabara de dar à luz.

Eles, então, ofereceram ao menino Jesus três presentes, com significados espirituais: Ouro, incenso e mirra.

Após isso, foram avisados por Deus, em um sonho, que não deveriam informar a Herodes o nascimento do Menino Jesus.

E assim, retornaram para sua terra por outro caminho.

Os Reis Magos Belchior, Gaspar e Baltazar eram astrólogos e sábios. Com base nas profecias e na astrologia, previram a vinda de Jesus e partiram em uma longa viagem, para dar as boas-vindas ao Messias (Salvador).

Em Mateus 2:11 é descrita essa passagem:

Ao entrarem na casa, viram o menino com Maria, sua mãe, e, prostrando-se, o adoraram. Então abriram os seus tesouros e lhe deram presentes: ouro, incenso e mirra.

O ouro simboliza a realeza de Jesus.

O incenso, usado nos templos, era um presente exclusivo aos sacerdotes, reforçando, assim, a divindade de Cristo.

A mirra é um composto usado no embalsamamento, e fazia referência ao sacrifício de Cristo e à sua Ressurreição.

E assim nasceu o Menino Jesus, aquele que veio, para ser o homem mais importante da humanidade!


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 15 de dezembro de 2023

EVOCANDO “ONTEM AO LUAR” (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL

 

EVOCANDO “ONTEM AO LUAR”

Violante Pimentel

“ANTOLOGIA DA CANÇÃO BRASILEIRA”, coletânea oferecida aos poetas, trovadores, musicistas e intelectuais brasileiros, pelo grande pesquisador Norte-Rio-Grandense, Gumercindo Saraiva, homenageou o poeta e compositor Catullo da Paixão Cearense, por ocasião do seu Centenário de Nascimento, a quem denominou de “o maior lapidador da Canção Brasileira” (1863 – 1963).

 

 

Catullo da Paixão Cearense nasceu a 8 de outubro de 1863, em São Luiz do Maranhão e faleceu no Rio de Janeiro a 10 de maio de 1946.

Na sua mocidade, sentindo a decadência da canção nacional, Catullo tornou-se um herói, desbravando de maneira patriótica os poemas mais sugestivos da literatura brasileira, notadamente de Castro Alves, Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu e tantos outros poetas, cujas composições se integraram ao cancioneiro popular do nosso país e alcançaram destaque fora do Brasil.

Gumercindo Saraiva quis restaurar aquilo que estava prestes a desaparecer do “dossier” cultural brasileiro. E ele estava certo. A Modinha está adormecida, ofuscada pela música de baixa qualidade.

Heitor Villa-Lobos, o expoente máximo da música brasileira, célebre autor das “Bachianas Brasileiras”, encontrou na obra de Catullo da Paixão Cearense, não simples melodias, escritas de forma banal e inexpressiva, mas um manancial de talento. Por isso, certa vez, disse: “Na música, Catullo me foi mais útil que o próprio Ernesto Nazareth”.

A notável tradição e o majestoso cenário emocional encontrados na canção de Catullo, não foram mais estudados e permanecem no ostracismo, por falta de divulgação. Sua grandiosa obra está adormecida. Temos necessidade de uma biografia mais positiva, que reviva na alma do povo a presença de Catullo e a universalidade dos seus cantos.

O escritor Rocha Pombo, estudando a obra de Catullo, declarou: “Catullo é um grande poeta. A meu ver, tem ele na alma alguma coisa mais que a exuberante e entusiástica poesia do nosso povo; nos seus versos, nos seus cantos, fala a excelsa musa anônima e imortal da raça”.

Alberto de Oliveira, príncipe da poesia brasileira, no seu tempo, referindo-se a Catullo, cantou, em versos, com o coração, a grandeza do grande vate maranhense:

“Esse outro poeta és tu, com as tuas harmonias
Com o teu estro a vibrar nas cordas do violão
Fazendo ao que te escuta ir-se a imaginação,
Ir-se o espírito além, além…por além afora,
Ao bom tempo feliz, ao bom tempo de outrora,
Em que eu sei que cantava esse de nome igual
E gênio igual ao teu – Catullo, o provençal.”

Catullo estudou um pouco de música, chegando mesmo a tocar flauta de cinco chaves, mas encontrando dificuldades por falta de embocadura.

Seus companheiros dessa época foram o flautista Viriato, o compositor Calado, o regente e compositor Anacleto de Medeiros, Quincas Laranjeiras, Albano, Cadete e outros que não alcançaram projeção no ambiente da boemia dessa turma tão conhecida nos meios das serestas do Rio de Janeiro.

O nome de Catullo da Paixão Cearense não precisa mais de apresentação no cenário da modinha brasileira.

Poeta popular, violonista, violinista, musicista afamado, bardo do povo, o autor de “ONTEM AO LUAR”, jamais encontrou quem o substituísse, devido à sua sublime inspiração, facilidade de rima, aproveitando de maneira auspiciosa motivos palpitantes para perpetuar nos seus versos e na sua musicalidade a misteriosa germinação do seu talento, como a semente que fecundou na terra e na alma do povo brasileiro.

Catullo transformou o acompanhamento, dando-lhe modulações imprevistas; entrou nos salões , e obteve calorosos aplausos, revelando a verdadeira beleza do violão brasileiro, nele entronizando de novo, a nossa Modinha, que, lamentavelmente, estava ofuscada por músicas de baixa qualidade. Esse foi o seu maior título de glória, na sua época.

Catullo morreu, levando o segredo da espontaneidade, o segredo da rima cantante dos regatos, da inspiração misteriosa e cheia de brasilidade. Levou a beleza dos céus de nossa terra, o luar imenso das noites sertanejas vividas e sentidas nas serenatas do seu tempo, a graça e o sorriso das caboclas bonitas do Sertão, a paz bucólica dos campos e das fazendas.

O violão que era um instrumento desprestigiado, companheiro inseparável da boemia e badernas, foi reabilitado por Catullo, que o impôs nos salões, tornando-o um irmão do piano, do violoncelo e do violino.

Entre suas inúmeras e belíssimas canções, estão “ONTEM AO LUAR”, “SERTANEJA” e “LUAR DO SERTÃO”, que se eternizaram.

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 08 de dezembro de 2023

ANTIGA LIÇÃO DE DIREITO (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

ANTIGA LIÇÃO DE DIREITO

Violante Pimentel

Era o primeiro dia de aula de um Curso de Direito. A alegria tomava conta da sala, onde os alunos já se sentiam futuros bacharéis.

 

 

Emocionados, respeitosamente, receberam de pé o elegante professor de Introdução ao Estudo do Direito, que os cumprimentou e mandou que todos se sentassem. Após observar demoradamente e com seriedade todos os alunos, o professor fixou o olhar num rapaz franzino, tímido e de óculos, que estava sentado na primeira fila, e em voz alta, perguntou-lhe o nome.

O rapaz respondeu:

– Meu nome é Francisco, professor.

Com voz estridente, o professor ordenou:

– Retire-se da sala de aula, e não volte mais, Francisco!

A turma mergulhou em silêncio sepulcral.

O aluno ficou perplexo, diante de tamanha brutalidade. Tinha certeza de que não fizera nada que justificasse sua expulsão da sala de aula. Apenas, respondera qual era o seu nome, conforme lhe fora perguntado. Humilhado, imediatamente, Francisco levantou-se, pegou sua pasta onde tinha lápis e papel, e se retirou.

A turma ficou assustada e indignada, diante da incabível grosseria do professor. Ninguém entendeu a razão da sua ira contra Francisco, que, da mesma forma dos outros alunos, apenas aguardava, atento, o início daquela que seria a primeira aula do Curso de Direito.

Todos perderam a voz. O silêncio continuou, até que o professor tossiu e começou a falar:

– Dando início à primeira aula do Curso de Direito, pergunto a vocês?

– Para que servem as leis?

Os alunos continuavam assustados, mas os mais desinibidos ousaram responder:

– As leis existem, para que se ponha ordem à sociedade em que vivemos.

– Não! – respondeu o professor.

– Para que seja possível a convivência humana! – disse outro aluno.

– Não! Contestou o professor.

– Para que as pessoas paguem pelos erros cometidos!

– Não!

E o professor continuou a falar, indignado:

– Será que, entre tantos alunos, nenhum sabe dar uma resposta correta?

Até que, timidamente, uma aluna respondeu:

– Para que haja Justiça!

O professor, eufórico, respondeu:

– SIM!!! Até que enfim!!! É isso mesmo!!! … Para que haja Justiça!

– E para que serve a Justiça? – Perguntou o professor, com hostilidade.

Todos começaram a se irritar com a atitude grosseira do professor. Mesmo assim, continuaram dando suas respostas:

– Para preservar os direitos humanos…

– Certo! E o que mais? – perguntou o professor.

Os alunos continuaram respondendo:

– Para separar o joio do trigo! Para distinguir o certo do errado! Para premiar aquele que fez o bem e punir aquele que fez o mal!

O professor vibrou:

– Muito bem! Mas, me respondam: Agi certo, ao expulsar Francisco da sala de aula?

– Não! – a resposta dos alunos foi uníssona.

O professor insistiu na pergunta:

– Podem me dizer se cometi uma injustiça com Francisco?

Todos os alunos responderam:

– Sim!!!

O professor, então, retrucou:

– E por que ninguém protestou diante da injustiça que eu fiz?!!!.Para que queremos leis e regras, se não dispomos da coragem necessária para praticá-las?

– Cada um de vocês tem a obrigação de reclamar, quando presenciar uma injustiça. Todos. Não voltem a ficar calados, nunca mais!

– Vão chamar Francisco! – disse o professor com voz austera, olhando fixamente para todos os alunos.

Acabrunhado, Francisco relutou em voltar. Foi preciso que os outros alunos fossem chamá-lo, acompanhados do professor, que o abraçou e lhe pediu desculpas, por tê-lo usado como exemplo do que vem a ser uma injustiça.

Naquele dia, os alunos do Curso de Direito receberam a mais importante lição que poderiam receber:

“O DIREITO NÃO SE NEGOCIA”.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 01 de dezembro de 2023

MALDADE SEM LIMITE (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

MALDADE SEM LIMITE

Violante Pimentel

Charles não era príncipe, não era rico nem filho de político. Um rapaz simples, tímido e pobre, “gente que a gente não vê, porque é quase nada”. Era mais bonito do que certos príncipes.

Nos contos de fadas, todos os príncipes são bonitos.

Depois de adultos, entendemos que isso não existe. Pelo menos, os príncipes que as revistas mostram são feios pra burro.

Charles tinha o raciocínio rápido, o que é sinal de inteligência. Seu grande defeito, na opinião de dona Matilde, sua mãe, era ser honesto e não saber mentir. Jamais poderia ser político. Charles nem mentia nem deixava ninguém mentir na sua frente. Desmentia em cima da bucha e Isso incomodava muita gente. Charles nasceu no interior nordestino, se acostumou com a pobreza, mas não com a miséria. Sua mãe o incentivava a frequentar a escola e aprender a ler, para trabalhar em loja ou em fábrica. Charles tinha bons sentimentos. Não maltratava animais, nem pessoas. Respeitava a todos.

Desde cedo, a mãe de Charles percebeu que ele era diferente dos outros filhos, nos gostos e temperamento. Detestava mentiras, mesmo que fossem por conveniência. Só dizia a verdade. A verdade “verdadeira”. Não a verdade por conveniência. Dona Matilde não cansava de aconselhar o filho, dizendo-lhe sempre que nem toda verdade deveria ser dita. E ele passou a engolir em seco, procurando abafar suas palavras.

Ele se tornou antipatizado e antissocial.

Entre outras esquisitices, Charles pensava livremente e por conta própria. Ainda adolescente, dizia tudo o que lhe vinha à cabeça, e passou a ser visto como um contestador do regime de governo. A mãe combateu esse seu costume, mas de pouco adiantou.

Os professores se indignavam, porque ele perguntava demais. Tinha ideias próprias e contestava o que ouvia nas aulas, principalmente de História.

Um parente o aconselhou a se tornar bacharel em Direito, tentando convencê-lo:

“-Bacharel é o princípio de tudo! Seja bacharel, e você terá tudo nas mãos. Ao lado de um político-chefe, sabendo ser subserviente e adulador, você chegará a deputado ou ministro.”

Indignado, Charles protestou e disse que só tinha vontade de trabalhar, e jamais seria puxa-saco de político.

O intolerável parente insistiu:

-“ Trabalhando, sem ser bacharel, você vai ser um Zé-ninguém; um empregado medíocre. Vai trabalhar para os outros, quando podia trabalhar para você mesmo.”

Charles respondeu:

-Eu discordo de você, e assunto encerrado!

Charles arranjou um emprego de balconista numa loja, mas foi logo despedido, sem explicação. Mudou de emprego várias vezes, mas destoava de todos os empregados. Por trás dos seus óculos pesados, de “fundo de garrafa”, era cumpridor dos seus deveres. Chegava antes da hora, e era sempre o último a sair.

De poucas palavras, Charles era introvertido. Não falava de sua vida pessoal e não conseguia fazer amigos.

A fama de Charles era gostar muito de trabalhar. Sempre ia além das ordens que recebia do patrão. Isso, os colegas de trabalho não suportavam, e o xingavam de bajulador. Faziam a cabeça do chefe contra ele, até que fosse despedido.

Sua dedicação ao trabalho despertava a ira dos colegas.

Desiludido com a maldade humana, Charles chegou à conclusão de que só vence na vida quem diz sim a tudo e a todos. Contestar não adiantava, pois, na vida, quem anda na linha, “o trem pega”.

O caminho que faz mais sucesso na convivência humana é o da bajulação. E esse caminho, ele jamais percorreria. Entretanto, nunca viu, em sua vida, ninguém prosperar, agindo como ele. Por mais que se esforçasse no trabalho, não galgava nenhum lugar de destaque. Enquanto isso, os bajuladores e desonestos alcançavam os “postos” mais altos.

Charles entrou em depressão, sentindo-se um homem fracassado.

A saúde lhe faltou e ele se fechou em casa, para desespero de sua mãe. A depressão o levou com ele, e com todos os antidepressivos de uma só vez.

Assim como o Alfredo de que falou o poeta Vinícius de Moraes, Charles também era gente que a gente não via, porque era quase nada.

Um homem chamado Alfredo – Canção de Toquinho e Vinicius de Moraes

 

 

O meu vizinho do lado
Se matou de solidão
Ligou o gás, o coitado
O último gás do bujão

Porque ninguém o queria
Ninguém lhe dava atenção
Porque ninguém mais lhe abria
As portas do coração

Levou com ele seu louro
E um gato de estimação

Há tanta gente sozinha
Que a gente mal adivinha
Gente sem vez para amar
Gente sem mão para dar
Gente que basta um olhar, quase nada

Gente com os olhos no chão
Sempre pedindo perdão
Gente que a gente não vê
Porque é quase nada

Eu sempre o cumprimentava
Porque parecia bom
Um homem por trás dos óculos
Como diria Drummond

Num velho papel de embrulho
Deixou um bilhete seu
Dizendo que se matava
De cansado de viver

E embaixo, assinado Alfredo
Mas ninguém sabe de quê


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 24 de novembro de 2023

OS URUBUS (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

OS URUBUS

Violante Pimentel

Viajando de carro pelas estradas do interior do RN, é impressionante o número de animais que vemos mortos por atropelamento. É comum se ver um animal morto, seja um cavalo, um jumento, um carneiro, fora um grande número de cachorros, gatos e galináceos, que, inocentemente, se arriscam a atravessar as estradas. São atropelados constantemente, involuntariamente, ou por brincadeira de motoristas irresponsáveis, quando se trata de galinhas, patos, guinés ou perus, que estão soltos nas estradas. Ainda há motoristas sem compaixão, que param para transportar para casa os galináceos atropelados, para as mulheres prepará-los para almoço ou jantar.

O único animal que é raríssimo se encontrar morto nas estradas é o urubu, ave elegante que tem a incumbência de limpar a natureza, alimentando-se da carniça de outros animais. Mas, mesmo assim, uma vez por outra, um urubu é encontrado morto na estrada. Ele “aterrissa”, à procura de carniça, quando fareja que há animal em decomposição por perto.

Naturalmente, urubu também adoece e morre. Ninguém escapa.

O urubu é um animal injustiçado. Nunca ouvi falar que houvesse uma “sociedade protetora dos urubus”. Certa vez, um conhecido meu se deparou com um urubu morto na estrada da zona rural e perguntou a causa da morte do urubu a algumas pessoas e ninguém soube dizer. Até que um menino disse que o urubu tinha morrido de uma pedrada. Achei estranho.

Não imaginava que urubus se deixassem apedrejar. Urubu, na minha opinião, só morria empanzinado com carniça. Pois a função deles na terra é limpar a carniça dos animais mortos.

Por ser um animal difícil de ser visto morto, quando morre um urubu, é um acontecimento, uma festa. A ave é velada por algumas pessoas curiosas. Dificilmente, gatos e cachorros se aproximam de um urubu morto. Mas, se morre um gato ou um cachorro na estrada, rapidamente, os urubus se aproximam, imponentes, querendo se inteirar da “causa mortis” e levando o “defunto” para lhes servir de regalo.

Ninguém lamenta a morte de um urubu, pois ele vive da carniça de outros animais. Não tem choro nem vela. E os outros animais não querem nem ver o urubu morto . Eles tem repulsa pelos urubus.

Um gato ou um cachorro, morto na estrada, atrai muitos urubus. Mas a morte de um urubu só atrai outros urubus. Eles são orgulhosos e discriminam os outros animais. Formam uma casta, ou melhor, uma corja.

O urubu quando morre é abandonado, porque nunca deu valor ao seu semelhante. O que acontece com os urubus, acontece com o homem. Tal vida, tal morte.

Quando um homem se aproxima de um urubu, ele sai andando de lado e devagar, como se o homem lhe despertasse nojo e desprezo. O urubu é arrogante, mas acha que o homem é que é, mesmo sendo um cidadão comum, cumpridor dos seus deveres. O urubu se acha superior a todos os homens, só porque sabe voar. O urubu voa e voa bonito e elegante. Enquanto isso, os humanos são prisioneiros do chão. Não tem asas para voar.

Quando o homem tentou voar e não conseguiu, após dezenas de tentativas fracassadas, tentou construir um aparelho à imagem e semelhança do urubu. Afinal de contas, o avião é um urubu, ainda em fase de aperfeiçoamento. O avião se aperfeiçoa cada vez mais, na meta necessária do urubu. Já não faz barulho, como o urubu. Chegará o dia em que não ocorrerá mais desastres de avião. Aí, será a glória. O urubu será superado.

Por enquanto, em relação ao espaço aéreo, o urubu é autossuficiente e determinado, conhecendo sua rota.

O urubu que estava morto na estrada, segundo me contaram, atraiu a curiosidade de algumas pessoas, até com direito a uma vela acesa. Outros urubus sobrevoaram o local, mas logo o transportaram para o solar onde viviam.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 17 de novembro de 2023

EVOCANDO A MODINHA (CRÔNICA DE COLUNISTA MADRES SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

EVOCANDO A MODINHA

Violante Pimentel

Nasci e me criei em Nova-Cruz, ouvindo minha mãe entoar modinhas, acompanhada ao violão pelo sogro e meu avô paterno, Manoel Ursulino Bezerra, ou Seu Bezerra. Aprendi a gostar de modinhas desde criança. Hoje, sinto falta das modinhas, que, literalmente foram expulsas do cenário do cancioneiro popular brasileiro.

O romantismo desapareceu, e a atual juventude “morre de rir”, quando ouve músicas românticas e apaixonadas, que mexem com o coração. Só escapam do riso sarcástico, as músicas românticas, cantadas dentro do contexto sertanejo ou de vaquejada.

A juventude de hoje não pode imaginar – pois jamais sentiu – a sensação de acordar, alta madrugada, com o canto de um seresteiro e seu violão. A modinha cumpriu a sua etapa histórica. A serenata refugiou-se no passado e nas doces lembranças, onde a maldade não penetrava. Propiciou muita beleza às noites de luar, ao som de poemas e melodias..

A Modinha é uma canção, composta de melodia e versos, e tem a necessidade da voz humana para expressá-los. A verdadeira modinha é sempre um poema musicado em tom menor, com conotações tristes. É um gênero musical de canção sentimental brasileira e portuguesa, cultivada nos séculos XVIII e XIX.

Na cidade, havia o hábito da serenata, favorecido pelo clima tropical, que proporcionava luares inspiradores e estimulantes, a ingênua beleza da pequena cidade, estendida entre o mar, o rio Potengi e o alviverde das dunas.

A Natal antiga, do fim do século passado e começo do atual, caracterizou-se por um grande número de poetas e músicos que punham melodias em seus versos.

Entre as mais discutidas e antigas modinhas do cancioneiro popular brasileiro está “A Pequenina Cruz do teu Rosário, do poeta cearense Fernando Weine.

Seu aparecimento deu-se, pela primeira vez, nas páginas de “Canções Populares”, em 1906. Em seguida, a revista “Fortaleza”, que se editava na terra da luz (1907), publicou-a na página 18, número 12, o nome do autor.

Os anos vinham-se passando, e a modinha ganhava preferência nas serestas do Brasil inteiro, até que, em 1926, a famosa “Casa Édison”, do Rio de Janeiro gravou A Pequenina cruz do Teu Rosário, na voz seresteira do cantor Roque Richard, apontando-a como de autor desconhecido.

Daí em diante, tem aparecido um número expressivo de pretensos autores da bela modinha.

O grande cantor Carlos Galhardo gravou “A Pequenina Cruz do Teu Rosário” em disco RCA-Victor, número 80-1622.

Da Antologia da Serenata, foi extraída esta versão aqui reproduzida, tendo sido julgada a mais autêntica, e a que fez mais sucesso, na voz de Carlos Galhardo.

 

A Pequenina Cruz De Teu Rosário – Carlos Galhardo

Agora que eu não te vejo ao meu lado
A segredar apaixonadas juras
Busco às vezes do nosso amor de outrora
A recordar nossas íntimas loucuras
Faz tanto tempo, nem me lembro quando
A vida é longa e o pensamento é vário
Tu me mostravas vil, no idílio santo
A pequenina cruz de teu rosário

E sempre que eu a via, recordava
Do nosso amor, a fantasia louca
Todas as vezes que a pequena cruz beijava
Eu beijava febril a tua boca
Mas o tempo passou triste eu segui
Da minha vida um longo itinerário
E nunca mais, nunca mais eu vi
A pequenina, a pequenina
Cruz de teu rosário

Do amor fugiu-me a benfazeja luz
Não posso mais, errante caminheiro,
Se o Cirineu, como o de Jesus,
Larga-me ao corpo o peso de um madeiro
Já vou trilhando a estrada da amargura,
Antes porém, que eu chegue ao meu calvário,
Dá-me a beijar, ó santa criatura,
A pequenina cruz do teu rosário.

Recordo ainda o nosso amor de outrora
Vamos lembrar os tempos de criança
Se o amor fugiu-me à luz da aurora,
Resta em minh’ alma um raio de esperança.
Tu que és tão boa, és tão meiga e pura,
Quando eu baixar ao campo funerário,
Dá-me a beijar, ó santa criatura,
A pequenina cruz do teu rosário.

Carlos Galhardo

Nascimento: 24 de abril de 1913, Buenos Aires, Argentina
Falecimento: 25 de julho de 1985, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 10 de novembro de 2023

O CRIADOR E A CRIATURA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DESTE ALMANAQUE)

 

O CRIADOR E A CRIATURA

Violante Pimentel

Péricles Maranhão, criador d’O Amigo da Onça

 

Às vezes, acontece da criatura superar o seu criador. Essa premissa é muito verdadeira e não é raro acontecer na vida real. Muitas vezes, o aluno é tão brilhante e inteligente, que ofusca o Mestre.

Péricles de Andrade Maranhão nasceu no bairro do Espinheiro, no Recife (PE), no dia 14/08/1924; estudou no Colégio Marista e fez sua primeira charge para o Diário de Pernambuco.

Foi um adolescente desenhista, daqueles com talento de enlouquecer qualquer professor. Ainda muito jovem, durante a fase áurea dos quadrinhos, várias vezes imitou os traços de Dick Tracy, Agente Secreto X-9 e Flash Gordon.

Em Recife, Péricles tomou conhecimento do concurso para a “Semana do Trânsito”, organizado pelo escritor Souza Barros. Resolveu concorrer, enfrentando alguns “cobras” do pincel, como Lula Cardoso Ayres, Manoel Bandeira (o pintor) e Eros Gonçalves. Ganhou o prêmio e a simpatia de Souza Barros, que lhe encomendou uma história em quadrinhos, sobre problema de trânsito.

Mas, o sonho de Péricles era ir para o Rio de Janeiro, a “cidade grande”, sonho da maior parte dos artistas da época.

Souza Barros deu-lhe duas apresentações para amigos do Rio de Janeiro. Mas foi uma terceira, de Aníbal Fernandes – então diretor do Diário de Pernambuco – endereçada a Leão Gondim de Oliveira, diretor de “O CRUZEIRO“, que o colocou nessa famosa revista.

Péricles começou a trabalhar como desenhista, em “O Cruzeiro“, em 6 de junho de 1942, então com 17 anos de idade. Era o mais jovem artista da grande revista.
Nesse mesmo ano, lançou em “O Guri” e num rodapé do carioca “Diário da Noite”, seu personagem “Oliveira, o Trapalhão”; para a revista “A Cigarra“, desenhou “Cenas Cariocas”, “Miriato, o Gostosão” e, ainda, o próprio “Oliveira”.
Foi quando a direção da revista “O CRUZEIRO“, que atravessava uma fase áurea, com suas reportagens empolgando o Brasil, resolveu criar um tipo humorístico só para si. O tipo, entretanto, deveria conter toda a verve do carioca. Seu criador teria que captar o estado de espírito daquele que vive no Rio de Janeiro, sem importar onde tivesse nascido.

Péricles aceitou o desafio. Depois de alguns esboços, apresentou o desenho definitivo. Ali estava o “sujeitinho irreverente”, que haveria de divertir o Brasil por muitos anos. Só faltava mesmo batizá-lo.

O nome “O AMIGO DA ONÇA” foi sugestão do então diretor da revista “O CRUZEIRO”, Leão Gondim de Oliveira, inspirado numa anedota brasileira, que diz assim:

“-Dois caçadores conversavam:

-O que faria você se estivesse na selva e uma onça aparecesse na sua frente?

-Dava um tiro nela.

-E se você não tivesse uma arma de fogo?

-Tentava furá-la com o meu facão.

-E se você não tivesse um facão?

-Apanhava qualquer coisa, como um pedaço de pau pra me defender.

-E se não tivesse um pedaço de pau por perto?

-Procuraria subir na árvore mais próxima.

-E se não tivesse nenhuma árvore no lugar?

-Sairia correndo.

-E se você estivesse paralisado pelo medo?

Aí, o outro, já aborrecido, retruca:

-Afinal, você é meu amigo, ou amigo da onça?”

 

Primeira charge do Amigo da Onça

 

Baseando-se nessa anedota, o diretor Leão Gondim de Oliveira sugeriu a Péricles o nome de “O Amigo da Onça”, para o personagem que ele havia criado recentemente. O nome foi aceito e o batizado ocorreu no dia 23 de outubro de 1943, data, também, da estreia do personagem em “O Cruzeiro“.

Com “O Amigo da Onça”, Péricles ficou famoso. Logo depois, foi feita uma pesquisa de opinião pública, para saber qual era a seção mais lida em “O CRUZEIRO”, e “O Amigo da Onça” venceu, com louvor.

Aos 20 anos de idade, Péricles já atravessava sua melhor fase artística. Mas, no seu entender, seu personagem ofuscava sua glória, e ele ouvia sempre este tipo de diálogo:

“- Este é o Péricles.

– Quem?

– Péricles, o criador de “O Amigo da Onça”.

E todos queriam parabenizá-lo, pela fabulosa criação.

Nem todos conheciam Péricles, mas todos conheciam “O Amigo da Onça”. Isso o incomodava.

Péricles sabia fazer amigos. Trazia sempre no rosto um sorriso franco e dava provas de bom caráter. Entretanto, dentro da aparente extroversão, escondia uma terrível timidez. A timidez do menino pobre do Recife, que vencera no Rio de Janeiro, aspiração sonhada por todos os artistas, e alcançada por poucos. Silenciosamente, Péricles era consumido pela depressão, que já era a doença do século, um monstro que age em silêncio.

Durante 18 anos ininterruptos, “O Amigo da Onça” fez gozação com todos os tipos de pessoas, inclusive com o leitor. Dessa forma, certo dia, quando o leitor abriu sua página preferida em “O CRUZEIRO”, encontrou o homenzinho sobre fundo branco, dizendo “Hoje não tem piada.”

Péricles estava morto. Suicidou-se na passagem do ano de 1961 para 1962, abrindo o gás, sozinho em seu apartamento. Morreu de solidão e tristeza, doenças da alma, muitas vezes disfarçadas em sorrisos e alegria forçados.

As dores da alma são piores do que as dores do corpo e matam na surdina.

João Martins, amigo de Péricles, escreveu:

“O Amigo da Onça” satirizou costumes e situações, lançou tipos e expressões populares, criou tal personalidade que se incorporou, como uma pessoa real, à realidade de cada dia em todos os quadrantes do nosso território.”

Sobre Péricles, escreveu o poeta Carlos Drummond de Andrade: “A solidão do caricaturista seria talvez reação contra a personagem, que o perseguia, que lhe era necessária e que lhe travara os meios de comunicar-se e comungar com outros seres”.

Por sua vez, escreveu o jornalista e escritor Glauco Carneiro:

“O Amigo da Onça” persiste na memória como uma catarse coletiva, que, semanalmente, prestava seu auxílio terapêutico a milhões de habitantes das grandes cidades, agradecidos pela oportunidade de projetar muitos momentos sarcásticos e ferinos de suas vidas estressadas.”

Em sentido figurado, o criador foi vítima de sua criatura, que, ao mesmo tempo, era seu melhor amigo.

Nós, pobres seres viventes, não somos capazes de penetrar nos mistérios da vida. Como pode haver, ao mesmo tempo, tanta gloria e tanto desatino?!!!

Apoiado no vidro de nanquim, em cima da prancheta de caricaturista, que o olha boquiaberto, o “Amigo” recusa-se a entrar no desenho incompleto: “Só conte comigo quando terminar a piada!…”

Depois da morte de Péricles, o “Amigo da Onça” passou a ser desenhado por Carlos Estêvão, sendo publicado até 1972.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 03 de novembro de 2023

A ÚLTIMA LUTA NO COLISEU (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A ÚLTIMA LUTA NO COLISEU

Violante Pimentel

Coliseu – Wikipédia, a enciclopédia livre

 

Tudo na vida tem começo, meio e fim. É a regra geral. Ninguém fica para semente. Nos grandes dias em que Roma governava o mundo, e o imperador vivia em um palácio de mármore branco ou em uma casa de ouro puro, o Coliseu era o maior teatro que se tinha erguido na terra.

Ainda hoje, lá está ele de pé, arruinado e partido, mas ainda assim, talvez seja a ruina mais impressionante que existe. Nos dias terríveis em que Roma estava decaindo do grande lugar ocupado na história, quando Pedro e Paulo sofriam o martírio fora das suas portas, o pequeno bando cristão escondia-se em grandes buracos subterrâneos para escapar à tortura e à morte. Ainda hoje, podemos percorrer as catacumbas em que os primeiros fieis de Jesus se escondiam de Nero, o monstro que vivia em uma casa de ouro dentro da cidade . Diz-se que, quando a casa de Nero ardeu em chamas, corria ouro derretido pelas ruas de Roma.

Nesses dias negros e vergonhosos, o grande Coliseu branco era um espetáculo grandioso, elevando-se, andar sobre andar, na terra, e tendo dentro dele grandes galerias que comportavam quarenta mil pessoas. Aqui vinha toda Roma ver as grandes feras soltas dilacerarem-se umas às outras. Aqui se mostravam os gladiadores, homens fortes treinados para lutar dois a dois, até que um caísse morto. Aqui se lançavam os cristãos vivos aos leões, em dias de festa romana. Não há lugar no mundo que tenha visto cenas mais cruéis. Grandes monstruosidades aconteciam no Coliseu.

Pouco a pouco, o Cristianismo abriu caminho, até que o próprio imperador se tornou cristão. Então, acabaram-se esses espetáculos vergonhosos e o Coliseu tornou-se um mero circo. O povo, porém, ainda ansiava pelos antigos espetáculos, e de vez em quando a antiga fúria reaparecia. Havia quatrocentos anos que os cristãos se tinham ido tornando cada vez mais numerosos e fortes, quando chegou um dia de terror para Roma. Alarico, chefe dos godos, caiu como um temporal sobre Roma, a qual, tendo por imperador apenas um pobre mancebo louco, teria fatalmente sucumbido se não fosse um bravo general e os seus homens, que derrotaram os godos.

Tal foi a alegria em Roma, que nesse dia o povo afluiu ao Coliseu, vitoriando o bravo general. Houve ali uma caçada às feras e um grande espetáculo, como nos tempos antigos, quando, de repente, dentro de um dos corredores estreitos que conduzem à arena, surgiu um gladiador com espadas e lanças. O entusiasmo do povo não tinha limites.

Então, aconteceu uma coisa estranha. Para o meio da arena avançava um velho, descalço e de cabeça descoberta, que pedia ao povo que evitasse derramamento de sangue. Gritou-lhe o povo que deixasse o sermão e se fosse embora. Os gladiadores avançaram e empurraram-no para o lado, mas o velho tornou a meter-se entre eles. Uma saraivada de pedras caiu sobre ele, atirada pelo povo irado. Os gladiadores abateram-no e o velho morreu ali, ante os olhos de Roma.

Era um eremita, chamado Telemaco, um desses santos homens que, cansado das maldades, tinha ido viver na solidão dos montes. Tendo vindo a Roma para visitar os altares sagrados, vira o povo afluindo ao Coliseu, e, compadecendo-se da sua crueldade, tinha-o seguido para evitá-lo ou morrer.

O Gladiador era um escravo lutador na Roma Antiga. O termo utilizado para definir os escravos que eram forçados a lutar por suas vidas no antigo Império Romano é proveniente de uma espada que utilizavam em combate, o gládio. Os primeiros registros existentes sobre lutas de gladiadores em Roma são datados de 286 a.C. Sabe-se, contudo, que foi um esporte inventado pelos etruscos.

Os Etruscos representam uma das civilizações da antiguidade que habitaram a península itálica a partir do século IX a.C., antes dos Romanos. Eles desenvolveram uma cultura original, e, para a época estavam bem evoluídos em relação a sua arte (artesanato, arquitetura, escultura) e engenharia.

Em Roma, a luta dos gladiadores fez muito sucesso, e era atividade muito atrativa para o grande público. Combatentes se enfrentavam na arena e a luta só terminava quando um deles morria, ficava desarmado ou sem poder combater. Havia um responsável por presidir a luta que determinava se o derrotado deveria morrer ou não, e o povo influenciava muito nessa decisão. Normalmente, a manifestação popular era expressa, apontando a mão fechada com o polegar para baixo, o que significava que o povo desejava a morte do derrotado. Entretanto nem sempre a morte era desejada e a posição oposta do indicador ou a mão fechada levantada do ar indicava que o derrotado poderia ficar vivo.

Por muitos séculos, os Gladiadores lutaram entre si ou contra animais ferozes para entreter os romanos. Foi construída uma arena especial para esse tipo de espetáculo, o Coliseu, que tem em suas ruínas, hoje, um dos principais pontos turísticos da Itália.

Os lutadores eram prisioneiros de guerra, escravos e autores de crimes graves. Para satisfazer o fetiche de alguns imperadores, mulheres e anões também lutavam. Eles tinham treinamento em escolas especializadas para combater na arena, recebiam tratamento especial no intervalo das lutas e não lutavam mais que três vezes ao ano. Ou seja, ser um Gladiador era melhor do que ser um escravo comum e ainda abria a oportunidade ao reconhecimento do público. Quando viajavam para lutar em outras cidades, deslocavam-se em grupos conhecidos como famílias e eram acompanhados pelo treinador. Os Gladiadores eram separados por categorias, para impossibilitar as desvantagens, que eram: trácios, murmillos, retiários, secutores e dimachaeri.

Estudos feitos em esqueletos desses combatentes mostraram que os derrotados que eram julgados pela plateia costumavam ser mortos por um golpe na jugular. Quando o lutador estava muito debilitado, ficavam de quatro e recebiam um golpe nas costas que chegava diretamente ao coração. A luta de gladiadores representava muito no Império Romano. Era a grande atração para o povo. Por esse motivo, os imperadores investiam muito nesses espetáculos, já que assim conseguiam conquistar a amizade do povo. E assim surgiu a chamada política de “Pão e Circo”. Os governantes distribuíam pão durante as lutas e assim conseguiam manipular as massas, oferecendo o que mais lhes interessava.

Dois imperadores, inclusive, entraram na arena para lutar, como foi o caso de Calígula e Cómodo. Naturalmente, as lutas foram sabotadas e eles venceram. Como mostra a História, a política de “Pão e Circo” surgiu na Roma antiga, e ainda hoje existe. Da mesma forma, o golpe e a sabotagem se eternizaram no meio político em todas as Nações. À medida que o progresso tecnológico avança, mais duvidosos se tornam os resultados das disputas para eleição de governantes. E não vai ficar assim. Vai piorar. O descrédito tomou conta da vida política, e a dúvida está presente em todos os certames.

A monstruosidade de Nero está solta, e seus asseclas estão espalhados nas guerras atuais, que a mídia nos mostra 24 horas por dia.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 27 de outubro de 2023

O JUDEU ERRANTE (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O JUDEU ERRANTE

Violante Pimentel

 

Segundo a História, quando Nosso Senhor Jesus Cristo ia levando a Cruz para o Calvário, deteve-se um momento, para descansar, à porta de um sapateiro, que o não deixou parar, dizendo:

“Segue! Segue! Não descansarás aqui”.

E Nosso Senhor Jesus Cristo tomou outra vez a Cruz e disse: “Vou para onde descanse, e terás que caminhar até que eu volte”.

E assim o sapateiro tornou-se o Judeu Errante, que não poderá nunca descansar, enquanto Nosso Senhor não voltar à terra, no Dia de Juízo.

O sinal de uma cruz encarnada apareceu-lhe na testa, e deixou a mulher e os filhos, seguindo Nosso Senhor até ao Calvário. Depois, deixou Jerusalém e começou a sua longa e estranha peregrinação, que nunca terminou.

Seguiu, seguiu sempre, esse velho alto, descalço, com o cabelo caído sobre os ombros e uma ligadura negra em torno da testa para esconder o sinal da Cruz encarnada.

E segue, segue sempre, com o mesmo passo largo, por montanhas e através de desertos, e por todas as estradas longas e brancas do mundo.

Mas, uns momentos de descanso são-lhe por vezes permitidos. Se acontece passar por uma igreja cristã na manhã de domingo, quando vai começar a missa, pode entrar e estar lá parado, a ouvir o sermão. Mas não se senta nunca.

Em 1505, um tecelão da Boêmia, chamado Kokot, estava tentando descobrir um tesouro que o avô tinha escondido no palácio real. E quando andava cavando aqui e ali, ao acaso e sem resultado, passou o Judeu Errante:

“Teu avô estava enterrando o tesouro da última vez que por aqui passei”; – disse o Judeu Errante, “se bem me lembro, enterrava-o ali, ao pé daquele muro”.

Kokot, imediatamente, cavou ao pé do muro e lá encontrou o tesouro que tanto ambicionava. Mas, antes de poder agradecer ao Judeu Errante, o estranho peregrino já tinha desaparecido da sua vista.

O nosso País está cheio de judeus errantes, que ostentam na testa uma cruz encarnada, e vivem sofrendo no corpo e na alma o reflexo das maldades cometidas contra Jesus Cristo, o Messias.

As doenças do corpo e da alma não se curvam ao dinheiro. O poder de Deus é bem maior do que os remédios fabricados em laboratório. Milhões tirados dos mais fracos não tem o poder da cura.

A Cruz encarnada que o Judeu Errante carrega na testa, é o sinal do sangue de Cristo derramado na frente dos cristãos, que urgiam pela sua morte em plena via pública.

“Nem só de pão vive o homem”. O dinheiro compra coisas materiais, tratamento médico sofisticado, mas não compra a vida, nem a qualidade de vida.

Por isso, quem tem contas a ajustar com Jesus Cristo, levará nas costas o peso das maldades cometidas, até o Juízo Final.

Segundo o grande historiador norte-rio-grandense Luís da Câmara Cascudo, em “Dicionário do folclore brasileiro”, Ahasverus, o Judeu Errante, era um sapateiro em Jerusalém, que, ao ver Cristo passando com a cruz sobre os ombros, teria dito ao Salvador, empurrando-o: “Vá andando, vá logo”. Jesus, como represália, o teria condenado a vagar, sem descanso nem rumo certo, até o final dos tempos.

Conforme diz Marie-France Rouart, em “Dicionário dos mitos literários”, distintas denominações foram atribuídas ao herói: para os poetas alemães, ele se tornou o Judeu Eterno; para os ingleses, o Judeu Vagabundo; para os espanhóis, o Judeu que espera por Deus.

O mito recebeu várias interpretações ao longo dos séculos, em diferentes lugares, mas sempre mantendo essa estrutura básica. Embora as primeiras manifestações da lenda datem do século XIII, nos oitocentos é que o mito do Judeu Errante ganhou versões literárias que o celebrizaram: a epopéia “Ahasverus” (1833), de Edgar Quinet; o romance-folhetim “O Judeu Errante” (1844-1845), de Eugène Sue; e o romance inacabado “Isaac Laquedem” (1853), de Alexandre Dumas pai.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 20 de outubro de 2023

UM TEMPO ESTRANHO (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

UM TEMPO ESTRANHO

Violante Pimentel

Estamos vivendo um tempo diferente, quando tudo que parecia ficção transformou-se na crua realidade.

Os dias se alongaram e as madrugadas trazem um sono perturbado, povoado de pesadelos, com o fantasma da guerra aterrorizando nossas noites, e vivendo dentro da nossas casas, trazidos pela mídia funerária.

 

 

As notícias que, no século passado, só eram transmitidas pela Voz do Brasil”, hoje nos são transmitidas, ao vivo e a cores, durante as 24 horas do dia. Estamos vivendo em contato com a guerra, vivendo a guerra e respirando a guerra, presente da era cibernética e da mídia funerária. O pavor da guerra, que aprendemos a ter desde criança, de repente tomou forma dentro da nossa casa, através da mídia televisiva.

Assiste quem quer, e basta desligar o aparelho. É fácil dizer isso. Mas, se estamos vivendo a era digital, não há como retrocedermos no tempo, e vivermos isolados em cavernas, para não saber do que se passa no mundo e sobre sua terrível evolução.

A guerra sempre povoou, como um fantasma, os gibis e histórias em quadrinhos. Mas hoje, esse fantasma criou corpo e alma e nos assombra durante as 24 horas do dia.

A depressão nunca esteve tão presente na vida do homem. Fugir da realidade é impossível.

Estamos vivendo uma triste realidade, onde a vida humana nunca foi tão banalizada. Cada pessoa tem seu grau e seu suporte de sofrimento. A dor entra em nós sem pedir licença.

Não devemos nos apegar à dor. O apego à dor é pior do que a própria dor.

Então, o que temos a fazer é enfrentar a realidade e assistir os horrores da guerra que adentram à nossa casa, através da mídia. Ou nos trancarmos num casulo, à parte do que acontece no mundo, e criando para nós um mundo falso e fantasioso, onde só existe alegria.

O sofrimento da guerra nos dá a dimensão exata de que o homem é a fera destruidora do próprio homem. Não existe amor fraterno, solidariedade, nem desejo de paz no mundo em que vivemos.

A paz é e será sempre uma utopia. Os homens poderosos tem o estopim da bomba nas mãos, e cada bomba deflagrada, representa para eles uma vitória.

Pouco importa o número de vidas humanas que se dizimam numa guerra. Os inocentes pagam pelos culpados e o sofrimento causado pelas guerras não comovem os poderosos.

Os romances de amor, que tem a guerra como cenário, são pura ficção. Mas existe um, que trago sempre na memória: Adeus às Armas, de Ernest Hemingway.

O Adeus às Armas é um livro de Ernest Hemingway, publicado em 1929. É um romance quase autobiográfico, contando a história de um americano que se resolve se alistar para servir ao exército italiano durante a Primeira Guerra Mundial.

Na Itália, ele conhece uma enfermeira de nome Catherine, por quem se apaixona loucamente. Inicialmente, seu interesse nela era apenas sexual, para fugir da mesmice que eram as mulheres da casa de prostituição local. Foi com o tempo, que o sentimento se transformou completamente.

Cath, como ele a chamava, correspondeu a sua paixão e começaram a viver uma intensa relação amorosa. Neste intervalo, o protagonista se envolveu em um acidente no campo de batalha, tendo a perna arrebentada por uma granada, que, inclusive, matou um de seus colegas.

Ele teve de passar meses e meses acamado no hospital de campanha, mas teve a sorte de contar com Catherine como uma de suas enfermeiras, e aproveitar a situação para tê-la por perto quase que por tempo integral.

O relacionamento se solidificou neste período. Catherine engravidou, e a perna do protagonista se recuperou. Ele teve de voltar para o campo de batalha, mas prometeu retornar o mais rápido possível para se casarem e darem seguimento a uma vida juntos.

Ao retornar, o protagonista já parecia completamente exausto do conflito. Não só ele, como a maioria dos seus companheiros. A guerra se estendia por tempo demais e alguns expressavam até o desejo de derrota, se isso significasse que poderiam ter finalmente paz.

Na volta ao front, ele se envolveu em alguns percalços que quase lhe tomaram a vida mais uma vez. Por fim, teve que sair do campo fugido.

A obra faz uma sintetização genial do que fora a Primeira Guerra. De como toda uma geração foi impactada por batalhas infindáveis, deixando vidas esgotadas, e esmagando esperanças por qualquer esquina em que se passava.

O protagonista começa alistando-se em um exército estrangeiro por conta própria. Excitado pela ideia de fazer parte de algo importante. No meio do caminho, percebe como as coisas se resignificaram ou, pior, nunca tiveram significado nenhum.

Termina desolado, sem chão, sem perspectivas. E chega à conclusão de que a guerra é uma ilusão e um terror.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 13 de outubro de 2023

A ROLETA DA VIDA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A ROLETA DA VIDA

Violante Pimentel

Minha memória musical é muito fértil, e eu guardo na lembrança canções que eu ouvia minha saudosa mãe, Dona Lia, cantarolar, desde que eu era menina, como esta: “A vida é uma roleta, gira, gira…” Somente anos depois, entendi o significado dessa música.

Na vida, nem tudo são flores. Devemos sorrir para a vida, enquanto a vida nos sorrir.

A roleta da vida gira e para em qualquer ponto, sem nos consultar. A verdadeira paz sonhada é uma utopia.

Onde mora a bandalheira, a paz não chega perto.

Os sistemas querem que os homens consumam o pasto do pão e do circo, que lhes é oferecido com muita generosidade. E que eles fiquem tranquilos, com a barriga cheia de pão e circo.

Onde se instala uma paz de estrebaria, o homem apodrece por dentro.

Paz de estrebaria, feita de pão e circo, de barriga cheia de divertimento, sem nenhum outro ideal. A paz que deixa tudo como está, que ignora a injustiça, que não se importa que alguns tenham sempre mais e que a maioria tenha sempre menos. Esta paz gerada por uma política de pão e circo não é para seres humanos, e sim para animais.

Se você tiver oportunidade de entrar numa estrebaria, não se importe com o cheiro. Veja os bois, as vacas, os cavalos, os porcos. Estão satisfeitos, pois acabaram de receber seu pasto. Estão de barriga cheia e até parecem rir. Não imaginam eles que a barriga cheia é sua perdição. Alguns animais recebem o pasto, para renderem mais no seu trabalho escravo; outros, estão na engorda para morrer.

Deixemos agora a estrebaria e vamos olhar para os homens. E olhando os homens, percebemos o sistema esfregando as mãos. Mais um pouco só e todos estarão transformados em robôs consumidores, gordos, rindo na estrebaria de sua inconsciência.”

É isto que os sistemas querem: que os homens consumam o pasto do pão e do circo que lhes é oferecido com muita generosidade e fiquem ali, tranquilos, sem incomodar, instalados na sua paz de estrebaria.

Viver é uma experiência sublime. Há pessoas que se jogam na grande aventura de viver, enfrentando todos os riscos. Como diz Roberto Carlos.

É preciso saber viver” (Roberto Carlos – 1974).

Se pedirmos a um cego para descrever-nos um pôr-do-sol, talvez nos admiremos, por ele fazê-lo melhor do que quem não é cego.

Mas ele não pode ter experiência: nunca viu um pôr-do-sol. Entretanto, ele ouviu falar do pôr-do-sol, leu, na sua linguagem, sobre o pôr-do-sol, e por isso consegue transmitir todas as emoções, ao descrever este belo momento do dia.

Carlos Galhardo – Roleta da Vida

 

 

A vida é uma roleta
Gira, gira
A sorte é uma mentira
Que logo se desfaz
Uns ganham venturas
Outros amarguras
E troca-se o prazer
Pelo sofrer

Tu foste em minha vida
O pano verde da ilusão
Em ti, como uma ficha
Eu arrisquei o coração
Tive delícias
De mil carícias
Ao começar
O olhar em fogo
Senti o jogo
Me alucinar!

Depois a sorte ingrata
Abandonou o jogador
Perdi no pano verde
O coração e o teu amor
E a roleta, indiferente
Ao meu penar
Prosseguiu, sem descanso
A girar, a girar


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 06 de outubro de 2023

*SEMODEZA* (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO AMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

“SEMODEZA”

Violante Pimentel

“Tenha modos, menino”! Tenha modos, menina!

Esta era a repreensão feita pelos pais ou avós, no século passado, quando um filho (a) ou neto (a), “fazia arte”, ou seja, era buliçoso (a), treloso, mexia no que não devia, ou quando as crianças queriam se esmurrar mutuamente.

Uma repreensão dos pais ou dos avós servia como um alerta para que fossem obedientes e não fossem agressivos. Às vezes, bastava um olhar de desaprovação dos pais ou avós, para que a criança entendesse que estava errada.

Os castigos aplicados eram ligados à privação de sair para brincar na rua, ou de ir ao cinema ou praia no final de semana. Tempos depois, também era castigo, a proibição de assistir televisão.

Nesse tempo, os pais ou avós eram livres para ralhar com os filhos e netos o quanto fosse necessário, dando-lhes conselhos que perdurariam para sempre. Isto fazia com que as crianças os olhassem com respeito e aprendessem a ser cordiais e sem agressividade. Daí, nascia a disciplina doméstica, indispensável à formação do caráter da criança, tarefa que os pais e avós tomavam para si, com seriedade. Não havia o descaminho hoje ensinado pelos veículos televisivos, e pelas redes sociais.

A era cibernética trouxe muitos avanços para a humanidade, mas, em contrapartida, trouxe muito prejuízo à família, na criação dos filhos, com a banalização da violência, dos costumes e do desrespeito aos mais velhos, principalmente pais e avós.

“Tenha modos!” é uma expressão que já não se usa. Os conselhos dos pais e avós, nos dias de hoje, são levados na brincadeira, sendo motivos de galhofa, por parte da maioria das crianças e adolescentes.

Atualmente, o maior castigo que os pais podem impor aos filhos, sejam eles crianças ou jovens, é tirar deles o celular e a internet, privando-os das redes sociais por algum tempo. São capazes de entrar em depressão, com um castigo desse tipo. Essa privação é uma forma de educar.

Desde a sua invenção, o celular passou a ser a peça mais importante na vida dos jovens e adultos.

É comum, numa sala de espera para qualquer atendimento, as pessoas que ali aguardam sua vez, se contentarem em “conversar” apenas com o celular, evitando encarar as pessoas ali presentes. Não se faz mais amizade, nas longas esperas para atendimento médico ou outro qualquer.

O ser humano se sente, cada vez mais, sozinho, tendo como principal rival o celular.

A escola recebe os alunos, esperando que eles tenham recebido em suas casas o mínimo de educação doméstica. Infelizmente, isso é uma utopia no mundo atual. A educação doméstica, nos tempos modernos, é “terceirizada”. O convívio entre pais e filhos, logo cedo, é prejudicado, pela evolução dos costumes, com a mulher trabalhando fora de casa.

Logo cedo, a criança é tirada do ambiente familiar para as creches, onde passam o dia convivendo com as “tias”, e depois passam logo para as escolinhas. Em casa, o trabalho e dedicação das mães também é “terceirizado”, passando a criança a conviver mais com as babás do que com elas. E muitas crianças terminam vendo como mãe a própria babá.

Essa decadência familiar é fruto do progresso.

“Tenha modos!”, não se diz mais. A expressão caiu em desuso.

Entretanto, a “semodeza”, ou indecência, se alastrou pelo nosso País em todos os aspectos. Com os novos métodos de educação, o que era errado agora é certo, e nada mais é “ilegal, imoral ou engorda” (canção de Roberto Carlos – 1976)).

A “semodeza” tomou conta da sociedade capitalista e cresceu sem limites, principalmente na vida pública e política do nosso País.

Entretanto, a Natureza é inexorável, e mais cedo ou mais tarde, se vingará exemplarmente da violação de suas leis.

A bola da vez, agora, é a descriminalização do aborto.

Pois bem. O aborto, praticado por comodidade ou conveniência, é um crime, e como tal, terá o seu castigo. Mestre Mundo não perdoa. Ele dá muitas voltas, mas chegará o dia em que acertará as contas com o devedor.

Quem pratica um ato de maldade, cedo ou mais tarde colherá seu fruto.

O palco da vida chega a dar medo. Quando se abrem as cortinas, os papeis se invertem. É a hora da colheita. Na vida, só se colhe o que se planta.

Como cantava uma ceguinha na feira de Nova-Cruz, na calçada da bodega do meu saudoso pai:

“O que a gente faz aqui, aqui mesmo a gente paga.

Não estou rogando praga, você vai pagar aqui…

Lá em cima tem o Criador, o Nosso Senhor com um livro na mão. E lá de cima ele está vendo tudo, está tomando nota, prestando atenção.

Não vá pensar que vai ficar assim; o que você fizer aqui, aqui mesmo vai pagar…São palavras de um velho ditado, se achar que está errado, procure modificar…”

Por enquanto, assistimos ao desenrolar da comédia humana, até que venha o reverso da medalha.

“No picadeiro ao léu, palhaços sem papel, somos todos nós, falseando a voz, e a plateia chora, rindo.”

 

 

Ri, podes rir, não faz mal
Todo o amor, afinal
Deixa um peito sangrando
Um coração chorando
Alguém se lamentando
Ri, quanta gente infeliz
A sorrir, ninguém diz
Leva a vida cantando
A própria dor negando
O seu amor calando
No picadeiro, ao léu
Palhaços sem papel
Somos todos nós falseando a voz
E a plateia chora rindo


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 29 de setembro de 2023

A PRIMAVERA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A PRIMAVERA

Violante Pimentel

A primavera, no Brasil, inicia-se entre os dias 22 e 23 de setembro e termina no dia 20 de dezembro. Essa estação é caracterizada por apresentar dias com temperaturas amenas, e em algumas regiões, também ocorre a floração de diversas plantas.

Mesmo sendo a primavera conhecida como a estação das flores, essa é uma característica presente, apenas, em algumas regiões do planeta. No Brasil, as estações do ano não são bem definidas e o período de floração das plantas ocorre em épocas distintas, não apenas na primavera, variando de acordo com as espécies. No Cerrado, por exemplo, os belíssimos e coloridos ipês florescem no inverno, trazendo uma coloração deslumbrante à paisagem seca.

A primavera no Brasil é mais caracterizada como uma estação de transição entre o inverno e o verão. Na primavera, após o fim do inverno seco, iniciam-se as chuvas que são mais frequentes com a chegada do verão. As temperaturas também são mais amenas, embora, em muitas regiões do país, o inverno não seja necessariamente uma estação de frio excessivo.

O Colégio Nossa Senhora do Carmo, em Nova-Cruz (RN), onde cursei o Primário e o Ginasial (década de 60), festejava a chegada da Primavera, em setembro, com uma tarde festiva, sempre num domingo, com uma programação artística organizada pela freiras (Franciscanas), e pela exímia pianista Cornélia Valença, professora de música.

O final da tarde festiva era apoteótico, com a apresentação de um bailado, ensaiado por uma professora de dança, onde trinta alunas bailavam ao som da canção “Igualdade Ilusória”, da autoria de Vicente Celestino. A letra dessa canção faz uma comparação entre a Primavera e a Mocidade, tema que emocionava o público. O final do bailado era emocionante, cheio de lirismo, uma verdadeira ode à Primavera e à Mocidade.

“A Primavera Vai e Depois Volta, a Mocidade Não nos Volta Mais”, versos decassílabos e cheios de lirismos, emocionavam as famílias ali presentes.

A festa era abrilhantada com fundo musical belíssimo, onde a exímia pianista e professora de música, Cornélia Valença, executava emocionantes canções.

O Colégio organizava tardes artísticas inesquecíveis, que continuam guardadas na minha memória e no meu coração.

Merece ser lembrada a família Valença, de Nova-Cruz, onde os irmãos Francisquinha Valença, Nelita, Antônio e José (gêmeos) eram grandes artistas, além da tia, pianista Cornélia Valença, que acompanhava todas as apresentações. Os membros da família Valença formava uma verdadeira trupe. Encantavam a todos nas festas do Colégio Nossa Senhora do Carmo, em Nova-Cruz.

Geraldo Valença, irmão de Cornélia, também era um grande pianista, e alegrava as festas do Comercial Atlético Clube de Nova-Cruz.

A família Valença era muito católica e participava de todos os eventos religiosos.

Cornélia Valença dirigia o Coro Paroquial de Nova-Cruz. Musicista ilustre, foi autora do Hino em honra do Bispo Dom Adelino Dantas e do Hino da Semana Rural de Nova-Cruz (década de 60).

 

* * *

Igualdade Ilusória – Vicente Celestino

 

 

A primavera é uma estação florida
Cheia de imenso e divinal fulgor
De flores enche o coração da vida
E enche de vida o coração da flor
De flores enche o coração da vida
E enche de vida o coração da flor

A mocidade é uma estação ditosa
Cheia de risos, ideal prazer
E as almas sentem um viver de rosa
Na mocidade, a rosa do viver
E as almas sentem um viver de rosa
Na mocidade, a rosa do viver

Na primavera há profusão de cores
As flores brotam no rochedo bruto
Depois o fruto que há de vir das flores
E as novas flores que hão de vir do fruto
Depois o fruto que há de vir das flores
E as novas flores que hão de vir do fruto

Ambas se adornam de um viver risonho
Iguais parecem, ambas são de amor
Na mocidade faz nascer o sonho
A primavera faz nascer a flor
Se a mocidade faz nascer o sonho
A primavera faz nascer a flor

Iguais parecem quando a vida as solta
E no entretanto, elas não são iguais
A primavera passa e depois volta
E a mocidade não nos volta mais
A primavera passa e depois volta
E a mocidade não nos volta mais


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sábado, 23 de setembro de 2023

DOCES LEMBRANÇAS (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE IMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

DOCES LEMBRANÇAS

Violane Pimentel

A Praia de Camurupim está localizada no litoral sul do Rio Grande do Norte, no município de Nísia Floresta, a cerca de 30km da capital, Natal. É uma das praias mais bonitas do Estado.

Pois bem. Andrea era ainda menina, e com a mãe aprendeu a fazer cocada de coco com leite condensado. Sua família possuía uma pousada na Praia de Camurupim. Logo as cocadas passaram a fazer parte das sobremesas da pousada, e se tornaram um sucesso. De sabor inesquecível, quem comesse daquelas cocadas, jamais esqueceria o sabor.

Na Praia de Camurupim, as cocadas tornaram-se conhecidas e preferidas pelos veranistas. Eram a principal sobremesa. O seu gosto permaneceu na lembrança da freguesia, mesmo depois que a pousada fechou.

O tempo passou, a pousada foi vendida, e há vários anos a família de Andrea é proprietária de um atelier, onde se faz consertos de roupas, num bairro nobre de Natal.

O pai já faleceu, mas ela e a mãe trabalham diariamente no atelier, com o auxílio de competentes costureiras. É o melhor atelier da cidade.

Por saudosismo e por gostar de cocada, uma vez por outra Andrea leva para o atelier, como lanche, uma “produção” caseira de cocadas, iguais àquelas que fazia com a mãe, quando era menina, na pousada da Praia de Camurupim.

Na verdade, Andrea nunca deixou de fazer cocada, uma das suas iguarias preferidas, e agora dos seus filhos.

Certo dia, presenteou uma cliente com duas cocadas, embaladas em plástico transparente e ornamentada com um lacinho de fita. Ao chegar em casa, a cliente, por ser diabética, repassou o presente ao casal de amigos que eram seus vizinhos.

A vizinha gostou muito e se emocionou, lembrando-se das cocadas que comia em Camurupim, nos veraneios da sua infância. Fez questão de pedir o endereço de Andrea. No dia seguinte, foi até lá, perguntar se aquelas cocadas haviam sido feitas pela mesma pessoa, que as fazia, décadas atrás, numa pousada da Praia de Camurupim, durante o veraneio.

A sua emoção foi grande, ao descobrir que Andrea do atelier, hoje casada e mãe de família, era a mesma pessoa que, ainda menina, ajudava a mãe a fazer aquelas cocadas maravilhosas e inesquecíveis.

As duas mulheres se abraçaram, emocionadas com o reencontro. De repente, as lembranças de uma infância feliz tomou conta delas.

Andrea chorou, ao se lembrar do pai, hoje falecido, e que, era o dono da Pousada de Camurupim. Era ele quem mais gostava das cocadas que a filha e a esposa faziam.

Doces lembranças, que o tempo nunca apagará.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 15 de setembro de 2023

AGORA É TARDE (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOMANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AGORA É TARDE

Violante Pimentel

A língua portuguesa é muito rica, e possui expressões que remontam a personagens e fatos históricos, absorvidos pela sociedade e que tem se propagado através dos tempos.

Como exemplo, cito a secular expressão “Agora é tarde; Inês é morta”, hoje inserida na sabedoria popular e em composições brasileiras, como Dona da Casa (Antônio Carlos & Jocafi – 1998). Quase todas as pessoas sabem o seu significado, mas nem todas tem a curiosidade de saber sua origem.

Pois bem. É à Inês de Castro (1323 a 1355), que se refere esse jargão português.

Inês de Castro era a dama de companhia de Constança Manuel, esposa de Pedro I de Portugal, herdeiro da coroa portuguesa. Inês e Pedro I viveram uma grande paixão.

Logo a notícia do romance se espalhou pela corte, causando um grande desconforto à família real. O pai de Pedro I, o rei D. Afonso IV, ordenou o exílio de Inês de Castro no castelo de Albuquerque, na fronteira castelhana.

Mesmo assim, Inês e Pedro I continuaram amantes.

Apesar de casado, o então príncipe Pedro I manteve com Inês uma relação proibida, mas nem tão secreta, que gerou quatro filhos. Depois da morte da esposa oficial, a princesa de Castela Constança Manuel, Dom Pedro I, contrariando o pai, pôs fim ao exílio de Inês e a trouxe para a sua companhia, passando a viver com ela abertamente, o que gerou um escândalo na corte.

Álvaro Gonçalves, Pêro Coelho e Diogo Lopes Pacheco, conselheiros do rei Afonso IV, o pressionaram, no sentido de adotar uma atitude radical, com vista à execução de Inês. Temia-se pela perda da independência, pois os Castros pertenciam a uma poderosa família galega, que tudo faria para ver no trono um seu familiar. Em face dos argumentos utilizados pelos conselheiros, que exprimiam junto ao rei a vontade popular, D. Afonso IV autorizou a degolação de Inês de Castro, em 7 de Janeiro de 1355, conforme o testemunho documental Chronicon Conimbrigense.

Com a morte de D. Afonso IV, D. Pedro I foi declarado rei de Portugal.

Como autoridade real, declarou que se havia casado clandestinamente com Inês, com quem tivera quatro filhos.

Dessa forma, na condição de rei, D. Pedro I concedeu à falecida Inês de Castro, o título póstumo de rainha de Portugal. E de forma assombrosa, colocou o cadáver putrefato de Inês no trono, pôs uma coroa em sua cabeça e obrigou toda a corte a beijar-lhe a mão.

Mesmo assim, era impossível ao rei, exercer o reinado ao lado de uma rainha morta. Nada mais a traria de volta à vida.

Daí, surgiu a expressão “Agora é tarde; Inês é morta”, como uma coisa que não tem mais jeito.

O caso se trata de uma tragédia, história de final macabro, tal qual Romeu e Julieta, de William Shakespeare, com a diferença de que foi uma história real, que teve como palco as cidades de Coimbra e Alcobaça, em Portugal, enquanto Romeu e Julieta se trata de uma ficção.

O episódio ocupa as estâncias 118 a 135 do Canto III de Os Lusíadas, de Luís de Camões, publicado em 12 de março de 1572. O poema relata o assassinato de Inês de Castro, em 1355, pelos ministros do rei D. Afonso IV de Borgonha, pai de D. Pedro I, seu amante. É narrado, em sua maior parte, por Vasco da Gama, que conta a história de Portugal ao rei de Melinde.

O poeta seguiu parcialmente a História de Portugal, quando se referiu à paixão do príncipe herdeiro pela aia da sua mulher. E conta que, apesar das súplicas de D. Inês, as pressões dos conselheiros foram mais fortes, sobrepondo-se às razões de Estado ao direito à própria vida. Esta morte originou uma discórdia entre o príncipe e o rei, a quem Pedro I responsabilizou pela execução da amada.

Durante muito tempo, as relações entre ambos permaneceram em conflito, até à celebração do Instrumento do pacto de amnistia e concórdia, entre D. Afonso IV e seu filho D. Pedro I, após a grande intriga que houve entre os dois por causa da morte de D. Inês.

Depois da morte de D. Afonso IV, D. Pedro I subiu ao trono para vingar Inês, apesar de anteriormente ter jurado perdoar os conselheiros de seu pai.

Álvaro Gonçalves e Pêro Coelho, que se encontravam resguardados no reino vizinho, foram devolvidos a Portugal pelo rei de Castela, que fizera um pacto neste sentido com o rei português. D. Pedro I foi assistir ao massacre destes dois responsáveis pela execução de D. Inês, sujeitando-os a uma cruel morte, em que lhes foi arrancado o coração. Diferente destino teve Diogo Lopes Pacheco, que escapou à terrível vingança, por não se encontrar em casa nessa ocasião e ter fugido, logo que o avisaram do sucedido.

D. Pedro I pretendeu provar que casara, clandestinamente, com Inês de Castro, por temer o pai. Em Julho de 1360, prestou juramento e apresentou como testemunhas do acontecimento D. Gil, Bispo da Guarda, e Estêvão Lobato, um empregado do rei. No entanto, esta tardia declaração levantou muitas dúvidas relativamente à sua veracidade. Também não há a certeza moral da sua nulidade (bem ao contrário).

Luís de Camões descreveu o romance entre Inês de Castro e D. Pedro I, mesclando-o com passagens saídas de sua imaginação poética. Inicialmente, apresenta a linda donzela inserida num cenário idílico, onde há uma tranquilidade e beleza condizentes com o mútuo amor que unia o casal, como transparece nos seguintes versos:

“Estavas, linda Inês, posta em sossego,
De teus anos colhendo doce fruto,
Naquele engano da alma, ledo e cego,
Que a Fortuna não deixa durar muito,
Nos saudosos campos do Mondego,
De teus formosos olhos nunca enxuto,
Aos montes ensinando e às ervinhas
O nome que no peito escrito tinhas. (Canto III, est. 120)”

Dona da Casa – Antonio Carlos & Jocafi

 


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 08 de setembro de 2023

O TELEGRAMA (CONTO DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O TELEGRAMA

Violante Pimentel

Em Nova-Cruz (RN), há décadas, entrando pelo século passado, o casal Dona Rita e Seu Nicanor recebeu um telegrama do Recife, comunicando que seu filho Zenilton, caminhoneiro, havia morrido num acidente de caminhão.

O clamor foi geral e a notícia se espalhou pela cidade, deixando a população arrasada. Todos lamentavam a morte do jovem rapaz.

 

 

Os pais e irmãos choravam desesperados, sem saber como se comunicar com a pessoa de Recife, que subscreveu o telegrama, pois o nome era desconhecido.

Nesse tempo, os meios de locomoção e comunicação eram limitados. O trem para Recife só partia às 3 horas da manhã. A família estava desnorteada, pois não tinha parentes em Recife e não sabia a quem se dirigir, para se inteirar dos detalhes do acidente, e saber se o corpo da vítima poderia ser trasladado para o sepultamento em Nova-Cruz.

O desespero tomou conta de todos, e ninguém sabia por onde começar, para providenciar o traslado do corpo do seu ente querido para Nova-Cruz.

O entra e sai na casa do casal era interminável e a solidariedade tomou conta da cidade.

Pois bem. No final da tarde, quando menos se esperava, estacionou um caminhão na frente da casa dos pais de Zenilton, e, como um fantasma, desceu da boleia a “própria vítima” do suposto acidente, bonzinho da Silva, intacto, sem entender porque havia tanta gente na casa dos seus pais, que era a sua própria casa.

Foi desmaio “a torto e a direito”, e nunca apareceu o responsável pelo telegrama. Havia mil suspeitos na cidade, rapazes astuciosos e baderneiros, capazes de forjarem qualquer coisa contra alguém, somente por maldade e para se divertir com o sofrimento alheio. Mas ninguém tinha provas de quem poderia ter sido, para poder acusar.

No final das contas, o suspeito principal terminou sendo o próprio Zenilton, que, depois de algum tempo, passou a dar ótimas risadas, quando alguém tocava no assunto do telegrama.

Seus pais, beirando os 60 anos, e sem acreditar que o filho estivesse vivo, demoraram a sair da prostração em que ficaram, com a notícia contida no telegrama.

É impressionante, como tem gente pra tudo neste mundo. E ainda sobra alguém pra tocar flauta.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 01 de setembro de 2023

AS APARÊNCIAS ENGANAM (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

AS APARÊNCIAS ENGANAM

Violante Pimentel

Quase sempre, somos levados pelas aparências. Não somente pela aparência física, como por uma voz bonita, traquejo social, educação e cultura. A voz, então, é um fator que engana muito.

O que mais distancia as pessoas, não é o dinheiro, mas a educação e o caráter.

Aí, vem o ditado popular: “Nem tudo que reluz é ouro.” Nem sempre um elogio é verdadeiro. Muitas vezes, por trás de um elogio açucarado, existe ronia e despeito.

 

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Antigamente, quando não existia televisão nas cidades do interior, à noite, a distração era conversar nas calçadas, onde se reuniam amigas e amigos verdadeiros. Nesse tempo, em Nova-Cruz, não existia ladrão, salvo ladrão de galinha. Podia-se ficar nas calçadas até tarde, compadrio tranquilamente, sem medo de malfeitor. E as amizades eram verdadeiras.

Era um tempo bem melhor, pois a era cibernética era utopia, e tudo era verdadeiro. As amizades e conversas eram “olho no olho”, sem espaço para demagogia.

As conversas na calçada eram uma higiene mental maravilhosa, como se a calçada fosse um divã de relax. As conversas eram desabafos de problemas do dia a dia, comuns a quase todas as famílias.

A solidariedade humana era a marca maior da vizinhança. Todos formavam uma irmandade e o compadrio era comum. Padrinhos, madrinhas e afilhados completavam as famílias.

O calor humano e a certeza de amizades sinceras eram o marco maior de uma época distante. Ninguém precisava falar por telefone, que não existia, e, quando muito, em assuntos urgentes, a comunicação era por cartas e telegramas. Notícia de tragédia, era comunicada através do telégrafo da estação ferroviária.

Pois bem. “Pra não dizer que não falei de flores”, vou falar sobre uma linda borboleta, que adorava flores, e foi eleita “miss” de um belo jardim.

Pois bem. – Miss borboleta, todas as manhãs, pousava em cada flor de um jardim, com toda sua graça. Todos a cercavam, queriam apalpá-la e contemplar de perto o fulgor de suas asas. Muito ancha por se sentir querida, “miss” borboleta, distribuía carinhos e deixava-se apalpar, de mão em mão. Não imaginava que nos dedos delicados que a apalpavam, ia deixando aos poucos o pó de ouro de suas lindas asas. Assim, de mão em mão, as asas perderam aquele tom dourado maravilhoso, orgulho das borboletas.

Aos poucos, “miss” borboleta perdeu o brilho e o viço, tornando-se uma borboleta sem graça. Os admiradores sumiram e ninguém mais a cortejava.

É o reverso da medalha. A “miss” borboleta sentiu arrependimento tardio, por não ter percebido, a tempo, que quem a cortejava somente queria o pó de ouro de suas asas.

A história de “miss” borboleta é a mesma de muitas pessoas vaidosas, que terminam sendo vítimas de suas próprias ilusões.


Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 25 de agosto de 2023

A RIQUEZA DA MÚSICA BRASILEIRA (CRÔNICA DA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A RIQUEZA DA MÚSICA BRASILEIRA

Violante Pimentel

“Música é vida interior, e quem tem vida interior jamais padecerá de solidão.” (Artur da Távola – 1936 – 2008)

A música brasileira sempre foi muito diversificada e rica, a começar pelas Modinhas do século passado, que eram poemas musicados, cheios de lirismo, e que encantavam seresteiros e boêmios apaixonados.

As serenatas eram verdadeiras declarações de amor, em forma de música, nas noites escuras ou enluaradas, quando a era cibernética era uma utopia. Não havia violões elétricos, e no silêncio da noite, as serenatas eram aguardadas com ansiedade, pelos corações enamorados.

Em Nova-Cruz (RN), onde nasci e me criei, demorou muito a ter energia elétrica. O progresso custou muito a chegar. Os violões elétricos não existiam, o que aumentava ainda mais o romantismo das serenatas, nas noites de luar.

São lembranças que o tempo jamais apagará.

O lirismo de antigamente sumiu no tempo e no espaço.

A música atual tem como focos principais a harmonia e o ritmo. A poesia vem em último lugar.

É a evolução dos tempos.

Décadas atrás, entrando pelo século passado, havia composições musicais, principalmente carnavalescas, com letras hilárias, de insultos à mulher. Eram músicas de xingamento e desforra, em brigas de casais, por causas variadas e hilárias, onde, costumeiramente, quem pagava o pato era a figura da sogra.

Um detalhe interessante é que os xingamentos, naquela época, não baixavam o nível, como acontece em muitos forrós atuais, de brigas de casais, onde as palavras mais inocentes são “rapariga, “cachorra” e “mulher de cabaré “.

Dando um mergulho no passado, encontrei estas canções antigas, hilárias, verdadeiros recados com desaforos, entre marido e mulher:

“FAUSTINA” , da autoria de Wilson Batista (gravada por Jorge Veiga e também por Moreira da Silva), e “CALA A BOCA, ETELVINA . 

* * * 

 

Faustina, corre aqui depressa,

Olha quem está no portão
É minha sogra com as malas,
Ela vem resolvida a morar no porão.
Vai ser o diabo, vamos ter sururu com o vizinho.
Não estou pra isto, eu vou dar o fora,
Decididamente, eu vou morar sozinho.
É minha sogra, mas tenha paciência.
Não há quem possa com essa jararaca.
Meu sogro foi de maca pra assistência,
Com o corpo todo retalhado à faca.
Mas comigo é diferente,
Não tenho medo desta cara feia,
Pego a pistola e desperdiço um pente,
Ela descansa e eu vou pra cadeia. 

* * * 

 

Eu já vi que a minha sina
É viver pra te aturar
Cala a boca, Etelvina
Sossega a língua ferina
Apague a luz
Que amanhã vou trabalhar
Vou me levantar de manhã cedo
Que eu tenho medo de perder o trem
Deixa-me dormir, por caridade
Pois o trem da Piedade
Não espera por ninguém quando vem


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