Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Violante Pimentel - Cenas do Caminho sexta, 26 de abril de 2024

ÁGUA DE BEBER (CRÔNICA DA COLUNISTA MADRE SUPERIORA VIOLANTE PIMENTEL)

 

ÁGUA DE BEBER

Violante Pimentel

Nasci e me criei em Nova-Cruz, região agreste do rio Grande do Norte, fronteira com a Paraíba.

Uma terra seca e quente, e a cidade não tinha energia elétrica nem água encanada, o que só aconteceu no começo da década de 60.

A água que se usava era salobra e tirada de cacimbões. No sábado pela manhã, chegava o trem com água do Piquiri, água doce, para se beber e cozinhar.

Minha mãe tinha na cozinha uma jarra com capacidade para 150 m3, onde a água de beber era colocada, coada num pano de saco de açúcar vazio, lavado e abainhado por ela na máquina de costura. Essa jarra era sempre coberta com esse pano e sobre ele havia uma tampa feita de madeira. Antes de ser colocada no filtro de barro, a água fervida.

 

 

 

A água de beber era trazida do Rio Piquiri (Canguaretama), no “trem da água”, aos sábados, de manhã cedo. Os carregadores se aglomeravam na Estação Ferroviária, à espera do trem da água, o que lhes renderia alguns trocados.

Nessa ocasião, na Estação Ferroviária, ficava um aglomerado de carregadores de água, com galões feitos com duas latas vazias de querosene Jacaré, já lavadas e desinfetadas, e amarradas com correntes a um pedaço de madeira fornido, que eles carregavam nos ombros. Os carregadores de água davam inúmeras viagens, para abastecer as casas com “água doce, fria, gelada, do Piquiri”. Passavam o dia todo carregando água para os fregueses, mediante pagamento simbólico, pois aquela água e aquele serviço não tinham preço.

Repetindo, na nossa casa, a água de beber era colocada numa jarra de 150 litros cúbicos, coada num pano branco, feito de sacas de açúcar vazias, lavadas e desinfetadas por minha mãe, amarrado na boca da jarra. A água era fervida, antes de ser colocada em dois filtros de barro, para consumo.

Essa água era exclusivamente para se beber e cozinhar. Mas minha mãe enchia um balde com ela, para lavar as nossas cabeças, aos domingos, pois durante a semana o banho completo era com água salgada (salobra). Passávamos a semana tomando banho com água salgada, o que deixava nossos cabelos pegajosos.

No domingo, nossa mãe abria uma exceção, ao encher um baldo de água doce, para lavar nossas cabeças. Havia um grande caneco de alumínio emborcado sobre a tampa da jarra, exclusivamente para ser usado para tirar água doce da jarra.

A cidade era paupérrima, não havia médico nem posto de saúde, e o povo morria à míngua, como aconteceu com meu irmão Galdino, aos sete meses de idade. Era o fim do mundo!!!

Pois bem. Uma parenta de meu pai, idosa, que morava num sítio perto de Nova-Cruz, uma vez por outra era nossa hóspede. Surda igual a uma porta, chegava com uma trouxa de tecidos para costurar na máquina “Singer” da minha mãe e permanecia uma temporada conosco. Falava muito, mas ouvia pouquíssimo. Era uma pessoa agradável e muito querida.

O cuidado que a minha mãe tinha com a água de beber era grande. Somente ela tirava água dessa jarra, inclusive para ferver e colocar nos dois filtros.

Certa noite, já tarde, quando todos já haviam se recolhido para dormir, minha mãe acordou, com o barulho de água correndo dentro de casa.

Levantou-se descalça, para não acordar meu pai, e foi ver o que estava acontecendo.

Dona Lia, minha mãe, teve uma péssima surpresa, que lhe fez adoecer. Encontrou na cozinha, a lamparina acesa em cima da mesa, e a hóspede Lindoca nuazinha, de frente para a “jarra de ouro” de água de beber, calmamente, tomando banho, e tirando água da jarra com o penico que lhe servia durante a noite, para satisfazer às suas necessidades, uma vez que o banheiro ficava fora da casa.

Minha mãe, para suportar o mal-estar que sentiu com essa contrariedade, tomou 40 gotas de Coramina, remédio que não faltava na nossa casa.

A infratora Lindoca não percebeu a presença da minha mãe, por estar de frente para a jarrona d’água, e ser surda.

Minha mãe não acordou ninguém, e suportou essa contrariedade sozinha, sem ter com quem desabafar. Não chamou a atenção da hóspede, pois a água já estava contaminada. Não adiantava dar um escândalo, àquela hora da noite. E ainda mais, “não adianta chorar sobre o leite derramado”, diz o ditado.

Mal amanheceu o dia, com a chegada de Mendonça, o cortador de lenha para o fogão, minha mãe lhe ordenou que secasse a jarra imediatamente, e a tirasse de dentro de casa, levando-a bem pra longe da nossa casa. Desse-lhe o destino que quisesse.

Meu pai nunca soube disso, e minha mãe não teve coragem de repreender a hóspede. Ficou tudo por isso mesmo. Só que a guarda foi reforçada, sempre que Lindoca chegava à nossa casa para alguma temporada.


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