Neste dia de louvar todas as mães, eu trago do livro Gentil, verás que um filho teu não foge à luta – que eu tive o prazer de organizar os textos – da escritora potiguar Teresa Oliveira, uma das crônicas mais belas que li nos últimos tempos, quando o amor é evocado através de gratidão e saudade.
No texto que seguirá abaixo, Teresa Oliveira nos traz aquele olhar apurado sobre a mãe. Um olhar maduro com a mais genuína sinceridade.
A crônica é, na verdade, além da comprovação do talento natural da autora para a literatura, uma leitura de agrado à alma. Também mostra através da personalidade forte deixada em cada entrelinha pela autora, a fortaleza moral que todas as mães possuem em suas gêneses. Porque não existe mãe diferente, todas as formas morais são iguais. Salvo as experiências pessoais da autora e sua mãe, todo o texto é um louvor magnífico à alma de qualquer mãe responsável no ambiente familiar.
Voltando um pouco ao livro em si, não me furto em dizer, foi escrito com o coração de uma filha devotada à família. É emoção, saudade e lirismo desde o título na capa, até o ponto final da última frase.
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A saudade dela também dói em mim
O tempo é amigo de sua memória e a sua história ficou gravada no coração do seu povo.
Com Dr. Gentil na retaguarda, peço licença ao meu pai para quebrar o protocolo desta obra e oferecer a minha eterna saudade por aquela que me ensinou a transformar luto em luta: Maria Teresa Fernandes de Sousa Paiva, minha amada mãe.
Mulher guerreira, destemida, buscou pautar sua existência em valores e princípios maiores do que os desafios impostos pela árdua jornada de uma viuvez na casa dos trinta anos e, por outros trinta anos, ocupou o duplo papel de pai e mãe da forma mais sensata e equilibrada que alguém pode fazê-lo.
Viveu intensamente um testemunho de fé e humildade, confiando sua vida e a vida dos seus nas mãos do Pai Celestial. Ajoelhada aos pés do altar do Senhor, sempre nos manteve de pé.
Nós duas travamos muitas batalhas juntas, ela no silêncio que lhe era peculiar e eu na coragem alicerçando-me das minhas entranhas. Sabíamos as entrelinhas e os avessos de tudo que fazíamos e planejávamos.
Falsa modéstia colocada totalmente à parte, se hoje me considero uma das mulheres mais destemidas que conheço, certamente devo ter aprendido muitas lições com mainha. Muitas coisas, decisões e atitudes tomadas por ela entre sorrisos, hoje eu as faço sangrando. Mas, seus ensinamentos me dando resiliência estão valendo. É o que importa. É o que eu tenho no passar das horas diariamente.
Em 11 de abril de 2019, estávamos nos despedindo, tempo que deixamos a vida seguir seu curso e seu custo. A resiliência veio do alto e a coragem de continuar a luta vem daquilo aprendido com ela, engolir o choro, erguer a cabeça e olhar o futuro.
Confesso andar fraquejando vez por outra, não se fazem mais mulheres como antigamente, isso é fato! Amanhã, quem sabe eu consiga caminhar com passos mais firmes porque hoje, só ficou a certeza de que nunca mais seremos os mesmos sem a presença física de quem demonstrou atos de extrema bravura até na hora de morrer.
Nos corredores do Hospital Esperança, em Recife – PE, conversamos pela última vez. Na porta da UTI, com meus dedos entrelaçados aos dela, rezamos juntas uma Ave Maria.
Percebendo a minha voz cortando e as minhas mãos geladas, engoliu a dor mais uma vez. Segurou-me pelo pulso e olhando para mim, sem derramar uma lágrima sequer, pronunciou suas últimas palavras:
– Deixe de choro, minha boneca. Vai dar tudo certo. Deus lhe faça feliz e Nossa Senhora da Conceição lhe acompanhe. Vá para casa descansar e não esqueça de cuidar dessas olheiras.
Com o polegar estirado para cima, foi-se UTI adentro. As portas fechadas sinalizaram a minha orfandade pela segunda vez. O chão se abriu, o mundo caiu, as luzes se apagaram e eu me quebrei em infinitos pedaços. Roguei aos amigos para que me sustentassem em orações.
Mulher forte, árvore frondosa com raízes pautadas no bem e na paz. Tive que reaprender a caminhar.
Em meio ao caos, tentei ressignificar aquele momento que tão somente a dor era minha fiel escudeira. Chorava, rezava e perguntava a Deus como seria a minha vida dali em diante. Até agora, não tive as respostas para os meus questionamentos e a minha inquietude permanece latente até nos domingos mais serenos.
Dias difíceis, mãe! A certeza é só uma, a saudade não é amenizada pelo tempo e o coração aperta quando me lembro que não estaremos juntas na missa de Sábado de Aleluia, esperando o acender das velas para fazermos nossas promessas no altar da Matriz de Nossa Senhora da Conceição.
Ao pé do meu ouvido, fiz uma tatuagem em sua homenagem, uma flor do deserto, já que as duas guardam a semelhança de florescer em todas as estações do ano.
Antes de fazer esse desenho, pensei em colocar a inicial dela junto com a de painho, que tatuei no pulso esquerdo quando conseguimos da justiça dos homens o papel de Justiça, e assim, fechamos esse ciclo em nossa vida. Mas, escrever a inicial dela, junto ao nome de Dr. Gentil não seria justo.
Maria Teresa, mulher que, por mais de três décadas, viveu e sobreviveu sem o marido, numa missão triplicada, injusta, cruel, indócil e hercúlea para uma mulher tão jovem. Mainha subsistiu com maestria e, fazendo de sua existência um tributo à maternidade responsável, criou e formou três filhos, enfrentou a viuvez de cabeça erguida, ensinando-nos que a felicidade plena está em nós mesmos.
A ela, ainda tão viva em minha memória e em meu coração, hoje mando as flores mais lindas, seguidas da saudade mais profunda e da admiração que enquanto vida eu tiver, escreverei com A maiúsculo, porque o amor só sobrevive de forma legítima quando tem a admiração como pré-requisito indispensável.
A saudade vez por outra se descortina me fazendo chorar. Saudade acumulada é sinônimo de coração doído, lágrimas entrelaçadas de dor descendo face abaixo sem sequer me dar a chance de enxugá-las.
Não dá tempo, é choro demais da conta. Certo dia, vesti uma roupa dela para trabalhar, sempre que faço isso, recebo elogios por estar elegante e por me parecer cada vez mais com ela.
Desde que ela se foi, uso um anel de cruz que ela não tirava do dedo, mulher que materializava a fé até nos adereços. Normalmente não sofro quando me arrumo igual a ela, mas hoje foi diferente, olhei o anel no meu dedo e imaginei quantas cruzes carregadas com a leveza de um olhar sereno seguido da coragem de enfrentar a vida na sua mais profunda desordem.
Refletindo sobre o calvário de minha mãe em plena quaresma de 2022, tenho cada vez mais forte a certeza do caminho dela sendo repleto de muitas pedras; mas, foi perfumado com as flores exaladas pela sua alma.
Como diz o poeta: “Mulher, Mulher, da escola em que você foi ensinada, jamais tirei um dez, sou forte, mas não chego aos seus pés.”