Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Jesus de Ritinha de Miúdo terça, 19 de novembro de 2024

ESPERANÇA PELO AVESSO – Aparências (POEMA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

ESPERANÇA PELO AVESSO – Aparências

Jesus de Rtinha de Miúdo

Foto: Obviousmag.org

 

 

Não tive pena quando a vi partindo
Fiquei apenas por dentro chorando
Entre outras cenas que eu ia lembrando
Eu em silêncio fui me despedindo.
Pedindo a Cristo que fosse medindo
Só a bondade que nós nos fizemos
As tantas vezes que nos maldizemos?
Esqueça aí, que eu daqui esqueço
Se a esperança pomos pelo avesso
Um novo começo nós não mais teremos.

Se nova chance nós não mais queremos
Todos os riscos você assumiu
Sumiu na rua e quando enfim partiu
Partiu toda jura que nós nos fizemos.
Se tudo aquilo que juntos vivemos
Foi somente eterno enquanto durou
E aquele encanto que você cantou
Eu vejo agora estava pelo avesso
Esperança em traço de um recomeço
Traçado no chão, mas o vento apagou.

 

 


Jesus de Ritinha de Miúdo sábado, 09 de novembro de 2024

BUMERANGUE (CORDEL DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDOo

BUMERANGUE

Jesus de Ritinha de Miúdo

Foto: Segredos do Mundo

 

A vida é um bumerangue
Que não se perde no ar
Tudo que você atira
Na certa vai retornar
Quem arremessa o amor
A vida faz o favor
De muito amor lhe voltar.

Mas, se acaso atirar
Qualquer um mal a alguém
Não espere receber
Do bumerangue um bem
Pois, o que vai tem retorno
E a vida em seu contorno
É um eterno vai e vem.

A quem carinho, carinho
A quem amizade, amizade
A que acolhida, acolhida
A quem desprezo… Bumerangue!
É a vida!


Jesus de Ritinha de Miúdo terça, 08 de outubro de 2024

ILUSÃO DESCOBERTA (CORDEL DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

ILUSÃO DESCOBERTA

Jesus de Ritinha de Miúdo

Este colunista glosa um mote de Constância Uchoa:

Quem se cobre de sonhos se descobre
Muitas vezes coberto de ilusão.

Eu pensando em você não me contento
Perco o tento de vez na madrugada
Enlouqueço a cada alvorada
Alvorando você no pensamento.
Vou criando penúrias de lamento
E mentindo ao meu próprio coração
Pra sonhar que não tem separação
Mas, não há nenhum sono que me sobre
Quem se cobre de sonhos se descobre
Muitas vezes coberto de ilusão.

Com sua volta vou sonhando acordado
Que um acordo faremos para a paz
Nossas brigas cessarão, não terão mais
E as intrigas do lar serão passado.
Se um amor em seu peito tem sobrado
Ou lhe resta uma réstia de emoção
Nos cubramos com o manto da paixão
Descubramos um amor ainda nobre
Quem se cobre de sonhos se descobre
Muitas vezes coberto de ilusão.


Jesus de Ritinha de Miúdo segunda, 07 de outubro de 2024

ABOIO DE BEATA (CORDEL DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

ABOIO DE BEATA

Jesus de Ritinha de Miúdo

Foto: página da CNM – Confederação Nacional de Municípios

 

 

Mote de Geraldo Amâncio:

Quem passar no sertão corre com medo
Das caveiras dos bois que a seca mata!

Na porteira o chiado está mais triste
O chocalho não tem voz, está calado
O gibão, coitadinho, abandonado
Só se apega a saudade que existe.
O acauã, bem magrinho, ainda insiste
Agourando a má sorte, vida ingrata
Toda cinza a caatinga, assim retrata
Falta chuva, e nesse pobre desenredo
Quem passar no sertão corre com medo
Das caveiras dos bois que a seca mata!

Moribundo, olho, pelo, carne e osso
O jumento foi jogado à própria sorte
Sem rinchar esperando só a morte
Já não tem mais nem força no pescoço.
Morreu tudo no caminho até o poço
E na sombra do mourão um vira-lata
Sob o choro, feito aboio, da beata
Vai morrendo num buraco desde cedo
Quem passar no sertão corre com medo
Das caveiras dos bois que a seca mata!


Jesus de Ritinha de Miúdo domingo, 06 de outubro de 2024

AMOR TEMPERO (CORDEL DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

AMOR TEMPERO

Jesus de Ritinha de Miúdo

Dona Pedrelina, de São Gonçalo do Rio Preto, no seio do Vale do Jequitinhonha.

Foto do retratista Tom Alves

 

 

Era o prazer de vovó
Enquanto a trempe esquentava
No velho fogão de lenha
Da comida ela cuidava
Mal saía da cozinha
Fazia tudo sozinha
Com prazer, não reclamava.

Quando mais gente chegava
Não havia reclamação
Pois, tinha lugar pra todos
Dentro do seu coração
Com imensurável alegria
Vovó do pote trazia
Mais água para o feijão.

Nunca fiz comparação
Ao sabor de sua panela
Acho até que era amor
Que vovó tirava dela
Agora resta, é verdade,
Só o gosto da saudade
De minha vovó tão bela!


Jesus de Ritinha de Miúdo sábado, 05 de outubro de 2024

ADAGA INFALÍVEL (CORDEL DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

ADAGA INFALÍVEL

Jesus de Ritinha de Miúdo

Foto de Marco Antônio Robert Alves

 

O Tempo não perde tempo
Nem para em qualquer segundo
Contando seus breves passos
Passa igual pra todo mundo
Tudo que é massa perece
Só o Tempo não envelhece
Em seu andar vagabundo.

Sequer fica moribundo
Ou com o tempo se estraga
Porque é o senhor de tudo
E tudo o Tempo apaga
Perde o belo a sua beleza
Perde o rico a sua riqueza
Na ponta da sua adaga.

Há quem diga ser uma praga
Essa justiça tão forte
Do Tempo girando imune
Que pra ele nada importe
Sem qualquer acepção
Só o Tempo em sua ação
Nunca encontrará a morte.

A tudo dá o passaporte
Pra o reino dos acabados
Os que eram já não são
Os que são serão passados
E para o tempo do além
Somente o Tempo não tem
Os seus segundos contados.


Jesus de Ritinha de Miúdo sexta, 04 de outubro de 2024

RISO LIVRAMENTO (CORDEL DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

RISO LIVRAMENTO

Jesus de Ritinha de Miúdo

Foto: site memoria.ebc

Quando escuto tua voz eu enlouqueço
Perco o senso e não sei mais o que faço
Sem poder receber o teu abraço
Em tua fala eu me acalmo e me aqueço.
É que ouvindo o teu tom eu esmoreço
Os teus sons me confundem o pensamento
Te escutando eu ligeiro me acorrento
Fico presa e me perco na paixão
Tua voz é cadeia e é grilhão
Mas teu riso é pra mim um livramento.

Eu já cumpro um breve juramento
De se eu ouvir tua voz ficar calada
Se eu pudesse viver aprisionada
Viver presa em ti seria alento.
Tua voz é também um sofrimento
Um tormento no qual eu vivo e luto
Mas, assim que o teu riso eu escuto
Livramento da loucura é pra mim
Ela põe nas cadeias todo o fim
Da paixão solitária que eu desfruto.


Jesus de Ritinha de Miúdo quinta, 03 de outubro de 2024

O CONTRÁRIO DO CONTRÁRIO (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

O CONTRÁRIO DO CONTRÁRIO

Jesus de Ritinha de Miúdo

– Então? A experiência não foi boa? – perguntou Allan pondo o chá na xícara. A fumaça dançando estranhamente no espaço.

– Não. Nada boa – respondeu Kyra cabisbaixa.

– Mas vocês não apoiaram o movimento? Digo, sua família?

– Sim! Você sabe que sim. Quando retornei para lá papai inclusive havia feito de nossa fazenda uma espécie de quartel general em favor da causa. Ele também escrevia diariamente no jornal, com crônicas e artigos defendendo veladamente o movimento. Nosso armazém na cidade distribuía o saldo do estoque entre os camaradas – nesse ponto ela levantou a cabeça e olhou diretamente para o amigo, depois prosseguiu: – Antes mesmo da nossa vitória, papai fez oficialmente de cada empregado um sócio. Tanto do armazém, quanto das terras – falou pressionando o indicador esquerdo em dois pontos da madeira da mesa. Depois continuou: – Mas, pouco tempo depois de alcançarmos o nosso objetivo, já não éramos mais donos de nada – ela gesticulou levando as mãos a se afastarem bruscamente com as palmas viradas para o tampo do móvel.

– E por que já não eram mais os donos? Como assim?!

– Tudo foi mudando rapidamente. O povo estava insatisfeito, não se cumpriam as promessas de igualdade, senão nas obrigações de subserviência. Os líderes necessitavam mostrar controle da ordem e do poder. Dimitri um dia apareceu para agradecer pessoalmente o empenho de papai, mas aproveitou para nos comunicar que tudo, tudo, pertencia ao estado. Era do povo. Já não tínhamos direitos sobre nossas propriedades. Nos informou a nossa casa na cidade sendo desapropriada. Depois ele mesmo passou a ocupá-la. O armazém fechou há dois anos – respondeu com ar de decepção. Queria dizer que sequer sabia notícias do pessoal, mas calou-se.

– Lembra do que eu lhe…

Allan deteve-se coçando o queixo. Era melhor não falar.

– Do que você… o quê, Allan? Fale – pediu a moça.

Ele pigarreou e pôs a mão no ombro da amiga. Fechou os olhos e inspirou, quando olhou novamente para ela, respondeu:

– Bom… Em nossas discussões antigas eu lhe falava que a diferença entre ignorantes e estúpidos, é que os primeiros podem aprender.
Ele se arrependeu de haver dito aquilo.

– Entendi, Allan.

Ela falou com o olhar perdido por entre o espaço da janela aberta. Tinha os campos verdes da primavera inglesa à sua frente.

Allan lhe serviu o chá calado, pousando a xícara sobre o pires na mesa. Observou o olhar perdido da moça. Ela parecia assistir um filme através da janela.

– E o seu diploma? – ele perguntou relembrando a colega de faculdade, empolgada com os rumos políticos em seu pequeno país no leste europeu.

– Não me rendia absolutamente nada. Era como se o meu conhecimento adquirido na educação financiada por papai fosse patrimônio também do Estado. Se eu não tivesse fugido, estaria trabalhando obrigada e praticamente de graça em algum hospital.

Allan notou o tom de tristeza na voz de Kyra. Passou a mão suavemente em sua cabeça.

Ela já não tinha os cabelos soltos e caídos na cintura. Estavam mal cortados, mal cuidados, na altura dos ombros.

Allan deu a volta na mesa. Sentou-se à sua frente, puxando a cadeira mais para direita. Queria deixar a janela totalmente à vista da amiga.

Kyra levou a xícara à boca e soprou levemente no chá, bebericando alguma coisa em seguida. Estava com os olhos fixos no jardim. Lembrou de quando soube do suicídio do pai, divagando que o velho havia morrido bem antes. De tristeza. De falta de esperança.

A fumaça do chá parecia contornar objetos, em movimentos lentos.

– Sabe, Allan, há uma diferença enorme entre o Capitalismo que você sempre defendeu em nossas discussões e o Socialismo visto por mim como a solução para os conflitos sociais – ela falou após um breve silêncio.

Voltou a se calar. Bebeu mais um pouco do chá com os olhos fixos na primavera lá fora. Depois da janela.

O amigo observava a sua figura triste. Não enxergava mais a jovem de olhos vivos por quem se apaixonara havia quatro primaveras. A moça estava maltratada, magra, embora a beleza ainda fosse presente em seu rosto pálido.

Um vento entrou pela janela e trouxe os cabelos dela para cima do olho direito.

– Qual, Kyra? Qual seria essa enorme diferença? – quis saber Allan com um pouco de amargura na voz.

Ela segurava a xícara de chá com a mão direita. O cotovelo, ao lado do pires, apoiado na mesa.

– No Capitalismo os homens exploram desumanamente outros homens – ela respondeu. Apertou o lábio inferior com os dentes e tirou com a mão esquerda a franja do olho. Allan apenas a observava. Ela prosseguiu: – No Socialismo é o contrário.

Tomou um gole do chá e descansou a xícara no pires.

Allan segurou as mãos de Kyra sobre a mesa. Os olhos dela marejavam.


Jesus de Ritinha de Miúdo quarta, 02 de outubro de 2024

COLHERZINHA DE XAROPE (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

COLHERZINHA DE XAROPE

Jesus de Ritinha de Miúdo

Seu Chico do Motor, alto, franzino, galego no bigode e nas sobrancelhas, voz de trovão, sem um cabelo sequer na cabeça; no RG setenta e oito e nas declarações apenas cinquenta e seis já havia vinte e dois anos; pois bem, duas semanas após ficar viúvo, sem filhos, com a aposentadoria dos cuidados com o velho motor recebida religiosamente em dia, deu de ir ao cabaré de Maria Caçamba, em Macaíba, numa segunda-feira depois do almoço, a fim de buscar uma mulher para quinze dias de companhia e favores de alcova.

 

 

– Lhe devolvo essa minina no outro domingo – prometeu gesticulando, como se a mão pulasse algo mais alto que ele próprio, após haver entregado um pequeno maço de notas de cinquenta reais amarradas com uma liga amarela.

Trouxe para Tangará uma moreninha atarracada, cabelo ruim cortado curtinho, beiços virados, olhos amiudados, nariz achatado e uma voz meio anasalada. Mas tinha um corpo de fazer inveja a qualquer atriz capa de revista. O nome para concordar com a diferença entre o rosto e a bunda? Raimunda. Por coincidência.

O velho Inácio Bico-de-Pato, vizinho de Seu Chico, amigo de infância e companheiro de farras na juventude, sabendo de onde o companheiro tinha trazido a menina, lhe fez uma visita assim que os dois chegaram e foi logo perguntando, sem o menor constrangimento:

– Chico, num tinha uma mais bunitinha não?

– Ter tinha – respondeu o amigo sem olhar sequer de lado. – Mas, Maria Caçamba disse qu’essa bichinha aí sabe fazer “colherzinha de xarope” como nenhuma outra.

– E o que danado é isso? – perguntou Inácio tirando o chapéu da cabeça para coçar o moleira com as pontas dos dedos rachados.

– E eu lá sei, Inaiço! Se tivesse trazido outra ia morrer sem saber.

Inácio quase não dormiu. A noite toda com o ouvido no fundo de um copo, o copo na parede-e-meia separando a sala de sua casa do quarto de Seu Chico do Motor. Ouviu até uns gemidos e foi só.

– Chico, hômi, me diga logo. O que é o negócio lá do xarope? Que troço é esse?! – perguntou assim que o vizinho puxou o ferrolho abrindo a parte de cima da porta, no outro dia de manhã.

Seu Chico, nu da cintura para cima, alisou os cabelos dos peitos com as duas mãos, e soltou sua voz de trovão:

– Inaiço é uma lambida entre o rêgo do boga e os ingiados dos zôvo, ali onde Nosso Senhor costurou para fechar o corpo de Adão – respondeu com ar solene, queixo para cima. E arrematou provocando inveja: – Hômi, se tiver coisa melhor, eu desconheço. Nem nunca provei nesses cinquenta e seis de vida.

No domingo Dona Anitinha, mulher de Inácio, religiosa, baixinha, gordinha, mulher do lar, branquinha feito uma santa europeia, rosto de bochechas rosadas, possuidora de um pigarro seguido de uma tosse seca desde menina, que aumentava em quantidade de vezes quando ela estava nervosa, reuniu os filhos e avisou solenemente entre pigarros e tosses:

– Estou deixando o pai de vocês – anunciou pigarreando. E emendou antes de se arrepender do discurso – De terça-feira pra cá, esse véi deu de se arreganhar pra mim, querendo que eu lhe lamba do cu pros ovos – tossiu com as costas da mão na boca.

– Painho?! Se explique! – pediu a filha mais velha, boquiaberta, olhos esbugalhados, com ar de quem não acreditava no que acabara de ouvir.

– Ô, minha fia, é só uma “colherzinha de xarope”. Se num curar a tosse de sua mãe, que matar é que num vai.


Jesus de Ritinha de Miúdo terça, 01 de outubro de 2024

À MARGEM (CORDEL DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

À MARGEM

Jesus de Ritinha de Miúdo

Versos desta colunista, revoltado por ainda existirem cenas como essa da foto abaixo:

 

 

 

A humanidade inteira
Perdeu de tudo a razão
O homem não evolui
Se não possui compaixão
Se lhe falta caridade
Se não enxerga a verdade
Na dor do seu próprio irmão.

Do que vale ter à mão
Tanta tecnologia
Discursar sobre direitos
Usando de hipocrisia?
Estamos todos doentes
De males nunca aparentes
Sofremos de “alma fria”.

Dia e noite, noite e dia
Há pessoas padecendo
De fome, sede e desprezo
Alguns vegetam vivendo
À margem da existência
E o deus homem (deus ciência)
Passa e finge não estar vendo.


Jesus de Ritinha de Miúdo segunda, 30 de setembro de 2024

…E VOCÊ NÃO CHEGA MAIS (CORDEL DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

…E VOCÊ NÃO CHEGA MAIS

Jesus de  Ritinha de Miúdo

Enquanto solto os meus ais
Sua chegada aguardando
Sinto o meu peito apertar
Sinto meus olhos chorando
Sinto que eu estou perdido
Porque não tenho sentido
Que você está chegando.

Enquanto fico esperando
Chegam dores abissais
Chegam tantos pesadelos
Chegam lágrimas brutais
Pois, dentro desse enredo
A saudade chega cedo
E você não chega mais.


Jesus de Ritinha de Miúdo sábado, 28 de setembro de 2024

OS TRAVESSEIROS DA GENTE (CORDEL DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

OS TRAVESSEIROS DA GENTE

Jesus de Ritinha de Miúdo

Quando se apagou a chama
E o nosso amor fracassou
Você sem pensar jogou
Meu sobrenome na lama.
A paixão ficou na cama
Acabrunhada e doente
Nos travesseiros da gente
Um sobre o outro colados
Respirando apaixonados
Desentendendo o presente.

Não entendem o presente
Porque são acostumados
A nos verem agarrados
Em um abraço envolvente.
Se de nós jorrava enchente
De suor, gozo em volume
Quando surgiu o ciúme
Restaram aos travesseiros
A presença de dois cheiros
Odorando um só perfume.

Se um único perfume
Perfumava a nossa cama
Nosso amor virou um drama
E o cheiro virou chorume.
Travesseiros sem queixume
Desconhecem nosso enredo
Não sabem que era cedo
Para eu chorando ceder
Se eu temia lhe perder
Te perdi perdendo o medo.


Jesus de Ritinha de Miúdo quarta, 25 de setembro de 2024

FLOR CAFÉ (CORDEL DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

FLOR CAFÉ

Jesus de Ritinha de Miúdo

 

És maravilha de encanto
Em canto, versos e prosa
Bebida maravilhosa
Para o meu paladar santo.
Quero cobrir-me com o manto
Do teu cheiro, teu sabor
Aquecer-me em teu calor,
Ao acaso fumaçando
E caso o caos ajudando
Quero te chamar de amor.

Quero sentir teu olor
Despertalar teu segredo
Um a um, logo!, bem cedo
Quero cheirar tua flor.
E se abençoado eu for
Tua pétala mais discreta
Guardarei na mais completa
E perfeita discrição
Pondo cor no coração
Deste teu pobre poeta.

 


Jesus de Ritinha de Miúdo terça, 24 de setembro de 2024

AOS POUCOS… (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

AOS POUCOS…

Jesus de Ritinha de Miúdo

Aos poucos a gente vai percebendo que o muito importante é estar bem.

Que a verdadeira alegria traz sorrisos ao coração, e refrigera o espírito.

Que simples gestos são sofisticados demais para a compreensão de quem só acha a vida não seguindo além do último suspiro.

Que cheiros, sabores e lugares são elevados pelo poder de encantamento da pessoa nos acompanhando.

Aos poucos a gente vai percebendo que a vitória do time – ou do partido – não é nada diante do choro de muitos perdidos na possibilidade e na falta de esperança.

Que não é a cor da pele, ou a deidade adorada, a tradução da bondade e do caráter de alguém. Tampouco com quem ele deita à noite para sentir prazer.

Que não importa o bairro, o valor, ou o tamanho do apartamento. Mas se é um lar harmônico.

Que o valor de um carro pode ser medido pelas mentiras ocultadas em seu interior. Custa exatamente o valor moral do seu dono.

Que a dignidade é algo da alma, nunca da sala de estar atapetada, com móveis em madeira de lei, belas cortinas e quadros caros em suas paredes.

Que não importa o valor da mesa, da porcelana, do preço do prato, se a comida servida é fruto do desespero de alguém sem mesa, ou sem louça.

Que o lamento antecede o sorriso, mas que uma gargalhada pode vir antes de uma lágrima, e o tempo cura ambos: sorriso e lágrima.

Que o sobrenome importante não vale mais, se as atitudes praticadas exigem esconder o nome.

Que a embriaguez é tão saudável quanto a sobriedade, quando ambas nascem arrumadas na felicidade.

Que o tecido fino é a mesma coisa que o algodão trançado em grosso fio. Ambos encobrem intimidades.

Que uma légua andada por pés descalços, não tem a mesma distância se for vencida por pés em sapatos. Porém, ensina muito mais.

Que a loucura – ah, a loucura! – empresta à vida o que a lucidez dá de graça à arte, e a sanidade não pode ser contada maior que a loucura.

Que o perfume não é mais saudável que o banho.

Que o sonho não é produto do sono.

Que a paixão e o amor não vivem para a compreensão.

Que a vaidade é como uma armadilha projetada para quebrar a perna de quem a arma, ou como um fogo que só pode sair pela culatra.

Que a doçura não se perde por mais que possa ser desprezada por alguém.

Aos poucos…

Aos poucos a gente vai percebendo.

Aos poucos a gente vai percebendo que o muito importante é estar bem.


Jesus de Ritinha de Miúdo segunda, 23 de setembro de 2024

ROCK SOLO EM SOLOS FÉRTEIS (CORDEL DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

Dedicado ao meu amigo de infância Marcos de Totinha, patrimônio humano da nossa terra

 

Foto enviada por @luciaspeedwoman

 

Tua guitarra não tem braço, não faz solo,
Não tem casas, não tem trastes, nem pestana,
É sem corpo, sem escudo, mas se flana
Escorada no teu peito, em teu colo.
Se tu dizes “este som eu desenrolo”
Com certeza tua mente em melodia
Faz um solo de perfeita harmonia
Sonho acorde musical, de som divino
Dedilhado desde os tempos de menino
Na guitarra da inocência e da alegria.

Se há quem ouça nesse som uma heresia
Paradoxo da inocência contra fatos
E preferem te julgar por certos atos
Eu escolho te ouvir na apostasia.
Tua guitarra imaginária apenas guia
Os teus passos e compassos inocentes
Se teus solos não se fazem tão presentes
Certamente os teus sons contêm pureza
Da tua alma recheada de beleza
E das dores que eu sei ainda sentes.

Toca um rock, meu amigo, em tua mente fértil.


Jesus de Ritinha de Miúdo sábado, 21 de setembro de 2024

CAOS(OS) - (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

CAOS(OS)

Jesus de Ritinha de Miúdo

 

Enfim…

Eu digo a vocês: quando todos estivermos amordaçados, será tarde demais para ouvirmos uma gargalhada ou, até, o som de um grito.

A beleza do canto será abafada e, talvez, vejamos todas as flores cinzas.

O alvorecer e o pôr do sol terão cores opacas. Ambos serão vistos por olhos tristes – quiçá esbugalhados – através de um quadrado enferrujado e sem sentido.

O vento não assobiará sobre os telhados. Mas, será calado por trás do mofo de algumas paredes; as dos quartos mal lavados.

O mar se transformará apenas em uma tênue lembrança, e o céu… Ah, o céu! O céu estará ainda mais distante. Tanto quanto o mar. Porque ambos, mar e céu, serão ferramentas inalcançáveis no desejo de fuga e na esperança da oração, sem que adiante sequer a tentativa da reza, ou algum lamento por nossos mortos; pois, as nossas vozes terão se perdido antes, barradas no tecido da mordaça.

E a liberdade sonhada para todos nós – para todos nós – será um benefício apenas para eles. Apenas para eles…

Os mesmos que deram os nós no tecido da mordaça, por trás das nossas nucas, transformando nossos gritos em inaudíveis sussurros cansados das nossas dores e os nossos risos em lágrimas.

As mesmas lágrimas salgando as nossas mordaças.

Mas eles não saberão do que sabemos nós: enquanto há lágrima, há também esperança.

Mesmo com uma mordaça apertada, longe do mar, distante do céu.

E já ninguém cita mais Bertolt Brecht (1898-1956), tampouco seus escritos.

É diante de tantas ações questionáveis ao direito da liberdade de sorrir e de pensar, de sentir e de falar, que eu invoco Brecht em seu poema sobre liberdade.

Ei-lo:

Primeiro levaram os negros
Mas não me importei com isso
Eu não era negro
Em seguida levaram alguns operários
Mas não me importei com isso
Eu também não era operário
Depois prenderam os miseráveis
Mas não me importei com isso
Porque eu não sou miserável
Depois agarraram uns desempregados
Também não me importei
Agora estão me levando
Mas já é tarde
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.


Jesus de Ritinha de Miúdo quinta, 19 de setembro de 2024

NEGACIONISMO (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

NEGACIONISMO

Jesus de Ritinha de Miúdo

Qual seria o conceito mais exato para “negacionismo”?

Negar a verdade contida naquele discurso contrário ao nosso, ou não aceitar o nosso próprio discurso estando caolho no debate?

Desde quando passamos a dar mais crédito à Ciência da Conveniência, e abortamos de fato a razão da verdadeira razão?

Por que as nossas meias verdades devem ser promovidas sobre a verdade factual?

Desde quando nos perdemos na necessidade de expormos nossos conceitos observando apenas um sentido do trânsito na avenida das informações?

De quem partirá a quebra do egoísmo e do infame propósito em se mostrar certo nessa tétrica queda de braços entre duas mãos agarradas sobre uma mesa de disputa se sustentando na força de meias verdades?

Como pode alguém ser presunçoso, de tal forma, a se achar verdadeiro quando segue movido pela emoção do fanatismo e na leitura incompletas?

Oh! Como é paradoxal se sentir verdadeiro, quando amparado e alocado também em meias mentiras.

Quem será humilde bastante para reconhecer que sua mão deve largar a outra nessa briga, esquecer e abandonar seus discursos quebrados e juntar a sua meia verdade à meia verdade da outra mão na construção de uma verdade completa?

Já não nos importa os velhos conselhos. A união deixou de fazer a força. O povo desunido está sendo facilmente vencido.

Cada um, no fundo, negando a si mesmo o direito à razão e ao debate pleno de conhecimento.

Eis o mais completo conceito de negacionismo.

Entretanto, uma coisa não poderemos negar no futuro: todos seremos cobrados por nossas falas, atos e, até, por nossas omissões.

Porque Deus não pode Se negar em cumprir Sua palavra. E quem O nega, no fundo se nega e sonega a Verdade.


Jesus de Ritinha de Miúdo quarta, 18 de setembro de 2024

MATA ALEGRE (CORDEL DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

MATA ALEGRE

Jesus de Ritinha de Miúdo

 

Mote e glosa deste colunista:

Toda mata festeja quando pinga
Uma gota de chuva no Sertão.

Num começo de noite abafada
Um clarão se acende sobre a serra
E dos céus, almejando essa terra,
Caem pingos descendo em disparada.
É o começo de uma invernada
Orquestrada no ronco do trovão
Alegrando com o som da explosão
Tudo quanto respira na caatinga
Toda mata festeja quando pinga
Uma gota de chuva no Sertão.


Jesus de Ritinha de Miúdo terça, 17 de setembro de 2024

CALÇADOS APAIXONADOS (CORDEL DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

CALÇADOS APAIXONADOS

Jesus de Ritinha de Miúdo

Eu e tu numa redinha
Num vai e vem compassado
Ouvindo o canto de um torno
Em um gemido arrastado
Enquanto pela janela
Vem beijar tua face bela
Um ventinho assoprado.

Assoprado do nascente
Depois de lamber o mar
Trazendo na brisa fria
Um quê de “te quero amar”
E o meu pé na parede
Empurra a nossa rede
Fazendo um torno cantar.

Cantar de pura alegria
Por nós dois ali deitados
Tu dormindo no meu peito
Eu com meus olhos fechados
Cheirando os teus cabelos
E todo ancho por tê-los
Sobre o meu peito assanhados.

Assanhados pelo vento
Entrando pela janela
Refrescando o fim da tarde
Enquanto o torno à capela
Vai seu lamento cantando
Gemendo e nos balançando
Numa cantiga singela.

Singela feito teu rosto
Tão belo sobre meu peito
Descansando do amor
Há pouco na rede feito
Invejado pelo vento
Que o torno sem movimento
Até chamou de perfeito.

Perfeito feito o quadro
Dos dois pares de calçados
Esquecidos sob a rede
Uns sobre outros deixados
Largados sobre o tapete
Ouvindo o torno em falsete
Como dois apaixonados.

Apaixonados!
Como eu e tu na redinha.

 

 


Jesus de Ritinha de Miúdo segunda, 09 de setembro de 2024

GLOSAS - 16.04.21 (CORDEL DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

GLOSAS

Jesus de Ritinha de Miúdo

Glosas deste colunista com o mote do poeta Du Leal:

Só quem é sertanejo tem noção
Da riqueza no tempo d’invernada.

O assobio do vento me chamou
D’entre as varas tiradas de um pereiro
Separando os limites do terreiro
Que papai, como cerca, amarrou.
Lá pr’as bandas da serra clareou
Uma tira de luz muito afilada
Precedeu ao senhor “pai da coalhada”
Expulsando no grito a aflição
Só quem é sertanejo tem noção
Da riqueza no tempo d’invernada.

Se o clima seguiu muito abafado
Num instante o calor senti passar
No segundo seguinte ouvi cantar
O encanto da chuva no telhado.
Todo ancho, bastante animado,
Me postei sob a lata arreganhada
Pelos anos já muito enferrujada
E que o tempo mudou-lhe a profissão
Só quem é sertanejo tem noção
Da riqueza no tempo d’invernada.


Jesus de Ritinha de Miúdo quinta, 29 de agosto de 2024

PAIXÃO DESPETALADA (CORDEL DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

PAIXÃO DESPETALADA

Jesus de Ritinha de Miúdo

 

Há muito não faço falta
No jardim da tua vida
Nos canteiros do amor
Abriu-se uma ferida
Da qual brotaram as flores
Nascidas dos dissabores
Da esperança perdida.

Nossa paixão ressentida,
Morreu, já foi sepultada
No dia do nosso adeus
Minha alma enlutada
Plantou num certo canteiro
O meu choro derradeiro
Da relação acabada.

Tu fostes rosa plantada
Com as raízes em mim
Sustentada com meus beijos
Mas, tudo chegou ao fim
Agora resta a verdade:
Não sinto a menor saudade
De quando fui teu jardim.


Jesus de Ritinha de Miúdo terça, 27 de agosto de 2024

CHORO E POEIRA (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

CHORO E POEIRA

Jesus de Ritinha de Miúdo

Foto do Instagram

 

Ontem eu vi pelas redes sociais a queda de um casarão em Caicó. E lamentei. Eu lamentei.

E não compreendi como um ato igual aquele pode ser feito numa cidade pulsando cultura, cujo campus da Universidade Federal do Rio Grande do Norte oferece há várias décadas um curso de História. De História! E fico imaginando nas barbas de quantos Bacharéis em História aquele ato foi praticado.

Não questiono e nem argumento sobre a geração de empregos (eu serei sempre a favor da geração de postos de trabalho, e da criação de riquezas). Certamente será ali um ponto comercial.

Mas, há meios de se alcançar os objetivos de lucro preservando o patrimônio de uma cidade.

Em Assu, por exemplo, o grupo de Supermercado Queiroz, com sede em Mossoró, comprou de uma lapada só algumas casinhas e um velho teatro intencionando pôr tudo no chão.

Uma lei municipal impediu essa aberração. O resultado foi a fachada do teatro preservada e uma das frentes de supermercados mais bonitas do Brasil.

Então, por aquilo que assisti ontem nas redes sociais, nasceu a poesia abaixo:

CHORO E POEIRA

Seu doutor, não foi querela
Eu chorei foi por desgosto
Quando vi na mídia exposto
O caso da casa bela.
Uma máquina amarela
Um trator sem compaixão,
Tão frio, sem coração,
Sem passado, sem história,
Desprovido de memória
Botou a casa no chão.

Não sobrou sequer um vão
Um só, seu doutor, um só!
Menos lindo o Caicó
Ficou com a demolição.
Não quero argumentação
Com quem apaga o passado
Pois, um passado apagado
Faz se perder a riqueza
Da cultura, da beleza,
Da história e do legado.

Eu vi aquele sobrado
Sob a pá da escavadeira
Chorando um choro poeira
Por cada vão derrubado.
Era um choro abafado
Pela queda de um paço
Por cada baque do traço
Perdido da arquitetura
Poeira ganhando altura
E se perdendo no espaço.


Jesus de Ritinha de Miúdo quarta, 21 de agosto de 2024

HOMO HOMINI LUPUS (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

HOMO HOMINI LUPUS

Jesus de Ritinha de Miúdo

 

Eu moro em Nova Parnamirim. Logo a Avenida Ayrton Senna é o meu melhor corredor.

Do penúltimo sinal para frente, sentido indo para o centro, é revoltante a quantidade de crianças nos sinais.

E cada dia elas estão em maior quantidade e menores no tamanho físico. Algumas de tão pequenas mal se equilibram sobre as pernas; porém, já aprenderam o símbolo universal do mendigar dinheiro: o polegar um pouquinho afastado do indicador.

Revolto-me não contra elas, ou contra seus pais escorados nos troncos de árvores, passivos e impotentes ante a fome, sob a miséria. Coitados! Essa gente é a verdadeira massa esquecida e vítima dos gananciosos e corruptos do nosso país. Dos assassinos e coveiros da esperança alheia.

Revolto-me na verdade contra os governantes nos três poderes: executivo, legislativo e judiciário.

Tanto municipais, quanto estaduais e federais.

Enquanto brigam pela razão e se acusam entre si para esconderem falhas e responsabilidades de seus governos, fazem vista grossa, desprezam e deixam à própria sorte aqueles por quem arrotam um cuidado mentiroso em seus discursos hipócritas.

Homo homini lupus” (O homem é o lobo do próprio homem). O dramaturgo romano Plautus (254-184 a.C.) já sabia disso há dois milênios! Thomas Hobbes (1588-1679), em seu clássico Leviatã, repetiu a sábia sentença milênio e meio depois. Nada havia mudado.

De Hobbes para os nossos dias o tempo contou três séculos e meio. E nesse ínterim, entre a pena de Plautus e o smartphone na minha mão, apenas a forma de saquear, escravizar e humilhar a dignidade do semelhante mudou.

E mudou para pior, porque agora é em silêncio.

LICANTROPIA SOCIAL

Enquanto o mundo caminha
De tristeza em tristeza
Eu sinto que a natureza
Do ser humano definha.
A humanidade mesquinha
Por terríveis divisões
Não procura soluções
P’ra fome do povo pobre
E ao mesmo tempo encobre
A ganância dos barões.

Eu encontro corações
Se dizendo preocupados
Com a dor dos desamparados,
Com a fome dos milhões.
Mas, de dentro das mansões
Nada fazem diferente
Eu tenho dó dessa gente
Sendo escrava da avareza
Vivendo a pior pobreza
De um coração prepotente.


Jesus de Ritinha de Miúdo segunda, 19 de agosto de 2024

TUDO QUE É SÓLIDO SE DESMANCHA NO AR (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DEE RITINHA DE MIÚDO)

TUDO QUE É SÓLIDO SE DESMANCHA NO AR

Jesus de Ritinha de Miúdo

Inspirado em mensagem recebida e vinda da parte de minha professora, a Doutora Eva Barros, orientadora do meu TCC no Curso de Administração, desabafando comigo pelo Whatsapp, eu fiz uma breve análise do que se passa em Cuba, sob o que podemos de fato saber.

De tudo que já li sobre esses conflitos atuais em Cuba, e das mensagens que eu troquei com o meu amigo Ernandes (antes do sinal de Internet dele ser retirado do ar n’A Ilha), mais me vejo divagando sobre o verdadeiro sentido das palavras “honestidade e lealdade”.

Falo da honestidade comigo mesmo quando não me engano no que penso ser verdade ou mentira, e de eu ser leal aos princípios defendidos por mim como ideais para uma vida digna de um ser humano, em qualquer lugar deste planeta.

Depois desses conflitos atuais em Cuba, vez por outra eu me pego pensado na frase do atual ditador cubano: “Haverá uma resposta revolucionária.”

Aí, tanto Eva Barros quanto eu, imaginamos o destino dos pobres que se insurgiram movidos por nenhuma das alegações oficiais do seu governo; mas, sim, dos motivos que brotaram deles mesmos, espontaneamente, impostos pela história, pela falta de liberdade e pela vida vivida em privações das mais variadas.

A mesma liberdade aclamada e defendida em qualquer lugar deste nosso planeta.
Uma liberdade buscada por milênios em incontáveis sociedades organizadas, desde que o homem (gênero) resolveu abandonar a vida nômade e se juntar em territórios depois chamados de cidades, estados e países. Nações!

Lamento por todos os cubanos da minha geração, ou aqueles mais velhos que eu em uma dúzia de anos.

Uma geração nascida e criada no regime “dos Castros”.

Geração crescida sem saber o significado amplo e real da palavra liberdade. Uma geração “castrada” literalmente em seu direito de saber a verdade dos fatos.

O que pode ser mais fake new do que uma vida inteira vivida ante a ponta da lança do autoritarismo, e sob a quarta parte do significado real das palavras?

Uma mentira jamais será meia verdade. Será sempre e apenas uma mentira inteira.

O que é sólido se desmancha no ar“, já se dizia no famoso Manifesto Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels.

Nada eu discrimino. Mas tudo eu analiso.

Aprendi isso quando eu escrevia o meu TCC sob a orientação da Doutora Eva.

E os tempos nem eram lá tão diferentes dos atuais.


Jesus de Ritinha de Miúdo quinta, 15 de agosto de 2024

GLOSAS - 28.07.21 (CORDEL DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

GLOSAS

Jesus de Ritinha de Miúdo

Glosa deste colunista, baseada no mote do poeta do Manoel Filó, Afogados da Ingazeira-PE (1930-2005):

“A morte está enganada
Eu vou viver depois dela.”

Eu sei que chegando a data
Da minha volta pra Deus
Cessarão os dias meus
Nessa terra que maltrata.
Minha alma será grata
Quando transpor a janela
Para uma vida mais bela,
Eterna e abençoada
“A morte está enganada
Eu vou viver depois dela.”

* * *

E esta é a glosa original de Manoel Filó:

Quando eu partir deste abrigo
Seguir à mansão sagrada,
A morte está perdoada
Do que quis fazer comigo,
Quis que eu fosse igual ao trigo
Que ao vendaval se esfarela,
Mas eu vou passar por ela
De cabeça levantada
“A morte está enganada,
Eu vou viver depois dela”.

 

 


Jesus de Ritinha de Miúdo quarta, 14 de agosto de 2024

CIPÓ SAUDADE (CORDEL DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

CIPÓ SAUDADE

Jesus de Ritinha de Miúdo

A saudade é o açoite
De um cipó diferente
Dilacerando o espírito
Fazendo o tempo presente
Ser só um mero estado
Porque é lá no passado
Que o cipó bate na gente.

E quando o peito sente
Essa dor nunca passando
Às vezes os olhos fecham
A alma fica lembrando
E o cipó da saudade
Bate até com mais vontade
Só para nos ver chorando.


Jesus de Ritinha de Miúdo segunda, 12 de agosto de 2024

UMA GLOSA (CORDEL DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

UMA GLOSA

Jesus de Ritinha de Miúdo

 

Mote de Troya D’Souza:

O caderno do tempo é testemunha
Dos bilhetes que fiz pensando nela.

Ante o tronco de um velho umbuzeiro
Com o meu canivete numa mão
Desenhei com cuidado um coração
E pus dentro seu nome com o aceiro.
Logo abaixo escrevi um “xis” arteiro
Pra juntar o meu nome ao nome dela
Esse tronco até hoje é uma cela
Que traz preso o amor naquela cunha
O caderno do tempo é testemunha
Dos bilhetes que fiz pensando nela.

Inspirado em uma décima do Poeta Marcílio Pá Seca Siqueira


Jesus de Ritinha de Miúdo quinta, 08 de agosto de 2024

PRIQUITO DE PEDRA (CRÔNICA DO COLOUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

PRIQUITO DE PEDRA

Jesus de Ritinha de Miúdo

Ali pelos meados dos anos oitenta, passou pelo Cabaré da Rainha, propriedade de Maria Tamborete, uma menina – na verdade nem tão menina assim – que se chamava Aparecida da Glória dos Santos.

Atributos físicos desejáveis possuía poucos, fora a boca de Sophia Loren e os olhos azuis de Xuxa.

Mas, isso quase nada importava. Era requisitada por um exercício seu e inspirador, sendo por ele que eu lhe pus em nossa turma de adolescentes o apelido de Glorinha Priquito de Pedra, depois simplificado apenas para Gê-Pê-Pê.

Explico a alcunha: quando Gê-Pê-Pê queria, dava uma trancada no pé da pomba do camarada, sendo muito mais fácil arrancar a Excalibur da pedra, que tirar o ferro de dentro dela.

Porém, meu amigo Jânio Sebinho, então aluno de Medicina no Recife, bem menos leitor de romances que eu, dizia “o primeiro pê é de ‘prende’, e o segundo de ‘pica’.”

A fama desse aperto já corria o sertão.

Certa feita, numa tarde amistosa, quente e das conversas lacônicas do mês de novembro, o velho Mané de Toinho Queixada, que chegara viúvo do Sudeste havia apenas dois dias, sabendo da fama desafiou seu compadre Ciço do Serrote dizendo “agora pronto! Pois, eu tiro meu pau na hora que quiser tirar”.

A teima começou em uma roda à mesa de cachaça na Bodega e Bar Leve Mais, de Seu Tião Caristia.

Teima vai e teima vem, apostaram a quantia de cinco garrotes e tiraram para o cabaré de Maria Tamborete, rua principal abaixo. Os compadres e mais uma turma de uns dez bebinhos, todos torcendo por Mané de Toinho Queixada; afinal, ele prometera desmanchar o produto da aposta em aguardente com limão e queijo de coalho assado.

O cabaré nem tinha aberto de fato naquele dia – ainda estava no meio da tarde – quando a passeata barulhenta chegou com Mané e Ciço à frente.

Maria Tamborete, a Rainha, só concordou em abrir a exceção cobrando uma taxa extra.

Dinheiro da aposta casado dentro de um chapéu, sobre a mesa e sob a atenção da dona do cabaré, mandaram chamar Gê-Pê-Pê.

Glorinha chegou ainda ajeitando os cabelos assanhados. Estivera dormindo desde um pouquinho depois do almoço.

Ciço lhe contou o caso da aposta e Maria Tamborete autorizou, já lhe entregando o valor extra cobrado.

– Se eu vencer a aposta, lhe pago outro extra – prometeu Ciço para ouvir um “pode deixar” de Glorinha.

Assim entraram num quarto Mané de Toinho Queixada e Simão dos Bodes, escolhido por Ciço como “inspetor da foda”.

Gê-pê-pê entrou uns quatro minutos depois.

De fora se ouvia Mané falando alto “tome rola, danada! Tome rola!”

Os bebinhos apreensivos exultaram quando ouviram o grito de Simão:

– Parece que Mané gozou!

Ciço não contou conversa e gritou de volta “agora tire o pau, que eu quero ver”, e arrematou:

– Segure aí, Glorinha, que tu num vai se arrepender.

– Agora não, que isso aqui ‘tá bom demais – gritou Mané de dentro do quarto.

E haja o tempo passar, o tempo passar, o tempo passar…

Lá para as oito da noite Ciço resolveu entrar no quarto na companhia de Maria Tamborete.

Encontraram Mané sobre Gê-Pê-Pê subindo e descendo, feito um menino de primeira foda.

– Que porra é essa, cumpádi Mané? Se não consegue tirar a pomba diga logo. Você perdeu a aposta.

– Na aposta eu disse que tirava quando eu quisesse, e eu ainda não quis – o compadre respondeu sem olhar sequer de banda.

– Glorinha, minha fía, você tá bem? – perguntou Maria Tamborete.

– Rainha, eu pensei que era para segurar só uma vez. Mas já vai bem numas cinco gozadas desse corno – respondeu meio angustiada, e acrescentou depois:

– Mas o pior nem é apertar o priquito quando noto que ele quer fugir – confessou fazendo uma caretinha.

– E o que é o pior? – quis saber a dona do cabaré.

Glorinha fez uma cara de tédio misturado com tristeza e choramingou:

– É esse outro batendo punheta quase na minha cara.

Quando disse isso deu uma relaxada e na displicência de Gê-Pê-Pê, Mané puxou a pomba para fora dizendo “eu também não aguento mais essas siriricas de Simão. Retiro-me”.

Ganhou a aposta.

Deixou o cabaré nos ombros dos bebinhos rua principal afora.

(De coisas que eu ouço sobre fatos do meu Sertão do Seridó)

 


Jesus de Ritinha de Miúdo terça, 06 de agosto de 2024

TIRANDO DA ORFANDADE (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITIJNHA DE MIÚDO)

TIRANDO DA ORFANDADE

Jesus de Ritinha de Miúdo

Na tarde do dia 16/12/2013 eu recebi por e-mail – não me lembro mais da parte de quem – a fotografia de uma moça vestida com interessante biquíni.

Na mesma hora salvei o conteúdo no meu computador pessoal e escrevi uma glosa fescenina, tendo a foto como inspiração.

O segundo passo foi enviá-la, junto com os versos para o Jornal da Besta Fubana, a fim de ser publicado na minha coluna. O que foi feito

Cerca de meio ano depois eu recebi num grupo de WhatsApp a foto com a glosa, editadas em uma montagem. Só que a autoria dizia apenas se tratar “de um poeta da Internet”.

Não sei se por displicência, ou por má vontade, quem a copiou não citou o verdadeiro autor, tampouco o lugar da Internet de onde havia copiado.

Daqueles dias de lá para os dias de cá, eu perdi as contas de quantas vezes recebi a mesma foto/montagem sem os créditos devidos.

Inclusive até no nosso grupo do Cabaré do Berto ela já foi veiculada, sendo que na oportunidade eu consegui o link da postagem original e desfizemos o mal entendido sobre “o poeta da Internet”. Infelizmente quando foi trocada a plataforma de armazenamento do JBF, tal link se perdeu.

Ontem à noite, domingo quente nesta capital potiguar, outra vez a dita foto/montagem bateu em minha porta pelo WhatsApp.

Resolvi desfazer o mal entendido de uma vez por todas, para tirar da orfandade intelectual essa glosa filha minha.

Apesar de não ser nenhuma obra prima, sinto-me no dever de esclarecer para fazer jus também ao JBF – essa gazeta dita escrota e tão amplamente acessada – que tem me dado voz e vez, mesmo eu sendo um rabiscador de versos limitado.

Fica, portanto, esclarecido de uma vez por todas.

 

 

 


Jesus de Ritinha de Miúdo segunda, 05 de agosto de 2024

PONTA VIRADA (CORDEL DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

PONTA VIRADA

Jesus de Ritinha de Miúdo

 

 

A saudade é como um prego
Fincado em madeira dura
Com a ponta virada atrás
Dificultando a soltura
Quanto mais enferrujado
Mais na madeira é colado
E com ela se mistura.

Pois, quando a saudade fura
O coração de um sujeito
Sentimento martelado
Com a ponta atrás do peito
É como um prego virado
Que enferrujou no passado…
Tirá-la não tem mais jeito.


Jesus de Ritinha de Miúdo sábado, 03 de agosto de 2024

ABSOLVIÇÃO (POEMA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

ABSOLVIÇÃO

Jesus de Ritinha de Miúdo

Não me venha pedir nenhum perdão
Prometendo voltar ao nosso leito
Penetrando de novo em meu peito
Ocupando outra vez meu coração.
Eu queria sair da solidão
Esquecendo os seus dias de errada
E dizer “volte a ser a namorada
Com quem sempre sonhei um casamento
Se você vacilou foi um momento
E merece por mim ser perdoada”.

Não consigo, no entanto, dizer nada
Nem fingir que não vivo magoado
Olvidar o seu erro no passado
Que deixou minha vida revirada.
Sua carta eu trago bem guardada
Na gaveta da minha ilusão
Hoje enxergo você sem compaixão
No instante que quase me fez morto
Vá atrás de quem só lhe deu conforto
Que eu não posso lhe dar sequer perdão.


Jesus de Ritinha de Miúdo quinta, 01 de agosto de 2024

DE VERSOS FEITOS (CORDEL DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

DE VERSOS FEITOS NO WHATSAPP

Jesud de Ritinha de Miúdo

Eu recebi do poeta Marcílio Pá Seca Siqueira:

Jesus Cristo sem máquina de lavar
Sem ter cândida, sem água, sem sabão
Tem a fórmula secreta pra limpar
Impurezas do corpo do cristão
É só ter a coragem de pedir
Que recebe de Deus o seu perdão

E lhe respondi no mesmo estilo:

Quem recebe de Deus o Seu perdão
E por Ele se encontra abençoado
Deve ser a Jesus agradecido
Por viver em um mundo renovado
Que o calvário da cruz não foi em vão
Já que pode apagar qualquer pecado.


Jesus de Ritinha de Miúdo quarta, 31 de julho de 2024

DUAS GLOSAS - 16.11.2021 (CORDEL DO COLUNISTA JESUS DSE RITINHA DE MIÚDO)

DUAS GLOSAS

Jesus de Ritinha de Miúdo

Baseada no mote:

Quem passar no castelo da saudade
Dê lembrança ao amor que já foi meu.

recebi por WhatsApp, vindo da parte do meu amigo e poeta Marcílio Pá Seca Siqueira, de quem sou fã confesso, a seguinte glosa em décima:

Tinha um jarro com flores na janela
Da casinha na beira da estrada
Uma penca de rosa perfumada
Num presente de amor que dei a ela
Mas o tempo passou e a donzela
No segundo seguinte me esqueceu
Meu sorriso alegre entristeceu
Nossa história findou bem na metade
Quem passar no castelo da saudade
Dê lembrança ao amor que já foi meu.

Aí, eu lhe respondi no mesmo estilo, seguindo o mote de domínio público:

O espelho de um velho camiseiro
Tantas vezes foi nossa testemunha
Do amor que do quarto se transpunha
E ganhava as veredas do terreiro.
Viajava depois o mundo inteiro
Mas, voltava ao quarto onde nasceu
Com o tempo cansou, parou, morreu
Ante o espelho chorando essa maldade
Quem passar no castelo da saudade
Dê lembrança ao amor que já foi meu.


Jesus de Ritinha de Miúdo terça, 30 de julho de 2024

DUAS POESIAS SE COMPLETANDO (POSTAGEM DO COLUNISTA JESUS DE RITINNA DE MIÚDO)

DUAS POESIAS SE COMPLETANDO

Jesus de Ritinha de Miúdo

 

 

O poeta tabirense Marcílio Pá Seca Siqueira enviou:

Já dizia o poeta sertanejo
Que no mesmo sertão ainda mora
A saudade é cruel e dolorida
Como a lágrima no rosto de quem chora
Mas também é delgada e passageira
Como o pingo da lágrima que se tora.

Este colunista, seridoense de Acary, no mesmo estilo lhe respondeu:

Se a saudade na gente se demora
As areias do rosto viram um leito
Para as águas correndo das cacimbas
Cada olho vertendo um rio estreito
E esses rios salgados divididos
Lacrimejam enchendo o mar do peito.

 

 


Jesus de Ritinha de Miúdo segunda, 29 de julho de 2024

FELIZ NATALzheimer! (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUSX DE RITINHA DE MIÚDO)

FELIZ NATALzheimer!

Jesus de Ritinha de Miúdo

O Alzheimer de Papai em par com os seus oitenta e quatro anos tem lhe tirado os prazeres da vida.

 

Já não joga futebol, craque de bola que foi; nem desfila pelas ruas do nosso Acary com o seu trombone de vara, ou marcando o compasso na tuba ou, ainda, por último atendendo as ordens médicas estalando os pratos, presente lá atrás na bateria da filarmônica; tampouco grita mais os leilões em benefício da padroeira de sua devoção; não “canta” mais um bingo, esperando entregar a melhor premiação para alguém mais necessitado…

Na verdade Papai tem esquecido o meu nome frequentemente, e aquele prazer de nos sentarmos à calçada para prosearmos sobre o passado tem ficado cada vez mais raro de memórias.

À medida que Papai vai saindo do nosso mundo, eu escolhi ir entrando no dele.

O dele!

Cada vez mais restrito de emoções, e se recheando dos vácuos em suas lembranças.

Puro paradoxo.

Papai vai virando garoto na mesma pressa e proporção que eu vou envelhecendo augurando ser para os meus aquilo que ele sempre foi para mim: um exemplo.

De uma coisa, no entanto, Papai não esquece: do seu “pão italiano” como sempre chamou panetone.

Nas nossas despedidas, quando eu lhe peço a bênção para voltar à capital Natal, tantas vezes ele não lembra o meu nome. Não esquece, porém, de pedir:

– Quando vier de novo, traga meu pão italiano – e completa – o amarelo!

Querendo dizer Bauducco.

Dessa vez eu trouxe o maior dos pães italianos amarelos para ele.

A sua alegria em abrir o pacotão (“ô, pacotão!”), seu sorriso infantil denunciando a felicidade, seu olhar de menino recebendo o presente esperado… Ah! Não tem dinheiro que pague.

E eu fico pensando que não há Alzheimer conseguindo separar o mundo de Papai do meu, ligados que são pelo sangue e por esse prazer que ele chama simplesmente “pão italiano amarelo” e eu sei na verdade se chamar divinamente Panetone Bauducco.

Feliz Natal? Eu tive!

Vivido na alegria de Papai.


Jesus de Ritinha de Miúdo sexta, 26 de julho de 2024

ZÉ BRABO (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

ZÉ BRABO

Jesus de Ritinha de Miúdo

Zé Brabo (foto), caboclo sincero, honesto, sertanejo trabalhador e sem papas na língua, cujo apelido escondia a pessoa mansa e cordial que era na verdade, um dia me deu um belo ensinamento.

 

Eu gostava de conversar com Seu Zé, pois ele tinha expressões engraçadas e as mantinha em uso em seu linguajar simples de sertanejo arretado. Era o sertanejo em seu fiel estilo sertanejo. Não se envergonhava de ser o que era, um sujeito autêntico e de raízes fincadas no solo da, digamos, impaciência com certas coisas, para não dizer ignorância. Afinal, seu Zé fazia o melhor ícone do tipo “pergunta imbecil, tolerância zero!”.

“Eu num fico de prosa com gente que não sabe conversar as sabenças do sertão, ou com sujeito metido a doutor”, me disse certa vez.

Mas com Zeca de Seu Aurino ele se superava. Ia dizendo certos nomes de doenças e seus sintomas e gostava de ouvir do amigo médico os nomes científicos. A cada nova palavra, que ele nem sempre conseguia repetir, Seu Zé perguntava “e é?”. Mas depois falava que era muito mais fácil dizer como ele dizia e pronunciava a forma popular do nome da patologia. “Infecção generalizada, e é? Num é mais fácil dizer macacoa, não?”.

Avaliando hoje em dia aquele seu jeitão, Seu Zé não era nada de nada ignorante, ele era muito sabido e, com sua forma de tratamento, atraía para si a admiração de todos!

Eu gostava de ficar lhe enchendo o saco até ele se chatear e me mandar ir caçar “nin de avião”, uma vez que comigo ele não chamava palavrões. No máximo ele dizia comigo “fela da gaita”, não obstante, em alguma distração chamar logo era de “fela da puta” mesmo. Mas duvido que tenha ocorrido uma vez sem um pedido de desculpas quando já nos despedíamos.

Pois bem, quando nos encontrávamos, e ele me perguntava como eu estava, queria sempre ouvir um “muito bem”. Outra resposta e ele soltava quase uma ladainha perguntando se eu estava com saúde, se ainda tinha mãe, se ainda tinha pai… essas coisas.

E como eu sabia que ele não gostava de receber outra resposta? Uma vez, avistando-o ali pelo coreto da praça, fui ao seu encontro e lhe cumprimentei:

– Como vai, Seu Zé?

– Muito bem – respondeu-me seco com o vozeirão rouco. – E você, esse menino, como está?

Eu inventei de responder, não sei o porquê, que ia tudo mais ou menos. Ora, ele arregalou os olhos, agitou-se e me ensinou:

– Menino! Mais ou menos é medida de cu!

E eu lá ia pedir a fórmula da equação provando a sua tese? Preferi acreditar na sabença do velho sertanejo Zé Brabo. Se ele falou, estava falado.

Aprendi!


Jesus de Ritinha de Miúdo quinta, 25 de julho de 2024

PEDRO BELUGA (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

PEDRO BELUGA

Jesus de Ritinha de Miúdo

Final da tarde de ontem, após uma passagem rápida no Sebo Vermelho e um aperto de mão caloroso no meu amigo Abimael, eu procurei um lugar no centro de Natal para merendar.

Partindo da larga avenida Rio Branco, fui entrando e saindo de ruas, vielas e becos, entre gritos de vendedores, pedintes e outras pessoas existentes e fazendo do centro de qualquer capital um ambiente, por si, atraente do ponto de vista humano em suas variedades, dificuldades, lutas, perseveranças e – por que não? – alegrias de viver.

Daí, nessa minha caminhada, fui me ver em uma rua sem trânsito de carros, muito mais um beco aberto que rua propriamente dita, com algumas lanchonetes bem arrumadinhas, limpas e organizadas.

Ante uma delas, a que escolhi e sentei para merendar, essa figura do vídeo acima me despertou a atenção.

Ora! Como eu aprecio o artista!

O artista jovem sem nome e sem sobrenome piscando em grandes painéis. O artista cujo palco é a rua, a praça, um beco! O artista quase invisível, se avistado, olhado e admirado não fosse por passantes. O artista sem espaço na grande mídia e sem direito real ao Real dos incentivos dos governos. O artista digno da real apreciação no Real de moedas e cédulas de pouco valor deixadas em sua “caixa da bondade”. O artista fazendo de sua arte a realidade do seu ganha pão honesto. O artista também, sem a vergonha de se mostrar artista. É a simplicidade desse artista que me enche especialmente os olhos!

Eu fui me aproximando para deixar cair na “caixa da bondade” a minha contribuição.

Depositada lá a quantia muito menor que a minha boa vontade, inquieto que sou, perguntei logo ao artista após lhe desejar boa tarde:

– Qual o seu nome?

– Pedro – ele respondeu quase comendo a minha última palavra.

– Pedro – eu repeti.

E novamente ele engoliu parte da minha voz para se corrigir.

– Pedro não! Beluga!

E rimos juntos apertando as mãos.

– Pedro é o homem. O artista. Beluga o personagem. A criação de Pedro – eu falei.

– Desse jeito – ele assentiu.

Voltei e sentei à mesa enquanto a minha Vigélia lá dentro fazia o pedido da merenda.

Fiquei observando aquele rapaz encantando crianças, rodopiando sobre seus patins, indo numa mesa, noutra, e transmitindo alegria para quem passava, quem estava sentado… Principalmente às crianças por perto.

Até o casal que brigara havia poucos minutos, pela demora da senhora em chegar ao lugar combinado, sorria esquecido das farpas trocadas.

E assim o meu final de tarde foi mais colorido e musical.

Beluga deixou minha alma em paz.

– Beluga, toca Czardas, de Vittorio Monti? – perguntei esperando a minha mulher terminar de merendar.

Pedro arregalou os olhos.

– Um pouco, senhor – ele me respondeu já arrumando novamente o violino, como se dissesse que para Czardas o instrumento deveria estar mais perto do rosto, alinhado ao coração. E completou: – Faz tempo que não toco.

Ajeitou-se todo quando eu perguntei se podia lhe filmar, dando permissão através da linguagem corporal.

Tocou um pouco, e eu gravei a metade.

Depois Pedro me confessaria:

– Estranhei alguém aqui conhecer Czardas pelo nome – e acrescentou: – Grata surpresa.

Nos despedimos com um “boa sorte” gritado por ele, e um “Deus te abençoe” como minha resposta.

Quem quiser ver Beluga introduzindo Czardas, assista ao vídeo abaixo:

 

 

 

 


Jesus de Ritinha de Miúdo quarta, 24 de julho de 2024

UM PRESENTE ESPECIAL DE DEUS (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

UM PRESENTE ESPECIAL DE DEUS

Jesus de Ritinha de Miúdo

 

Gostei de ver essa imagem. Juro!

Fui seu vizinho durante três anos. Tempos da fábrica de camisas.

Um dia de manhã, quando eu já havia falido literalmente, estava sozinho sentado no meio fio. Uma vontade imensa de chorar, pensando em minha Vigélia e nos quatro menores lá em casa. Um ainda de braços.

Feira por fazer, energia cortada, banco me ligando, ex-funcionários me pondo na justiça, cobranças e pensamentos desalinhados pelas tantas preocupações, dissabores, aperreios… Desespero!

Eu estava praticamente para enlouquecer de tristeza, de falta de ânimo e de desesperança. Não tinha ninguém a quem recorrer. Sentindo-me abandonado não apenas pelos amigos, mas também por Deus.

Tudo que eu via naquele momento de cabeça baixa, literalmente, era uma folha seca entre a minha alpercata e o paralelepípedo da rua.

Mas Deus não havia me esquecido.

De repente senti um toque em minha orelha. Um toque delicado, batendo compassada e carinhosamente.

Alguém havia deixado a porta aberta, enquanto voltou para pegar algo esquecido dentro de casa e Matheus saiu na frente. Se aproximou pelas minhas costas e fez o carinho.

Eu olhei para cima e o vi. Especialmente gigante. Um anjo sem asas, de carne, de osso, de sentimentos puros, tocando em minha orelha em contatos rápidos com a ponta de algum dedo.

Sério como se quisesse dizer em seu silêncio e olhar sereno “Deus me enviou para lhe dizer que você não está só.”

De fato. Deus havia enviado Matheus. Para mim. Enviou para nós.

Matheus!

Matheus cujo significado é “presente de Deus”.

Assim ficamos nos encarando. Eu chorando em silêncio, ele tocando minha orelha. Calado. Compreendendo e me auxiliando em minha dor. Alheio ao milagre se realizando.

Quando o levaram dali, de mim, entrei no prédio da fábrica e chorei tudo quanto podia chorar.

Mas agradeci a Deus por seu presente.

Os toques leves de Matheus em minha orelha haviam tirado toneladas dos meus ombros.

Deixaram apenas um riacho de lágrimas e um mar de esperança que dias melhores viriam. E vieram!

Essa lembrança sempre me enche os olhos.

Agora, vendo sua imagem e lembrando daquela manhã, me faço em riachos novamente. No entanto, hoje as lágrimas são de alegria e gratidão – por que não? – primeiramente a Deus, depois a Matheus.

Por sua saúde. Por vê-lo bem.

Por tudo!


Jesus de Ritinha de Miúdo segunda, 22 de julho de 2024

DUAS GLOSAS - 07.02.22 (CORDEL DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

DUAS GLOSAS

Jesus de Ritinha de Miúdo

A poetisa Constância Uchoa, caicoense de Mossoró, sempre muito inspirada e gastando o dom de usar as palavras como poucas pessoas, criou e me enviou há cerca de ano o seguinte mote:

“Quem se cobre de sonhos se descobre
Muitas vezes coberto de ilusão.”

Por acaso ontem eu voltei a ter contato com os versos do mote, e desenvolvi duas glosas a partir deles.

E nelas eu disse bem assim:

Seu amor foi quimera, pouca chama,
Assombrando um pouquinho, nada além
Foi faísca apagada, fogo sem
O poder de queimar lençóis de cama.
Acendeu labareda só da fama
De ser mais que o calor na combustão
Seu desejo é pavio de lampião
Sem o gás alcançar, é fogo pobre
“Quem se cobre de sonhos se descobre
Muitas vezes coberto de ilusão.”

Foi um facho de luz a incomodar
Prometendo esquentar, não esquentando
Que jurou me abrasar, não abrasando…
Se apagou muito antes de queimar.
Seu amor foi somente um debochar,
No desdém esfriando essa paixão,
Num problema de amar, sem solução,
No desejo de gozo em falso exprobre
“Quem se cobre de sonhos se descobre
Muitas vezes coberto de ilusão.”

 

 


Jesus de Ritinha de Miúdo sábado, 20 de julho de 2024

VIDA EM MOVIMENTO (POEMA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

VIDA EM MOVIMENTO

Jesus de Ritinha de Miúdo

 

São duas crianças minhas
Visão que o meu peito aquece
Se meu pai me deu seu colo
Meu neto em meu colo cresce
No movimento da vida
Um me serviu de guarida
Do outro sou alicerce.

Se o neto de mim carece
Vou usando o tempo meu
Para lhe dar as lições
Que um dia papai me deu
E a vida segue assim:
Um aprendendo de mim
O que o outro já esqueceu.


Jesus de Ritinha de Miúdo sábado, 13 de julho de 2024

A MÍDIA QUE PRENDE E ABATE (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

A MÍDIA QUE PRENDE E ABATE

Jesus de Ritinha de Miúdo

As palavras, caríssimo leitor, quando intencionadas ao caos, ou são mal interpretadas, conduzem apenas ao abismo. A multidão já não interpreta mais; nem palavras, nem números.

As palavras gentis e disfarçadas de uma hoste manobrando uma massa nesse país virtual, para mim, é um crime contra o patrimônio moral da nossa sociedade – falando em nação brasileira.

E o nosso povo – essa é uma impressão minha, que nada sou e nada tenho – jamais foi tão conduzido ao pasto deficiente de nutrientes cognitivos, ou encurralado para o abate quanto hoje. O mugido de suas vozes, embora a deficiência do pasto seco e a eminência do tiro na testa, mescla um quê de satisfação e de impotência.

E a voz desse povo, arrimada nas palavras ouvidas dos seus condutores – por certo! – não é a voz de Deus.

As palavras e os cânticos desse povo nos passam a impressão da aquiescência e a visão dessa realidade como boa. Já o ferro dos seus chocalhos parecendo mais sábio que eles, entretanto, chega a nos enviar um “tengo-lengo-tengo” dolente e sem esperança.

E enquanto houver o desrespeito ao ser humano, mormente pelas mentiras levadas ao povo, os índices nos envergonhando serão menos debatidos. Eles, os ditos índices, estão sob uma camada pulverulenta da mais vil tirania: aquela se apossando da consciência dos homens.

Há de se debater as estúpidas paixões e o fanatismo desenfreado, envolvendo os três pilares do ópio e vício do povo mais paupérrimo de bom senso: política, futebol e religião. Alinhados e aliados dos condutores, são como um complemento jogado para emprestar gosto ao pasto. Mas, vão cegando até alguns nominados inteligentes. E o pior! Muitos nesse rebanho ousam pensar em si como vaqueiros.

Nós observamos de fora esse quadro tétrico e temos um mugido diferente. Nós os estarrecidos, no entanto, somos marginalizados e rebaixados à burrice. Somos como carne de quinta, sem gosto, sem serventia, prurida… que em se degustando mata!

Somos gado naturalmente morto.

Quanta inversão de valores. Aliás, de palavras.

Sem palavras!


Jesus de Ritinha de Miúdo terça, 09 de julho de 2024

O NASCER DE UMA ESTRELA (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

O NASCER DE UMA ESTRELA

Jesus de Ritinha de Miúdo

A crônica abaixo é da pena sensível de Teresa Oliveira, escritora lançando sua primeira obra, advogada, ativista da causa autista no RN, humanista e funcionária do Tribunal de Justiça da Paraíba.

Será parte das quarenta e cinco crônicas alicerçadas na saudade da autora no livro “Gentil, verás que um filho teu não foge à luta”, contando a história do pai dela, Dr. Gentil Oliveira, médico e político potiguar, assassinado em 1989.

O livro será lançado no dia 27/Maio/2022, conforme informações que estão no final desta postagem.

* * *

O INÍCIO DO INÍCIO – Teresa Oliveira

O quarto era iluminado por um abajur de renda francesa. Entre a mobília, toda em estilo Luiz XV, reinava soberana uma penteadeira cheia de significados. Sobre ela ficava o talco usado pela minha avó Elita, cujo cheiro ainda familiar, me causa uma das melhores saudades olfativas. Fecho os olhos e sinto!

Alta, magra, elegante e de uma fidalguia peculiar à sua figura, assim era ela, a mãe do meu pai.

Nas minhas doces e ternas lembranças, eis que ela aparece magnífica. Ao acariciar os meus cabelos, não titubeava em lamentar a velhice e a impossibilidade de me ver adulta.

Chamava-me carinhosamente de “mulher bonita”; pois, segundo ela, eu era dona de traços afilados e rosto de boneca.

Tantas vezes vejo-me nela, seja na luta, na coragem, na forma de enfrentar a vida, sem medo e sem melindres, seja na velha penteadeira herdada por mim e guardada com o zelo dos objetos, senão santos, com significados inenarráveis.

Felipe Alves de Oliveira e Elita de Paiva Barreto viveram uma história de amor ímpar, e não é segredo para ninguém: eles são para mim uma fonte inesgotável de inspiração. Eles eram os pais de Dr. Gentil.

Meu avô era agricultor, homem calmo, prudente, paciente e muito trabalhador. Com suas mãos calejadas pela labuta diária construiu as cercas do velho Sítio Carnaubau, manuseando o arame farpado com a mesma maestria que um poeta manuseia uma caneta.

Da união vieram cinco filhos. Todos nascidos no sítio. No entanto, tão logo precisavam estudar, eram enviados para a cidade com esse fim.

De Alexandria à Natal, de Natal à Recife, os irmãos desbravaram o mundo e venceram na vida.

Hoje, conversando com o primogênito, Francisco Paiva de Oliveira, gozando ele de saúde e lucidez no auge dos oitenta e tantos anos, senti a alegria de um homem se orgulhando em relembrar o passado de lutas, conquistas, lágrimas e vitórias.

Definiu a mãe como uma mulher justa, que, sem meias palavras ou meias verdades, lhes ensinou o valor do trabalho honesto na vida de qualquer ser humano.

Em relação ao pai, Chico Paiva relembrou o esforço e a luta de um agricultor nunca admitindo seus filhos segurando sequer o cabo de uma enxada. Meu avô agricultor sonhou plantar grande. Colheu grande.

Naquela época, onde só os filhos de famílias tradicionais tinham condições de estudar na capital, filho de agricultor ser doutor era um desacato.

Pois bem, o filho mais velho abriu os caminhos e cuidou dos demais. Fez o serviço completo, incluindo até o caçula.

Quando fala no assunto, Chico Paiva se vê emocionado e diz que tinha meu pai como um filho.

Francisco fixou residência no Recife, vivendo na Veneza Brasileira até os dias atuais.

Com o peito estufado de orgulho, me disse que o meu pai passou no primeiro vestibular na melhor faculdade de Medicina do Nordeste.

Perguntei o que ele sentia quando se lembrava do irmão caçula e, com a voz ainda embargada pela saudade, respondeu-me: “Ele era inteligente, tinhoso, gostava de política e tinha uma bondade imensa. Me obedeceu em quase tudo, só me faltou com respeito quando teimou em morrer antes de mim.”

As últimas palavras precederam um soluço. O meu.

 

  • * *

 

 


Jesus de Ritinha de Miúdo segunda, 08 de julho de 2024

LOUVOR ÀS MÃES (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

LOUVOR ÀS MÃES

Jesus de Ritinha de Miúdo

Neste dia de louvar todas as mães, eu trago do livro Gentil, verás que um filho teu não foge à luta – que eu tive o prazer de organizar os textos – da escritora potiguar Teresa Oliveira, uma das crônicas mais belas que li nos últimos tempos, quando o amor é evocado através de gratidão e saudade.

No texto que seguirá abaixo, Teresa Oliveira nos traz aquele olhar apurado sobre a mãe. Um olhar maduro com a mais genuína sinceridade.

A crônica é, na verdade, além da comprovação do talento natural da autora para a literatura, uma leitura de agrado à alma. Também mostra através da personalidade forte deixada em cada entrelinha pela autora, a fortaleza moral que todas as mães possuem em suas gêneses. Porque não existe mãe diferente, todas as formas morais são iguais. Salvo as experiências pessoais da autora e sua mãe, todo o texto é um louvor magnífico à alma de qualquer mãe responsável no ambiente familiar.

Voltando um pouco ao livro em si, não me furto em dizer, foi escrito com o coração de uma filha devotada à família. É emoção, saudade e lirismo desde o título na capa, até o ponto final da última frase.

* * *

A saudade dela também dói em mim

O tempo é amigo de sua memória e a sua história ficou gravada no coração do seu povo.

Com Dr. Gentil na retaguarda, peço licença ao meu pai para quebrar o protocolo desta obra e oferecer a minha eterna saudade por aquela que me ensinou a transformar luto em luta: Maria Teresa Fernandes de Sousa Paiva, minha amada mãe.

Mulher guerreira, destemida, buscou pautar sua existência em valores e princípios maiores do que os desafios impostos pela árdua jornada de uma viuvez na casa dos trinta anos e, por outros trinta anos, ocupou o duplo papel de pai e mãe da forma mais sensata e equilibrada que alguém pode fazê-lo.

Viveu intensamente um testemunho de fé e humildade, confiando sua vida e a vida dos seus nas mãos do Pai Celestial. Ajoelhada aos pés do altar do Senhor, sempre nos manteve de pé.

Nós duas travamos muitas batalhas juntas, ela no silêncio que lhe era peculiar e eu na coragem alicerçando-me das minhas entranhas. Sabíamos as entrelinhas e os avessos de tudo que fazíamos e planejávamos.

Falsa modéstia colocada totalmente à parte, se hoje me considero uma das mulheres mais destemidas que conheço, certamente devo ter aprendido muitas lições com mainha. Muitas coisas, decisões e atitudes tomadas por ela entre sorrisos, hoje eu as faço sangrando. Mas, seus ensinamentos me dando resiliência estão valendo. É o que importa. É o que eu tenho no passar das horas diariamente.

Em 11 de abril de 2019, estávamos nos despedindo, tempo que deixamos a vida seguir seu curso e seu custo. A resiliência veio do alto e a coragem de continuar a luta vem daquilo aprendido com ela, engolir o choro, erguer a cabeça e olhar o futuro.

Confesso andar fraquejando vez por outra, não se fazem mais mulheres como antigamente, isso é fato! Amanhã, quem sabe eu consiga caminhar com passos mais firmes porque hoje, só ficou a certeza de que nunca mais seremos os mesmos sem a presença física de quem demonstrou atos de extrema bravura até na hora de morrer.

Nos corredores do Hospital Esperança, em Recife – PE, conversamos pela última vez. Na porta da UTI, com meus dedos entrelaçados aos dela, rezamos juntas uma Ave Maria.

Percebendo a minha voz cortando e as minhas mãos geladas, engoliu a dor mais uma vez. Segurou-me pelo pulso e olhando para mim, sem derramar uma lágrima sequer, pronunciou suas últimas palavras:

– Deixe de choro, minha boneca. Vai dar tudo certo. Deus lhe faça feliz e Nossa Senhora da Conceição lhe acompanhe. Vá para casa descansar e não esqueça de cuidar dessas olheiras.

Com o polegar estirado para cima, foi-se UTI adentro. As portas fechadas sinalizaram a minha orfandade pela segunda vez. O chão se abriu, o mundo caiu, as luzes se apagaram e eu me quebrei em infinitos pedaços. Roguei aos amigos para que me sustentassem em orações.

Mulher forte, árvore frondosa com raízes pautadas no bem e na paz. Tive que reaprender a caminhar.

Em meio ao caos, tentei ressignificar aquele momento que tão somente a dor era minha fiel escudeira. Chorava, rezava e perguntava a Deus como seria a minha vida dali em diante. Até agora, não tive as respostas para os meus questionamentos e a minha inquietude permanece latente até nos domingos mais serenos.

Dias difíceis, mãe! A certeza é só uma, a saudade não é amenizada pelo tempo e o coração aperta quando me lembro que não estaremos juntas na missa de Sábado de Aleluia, esperando o acender das velas para fazermos nossas promessas no altar da Matriz de Nossa Senhora da Conceição.

Ao pé do meu ouvido, fiz uma tatuagem em sua homenagem, uma flor do deserto, já que as duas guardam a semelhança de florescer em todas as estações do ano.

Antes de fazer esse desenho, pensei em colocar a inicial dela junto com a de painho, que tatuei no pulso esquerdo quando conseguimos da justiça dos homens o papel de Justiça, e assim, fechamos esse ciclo em nossa vida. Mas, escrever a inicial dela, junto ao nome de Dr. Gentil não seria justo.

Maria Teresa, mulher que, por mais de três décadas, viveu e sobreviveu sem o marido, numa missão triplicada, injusta, cruel, indócil e hercúlea para uma mulher tão jovem. Mainha subsistiu com maestria e, fazendo de sua existência um tributo à maternidade responsável, criou e formou três filhos, enfrentou a viuvez de cabeça erguida, ensinando-nos que a felicidade plena está em nós mesmos.

A ela, ainda tão viva em minha memória e em meu coração, hoje mando as flores mais lindas, seguidas da saudade mais profunda e da admiração que enquanto vida eu tiver, escreverei com A maiúsculo, porque o amor só sobrevive de forma legítima quando tem a admiração como pré-requisito indispensável.

A saudade vez por outra se descortina me fazendo chorar. Saudade acumulada é sinônimo de coração doído, lágrimas entrelaçadas de dor descendo face abaixo sem sequer me dar a chance de enxugá-las.

Não dá tempo, é choro demais da conta. Certo dia, vesti uma roupa dela para trabalhar, sempre que faço isso, recebo elogios por estar elegante e por me parecer cada vez mais com ela.

Desde que ela se foi, uso um anel de cruz que ela não tirava do dedo, mulher que materializava a fé até nos adereços. Normalmente não sofro quando me arrumo igual a ela, mas hoje foi diferente, olhei o anel no meu dedo e imaginei quantas cruzes carregadas com a leveza de um olhar sereno seguido da coragem de enfrentar a vida na sua mais profunda desordem.

Refletindo sobre o calvário de minha mãe em plena quaresma de 2022, tenho cada vez mais forte a certeza do caminho dela sendo repleto de muitas pedras; mas, foi perfumado com as flores exaladas pela sua alma.

Como diz o poeta: “Mulher, Mulher, da escola em que você foi ensinada, jamais tirei um dez, sou forte, mas não chego aos seus pés.”


Jesus de Ritinha de Miúdo sábado, 06 de julho de 2024

AH, SE DEUS… (POEMA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

AH, SE DEUS…

Jesus de Ritinha de Miúdo

Por que eu não nasci flor
Pequena e delicada
De pétala fina e rosada
E de singular olor?
Se Deus fizesse o favor
De em flor me transformar
Quem sabe eu fosse ficar
Em tua orelha, bem presa,
Usando a tua beleza
Para a minha enfeitar.

Ah, se Deus…

E quem pudesse olhar
Eu por trás da tua orelha
Perceberia a parelha
Que só Deus pôde criar.
Talvez fosse divagar
A história que ali se dava
Eu de ti me aproveitava
Inalando o teu bom cheiro?
Ou tu vieste primeiro
E com prazer me cheiravas?

Ah, se Deus…


Jesus de Ritinha de Miúdo quinta, 04 de julho de 2024

DÊ-ME ATENÇÃO (POEMA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDOo

DÊ-ME ATENÇÃO

Jesus de Ritinha de Miúdo

Não me mate aos pouquinhos de saudade
Nem me deixe morrer de solidão
Tenha pena de mim, dê-me atenção,
Me dirija a palavra por bondade.
Se ainda lhe resta caridade
Se por Deus você tem qualquer temor
Deixe eu ver o seu rosto, por favor,
Ou ouvir sua voz num simples oi
Não evite falar com quem já foi
Tantas vezes chamado meu amor.

Tantas vezes chamado meu amor.

Mande logo notícias para mim
Vem matar toda minha ansiedade
Pois, se for pra viver nessa saudade
Eu prefiro morrer, não vivo assim.
Se você não mandar será meu fim
Na tristeza, no choro, no clamor,
Minha vida tem sido um dissabor
Pouco a pouco morrendo desprezado
Me lembrando que fui lá no passado
Tantas vezes chamado meu amor.

Tantas vezes chamado meu amor.


Jesus de Ritinha de Miúdo quarta, 03 de julho de 2024

NÃO É POESIA. NÃO É POEMA. É APENAS UMA BREVÍSSIMA CONSTATAÇÃO SOBRE A VIDA (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

A vida sempre é melhor sob os delírios da alma.
Sob a certeza de que nada é certo. Nem errado. Tampouco feio. Ou bonito.
Saber que no tudo há muitos nada. Que o nada muitas vezes é o tudo na vida.
Que a loucura nada mais é que um sobejo da lucidez. Um sopro do extraordinário.
E que a simplicidade é o limite mais próximo de uma vida feliz.
Nada melhor que sonhar que se vive o impossível. No pódio do inalcançável.
Nada mais fascinante que viver sem existir. Algo. Alguém. Tudo é como um conto bem escrito.
Às vezes…
A vida é um delírio fantástico das reticências. Bom é acreditar nela. Na vida. Com pontos finais. Com reticências.

Bom é acreditar que se é capaz. E ser.
E que o caos de vez em quando se organiza em nosso favor.


Jesus de Ritinha de Miúdo quarta, 26 de junho de 2024

APAREÇA (CORDEL DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

APAREÇA

Jesus de Ritinha de Miúdo

Se você não aparece
Que graça tem o meu dia?
Vai-se embora a esperança,
Leva junto a alegria,
Foge também a vontade
E fica só a saudade
Do tempo que eu lhe via.

De quando aparecia
E sorrindo me olhava
Era como uma chuva boa
Todo feliz me deixava
Sua menor atenção
Enchia meu coração
De poesia me encharcava.

Enquanto você passava
Meu olhar lhe acompanhando
E seu nome bem baixinho
Eu ficava só chamando
Pedindo no pensamento
Que você por um momento
Para trás ficasse olhando.


Jesus de Ritinha de Miúdo terça, 25 de junho de 2024

O TEMPO É UM CAMINHO DE IDA (CRÔNICA DO COLUNISTA JOESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

O TEMPO É UM CAMINHO DE IDA

Jesus de Ritinha de Miúdo

 

Se acreditou quando falaram para você que “a vida dá muitas voltas”, você não passou de um tolo.

Se ainda acredita, continua tolo. Desculpe-me.

A vida é um processo em linha reta, sem curvas, sem bifurcações reais, sem voltas. Porque até o que se repete nela, retorna à existência em um espaço temporal diferente.

E o tempo, esse senhor de todas as coisas, de toda a razão e verdade, é um elemento sem voltas, sem curvas, sem marcha à ré, e seus círculos fechados não passam jamais da visão acompanhando os ponteiros consultados em um relógio analógico. E só.

São as únicas voltas do tempo, essa conotação usada no pulso dos homens, nas paredes das salas ou nas torres dos templos, medindo e informando sobre o caminhar à frente da humanidade em algum espelho das horas.

E nesse andar tenha todo cuidado com suas palavras e promessas.

Dê aos seus semelhantes, mormente aos próximos, o beneplácito da confiança mútua.

O que prometeu, você cumpra. Não piore para os outros essa viagem sem voltas chamada de vida, dando-lhes falsa esperança, e iludindo-os com mentiras, porque você não quis se calar quando o silêncio pediu passagem através do tempo.

Seja tolo sozinho. Se quiser. Mas não entregue ninguém à tolice.

Não compre amizades. Conquiste-as. Depois lhes seja leal cuidando em não perdê-las por negligenciar a confiança em você depositada.

E já que a vida não dá voltas, tampouco possui curvas, adiante-se ao tempo todas as vezes necessárias, desde que seja para um pedido de desculpas. O solicitar ou o conceder de um perdão.

Quiçá a inteiração da verdade.

Saiba: os dias não se repetem em absolutamente nada. Nada!

Portanto, não deixe arestas para aparar depois.

Você não terá tempo de voltar às sobras das coisas, simplesmente porque a vida não dá voltas.

E o tempo nunca retrocede.

(A foto acima mostra parte da Highway 10, estrada que tem a mais longa reta do mundo. Está na Arábia Saudita, entre a cidade de Haradh e a fronteira com os Emirados Árabes, próximo dos limites com o Catar. Este trecho compreende uma reta de 260 km, em um espaço plano do deserto Saudita, sem curvas no caminho).


Jesus de Ritinha de Miúdo segunda, 24 de junho de 2024

À DERIVA (POEMA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

À DERIVA

Jesus de Ritinha de Miúdo

Eu busquei por você desesperado
Encontrei só vazio e muito medo
A procela da angústia logo cedo
Tomou conta de mim, pobre coitado.
O meu mar sem você anda agitado
Eu buscando singrar nessa paixão
Já icei minhas velas, foi em vão,
Esperei pelo vento, não ventou
“Sou um barco largado que ficou
Atracado no cais da solidão.”

Já dei voltas tentando reencontrar
Um amor que perdi lá no passado
Vou correndo, voando… vou a nado
Eu não acho, nem paro de buscar.
Já me dói não poder lhe abraçar
Desse amor infeliz eu sou cativo
Sua fuga eu não sei qual o motivo
Aceitá-la, meu bem, eu não aguento
Abandono de amor é sofrimento
Neste mar de revoltas no qual vivo.

* * *

Observação:

Na primeira parte da poesia deste colunista encontramos os versos “Sou um barco largado que ficou / Atracado no cais da solidão”, sendo eles um mote criado pelo poeta Júnior Monteiro.


Jesus de Ritinha de Miúdo sexta, 21 de junho de 2024

DUAS GLOSAS - 10.07.22 (CORDEL DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

DUAS GLOSAS

Jesus de Ritinha de MIúdo

Bebo, fumo, jogo e danço
Sou perdido por mulher.

Mote de Moyses Sesyom, seridoense potiguar de Caicó

Pra quatro coisas balanço
Com coração peregrino
É que desde bem menino
Bebo, fumo, jogo e danço.
No mundo assim avanço
Até onde eu puder
E enquanto o dinheiro der
Não deixo a putaria
Nem essa vida vadia
Sou perdido por mulher.

A vida não tem remanso
Entre o sonho e o real
E eu tendo o capital
Bebo, fumo, jogo e danço.
À noite chega, eu me lanço
Numa vereda qualquer,
Se de grana dispuser,
Para um baixo meretrício
Pois, tenho um quinto vício
Sou perdido por mulher.


Jesus de Ritinha de Miúdo quinta, 20 de junho de 2024

ORLANDO TEJO E LIMEIRA - DOIS ABSURDOS NO CÉU (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

Até hoje há certa dúvida se o Zé Limeira retratado pelo jornalista, escritor e repentista Orlando Tejo em seu livro “Zé Limeira – O Poeta do Absurdo” viveu de verdade, ou era criação de sua cabeça fértil de versos, rimas e poesia.

 

 

 

É certa a existência de um violeiro com o mesmo nome, nascido em Teixeira (PB) por volta do ano de 1886, e falecido na mesma cidade na data de 24 de dezembro de 1954. Mas não é unanimidade desse artista sendo o mesmo abordado por Orlando em seu livro, embora ele tenha ganhado notoriedade pós publicação.

No documentário “O Homem que Viu Zé Limeira”, dirigido por Maurício Melo Júnior, Orlando se esquiva e não responde a pergunta cujo sentido era “quanto de Tejo tem em Zé Limeira do livro?”, num risinho de canto de boca ele apenas bafora do seu cachimbo, com ar de menino feliz por saber que sua arte fez alguém se divertir.

Eu sei por tudo que pesquisei sobre Orlando Tejo, pelos depoimentos colhidos de pessoas do seu convívio, principalmente nas conversas com Luiz Berto, por exemplo, é que era homem de mente brilhante. Acima da média. Um QI invejável.

Final de semana passado eu fui acordado outra vez nesse meu fascínio por Orlando Tejo através de uma publicação no Instagram do poeta Rainilton de Sivoca, glosando este mote do também poeta Kydelmir Dantas:

“Orlando Tejo e Limeira
Dois absurdos no céu.”

Daí resolvi escrever uns absurdos em homenagem a Orlando Tejo e a Zé Limeira, sendo esse último personagem ou não.

Assim fiz a brincadeira:

Zé Limeira muito artista
Montou num foguete branco
O bicho pegou no tranco,
Subiu… se perdeu de vista.
Orlando ‘tava na pista
Montando uma cascavel
Vendo aquele fogaréu
Seguiu na mesma carreira
“Orlando Tejo e Limeira
Dois absurdos no céu.”

Orlando cortou bigode
Tirou barba, fez cabelo,
Depois levou todo pelo
Pr’uma roda de pagode.
Limeira fez uma ode
Depois criou um cordel
Dos pelos do menestrel
Fez um samba pra Mangueira
“Orlando Tejo e Limeira
Dois absurdos no céu.”

Limeira cabra da peste
Sem ter medo de altura
Com mil quilos na cintura
Escalou o Everest.
Orlando fazendo o teste
P’ra se tornar bacharel
Escreveu lá no papel
Do Brasil a lei inteira
“Orlando Tejo e Limeira
Dois absurdos no céu.”

No vídeo a seguir, o vemos o Editor Luiz Berto contando um causo e declamando.

Assim o leitor poderá tirar a prova dos nove sobre a genialidade de Orlando Tenho.

 


Jesus de Ritinha de Miúdo terça, 18 de junho de 2024

A M(A)UDERNIDADE (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

A M(A)UDERNIDADE

Jesus de Ritinha de Miúdo

Eu hoje trago para os leitores do JBF o pensamento de Derosse Barbosa Júnior, nordestino arretado, entusiasta da cultura popular, observador do mundo, discípulo de Ariano Suassuna, apaixonado pelo Nordeste e gênio da raça:

O maior de todos os democratas e o primeiro, aliás, foi Deus Nosso Senhor; quando deu ao homem o livre arbítrio, o direito de viver e fazer o que quiser de sua própria vida. Até de se auto-destruir.

Portanto, o Nordeste no meu vê corre atrás de recuperar um prejuízo incalculável: o abandono de suas raízes e de sua cultura, de todo o seu conhecimento empírico, acumulado em mais de duzentos anos de convivência e observação de seu habitat, sob o pretexto da “modernidade”, adotando hábitos enlatados; tornando-se nada mais nada menos do que um escravo do consumismo e do modismo do mundo “moderno”!

O pior ainda é ter se tornado um preguiçoso contumaz. Não mexe o corpo nem para ligar uma TV, e depois vai gastar dinheiro com um tal de “treinador pessoal”, chamado por um nome em “Ingrês” – que eu graças a Deus não sei escrever na língua deles – o tal do “personal treiner”.

Até o nome é sem sentido.

Mas cada um tem o direito de viver como bem entender.

Afinal, Deus lhes deu esse direito.


Jesus de Ritinha de Miúdo sábado, 15 de junho de 2024

GLOSAS (21.08.2022) CORDEL DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO

 

GLOSAS

Jesus de Ritinha de Miúdo

Toda chuva que vem leva um pedaço
Da tapera a herança dos meus pais.

Mote de Antônio Poeta

O poeta Marcílio Pá Seca Siqueira, pernambucano de Tabira, desenvolvendo o mote acima, enviou-me a seguinte glosa:

Casa velha de taipa abandonada
Já não és tão bonita como era
Nem de longe tu lembras a tapera
Que serviu pra meu povo de morada
Vejo o tempo cruel dando pancada
Na madeira ruída dos portais
Os morcegos pousando nos frechais
Cada qual ocupando seu espaço
Toda chuva que vem leva um pedaço
Da tapera a herança dos meus pais.

Este colunista, acaryense do Seridó Potiguar, respondeu-lhe com duas glosas no mesmo estilo.

Ei-las:

A madeira que um dia pai subiu
Para ser o sustento do telhado
Sobre o chão é somente um pau quebrado
Sob o pó do telhado que caiu.
A coluna do centro se partiu
Arrancaram as portas dos umbrais
Nem a cor das paredes se vê mais
Do reboco não resta nenhum traço
Toda chuva que vem leva um pedaço
Da tapera a herança dos meus pais.

Sem soltar dessa velha cumeeira
Com as pontas olhando para o alto
Num lugar muito triste de ressalto
Restam só alguns tocos de madeira.
Nos tijolos da frente a trepadeira
Já subiu agarrando por detrás
Se expandiu pelas partes laterais
Sufocou a casinha nesse abraço
Toda chuva que vem leva um pedaço
Da tapera a herança dos meus pais.


Jesus de Ritinha de Miúdo quarta, 12 de junho de 2024

SER(A)REIA (POEMA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

SER(A)REIA

Jesus de Ritinha de Miúdo

Recolhi minha mão para escrita
Ante o mar, e na faixa de areia
Versejei a beleza da sereia
Que deixava a praia mais bonita.
E a vida ficava mais bendita
Cada vez que a sereia me sorria
Com encanto num canto de magia
O silêncio entre nós era um mar
De paixões, de mistérios, um calar
Inspirando mil versos de alegria.

Cada letra compondo essa poesia
Era um mantra, num manto de paixão
Pra falar da beleza da sereia
Enfeitando meu campo de visão
E n’olhar da sereia, eu poeta
Já risquei um poema de ilusão.


Jesus de Ritinha de Miúdo segunda, 10 de junho de 2024

CONTÍCULO DE PRAZER (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

CONTÍCULO DE PRAZER

Jesus de Ritinha de Miúdo

Sob o sol escaldante eu beijei seus lábios e o mar nos cobriu com uma onda grande. O sabor do teu beijo doce misturou-se com o sal da água e as nossas línguas ficaram como as ondas: não contavam quantas vezes ultrapassaram os limites formando espumas, num vai e vem sem fim.

Depois a vi adormecer sob o calor do mesmo sol.

Havia um quê de paz em seu sorriso recém beijado e a terra…

Bem…

A terra me soprava aos ouvidos “acorde o seu amor. Beije-o outras vezes mais.”


Jesus de Ritinha de Miúdo quinta, 06 de junho de 2024

SEPARAÇÃO E DOR (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

SEPARAÇÃO E DOR

Jesus de Ritinha de Miúdo

O café à mesa soltava ao ar uma fumaça tênue em movimentos não ensaiados, subindo numa dança do ventre orquestrada nos compassos da brisa entrando pela janela semiaberta da cozinha.

Lá fora o tempo estava frio.

Dois biscoitos de canela, deitados sobre um guardanapo de papel, observavam os movimentos da fumaça alinhados ao parsianismo da brisa fria.

Sobre a mesma mesa, sob o pote com açúcar demerara, uma folha de papel retirada da agenda presenteada pelo banco, trazia o nome dele escrito no topo. Um bilhete que a caneta esferográfica azul, repousando destampada e exausta sobre o papel, tentara escrever; mas não encorajara com eficiência a mão trêmula que a segurava havia duas horas.

Lá dentro tudo era silêncio.

Sentado de pernas cruzadas, a coxa direita sobre a coxa esquerda, ele olhava para o infinito pela brecha da janela.

O ritmo do seu coração parecia ditar os ensaios e requebrados da fumaça subindo em câmera lenta.

Nele tudo era tristeza.

Sentada num banco da estação de trens, ela observava a fumaça de uma fábrica se espalhando rápida, volumosa e negra pelo espaço aberto.

Quase nada ali parecia ter vida.

Limpou outra vez as águas dos olhos.

A tampa da caneta, no escuro de uma bolsa de couro preto, chorava a dor da separação.

O próximo trem seria o dela.


Jesus de Ritinha de Miúdo quarta, 05 de junho de 2024

O POETA E A SAUDADE (POEMA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

O POETA E A SAUDADE

Jesus de Ritinha de Miúdo

Saudade ninguém explica
Embora o poeta tente
Junta palavras em versos
Falando da dor que sente
Às vezes é aplaudido
Noutras mal compreendido
Não se abala e segue em frente.

Em sua verve plangente
Impõe ao mundo beleza
Sentindo dor de saudade
O poeta com grandeza,
Enfermo do coração,
Dá asas à emoção
Pra dissertar a tristeza.

Vivendo essa crueza
Com sua face molhada
O poeta junta as letras
Da saudade escancarada
Faz mil versos num segundo
Fingindo pra todo mundo
Que no fundo sente nada.


Jesus de Ritinha de Miúdo sábado, 01 de junho de 2024

HÁ DIAS QUE NÃO TE VISTO (POEMA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

 

HÁ DIAS QUE NÃO TE VISTO

Jesus de Ritinha de Miudo

A luva disse à mão
Fazendo-lhe um pedido:
“Se encontrar pelo chão
Algum corpinho caído
Preste alguma atenção
Não olhe com má vontade
Nem passe com brevidade
Pode ser que seja o meu
Que por ter tanta saudade
De saudade esmoreceu.”

 


Jesus de Ritinha de Miúdo terça, 28 de maio de 2024

VILANOVA AGORA É DO ACARY DO MEU AMOR (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITNHA DE MIÚDO)

 

VILANOVA AGORA É DO ACARY DO MEU AMOR

Jesus de Ritinha de Miúdo

Da esq. para dir: Este colunista segurando a viola, Felipe Pereira, a primeira dama Renata Aquino, o prefeito Fernando Bezerra e o antológico poeta-cantador Ivanildo Vilanova

 

Na noite da última sexta-feira (04/11), eu estive presente no Largo do Museu do Sertanejo, na abertura do II Encontro de Genealogia de Acary, evento acontecendo dentro da Semana Cultural da minha cidade querida.

A noite começou com uma palestra sobre a influência dos usos e costumes judaicos herdados dos nossos antepassados, ministrada pelos professores Fabiana Agra e Janduih Medeiros, e foi encerrada com a apresentação de dois poetas violeiros repentistas: o jovem natalense Felipe Pereira e o monstro sagrado da viola Ivanildo Vilanova, pernambucano de Caruaru.

 

 

Felipe eu vejo como o mais promissor poeta violeiro repentista do Brasil. E digo sem medo que será o maior nome de sua geração nessa arte (foi uma honra tê-lo entre nós).

Pois bem, para a minha surpresa, eu descobri ao final do evento da noite de sexta que Ivanildo Vilanova escolheu Acary para morar.

Há quinze dias ele se fixou em nossa terra.

Para nós acarienses, que conhecemos sua importante obra e a envergadura do seu nome dentro do universo da arte, e até da MPB, esse fato muito honra o nosso torrão.

Poderá nascer agora um intercâmbio fantástico de conhecimentos, gerando a aproximação dos nossos jovens com a poesia extraordinária de Ivanildo Vilanova e, assim, introduzir as novas gerações no fantástico ambiente da arte escrita e cantada.

Por exemplo, a música “Nordeste Independente” (sobre o mote Imagine o Brasil ser dividido / E o Nordeste ficar independente), eternizada na voz de Elba Ramalho, é uma composição dele em parceria com o também poeta Bráulio Tavares.

Para mim, fã de sua obra, foi a surpresa mais agradável e a melhor descoberta da noite. Pude abraçá-lo e falar de minha admiração.

Uma honra enorme e uma satisfação sem tamanho poder dizer, doravante, que Acary também é de Vilanova. Que Vilanova também é de Acary. Do Acary do meu amor. Do amor de todos nós.

Seja bem-vindo, Ivanildo Vilanova!

* * *

PS.: Na manhã de ontem, em parceria com Dra. Kyvia Motta, falei na importância para a sociedade brasileira da judia sefardita Branca Dias. Grande mulher e matriarca, denunciada, condenada e presa pela Inquisição. Um mito tema de músicas, peças teatrais, documentário e lendas.

Mas, sobre ela falarei na próxima oportunidade.

* * *

Elba Ramalho interpretando “Nordeste Independente”, de Ivanildo Vilanova.

 


Jesus de Ritinha de Miúdo segunda, 27 de maio de 2024

CÁLICE CAÍDO (POEMA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO(

 

CÁLICE CAÍDO

Jesus de Ritinha de Miúdo

Da mesa, do outro lado,
Vi um cálice caindo
Vi quando bateu no chão
Nesse choque se partindo
Em não sei quantos pedaços
Mas um desses estilhaços
Pulou do chão, me ferindo.

Era aquilo me atingindo
E eu vendo que fui ferido
Me veio a compreensão
Dos cálices, o seu sentido:
Um deles caindo ao chão
Esteja distante, ou não,
Você será atingido.


Jesus de Ritinha de Miúdo sábado, 25 de maio de 2024

PAPEL FLAGELANTE (POEMA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

PAPEL FLAGELANTE

Jesus de Ritinha de Miúdo

Foi um tiro, um só, no coração
As palavras que ela me enviou
Num bilhete escrito, me deixou
Sem juízo, sem lugar ou direção.
Redigido na força da emoção?
Eu não sei. Só sei que me destruiu
Que acabou o meu mundo, que caiu
Num buraco a vontade de viver
Prometi a mim mesmo esquecer
A autora da dor que me afligiu.

Só Deus sabe – só Deus! – o que sentiu
O meu peito na hora da leitura
Invadiu-lhe a flecha da amargura
Numa força tão bruta, quanto ardil.
O meu senso na hora se partiu
Os meus pés vacilantes me pararam,
Minhas mãos tremulantes seguraram
O papel flagelante à minha vista
Meu olhar lacrimante foi basista
E dois rios pujantes me inundaram.


Jesus de Ritinha de Miúdo quinta, 23 de maio de 2024

“QUEM É DO MAR NÃO ENJOA.” (CRÔNICA DO9 COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

“QUEM É DO MAR NÃO ENJOA.”

Jesus de Ritinha de Miúdo

O título deste texto é o da canção de Martinho da Vila

Cada um fazendo o que gosta.

Eu gosto de conversar.

De ouvir pessoas.

De saber histórias.

Ontem conheci Seu Chagas. Sessenta e três anos. Cinquenta e quatro de mar. Primeiro como pescador de jangada e hoje, mais maduro, “fichado como Marinheiro de Convés. Tenho até carteira”, falou-me orgulhoso.

Semianalfabeto das letras, “mas sei ler o mar e o tempo do céu”. Na verdade eu o vi como um doutor do oceano, para onde começou a sair com o pai “ainda menino, quando troquei a bola nos pés na areia firme, pelas cordas nas mãos no balanço das águas”, foi me contando com seu lirismo puro de quem enxergou mais da vida nas tempestades enfrentadas, que muitos de nós na segurança dos nossos empregos e apartamentos.

“Escute bem: o mar é um professor e ‘de’ noite o céu ensina muito.”

Mãos calejadas, dedos deformados – um deles faltando a falange digital, revelou-me não possuir muito. Mas o bastante: “minha família. Criei meus filhos tirando o sustento no vai e vem das ondas, como meu avô criou meu pai e como meu pai me criou; e todos deram para gente. Nenhum quis viver do mar como eu”.

Fizemos uma amizade rápida. De apertos de mãos firmes. De sincera satisfação.

Um em falar. O outro em ouvir.

Possivelmente eu nunca mais o verei. Mas, doravante, levarei Seu Chagas comigo por uma de suas últimas frases.

“O mar não é para quem quer. É para quem é.”

Como tudo na vida, Seu Chagas.

Afinal, “quem é do mar não enjoa”.

Eu não enjoo de ouvir pessoas.

Este colunista e Seu Chagas, Fortaleza, dezembro de 2022

 

 

 


Jesus de Ritinha de Miúdo quarta, 22 de maio de 2024

VAR DE ANTIGAMENTE E REGRA NOVA (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

VAR DE ANTIGAMENTE E REGRA NOVA

Jesus de Ritinha de Miúdo

Pela primeira vez nesses meus cinquenta e um ano de vida, eu não estou sentando ao lado de papai ante uma TV para acompanhar os principais jogos de uma Copa do Mundo de Futebol. Minhas obrigações não me permitiram – ainda – correr para o sofá de Dona Ritinha, lá no Acary do meu amor.

 

Não obstante a distância, fiz uma chamada de vídeo para papai após o jogo do Brasil contra os suíços, a fim de comemorar a nossa vitória. Ele ainda vestido com a camisa da Seleção, já não lembrava, no entanto, que acabara de assistir ao jogo. O alemão que vai derrotando-o lentamente faz um estrago pior que aqueles sete a um de dois mile e quatorze. O Alzheimer é uma falta desleal que nem o mais avançado VAR consegue reverter em favor de quem a sofre.

Bom, como os dias são de futebol, alegria do povo, eu vim aqui hoje foi deixar duas histórias interessantes.

Contaram-me que lá no começo do século passado, dias do Coronel José Bezerra “d’Aba da Serra” (1843-1926) como líder absoluto em Currais Novos, quando o coronelismo arbitrava e os coronéis decidiam até sobre o jogo da vida dos seus conterrâneos, criou-se um time de futebol por aquelas ribeiras. O nome da equipe certamente se perdeu no tempo. Mas não o fato que passarei a narrar.

Organizaram um jogo e convidaram especialmente o Coronel José Bezerra para assistir ao grande evento. A intenção era despertar no comandante político a mesma paixão pelo futebol alcançada Brasil afora e, assim, conseguir dele alguma ajuda para a manutenção da equipe.

Tudo arrumado, equipe visitante em campo, puseram em um lugar alto e de destaque uma cadeira confortável, à beira do campo de terra batida, e nela sentaram o homem. Falaram sobre o objetivo, explicando-lhe sobre o gol e as regras principais, duração da partida, o goleiro, os defensores de linha, os atacantes, o poder do árbitro etc.

O jogo seguiu sem a bola passar por entre os paus, encaminhando-se ao final sem gol, num empate que parecia não estimular a atenção do coronel. Porém, aos quarenta e cinco minutos do segundo tempo, o árbitro marcou um pênalti contra Currais Novos. Houve um verdadeiro alarido. A multidão gritava revoltada. “Por que o jogo está parado”, perguntou o coronel. Alguém lhe respondeu “foi pênalti”. E ele sem entender perguntou “o que é isso?”

Pediram silêncio e calmamente alguém lhe explicou: “Coronel, é um gol certo. Mas, contra Currais Novos!”

O coronel alisou a barba e decretou calmamente: “Então mande bater do outro lado.”

Quase um VAR que arruma a jogada e interfere no resultado do jogo.

O estádio de Currais Novos leva o seu nome.

Tempos depois, já nas terras da Fazenda Soledade, entre as cercas de José Braz Filho (1925-1996), bisneto do Coronel Zé Bezerra d’Aba da Serra, ajeitaram um terreno, jogaram a cal traçando linhas na terra, fincaram quatro madeiras no chão em dois pares, norte e sul, amarraram um travessão em cada par, e estava criado um campo de futebol, no lugar onde a vaquejada era de fato o esporte mais praticado poucos metros à frente.

Obra de dois dos três filhos machos de Zé Braz “Novo”, José Braz Neto (1953), o Dedé de Zé Braz, e Jarbas Braz (1956), o caçula de todos; um se aventurando na linha e o outro debaixo dos paus, no “Campo da Soledade”.

Conta-se que num domingo de clássico o time de Dedé de Zé Braz perdia pelo placar mais magro, e o sol já era um fiozinho de luz quase apagada, quando o árbitro recebeu a ordem “não acabe ainda”.

Descambava o segundo tempo para uma hora e quinze minutos, céu escuro, jogadores de ambas as equipes exaustos, quando houve um escanteio em favor do “time da Soledade”.

Batido na área adversária, novo escanteio se deu. O segundo seguido.

Bola levantada no tumulto outra vez, a zaga cortou jogando pela linha de fundo. O terceiro escanteio consecutivo.

Foi quando Dedé de Zé Braz correu atrás da bola e, segurando-a entre os espinhos das juremas atrás do campo, decretou a décima oitava regra do futebol:

– Três escanteios é pênalti.

Bateu, converteu e a partida terminou empatada.

Nem o emir do Catar tem tanto poder de mudar ou criar regras no futebol. Né não?

 

 


Jesus de Ritinha de Miúdo terça, 21 de maio de 2024

LEMBRAR DE NÃO ESQUECER (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

LEMBRAR DE NÃO ESQUECER

Jesus de Ritinha de Miúdo

O Alzheimer de Papai o faz esquecer de muitas coisas. De alguns nomes, de muitos momentos, de pessoas… Até deste filho que, para ele, aos poucos, tem virado o seu irmão Chaguinha, falecido em 1978.

“Ô Chaguinha, chegou agora de onde? Passou por Acary? Foi lá em casa?”

Cada vez mais alheio à realidade, Papai vai se distanciando de suas lembranças e dos seus prazeres.

A maior parte do tempo, não reconhece sequer a casa onde mora há mais de meio século.

Dia após dia, reclama de não viver mais em nossa amada Acary.

Hoje, me fez prometer que amanhã iremos por lá, digo, visitar Acary.

Depois da promessa, eu tive a curiosidade de lhe perguntar como se chama a cidade (de sua imaginação) onde ele está vivendo. Para minha surpresa, ele respondeu: “Rockefeller”.

Meu Deus! De onde surgiu esse nome na memória de Papai?

Aí, se pôs a comparar a sua megalópole Acary “com essa porcaria de cidade, que nem igreja tem”.

Papai vai esquecendo das coisas. No entanto, eu ainda lembro de não esquecer alguns prazeres dele. E, como não podia deixar de ser, não esqueci de trazer o seu “pão italiano da Bauducco” para o Natal.

Aliás, o Alzheimer não conseguiu ainda fazer com que Papai esqueça essa satisfação. Esse sabor da vida.

Amanhã, nosso café em Rockefeller será mais gostoso. E com esse prazer na alma iremos, ele e eu, à Acary que Papai não esquece.

PS.: Com a satisfação de viver o prazer de Papai, desejo a todos os melhores votos de Boas Festas.

Um Feliz Natal. Um Próspero 2023.

Que Deus nos abençoe sempre.


Jesus de Ritinha de Miúdo segunda, 06 de maio de 2024

APRESENTAÇÃO, CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

APRESENTAÇÃO

Jesus de Ritinha de Miúdo

Eu tive a grata e honrosa satisfação de ser a ponte entre o Jornal da Besta Fubana e um dos seres humanos mais humanos que conheço em vida minha: o Padre Gleiber Dantas, de Caicó.

O mesmo padre que ganhou o mundo pela Internet por promover um leilão, em prol de sua paróquia, se balançando animado numa rede.

Padre Gleiber é gênio da raça. É poeta, cronista, contista… ele escreve como um santo. Um santo!

Uma santidade vista em seu próprio estilo de vida, alicerçada na simplicidade do cotidiano humilde, sem as estolas ricamente adornadas por bordados em fio de ouro que afastam alguns mensageiros de Deus das pessoas. Padre Gleiber é, antes de qualquer título, um homem do povo. Do povo que se identifica com sua alegria contagiante, e lota sua igreja.

Antes de batizarmos sua coluna – aqui Jesus não é João Batista, mas batiza também – escolhendo um nome que esteja à altura do Padre Gleiber, trago no espaço que o Papa Berto gentilmente me cede a primeira participação do homem; e estou com o sentimento que não falta ao JBF gente ligada a Deus: um papa, um Jesus e doravante um padre de batina e tudo.

Eis abaixo o estilo lírico do meu amigo Gleiber, o padre:

* * *

QUEM É ESSE PADRE?

Quem não conhece meus pais me conhece muito menos do que pensa. Sou filho de Djalma da TELERN, Djalma de Neuza de Chico Mello, e Marlene de Djalma, Marlene de Maria de Zé Bernardo. Penso que um dos piores defeitos do ser humano é ter vergonha de seus pais. Cada um de nós é fruto do encontro de muitos vínculos. Somos muito mais do que dizem as informações de nossos documentos de identificação. Existimos há muito mais tempo do que calculam nossos aniversários, pois já estávamos em cada um de nossos antepassados e deles herdamos mais que cromossomos, fenótipos e genótipos.

Como sou feliz em ser filho de quem eu sou! Não sou mais feliz porque não puxei mais a eles e bem que poderiam ter exigido mais de mim. Mamãe nasceu no município de Serra Negra do Norte (RN) e estava em São Bento (PB) quando, em 1965, veio morar em casa de Zé Patrício e Ana, primos de Papai, no Caicó. Papai tirou a sorte grande duas vezes: uma, quando tio Zé Vicente deu a um dos filhos de Neuza aquele trabalho na TELERN. A inteligência e a responsabilidade de Papai lhe renderam muitos frutos em prol dos que precisavam dos serviços telefônicos de então; outra, quando casou.

Somos descendentes da Mãe Dondon da Timbaúba, que faleceu em companhia de sua filha Enedina e seu genro Bembém, que mantinha alambique em sua fazenda Oiticicas. Mãe Dondon que ainda pediu uma chamadinha de cana, na hora da morte. Papai espontaneamente deixou de beber há exatos 10 anos; senão, já era defunto há muito tempo. Eu morava no Recife. Mamãe, um dia, me liga e o diálogo foi, mais ou menos, assim:

– Meu filho, seu pai deixou de beber.

– Sim, Mamãe, eu sei. E não era isso o que a gente queria?

– Era, meu filho, mas quem vai morrer agora sou eu.

– Por que, Mamãe?

– Porque agora eu vou ter que beber por mim e por ele!

Papai sempre disse que, para se divertir, a pessoa não precisa beber. E assim ele continua se divertindo com Mamãe; ela, às vezes, tomando uma; às vezes, tomando umas e outras; e, às vezes, tomando todas, sempre conosco e com essas pessoas amigas que nos enriquecem tanto com seu bem-querer.

Padre Gleiber Dantas – Caicó, 28/12/2022.

 


Jesus de Ritinha de Miúdo quinta, 02 de maio de 2024

APENAS MAIS UMA SAUDADE (POEMA DO COLUNISTA JESUS DE RITIHA DE MIÚDO)

 

APENAS MAIS UMA SAUDADE

Jesus de Ritinha de Miúdo

Fiz do sofá minha cama
Sofrendo de madrugada
À mesa nem sento mais
Não consigo comer nada
Sem ter mais o que fazer
Vivo só de padecer
Com saudade da amada.

Quem não sabe o que é sofrer
Diz logo que é um drama
Por certo nunca sentiu
Da saudade a sua chama
Queimando o peito da gente
Como uma brasa bem quente
No coração de quem ama.


Jesus de Ritinha de Miúdo terça, 09 de abril de 2024

FANÁTICO (CORDEL DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

FANÁTICO

Jesus de Ritinha de Miúdo

Cada vez que eu te vejo
Dispara meu coração
Em virtude da beleza
Ante a minha visão
E se não posso tocar-te
Deixa apenas mirar-te
Com minha admiração.

Se acaso disseres “não”
Respeitarei teu querer
Prometo cegar meus olhos
– Sofrendo não sei viver –
Melhor ser cego de guia
Do que não ter a alegria
Por não poder mais te ver.

Porém, se eu merecer
De ti, essa permissão
Seguirei com mais respeito
E sem perder a razão
Louvar-te-ei em meus versos
De sentimentos dispersos
Em disfarçada paixão.


Jesus de Ritinha de Miúdo segunda, 11 de março de 2024

SONHO E REALIDADE (POEMA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

SONHO E REALIDADE

Jesus de Ritinha de Miúdo

Eu me deixei escondido
Numa esquina da rua,
Te vi sob a luz da lua
Sem por ti ser percebido.
O teu vestido comprido
De um tecido encarnado
No teu corpinho colado
Prendeu mais minha visão
Me fez perder a razão
No singular rebolado.

Meu olhar admirado
Te acompanhou na calçada
Com minha vista vidrada
Em cada passo, teu, dado.
Para ficar complicado
Chegou-me a inspiração
Atiçou meu coração
Por toda beleza tua
De vermelho, sob a lua,
E ante a minha visão.

Se isso tudo é paixão
Não divulgada, vivida,
Se sempre correspondida
Eu não sei te dizer não.
Só sei que perco a razão
Quando te vejo passando
Na realidade, ou sonhando,
Em teu vestido encarnado
De longe teu rebolado,
Segue assim me inspirando.

E eu sigo preso em ti.


Jesus de Ritinha de Miúdo terça, 06 de fevereiro de 2024

CAVALO ALADO (POEMA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

CAVALO ALADO

Jesus de Ritinha de Miúdo

Ah, se desse d’eu voar
Com você em mim montada
Cruzando os céus do espaço
Dando no ar rabeada…
Você agarrada em mim
Subindo e descendo assim
Num voo, em galopada.

E nessa viagem alada
Eu feito aquele pavão
Mysterioso e formoso,
Fogoso nessa ação,
Fazendo um voo dos sonhos
Dando razantes medonhos
Co’as asas dessa paixão.

Se tudo isso é ilusão
Eu não quero acreditar
Que sou como um passarinho
Que se cansou de voar
E por delírio me faço
Cavalo alado, de aço,
Para você cavalgar.

Sem temer tempo no ar
Sem respeitar o espaço.


Jesus de Ritinha de Miúdo segunda, 22 de janeiro de 2024

UMA GLOSA - 26.03.23 (CORDEL DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

UMA GLOSA

Jesus de Ritinha de Miúdo

Sobre este mote criado por meu amigo Manoel Pinheiro Netto

“A saudade é a dor que faz doer
E que marca em meu peito a cicatriz”,

e lembrando de uma pessoa muito querida que perdeu sua filhinha aos quatro anos de idade, eu escrevi a seguinte glosa:

Num minuto se foi minha alegria
Meu tesouro, meu tudo, meu amor,
O meu ar se perdeu, restou-me a dor
No lugar onde ela me sorria.
Minha vida tornou-se agonia
Num instante, fiquei tão infeliz
Que estar no lugar dela eu quis
Mas foi ela que Deus quis recolher
A saudade é a dor que faz doer
E que marca em meu peito a cicatriz.


Jesus de Ritinha de Miúdo domingo, 07 de janeiro de 2024

MINHA AGONIA (ÚLTIMOS VERSOS) - (POEEMA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

MINHA AGONIA (Últimos versos)

Jesus de Ritinha e Miúdo

Eu vivo lá no passado
Meu futuro se perdeu
Não tenho sequer presente
– Este tempo não é meu –
Parece que a natureza
Gerou-me para a tristeza
Quando o amor floresceu.

Sem luz, vivendo um breu,
Minha alma inquieta
Não crê mais que o tempo passa
Virou alma abjeta
Não sonha, não sente dor,
Hoje não crer mais no amor
Deixa aqui de ser poeta.

O silêncio me completa
De agora em diante
Os versos se calarão
Não falarão do instante
De quando nos misturamos
Do quanto nós dois gozamos
No tempo pouco distante.

Porque nós passamos do tempo.


Jesus de Ritinha de Miúdo sábado, 30 de dezembro de 2023

LEMBRANÇAS DO MEU AVÔ CHIQUINHO (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

LEMBRANÇAS DO MEU AVÔ CHIQUINHO

Jesu de Ritinha de Miúdo

Sempre invejei quem na vida teve a figura dos avós.

Eu não tive.

Aliás, tenho o infortúnio de haver nascido treze anos depois da exata data em que minha avó paterna Norinha partiu deixando dez filhos. O mais velho contando quase vinte e três anos, o caçula contando sete meses incompletos.

Daí fui em segredo compartilhado apenas comigo mesmo na hora de dormir, quando rezava em sussuros pelos de minha família, adotando os avós dos amigos mais chegados: Birina e Seu Ciço Muniz avós de Tunéa, D. Perpétua avó dos meninos de D. Miriam, D. Ana avó dos meninos de Dodó; além do casal de vizinhos Baixinho e Toinha, que de fato nos ensinaram, a nós lá de casa, a chamá-los de avô e de avó.

Meu avós maternos morreram bem antes de eu nascer. Vovó Maria Pequena nos meados dos anos cinquenta, vovô Chico Ciano em sessenta e dois.

As únicas lembranças que ainda carrego de um avô de sangue são as lembranças de Vovô Chiquinho. Elas são apenas três. Uma delas eu já lutei para apagá-la.

Eu cheguei na casa do meu tio-avô Zeca Sapateiro, e vovô conversava com sua irmã Mariana. Uma perna estirada e a outra dobrada. Sentava-se “à meia bunda” numa balaustrada.

– Tome a bença do seu avô – ordenou-me a tia-avó.

–  Abença vovô?

Ele assanhou meus cabelos sorrindo, abençoou-me e perguntou por papai.

–  ‘Tá trabalhando – respondi. E essa lembrança acaba aqui.

A outra memória são apenas de suas calças azuis, para lá e para cá em um dia de festa. Eu sob a mesa do seu café, brincando com meu tio caçula, fruto do segundo casamento, mais velho que eu alguns meses.

A terceira lembrança, triste memória, traz Vovô Chiquinho deitado em seu último leito, não acordando para me dar a benção que eu, inocentemente, lhe pedi segurando o caixão com minhas duas mãos.

Eu tinha apenas três anos e nove meses.


Jesus de Ritinha de Miúdo quarta, 27 de dezembro de 2023

ÂNGELO E AUGUSTO (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

ÂNGELO E AUGUSTO

Jesus de Ritinha de Miúdo

Eu tenho buscado, a fim de não parar ante os diários com notícias tétricas da atualidade, agarrar-me nas coisas trazendo alegria e sensação de paz.

Nessa busca encontrei o perfil do Instagram da pedagoga @lucigmaia.

Mãe de autistas, gêmeos, Luci (imagino que os próximos a chamem assim) é uma mulher além do seu tempo. Não se prendeu às dificuldades dos filhos, tampouco aos preconceitos certamente muito mais fortes e latentes na sociedade dos anos oitenta, e criou seus filhos Ângelo e Augusto com o verdadeiro amor e zelo que de uma mãe se espera.

Não se absteve da responsabilidade de mãe, nem parou nos reclames e mi-mi-mis dos que se fazem coitados, quando poderiam se fazer vencedores.

Uma mulher que passei a admirar com toda a minha devoção.

Parece-me que, altruísta social, Luci nos entrega diariamente vídeos dos seus filhos com a finalidade de “educar” e incentivar outros pais. Não sei se ela tem consciência, porém, os vídeos vão além desse papel. Eles alegram, divertem, emocionam demais e trazem paz na alma de quem os assiste, independentemente se temos anjos como os dela.

Ângelo e Augusto nos transmitem algo recheado de muita pureza. Não obstante suas limitações, ensinando-nos uma lição sublime: a felicidade reside no lugar onde a alma é mais simples.

Obrigado, Luci!

Portanto, quero dividir com vocês, queridos leitores deste JornaL da Besta Fubana:

ÂNGELO E AUGUSTO

São dois anjos na terra encarnados
Dois presentes de Deus para este mundo
Que num ato de amor firme e profundo
Nos mandou esse par de abençoados.
Já cresceram por muitos sendo amados
Cada dia despertam mais paixão
No sorrir de um irmão para outro irmão
Aprendemos a arte da bondade,
Inocência, pureza, sem maldade,
Como sermos melhor de coração.

Vão prendendo a nossa atenção
Na inocência, crianças já crescidas
Alegrando decerto outras vidas
Lhes enchendo de paz e emoção.
Nesses gêmeos já vemos a ação
De um Deus muito bom e provedor
Por usar Seu poder de criador
E fazer na candura dois tão belos,
Nos trazendo gigantes tão singelos
Deus mostrou o Seu mais perfeito amor.

Outra vez obrigado, Luci.


Jesus de Ritinha de Miúdo quinta, 21 de dezembro de 2023

PAULO BENÍCIO (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

PAULO BENÍCIO

Jesus de Ritinha de Miúdo

O nosso maluco mais beleza nos deixou ontem.

 

Acary perde um dos seus patrimônios humanos mais caros.

E eu me lembrei agora de quando um deputado estadual, tentando a reeleição para Assembléia Legislativa do nosso estado, apertava-me o juízo a fim de votos através do meu apoio em Acary, não respeitando a minha vontade de ficar à margem naquela eleição.

Eu disse para ele “não insista que não vou me meter nessa campanha. Mas, se você quiser, eu tenho um amigo, Paulo Benício, que na última eleição municipal ficou na suplência da Câmara de Vereadores”.

O deputado se mostrou interessado e nós marcamos um encontro entre ele e Paulo Benício, no sábado à noite, lá no Bar de Augusto.

Na hora marcada o deputado, que voltava de Caicó, chegou em minha casa e nós marchamos para o encontro.

Eu liguei para Paulo. Em poucos minutos ele chegou com aquele cabelão, um short dois números a mais que o ideal, uma camiseta sem gola idem e, nos pés, um par de tênis estranhos.

Eu o apresentei com as pompas merecidas, tecendo os melhores elogios ao “homem público Paulo Benício”, enquanto ele próprio ia repetindo muito sério “isso! Isso!”, concordando comigo.

O deputado, cheio de cerimônias, levantou-se e apertou a mão de Paulo chamando-o de senhor, reiterando o prazer que era conhecê-lo. Mas olhou para mim um pouco desconfiado, tanto pela aparência, quanto pelo microfone meio enferrujado na mão do meu amigo.

Já Paulo, com aquele jeito meio bruto dele, disse logo “vamos ao que interessa. Quanto você tem pra me dar pelo apoio?”

O deputado se mostrando assombrado lhe perguntou quantos votos ele tivera.

– Nove! – rasgou Paulo orgulhoso e ainda mais sério. – Eu fiquei na vigésima sétima suplência – respondeu com aquele seu jeito de valorizar ainda mais as tônicas das palavras.

Ao saber o potencial político e a posição de suplente de Paulo, o deputado olhou para mim e exclamou com olhar de tristeza:

– Jesus…

– Vou deixar vocês fecharem o negócio – falei me despedindo e deixando-os lá, planejando o pleito.

O certo é que Paulo, reencontrando-me no outro dia, “p… da vida” com o deputado, falou-me com raiva:

– Aquilo é um liso! Pedi quinhentos mil reais, e ele veio me oferecer um guaraná – disse pondo os dois cantos da boca para baixo, fazendo uma careta de insatisfação. – Num me traga outro daquele nunca mais! ‘Tá ouvindo?

Deixará saudade no coração do nosso povo.

Fará discursos nas praças do céu.

O outro Jesus com certeza lhe dando a mesma corda, que este aqui sempre deu.


Jesus de Ritinha de Miúdo terça, 19 de dezembro de 2023

DUAS GLOSAS - 09.06.2023 (CRÔNICA DE JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

DUAS GLOSAS

Jesus de Ritinha de Miúdo

Sinto a nossa esperança se queimado
Na fogueira da seca nordestina.

Sobre o mote acima, do poeta Diomedes Mariano, o tabirense Marcílio Pá Seca Siqueira escreveu a seguinte glosa:

Quando a nuvem da chuva foi embora
Que o vento passou varrendo o chão
Vi na lama rachada do porão
Um carão que tristonho geme e chora
Uma vaca turina numa escora
Um bezerro mamando na turina
Sem achar uma gota pequenina
Na cacimba de amor que tá sugando
Sinto a nossa esperança se queimado
Na fogueira da seca nordestina.

Eu tenho dito quando posso que o poeta Marcílio é um entre os maiores poetas populares contemporâneos deste país. Seus versos são gigantes.

Prestem atenção na beleza do oitavo verso, na genialidade do poeta em transformar os peitos de uma vaca em “cacimba de amor”. Nada é mais lírico!

Bom, ainda inebriado sob a beleza dos versos de Marcílio, eu, Jesus de Ritinha de Miúdo, seridoense e potiguar de Acary, havendo recebido o trabalho dele por WhatsApp, pelo mesmo meio lhe respondi com versos meus, que ora trago para os leitores do JBF.

Ei-los:

Vejo a dor do menino retirante
Pés descalços no barro da estrada
Rosto sério em triste caminhada
Sob um sol sem clemência e escaldante.
Seu futuro é um tempo tão distante
Que fugiu do alcance da retina
Seu olhar de lamento se neblina
Por lembrar do torrão que vai deixando
Sinto a nossa esperança se queimando
Na fogueira da seca nordestina.


Jesus de Ritinha de Miúdo terça, 12 de dezembro de 2023

DUAS GLOSAS - 04.06.2023 (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

DUAS GLOSAS

Jesus de Ritinha de Miúdo

Ontem eu fui surpreendido por uma espécie de êxtase que só me acomete quando tenho contato com algo que, para mim, é sublime demais como arte.

O poeta tabirense Marcílio Pá Seca Siqueira enviou-me pelo WhatsApp uma glosa sobre o mote do poeta Júnior Monteiro, e eu ouso em dizer que ambas as construções – mote e glosa – beiram a perfeição na construção de uma poesia no estilo próprio.

O mote:

“Minha vida sem ela é um xadrez
Que não tem mais a peça da rainha.”

Eis o que Marcílio inspirado divinamente escreveu:

Tá sem cor e sem vida o tabuleiro
O meu bispo sem cetro e sem batina
Meu cavalo pendeu caiu a crina
Meu peão sem a dama e sem roteiro
O meu rei sem castelo e sem dinheiro
Minha torre sem luz e camarinha
A rainha cansada de ser minha
Deu um xeque na minha embriaguez
“Minha vida sem ela é um xadrez
Que não tem mais a peça da rainha”

Diante de tão extraordinária composição, e seguindo a visão do tabuleiro criado por Marcílio, eu me arrisquei em glosar também.

De minha mente saíram os seguintes versos:

Eu tentei dar um roque foi em vão
Sou um rei acuado e sem saída
Quanto mais eu me mexo na partida
Mais eu sinto que perco a posição.
Já não tenho nenhuma proteção
‘Tou cercado e exposto sob a linha
Do amor, que era só o que mantinha
Certa fé na vitória e solidez
“Minha vida sem ela é um xadrez
Que não tem mais a peça da rainha.”


Jesus de Ritinha de Miúdo segunda, 04 de dezembro de 2023

JARDIM DA SAUDADE (VERSOS DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

JARDIM DA SAUDADE

Jesus de Ritinha de Miúdo

Foto cedida gentilmente por Maria Izabel, amiga deste colunista

 

Na lembrança da casa onde cresci
Eu me vejo sentado no batente
Com os olhos fechados até sinto
Que o passado invadiu o meu presente
Ouço sons que parecem tão reais
Sinto o cheiro da pele dos meus pais
Invadindo o meu peito e a minha mente.

Um chocoalho balança bem plangente
E me traz muito mais recordações
Eu me lembro papai, todo encourado,
Conduzindo seu gado nos grotões
Já mamãe, eu recordo, cuidadosa
No jardim da saudade ela é a rosa
Mais bonita das minhas sensações.


Jesus de Ritinha de Miúdo sábado, 02 de dezembro de 2023

MEU NOME (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

Dr. Joel, médico em Currais Novos nas eras de setenta do século passado, garantiu a mamãe que eu estava sentado “na barriga” dela.

– Provavelmente teremos uma cesariana – afirmou.

Mamãe, com dois partos normais nas “coxas”, morrendo de medo de cirurgia, ajoelhou-se em casa e prometeu a Deus numa oração:

– Se o bebê nascer de parto normal, dou-lhe o nome de Jesus. – E acrescentou: Que seja menino ou menina.

Papai concordou.

Eu lembro como se fosse hoje. De agorinha. Dei uma cambalhota – na verdade um triplo mortal carpado – dentro da barriga dela e já caí na posição de nascer. De cabeça para baixo. Bem bonitinho.

Vim ao mundo na vizinha Currais Novos numa segunda-feira de Carnaval, com a marchinha Aurora tocando num carro de som. Parto normal, apesar do cordão umbilical passando no pescoço.

“Um menino nos nasceu”. Nasceu Jesus.

Daí o velho Padre Deó, sabendo da promessa de mamãe, passou no Fórum e deixou um recado para papai com a dona do Cartório de Registros Civis, isso já em Acary:

– Maricota, quando Miúdo vier batizar o menino dele, diga-lhe que coloque um nome antes de Jesus. Senão não batizo. – E acrescentou: – D’onde já se viu botar o nome de Jesus num pecador? É uma blasfêmia!

Papai recebeu o recado.

– E agora? Que danado de nome vou botar na frente de Jesus? – perguntava enquanto pensava “não posso ter um filho pagão.”

Minha irmã Josélia, sete anos mais velha que eu, impactada por um filme de Joselito, astro infantil mexicano naqueles dias fazendo sucesso no Cine São José, de Acary, pediu com insistência e quase gritando, agarrando papai pelo braço:

– Bote Joselito, pai! Bote Joselito!

Papai ponderou. Os dois primeiros filhos já tinham nomes começados com a letra jota.

– Bote aí, Maricota. Bote bem assim: Joselito Jesus de Araújo Silva.

Eu!

E papai tinha razão. Joselito é um nome danado. Danado de feio. A verdadeira blasfêmia? Um nome desses ante o de Jesus.

Se o padre foi ignorante, o povo foi sábio. Virei na voz do povo Jesus de Ritinha de Miúdo. E, dizem, a voz do povo é a voz de Deus.

Pronto!
Por isso eu gosto mesmo é que me chamem assim: Jesus de Ritinha de Miúdo.

Quase nome de santo de verdade.

Se o Papa Chico me canonizar em vida não fará mais que sua obrigação.


Jesus de Ritinha de Miúdo terça, 28 de novembro de 2023

VIAGEM (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

VIAGEM

Jesus de Ritinha de Miúdo

Peguei as veredas do teu corpo e deslizei meus olhos nas curvas da tua beleza.

Percorri teus sertões sedento por tuas águas, imaginando matar a minha sede no ribeiro delicioso que escorre dividindo teus montes.

Por entre tuas serras.

Aos meus olhos és também como nuvem benfazeja, esperada com ansiedade.

Oh, vem chover em mim! Pois, quero ser areia com calor para produzir mormaço em nós.

Se eu percebo um inverno inteiro dentro de ti?

Sim! E eu quero ser eletrizado pelos teus raios, sem me assombrar com os estrondos dos trovões em teus sussuros. Tua chuva não pode parar de molhar meu chão.

Também olho o teu corpo como um vale fértil. Tens a planície do meu desejo.

Tu tens fartura no olhar, e eu insisto em olhar-te com meus olhos de terra seca, pedinchona por uma inundação de ti.

Tua carne – que imaginei fria após teu banho – chamou meus olhos para este passeio, meio apressado, enquanto te arrumavas e me seduzias com teu olhar de brejo.


Jesus de Ritinha de Miúdo quinta, 23 de novembro de 2023

DE MASSAS, QUEIJOS E SALAMES (CRÔNICA DO COLUNISTA JESUS DE RITINHA DE MIÚDO)

 

DE MASSAS, QUEIJOS E SALAMES

Jesus de Ritinha de Miúdo

Um homem foi chamado e entrou na casa de seu vizinho na hora do jantar.

Sentou-se à mesa que estava posta e, para se sentir ainda mais visto e confortável, abriu uma sacola de supermercado para distribuiu às pessoas pães, queijos e salames.

Em troca recebeu sorrisos e afagos através de elogios.

Sem os donos perceberem, na saída, levou objetos caros da estante e os vendeu para adquirir mais pães, mais queijos e mais salames.

No outro dia tudo se repetiu. Desde o convite até o furto dos objetos.

Apenas uma coisa mudou: com a confiança do vizinho, o homem andou por outros cômodos da casa.

E nessa incursão surrupiou pequenos objetos mais valiosos, estuprou a filha primogênita, matou o gato, quebrou as patas do cachorro e agrediu o casal dono da casa.

Houve um imenso alarido.

Um policial que caminhava próximo ouviu os gritos e resolveu averiguar. Entrando na casa, ele encontrou o rastro de sangue e as pessoas feridas. No entanto, os pequenos objetos furtados já não estavam mais na posse do homem.

Mesmo assim o policial o prendeu.

Porém, um juiz entendeu que aquele homem havia sido convidado a entrar na casa e que os gritos e os machucados poderiam ter sido autoflagelação apenas para incriminá-lo e que, assim, ele deveria ser libertado. Ademais, o policial que o prendeu estava “à paisana”.

O homem, agora livre, voltou a passear pela frente da mesma residência, com uma sacola de supermercado ainda mais cheia de pães, de queijos e de salames. Até que um dia o filho caçula daquela gente, inocentemente, abriu a porta e lhe chamou.

Era bem a hora do jantar.

O casal e sua a filha mais velha foram contra. Mas nada puderam fazer porque o homem estava na companhia justamente do juiz que o libertou.

Agora eu lhe pergunto, caro leitor, qual as chances de todos os atos do homem serem repetidos, mesmo sob o nariz do magistrado?


Jesus de Ritinha de Miúdo quinta, 16 de novembro de 2023

VIDA (TEXTO DE JESUS DE RITINHA DE MIÚDO, COLUNISTA DESTE ALMANAQUE)

 

VIDA

Jesus de Ritinha de Miúdo

O paraibano de Paulista, Derosse Júnior, vaqueiro dos bons por gosto e livre escolha profissional, também poeta por descanso da alma, escreveu em um grupo de WhatsApp os versos que seguem:

A vida segue em frente
Mas o que é bom vai ficando
A imagem a mente grava
E o coração vai guardando
A emoção a saudade
Que inunda que invade
E nele vai se alojando.

Este colunista, seridoense do Acary potiguar, inspirado nos versos do amigo paraibano, assim que os leu, lhe respondeu no mesmo estilo:

A vida é como um galope
Que a gente vai controlando
Pelas rédeas do destino,
No acaso cavalgando…
Às vezes vira um trote
Nem precisa de chicote
Pra vida seguir andando.

Muitas vezes esporando
O passo da vida altera…
Puxar rédeas, dar um freio,
E a carreira modera
Trazendo à marcha – a vida –
Controlando com a brida
Mas, ela teima e acelera.

E assim seguimos nós.


Jesus de Ritinha de Miúdo terça, 07 de novembro de 2023

MEU NOME EM CRACHÁS (CRÔNICA DE JESUS DE RITINHA DE MIÚDO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

MEU NOME EM CRACHÁS

Jesus de Ritinha de Miúdo

O meu nome me faz viver certas situações engraçadas. Outras vezes constrangedoras. Dentre as centenas eu separei uma para contar hoje.

Quando universitário eu fui passar uma semana em Fortaleza participando do ENEAD – Encontro Nacional dos Estudantes de Administração.

 

 

 

 

Ficamos quase todos alojados num único clube da cidade. Milhares de alunos e ex-alunos, também, do referido curso.

Nossa caravana partiu de Currais Novos o dia ainda estava escuro e chegou ao meio dia na Terra da Virgem dos Lábios de Mel. Uma fila com centenas de estudantes ocupava as calçadas de alguns quarteirões, para o recebimento do crachá de indentificação, mais a pulseira de acesso aos ambientes do encontro. Logo essa fila se tornou quilométrica.

Chegando a minha vez, uma mocinha respondeu ao meu boa-tarde e perguntou para o preenchimento manual do crachá:

– O nome do senhor, por favor?

– Jesus – respondi de pronto.

Ela olhou para mim, baixou a cabeça e repetiu a pergunta.

– O nome do senhor. Por favor.

Voltei a responder “Jesus”.

A mesma pergunta se repetiu a terceira vez, obtendo a mesma resposta. Afinal não havia outra resposta.

Na quarta vez que ela me questionou, sem me olhar nos olhos e balançando negativamente a cabeça, eu já notei certa irritação em sua voz.

A irritação foi demonstrada sem qualquer cerimônia quando, recebendo novamente a minha resposta, ela levantou a cabeça e olhou para mim querendo me fulminar com o olhar.

– Moço, não estou aqui para brincadeiras. Eu sei que o nome do Senhor é Jesus. Leio a Bíblia! ‘Tá? – e apontando com pincel para a fila continuou: – Olhe o tamanho dessa fila. Então. Me diga por favor o nome do senhor. Certo?

A última palavra veio com os dentes quase trincados.

– Moça, sei que a senhora está perguntando o meu nome – falei evidenciando os últimos fonemas – e eu estou lhe dizendo que “o meu nome” é Jesus. Eu me chamo Jesus.

Eu fiz questão de falar soletrando a última frase.

– Ah! Então o senhor se chama Jesus? – perguntou-me com olhos arregalados.

– Sim! É isso que eu estou tentando dizer à senhora. Jesus é o meu nome desde a barriga de mamãe – falei rindo disfarçadamente da confusão feita por ela.

– Entendi. Desculpe-me.

Eu, como um bom Jesus, perdoei-lhe.

Recebi meu crachá.

Daí não sei quantas vezes naquele ENEAD eu tive que responder a pergunta “sério?! Seu nome é Jesus?”

Bom. Era o que estava escrito no crachá.


Jesus de Ritinha de Miúdo quinta, 26 de outubro de 2023

UMA TAMPA DE CRUSH! (CRÔNICA DE JESUS DE RITINHA DE MIÚDO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

UMA TAMPA DE CRUSH!

Jesus de Ritinha de Miúdo

Dois colunistas do JBF tomando uma na bodega

 

Quinta-feira passada eu visitei a bodega do inigualável Jessier Quirino.

Tomei uma lapada de cana com tira-gosto de simpatia, mais um petisco bem assado da simplicidade desse nordestino arretado. Fora os caldos de causos e risadas servidos no balcão do estabelecimento.

E o bodegueiro, que em nada ficou adormecido, ainda me serviu com altruísmo um prato quentinho de conhecimento sobre a cultura matuta do sertão de todos nós.

Lá eu voltei ao passado e carreguei embrulhada num papel de bodega a sensação de pertencimento naquele pedacinho de paisagem do interior, que eu levo nas lembranças das bodegas de minha infância, lá no Acary do meu amor.

Da hospitalidade de Jessier Quirino me abasteci de um caminhão completo de satisfação.

O meu coração ficou alegre feito um pinto ciscando um terreiro coberto todinho de Vitamilho, e minha alma segura feito um parafuso de cabo de serrote, apertado na certeza de que o Nordeste é um país sem par. Jessier sendo hoje o seu maior embaixador.

Deixei meu nome escrito na caderneta dos sonhos da bodega, em um fiado que só pagarei noutra visita, desde que eu já possa fazer outro fiado, deixando-o pendurado no prego da melhor saudade.

Viva Jessier Quirino, o tampa de Crush!

O original!

O maior do Nordeste!

 

 

(Em memória dos bodegueiros acarienses Pacanã, Gabriel Severiano, Chico Torres, Tomaz Araújo, Zé Birro, Marcos de Pernambuco, Zé de Nequim e Chico da Bodega. As bodegas da minha infância)


Jesus de Ritinha de Miúdo segunda, 16 de outubro de 2023

PETER PARKER (CONTO DE JESUS DE RITINHA DE MIÚDO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

PETER PARKER

Jesus de Ritinha de Miúdo

Quinta-feira passada no café da manhã do hotel em João Pessoa, um lugar de pouco espaço entre os móveis, um garotinho aparentando seus cinco anos corria desembestado – como diria o povo lá de nós – entre as cadeiras repletas de turistas vindos em uma caravana do Sul.

O pai, sentado à mesa com a mãe, apenas reclamava de leve quando o menino passava próximo de onde estavam, chamando-o pelo nome:

– Heitor!

Depois dizia sem ser ouvido pelo filho um “você cai” meio sem graça.

Do meu canto eu ficava vendo o menino “tirar fino” nas mesas, nas pessoas e na ilha de comidas expostas, esperando só o grito de alguém e torcendo para ninguém se machucar. Torcer era tudo que podia fazer.

Uma senhora levantou-se no corredor central. Nas mãos uma xícara e um prato.

Não deu tempo de desviar. Na carreira que vinha o menino bateu na lateral do seu corpo. Xícara e pratos no chão. Por sorte a senhora foi amparada por alguém.

– Heitor!

O pai se levantou e agarrou a criança brutalmente pelos braços.

– Não se levante mais daí – vociferou jogando literalmente o filho numa cadeira. – Está me ouvindo? – perguntou irritado.

A esposa se limitou em dizer que havia avisado.

Eu fiquei pensando por que ele não tomaram uma atitude antes?

Heitor ficou sentado ao meu lado direito, com os olhos marejando.

Lembrei-me dos meus dois netos. Especialmente de Levi, com quem o menino do hotel guarda certa semelhança.

Fiquei pensando que aquela criança não tem nenhuma culpa do despreparo dos pais. Talvez sua desobediência seja apenas “um produto do meio”. Bateu um dó em mim…

– Oi, Heitor – puxei assunto.

Ele me olhou desconfiado e voltou-se ao pai, como se quisesse dizer “esse desconhecido está falando comigo”.

– Fala com o tio – compreendeu o pai.

– Oi! Eu sou o Heitor – ele respondeu com os olhos ainda muchos de vergonha.

– Seu nome é bonito. O meu também é.

– Como o tio se chama? – Quis saber.

– É um segredo. Se eu lhe contar promete não falar para ninguém? – aticei sua curiosidade.

– Prometo! – respondeu já se animando com “o segredo” e esquecendo o ocorrido.

Olhei para os seus braços. Estavam vermelhos. As marcas dos dedos do pai em sua pele branquinha.

– Promete mesmo?

– Sim!

O sim dele já veio recheado por aquela ansiedade própria das crianças.

Então. Eu me voltei para o seu lado, inclinei meu tronco e falei arregalando um pouco os meus olhos, como se revelasse algo muito importante:

– Peter Parker.

– Ô pai, o tio é o Homem Aranha! – Seu grito ecoou pelo restaurante. – O Homem Aranha, pai!

– Ssiu! Não fale alto, Heitor. O Duende Verde pode estar aqui – pedi pondo meu indicador nos lábios.

– Certo. Certo!

– Agora somos amigos – falei com a mão fechada para ele bater.

Seus olhos já eram todo alegria.

Eu amo fazer essa brincadeira do Homem Aranha com crianças.

E Heitor comeu sentado, educadamente e sem mais contratempos.

À noite o pai de Heitor me revelaria que ele passou o dia todo pedindo segredo às pessoas, e confessando quase cochichando:

– Eu sou amigo do Homem Aranha.


Jesus de Ritinha de Miúdo terça, 10 de outubro de 2023

DE CONVERSAS QUE ME INSPIRAM (CRÔNICA DE JESUS DE RITINHA DE MIÚDO, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

DE CONVERSAS QUE ME INSPIRAM

Jesus de Ritinha de Miúdo

Ontem na fila do almoço do Hotel Aram Imirá Beach Resort, onde eu estava dando um treinamento para a equipe comercial do nosso distribuidor aqui do Rio Grande do Norte, testemunhei uma conversa exageradamente engraçada. E constrangedora também.

 

 

Uma senhora à minha frente trazia uma tatuagem nas costas, na altura da “par direita”, como diria minha querida Tia Santa. Era um rosto um tanto quanto esquisito em virtude do enrugamento natural daquela parte do corpo, quando carne e pele não conseguem mais resistir aos poderes da famosa Lei de Newton e descem das costas como se quisessem fazer parte de outra parte.

Abaixo desse mesmo rosto havia ainda a criação de John Wallis, contemporâneo do mesmo Newton, ou seja, havia o número “oito deitado” sobre um coração, simbolizando “amor eterno”. Foi assim que eu interpretei.

Já pelas cores desbotadas dos desenhos, eu vinha calculando a idade da tatuagem em uns… quinze anos. No mínimo. O que coincidia com a segunda data tatuada ao lado do coração: 2008. A outra data era 1958 sobre duas argolas que eu entendi como alianças. As datas eram separadas pelo coração.

Toda essa arte simbólica sendo imprensada e um pouco descaracterizada pela ação do tempo.

Ela, digo, a senhora, servia-se da feijoada quando um senhor bem atrás de mim – aliás, apenas eu os separava – conversou animado e em tom de admiração:

– Nossa como a senhora é fã do Amigo da Onça. Até tatuou o rosto dele nas costas!

Eu não sei quantas vezes aquela senhora é abordada com tal comentário; mas, ela virou-se tão rapidamente que temi sua feijoada caindo do prato sobre os meus pés e dei, por puro reflexo, um passo atrás, deixando-os frente à frente.

– Fala comigo? – ela perguntou altiva.

O senhor respondeu que sim, acrescentando que na infância adorava as piadas do Amigo da Onça.

Eu vi o rosto da senhora se contrair, acentuando ainda mais as rugas na pele branca. Com um sotaque que muito me pareceu ser do outro Rio Grande, ela respondeu:

– Pois, saiba o senhor que este rosto é do meu saudoso marido Péricles – e concluiu demonstrando bastante chateação – seu indelicado!

O senhor olhou para mim com um misto de vergonha e decepção no olhar, enquanto a senhora saiu irritada da fila para se sentar uns quatro metros à nossa frente.

– Rapaz, que coincidência! O Péricles dela era a cara do personagem do outro Péricles – ele falou quase num cochicho.

Eu ri um pouco por fora, segurando como pude a gargalhada querendo explodir do meu peito.

– Aqui para nós dois – baixei o tom de minha voz ao nível da dele, pisquei marotamente um olho e lhe confessei – eu também jurava ser uma homenagem ao Amigo da Onça.

Ríamos juntos quando um turista gritou lá atrás “anda a fila”.


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