A crônica abaixo é da pena sensível de Teresa Oliveira, escritora lançando sua primeira obra, advogada, ativista da causa autista no RN, humanista e funcionária do Tribunal de Justiça da Paraíba.
Será parte das quarenta e cinco crônicas alicerçadas na saudade da autora no livro “Gentil, verás que um filho teu não foge à luta”, contando a história do pai dela, Dr. Gentil Oliveira, médico e político potiguar, assassinado em 1989.
O livro será lançado no dia 27/Maio/2022, conforme informações que estão no final desta postagem.
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O INÍCIO DO INÍCIO – Teresa Oliveira
O quarto era iluminado por um abajur de renda francesa. Entre a mobília, toda em estilo Luiz XV, reinava soberana uma penteadeira cheia de significados. Sobre ela ficava o talco usado pela minha avó Elita, cujo cheiro ainda familiar, me causa uma das melhores saudades olfativas. Fecho os olhos e sinto!
Alta, magra, elegante e de uma fidalguia peculiar à sua figura, assim era ela, a mãe do meu pai.
Nas minhas doces e ternas lembranças, eis que ela aparece magnífica. Ao acariciar os meus cabelos, não titubeava em lamentar a velhice e a impossibilidade de me ver adulta.
Chamava-me carinhosamente de “mulher bonita”; pois, segundo ela, eu era dona de traços afilados e rosto de boneca.
Tantas vezes vejo-me nela, seja na luta, na coragem, na forma de enfrentar a vida, sem medo e sem melindres, seja na velha penteadeira herdada por mim e guardada com o zelo dos objetos, senão santos, com significados inenarráveis.
Felipe Alves de Oliveira e Elita de Paiva Barreto viveram uma história de amor ímpar, e não é segredo para ninguém: eles são para mim uma fonte inesgotável de inspiração. Eles eram os pais de Dr. Gentil.
Meu avô era agricultor, homem calmo, prudente, paciente e muito trabalhador. Com suas mãos calejadas pela labuta diária construiu as cercas do velho Sítio Carnaubau, manuseando o arame farpado com a mesma maestria que um poeta manuseia uma caneta.
Da união vieram cinco filhos. Todos nascidos no sítio. No entanto, tão logo precisavam estudar, eram enviados para a cidade com esse fim.
De Alexandria à Natal, de Natal à Recife, os irmãos desbravaram o mundo e venceram na vida.
Hoje, conversando com o primogênito, Francisco Paiva de Oliveira, gozando ele de saúde e lucidez no auge dos oitenta e tantos anos, senti a alegria de um homem se orgulhando em relembrar o passado de lutas, conquistas, lágrimas e vitórias.
Definiu a mãe como uma mulher justa, que, sem meias palavras ou meias verdades, lhes ensinou o valor do trabalho honesto na vida de qualquer ser humano.
Em relação ao pai, Chico Paiva relembrou o esforço e a luta de um agricultor nunca admitindo seus filhos segurando sequer o cabo de uma enxada. Meu avô agricultor sonhou plantar grande. Colheu grande.
Naquela época, onde só os filhos de famílias tradicionais tinham condições de estudar na capital, filho de agricultor ser doutor era um desacato.
Pois bem, o filho mais velho abriu os caminhos e cuidou dos demais. Fez o serviço completo, incluindo até o caçula.
Quando fala no assunto, Chico Paiva se vê emocionado e diz que tinha meu pai como um filho.
Francisco fixou residência no Recife, vivendo na Veneza Brasileira até os dias atuais.
Com o peito estufado de orgulho, me disse que o meu pai passou no primeiro vestibular na melhor faculdade de Medicina do Nordeste.
Perguntei o que ele sentia quando se lembrava do irmão caçula e, com a voz ainda embargada pela saudade, respondeu-me: “Ele era inteligente, tinhoso, gostava de política e tinha uma bondade imensa. Me obedeceu em quase tudo, só me faltou com respeito quando teimou em morrer antes de mim.”
As últimas palavras precederam um soluço. O meu.
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