Raimundo Floriano
Francisco de Assis Carvalho da Silva
(Mister Six)
Hexadátilo, como vocês estão cansos de saber, é a pessoa que tem seis dedos. E Francisco de Assis Carvalho da Silva, os possuía em ambos as mãos e em ambos os pés, herança genética de uns antepassados indígenas. Ele gostava de ser chamado de Mister Six e tudo que fazia era relacionava a esse pseudônimo.
Mister Six transmitiu essa polidatilia para grande parte de sua prole. Dos quatro filhos que teve, apenas o mais velho não nasceu com os seis dedos. Os outros três herdaram a genética do pai. Ao todo, são 14 membros da família que têm essa diferenciação.
Filha de Six, orgulhosa da hexadatilia
Aliás, ser hexa é o desejo que todos nós, os brasileiros, acalentamos desde a conquista do penta em 2002. Não querendo meter política pelo meio, mas já enfiando, não custa lembrar que, como também todos estão cansos de saber, a dupla Itamar/FHC ganhou duas Copas e foi vice noutra, enquanto que a dupla Lula/Dilma já perdeu três. Como o brasileiro nunca desiste, a família de Mister Six, desde 2006, torce para que concretizemos tão almejado sonho, igualando-nos a ela ao hexa com que a Natureza os presenteou:
Mister Six nasceu em São Luís do Maranhão, a 11 de dezembro de 1933, e faleceu em 1999, aos 66 anos de idade, aqui em Brasília, onde era pioneiro. Funcionário do Banco do Brasil e, formado em direito, exerceu a advocacia em seu escritório particular e dando assessoria a diversos órgãos governamentais.
Exímio tocador de cavaquinho, fez da música e da boemia seu estilo de vida. Cercado de grandes instrumentistas que o acompanhavam, era figura carimbada na noite brasiliense, nos inferninhos, nas boates, em bares, em clubes, em festas familiares, enfim, onde quer que o convidasse, sempre se apresentando graciosamente, pelo prazer de tocar, de alegrar a vida. Principalmente onde houvesse mulher e farta munição de boca: tira-gosto, uísque, cachaça, cerveja e outros mais.
Mister Six tinha um grupo seleto: violão de 7 cordas, violão de 6 cordas, bandolim, cavaquinho centro, cavaquinho solo – ele mesmo –, sanfona e pandeiro. Mas não era um grupo fechado. Admitia qualquer um que com ele quisesse tocar, com foi comigo e meu trombone.
Aconteceu em 1973. Maria Alcina acabara de ressuscitar Carmen Miranda, ao incluir em seu LP Maria Alcina, recém-lançado, dois sucessos da Pequena Notável: Alô, Alô, samba de André Filho, e Como “Vaes’ Você, marchinha de Ary Barroso. Foi tremendo sucesso no mundo gay, que organizou um desfile de travestis, na Boate Sereia, não mais existente, todos eles caracterizados de Carmen. Convidado para animar a festa, compareci, lá encontrando já em ação a turma do Mister Six, à qual me incorporei. Noite de esfuziante brilho, tanto dos trajes dos desfilantes, quanto do conjunto musical, modéstia à parte.
Em 1998, pouco antes de morrer, Mister Six me presenteou com esse livro, lançado naquele ano, cujo tema dominante e, segundo suas próprias palavras no autógrafo é “minhas lembranças orgíricas.”
Há muito, ele vinha cobrado pelos familiares e amigos para que escrevesse suas memórias. Mas só se dispôs a começar o trabalho porque quebrou o pé direito, numa leve topada no Aeroporto do Recife, quando retornava a Brasília, depois de uma batalha jurídica para a retomada da gerência de TV O Norte aos seus legítimos proprietários. Na convalescença, achou tempo para transformar-se em escritor.
São histórias hilariantes mesmo, nas quis se comprovam seu espírito seresteiro, boêmio e putanheiro. Vou contar-lhes duas.
A VISITA FRUSTRADA ÀS GENITORAS - Numa Semana Santa, Mister Six aproveitou para visitar Dona Neuza, sua mãe, em são Luís. Ao entrar no avião, encontrou seu amigo Manoel Lopes, o Manolo, funcionário da Câmara dos Deputados e exímio sapateador, que ia à Capital Ludovicense com o mesmo propósito. Ao chegarem lá, não havia parente algum para recebê-los. Resolveram pegar o mesmo táxi rumo à cidade. Já embarcados, perguntaram ao motorista se, no trajeto, havia algum local para molharem a goela. O motorista respondeu que, se eles gostavam de “casas de mulheres”, havia, bem perto, o Solar de Dona Neuza, com lindas moçoilas. Ao ouvir o nome de sua genitora, Mister Six aprovou no ato. Em lá chegando, foram fidalgamente recebidos pela Diretora do ambiente, que os acomodou, informando que as meninas estavam na praia, mas logo retornariam Enquanto esperavam, Mister Six pegou o cavaquinho, dando início a uma tocata regada a cerveja, uísque e tira-gosto, com o Manolo a sapatear. Por lá se hospedaram e por lá foram ficando. Com o retorno das meninas, a coisa esquentou. A temporada durou cerca de uma semana de choro, sapateado e raparigagem, após o que regressaram a Brasília, sem verem as respectivas genitoras, com as quais só falaram por telefone, após sua chegada na Capital Federal.
A MERDIFICAÇÃO DA CABELEIRA DO MAESTRO - O astro é o exímio violinista Ricardo Wagner, famoso por sua imensa prole legal, acrescida de outros descendentes oriundos de aventuras extraconjugais, pelo que era reconhecido com raparigueiro juramentado. Estando Mister Six hospedado no antigo Empire Hotel, no Rio de Janeiro, recebeu ele visita do amigo violinista no último andar, onde funcionava um requintado restaurante de comidas baianas. O virtuoso chegou acompanhado de uma de suas concubinas, linda gauchinha descendente de italianos chamada Sofia. No almoço, caruru, efó, vatapá, moqueca de siri mole, bobó de camarão, etc., tudo com leite de coco de dendê, bem apimentado e regado a vinho branco. Terminado o ágpe, Ricardo pediu a Mister Six a chave do apartamento para uma rápida incursão sentimental, sendo imediatamente atendido pelo amigo, que ali ficou esperando a volta dos pombinhos. De repente, quem lhe aparece é o mensageiro do hotel, comunicando que o músico devia estar com algum problema, pois acabara de fazer estranha encomenda: seis vidros de xampu, condicionadores de teores diversos, dois pentes finos, três vidros de sabonete líquido, além de meia dúzia de tolhas de rosto. Diante do inusitado, Mister Six rumou para o apartamento, sendo interceptado pela garota Sofia, que descreveu a ocorrência: estando os dois em prefeita coalizão amorosa, resolveram apelar para um posicionamento invertido, cognominado soixante-et-neuf, quando ela, por cima, se sentiu, repentinamente, mal da barriga, explodindo, sem querer, um violento jato de merda, com perfume de dendê, sobre a cabeleira do parceiro que, em defesa, empurrou suas nádegas para a frente, ocasionando um segundo jato, ainda mais forte sobre seus olhos. E ao pobre maestro, cego e merdificado, só restou correr para o banheiro, em busca de assepsia geral.
Esta, por ter acontecido muito comigo durante meu tempo útil de trombonista, merece transcrição.
“Até hoje, por incrível que pareça, os músicos são discriminados, porque a maioria pensa que eles, não obstante exercerem essa magnífica profissão, exibem-se não como meio de vida, porém como divertimento. Dentro desse equivocado entendimento, vêm sendo explorados, principalmente os instrumentistas, pela distorcida demanda do mercado. Do mesmo modo, com raríssimas exceções, também são considerados de nível social inferior.
“Vários de nossos artistas ligados ao gênero chorístico, entre os quais pessoas de alto gabarito em outras atividades, foram convidados para uma recepção numa mansão do Lago Sul, bairro elegante, onde reside a classe alta de Brasília.
“Formamos, então, uma pequena caravana, e partimos, juntos, para o endereço indicado. Éramos, mais ou menos, dez cavalheiros, cada qual empunhando seu instrumento.
“Ao tocarmos a campainha, no interfone, a dona da casa perguntou quem éramos.
“– Somos os músicos! – eu respondi displicentemente.
“Vejam o que ela disse:
“– Está bem! Um momentinho! Vou mandar abrir a entrada de serviço!
“Em fila indiana, já combinados, atendemos à recomendação.
“Na sala principal, cumprimentamos todos os convidados e os donos da casa, saindo pela imponente porta social, sem dizermos absolutamente mais nada.
“A festa, simplesmente, em respeito a nós mesmo, ficou sem música.”
Mister Six, além desse divertidíssimo livro, deixou-nos este maravilhoso CD, verdadeira raridade, não encontrada no mercado fonográfico, para marcar sua passagem entre nós, secundado por seu excelente grupo de amigos chorões:
Como amostra da arte de Mister Six e seu cavaquinho, escolhi o chorinho Rossinando, composição sua em homenagem ao bandolinista recifense Rossini Ferreira, produtor do CD que, com ele, aparece na capa. Vamos ouvi-lo:
Raimundo Floriano
Ademilde Fonseca -04.3.1921 – 27.3.2012
Ademilde Fonseca Delfim, cantora, inesquecível ídolo da MPB, faleceu a 27.03.2012, aos 91 anos, no Rio de Janeiro (RJ), vítima de mal súbito. Nasceu ela em Vitória do Santo Antão (PE), no distrito de Pirituba, e foi criada em Natal (RN), para onde a família se mudou quando a menina tinha quatro anos de idade.
Ainda muito jovem, ligou-se a um dos conjuntos de seresteiros locais, do qual participava Laudimar Gedeão Delfim, com quem mais tarde se casaria, passando a assinar-se Ademilde Fonseca Delfim. Anos mais tarde, ao separar-se, adotou o nome artístico de Ademilde Fonseca.
Em 1941, já casada, transferiu-se para o Rio de Janeiro e, no ano seguinte, depois de um teste na Rádio Clube do Brasil, apresentou-se no programa de calouros Papel Carbono, de Renato Murce. Ainda em 1942, atuou com o regional de Benedito Lacerda numa festa e obteve enorme sucesso cantando o choro Tico-tico no Fubá, de Zequinha de Abreu, cuja letra, atribuída a Eurico Barreiros e ainda inédita em gravações, conhecia desde menina.
Levada por Benedito Lacerda aos estúdios da Colúmbia, na época sob a direção musical de João de Barro, o Braguinha, Ademilde estreou gravando Tico-tico no Fubá e o samba Volte Pro Morro, de Benedito e Darcy de Oliveira, disco lançado em julho de 1942, com grande êxito. A partir de 1943, com o lançamento dos choros de Apanhei-te, Cavaquinho, de Ernesto Nazareth, com letra de João de Barro, e Urubu Malandro, adaptação de Lourival de Carvalho, tornou-se conhecida como cantora de prestígio, sendo procurada por diversos compositores.
Em 1944, levada pelo cantor Déo, integrou o elenco da Rádio Tupy, do Rio de Janeiro, apresentando-se com o regional de Rogério Guimarães e Claudionor Cruz. No ano seguinte, sua interpretação da polca Rato, Rato, de Claudionor Costa, gravada em ritmo de choro, com letra de Casimiro Rocha, consagrou-se como a maior intérprete do choro cantado. Nessa gravação, pela primeira vez, não foi acompanhada por Benedito Lacerda, tendo participado do disco o conjunto Bossa Clube, liderado pelo violonista Garoto. Por sua marcante característica, recebeu de Benedito o título de RAINHA DO CHORO!
Em fins da Década de 1940, com a moda do samba-canção e do baião, o prestígio da cantora diminuiu, mas, em junho de 1950, retornou às paradas de sucesso com as gravações de Brasileirinho, e Waldir Azevedo e Benedito Costa, e Teco-teco, de Pereira da Cruz e Milton Vilela, nas quais foi acompanhada pelo regional de Waldir.
No ano de 1952, excursionou por Paris, com a Orquestra Tabajara, de Severino Araújo, apresentando-se com outros artistas em show patrocinados por Assis Chateaubriand. De 1950 a 1955, gravou vários sucessos na Todamérica. A partir de 1954, na Rádio Nacional, atuou com os regionais de Canhoto, Jacob do Bandolim e Pixinguinha, entre outros, além das orquestras de Radamés e Gnatalli e do Maestro Chiquinho. Em 1964, ao lado do cantor Jamelão, excursionou pela Espanha e Portugal, exibindo-se por seis meses em Lisboa. No Brasil, em 1967, participou do II FIC - Festival Internacional da Canção, da TV Globo, do Rio de Janeiro, interpretando o choro Fala Baixinho, de Pixinguinha, com letra de Hermínio Bello de Carvalho. Na Década de 1970, suas apresentações no Teatro Opinião, do Rio de Janeiro, alcançaram grande repercussão, levando, em 1975, ao relançamento da cantora em LP da gravadora Top Tape.
(Dados extraídos de Enciclopédia da Música Brasileira, da Art Editora Ltda.)
Capa de alguns de seus discos:
No ano de 2001, em seu octogésimo aniversário, Ademilde foi recebida na Rua do Choro, em São Paulo, quando aconteceu um recital com a participação dos chorões paulistanos. No mesmo ano, em Pirituba, onde nasceu, uma praça foi batizada com seu nome, com sua presença. Aproveitando a viagem a sua terra, abriu o Projeto Seis e Meia em Natal, no Teatro Alberto Maranhão.
Não tendo se aposentado totalmente, vez em quando participava de shows, espetáculos e entrevista, levando a vida assim numa boa, relembrando os momentos marcantes de sua preciosa contribuição para a Música Popular Brasileira.
(Dados colhidos na Wikipédia.)
Dois momentos de Ademilde:
O agradabilíssimo repertório de Ademilde Fonseca é variado, extenso e conhecido de todos os brasileiros, uns mais, outros menos. No meu acervo, tenho a felicidade de possuir, além dos títulos acima citados, estas maravilhas musicais por ela gravadas:
Acariciando, choro, Adeus, Vou-me Embora, samba, Amor Sem Preconceito, choro, Arrasta-pé, baião, Baião em Cuba, baião, Choro Chorão, choro, Choro do Adeus, choro, Coração Trapaceiro, choro, Delicado, baião, Derrubando Violões, choro, Dinorá, choro, Doce Melodia, choro, É de Amargar, choro, Estava Quase Adormecendo, samba, Fogueira, toada, Galo Garnisé, choro Gato, Gato, choro, História Difícil, choro, João Paulino, marchinha, Lamento, choro, Liberdade, marchinha, Mar Sereno, choro, Meu Cariri, baião, Meu Senhor, samba, Meu Sonho, choro, Molengo, choro, Não Acredito, samba, No Tempo do Onça, choro, O Que Vier, Eu Traço, choro, Papel Queimado, samba-canção, Paraquedista, choro, Pedacinhos do Céu, choro, Pinicadinho, polca, Qué Procê?, baião, Rio Antigo, maxixe, Saliente, choro, Sapatinhos, choro, Saudades do Rio, choro, Se Amar É Bom, toada, Se Deus Quiser, samba, Sentenciado, samba, Só Você, samba-canção, Sonhando, choro, Sonoroso, choro, Teco-teco, choro, Tem 20 Centavos Aí?, baião, Títulos de Nobreza, choro, Uma Casa Brasileira, marchinha, Vaidoso, choro, e Vou Me Acabar, choro.
Para mostrar-lhes um pouco de seu trabalho, escolhi estas faixas:
Acariciando, choro de Abel Ferreira e Lourival Faissal:
Brasileirinho, choro de Waldir Azevedo e Pereira Costa:
Galo Garnisé, choro de Luiz Gonzaga, Antônio Almeida e Miguel Lima:
Paraquedista, choro de José Leocádio:
Títulos de Nobreza, choro de João Bosco e Aldir Blanc:
Raimundo Floriano
O chorinho, assim como o frevo e o maxixe, é uma invenção genuinamente brasileira.
Os primeiros conjuntos de choro surgiram por volta de 1880, no Rio de Janeiro. Eram pequenos grupos de músicos, muitos deles modestos funcionários da Alfândega, dos Correios e Telégrafos e da Estrada de Ferro Central do Brasil, que se reuniam aos domingos nos fundos dos quintais dos subúrbios cariocas ou das residências do bairro Cidade Nova, onde muitos moravam.
Do caráter plangente, choroso, da música que esses pequenos conjuntos faziam, surgiu o nome CHORO.
A composição instrumental desses primeiros grupos girava em redor do terno – flauta, violão e cavaquinho. A flauta como solista, o cavaquinho como “centro” e o violão na “baixaria”. A esse núcleo inicial do choro se dava também nome de “pau-e-corda”, por serem de ébano as flautas usadas.
As mais antigas referências a esses grupos de músicos mencionam o nome do flautista Antônio Callado – Joaquim Antônio da Silva Callado – como o iniciador e organizador desses conjuntos pioneiros. Músico de boa formação, ele congregou em torno de si os melhores executantes da época, que, movidos pelo único desejo e o prazer desinteressado de fazer música, se reuniam por acaso, sem qualquer idéia prévia quanto à composição instrumental ou quanto ao número de figurantes.
A partir dos primeiros anos da República, há menção de conjuntos já com outros instrumentos de corda, assim como instrumentos de banda, com função de solistas ou concertantes dentro do grupo: bandolim, clarineta, saxofone, trombone, pistom, sanfona. pandeiro, bombo de marcação, etc.
O choro foi também o recurso de que se utilizou o músico popular para executar, a seu modo, a melodia importada, que era consumida, a partir da segunda metade do século XIX, nos salões e bailes da alta sociedade.
Tal melodia, sob o impulso criador e improvisatório dos chorões, logo perdeu as características de origem, adquirindo feição e caráter perfeitamente brasileiro, a ponto de se tornar impossível confundir uma polka da Boêmia, um schottische teuto-escocês, ou uma walsa alemã ou francesa com a respectiva similar brasileira, saída da inventiva desses chorões.
O choro nasceu, portanto, da necessidade inconsciente que esses músicos sentiram de nacionalizar a música estrangeira importada. Ao chorão não bastava só repetir a música que entrava pela Alfândega, era preciso criá-la.
Originado nas biroscas dos bairros da Zona Norte do Rio de Janeiro, o choro era elemento indispensável nos pagodes e nas tocatas domingueiras dos fins do século XIX e início do século XX, nos quais era preceito uma mesa farta e bem regada. Da capital fluminense, difundiu-se por todo o país, adquirindo, assim, uma identidade nacional e perdendo a plangência de outrora, vindo a alegria a nele também se instalar.
Em meu incessante trabalho de pesquisa, tenho o prazer de contar em meu acervo com exemplares da maravilhosa criação desses geniais chorões, dentre outros: Alvaiade, Anacleto de Medeiros, Andre Victor Costa, Antônio Calado, Ary dos Santos, Benedito Lacerda, Bonfiglio de Oliveira, Bororó, Carioca, Casimiro Rocha, Catulo da Paixão Cearense, Claudino Costa, Claudionor Cruz, Dante Santoro, Del Loro, Érica Rego, Ernesto Nazareth, Felisberto Martins, Fonfom, Garoto, Hamilton de Holanda, Hermínio Bello de Carvalho, Honório Lopes, João de Barro, João Pernambuco, José Benedito de Freitas, José Leocádio, José Menezes, K-Ximbinho, Lino Pesce, Lourival Faissal, Louro, Luiz Bittencourt, Paulinho da Viola, Pedro Caetano, Porfiro Costa, Toquinho, Ubaldo Sciangula e Zequinha de Abreu.
Muitos deles passaram, com a invenção do disco, além de compositores, também a gravar suas obras, algumas das quais aqui apresento. Junto a esses, relaciono também os grandes intérpretes, de outrora e de hoje, que muito fizeram e fazem pela consolidação do gênero. Gente como Abel Ferreira, Ademilde Fonseca, Altamiro Carrilho, Baby Consuelo, Chico Caju, Conjunto Brasília, Conjunto Dois de Ouro, Conjunto Os Coroas, Dilermando Reis, Evandro do Bandolim, Hélcio Brenhas, Hugo Cantarino, Ivanildo, Jacob do Bandolim, Luiz Americano, Luiz Sérgio, Luperce Miranda, Manezinho do Sax, Mario Gennari Filho, Mário Zan, Nilze Carvalho, Orlando Silva, Paulinho do Sax, Pixinguinha, Ratinho, Raul de Barros, Robertinho e Sua Sanfona, Roberto Barbosa e Seu Cavaquinho, Saraiva, Silvério Pontes, Sivuca, Teixeira de Manaus, Toco Preto, Toquinho, Vinícius de Moraes, Waldir Azevedo e Zé da Velha.
Nos dias atuais, o chorinho se revigora cada vez com mais pujança. A Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello, em Brasília, é referência mundial. Com professores altamente gabaritados, prepara, anualmente, grande quantidade de jovens adolescentes, que se encarregam de propagar o choro em palcos espalhados por todo o Brasil. Exemplo disso é o garoto Pedro Henrique, neto do Papa Berto I, que, aos 13 anos, com seu bandolim, já deixava boquiabertos os que assistiam à sua magistral interpretação.
Também o Clube do Choro de Brasília, competentemente presidido pelo virtuose Reco do Bandolim, é uma das famosas atrações turísticas da Capital Federal, arrebatando imenso público de todas as faixas etárias para seus espetáculos semanais, com casa sempre lotada. A seguir, o Espaço Cultural do Choro, projeto de Oscar Niemeyer, onde funcionam as duas instituições acima citadas:
Visando a facilitar a vida de meus amigos instrumentistas, do Brasil e do Exterior – sendo músico, mora em meu coração –, escaneei as 250 partituras de choros de meu acervo, que disponibilizei em meu álbum de fotos do Facebook. Para fazer o download delas, basta clicar no link abaixo:
Na seleção abaixo para lhes mostrar um pouco desse vibrante ritmo, escolhi quatro faixas, com estes virtuosos intérpretes: Ademilde Fonseca, no vocal; Ratinho, no saxofone; Altamiro Carrilho, na flauta, e Waldir de Azevedo, no cavaquinho.
Ademilde Fonseca, Ratinho, Altamiro e Waldir Azevedo
Vamos ouvi-los:
Com Ademilde Fonseca, no vocal, de Alvaiade e Zé Maria, O Que Vier Eu Traço:
Com Ratinho, no saxofone, de sua autoria, Saxofone, Por Que Choras?:
Com Altamiro Carrilho, na flauta, de Pixinguinha e João de Barro, Carinhoso:
Com Waldir Azevedo, no cavaquinho, de sua autoria, Brasileirinho.
DIA DO CHORO E ANIVERSÁRIO DE PIXINGUINHA - 23 DE ABRIL
Raimundo Floriano
Oficializada em setembro de 2000, a data delebra um dos gêneros tradicionais do Brasil
CHOROS E CHORINHOS - 457 PARTITURAS DIVERSAS
Raimundo Floriano
Dando continuidade a meu trabalho cultural de divulgação da Música Popular Brasileira, aqui vão 457 partituras de choros e chorinhos para instrumentos diversos, conforme relação abaixo:
PRIMEIRA POSTAGEM - PARTITURAS - CHOROS - 250
Para acessá-las, basta clicar neste link do Facebook:
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SEGUNDA POSTAGEM - PARTITURAS - MAIS CHOROS - 207
Meus agradecimentos ao Maestro Antonio Gomes Sales, de Caraúbas (RN), grande amigo, cuja colaboração foi determinante para o sucesso deste projeto.
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KELLY ROSA E O CHORO
ESTRELA DO SUL NO NORDESTE A BRILHAR
Raimundo Floriano
Dois Momentos de Kelly Rosa
A festa de minha posse na Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, no Recife, tendo como Patrona a cantora Elba Ramalho, em maio de 2009, constituiu-se para mim em grandioso enriquecimento cultural. Naquela noite, fiz amizade com cerca de 30 expoentes da Música Popular Brasileira em plena atividade no Nordeste, mas completamente desconhecidos por estes lados do Planalto Central.
Kelly Rosa foi uma dessas maravilhosas surpresas. De longe, ao vê-la chegar, até pensei que se tratasse da própria Elba. A mesma altura, o mesmo tom de pele, o mesmo trajar, o mesmo penteado. Ao aproximar-se, constatei meu engano. E mais convencido fiquei do erro em minha avaliação quando Elba a chamou para com ela dividir o palco. Kelly, acompanhando-se ao violão, demonstrou que tem estilo próprio, personalizado, inconfundível.
A seu respeito, escreveu Marcos de Farias Costa, poeta, escritor e estudioso da MPB: “O que surpreende ao apaixonado pela Música Popular Brasileira que venha a assistir a uma apresentação de Kelly Rosa é a riqueza de seu repertório, aliada à interpretação primorosa; uma voz moderna, que imprime novos sabores a cada execução, uma coloração canora, que nos enche os ouvidos de rara beleza, eis o seu segredo de intérprete, guardado a sete chaves! Cada música que ela canta é intensamente trabalhada, nota por nota. Kelly não imita ninguém, sequer a si mesma, pois cada interpretação é uma nova execução, e cada execução é uma nova interpretação, num círculo não vicioso.”
Kely Cristine da Rosa nasceu em Ponta Grossa (PR), no dia 14 de abril de 1971. O pai, gaúcho, tocava violão, e a mãe, paranaense, toca acordeom. Ambos cantavam juntos em programas de rádio da região.
Nascendo e crescendo em ambiente musical, Kelly teve, já na infância, despertada sua vocação para a carreira artística. Começou a cantar e tocar violão aos 8 anos de idade, passando a fazê-lo profissionalmente, aos 18, num hotel em Guarapuava (PR). Cantou em várias Bandas ainda no Sul e, em 1995, mudou-se para Maceió (AL), onde gravou este que foi seu primeiro CD:
A variedade de ritmos desse primeiro disco já patenteia a versatilidade de Kelly. Tem chorinho, valsa, maracatu, xote, canção, samba, milonga e frevo-canção. Adquiri meu exemplar há poucos dias, num sebo virtual, onde outros ainda se encontram à venda. Recomendo-o, com louvor!
Kelly casou-se em Maceió, onde nasceu sua filha. Depois de 8 anos ali residindo, transferiu-se para o Recife, onde fixou residência definitiva.
Durante o show lá na Academia Passa Disco, comprei – e ganhei – os trabalhos gravados de quase todos os artistas ali presentes, como o CD Flor Amorosa, de Kelly, no qual se constata sua faceta chorona e seresteira:
Já fiquei seu fã só de ver a contracapa do disco. Ao pedir seu autógrafo, fui surpreendido pela cantora que, além de se deixar fotografar comigo, me presenteou com o ainda projeto embrionário de seu próximo trabalho.
A bela e o feio
Nesse DEMO, Kelly abraça com perfeição e garra o gênero forrozeiro, mostrando seu definitivo enraizamento no ambiente nordestino, o que se constata nestes ritmos tão nossos: baião, xote, arrasta-pé, frevo-canção, maracatu e muito, muito rojão.
Em sua discografia, constam ainda os CDs Mistura, Tua Chegada e Imbalança. Com a produção de Luciana Araújo, prepara o próximo, Coração Saudosiano, que terá homenagem ao Sertão Pernambucano, Pajeú das Flores e Cariri Paraibano, 7 canções de poetas da região, e um livro contendo 40 poemas e a história poética e São José do Egito, Capital da Poesia, com lançamento previsto para agosto, no Recife, e, a seguir, em mais 7 capitais brasileiras. O disco terá arranjo e Renato Bandeira e participações especiais de Cezzinha e Spok além de composições de Bia Marinho, Maciel Melo, Anchieta Dali, Carlos Vilela, Lamartine Passos, Zeto, Geraldo Azevedo, Zé Marcolino, Luiz Homero, Jorge Simas, Xico Bizerra, Beto do Bandolim, Zeca Tocantins, Dario Moreira e Túlio Araújo. É riqueza nordestina, pauleira pura, imperdível!
Também imperdível é seu último trabalho, consolidação daquele embrionário promocional do qual já lhes falei, cujo título, Se Tu Quiser, remete-nos ao talentoso Cardeal Xico Bizerra e sua linda composição, considerada hoje campeã de regravações em todo o Brasil:
Kelly Rosa empolgou o público e os jurados na última edição do FEMUARTE - Festival de Música e Arte, de Garanhuns, ficando em segundo lugar com o choro No Quintal do Cosme, de Manoel Oliveira e Otaviano Monte.
Além disso, atuou em outros projetos nordestinos, como ou de projeto como o Mulheres Cantadeiras de Uma Nação Chamada Nordeste, e Alma Sanfônica, ambos de Xico Bezerra. Participou ainda do DVD de Irah Caldeira, no Teatro da UFPE, da gravação do DVD de Zé Bicudo e Paula Forrozeira, na Sala de Reboco, do DVD de Claudionor Germano, no Teatro Santa Isabel, e da Homenagem ao Frevo, no mesmo teatro, ao lado de Getúlio Cavalcanti, Nono Germano e Nena Queiroga.
Kelly Rosa tornou-se minha amiga virtual o Orkut, com perfil lotado. Naquele site de relacionamento, há várias Comunidades que congregam a legião de seus admiradores.
Para vocês, pequena amostra do trabalho dessa amiga e grande artista:
Doce de Coco, choro de Jacob do Bandolim e Hermínio Belo de Carvalho:
Acariciando, choro de Abel Ferreira e Lourival Faissal:
Odeon, choro de Ernesto Nazareth e Vinícius de Moraes:
Último Desejo, choro de Noel Rosa:
Paraquedista, choro de José Leocádio:
E, para que conheçam um pouco sua atuação no palco, aqui vai este youtube, com Flor Amorosa, choro extraído de seu CD com o mesmo título, de meu conterrâneo maranhense Catulo da Paixão Cearense e Antônio Callado, ao qual a menina Kelly imprimiu caprichada e maviosa releitura.
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MISTER SIX, O HEXADÁTILO DO CAVAQUINHO
Raimundo Floriano
Francisco de Assis Carvalho da Silva
(Mister Six)
Hexadátilo, como vocês estão cansos de saber, é a pessoa que tem seis dedos. E Francisco de Assis Carvalho da Silva, os possuía em ambos as mãos e em ambos os pés, herança genética de uns antepassados indígenas. Ele gostava de ser chamado de Mister Six e tudo que fazia era relacionava a esse pseudônimo.
Mister Six transmitiu essa polidatilia para grande parte de sua prole. Dos quatro filhos que teve, apenas o mais velho não nasceu com os seis dedos. Os outros três herdaram a genética do pai. Ao todo, são 14 membros da família que têm essa diferenciação.
Filha de Six, orgulhosa da hexadatilia
Aliás, ser hexa é o desejo que todos nós, os brasileiros, acalentamos desde a conquista do penta em 2002. Não querendo meter política pelo meio, mas já enfiando, não custa lembrar que, como também todos estão cansos de saber, a dupla Itamar/FHC ganhou duas Copas e foi vice noutra, enquanto que a dupla Lula/Dilma já perdeu três. Como o brasileiro nunca desiste, a família de Mister Six, desde 2006, torce para que concretizemos tão almejado sonho, igualando-nos a ela ao hexa com que a Natureza os presenteou:
Mister Six nasceu em São Luís do Maranhão, a 11 de dezembro de 1933, e faleceu em 1999, aos 66 anos de idade, aqui em Brasília, onde era pioneiro. Funcionário do Banco do Brasil e, formado em direito, exerceu a advocacia em seu escritório particular e dando assessoria a diversos órgãos governamentais.
Exímio tocador de cavaquinho, fez da música e da boemia seu estilo de vida. Cercado de grandes instrumentistas que o acompanhavam, era figura carimbada na noite brasiliense, nos inferninhos, nas boates, em bares, em clubes, em festas familiares, enfim, onde quer que o convidasse, sempre se apresentando graciosamente, pelo prazer de tocar, de alegrar a vida. Principalmente onde houvesse mulher e farta munição de boca: tira-gosto, uísque, cachaça, cerveja e outros mais.
Mister Six tinha um grupo seleto: violão de 7 cordas, violão de 6 cordas, bandolim, cavaquinho centro, cavaquinho solo – ele mesmo –, sanfona e pandeiro. Mas não era um grupo fechado. Admitia qualquer um que com ele quisesse tocar, com foi comigo e meu trombone.
Aconteceu em 1973. Maria Alcina acabara de ressuscitar Carmen Miranda, ao incluir em seu LP Maria Alcina, recém-lançado, dois sucessos da Pequena Notável: Alô, Alô, samba de André Filho, e Como “Vaes’ Você, marchinha de Ary Barroso. Foi tremendo sucesso no mundo gay, que organizou um desfile de travestis, na Boate Sereia, não mais existente, todos eles caracterizados de Carmen. Convidado para animar a festa, compareci, lá encontrando já em ação a turma do Mister Six, à qual me incorporei. Noite de esfuziante brilho, tanto dos trajes dos desfilantes, quanto do conjunto musical, modéstia à parte.
Em 1998, pouco antes de morrer, Mister Six me presenteou com esse livro, lançado naquele ano, cujo tema dominante e, segundo suas próprias palavras no autógrafo é “minhas lembranças orgíricas.”
Há muito, ele vinha cobrado pelos familiares e amigos para que escrevesse suas memórias. Mas só se dispôs a começar o trabalho porque quebrou o pé direito, numa leve topada no Aeroporto do Recife, quando retornava a Brasília, depois de uma batalha jurídica para a retomada da gerência de TV O Norte aos seus legítimos proprietários. Na convalescença, achou tempo para transformar-se em escritor.
São histórias hilariantes mesmo, nas quis se comprovam seu espírito seresteiro, boêmio e putanheiro. Vou contar-lhes duas.
A VISITA FRUSTRADA ÀS GENITORAS - Numa Semana Santa, Mister Six aproveitou para visitar Dona Neuza, sua mãe, em são Luís. Ao entrar no avião, encontrou seu amigo Manoel Lopes, o Manolo, funcionário da Câmara dos Deputados e exímio sapateador, que ia à Capital Ludovicense com o mesmo propósito. Ao chegarem lá, não havia parente algum para recebê-los. Resolveram pegar o mesmo táxi rumo à cidade. Já embarcados, perguntaram ao motorista se, no trajeto, havia algum local para molharem a goela. O motorista respondeu que, se eles gostavam de “casas de mulheres”, havia, bem perto, o Solar de Dona Neuza, com lindas moçoilas. Ao ouvir o nome de sua genitora, Mister Six aprovou no ato. Em lá chegando, foram fidalgamente recebidos pela Diretora do ambiente, que os acomodou, informando que as meninas estavam na praia, mas logo retornariam Enquanto esperavam, Mister Six pegou o cavaquinho, dando início a uma tocata regada a cerveja, uísque e tira-gosto, com o Manolo a sapatear. Por lá se hospedaram e por lá foram ficando. Com o retorno das meninas, a coisa esquentou. A temporada durou cerca de uma semana de choro, sapateado e raparigagem, após o que regressaram a Brasília, sem verem as respectivas genitoras, com as quais só falaram por telefone, após sua chegada na Capital Federal.
A MERDIFICAÇÃO DA CABELEIRA DO MAESTRO - O astro é o exímio violinista Ricardo Wagner, famoso por sua imensa prole legal, acrescida de outros descendentes oriundos de aventuras extraconjugais, pelo que era reconhecido com raparigueiro juramentado. Estando Mister Six hospedado no antigo Empire Hotel, no Rio de Janeiro, recebeu ele visita do amigo violinista no último andar, onde funcionava um requintado restaurante de comidas baianas. O virtuoso chegou acompanhado de uma de suas concubinas, linda gauchinha descendente de italianos chamada Sofia. No almoço, caruru, efó, vatapá, moqueca de siri mole, bobó de camarão, etc., tudo com leite de coco de dendê, bem apimentado e regado a vinho branco. Terminado o ágpe, Ricardo pediu a Mister Six a chave do apartamento para uma rápida incursão sentimental, sendo imediatamente atendido pelo amigo, que ali ficou esperando a volta dos pombinhos. De repente, quem lhe aparece é o mensageiro do hotel, comunicando que o músico devia estar com algum problema, pois acabara de fazer estranha encomenda: seis vidros de xampu, condicionadores de teores diversos, dois pentes finos, três vidros de sabonete líquido, além de meia dúzia de tolhas de rosto. Diante do inusitado, Mister Six rumou para o apartamento, sendo interceptado pela garota Sofia, que descreveu a ocorrência: estando os dois em prefeita coalizão amorosa, resolveram apelar para um posicionamento invertido, cognominado soixante-et-neuf, quando ela, por cima, se sentiu, repentinamente, mal da barriga, explodindo, sem querer, um violento jato de merda, com perfume de dendê, sobre a cabeleira do parceiro que, em defesa, empurrou suas nádegas para a frente, ocasionando um segundo jato, ainda mais forte sobre seus olhos. E ao pobre maestro, cego e merdificado, só restou correr para o banheiro, em busca de assepsia geral.
Esta, por ter acontecido muito comigo durante meu tempo útil de trombonista, merece transcrição.
“Até hoje, por incrível que pareça, os músicos são discriminados, porque a maioria pensa que eles, não obstante exercerem essa magnífica profissão, exibem-se não como meio de vida, porém como divertimento. Dentro desse equivocado entendimento, vêm sendo explorados, principalmente os instrumentistas, pela distorcida demanda do mercado. Do mesmo modo, com raríssimas exceções, também são considerados de nível social inferior.
“Vários de nossos artistas ligados ao gênero chorístico, entre os quais pessoas de alto gabarito em outras atividades, foram convidados para uma recepção numa mansão do Lago Sul, bairro elegante, onde reside a classe alta de Brasília.
“Formamos, então, uma pequena caravana, e partimos, juntos, para o endereço indicado. Éramos, mais ou menos, dez cavalheiros, cada qual empunhando seu instrumento.
“Ao tocarmos a campainha, no interfone, a dona da casa perguntou quem éramos.
“– Somos os músicos! – eu respondi displicentemente.
“Vejam o que ela disse:
“– Está bem! Um momentinho! Vou mandar abrir a entrada de serviço!
“Em fila indiana, já combinados, atendemos à recomendação.
“Na sala principal, cumprimentamos todos os convidados e os donos da casa, saindo pela imponente porta social, sem dizermos absolutamente mais nada.
“A festa, simplesmente, em respeito a nós mesmo, ficou sem música.”
Mister Six, além desse divertidíssimo livro, deixou-nos este maravilhoso CD, verdadeira raridade, não encontrada no mercado fonográfico, para marcar sua passagem entre nós, secundado por seu excelente grupo de amigos chorões:
Como amostra da arte de Mister Six e seu cavaquinho, escolhi o chorinho Rossinando, composição sua em homenagem ao bandolinista recifense Rossini Ferreira, produtor do CD que, com ele, aparece na capa. Vamos ouvi-lo:
CHORO, CHORÕES, PARTITURAS E ÁUDIOS
Raimundo Floriano
O chorinho, assim como o frevo e o maxixe, é uma invenção genuinamente brasileira.
Os primeiros conjuntos de choro surgiram por volta de 1880, no Rio de Janeiro. Eram pequenos grupos de músicos, muitos deles modestos funcionários da Alfândega, dos Correios e Telégrafos e da Estrada de Ferro Central do Brasil, que se reuniam aos domingos nos fundos dos quintais dos subúrbios cariocas ou das residências do bairro Cidade Nova, onde muitos moravam.
Do caráter plangente, choroso, da música que esses pequenos conjuntos faziam, surgiu o nome CHORO.
A composição instrumental desses primeiros grupos girava em redor do terno – flauta, violão e cavaquinho. A flauta como solista, o cavaquinho como “centro” e o violão na “baixaria”. A esse núcleo inicial do choro se dava também nome de “pau-e-corda”, por serem de ébano as flautas usadas.
As mais antigas referências a esses grupos de músicos mencionam o nome do flautista Antônio Callado – Joaquim Antônio da Silva Callado – como o iniciador e organizador desses conjuntos pioneiros. Músico de boa formação, ele congregou em torno de si os melhores executantes da época, que, movidos pelo único desejo e o prazer desinteressado de fazer música, se reuniam por acaso, sem qualquer idéia prévia quanto à composição instrumental ou quanto ao número de figurantes.
A partir dos primeiros anos da República, há menção de conjuntos já com outros instrumentos de corda, assim como instrumentos de banda, com função de solistas ou concertantes dentro do grupo: bandolim, clarineta, saxofone, trombone, pistom, sanfona. pandeiro, bombo de marcação, etc.
O choro foi também o recurso de que se utilizou o músico popular para executar, a seu modo, a melodia importada, que era consumida, a partir da segunda metade do século XIX, nos salões e bailes da alta sociedade.
Tal melodia, sob o impulso criador e improvisatório dos chorões, logo perdeu as características de origem, adquirindo feição e caráter perfeitamente brasileiro, a ponto de se tornar impossível confundir uma polka da Boêmia, um schottische teuto-escocês, ou uma walsa alemã ou francesa com a respectiva similar brasileira, saída da inventiva desses chorões.
O choro nasceu, portanto, da necessidade inconsciente que esses músicos sentiram de nacionalizar a música estrangeira importada. Ao chorão não bastava só repetir a música que entrava pela Alfândega, era preciso criá-la.
Originado nas biroscas dos bairros da Zona Norte do Rio de Janeiro, o choro era elemento indispensável nos pagodes e nas tocatas domingueiras dos fins do século XIX e início do século XX, nos quais era preceito uma mesa farta e bem regada. Da capital fluminense, difundiu-se por todo o país, adquirindo, assim, uma identidade nacional e perdendo a plangência de outrora, vindo a alegria a nele também se instalar.
Em meu incessante trabalho de pesquisa, tenho o prazer de contar em meu acervo com exemplares da maravilhosa criação desses geniais chorões, dentre outros: Alvaiade, Anacleto de Medeiros, Andre Victor Costa, Antônio Calado, Ary dos Santos, Benedito Lacerda, Bonfiglio de Oliveira, Bororó, Carioca, Casimiro Rocha, Catulo da Paixão Cearense, Claudino Costa, Claudionor Cruz, Dante Santoro, Del Loro, Érica Rego, Ernesto Nazareth, Felisberto Martins, Fonfom, Garoto, Hamilton de Holanda, Hermínio Bello de Carvalho, Honório Lopes, João de Barro, João Pernambuco, José Benedito de Freitas, José Leocádio, José Menezes, K-Ximbinho, Lino Pesce, Lourival Faissal, Louro, Luiz Bittencourt, Paulinho da Viola, Pedro Caetano, Porfiro Costa, Toquinho, Ubaldo Sciangula e Zequinha de Abreu.
Muitos deles passaram, com a invenção do disco, além de compositores, também a gravar suas obras, algumas das quais aqui apresento. Junto a esses, relaciono também os grandes intérpretes, de outrora e de hoje, que muito fizeram e fazem pela consolidação do gênero. Gente como Abel Ferreira, Ademilde Fonseca, Altamiro Carrilho, Baby Consuelo, Chico Caju, Conjunto Brasília, Conjunto Dois de Ouro, Conjunto Os Coroas, Dilermando Reis, Evandro do Bandolim, Hélcio Brenhas, Hugo Cantarino, Ivanildo, Jacob do Bandolim, Luiz Americano, Luiz Sérgio, Luperce Miranda, Manezinho do Sax, Mario Gennari Filho, Mário Zan, Nilze Carvalho, Orlando Silva, Paulinho do Sax, Pixinguinha, Ratinho, Raul de Barros, Robertinho e Sua Sanfona, Roberto Barbosa e Seu Cavaquinho, Saraiva, Silvério Pontes, Sivuca, Teixeira de Manaus, Toco Preto, Toquinho, Vinícius de Moraes, Waldir Azevedo e Zé da Velha.
Nos dias atuais, o chorinho se revigora cada vez com mais pujança. A Escola Brasileira de Choro Raphael Rabello, em Brasília, é referência mundial. Com professores altamente gabaritados, prepara, anualmente, grande quantidade de jovens adolescentes, que se encarregam de propagar o choro em palcos espalhados por todo o Brasil. Exemplo disso é o garoto Pedro Henrique, neto do Papa Berto I, que, aos 13 anos, com seu bandolim, já deixava boquiabertos os que assistiam à sua magistral interpretação.
Também o Clube do Choro de Brasília, competentemente presidido pelo virtuose Reco do Bandolim, é uma das famosas atrações turísticas da Capital Federal, arrebatando imenso público de todas as faixas etárias para seus espetáculos semanais, com casa sempre lotada. A seguir, o Espaço Cultural do Choro, projeto de Oscar Niemeyer, onde funcionam as duas instituições acima citadas:
Visando a facilitar a vida de meus amigos instrumentistas, do Brasil e do Exterior – sendo músico, mora em meu coração –, escaneei as 250 partituras de choros de meu acervo, que disponibilizei em meu álbum de fotos do Facebook. Para fazer o download delas, basta clicar no link abaixo:
Na seleção abaixo para lhes mostrar um pouco desse vibrante ritmo, escolhi quatro faixas, com estes virtuosos intérpretes: Ademilde Fonseca, no vocal; Ratinho, no saxofone; Altamiro Carrilho, na flauta, e Waldir de Azevedo, no cavaquinho.
Ademilde Fonseca, Ratinho, Altamiro e Waldir Azevedo
Vamos ouvi-los:
Com Ademilde Fonseca, no vocal, de Alvaiade e Zé Maria, O Que Vier Eu Traço:
Com Ratinho, no saxofone, de sua autoria, Saxofone, Por Que Choras?:
Com Altamiro Carrilho, na flauta, de Pixinguinha e João de Barro, Carinhoso:
Com Waldir Azevedo, no cavaquinho, de sua autoria, Brasileirinho.
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ADEMILDE FONSECA, A RAINHA DO CHORO
Raimundo Floriano
Ademilde Fonseca -04.3.1921 – 27.3.2012
Ademilde Fonseca Delfim, cantora, inesquecível ídolo da MPB, faleceu a 27.03.2012, aos 91 anos, no Rio de Janeiro (RJ), vítima de mal súbito. Nasceu ela em Vitória do Santo Antão (PE), no distrito de Pirituba, e foi criada em Natal (RN), para onde a família se mudou quando a menina tinha quatro anos de idade.
Ainda muito jovem, ligou-se a um dos conjuntos de seresteiros locais, do qual participava Laudimar Gedeão Delfim, com quem mais tarde se casaria, passando a assinar-se Ademilde Fonseca Delfim. Anos mais tarde, ao separar-se, adotou o nome artístico de Ademilde Fonseca.
Em 1941, já casada, transferiu-se para o Rio de Janeiro e, no ano seguinte, depois de um teste na Rádio Clube do Brasil, apresentou-se no programa de calouros Papel Carbono, de Renato Murce. Ainda em 1942, atuou com o regional de Benedito Lacerda numa festa e obteve enorme sucesso cantando o choro Tico-tico no Fubá, de Zequinha de Abreu, cuja letra, atribuída a Eurico Barreiros e ainda inédita em gravações, conhecia desde menina.
Levada por Benedito Lacerda aos estúdios da Colúmbia, na época sob a direção musical de João de Barro, o Braguinha, Ademilde estreou gravando Tico-tico no Fubá e o samba Volte Pro Morro, de Benedito e Darcy de Oliveira, disco lançado em julho de 1942, com grande êxito. A partir de 1943, com o lançamento dos choros de Apanhei-te, Cavaquinho, de Ernesto Nazareth, com letra de João de Barro, e Urubu Malandro, adaptação de Lourival de Carvalho, tornou-se conhecida como cantora de prestígio, sendo procurada por diversos compositores.
Em 1944, levada pelo cantor Déo, integrou o elenco da Rádio Tupy, do Rio de Janeiro, apresentando-se com o regional de Rogério Guimarães e Claudionor Cruz. No ano seguinte, sua interpretação da polca Rato, Rato, de Claudionor Costa, gravada em ritmo de choro, com letra de Casimiro Rocha, consagrou-se como a maior intérprete do choro cantado. Nessa gravação, pela primeira vez, não foi acompanhada por Benedito Lacerda, tendo participado do disco o conjunto Bossa Clube, liderado pelo violonista Garoto. Por sua marcante característica, recebeu de Benedito o título de RAINHA DO CHORO!
Em fins da Década de 1940, com a moda do samba-canção e do baião, o prestígio da cantora diminuiu, mas, em junho de 1950, retornou às paradas de sucesso com as gravações de Brasileirinho, e Waldir Azevedo e Benedito Costa, e Teco-teco, de Pereira da Cruz e Milton Vilela, nas quais foi acompanhada pelo regional de Waldir.
No ano de 1952, excursionou por Paris, com a Orquestra Tabajara, de Severino Araújo, apresentando-se com outros artistas em show patrocinados por Assis Chateaubriand. De 1950 a 1955, gravou vários sucessos na Todamérica. A partir de 1954, na Rádio Nacional, atuou com os regionais de Canhoto, Jacob do Bandolim e Pixinguinha, entre outros, além das orquestras de Radamés e Gnatalli e do Maestro Chiquinho. Em 1964, ao lado do cantor Jamelão, excursionou pela Espanha e Portugal, exibindo-se por seis meses em Lisboa. No Brasil, em 1967, participou do II FIC - Festival Internacional da Canção, da TV Globo, do Rio de Janeiro, interpretando o choro Fala Baixinho, de Pixinguinha, com letra de Hermínio Bello de Carvalho. Na Década de 1970, suas apresentações no Teatro Opinião, do Rio de Janeiro, alcançaram grande repercussão, levando, em 1975, ao relançamento da cantora em LP da gravadora Top Tape.
(Dados extraídos de Enciclopédia da Música Brasileira, da Art Editora Ltda.)
Capa de alguns de seus discos:
No ano de 2001, em seu octogésimo aniversário, Ademilde foi recebida na Rua do Choro, em São Paulo, quando aconteceu um recital com a participação dos chorões paulistanos. No mesmo ano, em Pirituba, onde nasceu, uma praça foi batizada com seu nome, com sua presença. Aproveitando a viagem a sua terra, abriu o Projeto Seis e Meia em Natal, no Teatro Alberto Maranhão.
Não tendo se aposentado totalmente, vez em quando participava de shows, espetáculos e entrevista, levando a vida assim numa boa, relembrando os momentos marcantes de sua preciosa contribuição para a Música Popular Brasileira.
(Dados colhidos na Wikipédia.)
Dois momentos de Ademilde:
O agradabilíssimo repertório de Ademilde Fonseca é variado, extenso e conhecido de todos os brasileiros, uns mais, outros menos. No meu acervo, tenho a felicidade de possuir, além dos títulos acima citados, estas maravilhas musicais por ela gravadas:
Acariciando, choro, Adeus, Vou-me Embora, samba, Amor Sem Preconceito, choro, Arrasta-pé, baião, Baião em Cuba, baião, Choro Chorão, choro, Choro do Adeus, choro, Coração Trapaceiro, choro, Delicado, baião, Derrubando Violões, choro, Dinorá, choro, Doce Melodia, choro, É de Amargar, choro, Estava Quase Adormecendo, samba, Fogueira, toada, Galo Garnisé, choro Gato, Gato, choro, História Difícil, choro, João Paulino, marchinha, Lamento, choro, Liberdade, marchinha, Mar Sereno, choro, Meu Cariri, baião, Meu Senhor, samba, Meu Sonho, choro, Molengo, choro, Não Acredito, samba, No Tempo do Onça, choro, O Que Vier, Eu Traço, choro, Papel Queimado, samba-canção, Paraquedista, choro, Pedacinhos do Céu, choro, Pinicadinho, polca, Qué Procê?, baião, Rio Antigo, maxixe, Saliente, choro, Sapatinhos, choro, Saudades do Rio, choro, Se Amar É Bom, toada, Se Deus Quiser, samba, Sentenciado, samba, Só Você, samba-canção, Sonhando, choro, Sonoroso, choro, Teco-teco, choro, Tem 20 Centavos Aí?, baião, Títulos de Nobreza, choro, Uma Casa Brasileira, marchinha, Vaidoso, choro, e Vou Me Acabar, choro.
Para mostrar-lhes um pouco de seu trabalho, escolhi estas faixas:
Acariciando, choro de Abel Ferreira e Lourival Faissal:
Brasileirinho, choro de Waldir Azevedo e Pereira Costa:
Galo Garnisé, choro de Luiz Gonzaga, Antônio Almeida e Miguel Lima:
Paraquedista, choro de José Leocádio:
Títulos de Nobreza, choro de João Bosco e Aldir Blanc: