Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Literatura de Cordel terça, 17 de setembro de 2024

JAPAN HOUSE SÃO PAULO: LITERATURA E MODA JAPONESA (POSTAGEM DA LEIRORA BRUNA JANZ)

Japan House São Paulo apresenta atividades voltadas para a literatura e a moda japonesa durante segunda quinzena do mês

Com opções para todas as idades, oficinas e workshops complementam as exposições em cartaz "Efeito Japão: moda em 15 atos" e "Sutorīto Fashion: moda das ruas", além de bate-papos voltados para a discussão de obras literárias japonesas

 

 

São Paulo, setembro de 2024 – Para a segunda quinzena de setembro, a Japan House São Paulo oferece em sua programação livre e gratuita opções voltadas para a literatura japonesa, além de atividades e workshops que fazem referência ao universo da moda japonesa e às exposições em cartaz Efeito Japão: moda em 15 atos Sutorīto Fashion: moda das ruas.

Durante a segunda quinzena de setembro, a Japan House São Paulo oferece as visitas mediadas nos dias 18 e 25 de setembro, às 11h e às 15h, e 28 de setembro, às 11h. Durante a atividade, os visitantes poderão conhecer mais a fundo a história e a trajetória da moda japonesa dos últimos 70 anos por meio de 15 criações assinadas por 13 designers consolidados no mercado mundial com a exposição Efeito Japão, em cartaz no segundo andar. A mostra traz ainda um panorama da evolução da moda e dos diferentes contextos socioeconômicos ao longo das décadas, passando pelo boom econômico do Japão pós-guerra, até os dias atuais.

Já no sábado, 21 de setembro, às 11h e às 15h, o público poderá participar do Workshop de introdução ao bordado japonês Sashiko. A atividade apresenta a técnica tradicional de bordado do período Edo, caracterizada por padrões feitos de pequenos pontos corridos, que tinha como funcionalidade reforçar os tecidos desgastados de quimonos. O bordado sashiko dialoga diretamente com o conceito japonês do mottainai (não desperdício), uma vez que evita o desperdício de vestimentas e tecidos, sendo atualmente utilizado no artesanato e na moda. Durante a atividade, os participantes serão conduzidos pela designer de moda Fabi Sakihara nos seus primeiros pontos da técnica, levando para casa um marcador de livro.

Na última quinta-feira do mês, dia 26, às 19h, acontece o Clube de Leitura JHSP + Quatro Cinco Um. Esse mês, o bate-papo abordará a obra Kyoto, de Yasunari Kawabata, que narra a história de Chieko, filha adotiva de um comerciante em processo de falência durante o pós-guerra na região da antiga capital japonesa, que inesperadamente encontra sua irmã gêmea, separada dela quando bebê. A trama seguirá os percalços do relacionamento que as duas tentam construir, abordando com riqueza de detalhes os aspectos culturais da região de Kyoto, assim como suas festividades e belezas naturais.  Com participação especial da professora, pesquisadora e colunista da 451, Bianca Tavolari, a atividade online terá transmissão simultânea via plataforma Zoom mediante inscrição prévia no site. Participantes do Clube de Leitura JHSP + Quatro Cinco Um têm 30% de desconto na compra do livro pelo site da Estação Liberdade até o dia 28 de setembro, usando o cupom “JHSP451”.

No dia 28 de setembro, às 15h, a instituição apresenta ao público o Ciclo de Mangá. Durante o bate-papo, serão abordados os detalhes sobre Boys Run the Riot, obra do mangaká Keito Gaku. A história narra os desafios e lutas diárias de Ryo Watari, um adolescente transgênero que encontra no mundo do street fashion uma oportunidade de se expressar e ser quem quer. Em uma história pessoal que remete a sua própria adolescência como pessoa transgênero, a obra de Gaku aborda o universo da moda como expressão e as relações de convivência na sociedade japonesa, temas que serão apresentados durante a roda de conversa. Para participar do Ciclo de Mangá, é preciso fazer a retirada de senha 30 minutos antes na recepção da JHSP (vagas limitadas) e quem ficar até o final, vai ganhar um presente: o primeiro volume do mangá Boys Run the Riot.

Para fechar a programação do mês, a instituição apresenta a Oficina Infantil Coelho na Lua no dia 29 de setembro, às 11h e às 15h, pensando na celebração da chegada do outono no Japão. Segundo a lenda folclórica japonesa do Tsukimi, no dia da lua cheia de outono, é possível observar coelhos preparando mochi (bolinho de arroz glutinoso) na superfície da lua ao contemplá-la durante a noite. Com isso em mente, o Educativo JHSP oferece a possibilidade de as crianças criarem seus próprios bonecos com coelhinhos que, ao se moverem, preparam o bolinho de arroz.

 

Serviço: 
Japan House São Paulo 
Endereço: Avenida Paulista, 52 – São Paulo, SP  
Horário de funcionamento: de terça a sexta, das 10h às 18h e sábados, domingos e feriados, das 10h às 19h.
Entrada gratuita. Reserva online (opcional): https://agendamento.japanhousesp.com.br/  

Visitas mediadas: Exposição Efeito Japão: Moda em 15 Atos (Presencial) 
Quando: 18 e 25 de setembro, às 11h e às 15h; 28 de setembro, às 11h.

Workshop de introdução ao bordado japonês Sashiko
Quando: 21 de setembro, às 11h e às 15h

Duração: 90 minutos
Nesta oficina haverá o manuseio de agulhas. Será permitida a participação de crianças a partir dos 12 anos, mediante a presença de um adulto acompanhante.
Vagas limitadas. Participação mediante retirada de senha com 30 minutos antes de cada sessão.

Clube de leitura JHSP + Quatro Cinco Um (Online)
Kyoto, de Yasunari Kawabata
Quando: 26 de setembro, às 19h

Duração: 90 minutos
Vagas limitadas. Participação mediante inscrição prévia no site.  
Transmissão via plataforma Zoom. Acesso liberado aos inscritos via e-mail.  
Participantes do Clube de Leitura JHSP + Quatro Cinco Um têm 30% de desconto na compra do livro pelo site da Estação Liberdade até o dia 28 de setembro, usando o cupom “JHSP451”.

Ciclo de Mangá (Presencial)
Boys Runs the Riot, de Keito Gaku
Quando: 28 de setembro, às 15h

Duração: 90 min
Vagas limitadas. Participação mediante retirada de senha com 30 minutos antes de cada sessão. 
Participantes até 15 anos de idade devem estar acompanhados por um adulto responsável. 

Oficina Infantil Coelho na Lua
Quando: 29 de setembro, às 11h e às 15h

Duração: 75 minutos 
Oficina para crianças entre 6 e 12 anos acompanhadas de adultos.  
Vagas limitadas. Participação mediante retirada de senha com 30 minutos antes de cada sessão. 

 

Sobre a Japan House São Paulo (JHSP): 

A Japan House é uma iniciativa internacional com a finalidade de ampliar o conhecimento sobre a cultura japonesa da atualidade e divulgar políticas governamentais. Inaugurada em 30 de abril de 2017, a Japan House São Paulo foi a primeira a abrir suas portas, seguida pelas unidades de Londres e Los Angeles. Estabelecida como um dos principais pontos de interesse da celebrada Avenida Paulista, a JHSP destaca em sua fachada proposta pelo arquiteto Kengo Kuma, a arte japonesa do encaixe usando a madeira Hinoki. Desde 2017, a instituição promoveu mais de quarenta exposições e cerca de mil eventos em áreas como arquitetura, tecnologia, gastronomia, moda e arte, para os quais recebeu mais de dois milhões de visitantes. A oferta digital da instituição foi impulsionada e diversificada durante a Pandemia de Covid-19, atingindo mais de sete milhões de pessoas em 2020. No mesmo ano, expandiu geograficamente suas atividades para outros estados brasileiros e países da América Latina. A JHSP é certificada pelo LEED na categoria Platinum, o mais alto nível de sustentabilidade de edificações; e pelo Bureau Veritas com o selo SafeGuard - certificação de excelência nas medidas de segurança sanitária contra a Pandemia de Covid-19. 

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Setembro/2024

 


Literatura de Cordel segunda, 09 de setembro de 2024

VERSANDO A VIDA E A MORTE (CORDEL DO COLUNISTA CARLOS AIRES)
VERSANDO A VIDA E A MORTE
Carlos Aires
 
 

De repente, descobri que minha filha Vera Lucia Aires dispunha de um farto dom poético, convidei-a para debater comigo ela aceitou e saiu isso daí, estou publicando para avaliação dos amigos e pra divulgar a nova “cria” que tá adentrando no mundo poético.

 * * *

A vida do ser humano
É uma oferta divina,
Que tem início ao nascer
E o ciclo só termina
Quando a malfadada morte
Nosso viver elimina.

Carlos Aires

E são tantos os percalços
Que teremos que enfrentar
Desde a hora que se nasce
Até a vida findar
Que só mesmo nossos sonhos
Pra nos fazer caminhar.

Vera Aires

Os sonhos são proveitosos
No trajeto, com certeza,
Porém a vida prossegue
Sempre em total incerteza
Já que a morte muitas vezes
Vem atacar de surpresa.

Carlos Aires

Na vida e também na morte
Podemos tirar lição
Mas que fique aqui bem claro
Qual é minha opinião
Gosto de falar de vida
De morte, não gosto não.

Vera Aires

Respeito a alternativa
Mas em nosso itinerário
Falar das duas eu acho
Que é bastante necessário
Já que morte e vida fazem
Parte do mesmo cenário.

Carlos Aires

Pode ser primordial
Tenho que admitir
Mas não quero me deter
Nesse assunto por aqui
Falar de vida é melhor
Para a gente prosseguir.

Vera Aires

A vida é maravilhosa
Já a morte é detestável
Porém deixar de citá-la
Nesse versejar louvável
Não pode, pois no final,
Ela é sempre inevitável.

Carlos Aires

Se a morte é uma certeza
Não tem porque falar nela
Eu prefiro a incerteza
Dá vida que é tão bela
Com tristeza ou alegria
Minha escolha é sempre ela.

Vera Aires

A vida é uma passagem
Que se dá em curto espaço
Mas precisa coerência
Pra não fugir do compasso
Pois a morte oportunista
Só aguarda algum fracasso.

Carlos Aires

A vida é maravilhosa
Seja ela como for
Sua importância é imensa
Temos que dar seu valor
Já a morte trás consigo
Sempre sofrimento e dor.

Vera Aires

A vida é uma hipoteca
Para nos dar consistência,
Passaporte que conduz
Pela estrada da vivência
Já a morte nos transporta
Pra o final da existência.

Carlos Aires

A vida é sem garantia
A morte, única certeza,
Pensar nisso todo dia
Só me dá medo e tristeza
Quero é desfrutar dá dádiva
Contemplado a natureza.

Vera Aires

Tenho que admitir
Que a vida é fenomenal
Mas no decurso da mesma
A morte é tão natural
Pois, no conto do viver,
Coloca um ponto final.

Carlos Aires

Não me acostumo com a morte
Isso posso lhe afirmar
Embora saiba que um dia
Teremos que a enfrentar
Admiro mesmo a vida
E quero ela aproveitar.

Vera Aires

A vida só trás prazer
Para qualquer criatura!
A morte causa terror,
Desgosto e até tortura,
Apaga o lume da vida
E envia pra sepultura.

Carlos Aires

Morte e vida são assuntos
De importâncias iguais
Aqui tratamos das duas
Mantendo os ideais
Mas concordamos que a vida
Sempre é boa demais.

Vera Aires

 

N.  E. - Filha de peixe, peixinho é! Vera tem talento, imaginação e sabedoria para responder ao pai sem ofender, ou melhor, embelezando seus motes. Espero contar com mais poesias dela aqui neste Almanaque, que já se sente enriquecido com esta participação especial. 

Parabéns à família, e, principalmente, ao pai-coruja!


Literatura de Cordel sexta, 28 de junho de 2024

DISCUSSÃO DO MACUMBEIRO E O CRENTE, FOLHETO DE GONÇALO FERREIRA DA SILVA
DISCUSSÃO DO MACUMBEIRO E O CRENTE, FOLHETO DE GONÇALO FERREIRA DA SILVA
 
 

 

Carnaval e futebol
ficaram pra se curtir,
Os santos ensinamentos
são para o crente seguir,
religião e política
embora mereçam crítica
não são pra se discutir

Evangelista e Pilintra
não pensam do mesmo jeito,
pois enquanto Evangelista
diz que foi por Cristo aceito
Pilintra bate no bumba
dizendo que é na macumba
que se faz tudo bem feito.

Porém, embora os dois pensem
de maneira diferente,
nunca tinham discutido
porque até o presente
não tinham, por sorte rara,
oportunidade para
um encontro frente a frente. 

Mas um dia Evangelista
voltava alegre do culto
quando avistou muito longe
de Pilintra o negro vulto
que já vinha da macumba
no morro da Catacumba
já foram trocando insulto.

E onde os dois se encontraram
era uma encruzilhada
onde havia uma bebida
à Pomba Gira deixada
e uma galinha preta
pertinho de uma valeta
para um Exu colocada

– Que pecado monstruoso –
disse o crente, o dedo em riste
é triste um pecador crer
num troço que não existe
e fazer o mal com isto
agravando a Jesus Cristo
é vinte mil vezes triste

Pilintra lhe respondeu:
– Preste muita atenção, moço,
se macumba não existe
não carece de alvoroço
Deus também nunca lhe disse
pra querer ter a burrice
de ser santo em carne e osso.

Não era tarde da noite,
umas dez horas, e tantos,
começou a chegar gente
vinda de todos os cantos,
outros vinham feito loucos,
os que há pouco eram poucos
já não se sabia quantos.

A rua ficou lotada
de toda espécie de gente,
muitos pelo macumbeiro,
outros a favor do crente;
os aplausos ao combate
serviam para o debate
ficar cada vez mais quente

Pilintra disse: – Vocês
os crentes só fazem o bem
mas falam de todo mundo,
razão só vocês que têm
e eu na minha macumba
vivo bem com minha dumba
sem falar mal de ninguém.

O crente bateu com as juntas
dos dedos na negra capa
da Bíblia e ameaçou
dar no macumbeiro um tapa
e disse: – Na minha crença
eu não admito ofensa
mesmo que seja do Papa.

Portanto pode chamar
seu caboclo furacão
Pena Branca de Aruanda,
São Cosme e São Damião
Zé Pilintra e Preto Velho
que a luz do meu Evangelho
deixa todos sem ação.

Respondeu Pilintra: – Os guias
não são para ser chamados
para assistir bate-boca
nem para fazer mandados.
São emissários benditos
que quando estamos aflitos
vêm nos fazer consolados.

O crente cego de ódio
disse: – Cara, muito bem
qual é a luz que um espírito
que vive nas trevas tem?
E como é que tu levas
fé num espírito das trevas
que nunca ajudou ninguém?

– O mal – respondeu Pilintra
que mais combato e censuro
e que o reino de Deus
é pra vocês no futuro,
estão errados, declaro
para vocês tudo é claro
para os demais é escuro.

Convide seus Orixás
Iansã, Nanã, Ogum,
Omulu, Xangô, Oxóssi,
Iemanjá e Oxum,
Mariazinha da Praia
que quero dar uma vaia
pois não respeito nem um.

– Atire esta Bíblia fora –
disse Pilintra arrogante,
respeite a religião
que segue o seu semelhante
senão eu lhe meto o murro
porque o destino do burro
é morrer ignorante.

Um dos espectadores
quis o Pilintra agredir,
a turma do “deixa disso”
fez intruso sair
com a recomendação
de não entrar na questão
deixando os dois discutir.

A discussão nesta altura
já parecia uma briga,
vai ofensa, vem ofensa
e no meio da intriga
que parecia arruaça
a plateia achava graça
de dar cãibra na barriga.

Os homens tinham energia
na garganta como poucos,
dando socos no espaço,
já completamente roucos
uns riam pelo que viam,
outros riam dos que riam,
era um festival de loucos.

Ninguém mais se entendia
no meio da discussão.
Evangelista deixou
a Bíblia cair no chão,
e Pilintra não sabia
porque razão discutia
com tão voraz decisão.

Certo é que nem um queria
perder aquela disputa,
Pilintra não ia dar mole
nem que fosse a força bruta,
até o quinto mandamento
não cumpriria no momento
para não perder a luta.

Parecia que a disputa,
duraria a noite inteira,
mas antes da hora grande
Pilintra com voz maneira
disse: – Acabo a raça sua,
vou chamar seu Tranca-Rua,
Encruzilhada e Caveira.

Evangelista com isso
perdeu logo a esportiva
e disse: – Convide alma
de preta velha cativa,
de velho catimbozeiro
que quero ver mandingueiro
comigo ter voz ativa.

Um gozador que ouvia
a disputa atentamente
fez um boneco de pano
muito negro e reluzente,
jogou para o alto o treco
e a droga do boneco
caiu bem nos pés do crente.

O crente soltou um grito
e quis sair na carreira,
mas ao escutar as vaias
daquela cambada inteira
ouviu do canto da praça
um sujeito achando graça
igualmente uma caveira.

O crente, no desespero
quis esboçar reação,
buscando apoio do povo
disse acenando com a mão:
– Todo infeliz macumbeiro
é bandido e maconheiro,
é assassino e ladrão.

Com estas frases Pilintra
ficou muito indignado
e disse: – Cara não faça
juízo precipitado,
até o momento presente
não sei porque todo crente
tem a fala de viado.

Destas palavras pra frente
ninguém entendeu ninguém,
foi muito grande o tumulto
guias chegaram do além,
para esquentar o ambiente
no final até o crente
recebeu santo também.

Quando o guia incorporado
no crente foi novamente
para região celeste
todo o pessoal presente
entre risos e charadas,
num festival de risadas
todos mangavam do crente.

No morro da Catacumba
Pilintra lia convencido
da discussão o poema
achando não ter perdido,
o crente em sua Assembleia
também lia a epopeia
certo que tinha vencido.

 


Literatura de Cordel domingo, 07 de abril de 2024

NUMA FEIRA DO SERTÃO (CORDEL DO COLUNISTA CARLOS AIRES)

 

 
NUMA FEIRA DO SERTÃO
Carlos Aires
 

Um esperto mangalheiro
Vende laranja e banana,
Ali perto uma cigana
Lê mão, e ganha dinheiro,
Embolador com o pandeiro
Faz sua improvisação,
Um velho vende feijão,
Milho, farelo e farinha,
Peru, guiné e galinha,
Numa feira do sertão.

Na bodega de Seu Doca
Tem tudo que se procura,
Pirulito, rapadura,
Broa, bolo e tapioca,
Confeito, alfenim, pipoca,
Biscoito, bolacha e pão.
Cachaceiro no balcão
Saboreando a manguaça
Pra se lascar na cachaça
Numa feira do sertão.

Na banquinha de seu Zeca
Tem corda para viola
Caldeirão e caçarola
Tigela, alguidar, caneca,
Bola de gude, peteca,
Ponteira boa e pinhão,
Ratoeira e alçapão
Martelo, preguinho e tacha,
Tudo isso a gente acha
Numa feira do sertão.

Tem muita comida boa
Noutro banco mais na frente
Paçoca, cachorro quente,
Biscoito, bolacha e broa,
E para quem não enjoa
Carne gorda com pirão.
Rabo de galo, quentão,
Sarapatel e buchada,
Carne de sol bem passada
Numa feira do sertão.

 

Caldo de cana madura
Praquele que aprecia
Mamão, manga e melancia,
Mel de abelha e rapadura
Umbu, lá tem com fartura,
Colhido na região
Também se encontra melão,
Caju, cajá e goiaba,
Pitomba e jabuticaba,
Numa feira do sertão

A verdureira Zefinha
Com a banca bem no centro
Vendendo cebola, coentro,
Repolho, couve, abobrinha,
Berinjela, cebolinha,
Acelga, alface, agrião,
Maxixe tem de montão
O tomate e a beterraba,
Quiabo que não se acaba,
Numa feira do sertão.

Tem estoque variado
Na banca de seu Monteiro
Lamparina, candeeiro,
Corrente pra cadeado,
Parafuso para arado,
Enxada ancinho e facão,
Caixote, carro de mão,
Peixeira de qualidade
Você encontra a vontade
Numa feira do sertão.

Seu Catota em sua banca
Vende tudo quanto é tralha,
Esteira, pau de cangalha,
Foice, machado e chibanca,
Pé de cabra e alavanca,
O fogareiro, o carvão,
Bombril, sapólio, sabão,
Pão francês e pão crioulo,
Cachimbo e fumo de rolo,
Numa feira do sertão.

Na banca de Dona Lola
Se, está procurando arreio,
Encontra a sela e o freio,
O rabicho e a rabichola,
Manta, cabresto e argola,
Chapéu de couro e gibão,
Careta pra barbatão,
Botas boas pra calçar
Tudo isso vai achar
Numa feira do sertão.

Chapéu de palha, alpercata,
Relho do bom, landuá,
Garajáu e caçuá,
Corda de couro e chibata,
O pote de barro, a lata,
Também o pau de galão
O tanoeiro, o surrão,
Bisaco e baleadeira
Isso é coisa corriqueira
Numa feira do sertão.

Dona Benta logo cedo
Arma o toldo do “mosqueiro”
Acende seu fogareiro
Cata o feijão, lava o bredo,
Não guarda nenhum segredo
Preparando a refeição,
Guisa a carne de um capão
Pra depois ser consumida
É assim que se faz comida
Numa feira do sertão.

E quando a feira se finda
Os garis dão um capricho
Varrem todo aquele lixo
Deixando a cidade linda.
Mas, é muito cedo ainda,
E o feirante faz questão,
De passar no barracão,
Pra tomar uma “lapada”,
E assim dou por terminada
Uma feira do sertão.

 


Literatura de Cordel sexta, 25 de novembro de 2022

PAU DE DOIS BICOS (FÁBULA INFANTIL O PAULISTA MONTEIRO LOBATO)

PAU DE DOIS BICOS

Monteiro Lobato

(Grafia original)

 

 

 

Um morcego estonteado pousou certa vez no ninho da coruja, e ali ficaria de dentro se a coruja ao regressar não investisse contra ele.

– Miserável bicho! Pois te atreves a entrar em minha casa, sabendo que odeio a família dos ratos?

– Achas então que sou rato? Não tenho asas e não vôo como tu? Rato, eu? Essa é boa!…

A coruja não sabia discutir e, vencida de tais razões, poupou-lhe a pele.

Dias depois, o finório morcego planta-se no casebre do gato-do-mato. O gato entra, dá com ele e chia de cólera.

– Miserável bicho! Pois te atreves a entrar em minha toca, sabendo que detesto as aves?

– E quem te disse que sou ave? – retruca o cínico – sou muito bom bicho de pêlo, como tu, não vês?

– Mas voas!…

– Vôo de mentira, por fingimento…

– Mas tem asas!

– Asas? Que tolice! O que faz a asa são as penas e quem já viu penas em morcego? Sou animal de pêlo, dos legítimos, e inimigo das aves como tu. Ave, eu? É boa…

O gato embasbacou, e o morcego conseguiu retirar-se dali são e salvo.

Moral da Estória:
O segredo de certos homens está nesta política do morcego. É vermelho? Tome vermelho. É branco? Viva o branco!


Literatura de Cordel sábado, 15 de outubro de 2022

PELEJA DE MANOEL RIACHÃO COM O DIABO (POSTAGEM DE PEDRO FERNANDO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

PELEJA DE MANOEL RIACHÃO COM O DIABO

 Leandro Gomes de Barros

 

Riachão estava cantando
Na cidade de Açu
Quando apareceu um negro
Da espécie de urubu,
Tinha a camisa de sola
E as calças de couro cru.

Beiços grossos e virados
Como a sola de um chinelo,
Um olho muito encarnado,
O outro muito amarelo,
Este chamou Riachão
Para cantar um duelo.

Riachão disse: – Eu não canto
Com negro desconhecido
Porque pode ser escravo
E andar por aqui fugido
Isso é dar cauda a nambu
E entrada a negro enxerido.

Negro

Eu sou livre como o vento
E minha linhagem é nobre
Sou um dos mais ilustrados
Que o sol neste mundo cobre.
Nasci dentro da grandeza
Não sai de raça pobre.

Riachão

Você nega porque quer
Está conhecido demais
Você anda aqui fugido
Me diga que tempo faz?
Se você não for cativo
Obras desmentem sinais.

 

Negro

Seja livre ou seja escravo
Eu quero cantar martelo
Afine a sua viola
Vamos entrar em duelo
Só com a minha presença
O senhor está amarelo.

Riachão

Vejo um vulto tão pequeno
Que nem o posso enxergar
Julgo que nem é preciso
Nem a viola afinar
Pela ramagem da árvore
Vê-se o fruto que ela dá.

Negro

Riachão isto é frase
De homem muito atrasado
Porque são vistos fenômenos
Que na terra se têm dado:
Uma cobra tão pequena
Mata um boi agigantado.

Riachão

Meu riacho pela seca
Dá cheias descomunais
Na correnteza das águas
Descem grandes animais
Jibóias, surucujubas
E jaguares a mais.

Negro

O jaguar rende-me culto
A serpente aos meus pés morre
No que chegar minha ira
Só um poder o socorre
Eu digo ao rio: “Pare ai!”
A água para e não corre.

Riachão

Você não é Josué
Que mandou o sol parar
Esse parou três dias
Para a guerra acabar
Nem Moisés que com a vara
Fez o mar também secar.

Negro

Faço tudo que quiser
Minha força é sem limite
Os feitos por mim obrados
Não vejo homem que os cite
Eu determino uma coisa
Não há força que a evite.

Riachão

Salomão também fazia
O que queria fazer
Por meio de mágica ou química
Quis segunda vez nascer
Mas em vez do nascimento
Conseguiu ele morrer.

Negro

Salomão facilitou
Confiado na ciência
Encaminhou tudo bem
Mas faltou-lhe a paciência
Se não fosse aquele erro
Tinha tido outra existência.

Riachão

Eu necessito saber
Onde é seu natural
Porque não sei se o senhor
Tem nascimento legal
De qual nação é que vem
Se procede bem ou mal.

Negro

Você vem interrogar-me
Eu lhe interrogo também
Diga para onde vai
E de qual parte é que vem
Se é solteiro ou casado
Diga que profissão tem?

Riachão

Não tenho superior
Sou filho da liberdade
E não conto minha vida
Pois não há necessidade
Porque não sou foragido
Nem você é autoridade.

Negro

É preciso advertir-lhe
Fazer-lhe observação
Me trate com muito jeito
Cante com muita atenção
Veja que não se descuide
E passe o pé pela mão.

Riachão

E para cantar repente
Já estou muito habilitado
Conheço algumas matérias
Sou um pouco adiantado
Tive estudo quatro anos
Me considero letrado.

Negro

Sou professor de matérias
Que sábio não as conhece
A lei que dito no mundo
O próprio rei obedece
Meus feitos são conhecidos
A fama se estende e cresce.

Riachão

Você diz que tem ciência
Dê-me uma explicação
Se a Terra faz movimento
De quem é a rotação?
Por que é que em 12 horas
Há uma transformação?

Negro

O sol não é quem se move
Este é fixo em seu lugar
A Terra está sobre eixos
Os eixos a fazem rodar
Que por essa rotação
Faz a luz do sol faltar.

Riachão

Descreva o grande mistério
Que entre nós a Terra tem:
De que é formada a chuva
Em que estado ela vem
É criada aqui por perto
Ou em um lugar além?

Negro

A água em estado líquido
Por meio de abaixamento
Que há na temperatura
E pelo resfriamento
Essa água é condensada
Ajudada pelo vento.

A corrente atmosférica
De uma montanha elevada
Que ajuda a temperatura
Forma nuvem condensada
Do vento movendo as nuvens
É disso a chuva formada.

Que essa chuva depois
Que toda a terra ensopar
Por meio da evaporação
Torna ao espaço voltar
Reproduzindo o processo
Que acabei de lhe tratar.

Riachão

O senhor conhece bem
Este país brasileiro?

Negro

Ora, respondeu o negro
Eu conheço o estrangeiro
Desde o córrego mais pequeno
Até o maior ribeiro.
Por exemplo o Amazonas
Que extrema com o Pará
O Pará com o Maranhão
Piauí com o Ceará
E assim todos mais outros
Se alguém duvida é ir lá.

E se qualquer um daqui
Pretendendo viajar
Até o Rio de Janeiro
E não querendo ir por mar
Eu lhe ensino o caminho
Ele vai sem se vexar.

Riachão

Como fez esta viagem
Onde se encontra caminho?
Lugar de uma só morada
Sem haver mais um vizinho
Tanto que em muitos lugares
Não anda homem sozinho.

Negro

Pode qualquer um sair
Do Açu ao Mossoró
Querendo pode passar
Na cidade de Caicó
Subir pela margem esquerda
Do rio do Seridó.

Riachão disse consigo
Esse negro’ é um danado!
Esse saiu do inferno
Pelo demônio mandado
E para enganar-me veio
Em um negro transformado.

Disse o negro: — Meu amigo
Não queira desconfiar
Garanto que o senhor
Não ouviu bem eu cantar
Na altura que eu canto
Outro não pode chegar.

Riachão

Vá na altura em que for
Riachão lhe respondeu
Remexa todos os livros
Que o senhor aprendeu
Eu não conheço esse ente
Que cante mais do que eu.

Negro

Você ficará sabendo
O peso de um cantador
Quando me vir outra vez
Me trate de professor
Render-me-á obediência
Conhecerá meu valor.

Riachão

O senhor diga o seu nome
Eu quero lhe conhecer
Pois só assim posso dar-lhe
O valor que merecer
Em tudo que você diz
Ainda não posso crer.

Negro

Você sabendo eu quem sou
Talvez que fique assombrado
Superior a você
Comigo tem se espantado
Os grandes de sua terra
Eu tenho subjugado.

Riachão

Eu canto há dezoito anos
Há vinte toco viola
Sempre encontro cantador
Que só tem fama e parola
Quando canta meio-dia
Cai nos meus pés, no chão rola.

Negro

Eu já canto há muitos anos
Não vou em toda função
Arranco pontas de touro
Quebro o furor do leão
Nunca achei esse duro
Que para mim tenha ação.

Riachão

Garanto que de hoje em diante
O senhor tem que encontrar
A força superior
Que o obrigue a se calar
Porque eu boto o cerco
Quem vai não pode voltar.

Negro

Manoel tu és criança
Só tens mesmo é pabulagem
Vejo que falar é fôlego
Porém obrar é coragem
Juro que de agora em diante
Não contarás mais vantagem.

Riachão

Meu pai chamava-se Antônio
Seu apelido era Rio
De uma enxurrada que dava
Cobria todo baixio
Secava em tempo de inverno
Enchia em tempo de estio.

Negro

Conheci muito seu pai
Que vivia de pescar
Sua mãe era tão pobre
Que vivia de um tear
Seu padrinho tomou você
E levou-o para criar.

Riachão

Onde mora o senhor
Que a meu avô conheceu?
Que eu nem me lembro mais
Do tempo que ele morreu
E você está parecendo
Muito mais moço que eu.

Negro

Eu sei o dia e da hora
Que nasceu seu bisavô
Chamava-se Ana Mendes
A parteira que o pegou
E conheci muito o frade,
E vi quando o batizou.

Riachão

Bote sua maca abaixo
Conte sua história direito
Da forma que você conta
Eu não fico satisfeito
Como ver-se um objeto
Antes daquilo ser feito?

Negro

Seu bisavô se chamava
Apolinário Canção
Era filho de um ferreiro.
Que o chamavam Gavião
Sua bisavó Lourença
Filha de Amaro Assunção.

Riachão

Mas que idade tem você?
Que me faz admirar?
Conheceu o meu bisavô?
Eu não posso acreditar
Assim nestas condições
Me faz até desconfiar.

Negro

Seu bisavô e avô
Foram por mim conhecidos
Seu pai, sua mãe e você
Antes de serem nascidos
Já estavam na minha nota
Para serem protegidos.

Riachão

Que proteção tem você?
Para proteger alguém
Sua pessoa e os trajes
Mostram o que você tem,
A sua cor e aspecto
Esclarecem muito bem.

Negro

Eu protejo você tanto
Que o defendi de morrer
Você se lembra da onça
Que uma vez quis lhe comer?
Que apareceu um cachorro
E fez a onça correr?

Riachão

Me lembro perfeitamente
Quando a onça me emboscou
Que já ia marcando o salto
Que um cachorro chegou
A onça correu com medo
Eu não sei quem me salvou.

Negro

Pois foi este seu criado
Que viu a onça emboscá-lo
Eu chamei por meu cachorro
Para da onça livrá-lo!
Se lembra quando você
Ouviu o canto de um galo?

Riachão

Eu me lembro disso tudo
Porque assim foi passado
Mas que idade tinha eu
Quando esse caso foi dado?
Eu era tão pequenino
Que meu pai teve cuidado.

Negro

Você tinha nove anos
Foi caçar um novilhote
Se entreteve com umas flores
Que tinha lá no serrote
A onça foi esperá-lo
Para lá soltar-lhe o bote.

Riachão disse consigo:
De onde veio esse ente
Que de toda minha vida
Conhece perfeitamente?
Esse será o diabo
Que está figurando gente?

Negro

O senhor pergunta assim
De que parte venho eu
Eu venho de onde não vai
Pensamento como o seu
Eu saí do ideal
Primeiro que apareceu.

Riachão

Agora acabei de crer
Que tu és o inimigo
Te transformaste em homem
Para vir cantar comigo
Mas eu acredito em Deus
Não posso correr perigo.

Negro

Ainda não lhe ameacei
Nem pretendo ameaçá-lo
Estou pronto a defendê-lo
Se alguém quiser atacá-lo
Em minha humilde pessoa
Tem um pequeno vassalo.

Riachão

Não quero saber de ti
Porque tu és traidor
Desobedeceste a Deus
Sendo Ele o Criador
Fizeste traição a Ele
Quanto mais a um pecador.

Negro

Riachão amas a Deus
Sendo mal recompensado
Deus fez de Paulo um monarca
De Pedro um simples soldado
Fez um com tanta saúde
Outro cego e aleijado.

Riachão

Se Deus fez de Paulo um rei
Porque Paulo merecia
Se fez de Pedro um soldado
Era o que a Pedro cabia
Se não fosse necessário
O grande Deus não fazia.

Negro

O teu vizinho e parente
Enricou sem trabalhar
Teu pai trabalhava tanto
E nunca pôde enricar
Não se deitava uma noite
Que deixasse de rezar.

Riachão

Meu pai morreu na pobreza
Foi fiel a seu Senhor
Executou toda ordem
Que lhe deu o Criador
E foi uma das ovelhas
Que deu mais gosto ao pastor.

Negro

Arre lá! lhe disse o negro
Você é caso sem jeito!
Eu com tanta paciência
Estou lhe ensinando direito
Você vê que está errado
Faz que não vê o defeito.

Riachão

É muito feliz o homem
Que com tudo se consola
Posso morrer na pobreza
Me achar pedindo esmola
Deus me dá para passar
Ciência e esta viola.

O negro olhou Riachão
Com os olhos de cão danado
Riachão gritou: — Jesus
Homem Deus Sacramentado!
Valha-me a Virgem Maria
A Mãe do Verbo Encarnado!

O negro soltando um grito
Ali desapareceu
De uma catinga de enxofre
A casa toda se encheu
Os cães uivavam na rua
O chão da casa tremeu.

Riachão ficou cismado
Com o cantor desconhecido
Que quando encontrava um
Tomava logo sentido
O seu primeiro repente
Era a Deus oferecido.

Essa história que escrevi
Não foi por mim inventada
Um velho daquela época
Tem ainda decorada
Minhas aqui só são as rimas
Exceto elas mais nada.


Literatura de Cordel quarta, 05 de outubro de 2022

VIAGEM A SÃO SARUÊ (FOLHETO DE MANOEL CAMILO DOS SANTOS)

 

 

Doutor mestre pensamento”
me disse um dia: – Você
Camilo, vá visitar
o país “São Saruê”
pois é o lugar melhor
que neste mundo se vê.

Eu que desde pequenino
sempre ouvia falar
neste tal “São Saruê”
destinei-me a viajar,
com ordem do pensamento
fui conhecer o lugar.

Iniciei a viagem
as duas da madrugada,
tomei o carro da brisa
passei pela alvorada
junto do quebrar da barra
eu vi a aurora abismada.

Pela aragem matutina
eu avistei bem defronte
a irmã linda aurora
que se banhava na fonte,
já o sol vinha espargindo
no além do horizonte.

Surgiu o dia risonho
na primavera imponente,
as horas passavam lentas
o espaço encandescente
transformava a brisa mansa
em um mormaço dolente.

Passei do carro da brisa
para o carro do mormaço
o qual veloz penetrou
no além do grande espaço
nos confins dos horizontes
senti do dia o cansaço.

Enquanto a tarde caía
entre mistério e segredo
a viração docilmente
afagava os arvoredos,
os últimos raios do sol
bordavam os altos penêdos.

Morreu a tarde e a noite
assumiu sua chefia,
deixei o mormaço e tomei
o carro da neve fria,
vi os mistérios da noite
esperando pelo dia.

Ao romper da nova aurora
senti o carro pairar
olhei e vi uma praia
ler, escrever e contar,
canta, corre, salta e faz
tudo quanto se mandar.

Lá tem um rio chamado:
o banho da mocidade,
onde um velho de cem anos
tomando banho e vontade
quando sai fora parece
ter vinte anos de idade.

Lá não se vê mulher feia
e toda moça é formosa
alva, rica e bem decente
fantasiada e cheirosa,
igual a um lindo jardim
repleto de cravo e rosa.

É um lugar magnífico
onde eu passei muitos dias
passando bem e gozando
prazer, amor, simpatia,
todo esse tempo ocupei-me
em recitar poesias.

Ao sair de lá me deram
uns pacotes de papéis
era dinheiro emaçado
notas de contos de réis
quinhentos, duzentos e cem
de cinqüenta, vinte e dez.

Lá existem tudo quanto é beleza
tudo quanto é bom, belo e bonito,
parece um lugar santo e bendito
ou um jardim da divina Natureza:
imita muito bem pela grandeza
a terra da antiga promissão
para onde Moisés e Aarão
conduzirão o povo de Israel,
onde dizem que corriam leite e mel
e caia manjar do céu no chão.

Tudo lá é festa e harmonia
amor, paz, benquerer, felicidade
descanso, sossego e amizade
prazer, tranqüilidade e alegria:
na véspera de eu sair aquele dia
um discurso poético, lá eu fiz,
me deram a mandado de um juiz
um anel de brilhante e de “rubim”
no qual um letreiro diz assim:
é feliz quem visita este país.

Vou terminar avisando
a qualquer um amiguinho
que quiser ir para lá
posso ensinar o caminho,
porém só ensino a quem
me comprar um folhetinho.


Literatura de Cordel quarta, 10 de agosto de 2022

AS CONSEQUÊNCIAS DA COMPRA DO VOTO
 Cordel: As conseqüências da compra do voto - Loja Virtual  www.projetocordel.com.br

 

 

Quem negocia seu voto
Prega a corrupção,
Não pode exigir depois
Nenhuma pequena ação
Daquele seu candidato
Que escolheu na eleição.

Aquele que vende o voto
Sem saber faz aumentar
A injustiça social,
Pois não pode nem cobrar
Trabalho do candidato
Depois que este ganhar.

O crápula que compra votos
Do povo não quer saber,
O que ele pretende mesmo
É adquirir o poder
Pra roubar dinheiro público
E assim enriquecer.

O triste que compra voto
Não tem nenhum compromisso
Com saúde, educação
Nem quer saber se há serviço
Pro homem trabalhador
Da favela ou do cortiço.

Cidadão que vende o voto
Por carência ou ingenuidade
É vítima dos poderosos,
Que vêm com ar de bondade,
Disfarçados de cordeiros
Pra esconder toda maldade.

Quem oferece seu voto
Em troca de uma vantagem
Contribui para aumentar
O capitalismo selvagem
Que instalou-se em nosso meio
E é pai da politicagem.

 

Por isso meu caro amigo
Preste muita atenção,
No dia que for votar
Não se leve por emoção,
Escolha quem é honesto,
Quem ao pobre dá razão.

Quando escolher candidato
Veja bem o seu passado:
Se lutava pelo pobre,
Denunciava o errado,
Se nunca aceita propina,
Se parece equilibrado.

É preciso estar atento
Pra não cair em cilada,
Pois de político esperto
A rua está tomada,
Portanto pense, analise
O que diz o camarada.

Desconfie quando o sujeito
Em tempo de eleição
De repente fica simples,
Vai logo dando-lhe a mão,
Pondo no colo criança
Dizendo cheio de esperança:
É o futuro da nação!

Cuidado com o camarada
Que só vive garantindo
Resolver todo problema,
Que diz nunca está mentindo,
Que dá tapinha nas costas,
Chamando amigo nas portas
E que só vive sorrindo.

Não se engane com o político
Que vive a prometer
Emprego e vida fácil
Depois que ele se eleger,
Isso é conversa pra trouxa
Que não tem o que fazer.

Não deixe o seu lugar
Ser chamado de banal
E não ser reconhecido
Por curral eleitoral
Como quem usa cabresto,
Pois ninguém é animal.

Não faça como José,
Morador da Barra Funda,
Que dizia: – O meu voto,
O de Pretinha e Raimunda
É só pra quem tem dinheiro,
Quem não pensar desse jeito
Leva logo um pé na bunda.

Não imite Severino,
Que no dia da eleição
Andava com os bolsos cheios
Achando-se com razão
Para comprar todo o povo
Que não tinha condição.

Se assim você agir
Com certeza vai sofrer
As conseqüências depois,
O sujeito vai querer
Recuperar seu dinheiro
Quando alcançar o poder.

E logo não vai poder
Fazer o que prometia
E se você reclamar,
Quiser uma benfeitoria
Depressa ele vai falar:
– Po’daqui se retirar
Comprei seu voto, sabia?

É triste a sina de quem
Empresta ou vende o voto.
Joaquim disse: – menino
Eu nunca que me importo
Com essa tal corrupção
Quem me pagar na eleição
Viro ateu ou devoto.

E chegou um candidato
Dirigiu-se a Joaquim:
– Dou-lhe uma chapa novinha
Se você votar em mim,
Compro a de baixo no pleito
E a outra se eu for eleito
Espero não ache ruim.

Veja só o constrangimento
Desse ingênuo eleitor
Ao saber que o candidato
A eleição não ganhou,
Pois ficou sem mastigar
E muita gente zombou.

Há também quem compre voto
Por um quilo de farinha,
Por um par de alpargatas
Ou até mesmo uma galinha
Fazendo o povo objeto
À noite ou de manhãzinha.

Só que todo o corrupto
Age bem a qualquer hora,
Oferece o que tiver,
Mas cobra juro de mora
Do povo quando eleito,
Engana e não vai embora.

Para que tudo isso mude
O povo tem que agir
Em busca de um mundo novo,
Solução é construir
A nossa independência
E sabendo com freqüência
Político sério exigir.

Não é fácil a tarefa,
Mas precisamos tentar
Porque a corrupção
Está em todo lugar,
Para ter um mundo honesto
Fuja de político esperto
E não se venda ao votar!


Literatura de Cordel quarta, 03 de agosto de 2022

AS 4 ÓRFÃS DE PORTUGAL, OU O VALOR DA HONESTIDADE (FOLHETO DE JOÃO MELQUÍADES FERREIRA DA SILVA)

 

Na capital de Lisboa,
havia uma união
de quatro donzelas órfãs,
sem pai sem mãe irmão,
servindo a moça mais velha
como mãe de criação.

Vitalina era a mais velha
e muito religiosa,
viviam de costuras
numa vida trabalhosa:
Isabel Francisca e Maria,
cada qual mais virtuosa.

Vitalina adoeceu;
vendo que não escapava,
chamou logo as três mocinhas
que em seu poder criava,
para lhes dar um conselho
que tanto necessitava.

Disse ela: minhas filhas
vocês vivam sem questão
satisfeitas com a sorte
trabalhando pelo pão;
nada tendo peçam esmola,
mais não deixe esta união.

No outro dia Vitalina
estava no necrotério,
mas levou palma e capela
para o chão do cemitério,
no símbolo da virgindade
de moça de critério.

As moças ficaram sós
por casa do acabamento,
ninguém lhes dava costuras
para ganharem o sustento;
começaram a passar fome
com pena e sofrimento.

Quando as moças não tinham
mais nada para vender,
eram três moças donzelas
que não tinham o que comer,
sem lamentarem a sorte,
jejuavam sem querer.

Lutando assim pela vida
com tanta dificuldade,
perseguida pelos homens
mas guardando a virgindade,
quem sofre com paciência
Deus manda felicidade.

A fome já era tanta
que as moças padeciam,
que botavam sal na água
por alimento bebiam,
e os homens sem caridade
a elas não protegiam.

Maria, uma das moças,
disse ainda não é assim,
se hei de morrer de fome,
aqui mesmo levar fim,
vou procurar pelo mundo,
quem tome conta de mim.

As outras duas pediram:
maninha, não vá embora,
vamos esperar mais tempo,
ninguém sai daqui agora,
ate chegar o socorro
de Deus ou nossa Senhora.

Maria disse: Manas,
eu já estou resolvida,
vou ver se encontro um homem
que me dê roupa e comida;
hoje à noite eu vou embora,
que não sou esmorecida.

Maria arrumou a roupa
e deixou anoitecer,
o pedido das irmãs
em nada quis atender;
se despediu com a noite
dizendo: vou me vender.

A noite está muita escura,
porém, a moça seguia
no oitão de uma igreja,
um vulto lhe aparecia;
o vulto era um padre,
pegou na mão de Maria

O padre disse: filhinha
esta hora, aonde vais?
O que é que tu procuras,
que daqui não passas mais,
volta que tuas irmãs
ficaram chorando atrás.

Padre, porque sou pobre,
uma orfã desvalida,
abandonei minhas irmãs
para salvar minha vida;
eu vou procurar um homem
que me dê roupa e comida.

Porquanto a minha pobreza,
faz vergonha eu lhe contar,
todo dia em nossa casa
não tem que se almoçar;
há tempo que eu não janto,
eu vou dormir sem cear.

O padre disse: filhinha,
tu precisas de caridade,
então me diz se conheces
na alta sociedade,
qual e o homem solteiro
mais rico desta cidade.

Tem o coronel Paulino
que é um moço solteiro,
negociante na praça,
capitalista e banqueiro;
o governo deve a ele
grande soma de dinheiro.

O Padre tirou um lápis,
num papel pôs-se a escrever,
dirigindo um bilhetinho
de acordo o seu saber,
para o coronel Paulino
esta questão resolver.

O padre disse: filhinha,
volta e vai descansar,
por hoje lhe passa a fome,
não precisa mais cear,
porque a sua pobreza
agora vai se acabar.

Quando o dia amanhecer,
vá o bilhete entregar
ao coronel Paulino,
a quem eu mando levar;
espera pela resposta
que ele tem que te dar.

Maria voltou a casa,
conforme o padre dizia;
as Irmãs abriram a porta,
disseram entra Maria;
se abraçaram todas três
chorando de alegria.

Quando o dia amanheceu,
Maria, no mesmo tino,
foi levar o bilhetinho
ao coronel Paulino,
para saber da resposta,
qual será o seu destino.

No armazém do Paulino,
estavam negociando
uma secção dos mais ricos
sobre negócio tratado,
e viram aquela mocinha
que vinha se aproximando.

Os homens se combinavam,
cada qual o mais ladino;
Maria interrogou-os,
com seu termo feminino,
quem é aqui dos senhores
o grande coronel Paulino?

O coronel levantou-se,
chegou se para Maria
disse: sou eu seu criado,
enquanto a moça dizia:
trago este bilhetinho
para vossa senhoria.

O bilhete lhe explicava,
honradíssimo coronel,
dê a esta mocinha
o valor deste papel,
porém, pese-o na balança,
até chegar no fiel.

O coronel inda riu-se,
dizendo ora muito bem,
isto não é precisão
que se ocupa ninguém,
o peso deste papel
só pesa igual um vintém.

O coronel pegou o bilhete,
pôs na balança um tostão,
mas foi botando dinheiro
como quem pega algodão,
a concha do bilhetinho
só pesava para o chão.

O coronel botou todo
o ouro que possuía,
botou o dinheiro de papel
que a balança não cabia,
a concha do bilhetinho
mais pesada não subia.

Ele arredou o dinheiro,
e passou-se com o papel,
a concha do bilhetinho
subiu e mostrou o fiel,
era a honra da donzela
que valia o coronel.

O coronel disse: moça,
você é misteriosa,
qual é a sua oração
na vida religiosa?
Este bilhete foi feito
por uma mão poderosa.

Coronel, a minha mãe
de criação me ensinava
S. Antonio é meu padrinho,
e a ele me entregava,
eu tomava bênção ao santo,
a noite quando rezava.

Então a senhora diga-me
quem fez este bilhetinho,
se foi feito em casa
pela mão de algum vizinho,
ou então se é milagre
que nasceu de seu padrinho.

Coronel, eu esta noite
de casa não havia saído
no oitão de uma igreja,
um padre desconhecido
mandou-lhe este bilhetinho,
conforme vem dirigido

O coronel baixou vista,
e disse quando pensou:
então, o bilhete foi
Santo Antonio quem mandou
pra senhora casar comigo
como o santo me contou.

A senhora, uma mocinha
que vive em pobreza,
mas sua honra pesou
mais que a minha riqueza,
no dia que nós casarmos
somos iguais por natureza.

Desde aí o coronel
tomou conta de Maria,
convidou os seus amigos,
casou-se no outro dia,
mandou ver as duas órfãs
para sua companhia.


Literatura de Cordel quarta, 27 de julho de 2022

ARROLADA (FOLHETO DE DALINHA CATUNDA)

 

1

Vou contar um episódio

Uma história singular

Um Inusitado estupro

Que nem chegou a rolar

Mesmo estando desolada

A vítima inconformada

Resolveu denunciar.

 

2

Já que tinha decidido

Não mudou de opinião

Sujeito tão atrevido

Merece mesmo é prisão

E pensando assim sem dó

Já partiu paro o BO

Com muita indignação.

 

3

Logo pegou uma amiga

Que o sujeito conhecia

Juntinhas as duas foram

Direto a delegacia

Paciente o delegado

Que cuidava do condado

A tal vítima atendia.

 

4

Ele foi atencioso

Cumprindo sua função

Mandou a dupla sentar

E chamou o escrivão

Naquele exato momento

Tomou o depoimento

E pé da situação.

 

5

A senhora então me diga

Como tudo sucedeu

Como foi que o meliante

Com a dama procedeu

Para aqui eu registrar

E o sujeito procurar

Depois do relato seu.

 

 

6

A mulher envergonhada

Não sabia o que dizer

Na cadeira acanhada

Começou a se mexer

Entretanto o delegado

Todo cheio de cuidado

Ajudou no decorrer.

 

7

Com a voz mansa e pausada

Bem calmo naquele dia

Foi fazendo umas perguntas

Para ver o que colhia

De modo bem respeitoso

Educado e cauteloso

Pois o fato assim pedia.

 

8

Ele tirou sua roupa

E as calças dele arriou

E de dentro das cuecas

O órgão então retirou

E com o órgão na mão

Começou a infração

E da senhora abusou?

 

9

A mulher olhou pra amiga

Também para o delegado

Esqueceu sua mudez

E com um riso acanhado

Respondeu a indagação

Naquela ocasião

Com o rosto inda corado.

 

10

Doutor eu vou lhe dizer

Um órgão eu não vi não!

Era só uma cornetinha

Que mal cabia na mão

Eu nem sei como alguém

Que um tico de pinto tem

Se aventura nessa ação.

 

11

Quando ele me agarrou

Eu pensei: -Estou roubada

Porém vi que o elemento

Não estava era com nada

O que tinha na cueca

Era só uma merreca

Eu caí na gargalhada.

 

12

Ele com raiva de mim

Me deu logo um safanão

Me puxou pelos cabelos

Depois me jogou no chão

E acabou se dando mal

Não tinha material

Para cumprir a função.

 

13

Um ligeiro mal-estar

Deu-se na delegacia

O delegado respira

E o trabalho reinicia

Um tanto embaraçado

Com o que tinha escutado

E sem crer no que ouvia.

 

14

Olhou bem para a mulher

Sem saber o que falar

Aquela situação

Era um tanto singular

Queria prosseguir

Sem saber como seguir

E qual o rumo a tomar.

 

15

O delegado aturdido

Quase saiu do recinto

O escrivão que ouvia

Tentou ser bem mais sucinto

Ao digitar o relato

Porque era um desacato

A macular qualquer pinto.

 

16

O doutor respirou fundo

E assentou o pensamento

O trabalho era bem árduo

Tinha que dar seguimento

Mesmo estando descontente

Tocou o caso pra frente

Naquele depoimento.

 

17

Desta feita resolveu

A testemunha indagar

Para saber realmente

O que tinha pra contar

E do seu dever ciente

Tentando ser paciente

Resolveu recomeçar.

 

18

Olhou bem para as mulheres

Com um olhar de respeito

Temperou sua garganta

Para perguntar com jeito

E ter melhor resultado

No que fosse perguntado

E fazer tudo direito.

 

19

Ele sabe que a mulher

Não pode ser maltratada

E numa delegacia

Não deve ser humilhada

Fez sinal ao escrivão

Começou a arguição

Levando adiante a jornada.

 

20

De frente pra testemunha

Fez a sua indagação:

– A senhora é arrolada?

Não sou a rolada não!

Não caí nessa esparrela

A rolada aqui é ela

Seu doutor preste atenção.

 

21

Minha amiga já lhe disse

Como tudo aconteceu

Também sei que o Senhor sabe

Que a rolada não sou eu

O senhor tome tendência

E se não tem competência

Porque se estabeleceu?

 

22

O delegado espantado

Nem sabia o que fazer

Se ficava ou se corria

A vontade era correr

Porque sendo homem culto

Via aquilo como insulto

Danou-se a se maldizer

 

23

Ali naquele momento

Deu tudo por encerrado

Assinou o depoimento

Mas deixou engavetado

Louco com a confusão

Mudou de jurisdição

Partiu pra outro condado.

 

24

Aqui eu fui arrolada

Pra contar essa história

Não foi bem inspiração

Eu trazia na memória

Mesmo assim eu agradeço

A musa por seu apreço

Nessa contação simplória.


Literatura de Cordel quarta, 20 de julho de 2022

AQUELA DOSE DE AMOR (FOLHETO DE ANTONIO FRANCISCO)

AQUELA DOSE DE AMOR

Antonio Francisco

 


Um certo dia eu estava
Ao redor da minha aldeia
Atirando nas rolinhas,
Caçando rastros na areia,
Atrás de me divertir
Brincando com a vida alheia.

Eu andava mais na sombra
Devido ao sol muito quente,
Quando vi uma juriti
Bebendo numa vertente.
Atirei, ela voou.
Mas foi cair lá na frente.

Carreguei a espingarda,
Saí olhando pro chão,
Procurando a juriti
Nos troncos do algodão,
Quando surgiu um velhinho
Com um taco de pão na mão.

O velho disse: - “Senhor,
Não quero lhe ofender,
Mas se está com tanta fome
E não tem o que comer,
Mate a fome com este pão,
Deixe este pássaro viver.”

Eu disse: - Muito obrigado,
Pode guardar o seu pão...
Eu gasto mais do que isso
Com a minha munição.
Eu mato só por prazer,
Eu caço por diversão.

O velho disse: -“É normal
Esse orgulho do senhor
E todo esse egoísmo
Que tem no interior.
É porque falta no peito
Aquela dose de amor.

Se eu tivesse botado
Ela no seu coração,
Você jamais mataria
Um pardal sem precisão,
Nem dava um tiro num pato
Apenas por diversão.”

Eu fiquei muito confuso
Com as frases do ancião.
Aquelas suas palavras
Tocaram meu coração
Derrubando meu orgulho
E a vaidade no chão.

Me vali da humildade
E disse: - Perdão, senhor,
Desculpe a minha arrogância,
Mas lhe peço um favor,
Que me conte essa história
Sobre essa dose de amor.

O velho disse: - “Pois não.
Vou explicar ao senhor
Porque mesmo sem querer
Sou o maior causador
De hoje em dia o ser humano
Ser tão carente de amor.

Isso tudo aconteceu
Há muitos séculos atrás
Quando meu Pai fez o mundo
Terra, mares, vegetais.
Me pediu pra lhe ajudar
No último dos animais.

Pai me disse: - ‘Filho, eu fiz
Da formiga ao pelicano;
Botei veneno na cobra,
Bico grande no tucano,
Agora estou terminando
Este animal ser humano.

Mas ficou meio sem graça
Este animal predador...
O couro não deu pra nada,
A carne não tem sabor,
Na cabeça tem juízo,
Mas, no peito, pouco amor.

Por isso que eu lhe chamei
Pra você lhe consertar,
Botar mais amor no peito,
Lhe ensinar a amar
E tirar dessa cabeça
O desejo de matar’.

Depois disse: - ‘Filho, vá
Amanhã lá no quintal,
No casa dos sentimentos,
Perto do pote do mal...
Traga a dose de amor
E bote nesse animal’.

De manhã eu fui buscar
Aquela dose sozinho,
Mas na volta me entreti
Brincando com um passarinho
Perdi a dose do amor
Numa curva do caminho.

Quando eu notei que perdi,
Voltei correndo pra trás,
Procurei em todo canto,
Mas cadê eu achar mais.
Aí eu fiz a loucura
Que toda criança faz.

Voltei, peguei outra dose
Igualzinha a do amor,
O vidro da mesma altura,
O rótulo da mesma cor...
Cheguei em casa e botei
No peito do predador.

Mas logo no outro dia
Meu pai sem querer deu fé
Do animal ser humano
Chutando o sapo com o pé
E no outro ele mangando
Dos olhos do caboré.

Vendo aquilo pai chorou,
Ficou triste, passou mal,
Me chamou e disse: - ‘Filho,
O bicho não tá normal.
O que foi que você fez
No peito desse animal?’

Quando eu contei a verdade
De tudo aquilo que eu fiz
Pai disse tremendo a voz:
- ‘Eu sei que você não quis,
Mas você botou foi ódio
No peito desse infeliz.

Esse bicho inteligente
Com esse ódio profundo,
Com pouco amor nesse peito
Não vai parar um segundo
Enquanto não destruir
A última célula do mundo.

Depois daquelas palavras,
Chorei como um santo chora.
Quando foi à meia-noite
Eu saí de porta afora
E nunca mais eu pisei
Na casa que meu pai mora.

Daquele dia pra cá
É esta a minha pisada,
Procurando aquela dose
Em todo canto da estrada,
Pois, sem ela, o ser humano
Pra meu pai não vale nada.

Sem ela, vocês humanos
Não sabem dar sem pedir,
Viver sem hipocrisia,
Ficar por trás sem trair
Nem distante do poder
Nem discursar sem mentir.

Sem ela, vocês trucidam
E batizam os crimes seus.
Na era medieval
Queimaram bruxas e ateus
E perseguiram os hereges
Usando o nome de Deus.

Sem ela, foram pra África
E fizeram a escravidão...
Com os grilhões do preconceito
Escravizaram o irmão
Com a espada na cintura
E uma bíblia na mão’.

O velho disse: - “Perdoe
Ter tomado o tempo seu.
Consertar vocês, humanos,
É um problema só meu.”
Aí o velho sumiu
Do jeito que apareceu.

E eu fiquei ali em pé
Coçando o queixo com a mão,
Pensando se era verdade
As frases do ancião
Ou se era tudo fruto
Da minha imaginação.

E naquele mesmo instante
Vi passando na estrada
A juriti que eu chumbei
Com uma asa quebrada,
Mas não tive mais coragem
De atirar na coitada.

Joguei fora a espingarda,
Voltei olhando pro chão
Procurando aquela dose
Nos troncos do algodão
Pra guardá-la com carinho
Dentro do meu coração.

Se acaso algum de vocês
Tiver a felicidade
De encontrar aquela dose,
Eu peço por caridade
Derrame todo o sabor
Daquela dose de amor
No peito da humanidade.


Literatura de Cordel quarta, 13 de julho de 2022

ANTONIO SILVINO, O REI DOS CANGACEIROS (FOLHETO DE LEANDRO GOMES DE BARROS, GENTILEZA DE PEDRO FERNANDO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
 

ANTONIO SILVINO, O REI DOS CANGACEIROS

Leandro Gomes de Barros

 

Antonio Silvino (1875 – 1944)

O povo me chama grande
E como de fato eu sou
Nunca governo venceu-me
Nunca civil me ganhou
Atrás de minha existência
Não foi um só que cansou.

Já fazem 18 anos
Que não posso descansar
Tenho por profissão o crime
Lucro aquilo que tomar,
O governo às vezes dana-se
Porém que jeito há de dar?!

O governo diz que paga
Ao homem que me der fim,
Porém por todo dinheiro
Quem se atreve a vir a mim?
Não há um só que se atreva
A ganhar dinheiro assim.

Há homens na nossa terra
Mais ligeiros do que gato,
Porém conhece meu rifle
E sabe como eu me bato,
Puxa uma onça da furna,
Mas não me tira do mato.

Telegrafei ao governo
E ele lá recebeu,
Mandei-lhe dizer: doutor,
Cuide lá no que for seu,
A capital lhe pertence
Porém o estado é meu.

O padre José Paulino
Sabe o que ele agora fez?
Prendeu-me dois cangaceiros,
Tinha outro preso fez três,
O governo precisou
Matou tudo de uma vez.

Porém deixe estar o padre,
Eu hei de lhe perguntar
Ele nunca cortou cana
Onde aprendeu a amarrar?
Os cangaceiros morreram
Mas ele tem que os pagar.

Depois ele não se queixe,
Dizendo que eu lhe fiz mal,
Eu chego na casa dele,
Levo-lhe até o missal,
Faço da batina dele
Três mochilas para sal.

 

Um dos cabras que mataram,
Valia três Ferrabrás
Eu não dava-o por cem papas,
Nem quinhentos cardeais
Não dava-o por dez mil padres,
Pois ele valia mais.

Mas mestre padre entendeu
Que ia acertadamente
Em pegar meus cangaceiros
E fazer deles presente,
Quem tiver pena que chore
Quem gostar fique contente.

Meus cangaceiros morreram
Mas ele morre também,
Eu queimando os pés aqui
Nem mesmo o diabo vem,
Eu não vou criar galinhas
Para dar capões a ninguém.

Tudo aqui já me conhece
Algum tolo inda peleja,
Eu sou bichão no governo
E sou trunfo na igreja.
Porque no lugar que passo
Todo mundo me festeja.

No norte tem quatro estados
À minha disposição,
Pernambuco e Paraíba
Dão-me toda distinção,
Rio-Grande e o Ceará
Me conhecem por patrão.

No Pilar da Paraíba
Eu fui juiz de direito,
No povoado – Sapé,
Fui intendente e prefeito,
E o pessoal dali
Ficou todo satisfeito.

Ali no entroncamento
Eu fui Vigário-Gral,
Em Santa Rita fui bispo,
Bem perto da capital,
Só não fui nada em Monteiro,
Devido a ser federal.

Porém tirando o Monteiro,
O resto mais todo é meu,
Aquilo eu faço de conta
Que foi meu pai que me deu
O governo mesmo diz:
Zele porque tudo é seu.

Na vila de Batalhão,
Eu servi de advogado,
Lá desmanchei um processo
Que estava bem enrascado,
Livrei três ou quatro presos
Sem responderem jurado.

Só não pude fazer nada
Foi na tal Santa Luzia.
Perdi lá uma eleição,
A cousa que eu não queria,
Mas o velho rifão diz:
Roma não se fez n’um dia.

O padre José Paulino
Pensa que angu é mingau
Entende que sapo é peixe
E barata é bacurau
Pegue com chove e não molha,
Depois não se meta em pau.

Eu já encontrei um padre,
Recomendado de papa,
Tinha o pescoço de um touro,
Bom cupim para uma tapa,
Fomos às unhas e dentes,
Foi ver aquela garapa.

Quando o rechonchudo viu
Que tinha se desgraçado,
Porque meu facão é forte,
Meu baço é muito pesado,
Disse: vôte, miserável,
Abancou logo veado.

Eu gritei-lhe: padre-mestre,
Me ouça de confissão.
Ele respondeu-me: dane-se
Eu lhe deixo a maldição,
Em mim só tinha uma coroa,
Você fez outra a facão.

Eu inda o deixei correr
Por ele ser sacerdote,
Para cobra só faltava
Enroscar-se e dar o bote,
Aonde ele foi vigário,
Quatro levaram chicote.

Foi tanto qu’eu disse a ele:
Padre não seja atrevido
Tire a peneira dos olhos,
Veja que está iludido,
Eu lhe respeito a coroa,
Porém não o pé do ouvido.

O velho padre Custódio,
Usurário, interesseiro,
Amaldiçoava quem desse
Rancho a qualquer cangaceiro,
Enterrou uma fortuna,
E eu sonhei com o dinheiro!…

Então fui na casa dele,
Disse, padre eu quero entrar,
Sonhei com dinheiro aqui!…
E preciso o arrancar,
Quero levá-lo na frente
Para o senhor me ensinar.

O padre fez uma cara,
Que só um touro agastado,
Jurou por tudo que havia,
Não ter dinheiro enterrado,
Eu lhe disse, padre-mestre,
Eu cá também sou passado.

Lance mão do cavador,
E vamos ver logo os cobres,
Esse dinheiro enterrado
Está fazendo falta aos pobres,
Usemos de caridade
Que são sentimentos nobres.

Dez contos de réis em ouro
Achemos lá n’um surrão,
Três contos de réis em prata
Achou-se n’outro caixão,
Eu disse: padre não chore,
Isso é produto do chão.

O padre ficou chorando
Eu disse a ele afinal
Padre mestre este dinheiro
Podia lhe fazer mal
Quando criasse ferrugem
Lhe desgraçava o quintal.

Ajuntei todos os pobres
Que tinham necessidade
Troquei ouro por papel
Haja esmola em quantidade
Não ficou pobre com fome
Ali naquela cidade.

O padre José Paulino
Acha que estou descansado
Queria fazer presente
Ao governo do Estado
Deu três cangaceiros meus
Sem nada lhe ter custado.

Um desses ditos rapazes,
Estava até tuberculoso,
O segundo era um asmático,
O terceiro era um leproso,
O urubu que o comeu
Deve estar bem receios.

Tive nos meus cangaceiros
Um prejuízo danado,
Primeiro foi Rio-Preto,
Segundo Pilão-Deitado,
Os homens mais destemidos
Que tinham me acompanhado.

Eu juro pelo meu rifle,
Que o Padre José Paulino
Cai sempre na ratoeira
E paga o grosso e o fino,
Não há de casar mais homem,
Nem batizar mais menino.

Eu sempre gostei de padre
Tenho agora desgostado
Padre querer intervir
Em negócio do Estado?!…
Viaja sem o missal,
Mas leva o rifle encostado.

Em vez de estudar o meio
Para nos aconselhar,
Só quer saber com acerto,
Armar rifle e atirar,
Lá onde ele ordenou-se,
Só lhe ensinaram a brigar.

Depois ele não se queixe,
Nem diga que sou malvado,
Ele nunca assentou praça
Como pode ser soldado?
Não tem razão de queixar-se,
Se tiver mau resultado.

Quatro estados reunidos
Tratam de me perseguir,
Julgam que não devo ter
O direito de existir,
Porém enquanto houver mato,
Eu posso me escapulir.

Eu ganhando essas serras,
Não temo alguém me pegar
Ainda sendo um que pegue,
Uma piaba no mar,
Um veado em mata virgem
E uma mosca no ar.

Eu já sei como se passa
Cinco dias sem comer,
Quatro noites sem dormir,
Um mês sem água beber,
Conheço as furnas onde durmo
Uma noite se chover.

Uma semana de fome,
Não me faz precipitar,
Mato cinco ou seis calangos
Boto no sol a secar,
Quatro ou cinco lagartixas,
Dão muito bem um jantar.

Eu passei mais de um mês
Numa montanha escondido,
Um rapaz meu companheiro
Foi pela onça comido,
Por essa também
Eu fui muito perseguido.

Era um lugar esquisito,
Nem passarinho cantava!…
Apenas à meia noite
Uma coruja piava,
Então uma grande onça,
De mim não se descuidava.

Havia muito mocós,
Eu não podia os matar,
Andava tropa na serra
Dia e noite a me caçar,
No estampido do tiro
Era fácil alguém me achar.

Passava-se uma semana
Que nada ali eu comia,
Eu matava algum calango
Que por perto aparecia
Botava-os na pedra quente
Quando secava eu comia.

Quando apertava-me a sede
Pegava a croa de frade
Tirava o miolo dela
Chupava aquela umidade
Lá eu conheci o peso
Da mão da necessidade.

Um dia que a tropa andava
Na serra me procurando
Viram que um grande tigre,
Estava em frente os emboscando
Um dos oficiais disse:
Estamos nos arriscando.

E o Antonio Silvino
Não anda neste lugar,
Se ele andassem, aquela onça
Havia de se espantar,
Eu estava perto deles,
Ouvindo tudo falar.

Ali desceu toda a tropa,
Não demoraram um momento,
Um soldado que trazia
Um saco de mantimento,
Por minha felicidade
Deixou-o por esquecimento.

Eu estava dentro do mato,
Vi quando a tropa desceu
O tigre soltou um urro,
Que o tenente estremeceu
Até a borracha d’água
Uma das praças perdeu.

Quando eu vi que a tropa ia
Já n’uma grande lonjura,
Fui, apanhei a mochila,
Achei carne e rapadura,
Farinha queijo e café,
Aí chegou-me a fartura.

Achei a borracha d’água
Matei a sede que tinha,
A carne já estava assada,
Fiz um pirão de farinha
Enchi a barriga e disse:
Deus te dê fortuna, oncinha.

Porque a tua presença,
Fez toda a força ir embora,
O ronco que tu soltasses,
encheu-me a barriga agora,
Eu com a sede que estava,
Não durava meia hora.

E é agora o que faço,
Havendo perseguição,
Procuro uma gruta assim
E lá faço habitação,
Só levo lá, um, dous rifles
E o saco de munição.

Me mudo para uma furna
Que ninguém sabe onde é,
A furna tem meia légua
Marcando de vante a ré,
A onça chega na boca
Mas dentro não põe o pé.

A onça conhece a furna,
Desde a entrada à saída
Porém qual é essa fera
Que não tem amor à vida?
Uma onça parte assim,
Se vendo quase perdida!…

Quando eu deixar de existir
Ninguém fica em meu lugar,
Ainda que eu deixe filho,
Ele não pode ficar,
Porque a um pai como eu
Filho não pode puxar.

Pode ter muita coragem
Ser bem ligeiro e valente,
Mas vamos ver suporta
Passar três dias doente,
Com sede de estalar beiço
E fome de serrar dente.

Se não tiver natureza
De comer calango cru,
Passe um mês sem beber água
Chupando mandacaru,
Dormir em furna de pedra
Onde só veja tatu.

Não podendo fazer isso,
Nem pense em ser cangaceiro,
Que é como um cavalo magro
Quando cai no atoleiro,
Ou um boi estropiado
Perseguido do vaqueiro.

Há de ouvir como cachorro,
Ter faro como veado,
Ser mais sutil do que onça,
Maldoso e desconfiado,
Respeitar bem as famílias,
Comer com muito cuidado.

Andar em qualquer lugar
Como quem está no perigo,
Se for chefe de algum grupo
Ninguém dormirá consigo,
O próprio irmão que tiver,
O tenha como inimigo.

O cangaceiro sagaz
Não se confia em ninguém,
Não diz para onde vai,
Nem ao próprio pai se tem,
Se exercitar bem nas armas,
Pular muito e correr bem.

Em meu grupo tem entrado
Cabra de muita coragem,
Mas acha logo o perigo
E encontra a desvantagem
Foge do meio do caminho,
Não bota o meio da viagem.

Porque andar vinte léguas
Isso não é brincadeira,
E romper mato fechado,
Subir por pedra e ladeira,
Como eu já tenho feito,
Não é lá cousa maneira.

Pegar cobra como eu pego
Quando ela quer me morder,
Cascavel com sete palmos,
Só se Deus o proteger,
Mas eu pego quatro ou cinco
E solto-a, deixo-a viver.

Que é para ela saber,
Que só eu posso ser duro,
Eu já conheço o passado,
Nele ficarei seguro,
Penso depois no presente
Previno logo o futuro.


Literatura de Cordel quarta, 06 de julho de 2022

ALEXANDRE DE GUSMÃO (FOLHETO DE CRISPINIANO NETO)
 

ALEXANDRE DE GUSMÃO

Fundação Alexandre de Gusmão

 

 

01

Musa divina que inspira

Poetas do mundo inteiro,

Traz-me os fluidos do Parnaso

E o saber mais verdadeiro

Pra que eu decante à nação,

Alexandre de Gusmão,

Um grande herói brasileiro!

02

Mas não se trata de herói

De músculos, de espada e aço,

Nem dos quadrinhos que trazem

Superpoderes do espaço;

Não é filho de deus grego,

Caubói, nem homem-morcego,

Nem valentão do cangaço!

03

Mas como chamar de herói,

Que não brigou nem matou?

Quem não se impôs pela espada,

Quem canhão não disparou,

Quem a lança não brandiu,

Quem bombas nunca explodiu,

Quem País nunca atacou?

04

Tenha calma, meu leitor,

Vou lhe explicar, não se zangue,

A história desse herói,

Sem guerra, sem bangue-bangue.

Sem flecha, espada ou fuzil,

Que fez crescer o Brasil

Sem jamais derramar sangue!

05

Esse nome de Alexandre

Ele herdou do seu padrinho,

Um padre que lhe ensinou

Da justiça o bom caminho.

E o sobrenome Gusmão

Vem também do capelão

Como a Bíblia, a hóstia e o vinho.

06

Trouxe o destino de outro

Alexandre do passado,

O guerreiro macedônio,

De ser grande e preparado...

Só que o guerreiro iracundo

Que conquistou meio mundo

Fez com sangue derramado.

07

Alexandre de Gusmão

Nasceu no Porto de Santos

Em “Um, meia, nove, cinco”

Numa família de tantos

Irmãos e irmãs queridas;

Até então, oito vidas

Dadas às rezas e aos mantos.

08

Filho de Maria Álvares;

E Lourenço, cirurgião;

Dos doze filhos nascidos

Têm destaque, ele e o irmão,

Religioso e inventor,

Nosso “Padre-voador”

Bartolomeu de Gusmão!

09

Inventor do aeróstato,

Foi este padre exemplar

Que provou perante o rei

Que era possível voar;

Ao ver uma bolha quente

Fez um balão ascendente

Por ser mais leve que o ar!

10

Pois Bartolomeu levou

Alexandre pra Bahia,

No Colégio de Belém

Demonstrou sabedoria;

Foi pra o Colégio das Artes

Por ser de todas as partes

O melhor que existia!

11

Dali saiu preparado

Diplomado, competente,

Em Latim, Retórica e Ética,

E em Lógica, logicamente,

Em Metafísica, versado

E o título considerado

De “Filósofo excelente”.

12

Mil setecentos e dez

Com quinze anos de idade

O padre reconhecendo

Sua genialidade

Mandou-o pra Portugal,

Foi pra Corte Imperial

Fazer universidade.

4

13

Matriculou-se em Coimbra

Mostrando grande valor.

Ali estudou, formou-se,

Ganhou grau superior.

Com seu saber cientista

Se tornou iluminista

Ganhando anel de doutor.

14

Dali seguiu pra Paris.

Estudar mais era o plano;

Secretário da Embaixada

Logo assumiu sem engano...

Fez em Sorbonne, fantástico,

O Direito Eclesiástico,

O Civil e o Romano.

15

Na passagem pela Espanha,

Em Madrid passou semanas

Vendo o Tratado de Utrecht

Com falhas meridianas

E o limite natural

Entre Espanha e Portugal

Nas terras americanas.

16

Foi em Paris que Gusmão

Aprofundou seu saber

Na Ciência da Política

Mergulhou pra conhecer

Seu sentimento profundo

E o jogo eterno do mundo

Dos mistérios do poder!

17

Lá na Paris do Rei Sol

A nova luz se acendia

Na mente do brasileiro

Que trocou Teologia

Pela Razão e a Crítica,

Iluminismo e Política,

Direito e Diplomacia!

18

Desistiu do sacerdócio

Inquisidor antiquado.

Notou que o clericalismo

Da fogueira, era apagado;

E ao ler estratégia e tática

Conheceu a essência prática

Das duras razões de Estado.

19

E em 19 voltou

A residir em Lisboa.

O Rei Dom João acolheu-o

Como querida pessoa;

O nomeou secretário

E plenipotenciário

Pra defender a Coroa!

20

No ano 20 cumpriu

Missão muito especial

Negociando em Cambray,

Em plena França real;

Foi um bravo sem bravata

Que se sagrou diplomata

De nível internacional!

21

Bacharelou-se em Direito,

Tornou-se Doutor em Leis,

Foi destacado pra Roma

No ano de 23

Pra junto às cortes papais

Recuperar o cartaz

Do monarca português!

22

Até o ano de trinta

Atuou no Vaticano

Fazendo grandes acordos

Pra o bem do seu soberano,

Ganhou, por ser habilíssimo,

O título de “Fidelíssimo”

Pra o Monarca lusitano!

23

Com o título Dom João V

Compunha o trio de escol;

Pois o título equivalia

A “Rei Católico” espanhol

E o título invejadíssimo

Que era “Rei Cristianíssimo”

Da França, o próprio Rei Sol.

24

Sete anos e três papas

O viram nesta missão

De defender junto a Roma,

Sua querida nação.

Muitos litígios zerou,

E, de quebra, conquistou,

Dos papas o coração!

25

Benedito XIII, o Papa,

Chamou-lhe no Vaticano

Chegou a lhe oferecer

O título “Príncipe Romano”

Ele não quis aceitar

Só pra não contrariar

A Dom João, seu soberano!

26

No ano de 29

A Lisboa regressou

Logo Dom João pra o Brasil

Alexandre despachou

E a nossa realidade

Com muita profundidade

Gusmão de perto estudou.

27

Dois anos passou conosco,

Retornou a Portugal,

Lá transformou-se em Fidalgo

Da Nobre Casa Real;

Como Ciências, sabia,

Entrou para a Academia

Provando ser genial.

28

E logo foi nomeado

Pela própria Majestade,

Num cargo bem próximo ao Rei,

“Escrivão da Puridade”,

E por ter visão moderna

Cuidou da política externa

Com brio e capacidade!

29

Transformou-se em Conselheiro

Mostrando cultura e tino,

Escreveu livro de História

No idioma latino

E por ser hábil e ser sério

Assumiu um Ministério

No Conselho Ultramarino.

30

O cuidado com o Brasil

Foi um dos encargos seus;

Das relações com o Papa

Cuidava em nome de Deus

E cuidou mais, com denodos,

De ter relações com todos

Os países europeus.

31

No Conselho Ultramarino

Encontrou a solução

Pra poder qualificar

Nossa colonização

Trazendo família inteira

Dos Açores e Madeira,

Mas, sem escravização!

32

Trouxe quatro mil casais

Para a região sulina

Rio Grande e Paraná

Também Santa Catarina.

Cada família, uma área...

O que é reforma agrária,

É Gusmão quem nos ensina.

33

Recomendava a quem vinha

Para o Brasil trabalhar:

Estude rios e minas,

Flora, fauna, céus e mar,

O clima, a arte, a vertente

E os costumes dessa gente

Comer, vestir e rezar.

34

Dedicou-se a estudar

As produções cartográficas,

Missões, Entradas, Bandeiras,

As bacias hidrográficas,

Relevo, edificações...

Geopolítica por razões

Históricas e geográficas.

35

Concluiu que os países

Não podem ter suas áreas

Divididas ao sabor

De linhas imaginárias;

Que têm sempre as desvantagens

De deixar milhões de margens

Para interpretações várias.

36

Sua visão panorâmica

E a mente prodigiosa,

O seu saber filosófico,

Sua ação habilidosa

Deram-lhe mais competência

Para a área da Ciência,

Política e religiosa!

37

Foi quem criou três bispados

Pará, São Paulo e Gerais.

Criou mais as prelazias

De Cuiabá e Goiás

E como pensava em tudo

Fez o mais profundo estudo

Das questões industriais.

38

Naqueles tempos longínquos

Deixou um projeto exposto

Obrigando aos poderosos

A pagarem mais imposto

E rebaixando a quantia

Para o pobre que vivia

Do suor do próprio rosto!

39

E implantou o sistema

Chamado “capitação”

Pelo número de escravos

Que possuía o barão;

Fundiu o ouro e fez barras,

Pra ver se acabava as farras

De tanta sonegação.

40

Entre 29 e 30

No Brasil permanecia

Em São Paulo, Minas, Rio

Atuou com maestria

Em tudo que o rei mandou

E de quebra, inda aceitou,

Ensinar Filosofia.

41

Nesse período ele viu

Que as fronteiras da nação

Desenhada em Tordesilhas

Já não tinham mais razão

De usufruir validade

Pois, frente à realidade;

Era simples ficção!

42

Das Ilhas de cabo Verde

Trezentas, setenta léguas

Ninguém havia medido

E assim, sem metros e réguas

Bandeirantes desde cedo

Fora ocupando sem medo

Sem leis, limites ou tréguas.

43

Os espanhóis no Pacífico

Se entretiveram próximo ao mar,

Destruindo Incas e Maias

E a prata a desenterrar

Se esquecendo de um mundão,

Um profundo De-Sertão

Que tinha pra conquistar!

44

Neste “vazio” ficava

Pará, Rondônia, Amapá,

Catarina e Mato Grosso

Rio Grande e Paraná,

Amazonas, chão goiano...

Tudo... do Meridiano

De Tordesilhas pra lá!!!

 

45

Se a linha era imaginária,

Quem iria imaginar

Se ela ficava mais perto,

Se mais longe ia ficar...

E haja procurar tesouro,

Haja sonhar prata e ouro,

Haja índio escravizar!!!

46

E assim foram furando

Pântanos, matas, rios, serras;

Fazendo arraiais e vilas

Se apossando em novas terras

Chantando marcos e crivos

E oferecendo aos nativos

Vida escrava ou morte em guerras!

47

Era a espada cortando,

E a batina benzendo,

O arcabuz trovejando

E a aguardente fervendo,

Miçanga aos índios comprando,

O mato abrindo e fechando

E o nosso Brasil crescendo!

48

Matas cedendo ao machado,

À foice, ao Rabo-de-galo,

O chifre do boi tangido

Pelo casco do cavalo,

O “hinterland” se ampliando

E Tordesilhas ficando

Sem mais ninguém respeitá-lo!

49

Além de não existir

Marco e fiscalização

Durante umas oito décadas

Existiu a união

Entre Portugal e Espanha...

Cada qual comeu na manha

Milhões de léguas do “irmão”!

50

Enquanto aqui, portugueses,

Rasgavam matas a eito,

Cortavam serras e rios

Levando o Brasil no peito,

Na região asiática,

Espanha com a mesma prática

Agia do mesmo jeito!

51

Mas quando se separaram

As duas nações ibéricas,

As invasões prosseguiram

Fossem calmas, fossem histéricas

Espanha tomou chão luso

Na Ásia e sofreu abuso

De Portugal nas Américas!

52

Além disso, Sacramento,

Aonde a prata aflorava,

Portugal se achava dono

Mas por dono não se achava

Espanha entrou, não saía...

Quanto mais acordo havia

Mais acordo se quebrava.

53

Assim como portugueses

Em terras americanas

Comiam terras d’Espanha,

Na Ásia, mãos castelhanas

Com chumbo, espadas, botinas

Engoliam Filipinas,

Molucas e Marianas.

54

Quanto mais as ambições

No chão se concretizavam

Mais guerras se sucediam,

Mais ódios se destilavam,

Mais corações se partiam

Mais sangue as terras bebiam

Mais vidas se consumavam!

55

Foi quando se viu que a hora

Não era mais do leão

Que era a hora da raposa

Entrar no campo da ação

Trocando a dor da violência

Pela luz da inteligência;

O chumbo pela razão!!!

56

E então saíram da cena

Jagunços e generais;

Em vez de brutos guerreiros,

Finos intelectuais

Mapas em vez de canhões...

Em vez do tiro, as razões;

No lugar da guerra, a paz!

57

E aí brilhou Alexandre

Com mapas e argumentos...

A fala mansa e os estudos

No lugar dos armamentos,

A paciência que ensina

No lugar da adrenalina

Dos músculos sanguinolentos!

58

Defendeu que o limite

Fosse o rastro do colono,

Com base em rios e serras,

Não em linhas do abandono

Feitas de sonho e confetes...

Era o “Uti possidetis”

Quem ocupa e cuida, é dono.

59

Foi assim que em quatro anos

Agigantou-se a nação

Alexandre costurou

As bordas de um Brasilzão,

Do Oiapoque ao Chuí,

Até quase Potosí

Com jeitão de coração!

60

O arco de Tordesilhas

De cara, cresceu três vezes;

No Norte, no Sul, no Centro,

Com chão pra nobres, burgueses,

Pra índios, padres, reinóis,

Com a prata pra os espanhóis,

O ouro pra os portugueses!

61

Gusmão inda amarrou mais

Que a paz beijaria a terra,

Do Brasil, mesmo que as sedes

Dos reinos chegassem à guerra.

Venceu sem canhão nem bota

Com “quengo”, na maciota,

Que “o bom cabrito não berra”.

62

Pois este gênio, este herói,

Avô da diplomacia

Brasileira, que deu glórias

E terras à monarquia,

Que a Portugal deu poder

Que fez o Brasil crescer,

Foi vítima da tirania!

63

Quando Dom José cobriu-se

Com a coroa portuguesa

Marquês de Pombal cobriu

Gusmão com ódio e vileza

O fogo apagou-lhe os brilhos

Da esposa e de dois filhos

E ele morreu na pobreza

64

A História lhe roubou

As glórias que merecia

Por isto, eu faço justiça

Nesta humilde poesia

A ALEXANDRE GUSMÃO,

Gênio da paz, campeão

Da luz da diplomacia!


Literatura de Cordel quarta, 29 de junho de 2022

AFONSO ARINOS (FOLHETO DE CRISPINIANO NETO)
 

AFONSO ARINOS

Crispiniano Neto

 

 01

Inicialmente peço

Dos Céus auxílios divinos,

A inspiração mais fértil,

Os versos mais genuínos

Para compor um poema

Da Vida de Afonso Arinos.

02

Em Belo Horizonte - Minas

Gerais, do céu cor de anil,

Nasceu dia 27

Do onze, do ano mil

E novecentos e cinco

Para a honra do Brasil.

03

Seu currículo vale mais

Que cheque de qualquer banco.

Afrânio e Sílvia: seus pais,

Nomes que não deixo em branco.

Seu nome completo: Afonso

Arinos de Melo Franco.

04

Neto de Cesário Alvim,

Um destaque da nação;

Sobrinho de Afonso Arinos,

Autor de "Pelo Sertão",

De Virgílio Alvim de Melo

Era exatamente irmão.

05

Para não viver sozinho

Pensou numa companheira.

Ao encontrá-la aceitou

Como esposa verdadeira

Dona Ana Guilhermina

Rodrigues Alves Pereira

06

Mulher de família ilustre

De certa forma influente

Da história da política,

Um ramal sobrevivente.

Neta de Rodrigues Alves

Do Brasil, ex-presidente.

07

Fez formação humanística

No colégio Anglo-mineiro.

E no Dom Pedro II,

Já no Rio de Janeiro

Engrandecendo o currículo

Desse ilustre brasileiro.

08

Ao se transferir pra o Rio

Nos estudos se esmera

Escreve literatura

E sua paixão reitera

Colabora com a revista

"Estudantil Primavera".

09

Teve a força de vontade

Como principal critério.

Permaneceu por dez anos

Levando o estudo a sério,

Sendo exímio professor

E servindo ao magistério.

10

Se forma na Faculdade

Nacional de Direito,

Que no Rio de Janeiro

Goza de grande conceito.

Depois em Belo Horizonte

Foi promotor de respeito.

11

Formado aos vinte e dois anos

Faz do Direito um valor

Torna-se, além de jurista,

Político, historiador,

Grande crítico brasileiro,

Ensaísta e professor.

12

Para Genebra - Suíça,

Entendeu de viajar

Com o fim de seus estudos

Ali aperfeiçoar

Voltando ao Rio de Janeiro,

Passou a lecionar.

13

Professor no exterior

Em mais de uma disciplina,

Ministrou curso de História

Em Paris, cidade fina,

Montevidéu-Uruguai

E na capital argentina.

14

Em pleno Mil novecentos

E quarenta e seis, ingressa

No Instituto Rio Branco

Que um bom momento atravessa

Como professor de História

A sua história começa.

15

Foi catedrático em Direito,

Cito: Constitucional,

Ante as Universidades

Federal e Estadual

Ambas no Rio do Janeiro

Onde foi gênio imortal.

16

No ano quarenta e sete

Quarenta dois anos faz.

Em prol da democracia

Começa em Minas Gerais

Sua carreira política

Vitoriosa demais.

17

Contra a discriminação

Criou a base legal,

Foi por três legislaturas

Deputado federal

E líder da União

Democrática Nacional.

18

O preconceito de cor

Que tanto humilha e oprime

A partir de sua lei

É considerado crime.

A dignidade negra

Sua mão sábia redime!!!

19

No partido do governo

Trabalhou em união

Depois passou a ser líder

De um bloco de oposição

Ao governo JK,

Presidente da nação.

20

Dois fatos principalmente

Que até hoje são lembrados

Marcaram sua presença

Na Câmara dos Deputados

E graças a ele foram

Os projetos aprovados.

21

Como foi citada a lei

Contra a discriminação

Racial, que àquela época

Já provocava exclusão

Hoje existe, mas é menos

Dado à sua aprovação.

22

A lei: Um, três, nove, zero

De projetos genuínos

Que combatia, mormente,

Os preconceitos ferinos

Passou a ser conhecida

Como "Lei Afonso Arinos".

23

No ano cinquenta e quatro

No dia nove de agosto

Pediu em discurso a Vargas

Que renunciasse ao posto.

Seu gosto Vargas não fez

Mas teve um grande desgosto.

24

E quinze dias depois

Dessa frase proferida

Talvez se vendo acuado

Não achando outra saída

No Palácio do Catete

Getúlio se suicida.

25

Em 58, Arinos,

Nossa figura central,

Foi eleito senador

No Distrito Federal

Que logo virou Estado,

Rio de Janeiro atual.

26

Foi Senador pelo Rio,

O único dos Senadores

Que no governo de Jânio

Teve importantes labores

Quando foi ministro das

Relações Exteriores.

27

E até 66

Permaneceu no Senado

Durante esse tempo foi

Duas vezes afastado

Pra ser, pelo presidente,

Novamente nomeado.

28

O primeiro chanceler

Brasileiro que fez plano

E foi visitar a África

Em sessenta e um, o ano,

Pra conhecer e sentir

A dor do povo africano.

29

Chefia a Delegação

Do Brasil perante as

Nações Unidas, durante

As assembleias gerais

E com um ano depois

Volta chefiando mais.

30

Findou chefiando a

Delegação brasileira

À Conferência em Genebra

Onde, na pauta primeira

Estava o desarmamento,

Missão da nossa bandeira.

31

Nomeado presidente

Da citada Comissão

Provisória de Estudos

Para a elaboração

Do que se tornou decreto

Para a Constituição.

32

Por Sarney foi convidado

Como um dos homens finos

Assume uma comissão

Pra guiar nossos destinos

Que se tornou em seguida

Comissão Afonso Arinos.

33

Nunca deixou de fazer

O bem pra nossa nação

Foi dos Direitos Humanos,

Na sua declaração

O redator que fez tudo

Sem errar na redação

34

Pra o Conselho Federal

Sua pessoa compete

Foi por mérito nomeado

No ano sessenta e sete

Depois em setenta e três

Essa função se repete.

35

Foi do Instituto dos

Advogados, primeiro

Um membro de qualidade

Efetivo e verdadeiro

Também do Instituto Histórico

Geográfico Brasileiro.

36

E aos 81 anos

Em completa lucidez,

É eleito senador

No ano de 86

Depois o povo mineiro

O leva ao cargo outra vez.

37

Títulos: Professor Emérito,

Podemos citar primeiro,

Duas universidades

Deste país brasileiro

Da UFRJ

E a do Rio de Janeiro

38

Intelectual do ano

Setenta e três, sem favores

Ganha o prêmio "Juca Pato"

Que confirma seus valores

Perante a Sociedade

Paulista de Escritores.

39

Além de conquistar títulos

Famosos por mais de um fato

Conquistou três grandes prêmios

Provando ser literato:

"Luísa Cláudio de Sousa",

"Jabuti" e "Juca Pato".

40

O prêmio "Luísa Cláudio

De Sousa", ele assim ganhou

Do PEN Clube do Brasil

Isto por que publicou

"Rodrigues Alves", um livro

Que o Brasil todo comprou.

41

Vem o prêmio "Jabuti"

Mais uma satisfação

Ganho na Câmara do Livro

Mas em dupla ocasião

Dos volumes de memória,

Em sua publicação.

42

No ano 58

Toma posse da cadeira

25 que seria

Ilustrada a vida inteira

Recebido pelo grande

Poeta Manoel Bandeira.

43

Na ABL depois

Seu percurso se estende

Recebe Antonio Houaiss

E a mesma homenagem rende:

Guimarães Rosa, Oscar Dias

E a Otto Lara Rezende.

44

Como Senador preside

Da forma mais natural

Duas Comissões que o tornam

Expressão nacional

CRE, CCJ

No Senado Federal.

45

Autor de inúmeras obras

Para aumentar sua glória

Em História e em Direito,

Em Política e em Memória,

Para citar quatro temas

Vou começar por História.

46

Com destaque para estas

Publicações de beleza

Tal "O Índio Brasileiro",

A "Revolução Francesa",

"As Origens brasileiras",

Bondade da natureza.

47

Em "Um Soldado do Reino

E do Império" falado;

Nesta obra ele relata

O verdadeiro legado

Com base na vida do

Herói Marechal Callado.

48

Fez a "História do Povo

Brasileiro", a mais honrosa

Com a colaboração

De uma dupla famosa

O grande Antonio Houaiss

E Francisco Assis Barbosa.

49

"Estadista da República"

Do seu pai dando o perfil

Com a "História do Banco

Do Brasil" é nota mil

E a "Síntese da História

Econômica do Brasil"

50

Compondo três obras mais

Dando o esclarecimento

Sobre as ideias políticas

Exploradas no momento

Do Brasil, homens e temas

E o desenvolvimento.

51

Afonso Arinos portava

As melhores referências

Direito, História, Política,

Pesquisas sobre ciências,

Trabalhos Parlamentares,

Discursos e Conferências.

52

Em Direito, dou destaque,

Como grandes críticos dão,

Para "As leis Complementares"

Da nossa Constituição

Fazendo comparações

Com as de outra nação.

53

Na política ele escreveu

Sobre Nacionalismo,

De problemas brasileiros

E Presidencialismo,

Sobre civilização,

Crise e Parlamentarismo.

54

Faz em Críticas e Memórias:

"Postulando" ninguém toma

Como "O Som do Outro Sino"

"Mar de Sargaços", que soma

"Planalto", "Alto-Mar Maralto"

"Escalada" e "Amor a Roma".

55

Assim foi Afonso Arinos

Um gigante do saber;

Bamba da diplomacia

Fez nosso Brasil crescer;

Foi bom na oposição

E bem melhor no poder!

56

Intelectual cheio

De particularidades

Ímpar por estilo próprio

Múltiplo nas atividades

Raro porque foram poucos

Com as suas qualidades.

57

Do que poderia ser

Não foi mais e nem foi menos

Foi um político agitado

Um sábio dos mais serenos

Gigante pisando firme

Nos mais diversos terrenos.

58

Afonso Arinos de Melo

Grande desde que nasceu;

Aprendeu para ensinar

A missão que recebeu.

Conseguiu ficar famoso

Ensinando o que aprendeu.

59

Foi um exemplo de ética,

De grandeza e compostura

Combateu corrupção,

Denunciou a tortura

Forjou a democracia,

Condenou a ditadura!

60

Suas falas pelo mundo

Foram todas gloriosas

Saiu das Minas Gerais

Para as nações poderosas

Mostrando o brilho das mentes

Dos sábios das Alterosas.

61

Ouro, ferro e diamantes

Traçaram dele, os destinos,

Foi honra dos brasileiros

Ilustração dos Arinos,

A estrela mais brilhante

Dos céus belorizontinos.

62

A arte do Aleijadinho,

A luz dos inconfidentes,

A garra dos conjurados,

O sangue de Tiradentes,

Santos Dumont e Drummond

São dele os antecedentes.

63

E em mil e novecentos

E noventa, esse senhor

Ganha o derradeiro pleito,

Sofre a derradeira dor

Em pleno exercício do

Mandato de Senador.

64

Guerreiro de muitas lutas,

Vencedor de toda trama,

Caiu no campo da honra,

Encantou-se em plena cama.

Partiu, mas ficou lembrado,

É como diz o ditado:

"Vai-se o homem, fica a fama".

 


Literatura de Cordel quarta, 22 de junho de 2022

A. B. C. DOS CORNOS (FOLHETO DE LUIZ ALVES DA SILVA)
 

A.B.C. DOS CORNOS

 Luiz Alves da Silva

 

 

A cornura está na moda
O corno hoje é moderno
Até o diabo tem chifres
E reina lá no inferno
O que ninguém ignora
Os do diabo é pra fora
E os do homem são interno

Besta é o corno que acha
Que a mulher dele é honesta
Se chega no outro dia
Depois que findou-se a festa
E ele bem sossegado
Não vê que de cada lado
Tem um calombo na testa

Corno só é quem tem sorte
Tem quem não é e deseja
Bota um detetive e diz: –
Siga a mulher, olhe e veja
Depois venha mim chamar
Que vou a ela encontrar
Em qualquer lugar que esteja

Depois que o chifre nasce
Não morre mais nem mocheia
Se o corno inconformado
Matar um vai pra cadeia
De lá demora a sair
Não pode se divertir
E a mulher com a casa cheia

E machos dentro de casa
Igual abelha em cortiço
Um entrando outro saindo
E o maior reboliço
Na cadeia ele contesta
Com tanto chifre na testa
Já parecendo um ouriço

Feliz o corno que sabe
Porque não mata ninguém
A mulher dá pra os outros
E dá pra ele também
Ele diz: – Sou satisfeito
E melhor do que prefeito
Que é hoje, e amanhã não tem

 

Gaia é um negócio bom
Para quem faz profissão
Tem sua casa arrumada
E nunca lhe falta o pão
O negócio está crescendo
E já tem gente querendo
Fazer o corno padrão

Hoje em dia é diferente
Do tempo da minha avó
Se alguém chamava um de corno
Ele o matava sem dó
Hoje não é mais problema
O corno diz: eczema
É ela quem come só

Igual a Papai Noel
Corno gosta de criança
Todo corno é imortal
Morto fica na lembrança
No mármore do cemitério
Quem ler diz: Ele era sério
E o mais corno da vizinhança

Jesus deu ordem a São Pedro
Pra laçar alma com gaia
Quem for laçado segure
Na corda pra que não caia
Que se uma ponta quebrar
E de cima ela despencar
No chão se espatifaia.

Livrai-me meu São Cornélio
Grita o corno já caindo
O santo vem lhe segura
Na outra ponta sorrindo
E diz: – Você quase cai
São pontas do Paraguai
Estão sempre escapulindo

Mas como tu me chamaste
Logo vim te socorrer
Corno que não crê em santo
Com certeza vai sofrer
Sem estar no meu caderno
Morrendo vai pro inferno
Chorar, penar e gemer

Na terra tem muitos cornos
Sem fé sem religião
No Brasil tem mais chifrudos
Do que em outra nação
Se um dia necessitar
Fazer a lista e contar
O Brasil é o campeão

O que está acontecendo
Parece uma epidemia
Eu vejo sempre aumentando
A cornura a cada dia
Ninguém não tem mais vergonha
Tem gente que a noite sonha
Que é corno e sente alegria

Papai sempre me dizia
Gaieira só vai matada
Ou então fica mavú
Com a orelha cortada
Se fosse assim hoje em dia
Eu creio que sobraria
Orelhas pra feijoada

Quem é corno e não reclama
Está feliz hoje em dia
Que a vida não está fácil
E precisa de garantia
Me disse Zé de Lulu
Se tem corno cururu
Tá faltando o corno jia

Respondi: – Meu caro amigo
Logo vai aparecer
Que o que não tem no Brasil
Alguém procura fazer
Se não tem ninguém fazendo
Mas vão terminar trazendo
No Paraguai deve ter

Seguro morreu de velho
É um ditado popular
Se a cornura já dá lucros
O Brasil vai exportar
Corno é o homem que ama
Se ver outro em sua cama
Espera ele terminar

Tá faltando é empresário
Pra investir na cornura
O que ler este ABC
Ou ver na TV Cultura
Creia no que eu escrevi
Pode o dinheiro investir
Que sua renda é segura

Um corno já me contou
Que a mulher ganha bem
E até me sugeriu
Pra eu ser corno também
E eu só fiz responder
Antes prefiro morrer
Sem possuir um vintém

Vários poetas fizeram
Folhetos sobre a cornura
E eu fiz este ABC
Valorizando a cultura
Coloquei no meu diário
Fazer o Dicionário
Dos cornos com estrutura

Xavier para ser corno
Já nasceu predestinado
A primeira mulher dele
O engaiou com um soldado
A segunda com um banqueiro
A terceira com um joalheiro
Chega o pobre anda envergado

Zé das Medalhas também
E a rede Globo mostrou
Através de uma novela
Que há muito tempo passou
Aqui termino o livrinho
Leve um pra seu vizinho
E é corno quem não gostou.

Leitor isso é homenagem
A quem foi corno primeiro
Lhe digo não foi Adão
Vi o seu currículo inteiro
Ele não teve um rival
Segundo este folheteiro


Literatura de Cordel quarta, 15 de junho de 2022

ABC DO CASAMENTO (FOLHETO DE ANTONIO SENA ALENCAR, GENTILEZA DE PEDRO FERNANDO MALTA)
 

ABC DO CASAMENTO

 Antonio Sena Alencar

 

 

 

A – Amor é um sentimento
Que nasce no coração
E quando um casal o tem
Com firmeza e devoção
Não existe falsidade
Que fira a fidelidade
De sua doce união.

B – Bela e bacana é a vida
De um casal que se ama,
Porque em qualquer evento
Nenhum do outro reclama;
E de maneira geral
Na vivência conjugal
Não há lugar para trama.

C – Casamento eclesiástico
Ou civil é cerimônia
Que deve ser respeitada
Por qualquer pessoa idônea,
Mas no foro conjugal
O que mais pesa afinal
É um casal de vergonha.

 

D – Divórcio há sem razão,
Porque na realidade
Quando dois jovens se amam
E juram fidelidade
Devem tomar consciência
De que sua convivência
É o “dou fé” da verdade.

E – Em qualquer plano da vida
Deve haver sinceridade,
Respeito, compreensão,
Amor e fidelidade:
São estes bons sentimentos
Que abrem nossos momentos
De maior felicidade.

F – Família é o princípio
E o fim de um casal,
Dentro do conceito humano,
Cristão e material;
E a sua formação
Parte da consagração
Da união conjugal.

G – Galã é sempre um herói
Na hora de cortejar
Uma jovem favorita
A seu modo de amar;
Mas importante é saber
Se a pode converter
Numa senhora exemplar.

H – Homens de bom sentimento,
De caráter, de critério,
Procuram sempre levar
este assunto muito a sério,
pois não existe um evento
mais triste num casamento
que o de um adultério…

I – Importante nesse plano
É que moças e rapazes
Busquem saber de antemão
Quais as pessoas capazes
Na pretensão desse sonho,
Prevenindo um matrimônio
Dentro das melhores bases.

J – Jovens de ambos os sexos
Simulando honra e brio
Há hoje por toda parte,
Porém ante o desafio
Do fardo familiar
Enchem de filhos um lar,
Deixando o mesmo vazio.

L – Lua-de-mel é o ponto
De partida de um casal,
Mas nem sempre é bom augúrio
Para a vida conjugal,
Porque certos casamentos
Perdem-se nesses momentos
De ilusão sensual.

M – Marido e mulher convêm
Unir-se de coração,
Depois dum namoro sério,
Com justa consagração;
E antes do casamento
Confrontar seu sentimento
Moral, humano e cristão.

N – noivado é assunto sério,
Que deve ser meditado
Por ambos os pretendentes
Antes de ser programado.
Um plano de vida a dois
Deve antes – não depois-
Do enlace ser traçado.

O – Ódio é um sentimento
Que nunca deve existir
Entre marido e mulher,
Pois qualquer um que nutrir
Esse pensamento atroz
Não pode, de viva voz,
Um lar feliz construir.

P – Paz e Amor são os dois
Elementos principais
Que devem manter de cedo
Uma moça e um rapaz,
Logo que o casamento
Aflora em seu sentimento,
Para um futuro eficaz.

Q – Queima é um casamento
Bastante precipitado,
Conhecido no Nordeste,
Feito sem ser programado;
E nunca inspira um futuro
Feliz, sadio e seguro
Como o que é planejado…

R – Realmente um matrimônio
Contraído de repente
Nunca pode assegurar
Um futuro eficiente.
Um desajuste entre os dois
Pode acontecer depois
Por questão de antecedente…

S – Seguro morreu de velho:
Este é um provérbio antigo
Que deve ser respeitado
Ante um possível perigo…
E as moças e rapazes
Devem ser mais perspicazes
Quando em busca desse abrigo.

T – Toda moça que se preza
Não se entrega a um rapaz
Antes de tornar-se sua,
Por atos sacramentais,
Pois se assim proceder
Já passa a comprometer
Seus predicados morais.

U – Unir-se conjugalmente,
Sem conscientização,
É algo muito arriscado
Dentro do dever cristão…
Como tudo, o casamento
Deve ter o planejamento
Equilíbrio e decisão.

V – Virgindade é a virtude
Maior que a moça detém,
No plano do matrimônio,
Coisa que muitas não têm..
E muitas separações,
Intrigas e frustrações,
Desse infortúnio provêm.

X – Xodó é uma palavra
Do nosso vocabulário
Aplicada ao namoro
Ou namorado primário;
Mas pode naturalmente
Ter um elo consistente
De valor prioritário.

Z – Zelo, afeto e devoção,
No plano familiar,
São finalmente a divisa
E a pedra basilar
Que implicam no sucesso,
Na grandeza e no progresso
De um casal exemplar.


Literatura de Cordel quarta, 08 de junho de 2022

A VOLTA DE CAMÕES E NOVAS PERGUNTAS DO REI (FOLHETO DE LUIZ ALVES DA SILVA)

  

Camões fez várias proezas

Muitas não foram contadas

Porém é incalculável

As que já foram versadas

Leia a volta de Camões

E dê boas gargalhadas

 

O leitor deve lembrar-se

Da última que Camões fez

Que correu deixando o reino

Depois o rei Milanês

Mandou chamá-lo de volta

Para o reinado outra vez

 

Camões voltou mas ficou

Bastante desconfiado

Milanês com falsidade

O recebeu com agrado

Dizendo: - Sentimos falta

De você neste reinado

 

Eu sei que fui o culpado

De tudo o que aconteceu

Vamos viver o presente

Que o passado já morreu

Camões pensava consigo

Vou lhe mostrar quem sou eu

 

O rei sempre procurava

Um jeito pra dar-lhe fim

Um dia Camões estava

Passeando no jardim

O rei lhe vendo o chamou

E foi lhe dizendo assim: -

 

Camões você é esperto

Então irá decifrar

Perguntas que vou fazer

Pra você adivinhar

Se errar uma somente

Eu o mando degolar

 

Camões disse: – Senhor rei

As suas ordens estou

Pergunte com rapidez

Que alguém ali me chamou

O rei disse: – então escute

E pra ele assim falou

 

Camões você me responda

E aqui perante o povo

Este problema que eu trago

É antigo e não é novo

Não se quebra com marreta

Mais se quebra com um ovo?

 

Camões disse: – Senhor rei

Esta pra mim é comum

Durante o ano têm muitos

Mas eu nunca guardei um

Digo com toda certeza

Que é um dia de jejum

 

O rei foi para o palácio

Com raiva e enfurecido

Dizendo consigo mesmo

Tudo que eu faço é perdido

Mas vou encontrar um jeito

Pra matar este bandido

 

Um dia Camões estava

Bastantemente feliz

O rei perguntou-lhe: o que

Mais cheira neste país?

Camões disse:- Não é rosa,

Nem cravo é o meu nariz.

 

O rei disse pra Camões

Nós dois estamos em guerra

Você parece que é

O mais esperto da terra

Então me diga por que

É que o boi sobe a serra?

 

Camões disse senhor rei

Vou dizer sem cambalacho

O boi possui muita força

Mas sabe o que é, que eu acho.

Que ele só sobe porque

Não pode passar por baixo

 

O rei disse: – Então responda

Cuidado pra não errar

Qual é o trabalhador

Que vive sem reclamar

Mas um tem defeito que

Só trabalha se apanhar?

 

Camões coçou a cabeça

Disse o rei nesta eu lhe pego

Camões falou tenha calma

Que ainda não mim entrego

Quem trabalha quando apanha

Na minha casa é o prego

 

O rei disse está exato

Revelador de segredos

Um dia eu vi lá na mata

Presa entre dois rochedos

Uma mão misteriosa

Mas ela não tinha dedos

 

Quero que você me diga

Na sua decifração

Qual foi a mão que eu vi?

Se errar vai para a prisão

Camões sorriu, e lhe disse:-

Foi uma mão de pilão

 

O rei respondeu, assim...

Já que você é sagaz

Quero que responda esta

Mostrando que é capaz

Só cresce antes de nascer

Nascendo não cresce mais?

 

Camões disse: – Senhor Rei

Com essa eu não mim comovo

Que ela é fácil de mais

Para mim e para o povo

É um bichinho redondo

Que nós chamamos de ovo

 

O rei disse: - Um deles tem

Cabeça e não tem miolo

Um tem miolo e não tem

Cabeça e parece um bolo

Me diga quem são os dois?

Veja se sai desse rolo

 

Camões disse: – Eu vou dizer

Sem fazer meditação.

É algo que precisamos

Um se come, o outro não.

Que o primeiro é um prego

E o segundo é um pão

 

O rei disse:– Então me diga

Na sua sabedoria

A onde é que está o boi

Às doze horas do dia?

Se errar você irá

Morar numa cova fria

 

Camões disse:– Eu tinha um boi

Um dia montei-me nele

Desci até o riacho

Para ir dá água a ele

E vi ele às doze horas

Em cima da sombra dele

 

Disse o rei esta correto

Você é muito perito

Veja se responde esta

Com estilo e gabarito

Diga onde é que passa o boi

Porém não passa o mosquito?

 

Camões disse é no buraco

Da teia de uma aranha

Onde o mosquito se engancha

Ela vem e lhe abocanha

Mas o boi passa rompendo-a

E ela não lhe apanha.

 

Rei Milanês afastou-se

Com uma raiva danada

E Camões também seguiu

Direto a sua morada

Mais esperando do rei

Logo em breve uma cilada

 

Com oito dias Camões

Por Milanês foi chamado

Chegando ao palácio o rei

Já tinha se acalmado

Pra fazer novas perguntas

Tinha tudo planejado

 

Foi perguntando a Camões

Diga se for competente

O que é que não tem boca

Mas come porque tem dentes?

Camões respondeu: serrote

Serrando rapidamente

 

O rei respondeu: – Camões

Você é um cabra da peste

Mais só escapará desta

Se agora passar no teste

Me diga qual é o pano

Que nenhum vivente veste?

 

Camões disse: – Eu tenho fé

No autor da criação

Pois foi ele quem me deu

O dom de adivinhão

E o pano que ninguém veste

É o pano de facão

 

O rei disse: – Muito bem

Nesta eu não lhe recrimino

Reconheço que você

É um sujeito ladino

Então me diga por que

Onça não pega menino?

 

Camões lhe disse: – O senhor

Deve estar com brincadeira

Onça não pega menino

Porque não é a parteira

O rei disse: – Eu faço outra

Pela seguinte maneira

 

Me diga o que é que anda

E vai pra todo lugar

Todos vemos mas ninguém

Consegue lhe segurar

E se ela entrar num riacho

Sai dele sem se molhar

 

Camões lhe disse:– É a sombra

De gente, ou de animal.

Com essa resposta o rei

Fez uma pausa geral

Pensou e disse responda

Se não irá se dá mal

 

Tem mais ou menos um palmo

Não é carne nem é osso

Quando envermelha a cabeça

Corre um caldo do pescoço

Com essa pergunta o povo

Fez ali grande alvoroço

 

Depois foram se acalmando

Camões disse: com certeza

Moça quando quer casar

Precisa de uma e deseja.

É uma vela que ela

Vai acender na igreja.

 

O Rei disse:– me responda

Esta que não é comum

O que é, que nesta terra.

Cada padre possui um

Até o papa tem dois

E Jesus não tem nenhum?

 

Camões disse: Eu lhe respondo

Sem fazer nenhum desdém

No nome de papa e padre

Observem muito bem

Que possui a letra p.

Mas no de Jesus não tem.

 

O Rei disse pra Camões

Essa você respondeu.

Quero quer você mim diga

Quem foi que nunca nasceu

Mas no dia que morreu

A própria mãe o comeu?

 

Camões disse:– Senhor Rei

Minha língua não emperra

Foi Adão que foi criado

Com o pó da própria terra

Morreu na certa ela come

Quem vive certo e quem erra.

 

Camões me diga o que é

Quem faz pra si não deseja

Quem nele está, não o vê!

Quem vê diz: – Deus me proteja.

Todos querem fugir dele

Por mais bonito que seja?

 

Camões disse: – Essa eu respondo

Com certeza é um caixão

Com um morto dentro dele

Sem saber qual a razão

Quem o vê não quer estar

Naquela situação

 

O Rei disse: – Muito bem

Outra lhe perguntarei

Foi na água que eu nasci.

E na água mim criei

Se me jogarem na água

Eu na água morrerei?

 

Camões disse: esta eu respondo

Até mesmo sem pensar.

É o sal que na comida

Dá o melhor paladar

É retirado de dentro

Das profundezas do mar.

 

O Rei disse pra Camões

Comprovaste a tua fama

Responda-me esta pergunta

Ligeiro sem fazer drama

O que é que a pessoa faz

Ao levantar-se da cama.

 

Camões disse: – Senhor Rei

Eu posso lhe afirmar

Que esta pergunta, eu já sei.

Porque pude observar

Pode prestar atenção

Que o primeiro é se sentar

 

Camões eu fui visitar

O meu Conselheiro Braz

E vi alguém trabalhando

Com a cabeça pra trás

Diga-me agora quem era

Se não achar que é de mais

 

Camões disse: – era a agulha

Que estava costurando

Com a cabeça para trás

Alguém num pano furando

Eu digo e não tenho medo

Pois sei o que estou falando

 

Disse o rei para Camões

Já vi que és competente

Responda-me esta pergunta

Procure na sua mente

Tem barba mas não é homem

Tem dente mais não é gente?

 

Camões falou: – eu lhe digo

Ligeiro e não me atrapalho

Que uma perguntinha dessa

Responderei e não falho

Na minha terra e na sua

É a cabeça de alho

 

Camões você me responda

Um homem entra na luta

Levando uma companheira

Porem ela não escuta

Mas o seu ouvido é bom

Sendo ruim não labuta

 

Que ouvido é esse dela

Que não escuta ninguém

Apesar de estar bom

E quem é ela também?

Se você não responder

Não verá o ano que vem.

 

Camões disse senhor Rei

Casamento é uma sina

E por companheira surda

Só quero uma carabina

Mas sendo mulher prefiro

A sua filha Cristina

 

O Rei disse: – pra Camões

Exijo que me respeite

Não fale na minha filha

Tenha cuidado e se ajeite

E me responda porque

Vaca parida dá leite?

 

Camões disse:–  Senhor Rei

Com gosto vou responder

Vaca parida dá leite

Porque não sabe vender

Mas de me tornar seu genro

Talvez possa acontecer

 

Eu digo assim porque sei

Que a princesa a mim adora

O Rei teve tanta raiva

Que quis pegá-lo na hora

Porem Camões mais esperto

Dizendo assim foi embora

 

O rei no mesmo momento

Chamou Cristina atenção

E perguntou minha filha

Responda-me sim ou não

Se você ama Camões

De todo o seu coração

 

Cristina disse: – Papai

Se foi Camões a falar

Agora eu tenho certeza

Que comigo quer casar

Eu pensei que ele estivesse

Somente a me enganar

 

O Rei disse minha filha

Eu estou admirado

Vamos fazer uma festa

Comemorar seu noivado

Porém pensava consigo

Eu mato aquele danado

 

O Rei tinha um jardineiro

Que se chamava Crispim

Sujeito muito perverso

Da espécie de Caim

Desses que odeia o bom

E adora o que é ruim

 

O Rei foi à casa dele

Chamou, ele respondeu

Porém quando abriu a porta

Vendo o rei estremeceu

Depois perguntou com medo

Que quer do criado seu?

 

O rei disse: – Vai haver

Uma festa de noivado

De Camões com minha filha

O dia já está marcado

E eu tenho para você

Um trabalho complicado

 

Pegue este anel de brilhante

Com cuidado e atenção

Chegue perto de Camões

Na hora da agitação

E solte no bolso dele

Que ele passa por ladrão

 

Ali no meio da festa

Eu digo que fui roubado

Depois de examinar todos

O brilhante é encontrado

Ele é pego com o roubo

E será morto enforcado

 

Tudo ficou acertado

Até o dia da festa

Camões sem saber de nada

Será que escapa desta?

Agora é que vamos ver

Se adivinhação presta

 

Todos foram convidados

Até que chegou o dia

O noivado anunciado

Foi uma grande alegria

E Camões bem satisfeito

Beijava a noiva e sorria

 

Porém o tal jardineiro

Por perto dele passou

E o anel do rei de brilhante

No seu bolso colocou

O rei viu e no momento

Gritou alguém me roubou

 

A festa parou e foi

Um por um examinado

Chegou a vez de Camões

Foi o anel encontrado

O rei ordenou que ele

Depressa fosse amarrado

 

Camões ia ser levado

Direto pra guilhotina

Mais antes que o levassem

Disse a princesa Cristina

Deixai o réu defendesse

Segundo a lei determina

 

Não se condena ninguém

Sem ouvir a sua defesa

Se é culpado ou inocente

Precisamos ter certeza

Todos ali concordaram

Com a proposta da princesa

 

O Rei disse: – Está correto

Minha filha tem razão

Hoje Camões morrerá

Se não der a explicação

Como o meu anel sumiu

Do dedo da minha mão

 

Fez-se silêncio geral

Entre todos no salão

Esperando que Camões

Perante o Rei da nação

Desse provas que não era

Como acusado, um ladrão.

 

Camões disse: – Ontem à noite

Eu tive um sonho ruim

Que alguém com um anel

Aproximou-se de mim

E essa pessoa era

O jardineiro Crispim

 

Nesta hora o jardineiro

Começou a se tremer

E disse: –Tudo o que eu fiz

Foi com medo de morrer

Sendo uma ordem do rei

Tive que lhe obedecer

 

O rei combinou comigo

Pra na festa eu colocar

O anel dele em seu bolso

E depois lhe acusar

E assim talvez conseguisse

Um jeito de lhe matar

 

E quando estava dançando

Com a princesa eu passei

Por perto e o anel do rei

No bolso e coloquei

Confesso que foi só esse

O crime que pratiquei

 

Camões respondeu: – Por mim

Você estás perdoado

A culpa é do nosso Rei

Que fez tudo planejado

Obedecestes porque

A ele és subordinado

 

Ali todos deram vivas

Pra Camões adivinhão

O Rei na vista de todos

A ele pediu perdão

Dizendo: – És o meu genro

Futuro Rei da Nação

 

Liberto Camões ficou

Alegre junto a Cristina

Logo após o casamento

Viajaram pra Palestina

E foram viver felizes

Segundo a lei nos ensina


Literatura de Cordel quarta, 01 de junho de 2022

A VIDA NO SERTÃO (FOLHETO DE CARLOS AIRES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
 
 

Oh, seu moço da cidade
Quem vive de fino trato
Vem ver a felicidade
Que se tem aqui no mato,
Na alvorada do dia
Respirar a brisa fria
Pura, sem poluição,
Comer com a mão, na panela,
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão!

Vem ouvir a melodia
De um vaqueiro caprichoso,
Cheio de melancolia
Soar seu canto saudoso,
Com esmero e sutileza
A bela voz com clareza
Entoando uma canção,
Cativa a jovem donzela.
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão!

Vem andar pela campina
Beber água lá da fonte
Pura, limpa e cristalina
Que nasce naquele monte
Bem pertinho ali em frente.
O fluir dessa vertente
Faz bem pra teu coração
E cura qualquer mazela
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão!

Vem cá escovar teu dente
Com raspa de juazeiro
Depois sentar no batente
Sob a luz de um candeeiro
Prosear, contar piada,
Com a viola afinada
Solfejar uma canção
Da maneira mais singela
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão!

Vem ver a Lua de prata
Todo o campo prateando
Ouvir o vento na mata
Lá bem distante zoando
Vem ver uma vaquejada
Fazer uma “farinhada”
Cavalgar num alazão
Montar no pelo sem sela
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão!

 

Vem ver a simplicidade
Do meu povo aqui da roça
Sem luxo e nem vaidade
Morando numa palhoça
Bem distante da cidade
Sem saber da novidade
De rádio ou televisão
Sem se lembrar de novela.
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão!

Vem ver como o galo canta
No romper da madrugada
Vem ver se tu não te encanta
Com o cantar da passarada
Vem ver nossa flor campestre
Com a beleza silvestre
Cobrir toda a região
Na mais perfeita aquarela
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão!

Vem ver como é belo o porte
Do caboclo sertanejo
Comendo alimento forte
Coalhada, cuscuz e queijo
Carne de bode e buchada
Ovos, leite, carne assada,
Mel de abelha, requeijão
E galinha a cabidela.
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão!

Vem ver a cabocla linda
Que tem a cor da romã
Banhar-se na fonte ainda
Todo dia de manhã.
Sua pele é bronzeada
Sem ir à praia, nem nada
Atingiu a perfeição!
Contemple a beleza dela
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão!

Vem escutar do concriz
Sua cantiga fagueira
O canário bem feliz
Pousar numa catingueira.
Saborear um imbu
Comer o mel de uruçu
Goiaba, caju, melão,
Cajarana ou seriguela
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão!

Vem comer um cuscuz quente
Com leite puro, de vaca,
Vem ver a guiné carente
Lamentando que está fraca,
Jogar milho no terreiro
Ao abrir o galinheiro
Assistir a confusão
Da galinhada em procela
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão.

Vem ver o tatu cavando
Um buraco pra morar
Ouvir o nambu cantando
Ou a ovelha berrar
Ver a cabra com o cabrito
E bem longe ouvir o grito
Estridente do cancão,
Ouvir latindo a cadela
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão.

Vem andar numa vereda
Passar por um passadiço
Conhecer algodão-seda
Retirar mel do cortiço
Passear no campo vasto
Olhar o gado no pasto,
Colhendo a própria ração
Se debruçar na janela
Pra ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão.

Tomar banho no riacho
Logo ao nascer do sol
Tirar pitomba do cacho
Pescar com vara e anzol
Caçar, com uma “Soca-soca”
Comer beiju, tapioca,
Tomar café de pilão
Lavar os pés na gamela
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão!

Vem ver a perdiz piando
No meio da capoeira,
Escutar de vez em quando
O rangido da porteira,
Sai dessa tua rotina
Vem te molhar na neblina
Sem temer constipação
E nem da gripe a sequela,
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão.

Você seu moço e doutor
Mas não conhece a beleza,
Nesse seu computador
Sentado aí nessa mesa,
Vai e volta, sobe e desce,
Quer se livrar desse estresse?
Siga a minha sugestão,
Sai da frente dessa tela
Vem ver como a vida é bela
Vivida no meu sertão!


Literatura de Cordel quarta, 25 de maio de 2022

A VENDA DE JOCA GALEGO (FOLHETO DE ISMAEL GAIÃO E VALDERI ALVES FERREIRA)

 

Essa história começou
Quando seu Joca nasceu
Mas sua mãe não pensou
No fruto que ela deu
Pois quando Joca nascia
Seu intuito já dizia
Que não ia ter emprego
Ia ser comerciante
E ter futuro brilhante
Na Venda de Joca Galego

No Engenho Gameleira
Da cidade de Itambé
Foi do peito à mamadeira
E aprendeu ficar de pé
Era criança travessa
E trazia na cabeça
Que só ia ter sossego
Quando pudesse fundar
O tão sonhado lugar
Da Venda de Joca Galego

Quando tinha sete anos
Viu sua mãe falecer
Aos doze com desenganos
Foi com um tio viver
Na Vila de Goianinha
Onde fazia farinha
Ainda pedindo arrego
Mas não tirava da mente
De um dia ir pra frente
Na Venda de Joca Galego

Era no Sítio Timbó
Que o seu tio morava
E a todos dava dó
A vida que ele levava
Pois sendo trabalhador
Joca foi um sofredor
Trabalhando sem sossego
Mesmo sendo uma criança
Mas mantinha a esperança
Da Venda de Joca Galego

Ali seu Joca viveu
Até os dezoito anos
Quando lhe aconteceu
De fazer mais alguns planos
Queria ser militar
Pra sua vida mudar
E arranjar um emprego
Porque não tinha um vintém
Pra fazer o armazém
Da Venda de Joca Galego

No corre-corre da vida
Querendo vida melhor
Saiu sem ter despedida
Joca do Sítio Timbó
E no Recife foi parar
Aprendendo a atirar
Sem a isso ter apego
Pois no exército só pensava
E na mente arquitetava
A Venda de Joca Galego

Quando a farda ele deixou
Não encontrou vida boa
Pois até fome passou
Na capital João Pessoa
E cumprindo sua sina
Trabalhou numa oficina
Onde achou aconchego
Para dormir e sonhar
No dia que ia fundar
A Venda de Joca Galego

E por força do destino
Foi ao Rio de Janeiro
Com sonho de nordestino
De lá arranjar dinheiro
De calunga de caminhão
Ele aprendeu a lição
Que lá não tinha sossego
E voltou pra Goianinha
Fundando uma barraquinha
A Venda de Joca Galego

Na Vila de Goianinha
Do campo velho pra frente
Seu Joca abriu uma vendinha
Um barraco bem decente
Era lá que ele morava
E a vendinha ficava
Lhe servindo de emprego
Mas logo ela ganhou fama
E hoje o povo só chama
A Venda de Joca Galego

Seu Joca vindo da roça
Do sítio de Seu Nezinho
Casou com uma linda moça
Do Engenho Cauzinho
Foi com ela pra cidade
Pois na sua mocidade
Já pensava em aconchego
E hoje ela arruma e passa
Cozinha e vende cachaça
Na Venda de Joca Galego

Dona Masé uma moça
Filha de Mitonho Gaião
Deixou a vida da roça
Pra trabalhar no balcão
Pois toda vida passava
Colhendo o milho e a fava
Dia a dia sem sossego
Por isso não sonharia
De ser feliz hoje em dia
Na Venda de Joca Galego

O velho Mitonho Gaião
Não queria esse namoro
E metido a valentão
Só vinha com desaforo
Mas Joca com paciência
Um dia pediu licença
Pra casar e ter sossego
E fez o velho afrouxar
Indo também despachar
Na Venda de Joca Galego

Além da agricultura
Masé tinha outro trabalho
Pois a máquina de costura
Era o seu quebra-galho
Para fazer suas roupas
A vida não era sopa
E não tendo um emprego
Mesmo antes de casar
Às vezes ia ajudar
Na Venda de Joca Galego

Nesta vidinha sem graça
Masé lhe deu nove filhos
Só ele sabe o que passa
Pra dá de comer e vesti-los
Pagar remédios e escolas
Comprar bonecas e bolas
Se pensar perde o sossego
É dura a vida de pai
Pois o dinheiro só sai
Da Venda de Joca Galego

Senhor Joca sempre quis
Freqüentar uma escola
Mas o destino infeliz
Nunca lhe deu esta bola
Mas hoje vive lutando
Pra ver seus filhos estudando
E conseguir um bom emprego
Mas antes de estudar
Tiveram que ajudar
Na Venda de Joca Galego

Ivaneide na Rural
Formou-se em Zootecnia
E como é natural
Já está de agonia
Sem ter onde trabalhar
Resolveu ir ensinar
Enquanto não tem emprego
Pois não deseja voltar
Pra novamente ajudar
Na Venda de Joca Galego

Ismael já é formado
No curso de Agronomia
Ficou um pouco atrasado
Porém o seu dia a dia
Já se tornou natural
Pois trabalha na Rural
E não deseja outro emprego
Porque já teve ascensão
Pra não voltar pro balcão
Da Venda de Joca Galego

Izabel já se formou
Em Fonoaudiologia
E um consultório montou
Porque produzir queria
Pra crescer na profissão
Fez Especialização
Depois arranjou emprego
Pois o dinheiro não dava
E no seu sonho não tava
A Venda de Joca Galego

Ivone na Unicap
Formou-se em Economia
Não foi válvula de escape
Pois era o que ela queria
Não gostava de boneca
Era mesmo uma sapeca
E como filósofo grego
Queria tudo mudar
E até o lucro aumentar
Na Venda de Joca Galego

Itamir lá na Rural
Formou-se em Veterinária
E por gostar de animal
Caiu bem na sua área
Lutando que só a peste
No INAMPS fez um teste
E arranjou um emprego
Ficando feliz da vida
Porque livrou-se das idas
Pra Venda de Joca Galego

Isis na FESP está
Estudando Medicina
Mas teve que trabalhar
Pra poder ficar por cima
Teve um trabalho danado
Se não tivesse cuidado
Perdia a fé e o sossego
Depois tinha que voltar
Pra outra vez despachar
Da venda de Joca Galego

Hibernon é diferente
Nunca gostou de estudar
Por isso daqui pra frente
Vai ter é que trabalhar
Ficando lá na bodega
Vendendo e fazendo entrega
Ou procurar outro emprego
Pois pra vestir e comer
Sem trabalhar não vai ter
Na Venda de Joca Galego

A Íris agora está
Em Administração
Vive só pra estudar
Sem ter remuneração
Ela também faz Direito
Deixando o pai satisfeito
E a menina em sossego
Porque ela não gostou
Do sufoco que passou
Na Venda de Joca Galego

Ivonalda ainda está
Fazendo segundo grau
Porém não quer mais voltar
Pra sua terra natal
Só quer a felicidade
De entrar na faculdade
E arranjar bom emprego
Porque estava cansada
De abrir de madrugada
A Venda de Joca Galego

Ismael ficou feliz
Quando nasceu Isabela
Por isso ele sempre diz
Que não existe mais bela
Porém Joca não gostou
De ser chamado de avô
Dizendo que isso é grego
Mas da vida se esquece
Quando a netinha aparece
Na Venda de Joca Galego

E Ítalo o outro neto
O filho de Itamir
Não consegue ficar quieto
Mexendo aqui e ali
Mas Joca se engraceja
Despachando uma cerveja
A um freguês de apego
Ouvindo o mesmo dizer
Este neto faz chover
Na Venda de Joca Galego

Vendo a família aumentar
O rosto de Joca brilha
Por isso vive a sonhar
Com filhos de todas filhas
E pra aumentar seu brilho
Vem ai Ismael Filho
Fazendo ele ter apego
De ver o neto ficar
Ajudando a despachar
Na venda de Joca Galego

Como é da natureza
Crescer e depois morrer
Entre riqueza e pobreza
Disso ninguém vai correr
Além de sofrer demais
Joca perdeu os seus pais
Mas não perdeu o apego
De no balcão agradar
Aquele que vai comprar
Na Venda de Joca Galego

Com sua tamanha idade
Já tem muito a ensinar
Sempre gostou da verdade
Nunca deu pra enganar
De briga já nem se fala
Porque se existe bala
É de menino sossego
E o revólver é de mel
Até parece um céu
A Venda de Joca Galego

A Vila se emancipou
Crescendo pra todo lado
E um novo nome ganhou
Hoje se chama Condado
E a venda que o povo gosta
É Mercearia Costa
Mas por causa do apego
O povo não quis mudar
E continua a chamar
A Venda de Joca Galego

O campo velho acabou
Virou área de lazer
Mas sei que o povo gostou
Porque futebol vai ver
Num campo sofisticado
Que fica um pouco afastado
Longe daquele aconchego
Mas continua agradar
Naquele mesmo lugar
A Venda de Joca Galego

No entra e sai de mandato
Dessa tal de prefeitura
O povo é quem paga o pato
De tanta nova moldura
Pois Rua José Gaião
Já foi Rua do Pião
E o povo não tem sossego
Mas ainda continua
Abrindo as portas pra rua
A Venda de Joca Galego

Se o Brasil for dividido
Formando o país Nordeste
Vai ver que no bom sentido
Os homens cabra da peste
Que são do lado de cá
Não são como os de lá
Pois se viram sem emprego
E um deles até fundou
Com futuro promissor
A Venda de Joca Galego

Agora vou lhe contar
As qualidades da venda
Mas em um livro não dá
Pra escrever sua prenda
Ali só tem coisa boa
Quem compra lá ri a toa
Sem precisar de arrego
Pois lá o dinheiro cresce
Até milagre parece
A Venda de Joca Galego
 
Desde quando foi fundada
Sempre tratou com respeito
Agradando a garotada
Com bolo, doce e confeito
É a melhor da cidade
Vendendo à comunidade
Rico, pobre, branco e nego
Todos com satisfação
E também sem distinção
Na Venda de Joca Galego

Pra qualquer tipo de festa
Que precisar de mantimento
Aquela venda se presta
Pra todos a todo momento
Tem champanhe pro natal
Talco para o carnaval
Sabonete pro chamego
E peixe na semana santa
Por isso o povo se encanta
Na Venda de Joca Galego

Aquela venda é das boas
Pois além de fazer feira
Você pode dizer loas
Depois de uma bebedeira
Alguém vai lá comprar pão
Mas ao chegar no balcão
Sentindo seu aconchego
Toma logo uma lapada
Da aguardente afamada
Da Venda de Joca Galego

Se tem amigos bebendo
Mesmo estando ocupado
Joca vai se entretendo
E até fica inspirado
Dizendo espirituoso
Loas precisa e de gozo
Das que causam um chamego
Deixando a turma animada
Caindo na gargalhada
Na Venda de Joca Galego

“O pinto quando nasceu
Olhou pra mãe e sorriu
Bebe tu e bebo eu
Bebe a puta que partiu”
Essa é mais uma loa
Que escutei numa boa
E escuto quando chego
Prestando bem atenção
Debruçado no balcão
Da venda de Joca Galego

Se um gaúcho chegar
E procurar chimarrão
No atendimento exemplar
Ele babe um alcatrão
O mesmo é se aparecer
Um gringo e quiser beber
Uma bebida de grego
Por certo vai engolir
Outra pra substituir
Na Venda de Joca Galego

Pitu, cerveja, sardinha
Cigarro, pão, guaraná
Bolo, biscoito, farinha
Pasta, refresco, fubá
No tempo do carnaval
Como é festa especial
Tem talco para o chamego
Tem maizena e colorau
Pra levantar seu astral
Na Venda de Joca Galego

Da grande a pequena conta
A sua venda abastece
Vendendo de ponta a ponta
Nesta cidade que cresce
Às vezes de bicicleta
Ou numa caminhoneta
Ele faz o seu chamego
Da cidade ao barracão
Sem quebrar a direção
Da Venda de Joca Galego

De fila lá não carece
Nem ninguém fica por fora
Pois quando o freguês aparece
É atendido na hora
Pra comprar arroz, feijão
Café, açúcar ou sabão
Assim com tanto sossego
Não existe outro lugar
Por isso só vou comprar
Na Venda de Joca Galego

Além disso, que falei
Vou lhe contar mais um fato
Lá se criou uma lei
Pra só se vender barato
E dos cantos onde andei
Eu juro nunca encontrei
Preço bom assim que chego
E pra economizar
O povo só vai comprar
Na Venda de Joca Galego

A cidade foi crescendo
Muita coisa já mudou
Mas a Venda vem atendendo
Do jeito que começou
Ela fica numa esquina
Como uma bela menina
Seduzindo branco e nego
Vem gente de todo canto
Todos dizendo é um encanto
A Venda de Joca Galego

Caro amigo leitor
Aquela venda te espera
Com amizade e amor
Apareça em qualquer era
Quando estiver folgado
Passe um dia em Condado
E visite o aconchego
Pois mesmo sem ir comprar
No coração vai levar
A Venda de Joca Galego

Esse pequeno trabalho
Literário de poesia
Tenta contar em retalho
Um bonito dia a dia
De um pai sacrificado
Que tem lutado um bocado
Para tirar do emprego
Estudo, saúde e pão
Sem tirar sua atenção
Da Venda de Joca Galego

Tive um trabalho danado
Pra esses versos escrever
Pois estava preocupado
Em agradar a você
Por isso caro leitor
Se o cordel não lhe agradou
Não tenha desassossego
Pois para lhe compensar
Peço que vá visitar
A Venda de Joca Galego.  


Literatura de Cordel quarta, 18 de maio de 2022

A TRADIÇÃO DO REISADO (FOLHETO DA MADRE SUPERIORA DALINHA CATUNDA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
 

DALINHA CATUNDA

 

Desenho desta colunista

1
Hoje vou pegar retalhos
De histórias no pensamento
Pra costurar um cordel
Tecendo cada momento
Com fios da tradição
Na trama da narração
Expondo cada elemento.

2
É da tradição cristã
Essa festa que seduz
E tem como inspiração
O pequenino Jesus
E a visita dos Reis Magos
Que trouxeram seus afagos
Guiados por uma luz.

3
Seguindo uma bela estrela
Belchior e Baltasar
Fizeram longo percurso
Lado a lado com Gaspar
Pois saíram do oriente
Cada um com seu presente
Para o menino ofertar

4
O ouro, o incenso e a mirra
Trouxeram na ocasião
E ofertaram a Jesus
Em meio a adoração
Nasceu desse ritual
O presente de Natal
Que se tornou tradição.

5
Nascimento de Jesus
Passou a ser celebrado
O mundo inteiro faz festa
E nós fazemos dobrado
Nasce a festa popular
Divina espetacular
A qual chamamos Reisado.

6
E foram os portugueses
Em tempos coloniais
Que trouxeram seus costumes
Legado dos ancestrais
Culinária e devoções
Festas e celebrações
Herdamos os rituais.

7
No dia seis de janeiro
Tem festejo e alegria
O povo todo animado
Se prepara nesse dia
E na Folia de Reis
Brincantes de muitas greis
Celebram com cantoria.

8
A festa é bem variada
Em sua apresentação
Quando se tira reisado
É feita a visitação
Um grupo de porta em porta
Em cada morada aporta
Com cantos de louvação.

9
Louvam o dono da casa
E Jesus de Nazaré,
Sem esquecer de Maria
E também de São José
Para a festa pedem prendas
Logo após as oferendas
Prossegue o cortejo a pé.

10
O grupo sempre arrecada
Bebida e também dinheiro
Apresentam-se em praça,
Em alpendre e em terreiro
Vestidos com fantasia
Vão espalhando alegria
Num trajeto prazenteiro.

11
A Festa dos Santos Reis
Também chamamos Reisado
E de Folia de Reis
Dependendo do condado
Cada um tem seu enredo
Para atrelar ao folguedo
Costumes próprio do Estado

12
Cada grupo tem seu mestre
E também sua bandeira
Usam roupas coloridas
Dançam, fazem brincadeira
Instrumentos musicais
Até bandas cabaçais
Pra animar a pagodeira.

13
Tem viola e violão
Tudo enfeitado com fita
Tem reco-reco e sanfona
Também cantiga bonita
Tem o toque do pandeiro
Tem tambores no terreiro
Muitas cores muita chita.

14
No Cariri Cearense
O Reisado é tradição
A festa é bem grandiosa
É de chamar atenção
Pois ali brinca a criança
Repleto de esperança
Também brinca o ancião.

15
Tem dança, teatro e música
Todo tipo de reisado
Tem de couro e de careta
Grupo diversificado
Também nessa caminhada
Ainda tem a congada
Tudo bem organizado.

16
Em cada apresentação
Seja nas casas ou praça
A meninada feliz
Do palhaço instiga graça
E Mateus chega animado
Pulando pra todo lado
Em cena não se embaraça.

17
Sempre ao lado de Mateus
Nessa festa nordestina
Aparece chafurdando
A gaiata Catirina
Com as suas presepadas
O povo dá gargalhadas
Enquanto ela desatina.

18
O feioso Jaraguá
De todos chama atenção
Já chega batendo o bico
Dançando com seu jeitão
Ele mexe o corpo inteiro
E faz o maior salseiro
E agrada a população.

19
Tem, mestre, rei e rainha
Nos folguedos pra Jesus
E tem coroa dourada
Que na cabeça reluz
Cada vez que o mestre apita
O grupo entra na fita
E assim o mestre conduz.

20
A burrinha é atração
Sapeca e bem aplaudida
Sua dança é envolvente,
Sua veste é colorida
Bem faceira e dançadeira
Faz parte da Brincadeira
E dança toda exibida.

21
Entre o gracejo e a dança
Tem combate tem porfia
Lembrando os gladiadores
Na luta que contagia
Geração a geração
Se pratica a tradição
De adereço e fantasia.

22
É bem diversificada
Essa festa popular
É a vontade do povo
Que faz o Reisado andar
Só com criatividade
Paixão e capacidade
Se consegue festejar.

23
É profana e é sagrada
é de maria e José
É festa que se destina
Ao bom Rei de Nazaré
É festa pro nordestino
Que ao Tirar o Divino
Iça o estandarte da fé.

24
Para falar de Reisado
Fui seguindo a minha Luz
Como fez os três Reis Magos
Ao visitarem Jesus
Foi a musa estrela guia
Ela de noite ou de dia
É sempre quem me conduz.


Literatura de Cordel quarta, 11 de maio de 2022

A TERRÍVEL HISTÓRIA DA PERNA CABELUDA (FOLHETO DE GUAIPUAN VIEIRA) YOUTUBE
A TERRÍVEL HISTORIA DA PERNA CABELUDA

GUAIPUAN VIEIRA

(PRENÚNCIO DA BESTA-FERA)

 


Literatura de Cordel quarta, 04 de maio de 2022

A TENTAÇÃO DO CANDIDATO E O MATUTO DESENROLADO (FOLHETO DE CARLOS AIRES, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
 

A TENTAÇÃO DO CANDIDATO E O MATUTO DESENROLADO

 

Eu sou um matuto broco
Sem instrução, sem leitura,
Criei-me arrancando toco
Com chibanca em terra dura,
Tirando ração pra o gado,
Cuidando do meu roçado
Pois aqui me sinto bem!
Vivo colhendo o que planto
Bem quietinho no meu canto
Sem dever nada a ninguém.

Levo a vida sossegada
Do nascer ao pôr-do-sol,
No final da madrugada
Contemplando o arrebol
E escutando a serenata
Que vem da orquestra nata
Do palco da natureza,
Agradeço orando a Deus
Por poder nos dias meus
Desfrutar dessa riqueza.

Eu vivo alegre demais
Morando no meu ranchinho,
No meio dos carrascais
Escutando os passarinhos
Cantando as modas nativas,
Olhando pras cores vivas
Do campo com seu matiz,
Aqui é o meu paraíso
Pois tem tudo que preciso
Pra que viva bem feliz.

Aqui não se justifica
Transtorno, aperreação,
Porque nessa terra rica
Não tem inquietação,
A tranquilidade é tanta
Que até quando o galo canta
Na madrugada serena
A gente sente prazer,
Dá gosto de se viver
Em felicidade plena.

Mas, mesmo nesse sossego,
Que a paz de Deus apresenta,
Logo o “demo” pega arrego
Nessa calma, e nos atenta!
Vem chegando sorrateiro
Parece um bom cavalheiro
Repleto de boa ação,
Porém, tudo é falsidade,
Pois a fingida bondade
Só são laços de traição.

 

E essa história inteirinha
Eu vou contar pra vocês!
Um dia, de manhãzinha,
Quase no final do mês,
Eu estava todo ancho
Bem pertinho do meu rancho
Na sombra de um juazeiro,
Quando chegou um “carrão”
E parou bem no oitão
No aceiro do terreiro.

Desceu um homem decente
Bem vestido, bem tratado,
Com aparência excelente
Dirigiu-se pra o meu lado,
E com muita educação
Apertou a minha mão
E disse assim: por favor,
Caso esteja disponível,
Eu queria se possível
Conversar com o senhor.

Eu lhe respondi: pois não,
Pode dizer o que quer!
Pois estou de prontidão
Pra lhe ajudar se puder,
Mas, fiquei “com um pé atrás”!
Pois vi naquele rapaz
Um “lobo em pele de ovelha”,
E por ser desconfiado
Fiquei alerta, antenado,
Com “a pulga atrás da orelha”.

Ele então olhou pra mim
Deu um suspiro profundo
E foi me dizendo assim:
Isso aqui é o fim do mundo!
Como consegue viver
Sem escola, sem lazer,
Sem nenhuma diversão?
No desprezo, no maltrato,
Igual a um bicho do mato,
Nessa intensa isolação?

Eu vim pra lhe auxiliar
A sair dessa “enxovia”,
E já passo a planejar
Uma ampla melhoria,
A começar pela casa
Cuja ideia se embasa
Numa construção moderna,
Também se inclui nesse plano
Um bom poço artesiano
A luz elétrica e a cisterna.

Um campo de futebol
Pra moçada jogar bola,
E penso em agir em prol
Pra que se erga uma escola,
E vou tomar providência
Para em regime de urgência
Ser construída uma estrada,
Incluso nessa atitude
Está um posto de saúde
Pra atender a matutada.

Para colocar em prática
Cada ideia em expansão,
E vou lhe explicar a tática
Por favor, preste atenção!
É que eu estou candidato
Pra ser prefeito, e de fato,
Se acaso eu eleito for,
Assumo esse compromisso
De construir tudo isso
Que prometi pra o senhor.

Meu nome é “José Pinheiro”,
Vou ser franco ao lhe avisar
Não penso em ganhar dinheiro
Pois meu lema é trabalhar!
E logo que passe o pleito
Se eu conseguir ser eleito
Já pode contar comigo
No avanço, no progresso!
É por isso que lhe peço
Vote em mim meu grande amigo!

O diabo pode não vir
Mas, envia um secretário,
Para enganar, iludir,
Fazer o povo de otário
Se esse matuto aloprado
Não fosse desenrolado
Ou mesmo astuto o bastante
Muito esperto e destemido
Decerto tinha caído
Na lábia do meliante.

Essa conversa ilusória
Não convenceu o campônio
Que viu em toda essa história
A tentação do demônio
E respondeu: candidato!
O senhor é o retrato
Fiel da deslealdade,
Eu posso está sendo crítico
Mas vejo em cada político
A cara da falsidade.

É bom pensar desde já
Pra que em cada eleição,
Não caia no “blá, blá, blá”,
De político fanfarrão,
Tem que ser bastante astuto
Assim como esse matuto
Que não caiu na cilada
De um candidato vilão
Cheio de “boa intenção”,
Mas, que não valia nada.


Literatura de Cordel quarta, 27 de abril de 2022

A SOGRA QUE ENGANOU O DIABO - CORDEL DE LEANDRO GOMES DE BARROS

 

Dizem, não sei se é ditado,
Que ao diabo ninguém logra;
Porém vou contar o caso
Que se deu com minha sogra.
As testemunhas são eu,
Meu sogro, que já morreu,
E a velha, que é falecida.
Esse caso foi passado
Na rua do Pé Quebrado
Da vila Corpo Sem Vida.

Chamava-se Quebra-Quengo
A mãe de minha mulher,
Que se chamava Aluada
Da Silva Quebra-Colher,
Filha do Zé Cabeludo.
Irmã de Vítor Cascudo
E de Marcelino Brabo,
Pai de Corisco Estupor;
Mas ouça agora o senhor
Que fez a velha ao diabo.

Minha sogra era uma velha
Bem carola e rezadeira,
Tinha seu quengo lixado,
Era audaz e feiticeira;
Para ela tudo era tolo,
Porque ela dava bolo
No tipo mais estradeiro.
Era assim o seu serviço:
Ela virava o feitiço
Por cima do feiticeiro!

Disse o demo: — Quebra-Quengo,
Qual é a tua virtude?
Dizem que és azucrinada
E que a ti ninguém ilude?
Disse a velha: — Inda mais esta!
Você parece que é besta!
Que tem você c’o que faço?
Disse ele: — Tudo desmancho,
Nem Santo Antônio com gancho
Te livra hoje do meu laço!

Ela indagou: — Quem és tu?
Respondeu: — Sou o demônio,
Nem me espanto com milagre,
Nem com reza a Santo Antônio!
Pretendo entrar no teu couro!
E nisto ouviu-se um estouro!
Gritou a velha: — Jesus!
Ligeira se ajoelhou
E, depois, se persignou
E rezou o Credo em cruz!

Nisto, o diabo fugiu.
E, quando a velha se ergueu,
Ele chegou de mansinho,
Dizendo logo: — Sou eu!
Agora sou teu amigo
Quero andar junto contigo,
Mostrar-te que sou fiel.
Minha carta, queres ver?
A velha pediu pra ler
E apossou-se do papel.

— Dê-me isto! grita o diabo,
Em tom de quem sofre agravo.
Diz a velha: — Não dou mais!
Tu, agora, és o meu escravo!
Disse o diabo: — Danada!
Meteu-me numa quengada!
Sou agora escravo dela!
E disse com humildade:
— Dê-me a minha liberdade,
Que esticarei a canela!

Disse a velha: — Pé de pato,
Farás o que te mandar?
Respondeu: — Pois sim, senhora,
Pode me determinar,
Porque estou no seu cabresto
Carregarei água em cesto,
Transformarei terra em massa,
Que para isso tenho estudo;
Afinal, eu farei tudo
Que a senhora disser — faça!

Disse a velha: — Vá na igreja,
Traga a imagem de Jesus.
Respondeu: — Posso trazê-la,
Mas ela vem sem a cruz,
Porque desta tenho medo!
Disse a velha: — Volte cedo!
Ele seguiu a viagem
E ao sacristão iludiu:
Uma estampa lhe pediu
Que só tivesse uma imagem.

A velha, então, conheceu
Do cão o quengo moderno,
E, receando que um dia
A levasse para o inferno,
Para algum canto o mandou
E em sua ausência traçou
Com giz uma cruz na porta.
Voltou o cão sem demora,
Viu a cruz, ficou de fora,
Gritando com a cara torta.

Gritou o cão no terreiro:
— Aqui não posso passar!
Venha me dar minha carta,
Quero pro inferno voltar!
Disse a velha que não dava,
Mas ele continuava
A rinchar como uma besta.
— Pois fecha os olhos! ela diz.
Ele fechou e, com giz,
Fez-lhe outra cruz bem na testa!

Aí entregou-lhe a carta
E o demo pôs-se na estrada,
Dizendo com seus botões:
— Não quero mais caçoada
Com velha que seja sogra,
Porque ela sempre nos logra!
Foi, assim, a murmurar.
Quando no inferno chegou,
O maioral lhe gritou:
— Aqui não podes entrar!

— Então, já não me conhece?
Perguntou ao maioral.
— Conheço, porém, aqui
Não entras com tal sinal:
Estás com uma cruz na testa!
Disse ele: — Que história é esta?
Que é que estás aí dizendo?
Mirou-se dum espelho à luz:
Quando distinguiu a cruz,
Saiu danado, correndo!

E, na carreira em que ia,
Precipitou-se no abismo,
Perdeu o ser diabólico,
Virou-se no caiporismo,
Pela terra se espalhou,
Em todo lugar se achou,
Ao caipora encaiporando,
Embaraçando seus passos
E com traiçoeiros laços
As sogras auxiliando…

Deste fato as testemunhas
Já disse todas quais são.
Agora, quer o senhor
Saber se é exato ou não?
Invoque no espiritismo
Ou pergunte ao caiporismo,
Este que sempre nos logra,
Se sua origem não veio
Do diabo imundo e feio
E do quengo duma sogra!


Literatura de Cordel quarta, 20 de abril de 2022

A SECA DO CEARÁ (FOLHETO DE LEANDRO GOMES DE BARROS

Seca as terras as folhas caem,
Morre o gado sai o povo,
O vento varre a campina,
Rebenta a seca de novo;
Cinco, seis mil emigrantes
Flagelados retirantes
Vagam mendigando o pão,
Acabam-se os animais
Ficando limpo os currais
Onde houve a criação.

Não se vê uma folha verde
Em todo aquele sertão
Não há um ente d’aqueles
Que mostre satisfação
Os touros que nas fazendas
Entravam em lutas tremendas,
Hoje nem vão mais o campo
É um sítio de amarguras
Nem mais nas noites escuras
Lampeja um só pirilampo.

Aqueles bandos de rolas
Que arrulavam saudosas
Gemem hoje coitadinhas
Mal satisfeitas, queixosas,
Aqueles lindos tetéus
Com penas da cor dos céus.
Onde algum hoje estiver,
Está triste mudo e sombrio
Não passeia mais no rio,
Não solta um canto sequer.

Tudo ali surdo aos gemidos
Visa o aspectro da morte
Como a nauta em mar estranho
Sem direção e sem Norte
Procura a vida e não vê,
Apenas ouve gemer
O filho ultimando a vida
Vai com seu pranto o banhar
Vendo esposa soluçar
Uma adeus por despedida.

Foi a fome negra e crua
Nódoa preta da história
Que trouxe-lhe o ultimatum
De uma vida provisória
Foi o decreto terrível
Que a grande pena invisível
Com energia e ciência
Autorizou que a fome
Mandasse riscar meu nome
Do livro da existência.

E a fome obedecendo
A sentença foi cumprida
Descarregando lhe o gládio
Tirou-lhe de um golpe a vida
Não olhou o seu estado
Deixando desemparado
Ao pé de si um filinho,
Dizendo já existisses
Porque da terra saísses
Volta ao mesmo caminho.

Vê-se uma mãe cadavérica
Que já não pode falar,
Estreitando o filho ao peito
Sem o poder consolar
Lança-lhe um olhar materno
Soluça implora ao Eterno
Invoca da Virgem o nome
Ela débil triste e louca
Apenas beija-lhe a boca
E ambos morrem de fome.

Vê-se moças elegantes
Atravessarem as ruas
Umas com roupas em tira
Outras até quase nuas,
Passam tristes, envergonhadas
Da cruel fome, obrigadas
Em procura de socorros
Nas portas dos potentados,
Pedem chorando os criados
O que sobrou dos cachorros.

Aqueles campos que eram
Por flores alcatifados,
Hoje parecem sepulcros
Pelos dias de finados,
Os vales daqueles rios
Aqueles vastos sombrios
De frondosas trepadeiras,
Conserva a recordação
Da cratera de um vulcão
Ou onde havia fogueiras.

O gado urra com fome,
Berra o bezerro enjeitado
Tomba o carneiro por terra
Pela fome fulminado,
O bode procura em vão
Só acha pedras no chão
Põe-se depois a berra,
A cabra em lástima completa
O cabrito inda penetra
Procurando o que mamar.

Grandes cavalos de selas
De muito grande valor
Quando passam na fazenda
Provocam pena ao senhor
Como é diferente agora
Aquele animal de que outr’ora
Causava admiração,
Era russo hoje está preto
Parecendo um esqueleto
Carcomido pelo chão.

Hoje nem os pássaros cantam
Nas horas do arrebol
O juriti não suspira
Depois que se põe o sol
Tudo ali hoje é tristeza
A própria cobra se pesa
De tantos que ali padecem
Os camaradas antigos
Passaem pelos seus amigos
Fingem que não os conhecem.

Santo Deus! Quantas misérias
Contaminam nossa terra!
No Brasil ataca a seca
Na Europa assola a guerra
A Europa ainda diz
O governo do país
Trabalha para o nosso bem
O nosso em vez de nos dar
Manda logo nos tomar
O pouco que ainda se tem.

Vê-se nove, dez, num grupo
Fazendo súplicas ao Eterno
Crianças pedindo a Deus
Senhor! Mandai-nos inverno,
Vem, oh! grande natureza
Examinar a fraqueza
Da frágil humanidade
A natureza a sorrir
Vê-la sem vida a cair
Responde: o tempo é debalde.

Mas tudo ali é debalde
O inverno é soberano
O tempo passa sorrindo
Por sobre o cadáver humano
Nem uma nuvem aparece
Alteia o dia o sol cresce
Deixando a terra abrasada
E tudo a fome morrendo
Amargos prantos descendo
Como uma grande enxurrada.

Os habitantes procuram
O governo federal
Implorando que os socrra
Naquele terrível mal
A criança estira a mão
Diz senhor tem compaixão
E ele nem dar-lhe ouvido
É tanto a sua fraqueza
Que morrendo de surpresa
Não pode dar um gemido.

Alguém no Rio de Janeiro
Deu dinheiro e remeteu
Porém não sei o que houve
Que cá não apareceu
O dinheiro é tão sabido
Que quis ficar escondido
Nos cofres dos potentados
Ignora-se esse meio
Eu penso que ele achou feio
Os bolsos dos flagelados.

O governo federal
Querendo remia o Norte
Porém cresceu o imposto
Foi mesmo que dar-lhe a morte
Um mete o facão e rola-o
O Estado aqui esfola-o
Vai tudo dessa maneira
O município acha os troços
Ajunta o resto dos ossos
Manda vendê-los na feira.


Literatura de Cordel quarta, 13 de abril de 2022

A SAGA DO SABUGO (CORDEL DE DALINHA CATUNDA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
 

A SAGA DO SABUGO

Dalinha Catunda

 

 

 

Meu caro amigo quem acha,
Que o sabugo é o vilão.
Nunca correu paro o mato,
Bem cheio de precisão.
Depois do serviço feito
É que da fé o sujeito
Que faltou papel a mão.
.
Um sabuguinho perdido,
No meio do milharal,
É a salvação da lavoura
E até que não pega mal.
Quem é que vai recusar,
De com ele se limpar
Sem outra escolha afinal?
.
Não fiquem de boca aberta.
Nem pensem que é novidade.
Pois ele era apreciado,
Nos campos e na cidade.
Passou na bunda de gente
Que posava de decente,
Da alta sociedade.
.
O sabugo, meu amigo
Já foi de grande valia.
Bunda de ricos e pobres,
Muitas vezes acudia.
Mas o povo é bem cruel
Agora que tem papel,
O sabugo repudia.
.
Nos velhos tempos foi tido
Como a melhor solução.
E limpa, coça e penteia,
Dizia a população.
Que nos tempos das refregas
Já andou limpando as pregas,
Sabugo era a salvação
*
Versos de Dalinha Catunda
Foto da página enquanto isso em Goias


Literatura de Cordel quarta, 06 de abril de 2022

A SAGA DOS ÍNDIOS BRASILEIROS (FOLHETO DE WILLIAM BRITO)

 

 

A SAGA DOS ÍNDIOS BRASILEIROS

William Brito

 

 

OS ÍNDIOS BRASILEIROS NO CORDEL DE WILLIAM BRITO

Um amigo perguntou se eu tinha algum cordel sobre índios brasileiros. Fui buscar em meu pequeno acervo e achei três: TRATADO DE PAZ (entre os reis Ca nindé e de Portugal), de Gerardo Carvalho, o Pardal; IRACEMA (a virgem dos lábios de mel), de João Martins de Athayde; e A SAGA DOS ÍNDIOS BRASILEIROS, de William Brito, o homem que ocupa a cadeira número um da Academia dos Cordelistas do Crato, que escolhi para transcrever neste post.
O folheto, de 2002, que atendeu a um pedido do Ministério Público Federal no Ceará, e contou com o apoio do IPHAN, FUNAI, CNBB, Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, Governo do Ceará e dos Índios Cearenses, começa com uma apresentação, de Josenir Alves de Lacerda, que traduz bem o sentimento que nos invade, quando o lemos. Diz Lacerda:

“Neste trabalho: A Saga dos Índios Brasileiros, o poeta William Brito faz do Cordel um portal e o abre com a chave mágica da inspiração, deixando que o leitor veja e vivencie o desenrolar dos fatos. Apesar do enredo ser entremeado de luta, traição, injustiça, exploração, perseguição e desamor aos nossos irmãos indígenas, devemos ler como quem sorve bebida de apurado sabor e que no lugar de embriagar, desperta e aguça sentimentos de brasilidade e compromisso para com os nossos ancestrais, cujo sangue quente, forte e guerreiro carregamos nas veias e teimamos em esquecer ou ignorar. Mais uma vez o poeta não poupa talento e mostra as diversas facetas e propostas do cordel como veículo de denúncia, didática, esclarecimento, conscientização. Enquanto houver mente aberta e consciente como a do poeta William, com coragem de expor páginas tão cruéis e injustas, haverá a certeza dde que alguma luz ainda brilha no horizonte da nossa história acenando com uma réstia de esperança”.


A SAGA DOS ÍNDIOS BRASILEIROS


Sonhei com Tupã pedindo
Pra minha arte dispor
A serviço dos indígenas
E um folheto compor
Mostrando ao longo da história
A penosa trajetória
De humilhação e dor.

Me dispus porque carrego
Herança dos Kariri,
Sou mestiço como muitos
Que adoram roer piqui,
Acham a natureza jóia,
Se esbaldam num tipóia
Babam por mel de jati.

Me ensinaram no ginásio
Que somente há 10.000 anos
Quando o planeta esfriou
Os mongóis tomaram o plano
Do mar congelado usar
E da Ásia se mudar
Pro espaço americano.

E da América do Norte
Desceram para a Central,
Continuaram pro Sul
Fugindo do frio austral
E aqui se deram bem
Que era terra de ninguém
Rica em planta e animal.

Mas a arqueologia
Desmentiu esta versão,
Nas terras do Piauí,
No miolo do sertão,
Em São Raimundo Nonato
Tem vestígio de artefato
Que ensina outra lição.

Há mais de 30.000 anos
Já vivia no Brasil,
Um povo forte, trigueiro,
Gregário, simples, viril,
Adaptado à natura,
Desenvolvendo cultura
Debaixo do céu anil.

Em muitos pontos se encontra
Do nosso vasto Nordeste,
Vestígios dos ancestrais,
Na mata, sertão, agreste,
Eles não se aquietavam,
No território migravam
Fugindo de fome e peste.

Com muito esforço esse povo
Que era esperto e curioso,
Pesquisou a flora e a fauna
Com um resultado assombroso
Separando o que convinha
A comida e a “meizinha”
Do que era venenoso.

Ao longo do tempo o povo
No Brasil foi se espalhando
E em razão do ambiente
Aos poucos se transformando
Formando várias culturas,
Esquecendo a essa altura
O parentesco e brigando.

Lutava-se por comida,
Por coisas essenciais,
Não por ouro, pedrarias,
Ou por outros vis metais;
Se brigava, isso é notório,
Pelo santo território,
Como brigam os animais.

Pois bem, no século XV,
Em pleno mercantilismo,
Os europeus expandiram
O seu colonialismo.
Colombo, Pinzón, Cabral,
Tornaram a aldeia “global”
Fomentaram o consumismo.

Espanhóis e Lusitanos,
Bem antes da invasão,
Dividiram as Américas,
Depois de grande questão;
Pra guerra faltou um triz
E quem serviu de juiz
Foi o papado cristão.

Os nativos receberam
O povo vindo do mar,
Com boa disposição
Foram confraternizar
Depois se viram traídos,
Explorados, perseguidos,
Obrigados a arribar.

Cerca de 5 milhões
De índios tinha o Brasil,
E etnias, sabe Deus,
Talvez passasse de mil,
O terrível, o que eu lamento,
É não restar 10%
Dessa gente varonil.

Martins Soares Moreno,
Chegando no Ceará,
22 povos achou;
e hoje, quantos haverá?
Segundo doutor Pinheiro,
Só tem 11 companheiro,
Até onde a ciosa irá?

Os europeus cá vieram
Somente atrás da riqueza
Carregaram o pau-brasil,
Depredaram a natureza
Com fogo, foice e machado,
Trouxeram a cana e o gado,
Comprometeram a beleza.

Trouxeram ainda ao Brasil
A mancha da escravidão,
Africanos e ameríndios
Padeceram de aflição
De virar mercadoria.
Haverá selvageria
Acaso igual, cidadão?

Os tupis do litoral
Sofreram primeiramente
E os tapuias do sertão
Padeceram mais na frente,
Espanhóis ou Holandeses,
Lusitanos ou Franceses
Não agiam diferente.

Pra eles índios e negros,
Não tinham dignidade,
Se pareciam com gente
Mas não eram, de verdade.
Eram simples animais
Como o gado dos currais,
Sem direito nem piedade.

O tal Marquês de Pombal
Proibiu língua nativa,
Todos tinham de falar
Aquela língua aflitiva
Do malsinado invasor,
Muitos inda tem pavor
Da língua coercitiva.

E a medicina da terra,
Conhecida do pajé,
Foi vetada para os índios
Como também sua fé;
Quem não virasse cristão
Comprava grande questão
Com a forte Santa Sé.

As terras foram tomadas
Pelo gado e pela cana
E os índios missionados
Em Caucaia e Messejana,
Viçosa, Almofala, Crato
E Parangaba é o relato
De uma sina desumana.

À custa de muito sangue,
Deu-se a colonização,
Os nativos se uniram
Numa Confederação
Para enfrentar o invasor,
Mas, mesmo com seu penhor
Perderam a conflagração.

E quem ganhou a contenda
Fez a versão da história,
Fez-se o mocinho do filme,
Cobriu-se de honra e glória,
E o perdedor sem direito
Ficou cheio de defeito
E privado de memória.

Guerra química e biológica
Para os índios foi fatal,
Eles não tinham defesa
Contra vírus, coisa e tal;
E até bem pouco uns ladinos
Queimaram o índio Galdino
No Distrito Federal.

Na festa em Porto Seguro
Que lembrou a invasão,
Os índios foram excluídos
Sem direito a expressão
E todos que protestaram
Dos polícias apanharam
Sem dó e nem compaixão.

Mas pega a coisa a mudar
Na nossa sociedade
Os índios já se organizam
Reforçando a identidade,
E sua luta é tamanha
Que foi tema de campanha
Dita da fraternidade.

Somos um povo mestiço
Não temos o que negar,
Mas a discriminação
Teima em nos acompanhar,
Deixemos de preconceito,
Vamos todos dar um jeito
De nos unir, nos amar.

Vamos vencer o apartheid
Econômico e social,
Acabar com a exclusão
Criminosa e imoral
Ultrapassar a mazela
Que separa a favela
Condomínio colossal.

Honremos no Ceará
Kariris e Cariús,
Calabaças, Potiguares,
Quixelôs e Pacajús,
Kanindés e Tabajaras,
Tremembés, Jaguaribaras,
Jucases, Tacarijús.

Que as novas gerações
Protejam os Tremembés,
Pitaguarys e Tapebas,
Jenipapos, Kanindés,
E que nunca falte abrigo
Pra memória dos antigos
Como os grandes Anacés.

Que o Brasil respeito o índio
Como etnia ancestral.
Genética e culturalmente
Basilar, essencial,
Respeite a diversidade
Que faz nossa identidade
Ser mais rica, mais plural.

Literatura de Cordel quarta, 30 de março de 2022

A PROPAGANDA DE UM MATUTO COM UM BALAIO DE MAXIXE (FOLHETO DE JOSÉ PACHECO)
 

 

Caros apreciadores

Na Feira do Caldeirão

Eu ouvi a propaganda

De um matuto do sertão

E já portanto escrevi

Tudo que vi e ouvi

Na sua conversação

 

Não é só a propaganda

Com também a disputa

Do fiscal com o matuto

Que quase dá-se uma luta

O mesmo livro contém

O comentário também

De uma mulher matuta

 

Quando o matuto chegou

Às Nove horas do dia

Com um balaio de maxixe

Era o que ele trazia

E dez almas de banana

Se o espírito não me engana

Foi essa a mercadoria

 

Espalhou no meio da Feira

Fez propaganda e gritou

Em tenho os maxixe grande

Agora mesmo encostou

Banana comprida e prata

Ma eu num vendo barato

Cá banana levantou

 

São 10 penca de banana

6 prata e 3 solancó

E uma penca comprida

Qui ainda é mai mió

Quer dizer que forma dez

Dou por um conto de réis

Entra a penca no cocó

 

As banana é de primeira

Os maxixe são graúdo

Um rapaz lhe perguntou

Quanto o senhor quer por tudo

Disse ele novecentos

Disse o rapaz dou quinhentos

Disse o matuto é canudo

 

Sendo somente as banana

O senhor por quanto dá

Ficando os maxixe fora

As banana pode entrar

Dou tudo por oitocentos

Não bote os maxixe dento

E vamos negociar

 

Minha banana tá mole

Pruque eu sou cuidadoso

Se trago a banana dura

Num vendo, fico raivoso

De madura tá vermeia

A casca por fora é feia

Mai o miolo é gostoso

 

Se os maxixe são grande

As banana inda são mai

Eu trouxe foi pra vender

Todo negócio se fai

Porém se ninguém compra

De tarde eu vou vortá

Com os maxixe pra trai

 

Ali chegou um parente

De tal matuto beócio

E lhe disse meu cumpade

Cuma vai o teu negócio

Cumpade, eu vou bem pur cá

Vai me dizendo pua lá

Cuma vai passando os nosso

 

Cuma vai cumade Chica

Sá Caboca e Zé Vintém

As menina de Tingole

E todos mai que lá tem

Tá todo bem e disposto

Disse o matuto é meu gosto

Qui tudo lá teja bem

 

Gosto danosa catinga

Pru muito seca que seja

Tu dá lembrança a Tingole

Pruque tra vei eu num veja

Recebi de Zé Bochudo

Lembrança pá cá pá tudo

Dessa terra sertaneja

 

Disse o matuto não sabe

Zefa fugiu com Fernande

Quem é esse, meu cumpade

Aquele que vende frande

Roubou ela da Serrinha

Correu a noite todinha

Passou na Pindoba Grande

 

Chegou o fiscal da Feira

Trazendo uns papéis na mão

E disse vamos matuto

Pague o direito do chão

Disse o matuto seu guarda

Ainda não vendi nada

Não tenho dinheiro não

 

Tinha 200 mil-réis

Comi de sarapaté

Comprei 4 pão fiado

E 3 chica de café

Isso aqui não é meu só

Porque a penca maió

E os maxixe é da muié

 

Não estou lhe perguntando

Pelos seus particulares

Estou cobrando imposto

Isto é e todos lugares

Não quero articulação

Se não quiser pagar chão

Vá negociar nos ares

 

Disse o matuto eu num pago

Nem um tostão dessa asneira

Qualquer coisa que se bota

No Mercado ou nessa Feira

O senhor vem com espanto

Cobrando tanto e quanto

Isso não é ladroeira?

 

O cobrador respondeu

Não admito porfia

Você não pode vender

Retire essa porcaria

Porcaria não senhor

Disse o matuto é favor

Tratar por mercadoria

 

A mulher do tal matuto

Chegou nessa ocasião

E um filho deles dois

Acabaram a discussão

Pagando a justa quantia

Que o cobrador queria

Pelo direito do chão

 

Venderam tudo de vez

Por mais ou menos dinheiro

Porque o retalhador

Que se chama verdureiro

Botou preço e atacou

Depois de justo pagou

Por quanto eu não dou roteiro

 

Foi-se embora o cobrador

Começaram a conversar

A mulher disse meu veio

Agora vou te contá

Quando tu vei mai João

Na tua costa um ladrão

Fo no poleiro roubá

 

Eu não peguei mai no sono

Já era de manhãzinha

Eu vi bulir no poleiro

Estrumei a cachorrinha

Quando Piaba peitou

O ladrão se abaixou

E vi ele cá galinha

 

Arribei os 3 cachorro

Peixim, Cascudo e Xerém

Pela brecha da parede

Vi mai não conheci bem

Dispoi reparei por baixo

Vi que era um cabra macho

Por um buraco que tem

 

E eu já hoje avisei

A cumade Manuela

Que é pa cumade ter

Cuida do ca casa dela

E cuma ela é vizinha

Ela pode ter ca minha

E eu muito mai ca dela

 

Disse o matuto muié

Nós precisa se cuidá

Se tranca todos os bicho

Mode o ladrão num roubá

Fale com a Fulozina

Venda os bicho das menina

Mas o seu deixe ficar

 

Venda a porca da Zefa

A cabra da Filismina

O capado da Zabé

A jumenta da Firmina

A besta russa da Chica

E a castanha da Lica

Vai ficá pra Bernardina

 

Venda o burro do Cosme

E o galo de Damião

A bezerra da Quitéria

O cachorro do Gusmão

A bacorinha da Terta

A borrega da Roberta

E o bode azul do Simão

 

A muié disse meu véio

Você com uma faceta

Já falou nos bicho todo

Es as garça da Riqueta?

Quanto são, nós também tranca

Disse ela 8 é branca

E 9 ca garça preta

 

E que se foi dos cachorro

O Pintado e o Felpudo

E o Melado ele disse

Num se vende fica tudo

Chico fica cu Pintado

Eu vou ficar cu Melado

E você cu Cabeludo

 

Depois da Feira voltaram

Às quatro horas e meia

Não sei eu horas chegaram

Talvez na hora da ceia

Quando os pobres camponeses

Por não erem luz às vezes

Acendem a pobre candeia

 

Finalmente terminei

Me desculpa populaça

A linguagem do matuto

Hoje é diversão na praça

Porque a conversação

É torta que só cordão

Dentro do bolso da calça

 


Literatura de Cordel quarta, 23 de março de 2022

A PERSEGUIDA E SEUS NOMES NO CORDEL: MOTE E GLOSA DE JOSÉ HONÓRIO
 
A PERSEGUIDA E SEUS NOMES NO CORDEL: MOTE E GLOSA DE JOSÉ HONÓRIO

MOTE E GLOSA DE JOSÉ HONÓRIO

Mote:

Xiri, perereca, aranha
Quanto nome a brecha tem.

Glosa:

Vagina, papuda, greta
Xanha, lasca, racha e fruta
Tabaco, chibiu e gruta
Fenda, bainha e buceta
Desejada, cara-preta
E bacurinha também
É vizinha do sedém
Talho, pipiu e xiranha
Xiri, perereca, aranha
Quanto nome a brecha tem


Literatura de Cordel quarta, 16 de março de 2022

A PALESTRA DAS 3 DONZELAS (FOLHETO DE (FOLHETO DE EROTILDES MIRANDA DOS SANTOS)

Palestravam três donzelas

Em assunto amoroso

Uma disse meu paquera

É por demais carinhoso

Nosso namoro é quente

E danado de gostoso

 

A segunda respondeu

Eu estou nessa jogada

Boto mesmo pra quebrar

Até alta madrugada

Nos braços do meu pãozinho

Não me lembro mais de nada

 

A terceira deu risada

E disse não fico atrás

Passo a noite com Zezinho

Entre suspiros e ais

Tudo que é meu é dele

Já não me domino mais

 

Ivone disse tá certo

Mas vamos voltar atrás

Não se faz toda a vontade

Quando gosta de um rapaz

Pra não perder certas coisas

Que não acha nunca mais

 

Tereza disse qual nada

Eu estou com Carmelita

A moça sendo bem quente

Todo rapaz lhe palpita

Sendo fria ninguém quer

Ainda sendo bonita

 

Eu só boto fumaçando

Ache ruim quem quiser

Quero ver pegando fogo

Dê o caso no que der

Comigo só vai assim

Pra isso nasci mulher

 

Quem for mole que se dane

Quero ver o cabra quente

Que chega sair faísca

Quando encosta na gente

Um desse topa comigo

Porque nós bota pra frente

 

Carmelita respondeu

O homem só presta assim

Que bote pra derreter

Do começo até o fim

Se eu pudesse ficava

Com todos eles pra mim

 

Ivone disse danou-se

Tu tá ficando tarada

Só quer tudo pra você

As outras ficam com nada

Eu também gosto da coisa

Porém sou mais conformada

 

Carmelita disse não

Eu nunca fui conformada

Em matéria de amor

Toda vida fui parada

Já dispensei mais de dez

Porque não deram pra nada

 

E dispenso qualquer um

Que não mate meu intento

Pra isso tem que ser vivo

E ter bom temperamento

Pra topar meu rebolado

Que é muito violento

 

O filho e Chico Bento

Começou me namorando

Dizendo ser uma brasa

Que só botava queimando

Mas comigo virou gelo

Só vivia cochilando

 

Tive que mandar embora

Pra não me aborrecer

Arranjei um tal de Zé

Na Fazenda Bom Viver

Esse no primeiro round

Botei logo pra correr

 

Depois me apareceu

O Manoel paquerinha

Peguei ele no estreito

Que deixei numa peinha

Só não matei dessa vez

Por pedido da vizinha

 

Tereza disse menina

Você é muito danada

Mas é assim que se faz

Com essa rapaziada

Pra nenhum sair dizendo

Fulana não é de nada

 

Eu também sou brasa viva

O meu namoro é tanino

Eu tenho horror de homem

Que anda falando fino

Nenhum gosta de mulher

E é por demais cretino

 

Meu primeiro namorado

Foi um tal de Chico Duro

Só queria namorar

Comigo no pé do muro

E dizia que namoro

Só prestava no escuro

 

Com essa experiência

Nós ficamos se gostando

Com o decorrer do tempo

Ele pegou afinando

Ficou trocando das pernas

E os olhos afundando

 

Eu aí disse pra ele

Você não vai aguentar

Se continuar comigo

Aumenta mais seu penar

Porque eu quando namoro

Boto pra tarrabufar

 

Ele vendo que morria

Dali desapareceu

Nunca mais tive notícia

Também não sei se morreu

Eu aí disse comigo

Aquele não era meu

 

Depois me apareceu

Por lá um paraibano

Dizendo que era o tal

Com ele não tinha engano

Mas comigo caiu duro

Também entrou pelo cano

 

Agora eu tenho um

Que me veio importado

Esse pé quente demais

Parece que é tarado

Se existe satanás

É esse meu namorado

 

Tratam ele de Chamego

Eu nunca vi tão danado

Mata todo o meu desejo

O bicho é acordado

Só assim eu osso ver

Meu sonho realizado

 

Esse deu certo comigo

Me entende muito bem

Ele faz minha vontade

Eu faço a dele também

Esse é todinho meu

Só meu e de mais ninguém

 

Carmelita suspirando

Disse eu também queria

Arranjar um desse tipo

Para minha alegria

Ele quente e eu fervendo

Aí o couro comia

 

Comia de todo jeito

Porque minha lei é dura

Se bater testa comigo

Só vai morrer na fartura

Se quiser como eu quero

Aí ninguém me segura

 

Ivone disse vocês

Querem ser as maiorais

Não tem homem que resista

Os seus instintos vorais

Pra satisfazer as duas

Só o próprio satanás

 

Porque homem deste mundo

E ordeiro a pelejar

Vocês botam pra correr

Quando não querem matar

Eu não sei se o diabo

Com vocês vai aguentar

 

Quando as duas se casarem

Os noivos de antemão

Podem preparar as covas

E cada um eu caixão

Pois o fogo de vocês

Mata qualquer um cristão

 

Tereza ali respondeu

Já um pouquinho alterada

Nenhuma de nós tem culpa

De você não ser de nada

Nós que somos do embalo

Topamos qualquer parada

 

Tereza e Carmelita

Saíram dando risada

Ivone junto com elas

Se conservava calada

Aquela forte palestra

Ali ficou encerrada

 

Eu também vou encerrar

Falando das coisas belas

Que a Natureza cria

E se reveste com elas

Com base no pergaminho

Escrevi esse livrinho

Palestra das Três Donzelas


Literatura de Cordel quarta, 09 de março de 2022

A OPINIÃO DOS ROMEIROS SOBRE A CANONIZAÇÃO DO PADRE CÍCERO PELA IGREJA BRASILEIRA (FOLHETO DE EXPEDITO SEBASTIÃO DA SILVA)

A OPINIÃO DOS ROMEIROS DOBRE A CANONIZAÇÃO DO PADRE CÍCERO PELA IGREJA BRASILEIRA

Expedito Sebastião da Silva

 

 No dia 8 de julho

Do ano setenta e três

A Igreja Brasileira

Decidiu por sua vez

Aqui em nossa nação

Do padre Cícero Romão

A canonização fez

 

Realizou-se em Brasília

Essa canonização

Sendo que do Santo Papa

Não houve autorização

Por aí o leitor veja

Foi à nossa santa igreja

A maior profanação

 

Quinhentos e onze padres

No momento se acharam

Também trinta e quatro bispos

Ali se apresentaram

E de jornais e revistas

Centenas de jornalistas

O ato presenciaram

 

Romeiros da mãe de Deus

Essa canonização

Que a Igreja Brasileira

Fez, não tem efeito não

É uma trama ilusória

Que fere a santa memória

Do padre Cícero Romão

 

Pois a Igreja Católica

Apostólica Romana

Por ser fundada por Cristo

Tem a ordem soberana

De canonizar na terra

Outra assim fazendo erra

E a boa-fé engana

 

Mesmo o nosso padre Cícero

A luz brilhante do Norte

Como um fiel pastor

Foi um baluarte forte

Da Santa Mãe Soberana

E a Igreja Romana

Defendeu até a morte

 

Deixou no seu testamento

Com toda realidade

Assinada por seu punho

Como cunho da verdade

A prova como um diploma

Pra com a igreja de Roma

A sua fidelidade

 

O nome do padre Cícero

Ninguém jamais manchará

Porque a fé dos romeiros

Viva permanecerá

Pois nos corações dos seus

Foi ele um santo de Deus

É e pra sempre será

 

E, portanto, o padre Cícero

Sempre foi santificado

Pelos seus fiéis romeiros

De quem é bastante amado

Finalmente é uma asneira

A Igreja Brasileira

Fazê-lo canonizado

 

Essa canonização

Feita, num sistema inculto

Os romeiros consideram

Como um verdadeiro insulto

Que a todo mundo engana

E com cinismo profana

Um admirável vulto

 

Creio se o padre Cícero

Vivo estivesse com nós

Seria ele o primeiro

A opor-se em alta voz

De forma alguma queria

Por completo repelia

Essa farsa de algoz

 

Pois ele nos seus sermões

Dizia com paciência:

A Santa Igreja Romana

De Deus é a pura essência

Não devemos desprezá-la

Portanto vamos amá-la

Fiéis com obediência

 

– Sem a Igreja Católica

Apostólica Romana

Ninguém pode se salvar

Porque a alma é profana

Por ser a religião

Que conduz todo cristão

Para a corte soberana

 

Aí se vê claramente

A grande veneração

E o respeito que tinha

O padre Cícero Romão

Pela igreja de Cristo

Que proveniente a isto

Sofrera perseguição

 

O padre Cícero com vida

Honrou a sua batina

E à igreja de Cristo

Tinha obediência fina

Não dava nenhum conceito

Quem faltasse o respeito

Pra com a santa doutrina

 

Como é que certos padres

Não conheceram direito

O padre Cícero de perto

Procuram com desrespeito

Canonizá-lo por conta?

É à Igreja uma afronta

Ou um rebelde despeito?

 

Pois a Igreja Romana

De forma nenhuma aprova

Essa canonização

Feita nesta igreja nova

Se eles estão a pensar

Que fácil vão nos laçar

Nos laçarão uma ova!

 

Ele dizia: O diabo

Todos os dias peleja

Para pegar os cristãos

Pois é o que mais deseja

Muitos poderão cair

Se por acaso ele vir

Laçando pela igreja

 

Mas estamos preparados

Conosco ninguém embroma

Porque é o padre Cícero

Do romeiro e ninguém toma

Que espera conformado

Pra vê-lo canonizado

Por nosso Papa de Roma

 

Já ouvi alguém dizer

O padre Cícero merece

Ser enfim canonizado

Já que o Papa se esquece

Proveniente a demora

Vem outra igreja de fora

E o seu valor reconhece

 

Mas a Igreja Romana

Primeiramente precisa

Fazer sobre o indicado

Uma severa pesquisa

Depois de colher com jeito

Todos os dados direito

É que ela canoniza

 

Não é só meter a cara

Como quem vai fazer guerra

E ludibriar a fé

Dos cristãos aqui na terra

Assim era ser profana…

Pois a Igreja Romana

De forma nenhuma erra

 

Aqui não estou falando

Contra a canonização

De que é merecedor

O padre Cícero Romão

Minha pena aqui acusa

A quem dele o nome usa

Fazendo profanação

 

Acho grande hipocrisia

E desaforo daquele

Que somente por ouvir

Muito falar sobre ele

Quer ao povo se unir

Para bem alto subir

Na sombra do nome dele

 

Sabem que o padre Cícero

O santo de Juazeiro

Tem romeiros espalhados

Por este Brasil inteiro

Então canonizam ele

Pra fazer do nome dele

Uma chama de dinheiro

 

Lá no céu o padre Cícero

Não pode estar satisfeito

Vendo o seu santo nome

Maculado desse jeito

E ainda depois disso

Vendo a igreja de Cristo

Sem o devido respeito

 

Mas ele apesar de tudo

Usará de complacência

Pedirá penalizado

À Divina Providência

Pro castigo revogar

E com amor perdoar

Essa desobediência

 

Aqui nós do padre Cícero

E da Virgem padroeira

Não estamos de acordo

Com a Igreja Brasileira

O nosso padre estimado

Queremos canonizado

Não assim dessa maneira

 

Sua canonização

Nós desejamos que seja

Feita pelo Santo Papa

Da forma qu’ele festeja

Mandar então colocá-lo

No altar de toda igreja

 

Todos seus fiéis romeiros

Que com fé o amam tanto

Num quadro tem ele em casa

No mais destacado canto

Pra quem chegar ali veja

Que só falta à Santa Igreja

Declará-lo como santo

 

Esperamos que o Papa

Antes que nos venha a morte

Canonize o padre Cícero

E brade numa voz forte:

“EU DECLARO FERVOROSO

SANTO CÍCERO MILAGROSO

DE JUAZEIRO DO NORTE”


Literatura de Cordel quarta, 02 de março de 2022

A ONÇA E O BODE, FOLHETO DE JOSÉ COSTA LEITE
 

 

 

Uma pobre onça vivia
em uma mata deserta
dormindo ali, acolá
não tinha morada certa
exposta a chuva e o vento
cochilando no relento
sem travesseiro ou coberta.

Certa vez a onça estava
pensando na sua vida
havia chovido a noite
ela estava enfraquecida
com fome e toda molhada
além disso, resfriada
pois se molhou na dormida.

A onça disse consigo:
“Isso assim não fica bem
vivo por dentro dos matos
sofrendo como ninguém
nunca pude preparar
uma casa pra morar
e quase todo bicho tem”.

 

E esse plano na mente
pegou idealizar
dizendo assim: Quando chove
eu só falto me acabar
se Deus do céu me valer
brevemente eu vou fazer
uma casa pra morar.

Na ribanceira dum rio
viu o canto apropriado
a onça limpou o terreno
deixando tudo ciscado
resolveu ir descansar
pra depois de recomeçar
quando passasse o enfado.

Acontece que o bode
teve o mesmo pensamento
disse: Eu durmo no mato
passo a noite no relento
exposto a muitos perigos
a sanha dos inimigos
sujeito a chuva e o vento.

– Eu vou cuidar em fazer
uma casa pra morar
quando estiver chovendo
eu tenho aonde ficar
fazendo inveja aos demais
pois todos os animais
zombar vendo eu me molhar.

Na ribanceira dum rio
achou um lugar varrido
o bode disse: Eu aqui
farei o meu lar querido
aqui ninguém me aperreia
o rio dando uma cheia
eu estarei garantido.

Cortou madeira no mato
e cavou na mesma hora
os buracos dos esteios
já com a língua de fora
cansado de trabalhar
resolveu ir descansar
tomou banho e foi embora.
 
A onça chegando viu
o trabalho prosperando
disse assim: É Deus do céu
que está me ajudando
cortou folhas de palmeira
trabalhou a tarde inteira
e foi-se embora cantando.

O bode chegando achou
o serviço quase no fim
disse: “Parece que Deus
está ajudando a mim
pegou tapar o mocambo
trabalhou que ficou bambo
plantou até um jardim”.

Tomou banho e foi embora
e quando a onça chegou
botou portas no mocambo
e o que faltava tapou
cortou folhas de palmeira
fez na base de uma esteira
forrou tudo e se deitou.

O bode chegando teve
uma alegria danada
já viu a casa com portas
porém não foi caçoada
foi chegando perto dela
e quando olhou da janela
avistou a onça deitada.

E quando o bode falou
a onça disse que tinha
feito a casa pra morar
pois sofrendo muito vinha
porém o bode na hora
disse: Minha não senhora
porque esta casa é minha.

A onça disse: Eu limpei
o canto e fui descansar
o bode disse: Eu cortei
a madeira e fui cavar
os buracos dos esteios
assim por todos os meios
nela sou quem vou morar.

A onça disse: Eu cortei
palmeira e cobri ela
o bode disse: Eu tapei
e fiz o jardim perto dela
disse a onça: Eu vou caçar
pois eu não quero brigar
só sei que vou morar nela.

O bode ficou deitado
e a onça foi caçar
lá ela matou um bode
e trouxe para jantar
o outro bode, coitado
vendo seu irmão sangrando
deu vontade de chorar.

A onça disse ao bode:
– Quando me ver pinotear
é que está chegando em mim
a vontade de brigar
da minha casa eu não saio
e de fome sei que não caio
todo dia irei caçar.

Disse ao bode: Quando eu
ficar de pé, espirrando
pinoteando bem alto
e a barba balançando
estou rosnento e voraz
pior do que Satanás
é bom ir se preparando.

Na caçada o bode viu
uma onça pendurada
tinha caído no laço
ele matou-a de pancada
chegou em casa com ela
a onça vendo a irmã dela
ficou toda arrepiada.

Fez um churrasco da onça
e comeu que ficou deitado
depois pegou espirrar
dando salto agigantado
com a barba balançando
deitando e se levantando
com o maior bodejado.

A onça com medo dele
também pegou pinotear
para dizer que estava
com vontade de brigar
nos dois pés se levantou
mas o bode nem ligou
e danou-se pra espirrar.

O bode de cara feia
ficou perto da janela
pra pinotear e correr
antes do fim da novela
ela estava no pagode
era com medo do bode
e o bode com medo dela.

O bode espirrou de novo
fez um grande bodejado
a onça saltou no terreiro
e entrou no mato fechado
o bode correu também
no mato inda hoje tem
o mocambo abandonado”.


Literatura de Cordel quarta, 23 de fevereiro de 2022

A OBRA DE ARTE DO SERTÃO (FOLHETO DE JÉFFERSON DESOUZA)jJÉFERSON DESOUSA)
A OBRA DE ARTE DO SERTÃO

Jéfferson Desouza

 

Peguei paleta de tinta e pincel
Preparei bela moldura
Pra fazer uma pintura
Da minha terrinha amada
Pintei a terra rachada
O sol de imenso clarão
Pinto novo ciscando o chão
Carro de boi e arado
Desenhei tudo no quadro
Do qual batizei sertão

Brincadeira de ‘tõiom’
Banguela escovando a chapa
Carrinho feito de lata
Guri mexendo com um ‘imbuá’
Imponência do carcará
Novena santa e procissão
Doce de leite e mamão
Vaqueiro tangendo o gado
Desenhei tudo no quadro
Do qual batizei sertão

Pedra em U de amolar foice
Cocheira, mata-burra, Porteira
Pra dor chá de casca de aroeira
Forquilha, ‘cangáia’ e ‘fuero’
Galinha indo pro ‘pulero’
Algazarra de um pifão
Moça que em bananeira faz coração
Com o nome do pretendido a amado
Desenhei tudo no quadro
Do qual batizei sertão

Minino levando ‘peia’
Reformista de foto
Saco de chapa pra comprar Voto
Lambu cantando no ‘mei’ mato
Criação de guiné e pato
Pinico caso haja precisão
Forró a luz de lampião
Com pimenta ‘acanaiado’
Desenhei tudo no quadro
Do qual batizei sertão

Bejú, goma de tapioca
Lavar roupa em lajedo
O cantar do galo bem cedo
Manga manteiga de vez
Camisa de linho xadrez
Arapuca, arataca, ‘assaprão’
Político rodeado de babão
Ganhando com voto comprado
Desenhei tudo no quadro
Do qual batizei sertão

Lagartixa na parede
Um Cachorro bom de caça
Remendo no joelho da ‘carça’
Do sangue de porco o ‘churisco’
Devoção a ‘padim’ ‘pade’ 'Cíço'
Fé em Frei Damião
Virgulino lampião
Cangaceiro respeitado
Desenhei tudo no quadro
Do qual batizei sertão

Casa de farinha, broca queimando
Bingo de uma garrota na praça
Dois ‘bebu’ tomando cachaça
Depois se 'travando na briga
Rapadura, 'alfinim' e batida
Tiro alto de um mosquetão
Time de bola num caminhão
Fazendo folia se tiver ganhado
Desenhei tudo no quadro
Do qual batizei sertão

Treze filho, trinta neto
Água boa de cacimba
Uma jega com um jegue em cima
Se procriando num desmantelo
‘Muié’ varrendo o terreiro
Lenha queima no Fogão
Na mesa de refeição
Um banco de madeira alongado
Desenhei tudo no quadro
Do qual batizei sertão

Fazer roçado no baixio
Uma panela bem areada
A disputa da vaquejada
Comprar no dia da feira
Um cochilo numa esteira
‘Três homem’ a bater feijão
Da lida com a plantação
O cabra chegando enfadado
Desenhei tudo no quadro
Do qual batizei sertão

A mata sem folha e cinzenta
Pela seca maltratada
Vaca morta na estrada
Milho sem querer brotar
E o sertão vindo a mudar
Ao cair uma gota no chão
E no som do primeiro trovão
O sertanejo Esperançado
Desenhei tudo no quadro
Do qual batizei sertão


Literatura de Cordel quarta, 16 de fevereiro de 2022

A NATUREZA E O HOMEM (CORDEL DE ANIZÃO)
 
 
 
Na falta de foto de Anizão, fui buscar essa de Campina Grande-PB

 

 

 

A NATUREZA E O HOMEM

"A verdade que ninguém quer ver"

 

Natureza é o nome
Em geral mais conhecido
Mas pra nova geração
Já foi substituído
Chama-se meio ambiente
Todos já estão ciente
Desse fato ocorrido

 
Toda esta evolução
Que vem no mundo ocorrendo
Para o homem é natural
Nada demais está havendo
Veja quanta malvadeza
Eles não sabem a grandeza
Do mal que estão fazendo

 
Os mares estão poluídos
Rios cheios de venenos
O homem contaminando
Eles mesmos estão morrendo
Estar dentro do perigo
Sofrendo este castigo
Mas não estão percebendo

 
Inventou o automóvel
Toda nação aprovou
Mas o pior não pensou
Muitos milhões já matou
Com tanta inteligência
Só não descobre a ciência
Pra gerar paz e amor

 
Nossas matas estão sumindo
As florestas dizimadas
Nossos índios primitivos
São enganados por nada
Eles já foram os donos
Hoje estão no abandono
Nas tribos abandonadas

 
Os pássaros cantavam alegres
Hoje cantam de tristeza
O pomar não é lugar
Com frutas da natureza
Os mangues estão poluídos
Só tem um cheiro fedido
O ar não tem mais pureza

 
O aroma das campinas
Tinha um suave odor
As ramagens balançavam
Nos galhos cheios de flor
Hoje só tem os gravetos
Tudo virou esqueletos
Só resta tristeza e dor

 
As moças de antigamente
Os seios eram uns cones
Por obra da natureza
Sem precisar silicone
Hoje são todos caídos
As mamas não tem sentido
Parece até que deu pane

 
Às mulheres do passado
Tinham saúde e beleza
Pariam um monte de filhos
Mesmo sendo na pobreza
Tinham pernas torneadas
Não tinham veias quebradas
Bonitas por natureza

 
Nossa fauna era tranqüila
No seu habitar normal
Tinham espaço garantido
Toda espécie de animal
Mais o homem sem escrúpulo
Só quer vantagem e ter lucro
Destruiu causando mal

 
Doença nos animais
Por nome de zoonose
Só lá no mato existia
Sem perigo para nós
Hoje tem febre amarela
A Dengue dar na canela
Que perdemos até a voz

 
Na extração do minério
Grandes crateras é formada
A terra é mesmo um vulcão
Toda ela é transformada
No fabrico do carvão
Ferro para as construções
Toda terra é dizimada

 
A natureza faz coisa
Que nos faz admirar
São coisas bem pequeninas
Mas não sabemos explicar
É a barata Ter brilho
A galinha comer milho
Beber água e não mijar

 
O mar tem um movimento
Que vai pra lá, e pra car.
Isto é o tempo todo
Não tem hora pra parar
É o movimento da terra
Nunca para nem emperra
Mesmo sem lubrificar

 
O gato é um animal
Que nunca se ensinou
Fazer as necessidade
Porque nunca precisou
Mas ele quando apertado
Sai de casa vai cagar
Depois enterra o cocô

 
Na terra o homem ainda
É o maior predador
Destrói matas e campinas
É mesmo um destruidor
Sabendo que os animais
Sofre com o que ele faz
Mas ele não tem pudor

 
Se o homem entendesse
A língua dos animais
Tomaria uma lição
Não esquecia jamais
Aprenderiam a viver
Saudáveis com mais prazer
E só procurava a paz

 
O homem colhe da terra
Alimento em abundância
Mas do mesmo solo tira
Toda sua substância
Acaba a fertilidade
Veja só quanta maldade
Que tamanha ignorância

 
Segundo a bíblia sagrada
Deus quando o mundo criou
Fez o homem e a mulher
No paraíso botou
Pra viver só de beleza
No pomar da natureza
Mais Adão não suportou

 
Adão sozinho vivia
Sem nada para fazer
Eva nova e bonitona
Mas não sentia prazer
Os jovens obediente
Tentado pela serpente
Foram na maçã mexer

 
Aprenderam a brincadeira
Jamais pensaram em parar
Formaram uma geração
Para na terra habitar
Expulso do paraíso
Veja só o prejuízo
Que na terra foi causar

 
Deste primeiro casal
Formou-se uma geração
Povoou a terra toda
Formando toda nação
A vida era saudável
O problema hoje é grave
Com tanta poluição

 
O homem vive na terra
Causando destruição
Poluem o meio ambiente
Guerra virou diversão
A terra estar destruída
Não se dar valor a vida
Nem as crianças tem pão

 
Água o líquido precioso
Ta suja e contaminada
Nossa reserva na terra
É pouca não dar pra nada
Acabou-se a água boa
Parece que as pessoas
Vai beber água salgada

 
A luta neste planeta
É pela sobrevivência
O homem invade o espaço
Não usa a inteligência
O nosso ecossistema
Passou a ser um dilema
Por falta de competência

 
A terra estar ferida
Cheia de escavação
Na extração do minério
Formam cratera no chão
Não estando satisfeito
Dos rios aterram os leitos
Sem nenhuma precaução

 
Nossas fruteiras botavam
Seus frutos bem saborosos
Hoje estão contaminados
Com veneno e desgostosos
A onda agora é trnsgênico (a)
É mesmo um caso polêmico
Talvez até perigosos

 
O homem mexe com tudo
Até na reprodução
Já se fala em cronar gente
Mesmo sem ter relação
Existe animais cronados
Isto é fato consumado
Vamos ver a reação

 
Ó terra mãe gloriosa
És parte desta grandeza
Onde passamos a vida
Admirando a beleza
As vezes te ofendendo
Quando não reconhecemos
A tua grande nobreza

 
A beleza de seus mares
Eram cheios de pureza
Faz com que valorizamos
A nossa mãe natureza
Sendo ferida aos poucos
Perdoa aos homens loucos
Ó que imensa grandeza

 
Teus filhos são imaturos
Aqui fica o meu recado
Cuidado que no futuro
Todos serão castigados
O homem bagunça a terra
Mas nela mesmo se enterra
Para pagar seus pecados

 
Das crianças eu ouço o choro
Da terra ouço o gemido
Das bombas que estão soltando
Pêlos Estados Unidos
Testando a máquina de guerra
Querendo mandar na terra
Trazendo só prejuízo

 
Esses versos aqui retrata
A devastação da terra
Feita pela humanidade
Um mal que nunca se encerra
Já passou a ser cultura
Para as gerações futuras
Estudar como matéria

 
Essa cultura do homem
Não dar a terra valor
Mexe com todo vivente
Não importa onde for
Mexe no ecossistema
Que já virou até tema
E dúvida do criador

 
Tudo que foi relatado
Um dia será revisto
Por pessoas conscientes
Iluminadas por Cristo
Que tenha um coração
Que ame a preservação
Porque o fim é previsto

 
Calado eu fico pensando,
Jamais eu vou me conformar!
Levo comigo esta mágoa,
Calado não vou ficar!
Nem quero ser reprimido,
Pois nem tudo estar perdido,
Indo aos poucos chego lá.

 
Amigos, aqui retratei
Na linguagem popular
Imagens do que nós vemos
Zunindo aqui acolá
Isto é mesmo castigo
Preste atenção no que digo
Mãe Terra é pra respeitar

 
Sei bem que este recado
Alguém irá escutar
Nada será impossível
Talvez perto já estar
Ouvindo estes lamentos
Fará o seu julgamento
Sabe Deus o que fará

 
Aqui fica esta mensagem
Faça uma reflexão
Ame mais a natureza
Preserve com atenção
Não destrua quem lhe cria
Olhe mais com simpatia
Tenha mais compreensão.
 

Evite fazer queimadas
Não faça poluição
Colha da terra alimento
Sem fazer destruição
O planeta lhe agradece
Vai conservar as espécies
Pra futura geração.

 
Os terremotos começam
Os vendavais começou
Castigando esta nação
Que muito a terra explorou
É a resposta da terra
Matando mais que as guerras
Só num vento que soprou.

 
Se você não acredita
Se prepare seu doutor
A ciência sabe tudo
Mas a ninguém avisou
Pegou todos de sopesa
Pois é a mãe natureza
Obra do Deus criador.

 
Se você ler estes versos
Faça a crítica por favor
Que incentiva o poeta
Ao trabalho dar valor
É minha satisfação
Leia com muita atenção
Se esta obra aprovou

Literatura de Cordel quarta, 09 de fevereiro de 2022

A MULHER NA LINHA DO CORDEL (FOLHETO DA MADRE SUPERIORA DALINHA CATUNDA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
 

A MULHER NA LINHA DO CORDEL

Dalinha Catunda

 

 

 

1
Ao puxar pela lembrança
E recorrendo a memória
Pego o novelo do tempo
Desenrolo minha história
Sem temer fuso que fere
Adormecendo a vitória.
2
Minha tia me ensinou,
Gostar de literatura
E com isso adquiri
Bastante desenvoltura,
Hoje coso pinto e bordo,
Quando se fala em cultura.
3
Minha avó não foi mulher
De viver só em borralho
Com jeito e com paciência
Tramava belo trabalho,
Do pedaço e da emenda,
Fez a colcha de retalho.
4
Minha mãe foi costureira
E poeta popular,
Feito ela faço versos
E gosto de pontear
Nos versos ou na agulha
Não sou de me atrapalhar.
5
Herdeira deste legado
Não quero desperdiçar,
Seguindo o mesmo modelo
Arte faço ao tracejar,
Ao medir cada detalhe
Na hora de projetar.
6
Já peguei linha e agulha
Pro meu cordel costurar.
E num enredo envolvente
Eu pretendo me embrenhar
Não vou dar ponto sem nó
Pois gosto de arrematar
7
Vou trazer nesta montagem
Um colorido diverso.
Na hora de alinhavar
Vou pegar verso por verso
De retalho em retalho
Montarei este universo.
8
Por trabalhar com fartura
Eu tenho pano pra manga,
Se sobrar um pedacinho,
Aproveito e faço tanga,
Boto dois laços de lado
E os enfeito com miçanga.
9
Aprendi a fazer casa,
Também sei pregar botão,
Eu faço barra de calça,
De saia e combinação,
Na emenda e na costura
Sei fazer Maquinação
10
Se faço verso e fuxico
Não é por necessidade,
São duas tramas diversas
Pra quem tem habilidade
E eu gosto de exercitar
A minha capacidade.
11
Eu Já costurei caipira
Pros festejos de são João,
Para dançar em quadrilha
No meu saudoso sertão,
E tudo era alinhavado
Como manda a tradição.
12
Pra fazer a fantasia
Comprava um corte de chita,
E para enfeitar a roupa,
Era renda, bico e fita,
Na estampa e no babado
Dançava a moça bonita.
13
No pedal da minha máquina,
No balanço do meu pé.
Fiz traje de são Francisco
Pra gente que tinha fé
Sair pagando promessa
Pras bandas do Canindé.
14
Pegando a linha do tempo,
Nos tempos da punição,
Quem vivia em pecado
Pra de Deus ter o perdão
O castigo era mortalha,
Pajra ter sua remissão.
15
E só para não perder
O fio desta meada
Quando a pessoa morria
Era pra ser enterrada
Vestida numa mortalha
Uma veste encomendada.
16
Quando morria a criança,
De anjo era nomeada.
O caixãozinho era azul,
E a vestimenta azulada
Tudo era da cor do céu,
Da cor da nova morada.
17
E no maquinar da vida
As cores tinham função,
Em fantasias e mantos
Davam tom a tradição,
Remontando este passado,
Registro a informação.
18
A minha mãe me contava
Do seu passado animado
Que tinha lá dois partidos:
Era azul e o encarnado
E no tempo das quermesses,
O debate era animado.
19
Cada grupo se vestia
Com cores do seu partido,
Era um combate ferrenho
Porém muito divertido
E o dinheiro arrecadado
Na igreja era investido.
20
E por falar em Igreja,
Em rezas e ladainha,
Cada padre que chegava
Em minha santa terrinha
Em pouco tempo perdia,
A vocação que ele tinha.
21
Eu não sei se era o calor
Da tal terra nordestina
Ou tão-só o velho fogo
Por debaixo da batina
Alterando nos vigários
A sua santa rotina.
22
Casou um e casou dois,
Casou três e casou mais,
Uns apenas namoraram
Só provocando alguns ais,
Já outros tiveram filhos
Sem registro nos anais.
23
Entre as pregas da cortina,
E o franzido do babado
No levantar da batina
O fato era consumado
Era o mesmo que pecava
Dizendo: tá perdoado!
24
Católica e pecadora,
Na igreja fui batizada.
Fiz primeira comunhão
Finalmente fui crismada,
Cada rito uma batinha
Branca, bela e bem bordada.
25
No ziguezague da vida,
Eu já cresci moça arteira,
Esqueci os mandamentos
Logo virei mãe solteira,
Levando sermão do padre
Que pecou e fez besteira.
26
A moral e os bons costumes,
Daquela gente fingida
Que precisava de emenda
E tinha a vida puída
Foi o motivo maior
Da minha triste partida
27
E nos moldes dessa história,
Sagrado e também profano
Dividem a mesma linha
Disputando o mesmo pano
Vão saudando a hipocrisia
A companheira do engano.
28
No recorte das palavras
Fui vestida de poesia
Entrelacei alguns temas
Que devia e não devia
Cada laçada que eu dava
Verdades apreendia.
29
Cada ponto desta história
É conto do meu lugar
Não aumento nem invento,
Não venha me contestar!
O que contei nestes versos
Você cansou de escutar.
30
Andei furando meu dedo
Por não gostar de dedal.
Eu já lambi muita linha,
Garanto que não faz mal
E seguindo o passo a passo
Cheguei ao ponto final
31
Aqui só não costurei
A boca grande do sapo,
Por não querer ser chamada
Língua ferina de trapo,
Quer você goste ou não goste
É verdadeiro meu papo.
32
Esta é mais uma história,
Nos trilhos da minha Linha
Fruto da minha linhagem,
Com meu passado se alinha
E quem assina estes versos,
É simplesmente: DALINHA!
FIM


Literatura de Cordel quarta, 02 de fevereiro de 2022

A MORTE E O LENHADOR (FOLHETO DE MARCOS MAIRTON)
 

 

Fábula em Cordel

 
(Ilustração de Gustave Doré)


A MORTE E O LENHADOR
Marcos Mairton
(adaptado da fábula de La Fontaine)


Foi o francês La Fontaine
Quem, certa vez, me contou
A história de um homem
Que pela morte chamou,
Mas depois se arrependeu,
Quando ela apareceu
E perto dele chegou.


Era um velho lenhador
Que andava muito cansado
Do fardo que, até então,
Ele havia carregado.
Um fardo que parecia
Sempre e sempre, a cada dia,
Mais incômodo e pesado.


Estava velho e doente,
Sentia o corpo doído.
Maltratado pelo tempo,
Seu semblante era sofrido.
Seguia, assim, seu caminho,
Atormentado e sozinho,
Sempre sujo e mal vestido.


Certa vez, ao fim do dia,
Quando ia pela estrada,
Para a choupana que então
Lhe servia de morada,
Foi obrigado a parar
Um pouco pra descansar
Da extensa caminhada.


Trazia um feixe de lenha
Que foi buscar na floresta.
Largou a lenha no chão,
Passou a mão pela testa,
Maldizendo-se da sorte,
Pensou: – É melhor a morte,
Que uma vida que não presta.


– Não consigo carregar
Essa lenha tão pesada.
Já não tenho mais saúde,
Meu ganho não dá pra nada,
Perseguido por credores,
Meu corpo cheio de dores,
Ai que vida desgraçada!


– Ó, Morte, onde é que andas,
Que não ouve o meu lamento?
Que não vem pra me tirar
Desse brejo lamacento?
Dona Morte, eu te rogo,
Venha acabar, venha logo,
Com meu grande sofrimento!


Aí, ela apareceu,
Com sua foice na mão.
Aproximou-se do velho
E disse logo: – Pois não.
Estavas a me chamar?
Em que posso te ajudar,
Querido filho de Adão?


O velho sentiu um frio
Lhe correr pelo espinhaço,
Quando a voz rouca da morte
Ecoou naquele espaço.
E pensou, na mesma hora:
“O que é que eu faço agora?
E agora o que é que eu faço?”

Então disse: – Essa honra,
Não acredito que eu tenha,
Que atendendo meu chamado
A senhora aqui me venha.
Mas, se posso pedir tanto,
Me ajude, por enquanto,
A carregar essa lenha!


A morte saiu dali
Um tanto desapontada,
E o velho foi embora
Cantarolando na estrada,
Porque, “mesmo padecendo,
Melhor é seguir vivendo
Que morrer sem sofrer nada”.


É essa a moral da história
Que La Fontaine nos deu,
Nessa fábula que ele,
Entre muitas, escreveu.
Eu, apenas transformei
Em cordel e dediquei
A você, que agora leu.
 

Literatura de Cordel quarta, 26 de janeiro de 2022

A MORTE DE ÍCARO (FOLHETO DE MAÉRCIO LOPES SIQUEIRA)
 

A MORTE DE ÍCARO

Maércio Lopes Siqueira

 

 Dédalo e Ícaro: da mitologia grega para a literatura popular nordestina

 

 

A mitologia grega

é rica de ensinamento

para toda nossa vida

pois nos dá conhecimento

da natureza humana,

mostrando como se engana

nosso pobre pensamento.

 

Uma lenda dessas diz

que Dédalo trabalhava

para Minos, um rei grego

e a ele agradava

com as suas invenções,

pois suas fabricações

o rei muito apreciava.

 

Mas a glória durou pouco

sumiu a sua alegria.

Dédalo desagradou

ao rei o por isso ia

para sempre ser levado

e ficar aprisionado

numa torre muito fria.

 

Nesse lugar de prisão

numa ilha situado

Dédalo ficou cativo

do seu filho acompanhado.

Tanto o pai como o menino

cumpriam o seu destino

pela vida já traçado.

 

 

Porém Dédalo pensava

num modo de escapar.

Queria fugir dali

pra ninguém mais o pegar.

Levaria o seu filho

vencendo todo empecilho

para assim se libertar.

 

Depois de muito pensar,

encontrou uma saída

e disse para si mesmo

numa voz bem comovida:

“Vigiam terra e mar,

é por tanto pelo ar

que salvarei nossa vida.”

 

Porque Minos, o rei grego,

mandava que a vigilância

fosse dura e rigorosa

sempre em toda circunstância

pela terra e pelo mar

sem deixar de revistar

tudo com toda constância

 

Por isso Dédalo pai

por ser bom visionário

enxergou a solução

no seu grande imaginário,

pensando em fabricar

boas asas e voar

de modo extraordinário.

 

O inteligente homem

ansioso por fazer

dois pares de asas boas,

começou a percorrer

o espaço que podia

e as penas que ele via

tratava de recolher.

 

Depois de ter recolhido

boas e diversas penas,

ele amarra com uns fios,

usando os dedos apenas

juntando bem as maiores

para depois as menores

com cera colar centenas.

 

Enquanto o pai trabalhava

com a mente e com os dedos

o filho se divertia

as penas sendo brinquedos

quando o vento as levava,

ele corria e pegava

eram esses seus folguedos.

 

Dédalo faz que as asas

tenham boa curvatura,

cuidando para que elas

se encaixem na estrutura,

quer fazer de modo tal

que chegando ao final

a obra tique segura.

 

Quando aprontou as asas

quis fazer um experimento

segurou nelas com jeito

e fazendo movimento

seu corpo ficou suspenso,

sentiu um prazer imenso

por causa de seu invento.

 

As asas funcionaram

de modo sensacional

Assim eles fugiriam

numa forma sem igual.

Pai e filho como aves

quebrando todas as traves

da nossa lei natural.

 

Pois o homem não é ave,

o seu lugar é o chão,

homem ter um par de asas

é um caso de aberração,

ou fruto da inteligência

de trabalho e paciência

de grandiosa invenção.

 

Pondo no filho as asas,

Dédalo muito feliz

ajeitando seu pequeno,

com forte voz ele diz:

Ícaro, filho querido

vou deixá-lo esclarecido

pois tu és um aprendiz.

 

Não vá voar muito baixo

aproximado do mar,

os vapores dessas águas

podem te atrapalhar.

Também não subas demais,

a cena não é capaz

do calor agüentar.

 

É preciso o equilíbrio

e voar numa altura

que não comporte perigo

e que seja mais segura.

Por isso fica ao meu lado

pois eu tenho mais cuidado

e melhor desenvoltura.

 

Dito isso, os dois partiram

cruzando o imenso céu,

da prisão dura saindo

deixando a ilha cruel.

Voavam com liberdade,

sentindo a felicidade

mais doce que o doce mel.

 

Os camponeses na roça

viram os dois seres voantes,

pensaram que eram deuses

voando por une instantes.

Ficaram admirados

todos eles encantados

com os dois seres distantes.

 

Ícaro, entusiasmado,

com o vôo se embelezou

quis atingir mais altura

e por isso ele deixou

do seu pai a companhia.

O sol alto o seduzia

alcançá-lo ele buscou.

 

O forte calor do sol

foi, porém seu inimigo,

as asas se desfaziam

era fatal o perigo

pois s cera derreteu-se

toda pena desprendeu-se

esse foi o seu castigo.

 

O menino agita os braços

procurando flutuar

como se ainda tivesse

as asas para voar.

Gritando aflito pro pai

porém sem jeito ele cai

nas profundezas do mar.

 

E Dédalo não conseguiu

do seu filho o salvamento.

Viu quando ele caía

mas o distanciamento

não permitiu sua ação

que trouxesse a salvação

para o filho no momento.

 

Viu o filho despencar-se

em busca do mar profundo,

tristeza maior que essa

não existe nesse mundo!

O sue Ícaro morreu

quando nas águas bateu

numa fração de segundo.

 

O pai muito amargurado

Das águas tira o menor,

Levou-o pra muito longe

Para dar-lhe a melhor

E bonita sepultura,

Que acolhesse com ternura

O seu tesouro maior.

 

Então Dédalo enterrou

o filho muito querido.

De ter feito aquelas asas

já estava arrependido

Alcançou a liberdade

mas lhe ficou a saudade

do menino assim perdido.

 

Em memória do seu filho

toda aquela região

ele chamou de Icária

pra sua recordação.

Chegou em paz na Sicília

deixando pra sempre a ilha

lugar da triste prisão.

 

Essa lenda tão fantástica

nos mostra com eficiência

a importância do invento,

do saber e da ciência,

mas nos dá uma lição

pra termos moderação

no uso da inteligência.

 

Ela também nos ensina

o amor pela virtude,

a busca do equilíbrio

seja em nós uma atitude.

O sucesso e a grandeza,

o prazer e a riqueza,

tudo isso nos ilude.

 

Dédalo foi muito sábio,

pois conhecia o segredo

das coisas da natureza,

no entanto tinha medo

e por isso advertiu

mas o filho não ouviu

morrendo, por isso, cedo.

 

Portanto toda ciência

quando é mal direcionada

passando dos seus limites

de uma forma exagerada

deixa de ser benfazeja

por importante que seja

torna amaldiçoada.


Literatura de Cordel quarta, 19 de janeiro de 2022

A MOÇA QUE CASOU 14 VEZES E CONTINUOU DONZELA (FOLHETO DE APOLÔNIO ALVES DOS SANTOS)
 

No outro século passado

na fazenda Jequié

havia uma donzela,

religiosa de fé

no seu batismo lhe deram

o nome de Salomé

 

Salomé era uma virgem

de estimada simpatia,

filha de um fazendeiro

criou-se muito sadia,

era a moça mais formosa

do estado da Bahia

 

Contava 22 anos

aquela jovem tão bela

sempre, sempre aparecia,

namorado para ela

casou-se 14 vezes

e continuou donzela.

 

Um daqueles namorados,

que Salomé arranjou,

era um rapaz forte e moço

em poucos dias casou,

mas sua morte súbita

todo mundo admirou.

 

Porque em menos dum ano

que ele tinha casado,

começou enfraquecendo

pálido e desfigurado

a noite deitou-se vivo

e amanheceu finado.

 

 

Salomé ficou viúva,

a noite inteira chorou

o seu primeiro marido,

a morte ingrata o levou

mas que ainda era virgem

a ninguém nada contou.

 

Acontece que um dia

na festa dum batizado,

viuvinha arranjou

o segundo namorado

com 15 dias casou-se

num dia tão festejado.

 

Por segurança dos bens

casou também no juiz

a sua lua de mel

foram passar em Paris

Salomé voltou viúva

chorando a sorte infeliz.

 

Mas continuou a mesma

Viúva virgem sem sorte

porque o segundo esposo,

que era sadio e forte

esse também embarcou,

no barco negro da morte.

 

Porém Salomé por ser,

viúva de polidez

não demorou muito tempo,

casou-se terceira vez

com outro rapagão moço,

filho de um português.

 

Esse não durou um mês

começou ficando fraco

amarelo cadavérico,

da grossura dum cavaco

em poucos dias também

foi pra dentro do buraco.

 

Todo povo comentava,

– este caso é muito sério

o que há com Salomé

até parece um mistério,

já três maridos que ela

manda para o cemitério.

 

A quarta vez para ela

apareceu um baiano

um rapagão muito forte

descendente de cigano

noivaram no mês de outubro

casaram no fim do ano.

 

Esse também se findou,

no próximo ano vindouro

começou se definhando,

e o povo fazendo agouro

que no fim do mesmo ano,

também entregou o couro.

 

Coitada da Salomé

ficou viúva de novo

vivia tão pensativa,

calada que só um ovo

envergonhada de ouvir,

o comentário do povo.

 

Após passar muito tempo,

lamentando a desventura

apareceu outro jovem,

de forte musculatura

foi o quinto esposo dela

a entrar na sepultura.

 

Logo apareceu o sexto

era um rapaz arrasado

vendo que ela era filha

de um velho recursado

pensando enricar também

acertou logo o noivado.

 

Embora contrariado,

o velho o casório fez

esse também morreu logo

vivo não passou um mês

Salomé ficou viúva,

pela sua sexta vez.

 

Casou pela sétima vez

com um rapaz forasteiro

tocador de violão

boêmio e aventureiro

esse casou-se em dezembro

e faleceu em janeiro.

 

Certo dia ela contou

aquele segredo dela

a uma sua amiguinha

lhe dizendo: Maristela

Já me casei 7 vezes,

mas ainda estou donzela.

 

E logo pediu a ela

para guardar o segredo

porém a amiga falsa

no outro dia bem cedo

saiu pela vizinhança

espalhando aquele segredo.

 

O povo pra criticar

lhe chamavam na surdina

de viúva mata sete

ou viuvinha assassina

assim a pobre vivia,

lastimando a sua sina.

 

Os homens todos diziam

o fato não é comum

já se casou 7 vezes

e ainda está em jejum,

porque é que seus maridos

não fica vivo nenhum?

 

Assim a pobre vivia

neste dilema sofrido

por onde passava ouvia

do povo o “estampido”

– lá vai a viúva virgem

matadora de marido.

 

Ela vendo que ali,

rapaz nenhum lhe queria

por está muito manjada,

decidiu-se certo dia

viajar pra outro estado

que ninguém lhe conhecia.

 

Salomé saiu dizendo,

aqui eu não volto mais

partindo se despediu,

de seus extremosos pais

foi parar no Amazonas

a terra dos seringais.

 

Casou-se no Amazonas

Com um velho seringueiro

com 59 anos

mas ainda era solteiro

em pouco tempo também,

deu serviço ao coveiro.

 

Para encurtar a história,

Salomé foi se casando,

até inteirar quatorze

e viúva ia ficando

por fim se desenganou

sua sorte praguejando

 

Naquilo havia um mistério

que ninguém não conhecia,

que Salomé se casava,

o seu marido morria

o porquê desse mistério,

nem mesmo ela sabia.

 

Foi um bruxo que queria

se casar com Salomé

e apaixonou-se por ela,

um dia num candomblé

mas ela lhe deu um fora

mandou-o chupar picolé.

 

Por isso o bruxo maldito

fez pra ela um malefício

que a pobre Salomé

vivia neste suplício

levando todos maridos

à borda do precipício.

 

Toda vez que ela casava

o feitiço acontecia

porque na noite de núpcia

seu marido adoecia

sem conhecer a doença,

pelo desgosto morria.

 

Porque na primeira noite,

na hora do tererê

que o marido encostava

o seu corpo em Salomé

a sua moral caía

nunca mais ficava em pé.

 

Porém o seu último esposo

por ser esperto e matreiro

correu logo e procurou

um famoso feiticeiro

pra desmanchar o feitiço

do bruxo catimbozeiro.

 

Perguntaram a Salomé

se ela se lembraria

o nome daquele bruxo

de tamanha covardia

que fizera para ela

essa horrenda bruxaria.

 

Ela disse que sabia

o nome do infiel

então o segundo bruxo

logo pegou num papel,

escreveu em cruz o nome,

do feiticeiro cruel.

 

Disse para Ezequiel

vou desmanchar o feitiço

porém só por 2 milhões

posso fazer o serviço

e você pode assumir

sua esposa sem enguiço.

 

Ezequiel conseguiu

findou-se todo o mistério

Salomé ficou feliz

desfrutando aquele império

após enterrarem o nome

do bruxo no cemitério.

 

Ainda teve dois filhos

A moça de Jequié,

Livrou-se da bruxaria,

vivendo cheia de fé

Ezequiel adorava,

Sua esposa Salomé.


Literatura de Cordel quarta, 12 de janeiro de 2022

A LUTA DE UM HOMEM COM UM LOBISOMEM (FOLHETO DE ABRAÃO BATISTA!

 

A LUTA DE UM HOMEM COM UM LOBISOMEM (FOLHETO DE ABRAÃO BATISTA!

(COM AGRADECIMENTOS A PEDRO FERNANDO MALTA, PELO ENVIO)

 

 

Agora que eu andei
pelas florestas do além
penetrei no inconsciente
íntimo que cada um tem,
sinto-me autorizado
para escrever o que vem.

Fui aos céus pra ver Jesus
e no inferno eu vi Caifaz;
nestes cantos eu tive a luz
que na terra ninguém faz,
meus pensamentos aqui pus
descrevendo uma luta assaz.

Presenciei por sete tempos
a luta de um certo homem
na mais cruenta das lutas
com o mais cruel lobisomem;
lá nesta peleja eu vi
miolo, coração, abdomem.

Numa encruzilhada que tem
cortando certa avenida
fazendo ponto estratégico
com o segredo da vida
bem na boca das cobras
para lá fui em seguida.

Não conduzia arma de fogo’
nem pau, peixeira ou foice
mas, tive coragem bastante
de olhar seja o que fosse
pois um barulho daquele
era pra guerra e danou-se.

Aproximei-me com cuidado
pra não entrar numa fria…
foi quando eu percebi
a vida e a agonia
a luta de um certo homem
com uma fera vã e baldia.

 

A sete metros fiquei
para melhor distinguir
os clarões das peixeiradas
os gemidos e o grunhir
as pancadas e os fungados
do homem e fera ao cair.

Não sei dos dois o valente
em cada um, mais ação
nunca vi tanta destreza
tanta ligeireza na mão
nunca vi dar tanto pulo
nem cair tanto no chão.

O homem tinha uma faca
a fera tinha os seus dentes
mãos cabeludas com garras
pelos horríveis, pendentes
e de cada gemido do bicho
saíam águas ardentes!

Era um bafo tão medonho
que da boca dele saía
muriçoca e qualquer inseto
depressinha morria
e se o cabra fosse fraco
ali mesmo caía.

O homem levantava a faca
o bicho se agachava
com um pulo de banda
de revestrez avançava
o homem como um felino
pulando de costa ele dava.

A faca trincava nos dentes
do lobisomem horrendo
os coices que o tipo dava
deixava o piso tremendo
mas o homem era ligeiro
com a peixeira ia tecendo.

O lobisomem tinha um aspecto
de um homem e dum guaxinim
era feio e fedorento
andava em pé e assim
como andava os outros bichos
que roem e comem capim.

O lobisomem falava
quando dava um golpe bom
com uma voz seca e fanhosa
com a boca cor de batom
os olhos verdes de fogo
como as águas lá do Leblon.

Era feio que a feiura
chamava a máxima atenção
para os detalhes que tinha
nas garras de gavião
as mãos como de homem
e os pés chatos no chão.

O que mais admirei
foi no poder que ele tinha
de mudar diversas cores
quando o homem mantinha
a superioridade
nesta luta sem linha.

O lobisomem também
dava tapa de lutador
dava golpes de caratê
querendo ser o senhor
mas o homem lhe respondia
como nenhum domador.

Era uma luta sem igual
nunca vi disposição
um homem, só, com uma faca
dar estouros como o trovão
nem ser humano aguentar
por tanto aquele rojão.

Nos ombros daquele bicho
tinham espinhos afiados
como os espinhos de jurema
maiores, verdes e dobrados
e brilhavam como relâmpagos
cortando os verdes dos prados.

Das orelhas de morcego
saía fumaça amarela
que gemia como prantos
de gentes em sentinela
as ventas, roxas e truncadas
como as abas duma gamela.

O homem dizia assim
destemido, sem arremedo:
bicho feio e ruim
a mim tu não metes medo
desapareces se não
amarro-te neste arvoredo!

Prendo-te aqui e amanhã
vou te mostrar na cidade
que lobisomem pra mim
não passa de veleidade
e sentou a faca no bicho
que quase arranca a metade.

Eu quero hoje descobrir
se é verdade ou boato
arranco tua língua, maldito
e com ela tiro o retraio
vou mostrar para a gente
toda a história de fato.

Neste momento eu notei
um sangue grosso correndo
já molhava os meus sapatos
que o barro ia embebendo;
e em qualquer folga que tinha
a terá o sangue bebendo.

Quando o sangue ele bebia
recobrava todo o vigor
e o homem que aquilo via
ficava pálido de horror
mas a peleja travava
com ânimo brusco e calor.

E da fumaça que surgia
rasteira, leve, dos dois
uma voz me descrevia
aquela cena pois, pois
do homem com o lobisomem
é o que acontece com nós…

O lobisomem é uma face
que se desconhece no homem
são os frutos da maldade
que os povos todos consomem
cada homem tem em si
de homem e de lobisomem.

Um lobisomem oculto
todo homem tem guardado
quem não vencer a maldade
está com o espírito mofado
esta luta é muito antiga
não fique decepcionado.

O lobisomem é o orgulho
é a gula, é a injustiça
é a felicidade oculta
que o vizinho cobiça;
é a falta de caridade
dos que vão e rezam a missa.

Todo ser humano tem
um limite no pecar
pode ser uma falta grande
que Jesus vem perdoar
mas quando foge da linha
por si mesmo vai pagar.

Existe um dito antigo
que ficou nesta cachola
o medo é de quem o faz
aprendi bem; rapazola
quem planta o mal meu rapaz
paga o mesmo na bitola.

Quem não respeita os outros
e despreza uma criancinha
quem não dá aos necessitados
e vive fora da linha
é lobisomem em folha
só falta a viradinha.

Ninguém se engane portanto
com a verdade da fé
de homem que é lobisomem
o mundo está cheio, pois é
a injustiça sem caridade
é seu diploma de pé.

Enquanto a fumaça falava
eu atento a ouvia
mas a contenda travava
com a maior rebeldia
o rasgo da faca do homem
nos dentes do bicho rangia.

Os pés do bicho, achatados
davam patadas de foice;
ó que se pegasse no homem
tinham o impacto dum coice
eu nunca vi ligeireza
que não livrasse o que fosse.

Às vezes saía fogo
das pedras da rodovia
quando a garra afiada
do lobisomem zunia
e o homem mais espritado
gritava: Virgem Maria!

A cor do couro do bicho
tinha um vermelho de prata
na altura das canelas
um amarelo de afavaca
das costas resplandecia
um arco-íris de naca.

O lobisomem, a certa altura
disse assim enraivecido:
com esta faca tu não me vences
tu pra mim és o vencido
já noto o teu braço esquerdo
de cansaço amortecido.

Entregues logo teus pontos
que te quero, ó meu irmão
o meu prato predileto
é o fígado e o coração
o resto deixo na estrada
prós urubus do sertão.

— Eu sou quem vou te pegar
e amarrar, não tenho medo
meto-te a faca na nuca
e deixo-te comendo bredo
pois daqui pró sol nascer
amarro-te naquele arvoredo.

Agora vais me dizer
disse o homem destemido
porque viras lobisomem
isto é máscara ou é vestido
tu pareces um palhaço
de mulher sem ter marido.

Se quiseres meter medo
arranje outra cara agora
pra que esta fumaceira
antes de se ver a aurora
lobisomem para mim
é boa noite e vá embora.

O lobisomem quis chorar
porque viu que não vencia
aquele homem tão valente
que há tempo ele não via
e da briga se lastimou
que de longe se ouvia.

Não vou ser mais lobisomem
encontrei um homem assim
eu pensei que este era
ladrão, infame e ruim
mas a bondade no mundo
põe a maldade no fim.

E falando desse jeito
quis pegá-lo pelo meio:
mas dum pulo foi desfeito
a malícia e o arrodeio
com uma facada no toitiço
fez o monstro fazer feio.

O homem deu uma risada
e disse: toma seu peste
lobisomem assim chorando
está perdido no agreste
cabra feio e duvidoso
por ele não há quem ateste.

O lobisomem já em prantos
foi dizendo: valha-me Deus
este homem é valente
não quero castigos seus
como escapulir daqui
são os problemas meus.

Tu não vais escapulir
porque vou te amarrar
amanhã toda a cidade
vai todinha admirar
este feio aspecto teu
muito tempo vai guardar.

O povo guardando imagem
dessa tua estatura
talvez se arrependa
e não caia na desventura
de ser também lobisomem
com esta horrenda figura.

Lobisomem é uma lenda
mas que se torna verdade
quem não sabe, aprenda
criança, velho e abade
lobisomem é o conflito
do amor e da maldade!

Lobisomem tem cada um
guardado no coração
as vezes muito escondido
que não enxerga a visão
para nas noites de lua
sair virado no cão.

Quando o homem é bondoso
e traz no peito a justiça
o amor vence o maldoso
vence o mal e a cobiça
e lobisomem, num desses
não vinga nem com malícia.

Cada um faça por si
pra não virar lobisomem
pois quem virar neste bicho
nunca mais é o mesmo homem
inda mais fica com um cheiro
que os urubus não consomem.

Eu já ia esquecendo
da contenda sem rival
do homem com o lobisomem
majestoso e teatral
nunca vi coisa mais feia
nem ardor descomunal.

Do chão saíam faíscas
subindo fumaça e pó
de cada rasgo da faca
rangia como uma mó
de cada baque que dava
enterrava o mocotó.

O lobisomem pulava
o homem pulava também
o chão estremecia
como se passasse um trem
e a faca dele corria
e eu dizia: amém.

Era noite, mas eu via
porque havia um clarão
a lua brilhava muito
que se via no chão
uma agulha ou alfinete
ou um caroço de algodão.

O lobisomem se enraivecia
porque não podia acertar
naquele homem valente
difícil de entregar…
e com golpes desconhecidos
para ele foi atacar.

Eu notei que o lobisomem
lançava vômitos de fogo
o homem se defendia
depressa, sem fazer rogo
e a estória dessa luta
em versos, quis fazer logo.

A força que o homem tinha
não vencia o lobisomem
e a destreza do monstro
não desbancava o homem
e sendo da bondade dele
minhas palavras se tomem.

Finalmente o bicho quis
num esforço descomunal
pegar o homem de jeito
e para ele foi o fatal
o homem acertou-lhe bem
no peito com o seu punhal.

A faca entrou de cheio
do lado do coração
o lobisomem gritou:
acode, meu guardião!
e sete raposas chocas
saíram dum furacão.

Quando o homem viu aquilo
lembrou-se do seu rosário
que estava dentro do bolso
e mostrou ao perdulário
o rosário de Maria
e a Santa Cruz do Calvário.

Nisso deu-se um estrondo
abalando légua e meia
o lobisomem e os felinos
desapareceram na peia
fazendo ponto final
daquela briga tão feia.

Se quiser não acredite
nesta estória aqui contada
mas são coisas que acontecem
na psicologia da estrada
no caminho do saber
onde o burro não ver nada


Literatura de Cordel quarta, 05 de janeiro de 2022

A LENDA DO CABEÇA DE CUIA (CORDEL DE PEDRO COSTA)

 

I.

O povo que não acredita

Em história de pescador,

De vaqueiro e cachaceiro,

De poeta cantador.

Motorista e seringueiro,

Marinheiro e caçador.

 

Dizem que toda mentira

Deturpa sempre a verdade,

Por menos que ela seja

Dita na sociedade,

Contada por muita gente,

Se torna realidade.

 

Uma história de verdade

Contada de uma maneira

Deturpada, duvidosa,

Como fosse brincadeira,

Por mais que seja real,

Nunca será verdadeira.

 

Existe história lendária

Que virou verdade pura,

Com o tempo ganhou fama

Com personagem e figura

Inserida no folclore,

Enriquecendo a cultura.

 

II.

 

Entre todas criaturas

Sempre o homem é o mais forte,

Enfrenta feras nas selvas,

Escapa no fio da sorte.

Tem o instinto voraz.

Só quem o vence é a morte

 

O homem tem enfrentado

Perigos no alto-mar,

Nos espaços siderais,

Monta usina nuclear,

Não domina o universo

Porque Deus não vai deixar.

 

Existe homem no mundo

Que desconhece o amor

E contra pais e irmãos

As palavras do Senhor.

Xinga Terra, Sol e astros

As coisas do Criador.

 

Muitos anos atrás

Existiu no Piauí

Um pescador que pescava

No Parnaíba e Poty.

A sombra da maldição

Estava perto de si.

 

III.

 

O seu nome era Crispim,

Cresceu sem religião,

Sem pai pra lhe dar conselho,

Sem amigo e sem irmão,

Sua mãe muito velhinha,

Sem mágoa no coração,

 

Acontece que Crispim

Não aprendeu a trabalhar.

Para sustentar a mãe,

Ele tinha que pescar.

Quando não pescava nada,

Danava a esbravejar.

 

Devido à necessidade,

Ele só vivia aflito,

Ameaçava sua mãe,

Dava soco, dava grito,

Agredia todo mundo,

Chamava o rio maldito.

 

Sua mãezinha chorava,

Muito tristonha e velhinha,

Sem esperança de vida,

Em sua pobre casinha,

O sofrimento do filho,

Com a pobreza que tinha.

 

IV.

 

Vendo o filho em desespero,

A mãe se compadecia.

Assim vivia Crispim,

Sem ter sorte em pescaria,

Xingava até sua sombra

E a roupa que vestia.

 

Um certo dia Crispim

Voltou pra casa zangado.

Não tinha pescado nada,

Crispim ficou irritado.

Xingando os rios e os peixes,

Tudo que tinha ao seu lado.

 

A mãe lhe disse: “Filhinho,

Não pense mais em mazela,

Coma um pirão com uma ossada

Que tem naquela panela”.

Crispim pega um corredor,

Bateu na cabeça dela.

 

A pancada foi tão grande,

Levou a velha ao chão.

A mãe antes de morrer

Jogou-lhe uma maldição:

“Serás transformado em monstro,

Num ente sem coração”.

 

V.

 

“Filho maldito e ingrato,

Tu foste muito ruim.

Matar tua genitora,

Te amaldiçoo, Crispim.

Serás um monstro maldito,

Triste será teu fim.

 

Nas águas desses dois rios,

Tu vais ficar a vagar.

Serás um monstro assombroso,

Até você devorar

As sete Marias virgens,

Mas nunca irás encontrar.”

 

Os anjos disseram amém

Na hora em que a mãe falou.

Sua madrinha não ouviu,

Jesus no céu escutou.

E de repente Crispim

No monstro se transformou.

 

Ficou todo transformado,

Com a cara muito feia.

A cabeça cresceu tanto,

Que dava uma arroba e meia.

Caiu nos rios e aparece

Em noite de lua cheia.

 

VI.

 

A velha foi sepultada

Como se fosse uma indigente.

Não ficou nem um registro,

Não apareceu parente.

E Crispim ainda vive

Querendo voltar a ser gente.

 

Até mesmo os pescadores

Nele não querem falar.

Quando falam sentem medo,

Passam noites sem pescar.

Todos temem a qualquer hora

Com Crispim se encontrar.

 

Cabeça de Cuia vive

Cumprindo sua trajetória.

Uma velha diz que viu,

Porém perdeu a memória,

Se assombra, fica louca

Quando escuta essa história

 

Todo final de semana,

Sempre, sempre é registrado

Nas águas desses dois rios

Alguém morrer afogado,

Deixando cada vez mais

Banhista desesperado.

 

VII.

 

Crispim Cabeça de Cuia

Vive ainda à procura

Das sete Marias virgens,

Cumprindo sua desventura

Rio abaixo e rio arriba,

Em noite clara ou escura.

 

Passaram séculos e séculos,

A história permanece.

Dizem quando os rios enchem,

Na correnteza ele desce,

Dando gargalhadas estranhas

Toda vez que aparece.

 

Ele vaga pelas águas

Do Parnaíba e Poty

E no encontro dos rios

Tem sua estátua ali

Descrevendo esta lenda

Folclórica do Piauí.


Literatura de Cordel quarta, 29 de dezembro de 2021

A INVASÃO NO ALEMÃO (FOLHETO DE DALINHA CATUNDA)
 

A INVASÃO NO ALEMÃO

Dalinha Catunda

 

 
 


(Cordel citado no Globo Rural de 02.01.2011, no aniversário de 31 anos do programa)


1

Foi notícia nos jornais,
Mostrou a televisão
A desordem na cidade
A tamanha confusão
O ataque de bandidos
E o terror no Alemão. 


2


Ó meu São Sebastião,
Mártir Santo Padroeiro,
Proteja a população
Deste Rio de Janeiro
Que sofre com a violência,
Dum grupo de bandoleiro.


3


É polícia pra todo lado
É bandido e caveirão.
Com essa violência toda
Quem sofre é a população
Que fica presa em casa
Com medo da situação.


4


É todo mundo botando
Em suas portas tramelas.
É bala comendo solto,
No asfalto e nas favelas.
Sofre pobre, sofre rico,
Fugindo destas Mazelas.


5


Por falta de segurança.
Escolas foram fechadas.
O terror é bem visível
Nas imagens propagadas.
Com tanta barbaridade,
Só com as forças armadas!


6


Até a igreja da Penha
Recinto de oração 
Nesta guerrilha urbana
Foi vítima de invasão
Pelo espaço sagrado
Faltou consideração


7


Ônibus incendiados,
Motos, carros, também.
Com a revolta do povo,
A resposta logo vem.
Autoridades unidas,
Traçam planos que convem


8


Sofreu a Vila Cruzeiro,
E tremeu o Alemão.
Ao ver as autoridades
Tomando a decisão
De invadir a favela...
E houve a invasão!


9


Exército compareceu
Com seu verde esperança.
E mostrando sua força
A todos deu e confiança
Anunciando enfim
Que chegaria a bonança.


10


Bandido foi transferido,
Pra outra jurisdição.
Alguns foram mortos,
Com a polícia em ação.
E outros se entregaram
Indo parar na prisão.


11


O reboliço foi feio,
O bicho de fato pegou.
Teve até mãe de bandido
Que seu filho entregou
Querendo salvar a cria
Que um dia ela gerou.


12


Policiais e políticos,
E toda sociedade,
O povo todo unido,
Teve, sim, autoridade
Para colocar um fim
Na cruel barbaridade.


13


Eu não sei se realmente,
Mudará a situação,
E todo esse processo
Sem a continuação
Não ajudará em nada
O morro do Alemão.


14


Que essa comunidade,
Seja então pacificada.
Que crianças corram livres
Sem temer sua estrada.
E que os trabalhadores
Voltem a sua jornada.


15


Espero que os políticos
Cumpram a obrigação
De dar estudo, trabalho
A carente população,
Das pobres comunidades
Sedentas de solução.


16


Na favela tem bandido,
Isso é uma verdade.
Mas também tem gente boa,
Com sua dignidade.
Que merece nova vida
Com menos dificuldade.


17


Aonde o poder público,
Firme, não se manifesta,
E a tropa do mal chega
Fazendo a sua festa
No comando do lugar
Aparece sempre um testa.


18


Tanto pode ser bandido
Como algum miliciano.
Que lá na comunidade
Acaba então mandando.
E quem mora na favela
Sofre com este comando.


19


Mais uma vez eu convoco
Ao meu Santo padroeiro,
Que proteja a cidade
Que é o Rio de Janeiro.
Ó meu São Sebastião,
Livrai-nos deste salseiro.


20


Neste cordel eu registro.
Um caso que se passou
No fim de dois mil e dez.
E a todos apavorou, 
Mas o Rio de Janeiro
Bem alegre ressuscitou. 

Literatura de Cordel quarta, 22 de dezembro de 2021

A INTRIGA DO CACHORRO COM O GATO (FOLHETO DE JOSÉ PACHECO)
 

A INTRIGA DO CACHORRO COM O GATO

 A intriga é mãe da raiva

O mau pensamento é pai

Da casa da malquerença

O desmantelo não sai

Enquanto a intriga rende

A revolução não cai.

 

Quando cachorro falava

Gato falava também

Gato tinha uma bodega

Como hoje os homens têm

Onde vendia cachaça

Encostado ao armazém.

 

Com a balança armada

Para comprar cereais

E na bodega vendia

Bacalhau, açúcar e gás

Bolacha, café, manteiga

Miudezas e tudo mais.

 

Quando no tempo de safra

Comprava mercadoria

Chegada no armazém

Que todo bicho trazia

Vou dizer pela metade

Esta grande freguesia.

 

O peru vendia milho

O porco feijão e farinha

Com um cacho de banana

Mais tarde o macaco vinha

Raposa também trazia

Um garajau de galinha.

 

Carneiro passava a noite

Junto com sua irmã

Descaroçando algodão

E quando era de manhã

Para o armazém do gato

Botava sacos de lã.

 

 

Guariba vendia escova

Que fazia do bigode

Urubu vendia goma

Porque tem de lavra e pode

A onça suçuarana

vendia couro de bode.

 

Então todo bicho tinha

No armazém seu contrato

Porém vamos deixar isto

Para tratar de outro fato

Relativo à intriga

Do cachorro com o gato.

 

Rei leão mandou cachorro

Efetuar uma prisão

O cachorro passando

Na venda do gato então

Pediu para beber fiado

E o gato disse: pois não.

 

Subiu na prateleira

Uma garrafa desceu

Um cruzado de cachaça

O cachorro ali bebeu

Botou fumo no cachimbo

Pediu fogo e acendeu.

 

E disse compadre gato

Eu vou prender o preá

Porque carregou a filha

Do coronel cangambá

E mesmo já deve a honra

Da filha do seu guará.

 

E tornou dizer compadre

Bota mais uma bicada

Eu só sei prender valente

Depois da gata esporada

O gato sorriu e disse:

Esta não lhe custa nada.

 

O gato bebeu também

O cachorro repetiu

Botou o copo na banca

Saiu na porta e cuspiu

O gato puxou um lenço

Limpou a barba e tossiu.

 

Embebedaram-se os dois

Garrafas secaram três

Cachorro fez um discurso

Falava em língua inglês

Gato embolava no chão

Também falando francês.

 

A gata mulher do gato

Saiu do quarto veio cá

E disse muito zangada

Vocês dois procedem mal

O gato disse: mulher

Da porta do meio pra lá.

 

O gato ficou deitado

O cachorro foi embora

Ouviram dizer: ô de casa

A gata disse: ô de fora

E quem é respondeu raposa

Sou eu que cheguei agora.

 

Disseram entre comadre

O gato levantou-se

Sentou-se numa cadeira

Esposa também sentou-se

Ele contou à raposa

De que forma embebedou-se.

 

A raposa disse: compadre

Você não pensou direito

Bebendo com o cachorro

Um safado sem respeito

Se seus amigos souberem

O senhor perde o conceito.

 

Beba com os seus amigos

Seu irmão maracajá

O tenente porco-espinho

E o capitão guará

Major porco e doutor burro

E o coronel cangambá.

 

Eu também gosto da troça

Bebo, danço e digo loas

Mas com gente igual a mim

Civilizadas e boas

Que não vou andar com gente

De qualidade à-toa.

 

Só me dou com gente boa

Como compadre urubu

Dona ticaca de souza

E dona surucucu

A professora jiboia

E o meu primo timbu.

 

Você é conceituado

Da roda palaciana

Cachorro vive na rua

Tanto furta como engana

Com o baralho no bolso

Jogando e bebendo cana.

 

E ele compra fiado

Porque quer mas ele tem

Uma mochila de níquel

Que por detrás se vê bem

Pendurada balançando

Porque não paga a ninguém.

 

O gato se pôs em pé

Perguntou admirado

Comadre, isto é verdade?

Ele me deve um cruzado

Eu não dei fé na mochila

Por isto vendi fiado.

 

Porém eu vou atrás dele

Daquele cabra estradeiro

Dou-lhe um bote na mochila

Arranco e tiro o dinheiro

Sendo eu disse a raposa

Passava o granadeiro.

 

O gato se preparou

Amarrou o cinturão

Correu as balas no rifle

Passou lixa no facão

Botou um quarto e bebeu

De aguardente com limão.

 

Chegou lá disse ao cachorro:

É triste o nosso progresso

Você paga o meu cruzado

Ou quer que eu pague um processo

Cachorro afastou o pé

E lhe disse eu não converso.

 

Ali deu um tiro e disse:

É assim que eu despacho

Porém o gato abaixou-se

Passou-lhe o rifle por baixo

Deu-lhe uma balada certa

Que quase derruba o cacho.

 

O cachorro que também

Tem pontaria fiel

Tornou passar a pistola

A bala deu um revel

Cortou-lhe o rabo no tronco

Que descobriu o anel.

 

Depois que trocaram tiros

Divertiram no punhal

Pulava o gato de costas

E dava salto mortal

Cachorro por sua vez

Também traquejava igual.

 

E ali trancou-se o tempo

Na porta do barracão

Da baronesa preguiça

Comadre do rei leão

E ela telegrafou

Pedindo paz na questão.

 

O leão passou depressa

Um telegrama pra trás

Minha comadre alevante

A bandeira e grite paz

Ela não tinha bandeira

Levantou a macaxeira

E ali ninguém brigou mais.


Literatura de Cordel quarta, 15 de dezembro de 2021

A IMPORTÂNCIA DO CORDEL (FOLHETO DE MUNDIM DO VALE)
A IMPORTÂNCIA DO CORDEL

Mundim do Vale

 


Meu caro leitor amigo
Veja um relato fiel,
Eu já rimei a viola
Que faz bem o seu papel.
Agora passo a rimar,
Na cultura popular
A importância do cordel.

No sertão antigamente
Não tinha televisão
O sertanejo vivia
Carente de informação.
O rádio lá não chegava,
E o cordel é quem levava
Notícias para o sertão.

Quando pego num folheto
Me vem a grande lembrança,
Da ligação com cordel
Desde o tempo de criança.
Só sabia soletrar.
Mas consegui decorar
Os Doze Pares de França.

O cordel tem seu valor
Por ser de fácil leitura.
Tem muita arte na capa
Feita em xilogravura.
A métrica faz a grandeza,
A rima gera beleza
Para elevar a cultura.

Foi o cordel que falou
Dos crimes de Lampião
Foi também um seguidor
Do santo Frei Damião.
Fez morada em Juazeiro,
E deu apoio ao romeiro
Do Padim Ciço Romão.

Alfabetizou o pobre
Que não tinha condição
De freqüentar a escola
Pra receber a lição.
Foi o grande mensageiro,
De Antônio Conselheiro
O profeta do sertão.

O cordel já fez campanha
Em tempos de eleição.
Na seca de trinta e dois
Falou da destruição.
Fez festa em dia de feira,
Para o povo da ribeira
Pendurado num cordão.

O cordel tem união
Também com o repentista
Um exemplo do que falo
É Lucas Evangelista.
E falando em qualidade,
Eu lembro a capacidade
Da trindade irmãos Batista.

Eu fico muito feliz
Vendo o cordel resgatado,
Sabendo que hoje é feito
Com o papel resgatado.
Eu acho muito importante,
Não deixar o cordel distante
Como um valor do passado.

O cordel noticiou
Para o povo nordestino,
O suicídio de Vargas
E a prisão de Antônio Silvino.
Deu notícia da chacina,
No Largo da Catarina
Quando morreu Virgulino.

Falou daquela promessa
Do carregador da cruz,
Escreveu nas suas páginas
Que logo chegava a luz.
Rimou com muito talento,
A história do jumento
E o menino Jesus.

Se o leitor duvidar
Não acreditando em mim,
Saiba que o cordel já foi
Leitura até de jardim.
No nordeste brasileiro,
O cordel foi o primeiro
A falar do meu Padim.

Hoje em dia essa cultura
Foge um pouco do normal,
Pois os novos cordelistas
Procuram tema atual.
Falam da gíria da rua,
De mulher andando nua
E de briga de casal.

Tem aí a jovem guarda
Que ainda tá resistindo,
Mas de vez em quando eu vejo
Alguns deles desistindo.
Mas como tem resistente,
Como o vate Zé Vicente
O folheto vai fluindo.

A Cícero Modesto Gomes
O cordel me apresentou,
Poeta do Maranhão
Que no Ceará ficou.
Já rimou o Ceará,
De Sobral a Quixadá,
Pacajus e Quixelou.

Numa banca eu conheci
Edson Neto e Elizeu,
J. B. Num terminal
E um cordel ele me deu.
O poeta Zé Maria,
Conheci em cantoria
Divulgando um mote meu.

Outro poeta famoso
Criado aqui no sertão,
É o bom Arievaldo
Que do Klevison é irmão.
Avançou como um corcel,
Quando implantou o cordel
No setor da educação.

O doutor Sávio Pinheiro
Bom poeta e gente fina,
Já rimou o pé da serra
E a bodega da esquina.
Agora com mais virtude,
Botou cordel na saúde
Para o bem da medicina.

No Rio Grande do Norte
Onde a rima é atração,
Tem o local do poeta
Fazer a divulgação.
Já usei aquele espaço,
E daqui mando um abraço
Pra Mairton e Anizão.

Mas foi lá na Paraíba
Que o cordel chegou primeiro,
Era a grande novidade
Chegada do estrangeiro.
Posso dizer sem engano,
No sertão paraibano
O cordel foi pioneiro.

Quem também foi cordelista
Foi o bom Rogaciano
Foi repórter em Fortaleza
Mas era pernambucano.
Fez muita falta a cultura,
Com a morte prematura
Foi rimar no outro plano.

No Ceará o melhor
Com ele tomei café,
Aguarde só um instante
Que digo já já quem é.
Cantou lá e cantou cá
O Pássaro do Ceará
Patativa do Assaré.

Chegando agora ao final
Já faltando inspiração,
Peço desculpa aos colegas
Se houve alguma omissão.
Fiz esse verso bebendo,
Todo tempo defendendo
O cordel como atração.

Mandei mensagem bregeira
Unida com a poesia,
Negando ter intenção
De fazer apologia.
Inseri no Blogspot
Mundo Cordel avalia.


Literatura de Cordel quarta, 08 de dezembro de 2021

A FANTÁSTICA E VERDADEIRA HISTÓRIA DO CÃO DE ITAOCA (FOLHETO DE AUDIFAX RIOS)
A FANTÁSTICA E VERDADEIRA HISTÓRIA DO CÃO DE ITAOCA

Audifax Rios

 

 

 

 

 


I
A história que eu vou contar agora
Se é verdade ou mentira eu não sei
Pois o fato nunca presenciei
Mas tem gente que jura a toda hora
Na noite ou no romper da aurora
É a história medonha de um cão
Que assombrava com sua aparição
Sob o rouco tinir da sua espora

II
Este fato se deu na Itaoca
Já faz mais de três décadas passadas
E mexeu com pessoas alarmadas
Derrubou muita pose de dondoca
Apanhadas nos laços da fofoca
Meteu medo em menino e ancião
E valentes de toda uma geração
Sucedido que hoje ainda choca

III
Como Deus, tem diabo em toda parte
Não há como do tinhoso se livrar
Cão daqui, cão dali, cão dacolá
Cada um malinando sua arte
Presepeiro tal Pedro Malazarte
Pois vejamos aqui outra faceta
Caprichosa e sagaz deste capeta
Antes que pro inferno nos arraste

IV
Mas primeiro eu quero situar
O cenário de todo esse sucesso
E pra isso munido do meu verso
Itaoca eu passo a tracejar
Se o diabo não me atrapalhar
Por ali passa trem, passa avião
Bicicleta, motoca e caminhão
animal e vivente a caminhar

V
Situado no miolo da cidade
Tem Montese e Pici bem mais ao norte
Nos confins da Avenida da Morte
Que lhe dá um padrão de qualidade
Apegado à antiga Piedade
Para o leste vamos ter o Parreão
Encostado na Vila União
Região com lagoa em quantidade

VI
Pelo sul a famosa Parangaba
Onde fica o asilo dos dementes
Doidos mansos e outros pacientes
A oeste onde Damas se acaba
Sobradões e casebres de rebarba
Sudoeste o bairro da Serrinha
Onde dizem que cão inda caminha
Ampliando os confins de sua taba

VII
A Itaoca de tempos atrás
Começava nos muros do Colégio
Instalado em suntuoso prédio
Com capela e dependências mais
Onve haviam ritos sacramentais
Ensino pra internos e também
Estudantes naquele vai-e-vem
Sob as barbas do cruel satanás

VIII
Do Juvenal Carvalho em diante
Só se via dos Dummar a verde mata
Ainda virgem até aquela data
Ladeando o curral e a vazante
Do riacho pequeno e arrogante
Ia até a Lagoa do Opaia
Onde o verde dos teus olhos se espalha
Sobre a água límpida e brilhante

IX
Por ali passa o Beco do Segundo
Refúgio do cronista Cirolares
Cantor do passaredo e dos pomares
Que por tudo devota amor profundo
Transformando-o em poeta fecundo
Na viela porém deu-se o destroço
Desembesto do cão um alvoroço
A marmota mais cruel deste mundo

X
Feito isto passamos a narrar
A história que é bem interessante
Peripécias de um cafute errante
Que por anos deu muito o que falar
Nestas plagas e em outro lugar
Sua fama como rei da safadeza
Se expandiu pela grande Fortaleza
Se espalhou do sertão até o mar

XI
Lá no Beco escuro casarão
Paredões carcomidos pelo tempo
Pela fúria da água e do vento
Habitava um velho ermitão
Que diziam ter parte com o cão
O seu rosto nunca ninguém via
Da sua vida então ninguém sabia
Sua idade uma interrogação

XII
E por via dessa circunstância
O povão recriou a sua imagem
Carregando demais na maquiagem
Dando ao velho tamanha importância
Enfatizando a brutal deselegância
Aumentando com exagero o corpanzil
A idade lá foi pra mais de mil
Lá bem longe da sua pobre infância

XIII
Os cabelos batiam na cintura
E brilhavam de tanta seborréia
Amarelos da cor de diarréia
Moldurando a triste criatura
Acentuando inda mais sua feiúra
Amarrados feito rabo de cavalo
Eriçados como um rabo de galo
Aprimorando a caricatura

XIV
Grosso chifre enfeitava sua testa
Enrolado como o de um pai-de-chiqueiro
Exalando pelo ar o seu mau cheiro
De bode velho quando desembesta
Odor que logo todo canto empesta
E nas orelhas dois brincos em brasa
Que já faíscam quando sai de casa
No intuito de acabar com a festa

XV
Veste gibão de couro fedorento
Que atrai mosca dentro de um instante
Nunca se viu na terra tal displante
E enche o ar de um cheiro enjoento
Que se propaga levado pelo vento
Sapeca flores e frutos dos roçados
Com seu rastro negro fumacento

XVI
Só tem um olho grande esbugalhado
Sobre o nariz adunco de condor
Pupila diletada incolor
Com íris de um roxo amarelado
Jorra sangue no rosto opilado
Os cílios espetados bem azuis
Sobrancelhas em formato de cruz
Traduzem a imagem do pecado

XVII
A boca escancarada num esgar
De lábios grossos cheios de sapinho
Exibem a dentadura em desalinho
Incisivos de forma irregular
Presas de ouro puro a brilhar
Caninos com coroa reluzente
O beiço inferior constantemente
Saliva de porréia a babar

XVIII
O pescoço grosso atarracado
Assentado num imenso peitoral
De peso e medida anormal
Modela o seu tronco encalcado
De porte muscular avantajado
Os braços envergados pelo peso
Seguram pela mão um facho aceso
Clareando o rosto desalmado

XIX
Grandes pés arrastando pelo chão
Sustentavam um corpo de gigante
Parecia um enorme elefante
Bem maior do que qualquer cristão
Perto dele qualquer um era anão
Ao sair punha o povo em polvorosa
Com a sua estampa horrorosa
A cidade ficava em aflição

XX
As mulheres para ver o brucutu
Se escondiam por detrás das moitas
E ganhavam por terem sido afoitas
Viam o bruto completamente nu
E o enorme pau do belzebu
Mais crescido por causa do tesão
Dava em todas a maior sensação
E saiam para dar que nem xuxu

XXI
Toda essa horrenda descrição
Que fizemos do capiroto agora
Com perdões da Mãe Nossa Senhora
Não passa da mais pura invenção
De um repórter de imaginação
Que vendo a hora perder o emprego
Padeceu de um tal desassossego
E maquinou toda essa confusão

XXII
Mandou fazer pras bandas do Juazeiro
Xilogravura por Mestre Abraão
Com as fantásticas imagens do cão
Pôs logo em prática seu plano matreiro
Que provocou aqui maior salseiro
Saiu manchete em letras garrafais
E chegou a vender todos os jornais
Com as proezas deste cão faceiro

XXIII
Com a notícia até hoje me comovo
Provocou alvoroço na Itaoca
A negrada pulava que nem pipoca
Vibrando com o mexerico novo
E se unindo pra expulsar o estorvo
Juntou homem, mulher, velho e menino
Cada qual indicando seu destino
Nunca mais houve paz entre este povo

XXIV
Antes porém do desfecho final
Houve muita e tanta estrepolia
Marmota acontecendo noite e dia
Itaoca de vida infernal
Parecia uma grande bacanal
Brutalidade e espancamento
Violência e defloramento
Itaoca - Sodoma colossal

XXV
Na verdade a história começou
Com um fato nunca visto igual
Fenômeno dito paranormal
E a mão à palmatória eu dou
Lá no quarto a cama rodopiou
Na cozinha os pratos revoavam
No tanque sabonetes espumavam
Escangalho chegou ali parou

XXVI
A orgia todo o ambiente abala
Entre as pedras saiam mil lagartos
E cobras tantas pelos vãos dos quartos
Os urubus voavam pela sala
Escorpiões livravam-se da mala
Morcegos pendurados numa rede
Ratos no poço matando a sede
O papagaio mudo perde a fala

XXVII
Pela chaminé do velho fogão
Em lugar de fumaça labaredas
Que era a mesma saída pelas bredas
Das narinas fedorentas do cão
Incandescentes com um tição
E o fogo propagado pelo céu
Sapecava tudo que era tetéu
Que caiam assados pelo chão

XXVIII
Lá no quintal a fossa estourou
Foi merda para tudo quanto é lado
O tinhoso ficou todo cagado
Não se fez de rogado e acalmou
e de todo o desastre aproveitou
Passou a voraz língua pelo beiço
A meleca escorria pelo queixo
Com prazer a catinga aspirou

XXIX
Quando a coisa ficava só em casa
Sem a vida dos outros perturbar
Nada havia para se preocupar
Porém quando a marmota criou asa
E toda a sua fúria extravasa
Itaoca virou um pandemônio
Parecia até um manicômio
Onde nada avança e tudo atraza

XXX
Então o malfeito que surgia
Todo roubo ou furto efetuado
Notícia de cabaço deflorado
Tinha logo exata autoria
Qualquer mazela que aparecia
Catapora, sarampo ou sezão
Era praga ia pra conta do cão
Toda sorte de mal ali cabia

XXXI
Foi preciso bolar uma arapuca
Pra pegar o tinhoso de surpresa
Mas quem era capaz de tal proeza?
Só o João Grilo teria grande cuca
Pra aviar esta idéia maluca
Pôs em prática plano genial
Pra pegar o tinhoso no local
E deixá-lo em tremenda sinuca

XXXII
Escavaram um poço bem profundo
Estenderam uma malha de corrente
Pra deste modo apanhar o ente
Na esquina do Beco do Segundo
Chega aquele monstro nauseabundo
Que pensando pisar numa folhagem
Fica atado pela engrenagem
E desaba da beira lá pro fundo

XXXIII
Chegou guindaste para resgatar
Pois julgaram o bicho bem pesado
Porém todos estavam enganados
A verdade não deu pra acreditar
Tava o povo pasmado a admirar
O corpinho enrolado em pano preto
E aí começou o desacerto
O diabo era o padre do lugar

XXXIV
O vigário virava lobisomem
E só tinha uma pessoa que sabia
Escondido na sua sacristia
Sacristão que não quis dizer o nome
Pois o medo do inferno lhe consome
Garante que era em noite de luar
Numa sexta qualquer na hora-agá
A virada em bicho o que era homem

XXXVI
E a mulher que era tida como santa
Na alcova fazia qualquer negócio
Na igreja, cristã, devota e fiel
Mas na cama a virtude desencanta
Tão sacana que até o cão se espanta
Satisfaz sua fúria sensual
No comum, felação e coito anal
Com mil gritos saindo da garganta

XXXVII
Tava ali o padre paramentado
A imagem do cão desmascarada
E quem acreditou na fé sagrada
Excomunga agora o desgraçado
Que enganou todo tempo o povoado
E em nome de Cristo abençoava
E por trás o perjúrio praticava
Confundindo a virtude com o pecado

XXXVIII
E assim como se deu com Jesus
O padre também foi crudificado
E depois pelo povo fuzilado
Padeceu e morreu em negra cruz
Em lugar da coroa um capuz
Lhe serviu de sepulcro um formigueiro
Sem uma placa, sem nenhum letreiro
Sem uma vela, sem alguma luz

XXXIX
Pouca gente acompanhava o caixão
Em que foi transportado o satanás
Quatro gatos pingados nada mais
La na cova se ouviu pouca oração
O Zé Mário fez a declamação
Necrológio em forma de poesia
Relatando a dor e agonia
Que o povo sofreu na mão do cão

XL
Caminhando pra última morada
Cada amigo com dor no coração
Mário Gomes, Gervásio, Saraivão,
Mapurunga e o resto da cambada
E seguindo o cortejo na rabada
O Furtado, o Queiroz e o Marco Abreu
Lamentando o que aconteceu
Constatando que a vida não é nada

XLI
A moçada em estado deplorável
Rastejava em lenta procissão
Compungida como um bom cristão
O Alberto ainda inconsolável
Com a sua derrota lamentável
Luciano Barreira em oração
e o Klévisson com sua pena à mão
Faz da cena comédia impagável

XLII
Nesta hora toda a terra escureceu
E saíram urubus do formigueiro
De onde exalava forte cheiro
Todo galho de planta emurcheceu
A boiada assustada escafedeu
O relógio parou de trabalhar
A coruja no céu pôs-se a piar
Pra dizer que o demônio faleceu

XLIII
Itaoca então ficou famosa
Como a terra do espírito do mal
Deu no rádio, tv e no jornal
Sua fama saiu em verso e prosa
Puxando da poesia cavernosa
Zé Biquara escreveu longo cordel
Onde conta as proezas do revel
Cantilena picante e dolorosa

XLIV
O cão da Itaoca vai ficar
Na galeria das grandes figuras
Que outrora eram vidas obscuras
Cabeludo, Pena Branca e ZéTatá
Burra Preta, Negrinho do mar
Chupa-Cabra, Corta-Bunda, Tobogã
Bode-Ioiô, Tarado da Aquidabã
Entidades da crendice popular

XLV
E aqui terminando nossa história
Do diacho e sua aparição
Que causou verdadeira confusão
E que teve os seus dias de glória
Até quando decretou a moratória
Na tarde em que se escafedeu
A Itaoca toda agradeceu
Fim do caso que não sai da memória

Agora está tudo terminado
Uma coisa a gente não esquece
Desta pecha que o povo não merece
Itaoca do cão endiabrado
Felizmente esta noite foi embora
Acabou a companhia do de-espora
Xeretando nossa vida no passado

Refugamos essa presença maldita
Itaoca do cão e do tisnado
Oramos com fervor prece bendita
Soterramos o capeta excomungado


Literatura de Cordel quarta, 01 de dezembro de 2021

A COLETA SELETIVA E A RECICLAGEM DE LIXO (FOLHETO DE ISMAEL GAIÃO)

 

Da Consciência Ecológica
Devemos sempre lembrar
Pois quem pensa no futuro
Para a vida melhorar
Não gera lixo jamais
Só gera materiais
Que possamos reciclar

Nós devemos começar
Lembrando que antigamente
O lixo era tudo aquilo
Que não servia pra gente
Mas hoje pro nosso bem
Nosso lixo agora tem
Um conceito diferente

O Lixo é basicamente
O que a gente joga fora
Que não servia pra nada
Mas que hoje se explora
Porque as sobras humanas
De aglomerações urbanas
Têm utilidade agora

Diferente de outrora
Fazemos separação
De tudo que é reciclável
E do resto do lixão
Porque garrafas pintadas
Podem ser utilizadas
Por quem faz decoração

Pra fazer a seleção
De todos materiais
Vamos separar os plásticos
Papéis, vidros e metais
Pois pra mandar reciclar
Nós devemos afastar
Esse lixo dos demais

 

Problemas ambientais
Como a poluição
Produzida pelo lixo
Faz mal a população
Hoje temos consciência
Que o lixo da residência
Deve sofrer redução

E pra isso a solução
É a gente praticar
A Coleta Seletiva
Que consiste em separar
O lixo que é descartável
Do que é reaproveitável
Para mandar reciclar

Reciclar é transformar
Os materiais usados
Noutros produtos que possam
Ser comercializados
E a Minimização
Dos resíduos do lixão
Pressupõe ter três cuidados

Três termos utilizados
Para se minimizar
O primeiro é Reduzir
Depois Reaproveitar
Pra que o verso não emperre
O outro também tem R
O R de Reciclar

Nós devemos separar
Entre os materiais
Os que não são recicláveis
Como pratos e cristais
Alimentos estragados
E lixos contaminados
Não se juntam aos demais

Pra todos materiais
Existem recipientes
Que facilitam a Coleta
Tendo cores diferentes
E a identificação
É uma padronização
De todos os continentes
 
Cinco cores diferentes
Devemos utilizar
No VERDE botamos vidro
Mas sem precisar quebrar
Pois com o vidro quebrado
Se não for bem colocado
Alguém pode se cortar

No AZUL vamos botar
Todo lixo de papel
Que seja grande ou pequeno
Botaremos a granel
E para não se enganar
Todos devem procurar
Aprender neste cordel

E dentro desse plantel
De cores pra reciclagem
VERMELHO é para o plástico
Que serve de embalagem
AMARELO é pra metal
Que às vezes até faz mal
Guardado numa garagem

Terminando essa listagem
Do que é reaproveitável
Tem recipiente CINZA
Pro lixo não reciclável
E assim quando for comprar
Você deve procurar
Embalagem retornável

Outra atitude louvável
É pensar nos descendentes
Não destruindo o planeta
Com atos inconsequentes
E o maior dos desafios
É não agredir os rios
Com produtos poluentes

As lâmpadas fluorescentes
Nós devemos reciclar
Pois elas liberam gases
Que podem contaminar
O solo e a água da gente
Indo consequentemente
Pra cadeia alimentar
 
Já tinha ouvido falar
Em alguma reportagem
Sobre a decomposição
Chamada de Compostagem
Agora eu tenho certeza
Que com ela a natureza
Faz a sua reciclagem

Microorganismos agem
Nessa decomposição
E animais invertebrados
Têm a participação
Na presença de umidade
Eles fazem na verdade
A sua alimentação

Com essa grande ação
Eles ajudam a gente
Porque transformam o lixo
Em um adubo excelente
E Deus com sua grandeza
Mostra que a Natureza
Preserva o Meio Ambiente

E assim daqui pra frente
Nossa preocupação
É dizer pra todo mundo
Que temos obrigação
De fazer o impossível
Para acabar, se possível
Com toda poluição

Vamos transmitir então
Para o público em geral
Que a Coleta Seletiva
Hoje é fundamental
E além de não poluir
Ajuda a diminuir
O aquecimento global

Ela é essencial
Porque causa redução
Dos gastos com energia
E custos de produção
Mas também se recomenda
Porque gera emprego e renda
Na comercialização

Ela tornou-se uma ação
Barata e eficiente
Pra proteger as florestas
E a saúde da gente
Se todo mundo ajudar
Juntos, vamos preservar
O nosso Meio Ambiente

Recife – outubro/2009


Literatura de Cordel quarta, 24 de novembro de 2021

A CHEGADA DE LAMPIÃO NO INFERNO (FOLHETO DE JOSÉ PACHECO)
 

A CHEGADA DE LAMPIÃO NO INFERNO

José Pacheco

  

Um cabra de Lampião

por nome Pilão Deitado

que morreu numa trincheira

um certo tempo passado

agora pelo sertão

anda correndo visão

fazendo mal assombrado

 

Foi ele que trouxe a noticia

que viu Lampião chegar

o inferno nesse dia

faltou pouco pra virar

incendiou-se o mercado

morreu tanto cão queimado

que faz pena até contar

 

Morreu mãe de Canguinha

o pai de forrobodó

cem netos de parafuso

um cão chamado Cotó

escapuliu Boca Ensossa

e uma moleca ainda moça

quase queima o totó

 

Morreram cem negros velhos

que não trabalhavam mais

um cão chamado Traz Cá

Vira Volta e Capataz

Tromba Suja e Bigodeira

um cão chamado Goteira

cunhado de Satanás

 

Vamos tratar na chegada

quando Lampião bateu

um moleque ainda moço

no portão apareceu

quem o senhor cavalheiro

moleque eu sou cangaceiro

Lampião lhe respondeu

o moleque não sou vigia

e não sou seu pareceiro

e você aqui não entra

sem dizer quem é primeiro

moleque abra o portão

saiba que sou Lampião

o assombro do mundo inteiro

 

Então esse vigia

que trabalha no portão

dá pisa que voa cinza

sem fazer distinção

o cabra escreveu não leu

a macaiba comeu

ali não se faz perdão

 

O vigia disse assim

fique fora que eu entro

vou falar com o chefe

no gabinete do centro

por certo ele não lhe quer

mais conforme o que disser

eu levo o senhor prá dentro

 

Lampião disse vá logo

quem conversa perde hora

vá depressa e volte já

que eu quero pouca demora

se não me derem ingresso

eu viro tudo asavesso

tóco fogo e vou embora

 

O vigia foi e disse

a Satanás no salão

saiba vossa senhoria

que aí chegou Lampião

dizendo que quer entrar

eu vim lhe perguntar

se dou-lhe ingresso ou não

 

Não senhor Satanás disse

vá dizer que vá embora

só me chega gente ruim

eu ando meio caipora

eu já estou com vontade

de botar mais da metade

dos que têm aqui pra fora

 

Lampião é um bandido

ladrão da honestidade

só vêm desmoralizar

nossa propriedade

e eu não vou procurar

sarna pra me coçar

sem haver necessidade

 

Disse e vigia patrão

a coisa vai esquentar

eu que ele vai se danar

quando não puder entrar

Satanás disse é nada

convida aí a negrada

e leve o que precisar

 

Leve cem dúzias de negros

entre homem e mulher

vá na loja de ferragens

tire as armas que quiser

é bom avisar também

pra vir os negros que tem

mais compadre Lucifer

 

E reuniu-se a negrada

primeiro chegou Fuchico

com um bacamarte veio

gritando por Cão de Bico

que trouxesse o pau da prensa

e fosse chamar Tangença

na casa de maçarico

 

E depois chegou Cambota

endireitando o boné

formigueiro e Trupe Zupe

e o crioulo Quelé

chegou Caé e Pacaia

Rabisca e Cordão de Saia

e foram chamar Banzé

 

Veio uma diaba moça

com uma caçola de meia

puxou a vara da cerca

dizendo a coisa tá feia

hoje e negocio se dana

e gritou eita banana

agora a ripa vadeia

 

E saiu a tropa armada

em direção ao terreiro

com faca facão e pistola

canivete e granadeiro

uma negra também vinha

com a trempe da cozinha

e o pau de bater tempero

 

Quando Lampião deu fé

da tropa negra encostada

disse só na Abissínia

dá tropa preta danada

o chefe do batalhão

gritou de arma na mão

toca-lhe fogo negrada

 

Nessa voz ouviu-se tiro

que só pipoca no caco

Lampião pulava tanto

que parecia um macaco

tinha um negro nesse meio

que brigou tomando tabaco

 

Acabou-se o tiroteio

por falta de munição

mas o cacete batia

nego rolava no chão

pau pedra que achavam

e tudo que a mão pegava

sacudiam em Lampião

 

Chega trás um armamento

assim gritava o vigia

trás a pá de mexer doce

lasca os gamos de caria

trás um birro de massau

corre vai buscar um pau

na cerca da padaria

 

Lucifer mais Satanás

vieram olhar do terraço

todos contra Lampião

de cacete vaca e braço

o comandante no grito

dizia briga bonito

negrada chega-lhe o aço

 

Lampião pode apanhar

uma caveira de boi

e sacudiu na testa dum

e ele só fez dizer oi

ainda correu dez braças

e caiu enchendo a calça

mais não digo de que foi

 

Estava travada a luta

mais de uma hora fazia

a poeira cobria tudo

negro embolava e gemia

porem Lampião ferido

ainda não tinha caído

devido a grande energia

 

Lampião pegou um seixo

e rebateu em um cão

mas o qual arrebentou

a vidraça do oitão

saiu um fogo azulado

incendiou o mercado

e o armazém de algodão

 

Satanás com este incêndio

tocou no búzio chamando

correram todos os negros

que se encontravam brigando

Lampião pegou a olhar

não vendo com quem brigar

também foi se retirando

 

Houve grande prejuízo

no inferno nesse dia

queimou-se todo dinheiro

que Satanás possuía

queimou-se o livro de ponto

perdeu-se vinte mil contos

somente em mercadoria

 

Reclamava Lucifer

horror maior não precisa

os anos ruim de safra

e agora mais esta pisa

se não houver bom inverno

tão cedo aqui no inferno

ninguem compra uma camisa

 

Leitores vou terminar

o tratado de Lampião

muito embora que não possa

vos dá maiores explicação

no inferno não ficou

no céu também não chegou

por certo está no sertão

 

Quem duvidar desta historia

pensar que não foi assim

querer zombar do meu eu

não acreditando em mim

vá comprar papel moderno

e escreva paro o inferno

mande saber de Caim.


Literatura de Cordel quarta, 17 de novembro de 2021

A CHEGADA DE LAMPIÃO NO CÉU - 2 (FOLHETO DE GUAIPUAN VIEIRA)

 

 

A CHEGADA DE LAMPIÃO NO CÉU

Guaipuan Vieira

 

 

Foi numa Semana Santa

Tava o céu em oração

São Pedro estava na porta

Refazendo anotação

Daqueles santos faltosos

Quando chegou Lampião.

 

Pedro pulou da cadeira

Do susto que recebeu

Puxou as cordas do sino

Bem forte nele bateu

Uma legião de santos

Ao seu lado apareceu.

 

São Jorge chegou na frente

Com sua lança afiada

Lampião baixou os óculos

Vendo aquilo deu risada

Pedro disse: Jorge expulse

Ele da santa morada..

 

E tocou Jorge a corneta

Chamando sua guarnição

Numa corrente de força

Cada santo em oração

Pra que o santo Pai Celeste

Não ouvisse a confusão.

 

 

O pilotão apressado

Ligeiro marcou presença

Pedro disse a Lampião:

Eu lhe peço com licença

Saia já da porta santa

Ou haverá desavença.

 

Lampião lhe respondeu:

Mas que santo é o senhor?

Não aprendeu com Jesus

Excluir ódio e rancor?…

Trago paz nesta missão

Não precisa ter temor.

 

Disse Pedro isso é blasfêmia

É bastante astucioso

Pistoleiro e cangaceiro

Esse povo é impiedoso

Não ganharão o perdão

Do santo Pai Poderoso

 

Inda mais tem sua má fama

Vez por outra comentada

Quando há um julgamento

Duma alma tão penada

Porque fora violenta

Em sua vida é baseada.

 

– Sei que sou um pecador

O meu erro reconheço

Mas eu vivo injustiçado

Um julgamento eu mereço

Pra sanar as injustiças

Que só me causam tropeço.

 

Mas isso não faz sentido

Falou São Pedro irritado

Por uma tribuna livre

Você aqui foi julgado

E o nosso Onipotente

Deu seu caso encerrado.

 

– Como fazem julgamento

Sem o réu estar presente?

Sem ouvir sua defesa?

Isso é muito deprimente

Você Pedro está mentindo

Disso nunca esteve ausente.

 

Sobre o batente da porta

Pedro bateu seu cajado

De raiva deu um suspiro

E falou muito exaltado:

Te excomungo Virgulino

Cangaceiro endiabrado.

 

Houve um grande rebuliço

Naquele exato momento

São Jorge e seus guerreiros

Cada qual mais violento

Gritaram pega o jagunço

Ele aqui não tem talento.

 

Lampião vendo o afronto

Naquela santa morada

Disse: Deus não está sabendo

Do que há na santarada

Bateu mão no velho rifle

Deu pra cima uma rajada.

 

O pipocado de bala

Vomitado pelo cano

Clareou toda a fachada

Do reino do Soberano

A guarnição assombrada

Fez Pedro mudar de plano.

 

Em um quarto bem acústico

Nosso Senhor repousava

O silêncio era profundo

Que nada estranho notava

Sem dúvida o Pai Celeste

Um cansaço demonstrava.

 

Pedro já desesperado

Ligeiro chamou São João

Lhe disse sobressaltado:

Vá chamar Cícero Romão

Pra acalmar seu afilhado

Que só causa confusão.

 

Resmungando bem baixinho

Pra raiva poder conter

Falou para Santo Antônio:

Não posso compreender

Este padre não é santo

O que aqui veio fazer?!

 

Disse Antônio: fale baixo

De José é convidado

Ele aqui ganhou adeptos

Por ser um padre adorado

No Nordeste brasileiro

Onde é “santificado”.

 

Padre Cícero experiente

Recolheu-se ao aposento

Fingindo não saber nada

Um plano traçava atento

Pra salvar seu afilhado

Daquele acontecimento.

 

Logo João bateu na porta

Lhe transmitindo o recado

Cícero disse: vá na frente

Fique despreocupado

Diga a Pedro que se acalme

Isso já será sanado.

 

Alguns minutos o padre

Com uma Bíblia na mão

Ao ver Pedro lhe indagou:

O que há para aflição?

Quem lá fora tenta entrar

E também um ser cristão,

 

São Pedro disse: absurdo

Que terminou de falar

Mas Cícero foi taxativo:

Vim a confusão sanar

Só escute o réu primeiro

Antes de você julgar.

 

Não precisa ele entrar

Nesta sagrada mansão

O receba na guarita

Onde fica a guarnição

Com certeza há muitos anos

Nos busca aproximação.

 

Vou abrir esta exceção

Falou Pedro insatisfeito

O nosso reino sagrado

Merece muito respeito

Virou-se para São Paulo:

Vá buscar este sujeito.

 

Lampião tirou o chapéu

Descalço também ficou

Avistando o seu padrinho

Aos seus pés se ajoelhou

O encontro foi marcante

De emoção Pedro chorou

 

Ao ver Pedro transformado

Levantou-se e foi dizendo:

Sou um homem injustiçado

E por isso estou sofrendo

Circula em torno de mim

Só mesmo o lado ruim

Como herói não estão me vendo.

 

Sou o Capitão Virgulino

Guerrilheiro do sertão

Defendi o nordestino

Da mais terrível aflição

Por culpa duma polícia

Que promovia malícia

Extorquindo o cidadão.

 

Por um cruel fazendeiro

Foi meu pai assassinado

Tomaram dele o dinheiro

De duro serviço honrado

Ao vingar a sua morte

O destino em má sorte

Da “lei” me fez um soldado.

 

Mas o que devo a visita

Pedro fez indagação

Lampião sem bater vista:

Vê padim Ciço Romão

Pra antes do ano novo

Mandar chuva pro meu povo

Você só manda trovão

 

Pedro disse: é malcriado

Nem o diabo lhe aceitou

Saia já seu excomungado

Sua hora já esgotou

Volte lá pro seu Nordeste

Que só o cabra da peste

Com você se acostumou.


Literatura de Cordel quarta, 10 de novembro de 2021

A CHEGADA DE LAMPIÃO NO CÉU (FOLHETO DE JOSÉ PACHECO)
A CHEGADA DE LAMPIÃO NO CÉU
José Pacheco

 

Lampião foi no inferno

Ao depois no céu chegou

São Pedro estava na porta

Lampião então falou:

– Meu velho não tenha medo

Me diga quem é São Pedro

E logo o rifle puxou

 

São Pedro desconfiado

Perguntou ao valentão

Quem é você meu amigo

Que anda com este rojão?

Virgulino respondeu:

– Se não sabe quem sou eu

Vou dizer: sou Lampião.

 

São Pedro se estremeceu

Quase que perdeu o tino

Sabendo que Lampião

Era um terrível assassino

Respondeu balbuciando

O senhor… está… falando…

Com… São Pedro… Virgulino!

 

Faça o favor abra esta porta

Quero falar com o senhor

Um momento meu amigo

Disse o santo faz favor

Esperar aqui um pouquinho

Para olhar o pergaminho

Que é ordem do Criador

 

Se você amou o próximo

De todo o seu coração

O seu nome está escrito

No livro da salvação

Porém se foi um tirano

Meu amigo não lhe engano

Por aqui não fica não

 

Lampião disse está bem

Procure que quero ver

Se acaso não tem aí

O meu nome pode crer

Quero saber o motivo

Pois não sou filho adotivo

Pra que fizeram-me nascer?

 

São Pedro criou coragem

E falou pra Lampião

Tenha calma cavalheiro

Seu nome não está aqui não

Lampião disse é impossível

É uma coisa que acho incrível

Ter perdido a salvação

 

São Pedro disse está bem

Acho melhor dar um fora

Lampião disse meu santo

Só saio daqui agora

Quando ver o meu padrinho

Padre Cícero meu filhinho

Esteve aqui mas foi embora

 

Então eu quero falar

Com a Santa Mãe das Dores

Disse o santo ela não pode

Vir aqui ver seus clamores

Pois ela está resolvendo

Com o filho intercedendo

Em favor dos pecadores

 

Então eu quero falar

Com Jesus crucificado

Disse São Pedro um momento

Que eu vou dar o seu recado

Com pouco o santo chegou

Com doze santos escoltado

 

São Longuinho e São Miguel,

São Jorge, São Simão

São Lucas, São Rafael,

São Luiz, São Julião,

Santo Antônio e São Tomé,

São João e São José

Conduziram Lampião

 

Chegando no gabinete

Do glorioso Jesus

Lampião foi escoltado

Disse o Varão da Cruz

Quem és tu filho perdido

Não estás arrependido

Mesmo no Reino da Luz?

 

Disse o bravo Virgulino

Senhor não fui culpado

Me tornei um cangaceiro

Porque me vi obrigado

Assassinaram meu pai

Minha mãe quase que vai

Inclusive eu coitado

 

Os seus pecados são tantos

Que nada posso fazer

Alma desta natureza

Aqui não pode viver

Pois dentro do Paraíso

É o reinado do riso

Onde só existe prazer

 

Então Jesus nesse instante

Ordenou São Julião

Mais São Miguel e São Lucas

Que levassem Lampião

Pra ele ver a harmonia

Nisto a Virgem Maria

Aparece no salão

 

Aglomerada de anjos

Todos cantando louvores

Lampião disse: meu Deus

Perdoai os meus horrores

Dos meus crimes tão cruéis

Arrependeu-se através

Da Virgem seus esplendores

 

Os anjos cantarolavam

Saudando a Virgem e o Rei

Dizendo: no céu no céu

Com minha mãe estarei

Tudo ali maravilhou-se

Lampião ajoelhou-se

Dizendo: Senhora eu sei

 

Que não sou merecedor

De viver aqui agora

Julião, Miguel e Lucas

Disseram vamos embora

Ver os demais apartamentos

Lampião neste momento

Olhou pra Nossa Senhora

 

E disse: Ó Mãe Amantíssima

Dá-me a minha salvação

Chegou nisto o maioral

Com catinga de alcatrão

Dizendo não pode ser

Agora só quero ver

Se é salvo Lampião

 

Respondeu a Virgem Santa

Maria Imaculada

Já falaste com meu Filho?

Vamos não negues nada

– Já ó Mãe Amantíssima

Senhora Gloriosíssima

Sou uma alma condenada

 

Disse a Virgem mãe suprema

Vai-te pra lá Ferrabrás

A alma que eu pôr a mão

Tu com ela nada faz

Arrenegado da Cruz

Na presença de Jesus

Tu não vences, Satanás

 

Vamos meu filho vamos

Sei que fostes desordeiro

Perdeste de Deus a fé

Te fazendo cangaceiro

Mas já que tu viste a luz

Na presença de Jesus

Serás puro e verdadeiro

 

Foi Lampião novamente

Pelos santos escoltado

Na presença de Jesus

Foi Lampião colocado

Acompanhou por detrás

O tal cão de Ferrabrás

De Lúcifer enviado

 

Formou-se logo o júri

Ferrabrás o acusador

Lá no Santo Tribunal

Fez papel de promotor

Jesus fazendo o jurado

Foi a Virgem o advogado

Pelo seu divino amor

 

Levantou-se o promotor

E acusou demonstrando

Os crimes de Lampião

O réu somente escutando

Ouvindo nada dizia

A Santa Virgem Maria

Começou advogando

 

Lampião de fato foi

Bárbaro, cruel, assassino

Mas os crimes praticados

Por seu coração ferino

Escrito no seu caderno

Doze anos de inferno

Chegou hoje o seu destino

 

Disse Ferrabrás: protesto

Trago toda anotação

Lampião fugiu de lá

Em busca de salvação

Assassinou Buscapé

Atirou em Lucifer

Não merece mais perdão

 

Levantou-se Lampião

Por esta forma falou

Buscapé eu só matei

Porque me desrespeitou

E Lucifer é atrevido

Se ele tivesse morrido

A mim falta não deixou

 

Disse Jesus e agora

Deseja voltar à terra

A usar de violência

Matando que só uma fera?

Disse Lampião: Senhor

Sou um pobre pecador

Que a Vossa sentença espera

 

Disse Jesus: Minha mãe

Vou lhe dar a permissão

Pode expulsar Ferrabrás

Porém tem que Lampião

Arrepender-se notório

Ir até o “purgatório”

Alcançar a salvação

 

Ferrabrás ouvindo isto

Não esperou por Miguel

Pediu licença e saiu

Nisto chegou Gabriel

Ferrabrás deu um estouro

Se virou num grande touro

Foi dar resposta a Lumbel

 

Resta somente saber

O que Lampião já fez

Do purgatório será

O julgamento outra vez

Logo que se for julgado

Farei tudo versejado

O mais até lá freguês.


Literatura de Cordel quarta, 03 de novembro de 2021

A CHEGADA DA PROSTITUTA NO CÉU

 

Do rosto da poesia
eu tirei o santo véu
e pedi licença a ela
para tirar o chapéu
e escrever a chegada
da prostituta no céu…

Sabemos que a prostituta
é também um ser humano
que por uma iludição
fraqueza ou desengano
o seu viver é volúvel
sempre abraça ao engano…

Vive metida em orgia
e cheia de vaidade
é raro uma que trabalha
e usa honestidade
por isso fica odiada
perante a sociedade…

Todas as religiões
para ela escala uma pena
se o homem lhe abraça
a mulher casada condena
mas sabemos que Jesus
perdoou a Madalena…

 

Falar sobre prostituta
é um caso muito sério
que é um ser sofredor
sua vida é de mistério
e para sobreviver
sempre usa o adultério…

Perante a sociedade
ela é marginalizada
existe umas mais calmas
e outras mais depravadas
e quem tem mais ódio delas
é a própria mulher casada…

Ela vive aqui na terra
enfrentando um sacrifício
se vende para os homens
muitas se entrega no vício
e nova se estraga e faz
da miséria ofício…

Aconteceu que uma delas
morreu em um certo dia
e pela vida que levava o
o povo sempre dizia
ela vai para o inferno
pelos atos que fazia…

Assim que foi enterrada
a alma se destinou
querendo ir para o céu
mas primeiro ela passou
pelo portão do inferno
e o diabo lhe acompanhou…

Saiu correndo atrás dela
dizendo vem cá bichinha
um bocado como tu faz
tempo que aqui não vinha
e eu estou gamadão
nesta garota novinha…

Mas na carreira que vinha
o diabo e a prostituta
passaram no purgatório
e no sindicato das puta
e lá no portão do céu
foi que começou a luta…

Porque já se encontrava
uma mulher bem casada
arengando com o marido
que morreu de uma virada
e queria entrar no céu
com uma faca afiada…

Essa mulher que morreu
era muito ciumenta
quando viu a prostituta
entortou o pau da venta
e disse: vou te furá
foi uma luta cinzenta…

Furou a mulher na perna
o marido puxou no braço
o diabo pegou também dizendo
já sei que faço
vou levar mesmo sem perna
mas levo o melhor pedaço…

Nessa zuada São Pedro
se apresentou no portão
e disse: não tem lugar
pra mulher com bestalhão
só tem pra mulher sozinha
e foi logo estirando a mão…

E pegou logo no braço
da mulherzinha assanhada
disse: você pode entrar
aqui não lhe falta nada
vai dormir na minha cama
até alta madrugada…

Mas atrás dela já vinha
outro cara de complô
e disse: eu entro também
pode dá o estupô
porque na terra eu era
dessa mulher gigolô…

São Pedro lhe respondeu
mas aqui é diferente
sou o chaveiro do céu
e aqui neste batente
só entra quem eu quiser
que sou velho, mas sou quente…

Disse: vocês lá na terra
fazem tudo quanto quer
maltrata as prostitutas
e usam como quiser
mas aqui eu trato bem
a todos que aqui vier…

E entrou de braço dado
com a mulherzinha singela
com uma perna furada
mas São Pedro tratou dela
e deu apoio a prostituta
que ninguém bulia nela…

Depois disso a prostituta
foi fazendo o que bem quis
botou galha em São Pedro
namorou com São Luiz
tirou sarro com São Bento
no beco do chafariz…

Uma noite de São João
dançou com São Expedito
levou xêxo de São Brás
namorou com São Carlito
e no fim da festa foi
dormir com São Benedito…

E não quis Santo Oscar
por ser barbudo demais
deixou ele na espera
e foi dormir com São Brás
Santo Oscar quando acordou
Falou alto e bem voraz…

Disse ele: hoje mesmo
antes de tomar café
eu vou contar a Jesus
essa puta como é
depois de sua chegada
o céu virou cabaré…

Ele foi e disse a Jesus
que ela era depravada
Jesus respondeu calmo
deixa essa pobre coitada
se na terra sofreu tanto
como vai ser castigada?

Na terra não teve apoio
em meio a sociedade
levou a vida sofrendo
e fazendo caridade
aceitando preto e branco
que tinha necessidade…

Mesmo com as prostitutas
vive cheio de tarado
correndo atrás das moças
e mulher de homem casado
se não houvesse prostituta
qual seria o resultado?

Ele ficou cabisbaixo
e respondeu: muito bem
se o sol nasce pra todos
pra mulher nasceu também
se um dia eu pegar ela
trituro e deixo um xerém…

Aí ficou sem efeito
a denúncia de Santo Oscar
pediu perdão a Jesus
e voltou pra seu lugar
e encontrou Mariano
num sarro de admirar…

Aqui termino o livrinho
em favor das prostituta
para vender aos homens
a rapaz, a corno e puta
pessoas de baixo porte
e aos de boa conduta…

 


Literatura de Cordel quarta, 27 de outubro de 2021

A CASA QUE A FOME MORA (FOLHETO DE ANTÔNIO FRANCISCO)
 
A CASA QUE A FOME MORA (FOLHETO DE ANTÔNIO FRANCISCO)

 

  
A CASA QUE A FOME MORA
 


Eu de tanto ouvir falar
Dos danos que a fome faz,
Um dia eu sai atrás
Da casa que ela mora.
Passei mais de uma hora
Rodando numa favela
Por gueto, beco e viela,
Mas voltei desanimado,
Aborrecido e cansado.
Sem ter visto o rosto dela.

Vi a cara da miséria
Zombando da humildade,
Vi a mão da caridade
Num gesto de um mendigo
Que dividiu o abrigo,
A cama e o travesseiro,
Com um velho companheiro
Que estava desempregado,
Vi da fome o resultado,
Mas dela nem o roteiro.

Vi o orgulho ferido
Nos braços da ilusão
Vi pedaços de perdão
Pelos iníquos quebrados,
Vi sonhos despedaçados
Partidos antes da hora,
Vi o amor indo embora,
Vi o tridente da dor,
Mas nem de longe via a cor
Da casa que a fome mora.

Vi num barraco de lona
Um fio de esperança,
Nos olhos de uma criança,
De um pai abandonado,
Primo carnal do pecado,
Irmão dos raios da lua,
Com as costas seminuas
Tatuadas de caliça,
Pedindo um pão de justiça
Do outro lado da rua.

Vi a gula pendurada
No peito da precisão,
Vi a preguiça no chão
Sem ter força de vontade,
Vi o caldo da verdade
Fervendo numa panela
Dizendo: aqui ninguém come!
Ouvi os gritos da fome,
Mas não vi a boca dela.

Passei a noite acordado
Sem saber o que fazer,
Louco, louco pra saber
Onde a fome residia
E por que naquele dia
Ela não foi na favela
E qual o segredo dela,
Quando queria pisava,
Amolecia e Matava
E ninguém matava ela?

No outro dia eu saio
De novo a procura dela,
Mas não naquela favela,
Fui procurar num sobrado
Que tinha do outro lado
Onde morava um sultão.
Quando eu pulei o portão
Eu vi a fome deitada
Em uma rede estirada
No alpendre da mansão.

Eu pensava que a fome
Fosse magricela e feia,
Mas era uma sereia
De corpo espetacular
E quem iria culpar
Aquela linda princesa
De tirar o pão da mesa
Dos subúrbios da cidade
Ou pisar sem piedade
Numa criança indefesa?

Engoli três vezes nada
E perguntei o seu nome
Respondeu-me: sou a fome
Que assola a humanidade,
Ataco vila e cidade,
Deixo o campo moribundo,
Eu não descanso um segundo
Atrofiando e matando,
Me escondendo e zombando
Dos governantes do mundo.

Me alimento das obras
Que são superfaturadas,
Das verbas que são guiadas
Pro bolsos dos marajás
E me escondo por trás
Da fumaça do canhão,
Dos supérfluos da mansão,
Da soma dos desperdícios,
Da queima dos artifícios
Que cega a população

Tenho pavor da justiça
E medo da igualdade,
Me banho na vaidade
Da modelo desnutrida
Da renda mal dividida
Na mão do cheque sem fundo,
Sou pesadelo profundo
Do sonho do bóia fria
E almoço todo dia
Nos cinco estrelas do mundo.

Se vocês continuarem
Me caçando nas favelas,
Nos lamaçais das vielas,
Nunca vão me encontar,
Eu vou continuar
Usando o terno Xadrez,
Metendo a bola da vez,
Atrofiando e matando,
Me escondendo e zombando
Da burrice de vocês.

Literatura de Cordel quarta, 20 de outubro de 2021

A CANDIDATURA DE LAMPIÃO A PRESIDENTE DA REPÚBLICA (FOLHETO DE VICENTE CAMPOS FILHO)
 

A CANDIDATURA DE LAMPIÃO A PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Vicente Campos Filho

  

Das histórias que surgiram

No Nordeste do Brasil

Sobre um tal de Virgulino

Lampião, homem viril,

Tem uma que ficou fora

Dos registros da história

Pouca gente já ouviu.

 

Quem me contou com detalhes

Eu não sei se é mentira

Foi um velho ex-cangaceiro

Chamado Zé Macambira

Me disse que Lampião

Foi um herói do sertão

Esse título ninguém tira.

 

Me disse que era tanta

A fama de Lampião

Que um cangaceiro seu

Deu a sua opinião

Meu Capitão vosmecê

É quem merecia ser

Presidente da nação.

 

 

Pois não é que Lampião

Aceitou logo no ato

E disse em cima da bucha:

– Eu quero ser candidato

E quem não votar em mim

Só pode ser cabra ruim

Eu esfolo, capo e mato.

 

E o plano de governo

Do Capitão Virgulino

Amplamente divulgado

Pelo Sertão Nordestino

Teve logo aprovação

De toda a população

Homem, mulher e menino.

 

Vou tentar reproduzir

O plano do cangaceiro

Como foi que Lampião

Convenceu o povo inteiro

A aprovar o seu plano

E votar naquele ano

No famoso justiceiro.

 

Lampião já discursava

Pensavam como seria

Viver sem corrupção

Felicidade pra todos

Habitantes da nação

Por toda parte se ouvia

Dia e noite, noite e dia

– Vou votar em Lampião.

 

Virgulino aonde chegava

Era motivo de alegria

Conquistava toda a gente

Do Ceará à Bahia

E nos braços do povão

Provocava um arrastão

Era grande a romaria.

 

Os políticos invejavam

Tanta popularidade

Temiam que a promessa

Se transformasse em verdade

Se Lampião fosse eleito

De deputado a prefeito

Perdia a tranquilidade.

 

Por isso se reuniu

De vereador a prefeito

Naquela situação

Resolveram dar um jeito

Armaram aquela cilada

De tocaia na estrada

Montaram um plano perfeito.

 

Lá pras bandas de Angicos

Fuzilaram Lampião

Mas acabaram também

Com os planos da nação

De criar um país novo

Calaram a boca do povo

Venceu a corrupção.

 

No Nordeste inteiro o povo

Chorou a morte do bando

Do Capitão Virgulino

Ficavam só comentando

Ô cabra macho da peste

Representou o Nordeste

Viveu e morreu lutando.

 

Se o plano de Lampião

Tivesse ido à frente

A vida aqui no Brasil

Seria bem diferente

Não ia faltar o pão

Saúde e educação

Na vida da nossa gente.

 

Se um dia surgir aqui

Outro Lampião disposto

A mudar nossa história

Vai ser bem-vindo no posto

De Capitão da Justiça

Vai acabar com a injustiça

E recebido com gosto.

 

Isso foi o que eu ouvi

Da boca do ex-cangaceiro

Quem quiser que conte outra

Porque eu cheguei primeiro

Não diga que estou mentindo

Vá por aí repetindo

A estória do justiceiro.

 

Em todo lugar que ia

Seu lema era limpeza

Credo, cruz, Ave Maria

– Eu vou varrer desse mundo

Tudo quanto é vagabundo,

Era isso que dizia.

 

Prometia: – Vou banir

Desse mundo a ladroagem

Também prometo acabar

Com essa vagabundagem

Esse bando de safado

Vai se ver encurralado

Vou acabar com a bandidagem…

 

…Esses políticos corruptos

Vão provar minha chibata

Eu prometo acabar

Com essa tal de mamata

Palavra de Lampião

Cabra brabo do sertão

Feito dez siris na lata…

 

… O prefeito que roubar

Dinheiro da prefeitura

Vai ter que se ver comigo

E vai levar uma dura

Vou manda-lo pra prisão

Pra comer banha com pão

E feijão com rapadura…

 

… Prometo fiscalizar

Os atos dos deputados

Se andarem fora da linha

Eles vão estar lascados

Eu mando juntar tudim

O magote de cabra ruim

Todos eles amarrados…

 

…Depois boto num navio

Solto lá no mei do mar

Tudo quanto é tubarão

De comer vai se fartar

Quero ver dentro de um ano

Sem mentira e sem engano

Esse país se ajeitar…

 

…Vou mostrar pra essa gente

Que eu boto ordem na casa

Político ruim e safado

Comigo pega em brasa

Arranco o couro das costas

Capo, corto a trouxa em postas

Ladrão comigo se arrasa.

 

O programa de governo

Era voltado pro povo

E este logo aprovou

Sonhando com um Brasil novo

Um país justo e feliz

Dono do próprio nariz

Sem dever sequer um ovo.

 

O povo do meu sertão

Já estava até sonhando

Com uma vida melhor

Estavam todos contando

Pensavam como seria

Ter saúde e moradia

A educação prosperando.


Literatura de Cordel quarta, 13 de outubro de 2021

A BELA HISTÓRIA DE JACI, A PROSTITUTA VIRGEM E SANTA (FOLHETO DE FRANKLIN XAXADO)
 
 

A BELA HISTÓRIA DE JACI ,  A PROSTITUTA VIRGEM E SANTA

Franklin Xaxado

 

 

 

Nossa vida, minha gente

É cheia de contradições

As vezes, o que se vê

Em muitas situações

Não é a realidade

São apenas ilusões

 

Aqui conto um caso desses

Como enganam as aparências

Uma moça que ninguém diz

Olhando suas vivencias

Seja virgem e muito santa

Apesar de experiências

 

Jaci era uma dessas

Mulheres fáceis da vida

Adotou a profissão

Passando-se por perdida

Para poder sobreviver

Sem depender de acolhida

 

Feita esta explicação

Vamos contar sua estória

Feita com muito amor

Da derrota fez vitória

E nisso está seu louvor

Na conduta meritória

 

 

Morava sua família

No distante Piauí

Um casebre de sopapo

Era morada de Jaci

Quase não tinha comida

Vivia mais de piqui

 

Seus pais eram bem pobres

Viviam como agregados

O fazendeiro não deixava

Eles fazerem roçados

Pois as terras de caatinga

Eram só para os seus gados

 

Os dois caboclos seus pais

Eram bastante doentes

Só tiveram essa filha

Isolados dos parentes

Davam a ela afeição

Compensando os bens carentes

 

Jaci cresceu sempre assim

Já tinha onze anos

Quando uma seca danada

Torrou todos aqueles planos

Acabando os mantimentos

E trazendo desenganos

 

O seu pai não resistiu

E morreu sem decomer

A viúva então ficou

Num perrengue de doer

E para se sair dele

Pensou a filha vender

 

Não tanto para comer

Mas pelo futuro dela

Pois já era crescidinha

Breve seria donzela

Naquela situação

Ia apanhar como concela

 

Como diz que”a precisão

É quem obriga ladrão”

Sua mãe então decide

Ir vendê-la ao mangangão

Coronel Zeca Tadeu

Da Fazenda Cansansão

 

Esse coronel era rico

E dono de tudo ali

Se quisesse então podia

Muito bem criar Jaci

Mas o que ele queria

Eu vou já dizer aqui

 

Sua mãe não disse nada

Quase até não chorou

No enterro do marido

Depois dele arrumou

Os seus troços numa trouxa

E para a vila rumou

 

Só disse a Jaci que ia

Embora desse lugar

Iria para a cidade

E lá iam trabalhar

Não queria nem mais ver

Ou da casinha falar

 

Jaci como boa filha

Foi na sua companhia

Inocente do destino

Feito à sua revelia

Caminharam esfomeadas

Tendo a sede como guia

 

Dormiram pelo relento

Ouvindo onças urrarem

Vendo as corujas da noite

Cruzando na frente a piarem

Como que se estivessem

O seu futuro a agourarem

 

Até que então chegaram

A varanda da mansão

Do seo coronel Tadeu

Que estava no oitão

Deitado em sua rede

Bebendo suco de limão

 

A mãe nem se descansou

E mal colocou o volume

Humildemente lhe pediu

Num tom de voz de queixume

Pra falar particular

Dum assunto que veio a lume

 

Seo Tadeu esbravejou

Foi dizendo que”se era

Comida, ele não tinha

Pois estava na espera

Das chuvas para salvar

O seu gado da tapera”

 

A mãe lhe tranquilizou

Que não era isso não

Queria vender a filha

Pra sair da aflição

O coronel então mandou

Dar-lhe um saco de feijão

 

Aí se voltou pra filha

Mas não disse que a vendeu

Apenas que ela iria

Morar com o seo Tadeu

Respeitasse as suas ordens

E Jaci compreendeu

 

Logo que a entregou

Retirou-se comovida

Deu-lhe a dor do remorso

Se lamentando da vida

Lhe veio uma tal pontada

Que caiu desfalecida

 

Quando ela caiu, a saca

De feijão caiu por cima

Jaci soube da verdade

E logo se desanima

E com o feijão pagou

O enterro por estima

 

Ficou Jaci só no mundo

Vivendo na casa grande

Com o passadio melhor

Mesmo tendo quem lhe mande

Foi-lhe chegando as carnes

Vestidas em traje dande

 

Jaci cresceu mais um pouco

Se tornou uma mocinha

De corpo muito bem feita

Uma cara bonitinha

Todos ali a notavam

Era uma belezinha

 

Os homens e os rapazes

Lhe desejavam amor

Mas ela se respeitava

E guardava o seu pudor

Por isso não declaravam

Temiam pelo senhor

 

O coronel começou

A lhe olhar indecente

A lhe comer com os olhos

Como em bote de serpente

Olhava as suas formas

Passava a língua no dente

 

Até quando aproveitou

A esposa ter saído

Foi de noite ao seu quarto

Já quase todo despido

Mandou que Jaci abrisse

A porta pra ser servido

 

Jaci perguntou o que era

Ele lhe disse que queria

Lhe dar umas lições

Com bastante calmaria

Porem falava nervoso

E Jaci já desconfia

 

Jaci já acostumada

Com o seu sofrimento

Se vestiu e abriu a porta

Mas teve um pressentimento

Deixou a janela aberta

Se vendo o firmamento

 

O coronel a agarrou

Pelo braço e cintura

Encostou seu corpo ao dela

E lhe disse com grossura:

-Se você não aceitar

Verá o que é vida dura

 

Jaci disse: Está bem!

Deixe fechar a janela

Pois pode alguém nos ver

E sem cair na esparrela

O coronel no seu fogo

Confiou no dizer dela

 

Ela mais do que depressa

Pulou ligeiro e fugiu

Correu tanto como louca

Virou trevas e sumiu

Na noite afora e adentro

E assim escapuliu

 

Vamos deixar a Jaci

Correndo esbaforida

Vamos tratar do patrão

Que ficou fulo da vida

Pensou logo em se vestir

E ir atrás da perdida

 

Mas tinha que ir pegar

Animal no meio do pasto

Para alcançar a moça

Ou ir atrás no seu rastro

Assim pensou duas vezes

Antes de fazer o gasto:

 

-Ela vai ter que voltar

E se não voltar jamais

Mando um cabra dos meus

Na confiança ir atrás

Trazer na marra ou então

Não a deixar viver mais

 

-Pois não fica bem pra mim

Ir atrás de meninota

O povo vai falar muito

Eu entro numa patota

Ela vai ter de voltar

Pois a comprei pela cota

 

Vamos deixar o seo Zeca

Na espera do resultado

Pois mandou um jagunço

Nesse caso encarregado

Vamos ver o que se deu

E de Jaci o estado

 

Ruão era esse jagunço

E gostava de mulher

Não fumava e não bebia

Conhecia o seu mister

Por isso encontrou Jaci

Dançando num cabaré

 

Jaci dançava mexendo

Mostrando as coxas de fora

Estava muito bonita

Verdadeira sedutora

O jagunço se mostrou

E a Jaci apavora

 

Ela conheceu seu rosto

Quis escapar mas Ruão

A agarrou pelo braço

Diz: Não me tema não

Porque se você deixar

Esqueço a obrigação

 

Mas se você não quiser

Vou matá-la ou levar

Pro coronel desumano

Que esta a desejar

Ter você de todo jeito

Para seu prazer gozar

 

Jaci não vendo saída

Disse-lhe então que deixava

Satisfazia com tudo

Só uma coisa respeitava

Pois jurou que se perdesse

Aí então se matava

 

Ruão na louca paixão

Aceitou sua jogada

Recebeu os seus carinhos

E no auge da gozada

Tentou até profanar

A sua entrada sagrada

 

Mas Jaci já escolada

Se saiu e se negou

Fez a coisa com tal jeito

Que o bruto amansou

Entretanto no momento

Por um instante a forçou

 

Passou uns dias assim

Até que Jaci lhe disse:

-Você deve voltar dizendo

Que não houve quem me visse

Eu vou seguir adiante

E é melhor você ir-se

 

-Eu guardo o seu segredo

E você guarda o meu

É melhor para nós dois

Pois se o coronel Tadeu

Souber o que se passou

Mata tu e mata eu

 

Ruão bem compreendeu

Voltou para a fazenda

Convenceu o coronel

Que tinha perdido a prenda

Pois Jaci deve ter ido

Viver longe da contenda

 

Ficou Jaci viajando

E sofrendo em boate

Com a ilusão de ter

Algum dia quem lhe trate

O seu encantado príncipe

Por quem seu coração bate

 

Não vou descrever o que

Fazia ou de que vivia

Pro leitor que tem pudor

Só vou dizer que fazia

Outras coisas que o homem

Tem o gozo da alegria

 

Uma coisa nunca fez

Foi deixar um homem entrar

Pela entrada sagrada

Do seu corpo rosalgar

Isso ela jurou pra si

Que só depois de casar

 

Nem mesmo quando até teve

Paixão pelo viajante

Este até lhe bateu

Quando era seu amante

Não casou e lhe deixou

Na sua vida errante

 

Desiludida, Jaci

Tornou-se quase uma santa

Conservando a virgindade

A pureza que acalanta

Deu então para cantar

Assim seus males espanta

 

Ficando com mais idade

Começou a criar filhos

Das colegas de infortúnio

Frutos desses descaminhos

Procurava lhes dar vida

Com lições e carinhos

 

Dava o amor que não teve

Infância que não viveu

Sofria para fazê-los rir

Até que afinal morreu

Sem profanar virgindade

Por ela muito sofreu

 

E todos lhe respeitavam

Comparavam à Virgem Maria

Que é a mãe de Jesus Cristo

Padeceu com agonia

Pois”os bons são os que sofrem”

Se diz com sabedoria

 

Faleceu virgem e pura

Quase santa sem pecado

Porque o que fez na vida

Deus deve ter perdoado

Não o fez pelo escândalo

Ou mal intencionado

 

Três dias depois de morta

Aos guris apareceu

Vestida num chambre alvo

Um halo resplandeceu

Clareou todo ambiente

A casinha estremeceu

 

Mas ela acalmou dizendo:

– Eu não os abandonei

E estarei sempre aqui

Com vocês, eu viverei

Procurem fazer por si

Que de fora ajudarei

 

Por isso todos ali

A devotam como santa

Têm conseguido milagres

Quem da vida desencanta

Termino assim essa estória

Que este poeta canta

 

M-aria tambémpecou

A-mando seu São José

X-orou pelo filho amado

A-dorou a Deus com fé

D-eixou lição pra Jaci

O exemplo pra mulher.


Literatura de Cordel quarta, 06 de outubro de 2021

A AMAZÔNIA É NOSSA (FOLHETO DE MARCUS LUCENNA)
 
A AMAZÔNIA É NOSSA
Marcus Lucena

 

Vou falar da Amazônia
A terra da promissão
Que hoje o mundo cobiça
Pela sua imensidão
A biodiversidade
E a riqueza do seu chão.

A sua maior porção
Pertence a nós brasileiros
Porém, Peru e Colômbia
Tem ela nos seus terreiros
Venezuela e Bolívia
Dela também são parceiros.

Lá também vivem os primeiros
Donos deste novo mundo
Os índios a quem devemos
O respeito mais profundo
E o brasileiro cabôclo
Povo mestiço e fecundo.

Precisamos ir bem fundo
Ao tratar dessa questão
Que mexe com nossa vida
Com a nossa imaginação
Com a história e o futuro
Da nossa grande nação.

Amazônia é equação
Que temos que resolver
Se será fácil ou difícil
O tempo é quem vai dizer
É nosso dever de casa
E vamos ter que fazer.

Nós precisamos dizer
Ao mundo com galhardia
Que os povos da Amazônia
Da sua rica bacia
São os seus únicos donos
Têm dela a soberania.

Dia e noite, noite e dia
Precisamos combater
Com idéias, com ações
Senão é fácil prever
Toda essa nossa riqueza
Haveremos de perder.

Todos precisam saber
Dessa grande orquestração
Que os poderosos do mundo
Vêm movendo desde então
Pra tomarem a Amazônia
Movidos pela ambição.

Debaixo daquele chão
Tem prata,tem gipsita
Tem diamantes, titânio
Ferro, ágata, malaquita
Citrinos, molibidênio
Tem tungstênio e bauxita.

Veios de ouro e pepitas
Urânio, gás, manganês
Tem petróleo, alumínio
Potássio e digo a vocês
Onde tem tanta riqueza
O gringo nunca é cortês.

Gringo não quer ser freguês
E também não quer ser sócio
Quer meter a mão em tudo
Ser o dono do negócio
Acham que somos otários
Que o nosso povo é beócio.

Mas o sol em equinócio
Na linha do equador
Ilumina o nosso povo
Com tanta luz e esplendor
Que um povo com esse brilho
Não pode ser perdedor.

Precisamos dar valor
As forças que a gente tem
Novo colonizador
Aqui não vai se dar bem
Nós não queremos ser mais
Escravos de mais ninguém.

Na Amazônia ainda tem
Tântalo, topázio e linhito
Fluor, zinco, tório, cromo
Um território bonito
Nióbio, ítrio e as águas
Do Amazonas bendito.

Porém tem muitos conflitos
Com grileiro, com posseiro
Tem também falsos pastores
À serviço do estrangeiro
Queimadas pra criar gado
Fazendeiro e madeireiro.

Mas cabe a nós brasileiros
Puxar o mote, o refrão
Chamar os nossos vizinhos
Com bom senso e união
Pra defender nossas pátrias
Patrimônio e rico chão.

Hoje com a concentração
Das furtunas pela terra
Com a riqueza em poucas mãos
Ou a gente grita e berra
Ou pra ter a Amazônia
Teremos que entrar em guerra.

O ronco da motoserra
Fumaça e poluição
As pastagens para o gado
Matando a vegetação
Mostra que estamos errando
Na forma de ocupação.

Damos ao gringo a visão
que não sabemos cuidar
Do que eles chamam pulmão
Do mundo a fábrica de ar
É com essa conversa mole
Que eles querem nos lezar.

Precisamos implantar
A auto-sustentação
Respeitando a natureza
Porém com convicção
Que a Amazônia é nossa
E gringo não põe a mão.

No futuro a geração
Que virá depois de nós
Vai poder se orgulhar
E dizer: nossos avós
Fizeram um grande país
Não nos deixaram a sós.

Então solto minha voz
Nesse momento presente
Em nome desse futuro
Onde estará nossa gente
Se a gente fortalecer
Os elos dessa corrente.

Do peão ao presidente
Chico, Mané e Antônia
Do Oiapoque ao Chuí
De Mossoró à Rondônia
Precisamos nos unir
Pra salvar a Amazônia.

Mas se o gringo é nossa insônia
Agiremos dando duro
Rumando na caminhada
Com ninguém deixando furo
Unidos pela Amazônia
Senão, adeus bom futuro.

Lutemos até no escuro
Unidos em harmonia
Com garra, força e coragem
Enfrentando a vilania
Não daremos o que é nosso
Não queiram o que não é vosso
A nossa soberania.×


Literatura de Cordel quarta, 29 de setembro de 2021

ZÉ PENUDO E O DESENVOLVIMENTO HUMAN NO BRASIL (FOLHETO DE MARCOS MAIRTON)
 
 
ZÉ PENUDO E O 
DESENVOLVIMENTO HUMANO NO BRASIL
Marcos Mairton
 

Era uma vez um menino
Que tinha pena de tudo
Do pobre, por não ter nada,
E do rico, por ter tudo.
Por ser tão penalizado
Logo foi apelidado
Com o nome “Zé Penudo”.

Penudo se preocupava
Vendo que o povo sofria,
Sem poder dormir de noite,
Sem querer sair de dia,
E vendo na sociedade
Faltar solidariedade,
Tolerância e alegria.

Zé Penudo então cresceu,
Estudou, fez faculdade,
Depois arranjou emprego
Em uma grande entidade,
Onde lhe deram a missão
De estudar uma nação
E sua sociedade.

Foi na ONU o emprego
Que Penudo conseguiu
E, ao saber de sua missão,
Ficou feliz e sorriu.
Disseram que ele estudasse,
Entendesse e explicasse
Os problemas do Brasil.

Mas falar só de problemas
Não iria lhe agradar,
Penudo, então, resolveu
Às pessoas perguntar:
“De tudo o que você viu,
O que mudar no Brasil
Para a vida melhorar?”.

Assim, quando alguém falasse
Das suas preocupações,
Apontaria os problemas,
E daria condições
De, na mesma ocasião,
Fazer uma previsão
Das possíveis soluções.

Pensando dessa maneira,
Penudo pegou a estrada.
De cidade em cidade
A pergunta era levada.
E as respostas que eram dadas
Eram todas anotadas,
Foi assim sua jornada.

Zé Penudo percorreu
Todo o solo brasileiro
Dos pampas à Amazônia
De Belém a Juazeiro.
Com o relatório pronto
O Brasil, de ponto a ponto,
Fora visto por inteiro.

Mas não foi só viajando
Que Penudo trabalhou,
Através da Internet
Ele também perguntou
E, assim, quinhentas mil
Pessoas, pelo Brasil
Zé Penudo entrevistou.

Foram muitas as respostas,
Que Zé Penudo ouviu,
Para essa mesma pergunta
Que ele sempre repetiu:
“Para a vida melhorar,
Você pode me apontar
O que mudar no Brasil?”

Estudando as respostas
Mostrou-se uma evidência,
Duas coisas no Brasil
Tiram nossa paciência:
Em toda a nossa nação,
Tá faltando educação,
Tá sobrando violência.

Outra coisa importante,
Que também foi percebida
No estudo de Penudo,
Não deve ser esquecida:
É que muitas coisas boas
Dependem só das pessoas
Pra melhorar nossa vida.

De acordo com a pesquisa,
As pessoas apontaram
Coisas muito valiosas
Que elas consideraram.
Coisas como a amizade,
Respeito e tranquilidade,
Elas sempre desejaram.

São bens que não se adquirem
Pela força do dinheiro
E nem o governo tem
Para dar ao brasileiro.
Precisam ser conquistadas
Pelas ações praticadas
Todo dia, o ano inteiro.

Governo faz uma escola,
Hospital, delegacia,
Organiza a previdência,
Intervém na economia.
Mas a família é que ensina
O menino e a menina
A saudar com um “Bom dia!”.

Não pense, então, que o Governo
Cura todas nossas dores
Pois dos fatos sociais
Nós também somos atores
E a pesquisa de Penudo
Já mostrou que, sobretudo,
Precisamos de valores.

Valores nos orientam
Ao tomarmos decisões
E nos servem como guias
Para todas as ações.
Moldam o comportamento
E nos levam ao momento
Das grandes transformações.

Valores como a esperança,
O amor, a liberdade,
O respeito pelo outro
Chamado de alteridade,
Não se compra nem se vende
Na família é que se aprende
Desde nossa tenra idade.

Foi assim que, Zé Penudo,
Concluiu, em sua pesquisa:
Desenvolver os valores
É o que o Brasil precisa.
Com valores se avança,
Pratica-se a esperança
E tudo se realiza.

Penudo ficou feliz
Com a sua conclusão
E agora está cuidando
De toda a divulgação
Das coisas que concluiu,
Contando para o Brasil
Como foi a sua missão.

Dizer que a vida melhor
Que estamos desejando,
Se alcança com atitude,
Com todo mundo ajudando,
Cada um faz sua parte,
Assim, com engenho e arte,
A vida vai melhorando.

Você, que leu essa história,
Já mostrou que tem pendor
Para de grandes mudanças
Ser um colaborador.
Por isso está convidado
A também dar o seu recado
E mostrar o seu valor.


Literatura de Cordel quarta, 22 de setembro de 2021

VIAJAR EM PINGA-PINGA (CORDEL DE ZÉ BEZERRA)

 

VIAJAR EM "PINGA-PINGA"

Poeta Zé Bezerra

Patu-RN

-
 

O ônibus é um transporte

Que no trânsito é referência

A maioria do povo

A ele dá preferência

Mas se é um "pinga-pinga"

É preciso paciência.

-

 

Ele para em todo canto

o seu trajeto é assim

Para na pista, no beco

Em rua, praça e jardim

Mesmo uma distância curta

Parece que não tem fim.

-

 

Em todo lugar que passa

Desce gente, sobe gente

Há uns que conversam muito

Outros dormem facilmente

E vez por outra de leve

Escapa um ar diferente.

-

 

Aqueles que roncam muito

Tendo o corpo adormecido

Ao se mexer na cadeira

Escapa um "pum" espremido

Cuja fragrância é igual

Desodorante vencido.

-

 

Um canta e outro aboia

Um assovia, outro grita

Um bêbado fala besteira

Uma criança vomita

E um velho ressona alto

Que o canto da boca apita.

-

 

Se vão dez ou doze em pé

Ao passar por um buraco

O solavanco é tão grande

Que desmaia quem é fraco

Mas o pior é o bafo

Da catinga de sovaco.

-

 

Precisa manter a calma

Sem pra nada está ligando

Procurar se entreter

Sem ver o tempo passando

Para aguentar o ônibus

Parando de vez em quando.

-

 

Quem não quer sofrer maçada

E por qualquer coisa xinga

Para evitar desconforto

De imprensado ou catinga

Vá direto em seu carrão

Ou viaje de avião

Mas não vá em "pinga-pinga"


Literatura de Cordel quarta, 15 de setembro de 2021

UNA AVENTURA EN EL AMAZONAS, CORDEL EM ESPANHOL DE MARCOS MAIRTON, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANOO

 

Cordel em Espanhol

 
Depois que publiquei "Uma aventura na Amazônia", em 2008, meu amigo Pedro Arenas, colombiano, me fez a gentileza de traduzir o texto para o espanhol. Cheguei a publicar um trecho da tradução neste MundoCordel e tenho recebido pedidos de publicação do restante do texto. Entonces, vamos a ello:


UNA AVENTURA EN EL AMAZONAS
Marcos Mairton



Marcos Mairton
Traducción: Pedro Arenas


Yo sé que los niños de hoy
Temprano en la escuela aprenden
Sobre las cosas de la naturaleza
Y entonces ellos comprenden
Que los animales de la selva
No deven ser maltratados
Y ni tampoco cazados.


A pesar de esto, aún existen
Hombres mal acostumbrados,
Que capturam los animales
En la selva encontrados
Para llevarlos a la ciudad
Para vivir sin libertad,
Tristes y encadenados.


Debido a esta costumbre
Cierto dia aconteció
Una história interesante
Con un niño que yo
Conocí en la infancia
Todavia guardo en la memoria
De como esto sucedió.


Su nombre era Daniel,
Tenía diez años de edad,
Cuando su tio, Pedro,
Después de un largo viaje,
Llegó a nuestra ciudad
Trayendo una novedad
En las maletas de viaje.


El tio habló para él:
“Este es tu regalo
que yo traje de la selva,
solo alli pude encontrarlo,
y pensé: este animalito
llevaré a Danielito
para que él pueda cuidarlo.
 
El regalo era un mico
Muy peludo y muy pequeño.
El pelo, negro y suave,
Parecia de terciopelo.
Daniel, cuando lo vió
Se sentió feliz y sorrió.
Pensó: “Que suerte yo tengo”.
 


Guardó, entonces, el mico,
En una jaula que había
En el solar de su casa
Y era allí que todo dia
Daniel lo alimentaba,
Y con cariño cuidaba
Del animalito que crecía.


Después de algunos meses
Las vacaciones llegaran
Y Daniel y sus papás
Para lejos viajaran.
Pidieron a un vecino
Cuidar del animalito
Y en un avión embarcaron.


Ellos fueron para Manaus
Para hacer una visita
A la tía de Daniel
Llamada Maria Rita,
Que vivia desde pequeña
En esa ciudad brasileña
Moderna, grande y bonita.


Aprovecharan también
Para conocer los lugares
Que son puntos turísticos
Y fueran a los principales:
Al teatro, al mercado,
Al puerto muy agitado
Y a los centros culturales.


Para el dia siguiente
Planearan pasear
De barco en el Rio Negro,
Para por él navegar,
El rio estaba muy ancho
Y, con su oscuro color,
Él inspirava temor.


Y, en el dia siguiente,
Fueran en la excursión,
En el barco había un guía
Que les dava explicaciones,
Pero Daniel no lo escuchaba
Pues en la selva estaba
Toda su atención.


Miraba los árboles gigantes,
Que en la margen estaban,
Y algumas guacamayas
Que en el cielo volaban,
Y hasta un par de delfines,
Que igual a dos niños,
En el agua oscura jugaban.


Este fué un paseo
Para nunca olvidar.
Hasta indios verdaderos
El pudo observar,
Pero, él no podría
Imaginar lo que iría
Enseguida a enfrentar.


La divertida excursión
Ya estaba terminando,
Y el barco ya estaba
Para el puerto regresando,
Cuando surgió por la frente,
Em medio del agua corriente
Un grueso tronco flotando.


“İCuidado!”, gritó un hombre –
“Nos vamos a chocar!”.
Y el piloto del barco
Rápidamente intentó girar,
Pero no logró desviar.
Aquel choque fatal
Él no pudo evitar.


Cuando el barco se chocó
Con aquél tronco inmenso
Abrió en el casco un hueco,
Y la agua fué para dentro.
Pasajeros asustados
Gritaban desesperados,
El ambiente era tenso.


Pero, con mucha habilidad,
El piloto controló
Aquella situación
Que él alli enfrentó.
A pesar de averiado
Y con la bodega inundada,
El barco no se afundó.


Solo que en la confusión
Nadie había percibido
Que el niño Daniel
Había desaparecido.
La mamá sintió escalofrío
De imaginar que en el río
Daniel hubiera caido.


Le llamaran por su nombre
Comenzaram a buscar
Otros barcos que pasaban
Vinieron para ayudar.
Pero, por obra del destino,
En aquel día, el niño
No pudieron encontrar.


A pesar de mucha busca
Que fué realizada
Las chances de encontrarlo
Estaban todas perdidas.
Daniel iba flotando
Rápidamente distanciandose
Con un chaleco salvavidas.


La noche llegó rapidamente
Esperanza ya no había
De encontrar con vida
Aquel desafortunado niño.
Sin embargo, mientras los papás sofriam,
Dos indigenas lo socorrían
Con destreza y con cariño.


Estaban los indios pescando
Rio abajo, bien distante,
Cuando vieran Daniel
Pasando en ese instante,
Con frío, muy asustado,
Pero con fuerza agarrado
Al salvidas flotante.


Entonces remaran con fuerza
Y luego lo acompañaron
Para dentro de la canoa
Com prisa lo empujaron.
Terminado el salvamento,
Para el acampamento
A Daniel ellos llevaron.


Un indio llevó en los brazos
A Daniel, que adormeció.
Hasta hoy él no sabe
Con detalles lo que sucedió,
Pero, por lo que escuchó,
Se recuerda que solo despertó
Cuando el día amaneció.


A esa hora, ya había
Otros indios a su lado,
Que se sintieron muy alegres
Cuando lo vieran recuperado.
Y dentro de una choza
Él comió mandioca
Y un poco de pescado.


De los indios no eran todos
Que hablaban español.
De un grupo de cinquénta
Talvez solo dos o tres.
Por esto, uno que hablaba
Explicó que por alli pasaba
Un barco, una vez al mês.


Mientras el barco no llegaba
Solo podia esperar.
Muchos dias en la aldea
Tendria que demorar.
Daniel, entonces, lloró
Pero, enseguida aceptó
Lo que no podia evitar.


Daniel era un niño
Que tenía mucho coraje.
Esperó sin reclamar
El dia de su viaje.
Y nunca se olvidó
Las muchas cosas que aprendió
En aquél lugar salvaje.


Aprendió a capturar peces
Por dentro del igarapé.
A pescar aruanã,
Pacu e tucunaré.
Quién le indicaba el camino
Era el pequeño indiecito
Que era hijo del pajé.


Aprendió nombres de pájaros
De peces y animales.
Cada dia que pasaba,
Aprendia un poco más.
Pero sentia la nostalgia
De su casa en la ciudad
De estar junto de sus papás.


A vezes cuando pensaba
En su familia ausente,
Él imitaba un guañuz,
Con su grito estridente.
Viendo lo que sucedia,
El cacique siempre decia:
“Él és indio como nuestra gente”.


Un dia, el cacique llamó
Daniel y lo dije asi:
“Ya é llegado el tiempo
De el niño blanco partir
Su barco no demora.
Niño, no se vaya
Sin despedirse de mí”.


Comprendiendo que un barco
Brevemente llegaria,
Daniel no contenia
Su enorme alegria.
Saltaba alegremente,
Pues ahora, finalmente,
A su casa volveria.


En ese momento, un indiecito
Comenzó a lamentarse
Y preguntó al cacique:
“Él no puede quedarse?
Él ahora es mi amigo,
Gusta de jugar conmigo,
Por que él nos tiene que dejar?”


El cacique respondió:
“Curumin va a entender
Cuando sea mayor
Y pueda comprender
Que para todo ser liberto
Existe un lugar cierto
Donde él debe vivir”.


“Se Daniel se queda aqui
Seria una crueldad,
Como hacen con los animales
Que llevan para la ciudad.
Por esso él debe irse
Para allá reunirse
Con su pueblo, de verdad”.


Entonces, en el dia siguiente,
El barco por alli pasó,
Y, con destino a Manaus,
Daniel se embarcó.
Después de algunos dias,
Encontró con sus papás
En el lugar donde todo comenzó.


Cuando llegó a Manaus,
Hubo una fiesta en el puerto.
Decian que Daniel
Ya era dado por muerto.
Pero ahora regresaba
Para la familia que amaba
Gozando de todo conforto.


Después de haber regressado
A la ciudad donde nació,
Me contó toda la aventura
Que en la selva vivió.
Como los indios le salvaron
Y también le enseñaron
Muchas cosas que aprendió.


Me habló que muchas veces
Na selva estaba solito
Y recordaba de la familia,
De sua amor y su cariño.
Y quedaba imaginando:
“Yo creo que estoy pasando
la misma suerte que el miquito”.


Entonces, Daniel rezaba:
“Dios mio, ayudame,
A volver a mi casa,
Yo no voy a querer fiesta.
Pero prometo hacer
De todo para devolver
El mico para la selva”.


Y, de hecho, fué así
Que terminó este drama:
En el dia que Daniel
Fué a dormir e su cama,
Sólo aceptó acostarse
Después que su papá entregase
El miquito para el IBAMA.


Del IBAMA el miquito
Fué a vivir en un zoológico.
Alli tuvo tratamiento
Médico y odontológico.
También fué readaptado
Para después ser libertado
En un parque ecológico.


Daniel hoy es adulto
Y habla siempre conmigo.
Aún le gustan aventuras
Y de jugar con el peligro.
Micos, no tuvo más,
Pero, de los indios y animales
Continua siendo muy amigo.


Y usted que es un niño,
Y legó con mucha atención,
No necesita perderse
Para aprender la lección:
Para criar perro y gato
Mientras los animales de la selva
La gente deja donde están.

Literatura de Cordel quarta, 08 de setembro de 2021

UM SAPO DENTRO DE UM SACO (CORDEL DE MARCOS MAIRTON, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO

 

 


Esta é uma versão resumida do cordel do sapo e do saco. É uma versão para recitais, pois a original ficaria muito longa para ser cantada, mas a essência da história está aí...


UM SAPO DENTRO DE UM SACO
Marcos Mairton

Andando por esse mundo
Já vi muito bicho feio.
Por isso, dificilmente
Me espanto ou me aperreio.
Mas tive um certo receio
Ao encontrar, num buraco,
Um sapo dentro de um saco;
Um saco com um sapo dentro;
O sapo fazendo papo
E o papo fazendo vento.

Era uma noite escura,
Eu voltava para casa,
Quando ouvi alguma coisa,
Como um batido de asa,
Como água apagando brasa,
Como a queda de um barraco.
E era um sapo dentr’um saco;
Um saco com um sapo dentro;
O sapo fazendo papo
E o papo fazendo vento.

Apurei o meu ouvido
Pra saber de onde partia
Aquele barulho estranho,
Aquela meia-agonia.
Medo mesmo eu não sentia,
Mas fui ficando velhaco.
Com o sapo dentr’o saco;
E o saco com o sapo dentro;
O sapo fazendo papo
E o papo fazendo vento.

Então, fui me aproximando
No meio da escuridão.
Como eu não via nada,
Fui assim, passando a mão.
Procurando pelo chão,
Como quem cata cavaco,
O sapo dentro do saco;
O saco com o sapo dentro;
O sapo fazendo papo
E o papo fazendo vento.

Enquanto eu tateava,
Continuava o barulho.
Foi aí que, bem do lado
De um monte de entulho,
Tropecei num pedregulho
E caí feito um pau fraco,
Perto do sapo no saco;
Do saco com o sapo dentro;
Do sapo fazendo papo
E do papo fazendo vento.
Quando caí, o meu braço
Entrou numa cavidade
Onde alguém, um pouco antes,
Fez suas necessidades.
Naquela velocidade,
Atolei até o sovaco.
E o sapo dentro do saco;
E o saco com o sapo dentro;
O sapo fazendo papo
E o papo fazendo vento.

Quando eu quis me levantar,
Minha surpresa foi tamanha
Que fui caindo de novo,
Como uma lata de banha.
Pulou uma coisa estranha
Para fora do buraco.
Era o sapo dentr’o saco;
O saco com o sapo dentro;
O sapo fazendo papo
E o papo fazendo vento.

Assustado com a coisa
Que se sacudia inteira,
Que fazia mais zoada
Do que vendedor na feira,
Bati a mão na peixeira,
Joguei de lado o casaco,
Meti a faca no saco,
No saco com o sapo dentro;
O sapo fazendo papo
E o papo fazendo vento.

Dei mais de vinte facadas,
Não acertei uma só.
Mesmo eu sendo acostumado
A “rejetar” mocotó.
É difícil até mocó
Escapar quando eu ataco.
Mas o sapo dentr’o saco,
E o saco com o sapo dentro,
Pulava e dava sopapo
Com o papo fazendo vento.

Fui embora cabisbaixo,
E aprendi a lição,
De não sair chafurdando
No meio da escuridão.
Não fujo de assombração,
Mas nunca mais me atraco
Com um sapo dentr’um saco;
Um saco com um sapo dentro;
O sapo fazendo papo
E o papo fazendo vento.

Literatura de Cordel quarta, 01 de setembro de 2021

UM PAÍS DESENVOLVIDO (CORDEL DE MARCOS MAIRTON, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

UM PAÍS DESENVOLVIDO

Marcos Mairton 

 
UM PAÍS DESENVOLVIDO
 
Ouvi na Rádio Senado
Um político dizer
Que meu Brasil pode ser
Agora considerado
Um país classificado
Como tendo conseguido,
Afinal, ser promovido
A outra categoria.
O Brasil hoje seria
UM PAÍS DESENVOLVIDO.
Eu ouvi o que foi dito
Naquele pronunciamento,
Mas, já naquele momento,
Pensei: “Eu não acredito”.
E, mesmo agora, reflito
E novamente duvido
Que tenhamos atingido
Essa meta, finalmente,
De o Brasil ser, realmente,
UM PAÍS DESENVOLVIDO.
Pois, enquanto eu encontrar,
Nas ruas por onde ando,
Crianças perambulando,
Nos sinais a mendigar,
A cheirar cola e roubar,
Não posso ser convencido
Que tenhamos conseguido
Um salto de qualidade
Que nos faça, de verdade,
UM PAÍS DESENVOLVIDO.
Enquanto eu, ao parar
Em frente ao sinal fechado,
Me sentir preocupado
Que alguém venha me assaltar,
E, mesmo em casa, no lar,
Me sentir desprotegido,
Não vejo qualquer sentido
Na conversa que se ouviu:
Que seja o nosso Brasil
UM PAÍS DESENVOLVIDO.
Enquanto o pobre tiver
Que sair de madrugada
Para poder ter marcada
Uma consulta qualquer,
E ainda assim puder
Voltar sem ser atendido,
Eu fico até constrangido
De afirmar e dar fé
Que o Brasil agora é
UM PAÍS DE DESENVOLVIDO.
 
Enquanto não for cassado
Quem recebe mensalão,
E houver corrupção
Na câmara ou no Senado,
Sem ninguém ser condenado
Por ser pego envolvido
Em esquema produzido
Nas entranhas do poder,
O Brasil não pode ser
UM PAÍS DESENVOLVIDO.
Onde há desenvolvimento
Corrupção não compensa
Juiz que vende sentença,
Também vai a julgamento
Tem punição a contento,
E castigo garantido.
Nesse Brasil, tão sofrido,
Precisa que isso aconteça
Pra que um dia ele pareça
UM PAÍS DESENVOLVIDO
Porque a corrupção
Em todo lugar existe.
O que faz o quadro triste
Que se vê nesta Nação,
É não haver punição
Para um tipo de bandido
Que é sempre protegido
Por dinheiro ou por poder,
E assim não podemos ser
UM PAÍS DESENVOLVIDO.
Mas nós não apontaremos
Nosso dedo, simplesmente,
Para a classe dirigente
Do país em que vivemos.
Como é que nós queremos
O problema resolvido,
Se temos contribuído,
Com conduta malfazeja,
Para que o Brasil não seja
UM PAÍS DESENVOLVIDO?
Você acaso imagina
Que, para não ser multado,
Chamar o guarda do lado,
E oferecer propina,
Não aumenta ou dissemina
O que é pra ser combatido?
Pois quem assim tem agido,
Não pode sequer dizer
Que quer ver o Brasil ser
UM PAÍS DESENVOLVIDO.
Quem procura o tempo todo
Se dar bem, levar vantagem,
É chegado à malandragem
Tem atração por engodo;
Quem não age com denodo,
Vive em confusão metido,
Não pode estar imbuído
Do que antes se dizia:
De o Brasil ser, algum dia,
UM PAÍS DESENVOLVIDO.
“Mas o PIB aumentou”,
- alguém disse, certo dia, -
“Veja nossa economia,
Como cresceu, melhorou”.
A pessoa que falou
Não deve ter percebido
Que, sem ser distribuído,
Um PIB grande e viril
Não fará deste Brasil
UM PAÍS DESENVOLVIDO.
E, para não terminar
Em tom muito pessimista,
Eu sugiro: Não desista.
Não deixe de acreditar.
Se cada um trabalhar,
Com o bem comprometido,
Não descarto, não duvido
Que esse quadro mudaremos
E um dia construiremos
UM BRASIL DESENVOLVIDO.

Literatura de Cordel quarta, 25 de agosto de 2021

UM MOMENTO DE LUZ (CORDEL DE MARCOS MAIRTON, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO
 
 
 
UM MOMENTO DE LUZ
 
Marcos Mairton
Imagem: Celi Aurora



Foi um momento de luz,
De muita iluminação,
O que aconteceu comigo
Numa certa ocasião,
Quando o dia terminava
E eu sozinho viajava
Pela estrada no sertão.


Estacionei na estrada
Para trocar um pneu
Que furou quando o meu carro
Em um buraco bateu,
Mas, logo que estacionei,
E as ferramentas peguei,
Algo estranho aconteceu.


Eu olhei à minha volta,
Para ver se via alguém.
Mas, naquele lugar ermo,
Não apareceu ninguém.
Só algumas avoantes
Sobrevoaram, rasantes,
E pousaram mais além.


Mas na hora em que olhei
Para onde o bando pousou
Algo na minha visão
De repente se alterou,
Pois vi cada passarinho
Tão de perto, tão pertinho,
Que isso até me assustou.


Foi como se em cada olho
Uma lente de aumento
Houvesse sido instalada
Naquele exato momento.
E tudo o que eu olhava
Depressa se aproximava
Num estranho movimento.


Como um “zoom” de filmadora
Minha vista funcionava
Aumentando qualquer coisa
Que minha vista alcançava.
Bastava eu me concentrar
Em algum ponto e olhar
E tudo se aproximava.


Estranhei aquilo tudo,
E era mesmo intrigante,
Pois olhei fixamente
Para uma avoante,
E, naquele campo aberto,
Vi a ave tão de perto
Que parecia um gigante.


E, à medida que a ave
Parecia estar crescendo,
Cada mínimo detalhe
Ia logo aparecendo.
De um olho vi a retina,
No bico, cada narina,
Tudo isso eu ia vendo.


Eu continuei olhando
E foi como atravessar
Entre as penas do seu peito
Até a pele alcançar.
Ao chegar à epiderme
Vi um parasita, um verme,
De sangue a se alimentar.


Vendo aquele parasita
Satisfazer sua fome
Pensei: “Meu Deus, neste mundo
Todo corpo se consome,
Um bicho come outro bicho,
Não existe sobra ou lixo,
Tudo se bebe ou se come”.


E, de fato, enquanto o verme
Faminto se alimentava,
Outro verme ali surgiu
E agora o atacava.
Houve uma luta entre os dois
E, alguns segundos depois,
Um ao outro devorava.


Foi então que percebi
Que outros bichos semelhantes
Habitavam entre as penas
Das pequenas avoantes,
Chegando mesmo a formar
Uma cadeia alimentar,
E das mais impressionantes.


Eu, então, naquele instante,
Olhei a areia, no chão,
E vi, que daquela areia,
Enxergava cada grão
E, entre os grãos, seres vivos
Movimentando-se ativos,
Eram vida em profusão.


Nessa hora refleti
Sobre o mundo em que vivemos:
“Com tanta vida na Terra,
Muito mais do que nós vemos,
A Terra bem pode ser
Um ser vivo a nos manter
E nós nunca percebemos”.


“Talvez o chão seja a pele
Deste ser que nos sustenta,
Que fornece as substâncias
Que a todos alimenta,
E nós, nada percebendo,
Por aqui vamos vivendo,
Nossa sina violenta”.


“Essa sina violenta
Que não nos deixa entender
Que estamos fazendo a Terra
Mais e mais adoecer.
A consequência evidente:
Se o planeta está doente,
Todos vamos padecer”.


Enquanto eu pensava nisso,
Minha vista escureceu,
Me senti um pouco tonto,
Não sei o que aconteceu.
Ao recobrar o sentido,
Vi que tinha anoitecido,
A noite agora era um breu.


Só então em me lembrei
Que ainda tinha que trocar
O pneu que, horas antes,
Aconteceu de furar.
Com muita pressa troquei
E pra casa retornei
Deixando aquele lugar.


Mas, ainda hoje eu lembro
Do dia em que eu pude ver
Coisas que são pequeninas,
Mas minha vista fez crescer.
Porém, mais que enxergar,
O que eu vi me fez pensar,
E aquela ocasião,
Para mim foi um momento
De luz, de esclarecimento,
De muita iluminação.


Literatura de Cordel quarta, 18 de agosto de 2021

TODAS AS MULHERES (CORDEL DE DALINHA CATUNDA)

 

TODAS AS MULHERES

Dalinha Catunda 


 
 
 
*
Mulher melindrosa
Bonita e faceira
Safada brejeira,
Rude perigosa
Desfila garbosa
Com sua bandeira
Na missa na feira
No lar no bordel
Cumpre seu papel
Com ar de guerreira.
*
Mulher mal-amada
Sem eira nem beira
Que fala besteira
E desatinada
Se diz estudada
E bate no peito
Botando defeito
Em tudo que ver
Não sabe crescer
Mas deve ter jeito.
*
Mulher atrevida
Que ri e graceja
Que toma cerveja
Que é seduzida
Que gosta da vida
De amor e paixão
Sem elo ou prisão
Tem autonomia
E sem ser vadia
Respira emoção.
*
A mártir do lar
Mulher não quer ser
Aprendeu bater
Pra não apanhar
Se o homem tentar
Ele entra na lenha
Maria da Penha
É lei que vigora
Quem bate agora
Algema desenha.
*
Mulher quer carinho
Não foge do laço
E sem embaraço
Refaz seu caminho
Quer flor sem espinho
E quer ser querida
Ser reconhecida
Em tudo que faz
Ser igual lhe apraz
Por ser aguerrida.

Literatura de Cordel quarta, 11 de agosto de 2021

TIRADENTES, UM SONHO DE LIBERDADE (CORDEL DE ZÉ MARIA DE FORTALEZA E ARIEVALDO VIANA)

 

TIRADENTES, UM SONHO DE LIBERDADE

 Zé Maria de Fortaleza e Arievaldo Viana

 

 
 


Num Brasil de tantos Silvas
Quero falar do primeiro
Que embalou nossa pátria
Com um sonho verdadeiro
Foi Joaquim José da Silva
Um grande herói brasileiro.

(...)

Trata-se de um grande herói
Que seus dons proeminentes
Os colocaram no rol
Dos grandes inconfidentes
Foi Joaquim José da Silva
Xavier, o Tiradentes.

Nasceu no século dezoito
No ano quarenta e seis
No Distrito de Pombal
Que lembra o grande Marquês
De Pombal, que foi ministro
Do reinado português.

(...)

Seu padrinho era dentista
E por razões evidentes
Ele aprendeu logo a arte
E por questões decorrentes
Da profissão, lhe custou
A alcunha de Tiradentes.


Na profissão de dentista
Não quis mais continuar
E resolveu investir
Na carreira militar
Foi comandante das tropas
Sem nada lhe intimidar.

(...)

Tiradentes, um plebeu
De origem muito pobre,
Conviveu por algum tempo
No meio de gente nobre
E ante tanta injustiça
Sua vocação descobre.


Viu que a nação brasileira
Não estava satisfeita
Com as ordens lusitanas
E a cobrança suspeita
Percebeu que tal proposta
Por muitos não era aceita.

(...)


Era um homem inteligente
De ampla e clara visão
Um sonho de liberdade
Movia seu coração
Livrar o Brasil Colônia
Do jugo da opressão.

(...)

Tiradentes e seus pares
A justa revolta urdiram
Porém os planos vazaram
Num precipício caíram
Joaquim Silvério e mais dois
Ouviram tudo e o traíram.

(...)

Antes da revolução
Chegar a hora e a vez
A notícia foi levada
Ao Vice-Rei português
Pelo delator infame
Joaquim Silvério dos Reis.

(...)


Prenderam então Tiradentes
Na Rua dos Latoeiros
Já na prisão recebeu
Notícias dos companheiros
Que também estavam presos
Pra revolta dos mineiros.

(...)


A vinte e um de abril
No ano noventa e dois
Daquele século dezoito
A maldade disse: “Pois
Sendo assim, massacrem o réu
Para enforcá-lo depois.


Foram percorrendo as ruas
Lá do Rio de Janeiro
Desde a cadeia ao patíbulo
Levando o prisioneiro
Que apesar do sofrimento
Tinha um semblante altaneiro.


Ao contrário do que os livros
De história têm mostrado
Ele subiu ao patíbulo
Com o cabelo raspado
Trajando uma longa túnica
Por um carrasco puxado.


(...)

Ele cumpriu sua sina
Bastante resignado,
Sonhando ver seu País
Da opressão libertado,
Depois de morto, o herói
Foi também esquartejado.

(...)


Somente com a República
O nosso herói Tiradentes
Virou personalidade
Histórica entre os combatentes
E foi cognominado
Mártir dos inconfidentes.

 


Literatura de Cordel quarta, 04 de agosto de 2021

TERREMOTO NO CEARÁ, CORDEL DE MAVIAEL MELO

 

 TERREMOTO NO CEARÁ

Maviael Melo






Abalos Sísmicos
Maviael Melo


A natureza reclama
Quando nos cobra o estrago
Do Haiti só restou bago
Hoje tudo virou lama
Por isso que se conclama
Para cuidar do ambiente
Tarefa de toda gente
Consciente e educada
Pra amenizar a lapada
Que virá daqui pra frente


Da indonésia ao Japão
No Chile ou na Conxichina
Já se prevê que a sina
È de muita devastação
Por isso mesmo a nação
Para evitar um horror
Instalou um medidor
De abalos pelo solo
E em qualquer parte do pólo
Dá pra prevê o tremor


Certo dia o medidor
Acendeu a luz vermelha
Parecendo uma centelha
Piscando a todo vapor
No ato o operador
Cumpriu com o seu dever
Começou a transcrever
Para o comando alertar
Da grande chance que há
De um abalo acontecer


O comando informado
Da mensagem de alerta
Enviou na hora certa
Para o local indicado
Repassando num recado
O que ia acontecer
E já podendo prevê
Tomassem toda cautela
Aí começa a novela
Que eu vou contar pra você


Como é de se prever
Nessas mensagens de urgência
Não se tem muita eloqüência
Mas é possível entender.
Na serra da saruê
Num lugar longe a granel
Tem um tal de Manoel
Filho de seu Nicolau
Com um cargo federal
Patente de coronel


Um doido meio pinel
Promovido a Delegado
Desse QI indicado
Puxa saco, xeleléu
Mas tapado que um túnel
Quando o lacre sai da prensa
Dessa gente que não pensa
E pensa mesmo saber
Foi dele a sorte de ler
Essa mensagem tão densa.


“UM POSSÍVEL MOVIMENTO
SISMICO JÁ SE INSTALA
SE APROXIMANDO DA ZONA
RITCHTER 7 NA ESCALA
NUM EPICENTRO QUE ESTA


MUITO PERTO DE CHEGAR
CHAME O COMANDO DA SALA
EXECUTEM AS MEDIDAS
PREVISTA NO MANUAL
E COM URGÊNCIA RESPONDAM
AO CENTRO DA CAPITAL”
Na mesma hora Manuel
Num ato de delegado
Correu logo aperreado
Fez o maior escarcéu
Prendeu gente pra dedéu
Fez um barulho medonho
Ele mais o cabo tônho
Fez o maior rebuliço
Tentando mostrar serviço
Bateu até em um fônho


Fechou casa de alegria
Interrogou sacristão
Mandou prender o irmão
Trocou noite pelo dia
Foi tremenda a agonia
Para cumprir a missão
E findada a confusão
Depois de tudo ajustado
Manda o seguinte recado
Pra o centro de operação


“ Eu sou Manuel Leitão
Meu cargo é de delegado
Já foi desarticulado
O movimento em questão
E já estão na prisão
Todas as putas da zona
Hoje o bordel foi à lona
E sísmico já foi detido
Ficando mouco de um ouvido
De um tabefe em escalona


O tal Ritchter até tentou
Correr para se evadir
Mas o fizemos cair
Por balas ele tombou
Epicentro se entregou
E Epifânio também
Fizemos parar um trem
Prendemos mais outros três
Agora acabou de vez
Só restou gente do bem


Invadimos na medida
O centro onde tava o mal
Até meu pai Nicolau
Tava na zona perdida
Só escapou Margarida
Porque fugiu feito um raio
Mas num contar do balaio
Acho que ficamos bem
Não sou de gabar ninguém
Mas caprichei no ensaio


E vou dizendo ao senhor
Eu bem que desconfiava
Onde esse povo passava
Tinha sempre um fervor
Mas eu garanto doutor
Que agora teremos paz
Bagunça aqui nunca mais
Tirando a da natureza
Pois ela mostra a grandeza
Em cada ato que faz


Pois entre guerras e paz
A natureza persiste
Bravamente ela resiste
Mostrando ser tão capaz
O homem e seus ideais
De gana pelo poder
Ta pagando o padecer
Quando a natureza cobra
Quero ver quem não se dobra
Somente assim pra aprender


Vá desculpando a demora
Muito, porém eu explico
Pois aqui não me complico
Sou peão pra toda hora
A resposta vai agora
Pelo o sinal da masmorra
Com a muléstia da cachora
A mensagem só demorou
Porque a cidade se acabou
Num Terremoto da Porra.”

Literatura de Cordel quarta, 21 de julho de 2021

SAUDAÇÃO AO JUAZEIRO DO NORTE (CORDEL DE PATATIVA DO ASSARÉ)

 

SAUDAÇÃO AO JUAZEIRO DO NORTE

Patativa do Assaré

 

 


Mesmo sem eu ter estudo
Sem ter do colégio obafejo
Juazeiro, eu te saúdo
Com meu verso sertanejo.
Cidade de grande sorte,
De Juazeiro do Norte
Tens a denominação,
Mas tem nome verdadeiro
Será sempre Juazeiro
De Padre Cícero Romão.

O Padre Cícero Romão
Que, por vocação celeste,
Foi, com direito e razão,
O Apóstolo do Nordeste.
Foi ele o teu protetor
Trabalhou com grande amor,
Lutando sempre de pé
Quando vigário daqui
Ele semeou em ti
A sementeira da fé.

E com milagre estupendo
A sementeira nasceu,
Foi crescendo, foi cerscendo,
Muito ao longe se estendeu
Com a virtude regada
Foi mais tarde transformada
Em árvore frondosa e rica.
E com a luz medianeira
Inda hoje a sementeira
Cresce, flora e frutifica.

Juazeiro, Juazeiro,
Jamais a adversidade
Extinguirá o luzeiro
De tua comunidade.
Morreu o teu protetor,
Porém a crença no amor
Vive e cada coração
E é com razão que me expresso
Tu deves o teu progresso
Ao Padre Cícero Romão.

Aquele ministro amado
Que tanto favor nos fez,
Conselheiro consagrado
E o doutor do camponês,
Contradizer não podemos
E jamais descobriremos
O prodígio que ele tinha.
Segundo a popular crença,
Curava qualquer doença,
Com malva branca e jarrinha.

Juazeiro, Juazeiro,
Tua vida e tua história
Para o teu povo romeiro
Merece um padrão de glória.
De alegria tu palpitas,
Ao receber as visitas
De longe, de muito além.
Grande glória tu viveste!
Do nosso caro Nordeste
Tu és a Jerusalém.

Sempre me lembro e relembro,
Não hei de me deslembrar:
O dia 2 de novembro,
Tua festa espetacular,
Pois vêm de muitos Estados
Os carros superlotados
Conduzindo passageiros
E jamais será feliz
Aquele que contradiz
A devoção dos romeiros.

No lugar onde se achar
Um fervoroso romeiro,
Ai daquele que falar
Contra ou mal, do Juazeiro.
Pois entre os devotos crentes,
Velhos, moços, inocentes,
A piedade é comum,
Porque o santo reverendo
Se encontra ainda vivendo
No peito de cada um.

Tu, Juazeiro, és o abrigo
Da devoção e da piedade.
Eu te louvo e te bendigo
Por tua felicidade,
Me sinto bem, quando vejo
Que tu és do sertanejo
A cidade predileta.
Por tudo quanto tu tens
Recebe estes parabéns
Do coração de um poeta.

Literatura de Cordel quarta, 07 de julho de 2021

ROMANCE DE LUZIA-HOMEM (FOLHETO DE ARIEVALDO VIANA)

ROMANCE DE LUZIA-HOMEM

Arievaldo Viana

 

 
 
 

Seca de setenta e sete
Estranho e terrível mal
O século é dezenove
E o cenário é Sobral
Sob um sol causticante
Vemos uma retirante
Lá no morro do curral.


O seu talhe é esbelto
E o rosto muito bonito
Possui o braço mais forte
Nesse cenário maldito
Canseiras não a consomem
Lhe chamam Luzia-Homem
Pelo seu jeito esquisito.


O seu pai era vaqueiro
Na fazenda Ipueira
Por não ter um filho homem
Transformou-a em vaqueira
Nas lidas do dia-a-dia
E a fama de Luzia
Corria aquela ribeira.


O pai morreu, veio a seca
Mudou então seu destino
Tornou-se uma retirante
Grão de areia pequenino
No mar da vida jogado…
Só dois amigos a seu lado
Eram Alexandre e Raulino.


Alexandre, moço fino
Fora um dia fazendeiro
E por amor a Luzia
Tornou-se um bom companheiro
Do outro o que se conta
É que foi salvo da ponta
De um touro traiçoeiro.


Raulino Uchôa, o vaqueiro
Era forte e destemido
Quis pegar um touro à unha
Milagre, não ter morrido
Por ironia do destino
Foi o valente Raulino
Por Luzia socorrido.


Agora vamos falar
Da heroína Luzia
Em um casebre afastado
Com a sua mãe vivia
Dona Zefinha doente
Tinha uma asma inclemente
Que aos poucos lhe consumia.


Rumavam as duas peregrinas
Com destino ao litoral
Mas o caminho puxado
Agravou da velha o mal
A pobre mal se arrastava
Por ela, Luzia estava,
Contra a vontade, em Sobral.


Na sua lida diária
Batalhava pelo pão
Mas por ser forte e arredia
Sofria discriminação
Cercada por inimigos
Somente seus dois amigos
Inda lhe davam atenção.


Lá no morro do curral
Tinha um soldado metido
Era um tal de Crapiúna
Sujeito vil, enxerido
Que sempre a perseguia
Se aproximou de Luzia
Visando tirar partido.


Rejeitado com veemência
Não se dava por vencido
Dia a dia foi ficando
Mais ousado e atrevido
Sempre, sempre a lhe cercar
Vivia a se lamentar
Por ser dela preterido.


Vendo então que Alexandre
Era de fato um rival
O soldado Crapiúna
Pensava em fazer-lhe o mal
Mas Alexandre, direito,
Aumentava seu conceito
Na cidade de Sobral.


Conquistou a confiança
Por ser um homem de bem
E tinha em seu poder
As chaves de um armazém
Foi a sua perdição
Porque da vil traição
Não está livre ninguém.


Na porta desse armazém
Os pobres aglomerados
Recebiam um quinhão
Dos mantimentos guardados
O socorro federal
Que diminuía o mal
Daqueles pobres coitados.


Um dia em que Alexandre
Foi ver Zefinha e Luzia
Perguntou à bela jovem
Se com ele casaria
Deu-lhe uma flor perfumada
Sem saber que na cilada
Do soldado cairia.


Pois quando se retirou
Da casa de sua amada
Encontrou no armazém
Uma multidão formada
Lhe acusando de ladrão
Não adiantou então
A inocência protestada.


Terezinha, a única amiga
Que Luzia-Homem tinha
Foi correndo avisá-la
Dessa desgraça mesquinha
Ela a notícia escutando
Correu depressa, deixando
Sua mãe com Terezinha


Chegando ali se prostrou
Aos pés da autoridade
E defendeu Alexandre
Com tanta sinceridade
Que até mesmo o promotor
Viu que acima do amor
Estava ali a verdade.


Porém a justiça é cega
E lenta em seu caminhar
Nisto chegou Crapiúna
E pôs-se dela a zombar
Mas ela tinha guardado
Uma carta onde o safado
Prometia se vingar…


Luzia pega a tal carta
Mostra ao promotor então
Crapiúna com cinismo
Se livra da acusação
Saiu contente o soldado
E Alexandre foi levado
Às grades da detenção.


Luzia seguiu pra casa
Bastante contrariada
Terezinha então lembrou
De uma velha afamada
Que sabia adivinhar
Mas precisava levar
A quantia estipulada.


Responso de Santo Antônio
A poderosa oração
Que para as pessoas cultas
Não passa de um abusão
Pra muitos funcionava
Era o que a velha usava
Para descobrir ladrão


No entanto, Terezinha
Viu uma cena confusa
Mais pareciam ciganos
Da velha terra andaluza
Na cena também foi vendo
O papangu mais horrendo
Numa careta disfusa.


Luzia todos os dias
Com muita dedicação
Levava para Alexandre
O de comer, na prisão.
Porém, uma certa vez
O seu amado lhe fez
Estranha revelação.


Contou que uma tal Gabrina
Moça a quem ele ajudara
Viera a promotoria
E um falso lhe imputara
Mostrou cortes de fazenda
Um par de brincos, outra prenda
Disse que dele ganhara.


Mordida pelo ciúme
Luzia se retirou
E a partir daquele dia
À prisão não mais voltou.
Terezinha, por seu lado
Seguindo o torpe soldado
Todo o crime desvendou.


Pois ela viu Crapiúna
Um baú desenterrar
E de dentro dessa arca
Grande quantia tirar
Separou ele uma nota
E reuniu-se à patota
Para beber e jogar.


Terezinha correu célere
Foi dizer ao delegado
E Crapiúna foi preso
Depois do crime apurado
Soltaram o réu inocente
E ali no mesmo ambiente
Deixaram preso o soldado.


Alexandre resolveu
Ir morar noutra parada
Levando os seus amigos
Dona Zefinha e a amada
Partiu na frente sozinho
Pra arranjar com carinho
Sua futura morada.


Luzia seguiu depois
Com Dona Zefa e Raulino
Mas vejam a negra cilada
Que preparou-lhe o destino
Pois Crapiúna fugiu
E de perto a seguiu
Com seu instinto assassino.


Achando-a só um instante
Tratou de lhe agarrar
Chamando por Alexandre
Pôs-se Luzia a gritar
Travou-se a luta mortal
E aquele bruto animal
Entendeu de lhe matar.


Defendendo sua honra
Luzia ainda lutou
Com suas unhas um olho
De Crapiúna arrancou
E tombou morta em seguida
A sua amada sem vida
Pobre Alexandre encontrou.


Literatura de Cordel quarta, 30 de junho de 2021

RETRATOS DO PASSADO (CORDEL DE ONILDO BARBOSA)

RETRATOS DO PASSADO

Onildo Barbosa

 

 

 

 


Meu Sertão de minha vida.
Caminhos por onde andei
Casa velha onde nasci
Açudes que me banhei.
Estradas de chão batido
Chapéu de couro curtido
Lua cheia de verão,
Cheiro de curral de gado
São retratos do um passado
Na minha imaginação.


Caminhos tortos, riacho,
Porteira aberta, vazante.
Gravatá brotando cacho
Um sol se pondo distante
Rastros de pássaros na areia,
Sorriso de lua cheia,
Cantiga de Azulão,
Um rouxinol no telhado
São retratos do passado
Na minha imaginação.


Um corocoxó de sapos
Brindando a água barrenta
Cabritos dando sopapos
Enquanto a cabra amamenta
Lençol de saco estendido
Um entardecer chovido
Um pé de manjericão
Num pote velho quebrado
São retratos do passado
Na minha imaginação.


Um ninho de patativa
Feito de folha e raiz
A plantação de maniva
Um sertanejo feliz.
Boi comendo na baixada,
Uma viola afinada
Um poeta, uma canção,
Um martelo agalopado,
São retratos do passado
Na minha imaginação.


Uma jurema florida
Numa manhã de neblina
Uma cabana pendida,
Uma cerca de faxina
Uma briga de caçote,
A jia dando pinote
Na beira do cacimbão
Um cururu escanchado
São retratos do passado
Na minha imaginação.


Uma rolinha cantando
No galho da goiabeira
Um jumento se coçando
Nas estacas da porteira
Uma fogueira queimando
O cheiro do milho assando
No braseiro do fogão,
Rádio de pilha ligado
São retratos do passado
Na minha imaginação.


Um jumento relinxando
Uma jumenta no cio
A meninada brincando
De peteca e currupio
Umbuzeiro de estrada
Uma algaroba copada
Catagem de algodão,
Um bizerro encurralado
São retratos do passado
Na minha imaginação.


Na forquilha da cozinha
Um ninho de joão de barro
Uma rã pequenininha,
Escondida atras do jarro
Num formato de atilho
14 espigas de milho
penduradas no oitão,
um marimbondo arranchado
são retratos do passado
na minha imaginação.


Literatura de Cordel quarta, 23 de junho de 2021

RECEITA PARA CORDEL (CORDEL DE MUNDIN DO VALE)

 

 

RECEITA PARA CORDEL
Mundim do Vale
 

O verso para cordel
Fica bem em septilha,
Mas faltando ingrediente
Pode ser feito em sextilha,
Faça por essa receita
Que fica uma maravilha.

Não esqueça de botar
Um pouco de alegria,
Humor é fundamental
Para a boa poesia,
Se o colega duvidar
Confirme com Zé Maria.

Não queira fazer volume
Não force a inspiração,
O cordel tem que ter arte,
Rima e metrificação,
Lembre que o melhor sabor
É da pequena porção.

Desenvolva seu cordel
Com humildade e amor,
Coloque tempero bom
Para agradar o leitor,
Pois ele é quem avalia
A receita do autor.

Se você tem esse dom
Só precisa aprimorar,
Se nasceu pra ser poeta
A rima não vai faltar,
Você acha inspiração
Sem precisar se esforçar.

Uma pitada de rima
Você tem que acrescentar,
Métrica se faz relevante
Para o verso não quebrar,
Na cobertura uma capa
Para melhor ilustrar.

Para o cordel não queimar
Faça a receita segura,
Acrescente a construção
E o enredo na mistura,
Depois faça a impressão
Em média temperatura.

Faça sozinho a receita
Pra ser personalizada,
Não é bom fazer cordel
Com ajuda atrapalhada,
Panelas que muitos mechem
Ou fica insossa ou salgada.

Não bote muita pimenta
Controle também o sal,
O cordel precisa ser
Espontâneo e natural,
Que depois de concluído

 

Tem seu valor cultural.

A receita de cordel
Tem que ser bem coerente,
Se o colega quer fazer
Procure um tema decente,
Para não ficar vulgar
Obedeça a sua mente.

A receita pede ainda
A responsabilidade,
O cordel é um projeto
Que requer capacidade,
Para não ficar restrito
Somente a maioridade.

Fazendo pela receita
Sabendo metrificar,
Botando a rima perfeita
No seu devido lugar,
Nenhum catador de pulgas
Vai ter erros pra catar.

Faça toda essa receita
Bem distante de fascismo,
Não deixe se aproximar
De onde houver o machismo,
Procure evitar também
Contato com o racismo.

Bote os temperos com calma
Cada um na sua vez,
Não esqueça de botar
Dez gramas de sensatez,
Que quando o leitor olhar
Já sabe quem foi que fez.

Bote um pouco de equilíbrio
Pra manter a disciplina,
Não vá repetir temperos
Para não virar rotina,
Depois coloque o aroma
Da essência nordestina.

Quando a mistura apurar
Polvilhe sinceridade,
Enquanto ela descansa
Faça o molho da amizade,
Para depois ser servida
Com o recheio da verdade.

Coloque tudo na ordem
Antes de botar na mesa,
Verifique a aparência
Para servir com certeza,
Que a receita ficou
Ilustrada com pureza.

Mexendo bem devagar
Vá botando sentimento,
Bote a ética gradual
Conforme o seu pensamento,
E para não embolar
Bote todo o seu talento.

A receita também mostra
O cordel como mensagem,
O autor vira um ator
Do seu próprio personagem,
E assim o poeta faz
Mais perfeita a sua imagem.

Depois da receita pronta
O leitor vai degustar,
E autor sem vaidade
Fica a se perguntar:
Será que eu contribuí
Pra cultura popular?

Não deixe que o orgulho
Altere seu proceder,
Não alto se valorize
Mantenha o jeito de ser,
Pois quem julga seu cordel
È o leitor depois de ler.

Se você tá começando
Leia a receita também,
Que um dia você será
Um cordelista de bem,
Mas cresça com humildade
Sem atropelar ninguém.

Se o leitor já é poeta
Desculpe a intervenção,
Não sou nenhum professor
Para querer dar lição,
Eu também ando na busca
Da fonte de inspiração.

Aqui termino a receita
De um cordel confeitado,
Espero que os poetas
Recebam bem o recado,
Assino Mundim do Vale
Da região do Machado.

Literatura de Cordel terça, 15 de junho de 2021

QUER VER CACHAÇA O QUE FAZ?, CORDEL DE MARCOS MAIRTON, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO

 

 

QUER VER CACHAÇA O QUE FAZ?
Marcos Mairton

 

 

 

No Jornal da Besta Fubana, foi proposto pelo Cardeal João Veiga o mote a seguir:

Quer ver cachaça o que faz?
Não beba, preste atenção.
 
Fiz essas glosas:

Certa vez fui a um bar
Decidido a não beber.
Fui lá só pra poder ver
O povo se embriagar.
Não precisei esperar
Por muito tempo ali, não,
Para ver a confusão
Que começou lá atrás.
Quer ver cachaça o que faz?
Não beba, preste atenção.
 
Em uma mesa estavam
Três amigos assentados
Conversando educados
Não sei o que celebravam.
Mas vi que logo ficavam
Com outra disposição
Bebendo aquela poção
Criada por Satanás.
Quer ver cachaça o que faz?
Não beba, preste atenção.
 

Logo mais, aqueles três
Estavam embriagados
E falavam exaltados
Eles todos de uma vez.
Toda sua polidez
Transformou-se em agressão
Com aquela discussão
Acabou-se a nossa paz.
Quer ver cachaça o que faz?
Não beba, preste atenção.
 
Não dava para entender
Por que estavam brigando
Mas lembro de um gritando:
“Não gostou? Vá se foder!”
O outro quis responder
Mas levou um pescoção.
Veio em em minha direção
Assim, caindo para trás.
Quer ver cachaça o que faz?
Não beba, preste atenção.
 
O rapaz que ia caindo
Esbarrou noutro sujeito
Que estava do mesmo jeito
De cachaça se entupindo
Que não gostou e foi indo
Pro meio da confusão
Já chegou metendo a mão
Na cara do outro rapaz.
Quer ver cachaça o que faz?
Não beba, preste atenção.
 
Depois disso, já havia
Oito bêbados brigando.
A polícia foi chegando
E tudo terminaria
Depois, na delegacia.
Com a sua detenção.
Recolhidos à prisão,
Ali ninguém brigou mais.
Quer ver cachaça o que faz?
Não beba, preste atenção.
 
Até hoje eu não sei
O porquê daquela briga
Mas, de toda aquela intriga,
Uma coisa observei:
Eu também só não entrei
No meio da confusão
Porque na ocasião
Bebi água e nada mais.
Quer ver cachaça o que faz?
Não beba, preste atenção

Literatura de Cordel segunda, 07 de junho de 2021

QUEM ESTÁ DENTRO E QUEM ESTÁ FORA DAS PRISÕES? (CORDEL DE MARCOS MAIRTON, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO

 

 

 


 
QUEM ESTÁ DENTRO E QUEM ESTÁ FORA DAS PRISÕES?
Marcos Mairton
 

 
 

No jornal vi a notícia
Que não chega a ser surpresa:
“Muita gente que está presa
Não dá sossego à polícia”.
Com engenho e com malícia
E com muita ousadia
Os bandidos, quem diria,
Dão golpe por telefone.
Acho que nem Al Capone
Esperava isso um dia.

Traficantes poderosos
Também dão continuidade
À sua atividade
Seus negócios criminosos.
Auxiliares ciosos
Vão cumprindo as missões
Que recebem dos chefões
Que estão dentro dos presídios
Seqüestros e homicídios
São suas ocupações.

Já o cidadão de bem
Esse vive assustado,
Na sua casa trancado,
E até no carro, quem tem,
Ali se tranca também,
Levanta o vidro e então
Segue com o coração
Batendo muito ligeiro,
É assim o carcereiro
Da sua própria prisão.

Cercas eletrificadas
Se estendem sobre os muros
Que já não deixam seguros
Seus lares, suas moradas.
Janelas bem gradeadas,
Também não dão segurança.
Vai morrendo a esperança
De em nossa sociedade,
Reinar a tranqüilidade
De quando eu era criança.

Vendo isso acontecer
Reflito sobre o problema:
Por que o nosso sistema,
De punir e de prender
Não consegue resolver
A questão da violência?
Será só incompetência
Dos governos da nação?
Ou existe outra razão
E nós não temos ciência?

Eu sei que essa questão
Envolve outros fatores
Que também são causadores
Do problema em discussão.
Desemprego, educação,
Ou melhor, a falta dela,
Abandono da favela
Ao poder dos traficantes,
São fatores importantes
Para por em nossa tela.

Compondo esse cenário
Se destacam as prisões.
Lotadas, sem condições,
Seu estado é bem precário.
Nelas o presidiário,
Em vez de se arrepender,
E nunca mais cometer
O ato que o condenou,
Sai pior do que entrou
Do crime passa a viver.

Não precisa ser doutor
Pra saber dessa verdade,
Quem diz, na realidade,
É o próprio infrator.
O Pedrinho Matador,
Que já matou mais de cem
Certa vez disse a alguém,
Com muita convicção:
“A cadeia, meu irmão,
não recupera ninguém”.

Literatura de Cordel segunda, 31 de maio de 2021

QUANDO ACABA A APURAÇÃO (CORDEL DE MUNDIM DO VALE)

 

Cordel e eleições (Mundim do Vale)

 

 

Esses tempos de eleição são um período fértil para a inspiração dos poetas. Recebi essa de MUNDIM DO VALE, freqüentador assídou de Mundo Cordel!

 

QUANDO ACABA A APURAÇÂO
Mundim do Vale


Assim que fecha a contagem
Tem candidato que diz:
- O filho de Zé Luiz
Não tá na minha listagem.
Como é que teve a coragem
De apertar minha mão,
Pedir chuteira e calção
E o voto não aparece.
Só comigo isso acontece
QUANDO ACABA A APURAÇÃO.

Aquele que se elegeu
Bota o som em toda altura
Abalando a estrutura
Daquele que não venceu.
E o infeliz que perdeu
Fica na decepção
Sofrendo do coração
Com cara de estressado.
E ainda fica quebrado
QUANDO ACABA A APURAÇÃO.

O candidato arrasado
Um gozador lhe aborda
Vai logo falando em corda
Em casa de enforcado.
O infeliz derrotado
Com a listagem na mão
Soma seção por seção
Pra confirmar o tormento.
É esse o pior momento
QUANDO ACABA A APURAÇÃO.

É o maior carnaval
Na casa do vencedor,
Na casa do perdedor
Uma tristeza total.
Chega um cabo eleitoral
Com uma conta na mão,
De bebida e refeição
Consumida pelo povo.
E não sobra nem um ovo
QUANDO ACABA A APURAÇÃO.

Até mesmo o doce lar
Que recebia eleitor
Parece que um trator
Passou lá pra derrubar.
Não há quem possa encontrar
O relógio do João,
A carteira de Antão
E o violão do Neto.
Se perde todo objeto
QUANDO ACABA A APURAÇÃO.

Aquele que foi eleito
Já vai logo viajando
E o povo procurando
Assim que termina o pleito.
Procuram de todo jeito
Mas ninguém acha o fujão
E assim vem a frustração
De cada um militante.
Mas isso é fato constante
QUANDO ACABA A APURAÇÃO.

As bombas num pipocado
Descendo e subindo morro
Incomodando cachorro
E prefeito derrotado.
Vereador mal votado
Tem subida de pressão,
Piadas de gozação
E a raiva da mulher.
Porque falta o que ela quer
QUANDO ACABA A APURAÇÃO.

O eleito vai curtir
Na sua casa de praia
Tentando fugir da raia
Pra ninguém nada pedir.
Se um eleitor descobrir
Espalha no quarteirão
Gerando uma agitação
De revolta e de cobrança.
E eleitor é quem dança
QUANDO ACABA A APURAÇÃO.

Candidato que vivia
Dando saco de cimento,
Pagando medicamento
E conta de energia.
Vive agora na agonia
Atrasando a prestação
Das contas da convenção
E contratos de esquema.
Coisas que só traz problema
QUANDO ACABA A APURAÇÃO.

O candidato que sai
Fica meio constrangido
Mas um membro do partido
Diz: - na outra você vai!
Na outra vez voto cai
Como chuva em plantação,
Mas é só conversa em vão
Pra manter o candidato.
Coisa de estelionato
QUANDO ACABA A APURAÇÃO.

A mocinha que dançou
Com a bandeira na rua
Rodando feito perua
Também foi quem vacilou.
O candidato pagou
A primeira prestação
E a segunda em questão
Só depois de apossado.
Porque tudo é complicado
QUANDO ACABA A APURAÇÃO.

Chegando o verso ao final
Eu também quero explicar
Que não pude recusar
De ser cabo eleitoral.
Fui até imparcial
Quando havia uma questão,
Porque numa imposição
Precisa gente capaz,
Pra trazer de volta a paz
QUANDO ACABA A APURAÇÃO

Literatura de Cordel terça, 25 de maio de 2021

PREFEITURA SEM PREFEITO (CORDEL DE PATATIVA DO ASSARÉ)

 

inta-feira, 27 de setembro de 2007

Patativa do Assaré

 

 

PATATIVA DO ASSARÉ NÃO ERA ANALFABETO

Há alguns posts passados, mencionei aqui que o poeta Arievaldo Viana teria dito em entrevista que Patativa não era analfabeto. Hoje, trago trecho do livro CORDÉIS, de Patativa do Assaré, o qual é iniciado com um texto de Luiz Tavares Júnior – professor do Curso de Mestrado em Letras da Universidade Federal do Ceará – no qual o autor confirma essa afirmação de Arievaldo:

“Embora sua instrução formal tenha sido muito diminuta, seu contato com os livros foi constante e permanente, tendo convivido intensamente com a poesia de Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu, Castro Alves e a prosa de Coelho Neto, como afirma Luzanira Rego, a partir de uma visita à casa do poeta, ao se deparar com os livros desses escritores; e Rosemberg Cariry vai um pouco mais além, ao enunciar: ‘Patativa é homem que sabe ler, de muitas leituras e informações sobre o que acontece no mundo (...). Basta dizer que, mesmo quando Patativa era violeiro e encantava os sertões com o som de sua viola e a beleza de seus versos de repente, já estudava o tratado de versificação de Guimarães Passos e Olavo Bilac e lia Os Lusíadas’. Em face dessas afirmações e, se acrescentarmos que, de fato, estamos diante de uma pessoa de inteligência invulgar e espantosa memória, como sempre afirmam seus biógrafos, haveremos facilmente de compreender a grandiosidade de seu engenho e arte no manejo do verso e na criação de sua poesia, atestado por quantos se aproximam de sua obra, aqui, no Brasil, como no estrangeiro”.

Percebe-se, portanto, que Patativa agia deliberadamente quando escrevia na forma matuta presente em Aos Poetas Clássicos:

Poetas niversitário,
Poetas de Cademia,
De rico vocabularo
Cheio de mitologia;
Se a gente canta o que pensa,
Eu quero pedir licença,
Pois mesmo sem português
Neste livrinho apresento
O prazê e o sofrimento
De um poeta camponês.

O fato é que Patativa foi realmente um fenômeno, desses que aparecem a cada século, quando muito. Basta fazer uma pesquisa com o nome “Patativa do Assaré” no Google para ver a imensa quantidade de páginas que se dedicam a ele. Eu, aliás, fiz isso hoje, e achei coisas interessantíssimas, como, por exemplo, o estudo “Relações entre Estética, Hermenêutica, Religião e Arte”, de Cristiane Moreira Cobra.
 
Também encontrei o divertido poema da Prefeitura sem Prefeito:

PREFEITURA SEM PREFEITO
 
Nessa vida atroz e dura
Tudo pode acontecer
Muito breve há de se ver
Prefeito sem prefeitura;
Vejo que alguém me censura
E não fica satisfeito
Porém, eu ando sem jeito,
Sem esperança e sem fé,
Por ver no meu Assaré
Prefeitura sem prefeito.

Por não ter literatura,
Nunca pude discernir
Se poderá existir
Prefeito sem prefeitura.
Porém, mesmo sem leitura,
Sem nenhum curso ter feito,
Eu conheço do direito
E sem lição de ninguém
Descobri onde é que tem
Prefeitura sem prefeito.
 
Ainda que alguém me diga
Que viu um mudo falando
Um elefante dançando
No lombo de uma formiga,
Não me causará intriga,
Escutarei com respeito,
Não mentiu este sujeito.
Muito mais barbaridade
É haver numa cidade
Prefeitura sem prefeito.

Não vou teimar com quem diz
Que viu ferro dar azeite,
Um avestruz dando leite
E pedra criar raiz,
Ema apanhar de perdiz
Um rio fora do leito,
Um aleijão sem defeito
E um morto declarar guerra,
Porque vejo em minha terra
Prefeitura sem prefeito.

A sua morte, em 08 de julho de 2002, deixou órfãos todos os poetas populares do Brasil. O poeta cearense Dideus Sales, em seu livro Veredas de Sol, retrata bem esse sentimento, no poema:

O VÔO DO PATATIVA

O sertão está de luto,
Sem sinfonia a aurora,
Pois a ave que cantava
O povo, a fauna e a flora
Sem sequer nos dar adeus
Alçou vôo e foi embora.

Calejado pelos anos,
Com noventa e três de idade
Mas com plena lucidez,
Muita sensibilidade.
Sua ausência nos cobriu
Com o véu frio da saudade.

Deu voz a uma lçegião
De rurícolas sem clareza;
Até falando em desgraça,
Seu canto tinha beleza
Porque recebeu as aulas
Do Mestre da natureza.

Sua poesia jorrou
Na viola e no repente,
Cantou saudade e tristeza
Miséria, seca e enchente.
Sua obra o transformou
Num símbolo da nossa gente.

Puro e simples como a flor,
Um gênio da raça humana,
Viveu como lavrador,
Morando numa choupana
Plantando e colhendo versos
Lá na terra de Santana.

Mesmo sem ter estudado
Não se fez ignorante,
Nutria um amor telúrico
Por seu torrão escaldante
Onde fez Triste Partida
A saga do retirante.

Sempre lutou para o povo
Não ser massa de manobra,
Teve humildade em excesso
Teve inspiração de sobra.
Não há quem saiba estimar
O valor de sua obra.

Mais que um poeta-maior
Um vate fenomenal,
Poesia genuína,
Improviso natural
Fazia das rimas arma
Na defesa social.

Cantou nossa gente simples
Do sertão com maestria;
Defendendo as injustiças,
Protestando a covardia,
Sua arma era o verso,
Munição, a poesia.

Guardo viva a sua imagem
Fazendo versos com esmero,
Glosando com muita prática,
Rimando sem exagero
Que da poética matuta
Só ele tinha o tempero.

Sua mensagem profética
Encheu o sertão de amor,
Sua genialidade
Trouxe a lume o seu valor,
O sertão chora a saudade
Do seu eterno cantor.

Voa, Patativa, voa
Para o céu de Jeová.
Vou ficando por aqui
Poetizando o Ceará.
Você no céu, eu na terra,
Cante lá que eu canto cá.

Literatura de Cordel terça, 18 de maio de 2021

O ADVOGADO, O DIABO E A BENGALA ENCANTADA (CORDEL DE MARCOS MAIRTON - SEGUNDA EDIÇÃO)

 

 

SEGUNDA EDIÇÃO DE
“O ADVOGADO, O DIABO E A BENGALA ENCANTADA”
Marcos Mairton


Ficou pronta ontem, impressa pela Editora Queima Bucha, de Mossoró-RN, a segunda edição do meu cordel “O ADVOGADO, O DIABO E A BENGALA ENCANTADA”.
Mantive a xilogravura da capa original, um desenho de Cosmo e xilogravura de Airton, da Lira Nordestina, de Juazeiro do Norte.

É uma alegria ver, esse que foi o meu primeiro cordel publicado, ser impresso novamente, para se espalhar pelo mundo, levando a Literatura de Cordel a tanta gente.

Esta, aliás, tem sido uma semana de muitas alegrias.
Primeiro, recebi a notícia de que meu livro “UMA SENTENÇA, UMA AVENTURA E UMA VERGONHA; e outras poesias de cordel” está esgotado. Vou deixar alguns exemplares na Livraria Oboé, em Fortaleza, mas meu estoque também está no fim. Já falei com Gustavo Luz, da Queima Bucha, para fazermos uma segunda edição o mais rápido possível.

Depois, meu amigo, Rouxinol do Rinaré me enviou a primeira prova do meu primeiro cordel infantil, que está sendo ilustrado por Rafael Limaverde e editado pelo IMEPH. As ilustrações estão ficando muito boas. É difícil controlar a ansiedade para vê-lo circulando. Mas, é preciso aguardar. Ainda não posso revelar o título, mas trata de tema ecológico e deverá estar pronto ainda este ano.

Já que estou falando de minhas obras mesmo, fecho com uma poesia sobre as atividades de juiz e de poeta, que declamei na terça-feira no programa de televisão “Momento do Trabalhador” da TV Cabo Mossoró – TCM, organizado pela Escola Superior de Magistratura do Trabalho da 21ª Região – ESMAT21.

A poesia foi apresentada inicialmente na abertura do V ENCONTRO DE JUÍZES FEDERAIS DA 5ª REGIÃO, no dia 08 de outubro de 2007, em Natal-RN. Naquela ocasião, estava presente o professor italiano Mario Losano, então aproveitei para fazer a seguinte brincadeira:
 
Una parola speciale
Per il dottore italiano,
Chi ha parlato qui, per noi,
Chi è venuto dal lontano.
Molte grazie, professore.
Sono un tuo admiratore,
Auguri, Mario Losano.
 
Mas, vamos à poesia:

POESIA E MAGISTRATURA
Marcos Mairton

Certa vez, fui perguntado
Sobre como eu conseguia
Dedicar-me à poesia
Sendo eu um magistrado.
Vivendo tão ocupado,
Com as questões do Direito,
Como é que dava jeito
Para escrever rimando,
E também metrificando,
Fazendo verso perfeito?

Eu, antes de responder,
Calado, pensei assim:
Quem pergunta isso pra mim
Não conhece o “métier”
De quem tem que resolver
Toda sorte de conflito.
Que de perto escuta o grito
Da nossa sociedade,
Clamando por igualdade,
Pedindo pena ao delito.

Ser poeta e ser juiz
O que há de estranho nisso,
Pra quem tem o compromisso
De ouvir a parte o que diz?
Que vê o olhar feliz
De quem ganhou a questão
E tem a satisfação
De sentir que fez Justiça
Reparando a injustiça
Que atingiu o cidadão?

Eu penso que a poesia
Está em todo lugar,
E quem vive a julgar
A encontra todo dia:
Quando o parquet denuncia
Quando o réu faz sua defesa
Quando a polícia traz presa,
Gente por ela detida,
É a poesia da vida
Que me chega de surpresa!

A poesia aparece
Quando o advogado
No pedido formulado
Diz: - Doutor, ela merece,
Todo dia sobe e desce
A ladeira da “Queimada”
Carregando uma enxada
Para trabalhar na roça
Não é justo que não possa
Ser agora aposentada.

A poesia é presente
No olhar do acusado
Seja quando é culpado,
Seja quando é inocente.
Na testemunha que mente,
E na que fala a verdade.
Na imparcialidade
Que todo juiz queria.
Veja quanta poesia
Em nossa realidade.

Por isso eu acho normal
Que todo bom magistrado
Venha a ser considerado
Poeta em potencial.
Incorre em erro fatal
Quem quiser fazer sentença
Somente com o que pensa
Sem revelar o que sente.
Um juiz desse, é urgente
Que se afaste, de licença.

Tulio Liebman lecionava,
Que a sentença é assim,
Vem de “sentire”, em latim,
E, dessa forma, ensinava:
Que na sentença se grava
Não somente o pensamento,
Mas também o sentimento
Do juiz que a profere.
Que ninguém desconsidere
Esse grande ensinamento.

Se o poeta, realmente,
Não é mais que um “sentidor”.
Que chega a sentir que é dor
“A dor que deveras sente”,
Juiz não é diferente
Quando cumpre sua função.
Mesmo quando a decisão
Em versos não se transforma
Na aplicação da norma
Há uma carga de emoção.

Fique tranqüilo, portanto,
Meu colega, magistrado,
Se, agora, aí sentado,
Lhe surpreender o pranto.
Pois não será por encanto,
Magia ou maldição.
É só manifestação,
Que nesse instante sentiste,
Do poeta que existe
Dentro do seu coração.

Literatura de Cordel sábado, 15 de maio de 2021

VIAGEM DE BONDE (CONTO DA CEARENSE RACHEL DE QUEIROZ)

VIAGEM DE BONDE

Rachel de Queiroz

 

Era o bonde Engenho de Dentro, ali na Praça Quinze. Vinha cheio, mas como diz, empurrando sempre encaixa. O que provou ser otimismo, porque talvez encaixasse metade ou um quarto de pessoa magra, e a alentada senhora que se guindou ao alto estribo e enfrentou a plataforma traseira junto com um bombeiro e outros amáveis soldados, dela talvez coubesse um oitavo. Assim mesmo, e isso prova bem a favor da elasticidade dos corpos gordos, ela conseguiu se insinuar, ou antes, encaixar. E tratava de acomodar-se gingando os ombros e os quadris à direita e à esquerda, quando o bonde parou em outro poste, o soldado repetiu o tal slogan do encaixe, e foi subindo – logo quem! – uma baiana dos seus noventa quilos, e mais uma bolsa que continha o fogareiro, a lata dos doces, o banquinho e o tabuleiro. E aquela baiana pesava os seus noventa quilos mas era nua, com licença da palavra, pois com tanta saia engomada e mais os balangandãs, chegava mesmo era aos cem. E esqueci de dizer que junto com ela ainda vinha uma cunhãzinha esperta que era um saci, que se insinuou pelas pernas do pessoal e acabou cavando um lugarzinho sentada, na beirinha do banco, ao lado de uma moça carregada de embrulhos e que assim mesmo teve o coração de arrumar a garota. Também o diabo da pequena conquistava qualquer um, com aquele olho preto enviesado, o riso largo de dente na muda.

Esqueci de falar que tudo isso se passava no carro-motor. No reboque, atrás, a confusão parecia maior. Muita gente pendurada entre um carro e outro, e havia um crioulo de bigode à Stalin, muito distinto, tinha cara de dirigente no Ministério do Trabalho, que muito sub-repticiamente viajava sobre o pino de ligação entre os dois carros ou, para dizer melhor, com um pé na sapata do carro-motor e o outro na sapata do reboque. E quando o condutor aparecia para cobrar a passagem, se era o condutor da frente ele punha os dois pés no reboque, e se era o condutor do reboque que vinha com o “faz favor” ele então executava o vice-versa. Sei que não pagou passagem a nenhum dos dois e devia fazer aquilo por esporte; não tinha cara de quem precisa se sujar por cinqüenta centavos; esporte, aliás, que todo o mundo aprova e aprecia, pois quem é que não gosta de ver se tirar um pouco de sangue à Light? E aí o bonde andou um bom pedaço sem que ninguém mais atacasse a plataforma. A turma que chegava, ocupava-se agora em guarnecer os balaústres, formando com os pingentes uma superestrutura decorativa. Mas, alcançando-se o abrigo defronte à Central, quase chegou a haver pânico. Porque no momento em que a multidão da calçada assaltava o veículo, a baiana quis descer, e não era façanha somenos desalojar aquela massa da pressão onde se encastoara, sem falar na pressão de baixo para cima feita pelos que tentavam subir, contra quem pretendia descer. Mas afinal já a baiana aterrissara na calçada e o vácuo por ela deixado era instantaneamente ocupado com uma violência de sorvedouro, o condutor tocara o seu tintim de partida, quando ressoaram uns gritos agudos cortando o ar abafado. Era o pequeno saci de olhos pretos a clamar que o povo subindo não a deixara descer. E a tensão geral explodiu em cólera e ternura, e todo o mundo tocava a campainha, alguns confundiam, puxavam a corda do marcador de passagens, o condutor vendo isso pôs-se a imprecar em puro linguajar da Mouraria, uma voz berrava: – já se viu que brutalidade, impedir a criança de descer; a baiana, em terra, chamava a filha com voz macia, o motorneiro, para ajudar e mostrar que não tinha nada com aquilo, desandou a tocar aquela espécie de sino que fica embaixo do pé dele. E enquanto os passageiros compassivos desembarcavam a garota, um senhor, que vinha em pé no meio dos bancos, pôs-se a declamar que era assim mesmo, que motorneiro, condutor e fiscal, em vez de se aliarem com o povo, não passavam de uns lacaios da Light, mas quando chegasse na hora de pedir aumento de ordenado haviam de querer que a população ajudasse com aumento nas passagens. O povo é que é sempre o sacrificado. E o condutor aí se enraiveceu também, e começou a convidar o homem para a beira da calçada, e o senhor disse que não ia porque não se metia com estrangeiros, e um engraçadinho deu sinal de partida e o motorneiro (que já estava por demais chateado) partiu mesmo, deixando o condutor em terra, vociferando; só foi dar pela falta quando chegou com o carro bem defronte do sinal; parou então, e enquanto o condutor corria o guarda começou a apitar, que o bonde tinha parado no meio da luz verde aberta para os carros em direção contrária; parecia o dia de juízo, o bonde parado, os automóveis buzinando, o guarda apitando e sacudindo os braços, o pessoal do bonde rindo que era ver uns demônios. Afinal o bonde partiu, tudo pareceu acalmar um pouco, mas aquele senhor em pé que xingara os pobres empregados da Light de lacaios do polvo canadense mostrou que era homem afeito a comícios, não se dava de uma interrupção tumultuosa. Estava acostumado a falar até em meio da fuzilaria, assim que ele disse. E que isso tudo acontecia porque o Governo promete mas não cumpre o dispositivo constitucional – sim, meus senhores, constitucional! – da mudança da capital da República. Imagine que delícia o Rio ficar livre de toda a laia dos burocratas, dos automóveis dos políticos e dos políticos propriamente ditos. Imagine, o Getúlio em Goiás e com ele a alcatéia dos lobos, os cardumes de tubarões, os rebanhos de carneiros! Isso aqui ficava mesmo um céu aberto. Pelo menos um milhão de pessoas iria embora, e que maravilha o Rio com um milhão de vagas nos transportes, um milhão de vagas nas residências, um milhão de bocas a menos, para comer o nosso mísero abastecimento! As favelas se acabam automaticamente, o arroz baixa a quatro cruzeiros! Saem a Câmara e o Senado, e os Ministérios com todas as suas marias candelárias. Pensando nos ministérios – será apenas um milhão de gente que nos deixa? Calculando por baixo, talvez saia mais de um milhão! O que virá em muito boa hora, pois no Rio sobram uns dois milhões!

E aí o bonde inteiro aplaudiu, cada qual só pensava na vaga a seu lado. E, se aquele bonde fosse maior, talvez nesse dia, no Rio de Janeiro, houvesse uma revolução. Talvez o povo do Rio de Janeiro desse ordem de despejo para o seu Governo, lhe apanhasse os trastes, lhe apontasse a estrada, que é larga e vai longe. Mas, feliz ou infelizmente, o bonde era pequeno e, apesar de conter tanta gente, não dava nem para um bochincho. E o Governo, pensando bem, também é de carne como nós – e só um coração de ferro tem coragem de deixar este Rio, assim mesmo apertado, superlotado, sem comida, sem transporte, sem luz e sem água. Como disse um paraíba que vinha junto com o soldado:

– Qual, se no céu faltasse água ou luz, por isso os anjos haveriam de se largar de lá? Céu é céu, de qualquer jeito…


Literatura de Cordel quarta, 12 de maio de 2021

PETIÇÃO E DECISÃO EM VERSOS (FOLHETO DE VICENTE ALENCAR RIBEIRO E MARCOS MAIRTON)

 

Petição e decisão em versos

 
 
O CASO DO FURTO DAS GALINHAS
 
Estava fazendo minha costumeira leitura do blog Jornal da Besta Fubana, no qual tenho uma coluna literária intitulada “Contos, Crônicas e Cordéis”, quando me deparei com um pedido de relaxamento de prisão que o advogado VICENTE ALENCAR RIBEIRO dizia ter ajuizado na Comarca de Bonito de Santa Fé, na Paraíba.
 
Uma beleza de peça, rimada e metrificada em quadras de sete sílabas, narrando com precisão o caso do indivíduo conhecido pela alcunha de “Nego Nona”, que teria roubado dois frangos (ou duas galinhas, isto não está muito claro) do quintal da avó, mas terminou preso em flagrante.
 
Vendo aquela peça toda em versos, desejei ser juiz de Bonito de Santa Fé, só para poder decidir na mesma toada.
 
Mas, o que não acontece no mundo real pode acontecer livremente no campo da imaginação, então a sequência de petição, decisão e nova petição ficou assim:

PEDIDO DE RELAXAMENTO DE PRISÃO
Vicente Alencar Ribeiro

Excelentíssima Senhora,
Julgadora de Direito,
Desta exaltada Comarca,
Que tenho grande respeito.

Protocolo este meu pleito,
Por entender relevante,
Um pedido de soltura,
Pra relaxar um flagrante.

Em nome do assistido,
De alcunha “Nego Nona”
Por se encontrar recolhido,
O meu afã vem à tona.

Ontem dia vinte cinco,
Veio à comunicação,
Que o meu ora assistido,
Fora levado á prisão.

Segundo diz a polícia,
Foi no dia vinte cinco,
De setembro deste ano,
Digo a verdade não minto.

Que “Nego Nona” furtou,
Dois frangos de sua avó,
Não tinha ninguém com ele,
Confessa que estava só.

Mas no caso existem dúvidas.
Se o crime aconteceu,
Pois em interrogatório,
Diz que sua avó lhe deu.

E ainda mais Excelência,
A res furtiva voltou,
Para as mãos de sua dona,
Pois “nego Nona” entregou.

De mérito vamos supor,
Se o furto for verdadeiro,
“Nego Nona” não vai ser,
O último nem o primeiro.

É coisa de pouca monta,
Subtrair duas galinhas,
Sem olvidar de lembrar,
A fome que ele tinha.

É o próprio crime famélico,
Alguém furtar pra comer,
Com necessidade urgente,
Podemos depreender.

É uma ação relevante,
Não vou dizer seja bela,
Furtar para saciar-se,
Res furtiva, bagatela.

Será que vai compensar,
Manter injusta prisão?
Quero ouvir o Promotor,
Conheço o seu coração.

É um homem reto e puro,
De alto conhecimento,
E sei que vai entender,
De “Nego Nona” o tormento.

De ficar dentro do cárcere,
Por furtar duas galinhas,
Que nem chegou a comê-las,
Pois devolveu à vozinha.

Admoesto que a vítima,
Quer que solte o seu netinho,
Ele é sua companhia,
Tem-lhe amor e carinho.

O acusado está preso,
E a pobre vítima em vigília,
Pois que o seu neto é,
O esteio da família.

Diligente Magistrada,
A quem a justiça exalta,
Que só promove o direito,
Bom senso nunca lhe falta.

Empós manifestação,
Do dono da ação penal,
Liberdade dê ao “Nona”,
Pois o pedido é legal.

Tenho certeza Excelência,
Que o meu clamor vai ouvir,
Devolvendo a “Nnego Nona”,
O direito de ir e vir.

É somente o que requesto,
Com afinco e com lisura,
Mande soltar “Nego Nona”,
Dê-lhe o alvará de soltura.

Ex positis pra encerrar,
Depois desse meu lamento,
Nada mais tenho a pedir,
Senão só deferimento.

Espero com ansiedade,
Submerso em alegria,
Vicente Alencar Ribeiro,
Membro da Defensoria.

Bonito de Santa Fé,
De setembro vinte seis,
Do ano dois mil e treze,
Hoje a justiça se fez.


DECISÃO
Marcos Mairton

Vicente Alencar Ribeiro
Protocolou petição
Por meio da qual requer
Que se relaxe a prisão
De um rapaz preso em flagrante,
Que, Vicente me garante,
Não merece punição.

“Nego Nona” é a alcunha
Pela qual é conhecido,
E da sua avó teria
Dois frangos subtraído
Mas a polícia o pegou,
Em uma cela o trancou
E lá está recolhido.

Mas, alega o defensor,
Que furto não ocorreu,
Pois, segundo “Nona”, os frangos
Foi sua avó quem lhe deu.
Mas, houve esse quiproquó
E os tais frangos da avó
Ele até já devolveu.

Dessa forma bem sucinta
Eis o caso relatado.
Passo então a apreciar
O pedido formulado,
Pelo ilustre defensor
Para o suposto infrator
De pronto ser libertado.

Preliminarmente, informo
Que dispenso o parecer
Do promotor de Justiça
Para a causa resolver,
Porque já neste momento
Firmei meu convencimento
Conforme passo a dizer.

Nesse sentido, advirto:
Não me sensibilizou
A versão de que os frangos
Da avó “Nona” ganhou.
Parece mais com desculpa,
Para encobrir sua culpa
Quando a polícia o flagrou.

Ao que parece, a avó,
O seu neto perdoou,
Já que em favor de “Nona”
Também se manifestou,
Entretanto, essa versão,
Da suposta doação,
Ela jamais confirmou.

Se houvesse acontecido,
A alegada doação,
A avó confirmaria
Certamente essa versão,
E talvez nem aceitasse
Quando o neto lhe falasse
Em fazer devolução.

Parto, assim, do pressuposto
Que o dito furto ocorreu.
E que, só depois de preso,
O “Nona” se arrependeu,
E então, cada galinha,
Que furtara da avozinha
Bem depressa devolveu.

Nessa linha, eu acredito
Que a questão fundamental
É mesmo saber se o “Nona”,
Pelo seu ato imoral,
Deve vir a ser punido,
Condenado, reprimido
Pelo Direito Penal.

Diz a defesa que o furto
Não deixou grande seqüela.
Só prejudicou a avó
Ou, na verdade, nem ela.
Nisso o defensor se apega
Quando em seu pedido alega
O crime de bagatela.

E parece que a defesa
Nesse ponto tem razão.
Pois o valor das galinhas
Teria mais projeção
Se as criaturas aladas
Já fossem consideradas
Animais de estimação.

Mas, no caso, ao que parece,
Eram galinhas normais,
Que viviam no quintal,
Junto aos outros animais,
Para um dia, na panela,
Cozidas “à cabidela”
Servirem aos comensais.

E a dona dessas galinhas,
Em sua avançada idade,
Disse que “Nona” a ajuda
Com muito boa vontade.
E se pudesse escolher
Queria mesmo era ver
O seu neto em liberdade.

Por isso, penso que, embora
Na esfera da moral,
A conduta desse “Nona”
Cause repulsa total,
Não existe fundamento
Para se dar seguimento
A uma ação criminal.

Ainda mais no Brasil,
Onde tem tanto ladrão
Que navega livremente
No mar da corrupção,
Parece coisa mesquinha
Manter ladrão de galinha
Trancado em uma prisão.

E já tem tanto processo
No Poder Judiciário,
Anda tão abarrotado
O sistema carcerário,
Será que compensaria
Gastar nossa energia
Com esse crime aviário?

Melhor acabarmos logo
Com esse co-ro-co-có,
Libertando o “Nego Nona”
E alegrando a sua avó,
Que sofreu forte emoção
Ao ver o neto ladrão
Recolhido ao xilindró.

Já que o fato em julgamento
Teve pouca gravidade,
Vamos dar ao “Nego Nona”
Nova oportunidade
De agir, daqui pra frente,
Como um cidadão decente
Sendo posto em liberdade.

Fundado nessas razões,
Decreto o relaxamento,
Do flagrante efetuado
Pelo policiamento
No Alvará de Soltura
Vai a minha assinatura,
E a ordem de cumprimento.

Publique-se a decisão,
E expeça-se mandado.
Intime-se o defensor
E também o delegado,
Depois, vista ao promotor
Que, nada tendo a opor,
Seja o processo arquivado.


PETIÇÃO
Vicente Alencar Ribeiro

Meu preclaro julgador,
Muito ínclito magistrado,
O seu ato de Justiça,
De passagem bem rimado,
Foi sem dúvida consciente,
E por demais pertinente,
Deve ser elogiado.

Quero lhe comunicar,
Que depois da decisão,
A avó de Nego Nona
Mandou minha refeição,
Feliz com sua soltura,
Um exemplo de fartura,
De galinha e de pirão.

Assiste muita razão,
Ao nobre julgador,
Liberando Nego Nona,
Reconhece o seu valor,
Prometo à luz da verdade,
Que nessa oportunidade,
Nego Nona se apegou.

Prometeu-me de joelhos,
Nunca mais irá furtar,
Todo domingo ir a missa,
Com afinco trabalhar,
Ser um homem verdadeiro,
E nunca mais no chiqueiro,
Os seus pés irão pisar.

Por último meus parabéns,
Por sua peça tão bela,
Eu sei que Vossa Excelência,
Pela moral sempre vela,
Não estou lhe adulando,
Mas por aí tá chegando,
De uma galinha a titela.

Literatura de Cordel sábado, 08 de maio de 2021

OS SETE CONSTITUINTES, CORDEL DE ANTONIO FRANCISCO

 

O cordelista imortal de Mossoró

 

 

 

A POESIA DE ANTONIO FRANCISCO
 
Em qualquer lista que reúna os grandes nomes da Literatura de Cordel, especialmente os que estão em atividade, não pode faltar o de Antônio Francisco. Mossoroense, Antonio Francisdo, nasceu a 21 de outubro de 1949, num bairro chamado Lagoa do Mato. É poeta popular, xilógrafo, compositor e ainda trabalha confeccionando placas. Um dado interessante é que, só após os quarenta anos, ele se dedicou ao ato de escrever. No dia 15 de maio de 2006 tomou posse na Academia Brasileira de Literatura e Cordel - ABLC, na cadeira de número 15, patronímica do poeta cearense Patativa do Assaré. É autor dos poemas, “Meu Sonho”, “O Guarda-Chuva de Prata”, “Os Sete Constituintes” ou “Os Animais têm Razão”, “Aquela Dose de Amor”, “A Oitava Maravilha” ou a “Lenda de Cafuné”, “A Cidade dos Cegos” ou “História de Pescador”, “As Seis Moedas de Ouro”, “A Arca de Noé”, “Do Outro Lado do Véu”, “Confusão no Cemitério”, “O Ataque de Mossoró ao Bando de Lampião”, “A Lenda da Ilha Amarela”, “Um Conto bem Contado”, “A Casa que a Fome Mora”, “Um Bairro Chamado Lagoa do Mato”, “O Duelo de Bangala”, “O Feiticeiro do Sal”, “Uma Carrada de Gente”, “No Topo da Vaidade”, “Uma Carta para a Alma de Pero Vaz de Caminha”, “Uma Esmola de Sombra”, “O Rio de Mossoró e as Lágrimas que eu Derramei”, “O Lado Bom da Preguiça”, “A Resposta” e “De Calça Curta e Chinela”, editadas em folhetos ou em seus livros “Dez Cordéis num Cordel Só”, “Por Motivo de Versos” e “Veredas de Sombras”, editados pela Queima Bucha.
Destaco, a seguir, a obra:

OS SETE CONSTITUINTES

 

Quem já passou no sertão
E viu o solo rachado,
A caatinga cor de cinza,
Duvido não ter parado
Pra ficar olhando o verde
Do juazeiro copado.

E sair dali pensando:
Como pode a natureza
Num clima tão quente e seco,
Numa terra indefesa
Com tanta adversidade
Criar tamanha beleza.

O juazeiro, seu moço,
É pra nós a resistência,
A força, a garra e a saga,
O grito de independência
Do sertanejo que luta
Na frente da emergência.

Nos seus galhos se agasalham
Do periquito ao cancão.
É hotel do retirante
Que anda de pé no chão,
O general da caatinga
E o vigia do sertão.

E foi debaixo de um deles
Que eu vi um porco falando,
Um cachorro e uma cobra
E um burro reclamando,
Um rato e um morcego
E uma vaca escutando.

Isso já faz tanto tempo
Que eu nem me lembro mais
Se foi pra lá de Fortim,
Se foi pra cá de Cristais,
Eu só me lembro direito
Do que disse os animais.

Eu vinha de Canindé
Com sono e muito cansado,
Quando vi perto da estrada
Um juazeiro copado.
Subi, armei minha rede
E fiquei ali deitado.

Como a noite estava linda,
Procurei ver o cruzeiro,
Mas, cansado como estava,
Peguei no sono ligeiro.
Só acordei com uns gritos
Debaixo do juazeiro.

Quando eu olhei para baixo
Eu vi um porco falando,
Um cachorro e uma cobra
E um burro reclamando,
Um rato e um morcego
E uma vaca escutando.

O porco dizia assim:
– “Pelas barbas do capeta!
Se nós ficarmos parados
A coisa vai ficar preta...
Do jeito que o homem vai,
Vai acabar o planeta.

Já sujaram os sete mares
Do Atlântico ao mar Egeu,
As florestas estão capengas,
Os rios da cor de breu
E ainda por cima dizem
Que o seboso sou eu.

Os bichos bateram palmas,
O porco deu com a mão,
O rato se levantou
E disse: – “Prestem atenção,
Eu também já não suporto
Ser chamado de ladrão.

O homem, sim, mente e rouba,
Vende a honra, compra o nome.
Nós só pegamos a sobra
Daquilo que ele come
E somente o necessário
Pra saciar nossa fome.”

Palmas, gritos e assovios
Ecoaram na floresta,
A vaca se levantou
E disse franzindo a testa:
– “Eu convivo com o homem,
Mas sei que ele não presta.

É um mal-agradecido,
Orgulhoso, inconsciente.
É doido e se faz de cego,
Não sente o que a gente sente,
E quando nasce e tomando
A pulso o leite da gente.

Entre aplausos e gritos,
A cobra se levantou,
Ficou na ponta do rabo
E disse: – “Também eu sou
Perseguida pelo homem
Pra todo canto que vou.

Pra vocês o homem é ruim,
Mas pra nós ele é cruel.
Mata a cobra, tira o couro,
Come a carne, estoura o fel,
Descarrega todo o ódio
Em cima da cascavel.

É certo, eu tenho veneno,
Mas nunca fiz um canhão.
E entre mim e o homem,
Há uma contradição
O meu veneno é na presa,
O dele no coração.

Entre os venenos do homem,
O meu se perde na sobra...
Numa guerra o homem mata
Centenas numa manobra,
Inda tem cego que diz:
Eu tenho medo de cobra.”

A cobra inda quis falar,
Mas, de repente, um esturro.
É que o rato, pulando,
Pisou no rabo do burro
E o burro partiu pra cima
Do rato pra dar-lhe um murro.

Mas, o morcego notando
Que ia acabar a paz,
Pulou na frente do burro
E disse: – “Calma, rapaz!...
Baixe a guarda, abra o casco,
Não faça o que o homem faz.”

O burro pediu desculpas
E disse: – “Muito obrigado,
Me perdoe se fui grosseiro,
É que eu ando estressado
De tanto apanhar do homem
Sem nunca ter revidado.”

O rato disse: – “Seu burro,
Você sofre porque quer.
Tem força por quatro homens,
Da carroça é o chofer...
Sabe dar coice e morder,
Só apanha se quiser.”

O burro disse: – “Eu sei
Que sou melhor do que ele.
Mas se eu morder o homem
Ou se eu der um coice nele
É mesmo que estar trocando
O meu juízo no dele.

Os bichos todos gritaram:
– “Burro, burro... muito bem!”
O burro disse: – “Obrigado,
Mas aqui ainda tem
O cachorro e o morcego
Que querem falar também.”

O cachorro disse: – “Amigos,
Todos vocês têm razão...
O homem é um quase nada
Rodando na contramão,
Um quebra-cabeça humano
Sem prumo e sem direção.

Eu nunca vou entender
Por que o homem é assim:
Se odeiam, fazem guerra
E tudo o quanto é ruim
E a vacina da raiva
Em vez deles, dão em mim.”

Os bichos bateram palmas
E gritaram: – “Vá em frente.”
Mas o cachorro parou,
Disse: – “Obrigado, gente,
Mas falta ainda o morcego
Dizer o que ele sente.”

O morcego abriu as asas,
Deu uma grande risada
E disse: – “Eu sou o único
Que não posso dizer nada
Porque o homem pra nós
Tem sido até camarada.

Constrói castelos enormes
Com torre, sino e altar,
Põe cerâmica e azulejos
E dão pra gente morar
E deixam milhares deles
Nas ruas, sem ter um lar.”

O morcego bateu asas,
Se perdeu na escuridão,
O rato pediu a vez,
Mas não ouvi nada, não.
Peguei no sono e perdi
O fim da reunião.

Quando o dia amanheceu,
Eu desci do meu poleiro.
Procurei os animais,
Não vi mais nem o roteiro,
Vi somente umas pegadas
Debaixo do juazeiro.

Eu disse olhando as pegadas:
Se essa reunião
Tivesse sido por nós,
Estava coberto o chão
De piubas de cigarros,
Guardanapo e papelão.

Botei a maca nas costas
E saí cortando o vento.
Tirei a viagem toda
Sem tirar do pensamento
Os sete bichos zombando
Do nosso comportamento.

Hoje, quando vejo na rua
Um rato morto no chão,
Um burro mulo piado,
Um homem com um facão
Agredindo a natureza,
Eu tenho plena certeza:
Os bichos tinham razão.

Literatura de Cordel quarta, 05 de maio de 2021

OS DOIS SOLDADOS (CORDEL DE MARCOS MAIRTON)

 

 



ANIVERSÁRIO E CORDEL EM CAPÍTULOS

Dia 19 deste mês de agosto, Mundo Cordel completará um ano de existência.

Em comemoração à data, vou publicar, a partir de hoje, uma série de posts contendo partes de um cordel inédito que acabo de criar. A cada post publicarei algumas estrofes, até chegar ao final, no dia 19.

Como o cordel tem setenta e oito estrofes, meu pensamento inicial era publicar seis estrofes por post, mas percebi que às vezes a história seria interrompida no meio de uma idéia. Então resolvi não me prender a números.

Vamos soltando a história aos poucos e ver o que acontece...

OS DOIS SOLDADOS
Marcos Mairton

Foi William Shakespeare
Quem escreveu certo dia
Que existem mais mistérios
Entre o céu e a pradaria
Do que possa explicar
Ou ao menos suspeitar
Nossa vã filosofia.

Citei esse pensamento
Em outro cordel que fiz,
Quando adaptei um conto
De Machado de Assis,
E o caso que eu vou contar
Vem de novo confirmar
Essa frase que se diz.

Ocorreu que numa tarde
De um domingo ensolarado,
Fui a um grande hospital
Onde estava internado
Um velho amigo meu
Que um acidente sofreu
E ali foi operado.

Da sua bonita moto
O rapaz tinha caído.
Ficou todo arranhado,
Bem machucado e ferido,
Quase que não escapava
Mas já se recuperava
Do acidente sofrido.

Quando entrei na enfermaria
Percebi que ao seu lado
Havia uma outra cama
E nela um homem deitado.
Chamou minha atenção
Ver que aquele cidadão
Estava todo enfaixado.

Prossegui com a visita,
Fiquei ali conversando,
A história do acidente
Meu amigo foi contando.
Enquanto ele conversava,
O seu vizinho ficava
Sempre nos observando.

Percebendo que o homem
Queria participar
Da conversa, resolvi
Também com ele falar.
Perguntei: “E tu, amigo?
O que aconteceu contigo?
Como foi se machucar?”

 


Literatura de Cordel sábado, 01 de maio de 2021

OS CINCO SENTIDOS - CORDEL DE MARCOS MAIRTON

 

Minha poesia e o violão de Nonato Luiz

 

ENCONTRO DA MÚSICA COM A POESIA

Era um sábado à tarde – e isso já faz quase um ano – quando eu estava na casa do amigo Samuel Facó, advogado em Fortaleza, e comentei com o compositor e violonista Nonato Luiz, nosso amigo em comum, sobre a intenção de gravar meus cordéis em um CD, especialmente para as pessoas que não sabem ler a poesia em seu ritmo característico.

Nonato imediatamente pôs à disposição suas músicas, para funcionarem como cenário das declamações, e fez a sugestão, que para mim foi um comando: “A poesia OS CINCO SENTIDOS você vai declamar ao som de RUBI GRENÁ”.

 


Depois disso, “letrei” uma música de Nonato, e fico todo orgulhoso quando ele me chama de “parceiro”. Afinal, Nonato Luiz é “um dos instrumentistas brasileiros mais respeitados no circuito europeu, onde vem desenvolvendo, ao longo dos anos, inúmeros concertos em violão, elogiados pela crítica especializada. Suas músicas já foram gravadas por violonistas de todo o mundo (Brasil, Tchecoslováquia, Estados Unidos, Inglaterra, China, Argentina, Alemanha, Áustria, França etc.). É um dos privilegiados brasileiros a lançar na Europa um livro reunindo as partituras de suas composições entitulado 'Suíte Sexta em Ré Para Guitarrra', editado pela Henry Lemoine, em Paris-França”, conforme registra seu site.

 



Bem, o CD ainda não saiu, mas o encontro de OS CINCO SENTIDOS com RUBI GRENÁ eu fiz no clipe acima.

Segue o texto da poesia:

OS CINCO SENTIDOS
(para Natália Guberev)

Com os meus cinco sentidos
Percebo a natureza.
Boca, olhos e ouvidos,
Pele e nariz na certeza
De captar o sabor
A beleza, o odor,
A textura, a melodia
Das coisas que a cada dia
Eu encontro em minha vida,
E da mulher tão querida,
Que me enche de alegria.

O PALADAR
Existem muitos sabores
Pra agradar o paladar:
Bebidas finas, licores,
Vinho tinto e caviar.
Mas nada tem o sabor
Dos beijos do meu amor,
Quando vem e me abraça.
Com os braços me enlaça,
Encosta seu corpo ao meu,
E eu pergunto: quem sou eu
Pra merecer essa graça?

A VISÃO
Fazendo a comparação
De onde há mais beleza.
Na água, no ar, no chão,
Em toda a natureza,
Nunca vi coisa tão bela
Como o sorriso dela,
Da minha doce amada.
Ela vem tão delicada,
E fala ao meu ouvido:
És meu príncipe querido,
Eu quero ser tua fada.

A AUDIÇÃO
A música nos alcança
Por meio da audição.
Pelos ouvidos avança,
Pra chegar ao coração.
Mas, o som que mais me agrada
É a voz da minha amada,
Quando fala ao meu ouvido.
Cada sussurro ou gemido,
Cada agudo e cada grave
É uma nota suave
Me deixando embevecido.

O TATO
O tato é que nos revela,
Na escuridão mais escura,
Do veludo e da flanela,
A maciez e a textura.
Mas não há tecido ou fio
Que possa ser mais macio
Que a pele da minha amada.
Fica comigo abraçada,
Se transforma em cobertor,
E o frio vira calor
No meio da madrugada.

O OLFATO
Num jardim com muitas flores,
É grande a diversidade
De essências e odores
De toda variedade.
Mas não existe uma flor
Com o cheiro do meu amor,
Quando vem pra minha cama.
Vem falando que me ama,
E me diz suavemente:
Tu és a centelha quente
Que acende a minha chama.


Literatura de Cordel segunda, 26 de abril de 2021

O VOO DA PATATIVA, CORDEL DE DIDEUS SALES

 

 


 

PATATIVA DO ASSARÉ NÃO ERA ANALFABETO

Há alguns posts passados, mencionei aqui que o poeta Arievaldo Viana teria dito em entrevista que Patativa não era analfabeto. Hoje, trago trecho do livro CORDÉIS, de Patativa do Assaré, o qual é iniciado com um texto de Luiz Tavares Júnior – professor do Curso de Mestrado em Letras da Universidade Federal do Ceará – no qual o autor confirma essa afirmação de Arievaldo:

“Embora sua instrução formal tenha sido muito diminuta, seu contato com os livros foi constante e permanente, tendo convivido intensamente com a poesia de Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu, Castro Alves e a prosa de Coelho Neto, como afirma Luzanira Rego, a partir de uma visita à casa do poeta, ao se deparar com os livros desses escritores; e Rosemberg Cariry vai um pouco mais além, ao enunciar: ‘Patativa é homem que sabe ler, de muitas leituras e informações sobre o que acontece no mundo (...). Basta dizer que, mesmo quando Patativa era violeiro e encantava os sertões com o som de sua viola e a beleza de seus versos de repente, já estudava o tratado de versificação de Guimarães Passos e Olavo Bilac e lia Os Lusíadas’. Em face dessas afirmações e, se acrescentarmos que, de fato, estamos diante de uma pessoa de inteligência invulgar e espantosa memória, como sempre afirmam seus biógrafos, haveremos facilmente de compreender a grandiosidade de seu engenho e arte no manejo do verso e na criação de sua poesia, atestado por quantos se aproximam de sua obra, aqui, no Brasil, como no estrangeiro”.

Percebe-se, portanto, que Patativa agia deliberadamente quando escrevia na forma matuta presente em Aos Poetas Clássicos:

Poetas niversitário,
Poetas de Cademia,
De rico vocabularo
Cheio de mitologia;
Se a gente canta o que pensa,
Eu quero pedir licença,
Pois mesmo sem português
Neste livrinho apresento
O prazê e o sofrimento
De um poeta camponês.

O fato é que Patativa foi realmente um fenômeno, desses que aparecem a cada século, quando muito. Basta fazer uma pesquisa com o nome “Patativa do Assaré” no Google para ver a imensa quantidade de páginas que se dedicam a ele. Eu, aliás, fiz isso hoje, e achei coisas interessantíssimas, como, por exemplo, o estudo “Relações entre Estética, Hermenêutica, Religião e Arte”, de Cristiane Moreira Cobra.
 
Também encontrei o divertido poema da Prefeitura sem Prefeito:

PREFEITURA SEM PREFEITO
 
Nessa vida atroz e dura
Tudo pode acontecer
Muito breve há de se ver
Prefeito sem prefeitura;
Vejo que alguém me censura
E não fica satisfeito
Porém, eu ando sem jeito,
Sem esperança e sem fé,
Por ver no meu Assaré
Prefeitura sem prefeito.

Por não ter literatura,
Nunca pude discernir
Se poderá existir
Prefeito sem prefeitura.
Porém, mesmo sem leitura,
Sem nenhum curso ter feito,
Eu conheço do direito
E sem lição de ninguém
Descobri onde é que tem
Prefeitura sem prefeito.
 
Ainda que alguém me diga
Que viu um mudo falando
Um elefante dançando
No lombo de uma formiga,
Não me causará intriga,
Escutarei com respeito,
Não mentiu este sujeito.
Muito mais barbaridade
É haver numa cidade
Prefeitura sem prefeito.

Não vou teimar com quem diz
Que viu ferro dar azeite,
Um avestruz dando leite
E pedra criar raiz,
Ema apanhar de perdiz
Um rio fora do leito,
Um aleijão sem defeito
E um morto declarar guerra,
Porque vejo em minha terra
Prefeitura sem prefeito.

A sua morte, em 08 de julho de 2002, deixou órfãos todos os poetas populares do Brasil. O poeta cearense Dideus Sales, em seu livro Veredas de Sol, retrata bem esse sentimento, no poema:

O VÔO DO PATATIVA

O sertão está de luto,
Sem sinfonia a aurora,
Pois a ave que cantava
O povo, a fauna e a flora
Sem sequer nos dar adeus
Alçou vôo e foi embora.

Calejado pelos anos,
Com noventa e três de idade
Mas com plena lucidez,
Muita sensibilidade.
Sua ausência nos cobriu
Com o véu frio da saudade.

Deu voz a uma lçegião
De rurícolas sem clareza;
Até falando em desgraça,
Seu canto tinha beleza
Porque recebeu as aulas
Do Mestre da natureza.

Sua poesia jorrou
Na viola e no repente,
Cantou saudade e tristeza
Miséria, seca e enchente.
Sua obra o transformou
Num símbolo da nossa gente.

Puro e simples como a flor,
Um gênio da raça humana,
Viveu como lavrador,
Morando numa choupana
Plantando e colhendo versos
Lá na terra de Santana.

Mesmo sem ter estudado
Não se fez ignorante,
Nutria um amor telúrico
Por seu torrão escaldante
Onde fez Triste Partida
A saga do retirante.

Sempre lutou para o povo
Não ser massa de manobra,
Teve humildade em excesso
Teve inspiração de sobra.
Não há quem saiba estimar
O valor de sua obra.

Mais que um poeta-maior
Um vate fenomenal,
Poesia genuína,
Improviso natural
Fazia das rimas arma
Na defesa social.

Cantou nossa gente simples
Do sertão com maestria;
Defendendo as injustiças,
Protestando a covardia,
Sua arma era o verso,
Munição, a poesia.

Guardo viva a sua imagem
Fazendo versos com esmero,
Glosando com muita prática,
Rimando sem exagero
Que da poética matuta
Só ele tinha o tempero.

Sua mensagem profética
Encheu o sertão de amor,
Sua genialidade
Trouxe a lume o seu valor,
O sertão chora a saudade
Do seu eterno cantor.

Voa, Patativa, voa
Para o céu de Jeová.
Vou ficando por aqui
Poetizando o Ceará.
Você no céu, eu na terra,
Cante lá que eu canto cá.

 


Literatura de Cordel quarta, 03 de março de 2021

O TRANCA RUA (FOLHETO DE AMAZAN)

 

 

O TRANCA RUA
Amazan
 
 



Eu ainda era menino
A premera vez que vi
O cabocão lazarino
E nunca mais esqueci
Seu nome era tranca rua
Pois quando a vontade sua
Era fechar a cidade
Dava ordem pra trancar
Mercado, bodega, bar
E até a casa do padre


Quatro, cinco, seis soldado
Para ele era perdido
Uns ficava istrupiado
Outros ficava estendido
De modos que a cidade
Não tinha tranqüilidade
No dia que ele bebia
Pois quando se embriagava
Dava a gota bagunçava
E prendê-lo ninguém podia


Tranca rua era um caboco
De dois metros de artura
Os braço era aqueles tôco
As pernas dessa grossura
Não tinha medo de nada
Pois até onça pintada
Ele sozinho caçava
Pegava a bicha com a mão
Depois com um cinturão
Dava-lhe uma pisa e matava


E eu cresci-me escutando
Falar do cabra voraz
O tempo foi se passando
E eu tormei-me rapaz
Mole que só a mulesta
Pois até pra ir uma festa
Eu era discunfiado
Se acaso visse uma briga
Me dava uma fadiga
Eu ficava todo mijado


Quem hoje olha pra mim
Pensa até que eu tô inchado
Mais eu nunca fui assim
Naquele tempo passado
Eu era um cabra mufino
Desses do pescoço fino
Da cabeça chata e feia
No lugar onde eu morava
O povo só me chamava
De caboré de urêia


Por artes do mangangá
Um dia eu me alistei
Num concurso militar
E apois num é que eu passei?
E me tornei um sordado
Mago feio e infadado
Nem cum revóve eu pudia
Porém se o chefe mandasse
Prendê alguém qui errasse
Dava a gota mais eu ia


Um dia de madrugada
Eu estava bem deitado
Quando chegou Zé buchada
Com os óio arregalado
Foi logo chamando a gente
Depois deu parte ao tenente
Relatou o desmantelo
Tranca ua ontem brigou
Portanto agora o Senhor
Vai ter que mandar prendê-lo


O tenente olhou pra mim
Eu chega tive um abalo
Disse: - Amanhã bem cedim
Você vá lá intimá-lo
Disse isso e foi se deitar
Eu peguei logo a ficar
Amarelo e mêi cansado
Deu-me uma tremedeira
E eu disse é a derradeira
Viagem desse soldado


No outro dia bem cedo
Eu pus o pé no camim
Ia tremendo de medo
E cunversando sozim
Aqui e acolá parava
Fazia um gesto insaiava
O que diria pra ele
E saí me maldizeno
Nove hora mais ou menos
Eu cheguei na casa dele


Fui chegando com cuidado
A casa estava trancada
Eu fui olhando de lado
Vi ele numa latada
Tava dum bode tratano
Eu fui lá me aprochegano
Pra perto do fariseu
Minha garganta tremia
Eu fui e disse assim: Bom dia!
Ele nem me arrespondeu


E eu peguei conversando
E me aprochegano mais
E ele lá trabaiano
Sem me dá nenhum cartaz
Eu disse: - Bonito dia
Eihm! Seu Toím quem diria
Que esse ano ia chuver
Eita qui bodão criado
É pra vender no mercado
Ou mode o senhor cumê 


Aí ele olhou pra mim
Eu peguei logo a surri
Ele diche bem assim
Qui diabo tu qué aqui?
Aí eu diche não sinhô
É qui eu sou um caçador
Qui moro no pé da serra
Me perdi de madrugada
Não achei mais a estrada
E saí nas suas terra


Aí ele me interrogou
Então cadê seu bisaco?
Eu diche ah! Não sim senhor
Caiu dentro dum buraco
Ele diche sente aí
Qui eu tô terminando aqui
Qui é pra mode conzinhar
E você chegou agora
Portanto só vai imbora
Adispois qui armoçá


Quando nóis tava armonçando
Ele pegou cunversar
E diche: -Faz vinte anos
Qui moro nesse lugar
Sem mulé e sem parente
As vezes tomo aguardente
Faço papel de bandido
Eu sei qui é covardia
Mas quando é no outro dia
Eu to munto arrependido


Então eu disse é agora
Qui faço a minha defesa
Peguei a fera na hora
Dum momento de fraqueza
Aí disse: - Realmente
O sinhor é diferente
Quando istá imbriagado
Mais dexe isso pra lá
Qui a vida vive a passar
E o qui passou ta passado


Viu seu Antoim tem mais uma
Eu nunca fui caçador
Tombem istô cum vergonha
De tê mentido ao sinhô
Eu sou um pobre sordado
Qui as orde do delegado
Meu devê é dispachar
Porém prefiro morrer
Do que dizer a você
Qui vim aqui lhe intimar


Se o delegado achar ruim
Pode tirar minha farda
Mais intimar seu Toím
Deus me livre intimo nada
Nisso Ontoim se levantou
Bebeu água se sentou
Dispois pegou preguntar
Quer dizer qui o sordado
Pur orde do delegado
Veio aqui mi intimar


Eu fui falar mais não deu
Peguei logo a gagejar
Nisso Ontoim oiou pra eu
Disse: -Pode se acalmar
Resolvi ir com você
Pra cunversar e saber
O qui quer o delegado
Pois se eu não for camarada
Vão tirar a sua farda
E eu vou me sentir curpado


E vamo logo si imbora
Enquanto eu tô cum vontade
Mais ou menos quatro hora
Fumo entrando na cidade
De longe eu vi o tenente
Assentado num batente
Cum uns cabra a cunversar
Qui quando viu nóis gritou:
-Valei-me nosso Senhor
Ispie só quem vem lá


Eu só tou acreditando
Porque meus óio estão vendo
Tranca rua vem chegando
Caboré vem lhe trazendo
O cabra é macho demais
Nisso eu fui e passei pra trás
Que é pra chamar atenção
E só pra me amostrar
Eu resolvi impurrar
Tranca rua cum a mão


Esse nêgo camarada
Ficou meio enfurecido
Deu-me uma chapuletada
Por cima do pé do uvido
Qui eu saí feito um pião
Rodano sem direção
Pru cima de pedra e pau
Graças a Virge Maria
Só acordei no outro dia
Na cama dum hospital


Não sei o qui se passou
Dispois qui eu dismaiei
Por que ninguém me contou
E eu tombem não perguntei
Eu só sei qui o delegado
Até hoje é aleijado
E qui esse uvido meu
Nunca mais iscutou nada
Adispois da bordoada
Qui Tranca rua me deu.!


Literatura de Cordel quarta, 24 de fevereiro de 2021

O TERRORISTA E O PRESIDENTE (FOLHETO DE MARCOS MAIRTON)

 

A morte de Osama Bin Laden

 
 
 
O TERRORISTA E O PRESIDENTE
Marcos Mairton
 
Numa certa manhã de terça-feira
Na TV as pessoas assistiam:
Duas torres imensas que caíam,
Nova Iorque coberta de poeira.
Mas aquela atitude traiçoeira
Não seria esquecida facilmente.
O autor se escondeu no oriente,
Os ianques seguiram sua pista
E MATARAM OSAMA, O TERRORISTA.
QUEM FALOU FOI OBAMA, O PRESIDENTE.
 
Entre o dia em que houve o atentado
Levando as Torres Gêmeas para o chão
E o dia em que houve a ação
Que acabou com Bin Laden derrotado,
De dez anos foi o tempo passado.
Nesse tempo houve guerra, morreu gente,
Quem ainda esperava, realmente,
Encontrá-lo era muito otimista.
MAS MATARAM OSAMA, O TERRORISTA.
QUEM FALOU FOI OBAMA, O PRESIDENTE.
 
Nesses dez anos de perseguição
Que partiu desde os Estados Unidos
Muitos homens caíram abatidos
Nos desertos do Afeganistão.
Mas a busca seguiu no Paquistão
E aí foi que a coisa ficou quente.
Contra o grande país do ocidente
É difícil inimigo que resista.
JÁ MATARAM OSAMA, O TERRORISTA.
QUEM FALOU FOI OBAMA, O PRESIDENTE.
 
Encontraram Bin Laden escondido
Numa casa equipada e bem segura,
Mas, no meio da noite muito escura,
De repente se ouviu um estampido.
Num instante o lugar foi invadido
E aí choveu chumbo incandescente,
Nessa hora não tem homem valente
Que não queira correr ou não desista,
E MATARAM OSAMA, O TERRORISTA.
QUEM FALOU FOI OBAMA, O PRESIDENTE.
 
E assim encontrou um fim terrível
Esse homem que há tempos se escondia,
Esse mito que ainda resistia,
Nas montanhas oculto, invisível.
Parecia que era invencível.
Viu-se agora que era, realmente,
Carne e osso, como qualquer vivente,
Qualquer homem que coma, beba e vista.
POIS MATARAM OSAMA, O TERRORISTA.
QUEM FALOU FOI OBAMA, O PRESIDENTE.
 
Apesar do sucesso da vitória
Pelos americanos conquistada
Uma coisa importante a ser lembrada
É que aqui não termina essa história.
Pois em nome da honra ou da glória
É provável que, lamentavelmente,
O terror continue a matar gente
Sei que quem pensa assim é realista,
COM A MORTE DE OSAMA, O TERRORISTA.
QUE SE CUIDE OBAMA, O PRESIDENTE.

Literatura de Cordel quarta, 17 de fevereiro de 2021

O TEMPO (CORDEL DO CEARENSE MARCOS MAIRTON)

 

 

O TEMPO

Marcos Mairton

 

 

O tempo é um bicho teimoso

Que nunca obedece a gente.

Se a gente quer que ele corra,

Ele avança lentamente.

Mas, se quer que ele vá lento,

É ligeiro como o vento

Ou uma estrela cadente.

 

Bem o sabe aquela jovem

Que espera o namorado,

Olhando para o relógio

Que parece estar parado.

Mas, quando está com o rapaz,

O tempo parece mais

Um cavalo disparado.

 

No jogo de futebol,

É a mesma situação:

Se seu time está vencendo

O tempo é só lentidão.

Mas, se o time está perdendo,

Lá vai o tempo correndo

Sem olhar nossa aflição.

 

O tempo passa depressa

Pra quem acordou agora,

Quer dormir mais um pouquinho,

Mas do trabalho é a hora.

Passa o tempo devagar

Para quem tem que esperar

Que um chato vá embora.

 

O homem tenta medir

O tempo que há no mundo,

Em anos, meses e dias

Horas, minutos, segundos.

Mas, também nessa medida,

Pelo homem escolhida,

O mistério é dos profundos.

 

Pois, se em mais de mil pedaços

Um dia for dividido,

Cada pedaço é um minuto

Desse tempo repartido.

Nessas partes desiguais,

Tem dia curto demais

E minuto que é comprido.

 

Falo todas essas coisas

Mas eu sei que, na verdade,

O tempo é apenas fruto

Da nossa engenhosidade.

Fomos nós que o criamos

E agora nos sujeitamos

A toda essa má vontade.

 

Inventamos o relógio

E também o calendário,

Dividimos nossa vida,

De um jeito arbitrário,

E, em frações de existência,

Vivemos sob a regência

Desse ser imaginário.


Literatura de Cordel quarta, 10 de fevereiro de 2021

O SURGIMENTO DA MENTIRA NO BRASIL (FOLHETO DE MANOEL MESSIAS BELIZÁRIO NETO)

 

 

Cordel sobre o dia da mentira

 
O SURGIMENTO DA MENTIRA NO BRASIL
 
Manoel Messias Belizario Neto
 
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Leitor para ser um homem
Ou uma mulher de verdade
A criatura precisa
Ter no mínimo honestidade
Que é a mãe dos princípios
Morais de uma sociedade.


Hoje em dia é comum
Homem e mulher de mentira.
Nesse verso vou narrar
De onde isto surgira.
Trazer à tona a verdade.
Esta é a minha mira.

Toda a saga tem início
Nas plagas de Portugal
Ainda na construção
Da esquadra de Cabral.
A mentira se escondeu
No porão de uma nau.


Coitada quase morreu
De calor, fome e sede.
Porém aguentou calada,
Encostada na parede.
Pensando:’que bom seria
Se já existisse rede’!

Quando em 1500
Cabral chegou no Brasil
A mentira, de fininho,
Do seu recanto saiu.
Passou pelos tripulantes.
Pulou no mato e sumiu.

A verdade já morava
Nas terras de Pindorama.
Ninguém avisou a ela
Para apagar as chamas
Que a mentira acendia
Em favor de sua trama.

A mentira foi ganhando
Importância no reinado.
Disfarçada de verdade
Tinha todos do seu lado.
Portugueses e indígenas
Por ela foram enganados.

Já a verdade, coitada,
Caiu numa confusão.
Confundida com a mentira
Foi levada à inquisição.
Escapando da fogueira
Exilou-se no sertão.

Por isso que no sertão
Inda hoje tem sofrimento.
Porque a verdade quer
Eleger seu movimento.
Mas a mentira vem antes
E conquista o parlamento.

Com a verdade exilada
A mentira ganha fácil.
Vai abrindo filiais
No país sem embaraço.
Aonde hoje é Brasília
Ela constrói seu palácio.

Nos fundos deste palácio
Ela faz seu cemitério.
Quem foi enterrado lá?
Até hoje é um mistério.
No lugar hoje se encontra
O prédio dos ministérios.

Já em 1700
Com o mundo modernizado
A mentira deicidiu
Abandonar seu reinado.
Em pouco tempo o palácio
Estava arruinado.

Na década de 50,
Coitado de JK!
Inocente escolheu
O mesmíssimo lugar
Que a mentira habitou
Para a Brasília implantar.

Pou um tempo no país
Houve paz e harmonia.
Foram buscar a verdade.
Deram-lhe a anistia.
Pena que a tempestade
Vem depois da calmaria.

Porque a mentira estava
Na Europa passeando
Quando viu numa esquina
Um jornaleiro gritando
Que a capital brasileira
Estaria prosperando.

A mentira ao vir a foto
Conheceu na mesma hora.
Passou um desconhecido
E perguntou: ‘por que chora’?
A mentira disse:’eu
Estou muito triste agora’.

‘Há alguns anos atrás
E morei em um país.
Lá fiz amigos, riqueza,
Aprontei tudo o que quis.
Escolhi um lugar lindo
E ergui uma matriz.’

‘Por estar podre de rica
Resolvi abandonar
O país e me botei
Por este mundo a andar.
Curtir a vida e também
Outro povo atasanar.’

‘Vi agora no jornal
Que minha linda morada,
Construída com suor,
Dela não resta mais nada.
Fizeram uma cidade
Onde ficava a coitada.’

‘Sabe de uma coisa, amigo,
Farei a seguinte trilha:
Vou retornar ao Brasil,
À cidade de Brasilia.
O bom filha a casa torna,
Para rever a família’.

‘Quero de volta o palácio
Porque é meu de direito.
Se eu não for atendida
Levarei tudo no eito.
Dissemino a inverdade.
Todo o país desajeito.’

Ao dizer isto partiu
De trem, rumo aoceano.
Pegou o primeiro navio.
Tracou um único plano:
Ou tinha tudo de volta,
Ou espalharia dano.

Numa tarde de verão
Ela aporta na Bahia.
Vê um Brasil diferente
Daquele que conhecia.
Agradou-se do lugar,
Porém ficar não podia.

Quando chegou em Brasília
Ficou muito emocionada
Ao rever aquelas terras
Que fora sua morada
Cheia de gente vivendo
Em casas modernizadas.

Avistou a Esplanada
Dos Ministérios pomposa.
Disse: ‘não tenho o palácio,
Minha mansão fabulosa.
Mas tenho em seu lugar
Uma construção honrosa’.

'Sabe de uma coisa, amigo,
Não quero a morada antiga.
Vou ficar é nesta nova.
Besteira entrar em briga.
O chalé aqui é grande.
Qualquer quartinho me abriga.’

A mentira se instalou
No prédio da Esplanada
Do Ministérios e até
Hoje lá está plantada.
Vez em quando sai da toca
Pra tomar sol na calçada.

Às vezes ela percorre,
Em excursão, o Brasil.
Depois volta alegremente
Com um olhar infantil
À sua eterna morada.
Tem recepção gentil.

Por isso, caros leitores,
Que temos corrupção.
Não culpe a classe política.
Dê a ela seu perdão.
A culpa é dessa mentira
Em constante tentação.

Literatura de Cordel segunda, 08 de fevereiro de 2021

A MENINA AMARELA (CONTO DO CARIOCA JOÃO DO RIO)

A MENINA AMARELA

João do Rio

(Grafia original)

 

Havia oito dias, Pedro de Alencar, aquele rapaz tão distinto e com uma posição invejável, ia seguidamente à casa de Flora Berta. Toda a roda estava admirada. Pedro – criatura feita de aristocracias inatas, cultor de elegâncias, encafuado num conventilho da Cidade Nova, entre mulheres de má vida, apaixonado pela Flora Berta, gordinha e vulgar nos seus vinte anos! Parecia impossível! Era decerto um novo vício, mais uma esquisitice moral.

 

Depois, Flora, curioso ser de instinto, tinha um amante, sujeito forte e carnudo, em casa a noite e o dia; e mais uma tropa de amigos íntimos que se aproveitavam dos esquecimentos da proprietária; para almoçar, jantar, dormir e, sempre que havia ocasião, amar. Não! Era impossível. Entretanto, Pedro de Alencar estava cada vez mais preso, e ao encontrar um dos seus mais acirrados amigos, deu a solução do enigma daquela atração.

– É esplêndido, filho, de inconsciência moral! Não imaginas a atmosfera permanente de animalidade vestida. Há meia dúzia de mulheres que só pensam nos homens, uma caterva de homens a galopar pelos corredores. E tudo, até os móveis, parecem gritar a falta de vergonha. Com um mês de estadia naquela casa, fica-se a perguntar onde está o pudor. Realmente, existe o pudor? Existiu mesmo? Estou de observação, meio alegre e meio triste.

A casa em que Pedro de Alencar estava de observação tinha no quarto da frente Flora Berta, com uma cama quebrada, um sofá servindo de toilete e as fotografias e os cartões postais dos seus apaixonados, pregados a tacha pelas paredes. As paredes estavam cobertas dessa ilustração amorosa e edificante. No quarto pegado, morava a Rosinha da Gruma, uma pobre mulher de boca mole e dentadura postiça, que se fizera especialista em amar meninos. Tinha talvez trinta permanentes, dos treze aos dezoito anos, que lhe levavam os magros vinténs, ardendo de devotamento e choravam quando se viam preteridos pelo mais velho, bela envergadura de atleta, cujo primeiro e único carinho fora a aplicação de uma sova tremenda. Na alcova pegada, morava um tipozinho franzino e pintado, a Formiga, apaixonada por um adolescente belo como o Perseu de Benevenuto, e no quarto da sala de jantar, rebaixada por falta de pagamento, Nina Banez, ex-cantora de café-concerto, subitamente empolada pelas caretas de um cômico jovem chamado Andrade. Ainda para os fundos moravam a velha mãe de Flora, com um tipo valentaço, que lhe batia diariamente, o irmão de Flora, ser ambíguo e serpentino, e a criada – uma criada baiana, sempre envolta num chalé e fumando certo cachimbo tão comprido, que parecia mais um narguilé.

Esse pessoal fazia ponto de reunião na estreita casa de jantar, onde, além da mesa, de um guarda-comida e da bilha de barro, havia uma lousa negra, em que se expunham os nomes das pessoas devedoras. Para passar aos quartos, passava-se por ali. Quartos havia que exigiam mesmo a passagem por outro. De modo que de repente, na conversa animada, havia um silêncio. Era alguém que entrava.

– D. Rosinha está?

Se era conhecido, o silêncio transformava-se em alarido.

– Ora, entra, deixa de partes!

Se era coisa nova, ou havia complicações, uma companheira dizia sempre:

– Vou ver.

Ia apenas prevenir. O que estava, saía por outra porta a vir tomar cerveja, e a Rosinha aparecia calma e sorridente:

– Só agora, seu mau! Estou à espera há tanto tempo!…

As damas estavam sempre em roupão, ou em camisa, os homens à frescata. A noite, assim por volta de uma hora da manhã, quando voltavam do teatro e dos cafés, organizavam-se ceias súbitas. Cada rapaz ia comprar uma coisa. Alguns, quando não tinham dinheiro nem para isso, vestiam as camisas das damas e ordenavam os outros com ares dominadores.

Pedro de Alencar assistia às cenas desenfreadas com um excelente bom humor. A princípio Flora Berta fazia sair o rapaz vigoroso por um dos quartos, para não se encontrarem. Pedro deu com o rapaz um dia à porta…

– O Sr. Francisco?

– As suas ordens.

– Subamos juntos.

– Parece-me…

– Nada mais interessante.

O Sr. Francisco subiu. Foi um acontecimento. Entre Francisco e Pedro, Flora Berta irradiava de orgulho e de prazer. Francisco era a sua satisfação física. Pedro o seu apetite de efeito. O segundo era mostrado como se mostra um colar de preço; o outro era invejado como um jantar sempre quente. E, verdadeiramente repartida, pendida para Pedro, com as mãos para Francisco, parecia felicíssima. De resto, embaixo, o automóvel de Pedro carbunculava na treva, e ela não resistia em ir correr a imensa Avenida do Mangue, um manto apenas sobre as espáduas nuas como Frinéia, só com o seu homem de luxo…

As conversas gerais nunca eram de uma inteira cordialidade. De suscetibilidade grande, essas damas zangavam-se por qualquer coisa, umas com as outras. Um vocabulário assustador surgia, portas batiam, gritos, ameaças de conflito. De vez em quando o ardente sustentador da mãe da dona da casa aparecia alcoolizado, com um punhal formidável, querendo matar toda a gente. As mulheres atiravam-se às janelas, pedindo socorro, e como a delegacia era próxima, minutos depois, soldados de espadagão trepavam escada acima, prestes aprender todos os presentes. Como, porém, o delegado tinha uma especial amizade a Flora Berta, tudo continuava na mesma. E ela vociferava indignada:

– Canalhas! Se não fosse eu, estava tudo preso!

Mas o agradável eram as tardes e as noites passadas na sua alcova paupérrima. Berta fechava-se por dentro, farta daquela vida, querendo uma casinha com palmeiras e canários. De um lado Francisco, sempre enleado, sorria; de outro, Pedro, muito alegre, fazia-lhe perguntas, e ela deitada, ria a morrer e contava coisas, como desde criança imaginara ser raptada, a fuga aos quatorze anos com o marido, um barbeiro, aliás, meio tolo, o abandono da casa por causa dos ciúmes da mamã, a quem sustentava.

– Afinal, sempre é mãe, não achas?

Depois tinha ternuras de voz:

– Na minha vida, até agora não tinha gostado de ninguém.

– E agora?

– Agora gosto de vocês dois.

E piscava os olhos para o Francisco, se Pedro estava voltado, tendo o cuidado de significar por um sinal qualquer a Pedro a sua preferência. O Sr. Francisco talvez acreditasse. Pedro divertia-se, amando, afinal, como devia amar essa criaturinha, ingênua, apesar de perdidíssima naquele ambiente de crápula. Era dos que se contentam com o que as mulheres dão, achando-as sempre generosas, por piores que elas sejam. E isso dava-lhe em pouco tempo uma enorme vantagem sobre todos os outros.

– Duvido! bradava ele.

– Juro!

– E estes retratos todos?

Ela então contava a história e as particularidades de cada um daqueles cavalheiros, ia buscar as cartas para lerem alto, rindo. Um dia, Pedro propôs o degolamento geral do exército de fotografias.

– Apoiado! fez com uma alegria terrível o Sr. Francisco.

– Não! não! clamava Flora Berta, louca de riso com a idéia do julgamento e da morte dos retratos.

Horas depois as paredes estavam nuas e Pedro sentia aquele misto de contentamento e de tristeza que tem todo o homem moderno, quando irreparavelmente o mundo lhe mostra o vácuo dos sentimentos. Era inacreditável! Não sentiam aqueles seres, não pensavam, não tinham um toque que os díferençasse dos animais, e pareciam felizes e viviam. Talvez fosse melhor não sentir, porque o pudor é a diferenciação do homem, e aqueles sem pudor viviam radiantes. Nenhum deles teria ao menos um laivo de decoro d’alma?

Talvez tivesse, mas tão apagado, tão liquefeito, e com certeza tão extemporâneo! Os homens pareciam ir ali despir a vergonha para estar à vontade; as mulheres nascidas naquele meio desde crianças, ainda impúberes e já com o conhecimento completo das mais tremendas luxúrias, prestando-se a todas as ignomínias, ignoravam mesmo o que fosse o pudor. E a sua dignidade, – porque elas tinham dignidade – era ter muitos amantes e não se zangar quando as outras lhes tomavam alguns.

– Meus restos, criatura…

O ceticismo romântico de Pedro tornava-se de uma análise penetrante, fazia-o um avaliador de algumas frases inconscientes daquela gente que ele tivera a ilusão de julgar um pouco melhor que a roda da diversão e prazer caro. Pois era pior. Pior porque não era imoral. Nem isso. Pior porque era a alma nua espojando-se e mostrando as mazelas. Aquelas mulheres tinham sido virgens, talvez tivessem ignorado a vida. Nenhuma delas, porém, mostrava, na abundante tagarelice, um sentimento perfumado, uma vaga emoção dignificadora, – tropa meio bamba de bacantes permanentes, com instintos selvagens. E, entretanto, Pedro não desanimava. Fazer-se amar pela Flora Berta? Pobrezita! Não. Ver uma daquelas mulheres mostrar subitamente qualquer coisa de nobre? Não. Pedro esperava o terrível, o imprevisto, lugubremente horrível que há sempre a pairar nos transbordamentos banais da luxúria. E naquela casa aberta a toda a gente, onde se praticava a vida animal sem mistério, sem recato, na sarabanda das ceias, nas mais desenfreadas orgias, em diálogos com a velha mãe de Flora, diariamente espancada, forçando a intimidade com o amoroso Francisco, a cada instante parecia-lhe sentir que impalpavelmente a revelação imprevista ia surgir.

Uma vez, Pedro estava só com a Flora, quando bateram à porta:

– É o Francisco.

– Não, ele bate de outro modo. Decerto alguém que vai passar para o quarto da Rosinha.

Deu a volta à chave, abriu. Diante deles estava, com a sua saia suja, o casaco em tiras, o cabelo de estopa por pentear, uma pobre menina.

Era horrível.

Pequena, miúda, magra, o pescoço fino, tremia como se viesse da neve. E parecia que lhe tinham dado por dentro da pele um violento banho de enxofre. Tinha jalde a face, a pele das mãos era amarela, os lábios, sem sangue, laivavam-se de amarelo, e nas olheiras cor-de-perpétua a esclerótica era cor-de-ovo. Lembrava um espectro de pesadelo, um ser irreal, onde só os seios duros e eretos davam uma impressão de vida impetuosa.

Quando viu Pedro, agarrou-se à porta, a face contraída, tremendo.

– Que queres? indagou colérica Flora.

– Foi a senhora sua mãe que mandou. Pensava estar só, balbuciou a petiz.

– Não disse já que não aparecesse aqui?

– Foi sem vontade. Desculpe. Eu não gosto, não, de aparecer.

E foi recuando, pávida. Berta fechou a porta.

– Que bicho é esse?

– Uma rapariguita, que está aí de favor. Ajuda lá na cozinha.

– Não a tinha visto ainda.

– Tem medo, é uma tola. Imagina tu que tem medo aos homens! Por isso não aparece.

– Mau lugar escolheu ela.

Mas de novo arranhavam à porta. E de fora uma voz lívida, voz de medo, de angústia, de pavor, de choro, quase soluçante, dizia:

– Sou eu ainda, minha senhora. Sua mãe manda buscar a bacia…

Prevendo uma violência da encantadora Flora e mais do que tudo cheio de curiosidade, Pedro ergueu-se rápido e tomou abrir a porta.

– Vá, entre.

A pequena hesitou como se fosse atirar-se a um abismo, fechou os olhos, arregalou-os muito, esticou as mãos amarelas, andou um pouco. Tinha os pés nus e sujos e andando arfava como um duende aterrado. Agarrou a bacia, sobraçou-a. Era atroz, assustadoramente atroz.

– Vem cá. Como se chama você?

– Fala, menina, não tremas. Este senhor não te faz mal. É isso. Vê homem, começa a tremer! Ó Maria, como te chamas? Conta como foi, rapariga, vem cá…

A pequena amarela olhou-os um instante mais, convulsionou-se num soluço que lhe esbugalhava o olhar e deitou a correr pelo corredor. Houve um silêncio, logo interrompido pelo riso de Flora Berta.

– Está há muito tempo contigo?

– Três meses. Foi o pai que a colocou aqui. Tem doze anos e já com aqueles seios…

– Mas está doente, filha. Nunca vi na minha vida uma criatura tão amarela.

Flora voltou-se no leito. Estava linda com a sua carne de leite e rosa.

– Não. Aquilo foi de repente. Há quatro meses um carroceiro, amigo do pai, agarrou-a de noite, à força. No outro dia foram encontrá-la assim, a soluçar, não podendo olhar os homens sem tremer, sem fugir. Nem mesmo o pai. E amarela, toda amarela, filho. O médico disse que foi de horror…

No dia seguinte os hóspedes alegres da casa de Flora Berta verificaram com mágoa que Pedro de Alencar, aquele rapaz tão distinto e com uma posição invejável, deixava de aparecer.


Literatura de Cordel quarta, 03 de fevereiro de 2021

A TRACIÇÃO DO REISADO (FOLHETO DA MADRE SUPERIORA DALINHA CATUNDA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Dalinha Catunda

A TRADIÇÃO DO REISADO

DALINHA CATUNDA

Desenho desta colunista

1
Hoje vou pegar retalhos
De histórias no pensamento
Pra costurar um cordel
Tecendo cada momento
Com fios da tradição
Na trama da narração
Expondo cada elemento.

2
É da tradição cristã
Essa festa que seduz
E tem como inspiração
O pequenino Jesus
E a visita dos Reis Magos
Que trouxeram seus afagos
Guiados por uma luz.

3
Seguindo uma bela estrela
Belchior e Baltasar
Fizeram longo percurso
Lado a lado com Gaspar
Pois saíram do oriente
Cada um com seu presente
Para o menino ofertar

4
O ouro, o incenso e a mirra
Trouxeram na ocasião
E ofertaram a Jesus
Em meio a adoração
Nasceu desse ritual
O presente de Natal
Que se tornou tradição.

5
Nascimento de Jesus
Passou a ser celebrado
O mundo inteiro faz festa
E nós fazemos dobrado
Nasce a festa popular
Divina espetacular
A qual chamamos Reisado.

6
E foram os portugueses
Em tempos coloniais
Que trouxeram seus costumes
Legado dos ancestrais
Culinária e devoções
Festas e celebrações
Herdamos os rituais.

7
No dia seis de janeiro
Tem festejo e alegria
O povo todo animado
Se prepara nesse dia
E na Folia de Reis
Brincantes de muitas greis
Celebram com cantoria.

8
A festa é bem variada
Em sua apresentação
Quando se tira reisado
É feita a visitação
Um grupo de porta em porta
Em cada morada aporta
Com cantos de louvação.

9
Louvam o dono da casa
E Jesus de Nazaré,
Sem esquecer de Maria
E também de São José
Para a festa pedem prendas
Logo após as oferendas
Prossegue o cortejo a pé.

10
O grupo sempre arrecada
Bebida e também dinheiro
Apresentam-se em praça,
Em alpendre e em terreiro
Vestidos com fantasia
Vão espalhando alegria
Num trajeto prazenteiro.

11
A Festa dos Santos Reis
Também chamamos Reisado
E de Folia de Reis
Dependendo do condado
Cada um tem seu enredo
Para atrelar ao folguedo
Costumes próprio do Estado

12
Cada grupo tem seu mestre
E também sua bandeira
Usam roupas coloridas
Dançam, fazem brincadeira
Instrumentos musicais
Até bandas cabaçais
Pra animar a pagodeira.

13
Tem viola e violão
Tudo enfeitado com fita
Tem reco-reco e sanfona
Também cantiga bonita
Tem o toque do pandeiro
Tem tambores no terreiro
Muitas cores muita chita.

14
No Cariri Cearense
O Reisado é tradição
A festa é bem grandiosa
É de chamar atenção
Pois ali brinca a criança
Repleto de esperança
Também brinca o ancião.

15
Tem dança, teatro e música
Todo tipo de reisado
Tem de couro e de careta
Grupo diversificado
Também nessa caminhada
Ainda tem a congada
Tudo bem organizado.

16
Em cada apresentação
Seja nas casas ou praça
A meninada feliz
Do palhaço instiga graça
E Mateus chega animado
Pulando pra todo lado
Em cena não se embaraça.

17
Sempre ao lado de Mateus
Nessa festa nordestina
Aparece chafurdando
A gaiata Catirina
Com as suas presepadas
O povo dá gargalhadas
Enquanto ela desatina.

18
O feioso Jaraguá
De todos chama atenção
Já chega batendo o bico
Dançando com seu jeitão
Ele mexe o corpo inteiro
E faz o maior salseiro
E agrada a população.

19
Tem, mestre, rei e rainha
Nos folguedos pra Jesus
E tem coroa dourada
Que na cabeça reluz
Cada vez que o mestre apita
O grupo entra na fita
E assim o mestre conduz.

20
A burrinha é atração
Sapeca e bem aplaudida
Sua dança é envolvente,
Sua veste é colorida
Bem faceira e dançadeira
Faz parte da Brincadeira
E dança toda exibida.

21
Entre o gracejo e a dança
Tem combate tem porfia
Lembrando os gladiadores
Na luta que contagia
Geração a geração
Se pratica a tradição
De adereço e fantasia.

22
É bem diversificada
Essa festa popular
É a vontade do povo
Que faz o Reisado andar
Só com criatividade
Paixão e capacidade
Se consegue festejar.

23
É profana e é sagrada
é de maria e José
É festa que se destina
Ao bom Rei de Nazaré
É festa pro nordestino
Que ao Tirar o Divino
Iça o estandarte da fé.

24
Para falar de Reisado
Fui seguindo a minha Luz
Como fez os três Reis Magos
Ao visitarem Jesus
Foi a musa estrela guia
Ela de noite ou de dia
É sempre quem me conduz.


Literatura de Cordel domingo, 24 de janeiro de 2021

O AMISTOSO (CONTO DA CEARENSE RACHEL DE QUEIROZ)

O AMISTOSO

Rachel de Queiroz

(Grafia original)

 

Os visitantes ou adversários, convidados para aquela partida amistosa do chamado esporte bretão, chegaram festivamente num caminhão ornado de arcos e guirlandas. Sim, no começo tudo são flores. Flores e palmas, discursos, garrafas de cerveja, e os cartolas, que se distinguem dos demais presentes pelos bonitos ternos domingueiros, gravatas, chapéus de seda, como convém a legítimos paredros.

Não havendo no campo instalações de vestiário, os craques descem do carro já devidamente uniformizados — camisa de azul-turquesa, meias e chuteiras, sim, chuteiras regulamentares, que isso é jogo de fato e não pelada de moleques. Deficiências, se as há, é no campo propriamente dito, que seria ótimo se não sofresse de uma depressão bem no seu centro geométrico, exatamente onde se costuma riscar aquele grande círculo de giz. E como essa praça de esportes se situa numa baixada, sempre que chove apresenta o aspecto de um prato fundo cheio de água — e quando não é água é lama.

Naquele dia, felizmente, era apenas lama, e pouca. E sob os aplausos da assistência, tanto mais animada porque gratuita (ainda é um problema a resolver, esse da assistência em campo aberto, sem possibilidades de bilheteria). Juiz, jogadores, cartolas, reúnem-se um pouco de lado, pois que os paredros estão de sapatos novos e aquela supracitada lama os assusta um pouco; faz-se o toss, os visitantes pegam o lado sul que é o melhor, o presidente dos locais dá graciosamente o primeiro chute. Começou a partida!

1.° TEMPO

Xaveco, mulato, brevilíneo de canelas arqueadas, revela imediatamente a sua classe de grande artilheiro: tem fôlego, tem velocidade, tem cada tiro direito ou canhoto — tanto faz — que arranca aplausos frenéticos da torcida. Outra grande figura em campo é o goleiro dos visitantes. E o jogo vai indo muito bem, bola para lá e para cá, passe, cabeçada, chute a gol, gol — não, gol não, passou por cima da trave. O couro vai para Bira, Bira perde para um galalau amarelo dos “estrangeiros”, o galalau perde para Zico, Zico passa para Lucas, que perde para o capitão dos visitantes, um louro de gorro de meia. Aí Xaveco interfere na raça, toma a bola, o louro tranca, Xaveco dá-lhe uma carga, o louro acha ruim, revida, o juiz apita, os dois se agarram e por trás chega Bira, que é gordo e violento, e larga um pontapé no terço inferior da coluna vertebral do louro. Fecha-se o tempo, o juiz apita, a assistência pula a cerca e invade o campo, o pau começa a comer, mormente nas costas dos forasteiros, o juiz retira-se e se encosta à cerca, aguardando aparentemente que os ânimos serenem. Quem interfere são os paredros, austeros e educados, com as suas gravatas ao vento, chamam asperamente os craques à ordem, expulsam a assistência, interpelam o juiz, que relutantemente volta ao seu posto; aos poucos os craques se acomodam, o juiz apita, os paredros recolhem-se. O jogo recomeça.

Mas parece que o incidente estimulou os visitantes, que dão para jogar milhões. São uns húngaros. O time local perde terreno, o galalau passa a marcar Xaveco, que não dá mais uma dentro. E o diabo do louro tornou-se proprietário do balão, marca um gol de saída, depois o seu “secretário”, um crioulinho ligeiro que é uma faísca, marca o segundo tento; e aí Xaveco, desesperado (talvez dentro da área penal), atira uma canelada terrível no galalau, derruba-o, avança no crioulo, larga-lhe o salto da chuteira por cima do dedão, o crioulo grita, o louro acode, Xaveco já completamente louco lhe dá um tapa na cara, o juiz apita, uns gritam foul outros gritam penalty, e um engraçado diz que foi só hands, já que Xaveco apenas meteu a mão na lata do loureba.

O juiz continua apitando, parece que vai mesmo marcar o penalty. E um torcedor local puxa o revólver, dizendo que aquele penalty só se for passando por cima de algum cadáver. O juiz nessa altura se declara cheio com a partida e larga o apito ali mesmo. Um paredro fala que ele será expulso do quadro de árbitros e o juiz dá troco, que quadro de árbitros uma ova. Mas um dos bandeirinhas voluntários logo se apossa do apito, passa a dirigir o pessoal com surpreendente autoridade e, quando se vê, o jogo começa outra vez. Vai macio, vai de valsa, é um minueto, até que consultados os cronômetros verifica-se que acabou o primeiro half time, passando-se ao recesso para em seguida dar início ao

2 ° TEMPO

que não houve, segundo passo a expor. Pois não vê que no Distrito havia uma queixa contra Bira — queixa dada por certa donzela que deixara de o ser por artes do craque. Bira escondera-se e só agora aparecia em público, atendendo a apelos da torcida, por tratar-se de amistoso importantíssimo. Mas a polícia, que não tem bandeira, aproveitara a ocasião e, antes que o réu pirasse, dava-lhe voz de “esteje preso”.

A assistência, entretanto, que de nada sabia, cuidou que a prisão se prendia à queixa dos visitantes por causa do pontapé de há pouco. E vendo Bira ser arrastado campo a fora, irrompeu num sururu dos diabos, vaiando as visitas com buus e nomes feios; as quais visitas, que tomavam Coca-Cola encostadas à cerca, vendo-se atingidas não só pelos doestos como por pedaços de pau e tijolo, revidaram com as garrafas de refrigerante. O tempo fechou outra vez. Os polícias largaram o preso e se meteram no conflito. E quando os de fora começavam a apanhar feio, o motorista deles teve uma idéia: encostou o caminhão bem perto e tocou a buzina. A turma entendeu logo (ou quem sabe já era manobra habitual em “amistosos”?) e de um em um foram deslizando da briga e subindo para o carro. O que sei é que, quando os locais deram pela coisa, os inimigos já partiam numa nuvem de poeira, abandonando na pressa um dos seus paredros, malferido, com o sangue escorrendo do nariz e o belo terno roto.

Bira, igualmente, aproveitara a confusão para ir saindo de manso; agachado numa moita, lá em cima do morro, ficou a espiar o tintureiro chegar, encostar e, de um em um, recolher os remanescentes da refrega. E só saiu do esconderijo tarde fechada, quando no campo completamente deserto uma garça vinda do Jequiá sobrevoava o alagado, bicando restos das flores do buquê ofertado pelos visitantes.


Literatura de Cordel quarta, 20 de janeiro de 2021

PELEJA DE SEVERINO PINTO COM SEVERINO MILANÊS (FOLHETO DE JOSÉ BERNARDO DA SILVA)

(GENTILEZA DE PEDRO FERNANDO MALTA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

PELEJA DE SEVERINO PINTO COM SEVERINO MILANÊS

Um folheto da autoria de Severino Milanês da Silva

Milanês estava cantando
em Vitória de Santo Antão
chegou Severino Pinto
nessa mesma ocasião
em casa de um marchante
travaram uma discussão.

Milanês

– Pinto, você veio aqui
se acabar no desespero
eu quero cortar-lhe a crista
desmantelar seu poleiro
aonde tem galo velho
pinto não canta em terreiro

Pinto

– Mas comigo é diferente
eu sou um pinto graúdo
arranco esporão de galo
ele corre e fica mudo
deixa as galinhas sem dono
eu tomo conta de tudo

Milanês

– Para um pinto é bastante
um banho de água quente
um gavião na cabeça
uma raposa na frente
um maracajá atrás
não há pinto que aguente

Pinto

– Da raposa eu tiro o couro
de mim não se aproxima
o maracajá se esconde
o gavião desanima
do dono faço poleiro
durmo, canto e choco em cima.

Milanês

– Pinto, cantador de fora
aqui não terá partido
tem que ser obediente
cortês e bem resumido
ou rende-me obediência
ou então é destruído

Pinto

– Meu passeio nesta terra
foi acabar sua fama
derribar a sua casa
quebrar-lhe as varas da cama
deixar os cacos na rua
você dormindo na lama

Milanês

– Quando vier se confessar
deixe em casa uma quantia
encomende o ataúde
e avise a freguesia
que é para ouvir a sua
missa do sétimo dia

 

Pinto

– Ainda eu estando doente
com uma asa quebrada
o bico todo rombudo
e a titela pelada
aonde eu estiver cantando
você não torna chegada

Milanês

– O pinto que eu pegar
pélo logo e não prometo
vindo grande sai pequeno
chegando branco sai preto
sendo de aço eu envergo
sendo de ferro eu derreto

Pinto

– No dia que eu tenho raiva
o vento sente um cansaço
o dia perde a beleza
a lua perde o espaço
o sol transforma-se em gelo
cai de pedaço em pedaço

Milanês

– No dia que dou um grito
estremece o ocidente
o globo fica parado
o fruto não dá semente
a terra foge do eixo
o sol deixa de ser quente

Pinto

– Eu sou um pinto de raça
o bico é como marreta
onde bate quebra osso
sai felpa que dá palheta
abre buraco na carne
que dá pra fazer gaveta

Milanês

– Eu pego um pinto de raça
e amolo uma faquinha
faço um trabalho com ele
depois pesponto com linha
ele vivendo cem anos
não vai perto de galinha

Pinto

– Milanês, você comigo
desaparece ligeiro
eu chego lá tiro raça
me aposso do poleiro
e você dorme no mato
sem poder vir no terreiro

Milanês

– Pinto, agora nós vamos
cantar em literatura
eu quero experimentá-lo
hoje aqui em toda altura
você pode ganhar esta
porém com grande amargura

Pinto

– Pergunte o que tem vontade
não desespere da fé
do oceano, rio e golfo
estreito, lago ou maré
hoje você vai saber
Pinto cantando quem é

Milanês

– Pinto, você me responda
de pensamento profundo
sem titubear na fala
num minuto ou num segundo
se leu me diga qual foi
a primeira invenção do mundo

Pinto

– Respondo porque conheço
vou dar-lhe minha notícia
foi o quadrante solar
pelo povo da Fenícia
os babilônios também
gozaram a mesma delícia

Milanês

– Como você respondeu-me
não merece disciplina
hoje aqui não há padrinho
que revogue a sua sina
se você souber me diga
quem inventou a vacina?

Pinto

– Não pense que com pergunta
enrasca a mim, Milanês
foi a vacina inventada
no ano noventa e seis
quem estuda bem conhece
que foi Jener Escocês

Milanês

– Sua resposta foi boa
de vocação verdadeira
mas queira Deus o colega
suba agora essa ladeira
me diga quem inventou
o relógio de algibeira?

Pinto

– No ano mil e quinhentos
Pedro Hélio com façanha
em Nuremberg inventou
essa obra tão estranha
cidade da Baviera
que pertence a Alemanha

Milanês

– Pinto, cantando não gosto
de amigo nem camarada
se conhece a história
Roma onde foi fundada?
o nome do fundador
e a data comemorada?

Pinto

– Em l7 e 53
antes de Cristo chegar
nas margens do Rio Tibre
isso eu posso lhe provar
Rômulo ali fundou Roma
a 15 milhas do mar

Milanês

– Pinto, eu na poesia
quero mostrar-lhe quem sou
relativo o avião
perguntando ainda vou
diga o primeiro balão
quem foi que inventou?

Pinto

– Em mil seiscentos e nove
Bartolomeu de Gusmão
no dia oito de agosto
fez o primeiro balão
hoje no mundo moderno
chama-se o mesmo avião

Milanês

– Pinto estou satisfeito
já de você eu não zombo
mas não pense que com isto
atira terra no lombo
disponha de Milanês
pra ver se ele aguenta o tombo

Pinto

– Milanês, você comigo
ou canta ou perde o valor
você me responda agora
seja que de forma for
de quem foi a invenção
do primeiro barco a vapor?

Milanês

– Eu quero lhe explicar
digo não muito ruim
a 16 a 87
você não desmente a mim
o inventor desse barco
foi o sábio Diniz Papim

Pinto

– Em que ano inaugurou-se
da Europa ao Brasil
a linha pra esse barco
a vapor e mercantil?
Se não souber dê o fora
vá soprar em um funil

Milanês

– Foi um navio inglês
que levantou a bandeira
em 18 a 51
veio a terra brasileira
sendo a nove de janeiro
fez a viagem primeira

Pinto

– E qual foi a 1a guerra
feita a barco a vapor?
Você ou diz ou apanha
da surra muda de cor
quebra a viola e deserta
nunca mais é cantador

Milanês

– Em l8 e 65
a esquadra brasileira
dentro do Riachuelo
içou a sua bandeira
na guerra do Paraguai
foi a batalha primeira

Pinto

– Milanês, você comigo
ou canta muito ou emperra
não pode se defender
salta, pula, chora e berra
qual foi a primeira estrada
de ferro, na nossa terra?

Milanês

– Foi quando Pedro II
tinha aqui poderes mil
em 18 e 54
no dia trinta de abril
inaugurou-se em Mauá
a primeira do Brasil

Pinto

– Milanês, você é fraco
não aguenta o desafio
eu ainda estou zombando
porque estou de sangue frio
me diga quem inventou
o telégrafo sem fio?

Milanês

– Pinto, você não pense
que meu barco vai a pique
em mil seiscentos e oito
na cidade de Munique
Suemering inventou
este aparelho tão chique

Pinto

– Eu já vi que Milanês
não responde cousa à toa
se ainda quiser cantar
hoje um de nós desacoa
puxe por mim que vai ver
um pinto de raça boa

Milanês

– Pinto, o seu pensamento
pra todo lado manobra
mas eu não conheço medo
barulho pra mim não sobra
é fogo queimando fogo
é cobra engolindo cobra

Pinto

– Do pessoal do salão
levantou-se um cavalheiro
dizendo: quero que cantem
pelo seguinte roteiro
Milanês pergunta a Pinto
como passa sem dinheiro

Milanês

Oh! Pinto, você precisa
dum palitó jaquetão
uma manta, um cinturão
uma calça, uma camisa
está de algibeira lisa
não encontra um cavalheiro
que forneça ao companheiro
pra fazer-lhe um beneficio
olhe aí o precipício
como compra sem dinheiro?

Pinto

– Eu recomendo a mulher
que compre na prestação
um paletó jaquetão
a camisa se tiver
quando o cobrador vier
ela esteja no terreiro
eu fico no fogareiro
pelo oitão vou furando
ele ali fica esperando
assim compro sem dinheiro

Milanês

– Você em uma cidade
precisa de refeição
porém não tem um tostão
que mate a necessidade
ali não há caridade
na casa do hoteleiro
só encontra desespero
fala e ninguém lhe atende
fiado ninguém lhe vende
como come sem dinheiro?

Pinto

– Eu levo um carrapato
guardado dentro do bolso
vou no hotel peço almoço
no fim boto ele no prato
faço logo um desacato
chamo o garçom ligeiro
ele me diz: cavalheiro
cale a boca, vá embora;
saio por ali a fora
assim como sem dinheiro

Milanês

– Você precisa casar
para ser pai de família
precisa roupa e mobília
cama para se deitar
você não pode comprar
cadeira nem petisqueiro
atoalhado estrangeiro
mesa para refeição
você não tem um tostão
como casa sem dinheiro?

Pinto

– Se a moça amar-me enfim
me tendo amor e firmeza
não especula riqueza
nem diz que eu sou ruim
ela ontem disse a mim:
eu quero é um cavalheiro
e você é o primeiro
para ser meu defensor
quero é gozar teu amor
e assim caso sem dinheiro

Milanês

– Você depois de casado
sua esposa cai doente
você não tem um parente
que lhe empreste um cruzado
ver seu anjo idolatrado
gemendo sem paradeiro
olhe aí o desespero
na porta do camarada
só ver pobreza e mais nada
como cura sem dinheiro?

Pinto

– Eu boto-a nos hospitais
do governo do estado
pra quem está necessitado
aquilo serve demais
as irmãs especiais
chamam logo o enfermeiro:
— Vamos com isto ligeiro
tratam com mais brevidade;
se interna na caridade
assim curo sem dinheiro

Milanês

– Oh! Pinto, camaradinha
você precisa ir à feira
para comprar macaxeira
arroz, batata e farinha
bacalhau, charque e sardinha
tomate, vinho e tempero
gás, açúcar e candeeiro
biscoito, chá, macarrão
bolacha, manteiga e pão
Como compra sem dinheiro?

Pinto

– Eu dou um jeito no pé
envergo um dedo da mão
um dali dá-me um pão
outro dá-me um café
à tarde vou à maré
espero ali o peixeiro
ele é hospitaleiro
humanitário e carola
dá-me um peixe por esmola
e assim como sem dinheiro

* * *

Com este verso do Pinto
encheu de riso o salão
houve uma recepção
naquele nobre recinto
ergueu-se um rapaz distinto
com frase meiga e bela
disse: mudem de tabela
pra uma ideia mais grata:
nem a polícia me empata
de chorar na cova dela

* * *

Milanês

– Eu tive uma namorada
bonita igual Madalena
parecia uma verbena
pela manhã orvalhada
a morte tomou chegada
matou a minha donzela
quando sepultaram ela
quase a tristeza me mata
nem a polícia me empata
eu chorar na cova dela

Pinto

– Eu amei uma criatura
ela o coração me deu
na minha ausência morreu
eu sofri muita amargura
fui à sua sepultura
para abraçar-me com ela
ainda via a capela
toda bordada de prata
nem a polícia me empata
eu chorar na cova dela

Milanês

– Um dia um amigo meu,
disse com toda bravura
deixe de sua loucura
se esqueça de quem morreu
uma desapareceu
Procure outra donzela;
eu disse: igualmente aquela
não existe nesta data
nem a polícia me empata
eu chorar na cova dela

Pinto

– Desperto de madrugada
o sono desaparece
me levanto e faço prece
na cova de minha amada
volto pela mesma estrada
com o pensamento nela
quando eu não avisto ela
vou dormir dentro da mata
nem a polícia me empata
eu chorar na cova dela

* * *

– Caros apreciadores
qualquer que analisou
nem Pinto saiu vaiado
nem Milanês apanhou
vamos esperar por outra
que esta aqui terminou.

 


Literatura de Cordel quarta, 13 de janeiro de 2021

O SOFRIMENTO DO SERTANEJO (FOLHETO DE SEVERIANO BATISTA)

O SOFRIMENTO DO SERTANEJO

Severiano Batista

 

 
 
 


QUERO DIZER PRA VOCÊ
QUE CURTE LITERATURA
ESCREVER EM PROSA E VERSO
TAMBEM É ARTE É CULTURA
VOCÊ VAI LENDO PENSANDO
VENDO O POETA FALANDO
A VIDA VAI TE LEVANDO
ESQUECE DA  AMARGURA

ALGUMAS COISAS NA VIDA
SERÁ DIFICIL DE VER
RICO QUE GOSTE DE POBRE
TERRA BOA SEM CHOVER
ATEU QUE SEJA CRISTÃO
SEPULTAMENTO DE ANÃO
NEM MESMO NO EMPURRÃO
CAVALO MAGRO CORRER

AINDA TEM UMAS COISAS
FAÇO QUESTÃO DE FALAR
GENRO QUE FIQUE SORRINDO
QUANDO A SOGRA CHEGAR
UMA CRIANÇA FALAR
MESMO DEPOIS DE NASCER
SE ISSO ACONTECER
O MUNDO PODE ACABAR

EU PEÇO SUA LICENÇA
PRA MINHA APRESENTAÇÃO
SOU DA FAMILIA BATISTA
IRMÃO DE MUITOS IRMÃO
NÃO ANDO NA CONTRA-MÃO
PARA EU NÃO PADECER
NASCI CRESCI VOU MORRER
QUERO DE DEUS O PERDÃO

PARA MIM NÃO É PRAZER
RELATAR ESSA HISTÓRIA
MAIS CONFESSO NESSA HORA
QUE ME DOI O CORAÇÃO
QUEM VIVE A SITUAÇÃO
QUE VIVE O SERTANEJO
DA VIDA TEM O DESPEJO
DO MUNDO TEM ILUSÃO

PRA ESCREVER POESIA
PRECISA TER CONCIENCIA
POIS QUEM ESCREVE O QUE PENSA
DA VIDA É PENSADOR
SER UM POETA ESCRITOR
E ESCREVER UMA RIMA
O MUNDO É QUEM ENSINA
POIS ELE É PROFESSOR

DA VIDA PEGUEI O GOSTO
SEJA DA  NOITE OU DO DIA
ESCREVO COM ALEGRIA
LITERATURA EM CORDEL
EXERÇO ESSE PAPEL
MOSTRANDO O MEU PENSAMENTO
E VOU FALAR NO MOMENTO
DE UM DESTINO CRUEL

MEU LEITOR ME DÊ LICENÇA
PRA FALAR DESSE COITADO
UM POUCO DESAJEITADO
QUE VIVE A PADECER
TUDO QUE EU VOU DIZER
É UMA REALIDADE
PARECE QUE  NA VERDADE
ELE NASCEU PRA SOFRER

SOU SERTANEJO NATIVO
CONHEÇO ESSE LUGAR
AQUILO QUE PLANTA DÁ
SE HOUVER CHUVA NA TERRA
SE O TEMPO SE ENCERRA
NÃO CHEGA CHUVA POR LÁ
TUDO COMEÇA A SECAR
PARECE UM CAMPO DE GUERRA

SERTÃO É CAMPO DE GUERRA
E O SERTANEJO É GUERREIRO
QUEM BUSCA SER O PRIMEIRO
TERÁ QUE  SE PREPARAR
PRA QUEM  DESEJA GANHAR
E SE TORNAR VENCEDOR
PRECISA SER LUTADOR
NÃO DESISTIR DE LUTAR

O SERTANEJO É VISTO
PELO USO DO CHAPEU
E O SOFRIMENTO CRUEL
QUE A VIDA LHE OFERECE
LOGO QUE O DIA AMANHECE
ELE SEGURA A ENCHADA
PRA ENFRENTAR A JORNADA
ATÉ QUE TUDO ESCURECE

QUEM PENSA QUE SERTANEJO
É HOMEM DE COVARDIA
DESCONHECE A VALENTIA
QUE TEM ESSE CAMARADA
PRA ENFRENTAR A JORNADA
DEBAIXO DO SOL TAO QUENTE
SÓ MESMO QUE É VALENTE
E TEM A PELE QUEIMADA

A CABRA BOA DÁ LEITE
O BOM CABRITO NÃO BERRA
DIZEM QUE HOMEM  NÃO CHORA
NEM HÁ VITÓRIA SEM GUERRA
A CHUVA SÓ MOLHA A TERRA
QUANDO SE ESPALHA NO CHÃO
E O VERDE DA PLANTAÇÃO
É A BELEZA DA TERRA

A FOLHA SÊCA DA ARVORE
LOGO COMEÇA A CAIR
O FRUTO PARA SAIR
É PRECISO FLORESCER
MAIS PARA ELE CRESCER
E MOSTRAR SUA BELEZA
TÁ  N A LEI DA NATUREZA
NO TEMPO CERTO CHOVER

QUANDO A CHUVA NÃO VEM
CAUSA MUDANÇA NO CLIMA
O HOMEM SE DESANIMA
AO VER AS FOLHAS SECAR
SEM CHUVA PARA MOLHAR
A TERRA E A PLANTAÇÃO
NESSE PEDAÇO DE CHÃO
TUDO COMEÇA A MURCHAR

O SERTANEJO É SOFRIDO
NEM SEMPRE É MERECEDOR
DA AGONIA QUE PASSA
NO FRIO OU NO CALOR
MESMO SENDO LUTADOR
ESSA POBRE CRIATURA
SÓ CONHECE AMARGURA
SENDO REFEM DESSA DOR

O POBRE DO SERTANEJO
É TODO DESARRUMADO
CARREGA NO PEITO A DOR
E O SOFRIMENTO DO LADO
E ESSE POBRE COITADO
QUE DORME EM UMA REDE
QUANDO NÃO MORRE DE SEDE
CHEGA A MORRER AFOGADO

OS DOSE MESES DO ANO
TAMBEM CHAMADO ESTAÇÃO
SEJA O OUTONO OU INVERNO
A PRIMAVERA OU VERÃO
MÁI S PARA O POBRE SERTÃO
O SOL É PRA CASTIGAR
E QUANDO CHOVE POR LÁ
PROVOCA DESTRUIÇÃO

O SOFRIMENTO NÃO CESSA
NESSE PEDAÇO DE CHÃO
QUANDO NÃO VEM O INVERNO
O TEMPO TODO É VERÃO
E ESSA POBRE NAÇÃO
QUE GOSTA DESSE LUGAR
SÓ VÊ O SOL CASTIGAR
QUEIMANDO A VEGETAÇÃO

QUANDO CHEGA O VERÃO
É GRANDE A AGONIA
DO SERTANEJO QUE CRIA
NESSE PEDAÇO DE CHÃO
SETEMBRO PASSA DEPRESSA
OUTUBRO VAI SEM DEMORA
E ELE NÃO VÊ A HORA
DE OUVIR A VOZ DO TROVÃO

NOVEMBRO JÁ VAI EMBORA
DEZEMBRO PASSA DEPRESSA
AO SERTANEJO SÓ RESTA
A CHAMA ACESA DA FÉ
MENINO HOMEM E MULHER
SABE DIZER SUA DOR
MESMO COM ESSE AMARGÔ
AINDA FICA DE PÉ

QUANDO JANEIRO COMEÇA
A BARRA DO AMANHECER
DESPERTA NO SERTANEJO
ESPERANÇA DE VIVER
REZANDO PARA CHOVER
FAZ PARTE DA SUA CRENÇA
SE ALCANÇAR  ESSA BENÇÃO
ACABARAR O SOFRER

TERMINA O MÊS DE JANEIRO
E FEVEIRO PASSOU
AUMENTA O FORTE CALOR
SECANDO A VEGETAÇÃO
E TODA A PLANTAÇÃO
QUE ERA VERDE MURCHOU
NÃO FICOU RAMA NEM  FLOR
SOBROU DA TERRA O TORRÃO

O SERTANEJO É FORTE
E NÃO DESISTE JAMAIS
NINGUEM  É FORTE DEMAIS
QUE NUNCA POSSA CHORAR
AO VER O GADO BERRAR
PASSANDO FOME SOFRENDO
FALTANDO FORÇA E MORRENDO
O FORTE TEM  QUE CHORAR

JÁ DESCAMBOU FEVEREIRO
E MARÇO  TÁ TERMINANDO
E O CALOR  AUMENTANDO
NÃO ALIVIA O SOFRER
SEM  AGUA PARA BEBER
VAI ACABANDO A RAÇÃO
LHE CORTA O CORAÇÃO
AO VER O GADO MORRER

O SOL NO MEIO DO CEU
LHE DIZ QUE É MEIO DIA
NÃO NECESSITA DE GUIA
PRA CHEGAR AO HORIZONTE
FALTANDO AGUA NA FONTE
ACABA A PALMA E O CAPIM
A TERRA SECA É RUIM
NÃO NASCE NADA QUE PLANTE

PRISIONEIRO DA SECA
O SERTANEJO É REU
NA NOITE QUENTE E ESCURA
ATÉ O VENTO É CRUEL
NÃO SENTE GOSTO DE MEL
É GRANDE O SOFRIMENTO
SEU PALADAR NO MOMENTO
É O AMARGO DO FEU

NO MEIO DA NOITE ESCURA
O SERTANEJO A PENSAR
DEITADO EM UMA REDE
SOZINHO A SE BALANÇAR
OUVINDO O GADO BERRAR
LHE CORTA O CORAÇÃO
SABENDO QUE A RAÇÃO
TÁ PRESTES DE ACABAR

A NOITE VAI E O SONO
JÁ NÃO CONSEGUE CHEGAR
LEVANTA DE SUA REDE
E COMEÇA A CAMINHAR
ANDA PARA LÁ E PRA CÁ
ATÉ O AMANHECER
É MAIS UM DIA A SOFRER
SEM TER A QUEM RECLAMAR

OLHANDO PRA TODO LADO
NÃO ACHA UMA SAIDA
ESPERA QUE DEUS DO CEU
POSSA MUDAR SUA VIDA
DAS FLORES A MARGARIDA
DESTACA-SE NA BELEZA
MAIS AQUI  A NATUREZA
MALTRATA NOSSA BARRIGA

O SOL ARDENTE E O CALOR
LHE CORTA O CORAÇÃO
QUANDO SE OLHA PRO CHÃO
BATE NO PEITO UMA DOR
NÃO VENDO NENHUMA FLÔR
NEM AGUA PARA BEBER
SEM RELVA PARA COMER
RASGA SEU PEITO ESSA DOR

A MOÇA QUE É BONITA
NÃO NECESSITA DE ENFEITE
A VACA NUNCA DÁ ELITE
SE ELA ESTIVER COM FOME
PRODUZ DAQUILO QUE COME
SEM AGUA E SEM RAÇÃO
PIORA A SITUAÇÃO
MORRE DE SEDE E DE FOME

SEM CHUVA MORRE DE SÊDE
CHOVENDO MORRE AFOGADO
O SOFRIMENTO DO GADO
É TRISTE PARA QUEM VÊ
SENTENCIADO A MORRER
DEIXANDO MUITA TRISTEZA
É ASSIM QUE A NATUREZA
FAZ INOCENTES SOFRER

O GADO QUE VAI CAINDO
NÃO PODE DEIXAR PRA LÁ
É COLOCADO NA REDE
FEITA DE SACO E CROÁ
PRECISA SE ALIMENTAR
PRA GANHAR A RESISTENCIA
SÓ MESMO A  PACIENCIA
DE QUEM GOSTA DE CRIAR

OS DIAS VÃO SE PASSANDO
E O GADO SE CONSUMINDO
ALGUNS DE FOME CAINDO
SEM JEITO DE SOCORRER
SEM AGUA PARA BEBER
NÃO RESISTE TANTA SEDE
NEM MESMO QUEM TÁ REDE
CONSEGUE SOBREVIVER

E CADA DIA QUE NASCE
É UM NOVO AMANHECER
SE NESSE DIA CHOVER
IRAR TRAZER  ESPERANÇA
E PEDE COM  CONFIANÇA
PRA DEUS DO CÉU LHE OUVIR
FAZENDO A CHUVA CAIR
PRA LHE TRAZER ABUNDANCIA

A TARDE QUE VEM CHEGANDO
FAZ ELE PRO CEU  OLHAR
SENTINDO O VENTO SOPRAR
AINDA É FORTE O CALOR
MAIS DIMINUI SUA DOR
SE NESSA TARDE CHOVER
A RELVA PODE NASCER
E A TERRA TERÁ VALOR

O VENTO SOPRA TÃO FORTE
FAZ A POEIRA SUBIR
ARVORE GRANDE CAIR
A TELHA RODOPIAR
COM ESSA FORÇA DO AR
PATO GUINÉ PASSARINHO
SERÁ TIRADO DO NINHO
E NÃO CONSEGUE VOAR

A FORÇA VEM DE GRANDEZA
SEM LADO E SEM DIREÇÃO
PARECE ATÉ FURACÃO
QUE A TUDO QUER DESTRUIR
SEM SABER PRA ONDE IR
O SERTANEJO AFLITO
PEDE PARA JESUS CRISTO
QUE VENHA LHE ACUDIR

OH MEU SENHOR NESSA HORA
QUERO PEDIR PROTEÇÃO
A MINHA SITUAÇÃO
O SENHOR SABE QUAL É
PERDOE SE MINHA FÉ
É POUCA NESSA GRANDEZA
É TUA A NATUREZA
O SENHOR FAZ COMO QUER

MAIS VEJA SENHOR MEU DEUS
O QUANTO EU JÁ SOFRI
O GADO QUE JÁ PERDI
DE FOME E SEDE A MORRER
EU SEI QUE O SENHOR VÊ
POIS TU ÉS ONIPOTENTE
E SABE QUE SOU CARENTE
QUE SÓ NASCI PRA SOFRER

TE PEÇO MISERICORDIA
PRO POUCO QUE ME RESTOU
A AGUA JÁ ACABOU
NÃO TENHO MAIS NEM RAÇÃO
EU SINTO NO CORAÇÃO
UMA TRISTEZA BATER
TE PEÇO VEM  SOCORRER
A ESSE POBRE SERTÃO

AO TERMINAR SUA PRECE
COMEÇA A TROVEJAR
O RAIO A CLAREAR
E MUITA CHUVA DESCER
PRA QUEM  DUVIDAVA VÊ
CHOVENDO NUM SERTÃO QUENTE
PRA SALVAR QUEM É CARENTE
SÓ DEUS COM  O SEU PODER

O SOL LOGO SE ESCONDE
POR TRÁZ DA NÚVEM ESCURA
CANSADO DE AMARGURA
JÁ PENSA NO SEU ROÇADO
OLHANDO PARA O TELHADO
LHE CORTA O CORAÇÃO
O VENTO JOGA NO CHÃO
DEIXANDO TODO QUEBRADO

A CHUVA FORTE CAINDO
O VENTO FORTE SOPRANDO
RAIO NO CEU CLAREANDO
FAZ UM BARULHO NO AR
COMO QUEM VAI DESABAR
AO SOM DE UMA CANÇÃO
A AGUA CORRE NO CHÃO
COM O TROVÃO A CANTAR

COM TANTA CHUVA CAINDO
PROVOCA UMA ENCHURRADA
SE OUVE LÁ NA BAIXADA
A CACHOEIRA DESCENDO
AQUELA AGUA CORRENDO
VAI ENCHENDO A BARRAGEM
E MELHORANDO A IMAGEM
DO QUE ESTAVA MORRENDO

O DIA DESAPARECE
ANTES DO ANOITECER
COM TANTA CHUVA A DESCER
E TANTO VENTO A SOPRAR
SEM  TER AONDE FICAR
SE EXPOE NO MEIO DO TEMPO
E CONTRA A FORÇA DO VENTO
O GADO TEM QUE LUTAR

LUTANDO PRA NÃO CAIR
O POBRE DO ANIMAL
SE ESCONDE  NO CURRAL
PARA TENTAR SE SALVAR
PENSANDO NO SEU JANTAR
SÓ RESTA POUCA FARINHA
NEM MESMO SUAS GALINHAS
FICAM LIVRE  MOLHAR

COM O TELHADO NO CHÃO
E TUDO QUE JÁ PERDEU
ELE AGRADECE A DEUS
POR TUDO QUE TÁ VIVENDO
COM TANTA CHUVA DESCENDO
O SOLO FICA MOLHADO
NASCE CAPIM PARA O GADO
SALVANDO QUEM TÁ MORRENDO

NAQUELA NOITE CHUVOSA
ELE NÃO PODE DORMIR
TAMBEM NÃO PODE SAIR
PARA OLHAR A MALHADA
A TERRA TODA ENCHARCADA
SÓ LHE RESTA UM LUGAR
SE ELE QUIZER SE DEITAR
É SUA REDE MOLHADA

AO SERTANEJO QUE SOFRE
COM A SECA NO SERTÃO
CHOVER ASSIM NO VERÃO
DESPERTA SUA ALEGRIA
A CHUVA PODE SER FRIA
QUANDO PASSAR FAZ CALOR
MAIS ALIVIA A DOR
DE QUEM DE FOME MORRIA

PRA QUEM PASSOU TANTAS NOITES
OLHANDO PARA A PAREDE
DEITADO EM UMA REDE
PENSANDO NA CRIAÇÃO
VÊ TANTA CHUVA E TROVÃO
NÃO PENSA NEM EM DORMIR
A CHUVA PODE CAIR
ELA É A SAUDE DO CHÃO

JÁ SENDO TARDE DA NOITE
A CHUVA JÁ VAI PARANDO
O SERTANEJO PENSANDO
QUANDO CESSA DE CHOVER
SÓ QUANDO AMANHECER
POIS TÁ ESCURO DEMAIS
VOU VÊ OS MEUS ANIMAIS
E A AGUA A ESCORRER

DAÍ A CHUVA TERMINA
E   DEIXA UM A BRISA FINA
OLHANDO PARA A CAMPINA
NA LUZ DO RELAMPEJAR
ENCHERGA NO CLAREAR
COMO LUZ DE LAMPIÃO
MOSTRANDO QUE O SERTÃO
PARECE QUE VIROU MAR

COM O CESSAR DO TROVÃO
E A FORÇA DA TROVOADA
NA TERRA TODA MOLHADA
SÓ QUEM CAMINHA É  O PATO
A ALEGRIA DO SAPO
É UMA SATISFAÇÃO
OUVIR A SUA CANÇÃO
QUANDO ELE ENCHE O PAPO

O SOM VAI CONTAGIANDO
O RESTO DOS ANIMAIS
LOGO NA PORTA DE TRÁZ
O GALO A COCORICAR
O JEGUE A RELINCHAR
O BOI TAMBEM NO CURRAL
FAZ PARTE DESSE CORAL
DE TANTA VOZ A CANTAR

A NOITE PASSA DEPRESSA
AO SOM  DAQUELA CANÇÃO
LOGO O SOL DO VERÃO
JÁ ILUMINA O DIA
A CHUVA TRÁZ ALEGRIA
SEM  ELA NÃO HÁ RIQUEZA
ÀS VEZES A NATUREZA
PARECE TER COVARDIA

PARECE QUE OS ANIMAIS
ESTÃO A  AGRADECER
AO DEUS DE TODO PODER
PELA CHUVA QUE DESCEU
LOGO O DIA AMANHECEU
E A FORÇA DESSA  CLAREIRA
LHE MOSTRA A BAGACEIRA
POR ONDE A AGUA CORREU

DE LONGE O QUE SE VÊ
É UM TERRENO  ALAGADO
UM POBRE BOI ATOLADO
QUE NÃO PARA DE BERRAR
SEM PUDER SE LEVANTAR
UM A VACA QUE CAIU
A AGUA QUANDO SUBIU
FEZ ELA SE AFOGAR

O POBRE DO ANIMAL
 QUERIA AGRADECER
TAMBEM QUERIA DIZER
AO HOMEM SEU SOFRIMENTO
NÃO ENTENDEU NO MOMENTO
O QUE LHE ACONTECEU
VIU QUE DESAPARECEU
CAVALO BOI E JUMENTO

O SERTANEJO CAMINHA
EM  SUA PROPRIEDADE
E TEM A SIMPLICIDADE
DE CONTAR O QUE PERDEU
DE TUDO QUE ACONTECEU
AUMENTA SUA TRISTEZA
MAIS SABE QUE A NATUREZA
É CONTROLADA POR DEUS

A AGUA CAIU NA TERRA
CAUSANDO DEVASTAÇÃO
E TODA A PLANTAÇÃO
DE PALMA SE ACABOU
DA CASA O QUE SOBROU
FOI APENAS AS PAREDES
ONDE ARMAR SUA REDE
PARA CHORAR SUA DOR

A ALEGRIA DA CHUVA
AUMENTA SUA TRISTEZA
OLHANDO PRA  NATUREZA
NAQUELE TRISTE MOMENTO
CRESCE O SEU SOFRIMENTO
COMO NA VIDA DE JÓ
QUEM VÊ ATÉ SENTE DÓ
DEPOIS DA CHUVA E DO VENTO

NÃO SÓ A VACA ATOLADA
NEM O COITADO DO BOI
ATÉ O JEGUE SE FOI
NO MEIO DA ENCHURRADA
E AS GALINHAS COITADAS
AO VER O PATO NADAR
TENTOU LHE ACOMPANHAR
MORRERAM TUDO AFOGADA

ENCHE DEMAIS A BARRAGEM
PARTINDO O PAREDÃO
VARRENDO TUDO DO CHÃO
MATANDO OS ANIMAIS
A POUCO TEMPO ATRÁZ
MORRIA DE FOME O GADO
AGORA MORRE AFOGADO
É SOFRIMENTO DEMAIS

O SERTANEJO PENSANTE
CARREGA A SUA DOR
EM BUSCA DO QUE SOBROU
ELE PROCURA O GADO
QUEM NÃO MORREU NO CERCADO
DE FOME SEDE E CALOR
NÃO É POUPADO DA DOR
PARA MORRER AFOGADO

O SERTANEJO NÃO SEI
SE TEM DESTINO TRAÇADO
PARACE QUE FOI LAÇADO
PELO LAÇO DO SOFRER
QUEM NASCE TEM QUE MORRER
MAIS TINHA QUE SOFRER TANTO
SÓ JESUS CRISTO O SANTO
CONSEGUE LHE ENTENDER

PARECE QUE SUA SINA
AQUI NA TERRA É SOFRER
NASCER VIVER E MORRER
COMO QUEM PAGA PECADO
MAIS SE PENSAR PELO GADO
QUE PECADO COMETEU
DA SECA SOBREVIVEU
NA CHUVA MORRE AFOGADO

SEM  CHUVA MORRE DE SEDE
CHOVENDO MORRE TAMBEM
QUEM PERDE AQUILO QUE TEM
TERMINA POBRE NA TERRA
PARA VENCER UMA GUERRA
SERÁ PRECISO LUTAR
O MEDO DE ACERTAR
NÃO JUSTIFICA QUEM ERRA

NOSSO BRASIL SÓ É RICO
POR CAUSA DESSE NORDESTE
TERRA DE CABRA DA PESTE
QUE DESAFIA A DOR
NASCE PRA SER LUTADOR
E ENFRENTAR O PERIGO
E O SEU MAIOR INIMIGO
E A FOME SEDE E CALOR

A FORÇA DO SERTANEJO
E A CORAGEM QUE TEM
PROVA QUE ELE É ALGUEM
QUE DESAFIA A RAZÃO
QUEM VIVE A SITUAÇÃO
DE PELEJAR CONTRA A FOME
MESMO SÓ TENDO O NOME
É UM HEROI  NO SERTÃO

CONHEÇO SUA CULTURA
RESPEITO SUA CORAGEM
NÃO FALO SUA LINGUAGEM
MAIS SEI LHE COMPREENDER
QUEM NASCE PARA VIVER
NESSE SERTÃO NORDESTINO
APRENDE QUANDO MENINO
COMO ENCARAR O SOFRER

O TRABALHADOR DO CAMPO
TEM MUITA DIFICULDADE
A NOSSA SOCIEDADE
PRECISA LHE AJUDAR
QUANDO O GOVERNO OLHAR
MELHOR PRO NOSSO SERTÃO
O SERTANEJO TEM PÃO
CAFÉ ALMOÇO E JANTAR

QUEM TEM A MESA SORTIDA
SUA BARRIGA SE FARTA
MAIS QUEM A FOME MALTRATA
MERECE MAIS ATENÇÃO
POR ISSO A POPULAÇÃO
PRECISA MAIS SE UNIR
E APRENDER DIVIDIR
COM QUEM PRECISA DE PÃO

EU NARRO ESSA HISTÓRIA
A ELA TENHO RESPEITO
PARA QUEM TEM PRECONCEITO
CONHEÇA O NOSSO SERTÃO
SINTA A SITUAÇÃO
DE QUEM CONHECE A SEDE
E DORME EM UMA REDE
MAIS TEM UM BOM CORAÇÃO

E ASSIM ESSA HISTÓRIA
PARECE NÃO ACABAR
EU TINHA QUE RELATAR
PARA VOÇE  CONHECER
QUERO DIZER PRA VOÇE
QUE TAMBEM SOU SERTANEJO
SÓ RELATEI  PORQUE VEJO
O SERTANEJO SOFRER

MEU DEUS POR QUE MANDAS TANTA SECA
E O SOFRIMENTO É TÃO GRANDE NO SERTÃO
PORQUE A CHUVA NÃO CHEGA NA NOSSA TERRA
E QUANDO CHEGA PROVOCA DESTRUIÇÃO
O SERTANEJO PRECISA DA TUA AJUDA
PRA VER SE MUDA A SUA SITUAÇÃO
A CRIAÇÃO NÃO MORRE DE SEDE E FOME
MORRE AFOGADA NAS  AGUAS NESSE SERTÃO

O SERTANEJO SÓ CONHECE A GRANDEZA
SE A NATUREZA MANTIVER A TRADIÇÃO
CHEGANDO CHUVA O SERTÃO TERÁ FARTURA
E A AMARGURA SE TRANSFORMA EM PLANTAÇÃO
NASCE FEIJÃO MILHO VERDE MELANCIA
NA TERRA FRIA SE PLANTANDO TUDO DAR
CHOVENDO LÁ TUDO VIRA UMA GRANDEZA
E A NATUREZA AGRADECE A QUEM PLANTAR

A PRIMAVERA NÃO COMBINA COM INVERNO
NEM O OUTONO SE COMBINA COM VERÃO
NECESSIDADE NÃO COMBINA COM FARTURA
MAIS AMARGURA SE COMBINA COM SERTÃO
O VERÃO SECO DO SERTÃO TIRA A BELEZA
SÓ DEIXA VERDE O XIQUE-XIQUE E O UMBU
A MORTE CERCA O SERTÃO COM TANTA FOME
ESSA TRISTEZA FAZ A FESTA DO URUBU  


Literatura de Cordel quarta, 06 de janeiro de 2021

MULHER NA PANELA DO REPENTE (FOLHETO DA MADRE SUPERIORA DALINHA CATUNDA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

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MULHER NA PANELA DO REPENTE
Dalinha Catunda
1
Eu gosto de cantoria
Gosto muito de repente
Uma peleja das boas
Me deixa muito contente
Gosto de ver um combate
Aquele bate e rebate
Briga de mente com mente.
2
Sei que não sou repentista
Mas bem que eu queria ser
Pra insultar cantador
Da noite ao amanhecer
Chamar o cabra pra briga
Fazer a maior intriga
E os aplausos receber.
3
Já cheguei até sonhar
Com cantador enxerido
Que comigo pelejava
Dum jeito bem atrevido
Eu respondia a altura
Com meu jogo de cintura
Num embate divertido.
4
O sonho que tive um dia
Parecia verdadeiro
A peleja acontecia
No meio do meu terreiro
Eu nunca vi tanta gente
Querendo ver um repente.
Eu prontinha pro salseiro.
5
Em cima dum tamborete
Foi colocada a bandeja
O povo bem animado
Só aguardando a peleja
Foi quando um cabra gritou:
_A peleja começou!
Dando um gole na cerveja.
6
Um friozinho na barriga
Eu senti na ocasião
Sentindo a testa suada
Eu logo passei a mão
Mas como trato é trato
Pra não romper o contrato
Eu criei disposição.
7
A coisa começou morna
Até com certo respeito
Ele mandava um verso
Eu respondia com jeito
Mas se é pra desafiar
O bom mesmo é pelejar
Fiz valer o meu direito.
8
A sua toada é fraca
Honorável cidadão
Taque a mão nesta viola
Solte a voz com precisão
Ou então faça o favor
Se não é bom cantador
Troque já de profissão
9
Conheço bom violeiro
Pelo toque da viola
Conheço bom cantador
Pelo que tem na cachola
Com este canto sem graça
Vá cantar em outra praça
Ou vá mendigar esmola.
10
Ele logo respondeu
Com quatro pedras na mão
Querendo ser o maior
Naquela competição
Porém não morri à míngua
Fui soltando minha língua
Do medo perdi noção.
11
Para meu contentamento
No auge da cantoria
Eu calava o cantador
Que resmungando dizia
Preciso me concentrar
Esta mulher encarar
Para evitar ironia.
12
Eu vendo o cabra nervoso
Resolvi aproveitar
E dizer umas gracinhas
Para o público agradar
Sem gostar da brincadeira
Levantou-se da cadeira
Começou a me xingar.
13
Vi a briga ficar feia
E lasquei um palavrão
Ele me chamou de quenga
Aumentando a confusão
Porém no meu replicado
Chamei de corno e viado
Enfezando o cidadão
14
Eu pensei em recuar
Para amenizar a luta
Porém ele enraivecido
Chamou-me filha da puta
Até pensei numa trégua
Mas com o filho da égua
Continuei a disputa.
15
O povo todo gostando
Daquela esculhambação
E o filho de rapariga
Eu chamei de cafetão
Cheia de petulância
Abusei da ignorância
Quase levo um safanão.
16
Peguei com gosto a viola
Temperei o meu gogó
E do meu opositor
Confesso não tive dó
Estava mesmo inspirada
Com língua bem afiada
Ferina como ela só.
17
Quando eu me preparava
Pra mais um atrevimento
Vi a rede balançar
E quase que me arrebento
Taquei o rabo no chão
Acordei de supetão
Me esparramei no cimento.
18
Acordei contrariada,
Bem Triste e desiludida
Pois parecia verdade
Minha aventura vivida
Sonhei sendo repentista
Reconhecida e bem-quista
Pelo povão aplaudida.
20
Eu logo me recompus
Num instante me refiz
Sonhar não é proibido
E no sonho fui feliz
Mas faço melhor papel
Escrevendo meu cordel
É o que meu bom senso diz.
21
Por eu ser só poetisa,
Respeito muito repente,
Porque sei que nesta área
Tem gente bem competente,
Mas se alguém desafiar
Pego o mote até glosar
Do meu jeito Irreverente.
22
Já que não sou repentista
Mas gosto da cantoria.
Quero, portanto exaltar,
Quem bem canta e contagia,
São mulheres repentistas
As verdadeiras artistas
Que propagam alegria.
23
Meu respeito, meu carinho,
E minha admiração
As mulheres dedicadas
Em constante evolução
As valentes cantadeiras
Que vencendo as barreiras
Se sagram na profissão.
24
Eu louvo Vovó Pangula
Que deixou bonita história
A rainha do repente
Duma carreira notória
Repentista sertaneja
Na poesia e na peleja
Teve seus dias de Glória
25
Salve Maria Tebana,
Zefinha do Chabocão.
Salve Chiquinha Barroso,
Cantou com Preto Limão.
Salve Toinha Araújo
Pois falar dela não fujo
Par de Luzia Falcão.
26
É Mocinha de Passira
Repentista de verdade.
E salve Neuma da Silva,
E Maria Soledade.
Salve também Minervina,
Salve a mulher nordestina
As divas da oralidade.
27
Exalto Luzia Dias
E Lucas Evangelista
Os dois que pelejam juntos
Fazem bonito na pista
E não é um par qualquer
Por ser homem e mulher
Coisa que pouco se avista.
28
E louvo Zefinha Anselmo
Filha de Anselmo Vieira
Cantou mais do que cigarra
Era mulher estradeira
Herdou do pai o repente
E cantava prontamente
A competente herdeira.
29
Saúdo quem cantou ontem,
E quem canta no presente,
Encarando a cantoria
Sem se esquivar do batente
Louvada seja a mulher
Que meteu sua colher
Na panela do repente.
30
A mulher que é repentista,
E repassa a tradição,
Pra cultura popular
Dá sua contribuição,
Pois reaviva a memória
No construir da história
A cada apresentação.
*
Cordel de Dalinha Catunda
Xilo de Cícero Lourenço

Literatura de Cordel quarta, 30 de dezembro de 2020

O SERTÃO QUE A GENTE MORA (CORDEL DE MUNDIM DO VALE)

Mundim do Vale

 

O SERTÃO QUE GENTE MORA
Mundim do Vale

Eu nasci lá no sertão
Onde enterrei meu umbigo
Não deixei lá inimigo
Porque sou bom cidadão.
Considerei cada irmão
E não desejei piora
Porque prefiro a melhora
Daquele que tá doente.
Gostei de todo vivente
DO SERTÃO QUE A GENTE MORA.

Eu tive que me afastar
Para um lugar diferente
Mas guardo como um presente
As coisas do meu lugar.
O dia para voltar
Não sei se é logo agora
Ou se ainda demora
Porque Deus é quem me guia.
Mas me lembro todo dia
DO SERTÃO QUE A GENTE MORA.

Na T.V. Educativa
O vate Dílson Pinheiro
Valoriza o violeiro
E a rima do Patativa.
A produção criativa
Não joga cultura fora
Tanto que busca melhora
Pesquisando pelo mato.
Depois exibe o retrato
DO SERTÃO QUE A GENTE MORA.

O bom Carneiro Portela
Da cultura é resistente
Fala de seca e enchente,
De porteira e de cancela.
Fala de pua e sovela,
De sarampo e catapora,
De sertanejo indo embora,
De lapinha e santuário.
E faz todo o seu cenário
DO SERTÃO QUE A GENTE MORA.

Geraldo Amâncio Pereira
Promotor de festival
É um ícone cultural
Da poesia brejeira.
Repentista de primeira
Defensor de fauna e flora
Hoje em dia comemora
Seu sucesso no estrangeiro.
Mas Geraldo é um herdeiro
DO SERTÃO QUE A GENTE MORA.

Foi do sertão que surgiu
O poeta Zé Maria
Que vem trazendo alegria
Para o resto do Brasil.
Foi ele que conduziu
Por este mundão a fora
Um grupo que hoje explora
A cultura cristalina.
É a Batuta Nordestina
DO SERTÃO QUE A GENTE MORA.

Literatura de Cordel quarta, 23 de dezembro de 2020

O SERTÃO DOS TEMPOS MODERNOS (FOLHETO DE DIDEUS SALES)

 

Cordel e televisão (Dideus Sales)

 

 

CORDEL, SERTÃO E TELEVISÃO

Mundo Cordel traz hoje poesia de Dideus Sales, extraída do livro VEREDAS DE SOL, em cujo prefácio, de Dimas Macedo, lê-se:

 

Dideus Sales, andarilho e pastor de sonhos a costurar a ligação de vilas e cidades no interior do Ceará, é um legítimo representante dessa poesia popular a que me refiro. E mais do que representante, Dideus é o maior e o mais vivo dos poetas cearenses a fazer no Ceará a ponte da cultura entre o sertão e o litoral.

Jornalista, poeta e guardador de tradições sem conta da nossa borbulhante alma sertaneja, Dideus não pára de crescer e produzir. Editor da revista Gente de Ação, sediada em Aracati e que se espraia por todo o Ceará, Dideus atravessa o sertão da sua terra sempre a carregar nos bolsos (e na alma) a verve do povo cearense e as suas mais belas tradições.

 

Tive o prazer de adquirir a obra no dia 17 de julho de 2006, em Mossoró, das mãos do próprio autor. Já a citei aqui quando falei de Patativa. Hoje destaco:

O sertão dos tempos modernos

Para rever uns parentes
Fui visitar meu sertão.
Foi gostoso o reencontro
Mas, grande a decepção
Por constatar de pertinho
Perversa transformação.

Talvez a televisão
Grande mal venha trazendo
Quem muito bem não discerne
Escutando aquilo e vendo
O que não eleva em nada
Sempre fica absorvendo.

Os costumes dissolvendo,
Ninguém vê mais na calçada
À noite os vizinhos juntos
Contando estória, piada...
Tá tudo dentro de casa
E a televisão ligada.

Visita é indesejada
Na casinha mais singela
Sendo no horário noturno
Os donos dão pouca trela
Não querem ser perturbados
Olhando a tal da novela.

Está desprezada a sela,
O cavalo aposentado
A moto hoje é o transporte
Pra passeio e pro roçado
Pra ira à feira e à missa
Botar água e tanger gado.

Está muito transformado
Do sertão o dia-a-dia
Na fazenda já não tem
Queijo nem coalhada fria
Vendem o leite. E pro café
Compram pão na padaria.

Já não tem a poesia
Do sertão de antigamente
Quando não tinha novela
Que mostra coisa indecente
E a gente se deleitava
Com cordel e com repente.

Para tristeza da gente
No sertão já não tem mais
As brincadeiras ingênuas
Dos terreiros e quintais.
Tá farto de violência
Porém, carente de paz.

O meu sertão não é mais
Um cenário de beleza
Só se vê naqueles ermos
Desolação e tristeza
Como resposta às perenes,
Agressões à natureza.

Meu sertão sem boniteza
Pois queimaram a caatinga,
Invernos irregulares,
Quase não chove, mal pinga,
Eis a prova incontestável
Que a natureza se vinga.

Literatura de Cordel quarta, 16 de dezembro de 2020

LUIZ GONZAGA, O MENSAGEIRO DO NORDESTINO (FOLHETO DA MADRE SUPERIORA DALINHA CATUNDA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO

 

A imagem pode conter: 1 pessoa, texto que diz "LUIZ GONZAGA: o MENSAGEIRO DO NORDESTINO Autora: Dalinha Catunda CORDE ZOKDELIMECK സอ 19N圖 SESC CRATO N° 114 Crato CE-Abril/2017 Rua André Cartaxo N° 443 Centro Telefone: (88) 3523.4444 Fax: 3523.3111 CEP: 63.100-170 Crato Ceará"

LUIZ GONZAGA
O MENSAGEIRO DO NORDESTINO
Dalinha Catunda
1
A musa peço licença,
A Deus pai inspiração,
Recorro também a nossa
Senhora da Conceição,
Para passar com meu verso
Adentrar nesse universo
Onde reinou Gonzagão.
2
Luiz Gonzaga nasceu
Dia de Santa Luzia.
Lá no céu uma estrela
Brilhou quando o rei nascia.
Ele viveu seu reinado
Como ser iluminado
Mensageiro da alegria.
3
Foi o velho Januário
Que seu nome escolheu.
Em homenagem a Santa
Esse nome recebeu.
O filho de Ana Batista
Brilhou muito como artista,
E chegou ao apogeu.
4
Pela sua trajetória
Luiz hoje é lendário.
A história do forró
Escreveu em seu fadário.
Amava seu pé-de-serra,
E a sua querida terra,
Chamava de relicário.
5
Com triângulo e Zabumba,
Sua voz virou rotina.
Viajou pelo Brasil,
Com a sua concertina.
Propagou xote e xaxado,
Andando pra todo lado,
Com a verve nordestina.
6
Um belo gibão de couro,
E chapéu especial,
Assim compunha Gonzaga,
Com arte seu visual.
A moda que ele ditou
Bastante gente imitou
Querendo ficar igual.
7
Luiz Gonzaga partiu
Sem sair do pensamento,
Deste povo nordestino
Que lembra a todo momento,
Do entusiasmo do rei
Que cantou pra sua grei
Trazendo contentamento.
8
Sei que já faz um bom tempo
Que velho Lua morreu.
Da vida dos nordestinos
Nunca desapareceu.
Porque em cada canção
Cantava com emoção
O mundo em que viveu.
9
Nosso Rei do Baião vive
Na boca da sua gente.
Pois tudo que ele gravou
É cantado no presente.
Sendo a voz do retirante,
Dos que estavam distante,
Virou canto do ausente!
10
Tudo que Luiz cantava
O povo fazia refrão.
A sua voz envolvente
Enternecia o povão,
Que traz o rei na memória
Jamais esquece a história
Do inventor do baião.
11
Luiz Gonzaga cantou,
Os costumes do sertão,
Cantou beatas e santos,
Padre Cícero Romão,
Cantou povo, cantou fé,
O Santo de Canindé,
Em quem tinha devoção.
12
Lágrimas vinham aos olhos
Da nossa gente sofrida
Quando seu Luiz cantava
A canção Triste Partida.
Os versos de Patativa
Era lamentação viva
Da seca mais descabida.
13
Cantou para o santo papa,
Não esqueceu Lampião,
As lendas de cangaceiros,
Que corriam no sertão.
Cantou a mulher rendeira,
E Sá Marica parteira,
Costumes e tradição.
14
E cantou como ninguém!
A cabocla nordestina,
Comadre Sebastiana,
A cheirosa Karolina,
Cantou a sua Rosinha,
E Xandu, a Xanduzinha!
E os sete de Setembrina.
15
Cantou do vate Catulo,
Que traz no nome Paixão.
Digo a todos com certeza!
Encantou nossa nação,
Com a mais bela cantiga,
Que amor a terra instiga,
Que foi Luar do Sertão.
16
Lua mostrou ao Brasil,
Nossa nação nordestina.
Falou da chuva e da seca,
Comentando nossa sina.
Cantou tristeza e alegria,
Dum povo que contagia,
E a ter fé em Deus ensina.
17
Cantou a fauna e a flora,
As chuvas e a sequidão,
E mostrou ao mundo inteiro
Grande amor pelo seu chão.
Asa branca arrebatou,
E todo mundo cantou,
Essa bonita canção.
18
Nos programas matinais,
Nas rádios do interior,
Luiz inda faz sucesso
Na boca do locutor,
E canta dia após dia,
O canto que contagia
Com seu agreste esplendor.
19
E na festa da colheita,
Nas fogueiras de São João,
A música mais tocada,
Inda é de Gonzagão.
O povo dança quadrilha,
Muitos adotam na trilha,
Os passos da tradição.
20
Se dizem que quem foi rei
Nunca perde a majestade,
Luiz Gonzaga confirma,
Essa mais pura verdade.
O nosso cabra da peste
Será sempre o rei agreste
Um rei que deixou saudade.
21
O querido rei caboclo,
O nosso rei do baião,
Viverá eternamente
Em nossa recordação.
E será eternizado,
Pois sempre será lembrado
Mesmo em outra dimensão.
22
Tema de escola de samba
Ele foi no carnaval.
Tem museu com o seu nome
Em sua terra natal.
Foi o criador primeiro,
Da tal missa do vaqueiro
Que hoje é tradicional.
23
Luiz sem dúvidas foi,
O clamor do nordestino.
A real trilha sonora,
Cantando cada destino.
Foi a voz do retirante,
O grande representante,
De quem virou peregrino.
24
Quando o fole da sanfona
Gemer em qualquer lugar,
E um forró pé-de-serra
O sanfoneiro tocar,
Relembrarei Gonzagão,
O nosso rei do Baião,
Majestade Singular!
*
Cordel de Dalinha Catunda

Literatura de Cordel segunda, 07 de dezembro de 2020

O NASCIMENTO DE JESUS (FOLHETO DA MADRE SUPERIORA DALINHA CATUNDA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

A imagem pode conter: texto que diz

 

 

O NASCIMENTO DE JESUS
Dalinha Catunda
 
1
A narrativa que faço
Não é minha invenção
Pra contar já me benzi
E fiz minha oração
Peço a Deus discernimento
Pra falar do nascimento
De quem trouxe a salvação
2
Nas linhas de cada verso
Cumprirei o meu papel
Seguindo sempre a risca
O tema desse cordel
A vinda do Deus menino
Sua saga seu destino
Prometendo ser fiel.
3
Tudo isso começou
Com José e com Maria
Que ficaram radiantes
E replenos de alegria
Quando Miguel o arcanjo
Com sua boca de anjo
A boa nova dizia.
4
Assim deu ele a notícia
Com jeito e com muito tino
Que do ventre de Maria
Nasceria um menino
Maria daria a luz
Ao filho de Deus, Jesus,
O sagrado ser divino.
5
Com o casal satisfeito
Não havia desengano
Mas veio de Cesar Augusto
O Imperador Romano
Uma nova lei criada
E a família sagrada
Tinha que mudar de plano.
6
A sua terra natal
Todos tinham que voltar
Porque Cesar resolveu
A população contar
O motivo foi exposto
Foi por causa do imposto
Que ele decidiu cobrar.
7
A família de José
Voltava para Belém
A fim de cumprir a lei
E se registrar também
Com dor a pobre Maria
No caminho padecia
Mesmo assim dizia amém.
8
Foi uma viagem longa,
Deixou Maria cansada
E se aproximava a hora
Por todos tão esperada
Sem achar hospedaria
José fez o que podia
De maneira improvisada.
9
Ele avistou um estábulo
Onde montou seu abrigo
O ambiente era limpo
Lá não corriam perigo
Com palha forrou o chão
Improvisando um colchão
Fugindo do desabrigo.
10
Por sobre a palha, José,
Uma manta estendeu
Ali deitou o casal
Que descanso mereceu
Para geral alegria
O menino de Maria
A meia noite nasceu.
11
E foi numa manjedoura
Que a criança ficou
Forrada com palha limpa
Que o bom José arrumou
Num pano foi enrolado
Nas palhinhas colocado
Pela mãe que lhe embalou.
12
Nasceu o filho de Deus
E de Jesus foi chamado
Como advertiu o anjo
Quando deu o seu recado
Foi despido de riqueza
No meio da singeleza
Que Jesus foi adorado
13
Nas colinas de Belém
Os pastores agrupados
Vigiavam seus rebanhos
E ficaram assustados
Quando lá no céu brilhou
Uma luz que os espantou
Deixando-lhes ofuscados.
14
Era um anjo que surgia
E acalmou cada pastor
Eu trago boa notícia
Escutem-me, por favor,
Nesta noite em Belém
Nasceu para nosso bem
Jesus nosso Salvador.
15
E logo no céu surgiu
Encantando os pastores
Mais anjos que lindamente
Cantarolavam louvores
Em homenagem a Jesus
Que chegou trazendo luz
E prenúncio de amores.
16
E Glória a Deus nas alturas
Se ouviu com suavidade
E paz na terra aos homens
Que tinham boa vontade
Os anjos assim cantavam
Pastores se encantavam
Diante da novidade.
17
A luz foi diminuindo
Todos logo perceberam
Os anjos também sumiram
E os pastores se acenderam
E cheios de esperança
Foram atrás da criança
A pista eles não perderam.
18
Quando viram o estábulo
Entraram devagarinho
Na manjedoura o menino
Ao lado dele um burrinho
Tinha uma vaca também
Como de fato convém
Jesus não estava sozinho.
19
Pelos homens da colina
Jesus Rei foi adorado
Ele era o salvador
Pelo anjo anunciado
Os pastores finalmente
Contaram pra toda gente
Que Jesus tinha chegado.
20
Três homens sábios moravam
Num país muito distante
E do céu e das estrelas
Faziam estudo constante
Uma estrela reluzente
Aparece de repente
Com um brilho intrigante.
21
Diziam os três Reis Magos
Que o sinal emitido
Era algo especial
Que havia acontecido
E foram seguindo a luz
Para visitar Jesus
O rei que tinha nascido.
22
Os três Reis Magos levaram
Presentes para ofertar
A grande estrela guiava
Melchior e Baltazar,
E Gaspar ia também
Pra cidade de Belém
O novo rei adorar.
23
Quando o rei Herodes soube
Que nasceu o rei menino
Ficou bastante zangado
Cometendo desatino
Aos Magos pediu favor
Caso vissem o Salvador
Lhe revelasse o destino.
24
Os Reis Magos prosseguiram
Cada um com seu presente
Era Ouro, incenso e mirra
Para o pequeno inocente
Que logo foi adorado
E também presenteado
Pelos reis do oriente
25
Os Reis seguiram viagem
Logo após a adoração
Pararam para dormir
Num sonho a revelação
Um anjo veio avisar:
Herodes quer é matar
Jesus, rei da salvação.
26
Os três Reis Magos pegaram
Na volta um novo curso
Pra não cruzar com Herodes
Fazendo o mesmo percurso
Acharam os três por bem
Desviar Jerusalém
Só tinham esse recurso.
27
José também teve um sonho
Sonho pior não teria
Um anjo lhe avisou
Para fugir com Maria
Deixar depressa o abrigo
Jesus corria perigo
Se foram na correria.
28
Partiram para o Egito
Como o anjo aconselhou
A fuga foi cansativa
Mas a família chegou
Sã e salva a seu destino
Salvaram Jesus menino
Do rei que louco ficou.
29
Quando Herodes descobriu
Que tinha sido enganado
Ficou com ódio dos Magos
E completamente irado
Com medo do novo rei
Não respeitou sua grei
Estava desatinado.
30
Para não perder o trono
Diante dos desenganos
Ordenou os seus soldados
Que executassem seus planos
E começou a matança
Que era assassinar criança
E com menos de dois anos.
31
Quem não amava Herodes
Passou mesmo a odiar.
E no Egito a família
Sagrada pode escapar
Munidos de muita fé
Voltaram pra Nazaré
Para viver em seu lar.
32
Foi um anjo que avisou
Que José já poderia
Voltar para Nazaré
Pois perigo não corria
Herodes tinha morrido
Ele voltou comovido
Com Jesus e com Maria.
Fim
*
Cordel de Dalinha Catunda
Capa de Erivaldo Ferreira

 


Literatura de Cordel quarta, 02 de dezembro de 2020

PELEJA DE MANOEL CAMILO COM MANOEL MONTEIRO (FOLHETO DE MANOEL MONTEIRO)

 

PELEJA DE MANOEL CAMILO COM MANOEL MONTEIRO

Manoel Monteiro

Peço inspiração aos magos
Luz, força, brilho, fulgor
Para em poesia alegre
Contar ao caro leitor
Uma discussão que tive
Com um grande cantador.

Pernambuco é o torrão
Em que nasci e andei
Após uso da razão
A poesia abracei
E saí vendendo versos
Na Paraíba aportei.

Chegado em Campina Grande
Novato e desconhecido
Na quarta fui para feira
“Cantar versos” carecido
De ganhar dinheiro pois
Estava “desprevenido.”

Notei um senhor de óculos
Quando eu estava cantando
Que pôs-se à parte e ficou
Somente me observando,
Quando terminei o “show”
Ele foi se aproximando.

E perguntou-me; Poeta,
Estás só ou com amigo?
Respondi-lhe, na viagem
Só trago o pinho comigo,
Ele convidou, eu quero
Fazer um “baião” contigo.

Sem conhece-lo falei:
– O convite está aceito
Que pra cantar desafio
Fiz, faço e farei bem feito,
Poesia é minha água,
Meu pão, meu sal e meu leito.

Disse ele, o Dr. Limeira
Convidou-me pra cantar
Estando sem parceria
Pra fazer-me acompanhar
Ouvindo e vendo seus versos
Resolvi lhe convidar.

Ele fechou o contrato
Pra noite do outro dia
Recolhi-me ao dormitório
E de quando em quando ouvia
Na rua o autofalante
Divulgando a cantoria.

 

Dizia o autofalante
Meu povo paraibano
Esta noite vai haver
O espetáculo do ano
Pois Manoel Camilo vai
“Bater” num pernambucano.

Ouvindo o carro de som
No tal Camilo falar
Me arrependi de ter feito
O trato para cantar.
Mas a essa altura não
Podia mais recuar.

Então na noite seguinte
As 7 e meia cheguei
Embora um pouco nervoso
Por educação e lei
Abracei Dr. Limeira,
Aos demais cumprimentei.

Homem, mulher, moço e moça
Superlotavam o salão,
Trouxeram logo pra mim
Um bocado de alcatrão
Depois pediram que a gente
Desse início à diversão.

Em duas cadeiras simples
Junto um ao outro sentamos
Com os ouvidos atentos
O som dos pinhos casamos
E com a força do peito
A cantiga iniciamos.

Camilo baixou a vista
Pigarreou uma vez
Solfejou uma colcheia
Com aparente altivez
Sorriu despreocupado
Quando essa sextilha fez:

Camilo

-Oh! Trovador forasteiro
Vamos travar sem barganha
Um duelo de improviso
Para ver quem perde ou ganha,
Antes devo preveni-lo
Ou canta bem ou apanha.

Monteiro

– Poeta bom não se acanha
Aonde quer que esteja
Por isso firme e tranquilo
Aceitei essa peleja
Disponha do seu amigo
Diga o que é que deseja.

Camilo

– Antes o povão almeja
Apresentação formal
Que você diga bem claro
E em verso original
Qual seu nome de batismo
E qual é seu natural.

Monteiro

-Eu direi ao pessoal
O meu nome verdadeiro,
Sou natural de Bezerros
Belo torrão agresteiro,
Meu Estado é Pernambuco,
Nome? Manoel Monteiro.

Camilo

-Se és um bom violeiro
Dá-nos as provas cabais
Mostra sem titubear
Os teus dotes culturais,
Contigo não me aperto
Porque és novo demais.

Monteiro

– Já disse em outros locais
Cantor velho não me espanta
Cante, brinque, farre e prose
Que Monteiro se levanta
Porque velho, fraco e feio
Nem me empolga, nem me encanta.

Camilo

– Vou picotar sua manta
Com o bico de minha lança,
Você morre, mas não pega
Onde minha mão alcança
Pois na canga de boi velho
Garrote novato amansa.

Monteiro

– Desfaço toda aliança
Fujo de todo degredo,
Hieróglifo ou enigma
Para mim não têm segredo
Cantador não fez nem faz
Eu parar cantiga cedo.

Camilo

-Você diz que não tem medo
Mas diz isso sem razão
Porque pra cantar comigo
Precisa rima e baião
Descender de cantador
Ser bamba na profissão.

Monteiro

– Canto na China e Japão
Velho e Novo Continente
Canto no mato e na rua
Canto diariamente
Quando durmo sonho e sinto
Que estou cantando repente.

Camilo

– Porém hoje em sua frente
Tem um cabra carniceiro
Que aqui em Campina é
Chamado “galo guerreiro”
Que nunca deu milho ou trela
A pinto doutro terreiro.

Monteiro

-Você pode ser treiteiro
Igual Pedro Malazarte,
Mais sábio do que Camões,
Mais bravo que Bonaparte
Mesmo assim vai ver o peso
Do braço da minha arte.

Camilo

– Respeite meu baluarte,
Puxe o carro, vá em frente,
Pegue algum dinheiro e saia
Vá enganar outra gente
Pois no canto que eu cantar
Cantor não canta repente.

Monteiro

– Se o sol nascer no poente
Gelo não for pedra fria
Fogo não queimar a face
Desgosto for alegria
Poeta capenga pode
Passar-me na poesia.

Camilo

– Quando eu estou em porfia
Com cantador malcriado
A terra balança um pouco
E um nevoeiro pesado
Faz água jorrar na terra
Que deixa o mundo alagado.

Monteiro

-Ao cantar improvisado.
Se acaso for desafio
Cai avião do espaço,
No mar afunda navio,
As nuvens ficam tremendo,
Lajedo morre de frio.

Camilo

-No meu escudo confio
Por isso não temo bala
Mesmo perante Juiz
O réu treme e perde a fala,
Enquanto é tempo, meu caro,
Tire seu time da sala.

Monteiro

– Hoje meu chicote estala
Em cantador velho e fraco,
Peçam martelo ou mourão
Que disputo taco a taco
Porque meu trator poético
Vence ladeira e buraco.

(Deu-se uma parada na peleja
Em seguida veio um cidadão
Que estava presente no salão
Colocou cem cruzeiros na bandeja
E nos disse: O povo aqui deseja
Que ponham mais fogo na porfia,
Mais garra, mais guerra e picardia
No tema que agora trago e traço
Todo mundo admira o que faço
Porque sou um assombro em cantoria.)

Monteiro

-Meus repentes são fontes de Narciso
Com água limpinha, pura e boa,
Quando canto o grito meu ressoa
Pelo mar, céu e terra e paraíso,
Deus e deusas dão o que preciso
Por causa da minha maestria
Neste caso cantor sem energia
Ao topar-me de frente cai no laço
Todo mundo admira o que faço
Porque sou um assombro em cantoria.

Camilo

– Quando grito abalo céu e terra,
O planalto, a planície e a colina
Desce logo do alto uma neblina
Que encharca de sangue vale e serra,
O sábio mais sábio pensa e erra
Esquecendo de pronto o que sabia
Gaguejando não lembra o que dizia
Dá-lhe um branco, desmaia de cansaço
Todo mundo admira o que faço
Porque sou um assombro em cantoria.

Monteiro

– No dia em que eu me aborreço
Este mundo de todo se transforma
Toma jeito e ganha nova forma
Até carne e feijão baixam de preço
Me dizem na rua, o agradeço,
Quando veem acabar-se a carestia
Rico besta deixar a fidalguia
Pobretão passar a ser ricaço
Todo mundo admira o que faço
Porque sou um assombro em cantoria.

Camilo

-Quando canto martelo improvisado
O eixo da terra enverga e geme
O velho perece, o moço treme
E o globo balança um bocado,
O azul do céu fica encarnado,
Poetaço suspira em agonia
Emudece com a mente vazia
Dissolve-se qual gelo no mormaço
Todo mundo admira o que faço
Porque sou um assombro em cantoria.

Monteiro

– Quando em versos faço mero ensaio
Com ciência, segredo e com mistério
Se acaso estiver cantando sério
Caem chuvas de pedra, fogo e raio,
Seja agosto, outubro, junho ou maio
Paro o tempo e faço a noite dia
Faço encher-se de som e harmonia
Os recantos mais longes do espaço
Todo mundo admira o que faço
Porque sou um assombro em cantoria.

Camilo

– Se estou afobado improvisando
Um pedaço de Marte cai ligeiro
Outra banda cai lá no estrangeiro
O resto que fica é balançando,
O mar agitado vai secando
No centro da terra a lava esfria,
Faço rio perder leito e bacia,
Vigas grossas de bronze liquefaço
Todo mundo admira o que faço
Porque sou um assombro em cantoria.

Monteiro

-Ao cantar um martelo em desafio
Faíscas azuis de fogo descem
Os mais bravos guerreiros esmorecem
Quando veem o céu ficar sombrio
Sendo inverno eu mudo para estio
Se chover a chuva é sem valia
Pois não molha, resseca, nada cria,
Pego trilho de ferro, torço, amasso
Todo mundo admira o que faço
Porque sou um assombro em cantoria.

Camilo

– No momento que quero faço tudo
Pires, prato, colher e candeeiro,
Mesa, banco, cadeira e petisqueiro,
Bicho liso, caspento ou cabeludo,
Linho, seda, morim, crepe, veludo,
Pai, mãe, primo, sobrinho, tio e tia
Porém isso só faço em poesia
Ritmada, sem falha no compasso
Todo mundo admira o que faço
Porque sou um assombro em cantoria.

Monteiro

– Nesta vida trabalho de enfermeiro,
Balconista de loja e contador,
Pedreiro, mecânico, soldador,
Caiador de parede, funileiro,
Motorista, alfaiate, serralheiro,
Faço sela, cangalha, peia e cia,
Porta, casa, mosaico, louça e pia,
Toco, canto, aboio, pesco e caço
Todo mundo admira o que faço
Porque sou um assombro em cantoria.

Camilo

-Seu Monteiro, procure me seguir
Mas se acaso você cambalear
Prepare-se que a peia vai cantar
E queira ou não queira tem que ir,
Nesta noite não vou admitir
Falha grande, pequena, ou covardia
Jamais pense em parar enquanto o dia
Não trouxer a aurora pelo braço
Todo mundo admira o que faço
Porque sou um assombro em cantoria.

Monteiro

– Nem me importa com esse seu ataque
De estrelismo babaca e petulante
Sejas cobra, leão, ou elefante
Quanto mais, maior vai ser o baque,
Só prossegue no jogo se for craque
Sobrar força, coragem e energia,
Seu Camilo, sou luz que irradia,
Sou o mestre da terra e do espaço
Todo mundo admira o que faço
Porque sou um assombro em cantoria.

Camilo

– Manoel Monteiro em
Você notei perfeição
Porém ainda lhe falta
Uma grande provação
É ver se você consegue
Acompanhar-me em quadrão.

Monteiro

-Manoel Camilo, então,
Segues que te seguirei
Se ainda não fiz vergonha
Garanto que não farei
Podes colher os teus versos
Que os meus já maturei.

Camilo

– Meio conde e meio duque
Meio forro e meio estuque
Meia carta e meio truque
Meio gato e meio cão
Meia massa e meio pão
Meio pão e meia massa
Meio riso e meia graça
Meia quadra e meio quadrão.

Monteiro

– Meio céu e meio solo
Meio feio e meio Apolo
Meio peito e meio colo
Meio fraco e meio são
Meia lava e meio vulcão
Meio vulcão, meia lava
Meio livre, meia escrava
Meia quadra meio quadrão.

Camilo

– Meia guerra e meio tiro
Meia volta e meio giro
Meia dama e meio firo
Meia flor meio botão
Meia sala e meio salão
Meio salão meia sala
Meio rifle e meia bala
Meia quadra meio quadrão.

Monteiro

-Meia boca e meio grito
Meio feio meio bonito
Meia Grécia meio Egito
Meia Holanda meio Japão
Meia pata meio pavão
Meio pavão meia pata
Meio campo meia mata
Meia quadra meio quadrão.

Camilo

– Meia bomba e meio traque
Meio terno e meio fraque
Meio lerdo e meio craque
Meio braço e meia mão
Meia pipa meio balão
Meio balão meia pipa
Meio caibro meia ripa
Meia quadra meio quadrão.

Monteiro

– Peço que vá se inspirando
Para ir me acompanhando
Pois agora eu vou mudando
O estilo de cantar,
Se correr hei de pegar
E se ficar vai sofrer
Porque vou desenvolver
Um quadrão a beira mar.

Camilo

-Não sei o que é perder
Só luto para vencer
Nem pense que vou correr
Porque pretendo ficar
Na matéria de cantar
Tenho força, estilo e calma
Por isso recebo palma
No quadrão a beira mar.

Monteiro

– Meu verso penetra a alma,
Alegra, embevece, acalma
Severo, Antônio, Djalma,
Francisco, Pedro, Edmar
Luiz, Júlio, Augusto, Oscar
Dr. Limeira também
Que aplaude e paga bem
Meu quadrão a beira mar.

Camilo

– Monteiro amigo já tem
Um bom dinheiro no prato
Fora o que Dr. Limeira
Nos pagou pelo contrato
Como já é madrugada
Vamos encerrar o ato.

Monteiro

– Se você diz eu acato,
Por mim, estou encerrando,
O duelo foi bacana
E mais está me agradando
É que nem um sai perdendo
E nem outro sai ganhando.

Camilo

-Estamos finalizando
Este encontro tão feliz,
Tirando a prova dos nove
O resultado me diz
Que tu és a filial
E eu permaneço a matriz.

Mas eu que bolei e fiz
A memorável peleja,
Neste acróstico final
O que o autor almeja
É vender a produção,
Levem o folheto, então,
MONTEIRO o bem lhes deseja


Literatura de Cordel quarta, 25 de novembro de 2020

NA REDE COM DALINHA - ENCRENCA COM MULHER (CORDEL DA MADRE SUPERIORA DALINHA CATUNDA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

NA REDE COM DALINHA
ENCRENCA COM MULHER
Dalinha Catunda
A imagem pode conter: 1 pessoa
 
Bardo que não tem cautela
Tira da boca a tramela
Mas de repente amarela
Na quebrada da rotina
Pois a mulher na porfia
Com astúcia desafia
E o homem nem desconfia
Da esperteza feminina.
DALINHA CATUNDA
*
Cutucar com vara curta
A onça se espanta e surta
A valentia se furta;
O arrogante sequer
Dessa teia não escapa
Perdeu a mina e o mapa
Da Musa levou um tapa
Respeita, macho, a Mulher!
BASTINHA JOB
*
Cabra que arranha viola
Com estrume na cachola
Na merda sempre se atola
Por não saber acatar
O canto de espinho e flor
Que chega trazendo ardor
E não pede, por favor,
Para com macho cantar.
DALINHA CATUNDA
*
Êta, Dalinha, danada
Que jamais perde parada
Ao se mostrar preparada
Pra qualquer situação
Dando nó em pingo d’água
Sabe cantar sem ter mágoa
Nem a tristeza deságua
NOS OITO PÉS DE QUADRÃO.
JOSÉ WALTER
*
Meu amigo sou nojenta
Tenho cabelo na venta
E pouca gente aguenta
Quando entro em ação
Eu canto até ficar rouca
Se o bardo dormir de touca
Morre e não me deixa louca
NOS OITO PÉS DE QUADRÃO.
DALINHA CATUNDA
*
Eita que mulher valente
Quero ver cabra que enfrente
Essa dama do repente
Braba feito uma leoa
De versos fonte infinita
Dalinha tá bem na fita
Porque sempre sua escrita
Como melodia soa.
JERSON BRITO
*
Eu não conheço fadiga,
Não fujo da boa briga,
Não sou mulher com intriga,
Mas não sou de calmaria!
Na hora de pelejar
Gosto do nó apertar
Pra ver verso estrebuchar
Nos braços da poesia.
DALINHA CATUNDA
*
Homem, respeite Dalinha
Tome sua caipirinha
Vá brigar na sua rinha
Onde só tem confusão
Não irrite a minha amiga
Que ela nem gosta de briga
Fuja de qualquer intriga
Nos oito pés de quadrão.
CREUSA MEIRA
*
Porém se quiser chegar
Vá chegando de vagar
Não vai dar pra se espalhar
Na minha jurisdição
Não queira me ver irada
Pois baixo mesmo a porrada
E saio dando risada
Nos oito pés de quadrão.
DALINHA CATUNDA
*
Seguimos nessa jornada
Lembrando a macharada
Que respeite a mulherada
Não brinque com sua loa
Que um motim iniciou
Buliu com uma danou
E com todas se lascou
Pois ninguém verseja a toa.
MARIA ELI
*
Eu vou contar um segredo
Cabra pra me fazer medo
Nem precisa vir azedo
Pois eu sou é de amargar
Eu mato o vate na unha
Provoco boto alcunha
E usando de mumunha
Faço o sujeito chorar.
DALINHA CATUNDA
*
Da caneta faço espora
O verso faço na hora
Para chegar sem demora
Esbanjando o meu versar
Sonoro como uma fonte
Eu me junto com este monte
De mulher que traz na fronte
A arte de bem cantar.
VÂNIA FREITAS
*
Risco verso é na peixeira
No traçado sou ligeira
Acabo sendo a primeira
Na hora de um debate
Por gostar duma disputa
Vou preparada pra luta
Trago a mulher pra labuta
Pra seguir nosso combate.
DALINHA CATUNDA
*
Quem se acha todo macho,
não tem medo de esculacho,
é melhor baixar o facho...
Quem avisa, bem lhe quer.
O melhor que a gente faz
é ser fino... Perspicaz...
Pois, quem quer viver em paz,
não encrenca com mulher.
DAVID FERREIRA
*
David já chegou com manha
É homem que não se acanha
De mulher jamais apanha
Pois conhece seu lugar
Chegou com diplomacia
Num verso de voz macia
Como quem acaricia
Gata pra não lhe arranhar.
DALINHA CATUNDA
*
Toda mulher de verdade,
pelo voto à liberdade,
nutre a sensibilidade
qu'há de ter um grande amor...
Já o homem, infelizmente,
sendo ou não inteligente,
nele incute, ingenuamente,
qu' é um ser superior...
DAVID FERREIRA
*
A mulher em seu roteiro
Quer apenas um parceiro,
Um amante, companheiro.
Não um dono, um senhor.
Não quer viver em prisão
Detesta a submissão
Quer fazer sua oração
Sem ser a santa no andor.
DALINHA CATUNDA
*
Tenho uma que é valente,
me cativa docemente,
mas tem hora que, somente
Deus do céu, pra lh'a acalmar.
Basta eu demorar fora,
não voltar conforme a hora...
Quebra um pau, pega uma tora
e, ai de mim, se eu gaguejar...
DAVID FERREIRA
*
Deixo a porta sem tramela
E nem fico na janela
Só pensando em esparrela
Se tarde ele vai voltar...
Enquanto eu for importante!
Serei esposa e amante,
Vou esperar radiante,
Sem pensar em controlar.
DALINHA CATUNDA
*
Essas gralhas encrenqueiras
Não resistem brincadeiras
Logo viram barraqueiras.
E se ofendem sem razão.
Se não faz mal perguntar
Para poder me calar
O que deixaram passar?
NOS OITO PÉS DE QUADRÃO
JOSÉ WALTER
*
Em cada pé que versei
Eu rimei, metrifiquei,
Cantei, mas não relinchei
Pra não perder a razão.
Porém sei que fiz besteira
Deixei aberta a porteira
E entrou a crina coiceira
NOS OITO PÉS DE QUADRÃO
DALINHA CATUNDA
*
Zé walter, tome cuidado
O terreno é complicado
É melhor ficar calado
Pra não perder a razão
Dalinha não dá vacilo
Tem amigas no estilo
Aqui ninguém dá cochilo
Nos oito pés de quadrão
CREUSA MEIRA
*
Com seu veneno de aranha
A mulherada se assanha
Tem gente que fica estranha
Pois Dalinha põe no chão
Sem piedade sem dó
Arrocha com força o nó
Faz a coisa ir pro gogó
NOS OITO PÉS DE QUADRÃO.
VÂNIA FREITAS
*
Mulher quando quer encrenca
Ela de cima despenca
Com mais de mil “penca”
De palavras feito o cão
Seu corpo vira uma brasa
A imaginação cria asa
No português ela arrasa
NOS OITO PÉS DE QUADRÃO.
VÂNIA FREITAS.

Literatura de Cordel quarta, 18 de novembro de 2020

O LINGUAJAR CEARENSE (FOLHETO DE JOSENIR A. DE LACERDA)

 

 

 


 
 

 
O LINGUAJAR CEARENSE
AUTORA: JOSENIR A. DE LACERDA

Todo poeta de fato
É grande observador
Seja da rua ou do mato
Seja leigo ou professor
Faz verdadeira pesquisa
Vasto estudo realiza
Buscando essência e teor

Por esse nato talento
Na hora de versejar
Busca o tema e o momento
Visa o leitor agradar
Não sente conformação
Se não passa a emoção
Que dentro do peito está

Neste cordel-dicionário
Eu pretendo registrar
O rico vocabulário
Da criação popular
No Ceará garimpei
Juntei tudo, compilei
Ao leitor quero ofertar

Se alguém é desligado
É chamado de bocó
Broco, lerdo e abestado
Azuado ou brocoió
Arigó e Zé Mané
Sonso, atruado, bilé
Pomba lesa e zuruó

Artigo novo é zerado
Armadilha é arapuca
O doido é abirobado
Invencionice é infuca
O matuto é mucureba
Qualquer ferida é pereba
Mosquito grande é mutuca
Quem muito agarra, abufela
Briga pequena é arenga
Enganação, esparrela
Toda prostituta é quenga
Rapapé é confusão
De repente é supetão
Insistência é lenga-lenga

Qualquer tramóia é motim
Solteira idosa é titia
Mosquitinho é mucuim
Recipiente é vasia
Meia garrafa é meiota
O exibido é fiota
Travessura é istripulia

Bebeu muito é deodato
Brisa leve é cruviana
O sujeito otário é pato
Cigarro curto é bagana
Fugir é capar o gato
O engraçado é gaiato
Quem vai preso tá em cana

Ter mesmo nome é xarapa
Muito junto é encangado
Água com açúcar é garapa
Cor vermelha é encarnado
Muita coisa dá mêimundo
Sendo Mundim é Raimundo
Valentão é arrochado

A rede velha é fianga
Com raiva é apurrinhado
Careta feia é munganga
Baitinga é o mesmo viado
O bom é só o pitéu
Bajulador, xeleléu
Sem jeito é malamanhado

Bater fofo é não cumprir
Etecetera é escambau
Sujar muito é encardir
Quem acusa, cai de pau
Confusão é funaré
Carta coringa é melé
Atacar é só de mau

Qualquer botão é biloto
Mulher difícil é banqueira
Pequenino é pirritoto
Estilingue é baladeira
Qualquer coisa é birimbelo
Descorado é amarelo
Sem requinte é labrocheira

Um perigo é boca quente
Porco novo é bacurim
Atrevido é saliente
Quem não presta é corja ruim
Dedo duro é cabuêta
A perna torta é zambêta
Coisinha pouca é tiquim

Parteira era cachimbeira
Dar mergulho é tibungar
Tem cucuruto, moleira
Olhar demais é cubar
Tem ainda ternontonte
Que vem antes do antonte
Ver de soslaio é brechar

Quem briga bota boneco
Sem valor é fulerage
Copo pequeno é caneco
Estrada boa é rodage
O tristonho é capiongo
Galo ou inchaço é mondrongo
E a ralé é catrevage

O velho ovo estrelado
É o bife do oião
Nervoso é atubibado
Repreender é carão
O zarôlho é caraôi
Enviezado, zanôi
Inquieto é frivião

A perna fina é cambito
Dar o fora é azular
Muito magrelo é sibito
Pisar manco é caxingar
Rede pequena é tipóia
Tudo bem é tudo jóia
Fazer troça é caçoar

A expressão 'dá relato'
Que atinge mais de légua
'Tá ca peste!' 'Só no Crato!'
'Tá lascado!' e 'Aarre égua!'
'Corra dentro!' ' Qué cirmá? '
'É de rosca? 'Éé de lascar! '
'Vôte!' 'Ôxente! 'Isso é paid'égua!'

Se é muito longe, arrenego
Que Deus do céu nos acuda
É pra lá da caixa prego
Lá no calcanhar do juda
Nas bimboca ou cafundó
Nas brenha ou caixa bozó
Onde o vento a rota muda

Se é cheia de babilaque
É ispilicute ou dondoca
Ligeiro é 'que nem um traque'
Agachado é tá de coca
Sem rumo é desembestado
O faminto é esguerado
Bolha na pele é papoca

Chamuscado é sapecado
Nuca, cangote é cachaço
Meio tonto é calibrado
A coluna é espinhaço
Se está adoentado
Tá como diz o ditado:
'da pucumã pro bagaço'

Cearense tem mania
Chama todo mundo Zé
Zé da onça, Zé de tia
Zé ôin ou Zé Mané
Zé tatá ou Zé de Dida
Achando pouco apelida
Um bocado de Zezé

Fazer goga é gaiofar
O que é longo é cumprissaio
Provocar é impinjar
Toda pilôra é desmaio
Salto ligeiro é pinote
Bando, turma é um magote
Cesto sem alça é balaio

A comidinha caseira
Tem fama no Ceará
Tipicamente brasileira
Faz o caboco babar
No bar do Mané bofão
Pau do guarda, panelão
O cardápio vou citar:

Sarrabulho, panelada
Mucunzá e chambari
Tripa de porco, buchada
Baião de dois com piqui
Tem pão de milho e pirão
Carne de sol com feijão
Tijolo de buriti

Quem é ruivo é fogoió
O tristonho é distrenado
Tornozelo é mocotó
Cheio de grana, estribado
Jarra de barro é quartinha
O banheiro é a casinha
Sem saída, 'tá pebado'

A bebida e o seu rol
No Ceará todo habita
A fubuia e o merol
A truaca e a birita
Amansa sogra ou quentinha
Engasga gato, caninha
A meropéia e a mardita

O picolé no saquinho
Aqui se chama dindin
Se é o dedo menorzinho
É chamado de mindin
Riso sonoro é gaitada
Confusão é presepada
Atrevido é saidin

Papo longo e sem valor
É 'miolo de pote'
Muito esperto é vívido
Adolescente é frangote
Soldado raso é samango
A lagartixa é calango
O tabefe é cocorote

A lista é quase sem fim
Não cabe num só cordel
Tem alpercata, alfinim
Enrabichada e berel
Chué, baé, avexado
Bãe de cúia, ôi bribado
Quebra-queixo e carritel

Tem visage, sarará
Tem bruguelo e inxirido
Rabiçaca e aluá
Ispritado e zói cumprido
Bunda canastra, lundu
Dona encrenca, sabacu
Bonequeiro e maluvido
O caerense é assim:
Dá cotoco à nostalgia
A tristeza leva fim
Na cacunda dá euforia
dá de arrudei na carência
Enrola a sobrevivência
e embirra na alegria
 

Literatura de Cordel quarta, 11 de novembro de 2020

LEANDRO GOMES, O REI DO CORDEL (FOLHETO DE MANOEL MONTEIRO)

 

 

LEANDRO GOMES , O REI DO CORDEL

Manoel Monteiro

 

 Leandro Gomes de Barros
Nosso amado menestrel
Que em vez de alaúde
Usou caneta e papel,
Tipo, tinta, impressora
Na construção precursora
Do folheto, ou do cordel.

O cordel, este livrinho,
Escrito em versos rimados
Obedecendo um “tamanho”
Porque são metrificados
Conforme o que se comenta,
Da forma que se apresenta,
Teve aqui os seus primados.

Trinta e cinco anos antes
De chegar mil novecentos,
Em Pombal, nasceu Leandro
Um dos maiores talentos
Que a poesia já deu,
Diz-se que ele escreveu
De cordéis, mais de quinhentos.

Leandro é da velha cepa,
De Inácio da Catingueira
De Romano da Mãe D’Água
Dos poetas do Teixeira,
De cangaceiro e polícia
Dos quais se deu a notícia
Pelos folhetos de feira.

Nasceu no tempo que carro
De boi era condução,
Luz era de lamparina,
Cuscuz de milho era pão,
“Pinto” pequeno era bimba
Água era de cacimba ,
Busca-pé era mijão.

Estava um novembro quente,
19 na folhinha,
Na Fazenda Melancia
Veio ao mundo a criancinha
Mas como o pão lhe faltou
Um tio Padre “ajudou”
A criar o poetinha.

Esse seu tio materno
Chamado Padre Vicente
Xavier de Farias que
Maltratava o inocente
De forma tão vil e rasa
Que ele fugiu de casa
Com 11 anos somente.

Imagine o sofrimento
Do poeta tão pequeno
Vagando pelas estradas
Sob sol quente e sereno,
Um viajor. tão menino,
Sem lar, sem pão, sem destino,
Sem conhecer o terreno.

 

Parece que tem um Deus
Que faz poeta sofrer
Apaga a luz do seu mundo
Pra fantasma aparecer,
Inferniza seus instantes
Com gemidos lancinantes
Que penetram fundo o ser.

Lembrem Castro Alves jovem
Com a tísica no pulmão,
Cassimiro no exílio
Gonçalves Dias, então,
Foi um desafortunado
Porque morreu afogado
Nas costas do Maranhão.

Pois bem, Leandro na fuga,
Saiu vencendo a poeira
Pedindo abrigo a estranhos
Por rancho, fazenda e feira,
Nesse andar de peregrino
Os pés levaram o menino
À cidade do Teixeira.

Dos 11 aos 15 viveu
Por Teixeira e arredores
Já então Teixeira era
Enseada dos maiores
Cantadores de repente
Tidos até o presente
Como a nata dos melhores.

Enquanto o jovem Leandro
Trabalhava de alugado,
Fazia serviço avulso
Para ganhar um trocado
Ao mesmo tempo queria
Dominar a poesia
Por quem foi contaminado.

Ao ouvir as cantorias
Se imaginava fazendo
Versos da mesma maneira,
Foi tentando e aprendendo,
Como não tinha instrumento
Pegava um verso no vento
E o gravava escrevendo.

Como José de Anchieta
Riscava os versos no chão,
Decorava e repetia
Mas sentia precisão
De passá-los ao papel
Eis aí como o cordel
Ganhou vida no Sertão.

Cordel hoje, porque ontem
Era folheto ou estória,
Romance, se fosse longo,
Isso é que tenho em memória
Mas, vamos mais adiante,
Falar do folheto infante,
Seu começo e trajetória.

Papel jornal no “miolo”
Por ser o mais acessível,
Na capa, ,manilha em cor
De embrulhar pão, é incrível;
Papel manilha e jornal
Mais impressão manual
Tornaram o cordel possível.

As letras eram pescadas
Nas caixetas, uma a uma,
O tamanho do folheto
Era pra não ter nenhuma
Sobra, apara ou desperdício
Assim lá pelo início
Cordel foi feito de ruma.

A capa ganhou desenho
Depois da xilogravura
Que é um bloco entalhado
Onde aparece a figura,
Que estiver em relevo,
Registrem como descrevo
Por ser a verdade pura.

Vamos voltar pra Leandro
Quando arribou do Sertão
Levando toda fortuna
Na alma e no matulão
(Partiu e fez muito bem)
E reencontrá-lo em
Vitória de Santo Antão.

Saiu em definitivo
Da terra paraibana
Até encalhar na zona
Da mata pernambucana,
Vitória, cidade bela,
Que a gente avista dela
A “Nassau Veneziana”.

Vitória de Santo Antão
É perto do litoral
E é plantada entre verde
De extenso canavial,
Cheira a mel e aguardente
E dela também se sente
O cheiro da Capital.

Quando o poeta já tinha
Uns 23 de idade
O amor chegou puxando
Pela mão uma deidade,
Cupido cantou hosana
Por ver Venustiniana
Trazendo a felicidade.

Em pouco tempo o casal
O sim ao Padre dizia
E o poeta foi ter
Duma esposa a companhia
Já ganhando alguns mil réis
Com os primeiros cordéis
Que publicava e vendia.

Casou-se e foi residir
Na bela Jaboatão
Coberta por águas fartas
No meio da plantação
Com tanta pitomba e jambo
Que deixaram o vate bambo
De tanta admiração.

Agora nos Guararapes
De Jaboatão que fica
Parede e meia ao Recife
Com quem se identifica
Pela hospitaleira gente,
Pelo ar úmido e quente
E pela paisagem rica…

O poeta ainda estava
A acomodar-se, e fez,
Lá por mil e oitocentos e
Oitenta e oito de vez
A cruzada da fronteira
Pra Veneza brasileira
Cidade de mais jaez.

Foi residir em Areias
Bairro junto à Cavaleiro
Enquanto a pena incansável
Fazia o cancioneiro
Mais fértil dia após dia
Tanto assim que já vivia
Do mister de folheteiro.

Da filharada que teve
Nenhum ganhou permissão
De carregar pela vida
O dom de poeta e não
Vejo nada de anormal
Pois filho de marginal
Não precisa ser ladrão.

Leandro deixou Areias
Não porque fosse ruim
Que Motocolombó
Era mais perto e assim
Mudou-se mais uma vez
E outra mudança fez
Pra Rua do Alecrim.

Ali sim, estava perto
Do Mercado São José
Lugar de feira diária
Como ainda hoje é,
Um formigueiro perfeito
Com gente de todo jeito
De bacanaço à ralé.

A essa altura o poeta
Já tinha economizado
Dinheiro para comprar
Um prelo, fértil roçado,
Para quem planta a semente
Da cultura que nascente
Triplica o que foi plantado.

Já bastante experiente
Pelo convívio diário
Com as rimas concordantes
E com o vocabulário
Que dia-a-dia aumentava;
A sua obra tomava
Um vulto extraordinário.

Escrevia sobre tudo
Que fosse notícia e desse
Uma estorinha atrativa
Dessas que o povo quisesse
Ouvindo comprar e ler
Porque é para vender
Que o artista “borda e tece”.

Num Brasil de poucas letras
Sobreviveu de escrever,
Tenho dito que Leandro
Ensinou o povo a ler,
Fez porque gostava e quis,
Infelizmente, o país
Não lembra de agradecer.

Leandro foi dos primeiros
Que a musa acariciou
Com os folhetos impressos
Tais quais fazendo inda estou;
Cascudo foi seu devoto
E um dia “tirou-lhe” a foto
Que abaixo me mostrou.

Seu tipo era baixo e grosso,
Na postura, corcovado,
Os olhos claros, o crânio
De formato arredondado,
O bigodão muito espesso,
Assim está o começo
Do seu “perfil” desenhado.

Tinha como nordestino
A fala lenta, cantada,
O andar era sem pressa
Passada sobre passada,
Um terno com pouco trato;
Cascudo fez tal retrato
Do vate, seu camarada.

Câmara Cascudo acrescenta
Que o grande cordelista
Pelo porte bonachão
Parecia um ruralista,
Mas se no verso agradava
No papo deliciava
Pela verve de humorista.”

Não cantava ao som do pinho
Pois nunca foi cantador
Mas tem-se notícia farta
De que foi bom glosador,
Um exercício ideal
Para o profissional
Do ofício de escritor.

Os poetas se juntavam
Em torno duma cachaça,
Haja mote e haja rima,
Haja improviso e chalaça,
Haja versos de verdade
Espirituosidade,
E haja festa na praça.

Era dessas brincadeiras
Que as fantasias surgiam,
Duendes, príncipes, princesas
Tomavam forma e caiam
Na brancura do papel
Para encenar no cordel
Estórias que divertiam:

Como O BOI MISTERIOSO,
O BALÃO, O BEIJA-FLOR,
A BATALHA DE OLlVEIROS…,
A FILHA DO PESCADOR,
Um SONHO DE ILUSÃO,
VILA NOVA NA PRISÃO,
O SOLDADO JOGADOR.

O CAÇADOR E A VIRGEM,
CASAMENTO A PRESTAÇÃO,
O HOMEM QUE COME VIDRO,
UNS OLHOS, LAMENTAÇÃO
Ainda O PRINCIPE E A FADA
E mais A MULHER ROUBADA,
JUVENAL E O DRAGÃO.

O CACHORRO DOS MORTOS,
A GUERRA, ALONSO E MARINA,
A VERDADE NUA E CRUA
Crítica acerba e ferina,
PRODÍGIOS DA NATUREZA,
A HISTÓRIA DA PRINCESA
DO REINO DA PEDRA FINA.

AS MANHAS DE UMA VIÚVA,
O SORTEIO MILITAR,
A RESSURREIÇÃO DOS BICHOS,
ROSA E LlNO DE ALENCAR,
O COMETA, A CAGANEIRA
A CURA DA QUEBRADEIRA
E mais contos de embalar.

AS PROMESSAS DO GOVERNO,
O TEMPO DE HOJE EM DIA,
ÉCOS DA PÁTRIA, DITAMES,
Depois, EU BEM QUE DIZIA,
SUSPIROS DE UM SERTANEJO;
MOSCA, PULGA E PERCEVEJO
Malfadada trilogia.

A VIDA DE PEDRO CEM,
A INTRIGA DA AGUARDENTE,
UMA VIAGEM AO CÉU
Sonho de todo vivente
E o INFERNO DA VIDA,
A ALEMANHA VENCIDA
Deixava o mundo contente.

COMO SE AMANSA UMA SOGRA,
E O MARCO BRASILEIRO
CRISE PRA BURRO; O AZAR .
NA CASA DO FUNILEIRO,
Outro de que sempre falo,
A HISTÓRIA DO CAVALO
QUE DEFECAVA DINHEIRO.

PADRE NOSSO DO IMPOSTO,
UM ALMOÇO NO INFERNO…,
O SONHO DE UM PORTUGUÊS,
E O BATACLÃ MODERNO,
O FISCAL E A LAGARTA
É essa obra tão farta
Que deixou LEANDRO eterno.

HISTÓRIAS de : MADALENA
Que você ouvindo chora,
DE JOÃO DA CRUZ e DA
ÍNDIA NECI onde aflora
Do amor o sentimento;
DE UM RICO AVARENTO,
DA DONZELA TEODORA.

Imaginou mil PELEJAS
Daquelas de noite inteira
Como a de JOSÉ PATRÍClO
COM INÁCIO DA CATINGUEIRA;
ZÉ DUDA E CEGO SABINO
E DE ANTÔNIO SILVINO
COM MANOEL CABECEIRA.

Por diversas vezes “fez”
A DEFESA DA AGUARDENTE
Falou n’A URUCUBACA
Que persegue muita gente,
Deu rédeas soltas à lira
N’OS SOFRIMENTOS DE ALZIRA
Uma história comovente.

Foi genial n’AS PROEZAS
DE UM NAMORADO MOFINO,
Por 25 folhetos
Falou de ANTÔNIO SILVINO;
Se quer pesquisar cangaço
Faça do jeito que faço
Leia os cordéis do “menino”.

Falei da vida e da obra
Que o bardo viveu e fez
Mas para mostrá-la inteira
Gastaria mais de mês;
Como falei do começo
É meu dever, reconheço,
Falar do fim pra vocês.

53 anos foram
Os que o poeta viveu
E a mesma poesia
Que tanto prazer lhe deu
Também foi a “responsável”
Por um fato lamentável
Que cedo o surpreendeu.

Vejam meus caros amigos
O desfecho dessa história:
Um dia um senhor de engenho
De malfadada memória
Na falha dum operário,
Além do expurgo sumário
O surrou de palmatória.

Achando pouco o castigo
Ainda teve a “bondade”
De dar má informação
Dele na comunidade,
O homem não vacilou
E com um punhal vingou
Tamanha perversidade.

Leandro, em favor do homem
Duplamente injustiçado
Fez um folheto de época
Defendendo o desgraçado,
Num rasgo bastante honesto
O seu cordel de protesto
Começa com este brado.

“ Nós temos cinco governos
O primeiro o federal
O segundo o do estado,
Terceiro o municipal
(aí conclui a história)
O quarto é a palmatória
E o quinto o velho punhal…”

Isso bastou para o Chefe
De Polícia, um maganão,
Mandar prender o poeta
E jogá-lo na prisão;
Leandro então ficaria
No porão duma enxovia
Igual a qualquer ladrão.

Esse castigo terrível
Ao nosso poeta imposto
Feriu seu peito tão fundo
Que o ferimento exposto
Suas forças consumiu
E ele submergiu
Nas ondas desse desgosto.


Literatura de Cordel quarta, 04 de novembro de 2020

O GOL CONTRA DO CRACK (FOLHETO DE PAULINHO NÓ CEGO)

 

O GOL CONTRA DO CRACK

Paulinho Nó Cego

 

Wilson Marques

 

 
Curtir,compartilhar o que é bom nos ajuda a entender como a dinâmica da vida vale a pena.Ao receber o que é bom devemos dividir.Hoje ao visitar um blog muito bom me deparei com esse texto,vale a pena ser compartilhado com você que visita esses Olhos do Aprender.Leia-o e aprenda um pouco mais sobre esse tema que tanto inquieta a sociedade atual.
 
O GOL CONTRA DO CRACK
Paulinho Nó Cego
 
Amigos eu conto agora
Uma história sem igual 
É o gol contra do crack
Hoje, um tema nacional
A droga vem destruindo
E só a gente se unindo
Prevenindo contra o mal

Por isso peço a palavra
Pois o assunto é sério
Vamos prevenir os jovens
Nas famílias, nos colégios
E falar porque é fato
Evite ter o contato
Crack leva ao cemitério

Afirmo e isso é verdade
Nas cidades é uma loucura
Já vendem crack nas feiras
Parece até rapadura
Mas quando é inalado
O jovem fica viciado
O que era doce, amargura

E na luta que almejo
Versejo com inspiração
O ensejo se desenvolve
Ao jovem mais atenção
O crack é uma ferida
Que corrói, destrói a vida
Essa droga é do cão

Os pesquisadores afirmam
Que o crack é diferente
Em oito segundos vicia
É pior que aguardente
Os sintomas: baixo astral
Sem senso do que é moral
Torna um ser deprimente

Quem tem alguém viciado
Na família, algum parente
Sabe o que estou falando
E a dor que a gente sente
Tudo poderia ser evitado
Se não tivesse aceitado
“Pega, é bom, faz tua mente”

Se te oferecerem a pedra
Pondera! A droga é à toa
Dá mal estar, calafrio
Se desconhece a pessoa
Causa tanto prejuízo
Destrói o cérebro, o juízo
A coisa não é mesmo boa

Diga não para o convite
Não entre nessa cilada
Quem fuma crack, acredite
Permite-se a vacilada
Seja então inteligente
Quem fuma fica doente
O crack não está com nada

Tenha uma vida decente
Estude, se profissionalize
Tenha um objetivo na vida
Não cometa esse deslize
Não caia no precipício
Amigo, saia do vício
E viva dias felizes

Pois o viciado em crack
Não pára de consumir
Se tiver dinheiro gasta
Se não tem vai conseguir
Assalta, rouba a família
Entra em gang, quadrilha
O fim do túnel é isso aí

Por isso estou avisando
E quem avisa amigo é
Não entre nessa do crack
Não dê uma de Mané
Dê preferência ao estudo
O crack destrói com tudo
Seja forte e tenha fé

Não vá mais à cracolândia
Largue a turma do sinal
Jogue fora seu cachimbo
Esqueça esse pessoal
Durma, pense e se alimente
A vida pertence à gente
O crack só faz o mal

Falo porque o crack 
É a droga da destruição
Acaba a vida em meses
O drogado perde a razão
Passa noites perambulando
E a família lutando
Sem encontrar solução

Já pensou numa campanha
Onde todos participassem
Esclarecendo cada jovem
Do país de toda classe
O crack não é só do pobre
O rico viciado encobre
Está estampado na face

Existem organizações
Onde o trabalho é reforçado
Estão em todo o país
Recuperando os drogados
Mas ainda é muito pouco
O crack está no topo
Por onde tem se espalhado

Vamos dizer aos jovens
O crack só causa o mal
Quem fuma crack não é craque
É um grande perna de pau
Tenha força se lhe afronta
O crack fez um gol contra
De status nacional

Gol contra a dignidade
A fraqueza do cidadão
Saia do vício seu Zé
Tenha fé, ó meu irmão
Com o crack não tem forte
O crack só leva à morte
Sem sorte de salvação

É triste ver nas cidades 
A coisa é assustadora
O dependente de crack
Tem morte avassaladora
Tranca o pulmão do cara
Fica magro que nem vara
Quem disse foi a doutora

Também disse que o crack
Causa trauma e sofrimento
Quantos jovens se matando
Sem ter o discernimento
Pegam a onda errada
Na vida não vivem nada
Morrem a todo momento

Os sintomas que ele causa
Já me contou um drogado
Boca seca, muita sede
Doidinho por outro trago
Sugestionado ao extremo
Vê quem ele não está vendo
E o coração acelerado

Se todos dissessem não
A essa droga maldita
Evitaríamos mais mortes
Diminuiríamos as listas
Nas capitais nas cidades
Jovens de várias idades
Sairiam das estatísticas

Famílias são destruídas
Seus filhos vão morrendo
Nós somos a sociedade
Enxergamos mas não vemos
Será que o jovem drogado
Não pode ser ajudado
Ou não é isso que queremos?

Tem tratamento ao drogado
Muita gente nessa lida
Instituições e Igrejas
A sociedade envolvida
Até o governo federal
Já liberou seu aval
Vamos salvar essas vidas

Juntas: políticas de saúde
A sociedade organizada
Campanhas contra as drogas
Polícia e Forças Armadas
As Igrejas, os Institutos
Se evitaria mais lutos
Mais vidas recuperadas

É morte e vem prematura
O jovem não curte nada
Eu era feliz com Ritinha
Vítima dessa cilada
Seis meses usando crack
Morreu de súbito ataque
Não aguentou a parada

Quem é gordo fica magro
O Crack faz bagaceira
Eu namorava uma moça
Jeitosa toda faceira
Mas se viciou em pedra
Ficou magrinha, amarela
Só pele numa caveira

Começou a roubar objetos
Pequenos furtos  fazia
Queria sempre comprar
Fumar crack noite e dia
Quando não estava internada
Vagava nas madrugadas
A polícia já a conhecia

Não demorou seis meses
Perdi minha namorada
Ritinha ficou tão feia
A boca toda queimada
Não ouviu velhos conselhos
Procurou viver no meio
Teve a vida exterminada

Eu perdi minha Ritinha
Pra droga da maldição
Ela se chama “CRACK”
Seu nome: contradição
Craque pra mim é Romário
Ronaldinho Gaúcho, Nazário
Messi, Neimar, Zico e Tostão

Toda a sociedade
Tem que ter esclarecimento
O dependente químico
Precisa de tratamento
Pra tudo tem solução
Vamos ajudar o irmão
A sair desse tormento

Jesus mesmo que disse
No mundo tereis aflição
Amai-vos uns aos outros
Nós todos somos irmãos
Ajude quem mais precisa
É isso que nos realiza
E faz bem ao coração

No mundo tem desespero
Todo mal já se tem visto
É guerra, é o narcotráfico
É trágico ver tudo isto
O mundo está doente
Porque toda essa gente
Não tem procurado CRISTO.

 

 


Literatura de Cordel quarta, 28 de outubro de 2020

O DESERTOR DA POESIA (CORDEL DE PAULINHO NÓ CEGO)

 

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O DESERTOR DA POESIA

Paulinho Nó Cego

 

 

 

Para Gerô, uma homenagem em rima.

 

Ninguém cala o poema

O fruto da inspiração

O sentimento do povo

Nem o pulsar do coração

O poema é o engate

É a válvula de escape

Voz que soa é direção.

 

Direção contra injustiças

É defensor do explorado

É o desejo da maioria     

É sangria do indignado

É ferramenta perfeita

É a voz insatisfeita

É martelo agalopado.

 

O poema o acompanha

Se move é emocionante

O atrai pra terra firme

O leva a lugar distante

O poema não se cala

Com taca nem com bala

O poema vai avante!

 

O poema quando surge

Desce na veia da gente

Passa pelo coração

Depois é que vai pra mente

Onde ele é construído

Com tema já definido

É só seguir a corrente

 

O poema reivindica

Dá a dica, denuncia.

Pois o poder da palavra

Encrava vira poesia

Retrata história de amor

De esperança e de dor

De tristeza e de alegria.

 

O poeta e o poema

 Andam com os pés no chão

No mesmo campo-minado

Dos desmandos do patrão

O seu grande objetivo

É pensar no coletivo

Ser solidário a um irmão.

 

O poema lhe sustenta

Serve como alimento

É usado como arma

Para ele é instrumento

Às vezes a sua caneta

Transforma-se em baioneta

Se lhe ferem o sentimento

 

Tem rima, quadra, sextilha;

Na de sete, agalopado;

Tem na de dez, na de doze.

Tem rima de pé quebrado

A rima só vale à pena

Quando resolve problema

Ou denuncia um safado!

 

Quando escrito em vermelho

O poema é censurado

Quando é escrito em verde

É livre, é elogiado.

O azul é a cor mansa

A rima nela descansa

Mas sempre leva o recado.

 

Um recado para àqueles

Que quando estão no poder

Esquecem dos compromissos

Do povo não quer saber

O poema tem sua meta

Ninguém cala um poeta

Quem nunca viu venha ver

 

A força do seu poema

Tem norte, tem precisão.

Se o “cabra” está em pé

É derrubado no chão

Pode até se levantar

E o poeta estará lá

Com a rima em construção

 

O poeta e o poema

Encenam do mesmo lado

 Quando é pra falar de amor

Ou dor de um assassinado

A inspiração exala

O poeta não se cala

Não pode ficar calado.

 

 

Só covardia e injustiça

Da polícia temos tido

O Gerô, morto espancado.

Nonato Pudim, sumido!

Às vezes penso, não nego.

Será se agora é Nó Cego

O próximo, o escolhido?

 

Porque tanta violência

Para com nossos artistas

Vamos dar um basta nisso

Contra atitudes racistas

A coisa tá costumeira

Só resta Nobre e Teixeira

Ou tem alguém mais na lista?

 

O poema é a voz do povo

 É porta voz da razão

O poema não se aquieta

É   vivo   tem   coração

O poema é formado

Tem p.h.d, doutorado.

É especialista em refrão.

 

 O poema pra ele é tudo

É sua válvula de escape

Não tendo  porte de arma

A rima é o seu tacape

Depois do esqueleto feito

Não tem juiz de direito

Que dele corra ou escape

 

O poema é onde o povo

Nele pode se expressar

Lugar de cobrar direito

Poder de reivindicar

Contra toda exploração

Imposta pelo patrão

É o   jornal   popular

 

Nunca parar  de lutar

Confrontar a  covardia

Jamais deixar de sonhar

Amanhã será outro dia!

Ao poeta um dilema:

Ou continuar em cena

Ou desertar da poesia.

 


Literatura de Cordel quarta, 21 de outubro de 2020

O CORDEL E SEU SIGNIFICADO (FOLHETO DE MARCONI PEREIRA DE ARAÚJO)

 

Lampião e o Cangaço serão lembrados em evento – Infonet – O que é notícia  em Sergipe

(Imagem ilustrativa) 

 
O CANGAÇO E SEU SIGNIFICADO
Marconi Pereira de Araújo (*)
 
(1)
Contarei uma passagem
Nas linhas que agora traço
Lá do século dezenove
Veja agora o passo a passo
Não é mera brincadeira
É história verdadeira
Daquilo que é cangaço
 
(2)
Este nome vem de canga
Peça de madeira usada
Pra prender o velho boi
Naquela época passada
Em carro assim, de transporte
Para o sul ou para o norte
De carga leve ou pesada
 
(3)
Falo de carro de boi
Que sempre foi importante
Ô bicho bom, resistente
Tão forte e até elegante
De tão grande utilidade
Ele exerceu na verdade
Um papel preponderante
 
(4)
Mas cangaço meu leitor
Quem avisa amigo é
É algo bem mais profundo
Que lembra bandido até
Crime e ação violenta
Fuga rápida e também lenta
Sequestro de coroné
 
(5)
Tudo nasceu no nordeste
Na região sertaneja
Grupo armado visava
Fazer valer a peleja
De impor sua própria vontade
O Império sem lei, na verdade
Do jeito que fosse seja
 
(6)
Os cangaceiros assim chamados
Recebiam fiel proteção
De coronéis a representar
Grupos políticos da região
Sua ação foi facilitada
Pela reação fracassada
E o isolamento do sertão
 
(7)
A gana assassina dos bandos
Nem se pode imaginar
Teve aceitação veemente
Tanto apoio popular
Por fato dito tão nobre
Roubo de rico pra pobre
Fez cangaço mais reinar
 
(8)
É o que acontece agora
Nos tempos tão atuais
Onde favelas e morros
Têm gangs e maiorais
Que protegem os moradores
Mas que cometem horrores
Fuzilando e tudo mais
 
(9)
O maior representante
Do grande império sem lei
Era o Senhor do Sertão
Que do Cangaço era Rei
Chupando manga era o cão
Se chamava Lampião
Se tu não sabes eu sei!
 
(10)
Cabra da peste e bruto
Ele era assim retratado
Para outros porém todavia
Era digno, um herói arretado
Por luta glória ou inglória
Sua intrigante história
É fato tão estudado
 
 (11)
Virgulino Ferreira da Silva:
O nome de Lampião
Homem pernambucano
O cangaceiro de então
Invadia fazendas, cidades
E cometia atrocidades
Era o terror do sertão
 
(12)
Levava dinheiro e jóias
E tudo enfim de valor
Depois dividia o roubo
E agia com rigor
Um espetáculo à parte
Bem mais que obra de arte
Do banditismo era ator
 
(13)
No bando de Lampião
Não havia preconceito
Tinha também mulher
Atuando de seu jeito
Maria Bonita em ação
Assaltou até coração
Pra elevar seu conceito
 
(14)
Casou-se com Lampião
Dá pra prever o babado
Uma filha desse amor
Provocando batizado
Vinda de dois cangaceiros
Casal vinte de guerreiros
Foi para o bando um achado
 
(15)
Dezoito anos do cangaço
De Lampião foi bastante
Pra mostrar a sua força
E o quanto foi atuante
Ele roubou, enriqueceu
E por emboscada morreu
Em data assim bem marcante
 
(16)
Mil novecentos e trinta e oito
Final de julho se fez
Cessar enfim o cangaço
Vinte e oito do mês
Entendi agora o compasso
E tão bem o passo a passo
Basta contar até três
 
(17)
Ficou fácil então entender
O cangaço realmente
Com o linguajar do povo
De modo assim envolvente
Concluo e o faço agora
Pois sei que é chegada a hora
De ir e seguir em frente
 
(18)
Quem prestou atenção percebeu
Cangaço: marco importante
História de nossa gente
Papel tão relevante
Para a região do nordeste
Lampião o cabra da peste
Foi símbolo mais que marcante
 
 
 
(*) O poeta é servidor da Justiça Federal há 21 anos, exercendo atualmente as funções de Diretor de Secretaria da 10ª Vara Federal em Campina Grande/PB. Há alguns anos vem desenvolvendo trabalhos em formato de cordel, tendo sido premiado em 2003 pela Justiça Federal na Paraíba, quando do 1º Concurso de Literatura de Cordel promovido por aquela Instituição, ocasião em que apresentou sua obra sob o título “Justiça Federal fazendo História”. 

Literatura de Cordel domingo, 18 de outubro de 2020

DINHEIRO NA CUECA - NA BOCA DO FOGAREIRO (CORDEL DE MIGUEZIM DE PRINCESA)

DINHEIRO NA CUECA - Jornal da Economia

 

NA BOCA DO FOGAREIRO – Miguezim de Princesa

Antes era no colchão
Que se guardava dinheiro,
Depois usaram a cueca
Como novo mealheiro
E agora escondem a grana
Na boca do fogareiro.

Quando bateram na porta,
O senador se tremeu,
Olhou pra achar um buraco,
Não achou e resolveu
Pôr três maços de 200
Na porta do camafeu.

Arrumou os três pacotes
Dentro do samba-canção,
Em seguida abriu a porta
Pro Delegado Sansão
E disse: “Aqui é limpeza,
Não temos corrupção!”.

Começou por toda a casa
A busca e apreensão:
Acharam um cofre escondido,
Lá por detrás do fogão,
Todo socado, entupido,
Com mais de meio milhão.

Lá pras tantas, o senador
Disse que ia urinar,
O agente Zeferino
Resolveu o acompanhar
E achou um pouco estranho
Aquele jeito de andar.

Me responda, senador:
Você tá entiriçado?
O passo está bem miúdo,
Parece um pinto piado,
Ou o senhor se assou
Ou está todo cagado.

Foi então que o delegado
Resolveu o quiproquó:
– Senador, tire essa roupa,
Para um exame melhor!
Aí acharam os três maços
Na boca do fiofó.

Em Brasília, Bolsonaro
Ficou muito revoltado,
Retirou da liderança
O senador enrolado
E disse: “Além de ladrão,
Esse tá afolosado!”.

A Direção do BC
Ficou muito indignada:
– Uma nota tão novinha,
Bonita, recém-lançada,
Agora volta pra cá
Amarela e desbotada.

Fizeram o exame da goma
No nobre parlamentar:
Ele sentou numa bacia
E começou a bufar,
Mas não restou nenhuma prega
Pro perito apreciar.

A coisa ficou ruim
Pra quem gosta de contar
Dinheiro passando a mão,
Indicador e polegar,
Na língua velha estirada
Com cheiro de vá lavar.

Inda ontem no Senado,
O líder da oposição
Se mostrava impressionado
Com a força do Chicão:
Ou a nota era pequena
Ou ele tem o Centrão!

 


Literatura de Cordel quarta, 14 de outubro de 2020

O BOCHINCHO (FOLHETO DE JAIME CAETANO BRAUN)

 

 

O BOCHINCHO
Jaime Caetano Braun
 


 
A um bochincho - certa feita,
Fui chegando - de curioso,
Que o vicio - é que nem sarnoso,
nunca para - nem se ajeita.
Baile de gente direita
Vi, de pronto, que não era,
Na noite de primavera
Gaguejava a voz dum tango
E eu sou louco por fandango
Que nem pinto por quirera.

Atei meu zaino - longito,
Num galho de guamirim,
Desde guri fui assim,
Não brinco nem facilito.
Em bruxas não acredito
'Pero - que las, las hay',
Sou da costa do Uruguai,
Meu velho pago querido
E por andar desprevenido
Há tanto guri sem pai.

No rancho de santa-fé,
De pau-a-pique barreado,
Num trancão de convidado
Me entreverei no banzé.
Chinaredo à bola-pé,
No ambiente fumacento,
Um candieiro, bem no centro,
Num lusco-fusco de aurora,
Pra quem chegava de fora
Pouco enxergava ali dentro!

Dei de mão numa tiangaça
Que me cruzou no costado
E já sai entreverado
Entre a poeira e a fumaça,
Oigalé china lindaça,
Morena de toda a crina,
Dessas da venta brasina,
Com cheiro de lechiguana
Que quando ergue uma pestana
Até a noite se ilumina.

Misto de diaba e de santa,
Com ares de quem é dona
E um gosto de temporona
Que traz água na garganta.
Eu me grudei na percanta
O mesmo que um carrapato
E o gaiteiro era um mulato
Que até dormindo tocava
E a gaita choramingava
Como namoro de gato!

A gaita velha gemia,
Ás vezes quase parava,
De repente se acordava
E num vanerão se perdia
E eu - contra a pele macia
Daquele corpo moreno,
Sentia o mundo pequeno,
Bombeando cheio de enlevo
Dois olhos - flores de trevo
Com respingos de sereno!

Mas o que é bom se termina
- Cumpriu-se o velho ditado,
Eu que dançava, embalado,
Nos braços doces da china
Escutei - de relancina,
Uma espécie de relincho,
Era o dono do bochincho,
Meio oitavado num canto,
Que me olhava - com espanto,
Mais sério do que um capincho!

E foi ele que se veio,
Pois era dele a pinguancha,
Bufando e abrindo cancha
Como dono de rodeio.
Quis me partir pelo meio
Num talonaço de adaga
Que - se me pega - me estraga,
Chegou levantar um cisco,
Mas não é a toa - chomisco!
Que sou de São Luiz Gonzaga!

Meio na volta do braço
Consegui tirar o talho
E quase que me atrapalho
Porque havia pouco espaço,
Mas senti o calor do aço
E o calor do aço arde,
Me levantei - sem alarde,
Por causa do desaforo
E soltei meu marca touro
Num medonho buenas-tarde!

Tenho visto coisa feia,
Tenho visto judiaria,
Mas ainda hoje me arrepia
Lembrar aquela peleia,
Talvez quem ouça - não creia,
Mas vi brotar no pescoço,
Do índio do berro grosso
Como uma cinta vermelha
E desde o beiço até a orelha
Ficou relampeando o osso!

O índio era um índio touro,
Mas até touro se ajoelha,
Cortado do beiço a orelha
Amontoou-se como um couro
E aquilo foi um estouro,
Daqueles que dava medo,
Espantou-se o chinaredo
E amigos - foi uma zoada,
Parecia até uma eguada
Disparando num varzedo!

Não há quem pinte o retrato
Dum bochincho - quando estoura,
Tinidos de adaga - espora
E gritos de desacato.
Berros de quarenta e quatro
De cada canto da sala
E a velha gaita baguala
Num vanerão pacholento,
Fazendo acompanhamento
Do turumbamba de bala!

É china que se escabela,
Redemoinhando na porta
E chiru da guampa torta
Que vem direito à janela,
Gritando - de toda guela,
Num berreiro alucinante,
Índio que não se garante,
Vendo sangue - se apavora
E se manda - campo fora,
Levando tudo por diante!

Sou crente na divindade,
Morro quando Deus quiser,
Mas amigos - se eu disser,
Até periga a verdade,
Naquela barbaridade,
De chínaredo fugindo,
De grito e bala zunindo,
O gaiteiro - alheio a tudo,
Tocava um xote clinudo,
Já quase meio dormindo!

E a coisa ia indo assim,
Balanceei a situação,
- Já quase sem munição,
Todos atirando em mim.
Qual ia ser o meu fim,
Me dei conta - de repente,
Não vou ficar pra semente,
Mas gosto de andar no mundo,
Me esperavam na do fundo,
Saí na Porta da frente...

E dali ganhei o mato,
Abaixo de tiroteio
E inda escutava o floreio
Da cordeona do mulato
E, pra encurtar o relato,
Me bandeei pra o outro lado,
Cruzei o Uruguai, a nado,
Que o meu zaino era um capincho
E a história desse bochincho
Faz parte do meu passado!

E a china? - essa pergunta me é feita
A cada vez que declamo
É uma coisa que reclamo
Porque não acho direita
Considero uma desfeita
Que compreender não consigo,
Eu, no medonho perigo
Duma situação brasina
Todos perguntam da china
E ninguém se importa comigo!

E a china - eu nunca mais vi
No meu gauderiar andejo,
Somente em sonhos a vejo
Em bárbaro frenesi.
Talvez ande - por aí,
No rodeio das alçadas,
Ou - talvez - nas madrugadas,
Seja uma estrela chirua
Dessas - que se banha nua
No espelho das aguadas!

Literatura de Cordel quarta, 07 de outubro de 2020

COBRA CRIADA (CORDEL DA MADRE SUPERIORA DALINHA CATUNDA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

Cantinho da Dalinha do Cordel: MINHA PESSOA MINHA PEÇONHA

 

COBRA CRIADA
.
Dou um boi pra não entrar,
Boiada pra não sair.
Escorrego, mas não caio
Mas levanto se cair.
Com gente desaforada,
Eu vou na mesma toada
Se prepare para ouvir.
.
Você me chamou de cobra
E chamou sem precisão.
Não meta mão em urtiga,
Nem folha de cansanção.
Porque quando fico irada
E com a língua afiada
Eu não dou moleza não.
.
Veneno deixei na folha,
Porém posso ir lá buscar.
Basta escutar os latidos,
Querendo me provocar.
Não me assusto com cadela
Não vou pular a janela
Com pau parto pra encarar.
.
Medo de égua coiceira
Não tenho, nunca vou ter.
Relinche bem à vontade,
Não pense que vou correr.
Pode ciscar no meu chão,
Pintar, bordar feito cão,
De medo não vou morrer.
.
Você assanhou inchuí,
Botou pé em formigueiro.
Andou cutucando onça,
E vou lhe dizer ligeiro:
Foi com a vara pequena...
Será que valeu a pena?
Ô imprudente toupeira!
.
E não pense que eu engulo
Teu pretenso desaforo,
Para mim tu estás no brejo
És uma vaca sem touro.
Vá ruminar noutro canto
Porque não me causa espanto
Os teus chifres nem teu couro
.
Se eu sou uma jararaca
Tu também és peçonhenta.
Se tu tens fogo no rabo,
Tenho cabelo na venta.
Então não perca o juízo
Cascavel, ouço teu guizo,
Toma tino! Te orienta!
.
Me chamas de jararaca,
Às vezes sou doce mel.
Isso, quando não esbarro,
Em loca de cascavel,
Em mulas desembestadas,
Correndo pelas estradas
Viçando atrás de corcel.
.
Te chamar de cascavel
É ofender a serpente.
Pois aqui no meu conceito,
Tu não és cria de gente
És jumenta batizada,
Aprendeu ser descarada
Do cão não és diferente.
.
Agora peço licença,
Porém não me leve a mal.
Não quero galinha velha
Ciscando no meu quintal
Cacareje noutro canto
Porque aqui eu lhe espanto
Não quero nem teu sinal.
.
Mais vale é um mau acordo,
Do que uma boa briga.
Mas tu és desatinada
E gosta de uma intriga.
E quando quer ser cruel
Desempenha bom papel,
E a ser igual me obriga.
.
Posso não ser jararaca,
Porém sou cobra criada.
O meu bote é certeiro,
E fuja da minha estrada.
Vá engrossar as canelas
Cuidar das suas panelas,
Ô Saracura abestada.
.
Se achou que me ofendendo
Faria belo papel?
Aproveitei sua deixa
Pra fazer mais um cordel!
E gostei da ladainha
Pois sou abelha Dalinha
Usando ferrão e mel
.
Aqui fico sem delongas,
Ô rastejante serpente,
Oferto-te estes versos,
Produto de minha mente
Não fujo nunca da raia
Eu rodo mesmo é a saia,
Quem puder, que me aguente!
.
Quem quiser brigar comigo,
Não vou desaconselhar.
Contudo vou avisando,
Barato não vou deixar.
Não sou de procurar rinha,
Porém quem vier a minha
Sem penas há de ficar.
.
Cordel e capa de Dalinha Catunda
Publicado em 2010.

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