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O CASAMENTO DO BODE COM A RAPOSA – Firmino Teixeira do Amaral
Eu ouço os velhos dizerem
Que os bichos da antiguidade
Falavam como falamos
E tinham civilidade
Naquele tempo até bichos
Casavam por amizade
Naquele tempo mestre burro
Lia escrevia e contava
O cavalo era escrivão
O cachorro advogava
O carneiro era copeiro
E o jaboti desenhava
Leão era o rei dos bichos
Onça era professora
Elefante era juiz
A raposa agricultora
Camelo era correio
A aranha tecedora
Gavião criava pinto
Guaxinim plantava cana
O macaco em sua tenda
Vendia queijo e banana
Aos outros a prestação
Pra receber por semana
Urso era presidente
A traça era costureira
Girafa fazia renda
Cutia era engomadeira
Peru era viajante
Cobra vendia na feira
O lobo era capitão
Urubu era marchante
O jacaré era bacharel
Canguru comerciante
O peba era coletor
Camaleão despachante
Coruja era feiticeira
O papagaio pregador
Periquito era fiscal
O sapo era caiador
A preguiça era parteira
Mestre bode era doutor
O gato era tenente
Pavão era sapateiro
Mucura vendia ovos
Tiú era cozinheiro
Tamanduá era padre
O preá era barbeiro
A cigarra era cantora
O mocó era dentista
Socó era pescador
A garça era modista
Morcego guarda noturno
A lagarta desenhista
Afinal todos os bichos
Daquele tempo passado
Era como os homens hoje
Viviam tudo empregado
Não se via bandalheira
Nem se vivia enganado
O bode sendo doutor
De alta capacidade
Enamorou-se da raposa
Consagrou grande amizade
Prometendo-lhe mais tarde
Fazer-lhe a felicidade
A raposa muito alegre
Chegou em casa e contou
Pra sua mãe que sabendo
De muito gosto aceitou
A raposa tão contente
Nesse dia não jantou
Disseram doutor bode
É um jovem bem decente
Pertence a alta escala
É filho de boa gente
Porém queremos saber
Se o pai dele consente
Quando o bode velho soube
Também não propôs questão
Deu consentimento ao filho
De ter da raposa a mão
A velha cabra então disse
Não acho boa união
Meu filho sendo doutor
De alta capacidade
Querer casar com uma moça
De tão baixa qualidade
Respondeu o velho sorrindo
Isto é só formalidade
A raposa também vem
Duma raça boa e pura
É uma jovem elegante
Vive da agricultura
Respondeu a cabra zangada
Mas não me agrada a figura
Eu não sei que diabo tem
Que a tal não posso me unir
Me arrepia os cabelos
Só em ver ela sorrir
Porém como todos querem
É o jeito eu consentir
Doutor bode quando soube
Que sua mãe consentia
Deu três pulos no terreiro
Tomou rapé de alegria
Correu pra casa da noiva
Pra contar o que havia
A raposa muito contente
Foi dizendo agora vai
Aproveite a ocasião
Me peça logo ao meu pai
Se não levar a decisão
Tu hoje daqui não sai
O bode fez uma carta
Muito bem feita e mandou
Pela resposta na sala
Silencioso esperou
O velho recebeu a carta
Veio em pessoa e falou
Foi dizendo doutor bode
Para que tanta vergonha
Eu me acho ao seu dispor
E precisando disponha
Dona raposa de lado
Se conservava risonha
O bode como doutor
Falou em cima da bucha
É muito certo o ditado
Filho de pobre não luxa
O pobre de vez se atrapalha
E o rico desembucha
Dona raposa lhe peço
Como seu maior amigo
A sua filha estimada
Para se casar comigo
Doutor bode só ela dizer
Se quer se casar consigo
Sendo que ela queira
O seu pedido aqui feito
Cá de meu lado garanto
De muito gosto aceito
Chamaram então a raposa
Contaram tudo direito
Ajustaram o casamento
Marcaram o mês e o dia
Mandaram logo avisar
O padre da freguesia
O velho tamanduá
Com toda família ia
Fizeram logo convites
Por cartas especiais
Desde o soldado raso
Aos mais altos generais
Afinal todos os bichos
Da classe dos animais
O leão como era o rei
Mandou dizer que não ia
Porém estava ao dispor
Se quisesse a garantia
Mandava a força armada
De linha ou cavalaria
O bode lhe agradeceu
Dizendo não precisar
Pois não tinha inimigo
Que quisesse lhe atacar
Porém se fosse preciso
Telefonava pra mandar
Afinal chegou o dia
Do casamento feliz
Primeiramente iriam
A presença do juiz
Depois foram se casar
Na igreja da matriz
As testemunhas do bode
Foram cachorro e elefante
Da raposa a professora
Onça pintada galante
E a filha do capitão lobo
Uma jovem muito elegante
Sapo tocava guitarra
O macaco bandolino
Periquito na rabeca
Canguru no violino
Caititu no contra baixo
E o peru no cavaquinho
Guaxinim tocava flauta
O papagaio violão
O socó na clarineta
Morcego no rabecão
Mestre coelho no tambor
E o mocó no bombardão
Veado lavava prato
Carneiro botava mesa
A garça junto ao pavão
Iam fazendo a limpeza
O porco de sentinela
Para servir de defesa
Estavam todos na mesa
Começou uma discussão
Dizia o lobo que era
Superior ao leão
Saltou o cachorro dizendo
Amigo agora isto não
Diga-me por qual motivo
És melhor que o leão
Ele sendo o nosso rei
Tem o direito na mão
Temos de reconhecê-lo
Como chefe da nação
Porém o lobo zangou-se
Queria porque queria
Ver terminar em desgosto
A festa daquele dia
O cachorro deitou-lhe o braço
Errou pegou na cotia
O dom raposo na luta
A favor do capitão
O cachorro pegou de jeito
E lhe deu um bofetão
E uma grande dentada
Deixando morto no chão
Nisso chegou doutor bode
Vendo seu sogro morrer
A professora também
Foi a causa defender
Mas o boi tomou a frente
Fez a onça esmorecer
Capitão lobo nesse dia
Arrenegou-se do diabo
O corneteiro entrou na luta
Poucos minutos deu cabo
Camelo quebrou espinhaço
A anta perdeu o rabo
Saltou o burro dizendo
Com o leão ninguém bole
Pode vir duzentos lobos
Dum bocado não me engole
Deu um pontapé no urso
Que ainda hoje anda mole
Peru correu para um lado
Quase morre de tremer
Veado a zoada vendo
Tratou logo de correr
O jacaré caiu na água
Não quis a vida perder
Tenente gato na luta
Com os dentes agarrou o preá
Macaco pulou num pau
E gritou guardem de lá
Façam o angu de vocês
Que eu fico olhando de cá
A raposa a muito tempo
Já tinha se escapulido
Vendo o cachorro na luta
Não quis saber de marido
Caçote deixou a barba
Cobra deixou o vestido
O peba apanhou de pau
Traça ficou em farrapo
Urubu quebrou a perna
Jaboti desceu em trapo
A mucura quase morre
Pisaram em cima do sapo
Morcego por ser sabido
Agarrou-se no cavalo
O grilo ia fugindo
O gavião pode pegá-lo
A barata se desviando
Passou no bico do galo
Dum murro o coelho quebrou
O pescoço do socó
Deixou a preguiça sem junta
Ficou sem rabo o mocó
A girafa disse vôte
Quem quiser que brigue só
Onça fez uma carranca
Deu um bofete no bode
Ele espirrando dizia
Com a onça ninguém pode
Dum bofete que me deu
Quase me arranca o bigode
Porco sacou de um facão
E gritou guarda debaixo
Com meia hora de luta
Sangue corria em riacho
Pavão apanhou de pau
Mas não sujou o penacho
Camaleão foi saindo
Guaxinim meteu a faca
O cachorro pegou o padre
E foi com ele a estaca
Disse a garça vocês briguem
Mas não me sujem a casaca
O papagaio nem sabia
Que rumo tinha tomado
Cigarra saiu voando
Caboré estava trepado
A rã detrás duma porta
O tiu todo arranhado
O elefante e o boi
Lutavam na força bruta
O cachorro com o lobo
E a onça na disputa
A anta mais o mocó
Perderam o rabo na luta
Com duas horas de luta
O campo estava deserto
Não tinha quem visse mais
Um deles ali por perto
Desde esse dia que os bichos
Se intrigaram por certo
Vamos saber dos noivos
Que tinham se escapulido
A raposa muito nervosa
Por já ter tudo perdido
Se não fosse o casamento
Seu pai não tinha morrido
Camisa de sete varas
Só veste ela quem pode
Diabo leve o casamento
Chorando dizia o bode
Por causa do tal casório
Ia perdendo o bigode
O bode fez uma jura
Por tudo quanto é sagrado
Se pudesse se divorciar
Não seria mais casado
Na minha mente o camelo
Saiu mais prejudicado
Ao cabo de muito tempo
A raposa apareceu
Magra nojenta e pelada
Nem o bode conheceu
Chorando amargamente
Pelo seu pai que perdeu
Dizia perdi meu pai
Disse o bode se não corro
A onça me deu um tapa
Um murro que quase morro
Culpados de tudo isso
Foi o lobo e o cachorro
A raposa chamou o bode
Para se divorciar
E fez juramento a Deus
De nunca mais se casar
Ficou de mal com o cachorro
Pra nunca mais se falar.
Leandro Gomes de Barros
Na cidade de Macaé
Antigamente existia
Um duque velho invejoso
Que nada o satisfazia
Desejava possuir
Todo objeto que via
Esse duque era compadre
De um pobre muito atrasado
Que morava em sua terra
Num rancho todo estragado
Sustentava seus filhinhos
Na vida de alugado.
Se vendo o compadre pobre
Naquela vida privada
Foi trabalhar nos engenhos
Longe da sua morada
Na volta trouxe um cavalo
Que não servia pra nada
Disse o pobre à mulher:
_ Como havemos de passar?
O cavalo é magro e velho
Não pode mais trabalhar
Vamos inventar um “quengo”
Pra ver se o querem comprar.
Foi na venda e de lá trouxe
Três moedas de cruzado
Sem dizer nada a ninguém
Para não ser censurado
No fiofó do cavalo
Foi o dinheiro guardado
Do fiofó do cavalo
Ele fez um mealheiro
Saiu dizendo: _ Sou rico!
Inda mais que um fazendeiro,
Porque possuo o cavalo
Que só defeca dinheiro.
Quando o duque velho soube
Que ele tinha esse cavalo
Disse pra velha duquesa:
_Amanhã vou visitá-lo
Se o animal for assim
Faço o jeito de comprá-lo!
Saiu o duque vexado
Fazendo que não sabia,
Saiu percorrendo as terras
Como quem não conhecia
Foi visitar a choupana,
Onde o pobre residia.
Chegou salvando o compadre
Muito desinteressado:
_Compadre, Como lhe vai?
Onde tanto tem andado?
Há dias que lhe vejo
Parece está melhorado…
_É muito certo compadre
Ainda não melhorei
Porque andava por fora
Faz três dias que cheguei
Mas breve farei fortuna
Com um cavalo que comprei.
_Se for assim, meu compadre
Você está muito bem!
É bom guardar o segredo,
Não conte nada a ninguém.
Me conte qual a vantagem
Que este seu cavalo tem?
Disse o pobre: _Ele está magro
Só o osso e o couro,
Porém tratando-se dele
Meu cavalo é um tesouro
Basta dizer que defeca
Níquel, prata, cobre e ouro!
Aí chamou o compadre
E saiu muito vexado,
Para o lugar onde tinha
O cavalo defecado
O duque ainda encontrou
Três moedas de cruzado.
Então exclamou o velho:
_Só pude achar essas três!
Disse o pobre: _Ontem à tarde
Ele botou dezesseis!
Ele já tem defecado,
Dez mil réis mais de uma vez.
_Enquanto ele está magro
Me serve de mealheiro.
Eu tenho tratado dele
Com bagaço do terreiro,
Porém depois dele gordo
Não quem vença o dinheiro…
Disse o velho: _meu compadre
Você não pode tratá-lo,
Se for trabalhar com ele
É com certeza matá-lo
O melhor que você faz
É vender-me este cavalo!
_Meu compadre, este cavalo
Eu posso negociar,
Só se for por uma soma
Que dê para eu passar
Com toda minha família,
E não precise trabalhar.
O velho disse ao compadre:
_Assim não é que se faz
Nossa amizade é antiga
Desde os tempo de seus pais
Dou-lhe seis contos de réis
Acha pouco, inda quer mais?
_Compadre, o cavalo é seu!
Eu nada mais lhe direi,
Ele, por este dinheiro
Que agora me sujeitei
Para mim não foi vendido,
Faça de conta que te dei!
O velho pela ambição
Que era descomunal,
Deu-lhe seis contos de réis
Todo em moeda legal
Depois pegou no cabresto
E foi puxando o animal.
Quando ele chegou em casa
Foi gritando no terreiro:
_Eu sou o homem mais rico
Que habita o mundo inteiro!
Porque possuo um cavalo
Que só defeca dinheiro!
Pegou o dito cavalo
Botou na estrebaria,
Milho, farelo e alface
Era o que ele comia
O velho duque ia lá,
Dez, doze vezes por dia…
Aí o velho zangou-se
Começou loga a falar:
_Como é que meu compadre
Se atreve a me enganar?
Eu quero ver amanhã
O que ele vai me contar.
Porém o compadre pobre,
(Bicho do quengo lixado)
Fez depressa outro plano
Inda mais bem arranjado
Esperando o velho duque
Quando viesse zangado…
O pobre foi na farmácia
Comprou uma borrachinha
Depois mandou encher ela
Com sangue de uma galinha
E sempre olhando a estrada
Pré ver se o velho vinha.
Disse o pobre à mulher:
_Faça o trabalho direito
Pegue esta borrachinha
Amarre em cima do peito
Para o velho não saber,
Como o trabalho foi feito!
Quando o velho aparecer
Na volta daquela estrada,
Você começa a falar
Eu grito: _Oh mulher danada!
Quando ele estiver bem perto,
Eu lhe dou uma facada.
Porém eu dou-lhe a facada
Em cima da borrachinha
E você fica lavada
Com o sangue da galinha
Eu grito: _Arre danada!
Nunca mais comes farinha!
Quando ele ver você morta
Parte para me prender,
Então eu digo para ele:
_Eu dou jeito ela viver,
O remédio tenho aqui,
Faço para o senhor ver!
_Eu vou buscar a rabeca
Começo logo a tocar
Você então se remaxa
Como quem vai melhorar
Com pouco diz: _Estou boa
Já posso me levantar.
Quando findou-se a conversa
Na mesma ocasião
O velho ia chegando
Aí travou-se a questão
O pobre passou-lhe a faca,
Botou a mulher no chão.
O velho gritou a ele
Quando viu a mulher morta:
_Esteja preso, bandido!
E tomou conta da porta
Disse o pobre: _Vou curá-la!
Pra que o senhor se importa?
_O senhor é um bandido
Infame de cara dura
Todo mundo apreciava
Esta infeliz criatura
Depois dela assassinada,
O senhor diz que tem cura?
Compadre, não admito
O senhor dizer mais nada,
Não é crime se matar
Sendo a mulher malcriada
E mesmo com dez minutos,
Eu dou a mulher curada!
Correu foi ver a rabeca
Começou logo a tocar
De repente o velho viu
A mulher se endireitar
E depois disse: _Estou boa,
Já posso me levantar…
O velho ficou suspenso
De ver a mulher curada,
Porém como estava vendo
Ela muito ensanguentada
Correu ela, mas não viu,
Nem o sinal da facada.
O pobre entusiasmado
Disse-lhe: _Já conheceu
Quando esta rabeca estava
Na mão de quem me vendeu,
Tinha feito muitas curas
De gente que já morreu!
No lugar onde eu estiver
Não deixo ninguém morrer,
Como eu adquiri ela
Muita gente quer saber
Mas ela me está tão cara
Que não me convém dizer.
O velho que tinha vindo
Somente propor questão,
Por que o cavalo velho
Nunca botou um tostão
Quando viu a tal rabeca
Quase morre de ambição.
_Compadre, você desculpe
De eu ter tratado assim
Porque agora estou certo
Eu mesmo fui o ruim
Porém a sua rabeca
Só serve bem para mim.
_Mas como eu sou um homem
De muito grande poder
O senhor é um homem pobre
Ninguém quer o conhecer
Perca o amor da rabeca…
Responda se quer vender?
_Porque a minha mulher
Também é muito estouvada
Se eu comprar esta rabeca
Dela não suporto nada
Se quiser teimar comigo,
Eu dou-lhe uma facada.
_Ela se vê quase morta
Já conhece o castigo,
Mas eu com esta rabeca
Salvo ela do perigo
Ela daí por diante,
Não quer mais teimar comigo!
Disse-lhe o compadre pobre:
_O senhor faz muito bem,
Quer me comprar a rabeca
Não venderei a ninguém
Custa seis contos de réis,
Por menos nem um vintém.
O velho muito contente
Tornou então repetir:
_A rabeca já é minha
Eu preciso a possuir
Ela para mim foi dada,
Você não soube pedir.
Pagou a rabeca e disse:
_Vou já mostrar a mulher!
A velha zangou-se e disse:
_Vá mostrar a quem quiser!
Eu não quero ser culpada
Do prejuízo que houver.
_O senhor é mesmo um velho
Avarento e interesseiro,
Que já fez do seu cavalo
Que defecava dinheiro?
_Meu velho, dê-se a respeito,
Não seja tão embusteiro.
O velho que confiava
Na rabeca que comprou
Disse a ela: _Cale a boca!
O mundo agora virou
Dou-lhe quatro punhaladas,
Já você sabe quem sou.
Ele findou as palavras
A velha ficou teimando,
Disse ele: _Velha dos diabos
Você ainda está falando?
Deu-lhe quatro punhaladas
Ela caiu arquejando…
O velho muito ligeiro
Foi buscar a rabequinha,
Ele tocava e dizia:
_Acorde, minha velhinha!
Porém a pobre da velha,
Nunca mais comeu farinha.
O duque estava pensando
Que sua mulher tornava
Ela acabou de morrer
Porém ele duvidava
Depois então conheceu
Que a rabeca não prestava.
Quando ele ficou certo
Que a velha tinha morrido
Boto os joelhos no chão
E deu tão grande gemido
Que o povo daquela casa
Ficou todo comovido.
Ele dizia chorando:
_Esse crime hei de vingá-lo
Seis contos desta rabeca
Com outros seis do cavalo
Eu lá não mando ninguém,
Porque pretendo matá-lo.
Mandou chamar dois capangas:
_Me façam um surrão bem feito
Façam isto com cuidado
Quero ele um pouco estreito
Com uma argola bem forte,
Pra levar este sujeito!
Quando acabar de fazer
Mande este bandido entrar,
Para dentro do surrão
E acabem de costurar
O levem para o rochedo,
Para sacudi-lo no mar.
Os homens eram dispostos
Findaram no mesmo dia,
O pobre entrou no surrão
Pois era o jeito que havia
Botaram o surrão nas costas
E saíram numa folia.
Adiante disse um capanga:
_Está muito alto o rojão,
Eu estou muito cansado,
Botemos isto no chão!
Vamos tomar uma pinga,
Deixe ficar o surrão.
_Está muito bem, companheiro
Vamos tomar a bicada!
(Assim falou o capanga
Dizendo pro camarada)
Seguiram ambos pra venda
Ficando além da estrada…
Quando os capangas seguiram
Ele cá ficou dizendo:
_Não caso porque não quero,
Me acho aqui padecendo…
A moça é milionária
O resto eu bem compreendo!
Foi passando um boiadeiro
Quando ele dizia assim,
O boiadeiro pediu-lhe:
_Arranje isto pra mim
Não importa que a moça
Seja boa ou ruim!
O boiadeiro lhe disse:
_Eu dou-lhe de mão beijada,
Todos os meus possuídos
Vão aqui nessa boiada…
Fica o senhor como dono,
Pode seguir a jornada!
Ele condenado à morte
Não fez questão, aceitou,
Descoseu o tal surrão
O boiadeiro entrou
O pobre morto de medo
Num minuto costurou.
O pobre quando se viu
Livre daquela enrascada,
Montou-se num bom cavalo
E tomou conta da boiada,
Saiu por ali dizendo:
_A mim não falta mais nada.
Os capangas nada viram
Porque fizeram ligeiro,
Pegaram o dito surrão
Com o pobre do boiadeiro
Voaram de serra abaixo
Não ficou um osso inteiro.
Fazia dois ou três meses
Que o pobre negociava
A boiada que lhe deram
Cada vez mais aumentava
Foi ele um dia passar,
Onde o compadre morava…
Quando o compadre viu ele
De susto empalideceu;
_Compadre, por onde andava
Que agora me apareceu?!
Segundo o que me parece,
Está mais rico do que eu…
_Aqueles seus dois capangas
Voaram-me num lugar
Eu caí de serra abaixo
Até na beira do mar
Aí vi tanto dinheiro,
Quanto pudesse apanhar!..
_Quando me faltar dinheiro
Eu prontamente vou ver.
O que eu trouxe não é pouco,
Vai dando pra eu viver
Junto com a minha família,
Passar bem até morrer.
_Compadre, a sua riqueza
Diga que fui eu quem dei!
Pra você recompensar-me
Tudo quanto lhe arranjei,
É preciso que me bote
No lugar que lhe botei!..
Disse-lhe o pobre: _Pois não,
Estou pronto pra lhe mostrar!
Eu junto com os capangas
Nós mesmo vamos levar
E o surrão de serra abaixo
Sou eu quem quero empurrar!..
O velho no mesmo dia
Mandou fazer um surrão.
Depressa meteu-se nele,
Cego pela ambição
E disse: _Compadre eu estou
À tua disposição.
O pobre foi procurar
Dois cabras de confiança
Se fingindo satisfeito
Fazendo a coisa bem mansa
Só assim ele podia,
Tomar a sua vingança.
Saíram com este velho
Na carreira, sem parar
Subiram de serra acima
Até o último lugar
Daí voaram o surrão
Deixaram o velho embolar…
O velho ia pensando
De encontrar muito dinheiro,
Porém secedeu com ele
Do jeito do boiadeiro,
Que quando chegou embaixo
Não tinha um só osso inteiro.
Este livrinho nos mostra
Que a ambição nada convém
Todo homem ambicioso
Nunca pode viver bem,
Arriscando o que possui
Em cima do que já tem.
Cada um faça por si,
Eu também farei por mim!
É este um dos motivos
Que o mundo está ruim,
Porque estamos cercados
Dos homens que pensam assim.
Respeitada a ortografia da época
O CASAMENTO DE UM CALANGRO – Germano da Lagôa
Foi um calangro na casa
De seu tio papavento.
Tomou-lhe a benção e disse.
Antes de tomar assento:
Venho lhe pedir a mão
De sua filha em casamento.
Papavento respondeu-lhe :
Tua linhagem descobre
Que inda és meu parente.
Descendes de sangue nobre.
Mas não te dou minha filha
Porque tú és muito pobre.
Bem conheço que sou pobre,
Não é preciso que diga,
Mais não se fala em pobresa
Quando um forte amor se liga,
Vai mais que o senhor me a dê
Do que haver uma intriga.
Papavento respondeu-lhe :
Em vista do teu assumpto
Eu como pae de familia
Uma coiisa te pergunto:
Se fóra do dia de hoje,
Com ella já andaste junto ?
Calangro lhe respondeu :
Meu tio deixe de asneira,
Que fóra do dia de hoje
Temos feito é muita cêra
E temos andado juntos
Uma semana inteira.
Papavento disse: Isto
Que me diz é uma affronta,
Você é um atrevido
E minha filha uma tonta ;
-Póde ir botar os banhos
Que a dispensa eu dou prompta.
Calangro sahiu aos saltos
De tanto contentamento,
Não parava mais em casa
Não trabalhava um momento,
Passava dias e noites
Em casa do papavento.
Papavento, quengo velho,
Mestre na velhacaria,
Disse a mulher: – Que vem ver
Calangro aqui todo dia.
Tome cautella com elle,
Viva com a noiva de espia.
No outro dia Calangro
Foi de novo ver a prima,
Achou-a longe de casa
Trepada em um pé de lima
Calangro fallou em baixo
Ella respondeu-lhe em cima.
Disse ella então ao Calangro;
Não sabes, meu namorado ?
Que esta noite, eu vi papai
Paliando bem agastado,
Calangro disse me conte
O que por lá foi passado.
Papai disse a minha mãe
Que queria lhe pedir
Para que você deixasse
De tantas vezes lá ir,
E se elle isto fizer
Só tem de ver eu fugir.
Calangro olhou para a prima
Achou-a muito amarella,
Foi ao papavento e disse:
Fique com sua donzella
Que eu não sirvo p’ra remendo,
Caçe outro e case ella.
Papavento disse: – Isso
Não é cousa que se faça
Se seu pai não der um geito
Você não gosta da graça;
Ou casa com minha filha
Ou se acaba a nossa raça.
Foi a noiva se queixar
Ao pai de seu namorado
Disse ao velho: – Meu tio
Tenha dó de meu estado
Pois eu não sou cão sem dono;
Calangro está enganado.
Se o senhor não der um geito
Eu me queixo ao delegado,
Meu pai tem dinheiro e gasta
E é feio o resultado;
Seu filho está bem moço
Poderá ser recrutado.
O pai de calangro disse :
Não tenho geito a lhe dar ;
E a noiva, d’ali mesmo
Saiu para se queixar
Ao capitão cururú
Delegado do lugar.
Cururú ouviu a queixa
E saltou fóra do poço,
Dizendo enthusiasmado,
Vamos ter barulho grosso ;
A Excellentissima volte
Que eu mando prender o moço.
Tocou logo uma bozina
Que ficou tudo assombrado,
N’uma hora o alagadiço
Estava cheio de soldado,
Tudo gritando a um tempo
Às ordens ! seu delegado !
— Vão em casa do juiz
Para passar o mandado
Ao official de justiça
Quero o Calangro intimado
E se elle resistir
Venha morto ou amarrado.
O cabo disse ao sargento ;
– Bote os soldados na frente,
Eu não vou que sou casado,
Calangro é homem valente.
Se elle pegar nas armas
Mata hoje muita gente.
Ahí disse o official,
Vão indo de vagarinho,
Primeiro, cerca-se a casa,
Empiqueta-se o caminho,
Vocês segurem o cerco
Que eu pego o homem sosinho.
O official era o gato
Que conduzia o mandado,
Calangro quando ouviu
Dizer que estava cercado
Disse de dentro p’ra fóra:
—Não deixo vivo um soldado.
O gato ahi respondeu-lhe:
—Quem vai dar leva seu sacco ;
Saia fóra, vamos ver
Quem de nós dois é mais fraco.
Nessas palavras calangro
Veio a bocca do buraco.
O gato pulou de cá
E pegou-o pelo rabo,
E foi dizendo se renda
Se não eu já o acabo.
Calangro grita estou preso;
Vá acabar com o diabo.
Nesta lucta que tiveram
Deixaram o calangro nú
E assim mesmo o levaram
À vista do cururú
Que o interrogou dizendo :
—0 que é que fizeste tú?
Disse o calangro o que fiz,
É cousa que não offende,
Eu quiz casar com a prima
E … o senhor bem me entende
Julgo até que não tem crime
Quem com tempo se arrepende.
Cururú disse:—0 senhor
Cahiu num feio artigo ;
E para punir a honra
Sou rigoroso comsigo ;
Ou se casa, ou senta praça,
Ou a forca é seu castigo !
Eu não queria casar
Porque me vejo em atrazo
E não quero assentar praça
Para ser soldado raso ;
Em vista do que me diz
Se hei de morrer, antes caso.
Disse o cururú: – Vão ver,
P’ra casa do papavento
0 padre tamanduá,
E dêm á festa andamento.
Por que de hoje a trez dias
Se fará o casamento.
Convidem dona Raposa
P’ra da noiva ser madrinha,
Ella veja se arranja
Por lá alguma gallinha
Para ajudar na festa,
Que a outra despeza é minha.
Foram ver o tejú-assú
P’ra do noivo ser padrinho ;
Esse, disse ao portador
Quando vinha no caminho :
Se houver óvos, eu vou.
Por que não bebo vinho.
E outra cousa, também,
P’ra eu não ir enganado:
Sabe se o major cachorro
P’ra festa foi convidado ?
Se foi, eu volto d’aqui.
Que elle é meu intrigado …
Finalmente se juntaram
A raposa, o tejú-assú,
O papavento e a mulher,
A seriema, o urubú,
Padre, noivos, convidados.
Só faltou o cururú.
Urubú foi cosinheiro ;
Fez um comer muito ruim,
Adquiriu para o padre
Uns pedaços de copim,
E elle comia dizendo
É pouco, só dá pra mim.
Quando estava posta a mesa
Um guarda, a porta espiava ;
E foi então avisar
Que o cachorro chegava
Tejú-assú levantou-se
E disse que não ficava.
Disse a raposa: – Eu não saio
Deixando o meu prato cheio,
Tejú-assú disse: – Eu corro
Que o barulho aqui é feio.
Nisto o cachorro pegou-o
E cortou-lhe o rabo ao meio!
Sahiu o tejú-assú
Damnado pela floresta
Levando pedras e páos
Tudo de eito na testa ;
Encontrou cameleão
Que inda vinha p’ra festa.
Cameleão quando ouviu
De seu parente a zuada,
Assombrado perguntou-lhe :
– O que há meu camarada?
Temos barulho na festa,
Ou me vem com caçuada ?
Caçuada, o que seu mano,
Foi um barulho do diabo;
Major cachorro chegou
Peor do que um leão brabo,
Botou-se primeiro a mim
Olhe o que me fez no rabo !
Numa luta sanguinaria
Se empenharam os convidados
Os que escaparam com vida
Fugiram ensanguentados;
Desde esse dia ficaram
Os animaes intrigados.
A MORTE DE ÍCARO
Maércio Lopes Siqueira
Dédalo e Ícaro: da mitologia grega para a literatura popular nordestina
A mitologia grega
é rica de ensinamento
para toda nossa vida
pois nos dá conhecimento
da natureza humana,
mostrando como se engana
nosso pobre pensamento.
Uma lenda dessas diz
que Dédalo trabalhava
para Minos, um rei grego
e a ele agradava
com as suas invenções,
pois suas fabricações
o rei muito apreciava.
Mas a glória durou pouco
sumiu a sua alegria.
Dédalo desagradou
ao rei o por isso ia
para sempre ser levado
e ficar aprisionado
numa torre muito fria.
Nesse lugar de prisão
numa ilha situado
Dédalo ficou cativo
do seu filho acompanhado.
Tanto o pai como o menino
cumpriam o seu destino
pela vida já traçado.
Porém Dédalo pensava
num modo de escapar.
Queria fugir dali
pra ninguém mais o pegar.
Levaria o seu filho
vencendo todo empecilho
para assim se libertar.
Depois de muito pensar,
encontrou uma saída
e disse para si mesmo
numa voz bem comovida:
“Vigiam terra e mar,
é por tanto pelo ar
que salvarei nossa vida.”
Porque Minos, o rei grego,
mandava que a vigilância
fosse dura e rigorosa
sempre em toda circunstância
pela terra e pelo mar
sem deixar de revistar
tudo com toda constância
Por isso Dédalo pai
por ser bom visionário
enxergou a solução
no seu grande imaginário,
pensando em fabricar
boas asas e voar
de modo extraordinário.
O inteligente homem
ansioso por fazer
dois pares de asas boas,
começou a percorrer
o espaço que podia
e as penas que ele via
tratava de recolher.
Depois de ter recolhido
boas e diversas penas,
ele amarra com uns fios,
usando os dedos apenas
juntando bem as maiores
para depois as menores
com cera colar centenas.
Enquanto o pai trabalhava
com a mente e com os dedos
o filho se divertia
as penas sendo brinquedos
quando o vento as levava,
ele corria e pegava
eram esses seus folguedos.
Dédalo faz que as asas
tenham boa curvatura,
cuidando para que elas
se encaixem na estrutura,
quer fazer de modo tal
que chegando ao final
a obra tique segura.
Quando aprontou as asas
quis fazer um experimento
segurou nelas com jeito
e fazendo movimento
seu corpo ficou suspenso,
sentiu um prazer imenso
por causa de seu invento.
As asas funcionaram
de modo sensacional
Assim eles fugiriam
numa forma sem igual.
Pai e filho como aves
quebrando todas as traves
da nossa lei natural.
Pois o homem não é ave,
o seu lugar é o chão,
homem ter um par de asas
é um caso de aberração,
ou fruto da inteligência
de trabalho e paciência
de grandiosa invenção.
Pondo no filho as asas,
Dédalo muito feliz
ajeitando seu pequeno,
com forte voz ele diz:
Ícaro, filho querido
vou deixá-lo esclarecido
pois tu és um aprendiz.
Não vá voar muito baixo
aproximado do mar,
os vapores dessas águas
podem te atrapalhar.
Também não subas demais,
a cena não é capaz
do calor agüentar.
É preciso o equilíbrio
e voar numa altura
que não comporte perigo
e que seja mais segura.
Por isso fica ao meu lado
pois eu tenho mais cuidado
e melhor desenvoltura.
Dito isso, os dois partiram
cruzando o imenso céu,
da prisão dura saindo
deixando a ilha cruel.
Voavam com liberdade,
sentindo a felicidade
mais doce que o doce mel.
Os camponeses na roça
viram os dois seres voantes,
pensaram que eram deuses
voando por une instantes.
Ficaram admirados
todos eles encantados
com os dois seres distantes.
Ícaro, entusiasmado,
com o vôo se embelezou
quis atingir mais altura
e por isso ele deixou
do seu pai a companhia.
O sol alto o seduzia
alcançá-lo ele buscou.
O forte calor do sol
foi, porém seu inimigo,
as asas se desfaziam
era fatal o perigo
pois s cera derreteu-se
toda pena desprendeu-se
esse foi o seu castigo.
O menina agita os braços
procurando flutuar
como se ainda tivesse
as asas para voar.
Gritando aflito pro pai
porém sem jeito ele cai
nas profundezas do mar.
E Dédalo não conseguiu
do seu filho o salvamento.
Viu quando ele caía
mas o distanciamento
não permitiu sua ação
que trouxesse a salvação
para o filho no momento.
Viu o filho despencar-se
em busca do mar profundo,
tristeza maior que essa
não existe nesse mundo!
O sue Ícaro morreu
quando nas águas bateu
numa fração de segundo.
O pai muito amargurado
Das águas tira o menor,
Levou-o pra muito longe
Para dar-lhe a melhor
E bonita sepultura,
Que acolhesse com ternura
O seu tesouro maior.
Então Dédalo enterrou
o filho muito querido.
De ter feito aquelas asas
já estava arrependido
Alcançou a liberdade
mas lhe ficou a saudade
do menino assim perdido.
Em memória do seu filho
toda aquela região
ele chamou de Icária
pra sua recordação.
Chegou em paz na Sicília
deixando pra sempre a ilha
lugar da triste prisão.
Essa lenda tão fantástica
nos mostra com eficiência
a importância do invento,
do saber e da ciência,
mas nos dá uma lição
pra termos moderação
no uso da inteligência.
Ela também nos ensina
o amor pela virtude,
a busca do equilíbrio
seja em nós uma atitude.
O sucesso e a grandeza,
o prazer e a riqueza,
tudo isso nos ilude.
Dédalo foi muito sábio,
pois conhecia o segredo
das coisas da natureza,
no entanto tinha medo
e por isso advertiu
mas o filho não ouviu
morrendo, por isso, cedo.
Portanto toda ciência
quando é mal direcionada
passando dos seus limites
de uma forma exagerada
deixa de ser benfazeja
por importante que seja
torna amaldiçoada.
Uma vez, eu era pobre,
Vivia sempre atrasado,
Botei um negócio bom
Porém vendi-o fiado
Um dia até emprestei
O livro do apurado.
Dei a balança de esmola
E fiz lenha do balcão
Desmanchei as prateleiras
Fiz delas um marquezão
Porém roubaram-me a cama
Fique dormindo no chão.
Estava pensando na vida
Como havia de passar,
Não tinha mais um vintém
Nem jeito pra trabalhar
O marinheiro da venda
Não queria mais fiar.
Pus a mão sobre a cabeça
Fiquei pensando na vida
Quando do lado do Céu
Chegou uma alma perdida,
Perguntou: - Era o senhor,
Que aí vendia bebida?
Eu disse que era eu mesmo
E a venda estava quebrada,
Mas se queria um pouquinho
Ainda tinha guardada
Obra de uns dois garrafões
De aguardente imaculada.
Me disse a alma: - Eu aceito
E lhe agradeço eternamente
Porque moro Céu, mas lá
Inda não entra aguardente
São Pedro inda plantou cana
Porém perdeu a semente.
Bebeu obra de 3 contos,
Ficou muito satisfeita
Disse: - Aguardente correta,
Imaculada direita,
Isso é que eu chamo bebida
Essa aqui, ninguém enjeita!
Perguntei-lhe: - Alma, quem és?
Disse ela: - Tua amiga,
Vim te dizer que te mude
Aqui não dá nem intriga
Quer ir para o Céu comigo?
Lá é que se bota barriga!
Eu lá subi com a alma
Num automóvel de vento
Então a alma me mostrava
Todo aquele movimento,
As maravilhas mais lindas
Que existem no firmamento.
Passamos no Purgatório,
Tinha um pedreiro caiando,
Mas adiante era o Inferno
Tinha um diabo cantando
E a alma de um ateu
Presa num tronco, apanhando.
Afinal, cheguei no Céu
A alma bateu na porta,
Como pouco chegou São Pedro
Que estava pela horta,
Perguntou-lhe: - Esta pessoa
Ainda é viva, ou é morta?
Então a alma respondeu:
- É viva, estava no mundo
Não tinha de que viver
Está feito um vagabundo,
Lá quem não for bem sabido
Passa fome, vive imundo!
São Pedro aí perguntou:
- O mundo lá, como vai?
Eu aí disse: - Meu Santo,
Lá filho rouba do pai,
Está se vendo que o mundo
Por cima do povo cai...
Eu ainda levava um pouco
Da gostosa imaculada,
Dei a ele e ele disse:
- Aguardente raciada!
E aí me disse: - Entre,
Aqui não lhe falta nada!
Arrastou uma cadeira
E mandou eu me sentar
Chamou um criado dele
Disse: - Cuide em se arrumar
Vá lá dentro e diga a ama
Que bote um grande jantar.
Quando acabei de jantar,
O Santo me convidou,
Disse: - Vamos lá na horta
Fui, ele então me mostrou
Coisas que me admiraram
E tudo me embelezou.
Vi na horta de São Pedro
Arvoredos bem criados
Tinha pés de plantações
Que estavam carregados
Pés de libras esterlinas
Que já estavam deitados.
Vi cerca de queijo e prata,
E lagoa de coalhada
Atoleiro de manteiga
Mata de carne guisada
Riacho de vinho do porto,
Só não tinha imaculada!
Prata de quinhentos réis
Eles lá chamam caipora,
Botavam trabalhadores
Para jogar tudo fora,
Esses níqueis de cruzado
Lá nascem de hora em hora.
Então São Pedro me disse:
- Quero fazer-lhe um presente,
Quando você for embora
Vou lhe dar uma semente,
Você mesmo vai escolher
Aquela mais excelente!
Deu-me dez pés de dinheiro,
Alguns querendo botar,
Filhos de queijo do reino
Já querendo safrejar,
Uns caroços de brilhante
Para eu na terra plantar.
Galhos de libra esterlina
Deu-me cento e vinte pés
Deu-me um saco de semente
De cédulas de cem mil réis
Deu-me maniva de prata
De diamante, umas dez.
Aí chamou Santa Bárbara,
Esta veio com atenção
São Pedro aí disse a ela:
Eu quero uma arrumação
Este moço quer voltar
Arranje-lhe uma condução.
- Bote cangalha num raio,
E a sela num trovão
Veja se arranja um corisco
Para ele levar na mão,
Porque daqui para Terra
Existe muito ladrão!
Eu desci do Céu alegre
Comigo não foi ninguém
Passei pelo Purgatório
Ouvi um barulho além –
Era a velha minha sogra
Que dizia: - Eu vou também!
Eu lhe disse: - Minha sogra,
Eu não posso a conduzir
Ela me disse: - Eu lhe mostro
Porque razão hei de ir
E se não for apago o raio
Quero ver você seguir!
Nisso o raio se apagou,
Desmantelou-se o trovão,
O corisco que eu trazia
Escapuliu-se da mão
E tudo quanto eu trazia
Caiu desta vez no chão.
Aí a velha voltou
Rogando praga e uivando,
Quando entrou no Purgatório
Foi se mordendo e babando
Dizendo tudo de mim
Lançando fogo e falando.
Bem dizia o meu avô:
- Sogra, nem depois de morta
Fede a carniça de corpo
A língua da alma corta
Não diz assim quem não viu
Uma sogra em sua porta.
Eu vinha com isso tudo
Que o santo tinha me dado
Mas minha sogra apanhou
O diabo descuidado
Fiquei pior do que estava
Perdi o que tinha achado.
E quando cheguei em casa
A mulher quase me come,
Ainda pegou um cacete
E me chamou tanto nome,
Disse que eu casei com ela
Para matá-la de fome...
Se não fosse minha sogra
Eu hoje estava arrumado,
Mas ela no Purgatório
Achou tudo descuidado,
Abriu a porta e danou-se
Veio deixar-me encaiporado.
Nunca mais voltei ao Céu
Para falar com São Pedro,
E ainda mesmo que possa
Não vou porque tenho medo
Posso encontrar minha sogra
E vai de novo outro enredo.
FIM
Os nossos antepassados
Eram muito prevenidos
Diziam: matos têm olhos
E paredes tem ouvidos
Os crimes são descobertos
Por mais que sejam escondidos
Em oitocentos e seis
Na província da Bahia
Distante da capital
três léguas ou menos seria
Sebastião de Oliveira
ali num canto vivia
Ele, a mulher e duas filhas
E um filho já homem feito
O rapaz era empregado
E estudava direito
O velho não era rico
Mas vivia satisfeito
As duas filhas eram moças
Bonitas e encantadoras
Logravam na capital
O nome de sedutoras
Chamavam atenção de todos
As grandes tranças tão louras
Esse velho era ferreiro
E ferreiro habilitado
Vivia ali do ofício
Plantando e criando gado
Por três vezes enjeitou
O cargo de delegado
Havia um vizinho dele
Eliaziário Amorim
Esse tinha um filho único
Da espécie de Caim
Enquanto o espanhol velho
Até não era ruim
O filho deste espanhol
Era uma fera carniceira
Veio provocar namoro
Com as filhas de Oliveira
Uma delas disse a ele:
De nós não há quem o queira
Ele disse: Tu não sabes
Que meu pai possui dinheiro
Em terras e criações
É o maior fazendeiro?
Ela disse: O meu pai é pobre
Planta, cria e é ferreiro
Minha mãe tece de ganho
Nós vivemos de costura
Meu pai vive de sua arte
E de sua agricultura
Meu irmão é empregado
Para que maior ventura?
O sedutor conheceu
Seus planos serem debalde
E só podia vencê-la
Por meio de falsidade
Que é a arma mais própria
Aonde existe a maldade
Saiu dali Valdivino
Fedendo a chifre queimado
E Angelita ficou
Com o coração descansado
Nem disse aos outros de casa
O que tinha passado
Ele pensou em forçá-la
Mas pensou no resultado
Devido o pai de Angelita
Ser muito considerado
O filho pelo governo
Era tão conceituado
Exclamou ele consigo:
oO! Angelita és tão bela
Eu não sossegarei mais
E nem me esquecerei dela
Farei tudo para vencê-la
Porém não caso com ela
Mas Valdivino temia
O pai dela e o irmão
Que o governo da província
Tinha-lhe muito atenção
O rapaz era empregado
E tinha consideração
Valdivino inda pensou
Que matando Floriano
Podia calçar com ouro
Todo governo bahiano
Ainda que entrasse em júri
Não passava nem um ano
Ou poderia matá-lo
Oculto numa emboscada
Porque ninguém vendo o crime
Ele não sofria nada
Defunto não conta história
Estava a questão acabada
Havia ali um engano
Entre Vitória e Bahia
A divisão das províncias
Ali ninguém conhecia
Sebastião de Oliveira
Era o único que sabia
O governo da província
Tendo aquela precisão
Disse um dia a Floriano
Você vá em comissão
Chamar seu pai para vir
Mostrar a demarcação
Valdivino de Amorim
Viu Floriano passar
Escolheu o lugar próprio
Onde pudesse emboscar
Dizendo dentro de si:
Ele não pode escapar
A fera foi emboscá-lo
Onde havia uma capoeira
Carregou um bacamarte
Fez duma árvore trincheira
Distante um quarto de légua
Da fazenda de Oliveira
O rapaz chegou em casa
O velho tinha saído
Foi ver se achava um jumento
Que havia se sumido
Um amigo lhe escreveu
Que lá tinha aparecido
O Floriano chegou
Depois que o velho saiu
Nessa tarde não voltou
Com a família dormiu
Deu o recado à mãe dele
De madrugada seguiu
Calar um cachorro velho
Que Sebastião criou
Quando Floriano saiu
Calar o acompanhou
Floriano quis voltar
Porém Calar não voltou
Passava ali Floriano
A fera então enfrentou-o
Disparou o bacamarte
Sem vida em terra lançou-o
Calar partiu ao sicário
O assassino amarrou-o
As moças lá da fazenda
Ouviram o grande estampido
Angelita se assustou
Dizendo: O que terá sido?
O tiro foi para o lado
Que seu irmão tinha ido
Angelita convidou
A sua irmã Esmeralda
Dizendo: Vamos aqui
A passeio pela estrada
Aquele tiro que deram
Deixou-me sobressaltada
No sertão naquele tempo
Podia uma moça andar
Passava dois ou três meses
Sem nem um homem passar
Por isso foram elas duas
Não tinha o que recear
Iam ali conversando
Sobre a aragem matutina
Disse Esmeralda à irmã:
Olha para o céu, menina
Estás vendo aquelas estrelas
Como têm a luz tão fina?
Chegaram aonde o irmão
Estava morto na estrada
O criminoso no mato
Atirou em Esmeralda
E enfrentou Angelita
Dizendo: Não diga nada
Angelita muito pálida
Sem estar esmorecida
Vendo os dois irmãos já mortos
Por uma mão homicida
Lhe disse: Monstro tirano
Eu morro e não sou vencida
Ele disse: Angelita
Com tudo isso sou teu
Foi dar-lhe um beijo nos lábios
E Angelita mordeu
Ele cravou-lhe o punhal
Ela ali esmoreceu
Pondo a mão na punhalada
Disse: Monstro desgraçado
Aquele velho cachorro
Que está ali amarrado
Descobrirá este crime
E tu serás enforcado
Olhou para o gameleiro
Que tinha junto a estrada
Dizendo: Tu gameleiro
Viste esta cena passada?
És uma das testemunhas
Quando a hora for chegada
Na última agonia
Exclamou: Monstro assassino
Tirastes agora três vidas
E não sacias o destino?
Isso hei de te lembrar
Perante o juiz divino!
Não julgue que fique impune
Este sangue no deserto
Tu não vês três testemunhas
Que estão aqui muito perto
Estás perante ao público
Irão depor muito certo
Disse Valdivino: És louca
Quem viu o que foi passado?
Disse Angelita: Este cão
Que está ali amarrado
A gameleira e as flores
Dirão no dia chegado
Olhou para o cão e disse:
Olha, meu velho Calar
Tu dirá tudo ao juiz
Se ele te perguntar
Essa velha gameleira
Fica para te ajudar
Essa flor que por ela
Há festa aqui todo ano
Há de tirar a justiça
De uma suspeita ou engano
Dirá ao juiz: Venha ver
Quem matou o Floriano!
As três vidas que roubaste
Pagarás com sua vida
Tu hás de te arrepender
Depois da causa perdida
Uma lágrima vertida
Será por teu pai vertida
Contudo monstro, perdôo-te
Porque fui e sou cristã
A morte do meu irmão
A minha e de minha irmã
Tu hoje matas a mim
Outro te mata amanhã
E pondo a mão sobre uma
Das punhaladas que tinha
Disse a Calar: Se fugires
Consola a minha mãezinha
E diga-lhe que abençoe
Os pobres filhos que tinha
Embora que tu não fales
Pois não te foi concedido
Mas um olhar bem lançado
Dá idéia dum sentido
Um uivo e um olhar
Pode ser compreendido
E ali cerrando os olhos
Quase sorrindo expirou
O assassino olhando
Chorando se retirou
Depois pensou: Isto é nada!...
Com toda calma voltou
Já estava frio o cadáver
Porém nas faces mimosas
Via-se perfeitamente
Desenho de duas rosas
Como se fossem pintadas
Por mãos das mais curiosas
Em Esmeralda se via
O sangue ainda saindo
Vestígio de zombaria
Como quem morre sorrindo
Como criança que brinca
Finge que está dormindo
O rapaz banhado em sangue
Bem no meio da estrada
À esquerda de Angelita
À direita de Esmeralda
Com uma mão na ferida
E a outra mão estirada
Valdivino tinha à noite
Escrito numa carteira:
"Eu hoje hei de matar
Floriano de Oliveira
Se não matá-lo me mato
Será a minha derradeira"
Datou-a e assinou o nome
Pegou a arma e saiu
Se encostou num gameleiro
A carteira escapuliu
Havia um oco da árvore
Nele a carteira caiu
A fera não se lembrou
Da testemunha ocular
Perdendo aquela carteira
Alguém a podia achar
Ela na mão da justiça
Quem poderia o soltar?
Porém uma força oculta
Permitiu que ele perdesse
E a mesma força impôs
Que dela se esquecesse
Para dizer a seu tempo:
O assassino foi esse!
Calar, o velho cachorro
Que aquele espetáculo via
Soltando uivos enormes
Que muito longe se ouvia
Rosnava, fitava os olhos
Debalde a corda mordia
Valdivino ali puxando
Um facão muito afiado
Descarregou no cachorro
Um golpe encolerizado
Errou e cortou a corda
Com que estava amarrado
Valdivino ficou triste
Vendo o cachorro correr
Lembrou-se o que Angelita
Disse antes de morrer
Porém disse: Ele não fala
Como poderá dizer?
Calar chegou na fazenda
Uivando desesperado
Dona Maria da Glória
Já tinha levantado
Quando viu o cão uivando
Aí cresceu-lhe o cuidado
E foi procurar os filhos
Onde ouviu os estampidos
Calar foi adiante uivando
Com enormes alaridos
Dona Maria da Glória
Ia aguçando os ouvidos
Como não foi seu espanto
Quando chegou no lugar
Onde achou os filhos mortos
Sem nada ali atinar
Calar sabia de tudo
Mas não podia falar
Voltou Maria da Glória
Num triste e penoso estado
Já Sebastião em casa
A esperava sentado
Não sabia da desgraça
Que a pouco tinha se dado
Perguntou pela família
Ela não pôde contar
Disse apenas: Morreu tudo
E apontou o lugar
Estendeu-se para um lado
Sem mais nada atinar
Sebastião de Oliveira
Foi por onde a mulher veio
Achou a poça de sangue
Os filhos mortos no meio
Olhou para o céu e disse:
Oh! Meu Deus que quadro feio
Foi perguntar à mulher
Como aquilo foi se dado
Ela apenas lhe contou
O que tinha passado
Deixando o ancião
Aflito e impressionado
Montou num burro e saiu
Dali para a capital
Quando chegou na cidade
Foi ao quartel general
Lá falou mais duma hora
E nada disse afinal
Depois de muita insistência
O presidente entendeu
Perguntou por Floriano
Ele lhe disse: Morreu..
Ele e a família toda!...
E contou o que se deu
A justiça foi atrás
Ver o que tinha se dado
Encontrou os três cadáveres
No chão em sangue banhado
Calar inda estava uivando
Junto dos mortos deitado
Foram à casa de Oliveira
Ver se Maria da Glória
Dava um roteiro que ao menos
Se calculasse uma história
Ela contou essa mesma
Que eles guardam na memória
Dona Maria da Glória
Dois dias depois morreu
Sebastião de Oliveira
Com três dias enlouqueceu
Dentro de duas semanas
Tudo desapareceu
A justiça da Bahia
Não cessou de procurar
Espalhou por toda parte
Secretos a indagar
Não havia uma pessoa
Que dissesse: Eu vi matar
Dava dez contos de réis
Na moeda que quisesse
À pessoa que chegasse
E seriamente dissesse
Teria mais um terreno
A pessoa que soubesse
Porém o crime se deu
Quando ali ninguém passava
Calar sabia tudo
Porque no crime ele estava
Se falasse descobria
Desejo não lhe faltava
Impressionava a todos
Habitantes da cidade
Como deu-se aquele crime
Naquela localidade
Floriano de Oliveira
Todo lhe tinha amizade
Atribuiu-se a um roubo
Por algum aventureiro
Mas o rapaz costumava
A não andar com dinheiro
Questão de moça não era
Ele era justiceiro
Os moradores de perto
Eram todos conhecidos
Compadres dele e do pai
E por eles protegidos
Tanto que se dando o crime
Todos ficaram sentidos
Eliziário era um desses
Abortos que tem havido
Desses que o pão que come
Considera estruído
Fazer-lhe o mal é pecado
Fazer-lhe o bem é perdido
Esse era fazendeiro
Porém dali não saía
Nem era bem conhecido
No comércio da Bahia
Só onde vendia lã
Alguém lá o conhecia
E o dono do açougue
Onde ele vendia gado
O banco onde ele tinha
Dinheiro depositado
Tanto que deu-se esse crime
E dele não foi lembrado
Sentiu e chorou bastante
A morte do camarada
E não foi à missa dele
Por não ser de madrugada
Pois só tinha uma camisa
E essa estava rasgada
Também procurou saber
Qual seria o assassino
Não sei se pelo dinheiro
Ou pelo próprio destino
Mas nunca lhe veio na mente
Ser seu filho Valdivino
Onde deu-se o crime havia
Duas estradas em cruz
Diziam que ali se achavam
Umas flores muito azuis
Formando uma lapa igual
À do menino Jesus
Os baianos costumavam
Desde da antigüidade
Fazerem uma grande festa
Naquela localidade
Véspera e dia de ano
Ali era novidade
Na capital da Bahia
Não havia outro festim
Havia missa campal
Orquestra e botequim
Bailes naquelas latadas
Bem cobertas de capim
Em oitocentos e nove
Estava a festa a terminar
Um velho que ali passava
Passou naquele lugar
Atrás desse caçador
Vinha o cachorro Calar
Abrigou-se numa sombra
Vinha muito esbaforido
Foi cheirar o pé da cruz
Que o senhor tinha morrido
Cheirou a das duas moças
E depois soltou um gemido
Estava ali um general
O bispo e o presidente
Com o chefe da polícia
Homem muito experiente
Todos ficaram daquilo
Impressionadamente
O general perguntou
De quem era aquele cão
Respondeu o velho Pedro:
Este cachorro patrão
É do defunto Oliveira
Que Deus dê-lhe a salvação
Este cachorro é o rei
Dos cachorros caçadores
Ainda adora o lugar
Que mataram seus senhores
Se fosse de madrugada
Seus uivos faziam horrores
Disse o chefe de policia:
Inda não se descobriu
A morte de um patrício
Que tanto à pátria serviu
Foi logo nesse deserto
Em horas que ninguém viu
Disse ali o presidente:
Se ainda se descobrir
O autor dessas três mortes
Eu juro por Deus o punir
Serei o carrasco dele
Quando ele à forca subir
Sebastião de Oliveira
Era um pobre acreditado
A família deu exemplo
O filho um rapaz honrado
Era um rapaz distinto
Por todo mundo estimado
Então disse o general:
Isso ainda é descoberto
O crime foi muito oculto
Feito aqui neste deserto
Mas quando chegar o dia
Há de saber-se por certo
Se eu vivo for nesse tempo
Serei o algoz mais forte
Serei um dos que conduz
Para o teatro da morte
Com a minha própria mão
Amolo o ferro que o corte
O cachorro ouvindo aquilo
Ergueu-se muito contente
Foi aos pés do general
Festejou o presidente
Como quem dizia: O crime
É punido corretamente
Disse o bispo: Esse cachorro
É testemunha ocular
Ele viu quem fez as mortes
Só faltava é ele apontar
Se ele visse o criminoso
Podia lhe denunciar
Disse o velho: Esse cachorro
Fez uma coisa esquisita
Tinha uma cobra enroscada
Onde mataram Angelita
Ele despedaçou-a a dentes
Quase que se precipita
Disse o velho: Esse cachorro
Aos pés da cruz se lança
Solta um uivo muito triste
Como quem pede vingança
Como quem pede debalde
Sem ter daquilo esperança
Nisso chegou um cavalheiro
Valdivino de Amorim
Andava fora inda vinha
Ver se alcançava o festim
Vinha num burro possante
Alvo da cor de jasmim
Assim que o cachorro viu
Valdivino se apear
Rosnou e partiu a ele
Querendo lhe estraçalhar
Só não rasgou-lhe a garganta
Devido o velho pegar
Tremia o queixo e babava
Fitando ali Valdivino
Uivava como quem já
Tivesse perdido o tino
Só faltava era dizer
— Eis aí o assassino!
E foi para o pé da cruz
E ali pegou a uivar
Fitando os olhos no céu
Como quem quer suplicar
Como quem dizia: Oh! Deus
Vens que não posso falar!
O bispo disse: Valdivino
Você está descoberto
O senhor foi autor
Das mortes neste deserto
Aquele cachorro deu
Um depoimento certo
O monstro viu o perigo
Fez tudo para negar
O bispo disse: Meu filho
Não há mentira em olhar
Os olhos são verdadeiros
Não podem nada ocultar
Os olhos também se queixam
Um olhar diz o que sente
Ameaça ou traição
Punição severamente
Declara mágoa ou dor
Porém o olhar não mente
O olhar daquele cão
Está demonstrando a dor
O sentimento profundo
Da morte do seu senhor
Ele só falta falar
E apontar o matador
Naquilo duas crianças
Que estavam em brincadeira
Uma delas se trepou
Num galho de gameleira
Tirando um ninho de rato
Achou nele uma carteira
O leitor deve lembrar-se
De um verso que aqui já leu
Veja na véspera do crime
O que Valdivino escreveu
E que no oco da gameleira
A carteira se perdeu
Ali trouxeram a carteira
Entregaram ao general
O bispo disse: Senhor
O que lhe disse afinal
Eu não lhe disse que os olhos
Só diz o que é legal?
Valdivino descobriu tudo
Em sua interrogação
Calar ali demonstrava
Ter grande satisfação
Pulava um metro de altura
E rolava pelo chão
Corria escaramuçando
Como quem estava em folia
Festejou o general
Com demarcada alegria
Como quem dizia: Nesses
Encontrei o que queria
O povo todo da festa
Quis a Valdivino linchar
O bispo e o presidente
Tratou de acomodar
Garantindo que a justiça
Havia de o castigar
Saiu preso Valdivino
Calar o acompanhou
O velho Pedro chamava
Mas ele não escutou
Voltou quando Valdivino
Preso nos ferros deixou
O general ao sair
Ordenou ao cozinheiro
Que desse ao velho Calar
Um bom lombo de carneiro
Porque merecia muito
Aquele bom companheiro
O criado deu o lombo
Calar nem para ele olhou
Saiu o povo da festa
E o lombo lá ficou
O cachorro veio comer
À noite quando voltou
A mulher de Eliziário
Sabendo o que aconteceu
Deu-lhe um ataque tão forte
Que ela no chão se estendeu
Passou a noite sem fala
No outro dia morreu
Juvenal um espanhol
Parente de Eliziário
Chegando lá disse ao velho:
— você é milionário
Compre três ou quatro médicos
Que provem ele está vario
Porque ele estando vário
Não poderá ser julgado
O processo fica inválido
Não pode ser condenado
Aí o senhor procura
O melhor advogado
Eliziário pensou
Aquilo ser acertado
Do contrário Valdivino
Ia ser executado
E tinha toda certeza
Ele morrer enforcado
Dirigiu-se à capital
Procurou advogado
Este arrumou cinco médicos
Sendo o réu examinado
Provaram que há quatro anos
Ele era tresloucado
O bispo e o presidente
Consultaram ao general
Mandaram vir quatro médicos
No reino de Portugal
E fizeram na Bahia
Uma junta especial
Vieram de Portugal
Quatro médicos escolhidos
Que por dinheiro sem conta
Não seria iludidos
Esses homens de caráter
Jamais seriam vendidos
E examinaram o réu
Cada médico de per si
Todos disseram que nunca
Houve tal loucura ali
Nem sequer nervoso havia
Todos juraram aí
Fizeram novo processo
Depois dele examinado
E estando pronto o processo
Valdivino foi julgado
A sentença que pegou
Foi para ser enforcado
Não havia mais recurso
Estava tudo consumado
O réu dali a três dias
Ia ser executado
Não tinha mais o que apelar
Já tinha sido julgado
O velho quase sem jeito
Sem nada mais conseguir
Tentou o último meio
A fim do filho fugir
Mas só dos degraus da forca
Podia se escapulir
Então soube que o carrasco
Era um tal de Zeferino
Um calibre mais ou menos
Igual o de Valdivino
Tinha os três dons da desgraça
Covarde, vil, assassino
Era um mulato laranjo
De aspecto aborrecido
O couro da testa dele
Sempre se via franzido
Os cabelos bem vermelhos
Rosto largo e não comprido
Foi o velho Eliziário
A esse tal Zeferino
Ver se ele podia dar
Evasão a Valdivino
Dizendo: Ele pula da forca
E depois toma destino
Pegue dez contos de réis
Que lhe dou adiantado
E se tiver a fortuna
Dele não ser enforcado
Dar-lhe-ei mais vinte contos
O dinheiro está guardado
Então disse Zeferino
— Isso é difícil arranjar
Porém quando ele subir
Eu finjo me desculpar
Ele que vai prevenido
Trata logo de saltar
Disse Zeferino ao velho:
O senhor deve aprontar
Um cavalo bem ligeiro
Para quando ele saltar
Montar-se logo e correr
Antes do povo chegar
Eu hoje direi a ele
Tudo que está planejado
Que cor será o cavalo
Que há de está selado?
— Diga que é o poldro branco
Em que ele andava montado
Valdivino quando soube
Esta consulta que havia
Ficou como uma criança
Chorava ali de alegria
Jurando no mesmo instante
Que Calar lhe pagaria
Então quando chegou o dia
Estava o povo aglomerado
Valdivino de Amorim
Ia ser executado
Tudo ali estava esperando
Vê-lo morrer enforcado
Presente ao estado maior
Que vinha presenciar
Subiu Valdivino à forca
Zeferino foi laçar
Porém ele se encolhendo
Conseguiu dali saltar
E saiu como uma flecha
Entre o povo se meteu
Se montando no cavalo
Dali desapareceu
Internando-se no mato
Num instante se escondeu
O povo indignou-se
Com a fuga de Valdivino
Um deles que ali estava
Estrangulou Zeferino
Porque este tinha dado
Evasão ao assassino
Porém chegou o cachorro
Quase na ocasião
Soltou dois ou três latidos
Saiu de venta no chão
Sessenta e três praças foram
Também em perseguição
Porém Valdivino ia
Em bom cavalo montando
Tinha grande desvantagem
De não ter saído armado
E Calar no rastro dele
Gania muito vexado
Foi preso Eliziário
Como autor da evasão
O povo não o matou
Porém foi para a prisão
E o bispo que saiu
Pedindo à população
Era meia-noite em ponto
Valdivino ainda corria
O cavalo já cansado
Que nada mais resistia
E o cachorro Calar
De vez enquanto latia
Valdivino conhecendo
Que nada a ele valia
E o cachorro Calar
Seu rastro não deixaria
Pensou em suicidar-se
Só assim descansaria
Dentro do mato apoiou-se
E amarrou o cavalo
Encostou-se numa pedra
Sentiu alguém acordá-lo
Nisto o cavalo espantou-se
Ele não soube pegá-lo
Seguiu por uma vereda
Descalço e todo rompido
Ouvindo de vez enquanto
Calar soltar um ganido
Foi sair bem no lugar
Que o crime tinha havido
Ele viu a gameleira
Que sombreava a estrada
Floriano de Oliveira
Angelita e Esmeralda
Sebastião de Oliveira
E dona Maria prostrada
Viu vir uma carruagem
Nela vinha um magistrado
Que saudou os três vultos
Depois de ter se apeado
Exclamou: Sangue inocente
Breve hás de ser vingado!
Tornou a tomar o carro
Se montando foi embora
Nesse momento Calar
Vem com a língua de fora
Festejou todos os vultos
E voltou na mesma hora
Um dos vultos chamou ele
O cachorro estacou
Valdivino não ouviu
O que o fantasma falou
Só ouviu foi dizer: Volte
E o cachorro voltou
O criminoso pensou
Que ali não escaparia
Lembrou-se duma pessoa
Que morava na Bahia
Pois tinha onde ocultá-lo
Que nem o cachorro via
Era um compadre e amigo
A quem ele protegeu
Que com dinheiro do pai
Esse tal enriqueceu
E ia sempre visitá-lo
Quando a justiça o prendeu
Valdivino calculou:
Eu o que devo fazer
É ir para o quintal
Por ali me esconder
Ou ele ou a mulher dele
Um há de me aparecer
E saiu o assassino
Chegando lá se escondeu
Não houve ali quem o visse
Quando o dia amanheceu
O compadre veio fora
E ele lhe apareceu
Valdivino lhe pediu
Que não o deixasse morrer
Disse o velho Roberto:
Eu tenho onde te esconder
Porém ninguém mais daqui
Disso não pode saber
Quatros dias decorriam
E o assassino escondido
Debaixo dumas madeiras
Estava ele metido
O pai dele na cadeia
Já ia ser concluído
Num dia de quarta-feira
O velho Calar chegou
A força ainda estava armada
Calar ali a olhou
Cravando a vista no céu
Um uivo triste soltou
Veio ali o presidente
Que trouxe um pão e lhe deu
Calar olhou para ele
Cheirou-lhe os pés e gemeu
Botando o pão entre as mãos
Deitou-se e ali comeu
Chegou a força do mato
Não trazendo o criminoso
O general com aquilo
Ficou muito desgostoso
Até o governador
Ficou doente e nervoso
O povo ao redor da forca
Só fazia lamentar
Que o pai do assassino
Deverá se executar
Tudo pedia ao governo
Que o mandasse enforcar
O cachorro levantou-se
Como quem está chamando
Foi à casa de Roberto
Na porta ficou uivando
Olhava para Roberto
Partia a ele rosnando
O general com aquilo
Ficou bastante nervoso
E disse ao governador:
Estou muito receoso
Que ali naquela casa
Está oculto o criminoso
Então a força cercou
Toda casa de Roberto
O cachorro só faltava
Era dizer: Está perto
O general disse a ele:
O senhor está descoberto
Roberto ali descobriu
Onde o assassino estava
Debaixo das madeiras
O monstro se conservava
Foi levado ao pé da forca
Onde o povo lhe esperava
Contou tudo que se deu
Antes de ser enforcado
Os vultos que viu nas cruzes
A quem tinha assassinado
O segredo do cachorro
E o carro do magistrado
Às cinco horas da tarde
A justiça o enforcou
O pai dele estava preso
Assim que o sino dobrou
Ali soltando um suspiro
Na mesma hora expirou
Estando morto o assassino
O deitaram sobre o chão
O cachorro olhou-o bem
Chamando tudo atenção
Soltou dois ou três latidos
Que espantou a multidão
Quando a justiça ordenou
Pra ser o corpo inhumado
Sobre os pés do general
Calar caiu mui cansado
Talvez querendo dizer
General, muito obrigado
O general foi ver água
Ao cachorro ofereceu
Ali o velho Calar
Dois litros d'água bebeu
Trouxeram-lhe uma fritada
Porém ele não comeu
Festejando o general
As pernas dele abraçou
Dirigiu-se ao presidente
A mesma ação obrou
Depois desapareceu
Novo destino tomou
Foi direitinho ao lugar
Que o horrendo crime se deu
No pé da cruz de Angelita
Ele cavou e gemeu
O velho Pedro chamou-o
Mas ele não atendeu
Deitou-se entre as três cruzes
Sua vida liquidou
Nas condições dum guerreiro
Que da batalha voltou
Trazendo os louros de guerra
À sepultura baixou
O general quando soube
Que Calar era sumido
E que fazia três dias
Que não era aparecido
Mandou gente procurá-lo
Ficando muito sentido
Saíram cinco ou seis praças
Em procura de Calar
O general tinha dito
Não voltem sem o achar
Tragam ele direitinho
Não o façam maltratar
Os praças foram ao lugar
Onde o crime tinha havido
Onde a família Oliveira
Tinha toda sucumbido
Bem no pé duma das cruzes
Tinha o velho cão morrido
Tinha posto termo a vida
O maior dos lutadores
O que em sua existência
Viu o horror dos horrores
Que sem falar descobriu
Quem matou os seus senhores
O general quando soube
Da forma que o tinham achado
Mandou fazer uma cova
E nela foi enterrado
Um dos amigos mais firmes
Que no mundo foi criado
E nas mortes dos senhores
Ele afirmou ter ação
Provou que tinha amizade
Ao velho Sebastião
A morte só foi vingada
Por sua perseguição
Só não fez foi dizer nada
Mas provou por sua vez
Apontou só com a vista
O monstro que os crimes fez
Seus olhos diziam ao público
Esse matou todos três
Deitou-se encostado às cruzes
Que tinham edificado
Tinha morrido há três dias
E nem sequer estava inchado
Como quem dizia: Agora
Posso morrer estou vingado
Mais de duzentas pessoas
Assistiram enterrar ele
Devido à grande firmeza
Que tinha se visto nele
Muitas flores naturais
Deitaram na cova dele
Agora vejam leitores
Quem era o velho Calar
E como Sebastião
Um dia pôde o achar
Ele tinha cinco dias
O dono ia o matar
Então o velho Oliveira
Achou ser ingratidão
Matar aquele inocente
Embora fosse ele um cão
Porém disse: A caridade
Não se faz só a cristão
E levou-o para casa
Disse à mulher que criasse
Dizendo: Pode ser bom
Algum dia inda caçasse
Quando nada da fazenda
Talvez os bichos espantasse
De fato, Calar criou-se
E era um cão caçador
Maracajá e raposa
Tinha dele tal pavor
Que passava muito longe
Da fazenda do senhor
Era o vigia da noite
Um minuto não dormia
Numa coisa que guardava
O velho cão não bulia
Só quando os donos lhe davam
Era que ele se servia
A família do Oliveira
Às vezes a conversar
A velha dizia aos filhos:
Esse cachorro Calar
Tem expressões de pessoa
Que conhece seu lugar
Em casa do dono ele
De noite nada chegava
Um bacurau que voasse
Ele se erguia e ladrava
Do poleiro das galinhas
Até coruja espantava
Como era muito bom
O dono sempre caçava
Porém a vizinho algum
A noite acompanhava
E só ia para o mato
Quando o senhor lhe chamava
Depois de terem morrido
Os senhores de Calar
O pobre cão toda noite
Ia para aquele lugar
Olhava para as três cruzes
Levava a noite a uivar
Latia e fitava o céu
Que causava pena e dó
Via sangue no capim
Ele cobria com pó
Não queria ir para casa
Passava a noite ali só
O velho Pedro dos Anjos
Vizinho de Sebastião
Achou que aquele animal
Merecia compaixão
Chamou-o para não vê-lo
Morrer sem ter remissão
O velho Pedro caçava
Toda noite com Calar
Mas ele só ia à caça
Depois que ia ao lugar
Aos pés daquelas três cruzes
Não deixava de uivar
Assim morreu o Calar
Ficou também descansado
Era um cão porém deixou
O nome imortalizado
Morreu depois de livrar
Quem já o tinha livrado
Leitor não levantei falso
Escrevi o que se deu
Acreditem que este fato
Na Bahia aconteceu
Depois de lutar então
Rolou Calar sobre o chão
Onde seu senhor morreu
AS PROEZAS DE UM NAMORADO MOFINO
Leandro Gomes de Barros
Sempre adotei a doutrina
Ditada pelo refrão,
De ver-se a cara do homem
Mas não ver-se o coração,
Entre a palavra e a obra
Há enorme distinção.
Zé-pitada era um rapaz
Que em tempos idos havia
Amava muito uma moça
O pai dela não queria...
O desastre é um diabo
Que persegue a simpatia.
Vivia o rapaz sofrendo
Grande contrariedade
Chorava ao romper da aurora
Gemia ao cair da tarde
A moça era como um pássaro
Privado da liberdade.
Porque João-mole, o pai dela
era um velho perigoso,
Embora que Zé-pitada
Dizia ser revoltoso,
Adiante o leitor verá
Qual era o mais valoroso.
Marocas vivia triste
Pitada vivia em ânsia,
Ele como rapaz moço
No vigor de sua infância,
Falar depende de fôlego
Porém obrar é sustância.
Disse pitada a Marocas,
Eu preciso lhe falar
Já tenho toda certeza,
Que é necessário a raptar,
À noite espere por mim
Que havemos de contratar.
Disse Marocas a Zezinho:
Papai não é brincadeira,
Diz Zé-pitada, ora esta!
Deixe de falar besteira,
Você pode ver-me as tripas,
Porém não verá carreira.
Diga a que hora hei de ir,
Eu dou conta do recado
Inda seu pai sendo fogo,
Por mim será apagado,
Eu juro contra minh’alma
Que seu pai corre assombrado.
Disse Marocas, meu pai
Tem tanta disposição
Que uma vez tomou um preso
Do poder de um batalhão,
Balas choviam nos ares,
O sangue ensopava o chão.
Disse ele, eu uma vez
Fui de encontro a mil guerreiros,
Entrei pela retaguarda,
Matei logo os artilheiros,
Em menos de dez minutos
O sangue encheu os barreiros.
Disse Marocas, pois bem
Eu espero e pode ir,
Porém encare a desgraça,
Se acaso meu pai nos vir,
Meu pai é de ferro e fogo,
É duro de resistir.
Marocas não confiando
Querendo experimentar,
Olhou para Zé-pitada
Fingindo querer chorar,
Disse meu pai acordou,
E nos ouviu conversar.
Valha-me Nossa Senhora!
Respondeu ele gemendo,
Que diabo eu faço agora?!...
E caiu no chão tremendo,
Oh! Minha Nossa Senhora!
A vós eu me recomendo
Nisso um gato derrubou
Uma lata na dispensa,
Ele pensou que era o velho,
Gritou, oh!, que dor imensa!.
Parece qu’stou ouvindo
Jesus lavrar-me a sentença.
A febre já me atacou,
Sinto frio horrivelmente.
Com muita dor de cabeça,
Uma enorme dor de dente,
Esta me dando a erisipela,
Já sinto o corpo dormente.
Antes eu hoje estivesse
Encerrado na cadeia,
De que morrer na desgraça,
E d’uma morte tão feia,
Veja se pode arrastar-me,
Que minha calça está cheia.
Por alma de sua mãe,
Pela sagrada paixão,
Me arraste por uma perna
E me bote no portão,
A moça quis arrastá-lo,
Não teve onde pôr a mão.
Ela tirou-lhe a botina,
Para ver se o arrastava,
Mas era uma fedentina,
Que a moça não suportava,
Aquela matéria fina
Já todo o chão alagava.
Disse a moça: quer um beijo?
Para ver se tem melhora?
Ele com cara de choro,
Respondeu-lhe, não, senhora,
Beijo não me salva a vida,
Eu só desejo ir-me embora.
Então lhe disse Marocas,
Desgraçado!... eu bem sabia,
Que um ente de teu calibre,
Não pode ter serventia.
Creio que fostes nascido
Em fundo de padaria.
Meu pai ainda não veio
Eu hoje estou sozinha,
Zé-pitada aí se ergueu,
E disse, oh minha santinha!
A moça meteu-lhe o pé,
Dizendo: vai-te murrinha!
E deu-lhe ali uma lata,
Dizendo: está aí o poço,
Você ou lava o quintal
Ou come um cachorro ensosso,
Se não eu meto-lhe os pés
Não lhe deixo inteiro um osso.
Disse ele, oh! meu amor!
O corpo todo me treme,
Minha cabecinha está,
Que só um barco sem leme,
Parece faltar-me o pulso,
O Anjo da Guarda geme.
Então a moça lhe disse:
O senhor lava o quintal
Olhe uma taboca aqui!...
Lava por bem ou por mal,
Covardia para mim,
É crime descomunal.
E lá foi nosso rapaz
Se arrastando com a lata,
A moça ali ao pé dele,
Lhe ameaçando a chibata,
Ele exclamava chorando
Por amor de Deus não bata.
Vai miserável de porta
Quero já limpo isso tudo,
Um homem de sua marca
Pequeno, feio e pançudo,
Só tendo sido criado
Onde se vende miudo.
Disse o Zé quando saiu:
Eu juro por Deus agora,
Ainda uma moça sendo
Filha de Nossa Senhora,
E olhar pra mim, eu digo:
Desgraçada, vá embora.
Seca as terras as folhas caem,
Morre o gado sai o povo,
O vento varre a campina,
Rebenta a seca de novo;
Cinco, seis mil emigrantes
Flagelados retirantes
Vagam mendigando o pão,
Acabam-se os animais
Ficando limpo os currais
Onde houve a criação.
Não se vê uma folha verde
Em todo aquele sertão
Não há um ente d’aqueles
Que mostre satisfação
Os touros que nas fazendas
Entravam em lutas tremendas,
Hoje nem vão mais o campo
É um sítio de amarguras
Nem mais nas noites escuras
Lampeja um só pirilampo.
Aqueles bandos de rolas
Que arrulavam saudosas
Gemem hoje coitadinhas
Mal satisfeitas, queixosas,
Aqueles lindos tetéus
Com penas da cor dos céus.
Onde algum hoje estiver,
Está triste mudo e sombrio
Não passeia mais no rio,
Não solta um canto sequer.
Tudo ali surdo aos gemidos
Visa o aspectro da morte
Como a nauta em mar estranho
Sem direção e sem Norte
Procura a vida e não vê,
Apenas ouve gemer
O filho ultimando a vida
Vai com seu pranto o banhar
Vendo esposa soluçar
Uma adeus por despedida.
Foi a fome negra e crua
Nódoa preta da história
Que trouxe-lhe o ultimatum
De uma vida provisória
Foi o decreto terrível
Que a grande pena invisível
Com energia e ciência
Autorizou que a fome
Mandasse riscar meu nome
Do livro da existência.
E a fome obedecendo
A sentença foi cumprida
Descarregando lhe o gládio
Tirou-lhe de um golpe a vida
Não olhou o seu estado
Deixando desemparado
Ao pé de si um filinho,
Dizendo já existisses
Porque da terra saísses
Volta ao mesmo caminho.
Vê-se uma mãe cadavérica
Que já não pode falar,
Estreitando o filho ao peito
Sem o poder consolar
Lança-lhe um olhar materno
Soluça implora ao Eterno
Invoca da Virgem o nome
Ela débil triste e louca
Apenas beija-lhe a boca
E ambos morrem de fome.
Vê-se moças elegantes
Atravessarem as ruas
Umas com roupas em tira
Outras até quase nuas,
Passam tristes, envergonhadas
Da cruel fome, obrigadas
Em procura de socorros
Nas portas dos potentados,
Pedem chorando os criados
O que sobrou dos cachorros.
Aqueles campos que eram
Por flores alcatifados,
Hoje parecem sepulcros
Pelos dias de finados,
Os vales daqueles rios
Aqueles vastos sombrios
De frondosas trepadeiras,
Conserva a recordação
Da cratera de um vulcão
Ou onde havia fogueiras.
O gado urra com fome,
Berra o bezerro enjeitado
Tomba o carneiro por terra
Pela fome fulminado,
O bode procura em vão
Só acha pedras no chão
Põe-se depois a berra,
A cabra em lástima completa
O cabrito inda penetra
Procurando o que mamar.
Grandes cavalos de selas
De muito grande valor
Quando passam na fazenda
Provocam pena ao senhor
Como é diferente agora
Aquele animal de que outr’ora
Causava admiração,
Era russo hoje está preto
Parecendo um esqueleto
Carcomido pelo chão.
Hoje nem os pássaros cantam
Nas horas do arrebol
O juriti não suspira
Depois que se põe o sol
Tudo ali hoje é tristeza
A própria cobra se pesa
De tantos que ali padecem
Os camaradas antigos
Passaem pelos seus amigos
Fingem que não os conhecem.
Santo Deus! Quantas misérias
Contaminam nossa terra!
No Brasil ataca a seca
Na Europa assola a guerra
A Europa ainda diz
O governo do país
Trabalha para o nosso bem
O nosso em vez de nos dar
Manda logo nos tomar
O pouco que ainda se tem.
Vê-se nove, dez, num grupo
Fazendo súplicas ao Eterno
Crianças pedindo a Deus
Senhor! Mandai-nos inverno,
Vem, oh! grande natureza
Examinar a fraqueza
Da frágil humanidade
A natureza a sorrir
Vê-la sem vida a cair
Responde: o tempo é debalde.
Mas tudo ali é debalde
O inverno é soberano
O tempo passa sorrindo
Por sobre o cadáver humano
Nem uma nuvem aparece
Alteia o dia o sol cresce
Deixando a terra abrasada
E tudo a fome morrendo
Amargos prantos descendo
Como uma grande enxurrada.
Os habitantes procuram
O governo federal
Implorando que os socrra
Naquele terrível mal
A criança estira a mão
Diz senhor tem compaixão
E ele nem dar-lhe ouvido
É tanto a sua fraqueza
Que morrendo de surpresa
Não pode dar um gemido.
Alguém no Rio de Janeiro
Deu dinheiro e remeteu
Porém não sei o que houve
Que cá não apareceu
O dinheiro é tão sabido
Que quis ficar escondido
Nos cofres dos potentados
Ignora-se esse meio
Eu penso que ele achou feio
Os bolsos dos flagelados.
O governo federal
Querendo remia o Norte
Porém cresceu o imposto
Foi mesmo que dar-lhe a morte
Um mete o facão e rola-o
O Estado aqui esfola-o
Vai tudo dessa maneira
O município acha os troços
Ajunta o resto dos ossos
Manda vendê-los na feira.
PAVOR EM BRASÍLIA
Miguel Lucena Filho (Miguezim de Princesa)
Na hora em que Sérgio Moro
Aceitou ser o ministro,
Teve uma senadora
Que gritou: – Ai, Jisus Cristo,
Venha socorrer meu marido,
Tudo está muito sinistro!
Se ele, como juiz,
Botou grandes na prisão,
Agora, no Ministério
Da Justiça da Nação,
A vida ficou mais dura
Pra tudo quanto é ladrão.
Pesadelo de corrupto,
Começou a tremedeira!
Soube que um senador
Pulou e deu uma carreira
Direto para o banheiro,
Sofrendo de caganeira.
Ligaram para a Bahia
Pra saber como fazer,
O chefe baiano disse:
– Já começou a feder,
Derrubaram o tabuleiro
E estragaram o dendê.
CGU e AGU,
A Polícia Federal,
O Coaf e a Receita,
Limpando o Brasil do mal,
Com Sérgio Moro no leme,
Pondo fim ao bacanal.
Obras que nunca terminam,
Como a tal transposição,
Trilhões que desapareceram
Nos tubos do Petrolão,
Gente vendendo e comprando
Na mais vil corrupção.
Gente que não tinha nada,
Filava até macarrão,
Aparece desfilando
Em luxuoso carrão
E ainda diz: – Sou reitor
Da minha instituição!
Dinheiro sendo lavado
Da forma mais descarada:
Lojas caras que se abrem,
Mas quase não vendem nada,
Atacadão, restaurante,
Tudo coisa de fachada.
Bolsonaro anunciou,
Logo ao raiar do dia,
Que o juiz Sérgio Moro
Ia mandar na freguesia:
Teve gente desmaiando,
Outros sentindo agonia,
Uma hemorroida inflamada
Se aliviou numa bacia;
Eu grito: Viva o Brasil!
(O estoque de Rivotril
Acabou na drogaria)
HISTÓRIA DA DONZELA TEODORA
Leandro Gomes de Barros
Eis a real descrição
Da história da donzela
Dos sábios que ela venceu
E a aposta ganha por ela
Tirado tudo direito
Da história grande dela
Houve no reino de Túnis
Um grande negociante
Era natural da Hungria
E negociava ambulante
Uma alma pura e constante
Andando um dia na praça
Numa porta pôde ver
Uma donzela cristã
Para ali se vender
O mercador vendo aquilo
Não pôde mais se conter
Tinha feição de fidalga
Era uma espanhola bela
Ele perguntou ao mouro
Quanto queria por ela
Entraram então em negócio
Negociaram a donzela
O húngaro conheceu nela
Formato de fidalguia
Mandou educá-la bem
Na melhor casa que havia
Em pouco tempo ela soube
O que ninguém mais sabia
Mandou ensinar primeiro
Música e filosofia
Ela sem mestre aprendeu
Metafísica e astrologia
Descrever com distinção
História e anatomia
Ela que já era um ente
Nascida por excelência
Como quem tivesse vindo
Das entranhas da ciência
Tinha por pai o saber
E por mãe a inteligência
Em pouco tempo ela tinha
Tão grande adiantamento
Que só Salomão teria
Um igual conhecimento
Cantava música e tocava
A qualquer um instrumento
Estudou e conhecia
As sete artes liberais
Conhecia a natureza
De todos os vegetais
Descrevia muito bem
A castra dos animais
Descrevia os doze signos
De que é composto o ano
Da cabeça até os pés
Conhecia o corpo humano
E dava definição
De tudo do oceano
Admirou todo mundo
O saber desta donzela
Tudo que era ciência
Podia se encontrar nela
O professor que ensinou-a
Depois aprendeu com ela
Mas como tudo no mundo
É mutável e inconstante
Esse rico mercador
Negociava ambulante
E toda sua fortuna
Perdeu no mar num instante
Atrás do bem vem o mal
Atrás da honra a torpeza
Quando ele saiu de casa
Levava grande riqueza
Voltou trazendo somente
Uma extrema pobreza
Só via em torno de si
O vil manto da marzela
Em casa só lhe restava
A mulher e a donzela
Então chamou Teodora
E pediu o parecer dela
Disse ele: minha filha
Bem vês minha natureza
E sabes que o oceano
Espoliou minha riqueza
Espero que teus conselhos
Me tirem desta pobreza
Ela quando ouviu aquilo
Sentiu no peito uma dor
E lhe disse, tenha fé
Em Deus nosso salvador
Vou estudar um remédio
Que salvará o senhor
E disse: meu senhor saia
Procure um amigo seu
É bom ir logo na casa
Do mouro que me vendeu
Chegue lá converse com ele
E conte o que lhe sucedeu
O que ele oferecer-lhe
De muito bom grado aceite
E veja se ele lhe vende
Vestidos que me endireite
Compre a ele todas as jóias
Que uma donzela se enfeite
Se o mouro vender-lhe tudo
Com que possa me compor
Vossa mercê vai daqui
Vender-me ao rei Almançor
É esse o único meio
Que salvará o senhor
El-rei lhe perguntará
Por quanto vai me vender
Por dez mil dobras de ouro
Meu senhor há de dizer
Quando ele admirar-se
Veja o que vai responder
Dizendo alto senhor
Não fique admirado
Eu vendo-a com precisão
Não peço preço alterado
Dobrada esta quantia
Tenho com ela gastado
É esse o único meio
Para a sua salvação
Se o mouro vende-lhe tudo
Descanse seu coração
Daqui para o fim da vida
Não terá mais precisão
O mercador seguiu tudo
Quando a donzela ditava
Chegou ao mouro e contou-lhe
O desespero em que estava
Então o mouro vendeu-lhe
Tudo quanto precisava
Roupa, objetos e jóias
Para enfeitar a donzela
As roupas vinha que só
Sendo cortada pra ela
Ela quando vestiu tudo
Parecia ficar mais bela
O mercador aprontou-se
E seguiu com brevidade
Falou ao guarda da corte
Com muita amabilidade
Para deixá-lo falar
Com a real majestade
Então subiu um vassalo
Deu parte ao rei Almoçor
O rei chegou a escada
Perguntou ao mercador:
— Amigo qual o negócio
Que tem comigo o senhor?
Então disse o mercador
Sem grande humildade:
— Senhor venho a vossa alteza
Com grande necessidade
Ver se vendo esta donzela
A vossa real majestade
O rei olhou a donzela
E disse dentro de si:
Foi a mulher mais formosa
Que neste mundo já vi
Trinta ou quarenta minutos
O rei presenciou ela ali
Perguntou ao mercador:
Por quanto vendes a donzela?
Por 10 mil dobras de outro
É o que peço por ela
E não estou pedindo caro
Visto a habilidade dela.
Disse o rei ao mercador:
— Senhor, estou surpreendido
Dez mil dobras de ouro
É preço desconhecido
Ou tu não queres vendê-la
Ou estás fora do sentido
Disse o mercador: El rei
Não é caro esta donzela
Dobrado a esta quantia
Gastei para educar ela
Excede a todos os sábios
A sabedoria dela
O rei mandou logo chamar
Um grande sábio que havia
O instrutor da cidade
Em física e astronomia
Em matemática e retórica
História e filosofia
Esse veio e perguntou-lhe
— Donzela estás preparada
Para responder-me tudo
Sem titubiar em nada?
Se não estiver seja franca
Se não sai envergonhada
Então ela respondeu-lhe
— Mestre pode perguntar
Eu lhe responderei tudo
Sem cousa alguma faltar
Farei debaixo da lei
Tudo que o senhor mandar
O sábio ali preparou-se
Para entrar em discussão
Ela com muita vergonha
Ela não teve alteração
Pediu licença a El-rei
E ficou de prontidão
— Diz-me donzela o que Deus
Sob o céu primeiro fez
Respondeu o sol e a lua
E a lua por sua vez
É por uma obrigação
Cheia e nova todo mês
— Além do sol e a lua
Doze signos foram feitos
Formando a constelação
Sendo ao sol todos sujeitos
Desiguais na natureza
Com diversos preconceitos
Como se chama esses signos?
Perguntou o emissário
A donzela respondeu:
— Capricórnio e Aquário
Tauro, Câncer, Libra, Virgo
Pisces, Escórpio e Sagitário
— Existem outros três signos
Áries, Léo e Geminis
No signo Léo quem nascer
Será um homem feliz
Inclinado a viajar
Por fora de seu país
O sábio disse: Donzela
É necessário dizer
Que condições tem o homem
Que em cada signo nascer
Por influência o signo
De que forma pode ser?
Disse ela o signo Aquário
Reina o mês de janeiro
O homem que nascer nele
Tem o crescimento varqueiro
Será amante das mulheres
Ventaroso e lisonjeiro
Pisces reina em fevereiro
Quem nesse signo nascer
É muito gentil de corpo
Muito guloso em comer
Risonho, gosta de viagem
Não faz o que prometer
Em março governa Áries
Neste signo nascerão
Homens nem ricos nem pobres
Por nada se zangarão
Neles se notam um defeito
Falando sós andarão
Em abril governa Tauro
Um signo bem conhecido
O homem que nascer nele
Será muito presumido
Altivo de coração
Será rico e atrevido
Geminis governa em maio
Sua qualidade é quente
O homem que nascer nele
Será fraco e diligente
Para os palácios e cortes
Se inclina constantemente
Em julho governa Câncer
Sua qualidade é fria
O homem que nascer nele
É forte e tem energia
É gentil e tem muita força
E sempre tem alegria
Em julho governa Léo
Por um leão figurado
O homem que nascer nele
É lutador e honrado
Altivo de coração
Inteligente e letrado
Em agosto reina Virgo
Vem da terra a natureza
O homem que nascer nele
Tem princípio tem riqueza
Depois se descuidará
Por isso cai em pobreza
Em setembro reina Libra
A Vênus assinalado
O homem que nascer nele
Será um pouco inclinado
A viajar pelo mar
É lutador e honrado
O que nascer em outubro
Será homem falador
Inclinado aos maus costumes
Teimoso e namorador
Pouco jeito nos negócios
Falso grave e enganador
Então o mês de novembro
Sagitário é o reinante
O homem que nascer nele
Será cínico e inconstante
Desobediente aos pais
Intratável assim por diante
Em dezembro é Capricórnio
Tem a natureza de terra
O homem que nascer nele
Será inclinado a guerra
Gosta de falar sozinho
E por qualquer coisa espera
O sábio ali levantou-se
Disse ao rei esta donzela
Não há sábio aqui no mundo
Que tenha a ciência dela
E com isso vossa alteza
Que estou vencido por ela
O rei ali ordenou
Que fosse o sábio segundo
Foi um matemático e clínico
Um gênio grande e fecundo
E conhecido por um
Dos sábios maior do mundo
Chegou o segundo sábio
Que inda estava orelhudo
E disse: Donzela eu tenho
Dezoito anos de estudo
Não sou o que tu venceste
Conheço um pouco de tudo
A donzela respondeu
Com licença de el-rei
Tudo que me perguntares
Aqui te responderei
Com brevidade e acerto
Tudo vos explicarei
Perguntou o sábio a ela:
Em nosso corpo domina
Qualquer um dos doze signos
Que a donzela descrimina
Terá alguma influência
Os signos com a medicina?
Então a donzela disse:
Descrito mestre direi
Sabe que os signos são doze
Como eu já expliquei
Compactam com a química
Quer saber? Explicarei
Áries domina a cabeça
Uma parte melindrosa
Para quem nascer em março
A sangria é perigosa
A pessoa que sangrar-se
Deve ficar receosa
Libra domina as espáduas
Câncer domina os peitos
Para os que são deste signo
Purgantes tem maus efeitos
E as sangrias também
Não serão de bons proveitos
Tauro domina o pescoço
Léo domina o coração
Capricórnio influi nos olhos
Escórpio a organização
Geminis domina os braços
e influi na musculação
Virgo domina o ventre
E Aquário nas canelas
Para os que são desses signos
Purgas e sangrias são belas
Então Sagitário e Pisces
Ambos têm igual tabelas
O sábio dentro de si
Disse meio admirado
Onde esta discutir
Ninguém pode ser letrado
Esta só vindo a propósito
De planeta adiantado
O sábio disse: Donzela
Eu quero se tu puderes
Isto é, eu creio que podes
Não dirás se não quiseres
O peso, idade e conduta
Que têm todas as mulheres
Disse a donzela: A mulher
É sempre a arca do bem
Porém só quem a criou
Sabe o peso que ela tem
Isso é uma coisa ignota
Disso não sabe ninguém
Que me dizes das donzelas
De vinte anos de idade?
Respondeu: Sendo formosa
Parece uma divindade
Principalmente ao homem
Que lhe tiver amizade
As de trinta e quarenta
Que dizes tu que elas são?
Disse ela: Uma dessas
É de muita consideração
— Das de 50 o que dizer?
— Só prestam para oração
— Que dizes das de 70?
— Deviam estar num castelo
Rezando por quem morreu
Lamentando o tempo belo
O que dizes das de 80?
— Só prestam para o cutelo
Então classificas as velhas
Tudo de mal a pior?
E nos defeitos de tantas
Não se encontra um menor
Disse ela: Deus me livre
De ser vizinho da melhor
Donzela o sábio lhe disse
Sei que és caprichosa
Entre todas as pessoas
És a mais estudiosa
Diga que sinais precisam
Para a mulher ser formosa
Então a donzela disse:
Para a mulher ser formosa
Terá dezoito sinais
Não tendo é defeituosa
A obra por seu defeito
Deixa de ser melindrosa
Há de ter três partes negras
De cores bem reluzentes
Sobrancelhas, olhos, cabelos
De cores negras e ardentes
Branco o lacrimal dos olhos
Ter branca a face e os dentes
Será comprida em três partes
A que tiver formosura
Compridos os dedos das mãos
O pescoço e a cintura
Rosada cútis e gengivas
Lábios cor de rosa pura
Terá três partes pequenas
O nariz, boca e pé
Larga a cadeira e ombro
Ninguém dirá que não é
Cujos sinais teve-se todos
Uma virgem em Nazaré
O sábio quando ouviu isto
Ficou tão surpreendido
E disse: El-rei Almançor
Confesso que estou vencido
E quem argumenta com ela
Se considera vencido
El-rei mandou que outro sábio
Entrasse em discussão
Então escolheram um
Dos de maior instrução
A quem chamavam na Grécia
Professor da criação
Abraão de Trabador
Veio argumentar com ela
E disse logo ao entrar:
Previne-te bem, donzela
Dizendo dentro si
Eu hoje hei de zombar dela
Então a donzela disse:
Senhor mestre estarei disposta
De todas suas perguntas
O senhor terá resposta
Se tem confiança em si
Vamos fazer uma aposta?
Minha aposta é a seguinte
De nós o que for vencido
Ficará aqui na corte
Publicamente despido
Ficando completamente
Como quando foi nascido
O sábio disse que sim
Mandaram o termo lavrar
E a donzela pediu
Ao rei para assinar
Para a parte que perdesse
Depois não se recusar
Lavraram o termo e foi
Às mãos do rei Almoçor
Pra fazer válido o trato
E ficar por fiador
Obrigando quem perdesse
Dar as roupas ao vencedor
O sábio aí perguntou:
Qual é a coisa mais aguda?
Disse ela: é a língua
Duma mulher linguaruda
Que corta todos os nomes
E o corte nunca muda
Donzela qual é a coisa
Mais doce do que mel?
— O amor do pai a um filho
Ou dama esposa fiel
A ingratidão de um desses
Amarga mais do que fel
O sábio disse: Donzela
Conheces os animais?
Quero agora que descrevas
Alguns irracionais
Me diga qual é o bicho
Que possui oito sinais
Mestre, isto é gafanhoto
Vive embaixo dos outeiros
Tem pescoço como vaca
Esporas de cavaleiros
Tem olhos como marel
Um pássaro dos estrangeiros
Focinho como de vaca
Tem pés como de cegonha
Tem cauda como de víbora
Uma serpente medonha
E é infeliz o vivente
Que a boca dela se oponha
Tem peito como cavalos
E não ofende a ninguém
Tem asas como de águia
A que voa muito além
São antes oito sinais
Que o gafanhoto tem
Perguntou o sábio a ela:
— Que homem foi que viveu
Porém nunca foi menino
Existiu mas não nasceu
A mãe dele ficou virgem
Até que o neto morreu
— Este homem foi Adão
Que da terra se gerou
Foi feito já homem grande
Não nasceu, Deus o formou
A terra foi a mãe dele
E nela se sepultou
Foi feita mas não nascida
Essa nobre criatura
A terra foi a mãe dele
Serviu-lhe de sepultura
Para Abel o neto dele
Fez-se a primeira abertura
— Donzela qual é a coisa
Que pode ser mais ligeira?
Respondeu: O pensamento
Que voa de tal maneira
Que vai ao cabo do mundo
Num segundo que se queira
O sábio fitou-a e disse:
— Donzela diga-me agora
Qual o prazer de um dia
Qual prazer duma hora?
— Dum negócio que se ganha
Dum passeio que se queira
A donzela respondeu
Com a maior rapidez
Disse: um homem viajando
E se bom negócio fez
É um dos grande prazeres
Que verá por sua vez
Donzela o que é vida?
Disse ela: Um mar de torpeza
O que pode assemelhar-se
À vela que está acesa
Às vezes está tão formosa
E se apaga de surpresa
Donzela por quantas formas
Mente a pessoa afinal?
Respondeu: Mente por três
Tendo como essencial
Exaltar a quem quer bem
E pôr taxa em quem quer mal
Donzela que é velhice?
Respondeu com brevidade:
É vestidura de dores
É a mãe da mocidade
E o que mais aborrecemos?
Respondeu: É a idade
Donzela qual é a coisa
Que quem tem muito ainda quer?
Disse ela: É o dinheiro
Que o homem e a mulher
Não se farta de ganhar
Tenha a soma que tiver
Qual é a coisa que o homem
Possui e não pode ver?
Disse ela: O coração
Que aberto tem que nascer
Ver a raiz dos seus olhos
Não há quem possa obter
Donzela qual foi o homem
Que por dois ventres passou?
Disse a donzela: Foi Jonas
Que uma baleia o tragou
Conservou-o dentro três dias
E depois o vomitou
O sábio disse: Donzela
Qual o homem mais de bem?
Disse ela: É aquele
Que menos defeitos tem
Quem terá menos defeitos?
— Isso não sabe ninguém
— Donzela qual é a coisa
Que não se pode saber?
O pensamento do homem
Se ele não quer dizer
Por mais que a mulher procure
Não poderá obter
— Donzela o que é a noite
Cheia de tantos horrores?
Disse ela: É descanso
Dos homens trabalhadores
É capa dos assassinos
Que encobre os malfeitores
— Onde a primeira cidade
Do mundo foi construída?
— A cidade de Ninive
A primeira conhecida
Que depois de certo tempo
Foi pela Grécia abatida
Perguntou: Qual o guerreiro
Que teve a antigüidade?
Respondeu: Foi Alexandre
Assombro da humanidade
Guerreou vinte e dois anos
E morreu na flor da idade
Donzela falaste bem
Do maior conquistador
Diga dos homens qual foi
O maior sentenciador?
— Pilatos que deu sentença
a Cristo Nosso Senhor
De todos os patriarcas
qual seria o mais valente?
— O patriarca Jacó
Que lutou heroicamente
Com os anjos mensageiros
Do monarca onipotente
— Qual foi a primeira nau
Que foi para o estaleiro
— Foi a Arca de Noé
A que no mar foi primeiro
Onde escapou um casal
De tudo no mundo inteiro
— O que corta mais
Que a navalha afiada?
É a língua da pessoa
Depois de estar irada
Corta com mais rapidez
Que qualquer lâmina amolada
— Qual é o maior prazer
Com que se ocupa a história?
Respondeu: Quando um guerreiro
No campo ganha vitória
Sabei que não pode haver
Tanto prazer tanta glória
O sábio disse: Donzela
Tens falado muito bem
Me diga que condições
O homem no mundo tem?
Disse a donzela: tem todas
Para o mal e para o bem
É manso como a ovelha
E feroz como o leão
Seboso como o suíno
É limpo como o pavão
É falso como a serpente
É tão leal como o cão
É fraco como o coelho
Arrogante como o gelo
Airoso como o furão
Forçoso como o cavalo
E mais te digo que o homem
Ninguém pode decifrá-lo
É calado como peixe
Fala como papagaio
É lerdo como preguiça
É veloz igual ao raio
É sábio quando ouviu isto
Quase que dar-lhe um desmaio
Então inventou um meio
Para ver se a pegaria
Perguntou: O sol da noite
Terá luz quente ou fria?
A donzela respondeu
Que à noite sol não havia
Com a presença do sol
É que se conhece o dia
Se de noite houvesse sol
A noite não existia
E sem o sereno dela
Todo vivente morreria
Sem água, sem ar, sem luz
A terra não tinha nada
Não tinha os seres que tem
Seria desabitada
A própria vegetação
Não podia ser criada
Os reinos da natureza
Cada um possui um gênio
É necessário o azoto
Precisa o oxigênio
Para a infusão disso tudo
O carbono e o hidrogênio
O dia Deus fez bem claro
A noite fez bem escura
Se de noite houvesse sol
Estava o homem à altura
De notar esse defeito
E censurar a natura
O sábio baixou a vista
E ouviu tudo calado
Nada teve a dizer
Pois já estava esgotado
E tinha plena certeza
Que ficava injuriado
Disse ao público: Senhores
A donzela me venceu
Não sei com qual professor
Esta mulher aprendeu
Aí a donzela disse:
Então o mestre perdeu?
Ele vendo que estava
Esgotado e sem recursos
Ficou trêmulo e muito pálido
Fugiu-lho até os pulsos
Prostou-se aos pés de El-rei
Se sufocando em soluços
E disse: Senhor, confesso
A vossa real majestade
Que vejo nesta donzela
A maior capacidade
Ela merece ter prêmio
Pois tem grande habilidade
A donzela levantou-se
Foi ao soberano rei
Então beijando-lhe a mão
Disse: Vos suplicarei
Mande o sábio entregar-me
Tudo que dele ganhei
O rei ali ordenou
Que o sábio se despojasse
De todas as vestes que tinha
E à donzela as entregasse
O jeito que tinha ali
Era ele envergonhar-se
O sábio pôs-se a despir-se
Como quem estava doente
Fraque, colete e camisa
Ficando ali indecente
E pediu para ficar
Com a ceroula somente
Depois sufocado em pranto
Prostrado disse à donzela:
Resta-me apenas a ceroula
Não posso me despir dela
A donzela perguntou-lhe:
O senhor nasceu com ela?
O trato foi o seguinte
De nós quem fosse vencido
Perante a todos da corte
Havia de ficar despido
Como quando veio ao mundo
Na hora que foi nascido
El-rei foi o fiador
Nosso ajuste foi exato
O senhor tem que despir-se
E dar-lhe fato por fato
Ficando com a ceroula
Não teve efeito o contrato
E não quis dar a ceroula
O rei mandou que ele desse
Ou pagaria à donzela
O tanto que ela quisesse
Tanto que indenizasse-a
Embora que não pudesse
Donzela quanto queres
Perguntou o sábio enfim
A donzela ali fitou-o
E lhe respondeu assim:
A metade do dinheiro
Que meu senhor quer por mim
O rei ali conhecendo
O direito da donzela
Vendo que toda razão
Só podia caber nela
Disse ao sábio: Mande ver
O dinheiro e pague a ela
Cinco mil dobras de ouro
A donzela recebeu
O sábio também ali
Nem mais satisfação deu
Aquele foi um exemplo
Que a donzela lhe vendeu
O rei então disse à ela:
Donzela podes pedir
Dou-te a palavra de honra
Farei-te o que exigir
De tudo que pertencer-me
Poderás tu te servir
Ela beijou-lhe a mão
Lhe disse peço que dê-me
A quantia do dinheiro
Que meu senhor quer vender-me
Deixando eu voltar com ela
Para assim satisfazer-me
O rei julgou que a donzela
Pedisse para ficar
Tanto que se arrependeu
De tudo lhe franquear
Mas a palavra de rei
Não pode se revogar
Mandou dar-lhe o dinheiro
Discutiu também com ela
Mas ciente de tudo
Quanto podia haver nela
E disse vinte mil dobras
Não pagam esta donzela
Voltou ela e o senhor
À sua antiga morada
Por uma guarda de honra
Voltou ela acompanhada
O senhor dela trazendo
Uma fortuna avaliada
Ficaram todos os sábios
Daquilo impressionados
Pois uma donzela escrava
Vencer três homens letrados
Professores de ciências
Doutores habilitados
Abraão de Trabador
Com todos não discutia
Já tinha vencido muitos
Em música e filosofia
Em história natural
Matemática e astronomia
Ele descrevia a fundo
Os reinos da natureza
Era engenheiro perito
De tudo tinha a certeza
Descrevia o oceano
Da flor d'água a profundeza.
Tanto quando ele entrou
Que fitou bem a donzela
Calculou dentro de si
A força que havia nela
Confiando em sua força
Por isso apostou com ela
Caro leitor escrevi
Tudo que no livro sabei
Só fiz rimar a história
Nada aqui acrescentei
Na história grande dela
Muitas coisas consultei
Na capital de Lisboa,
havia uma união
de quatro donzelas órfãs,
sem pai sem mãe irmão,
servindo a moça mais velha
como mãe de criação.
Vitalina era a mais velha
e muito religiosa,
viviam de costuras
numa vida trabalhosa:
Isabel Francisca e Maria,
cada qual mais virtuosa.
Vitalina adoeceu;
vendo que não escapava,
chamou logo as três mocinhas
que em seu poder criava,
para lhes dar um conselho
que tanto necessitava.
Disse ela: minhas filhas
vocês vivam sem questão
satisfeitas com a sorte
trabalhando pelo pão;
nada tendo peçam esmola,
mais não deixe esta união.
No outro dia Vitalina
estava no necrotério,
mas levou palma e capela
para o chão do cemitério,
no símbolo da virgindade
de moça de critério.
As moças ficaram sós
por casa do acabamento,
ninguém lhes dava costuras
para ganharem o sustento;
começaram a passar fome
com pena e sofrimento.
Quando as moças não tinham
mais nada para vender,
eram três moças donzelas
que não tinham o que comer,
sem lamentarem a sorte,
jejuavam sem querer.
Lutando assim pela vida
com tanta dificuldade,
perseguida pelos homens
mas guardando a virgindade,
quem sofre com paciência
Deus manda felicidade.
A fome já era tanta
que as moças padeciam,
que botavam sal na água
por alimento bebiam,
e os homens sem caridade
a elas não protegiam.
Maria, uma das moças,
disse ainda não é assim,
se hei de morrer de fome,
aqui mesmo levar fim,
vou procurar pelo mundo,
quem tome conta de mim.
As outras duas pediram:
maninha, não vá embora,
vamos esperar mais tempo,
ninguém sai daqui agora,
ate chegar o socorro
de Deus ou nossa Senhora.
Maria disse: Manas,
eu já estou resolvida,
vou ver se encontro um homem
que me dê roupa e comida;
hoje à noite eu vou embora,
que não sou esmorecida.
Maria arrumou a roupa
e deixou anoitecer,
o pedido das irmãs
em nada quis atender;
se despediu com a noite
dizendo: vou me vender.
A noite está muita escura,
porém, a moça seguia
no oitão de uma igreja,
um vulto lhe aparecia;
o vulto era um padre,
pegou na mão de Maria
O padre disse: filhinha
esta hora, aonde vais?
O que é que tu procuras,
que daqui não passas mais,
volta que tuas irmãs
ficaram chorando atrás.
Padre, porque sou pobre,
uma orfã desvalida,
abandonei minhas irmãs
para salvar minha vida;
eu vou procurar um homem
que me dê roupa e comida.
Porquanto a minha pobreza,
faz vergonha eu lhe contar,
todo dia em nossa casa
não tem que se almoçar;
há tempo que eu não janto,
eu vou dormir sem cear.
O padre disse: filhinha,
tu precisas de caridade,
então me diz se conheces
na alta sociedade,
qual e o homem solteiro
mais rico desta cidade.
Tem o coronel Paulino
que é um moço solteiro,
negociante na praça,
capitalista e banqueiro;
o governo deve a ele
grande soma de dinheiro.
O Padre tirou um lápis,
num papel pôs-se a escrever,
dirigindo um bilhetinho
de acordo o seu saber,
para o coronel Paulino
esta questão resolver.
O padre disse: filhinha,
volta e vai descansar,
por hoje lhe passa a fome,
não precisa mais cear,
porque a sua pobreza
agora vai se acabar.
Quando o dia amanhecer,
vá o bilhete entregar
ao coronel Paulino,
a quem eu mando levar;
espera pela resposta
que ele tem que te dar.
Maria voltou a casa,
conforme o padre dizia;
as Irmãs abriram a porta,
disseram entra Maria;
se abraçaram todas três
chorando de alegria.
Quando o dia amanheceu,
Maria, no mesmo tino,
foi levar o bilhetinho
ao coronel Paulino,
para saber da resposta,
qual será o seu destino.
No armazém do Paulino,
estavam negociando
uma secção dos mais ricos
sobre negócio tratado,
e viram aquela mocinha
que vinha se aproximando.
Os homens se combinavam,
cada qual o mais ladino;
Maria interrogou-os,
com seu termo feminino,
quem é aqui dos senhores
o grande coronel Paulino?
O coronel levantou-se,
chegou se para Maria
disse: sou eu seu criado,
enquanto a moça dizia:
trago este bilhetinho
para vossa senhoria.
O bilhete lhe explicava,
honradíssimo coronel,
dê a esta mocinha
o valor deste papel,
porém, pese-o na balança,
até chegar no fiel.
O coronel inda riu-se,
dizendo ora muito bem,
isto não é precisão
que se ocupa ninguém,
o peso deste papel
só pesa igual um vintém.
O coronel pegou o bilhete,
pôs na balança um tostão,
mas foi botando dinheiro
como quem pega algodão,
a concha do bilhetinho
só pesava para o chão.
O coronel botou todo
o ouro que possuía,
botou o dinheiro de papel
que a balança não cabia,
a concha do bilhetinho
mais pesada não subia.
Ele arredou o dinheiro,
e passou-se com o papel,
a concha do bilhetinho
subiu e mostrou o fiel,
era a honra da donzela
que valia o coronel.
O coronel disse: moça,
você é misteriosa,
qual é a sua oração
na vida religiosa?
Este bilhete foi feito
por uma mão poderosa.
Coronel, a minha mãe
de criação me ensinava
S. Antonio é meu padrinho,
e a ele me entregava,
eu tomava bênção ao santo,
a noite quando rezava.
Então a senhora diga-me
quem fez este bilhetinho,
se foi feito em casa
pela mão de algum vizinho,
ou então se é milagre
que nasceu de seu padrinho.
Coronel, eu esta noite
de casa não havia saído
no oitão de uma igreja,
um padre desconhecido
mandou-lhe este bilhetinho,
conforme vem dirigido
O coronel baixou vista,
e disse quando pensou:
então, o bilhete foi
Santo Antonio quem mandou
pra senhora casar comigo
como o santo me contou.
A senhora, uma mocinha
que vive em pobreza,
mas sua honra pesou
mais que a minha riqueza,
no dia que nós casarmos
somos iguais por natureza.
Desde aí o coronel
tomou conta de Maria,
convidou os seus amigos,
casou-se no outro dia,
mandou ver as duas órfãs
para sua companhia.
A TERRÍVEL HISTORIA DA PERNA CABELUDA
GUAIPUAN VIEIRA
(PRENÚNCIO DA BESTA-FERA)
HISTÓRIA DA PRINCESA DA PEDRA FINA
Leandro Gomes de Barros
No Reino da Pedra Fina
Havia uma princesa
Misteriosa, encantada
Uma obra da natureza
Com ela duas irmãs
Que eram a flor da beleza.
Naquela linda princesa
Só era em que se falava
Nesse lugar também tinha
Um pobre que trabalhava
Com três filhos no roçado
Com isso se sustentava
Chamavam-se os três meninos
João, Antonio e José
José que era o caçula
Do tamanho dum bebé
A sua mãe lhe estimava
Nunca deu-lhe um cafuné
Disse o marido à mulher:
- vou trabalhar no roçado
os meninos também vão
pra ajudar-me doutro lado
você cá mate um franguinho
apronte-o, leve-o guisado.
Estando o velho cansado
Com os filhos a trabalhar
Às duas horas da tarde
Diz ele: - Vou descansar
Meus filhos tenham paciência
Não tarda mamãe chegar.
Pegou Antonio a brincar
Fazendo riscos no chão
Dizendo: - Estou com vontade
De comer muito feijão
Misturadinho com bredo
Acho melhor do que pão
Aí respondeu João:
- Eu desejava comer
muita banana com casca
até a barriga encher
ambos mandaram José
dar também seu parecer.
De modo misterioso
Respondeu o Cazuzinha:
- O que tenho no pensamento
nenhum dos dois adivinha
então será um segredo
ou do rei ou da rainha.
Disse José: - Eu descubro
Creio que não me incrimina
Não é pra mim bem vocês
É pra quem Deus determina
Eu queria ver as pernas
Das moças da Pedra Fina
- Oh! Atrevido menino!
(respondeu o pai deitado)
e levantou-se dizendo:
- Cachorro, bruto, safado
não respeita as princesas
querer morrer enforcado?
Levantou-se o velho irado
Dizendo por este jeito:
- Você ainda acha pouco
os males que me tem feito?
Assim nós todos iremos
Sofrer pelo seu respeito!
Aí deu umas lapadas
No seu caçula Zezinho
Nisto foi chegando a velha
Que já vinha no caminho
- Meu velho, pra que fez isto?
Pra que deu no bichinho?
- Porque foi muito atrevido
minha velha Umbelina
ele buliu com as pessoas
tão altas que nos domina
desejando ver as pernas
das moças da Pedro Fina.
- Se eles souberem disso
nos mandariam chamar
nos metiam na prisão
mandavam a ele matar
eu só dei essas lapadas
para o exemplo ficar.
Ai a velha zangou-se
Começou logo a chorar:
- Vamos pra casa meu filho
para seu pai não lhe dar
inda a princesa sabendo
não lhe manda degolar.
José sempre se lembrava
Do pai o que tinha feito
Dizendo que a família
Sofria por seu respeito
Saiu vagando no mundo
O qual por Deus foi aceito.
Esse inocente menino
Saiu, só levou um pão
Não tinha um vintém no bolso
Só quis do pai o perdão
Da sua cara mãezinha
A sua santa benção.
A mãe partida de pena
Abençoou o menino
Vendo o filho tão pequeno
Sair como um peregrino;
- Rogo a Deus como bom pai
que zele por teu destino.
O Cazuzinha era novo
Porem era destemido
Já fazia mais de um mês
Que ele tinha saído
Chegou na beira de um rio
Medonho e desconhecido
Ficou com bastante medo
No atravessar do rio
Só ouvia urros de fera
No pé dum monte sombrio
Porem tinha pouca água
Por ser tempo de estio
Ele atravessou o rio
Quando em terra pisou
Sentiu que estava com sede
Água no chapéu tirou
No chapéu veio uma pedra
Que muito lhe admirou.
Era um brilhante encantado
Mas ele não conhecia
Julgando não ter valor
Pouca importância fazia
Depois guardo-o no bolso
E pensou no que fazia.
Saiu por ali afora
Quando foi no outro dia
Entrou num grande reinado
Que ele não conhecia
Sem ter um vintém no bolso
Tomou uma hospedaria
O rapaz aperreado
Já vendo a hora sofrer
Tirou a pedra do bolso
Começou a oferecer
Dizendo: - Quem quer comprar?
Eu tenho é pra vender.
José muito aperreado
Sem jeito com que passar
Deu a pedra a um lojista
Perguntando: - Quando dá?
Respondeu: - É um brilhante
Eu não a posso comprar.
- Em todo este reinado
(lhe respondeu o caixeiro)
o senhor vá procurando
até pelo estrangeiro
para comprar esta pedra
bem poucos terão dinheiro.
Disse também o lojista?
- Esta jóia é um primor
só quem a pode comprar
é o nosso imperador
só ele terá dinheiro
com que pague o seu valor.
O rapaz saiu pra rua
Com a tal pedra na mão
Assim que o rei a viu
Ficou com tanta ambição
Mandou chamar o rapaz
Comprou-a por um milhão.
Deu-lhe mais um palácio
E um posto de capitão
Pelo seu merecimento
Todos lhe davam atenção
Era um estrangeiro nobre
Filho de outra nação.
Na corte tinha um barbeiro
Que no reinado vivia
Também era conselheiro
Em tudo se intrometia
Disse logo a todo mundo
Que a pedra o rei a possuía.
O rei mandou colocar
A pedra em sua coroa
Como era um brilhante
De uma espécie muito boa
Servia de ornamento
Pra sua nobre pessoa.
O barbeiro quando viu
Disse muito admirado
- Isso só ficava bem
tendo outra em cada lado
tendo mais uma na frente
fica um rei mais respeitado.
Lhe disse o imperador:
- Aonde vou encontrar
outra pedra como esta?
É asneira procurar....
- O moço que lhe vendeu
é quem pode lhe arranjar.
- Rei senhor, mande chamar
ele não dirá que tem
lhe mostre pena de morte
veja se a pedra não vem
pois ela não há de tê-la
só rei senhor, mais ninguém.
- Sim senhor, está muito bem!
Mandou logo procurar
Dali saiu o barbeiro
Ver se podia encontrar
Quando encontrou foi dizendo:
- Rei senhor manda chamar.
Veio o moço e o barbeiro
Para a presença do rei
Lhe disse o imperador:
- sabes pra que te chamei:
porque preciso outra pedra
igual a que te comprei.
Disse o rapaz ao rei:
- Outra eu não posso arranjar
ainda eu tenho dinheiro
não tenho aonde comprar
eu achei esta no rio
porém sem nunca esperar.
- O senhor vá ver a pedra
me chegue aqui qualquer dia
peça por ela o que quiser
não resgatei a quantia
porém chegando sem ela
morrerá no mesmo dia.
Saiu José muito triste
Pensando de qual maneira
Poderia se livrar
Dessa cena traiçoeira
Foi sair no mesmo rio
Aonde achou a primeira.
Foi pelo mesmo lugar
Aonde tinha passado
Seguiu pelo rio adentro
Procurando com cuidado
Uma pedra que igualasse
A que ficou no reinado.
Ele já estava cansado
De por ali procurar
Bebeu água sem ter sede
Nada de poder encontrar
Desenganado da vida
Pegou sozinho a falar.
Dizia ele consigo:
- Eu sei que vou morrer
essa pedra que procuro
é impossível obter
me acabo aqui afogado
não dói gosto ao rei me ver.
José pegou a ouvir
Uma coisa que estrondava
Chegando ao pé da serra
Ainda mais intimidava
De repente viu o fogo
Que perto dele brilhava.
De repente aquele fogo
Transformou-se num leão
Brigando com uma serpente
Troando que só trovão
Saia fogo dos dentes
De faiscar pelo chão.
José nem pode falar
Vendo aquela tempestade
O leão falou com ele
Pedindo por caridade:
- Mata-me esta serpente
que dou-te a felicidade.
Respondeu sem ter maldade
A serpente: - Criatura
Mata o leão que dou-te
O que tu andas à procura
Depois te farei feliz
Que sou uma virgem pura.
Ele atirou no leão
Aquela fera valente
Com um tiro muito certeiro
Morrei instantaneamente
Morto que fosse o leão
Desencantava a serpente.
Era uma moça encantada
Uma excelente menina
A origem do encanto
Foi para cumprir a sina
Era essa a tal princesa
Do reino da Pedra Fina.
Ele com ela abismou-se
Somente pela beleza
Perguntou-se: - Quem sois vós?
Disse ela: - A princesa do
Reino da Pedra Fina
Que venho em tua defesa.
Dali saiu a princesa
Com José acompanhando
Desceram de rio abaixo
Ambos juntos conversando
No lugar que procurava
Ela parou lhe falando:
- Se teu ferro está cortando
anda cá, vem me ferir
corta este dedo ao meio;
mas ele não quis ouvir
disse ela: - Corta logo
que o sangue vem te servir.
José sem querer cortar
Julgando ser uma asneira
Mas quando cortou-lhe o dedo
Corria sangue em biqueira
Do sangue saíram duas pedras
Do formato da primeira.
Disse ela: - Está ao
O que você procurava
Esteve aqui há pouco
Procurando e não achava
Porque estava brigando
E o leão me arranhava.
Daí foram para casa
Que o rei tinha lhe dado
Ia em companhia dela
Porem muito embelezado
Pela sua formosura
Esqueceu-se do mandado.
Passando mais alguns dias
A princesa lhe falava:
- José, vai levar a pedra;
o rei a tempo esperava
José respondeu a ela:
- Eu disso nem me lembrava.
Ele aí pegou a pedra
Foi levar ao rei senhor
Que gratificou a ele
Com dois tantos do valor
E lhe fez mais um presente
De um titulo superior.
O rei disse ainda a ele
(quando entregou-lhe o dinheiro)
- Como eu te considero
inda mais que um conselheiro
vou mandar-te fazer a barba
pelo meu próprio barbeiro.
No palácio de José
Quando o barbeiro chegou
Entrou respeitosamente
Dizendo o cumprimentou:
- Vim fazer a vossa barba
que o monarca mandou.
Estava fazendo a barba
Quando a princesa sorriu
O barbeiro admirou-se
Da formosura que viu
Assim que findou a barba
No mesmo instante saiu.
Quando chegou no palácio
Foi dizendo: - Rei senhor
Agora vi uma moça
Mais linda que uma flor
Na casa do coronel:
Pra mim tem todo valor!
- Rei meu senhor, se apronte
não perca esta ocasião
vá lá no palácio dele
e preste bem atenção
pois a moça que vi lá
faz render um coração.
O rei mandou vir um carro
E perguntou: - Como é?
Você me diz essas coisas
Porem eu não tenho fé;
À tarde foi passear
Onde morava José.
Passando o carro por baixo
Avistou logo a princesa
Debruçada na janela
Em traje de camponesa
Deu um ataque e caiu
Quando viu a boniteza.
Ai pegaram o rei
Pensando que ele morria
Deram-lhe medicamento
Porem ele nem bebia
Levaram ele pra corte
Foi tornar no outro dia.
No outro dia o barbeiro
Foi ao rei aconselhar
Dizendo: - Não desanime
Eu tenho jeito pra dar
Tenha mais perseverança
Que sempre vem a gozar.
Disse o barbeiro ao rei:
O moço, seu coronel
Talvez com essa invenção
Nos caia a sopa no mel
Mande ele no reinado
Das laranjas de Babel.
- Diga que a sua esposa
desejou muito comer
uma laranja de lá
para o filho não perder
está grávida há seis meses
vive em tempo de morrer.
O rei tomou o conselho
Mandou logo chamar
Por esse mesmo barbeiro
Que o recado foi dar
Disse a José: - Apareça
Que o rei quer lhe falar.
- Uma laranja mimosa
quero que vá me buscar
no Reino das Laranjeiras
pra em dez dias chegar
se não fizer o que digo
eu lhe mando degolar.
O pobre banhado em pranto
Chorando em casa chegou
A princesa comovida
Depressa lhe perguntou:
- O que foi, José?
- Foi o rei que me mandou....
- O rei disse que fosse
uma laranja buscar
no Reino das Laranjeiras
como é que posso acertar?
Se não chegar em dez dias
Ele manda me matar.
- Não tenhas medo, José
descansa para jantar
enquanto eu existir
algum remédio hei de dar
vou te arranjar um cavalo
que ti possas viajar.
Pega ela a ensinar
Como devia fazer
Dizendo: - Pelas três horas
Você irá receber
De um moleque um cavalo
Que vem lhe oferecer.
Ele compreendeu tudo
Foi para o ponto esperar
Com pouco viu um moleque
Em um cavalo a saltar
Muito gordo e bem selado
Capaz dum homem montar.
Dizendo: - Quem quer comprar
Por cinco contos de réis
Um cavalo muito gordo
Calçado de mãos e pés?
Disse José: - Compro eu
Tu pedes cinco eu dou dez.
Ele pagou ao moleque
Aquela grande quantia
Porem todo privilégio
O cavalo possuía
O mesmo estava arreado
Da forma que ele queria.
A princesa chamou ele
Tornou a recomendar:
- Daqui lá só são mil léguas
numa hora hás de chegar
porem este teu cavalo
não é preciso açoitar.
- Basta que de hora em hora
você dê-lhe uma lapada
corra, siga à toda pressa
não te importes com nada
porem quando chegar lá
encontra a porta fechada.
- Fique ali bem escondido
pra ninguém o perseguir
quando bater meia-noite
o portão há de se abrir
entre sem fazer zuada
para ninguém não o vir.
- Dentro tem leões e lobos,
ursos, camelos urrando,
cobras, serpentes assanhadas
leão, leoa rosnando
pantera, porco do mato
sobre as laranjas avançando.
- Não te importes com nada
porque assim determina
quando entrar vá chamando:
Oh! Laranja tangerina
Me acompanha a um chamado
Do Reino da Pedra Fina.
José chamou a laranja
Ela veio, ele levou-a
Fez como a princesa disse
E não deu passada à-toa
Montando no seu cavalo
Corria como quem voa.
José dizendo as palavras
Todo bicho se mordia
Para tomar a laranja
Um puxava outro queria
José arribou com ela
Já acabou-se a porfia
Correu com essa laranja
Os bichos atrás pra tomar
Numa grande violência
Viu-se o portão se fechar
Nem a cauda do cavalo
Eles puderam pegar.
Não é preciso saber
Quanto o cavalo corria
Nem mesmo uma ave rapina
A favor da ventania
Basta dizer que tirava
Umas mil léguas por dia
José que vinha contente
Com a laranja na mão
Entregou ela à princesa
Ela prestou atenção
Disse José: - Veja bem
A laranja é esta ou não?
Disse ela: - Vou te mostrar
O poder da natureza
Pegou, partiu a laranja
Em cima de uma mesa
Saiu de dentro uma moça
Mais linda que a princesa
Disse a princesa a José:
- Esta é a minha irmã
que o leão carregou
um dia pela manhã
depois juntou as bandas
e a laranja ficou sã.
Chamava-se Romana
O corpo um tanto delgado
Olhos pretos muito vivos
Nariz bastante afilado
Dentes alvos, boca linda,
Rosto bem feito e corado.
Elas ficaram falando
Em tudo que se passou
Que o rei queria a laranja
Como de fato, chegou
José foi levar no dia
Que o tempo completou.
O rei ficou satisfeito
E lhe deu muito dinheiro
Deu-lhe mais uma medalha
Com honra de brigadeiro
Depois tirou-lhe também
Para ser seu conselheiro.
José foi com o barbeiro
Este voltou na carreira
Dizendo ao rei: - Vi agora
Outra moça verdadeira
Lá na casa do José
Mais linda que a primeira!
Disse o barbeiro ao rei:
- Todas elas são donzelas
eu nunca vi neste mundo
duas figuras tão belas
rei meu senhor faça tudo
para gozar todas elas.
- Ainda temos outro jeito
rei senhor mande chamar
José pra ir no reinado
Das limeiras de Tupar
Ele indo essa viagem
Nunca mais há de voltar.
José seguiu para a corte
Fingindo ter paciência
Para acudir o chamado
Que vinha com muita urgência
Cumprimentou os vassalos
Cheio de benevolência.
Disse o monarca: - José
Esta vez é a terceira
Para buscar-me uma lima
No Reinado das Limeiras
Já que tiveste coragem
De voltar das Laranjeiras
Disse a princesa: - José
Eu lhe hei de proteger
Preste-me bem atenção
Repare o que vou dizer
Ensinou tudo a José
Como devia fazer
Saiu ele à toda pressa
Correndo por uma estrada
Saiu de casa ao meio-dia
Foi chegar de madrugada
Achou o portão fechado
Esperou pela entrada.
Chegou, ouviu o sussurro
De muitos bichos que havia
Ele morrendo de medo
Porem não se remexia
Até o próprio cavalo
De medo também tremia
Quando batiam seis horas
Ia o portão se abrindo
Ele entrou e foi vendo
Feras de dentes rangendo
Debaixo da limeira
Tinha um leão dormindo.
Ele entrou e foi chamando
Pela lima camponesa
- Eu venho aqui te buscar
obrigado a natureza
preciso que não me faltes
ao chamado da princesa
José agarrou a lima
Com uma mão segurou
As feras partiram em cima
Porém José se livrou
Quando ia chegando perto
Ai o portão se fechou.
Como ele correu com medo
Não podia ter demora
Chegando, entregou a lima
Na mão de sua senhora
Disse ela: - Quero ver
O que vão inventar agora.
No reinado tinha uma
Do Reino das Laranjeiras
Depois chegou a caçula
Do Reno das Limeiras
Era a caçula mais bela
Do que as duas primeiras.
A lima ficou partida
Ela com jeito fechou
Não tinha nenhum defeito
A José ela entregou
Depois que findou o prazo
Foi quando José voltou.
O rei recebeu a lima
Foi tratando de pagar
Deu tanto dinheiro a ele
Que não tinha onde botar
O barbeiro foi com ele
Para seu cabelo cortar.
Chegou junto com José
O barbeiro conhecido
Quando viu as três princesas
Foi correndo espavorido
E sem poder dizer nada
Do que tinha acontecido.
Disse ele: - Rei senhor
Eu lhe digo com franqueza
Fui à casa de José
E lá vi outra princesa
Que aquela só sendo feito
Pela mão da natureza.
- Pra rei senhor gozar nelas
outro conselho vou dou
mande José ao inferno
dizendo que precisou
de saber noticia certa
do finado seu avô.
- Rei meu senhor mande logo
fazer um grande alçapão
dizendo: - É este o caminho
vai por debaixo do chão
quando entrar, feche a porta
morrerá sem remissão.
Mandaram chamar José
Ele depressa chegou:
- Quero que vá no inferno
o monarca assim falou:
- Para levar um oficio
ao finado meu avô.
- Traga noticia de lá
e volte pra me dizer
isto que estou lhe dizendo
o senhor tem que fazer;
volta José soluçando
na certeza de morrer.
A princesa disse a ele:
- O rei faça o que quiser
eles agora vão ver
a força duma mulher
ninguém judia contigo
enquanto eu vida tiver.
- Pega estas duas pedras
leva elas duas na mão
elas num lugar escuro
te servem de lampião
lá tu fazes um discurso
na porta do alçapão.
Nesta hora por ali
Fica tudo admirado
Afrouxes as pedras da mão
E dás um pulo de lado
O fogo que sai das pedras
Deixa tudo encandeado.
José compreendeu tudo
Aprontou-se pra sair
Quando o réu deu o oficio
Pegou ele a discutir
Pulou dentro, saiu fora
Sem ninguém o pressentir.
Todos disseram: - Aquele
Nunca mais há de voltar
Que só do pulo que deu
Viu-se o fogo brilhar
Labaredas do inferno
Na porta veio encontrar.
José no mesmo momento
Pra sua casa voltou
Chegando mais que depressa
Em um quarto se trancou
A mulher pegou a roupa
No fumeiro desprezou.
Todo dia ela queimava
Muito enxofre no fumeiro
Porem sempre às escondidas
Fazia muito ligeiro
Assim foi continuando
Completou um ano inteiro.
José como quem está preso
Seu cabelo não cortava
Não lavava pés nem mãos
As unhas nunca aparava
Um banho nunca tomou
Nem nunca se barbeava.
Vou dizer o que fazia
O rei com seu barbeiro
Que mostrava no seu carro
Na roupa só tinha cheiro
Iam visitar as moças
Só chegavam no terreiro.
No palácio de José
Quando o rei ali saltava
A princesa na janela
Mas nem o cumprimentava
Se o rei subia a calçada
O palácio se fechava.
O rei andava de novo
Começava a rodear
Ela deixava a janela
Procurava outro lugar
Depois de desenganou
E não quis mais passear.
Vamos tratar de José
De qual forma se arranjou
Lhe disse a princesa um dia:
- Eu vou ver que jeito dou
para o barbeiro passar
pelo que você passou.
Quis a princesa vingar-se
Do que o barbeiro fazia
Escreveu uma resposta
Com grande aristocracia
Com letras feias e gregas
Que só o diabo sabia.
Dizendo: “Meu caro neto
Eu aqui estou sossegado
Fiquei ciente de tudo
Que me foi participado
Pelo mesmo portador
Lhe comunico o passado.
Eu aqui sou um guerreiro
Não me sujeito a ninguém
Mande sem falta o barbeiro
Que por hora aqui não tem
Para cortar meu cabelo
E minha barba também”.
Vinha na carta dizendo:
“as suas ordens estou
mande cá o seu barbeiro
bem sabe que lá não vou
aceite mil saudações
do finado seu avô”.
Aí José se vestiu
Com a roupa esfarrapada
Fedendo muito a enxofre
A espada enferrujada
Com os cabelos de monge
A barba toda assanhada.
Botou a carta no bolso
No mesmo instante levou
Antes de chegar na corte
Ele com a um praça encontrou
Ele era um general
E o praça não se importou.
Ele repeliu o praça
Com muita benevolência
Dizendo: - Sou general
Conheço a jurisprudência
Vá mudar de roupa nova
Pra me fazer continência.
José entrou no palácio
Foi logo avisando o rei
Que de longe perguntou-lhe:
- Que és que até me espantei?
- Sou o general da carta
que do inferno cheguei.
- Ontem cheguei de viagem
ele mandou um oficio
receba ele esta aqui
pra trazer fiz sacrifício
só não fui mal na viagem
porque lá vi um patrício.
Quando ele leu o oficio
Pelo assunto primeiro
Viu logo que seu avô
Mandou chamar o barbeiro
Disse o rei: - Vá se aprontar
Pra ir no mesmo roteiro.
- É pra seguir amanhã
não deixe mais demorar
meu avô manda chamá-lo
e eu não posso negar
é para fazer-lhe a barba
e seu cabelo cortar.
Disse ele: - Sigo já
Como o general seguiu;
Fez também o seu discurso
Quando o alçapão abriu
Ele, navalha e tesoura
No grande abismo caiu.
Ele morreu de repente
Daquela morte fatal
Ficou José descansando
De quem lhe fez tanto mal
Depois morreu sempre o reis
Ficou sempre o general.
José que era o rei
De toda aquela nação
A princesa disse a ele:
- Teu pai está na prisão
tua mãe também está presa
junto com o teu irmão.
- Pois é bom que saia cedo
vai para aquele lugar
espera pelo teu povo
que eles têm que passar
e os toma dos soldados
quero com eles falar.
José foi para o ponto
Com pouco avistou seu pai
Sua mãe e seus irmãos
Dando suspiro e ai
Diz ele às praças: - Este povo
Daqui pra diante não vai.
Os soldados responderam:
- Vão todos ao processados
os levamos para o juiz
para ser interrogados;
respondeu José com raiva:
- Dêem meia volta, soldados!
José levou todos eles
E entregou à princesa
Ela foi cortou-lhes as cordas
Sentou-se numa marquesa
Ficaram todos com medo
Quando chegaram na mesa.
Disse a velha: - Com certeza
Nós todos vamos morrer
Pois o réu não se ocupa
Beneficio nos fazer;
Disse o velho: - E é na forca
Pegaram a se maldizer.
Botaram o jantar pra eles
Pra Antonio, feijão com bredo
Pra João, banana com casca
Ficaram todos com medo
Disse a velha consigo:
- Está descoberto o segredo.
A primeira disse a ela:
- Vejo tudo amedrontado
minha velha sente-se aqui
me conte o que foi passado
senão disser morre tudo
de um por um degolado.
- A senhora me responda
quantos filhos já tem tido?
- Só tenho Antonio e João
outros já têm morrido;
- A senhora não tem outro
que está no mundo perdido?
- Conta a história direito
não é preciso negar,
quede José, seu caçula?
Deve inda se lembrar;
Disse a velha: - Essa história
Eu não preciso contar.
A velha morta de medo
Sempre lhe fez o pedido
Dizendo: - Eu tive José
Meu caçula querido
Faz dez anos que ele
Anda no mundo perdido
- Ele era inteligente
não sei se era por sina
pois desejou ver as pernas
das moças da Pedra Fina
meu marido teve medo
foi com ele à disciplina.
Disse a princesa: - O menino
Apanhar não merecia
Se por acaso a senhora
Visse ele conhecia?
Lhe disse a velha: - Conheço
Em qualquer hora do dia.
Ela perguntou à velha
(porem lhe mostrando agrado):
- A senhora conhece aquele
que se acha ali sentado?
Lhe disse a velha: - É o rei
Que governa este reinado.
José não agüentou mais
Partido de comoção
Abraçou-se com a velha
Chorando pediu perdão
Ajoelhou-se aos pés dela
Para tomar-lhe a benção.
José abraçou a todos
Como era bom irmão
Casou Antonio com Romana
A caçula com João
Foram viver no reinado
Na mais perfeita união.
Portanto devemos ter
O pensamento adiantado
José, um menino pobre
Trabalhando no roçado
Desejou ver a princesa
Por isso foi castigado.
Viveram todos felizes
Gozando mil maravilhas
José como uma estrela
Que no firmamento brilha
Mostrou que ele sozinho
Felicitou a família.
PELEJA DE BERNARDO NOGUEIRA E O PRETO LIMÃO
João Martins de Athayde
Em Natal já teve um negro
Chamado Preto Limão
Representador de talento
Poeta de profissão
Em toda parte cantava
Chamando o povo atenção
Esse tal Preto Limão
Era um negro inteligente
Em toda parte que chega
Já dizia abertamente
Que nunca achou cantador
Que lhe desse no repente
Nogueira sabendo disto
Prestava pouca atenção
Dizendo: – eu nunca pensei
Brigar com Preto Limão
Sendo assim da raça dele
Eu não deixo nem pagão
O encontro destes homens
Causou admiração
Que abalou o povo em roda
Daquela povoação
Pra ver Bernardo Nogueira
Brigar com Preto Limão
Eu sou Bernardo Nogueira
Santificado batismo
Força de água corrente
Do tempo do Sacratíssimo
Quando eu queimo as alpercatas
Pareço um magnetismo
Me chamam Preto Limão
Sou turuna no reconco
Quebro jucá pelo meio
Baraúna pelo tronco
Cantador como Nogueira
Tudo obedece meu ronco
Seu ronco não obedeço
Você pra mim não falou
Até o diabo tem pena
Das lapadas qu’eu lhe dou
Depois não saia dizendo:
– Santo Antônio me enganou!
Bernardo eu não me enganei
Agora é que eu pinto a manta
Cantor pra cantar comigo
Teme, gagueja, se espanta
Dou murro em braúna velha
Que o entrecasco alevanta!
Você pra cantar comigo
Precisa fazer estudo
Pisar no chão devagar
Fazer o passo miúdo
Dormir tarde, acordar cedo
Dar definição de tudo…
Você pra cantar comigo
Tem de cumprir um degredo
Pisar no chão devagar
Bem na pontinha do dedo
Dar definição de tudo
Dormir tarde, acordar cedo…
Cantor que canta comigo
Estira como borracha
O suor do corpo mina
Os olhos saltam da caixa
Quer tomar pé mas não pode
Procura o fôlego e não acha…
Nogueira, estás enganado
Queira Deus você não rode
Teimar com Preto Limão
Você quer porém não pode
Se cair nas minhas unhas
Hoje aqui nem Deus acode!
Moleque, se eu te pegar
Me escancho em tuas garupas
Das pernas eu faço gaita
Da cabeça uma cumbuca
Dos queixos um par de tamanco
Da barriga chupa-chupa
Nogueira se eu te pegar
Até o diabo tem dó!
Desço de goela abaixo
Em cada tripa dou nó
Subo de baixo pra cima
E vou morrer no gogó
Da forma qu’eu te deixar
Não vale a pena viver
Porque teus próprios amigos
Não hão de te conhecer
Corto-te os beiços de cima
Faço te rir sem querer!
Você vai ficar pior
Send’eu já estava chorando
Porque de ora em diante
Hás de falar bodejando
Corto-te a ponta da língua
Fica o tronco balançando
O resto de tua vida
Terás muito o que contar
Dês de perto, abertamente
Se acaso desta escapar
Diga que foste ao inferno
Depois tornaste a voltar
Tive uma pega com Inácio
Moleque bom na madeira
É negro que não se afronta
Com dez léguas de carreira
Dum açoite que dei nele
Quase larga a cantigueira
Você cantou com Inácio
Porém só foi uma vez
E faz vergonha contar
O que foi qu’ele te fez
Te pôs doente um ano
Aleijado mais dum mês
Inácio não me fez nada
Porque vivia cismado
Duma surra qu’eu dei nele
Há vinte do mês passado
De preto ficou cinzento
Quase morre asfixiado
Moleque tu me conhece
Como cantor afamado
No lugar qu’eu ponho a boca
É triste teu resultado
Tive uma pega com Inácio –
Já vi serviço pesado!
É porque você não viu
Preto Limão enfezado
Acendia os horizontes
De um para o outro lado
Rasga as decondências dele
De um negro encondensado
Tive aperreado um dia
Fiz a terra dar um tombo
No recreio da parcela
O mar é surdo urubombo
Cobri o mundo de fogo
E nada me fez assombro
Você fazendo tudo isso
Dá prova de homem forte
Eu já o considerava
Pela sua infeliz sorte
Se você chegasse a ir
Ao Rio Grande do Norte
Se eu for lá ao Rio Grande
Até você desanima
O sol perderá seus raios
A terra, o mundo e o clima
Tapo a boca do rio
Deixo correndo pra cima!
Se me tapares o rio
Verás como eu sou tirano
Rasgo pela terra a dentro
E vou sair no oceano
Deixo a maré do Brasil
Enchendo uma vez por ano!
Moleque, o que você tem?
Parece um pinto nuelo?
Contaste tanta façanha
Como estás tão amarelo?
Quanto mais você se visse
Seu Nogueira no martelo
Se eu cantar o martelo
Você encontra banzeiro
Qu’eu perco a fé em doente
Quando muda o travesseiro
Afinal siga na frente
Qu’eu irei por derradeiro
O cantor qu’eu pegá-lo no martelo
Pego na goela
O cabra esmorece
A língua desce
Os olhos racha
Salta da caixa
Por despedida
Procura a vida
Porém não acha
Tenho chumbo e bala
Para seu Nogueira
Cantador goteira
Pra mim não fala
Dentro duma sala
Fica entupido
E amortecido
E sem recurso
Até o pulso
Lhe tem fugido
É na bebedeira
Que o preto morre
Tropeça e corre
Topa ladeira
Mede porteira
E passadiço
E alagadiço
Se for com trama
Se encontrar lama
Topa serviço
Duro de fama
Dura bem pouco
Que o pau que é oco
Não bota rama
Chora na cama
Qu’é lugar quente
Quebro-te dente
Furo-te a língua
Faço-te íngua
Cabra insolente
Vante o perigo
É qu’sou valente
Sou a serpente
Do tempo antigo
Negro comigo
Não tem ação
Boto no chão
Quebro a titela
Arranco a moela
Levo na mão
Nogueira, tu reparaste
Num sujeito que chegou?
Trouxe um recado urgente
Que minha mulher mandou
Por hoje eu não canto mais
Fique cantando qu’eu vou…
Não quero articulação
Vá se embora seu caminho
Canário que estala muito
Costuma borrar o ninho
Quem gosta de surrar negro
Não pode cantar sozinho
Naquele mesmo momento
Saiu o Preto Limão
Deixou o povo na sala
Tudo em uma confusão
Uns diziam que correu
Outros diziam que não
Quando o Preto voltou
Nogueira tinha saído
Preto Limão disse ao povo:
– Vão chamar o atrevido
Venham olhar bem de perto
Como se açoita um bandido
Foram chamar o Nogueira
Estando ele descansado
Deitado na sua rede
Quando chegou-lhe o recado
Nogueira com muito gosto
Foi acudir ao chamado
Quando Nogueira chegou
Encontrou Preto Limão
Acuado numa sala
Ringia que só leão
Naquele mesmo momento
Começaram a descrição
Cantador qu’eu pegá-lo de revés
Com o talento qu’eu tenho no meu braço
Dou-lhe tanto que deixo num bagaço
Só de murro, tabefe e pontapés
Só de surras eu dou-lhe mais de dez
E o povo não ouve um só grito
Faz careta e se vale do Maldito
Miserável, tua culpa te condena
Mas quem é que no mundo terá pena
Deste monstro que morre tão aflito?
Cantador com Nogueira não peleja
Sendo assim como o tal Preto Limão
Só se for pra tomar minhas lição
Ele engole calado e não bodeja
Vai comendo da mesa o que sobeja
Precisa me tratar com muito agrado
No instante fazer o meu mandado
É de pressa, é ligeiro, é sem demora
Qu’eu não gosto de moleque que se escora
Pois assim é qu’eu o quero por criado
Vale a pena não seres cantador
É melhor trabalhares alugado
Vai cumprir por aí teu negro fado
Vai viver sob o ferro dum feitor
Da senzala já és um morador
Teu trabalho é lá na bagaceira
O que ganhas não dá pra tua feira
Renego tua sorte tão mesquinha
Que te assujeitas às amas da cozinha
E te ofereces pra delas ser chaleira
Este homem já vive desvalido
É descrente de Deus e da Igreja
Lúcifer o teu nome já festeja
Tu só podes viver é sucumbido
Sois tão ruim que só andas escondido
Para Deus nunca mais serás fiel
Tua raça é descendente de Lusbel
Que do Céu já perdeste a preferência
Farás tua eterna convivência
Lá embaixo dos pés de São Miguel
Tu pareces que vinhas na carreira
Sempre olhando pra frente e para trás
Como quem chega assim veloz de mais
Eu vi bem quatro paus de macaxeira
Uma jaca partida e outra inteira
Também vi dois balaios de algodão
Creio que tu já foste um ladrão
Com o peso fazia andar sereno
Às dez horas da noite, mais ou menos
Encontrei-te com esta arrumação
Meus senhores de dentro do salão
Este enorme convívio de alegria
Exaltar este homem é covardia
Só lhe falta o nome de ladrão
Para o povo tem sido muito exato
Só o que tem é que peru, galinha e pato
No lugar que ele mora não se cria
Muita gente aqui já desconfia
Que ele passa lição a qualquer rato
Quiosque fechado não se vende
Cantador sem rimar é desfeitado
Como tu neste banco te alevantas
Não precisa que o povo me encomende
Quem é cego de nada compreende
Vive numa masmorra anzolado
Por que eu já o tenho protejado
Desta tua incivil sorte mesquinha
Eu te deixo no mato sem caminho
Sob as garras dum gancho pendurado
Cantador capoeira não me aguenta
Inda duro e valente qu’ele seja
Com Bernardo Nogueiras não peleja
Adoece, entisica e se arrebenta
Dou na testa, dou na boca, dou na venta
Desta pisa ele fica amortecido
Endoidece, fica vário do sentido
Eu o boto na roda e no manejo
Ficará satisfeito meu desejo
Pra não seres cantador intrometido
Te arrepende da hora que nasceste
Seu Nogueira como é tão infeliz
Tua vida no mundo contradiz
Contra mim pelejando não venceste
Na prisão de masmorra já sofreste
Tua vida já perde as esperança
Eu armei uma forca e uma balança
Num minuto hás de ser bem degolado
Ficará todo mundo consolado
Preto Limão só assim terá vingança!
Eu já tenho um moinho de quebrar osso
Uma prensa inglesa preparada
Qu’inda ontem imprensei um camarada
Qu’era duro, valente e muito moço
Eu já tenho guardado o teu almoço
Qu’é um bolo de ovos com manteiga
Pra cantor malcriado que lá chega
Eu agarro na gola desse cuba
Piso a carne diluída e faço puba
Se eu não matar levo ele para a pega
Quando eu apareço numa casa
Que me mandam então eu divertir
Quatro, cinco dias vê cair
Relâmpago, trovão, curisco e brasa
Cantador comigo não se atrasa
E quem for valente, já morreu
A tocha de fogo já desceu
Meu martelo é de ferro e aço puro
Cantador comigo está seguro
Nunca houve um martelo como o meu…
Você diz que no martelo é atrevido
E somente porque não considera
Você nas minhas unhas desespera
Fica louco e quase sem sentido
Numa hora ficarás doido varrido
Teu repente não passa de besteira
As peiadas que eu te dou levanta poeira
Todo o povo já lhe tem é compaixão
Eu te deixo embolando pelo chão
Como porco que bebe manipueira
Dou-te sufregada
Dou-te tapa-queixo
Com pouco te deixo
Com a boca lascada
A língua puxada
Três palmo de fora
Casco-te as esporas
P’rós teus suvaco
Faço raco-raco
Danado, tu chora!
Dou-te bofetão
No pé do cangote
Eu vou no pacote
Do Preto Limão
Eu boto no chão
E piso a barriga
Espirra a lombriga
Os pinto comendo
O povo dizendo:
– Agüenta a espiga…
Milanês estava cantando
em vitória de Santo Antão
chegou Severino Pinto
nessa mesma ocasião
em casa de um marchante
travaram uma discussão.
M – Pinto, você veio aqui
se acabar no desespero
eu quero cortar-lhe a crista
desmantelar seu poleiro
aonde tem galo velho
pinto não canta em terreiro
P – mas comigo é diferente
eu sou um pinto graúdo
arranco esporão de galo
ele corre e fica mudo
deixa as galinhas sem dono
eu tomo conta de tudo
M – Para um pinto é bastante
um banho de água quente
um gavião na cabeça
uma raposa na frente
um maracajá atrás
não há pinto que agüente
P – Da raposa eu tiro o couro
de mim não se aproxima
o maracajá se esconde
o gavião desanima
do dono faço poleiro
durmo, canto e choco em cima.
M – Pinto, cantador de fora
aqui não terá partido
tem que ser obediente
cortês e bem resumido
ou rende-me obediência
ou então é destruído
P – Meu passeio nesta terra
foi acabar sua fama
derribar a sua casa
quebrar-lhe as varas da cama
deixar os cacos na rua
você dormindo na lama
M – Quando vier se confessar
deixe em casa uma quantia
encomende o ataúde
e avise a feguezia
que é para ouvir a sua
missa do sétimo dia
P – Ainda eu estando doente
com uma asa quebrada
o bico todo rombudo
e a titela pelada
aonde eu estiver cantando
você não torna chegada
M – O pinto que eu pegar
pélo logo e não prometo
vindo grande sai pequeno
chegando branco sai preto
sendo de aço eu envergo
sendo de ferro eu derreto
P – No dia que eu tenho raiva
o vento sente um cansaço
o dia perde a beleza
a lua perde o espaço
o sol transforma-se em gelo
cai de pedaço em pedaço
M – No dia que dou um grito
estremece o ocidente
o globo fica parado
o fruto não dá semente
a terra foge do eixo
o sol deixa de ser quente
P – Eu sou um pinto de raça
o bico é como marreta
onde bate quebra osso
sai felpa que dá palheta
abre buraco na carne
que dá pra fazer gaveta
M – Eu pego um pinto de raça
e amolo uma faquinha
faço um trabalho com ele
depois pesponto com linha
ele vivendo cem anos
não vai perto de galinha
P – Milanês, você comigo
desaparece ligeiro
eu chego lá tiro raça
me aposso do poleiro
e você dorme no mato
sem poder vir no terreiro
M – Pinto, agora nós vamos
cantar em literatura
eu quero experimentá-lo
hoje aqui em toda altura
você pode ganhar esta
porém com grande amargura
P – pergunte o que tem vontade
não desespere da fé
do oceano, rio e golfo
estreito, lago ou maré
hoje você vai saber
pinto cantando quem é
M – Pinto, você me responda
de pensamento profundo
sem titubear na fala
num minuto ou num segundo
se leu me diga qual foi
a primeira invenção do mundo
P – Respondo porque conheço
vou dar-lhe minha notícia
foi o quadrante solar
pelo povo da Fenícia
os babilônios também
gozaram a mesma delícia
M – Como você respondeu-me
não merece disciplina
hoje aqui não há padrinho
que revogue a sua sina
se você souber me diga
quem inventou a vacina?
P – Não pense que com pergunta
enrasca a mim, Milanês
foi a vacina inventada
no ano noventa e seis
quem estuda bem conhece
que foi Jener Escocês
M – Sua resposta foi boa
de vocação verdadeira
mas queira Deus o colega
suba agora essa ladeira
me diga quem inventou
o relógio de algibeira?
P – No ano mil e quinhentos
Pedro Hélio com façanha
em Nuremberg inventou
essa obra tão estranha
cidade da Baviera
que pertence a Alemanha
M – Pinto, cantando não gosto
de amigo nem camarada
se conhece a história
Roma onde foi fundada?
o nome do fundador
e a data comemorada?
P – Em l7 e 53
antes de Cristo chegar
nas margens do Rio Tibre
isso eu posso lhe provar
Rômulo ali fundou Roma
a 15 milhas do mar
M – Pinto, eu na poesia
quero mostrar-lhe quem sou
relativo o avião
perguntando ainda vou
diga o primeiro balão
quem foi que inventou?
P – Em mil seiscentos e nove
Bartolomeu de Gusmão
no dia oito de agosto
fez o primeiro balão
hoje no mundo moderno
chama-se o mesmo avião
M – Pinto estou satisfeito
já de você eu não zombo
mas não pense que com isto
atira terra no lombo
disponha de Milanês
pra ver se ele agüenta o tombo
P – Milanês, você comigo
ou canta ou perde o valor
você me responda agora
seja que de forma for
de quem foi a invenção
do primeiro barco a vapor?
M – Eu quero lhe explicar
digo não muito ruim
a 16 a 87
você não desmente a mim
o inventor desse barco
foi o sábio Diniz Papim
P – Em que ano inaugurou-se
da Europa ao Brasil
a linha pra esse barco
a vapor e mercantil?
Se não souber dê o fora
vá soprar em um funil
M – Foi um navio inglês
que levantou a bandeira
em 18 a 51
veio a terra brasileira
sendo a nove de janeiro
fez a viagem primeira
P – E qual foi a 1a guerra
feita a barco a vapor?
Você ou diz ou apanha
da surra muda de cor
quebra a viola e deserta
nunca mais é cantador
M – Em l8 e 65
a esquadra brasileira
dentro do Riachuelo
içou a sua bandeira
na guerra do Paraguai
foi a batalha primeira
P – Milanês, você comigo
ou canta muito ou emperra
não pode se defender
salta, pula, chora e berra
qual foi a primeira estrada
de ferro, na nossa terra?
M – Foi quando Pedro II
tinha aqui poderes mil
em 18 e 54
no dia trinta de abril
inaugurou-se em Mauá
a primeira do Brasil
P – Milanês, você é fraco
não agüenta o desafio
eu ainda estou zombando
porque estou de sangue frio
me diga quem inventou
o telégrafo sem fio?
M – Pinto, você não pense
que meu barco vai a pique
em mil seiscentos e oito
na cidade de Munique
Suemering inventou
este aparelho tão chique
P – Eu já vi que Milanês
não responde cousa à toa
se ainda quiser cantar
hoje um de nós desacoa
puxe por mim que vai ver
um pinto de raça boa
M – Pinto, o seu pensamento
pra todo lado manobra
mas eu não conheço medo
barulho pra mim não sobra
é fogo queimando fogo
é cobra engolindo cobra
P – Do pessoal do salão
levantou-se um cavalheiro
dizendo: quero que cantem
pelo seguinte roteiro
Milanês pergunta a Pinto
como passa sem dinheiro
M – Oh! Pinto, você precisa
dum palitó jaquetão
uma manta, um cinturão
uma calça, uma camisa
está de algibeira lisa
não encontra um cavalheiro
que forneça ao companheiro
pra fazer-lhe um beneficio
olhe aí o precipício
como compra sem dinheiro?
P – Eu recomendo a mulher
que compre na prestação
um palitó jaquetão
a camisa se tiver
quando o cobrador vier
ela esteja no terreiro
eu fico no fogareiro
pelo oitão vou furando
ele ali fica esperando
assim compro sem dinheiro
M – Você em uma cidade
precisa de refeição
porém não tem um tostão
que mate a necessidade
ali não há caridade
na casa do hoteleiro
só encontra desespero
fala e ninguém lhe atende
fiado ninguém lhe vende
como come sem dinheiro?
P – Eu levo um carrapato
guardado dentro do bolso
vou no hotel peço almoço
no fim boto ele no prato
faço logo um desacato
chamo o garçon ligeiro
ele me diz: cavalheiro
cale a boca, vá embora;
saio por ali a fora
assim como sem dinheiro
M – Você precisa casar
para ser pai de família
precisa roupa e mobília
cama para se deitar
você não pode comprar
cadeira nem petisqueiro
atoalhado estrangeiro
mesa para refeição
você não tem um tostão
como casa sem dinheiro?
P – Se a moça amar-me enfim
me tendo amor e firmeza
não especula riqueza
nem diz que eu sou ruim
ela ontem disse a mim:
eu quero é um cavalheiro
e você é o primeiro
para ser meu defensor
quero é gozar teu amor
e assim caso sem dinheiro
M – Você depois de casado
sua esposa cai doente
você não tem um parente
que lhe empreste 1 cruzado
ver seu anjo idolatrado
gemendo sem paradeiro
olhe aí o desespero
na porta do camarada
só ver pobreza e mais nada
como cura sem dinheiro?
P – Eu boto-a nos hospitais
do governo do estado
pra quem está necessitado
aquilo serve demais
as irmãs especiais
chamam logo o enfermeiro:
— Vamos com isto ligeiro
tratam com mais brevidade;
se interna na caridade
assim curo sem dinheiro
M – Oh! Pinto, camaradinha
você precisa ir à feira
para comprar macaxeira
arroz, batata e farinha
bacalhau, charque e sardinha
tomate, vinho e tempero
gás, açúcar e candeeiro
biscoito, chá, macarrão
bolacha, manteiga e pão
Como compra sem dinheiro?
P – Eu dou um jeito no pé
envergo um dedo da mão
um dali dá-me um pão
outro dá-me um café
à tarde vou à maré
espero ali o peixeiro
ele é hospitaleiro
humanitário e carola
dá-me um peixe por esmola
e assim como sem dinheiro
M – Com este verso do Pinto
encheu de riso o salão
houve uma recepção
naquele nobre recinto
ergueu-se um rapaz distinto
com frase meiga e bela
disse: mudem de tabela
pra uma idéia mais grata:
nem a polícia me empata
de chorar na cova dela
P – Eu tive uma namorada
bonita igual Madalena
parecia uma verbena
pela manhã orvalhada
a morte tomou chegada
matou a minha donzela
quando sepultaram ela
quase a tristeza me mata
nem a polícia me empata
eu chorar na cova dela
M – Eu amei uma criatura
ela o coração me deu
na minha ausência morreu
eu sofri muita amargura
fui à sua sepultura
para abraçar-me com ela
ainda via a capela
toda bordada de prata
nem a polícia me empata
eu chorar na cova dela
M – Um dia um amigo meu,
disse com toda bravura
deixe de sua loucura
se esqueça de quem morreu
uma desapareceu
Procure outra donzela;
eu disse: igualmente aquela
não existe nesta data
nem a polícia me empata
eu chorar na cova dela
P – Desperto de madrugada
o sono desaparece
me levanto e faço prece
na cova de minha amada
volto pela mesma estrada
com o pensamento nela
quando eu não avisto ela
vou dormir dentro da mata
nem a polícia me empata
eu chorar na cova dela
M – Caros apreciadores
qualquer que analisou
nem Pinto saiu vaiado
nem Milanês apanhou
vamos esperar por outra
que esta aqui terminou
ANTÔNIO SILVINO: O REI DOS CANGACEIROS
Leandro Gomes de Barros
O povo me chama grande
E como de fato eu sou
Nunca governo venceu-me
Nunca civil me ganhou
Atrás de minha existência
Não foi um só que cansou.
Já fazem 18 anos
Que não posso descansar
Tenho por profissão o crime
Lucro aquilo que tomar,
O governo às vezes dana-se
Porém que jeito há de dar?!
O governo diz que paga
Ao homem que me der fim,
Porém por todo dinheiro
Quem se atreve a vir a mim?
Não há um só que se atreva
A ganhar dinheiro assim.
Há homens na nossa terra
Mais ligeiros do que gato,
Porém conhece meu rifle
E sabe como eu me bato,
Puxa uma onça da furna,
Mas não me tira do mato.
Telegrafei ao governo
E ele lá recebeu,
Mandei-lhe dizer: doutor,
Cuide lá no que for seu,
A capital lhe pertence
Porém o estado é meu.
O padre José Paulino
Sabe o que ele agora fez?
Prendeu-me dois cangaceiros,
Tinha outro preso fez três,
O governo precisou
Matou tudo de uma vez.
Porém deixe estar o padre,
Eu hei de lhe perguntar
Ele nunca cortou cana
Onde aprendeu a amarrar?
Os cangaceiros morreram
Mas ele tem que os pagar.
Depois ele não se queixe,
Dizendo que eu lhe fiz mal,
Eu chego na casa dele,
Levo-lhe até o missal,
Faço da batina dele
Três mochilas para sal.
Um dos cabras que mataram,
Valia três Ferrabrás
Eu não dava-o por cem papas,
Nem quinhentos cardeais
Não dava-o por dez mil padres,
Pois ele valia mais.
Mas mestre padre entendeu
Que ia acertadamente
Em pegar meus cangaceiros
E fazer deles presente,
Quem tiver pena que chore
Quem gostar fique contente.
Meus cangaceiros morreram
Mas ele morre também,
Eu queimando os pés aqui
Nem mesmo o diabo vem,
Eu não vou criar galinhas
Para dar capões a ninguém.
Tudo aqui já me conhece
Algum tolo inda peleja,
Eu sou bichão no governo
E sou trunfo na igreja.
Porque no lugar que passo
Todo mundo me festeja.
No Norte tem quatro estados
À minha disposição,
Pernambuco e Paraíba
Dão-me toda distinção,
Rio-Grande e o Ceará
Me conhecem por patrão.
No Pilar da Paraíba
Eu fui juiz de direito,
No povoado - Sapé,
Fui intendente e prefeito,
E o pessoal dali
Ficou todo satisfeito.
Ali no entroncamento
Eu fui Vigário-geral,
Em Santa Rita fui bispo,
Bem perto da capital,
Só não fui nada em Monteiro,
Devido a ser federal.
Porém tirando o Monteiro,
O resto mais todo é meu,
Aquilo eu faço de conta
Que foi meu pai que me deu
O governo mesmo diz:
Zele porque tudo é seu.
Na vila de Batalhão,
Eu servi de advogado,
Lá desmanchei um processo
Que estava bem enrascado,
Livrei três ou quatro presos
Sem responderem jurado.
Só não pude fazer nada
Foi na tal Santa Luzia.
Perdi lá uma eleição,
A cousa que eu não queria,
Mas o velho rifão diz:
Roma não se fez n’um dia.
O padre José Paulino
Pensa que angu é mingau
Entende que sapo é peixe
E barata é bacurau
Pegue com chove e não molha,
Depois não se meta em pau.
Eu já encontrei um padre,
Recomendado de papa,
Tinha o pescoço de um touro,
Bom cupim para uma tapa,
Fomos às unhas e dentes,
Foi ver aquela garapa.
Quando o rechonchudo viu
Que tinha se desgraçado,
Porque meu facão é forte,
Meu baço é muito pesado,
Disse: vôte, miserável,
Abancou logo veado.
Eu gritei-lhe: padre-mestre,
Me ouça de confissão.
Ele respondeu-me: dane-se
Eu lhe deixo a maldição,
Em mim só tinha uma coroa,
Você fez outra a facão.
Eu inda o deixei correr
Por ele ser sacerdote,
Para cobra só faltava
Enroscar-se e dar o bote,
Aonde ele foi vigário,
Quatro levaram chicote.
Foi tanto qu’eu disse a ele:
Padre não seja atrevido
Tire a peneira dos olhos,
Veja que está iludido,
Eu lhe respeito a coroa,
Porém não o pé do ouvido.
O velho padre Custódio,
Usurário, interesseiro,
Amaldiçoava quem desse
Rancho a qualquer cangaceiro,
Enterrou uma fortuna,
E eu sonhei com o dinheiro!...
Então fui na casa dele,
Disse, padre eu quero entrar
Dez contos de réis em ouro
Achemos lá n’um surrão,
Três contos de réis em prata
Achou-se n’outro caixão,
Eu disse: padre não chore,
Isso é produto do chão.
O padre ficou chorando
Eu disse a ele afinal
Padre mestre, este dinheiro
Podia lhe fazer mal
Quando criasse ferrugem
Lhe desgraçava o quintal.
Ajuntei todos os pobres
Que tinham necessidade
Troquei ouro por papel
Haja esmola em quantidade
Não ficou pobre com fome
Ali naquela cidade.
O padre José Paulino
Acha que estou descansado
Queria fazer presente
Ao governo do Estado
Deu três cangaceiros meus
Sem nada lhe ter custado.
Um desses ditos rapazes,
Estava até tuberculoso,
O segundo era um asmático,
O terceiro era um leproso,
O urubu que o comeu
Deve estar bem receoso.
Tive nos meus cangaceiros
Um prejuízo danado,
Primeiro foi Rio-Preto,
Segundo Pilão-Deitado,
Os homens mais destemidos
Que tinham me acompanhado.
Eu juro pelo meu rifle,
Que o Padre José Paulino
Cai sempre na ratoeira
E paga o grosso e o fino,
Não há de casar mais homem,
Nem batizar mais menino.
Eu sempre gostei de padre
Tenho agora desgostado
Padre querer intervir
Em negócio do Estado?!...
Viaja sem o missal,
Mas leva o rifle encostado.
Em vez de estudar o meio
Para nos aconselhar,
Só quer saber com acerto,
Armar rifle e atirar,
Lá onde ele ordenou-se,
Só lhe ensinaram a brigar.
Depois ele não se queixe,
Nem diga que sou malvado,
Ele nunca assentou praça
Como pode ser soldado?
Não tem razão de queixar-se,
Se tiver mau resultado.
Quatro estados reunidos
Tratam de me perseguir,
Julgam que não devo ter
O direito de existir,
Porém enquanto houver mato,
Eu posso me escapulir.
Eu ganhando essas serras,
Não temo alguém me pegar
Ainda sendo um que pegue,
Uma piaba no mar,
Um veado em mata virgem
E uma mosca no ar.
Eu já sei como se passa
Cinco dias sem comer,
Quatro noites sem dormir,
Um mês sem água beber,
Conheço as furnas onde durmo
Uma noite se chover.
Uma semana de fome,
Não me faz precipitar,
Mato cinco ou seis calangos
Boto no sol a secar,
Quatro ou cinco lagartixas,
Dão muito bem um jantar.
Eu passei mais de um mês
Numa montanha escondido,
Um rapaz meu companheiro
Foi pela onça comido,
Por essa também
Eu fui muito perseguido.
Era um lugar esquisito,
Nem passarinho cantava!...
Apenas à meia noite
Uma coruja piava,
Então uma grande onça,
De mim não se descuidava.
Havia muito mocós,
Eu não podia os matar,
Andava tropa na serra
Dia e noite a me caçar,
No estampido do tiro
Era fácil alguém me achar.
Passava-se uma semana
Que nada ali eu comia,
Eu matava algum calangro
Que por perto aparecia
Botava-os na pedra quente
Quando secava eu comia.
Quando apertava-me a sede
Pegava a croa de frade
Tirava o miolo dela
Chupava aquela umidade
Lá eu conheci o peso
Da mão da necessidade.
Um dia que a tropa andava
Na serra me procurando
Viram que um grande tigre,
Estava em frente os emboscando
Um dos oficiais disse:
Estamos nos arriscando.
E o Antonio Silvino
Não anda neste lugar,
Se ele andasse, aquela onça
Havia de se espantar,
Eu estava perto deles,
Ouvindo tudo falar.
Ali desceu toda a tropa,
Não demoraram um momento,
Um soldado que trazia
Um saco de mantimento,
Por minha felicidade
Deixou-o por esquecimento.
Eu estava dentro do mato,
Vi quando a tropa desceu
O tigre soltou um urro,
Que o tenente estremeceu
Até a borracha d’água
Uma das praças perdeu.
Quando eu vi que a tropa ia
Já n’uma grande lonjura,
Fui, apanhei a mochila,
Achei carne e rapadura,
Farinha queijo e café,
Aí chegou-me a fartura.
Achei a borracha d’água
Matei a sede que tinha,
A carne já estava assada,
Fiz um pirão de farinha
Enchi a barriga e disse:
Deus te dê fortuna, oncinha.
Porque a tua presença,
Fez toda a força ir embora,
O ronco que tu soltasses,
Encheu-me a barriga agora,
Eu com a sede que estava,
Não durava meia hora.
E é agora o que faço,
Havendo perseguição,
Procuro uma gruta assim
E lá faço habitação,
Só levo lá, um, dois rifles
E o saco de munição.
Me mudo para uma furna
Que ninguém sabe onde é,
A furna tem meia légua
Marcando de vante a ré,
A onça chega na boca
Mas dentro não põe o pé.
A onça conhece a furna,
Desde a entrada à saída
Porém qual é essa fera
Que não tem amor à vida?
Uma onça parte assim,
Se vendo quase perdida!...
Quando eu deixar de existir
Ninguém fica em meu lugar,
Ainda que eu deixe filho,
Ele não pode ficar,
Porque a um pai como eu
Filho não pode puxar.
Pode ter muita coragem
Ser bem ligeiro e valente,
Mas vamos ver suporta
Passar três dias doente,
Com sede de estalar beiço
E fome de serrar dente.
Se não tiver natureza
De comer calango cru,
Passe um mês sem beber água
Chupando mandacaru,
Dormir em furna de pedra
Onde só veja tatu.
Não podendo fazer isso,
Nem pense em ser cangaceiro,
Que é como um cavalo magro
Quando cai no atoleiro,
Ou um boi estropiado
Perseguido do vaqueiro.
Há de ouvir como cachorro,
Ter faro como veado,
Ser mais sutil do que onça,
Maldoso e desconfiado,
Respeitar bem as famílias,
Comer com muito cuidado.
Andar em qualquer lugar
Como quem está no perigo,
Se for chefe de algum grupo
Ninguém dormirá consigo,
O próprio irmão que tiver,
O tenha como inimigo.
O cangaceiro sagaz
Não se confia em ninguém,
Não diz para onde vai,
Nem ao próprio pai se tem,
Se exercitar bem nas armas,
Pular muito e correr bem.
Em meu grupo tem entrado
Cabra de muita coragem,
Mas acha logo o perigo
E encontra a desvantagem
Foge do meio do caminho,
Não bota o meio da viagem.
Porque andar vinte léguas
Isso não é brincadeira,
E romper mato fechado,
Subir por pedra e ladeira,
Como eu já tenho feito,
Não é lá cousa maneira.
Pegar cobra como eu pego
Quando ela quer me morder,
Cascavel com sete palmos,
Só se Deus o proteger,
Mas eu pego quatro ou cinco
E solto-a, deixo-a viver.
Que é para ela saber,
Que só eu posso ser duro,
Eu já conheço o passado,
Nele ficarei seguro,
Penso depois no presente
Previno logo o futuro.
José Camelo de Melo Resende
Coco-Verde e Melancia
é uma história que alguém
quer sabê-la mas não sabe
o começo de onde vem
nem sabe os anos que faz
pois passam trinta de cem
Coco-Verde era filho
de Constantino Amaral
morador no Rio Grande
mas fora da capital
pois sua casa distava
meia légua de Natal
Porém seu nome era Armando
como o povo o conhecia
mas a namorada dele
essa tal de Melancia
a ele por Coco-Verde
chamava e ninguém sabia
Então dessa Melancia
Rosa era o nome dela
porém Armando em criança
se apaixonando por ela
para poder namora-la
pôs esse apelido nela
Portanto, seu nome é Rosa
seu pai Tiago Agostinho
de origem portuguesa
do pai de Armando vizinho
seus sítios eram defronte
divididos num caminho
Quando Rosa fez seis anos
e Armando a mesma idade
os pais de ambos trouxeram
um professor da cidade
para instruir as crianças
daquela localidade
Fizeram logo uma casa
sobre um alto, nela então
Rosa e Armando começaram
a receber instrução
junto com outros meninos
uns vizinhos outros não
Nessa escola começou
Armando a namorar Rosa
pois ela além de ser rica
era bastante formosa
inteligente e cortez
muito séria e carinhosa
Rosa tinha por Armando
uma grande simpatia
de forma que quando o mestre
dava nele ela sentia
o mesmo fazia Armando
quando ela padecia
Ao completarem dez anos
tanto Rosa como Armando
em lousas um para a outro
viviam se carteando
mas disfarçando que estavam
nota de carta apostando
Depois Armando temendo
que o mestre os descobria
figindo que amava as frutas
e nas notas que fazia
tomou como namorada
a chamada Melancia
Rosa também pelas frutas
fingiu amor desmedido
e tomou o Coco-verde
já para seu pretendido
porém o “Coco” era Armando
ele estava prevenido
Rosa estava prevenida
que a melancia de Armando
era ela, então assim
brincavam se carteando
diziam aos outros que estavam
notas de cartas apostando
Então defronte a escola
tinha uma pedra isolada
ficando ao lado direito
do poente da estrada
e dela não se avistava
dos pais de Rosa a morada
Armando muito sincero
quando da escola voltava
bem ao pé da dita pedra
satisfeito ele a esperava
e dali para diante
ele a Rosa acompanhava
Rosa ao fazer doze anos
o mestre um dia calado
levou todos os meninos
pra um salão reservado
ficando então as meninas
no seu salão costumado
Armando quando se viu
no salão longe de Rosa
não deu lição nesse dia
por não vê sua mimosa
o mestre então castigou-o
com sua mão rigorosa
Voltou Armando de tarde
no pé da pedra esperou
por Rosa quinze minutos
mas ela ali não chegou
e Armando vendo a demora
pra casa triste marchou
Mas Rosa no outro dia
deixou seus pais almoçando
e caminhou para a pedra
onde esperou por Armando
e quando Armando chegou
encontrou ela chorando
Armando lhe perguntou:
Rosa, diz-me o motivo
que te fez em me deixar
tão tristonho e pensativo?
diz-me se o nosso amor
já morreu ou inda está vivo?
Rosa chorando lhe disse:
foi o nosso professor
que não deixou-me voltar
por causa do nosso amor
dizendo que foi meu pai
que a ele fez sabedor
Disse-me mais que meu pai
lhe disse que não convinha
leu andar junto contigo
pois estou quase mocinha
portanto, só me deixasse
vir da escola sozinha
Armando lhe respondeu:
pois a coisa está ruim
como eu não posso ver
da nossa amizade o fim
vou ausentar-me desta terra
pra descansares de mim
– Amanhã em vou embora
para nunca mais voltar
pois minha presença aqui
talvez te faça penar
e mesmo não me convém
ver-te sem poder-te amar
Disse Rosa: tu assim
trazes pra mim um perigo
porque se fores embora
eu hei de acabar comigo
pois a vida só me serve
se eu me casar contigo
– Hoje não vejo quem tenha
força capaz de fazer
meu coração desprezar-te
antes prefiro morrer
pois pra tudo existe jeito
e o jeito eu vou dizer
– Esta pedra de hoje em diante
será pois a nossa agência
poderemos deixar nela
munidos de paciência
todo dia um para o outro
sincera correspondência
– Porque nosso amor precisa
nutrir as suas raizes
no coração um do outro
para vivermos felizes;
eis ai o meu destino
vê agora o que me dizes
Armando lhe respondeu:
pois deixo de ir-ma embora
porque o meu coração
te consagro nesta hora
e para que me acredite
eu vou te jurar agora
– Eu juro a Deus que jamais
te deixarei esquecer
um só instante em meu peito
e juro também sofrer
por ti qualquer desventura
que alguém queira trazer
– Juro mais que te pertencem
minh’alma, meu coração
e juro também por ti
desconhecer a razão
porque para defender-te
me sujeitarei a prisão
Rosa disse: em também juro
por ti ser forte e ativa
e o meu amor durar sempre
como esta pedra nativa
se eu não casar contigo
juro a Deus não ficar viva
– E se meu pai não quizer-te
como genro, inda te digo
daqui do pé desta pedra
juro a Deus fugir contigo
juro mais que meu amor
não obedece castigo
Nisto bateu a sineta
da escola, convidando
a entrada dos alunos
pois todos iam chegando
Rosa ai marchou com pressa
de parelha com Armando
Então depois desse dia
Armando quando passava
na pedra para a escola
uma carta encontrava
e Rosa encontrava outra
à tarde quando voltava
Quando Rosa ficou moça
se tornou inda mais bela
e Armando também rapaz
consultou então com ela
o que devia fazer
para pedi-la ao pai dela
Então Tiago Agostinho
não ficou surpreendido
pois que Rosa amava Armando
ele já tinha sabido
logo foi franco em dizer-lhe
que estava feito o pedido
Armando voltou contente
Tiago Agostinho então
procurou saber de Rosa
qual a sua opinião
se ela estava de acordo
receber de Armando a mão
Rosa lhe disse: meu pai
estou de acordo, sim
porque nasci para Armando
e Armando nasceu para mim
e digo logo ao senhor
que nosso amor não tem fim
Tiago disse consigo:
a cousa está enrascada
e se eu for muito ativo
afundarei a jangada!…
então respondeu-lhe rindo:
breve estarás casada
Combinou com sua esposa
com muita sagacidade
um jeito para acabar
aquela grande amizade
mas queria fazer isto
sem demonstrar má vontade
Mandou convidar Armando
na tarde do mesmo dia
e disse em vista dos dois
que o casamento faria
só com um ano depois
pois era quando podia
Logo Armando concordou
Rosa concordou também
Tiago disse consigo:
este acordo me convém
tenho tempo pra lutar
e espero sair-me bem
Com 2 meses depois disso
ele falou pra comprar
o sítio de Constantino
para Armando se mudar
se fazendo muito calmo
pra ninguém desconfiar
Então o pai de Armando
o Constantino Amaral
concordou vender o sítio
depois com o capital
buscar se estabelecer
com uma loja em Natal
Lhe disse Armando: meu pai
se me tiver como amigo
deixe de vender o sítio
pois como homem lhe digo
só sairei desta terra
levando Rosa comigo
– Depois do meu casamento
meu pai poderá vender
seu sítio, pois dessa vez
não terei o que dizer
mas agora fará isso
se não quiser me atender
Amaral lhe respondeu:
meu filho estás atendido
pois inda com sacrifício
eu te atendia o pedido
quanto mais que nosso sítio
ainda não está vendido
Tiago Agostinho vendo
que não podia comprar
o sítio de Constantino
para Armando se ausentar
procurou por outra forma
o casamento acabar
Chamou Armando e disse:
Armando, o teu casamento
não quero mais demorá-lo
vamos dar nosso andamento
e pra poupar-te as despesas
um negócio te apresento
– Eu tenho uns cortes de panos
arrematados num leilão
e queria que tu fosses
vende-los lá no sertão
com o lucro tu farás
toda tua arrumação
Armando logo aceitou
o negócio esclarecido
dizendo então que ficava
a Tiago agradecido
e com três dias partiu
de fazenda bem sortido
Tiago tinha dois filhos
sendo casado o primeiro
residiam em Mamanguape
então o filho solteiro
numa loja do irmão
servia como caixeiro
Assim que Armando partiu
Tiago Agostinho então
escreveu para seus filhos
com a maior precaução
dizendo que um viesse
executar a traição
Com quatro dias, a noite
chegou o filho solteiro
pronto para executar
o plano de traiçoeiro
Tiago antes da carta
interrogou-o primeiro
Pois perguntou ao filho:
o que tu andas fazendo
estas horas por aqui?
parece que vens correndo?
disse o filho: é sua nora
que deixei quase morrendo
– Meu irmão foi quem mandou
eu vir lhe participar
o estado da mulher,
para o senhor lhe mandar
a nossa irmã Rosinha
pra da cunhada tratar
– Com uma grande agonia
ontem quase ela tem fim
disse o doutor: ela morre
se chegar ter outra assim;
e meu irmão não confia
seu trato a gente ruim
– Então fretei uma barca
por desmedido valor
a qual se acha no porto
esperando quando eu for
e quero levar Rosinha
veja o que diz o senhor
Tiago lhe respondeu:
em mando que Rosa vá
e fico com muita pena
de não ir com vocês, já
porém depois de amanhã
talvez eu chegue por lá
– Mas mando logo uma carta
por vocês neste momento
onde meu filho verá
que fico em grande tormento
por saber que minha nora
está nesse sofrimento
Quando a carta estava feita
Rosa estava preparada
e acompanhada do mano
partiu em marcha apressada
pretendendo tomar a barca
As quatro da madrugada
Assim que os dois embarcaram
o remador que sabia
remou para Mamanguape
com prazer e alegria
aonde chegaram em paz
na manhã do outro dia
Quando no ponto saltaram
Rosa com o irmão dela
encontraram dois cavalos
um pro mano e outro pra ela
e um para o bagageiro
com cangalha e não com sela
O irmão montando Rosa
ela disse: eu entendia
que do porto a Mamanguape
meia légua não seria!
Lhe disse o irmão: é longe…
e montou sem mais profia
A cavalo em Mamanguape
chegaram ligeiramente
disse o irmão para Rosa:
isso aqui é S. Vivente
o bagageiro afirmou
e logo tomou a frente
Da cidade de Mamanguape
Rosa nada conhecia
e por isso acreditou
no que o irmão lhe dizia
e açoitando o cavalo
caminhou com alegria
As dez horas se serviram
de doce com queijo e vinho
e ao por do sol, o irmão
à Rosa disse baixinho:
Rosa, alviçaras, chegamos
na casa de teu padrinho!
Rosa bastante espantada
lhe respondeu: é mentira
meu padrinho aqui não mora
e se mora me admira
eu ter vindo a Mamanguape
e me achar em Guarabira
Mas logo no mesmo instante
ouviu a voz do padrinho
que dizia duma porta:
viva! chegou meu sobrinho
trazendo minha afilhada
pra sossego de Agostinho!
Vou deixar Rosa um instante
e dizer primeiramente
quem era o padrinho dela
e porque ficou contente
para ninguém não dizer
que não ficou bem ciente
Esse padrinho de Rosa
era irmão do pai dela
seu nome, Pedro Agostinho
sua esposa Florisbela
e foi um dos mais antigos
que Guarabira viu nela
Então Tiago Agostinho
combinou com seu irmão
botar Rosa em sua casa
por meio duma traição
e para poder fazer
mandou Armando ao sertão
Rosa que não conhecia
de Guarabira o caminho
deixou-se ir inocente
para a casa do padrinho
onde lhe veio a lembrança
dum ardil mais que mesquinho
Por isso quando ela entrou
na casa disse ao irmão
que lhe quisesse explicar
daquilo tudo a razão
pois lhe estava parecendo
um golpe de traição
Lhe disse o irmão: Rosinha
vou te dizer a verdade
é pra tu deixares aqui
de Armando aquela amizade
pois meu pai só deu-lhe o sim
temendo uma falsidade
– Para que tu não fugisse
meu pai deu a ele o sim
porque se assim não fizesse
a coisa estava ruim
pois uma amizade grande
é bem custoso ter fim
– Por isso ele ordenou-me
eu te trazer inocente
para aqui, porque aqui
jamais encontrarás gente
por quem tu possas mandar
fazer a Armando ciente
Logo Rosa respondeu-lhe:
porém meu pai bem podia
quando Armando me pediu
dizer-lhe que não queria
porque um homem de bem
odeia a hipocrisia
– Se eu soubesse que meu pai
era assim tão fementido
jamais deixaria Armando
ter minha mão lhe pedido
visto que aeu não era digna
de te-lo como marido
– Para mim comete um crime
a filha dum traiçoeiro
que quer se fazer esposa
dum honrado cavalheiro
pois a honra é luz nas trevas
a traição não tem luzeiro!
– Portanto, eu não deveria
encher de amor um senhor
filho de um pai honrado
sendo o meu um traidor
terei remorso por isto
vergonha, susto e temor
– Ma se ainda ver Armando
juro dizer-lhe a verdade
que não serei dele esposa
devido esta falsidade
mas serei dele cativa
se ele tiver-me amizade
Agora encerro este assunto
porque preciso dizer
o que foi que o pai de Rosa
procurou logo fazer
na hora que ela saiu
antes do dia romper
Assim que Rosa saiu
o pai pegou um vestido
dos que ela em casa deixou
e fê-lo em sangue embebido
dum cabrito que sangrou
lá num recanto escondido
Fazendo o vestido em tiras
desceu um despenhadeiro
até chegar num riacho
aonde havia um banheiro
então semeou as tiras
ao poente do ribeiro
E com o resto do sangue
do cabrito que sangrou
ele encostado ao banheiro
a maior porção jogou
depois perto e mais longe
outras porções derramou
As seis horas da manhã
ele muito disfarçado
fez uma grande balburdia
gritando desesperado
dizendo ao povo que Rosa
um tigre havia pegado
Logo todos os vizinhos
acudiram com presteza
seguindo em busca do tigre
com desmedida afoiteza
porque a morte de Rosa
os sinais davam certeza
Com bons cachorros de caça
os homens da vizinhança
na mata o dia passaram
com sede de uma vingança
e não encontrando indício
voltaram sem esperança
Tiago Agostinho tinha
um negro de confiança
no mesmo dia de tarde
chegou-lhe à sua lembrança
de mandar o dito negro
enganar a vizinhança
No outro dia de tarde
o negro saiu dizendo:
que tinha andado na mata
e num lugar mais tremendo
encontrou o corpo de Rosa
porém num estado horrendo
Então Tiago Agostinho
com as mãos cobrindo a face
em presença dos vizinhos
disse ao negro que voltasse
ao lugar que estava o corpo
e lá mesmo sepultasse
Uma sepultura falsa
naquela mata esquisita
e negro formou sozinho
com precaução inaudita
e no dia imediato
houve ali grande visita
Logo Tiago e a esposa
vestiram luto fechado
e se espalhou a sinistra
notícia, pra todo lado
até que Armando sabendo
voltou bastante vexado
Quando chegou foi à cova
em visita fazer
na cova deu-lhe um desmaio
que andou perto de morrer
passou depois oito dias
sem quase nada comer
Com um mês não parecia
coitado, ser ele Aramando
pois não comia e passava
noites inteiras vagando
nas estradas sem destino
tristonhamente chorando
E na pedra onde Rosa
amor lhe havia jurado
uma noite muito tarde
ele na pedra ajoelhado
derramou mais duma hora
o seu pranto amargurado
Depois de ter pranteado
tristonho balbuciou
dizendo: neste lugar
foi que Rosa a mim jurou
seu amor, uma manhã
mas coitada, se acabou!
– Portanto, o dever me ordena
ir naquela mata escura
e tirar os ossos dela
de dentro da sepultura
e em cima deles matar-me
para cumprir minha jura
Armando ai como um louco
para a mata caminhou
chegando na cova de Rosa
a terra fora jogou
e ficou mais que surpreso
já quando nada encontrou
Sem chorar refez a cova
consigo mesmo a dizer:
aqui existe um mistério
e se Deus me favorecer
haverei de desvendá-lo
pois é este o meu dever
Noutro dia disse ao pai:
meu pai me faça um pedido
de vender seu sítio agora
pois eu estou resolvido
ir morar no Piaui
visto Rosa ter morrido
Amaral foi a Tiago
vendeu o sítio e saiu
e Armando de Tiago
tristonho se despediu
figindo chorar por Rosa
Tiago oculto sorriu
Armando no Piaui
disse ao pai: meu pai, agora
vou dizer-lhe um segredo
que o senhor ignora
olhe, Rosa não morreu
o certo qu’ela está fora
– O pai em minha ausência
preparou uma cilada
pois cavei a cova dela
dentro nõ encontrei nada
Amaral sabendo disso
teve uma raiva danada
Porém Armando lhe disse:
meu pai, não tenha vexame
pois Rosa aonde estiver
talvez ainda me ame
portanto, o senhor escreva
uma carta àquele infame
– Essa carta irá tarjada
lhe dizendo que morri
com um mês e oito dias
que cheguei no Piauí
e ele acreditará
sem mandar ninguém aqui
Como de fato, Amaral
para Tiago escreveu
uma carta onde mostrava
ser sincero amigo seu
narrando a morte de Armando
como melhor entendeu
Oito meses já faziam
que Rosa tinha saido
e que Aramando se mudara
ela não tinha sabido
como também da cilada
da onça haver lhe comido
Coitada, da terra dela
ela não via um vivente
empora que seu padrinho
já estava bem ciente
de tudo que se passou
só ela estava inocente
Rosa então se comparava
a uma prisioneira
procurava ninguém vê-la
e chorava a vida inteira
numa sombra projetada
por uma guabirabeira
Chorando dizia ela:
oh! meu Deus, oh! pai clemente
trazei conforto e consolo
a uma pobre inocente
que sem fazer mal a ninguém
vive a sofrer cruelmente!
– Consenti Senhor, que 1 anjo
produza um sonho a Armando
que me veja assim tão triste
constantemente chorando
pra ele ficar sabendo
que vivo nele pensando
Tiago tendo a certeza
que Armando tinha morrido
sorrindo disse à mulher:
fui muito bem sucedido
pois ganhei numa empresa
que me julgava perdido
Foi a todos os vizinhos
lhe dizendo a falsidade
que tinha feito com Rosa
devido aquela amizade
pois sabia que Aramando
morria na flor da idade
Logo mandou buscar Rosa
que com seis dias chegou
então foi quando ela soube
de tudo que se passou
depois da morte de Armando
a carta o pai lhe entregou
Rosa quando viu a carta
pôs-se a chorar sua sorte
ela quando leu a carta
deu-lhe um desmaio tão forte
que passou quase uma hora
sob o domínio da morte
Mas depois que melhorou
disse ao pai bastante irada:
meu pai, a morte de Armando
fez-me uma desgraçada
porém juro que não tarda
eu também ser sepultada
– O Senhor foi o culpado
desta desgraça fatal
com mentiras criminosas
fez Constantino Amaral
vender seu sítio e sair
fazendo a Armando esse mal!
– Mas juro, enquanto for viva
viver coberta de luto
pois a lembrança de Armando
tem no meu peito um reduto
juro não partir com outro
meu amor absoluto!
Rosa depois desse dia
tomada pelo desgosto
uma mortal palidez
apareceu no seu rosto
e de Santa Madalena
fez-se o modelo composto
Vendo os seus pais o desgosto
começaram a ter receios
então para distraí-la
empregavam muitos meios
até mesmo ordenando
que ela fizesse passeios
Mas Rosa não pesseava
se comprazia em chorar
vivendo sempre num quarto
sem querer se alimentar
a bem da alma de Armando
levava a vida a rezar
Armando no Piauí
sonhou chegar-lhe um rapaz
que tinha a vestes douradas
cabelos louros pra traz
e para fitar-lhe o rosto
ninguém seria capaz
Armando lhe perguntava:
quem és tu? Donde vieste?
o rapaz lhe disse: eu sou
um mensageiro celeste
mas venho daquela pedra
onde uma jura fizeste
– Como eu fui testemunha
daquela grande amizade
que juraste a uma jovem
como doze anos de idade
venho então da parte dela
te dizer uma verdade
– Essa moça por ti vive
constantemente a chorar
e és tu que deverás
o pranto dela exugar
se não um dia o seu pranto
virá também te molhar
Armando nisso acordou
aflito e muito suado
parecendo ainda ouvir
uma voz dizendo ao lado
é necessário que cumpras
o que por ti foi jurado!
Armando disse chorando:
que coisa misteriosa!
pois bem, embora eu caia
numa falta criminosa
farei Tiago dizer
onde foi que botou Rosa
E sem demora embarcou
pro Rio Grande do Norte
destinado a encontrar Rosa
e toma-la por consorte
disposto a morrer lutando
a favor de sua sorte
Trouxe consigo um caboclo
homem sério e destemindo
então contou-lhe na viagem
o que tinha acontecido
e o amor dele por Rosa
de quando havia nascido
Tiago buscou fazer
na noite de S. João
um briquedo em sua casa
com grande reunião
para ver se Rosa achava
naquilo uma distração
Saltou Armando em Natal
nessa noite de S. João
e sobre a vida de Rosa
teve exata informação
então projetou fazer
a Tiago uma traição
Às onze horas da noite
quando Tiago Agostinho
servia seus convidados
algumas taças de vinho
viram dois vultos passar
ao poente do caminho
Não precisa que eu diga
que um vulto era Armando
e o outro era o caboclo
que vinha lhe acompanhando
e para se disfarçarem
caminhavam conversando
Armando logo avistou
sua amante idolatrada
muito magra e diferente
sem companheira, sentada
num banco em frente a fogueira
de luto desconsolada
Vendo Armando o seu estado
tão tristonha a meditar
sentiu tanta comoção
que começou a chorar
quis parar, mas o caboclo
mandou ele caminhar
Armando exugou os olhos
lhe veio então a lembrança
ir na pedra onde Rosa
ainda muito em criança
jurou de fugir com ele
com uma voz firme e mansa
Chegando Armando na pedra
depois de bem refletir
ensinou ao caboclo
como ele podia ir
levar um recado a Rosa
sem ninguém lá pressentir
O caboclo disse a ele:
pode ficar descansado
que eu já estudei um plano
para lhe dar o recado
e tenho toda certeza
que vai dar bom resultado
E sem demora seguiu
e logo chegou contente
no terreiro de Tiago
chamando o povo parente
se aproximou de Rosa
e lhe pediu aguardente
Quando bebeu aguardente
se aproximou da fogueira
dizendo então que cantava
cantigas de capoeira
o povo então fez com ele
animada brincadeira
Por fim o povo pediu
para o caboclo cantar
o caboclo bebeu mais
e depois de se sentar
com esta estrofe seguinte
entendeu de começar
– Eu venho de muito longe
do pé duma grande serra
acompanhado de alguém
mas não venho fazer guerra
vim dizer a Melancia
Coco-Verde está na terra
Rosa ouvindo essa conversa
teve um susto de tremer
e conheceu que o caboclo
procurava lhe dizer
um segredo que só ela
era capaz de saber
O caboclo conhecendo
que Rosa tinha ficado
como que sobre-saltada
olhando para o seu lado
resolveu a se calar
para ver o resultado
Mas logo Rosa lhe disse:
seu peito não é ruim
portanto cante de novo
faça esse pedido a mim
o caboclo fitou ela
e seguiu dizendo assim:
– Eu não tenho o que cantar
e outra que estou vexado
pois cheguei agora mesmo
inda não estou descansado
só vim dar de Coco-Verde
a Melancia um recado
– Se não fosse grande amigo
de alguém que ficou chorando
não me atrevia trazer
o recado que estou dando
Melancia, Coco-Verde
está na pedra esperando
Rosa fitando o caboclo
levantou-se sem demora
dizendo que ia dormir
o quarto fechou por fora
e para o lado da pedra
caminhou na mesma hora
Chegando perto da pedra
avistou um vulto junto
disse Rosa ao vulto:
responde o que te pergunto
se és anjo ou fantasma
se és vivo ou defunto?
O vulto lhe respondeu:
não tenha medo, querida
que sou Armando Amaral
a quem julgavas sem vida
venho plantar em teu peito
uma esperança perdida
Gritou Rosa: meu Armando
me escuta por caridade
eu te tinha como morto
meu Deus, que felicidade!
Jesus teve dó de mim
e descobriu-me a verdade
Logo Armando abraçou-a
louco de amor e chorando
Rosa sem poder falar
deu-lhe um beijo soluçando
quando viram o caboclo
vinha apressado chegando
Dando o braço Armando a Rosa
lhe disse: vamos querida
confia no meu critério
pois tu és a minha vida
Rosa só fez responder-lhe:
por Deus fui favorecida
Na mesma noite em Natal
saltaram em uma casa
sob a proteção dum vento
soprando de popa à proa
até chegarem em Macau
fizeram viagem boa
Saltando Armando em Macau
deu ligeiro andamento
a se esposar com Rosa
cumprindo seu juramento
e o padre da freguezia
celebrou o casamento
E escreveu a Tiago
uma carta que dizia:
“senhor Tiago Agostinho
me desculpe a ousadia
de eu carregar sua filha
para minha companhia”
“Eu sou Armando Amaral
a quem o senhor julgava
estar morto para sempre
como a carta lhe afirmava
aquilo foi para eu ver
se Rosa ressuscitava
Abrindo a cova da mata
descobri sua traição
porém gurdei o segredo
até nesta ocasião
porque já tenho a certeza
que não perdi a questão”
Vinte dias já faziam
que Rosa tinha saido
então ninguém não sabia
pra onde ela tinha ido
pelo qual já se julgava
que ela tinha morrido
Em busca dela Tiago
andava constantemente
mas para dar-lhe notícia
não encontrava um vivente
quando recebeu a carta
ficou de tudo ciente
Tiago muito zangado
pensando disse consigo:
é muito exato o adágio
usado no tempo antigo
“o amor quando é sincero
zomba do seu inimigo”
Então a felicidade
veio em socorro de Armando
enricou sem proteção
só com Rosa lhe ajudando
e Tiago arrependido
lhe pediu perdão chorando
Viveu Armando com Rosa
na mais perfeita harmonia
brincando Armando chamava
a ela de Melancia
e ela a ele Coco-Verde
mais a amizade crescia!
Já demonstrei nesta história
O amor o quanto é:
Só o amante sem fé
Esmorece sem vitória!
Conservem pois na memória
A opinião de Armando:
Mostrou seu amor lutando
E conseguiu triunfar
Luto só fez assombrar
O namorado nefando!
O CASAMENTO DO CABEÇA DE CUIA COM A NUM-SE-PODE
Pedro Costa
Essa história aconteceu
Em uma época passada
Quando Teresina ainda
Não era tão habitada
O povo só acredita
Porque ela é bem contada
Crispim, Cabeça-de-Cuia
Um sofrido pescador
Matou a mãe, virou monstro
Ficou fazendo terror
De rio abaixo e arriba
Sem conhecer o amor
A história de uma moça
Que viveu na solidão
Aparecia nas ruas
Em noite de escuridão
Deixou muitos cabras frouxos
Com suas calças na mão
A Num-se-Pode existiu
Há muitos anos atrás
Nas ruas de Teresina
Assombrou muito rapaz
Porém desapareceu
Não foi vista nunca mais
E o Cabeça-de-Cuia
Foi cumprir a sua sina
Nunca encontrou as Marias
Sofreu, viveu na ruína
Tornou-se lenda folclórica
Popular de Teresina
Porém o tempo passou
Teresina evoluiu
Os esgotos aumentaram
O rio então poluiu
E o Cabeça-de-Cuia
Das águas podres saiu
A Num-se-Pode que era
Vista na escuridão
Quando a luz de Teresina
Era só lampião
Também ela apareceu
Numa noite de Apagão
Foi no bairro Porenquanto
Numa noite em Teresina
Ela e o Cabeça-de-Cuia
Se encontraram em uma esquina
Foi um encontro fatal
Pra os dois mudarem de sina
Ele que há muitos anos
Viveu atrás de donzela
Ela que muitos rapazes
Correram com medo dela
Os dois disseram, amor
Vamos sair da banguela
A Num-se-Pode gritou
Êita que macho gostoso
Esse cabeça de cuia
É feio mas é charmoso
Responda amor, me responda
Você quer ser meu esposo?
Disse o Cabeça-de-Cuia
– Esse é o meu pensamento
Pedir ao Padre Quevedo
Pra fazer o casamento
Só ele tem o enigma
De acabar o encantamento
Acertaram logo a data
Para a tal celebração
Local: Encontro dos rios
Numa noite de Apagão
Na lista dos convidados
Veja só a relação
Veio Zabelê com Metara
Barba ruiva, pobre Jó
Até Saci Pererê
A Velha d’um Peito Só
O Pé-de-Garrafa montado
No cavalo Piancó
Chegou o Padre Quevedo
Numa Mula-sem-Cabeça
Vestindo uma bata preta
Dizendo não me aborreça
Que o enigma dos encantos
Na minha frente apareça
Veio de Sete Cidades
Aquela gente encantada
Iurupari, feiticeiro
Com a Indira apaixonada
A Tartaruga Gigante
Chegou numa disparada
O índio Mandaú veio
Para a festa, convidado
Porca do Dente de Ouro
Foi transformada em guisado
Seu dente virou aliança
Pra o noivo ser coroado
Num traje típico de noiva
Se trajou a Num-se-Pode
Tinha o Cabeça-de-Cuia
Já preparado o pagode
Dizia o padre Quevedo:
Nessa vida tudo pode
Zabelê era o padrinho
E Metara era a madrinha
Saci era a testemunha
A noiva estava na linha
Dizia o Cabeça-de-Cuia
Num-se-Pode agora é minha!
Tudo pronto pra o casório
Com os noivos no altar
Entraram Sete Marias
Buchudas pra descansar
Falou o Cabeça-de-Cuia:
Essa agora é de lascar
Padre Quevedo falou:
– Não é coisa verdadeira
Foram feitas essas estátuas
Pelo Nonato Oliveira
Os enigmas lhe deram vidas
Mas é uma brincadeira
Calma senhorita noiva
Que seu noivo é muito sério
E não existe segredo
Que eu não desvende o mistério
Que os encantos da noite
Cheguem com seu ministério
Cabeça-de-Cuia, o noivo
Ficou meio desmiolado
A Num-se-Pode assustada
Todo mundo arrepiado
E os convidados dizendo:
– Ô casório demorado
Falou o Padre Quevedo
Com a sua sapiência
– Que os encantos dos enigmas
Os mistérios da ciência
Unam esses dois pra sempre
Com toda benevolência
Terminado o casamento
O forró já começou
A Maria da Inglaterra
Cantando “O Peru Rodou”
E foi servido o jantar
Que todo mundo gostou
Carneiro, bode, leitão
Guiné, galinha, buchada,
Canjica, quibebe-mole
Mungunzá e abobrada
Chá-de-burro, angu de milho,
Mão-de-vaca e panelada
Farofa, carne-pisada
Peixe frito e cozidão
Vatapá, queijo, coalhada
Arroz-doce e requeijão
Sarapatel escaldado
Maxixada com feijão
Tinha Maria-isabel
Baião-de-dois com pequi
Carne-de-sol com cuscuz
Tripa assada, buriti
Enfim, as comidas típicas
Do Estado do Piauí
Muitos doces e salgados
Tinham com variedade
Alfenim e quebra-queixo
Manuê e caridade
Broa, suspiro, pamonha
Tudo em melhor qualidade
Quem preparou o cardápio
Foi Maria Tijubina
Teve bastante bebidas
E não faltou cajuína
Foi o maior casamento
Que já houve em Teresina
A festa só terminou
Quando o dia amanheceu
Foram embora os convidados
O sol também se acendeu
E eu que estava presente
Narrei o que aconteceu
Vi dizer que a Num-se-Pode
Tá esperando um filhinho
Que é o do Cabeça-de-Cuia
Feito com muito carinho
E já andam na cidade
À procura de um padrinho.
I.
O povo que não acredita
Em história de pescador,
De vaqueiro e cachaceiro,
De poeta cantador.
Motorista e seringueiro,
Marinheiro e caçador.
Dizem que toda mentira
Deturpa sempre a verdade,
Por menos que ela seja
Dita na sociedade,
Contada por muita gente,
Se torna realidade.
Uma história de verdade
Contada de uma maneira
Deturpada, duvidosa,
Como fosse brincadeira,
Por mais que seja real,
Nunca será verdadeira.
Existe história lendária
Que virou verdade pura,
Com o tempo ganhou fama
Com personagem e figura
Inserida no folclore,
Enriquecendo a cultura.
II.
Entre todas criaturas
Sempre o homem é o mais forte,
Enfrenta feras nas selvas,
Escapa no fio da sorte.
Tem o instinto voraz.
Só quem o vence é a morte
O homem tem enfrentado
Perigos no alto-mar,
Nos espaços siderais,
Monta usina nuclear,
Não domina o universo
Porque Deus não vai deixar.
Existe homem no mundo
Que desconhece o amor
E contra pais e irmãos
As palavras do Senhor.
Xinga Terra, Sol e astros
As coisas do Criador.
Muitos anos atrás
Existiu no Piauí
Um pescador que pescava
No Parnaíba e Poty.
A sombra da maldição
Estava perto de si.
III.
O seu nome era Crispim,
Cresceu sem religião,
Sem pai pra lhe dar conselho,
Sem amigo e sem irmão,
Sua mãe muito velhinha,
Sem mágoa no coração,
Acontece que Crispim
Não aprendeu a trabalhar.
Para sustentar a mãe,
Ele tinha que pescar.
Quando não pescava nada,
Danava a esbravejar.
Devido à necessidade,
Ele só vivia aflito,
Ameaçava sua mãe,
Dava soco, dava grito,
Agredia todo mundo,
Chamava o rio maldito.
Sua mãezinha chorava,
Muito tristonha e velhinha,
Sem esperança de vida,
Em sua pobre casinha,
O sofrimento do filho,
Com a pobreza que tinha.
IV.
Vendo o filho em desespero,
A mãe se compadecia.
Assim vivia Crispim,
Sem ter sorte em pescaria,
Xingava até sua sombra
E a roupa que vestia.
Um certo dia Crispim
Voltou pra casa zangado.
Não tinha pescado nada,
Crispim ficou irritado.
Xingando os rios e os peixes,
Tudo que tinha ao seu lado.
A mãe lhe disse: “Filhinho,
Não pense mais em mazela,
Coma um pirão com uma ossada
Que tem naquela panela”.
Crispim pega um corredor,
Bateu na cabeça dela.
A pancada foi tão grande,
Levou a velha ao chão.
A mãe antes de morrer
Jogou-lhe uma maldição:
“Serás transformado em monstro,
Num ente sem coração”.
V.
“Filho maldito e ingrato,
Tu foste muito ruim.
Matar tua genitora,
Te amaldiçoo, Crispim.
Serás um monstro maldito,
Triste será teu fim.
Nas águas desses dois rios,
Tu vais ficar a vagar.
Serás um monstro assombroso,
Até você devorar
As sete Marias virgens,
Mas nunca irás encontrar.”
Os anjos disseram amém
Na hora em que a mãe falou.
Sua madrinha não ouviu,
Jesus no céu escutou.
E de repente Crispim
No monstro se transformou.
Ficou todo transformado,
Com a cara muito feia.
A cabeça cresceu tanto,
Que dava uma arroba e meia.
Caiu nos rios e aparece
Em noite de lua cheia.
VI.
A velha foi sepultada
Como se fosse uma indigente.
Não ficou nem um registro,
Não apareceu parente.
E Crispim ainda vive
Querendo voltar a ser gente.
Até mesmo os pescadores
Nele não querem falar.
Quando falam sentem medo,
Passam noites sem pescar.
Todos temem a qualquer hora
Com Crispim se encontrar.
Cabeça de Cuia vive
Cumprindo sua trajetória.
Uma velha diz que viu,
Porém perdeu a memória,
Se assombra, fica louca
Quando escuta essa história
Todo final de semana,
Sempre, sempre é registrado
Nas águas desses dois rios
Alguém morrer afogado,
Deixando cada vez mais
Banhista desesperado.
VII.
Crispim Cabeça de Cuia
Vive ainda à procura
Das sete Marias virgens,
Cumprindo sua desventura
Rio abaixo e rio arriba,
Em noite clara ou escura.
Passaram séculos e séculos,
A história permanece.
Dizem quando os rios enchem,
Na correnteza ele desce,
Dando gargalhadas estranhas
Toda vez que aparece.
Ele vaga pelas águas
Do Parnaíba e Poty
E no encontro dos rios
Tem sua estátua ali
Descrevendo esta lenda
Folclórica do Piauí.
LABAREDA – O CAPADOR DE COVARDES
Gonçalo Ferreira da Silva
Como criação divina
a vida fosse entendida
representaria a morte
simples porta de saída
para conduzir o homem
à plenitude da vida.
Os audazes bandoleiros
do cangaço no sertão
não davam valor à vida
desprovidos de noção
do que ela representa
para o Pai da Criação.
Numa das reuniões
que sempre fazia às tardes
Lampião chamou um cabra
e lhe falou sem alardes:
– Tu serás o Labareda
o capador de covardes.
Os componentes do grupo
do famoso Lampião
tinham seus nomes-de-guerra
e muitos tinham função
embora não fosse regra
também não era exceção.
Coube ao negro Zé Baiano
o cruel ferro abrasante,
Mariano, a palmatória
para o sujeito arrogante,
a peixeira, a Labareda
para capar delatante.
Porém a Virgínio coube
a responsabilidade
de julgar caso por caso
e conforme a gravidade
o errado recebia
a dura penalidade.
Cunhado de Lampião
Virgínio era igual um mano
ditava suas sentenças,
mas provou que era humano
ao perdoar Bentevi
quando traiu Zé Baiano.
Emílio Ferreira, um
dos padres mais importantes
aconselhou Labareda
a capar os semelhantes
porém deixá-los com vida
por mais que fossem arrogantes.
Realmente Labareda
não tinha instinto malvado
principalmente porque
nunca capava zangado
desempenhava o trabalho
como quem cumpre um mandado.
Mas um dia caparia
com ódio no coração
por vingança e por dever
porque numa ocasião
sofreu de um miserável
uma dura traição.
Lampião ao sequestrar
o filho de um fazendeiro
mandou Labareda para
trazer de volta o dinheiro
em troca da liberdade
do jovem prisioneiro.
Labareda foi cumprir
a ordem do capitão
porém teve, infelizmente,
interrompida a missão
quando já tinha o dinheiro
escondido no gibão.
No momento em que o recado
do chefe era transmitido
um cabra do fazendeiro
se encontrava escondido
assim, sigilosamente,
foi Labareda seguido.
Pois todos os pormenores
o cabra do fazendeiro
ouvia, até a quantia
que ganharia em dinheiro
se pregasse uma surpresa
eficaz no cangaceiro.
Quando Labareda tinha
o dinheiro empacotado
juntamente com um recibo
devidamente assinado
saiu sem notar que era
por alguém observado.
Para sair da fazenda
na direção do sertão
tinha uma vereda orlada
de densa vegetação
ao longo da qual não tinha
vestígio de habitação.
Com a rapidez felina
do gato maracajá
o cabra do fazendeiro
subiu num pé de Ingá
envolto em muitas espessas
ramas de maracujá.
Providencia paulada
quando Labareda ia
passando sob o Ingá
na fronte dela caía
desmaiando até sem tempo
de ver o que acontecia.
No mundo escuro dos sonhos
Labareda mergulhou
ele mesmo nunca soube
qual o tempo que durou
desde a hora em que caiu
até quando despertou.
Recobrando a consciência
verificou abismado
que o pacote de notas
havia sido roubado
restava só o recibo
no seu bolso colocado.
Lampião ainda estava
com o grupo reunido
estranhando com razão
o tempo já transcorrido
achando que Labareda
tinha desaparecido.
Fitando o refém com ódio
Lampião foi taxativo:
– Se Labareda morrer
ou mesmo ficar cativo
toco fogo na fazenda
e depois lhe queimo vivo.
Lampião mandou dois cabras
que fizeram o fazendeiro
dizer o nome do homem,
o possível paradeiro
para obrigá-lo, com a força
a devolver o dinheiro.
Num belo dia em que o Sol
para o poente caía
num povoado distante
o dito homem bebia
cana, sem saber que aquele
era o seu mais negro dia.
O grupo do Lampião
com um refém da fazenda
invadiu o povoado
e ao penetrar na venda
Lampião, frio e sinistro
disse: – Sujeito, se renda.
– Cadê aquele dinheiro
roubado lá na vereda
empacotado e atado
com nós num pano de seda?
Já sabe o que quer dizer
prestar conta a Labareda?
Com dignidade o homem
disse: – Sei que estou marcado..
pelo que ouvi falar
já sei que vou ser capado
mas não vou tremer diante
dum bandoleiro safado.
Tais palavras foram ditas
com tanta convicção,
com tanto furor selvagem,
com tão voraz decisão
que houve um silêncio tenso
no grupo do Lampião.
Foi o capador do bando
quem o silêncio rompeu:
– Vou resolver este assunto
pois este homem é meu
e se alguém morrer em luta
terá que ser ele ou eu.
Só se viu quando um machado
sinistro riscou o ar
sem que o opositor
pudesse se desviar
o homem caiu roncando
no piso sujo do bar.
Uma peixeira afiada
surgiu repentinamente
nos dedos de Labareda
que o capou prontamente
mostrando os ovos do homem
para a multidão presente.
Foi este mais um capítulo
de maldade e tirania
da história do nordeste
para ser contado um dia
que acaso for abordado
assunto de valentia.
ALEXANDRE DE GUSMÃO
Fundação Alexandre de Gusmão
01
Musa divina que inspira
Poetas do mundo inteiro,
Traz-me os fluidos do Parnaso
E o saber mais verdadeiro
Pra que eu decante à nação,
Alexandre de Gusmão,
Um grande herói brasileiro!
02
Mas não se trata de herói
De músculos, de espada e aço,
Nem dos quadrinhos que trazem
Superpoderes do espaço;
Não é filho de deus grego,
Caubói, nem homem-morcego,
Nem valentão do cangaço!
03
Mas como chamar de herói,
Que não brigou nem matou?
Quem não se impôs pela espada,
Quem canhão não disparou,
Quem a lança não brandiu,
Quem bombas nunca explodiu,
Quem País nunca atacou?
04
Tenha calma, meu leitor,
Vou lhe explicar, não se zangue,
A história desse herói,
Sem guerra, sem bangue-bangue.
Sem flecha, espada ou fuzil,
Que fez crescer o Brasil
Sem jamais derramar sangue!
05
Esse nome de Alexandre
Ele herdou do seu padrinho,
Um padre que lhe ensinou
Da justiça o bom caminho.
E o sobrenome Gusmão
Vem também do capelão
Como a Bíblia, a hóstia e o vinho.
06
Trouxe o destino de outro
Alexandre do passado,
O guerreiro macedônio,
De ser grande e preparado...
Só que o guerreiro iracundo
Que conquistou meio mundo
Fez com sangue derramado.
07
Alexandre de Gusmão
Nasceu no Porto de Santos
Em “Um, meia, nove, cinco”
Numa família de tantos
Irmãos e irmãs queridas;
Até então, oito vidas
Dadas às rezas e aos mantos.
08
Filho de Maria Álvares;
E Lourenço, cirurgião;
Dos doze filhos nascidos
Têm destaque, ele e o irmão,
Religioso e inventor,
Nosso “Padre-voador”
Bartolomeu de Gusmão!
09
Inventor do aeróstato,
Foi este padre exemplar
Que provou perante o rei
Que era possível voar;
Ao ver uma bolha quente
Fez um balão ascendente
Por ser mais leve que o ar!
10
Pois Bartolomeu levou
Alexandre pra Bahia,
No Colégio de Belém
Demonstrou sabedoria;
Foi pra o Colégio das Artes
Por ser de todas as partes
O melhor que existia!
11
Dali saiu preparado
Diplomado, competente,
Em Latim, Retórica e Ética,
E em Lógica, logicamente,
Em Metafísica, versado
E o título considerado
De “Filósofo excelente”.
12
Mil setecentos e dez
Com quinze anos de idade
O padre reconhecendo
Sua genialidade
Mandou-o pra Portugal,
Foi pra Corte Imperial
Fazer universidade.
4
13
Matriculou-se em Coimbra
Mostrando grande valor.
Ali estudou, formou-se,
Ganhou grau superior.
Com seu saber cientista
Se tornou iluminista
Ganhando anel de doutor.
14
Dali seguiu pra Paris.
Estudar mais era o plano;
Secretário da Embaixada
Logo assumiu sem engano...
Fez em Sorbonne, fantástico,
O Direito Eclesiástico,
O Civil e o Romano.
15
Na passagem pela Espanha,
Em Madrid passou semanas
Vendo o Tratado de Utrecht
Com falhas meridianas
E o limite natural
Entre Espanha e Portugal
Nas terras americanas.
16
Foi em Paris que Gusmão
Aprofundou seu saber
Na Ciência da Política
Mergulhou pra conhecer
Seu sentimento profundo
E o jogo eterno do mundo
Dos mistérios do poder!
17
Lá na Paris do Rei Sol
A nova luz se acendia
Na mente do brasileiro
Que trocou Teologia
Pela Razão e a Crítica,
Iluminismo e Política,
Direito e Diplomacia!
18
Desistiu do sacerdócio
Inquisidor antiquado.
Notou que o clericalismo
Da fogueira, era apagado;
E ao ler estratégia e tática
Conheceu a essência prática
Das duras razões de Estado.
19
E em 19 voltou
A residir em Lisboa.
O Rei Dom João acolheu-o
Como querida pessoa;
O nomeou secretário
E plenipotenciário
Pra defender a Coroa!
20
No ano 20 cumpriu
Missão muito especial
Negociando em Cambray,
Em plena França real;
Foi um bravo sem bravata
Que se sagrou diplomata
De nível internacional!
21
Bacharelou-se em Direito,
Tornou-se Doutor em Leis,
Foi destacado pra Roma
No ano de 23
Pra junto às cortes papais
Recuperar o cartaz
Do monarca português!
22
Até o ano de trinta
Atuou no Vaticano
Fazendo grandes acordos
Pra o bem do seu soberano,
Ganhou, por ser habilíssimo,
O título de “Fidelíssimo”
Pra o Monarca lusitano!
23
Com o título Dom João V
Compunha o trio de escol;
Pois o título equivalia
A “Rei Católico” espanhol
E o título invejadíssimo
Que era “Rei Cristianíssimo”
Da França, o próprio Rei Sol.
24
Sete anos e três papas
O viram nesta missão
De defender junto a Roma,
Sua querida nação.
Muitos litígios zerou,
E, de quebra, conquistou,
Dos papas o coração!
25
Benedito XIII, o Papa,
Chamou-lhe no Vaticano
Chegou a lhe oferecer
O título “Príncipe Romano”
Ele não quis aceitar
Só pra não contrariar
A Dom João, seu soberano!
26
No ano de 29
A Lisboa regressou
Logo Dom João pra o Brasil
Alexandre despachou
E a nossa realidade
Com muita profundidade
Gusmão de perto estudou.
27
Dois anos passou conosco,
Retornou a Portugal,
Lá transformou-se em Fidalgo
Da Nobre Casa Real;
Como Ciências, sabia,
Entrou para a Academia
Provando ser genial.
28
E logo foi nomeado
Pela própria Majestade,
Num cargo bem próximo ao Rei,
“Escrivão da Puridade”,
E por ter visão moderna
Cuidou da política externa
Com brio e capacidade!
29
Transformou-se em Conselheiro
Mostrando cultura e tino,
Escreveu livro de História
No idioma latino
E por ser hábil e ser sério
Assumiu um Ministério
No Conselho Ultramarino.
30
O cuidado com o Brasil
Foi um dos encargos seus;
Das relações com o Papa
Cuidava em nome de Deus
E cuidou mais, com denodos,
De ter relações com todos
Os países europeus.
31
No Conselho Ultramarino
Encontrou a solução
Pra poder qualificar
Nossa colonização
Trazendo família inteira
Dos Açores e Madeira,
Mas, sem escravização!
32
Trouxe quatro mil casais
Para a região sulina
Rio Grande e Paraná
Também Santa Catarina.
Cada família, uma área...
O que é reforma agrária,
É Gusmão quem nos ensina.
33
Recomendava a quem vinha
Para o Brasil trabalhar:
Estude rios e minas,
Flora, fauna, céus e mar,
O clima, a arte, a vertente
E os costumes dessa gente
Comer, vestir e rezar.
34
Dedicou-se a estudar
As produções cartográficas,
Missões, Entradas, Bandeiras,
As bacias hidrográficas,
Relevo, edificações...
Geopolítica por razões
Históricas e geográficas.
35
Concluiu que os países
Não podem ter suas áreas
Divididas ao sabor
De linhas imaginárias;
Que têm sempre as desvantagens
De deixar milhões de margens
Para interpretações várias.
36
Sua visão panorâmica
E a mente prodigiosa,
O seu saber filosófico,
Sua ação habilidosa
Deram-lhe mais competência
Para a área da Ciência,
Política e religiosa!
37
Foi quem criou três bispados
Pará, São Paulo e Gerais.
Criou mais as prelazias
De Cuiabá e Goiás
E como pensava em tudo
Fez o mais profundo estudo
Das questões industriais.
38
Naqueles tempos longínquos
Deixou um projeto exposto
Obrigando aos poderosos
A pagarem mais imposto
E rebaixando a quantia
Para o pobre que vivia
Do suor do próprio rosto!
39
E implantou o sistema
Chamado “capitação”
Pelo número de escravos
Que possuía o barão;
Fundiu o ouro e fez barras,
Pra ver se acabava as farras
De tanta sonegação.
40
Entre 29 e 30
No Brasil permanecia
Em São Paulo, Minas, Rio
Atuou com maestria
Em tudo que o rei mandou
E de quebra, inda aceitou,
Ensinar Filosofia.
41
Nesse período ele viu
Que as fronteiras da nação
Desenhada em Tordesilhas
Já não tinham mais razão
De usufruir validade
Pois, frente à realidade;
Era simples ficção!
42
Das Ilhas de cabo Verde
Trezentas, setenta léguas
Ninguém havia medido
E assim, sem metros e réguas
Bandeirantes desde cedo
Fora ocupando sem medo
Sem leis, limites ou tréguas.
43
Os espanhóis no Pacífico
Se entretiveram próximo ao mar,
Destruindo Incas e Maias
E a prata a desenterrar
Se esquecendo de um mundão,
Um profundo De-Sertão
Que tinha pra conquistar!
44
Neste “vazio” ficava
Pará, Rondônia, Amapá,
Catarina e Mato Grosso
Rio Grande e Paraná,
Amazonas, chão goiano...
Tudo... do Meridiano
De Tordesilhas pra lá!!!
45
Se a linha era imaginária,
Quem iria imaginar
Se ela ficava mais perto,
Se mais longe ia ficar...
E haja procurar tesouro,
Haja sonhar prata e ouro,
Haja índio escravizar!!!
46
E assim foram furando
Pântanos, matas, rios, serras;
Fazendo arraiais e vilas
Se apossando em novas terras
Chantando marcos e crivos
E oferecendo aos nativos
Vida escrava ou morte em guerras!
47
Era a espada cortando,
E a batina benzendo,
O arcabuz trovejando
E a aguardente fervendo,
Miçanga aos índios comprando,
O mato abrindo e fechando
E o nosso Brasil crescendo!
48
Matas cedendo ao machado,
À foice, ao Rabo-de-galo,
O chifre do boi tangido
Pelo casco do cavalo,
O “hinterland” se ampliando
E Tordesilhas ficando
Sem mais ninguém respeitá-lo!
49
Além de não existir
Marco e fiscalização
Durante umas oito décadas
Existiu a união
Entre Portugal e Espanha...
Cada qual comeu na manha
Milhões de léguas do “irmão”!
50
Enquanto aqui, portugueses,
Rasgavam matas a eito,
Cortavam serras e rios
Levando o Brasil no peito,
Na região asiática,
Espanha com a mesma prática
Agia do mesmo jeito!
51
Mas quando se separaram
As duas nações ibéricas,
As invasões prosseguiram
Fossem calmas, fossem histéricas
Espanha tomou chão luso
Na Ásia e sofreu abuso
De Portugal nas Américas!
52
Além disso, Sacramento,
Aonde a prata aflorava,
Portugal se achava dono
Mas por dono não se achava
Espanha entrou, não saía...
Quanto mais acordo havia
Mais acordo se quebrava.
53
Assim como portugueses
Em terras americanas
Comiam terras d’Espanha,
Na Ásia, mãos castelhanas
Com chumbo, espadas, botinas
Engoliam Filipinas,
Molucas e Marianas.
54
Quanto mais as ambições
No chão se concretizavam
Mais guerras se sucediam,
Mais ódios se destilavam,
Mais corações se partiam
Mais sangue as terras bebiam
Mais vidas se consumavam!
55
Foi quando se viu que a hora
Não era mais do leão
Que era a hora da raposa
Entrar no campo da ação
Trocando a dor da violência
Pela luz da inteligência;
O chumbo pela razão!!!
56
E então saíram da cena
Jagunços e generais;
Em vez de brutos guerreiros,
Finos intelectuais
Mapas em vez de canhões...
Em vez do tiro, as razões;
No lugar da guerra, a paz!
57
E aí brilhou Alexandre
Com mapas e argumentos...
A fala mansa e os estudos
No lugar dos armamentos,
A paciência que ensina
No lugar da adrenalina
Dos músculos sanguinolentos!
58
Defendeu que o limite
Fosse o rastro do colono,
Com base em rios e serras,
Não em linhas do abandono
Feitas de sonho e confetes...
Era o “Uti possidetis”
Quem ocupa e cuida, é dono.
59
Foi assim que em quatro anos
Agigantou-se a nação
Alexandre costurou
As bordas de um Brasilzão,
Do Oiapoque ao Chuí,
Até quase Potosí
Com jeitão de coração!
60
O arco de Tordesilhas
De cara, cresceu três vezes;
No Norte, no Sul, no Centro,
Com chão pra nobres, burgueses,
Pra índios, padres, reinóis,
Com a prata pra os espanhóis,
O ouro pra os portugueses!
61
Gusmão inda amarrou mais
Que a paz beijaria a terra,
Do Brasil, mesmo que as sedes
Dos reinos chegassem à guerra.
Venceu sem canhão nem bota
Com “quengo”, na maciota,
Que “o bom cabrito não berra”.
62
Pois este gênio, este herói,
Avô da diplomacia
Brasileira, que deu glórias
E terras à monarquia,
Que a Portugal deu poder
Que fez o Brasil crescer,
Foi vítima da tirania!
63
Quando Dom José cobriu-se
Com a coroa portuguesa
Marquês de Pombal cobriu
Gusmão com ódio e vileza
O fogo apagou-lhe os brilhos
Da esposa e de dois filhos
E ele morreu na pobreza
64
A História lhe roubou
As glórias que merecia
Por isto, eu faço justiça
Nesta humilde poesia
A ALEXANDRE GUSMÃO,
Gênio da paz, campeão
Da luz da diplomacia!
PELEJA DE PELÉ COM ROBERTO CARLOS
Cárlisson Galdino
Meus amigos que acompanham
Esta rádio pela antena
Hoje temos dois gigantes
Duelando na arena
Rei do esporte e da cantiga
Atenção para essa briga
Ela não vai ser pequena
É o rei do futebol
Pelé, como é conhecido
Há muito aposentado
Um jogador bem vivido
Vindo aqui mostrar seu jeito
Está do lado direito
Pra provar que é mais sabido
No outro lado desta arena
Temos outro renomado
Disputando com Pelé
Para tentar derrotá-lo
De talento que agrada
É o rei da Jovem Guarda
É o rei Roberto Carlos
A disputa desses dois
Não será no futebol
Roberto jogar não pode
E o Pelé não joga só
A disputa desses dois
Será decidida, pois
Em repente sob o Sol
Pode parecer vantagem
Pro Roberto talvez seja
Pois ele é compositor
Mas Pelé vencer deseja
E é enfim chegada a hora
Vejam a arena agora
Que comece a peleja
Sou o Rei Roberto Carlos
Na disputa vou embora
Pelé não ganha de mim
Pois tenho uma longa história
Na música brasileira
Sou o Rei, não é brincadeira
Eu sou uma brasa, mora?
Quando eu estou aqui
Vivo um momento lindo
Muitos vêm torcer por mim
Todo mundo é bem-vindo
Vou ganhar, isso é normal
Pelé antes do final
Vai acabar desistindo
Você é o rei do futebol
O mais importante esporte
Mas nessa disputa hoje
Seu reinado pouco importe
Pois no canto e criação
O Pelé não tem vez não
Pois só no campo é forte
Nem sei porque falei tanto
Nem precisa tanto assim
Pois sou o rei da canção
A taça pertence a mim
Nem devia ter disputa
Mas se querem, a gente luta
Se você tá mesmo a fim
Já cantei de tanta coisa
Por protesto e por prazer
Por amor e por saudade
E o que tinha pra dizer
Hoje já está falado
Eu já falei um bocado
Fale um pouco de você
Roberto da Jovem Guarda
É o rei nesse reinado
Mas Pelé não é bagaço
Para ser ignorado
Além de ser jogador
Pelé já foi de cantor
Já teve disco gravado
Se você correu o mundo
Pelé já correu também
Sua voz viajou longe
Pelé foi mais longe além
E se há tanta gente boa
Sempre manteve a coroa
Nunca perdeu pra ninguém
O Pelé já foi ministro
Você nunca, que eu recorde
Se quiser ter uma chance
Deixa de moleza e acorde
E peleje de verdade
Pois todo mundo já sabe
Cão que ladra não me morde
O Pelé foi influência
Pra mais de uma geração
Muito mais do que ser rei
Foi a luz na escuridão
E num país em apuro
Foi uma luz no futuro
A esperança da nação
Por isso não se estufe
Não fale o que bem entende
Pois sei que o rei Roberto
Não é tudo o que ele vende
Nessa disputa acirrada
Não vai te sobrar é nada
Essa eu já ganhei, entende?
Meu caro Edson Arantes
Essa briga vai ser boa
Mas não fale do Pelé
Como fosse outra pessoa
Desse jeito colocado
Pareces um retardado
Isso bonito não soa
Roberto, fique na sua
Pois Pelé é o Pelé
Como falo não te importa
Falo como eu quiser
Sem força pra chegar junto
Fica mudando de assunto
Bom isso não é, entende?
Se você prefere assim
Não tenho nada com isso
Vamos à disputa logo
Tenho outro compromisso
Pois meu trabalho afinal
É intelectual
Não é força bruta, bicho
Roberto, você ofende
Todos falando assim
Pega mal ofender todos
Querendo ofender a mim
Futebol é uma arte
O físico é só uma parte
Que você nem tem por fim
Se for pra ganhar milhões
Correndo atrás de uma bola
Queria ter a outra perna
Perfeita, não como agora
Vocês no topo da escada
Por fazerem quase nada
Recebem milhões em dólar
Como se você fizesse
Esforço, cê não precisa
Ganha milhões em dinheiro
Sem nem suar a camisa
Faz um show de fim de ano
E a vida vai levando
Na água de coco e brisa
Se faço show todo ano
É que o povo me adora
E eu me esforço compondo
Fazendo show mundo afora
Quando eu não apareço
Tou na vida que “mereço”
É de ensaios toda hora
Pois assim é com a gente
Com quem vive de um esporte
Quando não está na TV
Treina pra ficar mais forte
Futebol é uma arte
Exigente em toda a parte
Férias tem só quem tem sorte
Essa arte de que falas
É discurso, é isso só
Molecada deixa a escola
Tantos que até tenho dó
Embora muita gente tente
Muitos viram é delinquente
No sonho do futebol
Não fale tanta besteira
Dessa arte que é tão bela
Futebol joga o rico
E o pobre da favela
Quero ver a arte que é sua
Tirar crianças da rua
Dando esperança a elas
Tudo bem, é uma arte
Futebol que você vende
Mas a disputa desviou
A disputa é entre a gente
E você não é problema
Pra não desviar do tema
Só quem é inteligente
Quem desviou foi você
Mas isso nem vem ao caso
Pois Pelé é inteligente
Não foi ministro ao acaso
E você, Roberto irmão
Cheio de superstição
Você é um prato raso
Qual o prato que é melhor
Deixo ao povo da cozinha
Na canção eu me garanto
Se eu fosse você, nem vinha
Ficava no seu reinado
Com a fama de coitado
Que eu soube que cê tinha
De onde foi que tirou isso
Essa fama nunca fiz
Você não tem argumento
Só besteira agora diz
A Xuxa já namorei
Com ela só não casei
Porque eu não quis, entende?
Duvido muito, mas deixa
A disputa é no argumento
Não quero levar um chute
De um homem violento
Na fama sua alcançada
Rasteira e cotovelada
Sem demonstrar sentimento
Tudo o que eu disputei
Desse jeito resolvido
Não foi por mal que ocorreu
Foi por um mal-entendido
E você, grande que alega
Terminou cantando é brega
Não é sabido, entende?
Não fale do romantismo
Se tiver pouca cultura
É preciso inteligência
Pra entender a candura
Do que escrevo hoje em dia
Você não entenderia
Se forçar, terá loucura
Pelé não é ignorante
Você não compreendeu
Preferiu parar o jogo
Sabe que a idade venceu
Não insiste na carreira
Senão vai fazer besteira
Igual contigo aconteceu
Se continuo cantando
É que ainda há talento
Diferente de outro rei
Que parou lá num momento
Com medo da decadência
Pois a sua inteligência
Era um frágil instrumento
É melhor ser recordado
Como rei de eterno brilho
Parei de jogar faz tempo
Mas na história fiz meu trilho
Uma carreira perfeita
Reinado que o mundo aceita
Não sou um rei só pro filho
Pelo que vejo, Pelé
Cada um tem seu orgulho
Seus defeitos e virtudes
Seu jeito de ver o futuro
Somos reis de dois reinados
Distintos e separados
Não dá pra quebrar um muro
É, Roberto, essa guerra
Já não tem nenhum sentido
Eu respeito a sua voz
E o sucesso conseguido
Você transmite emoção
Marcou uma geração
E ainda é ouvido
E você, caro Pelé
Bicho, você é o cara
No futebol, que é uma arte
Se ao fazer mil gols, cê para
Seu reinado é soberano
Ainda vão fazer mil anos
Pra surgir quem te encara
Roberto, você é o rei
E humilde, eu agradeço
Esta é a sua praia,
A vitória não mereço
Você grande amigo é
Quisesse matar Pelé
Eu nem tinha endereço
Qual é, Pelé, camarada
Você lutou um bocado
E o duelo dessa vez
Está agora acabado
Saibam todos sem enganos
Somos dois reis soberanos
Somos reis de dois reinados
MAL-ASSOMBRDA PELEJA DE FRANCISCO SALES COM O NEGRO VISÃO
Francisco Sales Arêda
Senhores, quem é poeta
está sujeito encontrar
com espírito maconheiro
cheio de truque e azar
que na vida foi poeta
morreu inda quer versar.
Digo assim porque comigo
deu-se uma trapalhada:
noite de senhor São João
eu caí numa emboscada
que pensei me acabar
sem ver o fim da jornada.
Já fazia cinco anos
que eu havia abandonado
a arte de cantoria
mas recebi um chamado
para atender um amigo
dessa vez fui obrigado.
Peguei a viola e fui
cheio de neurastenia
era longe e cheguei tarde
na casa da cantoria
já encontrei tudo em festa
na mais perfeita harmonia.
Assim que entrei no salão
logo a viola afinei
e com a ordem de todos
a cantar continuei
porém nos primeiros versos
todo agitado fiquei.
Sentindo um grande calor
e uma tremura geral
como quem estava sentindo
pelo corpo um grande mal
dando a conhecer ao povo
um desarranjo fatal.
Nisso alguém bateu na porta
pediu licença e entrou
era um negro estranho e feio
que a todo mundo assombrou
com uma viola velha
junto de mim se sentou.
E foi dizendo em voz alta
vim pra aqui sem ser chamado
porque gosto de cantar
com cantador preparado
recorde o que aprendeu
se firme e cante animado.
Com essas frases senti
correr o suor na testa
o cabelo arrepiou-se
como quem se desembesta
fiquei todo amortecido
igual quem se manifesta.
Porém vi que era o jeito
abraçar a discussão
dei volta no pensamento
a Deus pedi permissão
mandei o negro seguir
e fiquei de prontidão.
N.: – Ligue o fio umbilical
na esfera mentalista
dentro do quadro da sorte
com sistema realista
desdobrando a consciência
em busca de nova pista.
F.S.: – Negro, quem és tu assim
com tanto estilo e linguagem
me dizes de onde vens
pelo mundo sem paragem
qual é tua procedência
originada com margem.
N.: – Eu venho dos hemisférios
zodiacais do destino
nasci entre três planetas
em um globo palatino
sou livre igualmente o vento
faço tudo que imagino.
F.S.: – Mas não é assim que quero
saber sua identidade
me diga seus pais quem são
Estado e localidade
que anos tens, onde vives
não negue a realidade.
N.: – Sou filho de dois cativos
do país dos sofrimentos
já tenho 300 anos
conheço todos relentos
moro nos 32 pontos
que forma a rosa dos ventos.
F.S.: – Negro, já conheci que tu
não pertence a ser humano
com tua filosofia
me tapeias todo plano
mas quero saber teu nome
para sair do engano.
N.: – Eu me chamo Angó Visão
fui quem instruí Nogueira
Preto Limão, Hugolino
Mufumbão e Pimenteira
andei junto com Romano
e Inácio da Catingueira.
F.S.: – Credo em cruz, Ave-Maria
Mãe de Cristo redentor
Este negro é o demônio
inimigo traidor
que anda desacatando
os filhos do criador.
N.: – Você já vem com parolas
como fez Joaquim Sem Fim
botando santo no meio
e me chamando ruim
fazendo a mesma besteira
para ver se ataca a mim.
F.S.: – Todo mundo tem direito
de defender seu papel
só você não se defende
por ser infame e cruel
porém eu tenho por mim
Jesus Cristo e São Miguel.
N.: – Eu não empato você
ter lá sua devoção
nem fazer seu fraseado
com santos e oração
eu quero é cantar repente
e dar-lhe uma lição.
F.S.: – Quem é você tão sabido
pra conhecer mais do que eu
nem rebaixar o poder
que a natureza me deu
se veio com essa idéia
pode dizer que perdeu.
N.: – Essa sua natureza
eu conheço ela a fundo
sou capaz de descrever
toda origem do mundo
desde o mais potente ser
ao mais péssimo vagabundo.
F.S.: – Você faz parte da fera
que iludiu Adão e Eva
manchando a lei do dever
com o fruto da reserva
mas não pense que me arrasta
para o caminho da treva.
N.: – Adão e Eva pecaram
por uma contradição
mas aquilo foi somente
para haver a geração
mesmo sem haver pecado
não havia salvação.
F.S.: – Mas a culpa de Adão
foi por causa da serpente
que atacou de surpresa
a pobre Eva inocente
e fez ambos se perderem
pelo pecado somente.
N.: – Mas o eterno por ser
um juiz tão poderoso
para que deixou Lusbel
entrar no jardim mimoso
e botar Adão e Eva
no pecado rigoroso?
F.S.: – Negro, não seja tão ruim
querendo a Deus maltratar
você sabe que Lusbel
foi autor de todo azar
por se ver perdido quis
a nossos pais complicar.
N.: – É certo que Adão tem culpa
porque a lei transgrediu
mas quando Lusbel pecou
e lá do trono caiu
pra não entrar no jardim
por que Deus não proibiu?
F.S.: – E por que foi que Lusbel
quando ficou lá no trono
substituindo a ordem
de Deus eterno patrono
orgulhou-se e propôs guerra
querendo do céu ser dono.
N.: – Aquilo foi pra poder
dar começo às gerações
pois o eterno podia
ter privado essas razões
mas deixou Lusbel assim
para cumprir-se as lições.
F.S.: – Negro, você não tem jeito
de se chegar na verdade
mas eu vou tirá-lo agora
com o credo da trindade
para nunca mais zombar
do grande Deus de bondade.
N.: – Veja que asneira sua
falando em reza pra mim
se reza salvasse gente
não havia ninguém ruim
eu conheço tudo isso
do começo até o fim.
F.S.: – Mas na reza tem prodígio
que nos faz admirar
quem não se benze e não reza
não pode a Deus alcançar
fica assim como você
de mundo a fora a atentar.
N.: – Eu não ando atrás de reza
que não sou padre nem papa
ando atrás de quem canta
com consciência no mapa
e o mais sabido do mundo
das minhas mãos não escapa.
F.S.: – Você diz assim porque
é triste inconscencioso
já perdeu todos direitos
de nosso Deus poderoso
não sabe o que é verdade
só ver o quadro horroroso.
N.: – Eu conheço a descendência
de Adão, Eva e Abraão
Moisés, David e Jacó
Manassés e Salomão
mas nunca vi nenhum salvo
por valor de oração.
F.S.: – Se oração não valesse
Jesus não tinha orado
São Pedro e todos apóstolos
nenhum tinha acompanhado
a religião dos santos
para abater o pecado.
N.: – O Cristo orou porque quis
mas já tinha a salvação
e por isso qualquer um
se meta nessa ilusão
reze e não pratique o bem
pra ver se tem o perdão.
F.S.: – Negro, você me parece
que foi materialista
desses que só dar valor
no que pega e está a vista
protesta toda verdade
difamador anarquista.
N.: – Não queira saber quem sou
nem me julgue bom ou mau
cante mesmo se souber
e se defenda no grau
se tiver cantiga bote
ou entregue o lombo ao pau.
F.S.: – Eu canto porque conheço
rima, métrica e posição
sentido, frase e conjunto
sistema e complicação
não é pra um negro imundo
vir a mim passar lição.
N.: – Homens de muita ciência
como Leandro e Zé Duca
Romano, Hugolino e outros
precisaram minha ajuda
quanto mais um Zé Ninguém
que na vida nada estuda.
F.S.: – Negro, não seja gabola
naquilo que não convém
seu estado miserável
e consciência não tem
um infeliz como tu
nunca ajudou a ninguém.
N.: – Você é quem diz assim
por não ter compreensão
mas provo que Pedra Azul
Ventania e Azulão,
Serrador, Carneiro e Lino
a todos eu dei lição.
F.S.: – Esses homens foram mestres
da poesia simbólica
enquanto vivo seguires
a religião católica
não precisaram de ti
e nem da força diabólica.
N.: – Pedro Limão e Quirino
e Josué de Teixeira,
Pirauá, Laurindo e Gato
e Manuel Cabeceira
eu defendi muito eles
no braço da regra inteira.
F.S.: – Meus senhores do salão
cada um traga uma cruz
e vamos rezar o credo
no claro da santa luz
pra desterrar este negro
inimigo de Jesus.
N.: – Você pensa que reza santa e cruz
me faz medo de noite nem de dia
se previna e chame por Maria
para ver se ela te conduz
faça força que hoje vim apuz
de enfrentar um poeta em todo artigo
não me assombro, não corro e prossigo
da forma que quiser eu também quero
de qualquer lado que vir eu lhe espero
não há santo que lhe empate ir comigo.
F.S.: – Mas eu creio em Deus Pai e Poderoso
que criou o Céu e a nossa terra
também criou em Jesus aonde encerra
o poder de um astro glorioso
um só filho do espírito venturoso
Divino Cordeiro e inocente
que padeceu pelos homens cruelmente
foi perseguido, preso e arrastado
para com seu sangue imaculado
nos livrar das ciladas da serpente.
N.: – Você pensa que com isso se defende
mas para mim és maluco e muito fraco
de qualquer feito te boto no bisaco
e a força de meu braço é quem te prende
meu poder hoje aqui ninguém suspende
vou provar-te daqui a meia hora
que tu chegas a meus pés e me per si
nem te Cristo te livra hoje aqui
de um acocho da alma pular fora.
F.S.: – Meus senhores da sala é necessário
arranjar-se um cordão e água benta
pra lançar-se esta fera violenta
com a força da Virgem do Rosário
e pedimos a Cristo do sacrário
que nos mande o anjo Gabriel
descer com o Arcanjo São Miguel
trazendo a espada e a balança
para ver se nos livra desta trança
e expulsar esta fera tão cruel.
N.: – Vem você com rosário e com Maria
se valendo de medalha e balanceiro
chamando por todo alcoviteiro
que não há precisão em cantoria
mas não pense que com esta bruxaria
me faz medo nem me tange num segundo
e meu astro é teórico e tão profundo
como a luz que clareia a imensidade
eu também tenho força e liberdade
pra fazer qualquer coisa neste mundo.
F.S.: – Venha a mim São Gregório e São Bernardo
Santo Cristo do Ipojuca e São José
São Francisco padroeiro em Canindé
São João Batista e São Ricardo
Santo Antônio de Lisboa tão amado
São Severino dos Ramos padroeiro
São Jorge com a lança de guerreiro
Defendei-me das portas do inferno
São Pedro com as chaves do eterno
me guardai deste negro traiçoeiro.
N.: – Não é com isto que pensa que me atrasa
nem me faça correr de sua vista
vamos ver quem ganha esta conquista
e quem corre primeiro desta casa
quero ver se você não se arrasa
cantando comigo este duelo
que sou forte no perigo e no flagelo
e não temo enfrentar um cantor só
você estando nas unhas de Angó
não há santo que o livre do cutelo.
F.S.: – Maria imaculada Mãe de Cristo
pelo verbo encarnado em vossa luz
defendei-me com o nome de Jesus
e vinde a mim pra ver se eu resisto
não deixai que aqui o anti-Cristo
lance mão de mim e mais alguém
protegei-me Maria sumo bem
pelo sangue que banhou a Santa Cruz
e hora divina que Jesus
foi nascido na gruta de Belém.
N.: – Arre com tanto pedido
deste cantor tão teimoso
só fala em santo e rosário
isto é que é ser caviloso
nem canta e só dá maçada
com este abuso horroroso.
Levantou-se da cadeira
rodando em cima de um pé
e disse: – Eu não canto mais
porque estou dando fé
quem discutir com um doido
é esgotar a maré.
E nesse momento o galo
cantou saudoso e bonito
o negro se remexeu
soltou um tremendo grito
fez corrupio na sala
e se sumiu o maldito.
Todo povo que estava
ali na reunião
sentiu um cheiro abafado
de breu, enxofre e carvão
rezaram o credo e o ofício
da Virgem da Conceição.
Faço ponto, meus amigos
Sobre a tremenda porfia
A todos peço desculpas
Lendo esta poesia
Espero de cada um
Sua boa garantia.
A OPINIÃO DOS ROMEIROS DOBRE A CANONIZAÇÃO DO PADRE CÍCERO PELA IGREJA BRASILEIRA
Expedito Sebastião da Silva
No dia 8 de julho
Do ano setenta e três
A Igreja Brasileira
Decidiu por sua vez
Aqui em nossa nação
Do padre Cícero Romão
A canonização fez
Realizou-se em Brasília
Essa canonização
Sendo que do Santo Papa
Não houve autorização
Por aí o leitor veja
Foi à nossa santa igreja
A maior profanação
Quinhentos e onze padres
No momento se acharam
Também trinta e quatro bispos
Ali se apresentaram
E de jornais e revistas
Centenas de jornalistas
O ato presenciaram
Romeiros da mãe de Deus
Essa canonização
Que a Igreja Brasileira
Fez, não tem efeito não
É uma trama ilusória
Que fere a santa memória
Do padre Cícero Romão
Pois a Igreja Católica
Apostólica Romana
Por ser fundada por Cristo
Tem a ordem soberana
De canonizar na terra
Outra assim fazendo erra
E a boa-fé engana
Mesmo o nosso padre Cícero
A luz brilhante do Norte
Como um fiel pastor
Foi um baluarte forte
Da Santa Mãe Soberana
E a Igreja Romana
Defendeu até a morte
Deixou no seu testamento
Com toda realidade
Assinada por seu punho
Como cunho da verdade
A prova como um diploma
Pra com a igreja de Roma
A sua fidelidade
O nome do padre Cícero
Ninguém jamais manchará
Porque a fé dos romeiros
Viva permanecerá
Pois nos corações dos seus
Foi ele um santo de Deus
É e pra sempre será
E, portanto, o padre Cícero
Sempre foi santificado
Pelos seus fiéis romeiros
De quem é bastante amado
Finalmente é uma asneira
A Igreja Brasileira
Fazê-lo canonizado
Essa canonização
Feita, num sistema inculto
Os romeiros consideram
Como um verdadeiro insulto
Que a todo mundo engana
E com cinismo profana
Um admirável vulto
Creio se o padre Cícero
Vivo estivesse com nós
Seria ele o primeiro
A opor-se em alta voz
De forma alguma queria
Por completo repelia
Essa farsa de algoz
Pois ele nos seus sermões
Dizia com paciência:
A Santa Igreja Romana
De Deus é a pura essência
Não devemos desprezá-la
Portanto vamos amá-la
Fiéis com obediência
– Sem a Igreja Católica
Apostólica Romana
Ninguém pode se salvar
Porque a alma é profana
Por ser a religião
Que conduz todo cristão
Para a corte soberana
Aí se vê claramente
A grande veneração
E o respeito que tinha
O padre Cícero Romão
Pela igreja de Cristo
Que proveniente a isto
Sofrera perseguição
O padre Cícero com vida
Honrou a sua batina
E à igreja de Cristo
Tinha obediência fina
Não dava nenhum conceito
Quem faltasse o respeito
Pra com a santa doutrina
Como é que certos padres
Não conheceram direito
O padre Cícero de perto
Procuram com desrespeito
Canonizá-lo por conta?
É à Igreja uma afronta
Ou um rebelde despeito?
Pois a Igreja Romana
De forma nenhuma aprova
Essa canonização
Feita nesta igreja nova
Se eles estão a pensar
Que fácil vão nos laçar
Nos laçarão uma ova!
Ele dizia: O diabo
Todos os dias peleja
Para pegar os cristãos
Pois é o que mais deseja
Muitos poderão cair
Se por acaso ele vir
Laçando pela igreja
Mas estamos preparados
Conosco ninguém embroma
Porque é o padre Cícero
Do romeiro e ninguém toma
Que espera conformado
Pra vê-lo canonizado
Por nosso Papa de Roma
Já ouvi alguém dizer
O padre Cícero merece
Ser enfim canonizado
Já que o Papa se esquece
Proveniente a demora
Vem outra igreja de fora
E o seu valor reconhece
Mas a Igreja Romana
Primeiramente precisa
Fazer sobre o indicado
Uma severa pesquisa
Depois de colher com jeito
Todos os dados direito
É que ela canoniza
Não é só meter a cara
Como quem vai fazer guerra
E ludibriar a fé
Dos cristãos aqui na terra
Assim era ser profana…
Pois a Igreja Romana
De forma nenhuma erra
Aqui não estou falando
Contra a canonização
De que é merecedor
O padre Cícero Romão
Minha pena aqui acusa
A quem dele o nome usa
Fazendo profanação
Acho grande hipocrisia
E desaforo daquele
Que somente por ouvir
Muito falar sobre ele
Quer ao povo se unir
Para bem alto subir
Na sombra do nome dele
Sabem que o padre Cícero
O santo de Juazeiro
Tem romeiros espalhados
Por este Brasil inteiro
Então canonizam ele
Pra fazer do nome dele
Uma chama de dinheiro
Lá no céu o padre Cícero
Não pode estar satisfeito
Vendo o seu santo nome
Maculado desse jeito
E ainda depois disso
Vendo a igreja de Cristo
Sem o devido respeito
Mas ele apesar de tudo
Usará de complacência
Pedirá penalizado
À Divina Providência
Pro castigo revogar
E com amor perdoar
Essa desobediência
Aqui nós do padre Cícero
E da Virgem padroeira
Não estamos de acordo
Com a Igreja Brasileira
O nosso padre estimado
Queremos canonizado
Não assim dessa maneira
Sua canonização
Nós desejamos que seja
Feita pelo Santo Papa
Da forma qu’ele festeja
Mandar então colocá-lo
No altar de toda igreja
Todos seus fiéis romeiros
Que com fé o amam tanto
Num quadro tem ele em casa
No mais destacado canto
Pra quem chegar ali veja
Que só falta à Santa Igreja
Declará-lo como santo
Esperamos que o Papa
Antes que nos venha a morte
Canonize o padre Cícero
E brade numa voz forte:
“EU DECLARO FERVOROSO
SANTO CÍCERO MILAGROSO
DE JUAZEIRO DO NORTE”
A CANDIDATURA DE LAMPIÃO A PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Vicente Campos Filho
Das histórias que surgiram
No Nordeste do Brasil
Sobre um tal de Virgulino
Lampião, homem viril,
Tem uma que ficou fora
Dos registros da história
Pouca gente já ouviu.
Quem me contou com detalhes
Eu não sei se é mentira
Foi um velho ex-cangaceiro
Chamado Zé Macambira
Me disse que Lampião
Foi um herói do sertão
Esse título ninguém tira.
Me disse que era tanta
A fama de Lampião
Que um cangaceiro seu
Deu a sua opinião
Meu Capitão vosmecê
É quem merecia ser
Presidente da nação.
Pois não é que Lampião
Aceitou logo no ato
E disse em cima da bucha:
– Eu quero ser candidato
E quem não votar em mim
Só pode ser cabra ruim
Eu esfolo, capo e mato.
E o plano de governo
Do Capitão Virgulino
Amplamente divulgado
Pelo Sertão Nordestino
Teve logo aprovação
De toda a população
Homem, mulher e menino.
Vou tentar reproduzir
O plano do cangaceiro
Como foi que Lampião
Convenceu o povo inteiro
A aprovar o seu plano
E votar naquele ano
No famoso justiceiro.
Lampião já discursava
Pensavam como seria
Viver sem corrupção
Felicidade pra todos
Habitantes da nação
Por toda parte se ouvia
Dia e noite, noite e dia
– Vou votar em Lampião.
Virgulino aonde chegava
Era motivo de alegria
Conquistava toda a gente
Do Ceará à Bahia
E nos braços do povão
Provocava um arrastão
Era grande a romaria.
Os políticos invejavam
Tanta popularidade
Temiam que a promessa
Se transformasse em verdade
Se Lampião fosse eleito
De deputado a prefeito
Perdia a tranquilidade.
Por isso se reuniu
De vereador a prefeito
Naquela situação
Resolveram dar um jeito
Armaram aquela cilada
De tocaia na estrada
Montaram um plano perfeito.
Lá pras bandas de Angicos
Fuzilaram Lampião
Mas acabaram também
Com os planos da nação
De criar um país novo
Calaram a boca do povo
Venceu a corrupção.
No Nordeste inteiro o povo
Chorou a morte do bando
Do Capitão Virgulino
Ficavam só comentando
Ô cabra macho da peste
Representou o Nordeste
Viveu e morreu lutando.
Se o plano de Lampião
Tivesse ido à frente
A vida aqui no Brasil
Seria bem diferente
Não ia faltar o pão
Saúde e educação
Na vida da nossa gente.
Se um dia surgir aqui
Outro Lampião disposto
A mudar nossa história
Vai ser bem-vindo no posto
De Capitão da Justiça
Vai acabar com a injustiça
E recebido com gosto.
Isso foi o que eu ouvi
Da boca do ex-cangaceiro
Quem quiser que conte outra
Porque eu cheguei primeiro
Não diga que estou mentindo
Vá por aí repetindo
A estória do justiceiro.
Em todo lugar que ia
Seu lema era limpeza
Credo, cruz, Ave Maria
– Eu vou varrer desse mundo
Tudo quanto é vagabundo,
Era isso que dizia.
Prometia: – Vou banir
Desse mundo a ladroagem
Também prometo acabar
Com essa vagabundagem
Esse bando de safado
Vai se ver encurralado
Vou acabar com a bandidagem…
…Esses políticos corruptos
Vão provar minha chibata
Eu prometo acabar
Com essa tal de mamata
Palavra de Lampião
Cabra brabo do sertão
Feito dez siris na lata…
… O prefeito que roubar
Dinheiro da prefeitura
Vai ter que se ver comigo
E vai levar uma dura
Vou manda-lo pra prisão
Pra comer banha com pão
E feijão com rapadura…
… Prometo fiscalizar
Os atos dos deputados
Se andarem fora da linha
Eles vão estar lascados
Eu mando juntar tudim
O magote de cabra ruim
Todos eles amarrados…
…Depois boto num navio
Solto lá no mei do mar
Tudo quanto é tubarão
De comer vai se fartar
Quero ver dentro de um ano
Sem mentira e sem engano
Esse país se ajeitar…
…Vou mostrar pra essa gente
Que eu boto ordem na casa
Político ruim e safado
Comigo pega em brasa
Arranco o couro das costas
Capo, corto a trouxa em postas
Ladrão comigo se arrasa.
O programa de governo
Era voltado pro povo
E este logo aprovou
Sonhando com um Brasil novo
Um país justo e feliz
Dono do próprio nariz
Sem dever sequer um ovo.
O povo do meu sertão
Já estava até sonhando
Com uma vida melhor
Estavam todos contando
Pensavam como seria
Ter saúde e moradia
A educação prosperando.
AUGUSTO FREDERICO SCHMIDT,
UM AUTÊNTICO BRASILEIRO
Chico de Assis
01
Quero que Deus me ajude
Com a inspiração nata
Do poeta popular
Que canta o rio e a mata
Para contar a história
De um grande diplomata.
02
Falo de Augusto Schmidt
Que foi um grande escritor,
Foi jornalista e poeta,
Um grande empreendedor
E no mundo da política,
Exímio articulador.
03
Nasceu no Rio de Janeiro,
Mil novecentos e seis,
Nasceu em berço de ouro,
Filho de um casal burguês,
Mas sempre sonhou pôr fim
À pobreza, de uma vez.
04
Gozou na primeira infância
Paz, amor, felicidade,
Curtindo os prazeres da
Maravilhosa cidade
Não cedendo nem ao peso
Do peso da obesidade.
05
Não foi muito de estudar
Mas foi muito de aprender
Até mesmo reprovado
Schmidt chegou a ser
Não gostou de ler cartilhas
Mas ao mundo soube ler!
06
Mas logo com oito anos
O contratempo chegou
Pra Lausanne, na Suíça,
A família se mudou
E logo veio a doença
Que aos seus pais atacou.
07
Internos em sanatórios
Seus pais cumpriram um destino
Duro, sofrido, cruel
Marcado por desatino
E não puderam amparar
Os destinos do menino.
08
Quando completou dez anos
Viu o seu pai falecer;
Ficou sem rumo e sem prumo
Veio embora sem saber
O que faria da vida
Sem ter seu pai pra dizer.
3
09
Pra o Rio voltou tangido
Pela guerra mundial;
Voltou banhado de lágrimas
Pra sua pátria natal,
Sem pai, sem paz, mãe doente,
Num desamparo total.
10
No Rio peregrinou
Sem se enturmar, sem ter vez,
No Colégio São José,
Também no Liceu Francês
E no Colégio São Bento,
Saindo de todos três.
11
Sua mãe tuberculosa
Se foi dois anos depois
Morar no céu com o marido
E ele, longe dos dois,
Teve que pintar sozinho
O quadro que se compôs!
12
E eis que a mente se eleva
Por sobre o peito que chora
Não pode pagar colégios
Caros no Rio em que mora
Vai prosseguir seus estudos
Distante, em Juiz de Fora.
13
Sem ter por quem esperar
Ergue o peito, segue avante,
Arranja logo um emprego
De caixeiro-viajante;
Depois, de comerciário,
Passa a ser comerciante.
14
E em meio a talões de notas
Pedidos e encomendas
Schmidt foi cultivando
Do saber todas as prendas,
Logo surgiram poemas
Em meio às notas de vendas!
15
Trabalhava numa casa
Onde vendia tecidos
E artigos de armarinho.
Entre os estoques sortidos
De botões, pentes e panos,
Tinha livros escondidos!
16
Em meio às vendas frenéticas
Parava sempre pra ler
Na Rua do Ouvidor
Livraria Garnier
E brechava atrás da loja
A Livraria Briguier".
17
O seu patrão português
Baixava dele o conceito
Dizia: com tantos livros
Para ler, esse sujeito
Jamais dará pra o comércio,
"Esse gajo não tem jeito..."
18
Mas Schmidt deu o fora
Fugiu do patrão beócio,
Sua energia em excesso
Não lhe permitia o ócio
E ele partiu buscando
Montar seu próprio negócio.
19
Logo montou um engenho
Pra fabricar aguardente
Com isso foi conseguindo
Dinheiro rapidamente
Até que se transformou
Num empresário influente.
20
Instalou uma editora
Mostrando capacidade
E assim ficou junto da
Intelectualidade;
Tornou-se o ponto de encontro
Da cultura da cidade!
21
Empreendedor pé-quente
Sabia calcular risco
Competente, juntou grana
Ligeiro igual um corisco
Montou um supermercado,
Embrião da rede Disco.
22
Entrosou-se rapidinho
Com a turma modernista
Oswald e Mário de Andrade
E muito nacionalista
E até com Plínio Salgado,
Mas não foi integralista!
23
Entrou mesmo de cabeça
Na cultura e no seu clima
Lendo, escrevendo em jornais
Cultivando prosa e rima
Com Jackson de Figueiredo
E Alceu Amoroso Lima.
24
Chegou mesmo a editar
Nomes que viraram heróis
Um Graciliano Ramos,
Uma Raquel de Queiroz
E até um Jorge Amado
Que não tinha vez nem voz.
25
Editou Gilberto Freyre
Um crítico da realeza
Da Casa Grande & Senzala,
Lúcio Cardoso, a surpresa;
E um Otávio de Faria
Com a "Tragédia Burguesa".
26
Com Carlos Drumonnd de Andrade
Começou a se entrosar
Foi amigo de Bandeira,
Nosso poeta exemplar
Schmidt ia visitá-lo
Na Avenida Beira-Mar!
27
Envolveu-se na política
Sem nunca ser candidato
Com direita e com esquerda
Sempre conseguiu bom trato
E achava que pra servir
Não precisava mandato.
28
Foi dele a última conversa
Com Getúlio no Catete;
Enquanto a oposição
Baixava nele o cacete,
Getúlio traçava o plano
De fugir do tirinete!
29
Getúlio calmo demais
Em meio ao mar do despeito,
A lama golpista entrando
No Palácio sem respeito
E o velho pronto pra o gesto
De explodir o próprio peito!
30
Conversavam sobre a fome
Que empanava nossa glória...
No outro dia, Getúlio
Deu a resposta à escória
Pulando fora da vida
E entrando firme na História.
31
Schmidt então se aliou
Ao mineiro Juscelino,
Jogou suas esperanças
No médico diamantino
No desejo que o Brasil
Achasse um novo destino.
32
Apoiou sua campanha
Defendeu-lhe com afinco,
Das portas de uma vitória
Deu-lhe a chave, abriu o trinco,
Criando até o slogan
"50 anos em 5"
33
Pra Juscelino, Schmidt,
Resolveu muitos problemas
Articulava os apoios
Enquanto armava os poemas
Todo dia os dois trocavam
Dois ou três telefonemas!
34
Teve que aplacar a sanha
De alguns eternos golpistas
Por JK receber
Apoio dos comunistas
Num tempo de guerra fria
E militares fascistas.
35
Elaborava os discursos
Que JK proferia.
A fama de orador bom
Pra o presidente crescia
Mas seus discursos poéticos
Schmidt era quem fazia.
36
Algumas frases de efeito
Que JK citou cedo,
Eram lavra do poeta
Que escondia o segredo,
Como aquela: "Deus poupou-me
Do sentimento do medo"
37
E na área diplomática
O poeta destacou-se
Representava o Brasil
Com brilho, fosse onde fosse,
Á causa de um Brasil Grande
Ele sempre dedicou-se.
38
Idealizou a OPA
Tentando unir as Américas,
Aplainando as divisões
Geopolíticas hemisféricas
E pondo um freio no fogo
Das ameaças histéricas.
39
Dos direitistas raivosos
Ele explorava com afã
O medo de uma revolta
Ocidental e cristã
Que tirasse o continente
Das garras do Tio Sam!
40
Depois que a Segunda guerra
Levou Marx à Polônia,
Tchecos, búlgaros e alemães
Ele explorava a insônia
Dos yanques que o temiam
Do México pra Patagônia.
41
Depois que a China com Mao
Derrubou seus mandarins,
Implantando o comunismo,
Derrubando espadachins
Havia o pânico que ele
Chegasse aos nossos confins.
42
Logo naquele momento
Que Coréia e Vietnan
Se inspirando em China e Rússia
Pisavam os pés do titã
Fazendo bolhas de sangue
Nos calos do Tio Sam.
43
Quando Cuba já mostrava
Que ia brigar também
Pra derrubar um sargento
Que dizia só "Amém".
Não ia mais ser bordel
Nem quintal de "Sêo Ninguém"
44
Schmidt por cá mostrava
Que evitar revolução
Se evita com mais progresso,
Terra, emprego, paz e pão,
Justiça e democracia
Saúde e educação.
45
Na verdade ele tentou
Criar um Plano Marshal
Conseguiu a Aliança
Para o Progresso, afinal,
Dos países atrasados
Da América do Sul e Central.
46
Uma ação que veio antes,
Fruto do seu argumento:
Banco Interamericano
Para o Desenvolvimento;
O BID que continua
Nos trazendo investimento!
47
O grupo dos 21
Articulou e fez planos.
Este grupo reunia
Governantes veteranos
De todos os 21
Estados americanos.
48
Até mesmo a OEA
Foi fruto desse trabalho
Pra que todo o continente
Vestisse um mesmo agasalho
E um Estado não fosse
No outro meter o malho.
49
Porém na diplomacia
Não ficou só na estréia
Foi nosso representante
Com firmeza e boa idéia
Na grande Comunidade
Econômica Européia.
50
Se entrosou pela direita
Com Castelo, militar,
Junto a Raquel de Queiroz
Ajudou a derrubar
O governo e escreveu
Contra Brizola e Goulart.
51
Fundador do Instituto
De Pesquisas Sociais
E Econômicas também
Defendendo a todo gás
O sistema baseado
Nas idéias liberais.
52
Amou com força a política
Nos bastidores foi forte,
À labuta literária
Entregou-se até à morte
Mas ele também gostava
De incentivar o esporte.
53
Presidiu o Botafogo
De Futebol e Regatas,
Levando a ganhar
Troféus de ouros e pratas
Foi cartola e não meteu-se
Em trambiques e mamatas.
54
Havia dois botafogos
Cada qual pela metade
Juntou os dois em um só,
Cresceu-lhe a capacidade
E botou na presidência
Eduardo Góis Trindade!
55
É este o homem que trago
À memória brasileira;
Um homem que batalhou
Pelo bem a vida inteira
Tanto dentro do País
Quanto na terra estrangeira.
56
Em meio às atribuladas
Vidas de comerciante,
De político e diplomata,
De editor e viajante
Nunca deixou de botar
A poesia pra diante.
57
No ano de 28
Lançou seu livro primeiro
Que trazia o grande título
O "Canto do brasileiro,
O Augusto Frederico
Schmidt", tão verdadeiro.
58
Depois "Canto do Liberto"
Tendo seu nome seguido;
Já no ano 29
Lançou "Navio Perdido"
E em 30, o "Pássaro Cego",
Um livro reconhecido.
59
A "Estrela Solitária"
Lançou com glória e com brio
"Mensagem aos Poetas Novos"
Foi um grande desafio;
"Galo Branco" e "As Florestas"
Depois, "Caminho do Frio".
60
Lançou "Paisagens e Seres",
"Babilônia", uma canção...
Também belíssimos "Discursos
Aos Jovens" desta nação,
"Antologia de Prosa"
E "Prelúdio à Revolução".
61
Seus mais famosos trabalhos
No campo da poesia
Foram "Soneto Cigano",
"Quando", "Lembrança", "Elegia",
"Noiva", "Soneto a Camões",
Foi tudo pra Antologia!
62
"Retrato do Desconhecido",
"Quando eu Morrer" e "Vazio",
Sonetos, "Ouço uma Fonte"...
Fonte perdida no frio.
Encheu de poemas quentes
As brisas doces do Rio.
63
Casou com Yedda Ovalle,
Grande amor da sua vida,
Pra ela lavrou poemas,
E ela foi dele a querida
Até em 65
Quando fez a despedida...
64
Por fim, foi esse o Schmidt,
Um autêntico brasileiro,
Articulador gigante
Empreendedor pioneiro,
Augusto, doce, valente,
Diplomata competente.
Poeta de corpo inteiro!
RUI BARBOSA
Crispiniano Neto
01
Quero contar a história
Verdadeira e gloriosa
De um diplomata de peso
De carreira luminosa;
Um crânio cheio de graça,
O nosso gênio da raça,
O baiano Rui Barbosa.
02
Rui foi um líder político,
Deputado e senador,
Ministro por duas vezes,
Foi filólogo e escritor,
Tradutor e jornalista
Um consagrado jurista
E um gênio como orador!
03
Porém existe um detalhe
Nas muitas aptidões
Deste crânio brasileiro.
Que deixou tantas lições:
É seu lado DIPLOMATA,
Onde ele compôs a nata
Do concerto das nações!
04
Foi aí que Rui Barbosa
Consagrou-se de verdade,
Tornou-se a “Águia de Haia”
Com tal legitimidade
Que armado de mente e lábios
Tornou-se um dos “Sete Sábios”
Maiores da humanidade.
05
Seu tipo físico era frágil:
Quase anão na estatura.
Um metro e cinquenta e oito,
72 de cintura.
Corpo encurvado e franzino,
Fisicamente um menino
Mas um titã na cultura!
06
Só quarenta e oito quilos
De peso e de sapiência;
A fragilidade física
Escondendo a inteligência...
Mas provou aos seus carrascos
Que “é nos menores frascos
Que mora a melhor essência”!
07
Rui Barbosa de Oliveira,
De Salvador, bom baiano.
Nasceu em mil e oitocentos
E quarenta e nove, o ano;
Foi a cinco de novembro
Que a luz viu o maior membro
Do saber brasiliano.
08
Seu pai, Doutor João José,
Viu no anão um titã,
Ensinou-lhe amar os livros,
Do saber tornou-lhe um fã.
Maria Adélia gerou-lhe
E com carinho ensinou-lhe
Amor e moral cristã.
09
Com a mãe também aprendeu
Amar os descamisados
Aos que a vida excluiu,
Aos pobres e explorados,
Ao humilhado e ao cativo...
Por isso tornou-se ativo
Defensor dos humilhados.
10
Com cinco anos de idade
Rui na escola ingressou;
Seu mestre Antônio Gentil
Muito espantado exclamou:
Meu Brasil, eu lhe apresento
O mais incrível talento
Que a Bahia já criou!
11
Aprendeu em quinze dias
Distinguir as orações
E dos verbos regulares
Fazer as conjugações,
Juntar letras, soletrar,
E com um ano a destrinchar
As mais difíceis lições.
12
Aos onze anos de idade
Já no Ginásio Baiano,
Professor Abílio César
Disse a seu pai: Não me engano.
Tudo que eu sei, Rui já sabe.
Portanto, João, já lhe cabe
Colocar Rui noutro plano.
13
Foi quando Rui recebeu
Sua maior honraria,
Uma Medalha de Ouro,
Do arcebispo da Bahia...
E entre milhões de imagens
De glórias e de homenagens
Desta, nunca esqueceria.
14
No ano sessenta e quatro
Conclui o ginasial.
Só tinha quatorze anos
Não tinha idade ideal
Para a faculdade e então
Foi estudar Alemão
Até o prazo normal.
15
Ao fazer dezesseis anos,
Já tendo idade e conceito
Foi para Olinda cursar
Faculdade de Direito,
Provando o fato verídico
Que para o mundo jurídico
Era o cérebro mais perfeito.
16
Porém em 68
Contraiu um grande mal
Adoeceu gravemente
De um “incômodo cerebral”
Deu um tempo em quase tudo
Paralisou o estudo
Até voltar ao normal,
17
E enquanto ficou em casa
Por um bom tempo abrigou
O poeta Castro Alves
Que Eugênia Câmara largou;
Castro, de Rui era um mano,
Pois no Ginásio Baiano
Na mesma turma estudou.
18
Rui fica bom e de novo
Sua faculdade enfrenta,
Se transfere pra São Paulo,
Curso que mais fama ostenta;
Ali virou bacharel.
Ganhou diploma e anel
Já no ano de 70.
19
Doutor, voltou à Bahia,
Seu solo amado e natal.
De novo sofreu as dores
Do “incômodo cerebral”
Mas foi logo advogar
Passando rápido a provar
Ser grande profissional.
20
Nesse tempo Rui Barbosa,
Mesmo sem ganhar fortunas
Por advogar pra os pobres
Já brilhava nas tribunas,
E os embates sociais
Travava pelos jornais
Com artigos e colunas.
21
No Diário da Bahia
Escrevia a pura prosa.
Neste tempo, o coração
Do genial Rui Barbosa
Por Brasília, jovem bela,
Caiu na triste esparrela...
A primeira crise amorosa.
22
Mas a dor-de-cotovelo
Ele logo compensou.
Discursos e conferências
Onde fazia, era show.
Pela força da Oratória
Em pouco alcançou a glória,
Seu nome se consagrou.
23
Casou-se em 76
Com uma bela baiana
Com quem construiu família:
Maria Augusta Viana
Bandeira da sua vida,
Amada e deusa querida,
Fantástica figura humana.
24
Augusta e Rui produziram
Uma família garbosa:
Que tinha nos nomes o
Sobrenome “Ruy Barbosa”.
Cinco filhos exemplares
Diplomatas, militares
E um político bom de prosa!
25
Rui ergueu-se em seu talento
Para enfrentar a ganância.
A ditadura e a maldade
Ele enfrentou com tal ânsia
Que esqueceu banca e saúde
Para abraçar com virtude
A causa e a militância!
26
No ano 77
De muita seca e horror
Rui se elegeu deputado
Erguendo um novo valor.
Pela grandeza exibida
Foi escolhido em seguida
Pra ser nosso senador.
27
Nabuco disse que Rui
Fez a República garbosa;
Benjamim lhe atribuiu
Revolução luminosa.
Patrocínio, disse então:
“Deus acendeu um vulcão
Na cabeça de Barbosa”.
28
E veio a Abolição
Da escravidão malvada;
Vimos três anos depois
A República proclamada,
Cujo primeiro decreto
Teve o talento completo
Da sua mão consagrada!
29
Fez a Constituição
Da República brasileira;
Poucos retoques fizeram
Sobre a redação primeira
Seu texto estava perfeito
Na política e no Direito,
Uma obra verdadeira.
30
E ao nascer a República,
Pelo seu saber notório
Foi primeiro vice-chefe
Do Governo Provisório.
Brilhante, firme, empolgado
O Brasil foi transformado
Em seu gigante auditório!
31
Rui Barbosa e Deodoro
Neste governo de início
Separaram Estado e Igreja
Evitaram o precipício
Com o tumulto controlado
Acabaram deputado
E Senado vitalício.
32
Rui, Ministro da Fazenda,
Pegou um cofre falido
Pela provisoriedade
Do governo instituído
Não conseguia dinheiro...
Nenhum país estrangeiro
Deu-lhe o empréstimo pedido.
33
Emitiu papel-moeda
Sem lastro em ouro na mão.
Mas desviaram o dinheiro
Do foco da produção
Que Rui Barbosa queria.
Por isso a Economia
Desandou na inflação.
34
Se afastou do Ministério
Mas inda fez uma ação.
Mandou queimar os papéis
Dos tempos da escravidão
Para evitar que ex-senhores
Ganhassem grandes valores
Pedindo indenização!
35
Logo veio Floriano
Com um chicote na mão.
Então as coisas mudaram,
Começou a repressão
E a liberdade sonhada
E democracia esperada
Fora para o rés do chão.
36
As revoltas começaram.
Rui contra o autoritarismo
Buscando o entendimento
Defendendo o legalismo
E Floriano, no berro,
Virou “Marechal de Ferro”
Na mão do militarismo!
37
Rui Barbosa ergueu a voz
Contra a intensa repressão.
Aos revoltosos da Armada,
Aos generais na prisão,
Também aos federalistas
Que queriam que as conquistas
Não sucumbissem ao canhão!
38
Pra os que estavam desterrados
Nas brenhas do Cucuí
Rui entrou com Habeas Corpus
Para tirá-los dali...
Dizia Barbosa: eu sei
Que um Brasil sem ter a lei
Não é Brasil é “brasí”!
39
Chegou a ser exilado.
Forçado deixou a terra
Que amou e foi pra o Chile,
Argentina e Inglaterra
E escreveu famosas cartas
Fazendo acusações fartas
Contra ditadura e guerra.
40
Combateu a intervenção
Militar contra Canudos
Provou que aqueles beatos
Pobres, sofridos barbudos
Não queriam monarquia
Queriam cidadania
Comida, trabalho e estudos!
41
Do nosso Código Civil
Ele fez a revisão
Mil e oitocentos artigos
Em tudo a observação
Corrigindo o Português
E a redação das leis
Pra não ter nenhum senão.
42
Mil novecentos e cinco
Resolveu ser candidato
Contra Hermes da Fonseca.
Seu discurso era um retrato
De um Brasil progressista
Contra um Brasil feudalista
De atraso e de maltrato.
43
Em 07 ele foi a Haia
Conferência Mundial
Defendeu a igualdade
Na Lei internacional
Nada de fraco e de forte
Rico e pobre, Sul e Norte
Com direito desigual.
44
Derrubou todas as teses
Da força da prepotência,
De Inglaterra, França, States,
De tudo que foi potência
Derrubou a força insana
De canhão, de bomba e grana
Com a força da inteligência.
45
Seu nome se destacou.
Foi primeiro sem segundo.
Entre Choate e Nelidoff,
O Barão Marshall profundo,
Meye, Tornielli e Leon
Foi ele quem deu o tom
Dos Sete Sábios do Mundo!
46
Tornou-se a “Águia de Haia”,
Do mundo recebeu louvo,
Quebrou a “lei do mais forte”
Criando um Direito novo.
E quando voltou pra o Rio
Foi só descer do navio
E cair nos braços do povo!
47
Da Academia de Letras
Foi dos membros varonis
Fundador da ABL,
Seu presidente feliz;
Provou seu grande valor
Ao se tornar sucessor
De Machado de Assis!
48
As suas obras são tantas,
De temas tão variados
Que fica muito difícil
Dizer em versos rimados
Os títulos que publicou
E a obra que legou
Nos seus geniais traçados.
49
“Contra o Militarismo”,
“Visita à Terra Natal”,
A grande “Oração aos Moços”,
“Acre Setentrional”,
Discursos, artigos, cartas,
Foi das produções mais fartas
Da Cultura nacional!!!
50
Português, Rui conhecia
Mais que os mestres portugueses
Fez um discurso em francês
Para saudar os franceses.
E diz até um ditado
Que quando foi exilado
Ensinou inglês a ingleses!
51
Contra Hermes da Fonseca
Mil novecentos e dez
Candidatou-se gritando
Contra atitudes cruéis
Na Campanha Civilista
Contrária ao militarista
Regime dos coronéis.
52
Ainda participou
De mais de uma eleição
Levando a campanha às ruas
Dando início na nação
Às campanhas democráticas
Chamando em frases enfáticas
O próprio povo à ação!
53
Em 18 recebeu
Uma agradável surpresa
Grande Oficial de Honra
De uma legião francesa
Mostrando um prestígio grande
E aí seu nome se expande
Pelo mundo com certeza!
54
Continuou escrevendo
Com sua verve eloquente,
No Senado fez trincheira
Mostrando ser combatente
Pela causa que lhe move...
Foi, de novo em dezenove,
Candidato a presidente!
55
Mas no ano 21
Demonstrou grande canseira
Renunciou ao mandato
De senador de primeira
Declarando estar cansado
E “o coração enjoado
Da política brasileira”!
56
Rejeitou ser chefe de
Grande Congresso em Paris.
De, na Liga das Nações,
Representar o País.
E no Tribunal de Haia
Como farol e atalaia,
Ser delegado e juiz!
57
Por tudo quanto ele fez,
Pela grande sapiência,
Por seu saber filosófico,
Saber jurídico e Ciência
Política, História e Gramática,
Seu nome virou, na prática,
Sinônimo de inteligência!
58
Na TV e no cinema
Foi personagem famoso
Foi retratado no filme
“Vendaval maravilhoso”
Brilhou em “Mad Maria”,
Minissérie que trazia
Um Brasil conflituoso.
59
E no “Brasília 18
Por cento”, filme recente
Rui aparece também
Trazendo exemplos pra gente
E há vinte anos passados
Na nota de dez cruzados
Seu rosto surge de frente.
60
Seu nome é nome de ruas,
De praça e Grupo Escolar,
De colégios e farmácias,
De cidade potiguar,
É nome de quase tudo
Só não vi em meu estudo
Seu nome em nome de bar.
16
61
A “Casa de Rui Barbosa”
Preserva sua memória;
“Instituto Rui Barbosa”
É relicário da História
Deste gênio brasileiro.
Baiano bravo, altaneiro
Que encheu o Brasil de glória!
62
Na grande guerra de ideias,
Na lei da fala macia,
Na batalha de argumentos,
Atuou com maestria...
Sem ser profissional
Foi “Pai intelectual
Da nossa diplomacia!!!”
63
Os princípios defendidos,
Suas argumentações,
As leis por ele propostas,
Seus motivos e razões
Pra os países serem iguais
São as colunas centrais
Do Concerto das Nações.
64
Se um dia Brasil reler
Suas imensas verdades
Se pautando pela ética
Respeitando as liberdades
Quando todos formos “Rui”
O nosso Brasil não rui
Nem triunfam nulidades!
GILBERTO AMADO
Crispiniano Neto
01
Quero que as musas me inspirem
Na arte de cordelista,
Para descrever a história
De um político e jornalista,
Professor e diplomata,
Bom poeta e romancista!
02
Falo de Gilberto Amado,
Um sergipano da gema
Que brilhou no mundo inteiro
Tendo o saber como lema;
Foi um campeão na prosa;
Foi bem melhor no poema!
03
Era Gilberto de Lima
Azevedo Souza Ferreira
Mais Amado de Farias,
Diplomata de primeira
Que se foi grande no nome
Foi bem maior na carreira.
04
Nasceu em 07 de maio,
No ano de oitenta e sete,
O século era dezenove
E morreu em 27
De agosto de meia nove
Conforme deu na manchete.
2
05
Na cidade de Estância
Lá no solo sergipano
No extremo sul do Estado
Perto do solo baiano
Gilberto Amado nasceu
Pra de Deus cumprir um plano.
06
Foi primeiro dos quatorze
Filhos de um casal decente:
Melchisedech e Ana,
Exemplo de boa gente,
Que logo que viu que o menino
Era vivo e inteligente.
07
Fez os estudos primários
Numa cidade vizinha
Por nome de Itaporanga,
Onde boa escola tinha;
Depois seguiu pra Bahia
Pra seguir na mesma linha.
08
Ali estudou Farmácia,
Mas viu que não tinha jeito
Para pipeta e proveta,
Reação, causa e efeito...
Partiu para Pernambuco
Onde foi cursar Direito.
09
Mesmo ainda como aluno
Já mostrou muito sucesso
Chegou a ir pra São Paulo
Representar, num Congresso,
Os seus colegas de curso
Que nele viram progresso.
10
Seu discurso progressista,
Sua mente especial,
Sua sensibilidade,
Seu currículo magistral
Tornaram-lhe catedrático
Para o Direito Penal.
11
Logo ao terminar o curso
Que concluiu com louvor,
Aplaudido por colegas
Bem visto pelo reitor,
Mudou direto de lado
De aluno pra professor.
12
Foi um professor brilhante,
Pois da matéria sabia.
Também sacava de História,
De Arte e Filosofia
Era um mestre em transmitir,
Bamba na Pedagogia!
4
13
E então como professor
Não ficou no trivial
Expandiu os seus saberes
Do modo mais genial,
Se transformando de fato
Num intelectual!
14
E já no ano de 10
Foi pra o Rio de Janeiro.
Para o Jornal do Comércio
Fez seu trabalho primeiro
Falando em Luís Delfino,
Victor Hugo brasileiro.
15
Se bem que ele já tinha
Começado em Pernambuco
Aonde escutou o último
Dos discursos de Nabuco
E trouxe para seu texto
Da cana o doce do suco.
16
Em 05 já escrevia
A secção "Golpe de Vista",
Em torno à obra de Nietsche
Provou ser bom polemista.
Escreveu artigo e ensaio
E provou ser bom cronista.
17
Para o "Jornal do Comércio"
No Rio escreveu primeiro
Para o "Mundo Literário"
"O País", "Época", "O Cruzeiro"
E em jornais de São Paulo
Também mostrou seu roteiro.
18
N'O Estado de São Paulo'
Foi lido em todo o Brasil,
N'O Correio Paulistano'
Pôs seu texto varonil
E ás vezes até usava
O pseudônimo Áureo ou Gil.
19
Mil, novecentos e doze,
À Europa viajou
Viu de perto a Belle Époque,
Com grandes crânios sentou.
Nas fontes do Modernismo
Bebeu, comeu e saldou.
20
Em 13 chegou de volta,
E pra mostrar sapiência
Foi ao Jornal do Comércio
Pronunciou conferência
Que mostrou sua grandeza,
Seu talento e inteligência.
6
21
Depois publicou em livro
Tudo quanto relatou:
"A Chave de Salomão"
Logo em 13 publicou
E ainda "Outros Escritos"
Ao seu livro acrescentou;
22
Em 15 ele foi de volta
Para o seu torrão natal
Candidatou-se, elegeu-se
Deputado federal,
Projetou-se no cenário
Da política nacional.
23
Na câmara, belos discursos
Cresceram seu cabedal,
Falou de instituições
Da política federal
E descreveu, do Brasil,
Nosso Meio Social.
24
E por ter se consagrado
Parlamentar de respeito,
No ano de 17
Conseguiu ser reeleito.
Vinte e um e Vinte e quatro,
Ganhou sempre em todo pleito.
25
Em 26 deu um tempo
Na política radical
Pra ser diretor da Caixa
Econômica Federal
E em 27 elegeu-se
Pra o Senado Nacional.
26
Já como parlamentar
Entrou no mundo que quis;
Falando de relações
Externas deste País
E indo a reuniões
Em Berlim, Roma e Paris!
27
Chegando a República Nova
Encetou nova conquista,
Deu um tempo na política
Foi chamado a ser jurista,
Deu cursos, formulou leis
Tendo visão de estadista.
28
No ano de 34
Chegou onde mais queria
Para o Itamaraty
Foi prestar consultoria
E entrou de vez no seu mundo
Feliz da Diplomacia.
8
29
Sucedeu a Bevilacqua
Que foi um grande causídico
E assim, da Política externa,
Tornou-se assessor jurídico
Mostrando que seu talento
Era completo e verídico.
30
Evoluiu muito rápido
Pois do lugar de assessor
Em 36 assumiu
O cargo de embaixador
Onde mostrou seu talento
Pra ser negociador.
31
Do ano de 39
Ao ano 47
Foi ministro na Finlândia
Fazendo o que lhe compete
E o mesmo êxito de sempre
Na Finlândia se repete.
32
E logo em 48
Ele sentou-se no trono
Da carreira diplomática...
De uma cadeira foi dono
Na Comissão de Direito
Internacional da ONU.
33
Já que Genebra era a sede
Desta nobre comissão
Foi residir na Suíça,
Deu grande contribuição
Ao Direito entre os países
Com muita publicação.
34
Não perdeu uma sessão
Da Assembleia Geral
Da ONU, em Nova Iorque,
Desde aquela inicial,
Até a última em que pôde
Botar seus pés no local.
35
Somente em 68
Parou de comparecer
E o seu saber jurídico
Nunca deixou de exercer.
Direito Internacional
Passou a vida a escrever.
36
Os "Direitos e Deveres
Dos Estados", foi legal,
"Definição de Agressão"
E até "Processo Arbitral",
"Reservas às Convenções..."
Da lei multilateral.
10
37
Foi embaixador no Chile
E na Itália também,
Cumpriu missão na Argentina
Lá se saiu muito bem
E em leis internacionais
Nunca perdeu pra ninguém.
38
Presidiu a Comissão
"Diplomacia e Tratados",
Os seus pareceres técnicos
Foram os mais abalizados
E mesmo depois de décadas
Ainda são consultados.
39
Do Barão do Rio Branco
Ele herdou o pacifismo.
Herdou de Bolívar, o sonho
De Pátria Grande e heroísmo
Pra consolidar as bases
Do Pan-americanismo.
40
Forjou todo o ideário
Da Pátria América Latina
Desde as ilhas caribenhas
À extremidade sulina
Cuba, Guianas, Peru,
Brasil, Chile e Argentina.
41
América de Zé Martí,
De Atahualpa e Guevara,
De Sandino e Tiradentes
De Zumbi, de Victor Jara,
De Farabundo e Allende
Sem águia que nos separa!
42
Um pan-americanismo
Com fronteiras sem alertas
Com o portunhol congregando
Tantas culturas libertas
Sem Batman e Drácula sugando
As nossas veias abertas!!!
43
No pós-guerra ele assumiu
Elevadíssimas missões;
Demonstrou grande prestígio
Logo em duas comissões
E foi delegado na
Conferência das Nações.
44
Essa grande conferência
Foi feita pra se estudar
Qual o poder das nações
Sobre o Direito do Mar
E foi aí que Gilberto
Conseguiu mesmo brilhar.
12
45
Defendia que o direito
Do Estado nacional
Sobre o mar devia ser
Não somente horizontal
Mas também devia ter
Um sentido vertical!
46
O Mar territorial
E também o Alto Mar;
Direito a pesca e minérios
À defesa, ao navegar,
Também aos fundos marinhos
E aos céus do mar pra voar!
47
Amado sempre dizia
Que neste embate tão duro
Entre o academicismo
E o direito prático e puro
Tinha que ver-se o interesse
Das nações e seu futuro!
48
Mas defendia também
Que interesses e ambições
Dos estados não turvassem
As modernas intenções
De forjar civilidade
Pra o futuro das nações!
49
Normalmente os diplomatas
Com décadas no estrangeiro
Acabavam se esquecendo
Do jeitinho brasileiro
De ser feliz, ser alegre,
Espontâneo e inzoneiro.
50
Mas Gilberto Amado, não.
Sempre voltava ao País,
Por aqui lançava livros,
Brincava e pedia bis
Sem jamais perder a ginga...
Sem medo de ser feliz!
51
Transformou-se em grande mito
Com mil estórias contadas
Das anedotas, das lendas,
Das ações inusitadas,
Dos ditos espirituosos,
Das saborosas tiradas!
52
Sempre que vinha ao Brasil
Um novo livro lançava;
Sua fama merecida
Crescia e multiplicava
Mas suas lendas e o mito
Cada vez mais se firmava.
14
53
Foi bom na prosa e no verso,
No romance e na memória,
Na crônica se destacou,
No ensaio alcançou glória
E em tudo quanto escreveu
Pôs sentimento e história!
54
Como escritor produziu
"A Chave de Salomão",
"Grão de Areia" e "Dias
E "Horas de Vibração",
"Espírito do nosso tempo",
Também "Suave Ascenção",
55
"Inocentes e Culpados"
"Interesses da companhia",
Sobre "Assis Chateaubriand"
Escreveu com maestria
Na "Dança sobre o Abismo",
Memórias e Poesia.
56
Na redação do Direito
Teve visão analítica
Descreveu muitas minúcias
Do vendaval da política
E em tudo que produziu
Pôs a visão lírica e crítica!
57
Maledicência, entreveros,
Valentões pernambucanos,
Amores, paixões platônicas,
O atraso daqueles anos,
Os sonhos da juventude
E o poder dos veteranos.
58
Foi quem melhor descreveu
A capital nordestina
Do que sobrou das senzalas
Da Casa Grande assassina,
Dos homens e caranguejos...
Vida e morte Severina.
59
Foi Gilberto um homem manso,
Mas também foi agitado.
Nunca levou desaforo
Pra dentro do lar sagrado,
Por isso é que ele foi tanto
Amado quanto odiado!
60
No acordo, um lorde inglês,
No agito era um Nabuco;
Às vezes, filósofo sóbrio;
Por vezes, gênio maluco;
Exímio, esgrimindo ideias;
Fatal, usando um trabuco!
16
61
Esse era Gilberto Amado,
Dono de todos conceitos;
Se foi bom na fala mansa
Foi melhor metendo os peitos...
Um ser humano completo
Em qualidade e defeitos!
62
Seu nome ficou marcado
Na nossa diplomacia,
Nosso país deve muito
À sua categoria
E à competência mostrada
Em tudo quanto fazia!
63
Foi amigo dos amigos;
Brasil foi sua paixão;
Amado amou a si próprio
Bem mais amou à nação,
Irmão da América Latina,
Pai de um mundo mais irmão
64
Que a memória de Amado
Nosso Brasil possa amar;
Que Gilberto esteja perto
Do Brasil que vai chegar;
Que os jovens possam seguir
Sua carreira exemplar!!!
BARÃO DO RIO BRANCO
Crispiniano Neto
01
Peço inspiração poética
Às musas do mundo inteiro
Para falar de um grande
Diplomata brasileiro,
Bamba da Geografia
Que foi da diplomacia
Brasileira, o pioneiro!
02
Seu valor excede em muito
Mina, terra, indústria e banco:
José Maria da Silva
Paranhos Júnior, homem franco
Que brincou, lutou e amou
E a História o transformou
Em Barão do Rio Branco!
03
O Barão foi desses homens
Que a Natureza compôs,
Mas depois quebrou a fôrma
E o projeto não expôs...
Foi um daqueles gigantes
Que igual não houve antes;
Maior não terá depois.
04
O barão foi nosso craque
No gramado diplomático,
Foi o papa do acordo,
Foi estrategista e tático,
Negociador histórico,
Um pragmático teórico
Com um genial senso prático!
05
Nasceu no Rio de Janeiro
Quarenta e cinco era o ano;
O século era o dezenove
Vinte de abril, sem engano,
O seu pai era o Visconde,
Outro nome que responde
Como grande veterano!
06
Visconde do Rio Branco,
José Paranhos, seu pai
Foi Ministro da Marinha,
Diplomata no Uruguai,
Primeiro ministro honrado,
Diplomata e magistrado
Para a paz com o Paraguai!
07
Seu pai também demonstrou
Ser da História, um dos bravos,
Com a Lei do Ventre Livre
Que promulgou contra os travos
Da escravidão infeliz.
Depois dele, no País...
Não nasciam mais escravos!
08
Sua mãe era Tereza,
De Figueiredo Faria
Mulher de grande estatura,
Que com luz lhe educaria
Pra que ele pudesse ser
Um dos bambas do poder
Que por certo exerceria!
09
Assim cresceu o menino
Sob os cuidados dos pais
Fez no Dom Pedro Segundo,
Estudos colegiais
E prosseguiu no estudo
Procurando saber tudo
E lendo pra saber mais!
10
Teve uma infância feliz
Tendo oito irmãos ao lado,
Brincando em praias e parques
E em clube conceituado,
Bibliotecas e templos
Sempre seguindo os exemplos
Do pai, Visconde afamado!
11
O Barão, na juventude,
Ganhou fama de boêmio
Era um típico carioca
Que amava o bar e o grêmio
Mesmo com todo o respeito
Um rasgo de preconceito
Ele ganhou como “prêmio”
12
Porém não se descuidava
De aprender com o pai.
Nas lições sobre o Brasil
Bem cedo se sobressai
E ajuda o velho Visconde
Que nos acordos responde
Pela paz com o Paraguai.
13
Por estes tempos partiu
Para em São Paulo estudar
No Largo de São Francisco
Fez o seu vestibular
Mostrando o próprio cacife
E depois foi pra Recife
Pra enfim se bacharelar!
14
Nestes tempos começou
Uma carreira exemplar
De escritor e jornalista
Passando a biografar
O Comandante feliz
Do Navio Imperatriz,
Na “Revista Popular”.
15
Prosseguindo na imprensa
Logo ao desenho se lança.
Na Revista “Ilustração”
Que circulava na França
Fez um relato fiel
Ao descrever a cruel
Guerra da Tríplice Aliança.
16
Depois que voltou formado
Foi ensinar muito cedo,
Corografia e História
Das quais sabia o segredo...
Colégio Pedro Segundo.
Lá, sucedeu ao profundo
Joaquim Manuel de Macedo.
17
Deixou logo o magistério
Partiu pra o interior
Foi exercer o Direito
Demonstrando seu valor
Pra Nova Friburgo ia
Exercer com maestria
O cargo de Promotor!
18
Mas não se sentia bem
Distante da capital.
O pai usou do prestígio
E num pleito eleitoral
Conseguiu fazer do moço
Pelo Estado Mato Grosso,
Deputado federal.
19
No jornalismo seguiu
Demonstrando vocação
Além de escrever artigos
De grande repercussão,
Por conquistar o leitor,
Transformou-se em Redator
Do Periódico “A Nação”.
20
Porém, nem tudo eram flores
Na vida de Rio Branco,
Devido ao jeitão largado
Boêmio, liberto e franco,
Melindrou dogmas e teses
E sofreu alguns revezes
Topando tranco e barranco.
21
A filha de um figurão
Por ele se apaixonou.
Com ele quis se casar
Mas ele não aceitou.
Enfrentou muita dureza
Porque fora da nobreza
Seu coração se entregou!
22
Apaixonou-se por uma
Bailarina de beleza.
“Marrí Filomêne Stêvens”,
Contrariando a nobreza.
Deixou a nobre na mão
E entregou o coração
Pra belga com mais firmeza!
23
E como se não bastasse
Desagradar a elite,
Inda fez mais uma coisa
Que a época não admite.
A paquera engravidou
E o escândalo se instalou
Rompendo todo limite!
24
O visconde lhe impôs
Que a bailarina e atriz
Fosse embarcada à Europa
Pra ter o filho em Paris
Por isto o nobre rapaz
Perdeu a pompa e a paz
Vivendo muito infeliz.
25
Na França, “Marrí” chegou,
Logo deu à luz um filho.
Mas o futuro barão
Aqui vivia sem brilho,
Lutou, pediu, padeceu,
Morar no mundo europeu
Era seu único estribilho.
26
Foi assim que conseguiu
Emprego noutro país,
Instalou-se em Liverpool
Como cônsul... Mas se diz
Que tendo oportunidade
Escapava da cidade
Pra ver “Marrí” em Paris.
27
Nasceram mais quatro filhos
Desta paixão forte e pura.
Durante esta fase opaca
Ao nosso Brasil procura
Estudar profundamente
E vai penetrando habilmente
Nos bons círculos de cultura.
28
Até que em 83
Surge de forma sutil
Uma oportunidade
De mostrar seu varonil
Talento, saber e astúcia
Quando é mandado pra Rússia
Representando o Brasil.
29
Ali provou que era o homem
Certo no lugar certeiro.
Pois ao final da missão,
Da vida mudou o roteiro,
Abrindo um novo capítulo
Tendo recebido o título
De ilustre Conselheiro.
30
Um câncer roubou-lhe o pai
Lhe causando comoção.
Mas um novo mundo abriu-se
Surgindo mais promoção
E no ano da Lei Áurea
Recebeu mais uma láurea
Se transformando em Barão.
31
Foi ministro na Alemanha
No ano mil novecentos;
O seu nome foi crescendo
Apesar dos novos ventos
Da recém-vinda república
Sua ilustre vida pública
Conheceu novos momentos!
32
Mesmo sendo um monarquista
Fiel ao imperador,
Ideologicamente
Tido por conservador
Não teve cortados planos
Porque os republicanos
Entenderam seu valor!
33
Começou logo a assumir
Delicadíssimos serviços
Diplomáticos da República,
Em casos claros e omissos
Foi mostrando competências
Pra resolver as pendências
Dos conflitos fronteiriços.
34
Primeiro, A Questão de Palmas,
Um conflito com Argentina
Que pretendia tomar
Meia Santa Catarina
E mais meio Paraná
E o Barão trouxe pra cá
Toda esta terra sulina!
35
Para ganhar tanta terra
O competente barão
Provou com mapas e estudos
Que era nossa a região,
Usando, em vez de confetes,
A luz d’Usi Possidets,
De Alexandre de Gusmão!
36
Pelo Usi Possidets
A posse de alguma área
Não se dava por tratado
Feito em linha imaginária
Mas por uso e ocupação,
Investimento e ação
Morada e luta diária.
37
Esta vitória fantástica
Fez com que o Presidente
Que era Rodrigues Alves
O chamasse urgentemente
Pra comandar com valia
A nossa diplomacia
Pois o clima estava quente.
38
Outra vitória maiúscula
Que o barão mostrou firmeza
Foi contra a potente França
Pois da Guiana Francesa
Ganhamos tudo que está
Sendo hoje o Amapá,
Parte da nossa riqueza!
39
Mil novecentos e dois.
Sessenta mil brasileiros
Encontravam-se no Acre,
Como fortes seringueiros.
Eram chãos bolivianos
E ingleses e americanos
Queriam ser seus parceiros.
40
Era um grupo poderoso,
Um sindicato de empresas
Claramente imperialistas,
Americanas e inglesas
Queriam nos dar insônia,
No coração da Amazônia
Enfiando as suas presas!
41
O conflito engrossou tanto
Que o Barão mandar barrar
Os navios dos yanques
De em nosso rio passar
A Bolívia se agitou
Seis mil soldados mandou
Para nos ameaçar.
42
Foi aí que o barão
Que sempre pregou a paz
Achou que aquela ameaça
Estava sendo demais
E também mandou seis mil
Militares do Brasil
Garantirem os seringais!
43
Por fim chegou-se a um acordo,
Um negócio verdadeiro
O Tratado de Petrópolis
Pra o Acre ser brasileiro.
O Brasil também cedeu
E a Bolívia recebeu
Respeito, terra e dinheiro!
44
E definiu as fronteiras
Do Peru com mais clareza;
Noutra negociação
Com a Guiana Francesa
E usando do seu prestígio
Definiu sem ter litígio
Com a Guiana holandesa.
12
45
E assim o nosso Brasil
Fincou marcos e bandeiras
900 mil quilômetros
Quadrados, dessas maneiras
Se encaixaram em nosso mapa
Findando assim a etapa
Das disputas de fronteiras.
46
Graças ao grande Barão
Achamos nossos caminhos
Uma cerca sem arame
Seringueira, aguapés, pinhos
Respeito aos países manos...
Já são cento e trinta anos
Sem guerrear com os vizinhos.
47
Com ele o Brasil ganhou
A atual dimensão,
Esse porte de gigante,
Esse jeitão bonachão
Que ao nosso mapa reveste
Com Norte, Sul, Leste e Oeste
Desenhando um coração!
48
Onze vizinhos amigos,
Nada de expansionismo
A convivência pacífica,
O respeito com altruísmo,
O acerto ao momento certo
E um coração sempre aberto
Ao pan-americanismo!
49
Ao chegar ao ministério
Não existia estrutura
Vinte e sete servidores
Sem maior envergadura
Verbas em pouca quantia
E uma diplomacia.
Tateando em fase escura!
50
O Brasil que foi herdado
Pela Era do barão
Era pobre, endividado,
Voltado à exportação
Se ter um mercado interno,
Tendo por marcas do inferno
Latifúndio e escravidão.
51
Oitenta e quatro por cento
Do povo era analfabeto,
Revoltas por toda parte,
País injusto, incompleto,
Resíduos coloniais
Império frágil, sem paz
E a República sem projeto!
52
Ele, com força titânica
Se impôs pela consistência.
Fez do Itamaraty,
Reduto de inteligência,
Grande espaço cultural
Competente e triunfal...
Um centro de excelência.
53
Rio Branco cresceu tanto
Em respeito e inteligência,
Em talento e honestidade,
Em vitórias e em decência
Que seu nome foi lembrado
Para ser candidatado
Ao cargo da presidência.
54
Mesmo com a vitória certa
Ele não quis aceitar.
Preferiu ser chanceler
E a luta continuar
Tendo credibilidade
E a quase unanimidade
Com poucos a criticar.
55
Foi de quatro presidentes
Ministro do Exterior:
Rodrigues Alves e Afonso
Pena, viram seu valor,
Com Fonseca e com Peçanha;
Tornou toda questão ganha
Fez o Brasil vencedor!
56
Entre os intelectuais
Conquistou muitos amigos;
Para o Jornal do Brasil
Escreveu muitos artigos.
Foram tamanhos seus brios
Que recebeu elogios
Até de alguns inimigos.
57
Foi membro da Academia
De Letras e do Instituto
Histórico e Geográfico,
Dando seu grande tributo,
Da modernidade a mecha
Pr’um Brasil que tinha a pecha
De caipira e matuto.
58
Foram seus auxiliares
Escritores de mais fama
O grande Euclides da Cunha,
Mestre Domício da Gama,
Bilac, o parnasiano,
Rui Barbosa e Capistrano
De Abreu que a História aclama!
59
Graça Aranha também foi
Um dos seus mais preferidos,
Machado de Assis, o gênio,
Amigo em todos sentidos,
Nabuco, grande orador,
Que foi seu embaixador
Para os Estados Unidos
60
Quando ele se foi, deixou
Um país agigantado
Com as fronteiras definidas
Amigos pra todo lado
E uma cultura de paz
Que fez e que ainda faz
O Brasil mais respeitado!
61
Um Brasil não agressivo
Arauto do pacifismo,
A geopolítica da paz,
Diálogo, acordo e civismo,
Doze nações irmanadas
E as raízes adubadas
Do Pan-americanismo.
62
Hoje o nome do Barão
Destaca-se em toda parte:
Em rios, ruas, cidades,
Moeda, cédula, estandarte,
Livro, filme, distintivo,
Escola e clube esportivo,
Centros de cultura e arte.
63
Morreu aos sessenta e seis
De idade, em alto astral,
Na sala onde trabalhava,
Na véspera do carnaval
Causando assim, de momento
Pelo seu encantamento
Comoção nacional!
64
O BARÃO DO RIO BRANCO
Foi herói, foi líder, guia
Gigante da fala mansa
O PAI DA DIPLOMACIA...
Um exemplo de vitória,
Um construtor da história
Símbolo da cidadania!
AFONSO ARINOS
Crispiniano Neto
01
Inicialmente peço
Dos Céus auxílios divinos,
A inspiração mais fértil,
Os versos mais genuínos
Para compor um poema
Da Vida de Afonso Arinos.
02
Em Belo Horizonte - Minas
Gerais, do céu cor de anil,
Nasceu dia 27
Do onze, do ano mil
E novecentos e cinco
Para a honra do Brasil.
03
Seu currículo vale mais
Que cheque de qualquer banco.
Afrânio e Sílvia: seus pais,
Nomes que não deixo em branco.
Seu nome completo: Afonso
Arinos de Melo Franco.
04
Neto de Cesário Alvim,
Um destaque da nação;
Sobrinho de Afonso Arinos,
Autor de "Pelo Sertão",
De Virgílio Alvim de Melo
Era exatamente irmão.
05
Para não viver sozinho
Pensou numa companheira.
Ao encontrá-la aceitou
Como esposa verdadeira
Dona Ana Guilhermina
Rodrigues Alves Pereira
06
Mulher de família ilustre
De certa forma influente
Da história da política,
Um ramal sobrevivente.
Neta de Rodrigues Alves
Do Brasil, ex-presidente.
07
Fez formação humanística
No colégio Anglo-mineiro.
E no Dom Pedro II,
Já no Rio de Janeiro
Engrandecendo o currículo
Desse ilustre brasileiro.
08
Ao se transferir pra o Rio
Nos estudos se esmera
Escreve literatura
E sua paixão reitera
Colabora com a revista
"Estudantil Primavera".
09
Teve a força de vontade
Como principal critério.
Permaneceu por dez anos
Levando o estudo a sério,
Sendo exímio professor
E servindo ao magistério.
10
Se forma na Faculdade
Nacional de Direito,
Que no Rio de Janeiro
Goza de grande conceito.
Depois em Belo Horizonte
Foi promotor de respeito.
11
Formado aos vinte e dois anos
Faz do Direito um valor
Torna-se, além de jurista,
Político, historiador,
Grande crítico brasileiro,
Ensaísta e professor.
12
Para Genebra - Suíça,
Entendeu de viajar
Com o fim de seus estudos
Ali aperfeiçoar
Voltando ao Rio de Janeiro,
Passou a lecionar.
13
Professor no exterior
Em mais de uma disciplina,
Ministrou curso de História
Em Paris, cidade fina,
Montevidéu-Uruguai
E na capital argentina.
14
Em pleno Mil novecentos
E quarenta e seis, ingressa
No Instituto Rio Branco
Que um bom momento atravessa
Como professor de História
A sua história começa.
15
Foi catedrático em Direito,
Cito: Constitucional,
Ante as Universidades
Federal e Estadual
Ambas no Rio do Janeiro
Onde foi gênio imortal.
16
No ano quarenta e sete
Quarenta dois anos faz.
Em prol da democracia
Começa em Minas Gerais
Sua carreira política
Vitoriosa demais.
17
Contra a discriminação
Criou a base legal,
Foi por três legislaturas
Deputado federal
E líder da União
Democrática Nacional.
18
O preconceito de cor
Que tanto humilha e oprime
A partir de sua lei
É considerado crime.
A dignidade negra
Sua mão sábia redime!!!
19
No partido do governo
Trabalhou em união
Depois passou a ser líder
De um bloco de oposição
Ao governo JK,
Presidente da nação.
20
Dois fatos principalmente
Que até hoje são lembrados
Marcaram sua presença
Na Câmara dos Deputados
E graças a ele foram
Os projetos aprovados.
21
Como foi citada a lei
Contra a discriminação
Racial, que àquela época
Já provocava exclusão
Hoje existe, mas é menos
Dado à sua aprovação.
22
A lei: Um, três, nove, zero
De projetos genuínos
Que combatia, mormente,
Os preconceitos ferinos
Passou a ser conhecida
Como "Lei Afonso Arinos".
23
No ano cinquenta e quatro
No dia nove de agosto
Pediu em discurso a Vargas
Que renunciasse ao posto.
Seu gosto Vargas não fez
Mas teve um grande desgosto.
24
E quinze dias depois
Dessa frase proferida
Talvez se vendo acuado
Não achando outra saída
No Palácio do Catete
Getúlio se suicida.
25
Em 58, Arinos,
Nossa figura central,
Foi eleito senador
No Distrito Federal
Que logo virou Estado,
Rio de Janeiro atual.
26
Foi Senador pelo Rio,
O único dos Senadores
Que no governo de Jânio
Teve importantes labores
Quando foi ministro das
Relações Exteriores.
27
E até 66
Permaneceu no Senado
Durante esse tempo foi
Duas vezes afastado
Pra ser, pelo presidente,
Novamente nomeado.
28
O primeiro chanceler
Brasileiro que fez plano
E foi visitar a África
Em sessenta e um, o ano,
Pra conhecer e sentir
A dor do povo africano.
29
Chefia a Delegação
Do Brasil perante as
Nações Unidas, durante
As assembleias gerais
E com um ano depois
Volta chefiando mais.
30
Findou chefiando a
Delegação brasileira
À Conferência em Genebra
Onde, na pauta primeira
Estava o desarmamento,
Missão da nossa bandeira.
31
Nomeado presidente
Da citada Comissão
Provisória de Estudos
Para a elaboração
Do que se tornou decreto
Para a Constituição.
32
Por Sarney foi convidado
Como um dos homens finos
Assume uma comissão
Pra guiar nossos destinos
Que se tornou em seguida
Comissão Afonso Arinos.
33
Nunca deixou de fazer
O bem pra nossa nação
Foi dos Direitos Humanos,
Na sua declaração
O redator que fez tudo
Sem errar na redação
34
Pra o Conselho Federal
Sua pessoa compete
Foi por mérito nomeado
No ano sessenta e sete
Depois em setenta e três
Essa função se repete.
35
Foi do Instituto dos
Advogados, primeiro
Um membro de qualidade
Efetivo e verdadeiro
Também do Instituto Histórico
Geográfico Brasileiro.
36
E aos 81 anos
Em completa lucidez,
É eleito senador
No ano de 86
Depois o povo mineiro
O leva ao cargo outra vez.
37
Títulos: Professor Emérito,
Podemos citar primeiro,
Duas universidades
Deste país brasileiro
Da UFRJ
E a do Rio de Janeiro
38
Intelectual do ano
Setenta e três, sem favores
Ganha o prêmio "Juca Pato"
Que confirma seus valores
Perante a Sociedade
Paulista de Escritores.
39
Além de conquistar títulos
Famosos por mais de um fato
Conquistou três grandes prêmios
Provando ser literato:
"Luísa Cláudio de Sousa",
"Jabuti" e "Juca Pato".
40
O prêmio "Luísa Cláudio
De Sousa", ele assim ganhou
Do PEN Clube do Brasil
Isto por que publicou
"Rodrigues Alves", um livro
Que o Brasil todo comprou.
41
Vem o prêmio "Jabuti"
Mais uma satisfação
Ganho na Câmara do Livro
Mas em dupla ocasião
Dos volumes de memória,
Em sua publicação.
42
No ano 58
Toma posse da cadeira
25 que seria
Ilustrada a vida inteira
Recebido pelo grande
Poeta Manoel Bandeira.
43
Na ABL depois
Seu percurso se estende
Recebe Antonio Houaiss
E a mesma homenagem rende:
Guimarães Rosa, Oscar Dias
E a Otto Lara Rezende.
44
Como Senador preside
Da forma mais natural
Duas Comissões que o tornam
Expressão nacional
CRE, CCJ
No Senado Federal.
45
Autor de inúmeras obras
Para aumentar sua glória
Em História e em Direito,
Em Política e em Memória,
Para citar quatro temas
Vou começar por História.
46
Com destaque para estas
Publicações de beleza
Tal "O Índio Brasileiro",
A "Revolução Francesa",
"As Origens brasileiras",
Bondade da natureza.
47
Em "Um Soldado do Reino
E do Império" falado;
Nesta obra ele relata
O verdadeiro legado
Com base na vida do
Herói Marechal Callado.
48
Fez a "História do Povo
Brasileiro", a mais honrosa
Com a colaboração
De uma dupla famosa
O grande Antonio Houaiss
E Francisco Assis Barbosa.
49
"Estadista da República"
Do seu pai dando o perfil
Com a "História do Banco
Do Brasil" é nota mil
E a "Síntese da História
Econômica do Brasil"
50
Compondo três obras mais
Dando o esclarecimento
Sobre as ideias políticas
Exploradas no momento
Do Brasil, homens e temas
E o desenvolvimento.
51
Afonso Arinos portava
As melhores referências
Direito, História, Política,
Pesquisas sobre ciências,
Trabalhos Parlamentares,
Discursos e Conferências.
52
Em Direito, dou destaque,
Como grandes críticos dão,
Para "As leis Complementares"
Da nossa Constituição
Fazendo comparações
Com as de outra nação.
53
Na política ele escreveu
Sobre Nacionalismo,
De problemas brasileiros
E Presidencialismo,
Sobre civilização,
Crise e Parlamentarismo.
54
Faz em Críticas e Memórias:
"Postulando" ninguém toma
Como "O Som do Outro Sino"
"Mar de Sargaços", que soma
"Planalto", "Alto-Mar Maralto"
"Escalada" e "Amor a Roma".
55
Assim foi Afonso Arinos
Um gigante do saber;
Bamba da diplomacia
Fez nosso Brasil crescer;
Foi bom na oposição
E bem melhor no poder!
56
Intelectual cheio
De particularidades
Ímpar por estilo próprio
Múltiplo nas atividades
Raro porque foram poucos
Com as suas qualidades.
57
Do que poderia ser
Não foi mais e nem foi menos
Foi um político agitado
Um sábio dos mais serenos
Gigante pisando firme
Nos mais diversos terrenos.
58
Afonso Arinos de Melo
Grande desde que nasceu;
Aprendeu para ensinar
A missão que recebeu.
Conseguiu ficar famoso
Ensinando o que aprendeu.
59
Foi um exemplo de ética,
De grandeza e compostura
Combateu corrupção,
Denunciou a tortura
Forjou a democracia,
Condenou a ditadura!
60
Suas falas pelo mundo
Foram todas gloriosas
Saiu das Minas Gerais
Para as nações poderosas
Mostrando o brilho das mentes
Dos sábios das Alterosas.
61
Ouro, ferro e diamantes
Traçaram dele, os destinos,
Foi honra dos brasileiros
Ilustração dos Arinos,
A estrela mais brilhante
Dos céus belorizontinos.
62
A arte do Aleijadinho,
A luz dos inconfidentes,
A garra dos conjurados,
O sangue de Tiradentes,
Santos Dumont e Drummond
São dele os antecedentes.
63
E em mil e novecentos
E noventa, esse senhor
Ganha o derradeiro pleito,
Sofre a derradeira dor
Em pleno exercício do
Mandato de Senador.
64
Guerreiro de muitas lutas,
Vencedor de toda trama,
Caiu no campo da honra,
Encantou-se em plena cama.
Partiu, mas ficou lembrado,
É como diz o ditado:
"Vai-se o homem, fica a fama".
HISTÓRIA DA RAINHA ESTER
Arievaldo Viana Lima
Supremo Ser Incriado
Santo Deus Onipotente
Manda teus raios de luz
Ilumina a minha mente
Para transformar em versos
Uma história comovente
Falo da vida de Ester
Que na Bíblia está descrita
Era uma judia virtuosa
E extremamente bonita
Por obra e graça divina
Teve venturosa dita
Foi durante o cativeiro
Do grande povo Judeu
Um rei chamado Assuero
Naqueles tempos viveu
E com o nome de Xerxes
Na História apareceu.
O rei Assuero tinha
Pelo costume pagão
Um harém com muitas musas
As mais belas da nação
Mas era a rainha Vasti
Dona do seu coração.
Porém a rainha Vasti
Caiu no seu desagrado
Pois embora fosse bela
Não cumpriu um seu mandado
Vasti, durante um banquete
Não quis ficar a seu lado.
Com isto o Rei Assuero
Bastante se enfureceu
Mandou buscar outras moças
E por fim ele escolheu
Ester, a bela judia
Sobrinha de Mardoqueu.
Porque os seus conselheiros
Consideraram uma ofensa
A bela rainha Vasti
Não vir a sua presença
Perdeu a rainha o posto
Foi esta a dura sentença.
Ester era flor mais bela
Filha do povo judeu
Porém perdeu os seus pais
Logo depois que nasceu
Foi viver na companhia
De seu tio Mardoqueu.
Dentre as mulheres mais belas
Ester foi a escolhida
Pra ser a nova Rainha
Pelo rei foi preferida
Mardoqueu disse à sobrinha:
– Não revele a sua vida!
– Pois nosso povo é cativo
E vive na opressão
Talvez o rei não a queira
Vendo a sua condição
É melhor guardar segredo
Sobre seu povo e nação.
Não pretendo alongar-me,
Porém vos digo o que sei:
Mardoqueu era versado
Na Ciência e na Lei
Trabalhava no palácio
Era empregado do rei.
Mardoqueu um dia soube
Que dois guardas do portão
Tramavam secretamente
Perversa conspiração
Eram Bagatã e Tares
Homens de mau coração.
Tramavam matar o rei
E Mardoqueu descobriu
A conversa dos dois homens
Ele sem querer ouviu
Foi avisar a Ester
E ela ao rei preveniu.
Assuero indignado
Com esta conspiração
Mandou ligeiro prender
Os dois guardas do portão
Eles descobriram tudo
Quando os pôs em confissão
Os dois guardas receberam
Um castigo exemplar
Provada a sua traição
O rei os manda enforcar
Depois mandou os escribas
Em seus anais registrar.
Mardoqueu perante o rei
Subiu muito de conceito
Deu-lhe o rei um alto posto
Por ser honrado e direito
Por isso era invejado
Por Aman, um mau sujeito.
Este Aman de quem vos falo
Era o Primeiro-Ministro
Um dos homens mais perversos
De quem se teve registro
Tramava contra os judeus
Um plano mau e sinistro.
Por força de um decreto
Queria que o povo inteiro
Se ajoelhasse a seus pés
Sendo ele um embusteiro
Queria ser adorado
Igual ao Deus Verdadeiro.
Isso era um grande martírio
Para a raça dos judeus
Porque só dobram os joelhos
Em adoração a Deus
Fato que desperta a ira
Dos pagãos e dos ateus.
O Ministro indignou-se
Com todo o povo judeu
Porque não obedeciam
Àquele decreto seu
Pensava em aniquilar
A raça de Mardoqueu.
Mandou baixar um Edito
Marcando a hora e o dia
Para o povo ajoelhar-se
Porém Aman não sabia
Que a bela rainha Ester
Era uma princesa judia.
Mardoqueu leu o decreto
Gelou de medo e pavor
Comunicou a Ester
Que Aman, em seu furor
Queria exterminar
A raça do Redentor.
– Querida Ester, disse ele
Venho triste lhe contar
Que o Primeiro Ministro
Jura por Marduk e Isthar
Que o nosso povo judeu
Decidiu eliminar.
– Esse Decreto já foi
Pelo rei sancionado
Armou para nós a forca
O dia já está marcado
Matará todo judeu
Que não vir ajoelhado.
– Meu tio, responde Ester
Eu nada posso evitar
Pois quem se apresenta ao rei
Sem ele próprio chamar
Por um decreto real
Manda na hora enforcar.
Deixemos aqui Ester
Lamentando pesarosa
Vamos tratar de Aman
Criatura orgulhosa
E saber o que tramava
Essa cobra venenosa.
Disse ele a Assuero:
– Há um povo no reinado
Que tem um costume estranho
Não cumpre nenhum mandado
Que fira algum mandamento
Por seu Deus determinado.
– Constitui um mau exemplo
Para outros povos e assim
Considero que este povo
Viver conosco é ruim
Eu quero a tua licença
Porque quero dar-lhes fim.
Lavrou-se então o decreto
Do extermínio judeu
Aman pegou uma cópia
E em praça pública leu
Somente por ter inveja
Da glória de Mardoqueu.
Naquela noite Assuero
Não podendo dormir mais
Mandou chamar seus escribas
Para lerem os editais
Entre estes documentos
Encontravam-se os Anais.
O leitor sabe que o rei
Foi salvo de um atentado
Por dois porteiros teria
Sido ele assassinado
Se não fosse Mardoqueu
Ter o caso desvendado.
Pergunta então Assuero
Depois que o escriba leu
Os Anais onde constavam
Os feitos de Mardoqueu:
– Me diga qual foi o prêmio
Que este homem recebeu?
– Nenhum prêmio, majestade
Responde o escriba ao rei
Então Assuero disse:
– Agora compensarei
O grande favor prestado,
Gratidão é uma lei!
No outro dia Aman
Foi ao Palácio enredar
Quando Assuero o viu
Tratou de lhe perguntar:
– Que deve ser feito ao homem
Que o rei pretende honrar?
Pensando que era pra si
Aquela grande honraria
Aman disse: – Majestade
Eis então o que eu faria
Com minhas roupas reais
Este homem eu vestiria
Depois o faria montar
Um cavalo ajaezado
Com os arreios de ouro
E o brasão do reinado
Por alguém muito importante
Ele seria puxado.
E nas ruas da cidade
O guia deve bradar
Assim o rei Assuero
Manda agora publicar:
– Este é um homem de bem
Que o rei pretende honrar!
– Muito bem, diz Assuero
Bonito plano, este seu
Mande selar meu cavalo
Da forma que concebeu
E nele faça montar
Nosso amigo Mardoqueu.
Aman ficou constrangido
Mas resolveu perguntar
Qual o homem, majestade
Que o cavalo irá guiar
Disse o rei: – És tu, Aman
Quem o deve anunciar.
Aman saiu se mordendo
Foi o cavalo arrear
Depois mandou Mardoqueu
Sobre o mesmo se montar
Mas no íntimo dizia
Em breve irei me vingar.
E pelas ruas de Susa
Foi Mardoqueu aclamado
Vestindo as roupas reais
Num bom cavalo montado
E pelo ministro Aman
O ginete era puxado.
O leitor deve lembrar
Que Ester, a bela rainha
Já sabia do decreto
E qual a sorte mesquinha
Destinada a seu povo
Porém o medo a detinha.
Há dias que ela esperava
Uma oportunidade
Para falar com o rei
Contar-lhe toda a verdade
E, em favor de seu povo
Implorar-lhe a piedade.
Mas o tempo ia passando
Como o rei não a chamou
A dura pena de morte
Decidida ela enfrentou
Foi à presença do rei
Lá chegando se curvou.
Disse o rei: – Minha querida
A lei não é para ti
Não temas, pois não pretendo
Fazer qualquer mal a si
Diga-me logo o que queres
Porque tu vieste aqui?
Disse ela: – Majestade
Viva em paz, a governar
O motivo que me trouxe
É que vim te convidar
Para um singelo banquete
Que pretendo preparar.
Este banquete eu vou dar
Na noite de amanhã
Quero apenas que convides
O nosso ministro Aman
Espero que não me faltes
Espero com grande afã.
Disse o rei: – Vá sossegada
Por certo, não faltarei
Ao banquete que darás
Como sem falta eu irei
E o Primeiro Ministro
Em breve convidarei.
Ester não disse mais nada
Tratou de se retirar
Chamou as suas criadas
Foi depressa preparar
O banquete que em breve
Ela haveria de dar.
No outro dia Aman
Pelo rei foi convidado
Porém, como ignorava
O que estava preparado
Compareceu orgulhoso
Bastante lisonjeado.
Na presença do ministro
Assuero perguntou
Diz-me agora, ó rainha
Por que razão me chamou?
Então Ester decidida
Por esta forma falou:
– Majestade eu tenho a honra
De ser a tua consorte
Porém a mão do destino
Quer turvar a minha sorte
Porque o meu próprio povo
Está condenado à morte!
Diz o rei: – Quem concebeu
Este plano tão malvado?
Por que motivo o teu povo
À morte foi condenado?
Disse ela: Foi Aman
Ele é o grande culpado!
Pois este homem se julga
Acima do próprio Deus
Quer que todos se ajoelhem
E cumpram os desígnios seus
Por isso ele planeja
Exterminar os judeus.
Quando ela disse aquilo
Aman não pôde falar
Tremia ali de pavor
Sem poder se explicar
E o rei indignado
O mandou encarcerar.
No outro dia Aman
À morte foi condenado
Na forca que ele havia
Pra Mardoqueu preparado
Por um capricho da sorte
Foi nela própria enforcado.
A CHEGADA DE LAMPIÃO NO CÉU
Guaipuan Vieira
Foi numa Semana Santa
Tava o céu em oração
São Pedro estava na porta
Refazendo anotação
Daqueles santos faltosos
Quando chegou Lampião.
Pedro pulou da cadeira
Do susto que recebeu
Puxou as cordas do sino
Bem forte nele bateu
Uma legião de santos
Ao seu lado apareceu.
São Jorge chegou na frente
Com sua lança afiada
Lampião baixou os óculos
Vendo aquilo deu risada
Pedro disse: Jorge expulse
Ele da santa morada..
E tocou Jorge a corneta
Chamando sua guarnição
Numa corrente de força
Cada santo em oração
Pra que o santo Pai Celeste
Não ouvisse a confusão.
O pilotão apressado
Ligeiro marcou presença
Pedro disse a Lampião:
Eu lhe peço com licença
Saia já da porta santa
Ou haverá desavença.
Lampião lhe respondeu:
Mas que santo é o senhor?
Não aprendeu com Jesus
Excluir ódio e rancor?…
Trago paz nesta missão
Não precisa ter temor.
Disse Pedro isso é blasfêmia
É bastante astucioso
Pistoleiro e cangaceiro
Esse povo é impiedoso
Não ganharão o perdão
Do santo Pai Poderoso
Inda mais tem sua má fama
Vez por outra comentada
Quando há um julgamento
Duma alma tão penada
Porque fora violenta
Em sua vida é baseada.
– Sei que sou um pecador
O meu erro reconheço
Mas eu vivo injustiçado
Um julgamento eu mereço
Pra sanar as injustiças
Que só me causam tropeço.
Mas isso não faz sentido
Falou São Pedro irritado
Por uma tribuna livre
Você aqui foi julgado
E o nosso Onipotente
Deu seu caso encerrado.
– Como fazem julgamento
Sem o réu estar presente?
Sem ouvir sua defesa?
Isso é muito deprimente
Você Pedro está mentindo
Disso nunca esteve ausente.
Sobre o batente da porta
Pedro bateu seu cajado
De raiva deu um suspiro
E falou muito exaltado:
Te excomungo Virgulino
Cangaceiro endiabrado.
Houve um grande rebuliço
Naquele exato momento
São Jorge e seus guerreiros
Cada qual mais violento
Gritaram pega o jagunço
Ele aqui não tem talento.
Lampião vendo o afronto
Naquela santa morada
Disse: Deus não está sabendo
Do que há na santarada
Bateu mão no velho rifle
Deu pra cima uma rajada.
O pipocado de bala
Vomitado pelo cano
Clareou toda a fachada
Do reino do Soberano
A guarnição assombrada
Fez Pedro mudar de plano.
Em um quarto bem acústico
Nosso Senhor repousava
O silêncio era profundo
Que nada estranho notava
Sem dúvida o Pai Celeste
Um cansaço demonstrava.
Pedro já desesperado
Ligeiro chamou São João
Lhe disse sobressaltado:
Vá chamar Cícero Romão
Pra acalmar seu afilhado
Que só causa confusão.
Resmungando bem baixinho
Pra raiva poder conter
Falou para Santo Antônio:
Não posso compreender
Este padre não é santo
O que aqui veio fazer?!
Disse Antônio: fale baixo
De José é convidado
Ele aqui ganhou adeptos
Por ser um padre adorado
No Nordeste brasileiro
Onde é “santificado”.
Padre Cícero experiente
Recolheu-se ao aposento
Fingindo não saber nada
Um plano traçava atento
Pra salvar seu afilhado
Daquele acontecimento.
Logo João bateu na porta
Lhe transmitindo o recado
Cícero disse: vá na frente
Fique despreocupado
Diga a Pedro que se acalme
Isso já será sanado.
Alguns minutos o padre
Com uma Bíblia na mão
Ao ver Pedro lhe indagou:
O que há para aflição?
Quem lá fora tenta entrar
E também um ser cristão,
São Pedro disse: absurdo
Que terminou de falar
Mas Cícero foi taxativo:
Vim a confusão sanar
Só escute o réu primeiro
Antes de você julgar.
Não precisa ele entrar
Nesta sagrada mansão
O receba na guarita
Onde fica a guarnição
Com certeza há muitos anos
Nos busca aproximação.
Vou abrir esta exceção
Falou Pedro insatisfeito
O nosso reino sagrado
Merece muito respeito
Virou-se para São Paulo:
Vá buscar este sujeito.
Lampião tirou o chapéu
Descalço também ficou
Avistando o seu padrinho
Aos seus pés se ajoelhou
O encontro foi marcante
De emoção Pedro chorou
Ao ver Pedro transformado
Levantou-se e foi dizendo:
Sou um homem injustiçado
E por isso estou sofrendo
Circula em torno de mim
Só mesmo o lado ruim
Como herói não estão me vendo.
Sou o Capitão Virgulino
Guerrilheiro do sertão
Defendi o nordestino
Da mais terrível aflição
Por culpa duma polícia
Que promovia malícia
Extorquindo o cidadão.
Por um cruel fazendeiro
Foi meu pai assassinado
Tomaram dele o dinheiro
De duro serviço honrado
Ao vingar a sua morte
O destino em má sorte
Da “lei” me fez um soldado.
Mas o que devo a visita
Pedro fez indagação
Lampião sem bater vista:
Vê padim Ciço Romão
Pra antes do ano novo
Mandar chuva pro meu povo
Você só manda trovão
Pedro disse: é malcriado
Nem o diabo lhe aceitou
Saia já seu excomungado
Sua hora já esgotou
Volte lá pro seu Nordeste
Que só o cabra da peste
Com você se acostumou.
BIOGRAFIA DE LAMPIÃO
Severino Cristóvão
Em Um Oito Nove Sete
Diz a sua certidão
No dia 7 de julho
Foi que nasceu Lampião
Ferreira em Serra Talhada
Chamado Rei do Sertão
Por sina ou maldição
Ou mesmo pelo destino
Tentado por um chocalho
Que tocava como sino
Mataram José Ferreira
Ele pai de Virgulino
Por causa disso o menino
Matou esse capitão
Da Polícia de Alagoas
Não sei se teve razão
E Virgulino Ferreira
Passou a ser Lamião
Lampião e três irmãos
A história assim revela
Reforçaram o banditismo
No sertão de Vila Bela
No lugar em que passavam
Deixavam caixão e vela
Lá mesmo em Vila Bela
Atacou de fazer dó
Pois na vida do cangaço
Lampião não era só
No ano de vinte e sete
Ele atacou Mossoró
A história de Mossoró
Constante de um arquivo
Conheço deste assunto
Colocando neste livro
Colchete virou defunto
E o jagunço Jararaca
Foi lá enterrado vivo
Enterraram ele vivo
No mesmo mês de São João
Vila Bela e Mossoró
Afirmo com perfeição
Ficaram assim na história
Por causa de Lampião
O famoso Lampião
Teve a fama dos anéis
Para o Rei dos Bandidos
Ainda dão nota dez
Quem disso isso é o poeta
Lá da terra dos Condés
Pra Lampião nota dez
Digo em rimas reais
Que o verdadeiro filho
Pune os ossos do pai
Homem como Lampião
O sertão já não dá mais
Quando mataram seu pai
Passou a ser cangaceiro
Na vida do banditismo
Foi o maior bandoleiro
Foi manchete nos jornais
Do Brasil ao estrangeiro
O famoso cangaceiro
A começar de menino
Foi ficando machucado
Pelas rodas do destino
Diz que toda culpa foi
Do saudoso Saturnino
Traçado como destino
Lampião não era só
Enfrentou quinhentos homens
Na cidade Mossoró
Entre todos os bandidos
Lampião foi o maior
Ele atacou Mossoró
E atacou no Pajeú
E mais algumas cidades
Terra do mandacaru
Lampião só respeitou
A nobre Caruaru
E lá em Mandacaru
Levado elo destino
Na cidade Água Branca
Lampião tocou o sino
Libertou todos os presos
Prendeu Cabo Severino
Porém desse Severino
Ele tomou dois mil-réis
E ao velho Padre Pedro
Lampião deu mais uns dez
Do Cabo Manoel Galdino
Cortou os dedos dos pés
Sem os dedos dos seus pés
Ficou lá ele sozinho
Lampião onde passava
Deixava um sinalzinho
Chegando em Tacaratu
Quase mata Arturzinho
Nunca estava sozinho
Sempre com a cabroeira
Virgulino era o terror
Lá da terra fazendeira
Mas ele só respeitava
O chefe Senhor Pereira
Lampião com a cabroeira
Rastejavam na poeira
Com as Forças Sergipanas
Pelejou sem brincadeira
Nesta luta pois morria
Sem mano Antônio Ferreira
Morria Antônio Ferreira
Um desumano vivente
Conduzia um rosário
Só de orelhas de gente
Recebendo em Juazeiro
A patente de Tenente
Foi promovido a Tenente
Afirmo com exatidão
E seu irmão Virgulino
Recebeu de Capitão
O Uchôa deu com ordem
Do Padre Cícero Romão
De instinto Lampião
Foi um bandido malvado
De R. de Santa Helena
Hoje já aposentado
Lampião matou seu pai
Em outro tempo passado
Cesário Gomes, coitado
De bandido era coiteiro
Tinha filho em Ministério
Lá no Rio de Janeiro
Em sua casa dormia
Lampião, o cangaceiro
MARIA BONITA
Lá na terra fazendeira
Sem qualquer um embaraço
Para José de Neném
Maria deu o fracasso
Fugiu com o Virgulino
Famoso Rei do Cangaço
Porém o Rei do Cangaço
Morreu juntinho com ela
Ela era da Bahia
Lampião, de Vila Bela
A Rainha do Cangaço
E o Rei marido dela
Ela era a mais bonita
Lá da terra fazendeira
Ela teve uma menina
De Virgulino Ferreira
Criada por seu irmão
O saudoso João Ferreira
O Virgulino Ferreira
Renomado Lampião
Sempre foi grande amigo
Do Padre Cícero Romão
Recebeu em Juazeiro
Patente de Capitão
O Capitão Lampião
De todos mais afamado
Com seus noventa bandidos
Sujos e esfarrapados
Lutaram em Serrote Preto
Contra Soldados Volantes
Mandados de 3 Estados
As Forças de 3 Estados
Praças e Oficiais
Ele com cinquenta homens
Cinquenta leões leais
Enfrentou duzentos e
Noventa e cinco policiais
O jagunço Pitombeira
Certo dia fez besteira
Violou uma gestante
Com ela fez muita asneira
Lampião fuzilou ele
Debaixo da Quixabeira
Fez do bandido a caveira
Porque era justiceiro
E na Furna de Penedo
Afirmo sem exagero
Lá dormia Lampião
Com uns trinta cangaceiros
Os cabras de Lampião
Beija-Flor e Tiririca
Ponto Fino e Zé Baiano
O Tetéu e Carrapicho
Luiz Pedro e Vitoriano
Torce-Bola e o Marmaço
E Manoel Pernambucano
Ventania e Zé Melão
Inácio e Sabiá
Chá Preto e Mato Redondo
Cobra Verde e Sarará
Gato e Adolfo Meia-Noite
Que fugiu do Ceará
Baraúna e Meia-Noite
Volta Redonda e Maçarico
Quinta-Feira e Cravo Roxo
Pilão Deitado, Grão de Bico
Barra Nova e Trovoada
Meia-Noite, fazendeiro rico
Pica-Pau, Boa Criança
Jararaca e Come-Cru
Galo Cego e Elétrico
Amoroso e Urubu
E o Poeta Guabiraba
Violeiro em Pajeú
Mergulhão e o Peitica
Jaçanã e Oliveira
Euclides e Juriti
Asa Branca e Ribanceira
Livino e Ezequiel
E o Antônio Ferreira
Tinha Antônio Ferreira
Maria Bonita e Nedina
Tinha Célia e Cordeiro
Corisco e a Corina
Tinha o Massilon Leite
Praticante em Medicina
A INTRIGA DO CACHORRO COM O GATO
A intriga é mãe da raiva
O mau pensamento é pai
Da casa da malquerença
O desmantelo não sai
Enquanto a intriga rende
A revolução não cai.
Quando cachorro falava
Gato falava também
Gato tinha uma bodega
Como hoje os homens têm
Onde vendia cachaça
Encostado ao armazém.
Com a balança armada
Para comprar cereais
E na bodega vendia
Bacalhau, açúcar e gás
Bolacha, café, manteiga
Miudezas e tudo mais.
Quando no tempo de safra
Comprava mercadoria
Chegada no armazém
Que todo bicho trazia
Vou dizer pela metade
Esta grande freguesia.
O peru vendia milho
O porco feijão e farinha
Com um cacho de banana
Mais tarde o macaco vinha
Raposa também trazia
Um garajau de galinha.
Carneiro passava a noite
Junto com sua irmã
Descaroçando algodão
E quando era de manhã
Para o armazém do gato
Botava sacos de lã.
Guariba vendia escova
Que fazia do bigode
Urubu vendia goma
Porque tem de lavra e pode
A onça suçuarana
vendia couro de bode.
Então todo bicho tinha
No armazém seu contrato
Porém vamos deixar isto
Para tratar de outro fato
Relativo à intriga
Do cachorro com o gato.
Rei leão mandou cachorro
Efetuar uma prisão
O cachorro passando
Na venda do gato então
Pediu para beber fiado
E o gato disse: pois não.
Subiu na prateleira
Uma garrafa desceu
Um cruzado de cachaça
O cachorro ali bebeu
Botou fumo no cachimbo
Pediu fogo e acendeu.
E disse compadre gato
Eu vou prender o preá
Porque carregou a filha
Do coronel cangambá
E mesmo já deve a honra
Da filha do seu guará.
E tornou dizer compadre
Bota mais uma bicada
Eu só sei prender valente
Depois da gata esporada
O gato sorriu e disse:
Esta não lhe custa nada.
O gato bebeu também
O cachorro repetiu
Botou o copo na banca
Saiu na porta e cuspiu
O gato puxou um lenço
Limpou a barba e tossiu.
Embebedaram-se os dois
Garrafas secaram três
Cachorro fez um discurso
Falava em língua inglês
Gato embolava no chão
Também falando francês.
A gata mulher do gato
Saiu do quarto veio cá
E disse muito zangada
Vocês dois procedem mal
O gato disse: mulher
Da porta do meio pra lá.
O gato ficou deitado
O cachorro foi embora
Ouviram dizer: ô de casa
A gata disse: ô de fora
E quem é respondeu raposa
Sou eu que cheguei agora.
Disseram entre comadre
O gato levantou-se
Sentou-se numa cadeira
Esposa também sentou-se
Ele contou à raposa
De que forma embebedou-se.
A raposa disse: compadre
Você não pensou direito
Bebendo com o cachorro
Um safado sem respeito
Se seus amigos souberem
O senhor perde o conceito.
Beba com os seus amigos
Seu irmão maracajá
O tenente porco-espinho
E o capitão guará
Major porco e doutor burro
E o coronel cangambá.
Eu também gosto da troça
Bebo, danço e digo loas
Mas com gente igual a mim
Civilizadas e boas
Que não vou andar com gente
De qualidade à-toa.
Só me dou com gente boa
Como compadre urubu
Dona ticaca de souza
E dona surucucu
A professora jiboia
E o meu primo timbu.
Você é conceituado
Da roda palaciana
Cachorro vive na rua
Tanto furta como engana
Com o baralho no bolso
Jogando e bebendo cana.
E ele compra fiado
Porque quer mas ele tem
Uma mochila de níquel
Que por detrás se vê bem
Pendurada balançando
Porque não paga a ninguém.
O gato se pôs em pé
Perguntou admirado
Comadre, isto é verdade?
Ele me deve um cruzado
Eu não dei fé na mochila
Por isto vendi fiado.
Porém eu vou atrás dele
Daquele cabra estradeiro
Dou-lhe um bote na mochila
Arranco e tiro o dinheiro
Sendo eu disse a raposa
Passava o granadeiro.
O gato se preparou
Amarrou o cinturão
Correu as balas no rifle
Passou lixa no facão
Botou um quarto e bebeu
De aguardente com limão.
Chegou lá disse ao cachorro:
É triste o nosso progresso
Você paga o meu cruzado
Ou quer que eu pague um processo
Cachorro afastou o pé
E lhe disse eu não converso.
Ali deu um tiro e disse:
É assim que eu despacho
Porém o gato abaixou-se
Passou-lhe o rifle por baixo
Deu-lhe uma balada certa
Que quase derruba o cacho.
O cachorro que também
Tem pontaria fiel
Tornou passar a pistola
A bala deu um revel
Cortou-lhe o rabo no tronco
Que descobriu o anel.
Depois que trocaram tiros
Divertiram no punhal
Pulava o gato de costas
E dava salto mortal
Cachorro por sua vez
Também traquejava igual.
E ali trancou-se o tempo
Na porta do barracão
Da baronesa preguiça
Comadre do rei leão
E ela telegrafou
Pedindo paz na questão.
O leão passou depressa
Um telegrama pra trás
Minha comadre alevante
A bandeira e grite paz
Ela não tinha bandeira
Levantou a macaxeira
E ali ninguém brigou mais.
O OURO EM SERRA PELADA - A LUTA DO GARIMPEIRO
Celestino Alves
Vinde, ó Musa Sacrossanta
Dai-me a inspiração
Para eu descrever um caso
Que me chamou atenção
E está abalando o povo
Do Pará ao Maranhão
Desde a colonização
Que o ouro é um mistério
Nos áureos tempos, em Minas
Houve problema tão sério
Revolução, luta, briga
Só por caus ado minério
Nem sempre as lutas trouxeram
Ao garimpeiro a glória
Mas eles sempre lutaram
E conquistaram vitória
Través do tempo escreveram
Linda página da história
É sempre um homem pacífico
Trabalhador e ordeiro
Valente como um leão
E manso como um cordeio
A palavra independência
Tem cheiro de garimpeiro
O garimpeiro é o homem
Que vive em demandada
Escala serra e montanha
Tabuleiro e baixada
Vai dormir tarde da noite
Levanta de madrugada
O ouro no Amazonas
No Pará, no Maranhão
Creio que foi explorado
No tempo de Salomão
Mas ninguém tinha encontrado
Desde a colonização
A Floresta Amazônica
Era mistério insondável
Depois da Transamazônica
Essa obra admirável
A mata desvirginou-se
Tornou-se mais penetrável
Houve o tempo da borracha
Que foi uma escravidão
Porque o capitalista
Formava expedição
Milhares de seringueiros
Sujeitos a um patrão
Compravam um barracão
Do preço que ele queria
A borracha que tiravam
Somente a ele vendia
Ante a febre malária
Sem nem uma garantia
A produção da borracha
Normalmente era explorada
Grava muita riqueza
Para a firma organizada
O pobre do seringueiro
Sempre ficava sem nada
Através dessas empresas
Todas mistas estrangeiras
Foram levadas sementes
E mudas de seringueiras
Para fazer seringais
Além das nossas fronteiras
Lá nas terras estrangeiras
O seringal foi plantado
Com boa técnica e adubo
Fácil acesso e bem cuidado
Assim puderam colher
Muito melhor resultado
Esse crime lesa-pátria
Ainda não foi punido
Fez o nosso seringueiro
Ficar no mato perdido
Sem nem uma aspiração
No mundo desiludido
O estrangeiro é vivo
E de ninguém sente dó
Também levaram a semente
Do nosso algodão mocó
Lá plantaram, ele nasceu
Mas quando floriu, morreu:
Saudade do Seridó
O seringueiro jogado
No imenso matagal
Tendo perdido o trabalho
Que teve no seringal
Apelou para viver
Em busca do mineral
Encontrou Serra Pelada
Sem calças e Carajá
E foi descobrindo ouro
Aqui, ali, acolá
Na Floresta Amazônica
No Maranhão, no Pará
E assim foi trabalhando
Nosso velho seringueiro
Meteu-e na mata adentro
Vencendo desfiladeiro
Sem ter outra alternativa
Transformou-se em garimpeiro
A Região Amazônica
É do mundo o brilhante
O farol que ilumina
Com seu raio fumegante
Ela era o berço esplêndido
Onde dormia o Gigante
Está sendo explorada
Mas sua exploração
Deve ser bem planejada
Evitar devastação
Para num futuro próximo
Não termos desilusão
A sua verde floresta
Faz nos chamar atenção
Seu subsolo é riquíssimo
Em ouro de aluvião
A Região está crescendo
Em verdadeira explosão
Ninguém tinha penetrado
Ainda em Serra Pelada
Por ser difícil o acesso
Meio longe da estrada
A grande reserva aurífera
Estava ali bem guardada
Certo dia em Marabá
Formou-se uma expedição
Cerca de dez companheiros
Tomaram uma decisão
De irem a Serra Pelada
Pesquisar a região
João Vieira dos Santos
E mais nove companheiros
Fazendo um total de dez
Destemidos garimpeiros
Caçadores de minério
Verdadeiros pioneiros
Saíram de Marabá
Numa linda madrugada
Que vai ficar na história
Para sempre registrada
Às nove horas do dia
Chegaram em Serra Pelada
São pequeninas fagulhas
Invés de grande pepita
Mas João Vieira vê nelas
O símbolo de sua dita
Deve contar a história
Quando um dia for escrita
Genésio e os companheiros
Puderam assim constatar
A existência de ouro
Abundante no lugar
Distribuíram os barrancos
Começaram a trabalhar
Não havia ambição
No meio dos companheiros
Começaram trabalhando
Os chegaram primeiro
A notícia se espalhou
No mundo dos garimpeiros
A notícia correu logo
Do Pará ao Maranhão
Começo a chegar gente
A pé e de caminhão
Em pouco tempo formou-se
Verdadeira multidão
O povo foi aumentando
Formando aglomeração
Onde existe muita gente
Nem sempre há união
Vindo às autoridades
Despertar a atenção
O Coronel Curió
Comandava o Batalhão
Destacado em Marabá
Lá perto da região
Resolveu ir visitar
Aquela população
O Coronel, um Tenente
Com a sua ordenança
Calmo, moderadamente
Com sua maneira mansa
Fez com que todos sentissem
Nele toda confiança
Foi em vinte e um de abril
O seu contato primeiro
Com sua categoria
Seu bom jeito de mineiro
Conquistou a confiança
De cada um garimpeiro
Em dezenove de mail
Começava seu labor
Voltava a Serra Pelada
Sendo Coordenador
Deu tudo de seu trabalho
Como organizador
No meio dos garimpeiros
Demonstrou eu heroísmo
Calmo, moderadamente
Como quem dá catecismo
Pregando a fraternidade
Sem dispensar o civismo
Foi logo criado um Posto
Da Polícia Federal
Que policia o garimpo
Em sua área central
E todo o dia se canta
O Hino Nacional
Nessa administração
Serra Pelada estourou
Muita gente, muito ouro
Muita riqueza gerou
Muita união fraternal
Lá jamais alguém brigou
Em junho de oitenta e dois
Deixou a Coordenação
Candidato a Deputado
Por aquela região
Consegui por voto livre
Sua primeira eleição
Começou a nova luta
Em favor dos garimpeiros
Pois o direito de lavra
Foi concedido a terceiros
Pararam a mina e quiseram
Expulsar os pioneiros
No Brasil, foi sempre assim
Desde a colonização
O homem descobre a mina
Trabalha como um leão
Mas jamais teve direito
À sua exploração
Hoje já está bem melhor
Porque é dos brasileiros
Pois antigamente era
Privativo do estrangeiro
O que não se deu ainda
Foi direito ao garimpeiro
Agora, em Serra Pelada
Tudo mudou e feição
Curió fez um projeto
Chamou da Câmara atenção
Permitindo ao garimpeiro
Cinco anos de exploração
Em cinco do mês de outubro
Sendo o projeto aprovado
Na Câmara, no dia sete
Aprovaram no Senado
Porem pelo Presidente
O projeto foi vetado
Os garimpeiros vieram
Assistir à votação
Eu gostei muito de ver
Deles a compreensão
Deram as suas presenças
Sem alarde nem pressão
Presidente Figueiredo
Teve um gesto decisivo
Viu que para os garimpeiros
Não tinha paliativo
Então mandou ao Congresso
Um projeto executivo
Concedendo aos garimpeiros
Três anos de exploração
À Vale do Rio Doce
Concede indenização
De setenta e oito bi
Pela sua concessão
Curió apresentou
Emenda e com razão
Que a Vale do Rio doce
Faz jus à indenização
Se provar o seu direito
Com a documentação
Antônio Lopes Carvalho
Vulgo Antônio Mineiro
Movimentou novamente
Um grupo de garimpeiros
Aqui veio acompanhar
O projeto alvissareiro
Novamente demonstraram
Civismo e educação
No Plenário acompanharam
Calmamente a votação
Sem alarde nem barulho
Sem qualquer agitação
O Deputado Curió
Deve estar bem satisfeito
Defendendo o garimpeiro
Mostrando o que tem direito
Vendo que o seu trabalho
Está surtindo efeito
No Estado do Pará
Pássaros fazem sucesso
Tem pássaro no Ministério
Tem um pássaro no Congresso
Se aumentar mais um pássaro
Vamos ter maior progresso
O Curió no Congresso
Bate as asas, canta, cisca
Em favor de garimpeiro
Cutuca, pula e belisca
Invés de cair no laço
Sempre está tirando a isca
Só entram para o cordel
Os autênticos brasileiros
O mundo dos cordelistas
São os fatos verdadeiros
Meus parabéns, Curió
Meu abraço aos garimpeiros
Chamaria Guerra Santa
A luta do garimpeiro
Lutando sem agressão
Vivendo sem desespero
Elegantemente mostra
Seu trabalho pioneiro
Brasília, 31 de maio de 1984
Celestino Alves - CALVES
1
Vou contar um episódio
Uma história singular
Um Inusitado estupro
Que nem chegou a rolar
Mesmo estando desolada
A vítima inconformada
Resolveu denunciar.
2
Já que tinha decidido
Não mudou de opinião
Sujeito tão atrevido
Merece mesmo é prisão
E pensando assim sem dó
Já partiu paro o BO
Com muita indignação.
3
Logo pegou uma amiga
Que o sujeito conhecia
Juntinhas as duas foram
Direto a delegacia
Paciente o delegado
Que cuidava do condado
A tal vítima atendia.
4
Ele foi atencioso
Cumprindo sua função
Mandou a dupla sentar
E chamou o escrivão
Naquele exato momento
Tomou o depoimento
E pé da situação.
5
A senhora então me diga
Como tudo sucedeu
Como foi que o meliante
Com a dama procedeu
Para aqui eu registrar
E o sujeito procurar
Depois do relato seu.
6
A mulher envergonhada
Não sabia o que dizer
Na cadeira acanhada
Começou a se mexer
Entretanto o delegado
Todo cheio de cuidado
Ajudou no decorrer.
7
Com a voz mansa e pausada
Bem calmo naquele dia
Foi fazendo umas perguntas
Para ver o que colhia
De modo bem respeitoso
Educado e cauteloso
Pois o fato assim pedia.
8
Ele tirou sua roupa
E as calças dele arriou
E de dentro das cuecas
O órgão então retirou
E com o órgão na mão
Começou a infração
E da senhora abusou?
9
A mulher olhou pra amiga
Também para o delegado
Esqueceu sua mudez
E com um riso acanhado
Respondeu a indagação
Naquela ocasião
Com o rosto inda corado.
10
Doutor eu vou lhe dizer
Um órgão eu não vi não!
Era só uma cornetinha
Que mal cabia na mão
Eu nem sei como alguém
Que um tico de pinto tem
Se aventura nessa ação.
11
Quando ele me agarrou
Eu pensei: -Estou roubada
Porém vi que o elemento
Não estava era com nada
O que tinha na cueca
Era só uma merreca
Eu caí na gargalhada.
12
Ele com raiva de mim
Me deu logo um safanão
Me puxou pelos cabelos
Depois me jogou no chão
E acabou se dando mal
Não tinha material
Para cumprir a função.
13
Um ligeiro mal-estar
Deu-se na delegacia
O delegado respira
E o trabalho reinicia
Um tanto embaraçado
Com o que tinha escutado
E sem crer no que ouvia.
14
Olhou bem para a mulher
Sem saber o que falar
Aquela situação
Era um tanto singular
Queria prosseguir
Sem saber como seguir
E qual o rumo a tomar.
15
O delegado aturdido
Quase saiu do recinto
O escrivão que ouvia
Tentou ser bem mais sucinto
Ao digitar o relato
Porque era um desacato
A macular qualquer pinto.
16
O doutor respirou fundo
E assentou o pensamento
O trabalho era bem árduo
Tinha que dar seguimento
Mesmo estando descontente
Tocou o caso pra frente
Naquele depoimento.
17
Desta feita resolveu
A testemunha indagar
Para saber realmente
O que tinha pra contar
E do seu dever ciente
Tentando ser paciente
Resolveu recomeçar.
18
Olhou bem para as mulheres
Com um olhar de respeito
Temperou sua garganta
Para perguntar com jeito
E ter melhor resultado
No que fosse perguntado
E fazer tudo direito.
19
Ele sabe que a mulher
Não pode ser maltratada
E numa delegacia
Não deve ser humilhada
Fez sinal ao escrivão
Começou a arguição
Levando adiante a jornada.
20
De frente pra testemunha
Fez a sua indagação:
– A senhora é arrolada?
Não sou a rolada não!
Não caí nessa esparrela
A rolada aqui é ela
Seu doutor preste atenção.
21
Minha amiga já lhe disse
Como tudo aconteceu
Também sei que o Senhor sabe
Que a rolada não sou eu
O senhor tome tendência
E se não tem competência
Porque se estabeleceu?
22
O delegado espantado
Nem sabia o que fazer
Se ficava ou se corria
A vontade era correr
Porque sendo homem culto
Via aquilo como insulto
Danou-se a se maldizer
23
Ali naquele momento
Deu tudo por encerrado
Assinou o depoimento
Mas deixou engavetado
Louco com a confusão
Mudou de jurisdição
Partiu pra outro condado.
24
Aqui eu fui arrolada
Pra contar essa história
Não foi bem inspiração
Eu trazia na memória
Mesmo assim eu agradeço
A musa por seu apreço
Nessa contação simplória.
Palestravam três donzelas
Em assunto amoroso
Uma disse meu paquera
É por demais carinhoso
Nosso namoro é quente
E danado de gostoso
A segunda respondeu
Eu estou nessa jogada
Boto mesmo pra quebrar
Até alta madrugada
Nos braços do meu pãozinho
Não me lembro mais de nada
A terceira deu risada
E disse não fico atrás
Passo a noite com Zezinho
Entre suspiros e ais
Tudo que é meu é dele
Já não me domino mais
Ivone disse tá certo
Mas vamos voltar atrás
Não se faz toda a vontade
Quando gosta de um rapaz
Pra não perder certas coisas
Que não acha nunca mais
Tereza disse qual nada
Eu estou com Carmelita
A moça sendo bem quente
Todo rapaz lhe palpita
Sendo fria ninguém quer
Ainda sendo bonita
Eu só boto fumaçando
Ache ruim quem quiser
Quero ver pegando fogo
Dê o caso no que der
Comigo só vai assim
Pra isso nasci mulher
Quem for mole que se dane
Quero ver o cabra quente
Que chega sair faísca
Quando encosta na gente
Um desse topa comigo
Porque nós bota pra frente
Carmelita respondeu
O homem só presta assim
Que bote pra derreter
Do começo até o fim
Se eu pudesse ficava
Com todos eles pra mim
Ivone disse danou-se
Tu tá ficando tarada
Só quer tudo pra você
As outras ficam com nada
Eu também gosto da coisa
Porém sou mais conformada
Carmelita disse não
Eu nunca fui conformada
Em matéria de amor
Toda vida fui parada
Já dispensei mais de dez
Porque não deram pra nada
E dispenso qualquer um
Que não mate meu intento
Pra isso tem que ser vivo
E ter bom temperamento
Pra topar meu rebolado
Que é muito violento
O filho e Chico Bento
Começou me namorando
Dizendo ser uma brasa
Que só botava queimando
Mas comigo virou gelo
Só vivia cochilando
Tive que mandar embora
Pra não me aborrecer
Arranjei um tal de Zé
Na Fazenda Bom Viver
Esse no primeiro round
Botei logo pra correr
Depois me apareceu
O Manoel paquerinha
Peguei ele no estreito
Que deixei numa peinha
Só não matei dessa vez
Por pedido da vizinha
Tereza disse menina
Você é muito danada
Mas é assim que se faz
Com essa rapaziada
Pra nenhum sair dizendo
Fulana não é de nada
Eu também sou brasa viva
O meu namoro é tanino
Eu tenho horror de homem
Que anda falando fino
Nenhum gosta de mulher
E é por demais cretino
Meu primeiro namorado
Foi um tal de Chico Duro
Só queria namorar
Comigo no pé do muro
E dizia que namoro
Só prestava no escuro
Com essa experiência
Nós ficamos se gostando
Com o decorrer do tempo
Ele pegou afinando
Ficou trocando das pernas
E os olhos afundando
Eu aí disse pra ele
Você não vai aguentar
Se continuar comigo
Aumenta mais seu penar
Porque eu quando namoro
Boto pra tarrabufar
Ele vendo que morria
Dali desapareceu
Nunca mais tive notícia
Também não sei se morreu
Eu aí disse comigo
Aquele não era meu
Depois me apareceu
Por lá um paraibano
Dizendo que era o tal
Com ele não tinha engano
Mas comigo caiu duro
Também entrou pelo cano
Agora eu tenho um
Que me veio importado
Esse pé quente demais
Parece que é tarado
Se existe satanás
É esse meu namorado
Tratam ele de Chamego
Eu nunca vi tão danado
Mata todo o meu desejo
O bicho é acordado
Só assim eu osso ver
Meu sonho realizado
Esse deu certo comigo
Me entende muito bem
Ele faz minha vontade
Eu faço a dele também
Esse é todinho meu
Só meu e de mais ninguém
Carmelita suspirando
Disse eu também queria
Arranjar um desse tipo
Para minha alegria
Ele quente e eu fervendo
Aí o couro comia
Comia de todo jeito
Porque minha lei é dura
Se bater testa comigo
Só vai morrer na fartura
Se quiser como eu quero
Aí ninguém me segura
Ivone disse vocês
Querem ser as maiorais
Não tem homem que resista
Os seus instintos vorais
Pra satisfazer as duas
Só o próprio satanás
Porque homem deste mundo
E ordeiro a pelejar
Vocês botam pra correr
Quando não querem matar
Eu não sei se o diabo
Com vocês vai aguentar
Quando as duas se casarem
Os noivos de antemão
Podem preparar as covas
E cada um eu caixão
Pois o fogo de vocês
Mata qualquer um cristão
Tereza ali respondeu
Já um pouquinho alterada
Nenhuma de nós em culpa
De você não ser de nada
Nós que somos do embalo
Topamos qualquer parada
Tereza e Carmelita
Saíram dando risada
Ivone junto com elas
Se conservava calada
Aquela forte palestra
Ali ficou encerrada
Eu também vou encerrar
Falando das coisas belas
Que a Natureza cria
E se reveste com elas
Com base no pergaminho
Escrevi esse livrinho
Palestra das Três Donzelas
A CHEGADA DE LAMPIÃO NO INFERNO
José Pacheco
Um cabra de Lampião
por nome Pilão Deitado
que morreu numa trincheira
um certo tempo passado
agora pelo sertão
anda correndo visão
fazendo mal assombra
Foi ele que trouxe a noticia
que viu Lampião chegar
o inferno nesse dia
faltou pouco pra virar
incendiou-se o mercado
morreu tanto cão queimado
que faz pena até contar
Morreu mãe de Canguinha
o pai de forrobodó
cem netos de parafuso
um cão chamado Cotó
escapuliu Boca Ensossa
e uma moleca ainda moça
quase queima o totó
Morreram cem negros velhos
que não trabalhavam mais
um cão chamado Traz Cá
Vira Volta e Capataz
Tromba Suja e Bigodeira
um cão chamado Goteira
cunhado de Satanás
Vamos tratar na chegada
quando Lampião bateu
um moleque ainda moço
no portão apareceu
quem o senhor cavalheiro
moleque eu sou cangaceiro
Lampião lhe respondeu
o moleque não sou vigia
e não sou seu pareceiro
e você aqui não entra
sem dizer quem é primeiro
moleque abra o portão
saiba que sou Lampião
o assombro do mundo inteiro
Então esse vigia
que trabalha no portão
dá pisa que voa cinza
sem fazer distinção
o cabra escreveu não leu
a macaiba comeu
ali não se faz perdão
O vigia disse assim
fique fora que eu entro
vou falar com o chefe
no gabinete do centro
por certo ele não lhe quer
mais conforme o que disser
eu levo o senhor prá dentro
Lampião disse vá logo
quem conversa perde hora
vá depressa e volte já
que eu quero pouca demora
se não me derem ingresso
eu viro tudo asavesso
tóco fogo e vou embora
O vigia foi e disse
a Satanás no salão
saiba vossa senhoria
que aí chegou Lampião
dizendo que quer entrar
eu vim lhe perguntar
se dou-lhe ingresso ou não
Não senhor Satanás disse
vá dizer que vá embora
só me chega gente ruim
eu ando meio caipora
eu já estou com vontade
de botar mais da metade
dos que têm aqui pra fora
Lampião é um bandido
ladrão da honestidade
só vêm desmoralizar
nossa propriedade
e eu não vou procurar
sarna pra me coçar
sem haver necessidade
Disse e vigia patrão
a coisa vai esquentar
eu que ele vai se danar
quando não puder entrar
Satanás disse é nada
convida aí a negrada
e leve o que precisar
Leve cem dúzias de negros
entre homem e mulher
vá na loja de ferragens
tire as armas que quiser
é bom avisar também
pra vir os negros que tem
mais compadre Lucifer
E reuniu-se a negrada
primeiro chegou Fuchico
com um bacamarte veio
gritando por Cão de Bico
que trouxesse o pau da prensa
e fosse chamar Tangença
na casa de maçarico
E depois chegou Cambota
endireitando o boné
formigueiro e Trupe Zupe
e o crioulo Quelé
chegou Caé e Pacaia
Rabisca e Cordão de Saia
e foram chamar Banzé
Veio uma diaba moça
com uma caçola de meia
puxou a vara da cerca
dizendo a coisa tá feia
hoje e negocio se dana
e gritou eita banana
agora a ripa vadeia
E saiu a tropa armada
em direção ao terreiro
com faca facão e pistola
canivete e granadeiro
uma negra também vinha
com a trempe da cozinha
e o pau de bater tempero
Quando Lampião deu fé
da tropa negra encostada
disse só na Abissínia
dá tropa preta danada
o chefe do batalhão
gritou de arma na mão
toca-lhe fogo negrada
Nessa voz ouviu-se tiro
que só pipoca no caco
Lampião pulava tanto
que parecia um macaco
tinha um negro nesse meio
que brigou tomando tabaco
Acabou-se o tiroteio
por falta de munição
mas o cacete batia
nego rolava no chão
pau pedra que achavam
e tudo que a mão pegava
sacudiam em Lampião
Chega trás um armamento
assim gritava o vigia
trás a pá de mexer doce
lasca os gamos de caria
trás um birro de massau
corre vai buscar um pau
na cerca da padaria
Lucifer mais Satanás
vieram olhar do terraço
todos contra Lampião
de cacete vaca e braço
o comandante no grito
dizia briga bonito
negrada chega-lhe o aço
Lampião pode apanhar
uma caveira de boi
e sacudiu na testa dum
e ele só fez dizer oi
ainda correu dez braças
e caiu enchendo a calça
mais não digo de que foi
Estava travada a luta
mais de uma hora fazia
a poeira cobria tudo
negro embolava e gemia
porem Lampião ferido
ainda não tinha caído
devido a grande energia
Lampião pegou um seixo
e rebateu em um cão
mas o qual arrebentou
a vidraça do oitão
saiu um fogo azulado
incendiou o mercado
e o armazém de algodão
Satanás com este incêndio
tocou no búzio chamando
correram todos os negros
que se encontravam brigando
Lampião pegou a olhar
não vendo com quem brigar
também foi se retirando
Houve grande prejuízo
no inferno nesse dia
queimou-se todo dinheiro
que Satanás possuía
queimou-se o livro de ponto
perdeu-se vinte mil contos
somente em mercadoria
Reclamava Lucifer
horror maior não precisa
os anos ruim de safra
e agora mais esta pisa
se não houver bom inverno
tão cedo aqui no inferno
ninguem compra uma camisa
Leitores vou terminar
o tratado de Lampião
muito embora que não possa
vos dá maiores explicação
no inferno não ficou
no céu também não chegou
por certo está no sertão
Quem duvidar desta historia
pensar que não foi assim
querer zombar do meu eu
não acreditando em mim
vá comprar papel moderno
e escreva paro o inferno
mande saber de Caim.
No sítio Bandeira Branca
Numa noite de viola,
Dois famosos repentistas
Puxaram pela cachola,
Pra falar da violência
Que o nosso Brasil assola.
Mangabeira e Curió,
Cada qual o mais batuta,
Para cantar qualquer coisa
Essa dupla não reluta,
Mais ou menos como segue
Foi começada a disputa.
*
Mangabeira
Há quem diga que museu
É que vive do passado.
Mas neste mundo moderno,
Cada vez mais avançado,
Vejo o homem mais confuso,
Como um velho parafuso
Por si próprio desgastado.
Curió
Com a ciência a seu lado
E a tecnologia,
Descobertas importantes
A gente vê todo dia,
Mas o homem não supera
Dentro dele a besta-fera
Do crime e da covardia.
Mangabeira
Com tanta sabedoria,
Com toda a sua potência,
O homem não se supera
Nessa brutal violência
Que de maneira infeliz
Domina todo o país,
Com a total resistência.
Curió
O crime e sua influência
Em nossa sociedade
É matéria tão comum
Que virou banalidade.
Perante a situação,
Hoje em dia o cidadão
É quem vive atrás da grade.
Mangabeira
Não se tem mais liberdade,
O povo vive acuado,
Para proteger a casa
De ferro eu vivo cercado;
Do portão para a janela
Nossa casa virou cela,
E o bandido solto ao lado.
Curió
Hoje, o crime organizado
Toma conta do Brasil,
A polícia não se entende,
Militar com a civil:
Enquanto a revolta assola
A política usa pistola,
O ladrão usa fuzil.
Mangabeira
São mais de quarenta mil
Assassinatos por ano.
São ocorrências sem conta
Todo dia, não me engano.
Pelas causas mais banais,
Já não se respeita mais
A vida do ser humano.
Curió
Governo diz que tem plano
Mas só na conversa fica.
Se tem a lei pra punir
O país não a pratica.
Já sendo a lei tão morosa,
A justiça vagarosa
Dorme mais que gato em bica.
Mangabeira
Agora, que a classe rica
É pelo drama atingida,
Com os donos do poder
Correndo risco de vida,
O governo, a quem comete
Solução, então promete
Adotar séria medida.
Curió
Mas como encontrar saída
Batendo a língua nos dentes?
Só discurso não resolve,
Sem as ações competentes.
Com tanta conversa mole,
Só vejo aumentar a prole
Da turma dos delinquentes.
Mangabeira
As crianças indigentes
Por aí abandonadas
São clonagens sucessivas
De gerações desprezadas,
Dessas que futuramente
Vão compor os contingentes
Das gangues organizadas.
Curió
Nas cidades avançadas
Se agrava a situação.
O terror tomou de conta
De toda a população.
Quanto mais o povo berra,
Ficada declarada a guerra
Do bandido ao cidadão.
Mangabeira
De trinta e oito na mão
É comum se ver menino
De doze anos de idade
Sendo um assaltante fino,
Pois tem lei pra protegê-lo,
Em breve será modelo
No submundo assassino.
Curió
O povo, no desatino,
Não achando um pulso forte,
Só malhando em ferro frio
Dando o voto, seu suporte,
No desespero fatal
Lança um apelo, afinal,
Pedindo a pena de morte.
Mangabeira
Não é esse o passaporte
Para o Brasil desejado:
Punir a morte, matando,
Será erro do Estado.
Já que o crime não compensa,
Certo mesmo está quem pensa
Tornar o povo educado.
Curió
Eu fico do outro lado,
Pois já penso diferente:
Eu acho a pena de morte
Uma saída excelente.
A revolta eu não escondo:
Quando o crime é hediondo,
Que se mate o delinquente!
Mangabeira
Vez por outra, um inocente,
Da maneira mais brutal,
Onde tem pena de morte
Pega a pena capital.
Da fogueira à guilhotina,
Nem a cadeira assassina
Nos libertou desse mal.
Curió
Se a ação policial
Não consegue dar um corte
Na violência, e o bandido
Tem a arma e tem o porte,
Mata a torto e a direito,
Eu acho muito bem feito
Haver a pena de morte.
Mangabeira
Para nossa triste sorte
A “pena” temos de fato:
São os crimes de extermínio
Com todo seu aparato,
As execuções sumárias,
Revoltas nas carcerárias,
Brigas por terra no mato.
Curió
O povão, que paga o pato,
É o mais desprotegido.
O governo é como cego
No tiroteio, perdido.
Cada ação que ele promete
Está jogando confete
Na folia do bandido.
Mangabeira
Agora, atendo um pedido
Que me chega da plateia,
É alguém dando uma ideia
Para acabar com bandido.
Neste país encardido
De desgraça, não convém
Adotar um plano, sem
Enxergar essa matéria:
É sepultando a miséria
Que eu vejo nascer o bem.
Curió
No país do desemprego,
Que não resolve esse impasse,
Cada faminto que nasce
É um presente de grego.
Com o mal tem logo apego,
Que de encontro a ele vem,
Manda logo um pro além,
A vida vira pilhéria:
É sepultando a miséria
Que eu vejo nascer o bem.
Mangabeira
A miséria traz sequela
Difícil de se apagar,
Basta a gente observar
A vida lá na favela.
Começa pela panela,
Quando a panela ali tem.
No viaduto também
A coisa fica mais séria:
É sepultando a miséria
Que eu vejo nascer o bem.
Curió
É neste mundo moderno,
De programas sociais,
Pra combater marginais
Que a vida vira um inferno.
E nesse conflito eterno
No qual o povo é refém,
Por dia se matam cem
(Mais que a Aids na Nigéria):
É sepultando a miséria
Que eu vejo nascer o bem.
Mangabeira
Enquanto o governo fala
Em proposta e mais proposta,
Lá no morro ou na encosta
Todo dia ronca a bala.
Uma guerra nessa escala
Assusta qualquer “Russein”.
Aqui é só o que tem
Da forma mais deletéria:
É sepultando a miséria
Que eu vejo nascer o bem.
Curió
Desse jeito está a vida
Montada na corda bamba,
No Brasil de bola e samba,
Sequestro e bala perdida.
“Do que a terra mais garrida”
Muita coisa aqui se tem.
Está faltando, porém,
Uma lei honesta e séria:
É sepultando a miséria
Que eu vejo nascer o bem.
* * *
Sem vencido e vencedor
Terminou a discussão
Da dupla de repentistas
Aplaudidos no salão.
E pelo tema em cartaz
Deram em nome da Paz
Um forte aperto de mão!
DISCUSSÃO DUM FISCAL COM UMA FATEIRA
Manoel Campina
O homem quando viaja
Sempre encontra presepada
Sofre muito e também goza
Pega muita beliscada
E encontra alguma coisa
Que dá muita gargalhada
Certo dia eu viajei
Da cidade de Palmeira
Com destino ao sertão
Em Serra da Cachoeira
Vi uma grande questão
Dum fiscal com uma fateira
Começou a discussão
Por causa duma coleta
E a fateira zangou-se
Disse ao fiscal pegue a reta
Queime o chão e vá embora
Não quero ouvir indireta
Disse o fiscal minha dona
Nós vamos ser camaradas
Olhe bem que todas vendem
Porque estão coletadas
Disse ela inda mais esta
Porque elas são danadas
Porém eu sou diferente
Hoje seu imposto míngua
Sei entrar e sei sair
Porque é que eu tenho língua
E se quer ver bicha doida
Encalque na minha íngua
Disse o fiscal minha dona
Não interessa questão
Me pague 15 cruzados
Que eu passo o seu talão
Disse a velha feito vaca
Pegue a reta e queime o chão
Aonde você já viu
Pagar imposto de tripa
Hoje aqui em brigo muito
E não pago essa sulipa
Posso pagar na cadeia
Depois de passar-lhe a ripa
Eu posso pagar o chão
Porque é o meu dever
Porém pra tirar coleta
Isto é que ninguém vê
Tirar da boca dos filhos
Pra esse corno comer
Por que não vai trabalhar
Malandro de calça frouxa
Você comigo se lasca
Não pense que eu seja trouxa
Eu zangada sou o cão
E minha brigada é roxa
E disse conversar muito
É o que o senhor deseja
Eu não posso bater papo
Vamos deixar de peleja
Com pouco meu velho chega
Hoje aqui o pau troveja
Nisso chegou dois soldados
E um sargento também
Dizendo tire a coleta
Que a senhora se sai bem
Disse a velha agora sim
De onde é que vocês vêm
O senhor não é prefeito
Apenas policial
Também que veio fazer
No meio do pessoal
O caso aqui quem resolve
Só é o fiscal geral
O sargento disse dona
A senhora de adome
Resolva e pague a coleta
E dê ao fiscal o nome
A velha disse se dane
Do meu sangue ninguém come
Eu não gosto de soldado
Pegue a reta e vá furando
Peço que me deixe em paz
Antes que eu vá me zangando
Ou vocês querem que eu dê
De pé na bunda chutando
Disse o fiscal está presa
A sua mercadoria
Vá falar com Seu Ageu
Guarda da Coletoria
Não posso estar empalhado
Aqui nesta porcaria
Quando ele disse assim
A velha se engrenguenou
Saltou de lado da banca
Um mocotó agarrou
Passou-lhe no pé do ouvido
O fiscal ali tombou
Aí o povo invadiu
Naquela ocasião
A fateira como doida
Como mocotó na mão
Quando raspava de lado
Dois ou três iam pro chão
Disse a fateira hoje aqui
Com essa feira eu acabo
Botou logo pra correr
Um cara metido a brabo
Com o mocotó na mão
Ficou pior que o diabo
Dois soldados e o sargento
Caíram nesse paleio
Nisso chegou o véi dela
E entrou também no meio
Comum cacete de quina
Eu já vi serviço feio
E o pau falou no centro
Todas fateiras entraram
Defendendo sua parte
De mocotó se armaram
Não ficou banco de pé
Nessa hora reviraram
Quando o mocotó batia
Revirava de fileira
Quatro ou cinco de uma vez
Era aquela brincadeira
Pois nem o diabo ia perto
Do pé de boi da fateira
Uma fateira valente
Numa tripa deu um bote
E com a tripa na mão
Dava em gente de magote
Ond ela metia a tripa
Era igualmente um chicote
Era um dia de Missa
O padre correu pra fora
Dizendo meu povo calma
Que é isso minha senhora
As fateiras o agarraram
Como doidas nessa hora
Entraram igreja a dentro
Naquela revolução
Quebraram todas cadeiras
Que tinha sobre o salão
Vela, santo e oratório
Iam botando no chão
Bateram no altar -mor
Derrubaram ao Padroeira
E o povo todo em cima
Para pegar a fateira
Da rua para a igreja
Era aquela bagaceira
Quebraram Santa Sofia
Quebraram São Severino
Quebraram São Aniceto
Quebraram São Guilhermino
Quebraram Santo Agostinho
Quebraram São Marcelino
Quebraram Santa Tereza
Quebraram Santa Izabel
Quebraram Santa Cecília
Quebraram São Gabriel
Quebraram São Bonifácio
Quebraram São Rafael
Quebraram São Benedito
Quebraram São Ananias
Quebraram São Damião
Quebraram São Zacarias
São Renato e Santo Abel
São Joaquim, São Jeremias
Uma fateira agarrou
São Paulo e deu-lhe um sopapo
O Santo correu gritando
Desta eu sei que não escapo
E a fateira gritou
Corra senão eu lhe capo
Derrubaram São Luiz
Quebraram São Benedito
Derrubaram Santo Onofre
Quebraram Santo Expedito
O que foi de Santa fêmea
Foi um estrago esquisito
Santo Antônio caminhante
Já se ia escapulindo
São Miguel e São Ricardo
Ainda estavam sorrindo
São Sebastião olhou
Ainda viu o pau tinindo
A velha meteu a mão
Em cima do oratório
Sã o José se abaixo
E pegou-se em Santo Osório
Mocotó inda bateu
Na cara de São Gregório
São Benedito correu
Arrodeando um coreto
Dizendo valha-me Deus
Senão hoje eu me derreto
Estão dando em Santo branco
Quanto mais em Santo preto
Meteram o mocotó
Também em São Nicolau
São Judas Tadeu ficou
Mais mole do que mingau
A barba de São José
Quase voava no pau
São Jorge no seu cavalo
Saiu furando de espora
E o povo do barulho
Correu pela rua afora
E as fateiras exemplando
Todo mundo nessa hora
E não teve um argumento
A luta do mocotó
Onde a mão de boi batia
Era até de fazer dó
Terminou correndo todos
E elas ficando só
Foi grande o prejuízo
Nesse dia em Cachoeira
A polícia nunca mais
Quis prender uma fateira
E nem também o fiscal
Cobrou mais o chão de feira
Hoje tem outro prefeito
Vive tudo sossegado
A fateira ainda hoje
Vende tripa no Mercado
Ali só se paga o chão
Mas ninguém é coletado
Caçoada com fateira
Aquele que inventar
Mande logo abrir a cova
Pra nela se enterrar
Inácio, o fiscal da Feira
Na Serra de Cachoeira
Aguentou foi de amargar
Leitores, peço atenção
Que agora vou descrever
Um livro de palhaçadas
Par ao bom amigo ler
Quem escutar vai sorrir
Para a barriga doer
Havia uma família
De matuto no sertão
Um certo casal que tinha
De filhos grande porção
Que sempre falava errado
Deixando interpretação
Este velho de quem falo
Era irmão de Zé do Chole
Chamava João Palascate
Filho de Pedro Tingole
E a sua esposa era
Maria do Bago Mole
Tinha um cavalo melado
Que era de Damiana
Mais uma besta castanha
Essa pertencia à Juana
E tinha o bode Rachado
Pertencente à Mariana
Seu Lascado era um menino
Que a família criava
Um porco era o Lascão
Que Iracema tratava
O cabeludo de Zefa
Era um gato que caçava
Então o filho do velho
Que se chamava Luiz
Vendia raiz de pau
Vivia muito feliz
O povo da vizinhança
Chamava-o Doutor Raiz
Uns vendiam tapiocas
Outros vendiam cocada
Iracema só com rola
Que pegava de emboscada
A velha só com tabaco
Ou se não castanha assada
Júlia vendia maxixe
Levava em grande porção
O velho só com banana
Do sítio do seu irmão
Que era o tal Zé do Chole
Vendendo fumo na mão
Eu que vivo viajando
Vinla do alto sertão
Na Feira de Cajazeiras
Uma certa ocasião
Vi um bando de matutos
Fiquei prestando atenção
Quando cheguei perto deles
Tudinho se levantou
Ou ouvi Zefa dizer
Essa vez agora eu vou
Butar as coisa de fora
Que a feira já começou
O velho disse pra ela
Acho mió esperar
Anda tá muito cedo
Nem convém você butar
As coisas de fora agora
Que o povo só quer pegar
Disse a velha a Iracema
O movimento tá poco
A vez o negócio tá
Fraco assim mode o pipoco
Arranhe a tapioca
Para o povo ver o coco
Damiana disse eu tou
Sentindo um grande comicho
Tirei um bicho do pé
Lá no Sítio do Rabicho
Pegou comichar agora
Bem no buraco do bicho
O velho disse pra velha
Você com esse bizaco
Venda tabaco ligeiro
Porque ele não é fraco
Só não deixe butar dedo
Pra remexer o tabaco
O velho com as bananas
Começou desarrumar
Eu tenho a penca comprida
Quem quiser pode encostar
Que eu vendia raiz
Assim começou gritar
Que sofre do intestino
Use cipó cabeludo
Eu garanto botar verme
Pequeno, médio e graúdo
Leve sol, chuva e sereno
Cague fora e coma tudo
O velho com as bananas
Uma mulher veio olhar
Dizendo quero uma palma
Ele disse vou mostrar
Leve uma penca comprida
Que a senhora vai gostar
Ele mostrou, ela disse
Essa está muito madura
Disse o matuto a senhora
Só gosta da que atura
Se não quiser levar mole
Vai levar mesmo da dura
Veja se eu não abro bem
Eu sou um sujeito macho
Trago banana pra feira
Quase madura no cacho
E quando eu tou arrumando
Atolo a dura por baixo
E os maxixe de Júlia
Se quer pode reparar
Depois nós faz outro preço
Se você quiser levar
Eu boto os maxixes fora
Mas deixo a banana entrar
A mulher pegou uma alma
De banana e perguntou
Dá essa por 2 mil-réis
Ele se admirou
E disse não posso dar
Que a banana alevantou
Zé do Chole numa palma
Oferecendo boró
Palascate perguntou
O Seu Culá tá mió?
Penso que Seu Cula teja
Já de pió a pió
Zé do Chole disse assim
Eu não sei lhe explicar
Se Seu Cula teja bem
Eu também já fui de lá
Não vou lá porque não tem
Dinheiro pra cumer lá
Disse o outro nosso mano
Morreu, Chica tá em paz
Seu Lascado ela me deu
Eu fiquei com o rapaz
Quem batia em Seu Lascado
Agora não bate mais
Abra a boca e diga lá
Tá boa a rapaziada?
Minha mulher tá agora
Fogosa que tá danada
Quando não vende tabaco
Vive de castanha assada
Zefa quando vai dançar
Se penera com despacho
Tá tão vadia que ontem
Raspou os pelos de baixo
Do sovaco e foi dançar
Agarrada com um macho
Amanhã em vou vender
Rachado de Damiana
O Cabeludo de Zefa
Melado de Mariana
O Lascão de Iracema
E a Castanha da Joana
O burro cego de Júlia
E a cabra de Rafael
O Lascão de Iracema
Eu entrego à Izabel
E o Lasca do da velha
Vou deixar pra Misael
Maria Seabra hoje
Queria vir mais Xixi
Mas passou um caminhão
Cheinho de abacaxi
E trepei com a menina
Viemos parar aqui
Disse o matuto do fumo
Para a velha como agrado
Se quiser fumar do bom
Eu tenho do macacado
Do que entala e da queda
Deixa o cachimbo lascado
A velha disse o fumo
Foi banhado em mel de furo
Desse que deixa o pigarro
Só tem que é mais escuro
Só gosto de fumo forte
Cheiroso, bem grosso e duro
O fumeiro disse diga
À mãe que eu tou aqui
E trate dos animal
Diga também à Bibi
Que se aguente com o buraco
Que eu só vou lá pra abrir
Diga à Chica que a roça
Cuide logo de limpar
Zele a minha macaxeira
Deixando a cova lascar
Que eu só tiro de dentro
Quando a mandioca engrossar
Esse pedaço de fumo
Leve pra Chica fumar
Ela gosta do boró
Mais este aqui vou mandar
Por see preto, grosso e duro
É capaz dela gostar
Daqui a duas semanas
Duas cartas vou mandar
Uma por dentro da a outra
Lembrança de Capalá
Porque uma chegando
É fácil a outra chegar
O fiscal se retirou
Deixou o velho ficar
Ele entrou numa loja
Foi uma calça comprar
Tinha uma pendurada
Ele pediu pra olhar
A mulher da loja disse
Está ruim pra tirar
Eu tenho outras melhores
Mas ele pegou teimar
Achei melhor a trepada
Outra não quero levar
Achei melhor a trepada
Só digo porque conheço
Porém sem eu pegar nela
Um tostão não ofereço
A senhora tire a calça
Que depois nós faz o preço
Ela trepou e tirou
Ele disse com moitim
O seu fundo é largo e chato
Gosto de ver calça assim
Abra as pernas bem abertas
Pra ver se ela dá em mim
Saiu João Palascate
Com a calção do agrado
O seus lhe acompanharam
E saiu todo apressado
Aqui amigos leitores
Vou terminar o tratado
No outro século passado
na fazenda Jequié
havia uma donzela,
religiosa de fé
no seu batismo lhe deram
o nome de Salomé
Salomé era uma virgem
de estimada simpatia,
filha de um fazendeiro
criou-se muito sadia,
era a moça mais formosa
do estado da Bahia
Contava 22 anos
aquela jovem tão bela
sempre, sempre aparecia,
namorado para ela
casou-se 14 vezes
e continuou donzela.
Um daqueles namorados,
que Salomé arranjou,
era um rapaz forte e moço
em poucos dias casou,
mas sua morte súbita
todo mundo admirou.
Porque em menos dum ano
que ele tinha casado,
começou enfraquecendo
pálido e desfigurado
a noite deitou-se vivo
e amanheceu finado.
Salomé ficou viúva,
a noite inteira chorou
o seu primeiro marido,
a morte ingrata o levou
mas que ainda era virgem
a ninguém nada contou.
Acontece que um dia
na festa dum batizado,
viuvinha arranjou
o segundo namorado
com 15 dias casou-se
num dia tão festejado.
Por segurança dos bens
casou também no juiz
a sua lua de mel
foram passar em Paris
Salomé voltou viúva
chorando a sorte infeliz.
Mas continuou a mesma
Viúva virgem sem sorte
porque o segundo esposo,
que era sadio e forte
esse também embarcou,
no barco negro da morte.
Porém Salomé por ser,
viúva de polidez
não demorou muito tempo,
casou-se terceira vez
com outro rapagão moço,
filho de um português.
Esse não durou um mês
começou ficando fraco
amarelo cadavérico,
da grossura dum cavaco
em poucos dias também
foi pra dentro do buraco.
Todo povo comentava,
– este caso é muito sério
o que há com Salomé
até parece um mistério,
já três maridos que ela
manda para o cemitério.
A quarta vez para ela
apareceu um baiano
um rapagão muito forte
descendente de cigano
noivaram no mês de outubro
casaram no fim do ano.
Esse também se findou,
no próximo ano vindouro
começou se definhando,
e o povo fazendo agouro
que no fim do mesmo ano,
também entregou o couro.
Coitada da Salomé
ficou viúva de novo
vivia tão pensativa,
calada que só um ovo
envergonhada de ouvir,
o comentário do povo.
Após passar muito tempo,
lamentando a desventura
apareceu outro jovem,
de forte musculatura
foi o quinto esposo dela
a entrar na sepultura.
Logo apareceu o sexto
era um rapaz arrasado
vendo que ela era filha
de um velho recursado
pensando enricar também
acertou logo o noivado.
Embora contrariado,
o velho o casório fez
esse também morreu logo
vivo não passou um mês
Salomé ficou viúva,
pela sua sexta vez.
Casou pela sétima vez
com um rapaz forasteiro
tocador de violão
boêmio e aventureiro
esse casou-se em dezembro
e faleceu em janeiro.
Certo dia ela contou
aquele segredo dela
a uma sua amiguinha
lhe dizendo: Maristela
Já me casei 7 vezes,
mas ainda estou donzela.
E logo pediu a ela
para guardar o segredo
porém a amiga falsa
no outro dia bem cedo
saiu pela vizinhança
espalhando aquele segredo.
O povo pra criticar
lhe chamavam na surdina
de viúva mata sete
ou viuvinha assassina
assim a pobre vivia,
lastimando a sua sina.
Os homens todos diziam
o fato não é comum
já se casou 7 vezes
e ainda está em jejum,
porque é que seus maridos
não fica vivo nenhum?
Assim a pobre vivia
neste dilema sofrido
por onde passava ouvia
do povo o “estampido”
– lá vai a viúva virgem
matadora de marido.
Ela vendo que ali,
rapaz nenhum lhe queria
por está muito manjada,
decidiu-se certo dia
viajar pra outro estado
que ninguém lhe conhecia.
Salomé saiu dizendo,
aqui eu não volto mais
partindo se despediu,
de seus extremosos pais
foi parar no Amazonas
a terra dos seringais.
Casou-se no Amazonas
Com um velho seringueiro
com 59 anos
mas ainda era solteiro
em pouco tempo também,
deu serviço ao coveiro.
Para encurtar a história,
Salomé foi se casando,
até inteirar quatorze
e viúva ia ficando
por fim se desenganou
sua sorte praguejando
Naquilo havia um mistério
que ninguém não conhecia,
que Salomé se casava,
o seu marido morria
o porquê desse mistério,
nem mesmo ela sabia.
Foi um bruxo que queria
se casar com Salomé
e apaixonou-se por ela,
um dia num candomblé
mas ela lhe deu um fora
mandou-o chupar picolé.
Por isso o bruxo maldito
fez pra ela um malefício
que a pobre Salomé
vivia neste suplício
levando todos maridos
à borda do precipício.
Toda vez que ela casava
o feitiço acontecia
porque na noite de núpcia
seu marido adoecia
sem conhecer a doença,
pelo desgosto morria.
Porque na primeira noite,
na hora do tererê
que o marido encostava
o seu corpo em Salomé
a sua moral caía
nunca mais ficava em pé.
Porém o seu último esposo
por ser esperto e matreiro
correu logo e procurou
um famoso feiticeiro
pra desmanchar o feitiço
do bruxo catimbozeiro.
Perguntaram a Salomé
se ela se lembraria
o nome daquele bruxo
de tamanha covardia
que fizera para ela
essa horrenda bruxaria.
Ela disse que sabia
o nome do infiel
então o segundo bruxo
logo pegou num papel,
escreveu em cruz o nome,
do feiticeiro cruel.
Disse para Ezequiel
vou desmanchar o feitiço
porém só por 2 milhões
posso fazer o serviço
e você pode assumir
sua esposa sem enguiço.
Ezequiel conseguiu
findou-se todo o mistério
Salomé ficou feliz
desfrutando aquele império
após enterrarem o nome
do bruxo no cemitério.
Ainda teve dois filhos
A moça de Jequié,
Livrou-se da bruxaria,
vivendo cheia de fé
Ezequiel adorava,
Sua esposa Salomé.
Camões fez várias proezas
Muitas não foram contadas
Porém é incalculável
As que já foram versadas
Leia a volta de Camões
E dê boas gargalhadas
O leitor deve lembrar-se
Da última que Camões fez
Que correu deixando o reino
Depois o rei Milanês
Mandou chamá-lo de volta
Para o reinado outra vez
Camões voltou mas ficou
Bastante desconfiado
Milanês com falsidade
O recebeu com agrado
Dizendo: - Sentimos falta
De você neste reinado
Eu sei que fui o culpado
De tudo o que aconteceu
Vamos viver o presente
Que o passado já morreu
Camões pensava consigo
Vou lhe mostrar quem sou eu
O rei sempre procurava
Um jeito pra dar-lhe fim
Um dia Camões estava
Passeando no jardim
O rei lhe vendo o chamou
E foi lhe dizendo assim: -
Camões você é esperto
Então irá decifrar
Perguntas que vou fazer
Pra você adivinhar
Se errar uma somente
Eu o mando degolar
Camões disse: – Senhor rei
As suas ordens estou
Pergunte com rapidez
Que alguém ali me chamou
O rei disse: – então escute
E pra ele assim falou
Camões você me responda
E aqui perante o povo
Este problema que eu trago
É antigo e não é novo
Não se quebra com marreta
Mais se quebra com um ovo?
Camões disse: – Senhor rei
Esta pra mim é comum
Durante o ano têm muitos
Mas eu nunca guardei um
Digo com toda certeza
Que é um dia de jejum
O rei foi para o palácio
Com raiva e enfurecido
Dizendo consigo mesmo
Tudo que eu faço é perdido
Mas vou encontrar um jeito
Pra matar este bandido
Um dia Camões estava
Bastantemente feliz
O rei perguntou-lhe: o que
Mais cheira neste país?
Camões disse:- Não é rosa,
Nem cravo é o meu nariz.
O rei disse pra Camões
Nós dois estamos em guerra
Você parece que é
O mais esperto da terra
Então me diga por que
É que o boi sobe a serra?
Camões disse senhor rei
Vou dizer sem cambalacho
O boi possui muita força
Mas sabe o que é, que eu acho.
Que ele só sobe porque
Não pode passar por baixo
O rei disse: – Então responda
Cuidado pra não errar
Qual é o trabalhador
Que vive sem reclamar
Mas um tem defeito que
Só trabalha se apanhar?
Camões coçou a cabeça
Disse o rei nesta eu lhe pego
Camões falou tenha calma
Que ainda não mim entrego
Quem trabalha quando apanha
Na minha casa é o prego
O rei disse está exato
Revelador de segredos
Um dia eu vi lá na mata
Presa entre dois rochedos
Uma mão misteriosa
Mas ela não tinha dedos
Quero que você me diga
Na sua decifração
Qual foi a mão que eu vi?
Se errar vai para a prisão
Camões sorriu, e lhe disse:-
Foi uma mão de pilão
O rei respondeu, assim...
Já que você é sagaz
Quero que responda esta
Mostrando que é capaz
Só cresce antes de nascer
Nascendo não cresce mais?
Camões disse: – Senhor Rei
Com essa eu não mim comovo
Que ela é fácil de mais
Para mim e para o povo
É um bichinho redondo
Que nós chamamos de ovo
O rei disse: - Um deles tem
Cabeça e não tem miolo
Um tem miolo e não tem
Cabeça e parece um bolo
Me diga quem são os dois?
Veja se sai desse rolo
Camões disse: – Eu vou dizer
Sem fazer meditação.
É algo que precisamos
Um se come, o outro não.
Que o primeiro é um prego
E o segundo é um pão
O rei disse:– Então me diga
Na sua sabedoria
A onde é que está o boi
Às doze horas do dia?
Se errar você irá
Morar numa cova fria
Camões disse:– Eu tinha um boi
Um dia montei-me nele
Desci até o riacho
Para ir dá água a ele
E vi ele às doze horas
Em cima da sombra dele
Disse o rei esta correto
Você é muito perito
Veja se responde esta
Com estilo e gabarito
Diga onde é que passa o boi
Porém não passa o mosquito?
Camões disse é no buraco
Da teia de uma aranha
Onde o mosquito se engancha
Ela vem e lhe abocanha
Mas o boi passa rompendo-a
E ela não lhe apanha.
Rei Milanês afastou-se
Com uma raiva danada
E Camões também seguiu
Direto a sua morada
Mais esperando do rei
Logo em breve uma cilada
Com oito dias Camões
Por Milanês foi chamado
Chegando ao palácio o rei
Já tinha se acalmado
Pra fazer novas perguntas
Tinha tudo planejado
Foi perguntando a Camões
Diga se for competente
O que é que não tem boca
Mas come porque tem dentes?
Camões respondeu: serrote
Serrando rapidamente
O rei respondeu: – Camões
Você é um cabra da peste
Mais só escapará desta
Se agora passar no teste
Me diga qual é o pano
Que nenhum vivente veste?
Camões disse: – Eu tenho fé
No autor da criação
Pois foi ele quem me deu
O dom de adivinhão
E o pano que ninguém veste
É o pano de facão
O rei disse: – Muito bem
Nesta eu não lhe recrimino
Reconheço que você
É um sujeito ladino
Então me diga por que
Onça não pega menino?
Camões lhe disse: – O senhor
Deve estar com brincadeira
Onça não pega menino
Porque não é a parteira
O rei disse: – Eu faço outra
Pela seguinte maneira
Me diga o que é que anda
E vai pra todo lugar
Todos vemos mas ninguém
Consegue lhe segurar
E se ela entrar num riacho
Sai dele sem se molhar
Camões lhe disse:– É a sombra
De gente, ou de animal.
Com essa resposta o rei
Fez uma pausa geral
Pensou e disse responda
Se não irá se dá mal
Tem mais ou menos um palmo
Não é carne nem é osso
Quando envermelha a cabeça
Corre um caldo do pescoço
Com essa pergunta o povo
Fez ali grande alvoroço
Depois foram se acalmando
Camões disse: com certeza
Moça quando quer casar
Precisa de uma e deseja.
É uma vela que ela
Vai acender na igreja.
O Rei disse:– me responda
Esta que não é comum
O que é, que nesta terra.
Cada padre possui um
Até o papa tem dois
E Jesus não tem nenhum?
Camões disse: Eu lhe respondo
Sem fazer nenhum desdém
No nome de papa e padre
Observem muito bem
Que possui a letra p.
Mas no de Jesus não tem.
O Rei disse pra Camões
Essa você respondeu.
Quero quer você mim diga
Quem foi que nunca nasceu
Mas no dia que morreu
A própria mãe o comeu?
Camões disse:– Senhor Rei
Minha língua não emperra
Foi Adão que foi criado
Com o pó da própria terra
Morreu na certa ela come
Quem vive certo e quem erra.
Camões me diga o que é
Quem faz pra si não deseja
Quem nele está, não o vê!
Quem vê diz: – Deus me proteja.
Todos querem fugir dele
Por mais bonito que seja?
Camões disse: – Essa eu respondo
Com certeza é um caixão
Com um morto dentro dele
Sem saber qual a razão
Quem o vê não quer estar
Naquela situação
O Rei disse: – Muito bem
Outra lhe perguntarei
Foi na água que eu nasci.
E na água mim criei
Se me jogarem na água
Eu na água morrerei?
Camões disse: esta eu respondo
Até mesmo sem pensar.
É o sal que na comida
Dá o melhor paladar
É retirado de dentro
Das profundezas do mar.
O Rei disse pra Camões
Comprovaste a tua fama
Responda-me esta pergunta
Ligeiro sem fazer drama
O que é que a pessoa faz
Ao levantar-se da cama.
Camões disse: – Senhor Rei
Eu posso lhe afirmar
Que esta pergunta, eu já sei.
Porque pude observar
Pode prestar atenção
Que o primeiro é se sentar
Camões eu fui visitar
O meu Conselheiro Braz
E vi alguém trabalhando
Com a cabeça pra trás
Diga-me agora quem era
Se não achar que é de mais
Camões disse: – era a agulha
Que estava costurando
Com a cabeça para trás
Alguém num pano furando
Eu digo e não tenho medo
Pois sei o que estou falando
Disse o rei para Camões
Já vi que és competente
Responda-me esta pergunta
Procure na sua mente
Tem barba mas não é homem
Tem dente mais não é gente?
Camões falou: – eu lhe digo
Ligeiro e não me atrapalho
Que uma perguntinha dessa
Responderei e não falho
Na minha terra e na sua
É a cabeça de alho
Camões você me responda
Um homem entra na luta
Levando uma companheira
Porem ela não escuta
Mas o seu ouvido é bom
Sendo ruim não labuta
Que ouvido é esse dela
Que não escuta ninguém
Apesar de estar bom
E quem é ela também?
Se você não responder
Não verá o ano que vem.
Camões disse senhor Rei
Casamento é uma sina
E por companheira surda
Só quero uma carabina
Mas sendo mulher prefiro
A sua filha Cristina
O Rei disse: – pra Camões
Exijo que me respeite
Não fale na minha filha
Tenha cuidado e se ajeite
E me responda porque
Vaca parida dá leite?
Camões disse:– Senhor Rei
Com gosto vou responder
Vaca parida dá leite
Porque não sabe vender
Mas de me tornar seu genro
Talvez possa acontecer
Eu digo assim porque sei
Que a princesa a mim adora
O Rei teve tanta raiva
Que quis pegá-lo na hora
Porem Camões mais esperto
Dizendo assim foi embora
O rei no mesmo momento
Chamou Cristina atenção
E perguntou minha filha
Responda-me sim ou não
Se você ama Camões
De todo o seu coração
Cristina disse: – Papai
Se foi Camões a falar
Agora eu tenho certeza
Que comigo quer casar
Eu pensei que ele estivesse
Somente a me enganar
O Rei disse minha filha
Eu estou admirado
Vamos fazer uma festa
Comemorar seu noivado
Porém pensava consigo
Eu mato aquele danado
O Rei tinha um jardineiro
Que se chamava Crispim
Sujeito muito perverso
Da espécie de Caim
Desses que odeia o bom
E adora o que é ruim
O Rei foi à casa dele
Chamou, ele respondeu
Porém quando abriu a porta
Vendo o rei estremeceu
Depois perguntou com medo
Que quer do criado seu?
O rei disse: – Vai haver
Uma festa de noivado
De Camões com minha filha
O dia já está marcado
E eu tenho para você
Um trabalho complicado
Pegue este anel de brilhante
Com cuidado e atenção
Chegue perto de Camões
Na hora da agitação
E solte no bolso dele
Que ele passa por ladrão
Ali no meio da festa
Eu digo que fui roubado
Depois de examinar todos
O brilhante é encontrado
Ele é pego com o roubo
E será morto enforcado
Tudo ficou acertado
Até o dia da festa
Camões sem saber de nada
Será que escapa desta?
Agora é que vamos ver
Se adivinhação presta
Todos foram convidados
Até que chegou o dia
O noivado anunciado
Foi uma grande alegria
E Camões bem satisfeito
Beijava a noiva e sorria
Porém o tal jardineiro
Por perto dele passou
E o anel do rei de brilhante
No seu bolso colocou
O rei viu e no momento
Gritou alguém me roubou
A festa parou e foi
Um por um examinado
Chegou a vez de Camões
Foi o anel encontrado
O rei ordenou que ele
Depressa fosse amarrado
Camões ia ser levado
Direto pra guilhotina
Mais antes que o levassem
Disse a princesa Cristina
Deixai o réu defendesse
Segundo a lei determina
Não se condena ninguém
Sem ouvir a sua defesa
Se é culpado ou inocente
Precisamos ter certeza
Todos ali concordaram
Com a proposta da princesa
O Rei disse: – Está correto
Minha filha tem razão
Hoje Camões morrerá
Se não der a explicação
Como o meu anel sumiu
Do dedo da minha mão
Fez-se silêncio geral
Entre todos no salão
Esperando que Camões
Perante o Rei da nação
Desse provas que não era
Como acusado, um ladrão.
Camões disse: – Ontem à noite
Eu tive um sonho ruim
Que alguém com um anel
Aproximou-se de mim
E essa pessoa era
O jardineiro Crispim
Nesta hora o jardineiro
Começou a se tremer
E disse: –Tudo o que eu fiz
Foi com medo de morrer
Sendo uma ordem do rei
Tive que lhe obedecer
O rei combinou comigo
Pra na festa eu colocar
O anel dele em seu bolso
E depois lhe acusar
E assim talvez conseguisse
Um jeito de lhe matar
E quando estava dançando
Com a princesa eu passei
Por perto e o anel do rei
No bolso e coloquei
Confesso que foi só esse
O crime que pratiquei
Camões respondeu: – Por mim
Você estás perdoado
A culpa é do nosso Rei
Que fez tudo planejado
Obedecestes porque
A ele és subordinado
Ali todos deram vivas
Pra Camões adivinhão
O Rei na vista de todos
A ele pediu perdão
Dizendo: – És o meu genro
Futuro Rei da Nação
Liberto Camões ficou
Alegre junto a Cristina
Logo após o casamento
Viajaram pra Palestina
E foram viver felizes
Segundo a lei nos ensina
Leitor, se vós escutar
Esta pequena proposta
Da descrição de Camões
Acha interessante e gosta
Ouvindo o que ele fez
Ri para cair de costa
Camões foi um enjeitado
Ninguém sabe onde nasceu
Dizem que acharam ele
Na porta de um fariseu
Num dia santificado
De Santo Bartolomeu
O Fariseu quando achou
Levou-o para criar
Com 5 anos botou
Camões para estudar
Com 6 anos ele aprendeu
Ler, escrever e contar
Com 7 anos, Camões
Não era mais inocente
Começou a viajar
Pelo mundo abertamente
Profetizando o futuro
O passado e o presente
Na hora que o Rei soube
Desse Camões afamado
Mandou logo um Conselheiro
Depressa dar-lhe um recado
Que viesse com urgência
Comparecer ao Reinado
Camões, recebendo a ordem
Do Rei, seu superior
Foi direto ao Reinado
Chegando lá com amor
Saudou o Rei, depois disse
Ás ordens, Rei meu senhor
O Rei disse pra Camões
Ouça o que vou lhe dizer
Eu tenho 30 perguntas
Para você responder
E faltar uma das tais
Sem recurso vai morrer
Camões respondeu ao Rei
Meu trabalho é complicado
Porém o senhor comigo
Vai tomar o bonde errado
Faça lá suas perguntas
Que sou um pouco vexado
O Rei disse a Camões
Tu és um menino novo
Vou fazer-te uma pergunta
Aqui perante ao povo
Qual é o melhor da galinha
Camões respondeu o ovo
Com l ano e 4 meses
No dia de Carnaval
O Rei encontrou Camões
E perguntou afinal
Camões, me diga dom quê
Ele respondeu com sal
O Rei gritou, ora bolas
Agora eu vou enrascá-lo
Camões, você vá na Corte
Ante de cantar o galo
Não vá vestido nem nu
Nem a pé nem a cavalo
Camões pensou ali consigo
O Rei comigo não pode
Vestiu-se numa tarrafa
E assanhou o bigode
E para a casa do Rei
Saiu montado num bode
Camões chegando gritou
Chegou eu aborrecido
Nem a pé, nem a cavalo
Não cheguei nu nem vestido
O Rei disse nem o cão
Dá jeito a esse bandido
O Rei com essa resposta
Quase dava-lhe um murrinho
Chamou Camões e lhe disse
Você com a ordem minha
Vai desleitar um boi
Amanhã de tardezinha
Quando foi no outro dia
Camões saiu preparado
Perto da casa do Rei
Deu um grito agigantado
Quando o Rei olhou na porta
Camões vinha disparado
Quando Camões foi passando
O Rei disse credo em cruz
Ande vai? Camões disse
Com a ordem de Jesus
Vou buscar uma parteira
Que meu pai quer dar a luz
O Rei disse mentiroso
Me diz agora onde foi
Que viste homem dar luz?
Nessa vez Camões disse oi
Me diga qual é a terra
Que se tira leite em boi?
Nessa hora, o rei ficou
Em ponto de se morder
Disse Camões, me responda
Sob pena de morrer
Quanto mais cresce mais míngua
O que é que quer dizer?
Camões disse, Senhor Rei
A coisa está decidida
Um velho de 80 anos
Já tem idade crescida
Quanto mais cresce a idade
Mais minguam os dias de vida
Disse o Rei vou fazer outra
Preste atenção no momento
Quanto mais tira, mais cresce
Responda, em fingimento
Se você responder esta
Eu sei que é bem atento
Camões deu uma risada
Com gesto de mangação
Olhou para o Rei e disse
Vou dizer, preste atenção
Quanto mais tira, mais cresce
É um buraco no chão
O Rei ficou se mordendo
E saiu encabulado
Chegou em casa pensando
Qual era o plano acertado
Quando acertou disse eita
Morreste, Camões danado
Chamou Camões e lhe disse
Se não disser vai pra taca
Vou fazer uma pergunta
Responda se for matraca
Por que é que o bezerro
Só viaja atrás da vaca?
Camões respondeu ao Rei
Eu digo perfeitamente
Eu como não tenho estudo
Tenho cá na minha mente
Ele anda atrás da vaca
Porque ela vai na frente
O Rei responde está certo
Me respondeu na razão
Quero que responda outra
Qual é o animal então
Que luta com três sentido?
Dê-me essa explicação
Camões disse é um cachorro
Magro que só bacalhau
Com um sentido, ele late
Com outro, defende-se de pau
O outro vai no nariz
Farejando o bicho mau
O Rei disse adivinhou
Mas tenho outra pra dizer
Se firme, preste atenção
O que vou lhe esclarecer
Se não der resposta certa
O jeito é você morrer
Camões disse para o Rei
Minha língua não emperra
O Rei disse então responda
Ligeiro sem fazer guerra
Quem é que nasce e não morre
Em cima de nossa terra?
Camões disse, Senhor Rei
O meu pensar não é torto
Isso que o senhor pergunta
Só parte de um aborto
Quem nasce, não morre mais
Com certeza nasce morto
O Rei disse eu tenho outra
Para você responder
A pergunta é a seguinte
Responda se se atrever
O que é que o homem faz
Que Deus não pode fazer?
Camões disse para o Rei
Vou responder com franqueza
Muitos homens se embriagam
E caem até na fraqueza
De Deus não fazer isso
Eu tenho plena certeza
O Rei disse muito bem
Me responda num segundo
Quero que responda outra
Com seu pensar iracundo
Me diga qual o vivente
Que não tem amor ao mundo?
Camões respondeu é peixe
Que dentro das águas corre
Porém quando vê o mundo
E alguém não lhe socorre
Ligeiro perde a ação
Com 5 minutos morre
O Rei disse está certo
Mas vai perder seu valor
Com esta pergunta agora
Que vou fazer ao senhor
Me diga quem está acima
De Jesus o Salvador?
Camões disse eu vou dizer
Com a fé que tenho nele
Agora neste momento
Eu sou forçado a dizer-lhe
Quem vive acima de Cristo
Só é a coroa dele
O Rei ficou aí pensando
Com a tal declaração
Disse esse Camões danado
Não em cara de cristão
Pelo jeito me parece
Ser protegido do cão
Porém disse ali consigo
Agora eu vou lhe enrascar
Chamou Camões e lhe disse
Outra eu vou lhe perguntar
E esta eu quero ver
Você dizer sem pensar
Preste atenção, veja esta
Que muito decente eu acho
Me responda esta pergunta
Cuidado, não passe embaixo
Qual é o animal que
Nasce fêmea e morre macho?
Camões disse, Senhor Rei
Isso eu já sei o que é
É um bichinho pequeno
Peto da cor de café
É pulga e só vira bicho
Depois que entra no pé
Disse o Rei vou dizer outra
Talvez você não conheça
Se não for experiente
Talvez que você padeça
Qual é o bicho que anda
Com os pés sobre a cabeça?
Camões disse esta pergunta
Para mim serve de molho
É mesmo que um cozido
Com coentro, couve e repolho
Quem bota os pés na cabeça
Só pode ser um piolho
O Rei disse este danado
O cão é amigo dele
Na charada e na pergunta
No mundo ninguém dá nele
Pelo jeito que eu vejo
Nem o cão enrasca ele
Mas eu tenho outra pergunta
Para ele responder
Chamou Camões de lhe disse
É pra você me dizer
O que é que quem não tem
Também não deseja ter?
Camões pensou um pouquinho
E nessa ocasião
Chamou o Rei e lhe disse
Na minha decifração
Eu tenho pra mim que é
Doença, intriga e questão
O Rei ali levantou-se
E lhe disse vagabundo
Me responda outra pergunta
Em menos de um segundo
Divida a Terra e me diga
Onde fica o meio do Mundo?
Camões pegou um compasso
Com muita coragem e fé
Fez uma roda no chão
E no meio botou o pé
E disse para o Rei olhe
O meio do mundo onde é
O Rei disse pra Camões
Não interrompa a escrita
Me diga qual é a dor
Que todo homem palpita?
Camões sorriu e lhe disse
É uma moça bonita
Com essa resposta o Rei
Saiu todo encabulado
Chegando em casa contou
De Camões o resultado
A Rainha disse eu
Enrasco aquele danado
Nisso, a Rainha pegou
Um urinol cor de vinho
Superlotou-o e noite
E saiu muito cedinho
E onde Camões passava
Deixou ele no caminho
Quando Camões foi passando
Olhou, ficou abismado
Pegou o vaso dizendo
É muito certo o ditado
Quem não come da galinha
Rói os ossos e bebe o caldo
Camões sempre acostumava
Nesse lugar, à tardinha
Olhar para a atmosfera
Em uma pedra que tinha
O Rei, que sabia disso
Convidou logo a Rainha
Quando foi de manhãzinha
Da Corte os dois viajaram
Às cinco e meia da tarde
Na dirá pedra chegaram
Levaram ela e logo
Por baixo um papel botaram
Quando botaram o papel
Camões chegou apressado
Subiu na pedra e ficou
Olhando pra todo lado
Naquilo, o Rei perguntou
Que fez que está assombrado?
Camões disse Senhor Rei
Amargura não dá mel
Saiba Vossa Senhoria
O Mundo não está fiel
Porque a Terra subiu
A altura de um papel
Nessa hora, o Rei voltou
Pra casa desenganado
Chegando em casa formou
Um pensamento acertado
Dizendo com esta agora
Eu mato aquele danado
Depressa chamou Camões
E foi lhe dizendo assim
Eu quero que você faça
Um trabalho para mim
Com este, ou você escapa
Ou, na falta, leva fim
O trabalho é pra você
Ir lá naquele sobrado
Arrancar um cabedal
Que tem num quarto enterrado
Pra ver se por este meio
Acaba o mal-assombrado
Camões disse são muitos
Lá cada quarto tem três
Só não posso é arrancar
Todos eles de uma vez
Seis, garanto ao senhor
Em dar-lhe um todo mês
O Rei disse muito bem
Do que se passou eu lembro
Nosso contrato está feito
Hoje é 15 de novembro
Basta me dar o primeiro
No meado de dezembro
Camões foi lá ao sobrado
E um buraco cavou
Depois comprou uma jarra
No mesmo canto enterrou
Começou a estercar dentro
Até que superlotou
Quando a jarra estava cheia
Camões cobriu desta vez
Com 100 moedas de ouro
E saiu com rapidez
Foi convidar o Rei mesmo
No dia que fez um mês
O Rei saiu com Camões
Sem fazer cara de choro
E quando chegou no quarto
Que viu o grande tesouro
Disse camões eu preciso
Tomar um banho de ouro
Pegou a jarra e amarrou
Sob os caibros do telhado
Ficado debaixo dela
Bateu com um ferro pesado
Quando a jarra abriu-se em bandas
Foi merda pra odo lado
Camões desertou dali
E não quis mais brincadeira
Reinou tristeza na Corte
E nessa hora fagueira
Lembram-lhe este folheto
Do trovador Oliveira
O BICHO SERRA
Autor Desconhecido
Será esse o Bicho Serra?
(Agradecimentos ao escritor Robson José Calixto, colunista do Almanaque Raimundo Floriano, pela postagem da foto do suposto Bicho Serra. E ao primo João Ribeiro da Silva Neto, líder do Big Brasa, por ter recuperado a letra deste cordel, que seu pai, Alberto Ribeiro da Silva, meu primo, declamava nos tempos de outrora.)
O velho Mané Sinhô,
Achava-se num deserto,
Deitado de c* aberto,
Chegou um bicho e entrô.
Entrô, saiu e voltou,
Indo e vindo agoniado,
Dizem que o bicho é pelado,
Mas tem o pé cabeludo,
Roliço, porem nervudo,
Cego, rombudo e furado.
O bicho não é de carne,
De osso também não é,
Não tem braço nem pescoço,
Não se senta, fica em pé.
É liso que nem muçu,
Carrega os ovos num saco,
Na falta de outro buraco,
Costuma entrar pelo c*.
Não sei dizer o seu nome,
Ou se existe algum capricho,
Negar o nome do bicho,
E só fazer a descrição,
Me diga, Napoleão,
Que eu quero ver tão-somente,
Pra ver se na minha terra,
Tem esse bicho da serra,
Que entra no c* de gente.
Fica triste quando come,
Vomita o que não engole,
Ora está duro, ora mole,
Não sei dizer o seu nome.
Diz, porém, a Dona Chica:
"Se a capa for de pelica,
Feita por mãe-natureza,
Pode afirmar com certeza,
Que o nome do bicho é pic@!”
Caros apreciadores
Na Feira do Caldeirão
Eu ouvi a propaganda
De um matuto do sertão
E já portanto escrevi
Tudo que vi e ouvi
Na sua conversação
Não é só a propaganda
Com também a disputa
Do fiscal com o matuto
Que quase dá-se uma luta
O mesmo livro contém
O comentário também
De uma mulher matuta
Quando o matuto chegou
Às Nove horas do dia
Com um balaio de maxixe
Era o que ele trazia
E dez almas de banana
Se o espírito não me engana
Foi essa a mercadoria
Espalhou no meio da Feira
Fez propaganda e gritou
Em tenho os maxixe grande
Agora mesmo encostou
Banana comprida e prata
Ma eu num vendo barato
Cá banana levantou
São 10 penca de banana
6 prata e 3 solancó
E uma penca comprida
Qui ainda é mai mió
Quer dizer que forma dez
Dou por um conto de réis
Entra a penca no cocó
As banana é de primeira
Os maxixe são graúdo
Um rapaz lhe perguntou
Quanto o senhor quer por tudo
Disse ele novecentos
Disse o rapaz dou quinhentos
Disse o matuto é canudo
Sendo somente as banana
O senhor por quanto dá
Ficando os maxixe fora
As banana pode entrar
Dou tudo por oitocentos
Não bote os maxixe dento
E vamos negociar
Minha banana tá mole
Pruque eu sou cuidadoso
Se trago a banana dura
Num vendo, fico raivoso
De madura tá vermeia
A casca por fora é feia
Mai o miolo é gostoso
Se os maxixe são grande
As banana inda são mai
Eu trouxe foi pra vender
Todo negócio se fai
Porém se ninguém compra
De tarde eu vou vortá
Com os maxixe pra trai
Ali chegou um parente
De tal matuto beócio
E lhe disse meu cumpade
Cuma vai o teu negócio
Cumpade, eu vou bem pur cá
Vai me dizendo pua lá
Cuma vai passando os nosso
Cuma vai cumade Chica
Sá Caboca e Zé Vintém
As menina de Tingole
E todos mai que lá tem
Tá todo bem e disposto
Disse o matuto é meu gosto
Qui tudo lá teja bem
Gosto danosa catinga
Pru muito seca que seja
Tu dá lembrança a Tingole
Pruque tra vei eu num veja
Recebi de Zé Bochudo
Lembrança pá cá pá tudo
Dessa terra sertaneja
Disse o matuto não sabe
Zefa fugiu com Fernande
Quem é esse, meu cumpade
Aquele que vende frande
Roubou ela da Serrinha
Correu a noite todinha
Passou na Pindoba Grande
Chegou o fiscal da Feira
Trazendo uns papéis na mão
E disse vamos matuto
Pague o direito do chão
Disse o matuto seu guarda
Ainda não vendi nada
Não tenho dinheiro não
Tinha 200 mil-réis
Comi de sarapaté
Comprei 4 pão fiado
E 3 chica de café
Isso aqui não é meu só
Porque a penca maió
E os maxixe é da muié
Não estou lhe perguntando
Pelos seus particulares
Estou cobrando imposto
Isto é e todos lugares
Não quero articulação
Se não quiser pagar chão
Vá negociar nos ares
Disse o matuto eu num pago
Nem um tostão dessa asneira
Qualquer coisa que se bota
No Mercado ou nessa Feira
O senhor vem com espanto
Cobrando tanto e quanto
Isso não é ladroeira?
O cobrador respondeu
Não admito porfia
Você não pode vender
Retire essa porcaria
Porcaria não senhor
Disse o matuto é favor
Tratar por mercadoria
A mulher do tal matuto
Chegou nessa ocasião
E um filho deles dois
Acabaram a discussão
Pagando a justa quantia
Que o cobrador queria
Pelo direito do chão
Venderam tudo de vez
Por mais ou menos dinheiro
Porque o retalhador
Que se chama verdureiro
Botou preço e atacou
Depois de justo pagou
Por quanto eu não dou roteiro
Foi-se embora o cobrador
Começaram a conversar
A mulher disse meu veio
Agora vou te contá
Quando tu vei mai João
Na tua costa um ladrão
Fo no poleiro roubá
Eu não peguei mai no sono
Já era de manhãzinha
Eu vi bulir no poleiro
Estrumei a cachorrinha
Quando Piaba peitou
O ladrão se abaixou
E vi ele cá galinha
Arribei os 3 cachorro
Peixim, Cascudo e Xerém
Pela brecha da parede
Vi mai não conheci bem
Dispoi reparei por baixo
Vi que era um cabra macho
Por um buraco que tem
E eu já hoje avisei
A cumade Manuela
Que é pa cumade ter
Cuida do ca casa dela
E cuma ela é vizinha
Ela pode ter ca minha
E eu muito mai ca dela
Disse o matuto muié
Nós precisa se cuidá
Se tranca todos os bicho
Mode o ladrão num roubá
Fale com a Fulozina
Venda os bicho das menina
Mas o seu deixe ficar
Venda a porca da Zefa
A cabra da Filismina
O capado da Zabé
A jumenta da Firmina
A besta russa da Chica
E a castanha da Lica
Vai ficá pra Bernardina
Venda o burro do Cosme
E o galo de Damião
A bezerra da Quitéria
O cachorro do Gusmão
A bacorinha da Terta
A borrega da Roberta
E o bode azul do Simão
A muié disse meu véio
Você com uma faceta
Já falou nos bicho todo
Es as garça da Riqueta?
Quanto são, nós também tranca
Disse ela 8 é branca
E 9 ca garça preta
E que se foi dos cachorro
O Pintado e o Felpudo
E o Melado ele disse
Num se vende fica tudo
Chico fica cu Pintado
Eu vou ficar cu Melado
E você cu Cabeludo
Depois da Feira voltaram
Às quatro horas e meia
Não sei eu horas chegaram
Talvez na hora da ceia
Quando os pobres camponeses
Por não erem luz às vezes
Acendem a pobre candeia
Finalmente terminei
Me desculpa populaça
A linguagem do matuto
Hoje é diversão na praça
Porque a conversação
É torta que só cordão
Dentro do bolso da calça
o sertão do cariri
Dentro do Sítio Ventura
Começou a aventura
Que eu vou contar aqui
Quando estive lá ouvi
E quem falou não mentiu
Até sua mulher riu
E disse fique à vontade
Para falar a verdade
De Benedito Alves Tiu
Antes de tudo que fez
Vou dizer quando nasceu
Se não for engano meu
Foi no dia vinte e três
E dezembro foi o mês
Em que o menino surgiu
Num cantinho do Brasil
Cujo nome é até longo
É de Santana do Congo
O Benedito Alves Tiu
O ano foi trinta e um
E o Estado Paraíba
Não quero que se exiba
Mas já ouvi o zum zum
Que jamais em tempo algum
Valente igual não se viu
Quem o enfrentou sumiu
Dizendo na região
Só tem Brás e seu irmão
O Benedito Alves Tiu
Naquele bravo sertão
Cortava palma pro gado
E plantava no roçado
Algodão, milho e feijão
Assim esse cidadão
Seu sustento garantiu
Mas quando dali partiu
Pra morar noutra cidade
Enfrentou dificuldade
O Benedito Alves Tiu
Não se sabe exatamente
Se fez alguma besteira
Pois quando foi pra Pesqueira
Foi tudo tão de repente
Perguntei a muita gente
Porque foi que ele partiu
Mas quem sabia só riu
Sem querer me dizer nada
Pois é um bom camarada
O Benedito Alves Tiu
Pra não viver de arrego
Resolveu sair dali
Partiu para Ouricuri
À procura de emprego
Porém não teve sossego
E até saudade sentiu
Então ele desistiu
Voltando a terra do doce
E foi lá que empregou-se
O Benedito Alves Tiu
Mesmo sem habilidade
Porém com muito vigor
Foi trabalhar no motor
Que dava luz à cidade
Quando a eletricidade
No nordeste evoluiu
E a Paulo Afonso surgiu
Ele foi aproveitado
Por já ser capacitado
O Benedito Alves Tiu
Voltando ao velho sertão
Apenas pra passear
Começou a namorar
Uma filha de Bião
Bonita e de tradição
Como igual nunca se viu
Mas quando a mão ele pediu
Cunhados acharam ruim
Porém casou mesmo assim
O Benedito Alves Tiu
Com graça e com formosura
Dona Socorro Pereira
Quando chegou à Pesqueira
Foi pra máquina de costura
Hoje ta na prefeitura
E também já assumiu
A cadeira que surgiu
De professora do Estado
Tendo sempre lhe apoiado
O Benedito Alves Tiu
Homem do sertão sofrido
Que não cursou faculdade
Tem a grande qualidade
De ter nos filhos investido
Lutando neste sentido
Bom resultado já viu
Pois ele já conseguiu
Ter cinco filhos formados
E tem dois encaminhados
O Benedito Alves Tiu
Veranice era Tostão
Dentro do seu arrebol
Só porque no voleibol
Dava muita empolgação
Seu pai sentiu emoção
Num jogo que assistiu
Mas logo ela desistiu
Para fazer faculdade
Dando mais felicidade
A Benedito Alves Tiu
Ela hoje é Enfermeira
A profissão de Ana Nery
E como o nome sugere
É doutora de primeira
Pois dedicou-se à carreira
Com isso muito subiu
Porém nunca se exibiu
Mas seu nome sempre brilha
E é a primeira filha
De Benedito Alves Tiu
Vaneide era agitada
Quando era pequenina
Dizem até que essa menina
Já deixou gente internada
Porém sempre foi prendada
E com um jeito sutil
Quando cresceu conseguiu
Ser professora do Estado
Deixando mais sossegado
O Benedito Alves Tiu
Não quis ir pra capital
Para poder estudar
Preferindo se casar
Na sua terra natal
Porém ela não fez mal
Porque ali garantiu
Outro emprego que surgiu
E também fez faculdade
Satisfazendo a vontade
De Benedito Alves Tiu
Walkíria muito queria
Cursar uma faculdade
E pra sua felicidade
Alcançou num belo dia
Entrou em Sociologia
Porém futuro não viu
Então ela desistiu
E fez Secretariado
Deixando mais animado
O Benedito Alves Tiu
Sua vida melhorou
Logo no segundo emprego
Pois sem precisar de arrego
Em um concurso passou
Foi trabalhar no Metrô
Onde o salário subiu
E o que mais conseguiu
Pra ter vida predileta
Foi dar um genro poeta
A Benedito Alves Tiu
Nasceu José Valderi
Que foi seu segundo filho
Porém teve pouco brilho
Pois ao céu teve que ir
Mas pra substituir
Outro garoto surgiu
Pacato e também gentil
Valderi Alves Pereira
Fotocópia verdadeira
De Benedito Alves Tiu
Formou-se em Agronomia
E é muito competente
Também é fã do repente
E é bom de poesia
Porém nossa parceria
Que há muito tempo surgiu
Somente se repetiu
Na base do vai não vai
Para falar do seu pai
O Benedito Alves Tiu
Cristiane a mais mimada
Ao chegar à capital
E ver a vida infernal
Ficou um pouco assustada
Mas foi muito aconselhada
Até que o medo sumiu
Então ela insistiu
Fazendo vestibular
Pra poder tranqüilizar
O Benedito Alves Tiu
Para sua alegria
Passou no vestibular
E o que a fez vibrar
Foi passar no que queria
Pois fez Odontologia
Como a Deus ela pediu
Além disso conseguiu
Dá mais prazer ao painho
Porque ela é o denguinho
De Benedito Alves Tiu
O filho Chateaubriand
Para mamãe é o dengo
Porque nem mesmo o flamengo
Consegui ter tanta fã
Todo metido a galã
Meu conselho já ouviu
Porque a AIDS surgiu
E eu disse tome cuidado
Pra não deixar preocupado
O Benedito Alves Tiu
Quando veio estudar
Aqui nesta capital
Pra fazer primeiro grau
E tentar vestibular
Chegou até a chorar
Porque saudade sentiu
Mas logo desinibiu
Estudando com fervor
E quer ser mais um doutor
De Benedito Alves Tiu
Elétrico durante o dia
Também de noite na cama
Programou o ponta de rama
Que é a sua alegria
Pois nasceu como queria
Um filho forte e viril
Simpático e de muito brio
Retrato de muito amor
Que mostra todo vigor
De Benedito Alves Tiu
Júnior de jeito pacato
Estuda primeiro grau
Jamais fez uma final
Sendo do pai um retrato
Porque este é sempre exato
Assim dizem de Seu Biu
Apelido que surgiu
De amigos da profissão
Sendo ele a emoção
De Benedito Alves Tiu
Da Consciência Ecológica
Devemos sempre lembrar
Pois quem pensa no futuro
Para a vida melhorar
Não gera lixo jamais
Só gera materiais
Que possamos reciclar
Nós devemos começar
Lembrando que antigamente
O lixo era tudo aquilo
Que não servia pra gente
Mas hoje pro nosso bem
Nosso lixo agora tem
Um conceito diferente
O Lixo é basicamente
O que a gente joga fora
Que não servia pra nada
Mas que hoje se explora
Porque as sobras humanas
De aglomerações urbanas
Têm utilidade agora
Diferente de outrora
Fazemos separação
De tudo que é reciclável
E do resto do lixão
Porque garrafas pintadas
Podem ser utilizadas
Por quem faz decoração
Pra fazer a seleção
De todos materiais
Vamos separar os plásticos
Papéis, vidros e metais
Pois pra mandar reciclar
Nós devemos afastar
Esse lixo dos demais
Problemas ambientais
Como a poluição
Produzida pelo lixo
Faz mal a população
Hoje temos consciência
Que o lixo da residência
Deve sofrer redução
E pra isso a solução
É a gente praticar
A Coleta Seletiva
Que consiste em separar
O lixo que é descartável
Do que é reaproveitável
Para mandar reciclar
Reciclar é transformar
Os materiais usados
Noutros produtos que possam
Ser comercializados
E a Minimização
Dos resíduos do lixão
Pressupõe ter três cuidados
Três termos utilizados
Para se minimizar
O primeiro é Reduzir
Depois Reaproveitar
Pra que o verso não emperre
O outro também tem R
O R de Reciclar
Nós devemos separar
Entre os materiais
Os que não são recicláveis
Como pratos e cristais
Alimentos estragados
E lixos contaminados
Não se juntam aos demais
Pra todos materiais
Existem recipientes
Que facilitam a Coleta
Tendo cores diferentes
E a identificação
É uma padronização
De todos os continentes
Cinco cores diferentes
Devemos utilizar
No VERDE botamos vidro
Mas sem precisar quebrar
Pois com o vidro quebrado
Se não for bem colocado
Alguém pode se cortar
No AZUL vamos botar
Todo lixo de papel
Que seja grande ou pequeno
Botaremos a granel
E para não se enganar
Todos devem procurar
Aprender neste cordel
E dentro desse plantel
De cores pra reciclagem
VERMELHO é para o plástico
Que serve de embalagem
AMARELO é pra metal
Que às vezes até faz mal
Guardado numa garagem
Terminando essa listagem
Do que é reaproveitável
Tem recipiente CINZA
Pro lixo não reciclável
E assim quando for comprar
Você deve procurar
Embalagem retornável
Outra atitude louvável
É pensar nos descendentes
Não destruindo o planeta
Com atos inconsequentes
E o maior dos desafios
É não agredir os rios
Com produtos poluentes
As lâmpadas fluorescentes
Nós devemos reciclar
Pois elas liberam gases
Que podem contaminar
O solo e a água da gente
Indo consequentemente
Pra cadeia alimentar
Já tinha ouvido falar
Em alguma reportagem
Sobre a decomposição
Chamada de Compostagem
Agora eu tenho certeza
Que com ela a natureza
Faz a sua reciclagem
Microorganismos agem
Nessa decomposição
E animais invertebrados
Têm a participação
Na presença de umidade
Eles fazem na verdade
A sua alimentação
Com essa grande ação
Eles ajudam a gente
Porque transformam o lixo
Em um adubo excelente
E Deus com sua grandeza
Mostra que a Natureza
Preserva o Meio Ambiente
E assim daqui pra frente
Nossa preocupação
É dizer pra todo mundo
Que temos obrigação
De fazer o impossível
Para acabar, se possível
Com toda poluição
Vamos transmitir então
Para o público em geral
Que a Coleta Seletiva
Hoje é fundamental
E além de não poluir
Ajuda a diminuir
O aquecimento global
Ela é essencial
Porque causa redução
Dos gastos com energia
E custos de produção
Mas também se recomenda
Porque gera emprego e renda
Na comercialização
Ela tornou-se uma ação
Barata e eficiente
Pra proteger as florestas
E a saúde da gente
Se todo mundo ajudar
Juntos, vamos preservar
O nosso Meio Ambiente
Recife – outubro/2009
Todo fumante me diz
Fumar é muito gostoso
E antes de acender
Todo cigarro é cheiroso
Mas quem aprende a tragar
Com certeza vai entrar
Num processo vicioso
Se você for cauteloso
E prestar bem atenção
Vai ver que pra ser fumante
Tem mais de uma razão
Além do doce e café
Um outro motivo é
Vício de imaginação
Vou dá uma explicação
Sobre esse vício danado
Basta o sistema nervoso
Andar um pouco abalado
Depois de dá um pigarro
Bota na boca um cigarro
Sem nem sequer ter notado
Hoje já está provado
Na química e na medicina
Que o vício de fumar
É devido à nicotina
Pois dentro de um vivente
Deixa ele dependente
Dessa triste toxina
O fumo é quem determina
O seu viver rotineiro
Pois não sabe fazer nada
Sem esse seu companheiro
Não tem fossa de vontade
Pra buscar a liberdade
E sair do cativeiro
Se acaso for ao banheiro
De noite ou de madrugada
Quando se deita na cama
A pessoa viciada
Mesmo que tente fugir
Nunca consegue dormir
Antes de uma tragada
Quando está com uma amada
Por mais que faça esparro
Percebendo que deixou
Sua carteira no carro
Deixa de lado quem ama
Se levantando da cama
Para ir buscar cigarro
Coloca cinza no jarro
Quando não lhe dão cinzeiro
E quem dele se aproxima
De longe sente seu cheiro
Porque quando um cidadão
Bota um cigarro na mão
Já polui o corpo inteiro
Parece até um bueiro
O nariz de um fumante
Um cigarro atrás do outro
É fumaceiro constante
Irritando muita gente
Poluindo o ambiente
E o cabelo da amante
Ele inventa a todo instante
Um motivo pra tragar
Quando bebe um gole dágua
Procura logo fumar
Porém não é invenção
É sua submissão
Que não pode dominar
Mal acaba de acordar
Procura logo um cigarro
Também a caixa de fósforos
E um cinzeiro de barro
Se estiver resfriado
Depois que tiver tragado
É que vai soltar o catarro
Depois que solta o catarro
Volta a fumar novamente
E faz isso tão ligeiro
Que nem ele mesmo sente
Antes de ingerir comida
Deixa a casa fedida
E polui a sua mente
Eu conheço muita gente
Que começou a fumar
Ainda na adolescência
Somente pra se mostrar
Hoje que está viciado
Muitas vezes tem tentado
Mas não consegue deixar
Só o fato de tragar
Aumenta mais o prazer
O cabra acha gostoso
Depois é que vem saber
Que ele foi programado
Pra lhe deixar viciado
E do fumo depender
Quando acaba de comer
Um prato doce ou salgado
Só sacia sua fome
Depois que tiver tragado
Essa é a triste sina
De quem deixa a nicotina
Fazer-lhe um viciado
Um fumante inveterado
Não sente sabor nem cheiro
Tendo consciência disso
Pensa em deixar ligeiro
Não precisa de estudo
Pra saber que além de tudo
Vive queimando dinheiro
É igual a cachaceiro
Porque na vida não manda
E nas suas decisões
O cigarro é quem comanda
Também é discriminado
Pois além de isolado
Em muitos carros não anda
Quando escuta a propaganda
Do cigarro preferido
Se estiver num local
Cujo fumo é proibido
Se afasta do lugar
Só para poder fumar
Sem ver que foi induzido
O cabra fica esquecido
Se o cigarro lhe faltar
Porque o fumo na mente
Além de envenenar
Também causa dependência
E trás como conseqüência
Não poder raciocinar
Quem por acaso andar
Com um fumante ativo
Mesmo odiando cigarro
É um fumante passivo
Porque em uma tragada
A fumaça que é jogada
Tem muito gás que é nocivo.
Esse é mais um motivo
Pro cabra ser alertado
Pois além da nicotina
E do alcatrão falado
O fumo tem componentes
Pra matar seus dependentes
E quem tiver ao seu lado
Não quero ser abusado
Só quero lhe ajudar
Por isso nesse momento
Eu vou procurar mostrar
Que além de bom pigarro
Tem mais males que o cigarro
Em breve vai lhe causar
Um edema pulmonar
Uma asma, uma bronquite
Uma angina no peito
Talvez você não evite
Sendo uma cabra de sorte
Antes de chegar à morte
Terá úlcera e gastrite
Aumentando o apetite
Pelo cigarro padrão
Você pode ter certeza
Irá perder a tesão
Se com isso não morrer
Você ainda vai ter
Um bom câncer no pulmão
Antes de ir pro caixão
Terá esquizofrenia
Aliás, essa doença
Já é comum hoje em dia
Por isso pra se salvar
É melhor você deixar
O vício que asfixia
Pra sair dessa agonia
Precisa ter disciplina
E ter força de vontade
Para mudar a rotina
Se não consegue sozinho
Então o melhor caminho
É partir pra medicina
O vício da nicotina
Faz tudo mudar de rumo
Pois além de dá prazer
Ele estimula o consumo
Até eu que era obeso
De fumar e perder peso
Um dia quase que sumo
Quem acredita que o fumo
Faz conquistar avião
Achando que dá status
E lhe faz cidadão
Depois vai ficar sozinho
Sem avião nem carinho
Em um maldito caixão
Tragar nos dá emoção
É magia indefinível
E para quem é fumante
Ter que parar é terrível
Mas posso lhe garantir
Que se você decidir
Vai ver que será possível
Nada lhe é impossível
Ou tão difícil na vida
Quando a força de vontade
Por você é comedida
Controlando a emoção
Agindo pela razão
Toda batalha é vencida
Quem saiu dessa com vida
Hoje vive muito bem
Pois não precisa pedir
Nem dar cigarro a ninguém
Vê a vida com amor
Quando sente o sabor
Que uma comida tem
Agora para o seu bem
Deixo aqui o meu recado
Pra você ser mais feliz
Deixe o cigarro de lado
Eu já cumpri meu papel
Escrevendo este Cordel
Até mais, muito obrigado.
Estou dividindo os tempos
De quem foi bom repentista
Faço a partir de oitocentos
Cinco Gerações na lista
Que a nata NUNES DA COSTA
Teve a Primeira conquista
Essa família de artista
Da cidade de Teixeira
Teve o pai AGOSTINHO
Para a Paraíba inteira
Depois NICANDRO e UGULINO
Seguiram sua carreira
Esta Geração Primeira
Teve como descendente
Uma família famosa
Na viola e no repente
É a família “Batista”
Que canta até o presente
Falando de antigamente
O MANOEL SERRADOR
Junto com o BILINGUIM
Formou dupla de valor
E foi BERNADO NOGUEIRA
Um grande improvisador
Sendo o maior cantador
Da segunda geração
É SILVINO PIRAUÁ
Quem dá nome à divisão
Pois ele fez a “sextilha”
Modificando o “quadrão”
Para sua geração
“Pirauá” serviu de elo
Criando a “regra da deixa”
E inventando o “martelo”
Fazendo o nosso repente
Cada vez ficar mais belo
Pelo nome dele eu zelo
Mas não caio na besteira
De dizer que foi maior
Que ROMANO DO TEIXEIRA
Pois esse foi o seu mestre
Em toda sua carreira
Tinha ANSELMO VIEIRA
No Ceará pra cantar
Além de NECO MARTINS
Cantador bom de lascar
E ZÉ PRETINHO que criou
O “Galope à beira-mar”
Eu agora vou voltar
À cidade de Teixeira
Lembrando FERINO GOIS
Um cantador de primeira
E GERMANO DA LAGOA
Que não levava rasteira
Lembro CLAUDINO ROSEIRA
Do agreste pernambucano
E o filho do “Teixeira”
Que foi JOSUÉ ROMANO
Outro grande cantador
Do solo paraibano
Seguiram no mesmo plano
INÁCIO DA CATINGUEIRA
Com JOSÉ QUEIROZ MORENO
Junto a GAUDÊNCIO PEREIRA
E um grande potiguar
Foi MANOEL CABACEIRA
Teve GALDINO BANDEIRA
O maior da divisão
Na arte de fazer rima
E da improvisação
Que nos deixou quatro netos
Para quarta geração
MANOEL PRETO LIMÃO
Foi um grande repentista
E o CEGO CESÁRIO LOPES
Foi da terra do artista
JOSÉ MARTINS PIRAUÁ
Irmão do dono da lista
Essa terra é de artista
Falo sem dizer boatos
Pois já deu XICA BARROSA
Para confirmar os fatos
Por dar “Silvino” e “Galdino”
Eu parabenizo a Patos
Devido aos anonimatos
A lista não sai inteira
Mas nela eu vou falar
Que VITORINO FERREIRA
Foi avô de dois da quarta
E pai de dois da terceira
Levando sua carreira
De Timbaúba pro mundo
Ninguém pode esquecer
Quem foi MANOEL RAIMUNDO
O maior “martelador”
E um poeta profundo
Foi primeiro sem segundo
O ZÉ DUDA DO ZUMBI
Que nasceu na Paraíba
E veio viver aqui
Sendo o maior repentista
Segundo um livro que li
Essa eu não engoli
Mas não vou julgar sozinho
Quero apenas lembrar
De um JACÓ PASSARINHO
E de PEDRO BELARMINO
Que estava neste caminho
ZÉ VICENTE é deste ninho
Que só tem bom repentista
Junto com HELENO BELO
E ANTÔNIO GUEDES BATISTA
Sobrinho de “Ugulino”
Que foi da primeira lista
ODILON NUNES na lista
De quem sabe improvisar
Encontrou JOÃO MALAQUIAS
Por este mundo a cantar
E FRANCISCO PEQUENO fez
Pedras de Fogo vibrar
Agora vamos falar
Da Terceira Geração
Que tem PINTO DE MONTEIRO
Como representação
Pois ele foi o maior
Repentista da Nação
A minha admiração
Pela inspiração que tinhas
Me faz de pedir, ó Pinto
Para abençoar as minhas
Pois vou sair das “sextilhas”
E entrar nas “sete linhas”
Hoje por onde caminhas
Tu deves ter bom destino
Porque encontras poetas
Do tipo de ASCENDINO
Desta tua geração
Também partiu AZULÃO
E JOAQUIM BERNARDINO
Foi JOAQUIM VITORINO
Outro bom na cantoria
Que nasceu em Pernambuco
Nos dando muita alegria
Porque nos deixou dois filhos
Que vão seguindo seus trilhos
Nos congressos de hoje em dia
Toda Paraíba ouvia
O mestre ANTÔNIO GUERREIRO
E ALEIXO DANTAS BARBOSA
Da cidade de Monteiro
No Rio Grande do Norte
Feliz foi quem teve a sorte
De ouvi DANIEL RIBEIRO
Faz parte deste celeiro
O mestre JOSÉ FAUSTINO
Que é pai de “Ivanildo”
Outro grande paladino
Tem também PEDRO AMORIM
E um irmão de “Joaquim”
O MANOEL VITORINO
Tem o JOSÉ BERNADINO
Do sertão pernambucano
Irmão de AMARO e “Joaquim”
E teve MANOEL CAETANO
Que foi o pai de “Raimundo”
E também foi deste mundo
ARCELINO AURELIANO
Cantador pernambucano
Que também é deste ninho
É o JOSÉ ANANIAS
Que agora é meu vizinho
Em São José do Egito
O povo lembra do mito
Que foi ANTÔNIO MARINHO
Tem JOSÉ ALVES SOBRINHO
Poeta e radialista
Que nasceu na Paraíba
E teve DIMAS BATISTA
Um grande pernambucano
Juntamente com seu mano
O OTACÍLIO BATISTA
Também LOURIVAL BATISTA
Vem aumentar esta frota
De São José do Egito
Pra quem dez é pouca nota
Pra Pernambuco o deleite
Foi ROGACIANO LEITE
E hoje é JÓ PATRIOTA
Seguindo na mesma rota
A Paraíba é primeira
Com o poeta do absurdo
O saudoso ZÉ LIMEIRA
E ainda na Paraíba
Vem cantando JOÃO FURIBA
Com quem “Pinto” fez carreira
Também tem JOÃO SILVEIRA
Dentro desta geração
E BELARMINO DE FRANÇA
Que nasceu no mesmo chão
E o grande MANOEL XUDU
Cantou com ZEZÉ LULU
Rompendo o nosso sertão
Nessa minha inspiração
A Deus eu peço uma luz
Pra falar do repentista
Que foi JOSUÉ DA CRUZ
E em solo paraibano
O grande JOÃO CAETANO
Não é ouro, mas reluz
A minha mente conduz
Pra falar muito mais
Lembrando JOSÉ PATRÍCIO
E ROMANO ELIAS DA PAZ
E também JOSÉ SOARES
Que por diversos lugares
Também foi dos maiorais
Repentista bom demais
E de improviso forte
Era DOMINGOS FONSECA
Do Rio Grande do Norte
Também RAIMUNDO PELADO
Que era do mesmo lado
E era do mesmo porte
Pena que não tive a sorte
De ouvir outro potiguar
Chamado MANOEL CALIXTO
Que tinha o dom de rimar
Mas hoje tem o seu filho
Seguindo no mesmo trilho
Da arte de improvisar
Um poeta popular
E homem de muita fé
Está nesta geração
PATATIVA DO AÇARÉ
Em Monteiro HELENO PINTO
Foi irmão do mestre “Pinto”
Como ninguém, hoje é.
Remando nessa maré
Pernambuco faz bonito
Pois teve AGOSTINHO LOPES
De São José do Egito
Exu mostra seu valor
Com o JOÃO SERRADOR
Que por lá nunca foi frito
Não ouvi, mas acredito.
Que uma das coisas belas
É ouvir MANOEL DOMINGOS
Da cidade de Panelas
Antes da lista vindoura
Lembro EDUARDO MOURA
Que nunca cantou balelas
Seguindo essas passarelas
Vou pra Quarta Geração
Em “Décima de sete sílabas”
Mas não é exibição
Só faço por um motivo
É pra não ser cansativo
Na minha elucidação
Para esta geração
Dois nomes resolvi dar
Pois o primeiro lugar
Ninguém sabe escolher não
Eles deram inspiração
Pra esta lista inteira
Eu escolhi na carreira
Mas sei que você aprova
IVANILDO VILA NOVA
E o mestre PEDRO BANDEIRA
Neto do velho “Galdino”
“Pedro Bandeira” é irmão
De CHICO, DAUDETH e JOÃO
Que vão no mesmo destino
São cantadores de tino
Do solo Paraibano
E FRANCISCO AURELIANO
Lá também fez cantoria
BULE BULE da Bahia
É cantador sem engano
No Vale do Pajeú
Tem o ISMAEL PEREIRA
E tem ADAUTO FERREIRA
Que é de Caruaru
“Eu sou melhor do que tu”
Ele cantando alucina
JOSÉ GALDINO em Carpina
Deixa um negro maluco
Esta arte em Pernambuco
ANISTALDO LINS ensina
Ceará botou na lista
Três cabras bons no repente
Pra mim o que vem na frente
É o ZENILDE BATISTA
Mas neste rol de artista
GERALDO AMANCIO é primeiro
Ou pode ser o terceiro
Porque para lhe ser franco
Eu conheço LOURO BRANCO
Outro grande violeiro
Tive muitas alegrias
E considero foi sorte
Do Rio Grande do Norte
Já ouvi SEBASTIÃO DIAS
Em um congresso há alguns dias
Também ouvi ZÉ CARDOSO
Que com um verso gostoso
Por todos foi aplaudido
E ANTÔNIO NUNES tem sido
Outro poeta famoso
Tem SEVERINO FERREIRA
Nesta terra potiguar
Cantador bom de lascar
Como SINÉSIO PEREIRA
Numa “deixa” de primeira
A Paraíba tem mais
Como DOMINGOS THOMÁS
Também sei que tu te encantas
Se ouvir FENELON DANTAS
Cantando nos festivais
Quando DINIZ VITORINO
Participa de um congresso
Ele faz muito sucesso
Porque é cantador fino
Cantando desde menino
Na cidade de Monteiro
É segundo ou é primeiro
Como disse seu José
Pois SEBASTIÃO SILVA é
Outro grande violeiro
Pernambuco se levanta
Dentro desta nova glosa
Com SEVERINO FEITOSA
Que no improviso encanta
Muita gente se espanta
Quando escuta minervina
O que também me fascina
É ver SANTINHA MAURÍCIO
Que canta sem sacrifício
“Tudo eu sei ninguém me ensina”
“Comigo o rojão é quente”
Diz MOCINHA DE PASSIRA
E quem nela se inspira
Canta e glosa facilmente
É Pernambuco presente
Com sua matéria-prima
Onde também tá de cima
OLIVEIRA DE PANELAS
Que faz poesias belas
Na junção de versos e rima
DINIZ BATISTA tem tino
E Timbaúba aprovou
TINDARA também mostrou
Que é repentista fino
Da terra do paladino
“IVANILDO VILA NOVA”
JOSÉ GONÇALVES deu prova
Que é mestre no repente
Já cantou com muita gente
E em quase todos deu sova
JOSÉ DIONÍZIO é quente
Lá na cidade de Pombos
Porque já deu muitos tombos
Na viola e no repente
É repentista excelente
O grande JOSÉ CAETANO
Cantador paraibano
De muito juízo e tino
Como HELENO SEVERINO
Do agreste pernambucano
“Decassílabo” eu vou usar
Para Atual Geração
E na modificação
Estou querendo provar
Que a arte de improvisar
Por ser rica e cristalina
Nunca vai virar rotina
Como a cantiga dos grilos
Pois tem diversos estilos
A viola nordestina
Pra dar nome a esta quinta geração
Escolhi dois poetas não me engano
O primeiro é JOÃO PARAIBANO
Resistência da nobre profissão
Sendo símbolo da arte no sertão
O segundo já é bem conhecido
Onde chega cantando é aplaudido
Porque é cantador que tem refino
Escolhi LOURINALDO VITORINO
Porque tem essa arte defendido
Cantador do sertão pernambucano
VALDIR TELES empolga no repente
Porque é repentista inteligente
Como é DIOMEDES MARIANO
Pra cantar um “martelo alagoano”
EDVALDO ZUZU é um doutor
Em Carpina ele é o vencedor
Por ser bom no repente e bom de glosa
MAXIMINO BEZERRA em Venturosa
Também é outro grande cantador
Ceará nos cedeu NONATO COSTA
Revelando-se na nova geração
Muito novo entrou na profissão
Porém onde cantar o povo gosta
JOÃO LOURENÇO também não perde aposta
Cantadores com ele são fregueses
E se ouvires ROGÉRIO MENEZES
Com certeza eu sei tu te espantas
Foi assim quando ouvi JOMACI DANTAS
Dedilhando a viola tantas vezes
Quando canta um “rojão pernambucano”
MOACIR LAURENTINO faz bonito
E outro cabra que está virando mito
É o mestre RAIMUNDO CAETANO
Enfrentando FRANCISCO que é seu mano
Ele faz uma grande cantoria
Como faz um rapaz de Alexandria
Que aonde cantar se pede bis
Me refiro a FRANCISCO DE ASSIS
Um dos grandes poetas de hoje em dia
Vendo ZÉ LUIZ CARLOS no improviso
Todo mundo admira seu projeto
E também se escutar ZÉ LUIZ NETO
A platéia se escancara num sorriso
O RAIMUNDO NONATO tem juízo
Pra fazer boa glosa e fazer loa
E o grande ANTÔNIO LISBOA
Faz sucesso na terra potiguar
Quando EDÍSIO CALIXTO vai cantar
Eu já sei vai ter cantoria boa
Mil desculpas eu vou pedir agora
Aos diversos poetas repentistas
Que apesar de brilharem como artistas
Deste meu cordelzinho ficaram fora
Imprensei o que pude a toda hora
Sinto muito não deu para escrever
Mas a minha homenagem vou fazer
Porque sempre os terei na minha mente
“Viva sempre o poeta do repente
Para nossa cultura não morrer!”
No Brasil pra se expressar
Há diferenciação
Porque cada região
Tem seu jeito de falar
O Nordeste é excelente
Tem um jeito diferente
Que a outro não se iguala
Alguém chato é Abusado
Se quebrou, Tá Enguiçado
É assim que a gente fala
Uma ferida é Pereba
Homem alto é Galalau
Ou então é Varapau
E coisa ruim é Peba
Cisco no olho é Argueiro
O sovina é Pirangueiro
Enguiçar é Dar o Prego
Fofoca aqui é Fuxico
Desistir, Pedir Penico
Lugar longe é Caxaprego
Ladainha é Lengalenga
E um estouro é Pipoco
Qualquer botão é Pitoco
E confusão é Arenga
Fantasma é Alma Penada
Uma conversa fiada
Por aqui é Leriado
Palavrão é Nome Feio
Agonia é Aperreio
E metido é Amostrado
O nosso palavreado
Não se pode ignorar
Pois ele é peculiar
É bonito, é Arretado
E é nosso dialeto
Sendo assim, está correto
Dizer que esperma é Gala
É feio pra muita gente
Mas não é incoerente
É assim que a gente fala
Você pode estranhar
Mas ele não tem defeito
Aqui bala é Confeito
Rir de alguém é Mangar
Mexer em algo é Bulir
Paquerar é Se Inxirir
E correr é Dar Carreira
Qualquer coisa torta é Troncha
Marca de pancada é Roncha
E a caxumba é Papeira
Longe é o Fim do mundo
E garganta aqui é Goela
Veja que a língua é bela
E nessa língua eu vou fundo
Tentar muito é Pelejar
Apertar é Acochar
Homem rico é Estribado
Se for muito parecido
Diz-se Cagado e Cuspido
E uma fofoca é Babado
Desconfiado é Cabreiro
Travessura é Presepada
Uma cuspida é Goipada
Frente de casa é Terreiro
Dar volta é Arrudiar
Confessar, Desembuchar
Quem trai alguém, Apunhala
Distraído é Aluado
Quem estar mal, Tá Lascado
É assim que a gente fala
Aqui valer é Vogar
E quem não paga é Xexeiro
Quem dá furo é Fuleiro
E parir é Descansar
Um rastro é Pisunhada
A buchuda é Amojada
E pão-duro é Amarrado
Verme no bucho é Lombriga
Com raiva Tá Com a Bixiga
E com medo é Acuado
Tocar em algo é Triscar
O último é Derradeiro
E para trocar dinheiro
Nós falamos Destrocar
Tudo que é bom é Massa
O Policial é Praça
Pessoa esperta é Danada
Vitamina dá Sustança
A barriga aqui é Pança
E porrada é Cipoada
Alguém sortudo é Cagado
Capotagem é Cangapé
O mendigo é Esmolé
Quem tem pressa é Avexado
Uma sandália é Percata
Uma correia, Arriata
Sem ter filho é Gala Rala
O cascudo é Cocorote
E o folgado é Folote
É assim que a gente fala
Perdeu a cor é Bufento
Se alguém dá liberdade
Pra entrar na intimidade
Dizemos Dar Cabimento
Varrer aqui é Barrer
Se a calcinha aparecer
Mostra a Polpa da Bunda
Mulher feia é Canhão
Neco é pra negação
Nas costas, é na Cacunda
Palhaçada é Marmota
Tá doido é Tá Variando
Mas a gente conversando
Fala assim e nem nota
Cabra chato é Cabuloso
Insistente é Pegajoso
Remédio aqui é Meisinha
Chateado é Emburrado
E quando tá Invocado
Dizemos Tá Com a Murrinha
Não concordo, é Pois Sim
Tô às ordens é Pois Não
Beco do lado é Oitão
A corrente é Trancilim
Ou Volta, sem o pingente
Uma surpresa é, Oxente!
Quem abre o olho Arregala
Vou Chegando, é pra sair
Torcer o pé, Desmintir
É assim que a gente fala
A cachaça é Meropeia
Tá triste é Acabrunhado
O bobo é Apombalhado
Sem qualidade é Borreia
A árvore é Pé de Pau
Caprichar é Dar o Grau
Mercado é Venda ou Bodega
Quem olha tá Espiando
Ou então, Tá Curiando
E quem namora Chumbrega
Coceira na pele é Xanha
E molho de carne é Graxa
Uma pelada é um Racha
Onde se perde ou se ganha
Defecar se chama Obrar
Ou simplesmente Cagar
Sem juízo é Abilolado
Ou tem o Miolo Mole
Sanfona também é Fole
E com raiva é Infezado
Estilingue é Balieira
Uma prostituta é Quenga
Cabra medroso é Molenga
Um baba ovo é Chaleira
Opinar é Dar Pitaco
Axilas é Suvaco
E cabra ruim é Mala
Atrás da nuca é Cangote
Adolescente é Frangote
É assim que a gente fala
Lugar longe aqui é Brenha
Conversa besta, Arisia
Venha, ande, é Avia
Fofoca é também Resenha
O dado aqui é Bozó
Um grande amor é Xodó
Demorar muito é Custar
De pernas tortas é Zambeta
Morre, Bate a Caçuleta
Ficar cheirando é Fungar
A clavícula aqui é Pá
Um mal-estar é Gastura
Um vento bom é Frescura
Ali, se diz, Acolá
Um sujeito inteligente
Muito feio ou valente
É o Cão Chupando Manga
Um companheiro é Pareia
Depende é Aí Vareia
Tic nervoso é Munganga
Colar prova é Filar
Brigar é Sair no Braço
Nosso lombo é Ispinhaço
Faltar aula é Gazear
Quem fala mais alto ou grita
Pra gente aqui é Gasguita
Quem faz pacote, Embala
Enrugado é Ingilhado
Com dor no corpo, Ingembrado
É assim que a gente fala
Um afago é Alisado
Um monte de gente é Ruma
Pra perguntar como, é Cuma
E bicho gordo é Cevado
A calça curta é Coronha
Um cabra leso é Pamonha
E manha aqui é Pantim
Coisa velha é Cacareco
O copo aqui é Caneco
E coisa pouca é Tiquim
Mulher desqualificada
Chamamos de Lambisgóia
Tudo que sobra, é Bóia
E muita gente é Cambada
O nariz aqui é Venta
A polenta é Quarenta
Mandar correr é Acunha
Ter um azar é Quizila
A bola de gude é Bila
Sofrer de amor, Roer Unha
Aprendi desde pivete
Que homem franzino é Xôxo
Quem é medroso é um Frouxo
E comprimido é Cachete
Sujeira em olho é Remela
Quem não tem dente é Banguela
Quem fala muito e não cala
Aqui se chama Matraca
Cheiro de suor, Inhaca
É assim que a gente fala
Pra dizer ponto final
A gente só diz: E Priu
Pra chamar é Dando Siu
Sem falar, Fica de Mal
Separar é Apartá
Desviar é Ataiá
E pra desmentir é Nego
Quem está desnorteado
Aqui se diz Ariado
E complicado é Nó Cego
Coisa fácil é Fichinha
Dose de cana é Lapada
Empurrão é Dar Peitada
E o banheiro é Casinha
Tudo pequeno é Cotoco
Vigi! Quer dizer, por pouco
Desde o tempo da senzala
Nessa terra nordestina
Seu menino, essa menina!
É assim que a gente fala
Eu vi sua indiferença
Quando você me olhou
Mas por favor, pare um pouco
E pense no que eu sou
Se eu sou pequeno assim
É que a vida não deu a mim
O direito de crescer
Eu vivo ao Deus nos acuda
E preciso de uma ajuda
Pra poder sobreviver
Seu filho nasceu feliz
Pois pra dormir teve berço
Eu também seria assim
Se ao menos tivesse um terço
Porém o que me sobrou
Foi a rua onde estou
E não as bancas da escola
Sem estudo e sem comer
Ao invés de aprender ler
Aprendi a cheirar cola
Não me trate por bandido
Porque bandido eu não sou
Se eu aprendi a pedir
A vida é que me obrigou
Se eu pudesse escolher
Juro que eu queria ser
Um menino educado
Filho de gente grã-fina
Com casa boa e piscina
Com saúde e alimentado
Você passa no seu carro
Da vida toda contente
Me olha de cara feia
Como se eu não fosse gente
Mas saiba que como os seus
Também sou filho de Deus
Apenas não tive sorte
De ser filho da senhora
Por isso eu lhe peço agora
Não deseje a minha morte
Se não quer me fazer bem
O mal também não me faça
Porque eu não sou culpado
De viver nessa desgraça
Passando necessidade
Vejo que a sociedade
Esta sim é a culpada
Porque na sua ganância
Só quer tudo em abundância
Deixando o pobre sem nada
Eu não sei o que é carinho
Porque mamãe não me deu
Pois em toda sua vida
Sofreu tanto quanto eu
Vivendo pra trabalhar
Apenas pra sustentar
Os seus filhinhos com vida
Vive na infelicidade
E ainda na flor da idade
Já é uma velha sofrida
Eu sei que na sua casa
Tem uma linda cadela
E eu já seria feliz
Se vivesse igual a ela
Pois ela tem boa vida
Carinho, banho e comida
Cada qual no seu horário
E também quando adoece
Eu sei que logo aparece
Um Médico Veterinário
Enquanto o seu filho tem
Dentista, médico e hospital
E uma boa enfermeira
Se acaso passar mal
Eu nunca fui ao doutor
E quando sinto uma dor
Aumenta mais o meu tédio
Pensando que vou morrer
Pois não tendo o que comer
Como vou comprar remédio
Skates, patins, videogame
Seu filho tem desde cedo
Eu em toda minha vida
Nunca ganhei um brinquedo
Sou pequeno e magricela
Sem ter nenhuma chinela
Para proteger meus pés
Vejo o seu filho lindo
Ganhando e sempre pedindo
O que já tem mais de dez
Sem poder me alimentar
Mamãe me mandou pro mundo
Mesmo guardando em seu peito
Um sofrimento profundo
Eu hoje vivo a pedir
Sem ter para onde ir
Pois meu teto é sol e lua
Num mundo sem esperança
Sem direito a ser criança
Eu sou menino de rua
Recife, 17 de abril de 1993
Quero alertar o povo
Par votar consciente
Porque nem sempre o mais novo
É o melhor para a gente
Pois esse Collor de Mello
Que dizem ser o mais belo
Não é novo no cenário
E mesmo sendo de chita
Não é gaiola bonita
Que dá comer a canário
Votar pela aparência
Como muita gente faz
É falta de consciência
Que prejudica demais
Pra concurso de beleza
Até eu tenho certeza
Que Collor é favorito
Mas para ser presidente
E trabalhar pela gente
Não precisa ser bonito
Precisa ter compromisso
Com nossa gente sofrida
Tendo lutado por isso
Desde o início da vida
Precisa capacidade
Além de seriedade
Coisa que Collor não tem
Pois quem esconde o passado
Deixando o povo enganado
É demagogo também
Entre os dez candidatos
Que já estão em campanha
Sejam velhos ou novatos
Cada um tem uma barganha
Collor quer ser diferente
Se dizendo independente
Sem estar comprometido
Mas é tudo marmelada
Pois atrás tem uma cambada
De empresário escondido
Desde bancos nacionais
Deputados e prefeitos
Até multinacionais
Querem que ele seja eleito
Mas a grande Rede Globo
Que faz o povo de bobo
É o seu maior padrinho
Pois Collor na presidência
Vai aumentar a potência
De Seu Roberto Marinho
Collor é proprietário
De rádio e televisão
Mas vejo que empresários
Vivem sempre em comunhão
Porque o SBT
Que sempre quis ser poder
Também entrou no “Complô”
Levando Collor pra “Praça”
Pra “Hebe”, que é sem graça
E programa do “Jô”
Olhando para pesquisa
Não fico preocupado
Mas vejo que se precisa
Mudar este resultado
Pois conheço muita gente
Que inconscientemente
Diz que Collor é mudança
Mas mostrando seu passado
Provo que está enganado
Quem tem essa confiança
Collor que ser novidade
No meio dos concorrentes
Mas veja que na verdade
Seu passado não consente
Antes de ser deputado
Foi prefeito nomeado
Do falido P.D.S.
Foi colega de Sarney
Disso eu também já sei
E quem sabe não se esquece
Collor é renovação
Para quem está por fora
Mas preste bem atenção
No que vou dizer agora
Na eleição indireta
De maneira indiscreta
Em Maluf ele votou
E na antiga Arena
Que ele hoje condena
O seu pai foi senador
Tentando ser presidente
Com o apoio do povo
Só aparece pra gente
Dizendo que é o novo
Mas como vocês tão vendo
O que Collor vem dizendo
Da política brasileira
É só coisa descabida
Pois em toda sua vida
Foi político de carreira
Diz que vai moralizar
A política do país
Mas quando vai começar
Ninguém sabe ninguém diz
Pois Collor na prefeitura
Aprendeu com a ditadura
Que devia apadrinhar
E cinco mil filiados
Ele deixou empregados
Somente para mamar
O que fez na prefeitura
Achou que foi natural
Pois repetiu sem bravura
Na Câmara municipal
Onde provou para a gente
Como é incoerente
O discurso que ele faz
Porque sempre criticou
Mas também foi criador
Dos famosos marajás
ollor reclama que o povo
Está de mal a pior
Mas não soube ser o novo
Na capital Maceió
Pois pra fazer o serviço
Da retirada de lixo
Mais imposto quis criar
E quando alguém reclamou
A polícia ele jogou
Para o povo se calar
Eu não consigo parar
Em falar deste sujeito
Pois pra onde agente olhar
Aparece mais defeito
Diz que é político sério
Mas dentro do seu império
De rádio e televisão
Deixou muitos jornalistas
Sem direitos trabalhistas
Mostrando ser mau patrão
Há muita incoerência
No Collor anda falando
E com certa paciência
Eu vou dizendo e provando
Pois sendo governador
Muita coisa ele aprontou
Com o seu eleitorado
E tendo vida bacana
Nunca esteve uma semana
No governo do estado
Sabendo do que ele fez
Num passado bem recente
Eu mostro mais uma vez
Que Collor é incoerente
O prefeito do interior
Que nunca se filou
Ao seu PRN
Sofreu discriminação
Ficando sem nenhum tostão
Do dinheiro do I.C.M.
Diz ao povo brasileiro
Que vai acabar com a fome
Esquece que sem dinheiro
Nenhum ser humano come
Pois quem foi seu funcionário
Perdeu muito salário
Porque Collor no poder
Foi um grande ditador
E também nunca pagou
Gatilho ou U.R.P.
Para ser renovador
Defende a democracia
Mas um observador
Vê que é demagogia
Pois provou que foi criado
E que também foi cevado
Na estufa da ditadura
Reprimindo jornalista
E também radialista
Pra cultivar a censura
Collor não quer debater
Com outro seu concorrente
Dizendo que vai fazer
A campanha diferente
Mas o medo que ele tem
É que apareça alguém
Para mostrar a Nação
Que a fama que ele ganhou
De ser um renovador
É pura tapeação
É um falso moralista
Pregando seriedade
Pois sendo oportunista
Usou da vivacidade
Quando a veja publicou
Que ele era o “caçador”
Dos famosos “Marajás”
O povo foi enganado.
Porque lá no seu Estado
Ele mesmo é um dos tais
Diz que vai erradicar
O nosso analfabetismo
Mas onde a Globo está
Só vejo oportunismo
Pois ela sempre apoiou
O Governo ditador
Que nos deu tanta inflação
Por isso fique ciente
Se Collor for presidente
Vai ser o fim da Nação
Se a gente for comparar
Com o Reino de Avilan
A Globo é Ravengar
E Collor é Lucian
Pois no lugar de Sarney
Ele será como um rei
Sem ter pena de ninguém
Porque este concorrente
Ao cargo de presidente
É o pior que se tem
Se você ficou chocado
Com tudo que eu falei
Me chame cabra safado
Diga que sou Sarney
Pra poder desabafar
Pode me esculhambar
Dizendo que eu pirei
Pois posso rasgar dinheiro
Mas como bom brasileiro
Em Collor não votarei
Se pensa votar em Collor
Apenas pra protestar
Eu peço por Deus Apolo
Pense antes de votar
Pois o povo brasileiro
Quer da um voto certeiro
Para não ser enganado
Por isso lembro a você
Veja o que vai fazer
Com nosso povo explorado
Ismael Gaião
Condado, junho de 1989.
(Mote do poeta Allan Sales)
1
Vou contar uma história
E garanto que é verdade
Pois o fato acontecido
Deu-se na minha cidade
Com um pai ignorante
Que de maneira arrogante
Quis mostrar autoridade.
2
Juninho era diferente,
Dos meninos do lugar,
Gostava de ver a mãe
Sentadinha a costurar
Fazia casa na mão
Até pregava botão
Tinha jeito pra ajudar.
3
O jovem cresceu alegre
Repleto de animação.
Ô menino dançador!
Dizia a população,
Dançava bem de verdade
Essa era a realidade
Chamava mesmo atenção.
4
Tinha o cabelo bonito
Bem cheiroso e bem tratado
Era muito vaidoso
Mas o pai desconfiado
Achava tão diferente
Aquele faceiro ente
Por ele um dia gerado.
5
Vendo sua mãe ocupada
Corria para ajudar
Botava os pratos na mesa
No almoço e no jantar
Muito jeito ele tinha
Limpava toda cozinha
Pois gostava de arrumar.
6
Um dia Junior chegou
Com as orelhas furadas
Duas bonitas argolas
Nas orelhas penduradas
A mãe achou tão bonito...
O pai meteu logo o grito
Quis dar umas bofetadas.
7
Junior com a ira do pai,
Ficou muito apavorado
Até tentou falar grosso,
Mas saiu desafinado
Pois o pai enfurecido
Via bem enraivecido
O seu filho desviado.
8
Quando a mãe quis defender
Começou a desgraceira.
Pois o pai bradava irado
Um monte de baboseira
Foi a maior confusão
E começou o sermão
Que rendeu a tarde inteira.
9
Menino que usa pulseira,
Tem um destino cruel,
Hoje vai usando brincos
E acaba usando o anel
Levando vida sem lei
Termina virando gay
Não aceito este papel.
10
Juninho bem revoltado
Com aquela situação,
Pensou consigo mesmo
Vou deixar o meu rincão
Sonhava ser passarinho
Bater asas do seu ninho
Pra fugir da opressão.
11
A mãe aflita rezava
Pedindo a nosso senhor
Rogando pelo seu filho
Chorava na sua dor
Pedia com devoção
A Deus uma solução
Implorando com fervor.
12
Resolveu que seu menino
Não seria humilhado
Ele era inteligente
E foi muito bem criado
Podia ser diferente
Porém muito inteligente
E ela estava ao seu lado
13
Mãe e filho conversaram
E chegaram a conclusão
Junior tinha que partir
E deixar o seu torrão
Bem longe do seu lugar
Trabalhar e estudar
Buscando uma profissão.
14
Almejava novo mundo,
Queria crescer na vida.
Foi para cidade grande
Numa atitude atrevida
E viu tudo melhorar
Porque soube batalhar
Procurando uma saída.
15
Não demorou muito tempo
Para mostrar seu talento.
A sua fama crescia,
Também seu contentamento
Correto em sua postura
Fazendo alta costura
Crescia a cada momento
16
Seu nome estampou revista
Foi noticia no jornal
Os vestidos das dondocas
Carregavam seu aval
Desfilava e competia
Nas festas a fantasia
Em tempos de carnaval.
17
Um artista de mão cheia
Estava fadado a ser.
O sucesso se notava
Ele batalhou pra ter
Se hoje é grande estilista
Costurando para artista
Ele fez por merecer.
18
A mãe que sempre o amou
Aplaudiu o seu sucesso
O seu pai baixou a crista
Esqueceu o retrocesso
Ficou até orgulhoso
Em ter um filho famoso
E saber do seu progresso.
19
O acossado menino
Virou Gente de dinheiro
Viajou pra todo lado
Foi até ao estrangeiro
E cresceu na profissão
Teve a sua ascensão
Fama como costureiro.
20
Jamais esqueceu a mãe
O anjo da sua estrada
Pra ela dava de tudo
Não deixava faltar nada
Com ela sempre contou
Carinho nunca faltou
Daquela mãe adorada.
21
Aquele pai tão severo
Cheio de preconceito
Notando a fama do filho
Até mudou de preceito
Deixou de ser rigoroso
O dinheiro milagroso
Fez do filho um bom sujeito.
22
O dinheiro muda tudo,
Retrógrado pensamento.
Filho não importa o sexo
É fruto de sentimento
É preciso ponderar
E com lisura acatar
Evitando sofrimento.
23
Cada palavra ofensiva
Cada agressão do passado
Que vem de pai para filho
Fica no peito marcado
Se um pai se torna carrasco
A vida vira um fiasco
Para o filho amargurado.
24
Os tempos hoje são outros
Vamos prestar atenção
Em vez de execrar um filho
Melhor mesmo é dar a mão
Aceitar as diferenças
Modificar nossas crenças
Praticar compreensão.
Fim
Cordel de Dalinha Catunda
COM AGRADECIMENTOS A PEDRO FERNNDO MALTA
A poesia adverte
Ao meio estudantil
Falando sobre um Estado
Que há em nosso Brasil
A terra de Iracema
Belo torrão varonil.
É sobre o Ceará
Que dou esta explanação
Suas terras, seus encantos
E sua vegetação
Seus pontos mais pitorescos
De grande admiração.
Eu já tenho escrito várias
Histórias interessantes
Com esta quero atingir
Os pontos mais importantes
O que outros escritores
Nunca escreveram antes.
Porém esta trajetória
Um instante eu vou mudar
Seguindo em outro roteiro
Quem vai mais interessar
À muitos estudiosos
Que gostam de pesquisar.
Na história brasileira
Minha ideia penetrou
Portanto quero versar
O que outro não versou
Uma história que a história
Do Brasil pouco contou.
Antes da vinda de Cristo
Há mil cento e tantos anos
A Tróia fora invadida
Pelos gregos desumanos
Deixando subjugado
Todos os poderes troianos.
E depois disso dez anos
Começou a emigração
Em todas terras de Tróia
Gente de outra nação
Foram os cários comandados
Por outra rebelião.
E em todo território
Pelos gregos comandados
Serviu para os povos cários
Que vinham desnorteados
Com todos seus descendentes
Ficaram aí situados.
Então os filhos de Tróia
Que se acharam vencidos
Em combates com os gregos
Ficaram então destruídos
Sem terra despatriados
Da sorte desprotegidos.
Logo o chefe dos fenícios
Tomou uma decisão
Reuniu todo seu povo
Formando grande esquadrão
E seguiu de mar a dentro
N’uma grande expedição.
Há mil cem anos então
Antes de Cristo, chegou
Aquela frota fenícia
Em uma costa ancorou
No nordeste do Brasil
E um porto ali fundou.
Ali entre dois Estados
Ceará e Maranhão
Os fenícios que vieram
Na citada expedição
Fizeram ali de Tutóia
Sua grande fundação.
É o porto de Tutóia
Na capital São Luiz
Estado do Maranhão
Que aquele povo quis
Lembrando Tróia a cidade
E seu passado infeliz.
Antes da vinda de Cristo
A mil e cinqüenta anos
Nas margens do Parnaíba
Houve ali muitos planos
Dos bons colonizadores
Com seus ideais humanos.
E naquela mesma época
Os colonos ancestrais
Nas margens do Parnaíba
Plantavam seus cereais
Aproveitando os baixios
Até chegar em Goiás.
De toda Ibiapaba
Foram cultivando a serra
Pela subida do rio
Parnaíba, que encerra
As tribos dos Tabajaras
Se apossaram da terra.
Fundou-se ali uma sede
Pelo comando geral
Da tribo dos tabajaras
E a província atual
Chama-se Sete Cidades
Ou Parque Nacional.
Também tem sete cidades
No vale do grande rio
Chamado de Acaraú
O qual no tempo de estio
A sua margem oferece
Um majestoso plantio.
As suas belas cidades
São: Massapé e Sobral
Santana do Acaraú
Morrinhos que é legal
Marcos e a Bela Cruz
E Acaraú afinal.
Os chefes das grandes tribos
Fizeram muito gentis
Dali das Sete Cidades
Com seus terrenos fertis
Uma sede sobre ordem
Do congresso dos Tupis.
Tupi era o nome dado
Por todos com grande afã
Que veneravam o poder
Do supremo Deus Tupã
A religião pregada
Por aquele fé cristã.
-Pelos Sacerdotes Cários
que vieram ao Brasil
juntamente aos Fenícios
na mesma época de mil
antes da vinda de Cristo
pela base estudantil.
Foram catequizadores
Com ordem benevolente
Da mesma ordem dos três
Reis Magos do Oriente
Que adoraram em Belém
A Jesus Onipotente.
Nesse tempo o rei Hiram
De Tiro, fez aliança
Com rei Davi da Judéia
Visando uma esperança
De explorar a Amazônia
Brasileira, com pujança.
Isto há mil e oito anos
Antes de Cristo chegar
O rei Davi da Judéia
Concordou se aliar
Com o rei Irã de Tiro
A fim de compartilhar.
Com pouco tempo depois
Daquela combinação
Faleceu o rei Davi
Mas deixando a sucessão
A seu filho ainda jovem
Chamado de Salomão.
Então o rei Salomão
Depois que foi proclamado
Com o rei Hiram de Tiro
Continuou aliado
Para explorarem a Amazônia
Conforme foi combinado.
A um grande rio deram
O nome de Solimões
Em homenagem ao vulto
Querido das mulheres
Salomão o grande rei
Que ditou boas ações.
E a cidade de Tiro
Foi destruída depois
Há anos antes de Cristo
Trezentos e trinta e dois
Por rei Alexandre Magno
Com outra ordem se opôs.
E durante setecentos
E sessenta e nove anos
Continuou relações
Marítimas, com vários planos
E transas comerciais
Com ideais soberanos.
A Fenícia atual Síria
Com bases fundamentais
Tratava com o Brasil
Contatos comerciais
E descobrindo das terras
As riquezas colossais.
Com quatro anos após
Foi a grande expedição
Do rei Alexandre Magno
Na sua peregrinação
Para a América do Sul
Com heroísmo e brasão.
Depois da era de Cristo
Chegou uma grande frota
Trazendo Fernando Telles
Esse nobre patriota
Onde os fenícios e Cabral
Usaram a mesma rota.
Então o Fernando Telles
Veio a serviço real
Usando as calmarias
Pois o rei de Portugal
Pesquisou todo roteiro
Antes de enviar Cabral.
Foi em mil e quatrocentos
E setenta e três, realmente
Que chegaram a terra excelente
E a sede do comando
Instalaram certamente.
Fundou-se as 7 cidades
Da serra de Ibiapaba
Viçosa e depois Tinguá
Que se eleva até a aba
Pois as suas tradições
Nem seu progresso se acaba.
É a terceira cidade
Chamada de Ubajara
Na serra do mesmo nome
Tem sua beleza rara
A quarta é São Benedito
Cidade formosa e cara.
A quinta é Ibiapina
A sexta é Guaraciaba
A sétima é Flexeirinha
Onde dá muita mangaba
São estas 7 cidades
Da serra de Ibiapaba.
A Gruta do Ubajara
E o Parque Nacional
É uma lembrança eterna
Um símbolo memorial
Quando os fenícios e os cários
Chegaram aqui afinal.
E Pedro Álvares Cabral
Segundo os ensinamentos
Chegou em Porto Seguro
No ano de 1500
O Brasil inda não tinha
Progresso, nem andamentos.
-Só índios bravos selvagens
comandavam as regiões
as qualidades dos mesmos
eram de cinco milhões
divididos em várias tribos
quase trezentas nações.
As principais tribos eram
Tabajaras, Potiguares
Onde as terras inda não eram
Divididas em hectares
Eram todas devolutas
Sem terem donos nem lares.
A terceira raça era
A tribo dos Cariris
Os descendentes dos Cários
E a tribo dos Tupis
Que chamavam a Deus Tupã
Igualmente os Guaranis.
No sudeste do país
Ocupavam as grandes serras
Longe da orla marítima
Viviam naquelas terras
E contra a civilidade
Sempre promoviam guerras.
A região dos Tupis
No sul de Itaparica
No delta do Parnaíba
Terra fértil e muito rica
Abundante em cajueiros
Carnaúba e oiticica.
O grande Fernando Telles
Era um governador
Possuía grande frota
Ao seu inteiro dispor
Eram oito caravelas
Cada qual de mais valor.
-Então o Fernando Telles
Com sua intuição
Requereu de El-Rei
Uma certa doação
Pra d’uma ilha distante
Fazer sua exploração.
-Instruiu a petição
com minucioso mapa
daquelas sete cidades
que naquela mesma etapa
visitou pessoalmente
conforme ver-se na capa.
Entrou também na história
O Joaquim Coriolano
Junto a José Luiz Alves
Sem empenharam sem engano
E Bruno Alvas da Costa
Todos pensavam um só plano.
Estes se encarregaram
Em fazer demarcações
Das partes mais importantes
Que faziam ligações
E o rio Acaraú
Ficou sendo as divisões.
Entre os grandes Estados
Ceará e Maranhão
No vale do Parnaíba
Aonde viviam então
Os tupis e potiguares
Ocupando a região.
-Grande várzea em extensão
até o rio Acaraú
ao leste do Estado
lá viviam o índio nu
colhendo frutas indígenas
pequi, mangaba e umbu.
Então quando viajou
Pedro Alvares Cabral
Já vinha orientado
Pelo rei de Portugal
Para usar as calmarias
Pela costa ocidental.
-assim em duas etapas
foi descoberto o Brasil
primeiro Fernando Telles
navegador varonil
segundo Pedro Cabral
nos trouxe prazeres mil.
Primeiro Fernando Telles
Afirmamos com certeza
Achou as 7 cidades
N’uma terra de grandeza
Que foi mantido em segredo
Pela corte portuguesa.
O grande rio Parnaíba
Nascia duma lagoa
Chamada Upá-Açu
Duma água fina e boa
Aonde o povo habitante
Navegava de canoa.
Hoje é o grande açude
Por nome de Sobradinho
Cujo açude é uma fonte
Para o povo vizinho
Abundante e favorável
Para quem mora pertinho.
…O Jaguaribe e Piranha
da mesma também nasciam
e na mesma vice-versa
diversos rios caíam
formando uma delta gigante
rios entravam e saiam.
O rio Acaraú
Nasce de uma catarata
Numa grandiosa serra
Sua água é cor de prata
Dum lago subterrâneo
No centro da grande mata.
Assim ficou na história
Como marco oficial
Nosso Brasil descoberto
Por Pedro Álvares Cabral
Em abril de 1500
Data histórica universal.
…Mas afirma Schwennhagen
que a história real
vem do arquivo exclusivo
do Tombo de Portugal
na repartição das ilhas
é esta a prova legal.
E em mil e novecentos
E vinte dois com razão
No dia do centenário
Houve a comemoração
Do Brasil independente
Ficando livre a nação.
Na Serra Ibiapaba
No nordeste do Estado
Junto a cidade Morrinhos
Um estrangeiro chamado
Afonso Estreito, ficou
Ali naturalizado.
Devemos grande homenagem
A esse nobre senhor
Que foi oficialmente
O primeiro agricultor
Da nossa terra Brasil
Como colonizador.
Pois foi ali no estreito
Sobre as encostas do rio
Chamado de Mucuripe
Onde seu clima é sadio
Que se fundou a província
Terra do índio bravio.
Na serra de Ibiapaba
Houve como integração
Apoio daquele chefes
Donos dessa região
Igual Jerônimo Albuquerque
Governo do Maranhão.
E em mil setecentos
E dezoito, Ibiapaba
Conhece oficialmente
O chefe daquela taba
O governador dos índios
O grande Morubixaba.
Nessa época os Potiguares
Com objetivo pleno
Em nome do povoado
Que fundaram em seu terreno
Prestaram ajuda ao guerreiro
Martim Soares Moreno.
Para evitar desembarque
Dos inimigos Franceses
Nosso nobre Afonso Estreito
Instrutor dos camponeses
Em vigilância aguardava
Invasão dos holandeses.
-Ao mesmo tempo esperava
Sem temer nenhum perigo
O grande Fernando Ulmo
Seu velho sócio e amigo
Genro de Fernando Telles
E seu sucessor antigo.
Entre as afirmações
Deste trabalho tão fino
Dolorido assinado
Pelo herói nordestino
Francisco Onofre da Ponte
Que compõe seu belo hino.
…E Maestro arranjador
compositor e artista
internacionalmente
conhecido folclorista
professor da nossa música
popular, nacionalista.
…Este é filho natural
da cidade de Morrinhos
Estado do Ceará
Onde seus pais com carinhos
O ensinaram a trilhar
Os mais brilhantes caminhos.
Belas terras cearenses
Que ilustra o meu poema
Onde só se conhecia
O amargo da jurema
E as florestas selvagens
Do índio e da tangapema.
Pois em mil e novecentos
E cinqüenta e oito nasceu
A cidade de Morrinhos
Com todo prestígio seu
Depois que o desbravador
Daquela prole morreu.
-Por isso pode chamar-se
uma cidade Menina
com as glórias primitivas
que a tradição determina
permitindo a sua planta
na região nordestina.
…Antigamente era um sítio
abrigo dos camponeses
para colonizadores
fenícios e portugueses
onde hoje é terra culta
para criação de rezes.
Mostramos também o hino
Com letra e música grã-fina
Do maestro filho nato
Da região nordestina
Onofre homenageado
Sua cidade Menina.
Aqui prezados leitores
Acabo de descrever
Levando este romance
Verá que tem mais prazer
Estes que moram em Morrinhos
Sabendo bem se have
Para muitas gerações
Michael Jackson brilhou,
Com canções maravilhosas
Que a todo mundo encantou
E no dia que partiu
O mundo todo chorou.
Sua carreira baixou
Porque ele cometeu
Alguns deslizes na vida
E o mundo todo sofreu
Mas com a sua magia
Aos poucos se reergueu
Eu sei que Michael morreu
Como um facho de luz
Mas quando chegou ao céu
Usando um lindo capuz
Perguntou logo a São Pedro:
Cadê Menino Jesus?
São Pedro pegou a cruz
E começou a falar
Antes de entrar no céu
Procure se ajoelhar
Pois pra falar com Jesus
Você precisa rezar
E Michael sem reclamar
Fez algumas orações
Depois perguntou ao Santo
Se ali tinha Mansões,
Uma sala com Cinema
E Parque de Diversões
Michael queria Galpões,
Para poder abrigar
Animais raros, exóticos
Do seu Zoo particular,
Jardins e Quadra de Tênis
Pois gostava de jogar
Ele queria encontrar
Uma Estação de Trem
Muitas Passagens Secretas
E um grande Lago também,
Tudo na maior luxúria
Pois isso Neverland tem
Sempre foi gente do bem
Porém a sua alegria
Era viver só de luxo
Cercado de mordomia
Por isso fez Neverland
“A Ilha da Fantasia”
As coisas que ele pedia
Pareciam esquisitas
E São Pedro respondeu:
Aqui tem coisas bonitas,
Só não existem crianças
Para lhe fazer visitas
Com essas palavras ditas
Michael logo entristeceu
E esperando Jesus
Que lá não apareceu,
Perguntou para São Pedro:
Cadê o Menino, meu?
São Pedro logo entendeu
Que Michael não entendia
Que o Menino Jesus
Ali já não existia
Pois o pequeno menino,
É um homem hoje em dia
Michael naquela agonia
Não parava de rezar
E São Pedro admirado
Escutou ele falar:
Se aqui não tem menino,
Então me deixe voltar!
Aqui é o seu lugar,
São Pedro foi lhe dizendo,
E trate de ficar calmo,
Reze mais, vá se benzendo
Porque Jesus chega já
Mas não quer vê–lo tremendo
Do jeito que estou vendo
Por ser astro popular,
Você não quer ouvir reza
Nem veio se confessar
Quer cantar uma canção
Pra dançar e rebolar
Mas quero lhe avisar
Que agora, daqui pra frente,
Você vai ter que levar
Uma vida diferente
Pois seu reinado acabou
É bom que fique ciente
Se você antigamente
Dançava se requebrando,
Fazia muito sucesso
Dançando bem e cantando
Aqui só fará sucesso
Ficando calmo e rezando
Nisso Jesus foi entrando
De maneira disfarçada
Era um homem moreno
Da pele bem bronzeada
E Michael não percebeu
Por isso não falou nada
Como num conto de fada
Jesus se aproximou
Olhou para Michael Jackson,
E a Pedro perguntou:
Mas não foi um homem negro
Que há pouco tempo chegou?
Nisso Michael se sentou
E começou a falar,
Se o Senhor é Jesus
Eu quero lhe explicar
Eu sou um artista negro
E também sou “Pop Star”
Jesus sem pestanejar
Disse eu vou lhe ser franco
Quando boto cor no homem
O resto da tinta eu tranco,
Se você é homem negro
Como é que morreu branco?
Às vezes até destranco
Mas se houver precisão
E com você não me lembro
De dar essa permissão
Mas se você ficou branco,
Dê-me uma explicação!
Michael Jackson, então
Disse: fiquei a perigo,
Por favor, Jesus entenda,
O que ocorreu comigo
Minha pele foi mesclada
Por causa do vitiligo.
Eu não vou lhe dar castigo
E poço dar-te o perdão
Porque já sei o motivo
Dessa Luva em sua mão
Só quero que você prove
Que tem um bom coração
Minha preocupação,
Deixa uma esperança
Quero que você me diga
“Homem do canto e da dança”
Por que é que você tem
Tanta atração por criança?
Essa é uma cobrança
Que o mundo todo me faz
E eu já sofro com isso
Desde que era rapaz
Mas só durmo com criança
Para me sentir em paz
Eu não sou um “Barrabás”
Como muita gente diz
E com todas as canções
Que na minha vida fiz
Lutei e fiz o que pude
Pra ver o mundo feliz
Por tudo que você diz
Sei que fala a verdade
Porque que eu sendo Jesus
Conheço a sua bondade
Pois eu apenas queria
Ver sua sinceridade
Eu sei a capacidade
E o talento que tens
Por isso agora te dou
Perdão, e meus parabéns
Pois antes de vir a mim
Repartistes os teus bens
Agora aqui obténs
A vida em plenitude
Sem a preocupação
De tratar tua saúde
Porque eu sei que em vida
Foste bom pra juventude
Com essa tua virtude
Sei que és fenomenal
E enorme influência
Para a arte musical
Por isso o mundo te deu
Atenção especial
Com esse teu bom astral
Michael Jackson te digo
Sê bem vindo a esta Casa
E podes contar comigo
Venha me dar um abraço
Meu velho e querido amigo
Lá na terra teu jazigo
Será muito visitado
Em função da tua fama
Serás sempre comentado
Teu Espírito imortal,
Aqui está preservado.
Recife, 08 de julho de 20
(COM AGRADECIMENTOS A PEDRO FERNANDO MALTA, PELO ENVIO)
Agora que eu andei
pelas florestas do além
penetrei no inconsciente
íntimo que cada um tem,
sinto-me autorizado
para escrever o que vem.
Fui aos céus pra ver Jesus
e no inferno eu vi Caifaz;
nestes cantos eu tive a luz
que na terra ninguém faz,
meus pensamentos aqui pus
descrevendo uma luta assaz.
Presenciei por sete tempos
a luta de um certo homem
na mais cruenta das lutas
com o mais cruel lobisomem;
lá nesta peleja eu vi
miolo, coração, abdomem.
Numa encruzilhada que tem
cortando certa avenida
fazendo ponto estratégico
com o segredo da vida
bem na boca das cobras
para lá fui em seguida.
Não conduzia arma de fogo’
nem pau, peixeira ou foice
mas, tive coragem bastante
de olhar seja o que fosse
pois um barulho daquele
era pra guerra e danou-se.
Aproximei-me com cuidado
pra não entrar numa fria…
foi quando eu percebi
a vida e a agonia
a luta de um certo homem
com uma fera vã e baldia.
A sete metros fiquei
para melhor distinguir
os clarões das peixeiradas
os gemidos e o grunhir
as pancadas e os fungados
do homem e fera ao cair.
Não sei dos dois o valente
em cada um, mais ação
nunca vi tanta destreza
tanta ligeireza na mão
nunca vi dar tanto pulo
nem cair tanto no chão.
O homem tinha uma faca
a fera tinha os seus dentes
mãos cabeludas com garras
pelos horríveis, pendentes
e de cada gemido do bicho
saíam águas ardentes!
Era um bafo tão medonho
que da boca dele saía
muriçoca e qualquer inseto
depressinha morria
e se o cabra fosse fraco
ali mesmo caía.
O homem levantava a faca
o bicho se agachava
com um pulo de banda
de revestrez avançava
o homem como um felino
pulando de costa ele dava.
A faca trincava nos dentes
do lobisomem horrendo
os coices que o tipo dava
deixava o piso tremendo
mas o homem era ligeiro
com a peixeira ia tecendo.
O lobisomem tinha um aspecto
de um homem e dum guaxinim
era feio e fedorento
andava em pé e assim
como andava os outros bichos
que roem e comem capim.
O lobisomem falava
quando dava um golpe bom
com uma voz seca e fanhosa
com a boca cor de batom
os olhos verdes de fogo
como as águas lá do Leblon.
Era feio que a feiura
chamava a máxima atenção
para os detalhes que tinha
nas garras de gavião
as mãos como de homem
e os pés chatos no chão.
O que mais admirei
foi no poder que ele tinha
de mudar diversas cores
quando o homem mantinha
a superioridade
nesta luta sem linha.
O lobisomem também
dava tapa de lutador
dava golpes de caratê
querendo ser o senhor
mas o homem lhe respondia
como nenhum domador.
Era uma luta sem igual
nunca vi disposição
um homem, só, com uma faca
dar estouros como o trovão
nem ser humano aguentar
por tanto aquele rojão.
Nos ombros daquele bicho
tinham espinhos afiados
como os espinhos de jurema
maiores, verdes e dobrados
e brilhavam como relâmpagos
cortando os verdes dos prados.
Das orelhas de morcego
saía fumaça amarela
que gemia como prantos
de gentes em sentinela
as ventas, roxas e truncadas
como as abas duma gamela.
O homem dizia assim
destemido, sem arremedo:
bicho feio e ruim
a mim tu não metes medo
desapareces se não
amarro-te neste arvoredo!
Prendo-te aqui e amanhã
vou te mostrar na cidade
que lobisomem pra mim
não passa de veleidade
e sentou a faca no bicho
que quase arranca a metade.
Eu quero hoje descobrir
se é verdade ou boato
arranco tua língua, maldito
e com ela tiro o retraio
vou mostrar para a gente
toda a história de fato.
Neste momento eu notei
um sangue grosso correndo
já molhava os meus sapatos
que o barro ia embebendo;
e em qualquer folga que tinha
a terá o sangue bebendo.
Quando o sangue ele bebia
recobrava todo o vigor
e o homem que aquilo via
ficava pálido de horror
mas a peleja travava
com ânimo brusco e calor.
E da fumaça que surgia
rasteira, leve, dos dois
uma voz me descrevia
aquela cena pois, pois
do homem com o lobisomem
é o que acontece com nós…
O lobisomem é uma face
que se desconhece no homem
são os frutos da maldade
que os povos todos consomem
cada homem tem em si
de homem e de lobisomem.
Um lobisomem oculto
todo homem tem guardado
quem não vencer a maldade
está com o espírito mofado
esta luta é muito antiga
não fique decepcionado.
O lobisomem é o orgulho
é a gula, é a injustiça
é a felicidade oculta
que o vizinho cobiça;
é a falta de caridade
dos que vão e rezam a missa.
Todo ser humano tem
um limite no pecar
pode ser uma falta grande
que Jesus vem perdoar
mas quando foge da linha
por si mesmo vai pagar.
Existe um dito antigo
que ficou nesta cachola
o medo é de quem o faz
aprendi bem; rapazola
quem planta o mal meu rapaz
paga o mesmo na bitola.
Quem não respeita os outros
e despreza uma criancinha
quem não dá aos necessitados
e vive fora da linha
é lobisomem em folha
só falta a viradinha.
Ninguém se engane portanto
com a verdade da fé
de homem que é lobisomem
o mundo está cheio, pois é
a injustiça sem caridade
é seu diploma de pé.
Enquanto a fumaça falava
eu atento a ouvia
mas a contenda travava
com a maior rebeldia
o rasgo da faca do homem
nos dentes do bicho rangia.
Os pés do bicho, achatados
davam patadas de foice;
ó que se pegasse no homem
tinham o impacto dum coice
eu nunca vi ligeireza
que não livrasse o que fosse.
Às vezes saía fogo
das pedras da rodovia
quando a garra afiada
do lobisomem zunia
e o homem mais espritado
gritava: Virgem Maria!
A cor do couro do bicho
tinha um vermelho de prata
na altura das canelas
um amarelo de afavaca
das costas resplandecia
um arco-íris de naca.
O lobisomem, a certa altura
disse assim enraivecido:
com esta faca tu não me vences
tu pra mim és o vencido
já noto o teu braço esquerdo
de cansaço amortecido.
Entregues logo teus pontos
que te quero, ó meu irmão
o meu prato predileto
é o fígado e o coração
o resto deixo na estrada
prós urubus do sertão.
— Eu sou quem vou te pegar
e amarrar, não tenho medo
meto-te a faca na nuca
e deixo-te comendo bredo
pois daqui pró sol nascer
amarro-te naquele arvoredo.
Agora vais me dizer
disse o homem destemido
porque viras lobisomem
isto é máscara ou é vestido
tu pareces um palhaço
de mulher sem ter marido.
Se quiseres meter medo
arranje outra cara agora
pra que esta fumaceira
antes de se ver a aurora
lobisomem para mim
é boa noite e vá embora.
O lobisomem quis chorar
porque viu que não vencia
aquele homem tão valente
que há tempo ele não via
e da briga se lastimou
que de longe se ouvia.
Não vou ser mais lobisomem
encontrei um homem assim
eu pensei que este era
ladrão, infame e ruim
mas a bondade no mundo
põe a maldade no fim.
E falando desse jeito
quis pegá-lo pelo meio:
mas dum pulo foi desfeito
a malícia e o arrodeio
com uma facada no toitiço
fez o monstro fazer feio.
O homem deu uma risada
e disse: toma seu peste
lobisomem assim chorando
está perdido no agreste
cabra feio e duvidoso
por ele não há quem ateste.
O lobisomem já em prantos
foi dizendo: valha-me Deus
este homem é valente
não quero castigos seus
como escapulir daqui
são os problemas meus.
Tu não vais escapulir
porque vou te amarrar
amanhã toda a cidade
vai todinha admirar
este feio aspecto teu
muito tempo vai guardar.
O povo guardando imagem
dessa tua estatura
talvez se arrependa
e não caia na desventura
de ser também lobisomem
com esta horrenda figura.
Lobisomem é uma lenda
mas que se torna verdade
quem não sabe, aprenda
criança, velho e abade
lobisomem é o conflito
do amor e da maldade!
Lobisomem tem cada um
guardado no coração
as vezes muito escondido
que não enxerga a visão
para nas noites de lua
sair virado no cão.
Quando o homem é bondoso
e traz no peito a justiça
o amor vence o maldoso
vence o mal e a cobiça
e lobisomem, num desses
não vinga nem com malícia.
Cada um faça por si
pra não virar lobisomem
pois quem virar neste bicho
nunca mais é o mesmo homem
inda mais fica com um cheiro
que os urubus não consomem.
Eu já ia esquecendo
da contenda sem rival
do homem com o lobisomem
majestoso e teatral
nunca vi coisa mais feia
nem ardor descomunal.
Do chão saíam faíscas
subindo fumaça e pó
de cada rasgo da faca
rangia como uma mó
de cada baque que dava
enterrava o mocotó.
O lobisomem pulava
o homem pulava também
o chão estremecia
como se passasse um trem
e a faca dele corria
e eu dizia: amém.
Era noite, mas eu via
porque havia um clarão
a lua brilhava muito
que se via no chão
uma agulha ou alfinete
ou um caroço de algodão.
O lobisomem se enraivecia
porque não podia acertar
naquele homem valente
difícil de entregar…
e com golpes desconhecidos
para ele foi atacar.
Eu notei que o lobisomem
lançava vômitos de fogo
o homem se defendia
depressa, sem fazer rogo
e a estória dessa luta
em versos, quis fazer logo.
A força que o homem tinha
não vencia o lobisomem
e a destreza do monstro
não desbancava o homem
e sendo da bondade dele
minhas palavras se tomem.
Finalmente o bicho quis
num esforço descomunal
pegar o homem de jeito
e para ele foi o fatal
o homem acertou-lhe bem
no peito com o seu punhal.
A faca entrou de cheio
do lado do coração
o lobisomem gritou:
acode, meu guardião!
e sete raposas chocas
saíram dum furacão.
Quando o homem viu aquilo
lembrou-se do seu rosário
que estava dentro do bolso
e mostrou ao perdulário
o rosário de Maria
e a Santa Cruz do Calvário.
Nisso deu-se um estrondo
abalando légua e meia
o lobisomem e os felinos
desapareceram na peia
fazendo ponto final
daquela briga tão feia.
Se quiser não acredite
nesta estória aqui contada
mas são coisas que acontecem
na psicologia da estrada
no caminho do saber
onde o burro não ver nada
Foi no ano de 40
Que Padre Henrique nasceu
E a 28 de outubro
Para o mundo apareceu
Paulo José Barros Filho
Descreveu com muito brilho
Como foi que ele viveu
Seu nascimento se deu
Na Veneza Brasileira
Com o nome do avô
Antonio Henrique Pereira
Foi menino genial
E lutando contra o mal
Construiu sua carreira
Sua infância foi ordeira
Sem querer religião
Mas ainda quando jovem
Já chamava a atenção
E quando fez 15 anos
Ele então mudou seus planos
Causando admiração
Fez primeira comunhão
E entrou pro Seminário
Decidindo que iria
Tornar-se um Celibatário
Sendo muito inteligente
Daquela data pra frente
Começou o seu Calvário
Foi da Igreja operário
Com bonitas pregações
E juntando pais e filhos
Nas suas reuniões
Se tornou admirado
Tendo como resultado
Aproximar gerações
Por essas suas ações
Uma bolsa ele ganhou
E pros Estados Unidos
A Igreja lhe indicou
No entanto um capelão
Agiu com perseguição
E quase lhe atrapalhou
Mas Henrique viajou
Cumprindo a sua missão
E nos Estados Unidos
Fez especialização
Foi muito discriminado
Mas estando preparado
Voltou pra nossa Nação
Após sua ordenação
Começou a renovar
Procurou quebrar conceitos
Da Igreja secular
E a maior inovação
Foi fazer celebração
Sem cobrar pra celebrar
E também pra batizar
Dinheiro não recebia
Se lhe pediam ajuda
O que tinha dividia
Pois era muito envolvente
E agradava a toda gente
Com a sua simpatia
Por tudo que ele fazia
Ganhou fama nacional
Sendo Padre de destaque
No trabalho Pastoral
Das coisas que defendia
Respeito à cidadania
Foi seu maior ideal
Vendo seu potencial
Dom Helder lhe convidou
Para ser seu Secretário
Assim que se ordenou
Com a sua inteligência
Trabalhou com competência
E aos seus fiéis agradou
Sempre se preocupou
Com a classe estudantil
E durante o sacerdócio
Não mudou o seu perfil
Com essa sua postura
Discutia a conjuntura
Dos problemas do Brasil
Porém o Governo hostil
Implantado na Nação
Proibia qualquer tipo
De conscientização
Henrique não recuou
E assim continuou
Na evangelização
A Igreja até então
Se mostrava dividida
E a classe universitária
Era sempre reprimida
Pelo Governo opressor
Que praticava o terror
Sem nenhum respeito à vida
Dom Hélder por sua lida
Começou a incomodar
Mas pela sua importância
O Governo Militar
Usava de sabotagem
Porém não tinha coragem
De mandar lhe assassinar
Então para se vingar
O Governo Ditador
Perseguiu o Padre Henrique
Que passou dias de horror
Pois constantemente lia
As cartas que recebia
Com tom ameaçador
Todo esse ódio e rancor
Que no Governo existia
Não era pra defender
A nossa soberania
Era só pra nos roubar
Mas pro Golpe Militar
Isso era ideologia
Criaram a guerra fria
Praticando todo o mal
Só para fortalecer
Os donos do capital
Tanto da nossa Nação
Quanto da maior porção
Que era internacional
A repressão foi brutal
E fez o povo sofrer
Não se podia falar
De quem tava no poder
E o povo sendo explorado
Tinha que ficar calado
Se não quisesse morrer
Ao invés de nos proteger
A Polícia Militar,
O Exército e a Civil,
Serviam pra torturar
Já as famílias sofrendo
Foram seus entes perdendo
Sem poder nem enterrar
Sem aceitar se calar
Os jovens contestadores
Que fossem padres, políticos
Estudantes, professores
De vez em quando sumiam
E os governantes fingiam
Não serem os torturadores
Pensando nesses horrores
Que vivemos na Nação
A Igreja usou um lema
Pregado em cada sermão
“Que a maior prova de amor
É a de um leigo ou pastor
Dar a vida pelo irmão”
E a Igreja usava então
Com muita prioridade
Esse lema pra Campanha
Em prol da Fraternidade
Mas não imaginaria
Que o Padre Henrique seria
Refém da perversidade
Saindo sem ter maldade
Pra última reunião
Henrique ouviu uma moça
Pedindo orientação
Ela veio com malícia
Mandada pela Polícia
Pra lhe fazer traição
Sequestrado pela mão
Do Governo linha dura
O Padre Henrique virou
Um Mártir da Ditadura
Pois ele foi arrastado
Enforcado e assassinado
Com bala, faca e tortura
Numa manhã obscura
Em uma estrada precária
Da nossa tão importante
Cidade Universitária
Seu corpo foi encontrado
Pois foi lá que foi jogado
Da forma mais arbitrária
A Polícia sanguinária
No ano sessenta e nove
Cometeu a atrocidade
Que até hoje nos comove
O matou barbaramente
E não há inconsequente
Que esse ato não reprove
Mas existe quem aprove
Os atos da Ditadura
Que em 27 de Maio
Na maior descompostura
Tentou abafar o fato
Dizendo que era boato
Que existia tortura
Sem a menor compostura
O caso foi apurado
E nenhum dos assassinos
Do Padre foi condenado
Henrique tombou sem sorte
Mas esse “esquadrão da morte”
Teve o processo arquivado
Com o Padre assassinado
O Governo que o matou
Achando pouco o que fez
E o crime que praticou
Tentou desmoralizá-lo
Querendo caluniá-lo
Porém isso não vingou
Muito tempo já passou
Da farsa que foi montada
É bom que a Justiça lembre
Que a vida que foi ceifada
Era de um Mestre e Pastor
Que só pregava o amor
Querendo a paz e mais nada.
Recife, 28 de outubro de 2009
Terra do bumba meu boi
Tradição dos ancestrais
Onde guará é vermelho
E outros lindos animais
De um verde encantador
Dos ricos carnaubais
Mês de junho no maranhão
As ruas viram calçadas
Os turistas se deleitam
Com as praças enfeitadas
E festas animadíssimas
Até altas madrugadas
Tudo isso em louvor
A São Pedro e São João
Santo Antônio e São Marçal
São os santos de tradição
Dessa forma assim começa
A festa do Maranhão
As mais autênticas brincadeiras
Quadrilha que não é pouco
Lelê e tambor de crioula
Cacuriá coisa de louco
Encanta toda plateia
A linda dança do coco
Quem criou todas elas
Não posso afirmar quem foi
Se é fã de algumas delas
Eu peço que me perdoe
Porque dela a que mais gosto
Pois é o Bumba meu Boi.
Porém uma certa vez
Viajei pro Maranhão
Conheci lá uma pessoa
De um meigo coração
Perguntei se ela não tinha
Livros velhos da região.
Índia, uma das componentes importantes
Ela disse por exemplo
Eu respondi no momento
É sobre Bumba meu Boi
Sem haver constrangimento
Por acaso adquirir
Tem meu agradecimento
A mulher disse eu tenho
Uma boa coleção
Vou dar tudo de presente
Não cobrarei um tostão
Só porque você gosta
Das coisas do Maranhão
O nome dessa mulher
Chama Dona Vitória
De acordo com o que li
E o que tenho na memória
Vou descrever o caminho
E o roteiro da história.
Era um casal de negros
Que morava na fazenda
Simplesmente moradores
De barraca ou de tenda
E sua esposa lhe pediu
Uma difícil encomenda.
Pois o casal de escravos
Vivia na triste sina
Trabalhando de sol a sol
Como o patrão determina
Mas vivia satisfeito
Seu Francisco e Catarina.
A mulher estava grávida
O filho próximo a nascer
Desejou imediato
A língua do boi comer
Exigiu que Chico trouxesse
Antes do dia amanhecer
Seu Francisco encabulado
Sem ter outra solução
Nunca lhe foi na memória
De um dia ser patrão
Furtou o touro mais lindo
Do seu querido patrão.
O fazendeiro ao chegar
Viu o gado num só brilho
As galinhas no terreiro
Cantando e comendo milho
Só estava ali faltando
O seu querido novilho.
O patrão disse vão todos
Vê se uma cobra mordeu
Revire toda fazenda
Vejam o que aconteceu
Só retorne com a notícia
Se o novilho apareceu.
Bem antes do meio dia
Chega um vaqueiro sem ar
Disse olha meu patrão
É muito triste o seu penar
Eu achei seu novilho
Tenha calma vou contar.
Quando eu encontrei o boi
Estava no mato sozinho
Achei perto da braúna
Afastado no caminho
Levaram a língua do boi
Ficou o resto todinho.
O fazendeiro cara dura
Não dava uma risada
Deu ordem a seus capangas
Pra dar uma averiguada
E descubro com urgência
O autor da presepada.
Após grande investigação
Só teve Chico culpado
Foram prender seu Francisco
Mas ao ser localizado
Nega o fato acontecido
Daquele crime passado.
Chico foge do seu patrão
Se embrenha no matagal
Mas o fazendeiro quer
Saber porém afinal
Por qual motivo Chico
Fez aquilo com animal.
Grande tribo de índios
Formada pelo patrão
Para procurar Francisco
Nas matas do Maranhão
Os indígenas sabem bem
Como a palma de sua mão.
Sem ver dificuldade
Logo logo foi encontrado
Preso pelos indígenas
Pai Francisco desarmado
Conduzido ao seu patrão
Após ser localizado.
Ao chegar na fazenda
Nega todo envolvimento
Vem aí o interrogatório
Tristonho e violento
Após uma grande tortura
Ele deu o depoimento.
Querido nobre patrão
Que minha pena lhe faz
Eu furtei da sua fazenda
O boi que gostava mais
A mulher estava grávida
E tirou a minha paz.
Pediu a língua de um boi
Pra arrumar em qualquer canto
Quando ela falou isso
Eu tive o maior espanto
Pedi perdão a Deus
E me valei de todo santo.
Meu consciente falando
Talvez você se arrependa
Só pensava no meu filho
E na difícil encomenda
Fiz todo crime sozinho
Afastado da fazenda.
O patrão disse eu vou ver
Se o seu santo é muito forte
Vamos ver qual de nós dois
Quem é que tem mais sorte
Se o boi ressuscitar
Escapa da pena de morte.
Primeiro foi os doutores
Com sua alta formatura
Foi feito todo possível
Mas o boi não teve cura
Chico tristonho dava
Um passo pra sepultura.
Um índio disse patrão
Nunca perca sua fé
Vá na tribo do Cazumba
E procure nosso Pajé
Só ele é quem sabe como
Deixa o seu boi em pé.
O fazendeiro mandou
Um vaqueiro dar o recado
Falasse para o Pajé
Que viesse aqui vexado
Dar vida a seu novilho
Com o seu poder sagrado.
O Pajé de imediato
Desembrenhou no matagal
Ao chegar na fazenda
Fez aquele ritual
Finalmente conseguiu
Ressuscitar o animal.
Isso sim que é preservar
A cultura da região
O Bumba Meu Boi é
Maior festa de tradição
Essas e muitas outras
No estado do Maranhão.
(João Peron de Lima, nascido em Recife aos 14 de agosto de 1985. Contatos: Rua São João, 219 – Distrito de Anjinhos, Santa do Cariri/CE. CEP 63190-000 – Fone: (88) 3545-0006).
"
Quem não leu ainda, leia
a mais acirrada e preta
peleja que já se viu
em cima deste planeta
a luta de Oscar Alho
e Francisco Malagueta.
Malagueta era filho
de João Antônio Barbalho
nunca violeiro algum
lhe deu o menor trabalho
assim queria encontrar-se
com o famoso Oscar Alho.
Cantava o velho Oscar Alho
alegre e descontraído
quando avistou Malagueta
mas na distração lhe fez
este convite atrevido
Francisco Malagueta
Meu Oscar Alho não pense
numa só palavra tola
senão você não dará
alimento à sua rola
e até o dono da casa
lhe chamará de baitola.
Oscar Alho
Trocar alho por cebola
é trocar leite por creme
o dono da casa acha
que hoje aqui ninguém treme
portanto pede que nós
cantemos na letra eme.
Francisco Malagueta
Você hoje chora e geme
pede ajuda a satanás
cantando na letra M
nome comigo não faz
querendo siga na frente
que eu enrabicho atrás.
Oscar Alho
Manoel, Maria, machado
macaúba, mulungu
maxixe, mandacaru,
milho, melancia, melado,
mulo, Melo, malcriado,
mingau, manteiga, melão,
mulato, milho, mamão,
maledicente, minhoca,
macambira, mandioca,
mostarda, manjericão.
Francisco Malagueta
Martirizado, mococa,
milagre, mão, maisena,
macaco, mutamba, mena,
manga, matutino, moca,
Miguel, madame, maloca,
moribundo, maquinista,
malfadado, motorista,
martelo, meu, mobilete,
Marcelo, metido, mete,
macacão, mudo, modista,
Oscar Alho
Marco, mercador, mercado,
março, mês muito melhor,
Márcio, marcante, maior,
malagueta, moderado,
meu mote metrificado,
minha má mercadoria,
modestinha moradia,
manjerioba, martelo,
Mauro, mourão, miro, melo,
munguba, mercearia.
Francisco Malagueta
Muito mais, meia, metade,
marcada, média, milhão,
muda, mala, matulão,
margarida, mocidade,
mosteiro, maternidade,
meta, multiplicador,
mestre moralizador
Mara, Maria Madalena
Maurícia, Marta, morena
mundo, mundial, motor.
Oscar Alho
Mido, Macau, Mossoró,
metediço, milharina,
mó, mineral, metal, mina,
medidor, metro, mocé,
mais, macarrão, mocotó,
Moreira, Marli, mansão,
materialização
materializador
mero mistificador,
maior modernização.
Francisco Malagueta
Mariposa, marmelada,
mudubim, manancial,
mangaba, municipal,
mila, manteiga, melada
macabau, macarronada,
Minelvina, má, mineira,
metralhadora, metreiro,
momento, monte, monteiro,
manjedoura, macieira,
Oscar Alho
Mau, mandapulão murim,
mandi, macá, mariquita,
morte, madrasta, maldita,
maioral, menor, mirim,
mosca, morta, mucuim,
mosquitinho mordedor,
malfadado morador,
mutuca, maracujina,
menina magra, mofina,
moço moralizador.
Francisco Malagueta
Magricelo, marinheiro,
manejando, mastro, mar,
matadouro, mal, matar,
malcriado, mandingueiro,
mungubeira, marmaleiro,
moita, mufumbo, mangueira,
miolo, mole, moleira,
macacheira, mulungu,
madureira, mucumbu,
madona, macurureira.
Oscar Alho
Macacoa, maculado,
mil, marapendis, munheca,
maçonaria, muqueca,
maçarico, macerado,
maçaroca, machucado,
macambira, macau,
macilento, macaréu,
macambúzio, moscatel,
moçambique, munduru.
Francisco Malagueta
Matreiro, maturidade,
mangaratiba, maré,
mandacaru, Macaé,
mutação, moralidade,
modéstia, morosidade,
Montreal, meditação,
mancebo, masturbação,
malevolente, mocambo,
maledicente, mulambo,
mortandade, maldição.
Oscar Alho
Macro, Maximiliano,
malta, meridional,
mordomo, material,
maranhense, marciano,
martinica, mariano,
Marlene, matsubara,
motorneiro, mila, mara
Maradona, maracá,
mundugu, maracajá,
muçambê, moagiara.
Francisco Malagueta
Mui, meteorologia,
maltratado, maltrapilho,
maquiavelismo, milho,
mourisco, mitologia,
marca, musicologia,
mica, masculinidade,
mido, monstruosidade,
mártir, materialismo,
Martiniano, mutismo,
Max, marginalidade.
Oscar Alho
Malevolência, mundana,
motorizado, malvina,
monge, montepio, mina,
muruqui, miragem, mana,
mágua, manágua, marana,
mentiroso, magnata,
magnitude, mamata,
minelvino, monetário,
morena, magra, mulata.
Meu amigo Malagueta
Não posso cantar assim
É tanto M que chego
Até tropeçar em mim
O meu estoque de emes
Já está chegando ao fim.
Francisco Malagueta
Meu Oscar Alho é ruim
Falar numa letra só
A última vez que cantei
Com o velho saudoso Mó
Ele terminou, coitado
Morrendo em meu mocotó,
De você não tive dó
Não preciso que lhe mate
Eu sendo grande poeta,
Você sendo grande vate
Não há vencedor na sala
Vamos brindar o empate.
Cachorro não canta, late
Mas eu vi a coisa preta
Não me meto com você
Você também não se meta
E aceite um forte abraço
Do amigo Malagueta.
COM AGRADECIMENTOS A ANTONIO ESTEVAM NEIVA, QUE ME ENVIU ESTA PRECIOSIDADE
A Justiça Eleitoral deu o recado
E devemos observar de fato
O passado de cada candidato
Para o povo não ser mais enganado
Eu não quero dar o meu voto errado
Mas aqui tá difícil de acertar
Em nenhum de nós pode confiar
Pois com eles o povo se enganou
Quem já foi um prefeito e não prestou
Não merece voltar pra governar
Este ano está triste a eleição
E por isso eu vou votar em branco
Só porque, meu amigo, pra ser franco
Pra prefeito não tenho opção
Nossa gente ficou sem solução
Para ver a cidade melhorar
Quatro anos a mais vai amargar
Aos desmandos de quem já governou
Quem já foi um prefeito e não prestou
Não merece voltar pra governar
Eu só voto para vereador
Pois pra isso nós temos opções
Muita gente disputa as eleições
Cada um nos mostrando seu valor
Seja homem, mulher ou o que for
Lá na Câmara tem que fiscalizar
Pois senão nosso povo vai penar
Com um prefeito que verbas desviou
Quem já foi um prefeito e não prestou
Não merece voltar pra governar
Hoje em dia a imprensa tem mostrado
E a CNBB já faz campanha
Pra que o povo não vote por barganha
Em político que tem nos enganado
“Ficha suja” não deve ser votado
Nem devia poder se registrar
Pois se teve uma conta irregular
Do dinheiro do povo abusou
Quem já foi um prefeito e não prestou
Não merece voltar pra governar
“Ficha suja” tem conta rejeitada
E processo por improbidade
Também tem por irregularidade
Mas se não foi julgado não tem nada
Considero uma coisa muito errada
“Ficha suja” poder se candidatar
E por isso não poderei votar
Em quem o Tribunal já reprovou
Quem já foi um prefeito e não prestou
Não merece voltar pra governar
Eu já disse uns quatro “veja bem”
Procurando escolher qual o melhor
Não dá nem pra saber quem é pior
Os defeitos de um, o outro tem
Decidi que não voto em ninguém
Pra mais tarde não ter que lamentar
Todos dois por aqui já vi passar
E do povo daqui nenhum cuidou
Quem já foi um prefeito e não prestou
Não merece voltar pra governar
Quem agora quer a reeleição
Quatro anos não quis saber do povo
Não vai mais nos dizer que é o novo
E é contra quem faz corrupção
No mandato só fez enganação
E procurou os impostos aumentar
No comércio local não quis comprar
Sem merenda e sem creche nos deixou
Quem já foi um prefeito e não prestou
Não merece voltar pra governar
Pacientes reclamam no momento
Que a Saúde está abandonada
Pois de bom por aqui não se fez nada
E o povo só tem constrangimento
Muita gente já diz: eu não aguento
Propagandas só pra nos tapear
O hospital não serviu pra internar
Pois dinheiro de lá se extraviou
Quem já foi um prefeito e não prestou
Não merece voltar pra governar
Quem deixou de lado a Educação
Com certeza não fez trabalho sério
E por isso recebeu do Ministério
Notas baixas na avaliação
Não cumpriu sequer a obrigação
Dos recursos que teria que aplicar
E o dinheiro para se capacitar
Veio um Mercadinho e embolsou
Quem já foi um prefeito e não prestou
Não merece voltar pra governar
Propaganda foi feita todo dia
Em jornais, rádios e carro de som
Pra dizer que o prefeito é muito bom
E o que vimos foi só demagogia
Porém eu que vivi o dia a dia
Tenho todo direito de falar
Porque sou cidadão deste lugar
E o dinheiro daqui sei quem levou
Quem já foi um prefeito e não prestou
Não merece voltar pra governar
Quem vivia incentivando invasões
Nunca fez de um terreno o pagamento
E até hoje ninguém tem documento
Dos terrenos que fizeram construções
Moradores só têm decepções
Pois fizeram suas casas pra morar
Porém nunca puderam escriturar
Porque quem foi prefeito não pagou
Quem já foi um prefeito e não prestou
Não merece voltar pra governar
Quando estava gerindo a prefeitura
Muitas vezes mudou-se o tesoureiro
Pois prefeito que é louco por dinheiro
Também joga os outros na loucura
Eu só sei que foi grande a aventura
Botar esse para administrar
E por isso o meu voto não vou dar
Porque sei o que foi que ele aprontou
Quem já foi um prefeito e não prestou
Não merece voltar pra governar
Na gestão parecia brincadeira
Todo dia que chegava o dinheiro
Pois ninguém descobria o paradeiro
Do prefeito com sua tesoureira
Tinha gente que saía na carreira
Procurando o gestor para cobrar
Ninguém sabe onde ia despachar
E com dinheiro do povo ele brincou
Quem já foi um prefeito e não prestou
Não merece voltar pra governar
Quem falou: não vou ter comissionado
Empregado para não fazer nada
Não passou de uma conversa fiada
Pois queria apenas ser votado
E o povo outra vez foi enganado
Porque foi nesta frase acreditar
Hoje ver receber sem trabalhar
Até gente que aqui nunca pisou
Quem já foi um prefeito e não prestou
Não merece voltar pra governar
Quem olhar para gestão atual
Ver a Praça Wanderley como está feia
E o total abandono da Cadeia
No passado nunca vimos nada igual
Ver também o Clube Municipal
Que faz pena até a gente olhar
E o prefeito ao invés de conservar
Teve tanto dinheiro e desprezou
Quem já foi um prefeito e não prestou
Não merece voltar pra governar
Hoje o povo se sente infeliz
Vendo a Praça São Cristóvão abandonada
A João Pereira que está toda quebrada
E o abandono da Nicanor Muniz
Mesmo assim ainda tem gente que diz
Que o prefeito é quem sabe trabalhar
Mas com isso não posso concordar
Porque sei o que foi que ele estragou
Quem já foi um prefeito e não prestou
Não merece voltar pra governar
Até hoje um prefeito não fez nada
Nas ruínas do Antigo Mercado
O local continua abandonado
E a cidade é quem fica envergonhada
Uma obra não foi arquitetada
Para o centro da cidade embelezar
E quem pede para administrar
Teve verbas e nunca se importou
Quem já foi um prefeito e não prestou
Não merece voltar pra governar
Lembro bem da administração
Que não tinha um médico na cidade
Quem chegava lá na maternidade
Terminava fazendo confusão
Pois não tinha ambulância de plantão
Nem remédios pra gente se curar
Só se ouvia o povo reclamar
A cidade parece que acabou
Quem já foi um prefeito e não prestou
Não merece voltar pra governar
Quatro anos na administração
Uma obra na cidade não se viu
Pois a única que aqui se construiu
Foi a Quadra de Esportes “O Paulão”
Mesmo assim não chegou a conclusão
Foi preciso um outro terminar
Pois o teto ameaçava desabar
E a verba ninguém sabe onde parou
Quem já foi um prefeito e não prestou
Não merece voltar pra governar
Há quem diga que o povo era ajudado
Mas eu via era o povo muito mal
Porque para ganhar só um real
Era mais de um dia humilhado
O mandato era todo bagunçado
E tinha gente demais para mandar
O prefeito não gostava de pagar
E ao povo somente enrolou
Quem já foi um prefeito e não prestou
Não merece voltar pra governar
Nós estamos sofrendo há muitos anos
Com prefeitos que não fazem quase nada
A cidade é mal administrada
E o povo sofrendo desenganos
Quem é jovem e vive a fazer planos
Para ver a cidade prosperar
No passado não viu nada mudar
E agora já viu que piorou
Quem já foi um prefeito e não prestou
Não merece voltar pra governar
Candidato que a muitos iludiu
Prometendo empregos na campanha
Quando chega a eleição e ele ganha
Se esquece daquilo que assumiu
Esta história muita gente já ouviu
E por isso não vai mais acreditar
Em quem hoje quer nos ludibriar
Pois se lembra do tempo que passou
Quem já foi um prefeito e não prestou
Não merece voltar pra governar
Tenho dito que a honestidade
Não é mais do que uma obrigação
Sinto muito, mas nessa eleição,
Nenhum deles tem esta qualidade
Sou mais um eleitor desta cidade
Que não tem candidato pra votar
Quem usou o poder só pra fraudar
Não me engana dizendo que mudou
Quem já foi um prefeito e não prestou
Não merece voltar pra governar
Nosso povo vai ser prejudicado
Elegendo um prefeito desse jeito
Pelo menos terei o meu direito
De dizer: não votei, não sou culpado
Não aceito dar o meu voto errado
Pois errar é votar pra se enganar
Qualquer um desses dois só quer ganhar
Pra tirar o que ainda não tirou
Quem já foi um prefeito e não prestou
Não merece voltar pra governar
Condado, agosto/2008
Essa história começou
Quando seu Joca nasceu
Mas sua mãe não pensou
No fruto que ela deu
Pois quando Joca nascia
Seu intuito já dizia
Que não ia ter emprego
Ia ser comerciante
E ter futuro brilhante
Na Venda de Joca Galego
No Engenho Gameleira
Da cidade de Itambé
Foi do peito à mamadeira
E aprendeu ficar de pé
Era criança travessa
E trazia na cabeça
Que só ia ter sossego
Quando pudesse fundar
O tão sonhado lugar
Da Venda de Joca Galego
Quando tinha sete anos
Viu sua mãe falecer
Aos doze com desenganos
Foi com um tio viver
Na Vila de Goianinha
Onde fazia farinha
Ainda pedindo arrego
Mas não tirava da mente
De um dia ir pra frente
Na Venda de Joca Galego
Era no Sítio Timbó
Que o seu tio morava
E a todos dava dó
A vida que ele levava
Pois sendo trabalhador
Joca foi um sofredor
Trabalhando sem sossego
Mesmo sendo uma criança
Mas mantinha a esperança
Da Venda de Joca Galego
Ali seu Joca viveu
Até os dezoito anos
Quando lhe aconteceu
De fazer mais alguns planos
Queria ser militar
Pra sua vida mudar
E arranjar um emprego
Porque não tinha um vintém
Pra fazer o armazém
Da Venda de Joca Galego
No corre-corre da vida
Querendo vida melhor
Saiu sem ter despedida
Joca do Sítio Timbó
E no Recife foi parar
Aprendendo a atirar
Sem a isso ter apego
Pois no exército só pensava
E na mente arquitetava
A Venda de Joca Galego
Quando a farda ele deixou
Não encontrou vida boa
Pois até fome passou
Na capital João Pessoa
E cumprindo sua sina
Trabalhou numa oficina
Onde achou aconchego
Para dormir e sonhar
No dia que ia fundar
A Venda de Joca Galego
E por força do destino
Foi ao Rio de Janeiro
Com sonho de nordestino
De lá arranjar dinheiro
De calunga de caminhão
Ele aprendeu a lição
Que lá não tinha sossego
E voltou pra Goianinha
Fundando uma barraquinha
A Venda de Joca Galego
Na Vila de Goianinha
Do campo velho pra frente
Seu Joca abriu uma vendinha
Um barraco bem decente
Era lá que ele morava
E a vendinha ficava
Lhe servindo de emprego
Mas logo ela ganhou fama
E hoje o povo só chama
A Venda de Joca Galego
Seu Joca vindo da roça
Do sítio de Seu Nezinho
Casou com uma linda moça
Do Engenho Cauzinho
Foi com ela pra cidade
Pois na sua mocidade
Já pensava em aconchego
E hoje ela arruma e passa
Cozinha e vende cachaça
Na Venda de Joca Galego
Dona Masé uma moça
Filha de Mitonho Gaião
Deixou a vida da roça
Pra trabalhar no balcão
Pois toda vida passava
Colhendo o milho e a fava
Dia a dia sem sossego
Por isso não sonharia
De ser feliz hoje em dia
Na Venda de Joca Galego
O velho Mitonho Gaião
Não queria esse namoro
E metido a valentão
Só vinha com desaforo
Mas Joca com paciência
Um dia pediu licença
Pra casar e ter sossego
E fez o velho afrouxar
Indo também despachar
Na Venda de Joca Galego
Além da agricultura
Masé tinha outro trabalho
Pois a máquina de costura
Era o seu quebra-galho
Para fazer suas roupas
A vida não era sopa
E não tendo um emprego
Mesmo antes de casar
Às vezes ia ajudar
Na Venda de Joca Galego
Nesta vidinha sem graça
Masé lhe deu nove filhos
Só ele sabe o que passa
Pra dá de comer e vesti-los
Pagar remédios e escolas
Comprar bonecas e bolas
Se pensar perde o sossego
É dura a vida de pai
Pois o dinheiro só sai
Da Venda de Joca Galego
Senhor Joca sempre quis
Freqüentar uma escola
Mas o destino infeliz
Nunca lhe deu esta bola
Mas hoje vive lutando
Pra ver seus filhos estudando
E conseguir um bom emprego
Mas antes de estudar
Tiveram que ajudar
Na Venda de Joca Galego
Ivaneide na Rural
Formou-se em Zootecnia
E como é natural
Já está de agonia
Sem ter onde trabalhar
Resolveu ir ensinar
Enquanto não tem emprego
Pois não deseja voltar
Pra novamente ajudar
Na Venda de Joca Galego
Ismael já é formado
No curso de Agronomia
Ficou um pouco atrasado
Porém o seu dia a dia
Já se tornou natural
Pois trabalha na Rural
E não deseja outro emprego
Porque já teve ascensão
Pra não voltar pro balcão
Da Venda de Joca Galego
Izabel já se formou
Em Fonoaudiologia
E um consultório montou
Porque produzir queria
Pra crescer na profissão
Fez Especialização
Depois arranjou emprego
Pois o dinheiro não dava
E no seu sonho não tava
A Venda de Joca Galego
Ivone na Unicap
Formou-se em Economia
Não foi válvula de escape
Pois era o que ela queria
Não gostava de boneca
Era mesmo uma sapeca
E como filósofo grego
Queria tudo mudar
E até o lucro aumentar
Na Venda de Joca Galego
Itamir lá na Rural
Formou-se em Veterinária
E por gostar de animal
Caiu bem na sua área
Lutando que só a peste
No INAMPS fez um teste
E arranjou um emprego
Ficando feliz da vida
Porque livrou-se das idas
Pra Venda de Joca Galego
Isis na FESP está
Estudando Medicina
Mas teve que trabalhar
Pra poder ficar por cima
Teve um trabalho danado
Se não tivesse cuidado
Perdia a fé e o sossego
Depois tinha que voltar
Pra outra vez despachar
Da venda de Joca Galego
Hibernon é diferente
Nunca gostou de estudar
Por isso daqui pra frente
Vai ter é que trabalhar
Ficando lá na bodega
Vendendo e fazendo entrega
Ou procurar outro emprego
Pois pra vestir e comer
Sem trabalhar não vai ter
Na Venda de Joca Galego
A Íris agora está
Em Administração
Vive só pra estudar
Sem ter remuneração
Ela também faz Direito
Deixando o pai satisfeito
E a menina em sossego
Porque ela não gostou
Do sufoco que passou
Na Venda de Joca Galego
Ivonalda ainda está
Fazendo segundo grau
Porém não quer mais voltar
Pra sua terra natal
Só quer a felicidade
De entrar na faculdade
E arranjar bom emprego
Porque estava cansada
De abrir de madrugada
A Venda de Joca Galego
Ismael ficou feliz
Quando nasceu Isabela
Por isso ele sempre diz
Que não existe mais bela
Porém Joca não gostou
De ser chamado de avô
Dizendo que isso é grego
Mas da vida se esquece
Quando a netinha aparece
Na Venda de Joca Galego
E Ítalo o outro neto
O filho de Itamir
Não consegue ficar quieto
Mexendo aqui e ali
Mas Joca se engraceja
Despachando uma cerveja
A um freguês de apego
Ouvindo o mesmo dizer
Este neto faz chover
Na Venda de Joca Galego
Vendo a família aumentar
O rosto de Joca brilha
Por isso vive a sonhar
Com filhos de todas filhas
E pra aumentar seu brilho
Vem ai Ismael Filho
Fazendo ele ter apego
De ver o neto ficar
Ajudando a despachar
Na venda de Joca Galego
Como é da natureza
Crescer e depois morrer
Entre riqueza e pobreza
Disso ninguém vai correr
Além de sofrer demais
Joca perdeu os seus pais
Mas não perdeu o apego
De no balcão agradar
Aquele que vai comprar
Na Venda de Joca Galego
Com sua tamanha idade
Já tem muito a ensinar
Sempre gostou da verdade
Nunca deu pra enganar
De briga já nem se fala
Porque se existe bala
É de menino sossego
E o revólver é de mel
Até parece um céu
A Venda de Joca Galego
A Vila se emancipou
Crescendo pra todo lado
E um novo nome ganhou
Hoje se chama Condado
E a venda que o povo gosta
É Mercearia Costa
Mas por causa do apego
O povo não quis mudar
E continua a chamar
A Venda de Joca Galego
O campo velho acabou
Virou área de lazer
Mas sei que o povo gostou
Porque futebol vai ver
Num campo sofisticado
Que fica um pouco afastado
Longe daquele aconchego
Mas continua agradar
Naquele mesmo lugar
A Venda de Joca Galego
No entra e sai de mandato
Dessa tal de prefeitura
O povo é quem paga o pato
De tanta nova moldura
Pois Rua José Gaião
Já foi Rua do Pião
E o povo não tem sossego
Mas ainda continua
Abrindo as portas pra rua
A Venda de Joca Galego
Se o Brasil for dividido
Formando o país Nordeste
Vai ver que no bom sentido
Os homens cabra da peste
Que são do lado de cá
Não são como os de lá
Pois se viram sem emprego
E um deles até fundou
Com futuro promissor
A Venda de Joca Galego
Agora vou lhe contar
As qualidades da venda
Mas em um livro não dá
Pra escrever sua prenda
Ali só tem coisa boa
Quem compra lá ri a toa
Sem precisar de arrego
Pois lá o dinheiro cresce
Até milagre parece
A Venda de Joca Galego
Desde quando foi fundada
Sempre tratou com respeito
Agradando a garotada
Com bolo, doce e confeito
É a melhor da cidade
Vendendo à comunidade
Rico, pobre, branco e nego
Todos com satisfação
E também sem distinção
Na Venda de Joca Galego
Pra qualquer tipo de festa
Que precisar de mantimento
Aquela venda se presta
Pra todos a todo momento
Tem champanhe pro natal
Talco para o carnaval
Sabonete pro chamego
E peixe na semana santa
Por isso o povo se encanta
Na Venda de Joca Galego
Aquela venda é das boas
Pois além de fazer feira
Você pode dizer loas
Depois de uma bebedeira
Alguém vai lá comprar pão
Mas ao chegar no balcão
Sentindo seu aconchego
Toma logo uma lapada
Da aguardente afamada
Da Venda de Joca Galego
Se tem amigos bebendo
Mesmo estando ocupado
Joca vai se entretendo
E até fica inspirado
Dizendo espirituoso
Loas precisa e de gozo
Das que causam um chamego
Deixando a turma animada
Caindo na gargalhada
Na Venda de Joca Galego
“O pinto quando nasceu
Olhou pra mãe e sorriu
Bebe tu e bebo eu
Bebe a puta que partiu”
Essa é mais uma loa
Que escutei numa boa
E escuto quando chego
Prestando bem atenção
Debruçado no balcão
Da venda de Joca Galego
Se um gaúcho chegar
E procurar chimarrão
No atendimento exemplar
Ele babe um alcatrão
O mesmo é se aparecer
Um gringo e quiser beber
Uma bebida de grego
Por certo vai engolir
Outra pra substituir
Na Venda de Joca Galego
Pitu, cerveja, sardinha
Cigarro, pão, guaraná
Bolo, biscoito, farinha
Pasta, refresco, fubá
No tempo do carnaval
Como é festa especial
Tem talco para o chamego
Tem maizena e colorau
Pra levantar seu astral
Na Venda de Joca Galego
Da grande a pequena conta
A sua venda abastece
Vendendo de ponta a ponta
Nesta cidade que cresce
Às vezes de bicicleta
Ou numa caminhoneta
Ele faz o seu chamego
Da cidade ao barracão
Sem quebrar a direção
Da Venda de Joca Galego
De fila lá não carece
Nem ninguém fica por fora
Pois quando o freguês aparece
É atendido na hora
Pra comprar arroz, feijão
Café, açúcar ou sabão
Assim com tanto sossego
Não existe outro lugar
Por isso só vou comprar
Na Venda de Joca Galego
Além disso, que falei
Vou lhe contar mais um fato
Lá se criou uma lei
Pra só se vender barato
E dos cantos onde andei
Eu juro nunca encontrei
Preço bom assim que chego
E pra economizar
O povo só vai comprar
Na Venda de Joca Galego
A cidade foi crescendo
Muita coisa já mudou
Mas a Venda vem atendendo
Do jeito que começou
Ela fica numa esquina
Como uma bela menina
Seduzindo branco e nego
Vem gente de todo canto
Todos dizendo é um encanto
A Venda de Joca Galego
Caro amigo leitor
Aquela venda te espera
Com amizade e amor
Apareça em qualquer era
Quando estiver folgado
Passe um dia em Condado
E visite o aconchego
Pois mesmo sem ir comprar
No coração vai levar
A Venda de Joca Galego
Esse pequeno trabalho
Literário de poesia
Tenta contar em retalho
Um bonito dia a dia
De um pai sacrificado
Que tem lutado um bocado
Para tirar do emprego
Estudo, saúde e pão
Sem tirar sua atenção
Da Venda de Joca Galego
Tive um trabalho danado
Pra esses versos escrever
Pois estava preocupado
Em agradar a você
Por isso caro leitor
Se o cordel não lhe agradou
Não tenha desassossego
Pois para lhe compensar
Peço que vá visitar
A Venda de Joca Galego.
Lampião foi no inferno
Ao depois no céu chegou
São Pedro estava na porta
Lampião então falou:
– Meu velho não tenha medo
Me diga quem é São Pedro
E logo o rifle puxou
São Pedro desconfiado
Perguntou ao valentão
Quem é você meu amigo
Que anda com este rojão?
Virgulino respondeu:
– Se não sabe quem sou eu
Vou dizer: sou Lampião.
São Pedro se estremeceu
Quase que perdeu o tino
Sabendo que Lampião
Era um terrível assassino
Respondeu balbuciando
O senhor… está… falando…
Com… São Pedro… Virgulino!
Faça o favor abra esta porta
Quero falar com o senhor
Um momento meu amigo
Disse o santo faz favor
Esperar aqui um pouquinho
Para olhar o pergaminho
Que é ordem do Criador
Se você amou o próximo
De todo o seu coração
O seu nome está escrito
No livro da salvação
Porém se foi um tirano
Meu amigo não lhe engano
Por aqui não fica não
Lampião disse está bem
Procure que quero ver
Se acaso não tem aí
O meu nome pode crer
Quero saber o motivo
Pois não sou filho adotivo
Pra que fizeram-me nascer?
São Pedro criou coragem
E falou pra Lampião
Tenha calma cavalheiro
Seu nome não está aqui não
Lampião disse é impossível
É uma coisa que acho incrível
Ter perdido a salvação
São Pedro disse está bem
Acho melhor dar um fora
Lampião disse meu santo
Só saio daqui agora
Quando ver o meu padrinho
Padre Cícero meu filhinho
Esteve aqui mas foi embora
Então eu quero falar
Com a Santa Mãe das Dores
Disse o santo ela não pode
Vir aqui ver seus clamores
Pois ela está resolvendo
Com o filho intercedendo
Em favor dos pecadores
Então eu quero falar
Com Jesus crucificado
Disse São Pedro um momento
Que eu vou dar o seu recado
Com pouco o santo chegou
Com doze santos escoltado
São Longuinho e São Miguel,
São Jorge, São Simão
São Lucas, São Rafael,
São Luiz, São Julião,
Santo Antônio e São Tomé,
São João e São José
Conduziram Lampião
Chegando no gabinete
Do glorioso Jesus
Lampião foi escoltado
Disse o Varão da Cruz
Quem és tu filho perdido
Não estás arrependido
Mesmo no Reino da Luz?
Disse o bravo Virgulino
Senhor não fui culpado
Me tornei um cangaceiro
Porque me vi obrigado
Assassinaram meu pai
Minha mãe quase que vai
Inclusive eu coitado
Os seus pecados são tantos
Que nada posso fazer
Alma desta natureza
Aqui não pode viver
Pois dentro do Paraíso
É o reinado do riso
Onde só existe prazer
Então Jesus nesse instante
Ordenou São Julião
Mais São Miguel e São Lucas
Que levassem Lampião
Pra ele ver a harmonia
Nisto a Virgem Maria
Aparece no salão
Aglomerada de anjos
Todos cantando louvores
Lampião disse: meu Deus
Perdoai os meus horrores
Dos meus crimes tão cruéis
Arrependeu-se através
Da Virgem seus esplendores
Os anjos cantarolavam
Saudando a Virgem e o Rei
Dizendo: no céu no céu
Com minha mãe estarei
Tudo ali maravilhou-se
Lampião ajoelhou-se
Dizendo: Senhora eu sei
Que não sou merecedor
De viver aqui agora
Julião, Miguel e Lucas
Disseram vamos embora
Ver os demais apartamentos
Lampião neste momento
Olhou pra Nossa Senhora
E disse: Ó Mãe Amantíssima
Dá-me a minha salvação
Chegou nisto o maioral
Com catinga de alcatrão
Dizendo não pode ser
Agora só quero ver
Se é salvo Lampião
Respondeu a Virgem Santa
Maria Imaculada
Já falaste com meu Filho?
Vamos não negues nada
– Já ó Mãe Amantíssima
Senhora Gloriosíssima
Sou uma alma condenada
Disse a Virgem mãe suprema
Vai-te pra lá Ferrabrás
A alma que eu pôr a mão
Tu com ela nada faz
Arrenegado da Cruz
Na presença de Jesus
Tu não vences, Satanás
Vamos meu filho vamos
Sei que fostes desordeiro
Perdeste de Deus a fé
Te fazendo cangaceiro
Mas já que tu viste a luz
Na presença de Jesus
Serás puro e verdadeiro
Foi Lampião novamente
Pelos santos escoltado
Na presença de Jesus
Foi Lampião colocado
Acompanhou por detrás
O tal cão de Ferrabrás
De Lúcifer enviado
Formou-se logo o júri
Ferrabrás o acusador
Lá no Santo Tribunal
Fez papel de promotor
Jesus fazendo o jurado
Foi a Virgem o advogado
Pelo seu divino amor
Levantou-se o promotor
E acusou demonstrando
Os crimes de Lampião
O réu somente escutando
Ouvindo nada dizia
A Santa Virgem Maria
Começou advogando
Lampião de fato foi
Bárbaro, cruel, assassino
Mas os crimes praticados
Por seu coração ferino
Escrito no seu caderno
Doze anos de inferno
Chegou hoje o seu destino
Disse Ferrabrás: protesto
Trago toda anotação
Lampião fugiu de lá
Em busca de salvação
Assassinou Buscapé
Atirou em Lucifer
Não merece mais perdão
Levantou-se Lampião
Por esta forma falou
Buscapé eu só matei
Porque me desrespeitou
E Lucifer é atrevido
Se ele tivesse morrido
A mim falta não deixou
Disse Jesus e agora
Deseja voltar à terra
A usar de violência
Matando que só uma fera?
Disse Lampião: Senhor
Sou um pobre pecador
Que a Vossa sentença espera
Disse Jesus: Minha mãe
Vou lhe dar a permissão
Pode expulsar Ferrabrás
Porém tem que Lampião
Arrepender-se notório
Ir até o “purgatório”
Alcançar a salvação
Ferrabrás ouvindo isto
Não esperou por Miguel
Pediu licença e saiu
Nisto chegou Gabriel
Ferrabrás deu um estouro
Se virou num grande touro
Foi dar resposta a Lumbel
Resta somente saber
O que Lampião já fez
Do purgatório será
O julgamento outra vez
Logo que se for julgado
Farei tudo versejado
O mais até lá freguês.
A humana criatura
se pergunta insatisfeita:
Como uma coisa existe
sem nunca ter sido feita? –
Quem prega não prova nada
quem escuta não aceita.
Diz a gênese mosaica
que Deus Pai Onipotente
disse: “Faça-se a luz”
e a luz obediente
do atro abismo do nada
surgiu repentinamente.
Assim também são as lendas
as vezes surgem do nada
ou como reminiscência
duma cultura importada
que sempre sensibilizam
gente não civilizada.
De acordo com tais lendas
há o regente do mar,
o deus dos mananciais,
o gênio que rege o ar,
e é de um desses gênios
que nós queremos falar.
Vivendo na intimidade
da aconchegante flora
como um guardião que zela
a quem mais ama e adora
é o protetor da fauna
o lendário caipora.
E o caçador prudente
ao conduzir o seu cão
antes de entrar na mata
deve, por obrigação
ao caipora pedir
a sua autorização.
Senão estará sujeito
a ser desafortunado
ou inexplicavelmente
ficar desorientado
andando em círculo na mata
por tempo indeterminado.
Outras vezes algo estranho
fica o cachorro sentindo
andando em torno do dono
se lastimando e ganindo
sem que o dono perceba
quem o está perseguindo.
Outro artifício que é
pelo caipora usado
é reter o cão esperto
infantilmente acuado
latindo muito diante
dum toco designado.
“Hoje não é o meu dia”
pensa imediatamente
o caçador convidando
o cão desobediente
que abana o rabo, entretanto,
volta a latir novamente.
Agora o caçador sente
um inexplicável frio
tenta dominar o medo
porém sente um arrepio
algo como um mudo aviso,
um sentimento sombrio.
Pedras à feição de trempes
bota na mata fechada
acende fogo dizendo:
– Vamos parar a jornada
só depois da hora-grande
reinicia a caçada.
Mas depois da hora-grande
incompreensivelmente
ouve o caçador um longo
assovio à sua frente
o caçador intrigado
escuta detidamente.
Gira sobre os calcanhares
segue oposta direção
mas não percorre uma jarda
tem ele a decepção
de saber que o assovio
já mudou de posição.
E assim pra todo lado
em que o caçador for
segue o assovio como
se o assoviador
se entretenha mangando
da cara do caçador.
Um caçador nos contou
um curioso ocorrido
um caso igualmente aquele
nunca tinha acontecido
dessa vez o caipora
se deixou ser percebido.
Quando entrou na mata virgem
repentinamente viu
três porcos-do-mato que
quando ele os pressentiu
os alvejou um por um
até que o último caiu.
Quando ia dirigir-se
aos porcos mortos no chão
um moleque apareceu
com um enorme ferrão
montado num porco-espinho
na densa vegetação.
E enfiando o ferrão
nos flancos dum animal
mandou-o se levantar
que o tiro não foi mortal
o porco saiu correndo
por dentro do matagal.
Repetiu com o segundo
essa mesma operação
e no terceiro também
ele enfiou o ferrão
os animais dispararam
sem vestígios de lesão.
A seguir o caipora
dirigiu-se a um ribeiro
simulando raiva disse:
– Vou amanhã ao ferreiro
consertar este ferrão
pra ele ficar linheiro.
Logo o caçador pensou:
“Amanhã eu vou ficar
na porta da oficina
ver se alguém vai chegar
com um ferrão como este
para mandar consertar”.
Chegando em casa, sequer
colocou da porta a tranca
num dos cantos da latada
colocou sua alavanca
e depois da sua esposa
acariciou a anca.
E foi dormir levemente
para acordar muito cedo
para saber se o ferreiro
conhecia algum segredo
porque durante a caçada
pra ser franco, teve medo.
O sol já estava alto…
o caçador conversando
com seu amigo ferreiro
sobre negócios tratando
quando avistaram um vaqueiro
que vinha se aproximando.
Quando o vaqueiro apeou
foi exibindo um ferrão
dizendo para o ferreiro:
– Tenho muita precisão
que conserte este instrumento
com a maior perfeição.
Sem querer teve o ferreiro
um leve estremecimento
mas consertou o ferrão
naquele mesmo momento
e disse para o vaqueiro:
– Eis aí seu instrumento.
Disse o vaqueiro: – O ferrão
está como me convém
fitando o caçador disse:
– Preste atenção muito bem
o que você viu de noite
não conte nunca a ninguém
Carnaval e futebol
ficaram pra se curtir,
Os santos ensinamentos
são para o crente seguir,
religião e política
embora mereçam crítica
não são pra se discutir
Evangelista e Pilintra
não pensam do mesmo jeito,
pois enquanto Evangelista
diz que foi por Cristo aceito
Pilintra bate no bumba
dizendo que é na macumba
que se faz tudo bem feito.
Porém, embora os dois pensem
de maneira diferente,
nunca tinham discutido
porque até o presente
não tinham, por sorte rara,
oportunidade para
um encontro frente a frente.
Mas um dia Evangelista
voltava alegre do culto
quando avistou muito longe
de Pilintra o negro vulto
que já vinha da macumba
no morro da Catacumba
já foram trocando insulto.
E onde os dois se encontraram
era uma encruzilhada
onde havia uma bebida
à Pomba Gira deixada
e uma galinha preta
pertinho de uma valeta
para um Exu colocada
– Que pecado monstruoso –
disse o crente, o dedo em riste
é triste um pecador crer
num troço que não existe
e fazer o mal com isto
agravando a Jesus Cristo
é vinte mil vezes triste
Pilintra lhe respondeu:
– Preste muita atenção, moço,
se macumba não existe
não carece de alvoroço
Deus também nunca lhe disse
pra querer ter a burrice
de ser santo em carne e osso.
Não era tarde da noite,
umas dez horas, e tantos,
começou a chegar gente
vinda de todos os cantos,
outros vinham feito loucos,
os que há pouco eram poucos
já não se sabia quantos.
A rua ficou lotada
de toda espécie de gente,
muitos pelo macumbeiro,
outros a favor do crente;
os aplausos ao combate
serviam para o debate
ficar cada vez mais quente
Pilintra disse: – Vocês
os crentes só fazem o bem
mas falam de todo mundo,
razão só vocês que têm
e eu na minha macumba
vivo bem com minha dumba
sem falar mal de ninguém.
O crente bateu com as juntas
dos dedos na negra capa
da Bíblia e ameaçou
dar no macumbeiro um tapa
e disse: – Na minha crença
eu não admito ofensa
mesmo que seja do Papa.
Portanto pode chamar
seu caboclo furacão
Pena Branca de Aruanda,
São Cosme e São Damião
Zé Pilintra e Preto Velho
que a luz do meu Evangelho
deixa todos sem ação.
Respondeu Pilintra: – Os guias
não são para ser chamados
para assistir bate-boca
nem para fazer mandados.
São emissários benditos
que quando estamos aflitos
vêm nos fazer consolados.
O crente cego de ódio
disse: – Cara, muito bem
qual é a luz que um espírito
que vive nas trevas tem?
E como é que tu levas
fé num espírito das trevas
que nunca ajudou ninguém?
– O mal – respondeu Pilintra
que mais combato e censuro
e que o reino de Deus
é pra vocês no futuro,
estão errados, declaro
para vocês tudo é claro
para os demais é escuro.
Convide seus Orixás
Iansã, Nanã, Ogum,
Omulu, Xangô, Oxóssi,
Iemanjá e Oxum,
Mariazinha da Praia
que quero dar uma vaia
pois não respeito nem um.
– Atire esta Bíblia fora –
disse Pilintra arrogante,
respeite a religião
que segue o seu semelhante
senão eu lhe meto o murro
porque o destino do burro
é morrer ignorante.
Um dos espectadores
quis o Pilintra agredir,
a turma do “deixa disso”
fez intruso sair
com a recomendação
de não entrar na questão
deixando os dois discutir.
A discussão nesta altura
já parecia uma briga,
vai ofensa, vem ofensa
e no meio da intriga
que parecia arruaça
a plateia achava graça
de dar cãibra na barriga.
Os homens tinham energia
na garganta como poucos,
dando socos no espaço,
já completamente roucos
uns riam pelo que viam,
outros riam dos que riam,
era um festival de loucos.
Ninguém mais se entendia
no meio da discussão.
Evangelista deixou
a Bíblia cair no chão,
e Pilintra não sabia
porque razão discutia
com tão voraz decisão.
Certo é que nem um queria
perder aquela disputa,
Pilintra não ia dar mole
nem que fosse a força bruta,
até o quinto mandamento
não cumpriria no momento
para não perder a luta.
Parecia que a disputa,
duraria a noite inteira,
mas antes da hora grande
Pilintra com voz maneira
disse: – Acabo a raça sua,
vou chamar seu Tranca-Rua,
Encruzilhada e Caveira.
Evangelista com isso
perdeu logo a esportiva
e disse: – Convide alma
de preta velha cativa,
de velho catimbozeiro
que quero ver mandingueiro
comigo ter voz ativa.
Um gozador que ouvia
a disputa atentamente
fez um boneco de pano
muito negro e reluzente,
jogou para o alto o treco
e a droga do boneco
caiu bem nos pés do crente.
O crente soltou um grito
e quis sair na carreira,
mas ao escutar as vaias
daquela cambada inteira
ouviu do canto da praça
um sujeito achando graça
igualmente uma caveira.
O crente, no desespero
quis esboçar reação,
buscando apoio do povo
disse acenando com a mão:
– Todo infeliz macumbeiro
é bandido e maconheiro,
é assassino e ladrão.
Com estas frases Pilintra
ficou muito indignado
e disse: – Cara não faça
juízo precipitado,
até o momento presente
não sei porque todo crente
tem a fala de viado.
Destas palavras pra frente
ninguém entendeu ninguém,
foi muito grande o tumulto
guias chegaram do além,
para esquentar o ambiente
no final até o crente
recebeu santo também.
Quando o guia incorporado
no crente foi novamente
para região celeste
todo o pessoal presente
entre risos e charadas,
num festival de risadas
todos mangavam do crente.
No morro da Catacumba
Pilintra lia convencido
da discussão o poema
achando não ter perdido,
o crente em sua Assembleia
também lia a epopeia
certo que tinha vencido.
"
Quem negocia seu voto
Prega a corrupção,
Não pode exigir depois
Nenhuma pequena ação
Daquele seu candidato
Que escolheu na eleição.
Aquele que vende o voto
Sem saber faz aumentar
A injustiça social,
Pois não pode nem cobrar
Trabalho do candidato
Depois que este ganhar.
O crápula que compra votos
Do povo não quer saber,
O que ele pretende mesmo
É adquirir o poder
Pra roubar dinheiro público
E assim enriquecer.
O triste que compra voto
Não tem nenhum compromisso
Com saúde, educação
Nem quer saber se há serviço
Pro homem trabalhador
Da favela ou do cortiço.
Cidadão que vende o voto
Por carência ou ingenuidade
É vítima dos poderosos,
Que vêm com ar de bondade,
Disfarçados de cordeiros
Pra esconder toda maldade.
Quem oferece seu voto
Em troca de uma vantagem
Contribui para aumentar
O capitalismo selvagem
Que instalou-se em nosso meio
E é pai da politicagem.
Por isso meu caro amigo
Preste muita atenção,
No dia que for votar
Não se leve por emoção,
Escolha quem é honesto,
Quem ao pobre dá razão.
Quando escolher candidato
Veja bem o seu passado:
Se lutava pelo pobre,
Denunciava o errado,
Se nunca aceita propina,
Se parece equilibrado.
É preciso estar atento
Pra não cair em cilada,
Pois de político esperto
A rua está tomada,
Portanto pense, analise
O que diz o camarada.
Desconfie quando o sujeito
Em tempo de eleição
De repente fica simples,
Vai logo dando-lhe a mão,
Pondo no colo criança
Dizendo cheio de esperança:
É o futuro da nação!
Cuidado com o camarada
Que só vive garantindo
Resolver todo problema,
Que diz nunca está mentindo,
Que dá tapinha nas costas,
Chamando amigo nas portas
E que só vive sorrindo.
Não se engane com o político
Que vive a prometer
Emprego e vida fácil
Depois que ele se eleger,
Isso é conversa pra trouxa
Que não tem o que fazer.
Não deixe o seu lugar
Ser chamado de banal
E não ser reconhecido
Por curral eleitoral
Como quem usa cabresto,
Pois ninguém é animal.
Não faça como José,
Morador da Barra Funda,
Que dizia: – O meu voto,
O de Pretinha e Raimunda
É só pra quem tem dinheiro,
Quem não pensar desse jeito
Leva logo um pé na bunda.
Não imite Severino,
Que no dia da eleição
Andava com os bolsos cheios
Achando-se com razão
Para comprar todo o povo
Que não tinha condição.
Se assim você agir
Com certeza vai sofrer
As conseqüências depois,
O sujeito vai querer
Recuperar seu dinheiro
Quando alcançar o poder.
E logo não vai poder
Fazer o que prometia
E se você reclamar,
Quiser uma benfeitoria
Depressa ele vai falar:
– Po’daqui se retirar
Comprei seu voto, sabia?
É triste a sina de quem
Empresta ou vende o voto.
Joaquim disse: – menino
Eu nunca que me importo
Com essa tal corrupção
Quem me pagar na eleição
Viro ateu ou devoto.
E chegou um candidato
Dirigiu-se a Joaquim:
– Dou-lhe uma chapa novinha
Se você votar em mim,
Compro a de baixo no pleito
E a outra se eu for eleito
Espero não ache ruim.
Veja só o constrangimento
Desse ingênuo eleitor
Ao saber que o candidato
A eleição não ganhou,
Pois ficou sem mastigar
E muita gente zombou.
Há também quem compre voto
Por um quilo de farinha,
Por um par de alpargatas
Ou até mesmo uma galinha
Fazendo o povo objeto
À noite ou de manhãzinha.
Só que todo o corrupto
Age bem a qualquer hora,
Oferece o que tiver,
Mas cobra juro de mora
Do povo quando eleito,
Engana e não vai embora.
Para que tudo isso mude
O povo tem que agir
Em busca de um mundo novo,
Solução é construir
A nossa independência
E sabendo com freqüência
Político sério exigir.
Não é fácil a tarefa,
Mas precisamos tentar
Porque a corrupção
Está em todo lugar,
Para ter um mundo honesto
Fuja de político esperto
E não se venda ao votar!
Já que sou simples poeta
poesia é meu escudo
com ela é que me defendo
já que não tive outro estudo
vou mostrar para o leitor
que o poeta escritor
vive pesquisando tudo
Certo dia feriado
sendo o primeiro do mês
fui tomar uma cerveja
no bar de um português
lá assisti uma cena
agora pego na pena
para contar pra vocês
Quando eu estava sentado
chegou nessa ocasião
um velho pernambucano
daqueles lá do sertão
com a maior ligeireza
foi se sentando na mesa
pediu uma refeição
O português logo trouxe
um prato grande sortido
o nortista vendo aquilo
ficou logo enfurecido
com um gesto carrancudo
começou mexendo tudo
depois falou constrangido
Patrício não leve a mal
nem me queira achar ruim
toda espécie de comida
que você tem é assim?
desculpe minha expressão
mas a sua refeição
não vai servir para mim
Nesta hora o português
ficou zangado também
lhe respondeu ora bola
donde é que você vem?
difamando deste jeito
me diga qual o defeito
que esta comida tem?
O nortista disse eu sofro
um ataque entistinal
a carne está quase podre
o arroz tem muito sal
o feijão está azedo
de comer eu tenho medo
que pode me fazer mal
” O meu estômago não dá
pra receber este entulho
prefiro morrer de fome
mas não como este basculho
pois comendo sei que morro
lá no norte nem cachorro
não come todo bagulho
O português respondeu
você é péssimo freguês
vá embora e faz favor
não vir aqui outra vez
mas antes tem que pagar
não posso lhe perdoar
a desfeita que me fez
O nortista disse eu pago
que isto não me embaraça
para você não pensar
que eu vim comer de graça
mas o nortista de nome
embora morra de fome
mas não come esta desgraça
Acontece que ali
se achava um carioca
disse ele só conhece
farinha de mandioca
todo nortista poeira
só gosta de macacheira
girimum e tapioca
Disse o nortista é porisso
que o nordestino é forçoso
porque no meu velho norte
se come pirão gostoso
com farinha de mandioca
aqui só dá carioca
doente tuberculoso
C. ” Respondeu o carioca
não queira tanto agravar
seu nordeste é muito bom
mas lá ninguém quer ficar
deixou lá seu pé de serra
e veio pra minha terra
para poder escapar
N. ” Aqui também me pertence
o nortista respondeu
eu sou nato brasileiro
o Brasil é todo meu
o homem precisa andar
para poder desfrutar
do país onde nasceu
C. ” O carioca rompeu
nordestino é curioso
além de ter olho grande
é demais ambicioso
chega aqui se amaloca
na terra do carioca
doente tuberculoso
N. ” Disse o nortista é porque
nosso Rio de Janeiro
precisa do nordestino
pois é um povo ordeiro
pra quem derrama suor
aqui no Rio é melhor
para se ganhar dinheiro
C. ” Mas no Rio de Janeiro
tem operário de sobra
não precisa nordestino
vir aqui fazer manobra
nordestino é atrevido
aqui já é conhecido
por camondonga de obra
N. ” Você me diz isso tudo
pra me desclassificar
mas aqui as companhias
preferem mais empregar
os nordestinos que vem
pois carioca não tem
coragem de trabalhar
C. ” É porque o carioca
gosta da civilidade
não é defeito ninguém
viver da facilidade
pois ninguém não é cavalo
pra viver criando calo
sem haver necessidade
N. ” O carioca só gosta
de viver da malandragem
do jogo e da bebedeira
do vício e da vadiagem
porisso o país da gente
não pode ir para a frente
por causa da pilantragem
C. ” O carioca está certo
pensando assim pensa bem
o carioca não gosta
de ser sujeito a ninguém
nem dá valor a operário
que só vive do salário
luta muito e nada tem
N. ” Já eu penso diferente
você precisa entender
que nosso mundo é composto
de tudo precisa ter
se não fosse o operário
o rico milionário
como podia viver?
C. ” Mas o nortista trabalha
porque é muito uzurario
tem alguém que vem pra qui
mas lá é proprietário
pois devido a ambição
enfrenta até fundação
com os olhos no salário
N. ” É porque o nordestino
é um homem acostumado
a só viver do trabalho
não ignora o pesado
não é como o carioca
que só vive da fofoca
da malandragem e do fado
C. ” Tinha graça o carioca
se misturar com cimento
como faz o nordestino
que chega ficar cinzento
carioca só procura
um emprego que figura
moral e comportamento
N. ” Não é todo carioca
que tem a capacidade
de assumir um emprego
de alta dignidade
precisa de estudar
para assumir um lugar
de responsabilidade
C. ” Você aí está certo
o estudo está na frente
porque o mundo ficou
para o mais inteligente
assim diz quem for ativo
o operário é cativo
num país independente
N. ” Pois eu gosto do trabalho
e vivo sempre disposto
pois o homem que trabalha
a Jesus dá grande gosto
porque Deus disse a Adão
hás de ganhar o teu pão
com o suor do teu rosto
C. ” Então você é Adão
que veio do paraíso
faça lá o que quiser
que de você não preciso
nem vou na sua maloca
porque sou um carioca
que honro o chão onde piso
N. ” Nem de você eu preciso
que você é fracassado
pelos traços já se vê
que você é pé rapado
e quem fala deste jeito
só pode ser um sujeito
ignorante atrasado
C. ” Disse o carioca eu vivo
com minha alma tristonha
vou embora para onde
o nordestino nem sonha
vou esconder minha cara
para este pau-de-arara
não me matar de vergonha
Conversavam dous vizinhos
Moradores de um sobrado
Exclamou, um oh! vizinho!
Já viu o que tem se dado?
O quê? – Perguntou o outro
Os 5 réis do estado.
Pergunta outro vizinho
Não é esse do vintém?
É um imposto damnado
Que não escapa ninguém,
É peior do que bexiga
Não repara mesmo alguém.
Bexiga ainda tem vacina
Que um outro sempre escapa
Mais esse imposto d’agora!
Só a doutrina do Papa
Qualquer cousa que se compra
Os fiscais dão mão de raspa.
Não me recordo do dia
Já estraguei a lembrança
Meu tio tem avó em casa
Foi fazer uma mudança
Pois para tirar a velha
Foram com ella a balança.
Morreu uma italiana
No pateo de São José
Pesavam cento e dez quilos
Os bichos de cada pé,
Foi pesada e pagou tudo
Veja o mundo como é.
O carcamano pai d’ella
Humilde que só um réu
Dizia senhor perdoe-me
Isso faz chamar o céo,
Disse o fiscal faz lá nada
Isto aqui é um pitéu.
Senhor! Exclamava o velho
Não tem isso nem aquilo
Dizia serio o fiscal
Aqui não escapa um grilo,
Á de pagar o estado
Cinco réis por cada kilo.
Outro italiano velho
Que vivia aqui na praça
Com dez kilos de remendo
Que tem no fundo da calça,
Quis sahir para a Italia
E não pode sahir de graça.
O gringo velho exclamava
Lançando um olhar no mundo
Oh! Senhor! este Brasile
É um abismo profundo,
Eu hei de levar a calça
Mas hei de deixar o fundo.
Comprou 3 caixas de flandre
Um funileiro atrasado
Ia sahindo escondido
Levando o flandre guardado
Disse um fiscal não senhor
Seu flandre á de ser pesado.
Nosso Brasil hoje está
Como quando inda era inculto
Quem foi quem já viu pagar
Por um meio absoluto?
Pesar-se em meio da praça
Até fumo de matuto!
Eu já tive uma idéia
Encuti no pensamento
Quando entrar outro governo
A novo regulamento,
Eu creio que inda se pesa
Chuva, sol, poeira, e vento.
Não sei o que descubram mais
Para acabrunhar o povo
É medonho o disparate
Que traz o governo novo
Fica tudo igual ao pinto
Que morre dentro do ovo.
Antes de haver eleição
Só vê-se é prometimento
Dizerem tudo melhora
Muda-se o regulamento
A melhora é augmentarem
Do que está sento por sento.
O mundo vai tão errado
E a cousa vai tão feia
A garantia do pobre
É ponta-pé e cadeia,
As creanças já não sabem
O que é barriga cheia.
A Semana tem seis dias
Quem quiser andar direito
Há de dar dous ao estado
E dois e meio ao prefeito,
E não á de se queixar
Nem ficar mal satisfeito.
O commercio nada perde
Ganha com isso tambem
Cresse cinco réis de imposto
Elle cá sobe um vintem,
E diz: chore quem chorar
Eu não sou pai de ninguem.
Entretanto o Brasileiro
Tem muito o que padecer
O governo que era o unico
Que podia proteger,
Diz: eu enchendo a barriga
Tudo mais pode morrer.
Assim mesmo ha homem
Inda esperando melhora
E vê que a justiça é cega
Disse hontem e nega agora,
E surda não ouve o echo
Do pobre aflicto que chora.
Uma pobre onça vivia
em uma mata deserta
dormindo ali, acolá
não tinha morada certa
exposta a chuva e o vento
cochilando no relento
sem travesseiro ou coberta.
Certa vez a onça estava
pensando na sua vida
havia chovido a noite
ela estava enfraquecida
com fome e toda molhada
além disso, resfriada
pois se molhou na dormida.
A onça disse consigo:
“Isso assim não fica bem
vivo por dentro dos matos
sofrendo como ninguém
nunca pude preparar
uma casa pra morar
e quase todo bicho tem”.
E esse plano na mente
pegou idealizar
dizendo assim: Quando chove
eu só falto me acabar
se Deus do céu me valer
brevemente eu vou fazer
uma casa pra morar.
Na ribanceira dum rio
viu o canto apropriado
a onça limpou o terreno
deixando tudo ciscado
resolveu ir descansar
pra depois de recomeçar
quando passasse o enfado.
Acontece que o bode
teve o mesmo pensamento
disse: Eu durmo no mato
passo a noite no relento
exposto a muitos perigos
a sanha dos inimigos
sujeito a chuva e o vento.
– Eu vou cuidar em fazer
uma casa pra morar
quando estiver chovendo
eu tenho aonde ficar
fazendo inveja aos demais
pois todos os animais
zombar vendo eu me molhar.
Na ribanceira dum rio
achou um lugar varrido
o bode disse: Eu aqui
farei o meu lar querido
aqui ninguém me aperreia
o rio dando uma cheia
eu estarei garantido.
Cortou madeira no mato
e cavou na mesma hora
os buracos dos esteios
já com a língua de fora
cansado de trabalhar
resolveu ir descansar
tomou banho e foi embora.
A onça chegando viu
o trabalho prosperando
disse assim: É Deus do céu
que está me ajudando
cortou folhas de palmeira
trabalhou a tarde inteira
e foi-se embora cantando.
O bode chegando achou
o serviço quase no fim
disse: “Parece que Deus
está ajudando a mim
pegou tapar o mocambo
trabalhou que ficou bambo
plantou até um jardim”.
Tomou banho e foi embora
e quando a onça chegou
botou portas no mocambo
e o que faltava tapou
cortou folhas de palmeira
fez na base de uma esteira
forrou tudo e se deitou.
O bode chegando teve
uma alegria danada
já viu a casa com portas
porém não foi caçoada
foi chegando perto dela
e quando olhou da janela
avistou a onça deitada.
E quando o bode falou
a onça disse que tinha
feito a casa pra morar
pois sofrendo muito vinha
porém o bode na hora
disse: Minha não senhora
porque esta casa é minha.
A onça disse: Eu limpei
o canto e fui descansar
o bode disse: Eu cortei
a madeira e fui cavar
os buracos dos esteios
assim por todos os meios
nela sou quem vou morar.
A onça disse: Eu cortei
palmeira e cobri ela
o bode disse: Eu tapei
e fiz o jardim perto dela
disse a onça: Eu vou caçar
pois eu não quero brigar
só sei que vou morar nela.
O bode ficou deitado
e a onça foi caçar
lá ela matou um bode
e trouxe para jantar
o outro bode, coitado
vendo seu irmão sangrando
deu vontade de chorar.
A onça disse ao bode:
– Quando me ver pinotear
é que está chegando em mim
a vontade de brigar
da minha casa eu não saio
e de fome sei que não caio
todo dia irei caçar.
Disse ao bode: Quando eu
ficar de pé, espirrando
pinoteando bem alto
e a barba balançando
estou rosnento e voraz
pior do que Satanás
é bom ir se preparando.
Na caçada o bode viu
uma onça pendurada
tinha caído no laço
ele matou-a de pancada
chegou em casa com ela
a onça vendo a irmã dela
ficou toda arrepiada.
Fez um churrasco da onça
e comeu que ficou deitado
depois pegou espirrar
dando salto agigantado
com a barba balançando
deitando e se levantando
com o maior bodejado.
A onça com medo dele
também pegou pinotear
para dizer que estava
com vontade de brigar
nos dois pés se levantou
mas o bode nem ligou
e danou-se pra espirrar.
O bode de cara feia
ficou perto da janela
pra pinotear e correr
antes do fim da novela
ela estava no pagode
era com medo do bode
e o bode com medo dela.
O bode espirrou de novo
fez um grande bodejado
a onça saltou no terreiro
e entrou no mato fechado
o bode correu também
no mato inda hoje tem
o mocambo abandonado”.
Oh Jesus meu Redentor
dos altos Céus infinitos
abençoai meus escritos
por vosso divino amor
leciona um trovador
com divina inspiração
para que vossa paixão
seja descrita em clamores
desde o princípio das dores
até a ressurreição.
Dentro do Livro Sagrado
São Marco com perfeição
nos faz a revelação
de Jesus crucificado
foi preso e foi arrastado
cuspido pelos judeus
por um apóstolo dos seus
covardemente vendido
viu-se amarrado e ferido
nas cordas dos fariseus.
Dantes predisse o Senhor
meus discípulos me rodeiam
e todos comigo ceiam
mas um me é traidor
só a mão do pecador
meu corpo ao suplicio vai
porém vos digo que vai
do homem que por dinheiro
transforma-se traiçoeiro
contra o Filho de Deus Pai.
Todos na mesa consigo
clamavam em alta voz
Senhor, Senhor qual de nós
vos trai dos que estão contigo
disse Cristo: é quem comigo
juntamente molha o pão
e todos me deixarão
mas São Pedro respondeu
mestre garanto que eu
não vos deixarei de mão.
Em verdade deixarás
nesta noite sem tardar
antes do galo cantar
três vezes me negarás
Pedro com gestos leais
disse em voz compadecida
eis-me a morte preferida
mas não serei teu contrário
ainda que necessário
me seja perder a vida.
Estava tudo benquisto
com Pedro dizendo igual
até na hora fatal
da prisão de Jesus Cristo
então quando se deu isto
Pedro a espada puxou
num fariseu despejou
um golpe tão destemido
que destampou-lhe o ouvido
quando a orelha voou.
Ouviu a voz sublimada
de Cristo em reclamação
dizendo em repreensão
Pedro guarde a tua espada
deixa não promovas nada
porque tudo é permitido
não sejas enfurecido
não tentes e nem te alteres
pois se com o ferro feres
com ele serás ferido.
Jesus na frente seguia
na hora que lhe prenderam
todos discípulos correram
mas Pedro atrás sempre ia
de longe coitado via
Jesus de queda e de trote
sobre as mãos do grande lote
cada bordoada um passo
até chegar no terraço
da casa do sacerdote.
Depois da tropa chegada
Jesus foi interrogado
bastantemente acusado
e Pedro viu da calçada
quando veio uma criada
perguntando com rigor
– Tu és acompanhador
do que está preso aqui?
Pedro disse: eu nunca vi
nem conheço esse Senhor.
E assim continuou
de quando em vez a negar
antes do galo cantar
3 vezes Pedro negou
depois então se lembrou
do que Jesus tinha dito
amargo e bastante aflito
derramou pranto no chão
porque fez a transgressão
do que disse a Jesus Cristo.
Jesus além da prisão
bofetes e pontapés
ainda diziam: tu és
réu da crucificação
e procuravam razão
para o tal cruel transporte
uma testemunha forte
com legalidade pura
que lhe desse a desventura
passando a pena de morte.
O sacerdote indagou
perante os fariseus
tu és o Filho de Deus
disse Jesus Cristo: eu sou
em breve verão que vou
pra meu pai Celestial
eis a voz sacerdotal
pra que testemunha mais
do que as blasfêmias tais
da boca do mesmo tal.
E rasgando-lhe o vestido
cuspiram as faces divinas
logo das mãos assassinas
foi espancado e ferido
nas cordas foi envolvido
atado de braço e mão
no outro dia então
ordenou Pôncio Pilatos
dizendo aos insensatos
dai-lhe crucificação.
Pilatos bem que sabia
quase com realidade
que por inveja ou maldade
deu-se essa algozaria
mas Jesus nada dizia
Pilatos quis revogar
mas não podia falar
tantos que lhe cercavam
que lhe pedindo gritavam:
mandai-o crucificar.
Sob o poder dos ingratos
escribas e fariseus
Jesus o Filho de Deus
foi entregue por Pilatos
os mais horrendos maus-tratos
cada um deles fazia
Jesus a cruz conduzia
golpe de sangue lançava
do peso que carregava
quando topava caía.
Do seu vestido brilhante
brutamente lhe despiram
depois noutro lhe vestiram
de púrpura agonizante
uma coroa infamante
de espinhos tecida a mão
pra fazerem mangação
na cabeça lhe botando
todos gritavam zombando
viva o rei da nação.
Um algoz lhe espancou
com uma cana pesada
que com esta bordoada
sua cabeça sangrou
seu sangue se derramou
lavando-lhe os ombros nus
e marchando em passo truz
para em Gólgota chegar
aonde ia se findar
morto e pregado na cruz.
Jesus depois de cravado
ouviu-se os gemidos seus
clamando Deus oh! Meu Deus
porque fui abandonado
e viu-se o astro nublado
trevas pelo mundo inteiro
um centurião fronteiro
disse verdadeiramente
este homem é inocente
filho de Deus verdadeiro.
E um algoz suspendeu
uma esponja flocada
numa cana enfiada
botou vinagre e lhe deu
logo ali Jesus morreu
com seu gesto divinal
que tormento sem igual
daquela tão vil derrota
foi Judas Escariota
o sacerdote fatal.
Que profano traidor
equiparado a Lusbel
da morte fria e cruel
foi ele o traidor
que fez nosso Salvador
na cruz de prego cravado
pelo corpo retalhado
fitas de sangue corriam
dos pregos que lhe feriam
cada qual mais aguçado.
Veio José de Arimatéia
pediu seu corpo e foi dado
pareceu sendo tocado
por uma divina ideia
tirou no meio da plateia
inda pregado na cruz
afastou-se dos tafus
antes do morrer do sol
envolvido num lençol
deu sepultura a Jesus.
Numa pedra natural
que tinha grande abertura
ele deu a sepultura
ao seu corpo divinal
felizmente este local
muito fácil ele encontrou
ali o depositou
a rocha era rachada
revolveu outra pesada
cobriu com ela e deixou.
Perto estava Madalena
que sempre a Jesus seguia
ela com outra Maria
ali chorava com pena
depois dessa triste cena
seguiram na noite escura
compraram essência pura
num vaso branco trouxeram
logo de manhã vieram
incensar-lhe a sepultura.
Porém um anjo sentado
em verdade lhe dizia
eis a rocha que jazia
Jesus o crucificado
mas já foi ressuscitado
para o alto tribunal
está na graça real
na corte santa e perfeita
da parte da mão direita
de Deus Pai Celestial
Uma vez, eu era pobre,
Vivia sempre atrasado,
Botei um negócio bom
Porém vendi-o fiado
Um dia até emprestei
O livro do apurado.
Dei a balança de esmola
E fiz lenha do balcão
Desmanchei as prateleiras
Fiz delas um marquezão
Porém roubaram-me a cama
Fique dormindo no chão.
Estava pensando na vida
Como havia de passar,
Não tinha mais um vintém
Nem jeito pra trabalhar
O marinheiro da venda
Não queria mais fiar.
Pus a mão sobre a cabeça
Fiquei pensando na vida
Quando do lado do Céu
Chegou uma alma perdida,
Perguntou: – Era o senhor,
Que aí vendia bebida?
Eu disse que era eu mesmo
E a venda estava quebrada,
Mas se queria um pouquinho
Ainda tinha guardada
Obra de uns dois garrafões
De aguardente imaculada.
Me disse a alma: – Eu aceito
E lhe agradeço eternamente
Porque moro Céu, mas lá
Inda não entra aguardente
São Pedro inda plantou cana
Porém perdeu a semente.
Bebeu obra de 3 contos,
Ficou muito satisfeita
Disse: – Aguardente correta,
Imaculada direita,
Isso é que eu chamo bebida
Essa aqui, ninguém enjeita!
Perguntei-lhe: – Alma, quem és?
Disse ela: – Tua amiga,
Vim te dizer que te mude
Aqui não dá nem intriga
Quer ir para o Céu comigo?
Lá é que se bota barriga!
Eu lá subi com a alma
Num automóvel de vento
Então a alma me mostrava
Todo aquele movimento,
As maravilhas mais lindas
Que existem no firmamento.
Passamos no Purgatório,
Tinha um pedreiro caiando,
Mas adiante era o Inferno
Tinha um diabo cantando
E a alma de um ateu
Presa num tronco, apanhando.
Afinal, cheguei no Céu
A alma bateu na porta,
Como pouco chegou São Pedro
Que estava pela horta,
Perguntou-lhe: – Esta pessoa
Ainda é viva, ou é morta?
Então a alma respondeu:
– É viva, estava no mundo
Não tinha de que viver
Está feito um vagabundo,
Lá quem não for bem sabido
Passa fome, vive imundo!
São Pedro aí perguntou:
– O mundo lá, como vai?
Eu aí disse: – Meu Santo,
Lá filho rouba do pai,
Está se vendo que o mundo
Por cima do povo cai…
Eu ainda levava um pouco
Da gostosa imaculada,
Dei a ele e ele disse:
– Aguardente raciada!
E aí me disse: – Entre,
Aqui não lhe falta nada!
Arrastou uma cadeira
E mandou eu me sentar
Chamou um criado dele
Disse: – Cuide em se arrumar
Vá lá dentro e diga a ama
Que bote um grande jantar.
Quando acabei de jantar,
O Santo me convidou,
Disse: – Vamos lá na horta
Fui, ele então me mostrou
Coisas que me admiraram
E tudo me embelezou.
Vi na horta de São Pedro
Arvoredos bem criados
Tinha pés de plantações
Que estavam carregados
Pés de libras esterlinas
Que já estavam deitados.
Vi cerca de queijo e prata,
E lagoa de coalhada
Atoleiro de manteiga
Mata de carne guisada
Riacho de vinho do porto,
Só não tinha imaculada!
Prata de quinhentos réis
Eles lá chamam caipora,
Botavam trabalhadores
Para jogar tudo fora,
Esses níqueis de cruzado
Lá nascem de hora em hora.
Então São Pedro me disse:
– Quero fazer-lhe um presente,
Quando você for embora
Vou lhe dar uma semente,
Você mesmo vai escolher
Aquela mais excelente!
Deu-me dez pés de dinheiro,
Alguns querendo botar,
Filhos de queijo do reino
Já querendo safrejar,
Uns caroços de brilhante
Para eu na terra plantar.
Galhos de libra esterlina
Deu-me cento e vinte pés
Deu-me um saco de semente
De cédulas de cem mil réis
Deu-me maniva de prata
De diamante, umas dez.
Aí chamou Santa Bárbara,
Esta veio com atenção
São Pedro aí disse a ela:
Eu quero uma arrumação
Este moço quer voltar
Arranje-lhe uma condução.
– Bote cangalha num raio,
E a sela num trovão
Veja se arranja um corisco
Para ele levar na mão,
Porque daqui para Terra
Existe muito ladrão!
Eu desci do Céu alegre
Comigo não foi ninguém
Passei pelo Purgatório
Ouvi um barulho além –
Era a velha minha sogra
Que dizia: – Eu vou também!
Eu lhe disse: – Minha sogra,
Eu não posso a conduzir
Ela me disse: – Eu lhe mostro
Porque razão hei de ir
E se não for apago o raio
Quero ver você seguir!
Nisso o raio se apagou,
Desmantelou-se o trovão,
O corisco que eu trazia
Escapuliu-se da mão
E tudo quanto eu trazia
Caiu desta vez no chão.
Aí a velha voltou
Rogando praga e uivando,
Quando entrou no Purgatório
Foi se mordendo e babando
Dizendo tudo de mim
Lançando fogo e falando.
Bem dizia o meu avô:
– Sogra, nem depois de morta
Fede a carniça de corpo
A língua da alma corta
Não diz assim quem não viu
Uma sogra em sua porta.
Eu vinha com isso tudo
Que o santo tinha me dado
Mas minha sogra apanhou
O diabo descuidado
Fiquei pior do que estava
Perdi o que tinha achado.
E quando cheguei em casa
A mulher quase me come,
Ainda pegou um cacete
E me chamou tanto nome,
Disse que eu casei com ela
Para matá-la de fome…
Se não fosse minha sogra
Eu hoje estava arrumado,
Mas ela no Purgatório
Achou tudo descuidado,
Abriu a porta e danou-se
Veio deixar-me encaiporado.
Nunca mais voltei ao Céu
Para falar com São Pedro,
E ainda mesmo que possa
Não vou porque tenho medo
Posso encontrar minha sogra
E vai de novo outro enredo.
Dizem, não sei se é ditado,
Que ao diabo ninguém logra;
Porém vou contar o caso
Que se deu com minha sogra.
As testemunhas são eu,
Meu sogro, que já morreu,
E a velha, que é falecida.
Esse caso foi passado
Na rua do Pé Quebrado
Da vila Corpo Sem Vida.
Chamava-se Quebra-Quengo
A mãe de minha mulher,
Que se chamava Aluada
Da Silva Quebra-Colher,
Filha do Zé Cabeludo.
Irmã de Vítor Cascudo
E de Marcelino Brabo,
Pai de Corisco Estupor;
Mas ouça agora o senhor
Que fez a velha ao diabo.
Minha sogra era uma velha
Bem carola e rezadeira,
Tinha seu quengo lixado,
Era audaz e feiticeira;
Para ela tudo era tolo,
Porque ela dava bolo
No tipo mais estradeiro.
Era assim o seu serviço:
Ela virava o feitiço
Por cima do feiticeiro!
Disse o demo: — Quebra-Quengo,
Qual é a tua virtude?
Dizem que és azucrinada
E que a ti ninguém ilude?
Disse a velha: — Inda mais esta!
Você parece que é besta!
Que tem você c’o que faço?
Disse ele: — Tudo desmancho,
Nem Santo Antônio com gancho
Te livra hoje do meu laço!
Ela indagou: — Quem és tu?
Respondeu: — Sou o demônio,
Nem me espanto com milagre,
Nem com reza a Santo Antônio!
Pretendo entrar no teu couro!
E nisto ouviu-se um estouro!
Gritou a velha: — Jesus!
Ligeira se ajoelhou
E, depois, se persignou
E rezou o Credo em cruz!
Nisto, o diabo fugiu.
E, quando a velha se ergueu,
Ele chegou de mansinho,
Dizendo logo: — Sou eu!
Agora sou teu amigo
Quero andar junto contigo,
Mostrar-te que sou fiel.
Minha carta, queres ver?
A velha pediu pra ler
E apossou-se do papel.
— Dê-me isto! grita o diabo,
Em tom de quem sofre agravo.
Diz a velha: — Não dou mais!
Tu, agora, és o meu escravo!
Disse o diabo: — Danada!
Meteu-me numa quengada!
Sou agora escravo dela!
E disse com humildade:
— Dê-me a minha liberdade,
Que esticarei a canela!
Disse a velha: — Pé de pato,
Farás o que te mandar?
Respondeu: — Pois sim, senhora,
Pode me determinar,
Porque estou no seu cabresto
Carregarei água em cesto,
Transformarei terra em massa,
Que para isso tenho estudo;
Afinal, eu farei tudo
Que a senhora disser — faça!
Disse a velha: — Vá na igreja,
Traga a imagem de Jesus.
Respondeu: — Posso trazê-la,
Mas ela vem sem a cruz,
Porque desta tenho medo!
Disse a velha: — Volte cedo!
Ele seguiu a viagem
E ao sacristão iludiu:
Uma estampa lhe pediu
Que só tivesse uma imagem.
A velha, então, conheceu
Do cão o quengo moderno,
E, receando que um dia
A levasse para o inferno,
Para algum canto o mandou
E em sua ausência traçou
Com giz uma cruz na porta.
Voltou o cão sem demora,
Viu a cruz, ficou de fora,
Gritando com a cara torta.
Gritou o cão no terreiro:
— Aqui não posso passar!
Venha me dar minha carta,
Quero pro inferno voltar!
Disse a velha que não dava,
Mas ele continuava
A rinchar como uma besta.
— Pois fecha os olhos! ela diz.
Ele fechou e, com giz,
Fez-lhe outra cruz bem na testa!
Aí entregou-lhe a carta
E o demo pôs-se na estrada,
Dizendo com seus botões:
— Não quero mais caçoada
Com velha que seja sogra,
Porque ela sempre nos logra!
Foi, assim, a murmurar.
Quando no inferno chegou,
O maioral lhe gritou:
— Aqui não podes entrar!
— Então, já não me conhece?
Perguntou ao maioral.
— Conheço, porém, aqui
Não entras com tal sinal:
Estás com uma cruz na testa!
Disse ele: — Que história é esta?
Que é que estás aí dizendo?
Mirou-se dum espelho à luz:
Quando distinguiu a cruz,
Saiu danado, correndo!
E, na carreira em que ia,
Precipitou-se no abismo,
Perdeu o ser diabólico,
Virou-se no caiporismo,
Pela terra se espalhou,
Em todo lugar se achou,
Ao caipora encaiporando,
Embaraçando seus passos
E com traiçoeiros laços
As sogras auxiliando…
Deste fato as testemunhas
Já disse todas quais são.
Agora, quer o senhor
Saber se é exato ou não?
Invoque no espiritismo
Ou pergunte ao caiporismo,
Este que sempre nos logra,
Se sua origem não veio
Do diabo imundo e feio
E do quengo duma sogra!
Jesus pai poderoso
Minha poesia aumenta
Enquanto eu escrevo um causo
Que todo mundo comenta
O homem deixou a mulher
Pra casar com a jumenta
Isto foi na Paraíba
Município de Campina
Deixou a sua esposa
Por nome de Jarmelina
E amigou-se com a Jega
Para cumprir sua sina
Esse causo se deu
Na Paraíba do Norte
O homem pra casar com burra
Precisa que seja forte
Uns diz que é safadeza
E outros diz que é sorte
No mundo aparece coisa
Que parece uma novela
Um homem assim não tem
O valor de uma cadela
Olhe na capa do livro
Ele abraçado com ela
Seu nome Senhor Pereira
Com Jarmelina casado
Porém há mais de mês
Que ele vinha amigado
Namorando uma jumenta
Lá num canto reservado
Ele avistando a jumenta
Ficou hipnotizado
la abanou as orelhas
Como quem dar um recado
E ele com ar de louco
Quase morto e apaixonado
A jumenta olhou pra ele
Fez um sinal de amor
Ele abraçou-se com ela
Chamando de minha flor
Somente tu é quem cura
A minha triste dor
E ai seguiu direto
A casa do fazendeiro
E lhe comprou a jumenta
Pelo um avultado dinheiro
E levou-a para casa dizendo
És meu amor verdadeiro
Ele chegou em casa
Botou na estribaria
e abraçava com ela
Alegremente sorria
Era amigado com ela
Mais a mulher não sabia
Desse dia por diante
Ele ficou diferente
Só ia em casa almoçar
E voltava rapidamente
Pra abraçar-se com a jumenta
O seu amor excelente
Tudo que a mulher fazia
Para ele não prestava
Somente com a jumenta
Ele se consolava
Ele beijava a jumenta
E ela também lhe beijava
E assim mais de dois meses
Em casa ele não dormia
Às dez e meia da noite
De casa ele sumia
E só voltava pra casa
No romper do novo dia
Nas obrigações de casa
Ele fez certo resumo
A mulher desconfiada
Como sempre e de costume
E assim desta maneira
Foi aumentando o ciúme
Ele trazia para casa
Fava,farinha e pimenta,
Milho, feijão e arroz
Levava para jumenta
E dessa vez sua esposa
Quase que se arrebenta
A mulher ele dava dez contos
E a Jega ele dava cem
A mulher passando fome
E a Jega passando bem
Sua esposa dizia
Outra mulher ele tem
A mulher se aperriou
E ficou apavorada
Ela dizia Pereira
Tem outra namorada
Mais eu tô indo e pego
Os dois numa emboscada
Ela disse se eu pegar
A parada vai ser cinzenta
E eu meto pau nos dois
Quebro perna, braço e venta
Mas deixa que ele estava
Amigado com uma jumenta
E assim ficou tocalhando
Toda hora e todo dia
Até que pegou os dois
Dentro da estribaria
Ele abraçado com a burra
Fazendo o que bem queria
A sua esposa legítima
Chama-se Jarmelina
E ele brincando com a burra
Chamava ela Cravina
Dizia que vamos casar
Que nosso signo combina
Ela dava beijo nele
Ele dava beijo nela
Ela se abraçava com ele
Ele se abraçava com ela
Sem verem que a velha estava
Escondida na cancela
Ela abriu a porteira
E saiu devagarzinho
Chegou com um toro de pau
Na ponta só tinha espinho
E danou na cara dele
Que arrebentou-lhe o fucinho
A jumenta pulou de lado
Ele se esparramou ao chão
Além da queda e da dor
Levou mais um empurrão
E a mulher foi a cidade
Se queixar ao capitão
Ela contou toda a história
Ao capitão Luiz
Seu caso é judicial
Só quem resolve é o juiz
Ela disse eu vou agora
Pra ver o que ele diz
Ao Juiz ela contou
Como foi todo ocorrido
Eu quero me desquitar
Daquele cabra bandido
Então vá buscar ele
Prá o caso ser resolvido
O Juiz disse este homem
Por certo é maluco
Prá atender o Juiz
No mesmo instante chegou
E a sua história amorosa
Ao Juiz ela contou
O Juiz disse a sua esposa
Pede prá ser disquitada
O senhor com uma jumenta
Ela fica envergonhada
Ele disse a burra é minha
Isso não quer dizer nada
Eu também peço o disquite
Meu com minha mulher
Depois disto ela pode
Casar com quem quiser
E eu caso com a jumenta
Dê o caso no que der
O Juiz pra ele falou
Com a frase muito grosseira
Você vai deixar sua esposa
Nova bonita e fagueira
Pra casar com uma jumenta
E fazer sua caseira
Essa mulher que era minha
Até o diabo arrenega
O homem é ouro de lei
Nada ruim não lhe pega
Dessas mulheres que tem hoje
É muito melhor uma jega
E mesmo o senhor está vendo
A caristia é sem fim
Eu faço a feira pra casa
Ela ainda acha ruim
E a jumenta eu sustento
Com salambaia e capim
Nisso chegou Abraão
Que viu todo negócio
Disse perante ao Juiz
Já que assinei o divórcio
Vou casar com Jarmelina
Para de Pereira eu ser sócio
Dentro de dois minutos
Fizeram a transação
Pereira casou com a Jega
Prenda do seu coração
Jarmelina também casou
Com o poeta Abraão.
C OM AGRADECIMENTOS A PEDRO FERNANDO MALTA
João Grilo foi um cristão
que nasceu antes do dia
criou-se sem formosura
mas tinha sabedoria
e morreu depois da hora
pelas artes que fazia.
E nasceu de sete meses
chorou no bucho da mãe
quando ela pegou um gato
ele gritou: não me arranhe
não jogue neste animal
que talvez você não ganhe.
Na noite que João nasceu
houve um eclipse na lua
e detonou um vulcão
que ainda continua
naquela noite correu
um lobisomem na rua.
Porem João Grilo criou-se
pequeno, magro e sambudo
as pernas tortas e finas
boca grande e beiçudo
no sitio onde morava
dava noticia de tudo.
João perdeu o pai
com sete anos de idade
morava perto de um rio
ia pescar toda tarde
um dia fez uma cena
que admirou a cidade.
O rio estava de nado
vinha um vaqueiro de fora
perguntou: dará passagem?
João Grilo disse: inda agora
o gadinho de meu pai
passou com o lombo de fora.
O vaqueiro botou o cavalo
com uma braça deu nado
foi sair já muito embaixo
quase que morre afogado
voltou e disse ao menino:
você é um desgraçado!
João Grilo foi ver o gado
para provar aquele ato
veio trazendo na frente
um bom rebanho de pato
os patos passaram n’agua
João provou que era exato.
Um dia a mãe de João Grilo
foi buscar água à tardinha
deixou João Grilo em casa
e quando deu fé lá vinha
um padre pedindo água
nessa ocasião não tinha.
João disse; só tem garapa
disse o padre: donde é?
João Grilo lhe respondeu:
é do engenho Catolé!
disse o padre: pois eu quero
João levou uma coité.
O padre bebeu e disse:
oh! que garapa boa!
João Grilo disse: quer mais?
o padre disse; e a patroa
não brigará com você?
João disse: tem uma canoa.
João trouxe outra coité
naquele mesmo momento
disse ao padre: bebe mais
não precisa acanhamento
na garapa tinha um rato
estava podre o fedorento.
O padre disse: menino
tenha mais educação
e porque não me disseste?
oh! natureza do cão!
pegou a dita coité
arrebentou-a no chão.
João Grilo disse; danou-se!
misericórdia, S. Bento!
com isto mamãe se dana
me pegue mil e quinhentos
essa coité, seu vigário
é de mamãe mijar dentro!
O padre deu uma pôpa
disse para o sacristão
esse menino é o diabo
em forma de cristão!
meteu o dedo na goela
quase vomita o pulmão.
João Grilo ficou sorrindo
pela cilada que fez
dizendo: vou confessar-me
no dia sete do mês
ele nunca confessou-se
foi essa a primeira vez.
João Grilo tinha um costume
para toda parte que ia
era alegre e satisfeito
no convívio da alegria
João Grilo fazia graça
que todo mundo sorria.
Num dia de sexta-feira
às cinco horas da tarde
João Grilo disse: hoje a noite
eu assombro aquele padre
se ele não perdoar-me
na igreja há novidade.
Pegou uma lagartixa
amarrou-a pelo gogó
botou-a numa caixinha
no bolso do palitó
foi confessar-se João Grilo
com paciência de Jó.
As sete horas da noite
foi ao confessionário
fez logo pelo-sinal
posto nos pés do vigário
o padre disse: acuse-se;
João disse o necessário.
Eu sou aquele menino
da garapa e da coité;
o padre disse: levante-se,
eu já sei você quem é;
João tirou a lagartixa
soltou-a junto do pé.
A lagartixa subiu
por debaixo da batina
entrou na perna da calça
tornou-se feia a buzina
o padre meteu os pés
arrebentou a cortina.
Jogou a batina fora
naquela grande fadiga
a lagartixa cascuda
arranhando na barriga;
João Grilo de lá gritava;
seu padre, Deus lhe castiga!
O padre impaciente
naquele turututu
saltava pra todo lado
que parecia um timbu
terminou tirando as calças
ficando o esqueleto nu.
João disse: padre é homem?
pensei que fosse mulher
anda vestido de saia
não casa porque não quer
isto é que é ser caviloso
cara de mata bebé.
O padre disse: João Grilo
vai-te daqui infeliz!
João Grilo disse: bravo
do vigário da matriz
é assim que ele me paga
o benefício que fiz?
João Grilo foi embora
o padre ficou zangado
João Grilo disse: ora sebo
eu não aliso croado
vou vingar-me duma raiva
que tive o ano passado.
No subúrbio da cidade
morava um português
vivia de vender ovos
justamente nesse mês
denunciou de João Grilo
pelas artes que ele fez.
João encontrou o português
com a égua carregada
com duas caixas de ovos
João lhe disse: oh! camarada
deixa eu dizer a tua égua
uma pequena charada.
O português disse: diga,
João chegou bem no ouvido
com a ponta do cigarro
soltou-a dentro escondido
a égua meteu os pés
foi temeroso estampido
Derrubou o português
foi ovos pra todo lado
arrebentou a cangalha
ficou o chão ensopado
o português levantou-se
tristonho e todo melado
O português perguntou:
o que foi que tu disseste
que causou tanto desgosto
a esse animal agreste?
– Eu disse que a mãe morreu
o português respondeu:
oh égua besta da peste!
João Grilo foi a escola
com sete anos de idade
com dez anos ele saiu
por espontânea vontade
todos perdiam pra ele
outro Grilo como aquele
perdeu-se a propriedade
João Grilo em qualquer escola
chamava o povo atenção
passava quinau nos mestres
nunca faltou com a lição
era um tipo inteligente
no futuro e no presente
João dava interpretação
Um dia pergunta ao mestre:
O que é que Deus não vê
o homem vê qualquer hora?
diz ele: não pode ser
pois Deus vê tudo no mundo
em menos de um segundo
de tudo pode saber
João Grilo disse: qual nada
quêde os elementos seus?
abra os olhos, mestre velho
que vou lhe mostrar os meus
seus estudos se consomem
um homem ver outro homem
só Deus vão ver outro Deus
João Grilo disse: seu mestre,
me diga como se chama
a mãe de todas as mães?
tenha cuidado no drama
o mestre coça a cabeça
disse: antes que me esqueça
vou resolver o programa
– A mãe de todas as mães
é Maria Concebida
João Grilo disse: eu protesto
antes dela nascer
já esta mãe existia
não foi a Virgem Maria
oh que resposta perdida!
João Grilo disse depois
num bonito português:
a mãe de todas as mães
já disse e digo outra vez
como a escritura ensina
é a natureza divina
que tudo criou e fez
– Me responda professor
entre grandes e pequenos
quero que fique notável
por todos nossos terrenos
responda com rapidez
como se chama o mês
que a mulher fala menos?
– Este mês eu não conheço
quem fez esta tabuada?
João Grilo lhe respondeu:
ora sebo, camarada
pra mim perdeu o valor
ter o nome de professor
mais não conhece de nada
– Este mês é fevereiro
por todos bem conhecido
só tem vinte e oito dias
o tempo mais resumido
entre grandes e pequenos
é o que a mulher fala menos
mestre, você está perdido
– Seu professor, me responda
se algum tempo estudou
quem serviu a Jesus Cristo
morreu e não se salvou
no dia que ele morreu
seu corpo o urubu comeu
e ninguém o sepultou?
– Não conheço quem é esse
porque nunca vi escrito;
João Grilo lhe respondeu:
foi um jumento está dito
que a Jesus Cristo servia
na noite que ele fugia
de Belém para o Egito
João Grilo olhou de um lado
disse para o diretor:
fique sabendo o senhor
sem dúvida exame não fez
o aluno desta vez
ensinou ao professor
João Grilo foi para casa
encontrou sua mãe chorando
ele então disse: mamãe
não está ouvindo encantando?
não chora, cante mais antes
pois o seu filho garante
pra isso vive estudando
A mãe de João Grilo disse:
choro por necessidade
sou uma pobre viúva
e tu de menor idade
até da escola saíste;
João lhe disse: ainda existe
o mesmo Deus de bondade
— A senhora pensa em carne
de vinte mil réis o quilo
ou talvez no meu destino
que a força hei de segui-lo?
não chore, fique bem certa
a senhora só se aperta
quando matarem João Grilo
João chegou no rio
ás cinco horas da tarde
passou até nove horas
porém tudo foi debalde
na noite triste e sombria
João Grilo sem companhia
voltava sem novidade
Chegando dentro da mata
ouviu lá dentro um gemido
os lobos devoradores
o caminho interrompido
e trepou-se num pinheiro
como era forasteiro
ficou calado escondido
Os lobos foram embora
e João não quis descer
disse: eu dormirei aqui
suceda o que suceder
eu hoje imito araquan
só vou embora amanhã
quando o dia amanhecer
O Grilo ficou trepado
temendo lobos e leões
pensando na fatal sorte
e recordando as lições
que na escola estudou
quando do súbito chegou
uns quatro ou cinco ladrões
Eram uns ladrões de Meca
que roubavam no grito
se ocultavam na mata
naquele bosque esquisito
pois cada um de persi
que vinha juntar-se ali
para ver quem era perito
O capitão dos ladrões
disse: não fala ninguém?
um respondeu: não senhor
disse ele: muito bem
cuidado, não roubem vã
vamos ajuntar-nos amanhã
na capela de Belém
— Lá partiremos o dinheiro
pois aqui tudo é graúdo
temos um roubo a fazer
desde ontem que estudo
mas já estou preparado;
e o Grilo lá trepado
calado e escutando tudo.
Os ladrões foram embora
depois da conversação
João Grilo ficou ciente
dizendo em seu coração:
se Deus ajudar a mim
acabou-se tempo ruim
sou eu quem ganho a questão
João Grilo desceu da árvore
quando o dia amanheceu
mas quando chegou em casa
não contou o que se deu
furtou um roupão de malha
vestiu fez uma mortalha
lá no mato se escondeu
À noite foi pra capela
por detrás da sacristia
vestiu-se com a mortalha
pois a capela jazia
sempre com a porta aberta
João Grilo partiu na certa
colher o que pretendia
Deitou-se lá num caixão
que enterrava defunto
João Grilo disse: hoje aqui
vou ganhar um bom presunto;
os ladrões foram chegando
João Grilo observando
sem pensar em outro assunto
Acenderam um farol
penduraram numa cruz
foram contar o dinheiro
no claro de uma luz
João Grilo de lá gritou:
esperem por mim que vou
com as ordens de Jesus!
Os ladrões dali fugiram
quando viram a alma em pé
João Grilo ficou com tudo
disse: já sei como é
nada no mundo me atrasa
agora vou pra casa
tomar um rico café
Chegou e disse: mamãe
morreu nossa precisão
o ladrão que rouba outro
tem cem anos de perdão;
contou o que tinha feito
disse a velha: está direito
vamos fazer refeição
Bartolomeu do Egito
foi um rei de opinião
mandou convidar João Grilo
pra uma adivinhação
João Grilo disse: eu vou,
no outro dia embarcou
para saudar o sultão
João Grilo chegou na corte
cumprimentou o sultão
disse: pronto, senhor rei
(deu-lhe um aperto de mão)
com calma e maneira doce
o sultão admirou-se
da sua disposição
O sultão pergunta ao Grilo:
de onde você saiu?
aonde você nasceu?
João Grilo fitou ele e sorriu
— Sou deste mundo d’agora
nasci na ditosa hora
que minha mãe me pariu
— João Grilo, tu adivinha?
e Grilo respondeu, não
eu digo algumas coisas
conforme a ocasião
quem canta de graça é galo
cangalha só pra cavalo
e seca só no sertão
— Eu tenho doze perguntas
pra você me responder
no prazo de quinze dias
escute o que vou dizer
veja lá como se arruma
é bastante faltar uma
está condenado a morrer
João Grilo disse: estou pronto
pode dizer a primeira
se acaso sair-me bem
venha a segunda e a terceira
venha a quarta e a quinta
talvez o Grilo não minta
diga até a derradeira
Perguntou: qual o animal
que mostra mais rapidez
que anda de quatro pés
de manhã por sua vez
ao meio-dia com dois
passando disto depois
a tarde anda com três?
O Grilo disse: é o homem
que se arrasta pelo chão
no tempo que engatinha
depois toma posição
anda em pé bem seguro
mas quando fica maduro
faz três pés com o bastão
O sultão maravilhou-se
com sua resposta linda
João disse: pergunte outra
vou ver se respondo ainda;
a segunda o sultão fez
João Grilo daquela vez
celebrizou sua vinda
— Grilo, você me responda
em termos bem divididos
uma cova bem cavada
doze mortos estendidos
e todos mortos falando
cinco vivos passeando
trabalham com três sentidos
— Esta cova é um violão
com prima, baixo e bordão
mortas são as doze cordas
quando canta um cidadão
canta, toca e faz verso
cinco vivos num progresso
os cinco dedos da mão
Houve uma salva de palma
com vivas que retumbou
o sultão ficou suspenso
seu viva também bradou
depois pediu silencio
com outro desejo imenso
a terceira perguntou
João Grilo, qual é a coisa
que eu mandei carregar
primeiro dia e segundo
no terceiro fui olhar
quase dá-me a tiririca
se tirar mais grande fica
não mingua, faz aumentar?
— Senhor rei, sua pergunta
parece me fazer guerra
um Grilo não tem saber
criado dentro da serra
mas digo pra quem conhece
o que tirando mais cresce
é um buraco na terra
— João Grilo, vou terminar
as perguntas do tratado
e Grilo disse: pergunte
quero ficar descansado;
disse o rei: é muito exato
o que é que vem do alto
cai em pé, corre deitado?
— Aquele que cai em pé
e sai correndo no chão
será uma grande chuva
nos barros de um sertão;
o rei disse: muito bem
no mundo todo não tem
outro Grilo como João
— João Grilo, você bebe?
João disse: bebo um pouquinho
e disse: eu não sou filho
de Baco que fez o vinho
o meu pai morreu bebendo
eu o que estou fazendo?
de boca aberta em seu ninho
O rei disse: João Grilo
beber é coisa ruim
e Grilo respondeu: qual
o meu pai dizia assim:
na casa de seu Henrique
zelam bem um alambique
melhor do que um jardim
O rei disse: João Grilo
tua fama é um estrondo
João Grilo disse: eu sabendo
o que perguntar respondo
disse o rei enfurecido:
o que tem o pé comprido
e faz o rastro redondo?
Senhor rei, tenho lembrança
de tempo da minha avó
que ela tinha um compasso
na caixa do bororó
como esse eu também ando
fazendo o rastro redondo
andando com uma perna só
João qual é o bicho,
que passa pela campina
a qualquer hora da noite
andando de lamparina?
é um pequeno animal
tem luz artificial;
veja o que determina
— Esse bicho eu já vi
pois eu tinha por costume
de brincar sempre com êle
minha mãe tinha ciúme
eu andava pelo campo
uns chamam pirilampo
e outros de vagalume
O rei já tinha esgotado
a sua imaginação
não achou uma pergunta
que interrompesse a João
disse: me responda agora
qual é o olho que chora
sem haver consolação?
O Grilo então respondeu:
lá muito perto da gente
tem num oiteiro importante
um moço muito doente
suas lágrimas têm paladar
quem não deixa de chorar
é olho d’água vertente
O rei inventou um truque
do jeito que lhe convinha
— Vou arrumar uma cilada
ver se João adivinha
mandou vir um alçapão
fez outra adivinhação
escondeu uma bacurinha
— João, o que é que tem
dentro deste alçapão?
se não disser o que é
é morto, não tem perdão
João Grilo lhe respondeu:
quem mata um como eu
não tem dó no coração
João lhe disse: esse objeto
nem é manso nem é brabo
nem é grande nem é pequeno
nem é santo nem é diabo
bem que mamãe me dizia
que eu ainda caía
onde a porca torce o rabo
Trouxeram uma bandeja
ornada de muitas flores
dentro dela uma latinha
cheia de muitos fulgores
o rei lhe disse: João Grilo
é este o último estrilo
que rebenta tuas dores
João Grilo desta vez
passou na última estica
adivinhar uma coisa
nojenta que se pratica
fugir da sorte mesquinha
pois dentro da lata tinha
um pouquinho de xinica
O rei disse: João Grilo
veja se escapa da morte
o que tem nesta latinha?
responda se tiver sorte
toda aquela populaça
queria ver a desgraça
do Grilo franzino e forte
— Minha mãe profetizou
que o futuro è minha perda
— Dessas adivinhações
brevemente você herda
faz de conta que já vi
como esta hoje aqui
parece que dá em merda
O rei achou muita graça
nada teve o que fazer
João Grilo ficou na corte
com regozijo e prazer
gozando um bom paladar
foi comer sem trabalhar
desta data até morrer
E todas as questões do reino
era João que deslindava
qualquer pergunta difícil
ele sempre decifrava
julgamentos delicados
problemas muito enrascados
e João Grilo desmanchava
Certa vez chegou na corte
em mendigo esfarrapado
com uma mochila nas costas
dois guardas de cada lado
seu rosto cheio de mágoa
os olhos vertendo água
fazia pena o coitado
Junto dele estava um duque
que veio denunciar
dizendo que o mendigo
na prisão ia morar
por não pagar a despesa
que fizera por afoiteza
sem ter como lhe pagar
João Grilo disse ao mendigo:
e como é, pobretão
que se faz uma despesa
sem ter no bolso um tostão
me conte todo passado
depois de eu ter-lhe escutado
lhe darei razão ou não
Disse o mendigo: sou pobre
e fui pedir uma esmola
na casa do senhor duque
levei a minha sacola
quando cheguei na cozinha
vi cozinhando galinha
numa grande caçarola
Como a comida cheirava
eu tive apetite nela
tirei um taco de pão
e marchei pro lado dela
e sem pensar na desgraça
botei o pão na fumaça
que saia da panela
O cozinheiro zangou-se
chamou logo o seu senhor
dizendo que eu roubara
da comida o seu sabor
só por eu ter colocado
um taco de pão mirrado
aproveitando o vapor
Por isso fui obrigado
a pagar essa quantia
como não tive dinheiro
o duque por tirania
mandou trazer-me escoltado
para depois de ser julgado
ser posto na enxovia
João Grilo disse: está bem
não precisa mais falar:
então perguntou ao duque:
quanto o homem vai pagar?
– Cinco coroas de prata
ou paga ou vai pra chibata
não lhe deve perdoar
João Grilo tirou do bolso
a importância cobrada
na mochila do mendigo
deixou-a depositada
e disse para o mendigo:
balance a mochila, amigo
pro duque ouvir a zuada
O mendigo sem demora
fez como Grilo mandou
pegou sua mochilinha
sem compreender o truque
bem no ouvido do duque
o dinheiro tilintou
Disse o duque enfurecido:
mas não recebi o meu,
diz João Grilo: sim senhor,
isto foi o que valeu
deixe de ser batoteiro
o tinido do dinheiro
o senhor já recebeu
– Você diz que o mendigo
por ter provado o vapor
foi mesmo que ter comido
seu manjar e seu sabor
pois também é verdadeiro
que o tinir do dinheiro
representa o seu valor
Virou-se para o mendigo
e disse: estás perdoado
leva o dinheiro que dei-te
vai pra casa descansado
o duque olhou para o Grilo
depois de dar um estrilo
saiu por ali danado
A fama então de João Grilo
foi de nação em nação
por sua sabedoria
e por seu bom coração
sem ser por ele esperado
um dia foi convidado
para visitar um sultão
O rei daquele país
quis o reino embandeirado
pra receber a visita
do ilustre convidado
o castelo estava em flores
cheio de tantos fulgores
ricamente engalanado
As damas da alta corte
trajavam decentemente
toda corte imperial
esperava impaciente
ou por isso ou por aquilo
para conhecer João Grilo
figura tão eminente
Afinal chegou João Grilo
no reinado do sultão
quando ele entrou na corte
que grande decepção!
de paletó remendado
sapato velho furado
nas costas um matulão
O rei disse: não é ele
pois assim já é demais;
João Grilo pediu licença
mostrou-lhe as credenciais
embora o rei não gostasse
mandou que ele ocupasse
os aposentos reais
Só se ouvia cochichos
que vinham de todo lado
as damas então diziam:
é esse o homem falado?
duma pobreza tamanha
e ele nem se acanha
de ser nosso convidado?
Até os membros da corte
diziam num tom chocante
pensava que o João Grilo
fosse dum tipo elegante
mas nos manda 1 remendado
sem roupa, esfarrapado
um maltrapilho ambulante
E João Grilo ouvia tudo
mas sem dar demonstração
em toda a corte real
ninguém lhe dava atenção
por mostrar-se esmolambado
tinha sido desprezado
naquela rica nação
Afinal veio um criado
e disse sem o fitar:
já preparei o banheiro
para o senhor se banhar
vista uma roupa minha
e depois vá pra cozinha
na hora de almoçar
João Grilo disse; está bom;
mas disse com seu botão:
roupas finas trouxe eu
dentro de meu matulão
me apresentei rasgado
para ver neste reinado
qual era a minha impressão
João Grilo tomou um banho
vestiu uma roupa de gala
então muito bem vestido
apresentou-se na sala
ao ver seu traje tão belo
houve gente no castelo
que quase perdia a fala
E então toda repulsa
transformou-se de repente
o rei chamou-o pra mesa
como homem competente
consigo, dizia João:
na hora da refeição
vez ensinar esta gente
O almoço foi servido
porém João não quis comer
despejou vinho na roupa
só para vê-lo escorrer
ante a corte estarrecida
encheu os bolsos de comida
para toda corte ver
O rei bastante zangado
perguntou pra João:
por que motivo o senhor
não come da refeição?
respondeu João com maldade:
tenha calma, majestade
digo já toda razão
Esta mesa tão repleta
de tanta comida boa
não foi posta pra mim
um ente vulgar a toa
desde sobremesa a sopa
foram postas à minha roupa
e não à minha pessoa
Os comensais se olharam
o rei pergunta espantado:
por que o senhor diz isto
estando tão bem tratado?
disse João: isso se explica
por está de roupa rica
não sou mais esmolambado
Eu estando esfarrapado
ia comer na cozinha
mas como troquei de roupa
como junto da rainha
vejo nisto um grande ultraje
homenagem ao meu traje
e não a pessoa minha
Toda corte imperial
pediu desculpa a João
e muito tempo falou-se
naquela dura lição
e todo mundo dizia
que sua sabedoria
era igual a Salomão.
Do rosto da poesia
eu tirei o santo véu
e pedi licença a ela
para tirar o chapéu
e escrever a chegada
da prostituta no céu…
Sabemos que a prostituta
é também um ser humano
que por uma iludição
fraqueza ou desengano
o seu viver é volúvel
sempre abraça ao engano…
Vive metida em orgia
e cheia de vaidade
é raro uma que trabalha
e usa honestidade
por isso fica odiada
perante a sociedade…
Todas as religiões
para ela escala uma pena
se o homem lhe abraça
a mulher casada condena
mas sabemos que Jesus
perdoou a Madalena…
Falar sobre prostituta
é um caso muito sério
que é um ser sofredor
sua vida é de mistério
e para sobreviver
sempre usa o adultério…
Perante a sociedade
ela é marginalizada
existe umas mais calmas
e outras mais depravadas
e quem tem mais ódio delas
é a própria mulher casada…
Ela vive aqui na terra
enfrentando um sacrifício
se vende para os homens
muitas se entrega no vício
e nova se estraga e faz
da miséria ofício…
Aconteceu que uma delas
morreu em um certo dia
e pela vida que levava o
o povo sempre dizia
ela vai para o inferno
pelos atos que fazia…
Assim que foi enterrada
a alma se destinou
querendo ir para o céu
mas primeiro ela passou
pelo portão do inferno
e o diabo lhe acompanhou…
Saiu correndo atrás dela
dizendo vem cá bichinha
um bocado como tu faz
tempo que aqui não vinha
e eu estou gamadão
nesta garota novinha…
Mas na carreira que vinha
o diabo e a prostituta
passaram no purgatório
e no sindicato das puta
e lá no portão do céu
foi que começou a luta…
Porque já se encontrava
uma mulher bem casada
arengando com o marido
que morreu de uma virada
e queria entrar no céu
com uma faca afiada…
Essa mulher que morreu
era muito ciumenta
quando viu a prostituta
entortou o pau da venta
e disse: vou te furá
foi uma luta cinzenta…
Furou a mulher na perna
o marido puxou no braço
o diabo pegou também dizendo
já sei que faço
vou levar mesmo sem perna
mas levo o melhor pedaço…
Nessa zuada São Pedro
se apresentou no portão
e disse: não tem lugar
pra mulher com bestalhão
só tem pra mulher sozinha
e foi logo estirando a mão…
E pegou logo no braço
da mulherzinha assanhada
disse: você pode entrar
aqui não lhe falta nada
vai dormir na minha cama
até alta madrugada…
Mas atrás dela já vinha
outro cara de complô
e disse: eu entro também
pode dá o estupô
porque na terra eu era
dessa mulher gigolô…
São Pedro lhe respondeu
mas aqui é diferente
sou o chaveiro do céu
e aqui neste batente
só entra quem eu quiser
que sou velho, mas sou quente…
Disse: vocês lá na terra
fazem tudo quanto quer
maltrata as prostitutas
e usam como quiser
mas aqui eu trato bem
a todos que aqui vier…
E entrou de braço dado
com a mulherzinha singela
com uma perna furada
mas São Pedro tratou dela
e deu apoio a prostituta
que ninguém bulia nela…
Depois disso a prostituta
foi fazendo o que bem quis
botou galha em São Pedro
namorou com São Luiz
tirou sarro com São Bento
no beco do chafariz…
Uma noite de São João
dançou com São Expedito
levou xêxo de São Brás
namorou com São Carlito
e no fim da festa foi
dormir com São Benedito…
E não quis Santo Oscar
por ser barbudo demais
deixou ele na espera
e foi dormir com São Brás
Santo Oscar quando acordou
Falou alto e bem voraz…
Disse ele: hoje mesmo
antes de tomar café
eu vou contar a Jesus
essa puta como é
depois de sua chegada
o céu virou cabaré…
Ele foi e disse a Jesus
que ela era depravada
Jesus respondeu calmo
deixa essa pobre coitada
se na terra sofreu tanto
como vai ser castigada?
Na terra não teve apoio
em meio a sociedade
levou a vida sofrendo
e fazendo caridade
aceitando preto e branco
que tinha necessidade…
Mesmo com as prostitutas
vive cheio de tarado
correndo atrás das moças
e mulher de homem casado
se não houvesse prostituta
qual seria o resultado?
Ele ficou cabisbaixo
e respondeu: muito bem
se o sol nasce pra todos
pra mulher nasceu também
se um dia eu pegar ela
trituro e deixo um xerém…
Aí ficou sem efeito
a denúncia de Santo Oscar
pediu perdão a Jesus
e voltou pra seu lugar
e encontrou Mariano
num sarro de admirar…
Aqui termino o livrinho
em favor das prostituta
para vender aos homens
a rapaz, a corno e puta
pessoas de baixo porte
e aos de boa conduta…
Quero contar a história
Verdadeira e gloriosa
De um diplomata de peso
De carreira luminosa;
Um crânio cheio de graça,
O nosso gênio da raça,
O baiano Rui Barbosa.
Rui foi um líder político,
Deputado e senador,
Ministro por duas vezes,
Foi filólogo e escritor,
Tradutor e jornalista
Um consagrado jurista
E um gênio como orador!
Porém existe um detalhe
Nas muitas aptidões
Deste crânio brasileiro.
Que deixou tantas lições:
É seu lado DIPLOMATA,
Onde ele compôs a nata
Do concerto das nações!
Foi aí que Rui Barbosa
Consagrou-se de verdade,
Tornou-se a “Águia de Haia”
Com tal legitimidade
Que armado de mente e lábios
Tornou-se um dos “Sete Sábios”
Maiores da humanidade.
Seu tipo físico era frágil:
Quase anão na estatura.
Um metro e cinquenta e oito,
Setenta e dois de cintura.
Corpo encurvado e franzino,
Fisicamente um menino
Mas um titã na cultura!
Só quarenta e oito quilos
De peso e de sapiência;
A fragilidade física
Escondendo a inteligência…
Mas provou aos seus carrascos
Que “é nos menores frascos
Que mora a melhor essência”!
Rui Barbosa de Oliveira,
De Salvador, bom baiano.
Nasceu em mil e oitocentos
E quarenta e nove, o ano;
Foi a cinco de novembro
Que a luz viu o maior membro
Do saber brasiliano.
Seu pai, Doutor João José,
Viu no anão um titã,
Ensinou-lhe amar os livros,
Do saber tornou-lhe um fã.
Maria Adélia gerou-lhe
E com carinho ensinou-lhe
Amor e moral cristã.
Com a mãe também aprendeu
Amar os descamisados
Aos que a vida excluiu,
Aos pobres e explorados,
Ao humilhado e ao cativo…
Por isso tornou-se ativo
Defensor dos humilhados.
Com cinco anos de idade
Rui na escola ingressou;
Seu mestre Antônio Gentil
Muito espantado exclamou:
Meu Brasil, eu lhe apresento
O mais incrível talento
Que a Bahia já criou!
Aprendeu em quinze dias
Distinguir as orações
E dos verbos regulares
Fazer as conjugações,
Juntar letras, soletrar,
E com um ano a destrinchar
As mais difíceis lições.
Aos onze anos de idade
Já no Ginásio Baiano,
Professor Abílio César
Disse a seu pai: Não me engano.
Tudo que eu sei, Rui já sabe.
Portanto, João, já lhe cabe
Colocar Rui noutro plano.
Foi quando Rui recebeu
Sua maior honraria,
Uma Medalha de Ouro,
Do arcebispo da Bahia…
E entre milhões de imagens
De glórias e de homenagens
Desta, nunca esqueceria.
No ano sessenta e quatro
Conclui o ginasial.
Só tinha quatorze anos
Não tinha idade ideal
Para a faculdade e então
Foi estudar Alemão
Até o prazo normal.
Ao fazer dezesseis anos,
Já tendo idade e conceito
Foi para Olinda cursar
Faculdade de Direito,
Provando o fato verídico
Que para o mundo jurídico
Era o cérebro mais perfeito.
1
Porém em 68
Contraiu um grande mal
Adoeceu gravemente
De um “incômodo cerebral”
Deu um tempo em quase tudo
Paralisou o estudo
Até voltar ao normal
E enquanto ficou em casa
Por um bom tempo abrigou
O poeta Castro Alves
Que Eugênia Câmara largou;
Castro, de Rui era um mano,
Pois no Ginásio Baiano
Na mesma turma estudou.
Rui fica bom e de novo
Sua faculdade enfrenta,
Se transfere pra São Paulo,
Curso que mais fama ostenta;
Ali virou bacharel.
Ganhou diploma e anel
Já no ano de 70.
Doutor, voltou à Bahia,
Seu solo amado e natal.
De novo sofreu as dores
Do “incômodo cerebral”
Mas foi logo advogar
Passando rápido a provar
Ser grande profissional.
Nesse tempo Rui Barbosa,
Mesmo sem ganhar fortunas
Por advogar pra os pobres
Já brilhava nas tribunas,
E os embates sociais
Travava pelos jornais
Com artigos e colunas.
No Diário da Bahia
Escrevia a pura prosa.
Neste tempo, o coração
Do genial Rui Barbosa
Por Brasília, jovem bela,
Caiu na triste esparrela…
A primeira crise amorosa.
Mas a dor-de-cotovelo
Ele logo compensou.
Discursos e conferências
Onde fazia, era show.
Pela força da Oratória
Em pouco alcançou a glória,
Seu nome se consagrou.
Casou-se em 76
Com uma bela baiana
Com quem construiu família:
Maria Augusta Viana
Bandeira da sua vida,
Amada e deusa querida,
Fantástica figura humana.
Augusta e Rui produziram
Uma família garbosa:
Que tinha nos nomes o
Sobrenome “Ruy Barbosa”.
Cinco filhos exemplares
Diplomatas, militares
E um político bom de prosa!
Rui ergueu-se em seu talento
Para enfrentar a ganância.
A ditadura e a maldade
Ele enfrentou com tal ânsia
Que esqueceu banca e saúde
Para abraçar com virtude
A causa e a militância!
No ano 77
De muita seca e horror
Rui se elegeu deputado
Erguendo um novo valor.
Pela grandeza exibida
Foi escolhido em seguida
Pra ser nosso senador.
Nabuco disse que Rui
Fez a República garbosa;
Benjamim lhe atribuiu
Revolução luminosa.
Patrocínio, disse então:
“Deus acendeu um vulcão
Na cabeça de Barbosa”.
E veio a Abolição
Da escravidão malvada;
Vimos três anos depois
A República proclamada,
Cujo primeiro decreto
Teve o talento completo
Da sua mão consagrada!
Fez a Constituição
Da República brasileira;
Poucos retoques fizeram
Sobre a redação primeira
Seu texto estava perfeito
Na política e no Direito,
Uma obra verdadeira.
E ao nascer a República,
Pelo seu saber notório
Foi primeiro vice chefe
Do Governo Provisório.
Brilhante, firme, empolgado
O Brasil foi transformado
Em seu gigante auditório!
Rui Barbosa e Deodoro
Neste governo de início
Separaram Estado e Igreja
Evitaram o precipício
Com o tumulto controlado
Acabaram deputado
E Senado vitalício.
Rui, Ministro da Fazenda,
Pegou um cofre falido
Pela provisoriedade
Do governo instituído
Não conseguia dinheiro…
Nenhum país estrangeiro
Deu-lhe o empréstimo pedido
Emitiu papel-moeda
Sem lastro em ouro na mão.
Mas desviaram o dinheiro
Do foco da produção
Que Rui Barbosa queria.
Por isso a Economia
Desandou na inflação.
Se afastou do Ministério
Mas inda fez uma ação.
Mandou queimar os papéis
Dos tempos da escravidão
Para evitar que ex-senhores
Ganhassem grandes valores
Pedindo indenização!
Logo veio Floriano
Com um chicote na mão.
Então as coisas mudaram,
Começou a repressão
E a liberdade sonhada
E democracia esperada
Fora para o rés do chão.
As revoltas começaram.
Rui contra o autoritarismo
Buscando o entendimento
Defendendo o legalismo
E Floriano, no berro,
Virou “Marechal de Ferro”
Na mão do militarismo!
Rui Barbosa ergueu a voz
Contra a intensa repressão.
Aos revoltosos da Armada,
Aos generais na prisão,
Também aos federalistas
Que queriam que as conquistas
Não sucumbissem ao canhão!
Pra os que estavam desterrados
Nas brenhas do Cucuí
Rui entrou com Habeas Corpus
Para tirá-los dali…
Dizia Barbosa: eu sei
Que um Brasil sem ter a lei
Não é Brasil é “brasí”!
Chegou a ser exilado.
Forçado deixou a terra
Que amou e foi pra o Chile,
Argentina e Inglaterra
E escreveu famosas cartas
Fazendo acusações fartas
Contra ditadura e guerra.
Combateu a intervenção
Militar contra Canudos
Provou que aqueles beatos
Pobres, sofridos barbudos
Não queriam monarquia
Queriam cidadania
Comida, trabalho e estudos!
Do nosso Código Civil
Ele fez a revisão
Mil e oitocentos artigos
Em tudo a observação
Corrigindo o Português
E a redação das leis
Pra não ter nenhum senão.
Mil novecentos e cinco
Resolveu ser candidato
Contra Hermes da Fonseca.
Seu discurso era um retrato
De um Brasil progressista
Contra um Brasil feudalista
De atraso e de maltrato.
Em 07 ele foi a Haia
Conferência Mundial
Defendeu a igualdade
Na Lei internacional
Nada de fraco e de forte
Rico e pobre, Sul e Norte
Com direito desigual.
Derrubou todas as teses
Da força da prepotência,
De Inglaterra, França, States,
De tudo que foi potência
Derrubou a força insana
De canhão, de bomba e grana
Com a força da inteligência.
Seu nome se destacou.
Foi primeiro sem segundo.
Entre Choate e Nelidoff,
O Barão Marshall profundo,
Meye, Tornielli e Leon
Foi ele quem deu o tom
Dos Sete Sábios do Mundo!
Tornou-se a “Águia de Haia”,
Do mundo recebeu louvo,
Quebrou a “lei do mais forte”
Criando um Direito novo.
E quando voltou pra o Rio
Foi só descer do navio
E cair nos braços do povo!
Da Academia de Letras
Foi dos membros varonis
Fundador da ABL,
Seu presidente feliz;
Provou seu grande valor
Ao se tornar sucessor
De Machado de Assis!
As suas obras são tantas,
De temas tão variados
Que fica muito difícil
Dizer em versos rimados
Os títulos que publicou
E a obra que legou
Nos seus geniais traçados.
“Contra o Militarismo”,
“Visita à Terra Natal”,
A grande “Oração aos Moços”,
“Acre Setentrional”,
Discursos, artigos, cartas,
Foi das produções mais fartas
Da Cultura nacional!!!
Português, Rui conhecia
Mais que os mestres portugueses
Fez um discurso em francês
Para saudar os franceses.
E diz até um ditado
Que quando foi exilado
Ensinou inglês a ingleses!
Contra Hermes da Fonseca
Mil novecentos e dez
Candidatou-se gritando
Contra atitudes cruéis
Na Campanha Civilista
Contrária ao militarista
Regime dos coronéis.
Ainda participou
De mais de uma eleição
Levando a campanha às ruas
Dando início na nação
Às campanhas democráticas
Chamando em frases enfáticas
O próprio povo à ação!
Em 18 recebeu
Uma agradável surpresa
Grande Oficial de Honra
De uma legião francesa
Mostrando um prestígio grande
E aí seu nome se expande
Pelo mundo com certeza!
Continuou escrevendo
Com sua verve eloquente,
No Senado fez trincheira
Mostrando ser combatente
Pela causa que lhe move…
Foi, de novo em dezenove,
Candidato a presidente!
Mas no ano 21
Demonstrou grande canseira
Renunciou ao mandato
De senador de primeira
Declarando estar cansado
E “o coração enjoado
Da política brasileira”!
Rejeitou ser chefe de
Grande Congresso em Paris.
De, na Liga das Nações,
Representar o País.
E no Tribunal de Haia
Como farol e atalaia,
Ser delegado e juiz!
Por tudo quanto ele fez,
Pela grande sapiência,
Por seu saber filosófico,
Saber jurídico e Ciência
Política, História e Gramática,
Seu nome virou, na prática,
Sinônimo de inteligência!
Na TV e no cinema
Foi personagem famoso
Foi retratado no filme
“Vendaval maravilhoso”
Brilhou em “Mad Maria”,
Minissérie que trazia
Um Brasil conflituoso.
E no “Brasília 18
Por cento”, filme recente
Rui aparece também
Trazendo exemplos pra gente
E há vinte anos passados
Na nota de dez cruzados
Seu rosto surge de frente.
Seu nome é nome de ruas,
De praça e Grupo Escolar,
De colégios e farmácias,
De cidade potiguar,
É nome de quase tudo
Só não vi em meu estudo
Seu nome em nome de bar.
A “Casa de Rui Barbosa”
Preserva sua memória;
“Instituto Rui Barbosa”
É relicário da História
Deste gênio brasileiro.
Baiano bravo, altaneiro
Que encheu o Brasil de glória!
Na grande guerra de ideias,
Na lei da fala macia,
Na batalha de argumentos,
Atuou com maestria…
Sem ser profissional
Foi “Pai intelectual
Da nossa diplomacia!!!”
Os princípios defendidos,
Suas argumentações,
As leis por ele propostas,
Seus motivos e razões
Pra os países serem iguais
São as colunas centrais
Do Concerto das Nações.
Se um dia Brasil reler
Suas imensas verdades
Se pautando pela ética
Respeitando as liberdades
Quando todos formos “Rui”
O nosso Brasil não rui
Nem triunfam nulidades!
Quem vem lá é Zé Limeira,
Cantô de força vulcânica,
Prodologicadamente
Cantô sem nenhuma pânica,
Só não pode apreciá-lo
Pessoa semvergonhânica.
*
Meu nome é José Limeira,
Cantô que não é pilhérico,
Mais já sofreu d’alguns males,
Foi atacado de histérico,
Chame logo a junta médica,
Faça o exame cadavérico.
*
Esse é Lourisvá Batista,
Que é Batista Lourisvá,
É filho da cobra preta,
Neto da cobra corá,
Tanto faz daqui pra ali ,
Como dali pra acolá
*
Às tantas da madrugada,
O vaqueiro do Prefeito
Corre alegre e satisfeito
Atrás da vaca deitada,
Deitada e bem apojada
Com a rabada pelo chão…
A desgraça de Sansão
Foi trair Pedro Primeiro…
O aboio do vaqueiro
Nas quebradas do Sertão
*
Frei Henrique de Coimbra,
Sacerdote sem preguiça,
Rezou a Primeira Missa
Na beira duma cacimba.
Um índio passou-lhe a pimba,
Ele não quis aceitá
E agora veve a berrá
Detrás dum pau de jureme…
O bom pescador não teme
As profundezas do mar
Frei Henrique descansou
Nas encosta da Bahia,
Depois fez a travissia
Pra chegá onde chegou,
Pegou a índia, champrou,
Ela não pôde falá,
Assou carne de jabá,
Misturou com queroseme…
O bom pescador não teme
As profundezas do má
A noite vinha saindo
Pru dentro da ventania,
Vi o rastro da cutia
Na minha rede dormindo,
A tremela foi caindo,
Gritei pelo meu ganzá,
Anum preto, anumará,
Só gosto de nega feme…
O bom pescador não teme
As profundezas do má
*
Minha mãe era católica
E meu pai era católico,
Ele romano apostólico,
Ela romana apostólica,
Tivero um dia uma cólica
Que chamam dor de barriga,
Vomitaro uma lumbriga
Do tamanho dum farol,
Tomaro Capivarol,
Diz a tradição antiga
*
Minha avó, mãe de meu pai,
Veia feme sertaneja,
Cantou no coro da Igreja,
O Major Dutra não cai,
Na beira do Paraguai
Vovó pegou uma briga,
Trouve mamãe na barriga,
Eu vim dentro da laringe,
Quage me dava uma impinge,
Diz a tradição antiga
*
Não sei onde fica esse tá de oceano,
Nem sei que pagode vem sê esse má…
Eu sei onde fica Teixeira e Tauá,
Que tem meus moleques vestido de pano…
A minha patroa é quem traça meus prano,
Cem culha de milho inda quero prantá,
Farinha, lugume, feijão e jabá,
Com mói de pimenta daquela bem braba,
Valei-me São Pedro, Limeira se acaba,
Cantando galope na beira do má.
*
O navi navega só
Como a muié nos espeio
Pru dentro do mar vermeio
Que sai lá no Moxotó
O poeta vive só.
A lua tem mais calô,
O jardim logo murchô,
Quage morri da patada…
Nos olhos da minha amada
Brilham estrelas de amor
*
Peço licença aos prugilos
Dos Quelés da juvenia
Dos tofus dos audiacos
Da Baixa da silencia
Do Genuino da Bribria
Do grau da grodofobia
*
Eu sou corisco pastando
No vergel da vantania
Oceano disdobrado
No véu da pilogamia
No dia trinta de maio
Pelei trinta papagaio
Santo Deus, Ave-Maria.
*
Heleno, que bicho é esse
Que tem fala de homem macho?
Parece um tatu quadrado
Cum cinturão no espinacho
É uma coisa tão pouca
Mas ninguém sabe se a boca
Fala pro riba ou pro baixo
*
Lá na Serra do Teixeira
Nasci, sendo bem criado
Na Alemanha os japonês
Já sabe lê um bucado
Conheço esse mundo inteiro
Fica tudo no estrangeiro
Do Teixeira do outro lado
*
Eu me chamo Zé Limeira
Cantadô que tem ciúme
Brisa que sopra da serra
Fera que chega do cume
Brigada só de peixeira
Mijo de moça sorteira
Faca de primeiro gume
*
Os Hemisférios do prado
As palaganas do mundo
Os prugis da Galiléla
Quelés do meditabundo
Filosomia Regente
Deus primeiro sem segundo
*
Canto repente no Norte
Arranco feijão no Sul
Toco fogo no paul
Não tenho medo da morte
Uma mulata bem forte
Uma novilha parida
Uma sala bem comprida
Um cangote, duas perna
Poço, cacimba e cisterna
Tenho saudade da vida
*
Viajou Nossa Senhora
Naquele passado dia,
Perto duma travissia
Descansou sem ter demora.
Cortou de pau uma tora
Debruçada sobre o vento.
Ali, naquele momento,
São José sartou do jegue,
Jesus passou-lhe um esbregue.
Diz o Novo Testamento.
*
Gritou Dom Pedro Primeiro
No tempo da monarquia:
Jesus, filho de Maria.
Trovão do mês de janeiro,
São Pedro sendo o porteiro
Da capela de Belém.
Thomé comendo xerém
Com sarapaté de figo.
Se eu não me casar contigo.
Não caso com mais ninguém.
Barra Mansa
Fui um dos apaixonados
No vício da bebedeira
Muitas vezes na poeira
Dormi de pés espalhados
Dando milhões de cuidados
Aos que me eram leais
Pelas calçadas e cais
Exposto à chuva e ao vento
Por isso digo e sustento
Já bebi , não bebo mais.
Torce-Bola
Tenhas a capacidade
De conheceres também
Que a tal bebida já vem
Da alta sociedade
Dizem que até o frade
Bebe que fica cabano
Se isto não for engano
De alguém que fala dele
Eu vou me juntar com ele
Bebo até lascar o cano.
Barra Mansa
É uma propensão feia
Injuriosa e horrenda
Um homem beber na venda
Cair na calçada alheia
Ou marchar para a cadeia
Na mão dos policiais
Gritam os meninos atrás:
– Segura, Chico, não caia!…
Eu que não gosto de vaia
Já bebi , não bebo mais.
Torce-Bola
Até numa sentinela
Bebe-se ali tudo junto
Para vestir-se o defunto
E não pegar a mazela
As mulheres bebem dela
Também pra não causar dano
Depois que cosem o pano
Todos bebem da branquinha
No rezar da ladainha
Bebo até lascar o cano.
Barra Mansa
Vive um homem acreditado
Honesto e de confiança
Farto de perseverança
Por demais conceituado
Mas chega-lhe o triste fado
Com tentações infernais
Deixa sem crença e sem paz
Sem honradez, sem pudor
Deus me livre desse horror!
Já bebi , não bebo mais.
Torce-Bola
Em qualquer reunião
De passatempo na vida
Pode faltar a comida
Porém, a bebida, não
Porque dentro do salão
É só quem brilha e faz plano
Diz um ao outro: – Fulano
Traz o vidro e corre a mão
Eu fico de prontidão
Bebo até lascar o cano.
Barra Mansa
Desde que o homem entrega
Seu corpo à embriaguez
A corrupta invalidez
Tira-lhe o senso e lhe cega
Se tem filho, arrenega
Desconhece até os pais
Aliado a seus iguais
Pratica tristes papéis
Por essas razões cruéis
Já bebi , não bebo mais.
Torce-Bola
Uma velha reclamava
Sua idade avançada
Outra sua camarada
Pra beber lhe aconselhava
Dizendo: – Eu também estava
Já no grau do desengano
Peguei beber este ano
Já danço, pinoto e corro
Sei que tão cedo não morro
Bebo até lascar o cano.
Barra Mansa
Mulher que dá pra beber
Na rua faz palhaçadas
Que quem está nas calçadas
Baixa a vista pra não ver
Se for moça, perde o ser
De seus papéis virginais
Isto não é satanás
Que atiça, manda e quer?
Diz predileta mulher:
Já bebi , não bebo mais.
Torce-Bola
Minha sogra quis privar
Eu tomar minhas bicadas
Hoje ela toma copadas
Que depois pega a chorar
Pra ninguém desconfiar
Enxuga a boca num pano
Dá-me um palpite tirano
Quando vejo ela no chão
Eu pego no botijão
Bebo até lascar o cano.
Barra Mansa
A mulher do cachaceiro
Costuma beber também
Alguns dos filhos que tem
Marcham no mesmo roteiro
Vezes que um filho ordeiro
Desobedece aos seus pais
Transforma-se num voraz
Devido à embriagues
Por isso digo outra vez
Já bebi , não bebo mais.
Torce-Bola
Minha bisavó bebeu
Certo dia uma reimada
Quase quebrava a ossada
Da grande queda que deu
Gritou quando se estendeu:
– Com isto é que eu me dano
Rasguei meus vestes de pano
Combinação, saia e fralda
Agora, noutra bicada
Bebo até lascar o cano.
Barra Mansa
O homem jogue por cem
Seja ladrão com a prole
Porém, não bebendo um gole
Governa os vícios que tem
Mas esse vício é quem
Governa todos fatais
E tira o senso dos tais
Dá para fazer horrores
Digam comigo, senhores
Já bebi , não bebo mais.
Torce-Bola
Hoje, bebe o bacharel
Quase toda a majestade
O povo da irmandade
Da contrição mais fiel
Só não bebe, no quartel
Recruta nem veterano
Porém eu chamo um paisano
Quando eu assentar praça
E mando buscar cachaça
Bebo até lascar o cano.
Barra Mansa
Passei meu tempo perdido
Mergulhado no abismo
Sustentando o fanatismo
Pela cachaça atraído
Por demais desconhecido
Nos vícios descomunais
Porém, Deus mandou-me a paz
Graças à sua mercê
Me sinto feliz porque
Já bebi , não bebo mais.
Torce-Bola
Aguardente é otimista
De toda forma faz bem
Tira enfado de quem tem
Desperta mais, limpa a vista
Nos traz louro de conquista
Comanda qual um decano
Faz do boçal, praciano
Dá-lhe riso e dá prazer
Por isso volto a dizer
Bebo até lascar o cano.
Barra Mansa
Vezes que um cachaceiro
Vai comprar uma encomenda
Abusa o dono da venda
Cospe a sala e o terreiro
Tagarela o dia inteiro
Com frases discordiais
Se para os tempos finais
Vir a convenção antiga
É quando talvez que diga
Já bebi , não bebo mais.
Torce-Bola
Ninguém pode calcular
Os prodígios da aguardente
Refresca quem está quente
Faz quem tem frio esquentar
Depois que dela tomar
Esquenta o quengo do mano
Quer seja bom ou profano
Fica transformado e forte
E grita: – Ninguém se importe
Bebo até lascar o cano.
Barra Mansa
O homem vai para feira
Traz tudo que vai comprar
Porém, é se não tomar
Bebendo, só faz asneira
Porque a tal bebedeira
Todo desmantelo faz
As encomendas que traz
Ele perde ou dá ao povo
Por isso digo de novo
Já bebi , não bebo mais.
Torce-Bola
Eu não desprezo cachaça
Intimamente a venero
Quanto mais bebo, mais quero
Mais meu coração lhe abraça
Sem ela não tenho graça
O meu gosto é desumano
Não posso acertar um plano
Que chega a melancolia
Por isso é que todo dia
Bebo até lascar o cano.
Meus amigos e amigas
O caso que eu vou contar
Ocorreu em Fortaleza
Na calçada de um bar:
Fingindo ser meu amigo
O diabo bebeu comigo
E depois não quis pagar.
Eu era advogado
E tinha uma mania
De segunda a quinta-feira
Trabalhava noite e dia
Mas não fazia segredo
Sexta parava mais cedo
E uma cerveja bebia.
Assim, numa sexta-feira
Estava anoitecendo
Eu saíra do trabalho
E estava no bar bebendo
Quando um sujeito chegou
Da mesa se aproximou
E foi logo me dizendo:
– Boa noite cidadão,
Posso me sentar aqui?
Pra ouvir sua conversa
E você também me ouvir?
Tomarmos uma cerveja
Comer um pouco que seja
Desse feijão com pequi?
Eu disse: – Não lhe conheço,
Mas tenho educação.
Se quer beber, vá bebendo,
Pode comer do feijão,
Mas antes se identifique
Até pra que eu não fique
Pensando que é ladrão.
O cabra disse: – Pois não,
Eu sou muito conhecido
E embora com você
Eu nunca tenha bebido
Se eu contar minha história
E você tiver memória
Vai ver que não sou bandido.
Faz muito tempo que eu ando
Por esse mundo cruel
Viajando sem destino
Vagando sem rumo, ao léu
Desde que, por uma intriga,
Me meti em uma briga
Logo com o dono do céu.
Foram dizer para ele
Que eu havia falado
Que ao povoar a terra
Ele havia se enganado
Pois num mundo tão bacana
Não podia a raça humana
Por aqui ter se espalhado.
E, de fato, eu tinha dito
Mas sem qualquer intenção
Que ao entregar o planeta
A essa população
Ele condenou a Terra
À violência e à guerra
Não havia salvação.
Uma terra tão bonita
A natureza tão bela
Que Ele desse para mim
E eu viveria nela
Se Ele me criou perfeito
Eu saberia o jeito
De cuidar muito bem dela.
Quando Ele soube o que eu disse
Mandou logo me chamar
Perguntou: “É o que desejas?
É lá que queres morar?
Seja feita a tua vontade
Junto com a humanidade
Haverás de habitar”.
Foi grande a humilhação
Que senti nesse momento
Não havia precisão
De tal achincalhamento
Um anjo tão preparado
Não podia ser tratado
Como um cão rabugento.
Desde então vivo na Terra
Com a determinação
De provar que eu tava certo
Em minha avaliação:
Mostrar que a humanidade
Não detém capacidade
De cuidar desse rincão.
É por isso que se diz
Que eu sou o rei do mal
Mas mal mesmo é o homem
Eu sou um anjo, afinal
Eu só faço incentivar
O homem a se enterrar
No seu próprio lamaçal.
Quando ouvi aquela história
Exclamei: – É o diabo!
Só não sei cadê os chifres
Onde escondeu o rabo!
E ele, muito polido,
Perfumado, bem vestido,
Perguntou: – Quer um quiabo?
– Nem quiabo, nem pequi
Não finja ser meu amigo
Eu tão quieto no meu canto,
O que o diabo quer comigo?
Diga sua intenção
Pois tenho a impressão
Que estou correndo perigo!
O diabo disse: – Tá não!
Eu estou aqui em paz
Só quero um advogado
Inteligente e capaz
Que esclareça meu passado
Pois de tão caluniado
Já não aguento mais.
Por isso ao ver o doutor
Sozinho aqui nesse bar
Pensei: essa é a hora
De com ele conversar
Vou contar meu sofrimento
E ele com muito talento
Vai virar esse placar.
Respondi: – Tu não me enganas
Me elogiando assim
Não venha com essa conversa
Logo pra cima de mim
Não vai ser por vaidade
Que vou chamar de bondade
O que tu faz de ruim.
– O que é isso, doutor,
Não rejeite esse cliente
O senhor vai ser bem pago
Vai enricar de repente
Vai ganhar tanto dinheiro
Que até seu perdigueiro
Vai ter banho de água quente.
Vai ter casa com piscina,
Cinco carros na garagem
Passear no estrangeiro
Todo mês uma viagem
E pra ganhar tudo isso
Quero só seu compromisso
De melhorar minha imagem.
Além de ganhar dinheiro
Inda vai ficar famoso
Todo mundo vai falar:
“Que advogado jeitoso
Fez do diabo um inocente
Querido de toda gente
O doutor é poderoso!”
– Essa história, Seu Diabo,
Eu já conheço de perto
Desde quando tu tentaste
O bom Jesus no deserto
Não me prometa mais nada
A conversa tá encerrada
Vá embora que é o certo!
Mas também não se ofenda
Com a minha reação
Só não peça minha ajuda
Para sua pretensão
Não posso ter competência
Se da sua inocência
Não tenho convicção.
Ele ouviu e não gostou
Ficou calado me olhando
Percebi que a cerveja
Já estava terminando
Pedi a conta e falei:
– Seu diabo, é “mei-a-mei”
Minha parte eu tô pagando!
Ele fez uma careta
E falou: – É engraçado!
Você bebeu quase tudo
E quer o custo rachado
Veja com quem tá mexendo
Pois assim você tá sendo
Por demais desaforado!
– Eu sei com quem tô mexendo
E não sou desaforado
Mas se você bebeu pouco
Não sou eu que sou culpado
Se não tem como pagar
Também não vamos brigar
Pode ir, tá perdoado.
Quando eu disso isso pra ele
Despertei o animal.
Batendo a mão na mesa
Com força descomunal
Deu um rugido estridente
E falou por entre os dentes
Com uma voz de metal:
– Não diga que me perdoa
Pois nem Deus me perdoou
Desde aquele triste dia
Que do céu me escorraçou
Tu agora me ofendeu
E pra desespero teu
Um inimigo arranjou.
Eu aqui faço uma pausa
Pra explicar pro leitor
Que se não gosto de briga
Também não sou morredor
Desconheço o que é o medo
Durmo tarde, acordo cedo
Não sinto frio nem dor.
Não mexo com Seu Ninguém
Também não mexam comigo
Cumprimento todo mundo
Todo mundo é meu amigo
Mas quem pensa em me enfrentar
É melhor se preparar
Pra aguentar o castigo.
Assim, quando o capeta
Fez aquela cara feia
Olhei bem pra ele e disse:
– Se vier, meto-lhe a peia!
Dou-lhe na “tauba do queixo”
E depois ainda lhe deixo
Trinta dias na cadeia!
Ele não acreditou
Veio pra cima de mim
Eu saltei meio de banda
E dei-lhe um chute no rim
Ele saiu tropeçando
Nas mesas foi esbarrando
Gritei: – Diabo, hoje é teu fim!
Nessa hora ia passando
Um rapaz pela calçada
O diabo se apoderou
Daquela alma penada
E o rapaz dominado
Por aquele cão danado
Me deu logo uma pedrada.
Pra me defender da pedra
De uma mesa fiz escudo
Depois peguei uma cadeira
E saí quebrando tudo
Ao me ver tão irritado
O diabo assustado
Perdeu a voz, ficou mudo.
Aí eu me aproveitei
Daquela situação
E com muita agilidade
Dei outro chute no cão
E o rapaz da pedrada
Eu derrubei na calçada
E dei-lhe um “mata leão”.
Foi nessa hora que ouvi
O diabo dar um gemido
Percebi que ele tava
Ficando todo doído
Mas eu não sou brincadeira
Com um pedaço de madeira
Acertei-lhe o “pé-do-ouvido”.
Eu bati, ele caiu
Eu pensei: tá terminado.
Mas, que nada, a confusão
Só havia começado
Mal ele caiu no chão
Apareceu tanto cão
Vinha de tudo que é lado.
Vinha cão grande e pequeno
Vinha preto e vinha branco
Uns descendo a ladeira
Outros subindo o barranco
Deles, o mais abusado
Era um baixinho, entroncado,
Só de cueca e tamanco.
Vinha nu, vinha vestido
Vinha pelado e peludo
Tinha cão que era mocho
E cão que era chifrudo
Uns armados de tridente
Outros com espeto quente
Vinham espetando tudo.
Enfrentei aquela corja
E a luta foi sangrenta
Do baixinho de tamanco
Quebrei logo o “pau da venta”
Um gritou: – Pega o sujeito
E mete a faca nos peito
Quero ver se ele aguenta!
Naquela briga danada
Eu apanhava e batia
Às vezes eu atacava
Outras eu me defendia
Mas o que preocupava:
Cada um que eu derrubava
Outro logo aparecia.
Sentindo, então, que não dava
Para enfrentar sozinho
A legião de demônios
Que estava em meu caminho
Resolvi pedir ajuda
Gritei: – Meu Deus, me acuda!
Valei-me aqui meu Padinho!
Nessa hora se ouviu
O estrondo de um trovão
E diante dos meus olhos
Fez-se um grande clarão
No meio de tudo isso
Apareceu Pade Ciço
Me entregando seu bastão.
Com a bengala na mão
Que meu padrinho me deu
Criei mais disposição
Minha coragem cresceu
Saí dando bengalada
E logo a diabarada
Fugiu, desapareceu.
Enquanto eles corriam
Eu fiquei parado, vendo
O rapaz que eu derrubei
Foi então se reerguendo
E me dizendo: – Sei moço,
To com uma dor no pescoço
O que está acontecendo?
Eu disse: – Fique tranquilo
Que o pior já passou
Estava havendo uma briga
Mas agora terminou
Aí toquei o bastão
Na nuca do cidadão
E a dor dele sarou.
Quanto às mesas e cadeiras
Que eu havia quebrado
Calculei o prejuízo
E deixei tudo acertado
Quando paguei a quantia
O dono do bar tremia
Tava um mau cheiro danado.
E fui para minha casa
Sem querer mais pensar nisso
Tentando esquecer um pouco
Todo aquele rebuliço
Mas carregando contente
Em minhas mãos o presente
Que ganhei do Padre Ciço.
Foi assim, caros amigos
Como tudo aconteceu
No dia que o diabo
Me enfrentou e perdeu
Nada disso eu inventei
Simplesmente lhes contei
Da maneira que ocorreu.
Infelizmente o que conto
Já não posso mais provar
Pois pra alargar a rua
Onde funcionava o bar
Demoliram o recinto
E o dono, Seu Zé Felinto,
Não sei onde foi morar.
O rapaz que me atacou
Me jogando uma pedrada
Eu não sei de quem se trata
Desconheço sua morada
Mas será que ajudaria,
Se naquele mesmo dia,
Não se lembrava de nada?
O leitor perguntaria:
– Por que não mostra o cajado?
Que o Padre Ciço lhe deu
Lhe fazendo abençoado?
Presente tão valioso
Que lhe fez tão poderoso
Você deve ter guardado.
Por muito tempo guardei
Como quem guarda dinheiro
Mas no dia em que cheguei
Pra morar no Juazeiro
Ouvi uma voz dizer:
– Já pode me devolver
Pro meu dono verdadeiro.
Ouvindo a voz entendi
Que a hora era chegada
De devolver para o Santo
A bengala encantada
E entre ex-votos de madeira
Escondi a companheira
Que no museu foi deixada.
Pro isso do que eu conto
Não faço comprovação
Se o leitor não acredita
E quer ter confirmação
O mundo tá tão moderno
Telefone pro inferno
E vá perguntar pro cão!
Para mim o importante
É ter comigo a certeza
Que amando nosso irmão
Preservando a natureza
Deus está do nosso lado
Pode ficar descansado
Vencer o diabo é moleza.
1
Na cacimba da poesia
Eu meti minha cumbuca
Cada cuiada que dou
Mais verso brota da cuca
Pra cacimba renovar
Estou sempre a esgotar
Sou eu mesma quem cavuca.
2
Vou cutucar meu passado
Palestrar sobre meu chão
Pra falar da minha terra
Tenho boca de surrão
Dela retiro a tramela
Escancarando a janela
Eu descortino o sertão.
3
Eu nasci nas Ipueiras
Também me criei por lá
Tibunguei muito no rio
Já pesquei de landuá
E no meio da futrica
Pulava da oiticica
Nas águas do jatobá.
4
No caminho para o rio
Só singela brincadeira
Brincava com a malícia
A plantinha dormideira
Canapum eu estourava
A mutuca eu espantava
Na meninice brejeira.
5
Meu caminho era florido
Nas veredas muçambê
Com flores de espirradeira
Eu montava meu buquê
Nas cercas as jitiranas
Chão bordado de chananas
E eu delas a mercê.
6
Cada árvore nativa
Eu bem sabia apontar
O espinho da jurema
Não chegou a me espantar
Na sombra do imbuzeiro
Às vezes do juazeiro
Parei muito pra brincar.
7
Jurema é pra carvão
Para estaca é sabiá
Marmeleiro é bom pra lenha
Surra grande é de jucá
Para alimentar o mico
Tem resina no angico
Boa sombra é de juá.
8
O canto da passarada
Eu guardei no coração
No leque da carnaúba
Cantava o corrupião
Encantava meus ouvidos
Ver o bando de cupidos
Cantando em meu rincão.
9
Nas cercanias do açude
Faz seu ninho a lavandeira
Vem a garça e se alimenta
Concentrando-se na beira
Em bando chega o tetéu
Que vive de déu em déu
Fazendo a maior zueira.
10
Seu moço como eu gostava
Desta vida campesina
Tomando água de pote
Tomando banho de tina
Meu peito às vezes chora
Pois tive que ir embora
Para cumprir minha sina.
11
Confesso que doeu muito
Deixar a minha cidade
Achava a vida um encanto
Vivendo a simplicidade
Hoje sou um passarinho
Cantando fora do ninho
Essa é a realidade.
12
Tem horas que fecho os olhos
E sonho com meu torrão
Chego até sentir o gosto
Da paçoca de pilão
Que mamãe sempre fazia
Eu bem gulosa comia
Misturada com baião.
13
Tomava banho de bica
No tempo da invernada
Tomava banho na chuva
Junto com a meninada
Era sensacional
As biqueiras do quintal
Ou as bicas na calçada.
14
Eu vi chover alegria
E escorrer animação
Criança chamando a chuva
Na folclórica canção
“Cai chuva de lá do céu
Cai chuva no meu chapéu.
E a chuva molhando chão.
15
Quando o corisco riscava
Flamejando o infinito
O trovão abria a boca
E sapecava seu grito
O rio dava enchente
Alegrando a minha gente
Tudo era tão bonito!
16
A chuvinha que chegava
Era sinal de fartura
O sertanejo contente
Cuidava da agricultura
Era milho era feijão
O verde da plantação
Era uma belezura.
17
Na época da colheita
Não faltava animação
Na festa dos três santos
Fogueiras e tradição
A quadrilha era sagrada
E sempre bem ensaiada
Com casamento e rojão.
18
O milho e a batata doce
Assava-se na fogueira
Tinha canjica e aluá
E faca na bananeira
Quem queria matrimônio
Pedia pra Santo Antônio
Para não ficar solteira.
19
A saudade chega ardendo
Que nem surra de chicote
Quando escuto um sanfoneiro
Puxando fole num xote
Recordo mais que ligeiro
Dos fungados e do cheiro
Que eu ganhava no cangote.
20
Já fui moça dançadeira
Usando laço de fita
Vestidinho de babado
Todo florido e de chita
Nunca me faltava par
Pois eu sabia dançar
Era metida a bonita.
21
Mas também já fui anjinho
Na santa coroação
Ia à missa e comungava
Fiz primeira comunhão
Na festa da padroeira
Eu entrava na fileira
Pra seguir a procissão.
22
Ainda hoje relembro
O menino que passava
Seu pirulito vendendo
E bem alto ele gritava
Quem vai querer pirulito?
Me encantava aquele grito
Toda vez que ele passava.
23
Saudade grande eu tenho
Da festa da Conceição
Da bandinha que tocava
Trazendo animação
O ponto alto da festa
A minha lembrança atesta
Era o famoso leilão.
24
Tinha parque tinha circo
E som no alto-falante
No namoro de mãos dadas
Beijos na roda gigante
No carrossel da saudade
Girava a felicidade
No peito de cada amante.
25
Nas brincadeiras de roda
Pegando de mão em mão
Eu cantava o carneirinho
“Carnerim, nerim nerão”
A ciranda cirandinha
E também a machadinha
Brinquei de bão, balalão.
26
Menina moça enxerida
Era eu na pouca idade
Pretendente não faltava
Digo com sinceridade
Não faltava seresteiro
Cantando no meu terreiro
Em tempos de alacridade.
27
Da lembrança eu resgato
O que nunca esqueci
As cadeiras na calçada
Aguardando o Aracati
Vento da boca da noite
Que chegava como açoite
Era gostoso e eu senti.
28
Daqueles tempos de então
Saudades tenho demais
Das moagens na fazenda
Das calçadas e quintais
Das noites enluaradas
Do beiju nas farinhadas
Dos antigos rituais.
29
Das feiras de antigamente
Na minha velha Ipueiras
E da bolacha fogosa
Nas bancas das cafezeiras
Da pitomba e do cajá
Do gosto do cambucá
E das ervas milagreiras.
30
As saudades do manzape
Bolo comprado na feira
E que vinha enroladinho
Na folha da bananeira
Do alfenim da batida
Da rapadura querida
Da reza da benzedeira.
31
Saudades do meu sotaque
Do meu velho linguajar
Do arre égua, do oxente
Que eu gostava de falar
Eu não estou de frescura
Distante desta cultura
Falto pouco é me lascar.
32
Fui à fonte buscar versos
A cacimba estava cheia
Porque a musa me ajudou
Eu fiz sem morrer na areia
Naveguei com emoção
Nadei na recordação
Nas águas da minha aldeia.
Eu, viajando outro dia
lá pras bandas de Agrestina
num posto de combustível
deparei com uma menina
que, se eu bem não me engano
tinha dez ou onze anos
corpo pequeno e franzino
pareceu meio perdida
aquele taco de vida
sem eira, beira ou destino.
Se dirigindo pra mim
falou que estava com fome
me pedindo uma ajuda
eu falei pra ela: – tome!
Lhe entreguei algum trocado
e um pouco desconfiado
perguntei se estava só,
a sua mãe onde estava
se ela ali esperava
o pai, a tia ou a avó!
Ela deu um riso choco
e disse sem muito drama
que devido ao sufoco
vivia a fazer programa
que ali por qualquer dinheiro
deixava o caminhoneiro
fazer dela uma mulher
e se ele oferecesse
algo que ela comesse
lhe fazia o que quiser.
Fiquei meio estarrecido
ouvindo a pobre menina
falar feito gente grande
sendo assim tão pequenina,
então perguntei pra ela,
qual seu nome? Gabriela,
ela disse bem feliz
me deu um singelo abraço
e eu notei que em seu braço
tinha uma cicatriz.
– Quem lhe causou este dano?
Lhe perguntei assustado.
– Foi meu pai, um certo dia,
quando estava embriagado.
Deu de garra da peixeira
tentado fazer besteira
e eu, de pronto recusei
ele sem muito embaraço
rodou a faca em meu braço
me espancou e eu desmaiei.
Algumas horas mais tarde
envolta em sangue acordei
meu pai, caneiro e covarde
ali não mais avistei
olhando ao meu redor
notei que não estava só
vi minha mãe soluçando
com meu irmãozinho no braço
um outro lá no terraço
e um no bucho esperando…
Minha mãe muito sofrida
se entregou à bebedeira
velha, magra e carcumida
vivia na gafieira
meu pai, cortador de cana
quando recebia a grana
ia tomar de cachaça
eu, sem comida ou escola
vivia pedindo esmola
na avenida ou na praça.
Meus dois irmãos pequeninos
iam comigo também
três crianças, três destinos
sem apoio de ninguém
limpando os vidros dos carros
levamos gritos e esparros
de motoristas cruéis
eu, pedia em minhas preces
que Deus um dia fizesse
uma inversão de papéis.
Faminta e maltrapilha
cheguei nesse posto um dia
estava desfigurada
pois há muito não comia
aproximou-se um bacana
e me mostrando a grana
que levava a tiracolo
me levou pro caminhão
e sem muita enganação
me colocou no seu colo.
No momento eu não gostei
lembrei do meu genitor
pois recebia carícias
sem um pingo de amor
o homem, um velho gorducho
esfregava em mim seu bucho
e os meus seios beijava
senti um nó na garganta
mas a fome era tanta
que eu fingia que gostava.
Quando o velho terminou
me lambuzando DAQUILO
puxou a nota do bolso
e me entregou bem tranquilo
apenas cinco reais
não foi nem menos nem mais
a paga pelo que eu fiz,
lembrando a fome que eu tinha
me deu arroz com galinha
e eu fiquei até feliz.
Depois do fato ocorrido
me senti com depressão
mas uma outra menina
me deu cana com limão
e disse, com ironia
você se acostuma um dia
ou se saia se puder
se tu não achar um rumo
daqui um mês eu te arrumo
um emprego num cabaré…
Lá tu vai ficar famosa
sendo nova no pedaço
porque das moças antigas
de lá, só tem o cangaço
a vida de rapariga
lhe dá cansaço e fadiga
e deixa o corpo em frangalho
mas se não tem opção
lhe garanto a refeição
um teto e um agasalho.
Fiquei na casa de Lia
no fim da rua da lama
passo o dia aqui no posto
de noite, lá, ganho fama
pois sou nova na orgia
e os fãs da pedofilia
gostam de me ver pelada
se sinto eles me beijando
finjo que estou gostando
mas ali não sinto nada.
Abandonei a escola
porque não tinha merenda
a professora faltava
pois se queixava da renda
pra aprender ler e escrever
eu tinha que percorrer
dois quilômetros e meio
arrastando meu irmão
que tinha desnutrição
– Pense, no meu aperreio?
Saía de casa virgem
de um gole de café
às vezes comia uma fruta
quando caia do pé
quando na aula chegava
que a professora faltava
ficava lá de bobeira
sem merenda e sem lazer
não tendo o que fazer
pegava a fazer besteira.
Ia pra feira, no centro
pedir esmola ou roubar
ficando até irritada
se alguém não quisesse dar
me acostumei nessa vida
vendo a educação perdida
sem futuro e sem escola
passei a viver na rua
vivendo ao sabor da lua
aprendi a cheirar cola.
Meu irmão, menor que eu
tendo a mente meio fraca
de olho nuns pirulitos
que tinha numa barraca
de pedir não teve jeito
resolveu meter o peito
pegando alguns escondido
o dono, vendo a malícia
mandou chamar a polícia
e ele foi apreendido.
Como ele era menor
foi levado pra FEBEM
lá apanhou de dar dó,
foi estuprado também.
e seus próprios companheiros
malvados e traiçoeiros
menores enlouquecidos
em cada surra que o davam
sem querer ali talhavam
no meu irmão, um bandido.
Quando meu irmão saiu
daquela casa de horrores
me contou seu sofrimento,
os seus traumas, suas dores.
demente e contrariado
foi morar com um viado
que na prisão conheceu
e pra pagar a guarida
hoje está na mesma vida:
faz programa que nem eu!
Seu moço, minha vontade
era poder estudar
aprender algum ofício
ter dinheiro, trabalhar
casar, ter minha família
e educar minha filha
mostrando o valor da luta
dar tudo que ela precisa
suando a minha camisa
pra ela nunca ser puta.
E se arranjasse um marido
alguém que enfim, me quiser
eu ia mostrar pra ele
o valor de uma mulher.
Pra mamãe muitos carinhos
eu dava e meus irmãozinhos
de existência sofrida
na escola particular
eles irão estudar
quando eu sair dessa vida.
Ao ouvir aquilo tudo
fiquei um tanto chocado
resolvi não ficar mudo
e ousei mandar o recado
pra que a criança leia
e a mãe não fique alheia
e lute sempre por ela
pra que ela nunca queira
pensar, nem por brincadeira
em ser uma Gabriela.
E faço um apelo aos governos
que olhem nossas crianças,
a delinquência infantil
é a pior das heranças.
a falta de educação
é da prostituição
o principal descaminho
o jovem sem assistência
não tem força ou competência
para caminhar sozinho.