Barra Mansa
Fui um dos apaixonados
No vício da bebedeira
Muitas vezes na poeira
Dormi de pés espalhados
Dando milhões de cuidados
Aos que me eram leais
Pelas calçadas e cais
Exposto à chuva e ao vento
Por isso digo e sustento
Já bebi , não bebo mais.
Torce-Bola
Tenhas a capacidade
De conheceres também
Que a tal bebida já vem
Da alta sociedade
Dizem que até o frade
Bebe que fica cabano
Se isto não for engano
De alguém que fala dele
Eu vou me juntar com ele
Bebo até lascar o cano.
Barra Mansa
É uma propensão feia
Injuriosa e horrenda
Um homem beber na venda
Cair na calçada alheia
Ou marchar para a cadeia
Na mão dos policiais
Gritam os meninos atrás:
– Segura, Chico, não caia!…
Eu que não gosto de vaia
Já bebi , não bebo mais.
Torce-Bola
Até numa sentinela
Bebe-se ali tudo junto
Para vestir-se o defunto
E não pegar a mazela
As mulheres bebem dela
Também pra não causar dano
Depois que cosem o pano
Todos bebem da branquinha
No rezar da ladainha
Bebo até lascar o cano.
Barra Mansa
Vive um homem acreditado
Honesto e de confiança
Farto de perseverança
Por demais conceituado
Mas chega-lhe o triste fado
Com tentações infernais
Deixa sem crença e sem paz
Sem honradez, sem pudor
Deus me livre desse horror!
Já bebi , não bebo mais.
Torce-Bola
Em qualquer reunião
De passatempo na vida
Pode faltar a comida
Porém, a bebida, não
Porque dentro do salão
É só quem brilha e faz plano
Diz um ao outro: – Fulano
Traz o vidro e corre a mão
Eu fico de prontidão
Bebo até lascar o cano.
Barra Mansa
Desde que o homem entrega
Seu corpo à embriaguez
A corrupta invalidez
Tira-lhe o senso e lhe cega
Se tem filho, arrenega
Desconhece até os pais
Aliado a seus iguais
Pratica tristes papéis
Por essas razões cruéis
Já bebi , não bebo mais.
Torce-Bola
Uma velha reclamava
Sua idade avançada
Outra sua camarada
Pra beber lhe aconselhava
Dizendo: – Eu também estava
Já no grau do desengano
Peguei beber este ano
Já danço, pinoto e corro
Sei que tão cedo não morro
Bebo até lascar o cano.
Barra Mansa
Mulher que dá pra beber
Na rua faz palhaçadas
Que quem está nas calçadas
Baixa a vista pra não ver
Se for moça, perde o ser
De seus papéis virginais
Isto não é satanás
Que atiça, manda e quer?
Diz predileta mulher:
Já bebi , não bebo mais.
Torce-Bola
Minha sogra quis privar
Eu tomar minhas bicadas
Hoje ela toma copadas
Que depois pega a chorar
Pra ninguém desconfiar
Enxuga a boca num pano
Dá-me um palpite tirano
Quando vejo ela no chão
Eu pego no botijão
Bebo até lascar o cano.
Barra Mansa
A mulher do cachaceiro
Costuma beber também
Alguns dos filhos que tem
Marcham no mesmo roteiro
Vezes que um filho ordeiro
Desobedece aos seus pais
Transforma-se num voraz
Devido à embriagues
Por isso digo outra vez
Já bebi , não bebo mais.
Torce-Bola
Minha bisavó bebeu
Certo dia uma reimada
Quase quebrava a ossada
Da grande queda que deu
Gritou quando se estendeu:
– Com isto é que eu me dano
Rasguei meus vestes de pano
Combinação, saia e fralda
Agora, noutra bicada
Bebo até lascar o cano.
Barra Mansa
O homem jogue por cem
Seja ladrão com a prole
Porém, não bebendo um gole
Governa os vícios que tem
Mas esse vício é quem
Governa todos fatais
E tira o senso dos tais
Dá para fazer horrores
Digam comigo, senhores
Já bebi , não bebo mais.
Torce-Bola
Hoje, bebe o bacharel
Quase toda a majestade
O povo da irmandade
Da contrição mais fiel
Só não bebe, no quartel
Recruta nem veterano
Porém eu chamo um paisano
Quando eu assentar praça
E mando buscar cachaça
Bebo até lascar o cano.
Barra Mansa
Passei meu tempo perdido
Mergulhado no abismo
Sustentando o fanatismo
Pela cachaça atraído
Por demais desconhecido
Nos vícios descomunais
Porém, Deus mandou-me a paz
Graças à sua mercê
Me sinto feliz porque
Já bebi , não bebo mais.
Torce-Bola
Aguardente é otimista
De toda forma faz bem
Tira enfado de quem tem
Desperta mais, limpa a vista
Nos traz louro de conquista
Comanda qual um decano
Faz do boçal, praciano
Dá-lhe riso e dá prazer
Por isso volto a dizer
Bebo até lascar o cano.
Barra Mansa
Vezes que um cachaceiro
Vai comprar uma encomenda
Abusa o dono da venda
Cospe a sala e o terreiro
Tagarela o dia inteiro
Com frases discordiais
Se para os tempos finais
Vir a convenção antiga
É quando talvez que diga
Já bebi , não bebo mais.
Torce-Bola
Ninguém pode calcular
Os prodígios da aguardente
Refresca quem está quente
Faz quem tem frio esquentar
Depois que dela tomar
Esquenta o quengo do mano
Quer seja bom ou profano
Fica transformado e forte
E grita: – Ninguém se importe
Bebo até lascar o cano.
Barra Mansa
O homem vai para feira
Traz tudo que vai comprar
Porém, é se não tomar
Bebendo, só faz asneira
Porque a tal bebedeira
Todo desmantelo faz
As encomendas que traz
Ele perde ou dá ao povo
Por isso digo de novo
Já bebi , não bebo mais.
Torce-Bola
Eu não desprezo cachaça
Intimamente a venero
Quanto mais bebo, mais quero
Mais meu coração lhe abraça
Sem ela não tenho graça
O meu gosto é desumano
Não posso acertar um plano
Que chega a melancolia
Por isso é que todo dia
Bebo até lascar o cano.