Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Catulo da Paixão Cearense terça, 19 de novembro de 2024

O CANGACEIRO (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

O CANGACEIRO

Catulo da Paixão Cearense

(Grafia original)

 

EU me chamo Sivirino
Sapiranga, sim, sinhô.
Sou fio de Zé Fôstino,
que era fio d’um tropêro,
Frô dos Santo, meu avô.
 
Sou naturá de Umbuzêro,
da Paraíba do Norte,
a terra das patativa
que eu amo cum todo o amô
de valente cangacêro!...
apois cangacêro eu sou.
 
     Não paga a pena, seu moço,
     eu dizê pruquê rézão
     já varei cum a parnaíba
     mais de vinte coração!
 
Minha históra é atrapaiada,
é toda cheia de ispinho,
e, cumo lá diz o outro,
seu moço, as água passada
já não move mais muinho.
 
Óie, moço!... Não há munío,
distante um casa de légua
de S. Migué de Traipú,
eu fisguei um cavaiêro,
o fio d’um fazendêro,
cumo quem fisga um tatu.
 
Esse garoto e canáia
um dia róbou de casa
a neta de um comboêro,
que era um hôme tão bondoso,
e despois, abandonou
aquele anjo fermoso,
cumo se fosse, seu moço,
um cachorro, um cão leproso!!!
 
Prú té matado o canáia,
a justicia que divía
me té dado uma medáia,
me chama de criminoso!!
 
               *
 
     Quando meu pae, que Deus tenha
     no Santo Reno da Glóra,
     ao pé d’um monte de lenha,
     mazômbo, os óio fechou;
     a fia que mais amava
     nestes braço me intregou.
 
Inda me alembro, seu moço!
 
Abraçado no pescoço
do véio, que se finava,
eu chorava, eu saluçava,
garrado cum minha érmã,
cumo à boquinha da noite,
chora e geme uma acauã!!
 
De noite, fazendo quarto,
óiando o pobre do véio,
taliquá, má cumparando,
 — São Pedro cum as barba branca,
 cum os seus cabelo branquinho,
 drumindo o sono da morte
 n’um véio banco de pinho...
 chorava, cumo, sintido,
 o pásso que foi firido,
 cum um tiro, dento do ninho!!
 
E quando, ao rompe da ôróra,
o véio foi carregado
n’uma rede, istrada à fora’!...
Quando ele foi sipurtado
prú báxo d’uns cajuêro,
ali, naquele momento,
eu fiz este juramento:
me torna n’um cangacêro.
 
               *
 
Dêxei meu pae sipurtado,
vortei lanhado de pena,
chorando a sorte tirana!
 
Mas porém, quando cheguei,
e intrei na minha choupana,
a minha mãe incontrei
cum o coração mais lanhado,
e mais duente que o meu!!
 
Prá dizê tudo, seu moço,
n’um domingo amarfadado
aquela santa morreu!!!
 
A morte era naturá!
Despois da morte do véio,
não poude mais suportá!
 
               *
 
Meu pae não perdeu a vida
pulos ano!! Não, Sinhô!
 
Morreu prú via d’um hôme
que era rico e, prú capricho,
uns mulambinho de terra
do pobre véio róbou!
 
     O jaburu quiz um dia
     que meu pae jurasse farso
     n’uma questã que ele teve
     cum um honrado lavradô.
 
O lavradô era pobre...
 
Meu pae, que era um hôme nobre
bateu o pé!... Não jurou.
A Justicia que fazia
tudo o que o hôme quiria,
im mêno de duas hora,
butou o véio prá fora!...
E tudo ansim se acabou!!
 
Despois que eu vim pró cangaço,
há munto que o tá ricaço
cumigo as conta ajustou!!
 
               *
 
óie, moço: vêje lá
se eu tenho rêzão
     ou não.
 
               *
 
Um dia, eu táva banzando,
deitado n’uma toucêra
de verde sanacurí,
quando vejo vim, d’ali,
o Antônio dos Picapáu,
amuntado n’um quartáu.


O coração piquinino
sartava, cumo um cabrito!
 
Vendo o Antônio que era eu,
gritou de lá: “Sirvirino!...
“A tua érmã!...“ Dei um grito,
que o cabôco istremeceu!
 
Apois, quando eu disse: — “Fala”
ele gritou lá da istrada:
 “Foi trazontônte róbada!!..”
E alevantando a çoitêra,
deu de ispóra no quartáu,
e se assumiu entre as fóia
de duas guapurinhêra!!
 
               *
 
Três dia andei a percúra,
atraz do tarapantão,
(o fio d’um figurão...)
mato abáxo, mato arriba,
e só discansei, seu moço,
quando eu tirei o pirão
do buxo daquele cão,
cum a ponta da parnaíba.
 
               *
 
 Gibão e chapéu de côro
 n’uma orêia derribado;
 um guarda-peito de onça
 no peito sarapintado;
 cravinóte sêmpe iscravo
 dos bom, cumo vassuncê,
 aqui tá um cangacêro,
 mas um cangacêro honrado,
 taliquá, cumo me vê.

Catulo da Paixão Cearense segunda, 21 de outubro de 2024

TERRA CAÍDA (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

 

TERRA CAÍDA

Catulo da Paixão Cearense

(Grafia original)

 

Faz hoje sete janêro

que eu dêxei o Ciará,

e rumei lá prô Amazona,

a terra dos siringá.

 

N'aquelas mata bravia,

lá, nos centro arritirado,

as arve tem munto leite,

mas nós já tâmo cansado!

 

O inverno, n’aquele inferno,

é uma grande internação!

No inverno não se trabaia,

que é o tempo da alagação.

 

Isperei. Veio o verão.

É mais mió não falá!...

Tú qué sabê, meu amigo,

o que é os siringá?!

 

É trabaiá... Trabaiá!

É um hôme se individá!

É vive n’uma barraca,

N’um miserave casebre 
e sê ferrado da febre,

que anda danada prú lá!

 

É trabaiá, trabaiá,

dênde que rompe a minhã,

prá de dia sê chupado

pulo piúm, que é marvado,

e de noite sê sangrado

pulo tá carapanã!!

 

É um hôme dá todo o sangue

prô mardito do piúm,

e vortá mais disgraçado,

cumo eu — o Chico Mindélo,

duente, feio e amarelo,

cumo a frô do girimúm.

 

Ansim, lá dos siringá,

no fim de três, de três ano,

sem um vintém ajuntá,

ia vortá prá Manáu,

tãndo fixe na tenção

de Manáu vim prô sertão

do meu quirido Ciará.

 

Apois!... siguindo os consêio

que me dava o coração,

arrêzôrvi não vortá!

 

N’um terreno, im ribancêra,

na bêra mêmo do rio,

despois d’um ano gastado

de trabaio cum o machado,

prá aquelas árve gigante

na derrubada quêmá,

incoivarei um roçado

e cumecei a prantá:

feijão, mio, mandioca,

e fui filiz no lugá.

 

A terra era munto bôa

prá fazê um roçadão:

tão bôa, que era percizo

vivê cum a inxada na mão!

Se um hôme mamparriasse,

a imbaúba, a gitirana,

o mata-pasto, a caíva,

o taxizêro danado,

o taquarí... n’um instantinho,

tudo cubria o roçado.

 

“Cabôco Onça” era ansim

que eu ali era chamado.

 

Apois, no fim de dois ano,

cumpade, eu já pissuía

umas cabeça de gado!

 

Mas porém, meu véio amigo,

tudo o que hoje o hôme faz,

n’outro dia Deus disfaz!

 

____

 

Ouve. Um dia, Zé Pacú,

indo a Igarapé-Assú.

onde tinha um ajurí,

levou cum êle uma fia,

quê se chamava — Maibí.

 

O pagode, a festa, o sambo,

era im casa d’um rocêro

de nome: — Antônio Truamba.

 

No pagode do Truamba,

chorei tanto na viola,

de noite inté de minhã,

que a fermosa cunhatã

teve uns caído prá mim!

 

óia, a coisa foi ansim.

 

A cabôca fez premessa

de nunca mais me isquecê!

 

Que pena não sabe lê!

 

Ela disse tanta coisa,

tanta palavra bunita,

que eu, inté, nem sei dizê!

 

Nunca tive tanta pena

e tanta malincunia

de não sabe inscreve!

 

Agora váíncês me diga:

o que havéra eu de fazê?!

 

A festa tinha acabado!

Eu táva diseambimbado!

 

Na hora que toda gente

já táva se adispidindo...

a muié táva chorando!

Vendo a muié saluçando...

fui assuntando... assuntando.

e... odespois, arresôrvi!

Pidí a mão de Maibí!

 

Nos óio dos cunvidado

correu uma ispantação!

 

A cara dos namorado

de Maibí, naquele instante,

ficou taliqá se visse

uma grande assombração!

 

Maibí ficou tão contente,

quando o pai, arrêzôrvido,

no meio de tôda gente,

satisfez o meu pidido.

 

Eu não quiria!.... É verdade!

Mas porém, era mardade,

era mardade e perrice

não crê naquelas denguice

duma muié adorada,

nem nas coisa que jurava

cum a sua palavra honrada!

 

Apois, ficou ajustado

que, despois de mais dois ano

de trabáio no roçado,

nós havéra de casá.

Despois da festa acabá,

a festa do seu Truamba,

uns prá aqui, outros prá lá,

cada um siguiu viage.

 

A barraca do Paçú,

do véio pai de Maibí,

ficava lá da outra marge,

da outra banda do rio,

num bunito massapêz.

Só de três mês im três mês,

eu fazia a travessia,

(duas hora de canoa...)

prá hí vê a curumim,

e só quatro mês fartava

prás coisa chegá no fim.

 

Zé Pacú dava um pagode

no dia oito, im dezembro,

que é o dia da Cunceição!

 

Cum rézão ou sem rézão,

João Capixaba, um caúchêro,

das banda de Sairé,

me contou que a cabôquinha

numa festa, im Caeté,

no dia de S. João,

só cum caquêro dançou,

e prú via disso a festa

im tempo quente acabou!!!

 

Dei tempo ao tempo: isperei.

 

O dia oito chegou!!!

“vamo vê”, disse cumigo,

“se o cabra não me inganou.”

 

*

 

Naquele braço da costa,

de todo lado se via,

atupetada de gente,

as canoa, as montaria.

 

Vinha decendo um Gaiola.

 

Pequei na minha viola,

e decí pulo barranco!

 

A lua, branca arupêma,

tôda redonda e cheínha,

penêrava lá de riba!

E o rio táva tão branco,

cumo um montão de farinha!

 

Remando naquela hora

prá barranca da outra marge,

um bando de montaria,

carregando os cunvidado,

foi siguindo de viage.

 

O Pacú era quirido e cunhicido de tudo!

Vinha gente inté de longe,

lá das banda do Serudo.

 

Nunca vi tanta canôa

atupetada de gente!

As água mansa do rio

se ria inté de contente!

 

A noite táva bunita,

cum seus vistido de chita,

da cô da frô dos ipé

A noite infeitiça a gente,

pruquê a noite é uma miué!

 

Ansim, bunita e fermosa,

cum uma saia toda azú,

cheguei a pensá que a noite,

a noite da Mãe de Cristo,

tinha sido cunvidada

prá festa do Zé Pacú!

 

Sartei no barco velêro,

e a viola temperando,

bejei as águas do rio,

e fui cantando e cantando:

 

«Nosso Sinhô, quando andava

pulos dizerto, a rezá,

gostava de uví São Pedro

na viola puntiá.

 

São Pedro diz que a viola

foi feita, num disafio,

de canoa que êle andava

cum o Cristo a pescá no rio.

 

Não foi feita da canôa,

mas porém da sua cruz!

A viola ainda sofre

tudo o que sofreu Jesús!

 

Quando Deus fez a viola

e cumeçou a cantá,

seu coração ficou rôxo,

cumo a frô do manacá!...

 

Deus é o rei dos violêro

quando canta o seu amô,

nas corda santa da lua,

que é a viola do Sinhô!»

 

E fui remando... remando..

E há duas hora eu remava

e um bom cigarro pitava

de páia de tauarí,

quando abispei a barraca

do véio pai de Maibí.

 

Mais umas duas remada

e, entonce, filíz, cheguei!

 

No porto, entre as canarana

a igarite amarrei!

 

Ali, na bêra do rio,

manso, cumo uma lagôa,

os cunvidado da festa

vinha chegando e sartando

duma prução de canoa.

 

Nunca vi tanta canôa,

atupetada de gente!

 

As água mansa do rio,

todo inrugado, increspado,

se ria inté de contente!

 

A casa táva no arto!

 

Pulo um caminho insombrado,

assubi pulo barranco!...

isvisguei pulo terrêro!...

Quebrei do lado da mata,

onde tinha um assacuzêro!...

 

A barraca do cabôco

táva tôda inluminada

e quage tôda afogada

numa moita de abiêro!

 

Nas pórka e varsa e quadrilha,

a dança táva animada!

O somo da frauta e a viola

se misturava cum o chêro

das fulô dum jasminêro,

que intrava pula jinela!

 

A Mãe de Cristo, tão bela,

num óratório enfeitada,

táva no meio das véla,

morena e toda istrelada,

rezando, cumo uma istrela,

na boca da madrugada!

 

De repente, im toda a festa,

donem um rumo mais se uvía!

O nome dela – Maibí, –

de boca im boca curria!

 

Um matêro ou um seringuêro,

bateu parma no terrêro,

e fez prá tudo um siná.

 

Era o samba e era ela,

era Maibí, quem prêmêro

no samba vinha sambá.

 

Do lado da caiçára,

na quina da ribancêra,

me iscundi atrás do tronco

duma véia piranhêra.

 

Quando avistei a cabôca,

quage chorei de verdade!

Ai, meu Deus, cumo é bunita

a morte duma sôdade!!

 

As viola gemeu de novo,

e ela se-pôs-se a brincá,

tremendo num miudinho,

sem se arredá do lugá!

 

Ao despois, a sala tôda

correu num sapatiado,

disafiándo prá dança

os pobre dos cunvidado,

que logo baxava os óio,

ansim cumo ínvregonhado.

 

As caboquinha, inciumada,

já não pudia mais, não!

 

Quando os noivo se assanhava,

elas ferrava nos braço

dos seus noivo um biliscão.

 

Maibi quebrava no côco

cum tanta requebração,

que se a Maãe de Deus sambasse

tarvez que váincês jurasse

que quem sambava era Ela!...

A Virge da Cunceição!...

A Mãe de Deus, do Sinhô!!!!

 

Nisto, um roquête de parmas

im toda sala istrondou!

 

Foi quando, entonce, um vaquêro

ainda moço e temêro,

prá riba dela imbicou!!!!

 

De camisa tôda branca,

cum o peito todo arrufado,

no pescoço examurrádo

um lenço cô de limão...

butão de ouro nos punho!...

Purriba das carça nova

um pezado correntão...

O cabra, remunhentando,

castanholando cum as mão,

imbigando prá morena,

requebrava as suas perna,

no requebrado das perna,

zunindo, cumo um pinhão!!!

 

Quando o vaquêro cansava,

ela ia arrecuando,

que nem si via os seus pé!.. .

Quando o vaquêro avançava,

ela ia arrecuando

fugindo, cumo a marréca

da boca do jacaré!!...

 

Se o vaquêro abria os braço,

atirando uma laçada,

Maibí fugia do laço,

sortando uma gargaiadá!

 

E agora é que ela dançava

e os musgo a musga apressava

e ela sambava, sambava,

sem um momento apara!...

“Ai, meu tempo!” num gimido

gritava as véia aculá!

Xingava as véia os marido,

que alevantando os pescoço,

xingando tombem as véia,

dava parma, cumo os moço,

vendo o demônio ródá!

 

Deus me perdoe a hirizia!

Mas porém, eu vi a Santa,

eu vi a Virge Maria,

batendo parma do artá!

 

O vaquêro, arenegado,

ficou num canto, isbarrado,

Capíongo, discunchavado,

sem quáge pudê falá!

 

Tinha cansado o marvado!

Já não pudia sambá!

 

E o pai, óiando prá ela,

e achando a fia mais bela,

acendeu o seu cachimbo,

e... era pai... pôs-se a chorá!

 

Entre as nuve de puêra,

a cabôca paricia

taliquá dos capuêrão,

doida, às tonta e às marrada,

fugindo entre os ispinhêro,

dum valente boiadêro,

pulos mato do sertão.

 

Entonce, currupiando,

sem tomá fôrgo na dança,

a móde cumo criança,

abria a boca dengosa,

e entonce a língua trimía

entre os dente da cabôca,

querendo saí da boca,

cumo uma cobra de rosa.

 

Os dois copuassú morêno,

maduro, fresco, fermoso,

dois curumim vregonhoso,

que ninguém pudia vê,

pru báxo daquelas renda,

tinha o chêro, inda quentinho

da boca dum bizerrinho,

quando acaba de nacê.

 

Os périnho da cafuza,

que se tu visse, chorava,

não dançava, parpitava,

taliquá dois coração!

Tão leve, que paricia

num rodá de carapêtâ,

um casá de barbuleta,

brincando rente do chão!

 

Os óio, que tinha o fogo

das tarde, quando se intôna,

tinha no fundo a beleza

de tôda aquela tristeza

que tem o rio Amazona.

 

Não tinha boca!... Era a boca

uma gaiola de sangue,

adonde, quando falava,

a gente logo imitava,

saluçando, um irachué!

Mas porém, quando calava,

pidindo, tarvez, um bêjo,

 ficava a boca mais rôxa

do que a frô do mururé.

 

Um bêjo naquela boca

era um má, que não tem cura!

Se tinha a doce frescura

da sombra das quizabêra,

tinha a frevura do bêjo,

que o rio, vindo dos cume,

arrebenta no ciúme

da boca das cachoêra!

Ai! os cabelo!... Os cabelo,

que às vez, num riviramento,

tapava a cara da dona

naquele adivertimento,

era preto, cumo o sonho

dum cego de nacimento!

 

Quando um momento aparava,

dêxando o suó moreno,

cumo os pingo de sereno,

pru todo o corpo corrê,

a sala ficava cheia

desse ôrôma que se sente

do chêro da terra quente,

quando cumeça a chuvê.

 

Ansim, quando ela sambava,

uma rosinha amarela,

que táva ainda im butão

caiu dos cabelo dela,

amachucada no chão.

 

Os musgo, tudo suado,

cum os óio de urúiáuára,

os instrumento aparou!

 

Entonce, o cabra sarado,

de venda de ripolêgo,

do chão a rosa panhou!

 

A cabôca, óiando os musgo

que ainda táva cansado,

cum as língua toda de fora

de tanto e tanto tocá,

deu um muchôcho brejêro

fez um ixe — prô vaquêro,

e introu de novo a sambá,

cumo a fôia do trapiá,

que o vento brabo da serra

vai rolando, pula terra,

num curupio inferná!

 

E as parma ainda istralava,

no meio da cunfuzão,

quando se uviu um baruio

que paricía um truvão!

 

Todo o mundo prá barranca

naqule instante correu!...

 

A noite táva mais branca

que Jesus, quando morreu!

 

O cabra, fazendo infuca,

pruvdtando a cunfunzão,

fez um bico prá cabôca,

e deu um bêjo na boca,

um bêjo!... Sim!... Mardição!!

 

João Capixaba, o cauchêro

não mintiu!... Tinha rêzão!...

Era o vaquêro mardito

da festa de Caeté,

da festa de São João!...

 

“O que foi, gente, o que foi?!”

todo o mundo preguntava

prô pai, que lá da barranca,

já sastifeito vortava,

                       a gritá:

“Vamos!... Vamo! Minha gente!

– Não dêxa a festa isfriá!

– Não foi nadai... Não foi nada!...

– Foi coisa munto sabida!

– Arguma Terra Caída!...

– Toca a ri!... Toca a sambá!"

 

Na verde guarapiranga

chorava um camétaú!

 

Agora é que se isquentava

a festa do Zé Pacú!...

 

Saindo detrás do tronco

da fermosa piranhêra,

rumpi pula tacaniça!...

Dicí pula ribancêra!

Uma tuada sôdosa

nos gimido das viola

se misturava cum o chêro

das fulô do jasminêro,

que vinha lá da janela.

 

Arguem cantava!... Era ela!...

 

Rasguei cum o quicé a corda

da igaríté!... Imbarquei!...

Baixinho disse um segredo

prô rio!... E remei!... remei!...

 

Cada vez remava mais

Só despois de munto tempo,

parei... e ôiei prá traz!

 

A barraca mluminada,

cum a musga, que inda se uvia,

longe, longe... munto longe

cumo uma istrela... murria!

 

O céu, de todos os lado,

parida uma tigela

cum o fundo azú imbórcado,

todo ismartado de novo,

adonde a lua, tão bela,

ia boiando, amarela,

cumo uma gêma de ôvo!

 

Já trazia de viage

duas hora, bem puxada.

 

Lá, prás banda do Nacente,

entre as suas cumpanhêra,

noutra festa inluarada,

sambava a mais feiticêra

das istrêla amorenada,

essa Malbí dos incréu!...

— Essa cabôca do céu:

— A istrela da madrugada!

 

Entonce, peguei do remo,

rasguei as água do rio,

que, fazendo um arripio,

do sono dágua acordou.

Remei!... Remei!... Fui remando!..

E... não cheguei!... Foi somentes!

a canoa que chegou!...

 

Neste sertão do Ciará,

onde naceu nossos pai,

filizmente, ninguém sabe

que coisa é terra que cai!...

 

Aquele instrondo, de longe,

que lá na festa se uviu,

foi quando a terra, essa ingrata,

a minha terra adorada,

farciou!... tremeu!... caiu!...

 

Os juai, as bacabêra,

os coité, as laranjêra,

as moita de cacáuêro,

os verde ginipapêro,

os grande canarassú,

adonde todas as tarde

cantava um iapurú...

as fermosa mongubêra,

as monbugêra inda im frô...

a juruparipirêra,

que táva im frente da choça

a criação... gado... roça...

tudo o rio me levou!

Mas, que isso, minha gente?!

Váincês tudo ficou triste,

despois que a históra acabou?!

Tristeza não dá vantage!

O que passou, já passou!

 

......................................................

......................................................

 

Deus, que um dia fez o hôme,

pula sua santa image,

fez o nosso coração,

cumo as frorésta bravia

das terra virge... sarvage!

 

Virge, im suas mataria!...

Sarvage, im saa grandeza!...

Mas porém, que tem beleza

prá quem aprêcêia as coisa

mais grande da natureza!

 

Um dia, vem a muié!

 

A muié pega um terçado,

pega uma foice, um machado,

disgaia o mato fechado

das terra do coração!

E aos despois da derrubada,

despois do fogo — a quêmada –

a muié pega uma inxada,

cava a terra, bem cavada...

e samêia!... É a prantação!

 

Tudo quanto é frôração,

toda a frô que a terra cria,

tudo nace, ali, num dia,

onde táva a mataria

no fundo do coração!

 

Se a muié sabe que é ingrata,

prá quê vai mexê nas mata

e quêmá, cumo um brinquedo,

o mato virge, cerrado,

iscuro e sêmpre fechado,

adonde não tinha intrado

a luz do Só, que é o Amô!?

 

É prá despois, sem rezão,

derrubá prá toda a vida

o jardim do coração,

sem um tíquinho de dô!

 

Maibí!... Maibí me inganou!!

 

O rio, numa treição,

o trabáio de seis ano,

as terra da prantação

im suas água levou!

 

Maibí!... Maibí me inganou!!

 

Bem feito! Fui castigado!

Foi praga da minha terra!

E praga de Deus inté!

 

Mas peço à Virge Maria,

que, cumo Muié divina

e Mãe de Jesus, perdoe

Maibí, que é tombem muié!!

 

Tudo foi uma inluzão!

 

Do jardim que ela prantou,

nas mata do coração,

só véve agora uma frô!...

Só a Sôdade tem vida!!!

 

E o que é, meu Deus, a Sôdade?!

 

Sôdade é a Terra Caída

de um coração, que sonhou!


Catulo da Paixão Cearense domingo, 22 de setembro de 2024

A LAGOA (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

 

A LAGOA

Catulo da Paixão Cearense

 

Tu não tá vendo a lagoa
aquela lagoa mansa
que parece uma criança
que tá dormindo, a sonhá?

As águas tá tão serena
que a mode que a biriba
caiu do ceu, lá de riba
prá todo mundo espiá.

Mas, porém, óia, arrepara,
que basta só um beijinho
um leve suspirozinho
do vento que não se vê,
prá aquela lagoa imensa
tão serena e assocegada
ficá toda arrepiada
com as água toda a tremê!...

Pode ser uma bestera
mas porem é uma verdade
aqueilo que vou dizê:
vai caminhando... caminha...

Quando tu chegá na bera
daquela mansa rebera
espia, que tu verá
a cara de tua cara
lá no fundo a te espiá!

Que seja bunita ou feia,
tua cara, que parece
a cara da lua cheia
tá lá... num sai do lugá.
Fica ispiando prá cara
que a cara fica a te oiá

Mas, caminha, vai-te embora
que eu juro pru São Jerome
que a tua cara se assome
que nem fica sombra inté!
Aquilo que fez cuntigo
ispiando o teu semblante
faz cum outro caminhante
o primeiro que vinhé.
Apois, aquela lagoa
é o coração das muié...


Catulo da Paixão Cearense quarta, 21 de agosto de 2024

O MARRUEIRO (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

O MARRUEIRO

Catulo da Paixão Cearense

(Grafia original)

 

Marruêro, eu sou marruêro!
Nacendo, cumo tinguí
Fui ruim, cumo piranha
Mais pió que sucuri

Pixúna daquelas banda
Véve a gente a campiá!
Deus fez o hôme, marruêro
Pra vivê sempre a lutá

Meu pai foi bixo timive
E eu fui timive tômbém!
O pinto já sáe do ovo
Cum a pinta que o galo tem

Se meu pai foi marruêro
Havéra de eu tá na toca
A rapá no caitetú
A massa da mandioca?

Bebedô de madureba
Pissuindo carne e caroço
Eu nunca vi cabra macho
Que me fizesse sobrôçol

Nunca drumi uma noite
Imbaxo de tejupá!
Nací pra vivê nas gróta
Pra vivê nos mócôsá

Pra drumi longe dos rancho
Prú-ríba duns gravatá
Vendo a Lua pulas fôia
D’um férmoso iriribá!

Nos gaios da umarizêra
O canta do sanhassú
Na boca triste da noite
O gimido da inhabú

E as tuada da cabôca
Lavando não’água do rio
E os canto, prú via dela
Nos samba nos disafio

Nada disso, não, marruêro
Me dava sastifação
Cumo o mugido bravio
Dos valente barbatão!

Nada fazia, marruêro
O coração me pulá
Cumo uvi pulas varjóta
Os berro dos marruá!

Na paz de Deus eu vivia
Nos brêdo dos matagá
Tocando a minha viola
Só pra meu gado iscutá

Lá, prás banda onde eu naci
Já se falava do amô
Todas as boca dixia
Que era farso e matadô!

Mas porém, fui trazantonte
No samba do Zé Benito
Que eu panhei uma chifrada
Que me deu esse mardito!

Nas marvadage do Amô
Não hai cabra que não caia
Quando o diabo tira a roupa
Tira o chifre e tira o rabo
Pra se vistí c’uma sáia!

Se adisfoiando no samba
Cantando uma alouvação
Eu vi a frô dos cabórge
Das morena do sertão!

Trazia dento dos óio
Istrépe e mé, cumo a abêia!
Oiôu-me cumo uma onça!
E, ao despois, cumo uma ovêia!

Aqueles óio xingôso
Eu confesso a vasmincê
Ruia a gente prú dento
Que nem dois caxinguêlê!

Sem mardade, um bêjo dado
Naquela boca orvaiada
Havéra de tê, marruêro
O chêro das madrugada!

A fala dela, marruêro
Era o gemê do regato
Que vai bêjando as fôiáge
Que cái da boca dos mato!

As duas rola morena
Prú baxo do cabeção
Trimia, cumo a água fresca
Quando o vento bêja as água
Das lagoa do sertão!

Pruquê os dois peito alembrava
Dois maduro cajá-manga
E a boca, toda vremeia
Parecia uma pitanga

Chêrava as mão da cabôca
Cumo os verde maturi!
Era taliquá, marruêro
Dois ninho de jurutí!

Os pezinho da curumba
Quando dançava o baião
Parecia dois pombinho
A mariscá pulo chão

Eu me alembro, a saia dela
Cô das pena da irerê
Tinha a sôdade dos mato
Quando vai anoitecê!!
Aqueles braço de fogo
(Deus não me castigue, não!)
Quêmava, cumo as fuguêra
Das noite de São João!

Marruêro! Os cabelo dela
Tinha o calô naturá
Da pomba virge dos mato
Quando cumeça a aninhá!

Apois, os cabelo dela
Tão preto prô chão caia
Que toda a frô que butava
Nos cabelo, a frô murchava
Pensando que anoitecia!

O suó que ela suava
No samba, chêrava tanto
Que inté a gente sintia
Um chêro de ingreja nova
Um chêro de dia santo!

As anca, as cadêra dela
Surrupiando no coco
Toda a se tamborilá
A móde que parecia
O xaquaiá de uma onda
Que vem jupiando, redonda
Na praia se derramá!

Japiaçóca dos brejo
No arrastado do rojão
Cantava cum tanta mágua
Cum tanto amô e paxão
Que ispaiava, no terrêro
O ôrôma do coração!

O coração das viola
Aparava, de mansinho
Se os dois fióte de rola
Quando ela táva sambando
Pulava fora do ninho!

Entonce, aqueles dois óio
Sereno, cumo o luá
Vinha pra riba da gente
Taliquá dois marruá

Intrava dento da gente
Cumo duas zelação!
Mas porém, a gente via
No fundo daqueles óio
A hora da Ave-Maria
Gemendo nas corda fria
Das viola do sertão!

Prú móde daqueles óio
Dois marvado mucuim
Um violêro, afulémado
Partiu pra riba de mim!

Temperei minha viola
Intrei logo a puntiá
E ambos os dois se peguémo
Num disafio, ao luá!

Premití a Santo Antônio
Se eu vencesse o cantandô
De infeitá o seu fiínho
Cum um ramaiête de frô!!
Só despois que nestas corda
Fiz pinto cessá xerém
Vi que o bichão se chamava
— Manué Joaquim do Muquêm!

Manué Joaquim era um cabra
Naturá de Piancó!
Quando gimia no pinho
Chorava, cumo um jaó!

Eu, marruêro, arrespundia
Nestas corda de quandú
E os acalanto se abria
Cumo as frô do imbiruçú!

Foi despois do disafio
Quando eu saí vencedô
Que os canto e os gemê dos pinho
Não’um turumbamba acabou!

Imquanto nós dois cantava
Sem ninguém tê dado fé
Tinha fugido a cabôca
Cum o Pedro Cahitoré!

Tinha fugido a curumba
Cum aquele bóde ronhêro
Um tocadô de pandêro
E runfadô de zabumba!

Tinha fugido, marruêro
Aquela frô dos meus ai
Cumo uma istrela que foge
Sem se sabê pra onde vai!

Na luz do Só, que acordava
Lá, no coró do Nacente
A móde que Deus, contente
Cum a natureza sonhava!

O canto alegre dos galo
Nos capoerão amiudava!
Nos taquará das lagôa
As saracúra cantava!

Alegre, passava um bando
Das verde maracanã!
Formosa, cumo a cabôca
Vinha rompendo a minhã!

O vento manso da serra
Vinha acordando os caminho!
Vinha das mata chêrosa
Um chêro de passarinho!

Lá, no fundão d’uma gróta
Adonde um córgo gimia
Gargaiava as siriêma
Cum o fresco nacê do dia!

Uma araponga, atrépada
Não’um braço de mato, im frô
Gritava, cumo si fosse
Os grito da minha dô!!

E a sabiá, lá nos gaio
Da tabibúia, serena
Trinava, cumo si fosse
Uma viola de pena!

Um passarinho inxirido
Mardosamente iscundido
Nas fôia de um tamburi
Sastifeito, mangofando
De mim se ria, gritando
Lá de longe: Bem te vi

Chegando na incruziada
Despois do dia rompê
Sipurtei o meu segredo
Não’um véio tronco de ipê!

Dênde essa hora, inté hoje
Eu conto as hora, a pená!
Eu vórto a sê marruêro!
Vou vivê cum os marruá!

Eu tinha o corpo fechado
Pra tudo o que é marvadez!
Só de surúcucútinga
Eu fui murdido três vez!

Tândo cum o corpo fechado
Prás feitiçage do Amô
Pensei que eu tava curado!

Dos marruá mais bravio
Que nos grotão derribei
Munta chifrada penosa
Munta marrada eu levei!!

Pra riba de mim, Deus póde
Mandá o que êle quisé!
O mundo é grande, marruêro!
Grande é o amô! Grande é a fé!

Grande é o pudê de Maria
Ispôsa de São José!
O Diabo, o Anjo mardito
Foi grande! Cumo inda é!

Mas porém, nada é mais grande
Mais grande que Deus inté
Que uma chifrada, marruêro
Dos óio d’uma muié!

 


Catulo da Paixão Cearense domingo, 14 de julho de 2024

O QUE TU ÉS (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

O QUE TU ÉS

Catulo da Paixão Cearense

 

Se um riso vem teus lábios colorir de alma o rubor
As almas a teus pés vem prosternar-se com ardor
A luz transluz dos céus, nos céus dos olhos teus
Saudosos como o luar no mar a cintilar
Tua alma cheira mais que um alvo jasmineiro todo em flor

Onde tu passas fica um aroma a soluçar
Tu és de Deus a obra prima, não tens par
És uma rima singular
Tu és a pérola ideal que o mar gerou
Tu és a flor mais aromática que Deus sonhou

A mais plangente, meiga lira
Sons não tira como as notas desse teu falar
Teus seios tem o sacro e doce aroma de um missal
Teus lábios tem a eterna sensação da extrema unção
Tu fazes sem pensar, os astros palpitar
Tu fazes sem querer, as almas padecer
Tuas tranças cheiram mais que as rosas transcalantes de um rosal

Que a madrugada vem de orvalho perolar
És uma flor da fonte a margem de cristal
És um poema divinal
És a mais sonora estrofe do Senhor
És a irradiação mais branca do luar
És a luz solar, um hino sideral

Nos olhos tens os raios de uma estrela vesperal
Nos lábios tens a taça inebriante de hidromel
Da imagem do perdão, tu és a cópia mais fiel
Tu és um coração de orvalho lá do céu
Que um anjo a chorar perdeu


Catulo da Paixão Cearense terça, 04 de junho de 2024

OS OLHOS DELA (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

 

 

OS OLHOS DELA

Catulo da Paixão Cearense

 

 

Eu sou capaz de confessar
Aos pés de Deus
Que eu nunca vi em mundo algum
Uns olhos como os teus
Eu não sei mesmo
Como os hei de comparar, não sei
Eu já tentei cantar
O teu divino olhar

Depois de tanto versejar
Debalde em vão
Depois de tanto massacrar
A minha inspiração
Cheguei à triste conclusão
De que só sei sofrer
E o que teus olhos são
Não sei dizer

Os olhos teus
Quando nos querem castigar
Parecem dois astros de gelo
Que nos vêm gelar
Mas quando querem nos ferir
Direto ao coração
Eu não te digo não
O que os teus olhos são

Pois quando o mundo Deus quiser
De vez findar
Basta acendê-lo só com um raio
Desse teu olhar
Que os olhos todos das mulheres
Que mais lindas são
Dos olhos teus
Não têm a irradiação

São dois diabos danados, são
Que vem o nosso coração pungir
Paixão, prazer em magoar, ferir
Para depois se porem logo a rir
Fita-os em mim mesmo assim, amor
Mas que perdoa esta heresia
Os olhos teus são de maria
A mãe do redentor


Catulo da Paixão Cearense segunda, 15 de abril de 2024

AO LUAR (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

AO LUAR

Catulo da Paixão Cearense

 

Vê que amenidade
Que serenidade
Tem a noite, em meio
Quando em brando enleio
Vem lenir o seio
De algum trovador!
O luar albente
Quem do bardo a mente
No silêncio, exalta
Chora tua falta
Rutilante estrela
De eteral candor!

Minha lira geme
No concentro extreme
Que a saudade inspira!
Vem ouvir a lira
Que, sem ti, delira
Não'esta solidão!
Vem ouvir meu canto
No fruir do pranto
Com que a dor rorejo
Lancinante arpejo
Que das fibras tanjo
D'este coração!

Vem meu anjo, agora
Recordar nest'hora
Nosso amor fanado
Quando eu, a teu lado
Mais que aventurado
Por te amar vivi!
Quero a fronte tua
Ver à luz da Lua
Resplendente e bela!
Descerra à janela
Que soluça o estro
Só pensando em ti!

Dá-me o teu conforto
Que este afeto é morto
Que me consagravas
Quando protestavas
Quando me juravas
Eviterno amor!
Vem um só momento
Dar ao pensamento
Radiosa imagem
Depois, na miragem
Deixa, em tua ausência
Cruciar-me a dor!

Da saudade o dardo
Vem ferir do bardo
O coração silente!
Essa dor latente
Só na campa algente
Poderá findar!
Mas, se ainda o peito
Palpitar no leito
De eterno abrigo
Eis de só consigo
Sob à lousa, em sono
Funeral, sonhar!

 
 

 

 


Catulo da Paixão Cearense quinta, 29 de fevereiro de 2024

SOMENTE O BELO ETERNAMENTE EU AMAREI (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

SOMENTE O BELO ETERNAMENTE EU LOUVAREI

Catulo da Paixão Cearense

 

 

 

Enquanto vivo cantarei suas modinhas
Flores saudosas do passado em vibração
Pois como tu e eu serei um grande namorado
Das áureas farras deste tempo se lá vão

Eu guardarei essa lembrança minha e tua
Cobro e ainda guardo dentro d’alma a luz da lua
A luz do luar daquelas noites tão sentimentais
Daquelas noites que não voltarão jamais

E muito amei e cantei com fervoroso ardor
Foram meus cantos és o hino, és o meu o teu louvor
Nasci cantor para cantar os lindos versos teus
Louvado, pois eternamente seja Deus

Nem sonhando como tu sanhavas com uma flor
Gravando na alma os corações do eterno deus do amor
Eu já nasci para cantar o flor e beijo teu
Não posso profanar o dom que Deus me deu

Tantas mulheres em teus versos tu retratas
Eu podia altivo com seus versos conquistar
E canto sempre o que sei em serenata
E até criei calo na boca que é expressar

Ao som do grilo que seu gás acompanhasse
Eu fui maior de onde eu te operasse
Pois muitos corações malvados
Corações cruéis
Eu com teus versos me plantasse a teus pés

Se Deus me deu voz tão potente
Tão clemente deram os reis
Jamais senti, da minha voz profanarei
Nasci sofri, temei, amei, correi, amei
Cantei o amor e a dor
Cantar é o meu fadário de cantor

Já nasci para cantar o doce flor és de Deus
Não posso profanar o dom que Deus me deu
E nunca amei porquanto e grande e belo amei
Somente o belo eternamente eu louvarei

Em homenagem à saudade que se apura
Em teus poemas de sonora comoção
Hei de cantar o teu talento e formosura
Hei de cantar o teu agrado perdão

Hei de chorar tuas canções, tuas modinhas
Porque clamor tu vens com amor tu não dizias
E, porque a tua velha música sempre sofrendo
É a poesia da poesia do Brasil

 
 

Catulo da Paixão Cearense quinta, 18 de janeiro de 2024

AVE MARIA (CANÇÃO DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO ESRENSE) VÍDEO

 


Catulo da Paixão Cearense quarta, 06 de dezembro de 2023

NÃO VÊ-LA MAIS (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE), COM PAULO TAPAJÓS - VÍDEO


Catulo da Paixão Cearense domingo, 22 de outubro de 2023

TEMPLO IDEAL (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

TEMPLO IDEAL

Catulo da Paixão Cearense

 

 

 

 

Olha estes céus, oh anjos iluminados
De corações sofrentes e magoados!
E o teu candor na tela cérula a brilhar
E o cantor de madrepérolas
De versos consagrados!

Com camafeus, opalas e turquesas
E as ametistas que tu exalas no falar!
Com o éter da saudade, eterno marmor do sofrer
Um templo ideal, eu vou te erguer!

Ah, teus pés terás a
Hiperdúlia da poesia
Ave Maria dos meus ais!
Consagração do pranto
Deste terno coração
Virgíneo escrínio da ilusão!

Oh, teus pés florei
Com os meus extremos!
Que são fluidos crisântemos
Deste amor com que te amei!
Mandei a minha dor a soluçar
Num resplendor de diademar

Do coração de essências lacrimosas
Que eu marchetei de rimas dolorosas!
Fiz um missal espiritual que adiamantei
Filigranei com os alvos lírios
Destas lágrimas saudosas!

O teu altar num pedestal de mágoas
Eu fiz d'águas do Jordão do meu penar!
Tens uma grinalda em tua fronte constelei
Das esmeraldas, que por ti, sonhei

Versos passionais meigas violetas
Borboletas das ideias
Orquídeas dos meus ais!
Voai, saudosos, primorosos
Dolorosos beija-flores
Dos tristores que
Eu lhe fiz dos amargores!

Doces hóstias multicores
E um turíbulo de dores
Cujo incenso é a inspiração!
Com amor e pura santidade
Guardo o culto da saudade
No meu coração

Eis o teu templo de auroras fulgores
Que eu perfumei só com
O ideal das flores!
Arcanjos d'ouro tendo
Às mãos ebúrneas liras
E a teus pés cantando em coro
Sobre um trono de safiras!

Nos pedestais dos róseos alabastros
Verás dois astros
Tasso e Dante a soluçar!
Sobre o teu altar e debruçado
Em áurea cruz, meu coração
Numa explosão de luz!


Catulo da Paixão Cearense terça, 05 de setembro de 2023

PAMA DE MARTÍRIO (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

PALMA DE MARTÍRIO

Catulo da Paixão Cearense

 

 

 

Quando um Deus cruento
Vem sangrar meu sentimento
E do meu tormento
Põe as cordas a vibrar
Solto o pensamento
Que se perde no infinito
Desse azul bendito
Que te luz no olhar

Se teu nome pulcro
Em devoção desfio em prece
Frio em seu sepulcro
Me estremece o coração
Pedras de cristal sentimental
Correm fulgaces
Pelas minhas faces
A brilhar, rolar

Brilhas dentre as gemas
Dos poemas dos meus prantos
Choras nos quebrantos
Destas lágrimas supremas
Tu sorris das rosas
Policrômas nos aromas
Fulges no cismar
Da minha dor, do meu penar

Cantas nos enleios
Dos gorgeios mais insones
Corres pelos veios
Na campina esmeraldina
Gemes pelos seios
Esteríssimos das fontes
Pelos horizontes
No arrebol ao pôr-do-Sol

Em vestes celestes
Nos ciprestes de minh'alma
Ergues uma palma
De martírio a meu penar
Brilhas como um círio
Iluminando sobre flores
Minhas agras dores
Cor do azul do mar


Catulo da Paixão Cearense quarta, 19 de julho de 2023

FLOR AMOROSA (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

 

 

 

 

Flor amorosa, compassiva, sensitiva, vem porque
É uma rosa orgulhosa, presunçosa, tão vaidosa
Pois olha a rosa tem prazer em ser beijada, é flor, é flor
Oh, dei-te um beijo, mas perdoa, foi à toa, meu amor
Em uma taça perfumada de coral

Um beijo dar não vejo mal
É um sinal de que por ti me apaixonei

Talvez em sonhos foi que te beijei
Se tu pudesses extirpar dos lábios meus
Um beijo teu tira-o por Deus
Vê se me arrancas esse odor de resedá

Sangra-me a boca, é um favor, vem cá
Não deves mais fazer questão
Já perdi, queres mais, toma o coração
Ah, tem dó dos meus ais, perdão
Sim ou não, sim ou não
Olha que eu estou ajoelhado

A te beijar, a te oscular os pés
Sob os teus, sob os teus olhos tão cruéis
Se tu não me quiseres perdoar
Beijo algum em mais ninguém eu hei de dar
Se ontem beijavas um jasmim do teu jardim

A mim, a mim
Oh, por que juras mil torturas
Mil agruras, por que juras?
Meu coração delito algum por te beijar não vê, não vê
Só por um beijo, um gracejo, tanto pejo
Mas por quê?


Catulo da Paixão Cearense terça, 30 de maio de 2023

FECHEI O MEU JARDIM (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

FECHEI O MEU JARDIM

Catulo da Paixão Cearense

 

 

Eu te respondo mesmo assim cantando
Exacerbando os sonhos meus de então:
Lágrimas frias, creias ou não creias
Tantas chorei-as que fiz um Jordão

Tu me perguntas por que, solitário
Inda mais vário sou que um beija-flor
Ai, quantas vezes cumprindo o fadário
Fui ao calvário do falsário amor!

Quando a primeira confessei que amava
E ela jurava eterno afeto a mim
Senti minh'alma tão feliz, vaidosa
Mais orgulhosa que a de um querubim
Para ofertar-lhe desprendi a rosa
A mais formosa do espiritual jardim

Rosas, camélias, dálias, açucenas
Lírios, verbenas, cravos, resedás
Íris, violetas, manacás, mil flores
Tantos primores dispensei em vão
Jardim não teve nenhuma rainha
Como a que eu tinha no meu coração

Vieste tarde! Nem agora existe
Um golvo triste de funéreo dó
De tantas flores que eram meus carinhos
Só vejo espinhos, folhas secas só

O amor-perfeito que eu tinha em meu peito
Perdeu a vida, emurcheceu por fim
Mas essa flor modou-se, emurchecida
Numa ferida que viceja em mim
Eis minha vida, a minha história é esta
Nada mais resta, fecho o meu jardim


Catulo da Paixão Cearense sábado, 08 de abril de 2023

ARUÊ! ARUÁ!, MODINHA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE, COM PATRÍCIO TEIXEIRA

Patrício Teixeira

 

 

 


Catulo da Paixão Cearense quarta, 15 de fevereiro de 2023

CABOCA BUNITA (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

CABOCA BUNITA

Catulo da Paixão Cearense

 

 

Quando tu passa nus mato, meu bem
Cantando pulos caminho
Vai seguindo atrás de ti, meu bem
Um bando di passarinho

Ai, caboca bunita
Mi da um beijinho!

Quando tu inda vem de longe, meu bem
Eu já di longe adivinho
Eu sinto istremecê, meu bem
As corda desse meu pinho

Ai, caboca facera
Mi dá um beijinho!

Quando tu samba nus samba, meu bem
Parece um beija-frozinho
Qui avoa di frô in frô, meu bem
Cumo a percura di um ninho

Ai, caboca dengosa
Mi dá um beijinho!

 

 


Catulo da Paixão Cearense quinta, 15 de dezembro de 2022

FASCINAÇÃO POR TEUS OLHOS (POEMA DE CATULO A PAIXÃO CEARENSE, COM BAHIANO) VÍDEO


Catulo da Paixão Cearense terça, 18 de outubro de 2022

AO LUAR (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

AO LUAR

Catulo da Paixão Cearense

 

Vê que amenidade
Que serenidade
Tem a noite em meio
Quando em brando enleio
Vem lenir o seio
De algum trovador!
O luar albente
Que do bardo a mente
No silêncio exalta
Chora tua falta
Rutilante estrela
De eteral candor

Vem meu anjo agora
Recordar nest'hora
Nosso amor fanado
Quando eu a teu lado
Mais que aventurado
Por te amar vivi!
Quero a fronte tua
Ver à luz da lua
Resplendente e bela
Descerra a janela
Que eu não durmo as noites
Só pensando em ti!

 


Catulo da Paixão Cearense sábado, 15 de outubro de 2022

A FLOR DO MARACUJÁ, POEMA DO MARANHENSE CATULO, NA VOZ DE ROLANDO BOLDRIN

 


Catulo da Paixão Cearense sexta, 23 de setembro de 2022

O LENHADOR, POEMA DE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE, NA VOZ DE ROLANDO BOLDRIN

 


Catulo da Paixão Cearense domingo, 11 de setembro de 2022

RESPOSTA DO JECA TATU - POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE, NA VOZ DE ROLANDO BOLDRIN

Catulo da Paixão Cearense quarta, 17 de agosto de 2022

BEM-TE-VI, MODINHA DE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE, COM PATRÍCIO TEIXEIRA - ÁUDIO


Catulo da Paixão Cearense quinta, 11 de agosto de 2022

CORAÇÃO DE MANUÉ SECO, DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE, NA INTERPRETAÇÃO DE ROLANDO BOLDRIN

Catulo da Paixão Cearense quarta, 15 de junho de 2022

O BOÊMIO (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

O BOÊMIO

Catulo da Paixão Cearense

 

 

Deus que viver, que prazer
Nesta vida que teço o senhor
Eu gozo só, sem tocar no
Duede traveso do amor!

Oh lé lé! Sou feliz! Uma pinga
De lieias, me faz entrever
O gozar nesta vida borida
É traze-la Florida
Em alaere folgar

Mas, oh, que importa o sofrer
Se eu só conheço o prazer?
Eu sei desviar-me da dor
E leve o diabo ao amor!

Meu coração, não aceita
Os espinhos daninhos do amor
Se a mulher, veja ali
Vou passando
Brincando, folgando
A cantar, sou assim!

E que fuja a mulher
O demonio de mim!
Deus me deu esta vida
Por prêmio, serei o boêmio
Que ele quiser

Leve o diabo até inferno
Da vida, a este terreno
Ridente sofrer!
Num copo eu venço o amargor
Do viver!
Tem doçura ao beber! Oh!

Leve o diabo a este inferno
Da vida, este terreno
Cansado sofrer
Eu só encontro alegria no céu
Da folia, cantando a beber!

Oh, como é bom, como é boa
Está vida que passo sem lar!
Não quero amar, só namoro
A natura que levo a cantar
Uma flor, o luar
Das estrelas, namoro

O divino fulgor
Que ao boêmio dão
Almas meiguices, sem essas
Pieguices do bobo do amor

 


Catulo da Paixão Cearense segunda, 16 de maio de 2022

LUAR DO SERTÃO - CATULO DA PAIXÃO CEARENSE
 
LUAR DO SERTÃO - CATULO DA PAIXÃO

Raimundo Floriano

 

 

 

                        Catulo da Paixão Cearense é o maior astro no cenário seresteiro do Maranhão e do Brasil! Não há seresta, em qualquer rincão pátrio, que não seja cantada, pelo menos, uma de suas composições! Luar do Sertão é o Hino Nacional Sertanejo Brasileiro!

 

                        Catulo nasceu em São Luís (MA), no dia 8 de outubro de 1863, e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), a 10 de maio de 1946) aos 82 anos de idade. Foi um poeta, escritor, músico e compositor. A data de nascimento foi por muito tempo considerada dia 31 de janeiro de 1866, pois a data original fora modificada para que Catulo pudesse ser nomeado para o serviço público. Era filho de Amâncio José Paixão Cearense, natural do Ceará, e Maria Celestina Braga, natural do Maranhão.

 

                        Mudou-se para o Rio em 1880, aos 17 anos, com a família, trabalhando, inicialmente, como relojoeiro. Conheceu vários chorões da época, como Anacleto de Medeiros e Viriato Figueira da Silva, quando se iniciou na música. Integrado nos meios boêmios da cidade, associou-se ao livreiro Pedro da Silva Quaresma, proprietário da Livraria do Povo, que passou a editar, em folhetos de cordel, o repertório de modismos da época.

 

                        Catulo, então, passou a organizar coletâneas, entre elas O Cantor Fluminense e O Cancioneiro Popular, além de obras próprias. Vivia despreocupado, pois era boêmio, e morreu na pobreza.

 

                        Em algumas composições teve a colaboração de alguns parceiros na parte musical, como: Anacleto de Medeiros, Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Francisco Braga e outros.

 

                        Suas mais famosas composições são Luar do Sertão, em parceria com João Pernambuco, de 1914, e a letra para Flor Amorosa, cuja melodia havia sido composta por Joaquim Antônio da Silva Callado em 1867.

 

                        Catulo foi o responsável pela reabilitação do violão nos salões da alta sociedade carioca, até então característico dos boêmios, malandros e assemelhados da noite carioca.

 

                        Possuo em meu cervo cultural a obra completa desse excepcional conterrâneo. Aos poucos, sempre que a ocasião se fizer propícia, reproduzirei neste Almanaque algo de sua criação, para que todos tenham conhecimento de sua maravilhosa genialidade.

 

Por ora, começarei reproduzindo aqui a um pouco do que lhes falei

 

                            Do livro acima, garimpei seu mais lindo e conhecido poema.

 

LUAR DO SERTÃO

 

Oh, que saudade do luar da minha terra

Lá na serra branquejando, folhas secas pelo chão

Este luar cá da cidade tão escuro

Não tem aquela saudade do luar lá do sertão

 

Não há, oh gente, oh não,

Luar como este do sertão!

Não há, oh gente, oh não,

Luar como este do sertão!

 

Se a lua nasce por detrás da verde mata

Mais parece um sol de prata prateando a solidão

A gente pega na viola que ponteia

E a canção é a lua cheia a nos nascer no coração

 

Não há, oh gente, oh não,

Luar como este do sertão!

Não há, oh gente, oh não,

Luar como este do sertão!

 

Coisa mais bela neste mundo não existe

Do que ouvir-se um galo triste, no sertão, se faz luar

Parece até que a alma da lua é que descanta

Escondida na garganta desse galo a soluçar

 

Não há, oh gente, oh não,

Luar como este do sertão!

Não há, oh gente, oh não,

Luar como este do sertão!

 

Ai, quem me dera que eu morresse lá na serra

Abraçado à minha terra e dormindo de uma vez

Ser enterrado numa grota pequenina

Onde à tarde a sururina chora a sua viuvez

 

 

                       

 

 

 

                        E, desse dois LPs, estas lindas peças seresteiras, todas na voz do cantor Paulo Tapajós:

 

                        Luar do Sertão, toada de Catulo e Joaquim Antônio da Silva Callado:

 

 

                        Flor Amorosa, maxixe de Catulo e Joaquim Antônio da Silva Callado:

 

 

                        Ontem ao Luar, canção de Catulo e Pedro de Alcântara:

 

 

                        Caboca di Caxangá, toada de Catulo da Paixão Cearense:

 

 

                        Talento e Formosura, canção, de Catulo e Edmundo Octávio Ferreira:

 

 

 

 


Catulo da Paixão Cearense terça, 12 de abril de 2022

REDCORDA-TE DE MIM (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

RECORDA-TE DE MIM

Catulo da Paixão Cearense

 

 

Recorda-te de mim quando de tarde
Gloriosa a morrer na luz do dia
E nos seios da noite a serrania
Em candores de neve se ocultar
Recorda-te de mim nesse momento
As estrelas saudosas do penar

Recorda-te de mim quando alta noite
Escutares um canto de tristeza
Descantado por toda a natureza
Nos formosos harpejos do luar
Recorda-te de mim quando acordares
E sentires no peito do adolescente
Um espírito em mágoa florescente
Uma hora em teu peito a suspirar

Recorda-te de mim quando no templo
Numa prece serena, doce e fina
Sob o altar florescido de Maria
Teus segredos à Virgem confiar
Recorda-te de mim nesse momento
Para que minha dor tenha um alento
E me deixe morrer com o pensamento
De que morro feliz só por te amar


Catulo da Paixão Cearense sábado, 05 de fevereiro de 2022

POR UM BEIJO (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

POR UM BEIJO

Catulo da Paixão Cearense

 

 

Ó ri, meu doce amor,
Sorri lágrimas da flor
Teu sorriso inspira
A lira que afinei por teu falar
E quer de amor vibrar
Ao sol de teu olhar
Ri meu doce amor
Sorri, pérola da flor
Abre em teu lábio um sorriso
Onde um coração diviso,
De algum anjo que desceu do azul.

Num teu sorriso
Luz de poesia
Vem dar a melodia
E musicar os versos meus
Que eu mostrarei a Deus,
Como eu te amo,
Alma dileta
E sem eu ser poeta
Irei fazer o eterno
Te aclamar nos céus.

Irei estrelas lá no céu roubar
Trarei da lua, um raio de luar
Depois dos céus eu descerei ao mar
E a pérola mais bela irei buscar
Sem recear as iras do Senhor, irei,
Roubar os cofres do Senhor
Trarei a essência do divino amor
Se tu, velada no mais vasto véu,
Concederes-me a vitória
A suprema gloria,
De um só beijo teu!

 


Catulo da Paixão Cearense domingo, 05 de dezembro de 2021

RASGA CORAÇÃO (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE, NA VOZ DE ALFREDO DEL PENHO) VÍDEO


Catulo da Paixão Cearense sábado, 02 de outubro de 2021

O MEU IDEAL (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

O MEU IDEAL

Catulo da Paixão Cearense

 

Pudesse esta paixão na dor cristalizar
E os ais do coração em pérolas congelar
De tudo o que sofreu na tela deste amor
Faria ao nome teu divino resplendor
Pudesse est’alma assim com a tua entrelaçar
E aos pés de Deus num surto ao fim voar
E as nossas almas transmutar
Numa só alma de um insonte querubim

Lá, lá nos céus então
Contigo ali
Do amor na pura e etérea floração
Lá, junto a Deus então
Cantar uma canção
De adoração a ti
Lá eu diria aos pés do redentor
Perante os imortais
Senhor, eu venero muito a ti
Mas confessor sem temor
Que a ela eu amo mais

Minh’alma ascende além, que Deus já te esqueceu
E a terra não contém afeto igual ao teu
Procuras, mas em vão, na térrea solidão
Ouvir a pulsação do coração do amor
Num raio inspirador, no plaustro do luar
Percorre o céu, o inferno, a terra e o mar
Não acharás, não acharás amor igual
Que o teu amor é imortal


Catulo da Paixão Cearense sexta, 30 de julho de 2021

AI, Ó MEU AMOR, AO CAMPO SANTO (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

VAI, Ó MEU AMOR, AO CAMPO SANTO

Catulo da Paixão Cearense

 

 

Tu, tu não queres crer como eu te quero!
Venero o teu amor, que é minha vida
Tudo nesta dor do mundo espero
Sou poeta e sou cantador, ó alma indinfa!
Sobre o coração que me consome
A rutilar luz diamante do teu nome
Sei que o meu penar será infindo
Irei cumprindo o que Deus determinar

Hás de chorar a minha desventura
Quando eu repousar na gelidez da sepultura
Hás de lamentar os sofrimentos
Tantos tormentos que sofri
Enquanto vivo aqui por ti

Vai, vai ó meu amor ao campo santo
Verás a minha cruz lá num recanto!
Vai, que lá verás cheias de odores
Numa genuflexão algumas flores
Vai e uma por uma sem ter medo
Colhe essas flores, a meiguice de um segredo
São os versos d´alma que eu não disse
E enfim dizer, dizê-los só, quando eu morrer

 


Catulo da Paixão Cearense quarta, 19 de maio de 2021

IMPLORANDO (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

IMPLORANDO

Catulo da Paixão Carense

 

Quando um deus cruento
Vem sangrar meu sentimento
E do meu tormento
Põe as cordas a vibrar
Solto o pensamento
Que se perde no infinito
Desse azul bendito
Que te luz no olhar

Se teu nome pulcro
Em devoção desfio em prece
Frio em seu sepulcro
Me estremece o coração
Pedras de cristal sentimental
Correm fulgaces
Pelas minhas faces
A brilhar, rolar

Brilhas entre as gemas
Dos poemas dos meus prantos
Choras nos quebrantos
Destas lágrimas supremas
Tu sorris das rosas
Policrômas nos aromas
Fulges no cismar
Da minha dor, do meu penar

Cantas nos enleios
Dos gorgeios mais insones
Corres pelos veios
Na campina esmeraldina
Gemes pelos seios
Esteríssimos das fontes
Pelos horizontes
No arrebol ao pôr-do-sol

Em vestes celestes
Nos ciprestes de minh'alma
Ergues uma palma
De martírio a meu penar
Brilhas como um círio
Iluminando sobre flores
Minhas agras dores
Cor do azul do mar

Catulo da Paixão Cearense quarta, 17 de fevereiro de 2021

ATÉ AS FLORES MENTEM (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

ATÉ AS FLORES MENTEM

Catulo da Paixão Cearense

 

 

Em um jardim à beira-mar
(fazia um luar de níveo albor
E o céu sem véu tinha o fulgor
Da cor do meu primeiro amor)
Estava ali a meditar
A meditar pensando em ti
Quando uma flor estando a sonhar
Do nosso amor falar ouvi

Compaixão! À flor eu disse então:
Ó tu que o coração conheces dela
Dize a mim se é vero o seu amor!
E a flor sonhando ainda
Assim me diz, assim:

"Ó feliz, tu és poeta!
A tua mais dileta flor
A nossa irmã de mais candor
Tem amor a ti ardente
Somente vive por te amar
E morrerá por te adorar!"

E a rosa ouvindo assim falar
Senti minh'alma a Deus voar
E de prazer, cheio de amor


Catulo da Paixão Cearense terça, 15 de dezembro de 2020

QUEBREI A JURA (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

QUEBREI A JURA

Catulo da Paixão Cearense

 

 

Jurei não mais te ver
E o juramento
Abriu-se dentro d’alma dolorida
Com sangue eu escrevi no pensamento
Jurei não mais te ver por toda vida
Sorri das tuas lágrimas choradas
Ao som das tuas vívidas risadas
Porque no lado teu a fé vendida
Rasguei-te logo ali do terno fez um breu

Ri e ri da dor, sente amor ri ingrata
Ó mata sim, mas com dor ri de mim
Meu coração não conhece afeição
Não tens perdão tu não tens ó não
Chorastes como todas as mulheres
As notas do meus versos tão pequenos
Chorastes como todas as mulheres
E choram por chorar o rosto amado
Eu sei que um ramalhete de maridos
Cantaram versos meus em tua boca
Em pura gratidão me dei espinhos
E louca de prazer te fiz reflorescer

Ri e ri da dor, sente amor ri ingrata
Ó mata sim, mas com dor ri de mim
Meu coração não conhece afeição
Não tens perdão tu não tens ó não


Catulo da Paixão Cearense quinta, 15 de outubro de 2020

TU PASSASTE POR ESTE JARDIM (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE) - LETRA E ÁUDIO, COM GILBERTO ALVES

 

TU PASSASTE POR ESTE JARDIM

Catulo da Paixão Cearense

Tu passaste por este jardim!
Sinto aqui certo odor merencório
Desse branco e donoso jasmim
Num dilúvio de aromas pendeu
Os arcanjos choraram por mim
Sobre as folhas pendidas do galho
Que a luz de seus olhos brilhantes verteu

Tu passaste, que de quando em quando
Vejo as rosas no hastil lacrimado
Das corolas de todas as flores
As minhas angústias, abertas em flores
Neste ramo que ainda se agita
Uma roxa saudade palpita
E esse cravo, no ardor dos ciúmes
Derrama os perfumes num poema de amor

De um suspiro deixaste o calor
Neste cálix de neve, estrelado
Neste branco e gentil monsenhor
Vê-se o íris de um beijo esmaltado
Tu deixaste num halo de dor
Nas violetas magoadas, sombrias
A tristeza das ave-marias
Que rezam teus lábios à luz do Senhor

Vejo a imagem da minha ilusão
Nessa rosa prostrada no chão
Meus afetos descansam nos leitos
Destes lindos amores-perfeitos
Como chora o vernal jasmineiro
Que me lembra o candor de teu cheiro!
Este cravo sangüíneo é uma chaga
Que se alaga no rubor da cor

As gentis magnólias em vão
Muito invejam teu rosto odoroso
Rosto que tem a conformação
De um suspiro adejando saudoso
E esses lírios têm a presunção
De imitar em seus níveos brancores
Esses dois ramalhetes de amores
Andores de flores num seio em botão

 

TU PASSASTE POR ESTE JARDIM

Maxixe - Com Gilberto Alves


Catulo da Paixão Cearense quinta, 27 de agosto de 2020

O QUE TU ÉS (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

O QUE TU ÉS

Catulo da Paixão Cearense

 

Se um riso vem teus lábios colorir de alma o rubor
As almas a teus pés vem prosternar-se com ardor
A luz transluz dos céus, nos céus dos olhos teus
Saudosos como o luar no mar a cintilar
Tua alma cheira mais que um alvo jasmineiro todo em flor
Onde tu passas fica um aroma a soluçar
Tu és de Deus a obra prima, não tens par
És uma rima singular
Tu és a pérola ideal que o mar gerou
Tu és a flor mais aromática que Deus sonhou
A mais plangente, meiga lira
Sons não tira como as notas desse teu falar
Teus seios tem o sacro e doce aroma de um missal
Teus lábios tem a eterna sensação da extrema unção
Tu fazes sem pensar, os astros palpitar
Tu fazes sem querer, as almas padecer
Tuas tranças cheiram mais que as rosas transcalantes de um rosal
Que a madrugada vem de orvalho perolar
És uma flor da fonte a margem de cristal
És um poema divinal
És a mais sonora estrofe do Senhor
És a irradiação mais branca do luar
És a luz solar, um hino sideral
Nos olhos tens os raios de uma estrela vesperal
Nos lábios tens a taça inebriante de hidromel
Da imagem do perdão, tu és a cópia mais fiel
Tu és um coração de orvalho lá do céu
Que um anjo a chorar perdeu.

O QUE TU ÉS

Canção de Catulo da Paixão Cearense, melodia de Anacleto de Medeiros e voz de Vicente Celestino


Catulo da Paixão Cearense domingo, 05 de julho de 2020

OS OLHOS DELA (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE), NA VOZ DE LEILA PINHEIRO


Catulo da Paixão Cearense segunda, 18 de maio de 2020

CABÔCA DI CAXANGÁ (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

 

CABÔCA DI CAXANGÁ

Catulo da Paixão Cearense

 

Laurindo Punga, Chico dunga, Zé Vicente
Essa gente tão valente do sertão de jatobá
E o danado do afamado Zeca Lima
Tudo chora numa prima e tudo quer te traquejá

Cabôca di caxangá (bis)
Minha cabôca venha cá. (bis)

Queria ver se essa gente também sente
Tanto amor como eu senti
Quando eu te vi em cariri
Atravessava um regato no patau
E escutava lá no mato
O canto triste do urutau.

Cabôca, demônio mau, (bis)
Sou triste como o urutau. (bis)
Cabôca de caxangá (bis)
Minha cabôca, vem cá (bis)

Há muito tempo lá nas moita
Da taquara junto ao monte das coivara
Eu não te vejo tu passar
Todo os dia até a boca da noite
Eu te canto uma toada
Lá de baixo do indaiá.

Vem cá, cabôca, vem cá (bis)
Rainha di caxangá (bis)

Da noite santa do natal na encruzilhada
Eu te esperei e descansei
Até o romper da minhã
Quando eu saía do arraiá o sol nascia
E lá na mata já se ouvia
Pipiando a acauã.

Cabôca, toda manhã
Som triste de acauã (bis)
Cabôca de caxangá (bis)
Minha cabôca, vem cá (bis)

 


Catulo da Paixão Cearense terça, 18 de fevereiro de 2020

VAI, MEU AMOR, AO CAMPO SANTO (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CESRENSE)

 

VAI, MEU AOMOR, AO CAMPO SANTO

Catulo da Paixão Cearense

Tu, tu não queres crer como eu te quero!
Venero o teu amor, que é minha vida
Tudo nesta dor do mundo espero
Sou poeta e sou cantador, ó alma indinfa!
Sobre o coração que me consome
A rutilar luz diamante do teu nome
Sei que o meu penar será infindo
Irei cumprindo o que Deus determinar

Hás de chorar a minha desventura
Quando eu repousar na gelidez da sepultura
Hás de lamentar os sofrimentos
Tantos tormentos que sofri
Enquanto vivo aqui por ti

Vai, vai ó meu amor ao campo santo
Verás a minha cruz lá num recanto!
Vai, que lá verás cheias de odores
Numa genuflexão algumas flores
Vai e uma por uma sem ter medo
Colhe essas flores, a meiguice de um segredo
São os versos d´alma que eu não disse
E enfim dizer, dizê-los só, quando eu morrer


Catulo da Paixão Cearense sexta, 03 de janeiro de 2020

UM BOÊMIO NO CÉU (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE, COM ANTÔNIO NÓBREGA)


Catulo da Paixão Cearense quinta, 14 de novembro de 2019

U POETA DU SERTÃO (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

U POETA DU SERTÃO

Catulo da Paixão Cearense

(Grafia original)

 

Si chora o pinho
Im desafio gemedô
Não hai poeta cumo os fio
Du sertão sem sê doutô
Us óio quente
Da caboca faz a gente
Sê poeta di repente
Que a puisia vem do amor

Não há poeta, não há
Cumo os fio do Ceará!

Dotô fromado, home aletrado
Lá da Côrte
Se quisé mexê comigo
Muito intoncê tem qui vê
Us livro da intiligença
I dá sabença
Mas porém u mato virge
Tem puisia como quê!

Poeta eu sô sem sê dotô
Sou sertanejo
Eu sô fio lá dus brejo
Du sertão do Aracati
As minha trova
Nasce d'arma sem trabaio
Cumo nasce na coresma
Nu seu gaio a frô de Abri


Catulo da Paixão Cearense domingo, 06 de outubro de 2019

TU PASSASTE POR ESTE JARDIM (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

TU PASSASTE POR ESTE JARDIM

Catulo da Paixão Cearense

 


Tu passaste por este jardim!
Sinto aqui certo odor merencório
Desse branco e donoso jasmim
Num dilúvio de aromas pendeu
Os arcanjos choraram por mim
Sobre as folhas pendidas do galho
Que a luz de seus olhos brilhantes verteu

Tu passaste, que de quando em quando
Vejo as rosas no hastil lacrimado
Das corolas de todas as flores
As minhas angústias, abertas em flores
Neste ramo que ainda se agita
Uma roxa saudade palpita
E esse cravo, no ardor dos ciúmes
Derrama os perfumes num poema de amor

De um suspiro deixaste o calor
Neste cálix de neve, estrelado
Neste branco e gentil monsenhor
Vê-se o íris de um beijo esmaltado
Tu deixaste num halo de dor
Nas violetas magoadas, sombrias
A tristeza das ave-marias
Que rezam teus lábios à luz do Senhor

Vejo a imagem da minha ilusão
Nessa rosa prostrada no chão
Meus afetos descansam nos leitos
Destes lindos amores-perfeitos
Como chora o vernal jasmineiro
Que me lembra o candor de teu cheiro!
Este cravo sangüíneo é uma chaga
Que se alaga no rubor da cor

As gentis magnólias em vão
Muito invejam teu rosto odoroso
Rosto que tem a conformação
De um suspiro adejando saudoso
E esses lírios têm a presunção
De imitar em seus níveos brancores
Esses dois ramalhetes de amores
Andores de flores num seio em botão


Catulo da Paixão Cearense sábado, 24 de agosto de 2019

TRÊS ESTRELINHAS - O QUE TU ÉS (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

TRÊS ESTRELINHAS (O QUE TU ÉS)

Catulo da Paixão Cearense

 

Se um riso vem / Teus lábios colorir de almo rubor / As almas a teus pés / Vêm prosternar-se com ardor / A luz transluz nos céus / Nos céus dos olhos teus / Saudosos como o luar / No mar a cintilar

Tua alma cheira mais / Que um alvo jasmineiro todo em flor / Onde tu passas fica um aroma a soluçar / Tu és de Deus a obra-prima / Não tens par! / És uma rima singular

Tu és a pérola ideal / Que o mar gerou / Tu és a flor mais aromal / Que Deus sonhou / A mais plangente e meiga lira sons não tira / Como as notas desse teu falar

Teus seios têm o sacro / E doce aroma de um missal / Teus lábios têm a eterna / Sensação da extrema-unção / Tu fazes sem pensar os astros palpitar / Tu fazes sem querer as almas padecer

Tuas tranças cheiram mais / Que as rosas trescalantes de um rosal ; Que a madrugada vem de orvalho perolar / És uma flor da fonte à margem / De cristal / És um poema divinal!

És a mais sonora estrofe do Senhor / És a irradiação mais branca do luar / És a luz solar / Um hino sideral! / Nos olhos tens os raios / De uma estrela vesperal

Nos lábios tens a graça / Inebriante de hidromel / Da imagem do perdão / Tu és a cópia mais fiel / Tu és um coração de orvalho lá do céu / Que um anjo a chorar verteu 


Catulo da Paixão Cearense terça, 16 de julho de 2019

TERRA CAÍDA (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

TERRA CAÍDA

Catulo da Paixão Cearense

 


Faz hoje sete janêro, 
que eu dêxei o Ciará, 
e rumei lá pró Amazona, 
a terra dos siringá. 

N’aquelas mata bravia, 
lá, nos centro arritirado, 
as arve tem munto leite, 
mas nós já tâmo cansado! 

O inverno, n’aquele inferno, 
é uma grande infernação! 
No inverno não se trabaia, 
que é o tempo da alagação. 

Isperei. Veio o verão. 

É mais mió não falá!... 
Tu qué sabe, meu amigo, 
o que é os siringá?! 

É trabaiá... Trabaiá! 
É um hôme se individá! 
É vive n’uma barraca, 
n’um miserave casebre 
e sé ferrado da febre, 
que anda danada prú lá! 

É trabaiá, trabaiá, 
dendê que rompe a minhã, 
prá de dia sé chupado 
pulo piúm, que é marvado, 
e de noite sé sangrado 
pulo tá carapanã! 

É um hôme dá todo o sangue 
pró mardito do piúm, 
e vortá mais disgraçado, 
cumo eu — o Chico Mindélo, 
duente, feio e amarelo, 
cumo a frô do girimúm. 

Ansim, lá dos siringá, 
no fim de três, de três ano, 
sem um vintém ajuntá, 
ia vortá prá Manáu, 
tândo fixe na tenção 
de Manáu vim pró sertão 
do meu quirido Ciará. 

Apois!... siguindo os consêio 
que me dava o coração, 
arrêzôrvi não vortá! 

_________ 

N’um terreno, im ribancêra, 
na bêra mêmo do rio, 
despois d’um ano gastado 
de trabaio cum o machado, 
prá aquelas árve gigante 
na derrubada quêmá, 
incoivarei um roçado 
e cumecei a prantá: 
feijão, mio, mandioca, 
e fui filiz no lugá. 

A terra era munto boa 
prá fazê um roçadao: 
tão boa, que era percizo 
vivê cum a inxada na mão! 
Se um hôme mamparriasse, 
a imbaúba, a gitirana, 
o mata-pasto, a caíva, 
o taxizêro danado, 
o taquarí... n’um instantinho, 
tudo cubria o roçado. 

“Cabôco Onça” era ansim 
que eu ali era chamado. 

Apois, no fim de dois ano, 
cumpade, eu já pissuía 
umas cabeça de gado! 

Mas porém, meu véio amigo, 
tudo o que hoje o hôme faz, 
n’outro dia Deus disfaz! 

_________ 

Ouve. Um dia, Zé Pacú, 
indo a Igarapé-Assú, 
onde tinha um ajury, 
levou cum ele uma fia, 
que se chamava — Maiby. 

O pagode, a festa, o samba, 
era im casa d’um rocêro 
de nome: — Antônio Truamba. 

No pagode do Truamba, 
chorei tanto na viola, 
de noite inté de minhã, 
que a fermosa cunhatã 
teve uns caído prá mim! 

óia, a coisa foi ansim. 

A cabôca fez premessa 
de nunca mais me isquecê! 

Que pena não sabe lê! 

Ela disse tanta coisa, 
tanta palavra bunita, 
que eu, inté, nem sei dizê! 

Nunca tive tanta pena 
e tanta malincunia 
de não sabe inscrevê! 

Agora váincês me diga: 
o que havéra eu de fazê?! 

A festa tinha acabado! 
Eu táva discambimbado! 

Na hora que toda gente 
já táva se adispidindo... 
a muié táva chorando! 
Vendo a muié saluçando... 
fui assuntando... assuntando... 
e... despois, arresôrvi! 

Pidí a mão de Maiby! 

Nos óio dos cunvidado 
correu uma ispantação! 

A cara dos namorado 
de Maiby, n’aquele instante, 
ficou taliquá se visse 
uma grande assombração! 

Maiby ficou tão contente, 
quando o pae, arrêzôrvido, 
no meio de toda gente, 
sastifez o meu pidido. 

Eu não quiria!... É verdade! 
Mas porém, era mardade, 
era mardade e perrice 
não crê n’aquelas denguice 
d’uma muié adorada, 
nem nas coisa que jurava 
cum a sua palavra honrada! 

Apois, ficou ajustado 
que, despois de mais dois ano 
de trabáio no roçado, 
nós havéra de casá. 

Despois da festa acabá, 
a festa do seu Truamba, 
uns prá aqui, outros prá lá, 
cada um siguiu viage. 



A barraca do Pacú, 
do véio pae de Maiby, 
ficava lá da outra marge, 
da outra banda do rio, 
n’um bunito massapês. 

Só de três mês im três mês, 
eu fazia a travessia, 
(duas hora de canoa...) 
prá í vê a curumim, 
e só quatro mês fartava 
prás coisa chegá no fim. 

Zé Pacú dava um pagode 
no dia oito, im Dezembro, 
que é o dia da Cunceição. 

Cum rézão ou sem rézão, 
João Capixaba, um caúchêro, 
das banda de Saíré, 
me contou que a cabôquinha, 
n’uma festa, im Caeté, 
no dia de S. João, 
só c’um vaquêro dançou, 
e prú via disso a festa 
im tempo quente acabou! 

Dei tempo ao tempo: isperei. 

O dia oito chegou! 
“Vamo vê”, disse cumigo, 
“se o cabra não me inganou”. 



N’aquele braço da costa, 
de todo lado se via, 
atupetada de gente, 
as canoa, as montaria. 

Vinha descendo um Gaiola. 

Peguei na minha viola, 
e dicí pulo barranco! 

A lua, branca arupêma, 
toda redonda e cheínha, 
penêrava lá de riba! 
E o rio táva tão branco, 
cumo um montão de farinha! 

Remando n’aquela hora 
prá barranca da outra marge, 
um bando de montaria, 
carregando os cunvidado, 
foi siguindo de viage. 

O Pacú era quirido 
e cunhicido de tudo! 
Vinha gente inté de longe, 
lá das banda do Serudo. 

Nunca vi tanta canoa 
atupetada de gente! 
As água mansa do rio 
se ria inté de contente! 

A noite táva bunita, 
cum seu vistido de chita, 
da cô da frô dos ipé! 
A noite infeitica a gente, 
pruquê a noite é uma muié! 

Ansim, bunita e fermosa, 
cum uma saia toda azú, 
cheguei a pensá que a noite, 
a noite da Mãe de Cristo, 
tinha sido cunvidada 
prá festa do Zé Pacú! 

Sartei no barco velêro, 
e a viola temperando, 
bejei as águas do rio, 
e fui cantando e cantando: 

“Nosso Sinhô, quando andava 
pulos dizerto, a rezá, 
gostava de uví São Pedro 
na viola puntiá. 

São Pedro diz que a viola 
foi feita, n’um disafio, 
da canoa im que ele andava 
cum o Cristo a pescá no rio. 

Não foi feita da canoa, 
mas porém da sua cruz! 
A viola ainda sofre 
tudo o que sofreu Jesus! 

Quando Deus fez a viola 
e cumeçou a cantá, 
seu coração ficou roxo, 
cumo a frô do manacá!... 

Deus é o rei dos violêro, 
quando canta o seu amô, 
nas corda santa da lua, 
que é a viola do Sinhô!” 

E fui remando... remando... 

E há duas hora eu remava 
e um bom cigarro pitava 
de páia de tauary, 
quando abispei a barraca 
do véio pae de Maiby. 

Mais umas duas remada 
e, entonce, filíz, cheguei! 

No porto, entre as canarana, 
a igarité amarrei! 

Ali, na bêra do rio, 
manso, cumo uma lagoa, 
os cunvidado da festa 
vinha chegando e sartando 
d’uma prução de canoa. 

Nunca vi tanta canoa, 
atupetada de gente! 

As água mansa do rio, 
todo inrugado, increspado, 
se ria inté de contente! 

A casa táva no arto! 

Pulo um caminho insombrado, 
assubi pulo barranco!... 
Isvisguei pulo terrêro!... 
Quebrei do lado da mata, 
onde tinha um assacuzero!... 

A barraca do cabôco 
táva toda inluminada 
e quage toda afogada 
n’uma moita de abiêro! 

Nas pórka e warsa e quadria, 
a dança táva animada! 

O som da frauta e a viola 
se misturava cum o chêro 
das fulô d’um jasminêro, 
que intrava pula jinela! 

A Mãe de Cristo, tão bela, 
n’um óratóro infeitada, 
táva no meio das vela, 
morena e toda istrelada, 
rezando, cumo uma istrela, 
na boca da madrugada! 

De repente, im toda a festa, 
nem um rumô mais se uvía! 

O nome d’ela — Maiby, — 
de boca im boca curria! 

Um matêro ou um seringuêro, 
bateu parma no terrêro, 
e fez prá tudo um siná. 

Era o samba e era ela, 
era Maiby quem prêmêro 
no samba vinha sambá, 

Do lado da caiçara, 
na quina da ribancêra, 
me iscundi atraz do tronco 
d’uma véia piranhêra. 

Quando avistei a cabôca, 
quage chorei de verdade! 
Ai, meu Deus, cumo é bunita 
a morte d’uma sôdade! 

As viola gemeu de novo, 
e ela se-pôz-se a brincá, 
tremendo n’um miudinho, 
sem se arredá do lugá! 

Ao despois, a sala toda 
correu n’um sapatiado, 
disafiando prá dança 
os pobre dos cunvidado, 
que logo baxava os óio, 
ansim cumo invregonhado. 

As cobôquinha, inciumada, 
já não pudia mais, não! 

Quando os noivo se assanhava, 
elas ferrava nos braço 
dos seus noivo um biliscão. 

Maiby quebrava no côco 
cum tanta requebração, 
que se a Mãe de Deus sambasse, 
tarvez que váíncês jurasse 
que quem sambava era Ela!... 
A Virge da Cunceição!... 
A Mãe de Deus, do Sinhô! 

Nisto, um roquête de parmas 
im toda sala istrondou! 

Foi quando, entonce, um vaquêro, 
ainda moço e temêro, 
prá riba d’ela imbicou! 

De camisa toda branca, 
cum o peito todo arrufado, 
no pescoço axamurrádo 
um lenço cô de limão... 
butão de ouro nos punho!... 
Purriba das carça nova 
um pesado correntão... 
O cabra, remunhetando, 
castanholando cum as mão, 
imbigando prá morena, 
requebrava as suas pena, 
no requebrado das perna, 
zunindo, cumo um pinhão! 

Quando o vaquêro cansava, 
ela os pézinho apressava, 
que nem si via os seus pé!... 
Quando o vaquêro avançava, 
ela ia arrecuando, 
fugindo, cumo a marrêca 
da boca do jacaré!... 

Se o vaquêro abria os braço, 
atirando uma laçada, 
Maiby fugia do laço, 
sortando uma gargaiadaí 

E agora é que ela dançava 
e os musgo a musga apressava 
e ela sambava, sambava, 
sem um momento apará!... 

“Ai, meu tempo!” n’um gimido, 
gritava as véia aculá! 
Xingava as véia os marido, 
que alevantando os pescoço, 
xingando tombém as véia, 
dava parma, cumo os moço, 
vendo o demônio rodá! 

Deus me perdoe a hirizia! 
Mas porém, eu vi a Santa, 
eu vi a Virge Maria, 
batendo parma do artá! 

O vaquêro, arrenegado, 
ficou n’um canto, isbarrado, 
capiongo, discunchavado, 
sem quáge pudê falá! 

Tinha cansado o marvado! 
Já não pudia sambá! 

E o pae, óiando prá ela, 
e achando a fia mais bela, 
acendeu o seu cachimbo, 
e... era pae... pôs-se a chorá! 



Entre as nuve de puêra, 
a cabôca paricia 
taliquá uma nuvia, 
saindo dos capuêrão, 
doida, às tonta e às marrada, 
fugindo, entre os ispinhêro, 
d’um valente boiadêro, 
pulos mato do sertão. 

Entonce, currupiando, 
sem tomá fôrgo na dansa, 
a móde cumo criança, 
abria a boca dengosa, 
e entonce a língua trimía 
entre os dente da cabôca, 
querendo saí da boca, 
cumo uma cobra de rosa. 

Os dois copuassú moreno, 
maduro, fresco, fermoso, 
dois curumim vregonhoso, 
que ninguém pudia vê, 
prú báxo d’aquelas renda, 
tinha o chêro, inda quentinho, 
da boca d’um bizerrinho, 
quando acaba de nacê. 

Os pézinho da cafuza, 
que se tu visse, chorava, 
não dançava, parpitava, 
taliquá dois coração! 
Tão leve, que paricía, 
n’um roda de carrapêta, 
um casa de barbuleta, 
brincando rente do chão! 

Os óio, que tinha o fogo 
das tarde, quando se intôna, 
tinha no fundo a beleza 
de toda aquela tristeza 
que tem o rio Amazona. 

Não tinha boca!... Era a boca 
uma gaiola de sangue, 
adonde, quando falava, 
a gente logo iscutava, 
saluçando, um irachué! 
Mas porém, quando calava, 
pidindo, tarvez, um bêjo, 
ficava a boca mais roxa 
do que a frô do mururé. 

Um bêjo naquela boca 
era um má, que não tem cura! 
Se tinha a doce frescura 
da sombra das quixabêra, 
tinha a frevura do bêjo, 
que o rio, vindo dos cume, 
arrebenta no ciúme 
da boca das cachoêra! 

Ai! os cabelo!... Os cabelo, 
que às vez, n’um riviramento, 
tapava a cara da dona, 
n’aquele adivértimento, 
era preto, cumo o sonho 
d’um cego de nacimento! 

Quando um momento aparava, 
dêxando o suó moreno, 
cumo os pingo de sereno, 
prú todo o corpo corrê, 
a sala ficava cheia 
desse ôrôma que se sente 
do chêro da terra quente, 
quando cumeça a chuvê. 

Ansim, quando ela sambava, 
uma rosinha amarela, 
que táva ainda im butão, 
caiu dos cabelo d’ela, 
amachucada no chão. 

Os musgo, tudo suado, 
cum os óio de urúiáuára, 
os insturmento aparou! 

Entonce, o cabra sarado, 
de venda de ripolêgo, 
do chão a rosa panhou! 

A cabôca, óiando os musgo, 
que ainda táva cansado, 
cum as língua toda de fora, 
de tanto e tanto tocá, 
deu um muchôcho brejêro, 
fez um ixe — pró vaquêro, 
e introu de novo a sambá, 
cumo a fôia do trapiá, 
que o vento brabo da serra 
vae rolando, pula terra, 
n’um currupio inferná! 

E as parma ainda istralava, 
no meio da cunfusão, 
quando se uviu um baruio, 
que paricía um truvão! 

Todo o mundo prá barranca 
naquele instante correu!... 

A noite táva mais branca 
que Jesus, quando morreu! 

O cabra, fazendo infuca, 
pruveitando a cunfunzão, 
fez um bico prá cabôca, 
e deu um bêjo na boca, 
um bêjo!... Sim!... Mardição! 

João Capixaba, o cauchêro, 
não mintiu!... Tinha rêzão!... 
Era o vaquêro mardito 
da festa de Caeté, 
da festa de São João!... 

“O que foi, gente, o que foi?!” 
todo o mundo preguntava 
pró pae, que lá da barranca, 
já sastifeito vortava, 
a gritá: 

“Vamo!... Vamo! Minha gente! 
— Não dêxa a festa isfriá! 
— Não foi nada!... Não foi nada!... 
— Foi coisa munto sabida! 
— Arguma Terra Caida!... 
— Toca a ri!... Toca a sambá!” 

Na verde guarapiranga 
chorava um camêtaú! 

Agora é que se isquentava 
a festa do Zé Pacú!... 

Saindo detraz do tronco 
da fermosa piranhêra, 
rumpi pula tacaniça!... 
Dicí pula ribancêra! 

Uma tuada sôdosa 
nos gimido das viola 
se misturava cum o chêro 
das fulô do jasminêro, 
que vinha lá da jinela. 

Arguem cantava!... Era ela!... 

Rasguei cum o quicé a corda 
da igarité!... Imbarquei!... 
Baxinho disse um segredo 
pró rio!... E remei!... remei!.. 

Cada vez remava mais! 

Só despois de munto tempo, 
aparei... e ôiei prá traz! 

A barraca inluminada, 
cum a musga, que inda se uvia, 
longe, longe... munto longe, 
cumo uma istrela... murria! 

O céo, de todos os lado, 
paricia uma tigela 
cum o fundo azú imbórcádo, 
todo ismartado de novo, 
adonde a lua, tão bela, 
ia boiando, amarela, 
cumo uma gema de ovo! 

Já trazia de viage 
duas hora, bem puxada. 

Lá, prás banda do Nacente, 
entre as suas cumpanhera, 
n’outra festa inluarada, 
sambava a mais feiticêra 
das istrêla amorenada, 
essa Maiby dos incréu!... 
Essa cabôca do céo: — 
— A istrela da madrugada! 

Entonce, pequei do remo, 
rasguei as água do rio, 
que, fazendo um arripio, 
do sono d’água acordou. 
Remei!... Remei!... Fui remando!... 
E... não cheguei!... Foi somentes 
a canoa que chegou!... 

Neste sertão do Ciará, 
onde naceu nossos pae, 
filizmente, ninguém sabe 
que coisa é terra que cáe!... 

Aquele instrondo, de longe, 
que lá na festa se uviu, 
foi quando a terra, essa ingrata, 
a minha terra adorada, 
farciou!... tremeu!... caiu! 

Os juaí, as bacabêra, 
os coité, as laranjera, 
as moita de cacáuêro, 
os verde ginipapêro, 
os grande canarassú, 
adonde todas as tarde 
cantava um iapurú... 
as fermosa mongubêra, 
as mongubêra inda im frô... 
a juruparipirêra, 
que táva im frente da choça... 
a criação... gado... roça... 
tudo o rio me levou! 

Mas, que isso, minha gente?! 
Váíncês tudo ficou triste, 
despois que a históra acabou?! 
Tristeza não dá vantage! 
O que passou, já passou! 

.................... 
.................... 

Deus, que um dia fez o hôme, 
pula sua santa image, 
fez o nosso coração, 
cumo as frorésta bravia 
das terra virge... sarvage! 

Virge, im suas mataria!... 
Sarvage, im sua grandeza!... 
Mas porém, que tem beleza 
prá quem aprêcêia as coisa 
mais grande da natureza! 

Um dia, vem a muié! 

A muié pega um terçado, 
pega uma foice, um machado, 
disgaia o mato fechado 
das terra do coração! 
E ao despois da derrubada, 
despois do fogo — a quêmada — 
a muié péga uma inxada, 
cava a terra, bem cavada... 
e samêia!... É a prantação! 

Tudo quanto é frôração, 
toda a frô que a terra cria, 
tudo nace, ali, n’um dia, 
onde táva a mataria 
no fundo do coração! 

Se a muié sabe que é ingrata, 
prá quê vae mexe nas mata 
daqueles grande arvoredo, 
e quêmá, cumo um brinquedo, 
o mato virge, cerrado, 
iscuro e sêmpe fechado, 
adonde não tinha intrado 
a luz do Só, que é o Amô!? 

É prá despois, sem rezão, 
derruba prá toda a vida 
o jardim do coração, 
sem um tiquinho de dó! 

Maiby!... Maiby me inganou! 

O rio, n’uma treição, 
o trabáio de seis ano, 
as terra da prantação 
im suas água levou! 

Maiby!... Maiby me inganou! 

Bem feito! Fui castigado! 
Foi praga da minha terra! 
E praga de Deus inté! 

Mas peço à Virge Maria 
que, cumo Muié divina 
e Mãe de Jesus, perdoe 
Maiby, que é tombém muié 

Tudo foi uma inluzão! 

Do jardim que ela prantou 
nas mata do coração, 
só véve agora uma frô!... 
Só a Sôdade tem vida! 

E o que é, meu Deus, a Sôdade?! 

Sôdade é a Terra Caída 
de um coração, que sonhou! 


Catulo da Paixão Cearense sábado, 08 de junho de 2019

TALENTO E FORMOSURA (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

TALENTO E FORMOSURA

Catulo da Paixão Cearense

 

Tu podes bem guardar os dons da formosura
Que o tempo, um dia, há de implacável trucidar
Tu podes bem viver ufana de ventura
Que a natureza, cegamente, quis te dar

Prossegue embora em flóreas sendas sempre ovante
De glórias cheia no teu sólio triunfante
Que antes que a morte vibre em ti funéreo golpe seu
A natureza irá roubando o que te deu

E quanto a mim, irei cantando o meu ideal de amor
Que é sempre novo no viçor da primavera
Na lira austera em que o Senhor me fez tão destro
Será meu estro só do que for imortal


Tu podes bem sorrir das minhas desventuras
Pertenço à dor e gosto até de assim penar
Eu tenho n'alma um grande cofre de amarguras
Que é o meu tesouro e que ninguém pode roubar


Pois quando a dor me vem pedir alguma esmola
Eu lhe descerro as portas d'alma que a consola
E dou-lhe as lágrimas que vão lhe mitigar o ardor
Que a inspiração dos versos meus só devo à dor


Descantarei na minha lira as obras-primas do Criador
Uma color da flor desabrochando à luz do luar
O incenso d'água é que nos olhos faz a mágoa rutilar
Nuns olhos onde o amor tem seu altar


E o verde mar que se debruça n'alva areia a espumejar
E a noite que soluça e faz a lua soluçar
E a estrela d'alva e a estrela Vésper languescente
Bastam somente para os bardos inspirar


Mas quando a morte conduzir-te à sepultura
O teu supremo orgulho em pó reduzirá
E após a morte profanar-te a formosura
Dos teus encantos mais ninguém se lembrará


Mas quando Deus fechar meus olhos sonhadores
Serei lembrado pelos bardos trovadores
Que os versos meus hão de na lira em magos tons gemer
E eu, morto embora, nas canções hei de viver


Catulo da Paixão Cearense sexta, 03 de maio de 2019

RECORDA-TE DE MIM (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

RECORDA-TE DE MIM

Catulo da Paixão Cearense

 

Recorda-te de mim quando de tarde
Gloriosa a morrer na luz do dia
E nos seios da noite a serrania
Em candores de neve se ocultar
Recorda-te de mim nesse momento
As estrelas saudosas do penar

Recorda-te de mim quando alta noite
Escutares um canto de tristeza
Descantado por toda a natureza
Nos formosos harpejos do luar
Recorda-te de mim quando acordares
E sentires no peito do adolescente
Um espírito em mágoa florescente
Uma hora em teu peito a suspirar

Recorda-te de mim quando no templo
Numa prece serena, doce e fina
Sob o altar florescido de Maria
Teus segredos à Virgem confiar
Recorda-te de mim nesse momento
Para que minha dor tenha um alento
E me deixe morrer com o pensamento
De que morro feliz só por te amar


Catulo da Paixão Cearense domingo, 17 de março de 2019

POR UM BEIJO (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

POR UM BEIJO

Catulo da Paixão Cearense

 

Óh ri, meu doce amor!
Sorri, lágrima da flor
Teu sorriso inspira
A lira que afinei por teu falar
E quer de amor vibrar
Ao sol de teu olhar
Ri, meu doce amor!
Sorri, pérola da flor
Abre em teu lábio um sorriso
Onde um coração diviso
De algum anjo que desceu do azul

Num teu sorriso, luz de poesia
Vem dar a melodia
E musicar os versos meus
Que eu mostrarei a DEUS
Como eu te amo, alma dileta
E eu sem ser poeta
Irei fazer o Eterno
Te aclamar dos céus

 
 

Irei estrelas lá no céu roubar
Trarei da lua um raio de luar
Depois dos céus eu descerei ao mar
E a pérola mais bela irei buscar
Sem recear as iras Senhor, irei
Roubar os cofres do Senhor
Trarei a essência do divino amor
Se tu, velada no mais casto véu
Concederes-me a vitória
A suprema glória de um só beijo teu

VÍDEO, COM PAULO TAPAJÓS

 


Catulo da Paixão Cearense domingo, 24 de fevereiro de 2019

ONTEM AO LUAR (POEMA DO MARANHENSE CARULO DA PAIXÃO CEARENSE) LETRA E VÍDEO

ONTEM AO LUAR

Catulo da Paixão Cearense

 

Ontem, ao luar, nós dois em plena solidão
Tu me perguntaste o que era a dor de uma paixão.
Nada respondi, calmo assim fiquei
Mas, fitando o azul do azul do céu
A lua azul eu te mostrei
Mostrando-a ti, dos olhos meus correr senti
Uma nívea lágrima e, assim, te respondi
Fiquei a sorrir por ter o prazer
De ver a lágrima nos olhos a sofrer
A dor da paixão não tem explicação
Como definir o que eu só sei sentir
É mister sofrer para se saber
O que no peito o coração não quer dizer
Pergunta ao luar, travesso e tão taful
De noite a chorar na onda toda azul
Pergunta, ao luar,do mar à canção
Qual o mistério que há na dor de uma paixão
Se tu desejas saber o que é o amor
E sentir o seu calor
O amaríssimo travor do seu dulçor
Sobe um monte á beira mar, ao luar
Ouve a onda sobre a arei-a a lacrimar
Ouve o silêncio a falar na solidão
De um calado coração
A penar, a derramar os prantos seus
Ouve o choro perenal
A dor silente, universal
E a dor maior, que é a dor de Deus

VÍDEO

Com Paulo Tapajós

 

 


Catulo da Paixão Cearense quinta, 07 de fevereiro de 2019

O SOL E A LUA (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

O SOL E  A LUA

Catulo da Paixão Cearense

 

SENHORES! O Sol é homem!
simboliza a Onipotência
da ciência e da energia.
A Lua é mulher, Senhores!
E, sendo mulher, encanta!
Mas, sendo mulher, varia!

Varia, porque, em verdade,
o Sol, másculo e fecundo,
desde o princípio do mundo,
não deixou de iluminá-lo
com o facho do seu clarão!

A Lua, se tem vontade,
nos brinda com a claridade,
para depois, sem piedade,
deixar-nos noites e noites
em completa escuridão!

A ciência regista um fato
de profunda observação: —
a mulher, que é pirracenta,
não faz o mal por pirraça!
Faz o mal por devoção!
E se a Verdade não mente,
toda a Verdade se encerra
neste confronto evidente.

De manhã, heroicamente,
vibrando um canto de guerra,
na crista daquela serra,
pontualmente, fatalmente,
vê-se o Sol aparecer.

E a Lua, com os seus caprichos,
que anda sempre com as estrelas
comadreando em cochichos,
não tem hora de nascer!

Finda a missão da jornada,
o Sol, à hora aprazada,
no esplendor da apoteose,
começa a descer a escada
do horizonte, em rosicler!
A Lua, sempre aluada,
sempre e sempre irrefletida,
não tem hora de partida!
Segundo a sua nevrose,
vai-se embora, quando quer!

O Sol, sempre obediente
às ordens do Onipotente,
com toda a sua energia,
nunca teve a ousadia
de invadir uma só noite
as plagas celestiais!
Mas quem já não viu a Lua
deixar a noite, que é sua,
para andar no céu, de dia,
desrespeitando a harmonia
das próprias leis naturais?!
E por que? Por ser curiosa,
ser vaidosa e nada mais!!

O Sol, que é o Sol, sempre o mesmo,
na severa austeridade,
como o emblema da Verdade,
sempre é o mesmo na altivez!
A Lua, se é hoje inteira,
amanhã, vem por metade;
e, assim, vai escasseando,
vai minguando, vai minguando,
até sumir-se, de vez!

Por isto, o Sol desconfia
que, quando a Lua nos deixa,
sem nós sabermos porque,
vai vagar por outros mundos,
vai seduzir outro amante,
outro Sol, que ele não vê!

Se o Sol, na hora do eclipse,
aproveitando esse ensejo,
na Lua vai dar um beijo,
um ósculo de vulcão,
a Lua finge um desmaio,
vergonhosa, esconde o rosto,
faz tanta macaqueação,
que o Sol, que conhece a Lua,
sem dar sinal de desgosto,
sorridente, continua
sua peregrinação.

Pois assim mesmo, iludido,
reacendendo o seu farol,
o Sol, bem considerando,
continua iluminando
a Lua, pois é sabido
que a luz da Lua é do Sol.

Quando a Lua, a Lua nova,
muito fininha e amarela,
surge, em nova aparição,
não nos parece a costela
que Deus, quando Adão dormia,
tirou do corpo de Adão?!
E por que, sendo tão bela,
sendo a mulher tão perfeita,
foi feita de uma costela,
quando podia ser feita
das fibras de um coração?!

Pois se é costela do homem,
por esta mesma razão,
deve pertencer ao homem
por direito e gratidão!

E as manchas que tem no rosto?
A ciência afirma umas coisas
que são prováveis... talvez!

Porém a Lua tem lábias
para enganar a ciência,
e aquelas manchas nos provam
que alguma coisa ela fez!

Uma lenda dos indígenas
nos diz, positivamente,
que a origem daquelas manchas
é uma história complicada
entre a Lua e um seu parente!

Porque a mulher, como a Lua,
com tantos adoradores,
tem coração leviano!!

E tanto assim, meus senhores,
que outra vítima da Lua
é o velho Mar, soberano,
que vive no mesmo engano,
em noites de lua cheia,
como um doido, a esbravejar,
em suas ânsias supremas
e em brancas espumaradas,
a derramar seus poemas
pelas areias prateadas
das praias enluaradas,
que até parecem risadas
e gargalhadas da Lua,
que está se rindo do Mar!

Como é triste ouvir-se, à noite,
quando ele está concentrado,
o Mar gemendo, ajoelhado,
numa prece, a suplicar
que a Lua deixe as estrelas,
deixe o céu crivado de ouro,
e venha ver o tesouro
que lhe há de ser ofertado,
e que ele guarda encerrado
em tantas conchas de pérolas,
que só Deus pode contar!

É triste, sim, muito triste!

Mas inda é muito mais triste
ver-se o Monstro, acabrunhado,
depois de passar a noite,
contra a Lua revoltado,
morrendo à beira da praia,
sem um gemido, cansado!!
Antes que o Sol desponte
na fronte azul do horizonte,
ver-se a Lua se sumindo,
perfidamente sorrindo
de ver o Mar desmaiado!

A Lua é mulher, senhores,
e tudo está decifrado!

Porque é triste ver-se, à noite,
o Mar abraçando a Terra,
e a Terra beijando o Mar!
É a maneira mais sublime
de um ao outro consolar!
O Mar pensando na Lua,
e a Terra, triste, pensando
no Sol, que só a ilumina
por Deus assim o ordenar!

O Sol não gosta da Terra,
mas nós sabemos que a Terra
tem profundo amor solar!

A Terra também é rica!
É dona de uma fortuna,
de uma herança fabulosa,
tão grande e tão portentosa,
que se ela fosse orgulhosa,
podia erguer sobre a terra
com tanta jóia preciosa,
montanhas e mais montanhas!
Mas, singela, sem vaidade,
sem a escandalosidade
da Lua, com as suas manhas,
esconde a sua riqueza
nas suas próprias entranhas!

É uma modéstia orgulhosa,
que facilmente se explica:
não ostenta; se contenta
em saber que nós sabemos
que ela é rica, é muito rica!

A Terra é mulher... e basta!
É preciosa! É caprichosa!
E as bobices e tolices
da mulher, só Deus explica!

Mas o Sol, que adora a Lua,
por ser um homem de ciência,
é um filósofo exemplar!
Pois enquanto o Rei do dia
sofre com filosofia
as inconstâncias da Lua,
caçoando dos dois amantes,
se rindo dos dois rivais,
o Mar, em crises constantes,
o Mar, o poeta boêmio,
em ímpetos delirantes,
já não vendo mais a Lua,
sentindo saudades dela,
pensando não vê-la mais,
uiva, ruge e se encapela,
o proprio céu desafia,
e quem paga esses rompantes
da sua hiperestesia,
somos nós, pobres mortais!

O sol é homem! É firme!
A lua é mulher! Varia!
Varia! E, se ela morresse,
falta alguma nos faria!
Porém, se o Sol falecesse,
o mundo se extinguiria!
Sem a cabeça do homem,
a mulher não existia!

Agora vêde, Senhores,
como o poder do destino
faz os Gênios deseguaes!

O Mar, gigantesco e belo,
vendo a Lua, o seu tormento,
em trismos de desalento,
transforma-se num Otelo!
E o Rio, calmo e silente,
E o Rio, o poeta romântico,
reflete, serenamente,
o firmamento e as estrelas
no seu leito nupcial,
refletindo a própria Lua,
que nas águas retratada,
parece uma outra Lua,
que ele adora, idealizada
na su’alma de cristal!

E a Lua, assim retratada,
por ele romantizada,
é mais formosa e saudosa
do que a Lua original!

E, enquanto o Mar desespera,
rugindo, como uma fera,
o Rio, na doce calma,
vai levando dentro d’alma
a doce imagem da Lua,
pura, casta e virginal!

Outra vítima da Lua:
— o Rio sentimental!

Eu vou dizer-vos uns versos
que o Mar recitou à Lua,
numa noite tão serena,
que até parece que a noite
silenciava, para ouvir!

O Monstro estava tão calmo,
que eu só ouvia os singultos
do velho Monstro, a carpir!

A Lua, no céu, de bruços,
ouvia aqueles soluços,
indiferente, a sorrir!!

Eis aqui os belos versos
que, muito palidamente,
escrevendo sobre a areia,
eu pude reproduzir.

Ó Lua, que és tão linda e que és tão pura,
“pensas, talvez, que o Mar agigantado
“não pode ter no coração salgado 
“um bocado de luar e de doçura?!

“O amor que te consagro é tão intenso,
“que sempre, ó Lua, que no céu desmaias,
“eu pareço um turíbulo de incenso, 
“incensando de espuma as alvas praias!

“Porque consentes, quando esta alma anseia 
“por te beijar a boca de jasmim, 
“com a tua placidez de lua cheia, 
“que as estrelas no céu riam de mim?!

“Se enfrento todo o horror da tempestade,
“Se adoro só a ti e a Liberdade,
“por que escarneces deste grande amor?! 
“Maldita seja a tua claridade, 
“Se não és o luar da minha dor!

“Se te somes, meus ais são tão profundos, 
“que eu imagino, em meu furor insano, 
“que andas a divagar por outros mundos, 
“beijando a fronte azul de outro oceano!

“Por que és fria e sou frio e tu me escaldas?! 
“Por que minha oração nunca te alcança?! 
“Por que é que eu tenho a cor das esmeraldas, 
“e não tenho a ilusão de uma esperança?!

“Quando espumejo o alvor d asminhas mágoas, 
“não vês, quando na areia me debruço, 
“que o sangue verde destas minhas águas 
“são poemas verdes, que por ti soluço?!

“Tu tens tanto poder, tanta magia, 
“tanta dor, tanto amor, tanta poesia, 
“perfumando de luz a Terra inteira, 
“que até meu acre odor de maresia, 
“com teu cheiro de noiva, que inebria, 
“fica cheirando a flor de laranjeira!

“Tu desprezas o Mar, que tanto te ama, 
“e amas, talvez, o Sol, que não te quer! 
“Por teu amor, pela saudade tua, 
“meu coração se agita e tumultua, 
“mas Deus, que fez o Mar e fez a Lua,
“não te deu coração, porque és mulher!


Catulo da Paixão Cearense domingo, 20 de janeiro de 2019

O MARRUEIRO (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

O MARRUEIRO

Catulo da Paixão Cearense

 

(Grafia original)

Marruêro, eu sou marruêro!...

Nacendo, cumo tinguí,

fui ruim, cumo piranha,

mais pió que sucuri.

 

Pixúna daquelas banda,

véve a gente a campiá!...

Deus fez o hôme, marruêro,

prá vivê sempre a lutá.

 

Meu pai foi bixo timive

e eu fui timive tômbém!

O pinto já sáe do ovo

cum a pinta que o galo tem.

 

Se meu pai foi marruêro,

havéra de eu tá na toca,

a rapá no caitetú

a massa da mandioca?!

 

Bebedô de madureba,

pissuindo carne e caroço,

eu nunca vi cabra macho

que me fizesse sobrôçol

 

Nunca drumi uma noite

imbaxo de tejupá!...

Nací prá vivê nas gróta,

prá vivê nos mócôsá.

prá drumi longe dos rancho.

prú-ríba duns gravatá...

vendo a lua pulas fôia

d’um férmoso iriribá!

 

 

Nos gaios da umarizêra,

o canta do sanhassú;

na boca triste da noite.

O gimido da inhabú...

 

e as tuada da cabôca,

lavando n’água do rio,

e os canto, prú via dela,

nos samba... nos disafio...

 

nada disso, não, marruêro,

me dava sastifação,

cumo o mugido bravio

dos valente barbatão!

 

Nada fazia, marruêro,

o coração me pulá,

cumo uvi pulas varjóta,

os berro dos marruá!

 

Na paz de Deus eu vivia

nos brêdo dos matagá,

tocando a minha viola

só prá meu gado iscutá.

 

Lá, prás banda onde eu naci,

Já se falava do amô:

todas as boca dixia

que era farso e matadô!

 

Mas porém, fui trazantonte.

no samba do Zé Benito,

que eu panhei uma chifrada

que me deu esse mardito!

 

Nas marvadage do Amô

não hai cabra que não caia,

quando o diabo tira a roupa,

tira o chifre e tira o rabo

prá se vistí c’uma sáia!

 

Se adisfoiando no samba,

cantando uma alouvação,

eu vi a frô dos cabórge

das morena do sertão!

 

Trazia dento dos óio

istrépe e mé, cumo a abêia!

Oiôu-me cumo uma onça!...

E, ao despois, cumo uma ovêia!

 

Aqueles óio xingôso,

eu confesso a vasmincê,

ruia a gente prú dento

que nem dois caxinguêlê!

 

Sem mardade, um bêjo dado

naquela boca orvaiada,

havéra de tê, marruêro,

o chêro das madrugada!

 

A fala dela, marruêro,

era o gemê do regato,

que vai bêjando as fôiáge,

que cái da boca dos mato!

 

As duas rola morena,

prú baxo do cabeção,

trimia, cumo a água fresca,

quando o vento bêja as água

das lagoa do sertão!...

 

Pruquê os dois peito alembrava

dois maduro cajá-manga,

e a boca, toda vremeia,

parecia uma pitanga.

 

Chêrava as mão da cabôca,

cumo os verde maturi!...

Era taliquá, marruêro,

dois ninho de jurutí!

 

Os pezinho da curumba,

quando dançava o baião,

parecia dois pombinho,

a mariscá pulo chão

 

Eu me alembro!... A saia dela,

cô das pena da irerê,

tinha a sôdade dos mato,

quando vai anoitecê!!

Aqueles braço de fogo,

(Deus não me castigue, não!!)

quêmava, cumo as fuguêra

das noite de São João!...

 

Marruêro!... Os cabelo dela

tinha o calô naturá

da pomba virge dos mato,

quando cumeça a aninhá!...

 

Apois, os cabelo dela

tão preto prô chão caia,

que toda a frô que butava

nos cabelo, a frô murchava,

pensando que anoitecia!!

 

O suó que ela suava

no samba, chêrava tanto,

que inté a gente sintia

um chêro de ingreja nova,

um chêro de dia santo!

 

As anca, as cadêra dela,

surrupiando no côco,

toda a se tamborilá,

a móde que parecia

o xaquaiá de uma onda,

que vem jupiando, redonda,

na praia se derramá!

 

Japiaçóca dos brejo,

no arrastado do rojão,

cantava cum tanta mágua,

cum tanto amô e paxão,

que ispaiava, no terrêro,

o ôrôma do coração!!

 

O coração das viola

aparava, de mansinho,

se os dois fióte de rola,

quando ela táva sambando,

pulava fora do ninho!...

 

Entonce, aqueles dois óio,

sereno, cumo o luá,

vinha prá riba da gente,

taliquá dois marruá.

 

Intrava dento da gente,

cumo duas zelação!...

Mas porém, a gente via,

no fundo daqueles óio,

a hora da Ave-Maria.

gemendo nas corda fria

das viola do sertão!!!

 

 

Prú móde daqueles óio,

dois marvado mucuim,

um violêro, afulémado,

partiu prá riba de mim!

 

Temperei minha viola,

intrei logo a puntiá,

e ambos os dois se peguémo,

num disafio, ao luá!

 

Premití a Santo Antônio,

se eu vencesse o cantandô,

de infeitá o seu fiínho

cum um ramaiête de frô!!

Só despois que nestas corda

fiz pinto cessá xerém,

vi que o bichão se chamava:

— Manué Joaquim do Muquêm!

 

Manué Joaquim era um cabra

naturá de Piancó!...

Quando gimia no pinho,

chorava, cumo um jaó!

 

Eu, marruêro, arrespundia

nestas corda de quandú,

e os acalanto se abria,

cumo as frô do imbiruçú!

 

Foi despois do disafio,

quando eu saí vencedô,

que os canto e os gemê dos pinho

n’um turumbamba acabou!!

 

Imquanto nós dois cantava,

sem ninguém tê dado fé,

tinha fugido a cabôca

cum o Pedro Cahitoré!!!

 

Tinha fugido a curumba

cum aquele bóde ronhêro,

um tocadô de pandêro

e runfadô de zabumba!

 

Tinha fugido, marruêro,

aquela frô dos meus ai,

cumo uma istrela que foge,

sem se sabê prá onde vai!!!

 

..............................................................

..............................................................

..............................................................

 

Na luz do Só, que acordava,

lá, no coró do Nacente,

a móde que Deus, contente,

cum a natureza sonhava!

 

O canto alegre dos galo

nos capoerão amiudava!...

Nos taquará das lagôa

as saracúra cantava!

 

Alegre, passava um bando

das verde maracanã!

Formosa, cumo a cabôca,

vinha rompendo a minhã!

 

O vento manso da serra

vinha acordando os caminho!

Vinha.das mata chêrosa

um chêro de passarinho!

 

Lá, no fundão d’uma gróta,

adonde um córgo gimia,

gargaiava as siriêma

cum o fresco nacê do dia!

 

Uma araponga, atrépada

N’um braço de mato, im frô,

gritava, cumo si fosse

os grito da minha dô!!

 

E a sabiá, lá nos gaio

da tabibúia, serena,

trinava, cumo si fosse

uma viola de pena!

Um passarinho inxirido,

mardosamente iscundido

nas fôia de um tamburi,

sastifeito, mangofando,

de mim se ria, gritando

lá de longe: “bem te vi”!

 

 

Chegando na incruziada,

despois do dia rompê,

sipurtei o meu segredo

n’um véio tronco de ipê!

 

Dênde essa hora, inté hoje,

eu conto as hora, a pená!...

Eu vórto a sê marruêro!...

Vou vivê cum os marruá!

 

Eu tinha o corpo fechado

prá tudo o que é marvadez!

Só de surúcucútinga

eu fui murdido três vez!...

 

Tândo cum o corpo fechado,

prás feitiçage do Amô,

pensei que eu tava curado!

 

Dos marruá mais bravio,

que nos grotão derribei,

munta chifrada penosa,

munta marrada eu levei!!

 

Prá riba de mim, Deus póde

mandá o que êle quisé!

 

O mundo é grande, marruêro!...

Grande é o amô!... Grande é a fé!...

 

Grande é o pudê de Maria,

ispôsa de São José!...

 

O Diabo, o Anjo mardito,

foi grande!... Cumo inda é!!

 

Mas porém, nada é mais grande,

mais grande que Deus inté,

que uma chifrada, marruêro,

dos óio d’uma muié!!!


Catulo da Paixão Cearense quinta, 03 de janeiro de 2019

O CANGACEIRO (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

O CANGACEIRO

Catulo da Paixão Cearense

 

   Eu me chamo Sivirino
     Sapiranga, sim, sinhô.
     Sou fio de Zé Fôstino,
     que era fio d’um tropêro,
     Frô dos Santo, meu avô.
 
Sou naturá de Umbuzêro,
da Paraíba do Norte,
a terra das patativa
que eu amo cum todo o amô
de valente cangacêro!...
apois cangacêro eu sou.
 
     Não paga a pena, seu moço,
     eu dizê pruquê rézão
     já varei cum a parnaíba
     mais de vinte coração!
 
Minha históra é atrapaiada,
é toda cheia de ispinho,
e, cumo lá diz o outro,
seu moço, as água passada
já não move mais muinho.
 
Óie, moço!... Não há munío,
distante um casa de légua
de S. Migué de Traipú,
eu fisguei um cavaiêro,
o fio d’um fazendêro,
cumo quem fisga um tatu.
 
Esse garoto e canáia
um dia róbou de casa
a neta de um comboêro,
que era um hôme tão bondoso,
e despois, abandonou
aquele anjo fermoso,
cumo se fosse, seu moço,
um cachorro, um cão leproso!!!
 
Prú té matado o canáia,
a justicia que divía
me té dado uma medáia,
me chama de criminoso!!
 
               *
 
     Quando meu pae, que Deus tenha
     no Santo Reno da Glóra,
     ao pé d’um monte de lenha,
     mazômbo, os óio fechou;
     a fia que mais amava
     nestes braço me intregou.
 
Inda me alembro, seu moço!
 
Abraçado no pescoço
do véio, que se finava,
eu chorava, eu saluçava,
garrado cum minha érmã,
cumo à boquinha da noite,
chora e geme uma acauã!!
 
De noite, fazendo quarto,
óiando o pobre do véio,
taliquá, má cumparando,
 — São Pedro cum as barba branca,
 cum os seus cabelo branquinho,
 drumindo o sono da morte
 n’um véio banco de pinho...
 chorava, cumo, sintido,
 o pásso que foi firido,
 cum um tiro, dento do ninho!!
 
E quando, ao rompe da ôróra,
o véio foi carregado
n’uma rede, istrada à fora’!...
Quando ele foi sipurtado
prú báxo d’uns cajuêro,
ali, naquele momento,
eu fiz este juramento:
me torna n’um cangacêro.
 
               *
 
Dêxei meu pae sipurtado,
vortei lanhado de pena,
chorando a sorte tirana!
 
Mas porém, quando cheguei,
e intrei na minha choupana,
a minha mãe incontrei
cum o coração mais lanhado,
e mais duente que o meu!!
 
Prá dizê tudo, seu moço,
n’um domingo amarfadado
aquela santa morreu!!!
 
A morte era naturá!
Despois da morte do véio,
não poude mais suportá!
 
               *
 
Meu pae não perdeu a vida
pulos ano!! Não, Sinhô!
 
Morreu prú via d’um hôme
que era rico e, prú capricho,
uns mulambinho de terra
do pobre véio róbou!
 
     O jaburu quiz um dia
     que meu pae jurasse farso
     n’uma questã que ele teve
     cum um honrado lavradô.
 
O lavradô era pobre...
 
Meu pae, que era um hôme nobre
bateu o pé!... Não jurou.
A Justicia que fazia
tudo o que o hôme quiria,
im mêno de duas hora,
butou o véio prá fora!...
E tudo ansim se acabou!!
 
Despois que eu vim pró cangaço,
há munto que o tá ricaço
cumigo as conta ajustou!!
 
               *
 
óie, moço: vêje lá
se eu tenho rêzão
     ou não.
 
               *
 
Um dia, eu táva banzando,
deitado n’uma toucêra
de verde sanacurí,
quando vejo vim, d’ali,
o Antônio dos Picapáu,
amuntado n’um quartáu.


O coração piquinino
sartava, cumo um cabrito!
 
Vendo o Antônio que era eu,
gritou de lá: “Sirvirino!...
“A tua érmã!...“ Dei um grito,
que o cabôco istremeceu!
 
Apois, quando eu disse: — “Fala”
ele gritou lá da istrada:
 “Foi trazontônte róbada!!..”
E alevantando a çoitêra,
deu de ispóra no quartáu,
e se assumiu entre as fóia
de duas guapurinhêra!!
 
               *
 
Três dia andei a percúra,
atraz do tarapantão,
(o fio d’um figurão...)
mato abáxo, mato arriba,
e só discansei, seu moço,
quando eu tirei o pirão
do buxo daquele cão,
cum a ponta da parnaíba.
 
               *
 
 Gibão e chapéu de côro
 n’uma orêia derribado;
 um guarda-peito de onça
 no peito sarapintado;
 cravinóte sêmpe iscravo
 dos bom, cumo vassuncê,
 aqui tá um cangacêro,
 mas um cangacêro honrado,
 taliquá, cumo me vê.

Catulo da Paixão Cearense segunda, 17 de dezembro de 2018

O AZULÃO E OS TICO-TICOS (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

 

 


Do começo ao fim do dia, 
um belo azulão cantava, 
e o pomar que atento ouvia 
os seus trilos de harmonia 
cada vez mais se enflorava. 

Se um tico-tico e outros bobos 
vaiavam sua canção, 
mais doce ainda se ouvia 
a flauta desse azulão. 

Um papagaio, surpreso 
de ver o grande desprezo 
do azulão, que os desprezava, 
um dia em que ele cantava 
e um bando de tico-ticos 
numa algazarra o vaiava, 
lhe perguntou: " Azulão, 
olha, diz-me a razão 
por que, quando estás cantando 
e recebes uma vaia 
desses garotos joviais, 
tu continuas gorgeando, 
e cada vez cantas mais?!" 

Numas volatas sonoras, 
o azulão lhe respondeu: 
"meu amigo, eu prezo muito 
esta garganta sublime, 
este dom que Deus me deu! 

Quando há pouco, eu descantava, 
pensando não ser ouvido 
nestes matos, por ninguém, 
um sabiá que me escutava, 
num capoeirão, escondido, 
gritou de lá: "meu colega, 
bravo!....Bravo!...Muito bem!" 

Queira agora me dizer: - 
quem foi um dia aplaudido 
por um dos mestres do canto, 
um dos cantores mais ricos 
que caso pode fazer 
das vaias dos tico-ticos?!"


Catulo da Paixão Cearense segunda, 03 de dezembro de 2018

LUAR DO SERTÃO - LETRA E VÍDEO (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

LUAR DO SERTÃO

Catulo da Paixão Cearense

Ah, que saudade
Do luar da minha terra
Lá na serra branquejando
Folhas secas pelo chão
Este luar cá da cidade tão escuro
Não tem aquela saudade
Do luar lá do sertão

Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão
Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão

A lua nasce
Por detrás da verde mata
Mais parece um sol de prata
Prateando a escuridão
E a gente pega na viola que ponteia
E a canção é a lua cheia
A nos nascer no coração

Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão
Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão

A gente fria
Desta terra sem poesia
Não se importa com esta lua
Nem faz caso do luar
Enquanto a onça
Lá na verde da capoeira
Leva uma hora inteira
Vendo a lua derivar

Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão
Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão

Coisa mais bela
Neste mundo não existe
Do que ouvir-se um galo triste
No sertão se faz luar
Parece até que alma da lua
É que descansa escondida na garganta
Desse galo a soluçar

Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão
Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão

Ai quem me dera
Que eu morresse lá na serra
Abraçado à minha terra
E dormindo de uma vez
Ser enterrado numa cova pequenina
Onde à tarde a sururina
Chora a sua viuvez

Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão
Não há, oh gente, oh não
Luar como este do sertão

 


Catulo da Paixão Cearense sábado, 03 de novembro de 2018

EM CAMINHO DO SERTÃO, POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE, NA VOZ DE AFONSO MOTTA


Catulo da Paixão Cearense sexta, 19 de outubro de 2018

CHICO BELEZA (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE) LETRA E VÍDEO

 

 

CHICO BELEZA

Catulo da Paixão Cearense

(Respeitada a grafia original)

 

 

Pulas areia da istrada,

Cum as perna já meia bamba,

Um dispotismo de gente

Vinha cantando num samba,

Fazendo grande berrêro!

 

Quem puxava a istruvunca

Era o Manué Cachacêro,

O mais grande dos violêro,

Que im todo sertão gimia!

E era ansim que ele cantava

E no canto ansim dizia:

 

"Diz os véiu de outras éra

que quando São João sintia

sôdade de Jesú Cristo

e de sua cumpanhia,

garrava logo na viola,

prá chorá sua sôdade

e a sua malincunía!

 

Entonce logo os apóstro,

Assombrando o istruvío,

Cada um seu pé de verso

Cantava no desafio

 

A Mãe de Cristo chorava

e as agua que derramava

da fonte do coração,

caia nas corda santa

da viola de São João!

 

Pru via disto é que o pinho,

instrumento sem rivá,

quando se põe-se chorando,

se põe-se a gente a chorá".

 

Foi aí, nesse festêro,

que vi o Chico Sambêro,

um sambadô sem sigundo,

mas porêm feio ,tão feio,

que toda gente dizia

que foi o hôme mais feio

que Deus butou neste mundo!

 

Tinha cara de preguiça,

cabeça de mono véio,

e pescoço de aribú!

A boca, quando se ria,

taquarmente parecia

a boca de um cangurú!

Tinha as oreias de porco

e os dentes de caitetú!

Tinha barriga de sapo,

e o nariz, impipocado,

figurava um genipapo!

 

Os braços era taliquá

dois braços sirigaitado

d' um veio tamanduá!

Os óios - dois berimbau!

As pernas finas alembrava

as pernas d' um pica pau!

O queixo de capivara

tinha um bigode pru riba,

que quase tapava a cara!

O cabelo surupinho era,

sem tirá nem pô,

cabelo de porco espinho!

Em conclusão, prá findá,

tinha os dedos de gambá,

os hombros redondo e chato

e os pé que nem pé de pato!

 

Inda mais prá cumpletá

aquela xeringamança

e feiúra de pagóde,

o hôme quando se ria,

era um cavalo rinchando,

e quando táva suando,

tinha um ôroma de bóde.

 

Apois bem. Esse raboeza,

que era prú todas as bocas

chamado : Chico Beleza;

esse horríve lobizome,

que era mais feio que a fome,

mais feio que o Demo inté

quando as pernas sacudia,

sambando nargum banzé

enfeitiçando as viola,

apaixonando as muié,

trazia tôda as cabôca,

cumo um capaxo, dibaxo,

das duas sóla do pé!!!

 

 


Catulo da Paixão Cearense quinta, 04 de outubro de 2018

CABOCA DI CAXANGÁ (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

CABOCA DI CAXANGÁ

Catulo da Paixão Cearense

 

Laurindo Punga, Chico Dunga, Zé Vicente
Essa gente tão valente
Do sertão de Jatobá
E o danado do afamado Zeca Lima
Tudo chora numa prima
E tudo quer te traquejá
Caboca di Caxangá
Minha caboca, vem cá
Queria ver se essa gente também sente
Tanto amor como eu senti
Quando eu te vi em Cariri
Atravessava um regato no Patau
E escutava lá no mato
O canto triste do urutau
Caboca, demônio mau
Sou triste como o urutau
Há muito tempo lá nas moita da taquara
Junto ao monte das crivara
Eu não te vejo tu passá
Todo os dia iate a beca da noite
Eu te canto uma toada
Lá debaixo do indaiá
Vem cá, caboca, vem cá
Rainha di Caxangá
Na noite santa do Natal na encruzilhada
Eu te esperei e descontei
Inté o romper da manhã
Quando eu saia do arfará o sol nascia
E lá na vota já se ouvia
Pipiando a acauã
Caboca, toda a manhã
Som triste de acauã


Catulo da Paixão Cearense quarta, 19 de setembro de 2018

ATÉ AS FLORES MENTEM (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

 

ATÉ AS FLORES MENTEM

Catulo da Paixão Cearense

 

 

Em um jardim à beira-mar

(fazia um luar de níveo albor

E o céu sem véu tinha o fulgor

Da cor do meu primeiro amor)

Estava ali a meditar

A meditar pensando em ti

Quando uma flor estando a sonhar

Do nosso amor falar ouvi

 

Compaixão! À flor eu disse então:

Ó tu que o coração conheces dela

Dize a mim se é vero o seu amor!

E a flor sonhando ainda

Assim me diz, assim:

 

"Ó feliz, tu és poeta!

A tua mais dileta flor

A nossa irmã de mais candor

Tem amor a ti ardente

Somente vive por te amar

E morrerá por te adorar!"

 

E a rosa ouvindo assim falar

Senti minh’alma a Deus voar

E de prazer, cheio de amor

Ia na flor um beijo dar…

E ouvi então a flor dizer:

"Eu quis magoar teu coração

Eu quis zombar da tua dor

A ti não tem, não tem amor!"


Catulo da Paixão Cearense terça, 04 de setembro de 2018

AO LUAR (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

AO LUAR

Catulo da Paixão Cearense

 

Vê que amenidade
Que serenidade
Tem a noite em meio
Quando em brando enleio
Vem lenir o seio
De algum trovador!
O luar albente
Que do bardo a mente
No silêncio exalta
Chora tua falta
Rutilante estrela
De eteral candor

Vem meu anjo agora
Recordar nest'hora
Nosso amor fanado
Quando eu a teu lado
Mais que aventurado
Por te amar vivi!
Quero a fronte tua
Ver à luz da lua
Resplendente e bela
Descerra a janela
Que eu não durmo as noites
Só pensando em ti!


Catulo da Paixão Cearense quarta, 15 de agosto de 2018

AI DE MIM (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

AI DE MIM

Catulo da Paixão Cearense

 

Foi um sonho te querer com doido amor
Foi loucura penhorar-te o coração
Dá-me mesmo assim ferido esse penhor
Não te peço nem te imploro gratidão
Guardo dentro deste peito por te amar
Uma dor que sempre e sempre cresce mais
Nem a tua ingratidão me vem matar
Nem a tua ingratidão me abranda os ais

Ai de mim! Ai de mim!
Por que matar-me assim?
Por que matar-me assim?

Este amor, ó este amor, me foi fatal
Nunca mais o meu sossego encontrarei
Tu, travessa, sorridente e jovial
Eu, em busca de minh'alma que te dei
Mas não posso te dizer por que razão
É mais doce o azedume desta dor
Serei teu e teu será meu coração
Não te posso, ó não, negar tão santo amor!


Catulo da Paixão Cearense terça, 31 de julho de 2018

ADEUS, EULINA

ADEUS, EULINA

Catulo da Paixão Cearense

Adeus, adeus, minha adorada Eulina
Eu cumpro a sina do destino meu
Sangra-me o lenho dessa desventura
Desta amargura que o Senhor me deu.

Adeus que eu parto, que me importa a vida
Se mal ferida vai minh'alma assim
Esquece, Eulina, as minhas preces d'alma
Fere a minh'alma que eu revivo assim.

Adeus, adeus, minha saudosa Eulina
Rosa divina dos suspiros meus
Sangra-me o lenho dessa dor bendita
Dor infinita dos Jardins de Deus.

Adeus, que eu parto pela estrada escura
De luz tão pura desse amor feliz
Minh'alma canta porque a dor encanta
E tu és santa, o coração me diz.

Adeus, adeus, minha adorada Eulina
Luz peregrina dos soluços meus
Alma dos sírios, roseiral dos lírios
Flor dos martírios virginais de Deus.

Adeus, que eu parto, vou partir que importa
Deus me conforta, o coração me diz
Adeus, que eu parto dolorosamente
Ledo e contente por te ver feliz.

 

VÍDEO, COM ANA SALVAGHNI E  EDUARDO LOBO

 


Catulo da Paixão Cearense segunda, 16 de julho de 2018

A VAQUEJADA (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

A VAQUEJADA

Catulo da Paixão Cearense

 

Foi coisa d’uns vinte ano. 



Na Fazenda do Moitão, 
eu fiz, n’uma vaquejada, 
a mais grande das currida 
dos sertão do meu sertão. 

Mais de vinte boiadêro, 
vindo de todo lugá, 
tinha chegado de fora 
prá pega do boi-Crôá. 

Há munto tempo ele andava, 
pulos mato amucambado, 
disafiando os vaquêro 
da minha terra natá. 

Boca Negra, Chico Quebra, 
Liôpôrdo Cabeça Sêca, 
Zé Braúna, Mâoquitóla, 
João Furréca, Zé Cachimbo, 
Manué Francisco Pelado... 
os cabra mais surungado, 
chegava naquele dia 
prá péga do arrenegado, 
o boi de mais arrilia! 

João Peráo, que era um vaquêro 
de mais de oitenta janêro, 
nacido no Ciará, 
inda sendo chamurrinho, 
tinha insinado o boizinho 
prá não dexá se pegá. 

Aquele boi rebolêro 
nunca teve no currá. 

João Peráo era o avô 
d’uma linda cabrochinha 
d’uns óio munto quiláro 
e uma bunita carinha, 
que tinha o nome de — Amparo, 
mas porém que era chamada 
lá na Fazenda: — A Lindinha. 

O véio, que, no seu tempo, 
foi o mais grande campêro, 
e dos cabeça de campo 
o premêro sêmpe foi, 
jurou, prú vida e prú morte, 
que a Lindinha só casava 
cum o curibóca de sorte 
que inxucaiásse esse boi. 

Quando eu pensei, meu patrão, 
um dia casá cum ela, 
senti frio na ispinhéla, 
e cósca no coração. 

A cabrocinha era linda 
cumo a frô do mussambé! 

Tinha relampo nos óio, 
que nem fôia de quicé! 

Foi dendê piquinininha 
que eu amava a ela ansim... 

Quando eu não via Lindinha, 
ficava longe de mim! 

Prá quê tá róbando ainda 
o tempo de vassuncê, 
se é impussive dizê 
cumo Lindinha era linda?! 

Se aqueles grande vaquêro 
vinhéro lá d’outras banda, 
cum tamanha afobação, 
não foi só prú móde a neta 
de João Peráo, meu patrão! 

Foi prá fazê meu cavalo 
perde a fama que tinha 
prú todo aquele sertão! 

Mas porém, patrão, eu ria 
de toda essa cabruada, 
pruquè eu, patrão, cunhicía 
a corage do cavalo, 
que se chamou: — Ventania! 

Nos sertão da Paraíba, 
de Maceió, da Bahia, 
do Piauí... do Ciará... 
a fama desse animá 
de boca im boca curria. 

................... 
................... 

Agora eu vou li falá 
do casarão da Fazenda, 
prá vassuncê me iscutá. 

O casarão da Fazenda 
táva no meio da varge 
de rastêro capinzá. 

D’um lado táva a muenda, 
a roda da bôlandêra, 
o ingenho de muê cana, 
tândo a casa de farinha 
do outro lado de lá. 

O currá de pau a pique, 
junto a ipuêra aguaçada, 
cercado de xique-xique, 
era a casa da boiada. 

No pé da serra, prú baxo 
dos verdoso catolé 
que assombriava o terrêro, 
táva as casa de sapé, 
que era os rancho dos vaquêro. 

Ha munto já que era noite! 

Os cabra, naquela hora, 
os que chegáro de fora, 
já táva tudo arranchado, 
nos seus fiango deitado, 
iscutando o Mãoquitóla, 
brincando cum os cinco dedo 
na boca d’uma viola! 

óiando a cara da lua, 
iscundida atrás do tronco 
do impinado macujé, 
Manué Pelado cantava 
uns acalanto tão triste, 
que lá prá os mato avuáva, 
cumo a percura do ninho 
d’um coração de muié. 

Manué Pelado cantava!... 
Mãoquitóla acumpanhava! 

E esse violêro mingóla 
só pindurou a viola, 
quando o galo romanisco, 
fogoso, as asa bateu, 
sortando o grito sôdoso 
do prêmêro disafio, 
e acordando os cupanhêro, 
que, de longe, arrespondeu! 

Tudo entonce arrépozava! 

A vaquêrama roncava! 

Não se uvía mais um pio, 
a não sé o disafio 
dos sapo, dento dos brêdo, 
os cachorro da Fazenda 
latindo prás sombra roxa 
das foiáge do arvoredo, 
e, longe, n’uns arripio, 
o choro doce e macio 
desse violêro o — Silenço — 
cantando... chorando as magua 
nas corda d’água do rio! 

Toda a Fazenda drumía! 

Táva a noite que nem dia! 

A lua inté paricia 
uma frô dos aguapé, 
e as istrela era as abêia, 
de todo o lado avuando, 
prá vim chupa o seu mé! 

Vendo a lua cumo táva, 
váincé jurava, jurava 
que as água que lá da crista 
da serra vinha rolando, 
era o lua que caia 
do céo e, branco, iscurria, 
nas pedra se isfrangaiando! 

Ansim, levei artas hora, 
pitando o meu catimbáo, 
inté que ferrei no somno, 
pensando no meu cavalo, 
e nela... (o patrão já sabe!...) 
a neta do João Peráo. 

................... 
................... 

De minhã, quando acordei, 
cum os suspiro das foiáge, 
saluçava as ribaçã! 

O Só — rocêro do céo — 
quêmáva os mato das nuve, 
na quêmada da minhã! 

Cum a passarada a cantá, 
a vaquêrama acordando, 
foi os cavalo arriando, 
prá viage cumeçá. 

Cum a roupa toda de couro: 
Boca Negra, n’um turdío; 
Chico Quebra, n’um pedrez; 
Cachimbo, n’um alazão; 
Liôpôrdo Cabeça Seca, 
n’um lindo russo pratiado; 
Zé Braúna, n’um cardão; 
Mãoquitóla, n’um fouvêro; 
Furréca, n’um russo pombo; 
Manué Francisco Pelado, 
n’um bagacêro mazombo, 
um cavalo trupizúpe, 
cum um fucinho de gambá... 
os cabra mais famanado... 
já táva tudo amuntado, 
correndo daqui prá lá. 

Meu cavalo Ventania, 
que tinha uma istrela branca 
purriba mêmo da testa, 
e apostando uma carrêra 
cum o vento, o vento perdia, 
batendo o pé, iscarvando, 
e óiando prá cabôquinha, 
rinchava inté de aligria. 

Seu capitão fazendêro 
deu o siná da partida, 
e a vaquêrama partia. 



Distante, já munto longe, 
a Fazenda se assumia, 
e a cabôquinha indiabrada, 
num guabijuêro atrepâda, 
ainda adeus me dizia! 

................... 
................... 
................... 

Os vaquêro já sabia, 
mais ou mêno, onde pastava 
esse bôióte mardito, 
que im toda parte morava. 

Era prá raiz da serra 
que pastava o barbatão: 
logo, entonce, lá prá serra 
a gente trôcêu a mão. 

Um carguêro que tópêmo 
na meia lua da istrada, 
disse té visto o bôióte 
na sumana arretrazada. 

Pulos sina que ele dava, 
se não era a caruára, 
o diabo do boi andava 
cruzando a varge da Arara. 



Assuntando nessas coisa, 
im caminho lá da serra, 
a gente já tinha andado 
um bom pedaço de terra. 
O dia táva no meio, 
e o Só quente de matá! 

Entonce, disapiêmo, 
e fumo tudo armuçá. 

Tirando o armoço do arfórge, 
que já táva apreparado, 
o armoço era tão gostoso, 
que im mêno de dois minuto 
a gente táva armuçado. 

Rapadura cum farinha!... 

Meu Deus!... Que sastifação! 

Ai, que sôdade das água 
que tem o chêro da terra, 
e esse gosto de sereno 
das cacimba do sertão! 

................... 
................... 

Já tândo tudo armuçado, 
de novo, tudo amuntado, 
caminhando lá prá varge, 
cum Deus e a Virge Maria, 
fumo siguindo a viage. 

As duas hora da tarde 
a gente se suparou. 

Cada um da vaquêrama 
o seu atáio tumou. 

Rezei prú mim, prú Lindinha, 
prú meu cavalo, e, despois, 
sortando a camba do freio, 
pidi a Deus que levasse 
pulos caminho a nós dois! 

Fui andando! Fui andando! 

O Só, patrão, discambava, 
quando eu passava na bêra 
d’uma pequena lagoa, 
e uvindo cumo o mugido 
do boióte amucambado, 
ispirrei pulos ispinho, 
cumo um diabo ispritado. 

O mato táva crivado 
dos istrépe mais danado! 

Mandacaru, xique-xique, 
lambe-bêço, parmatóra, 
faxêro e crôa de frade, 
macambira, unha de gato... 
é os ispinho mais duro 
que a gente incontra nos mato! 

Desses ispinho, patrão, 
o sangue já iscurria 
da minha cara e das mão, 
cumo iscurria, vremêio, 
do peito de Ventania, 
desse cavalo turéba! 

Tumei mêmo pulo buzo 
um trago de manduréba. 

Mas porém, quando o cavalo 
amarrava n’um oiti, 
lá, da perna da baxada, 
de donde o vento assoprava, 
parece que inda isentava 
o mugido que eu uví! 

Sartei de novo na sela, 
sôrtei a camba do freio, 
na istrela branca da testa 
bati ansim, cum esta mão, 
e me afundei pulas sombra 
dos ispinho do grotão! 

Pulando, cumo um danado, 
fui rompendo mato a dento!... 
Era impussive, patrão, 
ficá na sela um momento! 

Os gaio seco das árve, 
os ramo dos móróró, 
o arrendado dos cipó... 
é uma infernêra, é um pirigo!... 
É o mais lapiado inimigo! 
É a morte, sim, meu patrão, 
e morte tão disgraçada, 
que sementes pula sorte, 
pulo sabê campiá, 
um hôme pôde iscapá 
do istrépe frio da morte! 

Às vez, um hôme, patrão, 
tem de ficá prú dibáxo 
da barriga do animá, 
que vai baxando, baxando, 
cum a gente, rente do chão, 
sem na carrêra apará!... 

É uma coisa naturá! 

O hôme foge da morte, 
e o animá quê se sarvá! 



Vassuncê tá custumado 
a vê só essas porquêra 
das curtida de bestêra 
da Capitá, meu patrão! 
Não pode fazê indéa 
do valô da cabruada, 
no corrê das vaquejada 
das terra do meu sertão. 

Esses cavalo cumprido, 
fidargo, de perna fina, 
não vale, não, meu sinhô, 
o cavalo d’um vaquêro, 
que é manso, cumo um amigo, 
mas porém, vendo o pirigo, 
é um animá de valô. 

Currida n’um campo aberto, 
é munto bom de corrê!... 
Mas porém, mande esse Joke, 
vistido de bunequinho, 
corrê nos mato de ispinho... 
e entonce é que eu quero vê!... 



Patrão, discurpe! Eu dizia 
que pulos mato curria 
no sucáro do Crôá, 
quando isbarrei, de repente, 
uvindo lá p’ra outras banda, 
danado, o buzo assoprá! 

Vortei prá atrás! Cum certeza, 
eram argum dos cumpanhêro, 
que tinha inxergado o vurto 
desse boi caromboêro. 

Vim topá cum o Mãoquitóla, 
que táva assoprando o buzo, 
na ponta d’uma chapada, 
chamando, cum desispêro, 
pulos outro camarada. 

Im mêno de dez minuto, 
n’uma valente currida, 
a vaquêrama chegando 
de toda banda, afobada, 
já táva ali riunida. 

Mãoquitóla, esse vaquêro 
que dos sertão da Bahia 
o prêmêro sêmpe foi, 
apontava prá o caminho, 
adonde táva o sucáro 
das pisada desse boi. 

Prú dibaxo da coirama 
os coração parpitava! 

O Crôá não munto longe 
daquelas mata pastava. 

Táva a gente arrezôrvendo 
o cerco do boi, patrão, 
quando passava a boiada, 
cum os boiadêro guiando, 
uns atraz e outros cantando 
na frente do boiadão. 

Tinha fartado um campêro!... 
Zé Braúna... Sim, sinhô! 

Mãoquitóla pega o buzo 
e cum sustança assoprou, 
quando um boi... um boi arisco, 
pulos mato adisparou! 

Os outro foi istórando 
prá todo os lado da istrada, 
cum a armação alevantada, 
n’uma carrêra inferná, 
que inté fazia pensá 
que o mundo se ia acabá 
naquela grande istralada! 

Era o arranco da boiada! 

Cum seiscentos mir diabo!... 
Era prá dá o cavaco!... 
Apois se tinha perdido 
todo o siná do sucáro 
do Crôá, do boi veiáco! 

Caía a tarde, patrão! 

Mais longe, um tamarinêro, 
cum o Só purriba das fôia, 
lá num monte impulêrádo, 
paricia um passo verde 
cum o seu tupéte incarnado. 

Cada um, de vez im quando, 
no buzo um assopro gimia, 
prá iscutá se o Zé Braúna 
cum outro assôpro arrespundia. 

E, cumo a noite caía, 
nossos cavalo amarrando, 
cada quá, naqueles mato, 
bem ou má, foi-se deitando. 

A sela é um bom cabecêro, 
macio, cumo ele só! 

Era noite! Já se uvia, 
lá, na serra, os noitibó!... 

Despois, entre a iscuma verde 
d’uma moita de tabóca, 
a lua vinha nacendo, 
cumo um bolo de mandioca. 

Manué Pelado, o ciarenço, 
cum o bahiano Mãoquitóla, 
cantava outro disafio, 
sem as corda da viola. 

E, ansim, uvindo os dois cabra, 
pitando o meu catimbáo, 
ferrei no sono, pensando 
no meu cavalo e sonhando 
cum a neta do João Peráo! 

................... 
................... 

De minhã, quando acordei, 
e, cumo os outro vaquêro, 
fui meu cavalo arriá, 
butei o buzo na boca, 
apois o Manué Pelado, 
esse ladrão disgraçado, 
que veio lá do Ciará, 
tinha, de noite, róbádo 
o meu cavalo adorado, 
dêxando o seu trupizúpe, 
o seu cavalo zarôio, 
cum o fucinho de gambá! 

Mas porém, eu bem sabia 
que o ladrão não cunhicia 
o segredo lá da istrela 
do meu alazão dorado! 

Não se batendo na istrela, 
o cavalo não curria, 
era um pangaré pesado! 

E Ventania sabia 
que já não era seu dono 
que táva nele amuntado! 

Se eu tivesse um bom cavalo, 
quem sabe se inda eu pudia 
pegá o Manué Pelado?! 

Liôpôrdo Cabeça Sêca, 
que era um vaquêro danado, 
jurou prá mim que ele havára 
de arcançá meu Ventania 
cum o seu russo Pratiado! 

Bem sei o que ele quiria, 
esse cabra iscumungado! 

Não teve um só cumpanhêro 
que não sintisse, patrão! 

Cumo é que um hôme, cantando 
cumo esse hôme cantava, 
pudia sê um ladrão?! 

E dendê aquele momento, 
nem mais no boi se falou! 

Os campêro, ispóriado, 
nos seus cavalo amuntou! 
O que haverá eu de fazê?! 
Amuntei no trúpizúpe, 
no pangaré do Pelado, 
e dei de ispóra a valê! 

D’aqui, d’ali, d’acolá, 
infim... de todos os lado, 
era pérciso ataiá 
esse cabrocha safado! 

A gente entonce ajustou 
que o prêmêro que inxergasse 
Manué Pelado, assoprasse 
no buzo, cum toda a força 
que Deus nos peito butou! 

................... 
................... 
................... 

Meia hora já passada! 
Inda nem buzo!... Nem nada! 

Táva andando ao Deus dará, 
amuntado no tanjão, 
no cavalo do ladrão, 
quando inxerguei o Crôá, 
fugindo da cavalada, 
n’uma grande disparada, 
— farsiá n’uma barrêra, 
e rolá, na ribancêra, 
prós fundo d’um cacimbão! 

N’um abri e fechá dos óio, 
butei a mão do mardito 
travessada na armação!... 

Cortei um pau n’um Pau Ferro, 
puz no pescoço o cambão, 
butei despois o xucáio... 
e fui me imbora, siguindo, 
a percura do ladrão! 

Mais adiente, patrão, 
(vêje a sorte cumo é!) 
firido de metê dó, 
táva o Braúna deitado 
na sombra de um bóróró! 

Contando o causo passado, 
eu disse que ele pudia 
dizê pró véio, pró avô, 
que ele táva ansim firido, 
pruquê foi ele somentes 
quem deu no boi a mussica, 
e, despois, inxucaiou. 

Eu sabia que esse cabra 
trazia pula bichinha 
o peito cheio de amô. 

Contei que o Manué Pelado 
tinha o cavalo róbado, 
e, sem o meu cumpanhêro, 
não pudia ali ficá! 

Dexava de sé vaquêro, 
prá nunca mais campiá! 

Eu disse pró Zé Braúna: 
“Zé Braúna, se eu topasse, 
agora, o meu Ventania, 
inda sortava o Crôá, 
prá despois, n’outra currida, 
esse boi inxucaiá, 
e entonce, cum orguio e glóra, 
cum a Lindinha me casá”. 

Não acabava a prépósta, 
que fazia pró cafuzo, 
quando, de todos os lado, 
uvi o grito dos buzo! 

Era os vaquêro correndo 
no meio do discampado, 
atraz da sombra mardita 
do ladrão arrenegado! 

Liôpôrdo Cabeça Sêca, 
cabra sarado e valente, 
galopando a todo freio, 
era o que vinha na frente. 

Boca Negra, cum o cavalo 
trupicando na carrêra, 
tinha caído, firido, 
ao pé d’umas pacovêra. 

Chico Quebra e Zé Cachimbo, 
travessando um córgozinho, 
apontava lá prá longe, 
prá istirada do caminho. 

João Furreca e Mãoquitóla, 
do outro lado da serra, 
varava um mato de ispinho. 

Liôpôrdo, sêmpe na frente, 
riscando, tútúbiou; 
e, cumo dizadorado, 
prú té perdido de vista 
o miserave, o marvado, 
puxando o freio... isbarrou. 

Eu vinha atraz!... Mas porém, 
quando arcancei o Liôpôrdo, 
que ainda táva aparado 
no xancro da incruziada, 
o ladrão ia cruzando 
o atáio d’uma picada! 

Foi tanta a sastifação, 
que se eu não tapasse a boca, 
ficava sem coração! 

Liôpôrdo Cabeça Sèca 
me disse entonce: “Eu te juro 
que im mêno de três minuto, 
o meu Russo Pratiado 
vórta aqui cum o teu cavalo, 
esse cuéra famanado!” 
................ E disparou! 

Ele curria!... Eu curria! 
Ele, na frente! Eu, atraz! 
Liôpôrdo, dizimbestado, 
cada vez curria mais! 

Cada vez mais, meu patrão, 
Liôpôrdo Cabeça Sêca 
ia ficando mais rente, 
mais pertinho do ladrão!... 

Curria!... Curria!... E quando 
a mão dereita istendia 
prá agarrá no tapití!... 

Quando assuntei, quando eu vi 
que esse cabra só quiria 
dishonrá meu Ventania, 
meu cavalo dishonrá, 
eu li ensinando o segredo, 
gritei pró ladrão: “Mardito 
Bate na istrela da testa, 
e corre e foge sem medo, 
que nem Deus te pegará!” 



Ai! patrão! 

................... 
................... 

Im mêno de dois minuto, 
férmoso, socando a terra, 
vi meu cavalo assubindo, 
avuando, cumo uma pena, 
pulas groguéia da serra, 
dêxando o Cabeça Sêca 
atraz, prá atraz, munto atraz, 
imquanto eu chorava e ria, 
mandando pró meu cavalo, 
que lá no espigão da serra, 
do outro lado se assumia, 
— um adeus, prá nunca mais! 

................... 
................... 



Perdi a muié, que amava, 
e esse animá, que adorava, 
cumo eu nem sei dizê, não!... 
Mas porém sarvei a fama, 
sarvei a honra e a nobreza 
do meu cavalo, patrão! 

 


Catulo da Paixão Cearense quarta, 04 de julho de 2018

A RESPOSTA DO JECA TATU (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

A RESPOSTA DO JECA TATU

Catulo da Paixão Cearense

Eu sou o Jeca Tatu.

Vancê só sabe de lezes
Que se faz com as duas mão.
Mas porém num sabe as lezes
Da natureza, e que Deus
Fez pra nóis com o coração.

Vassuncê é um Senadô,
É um conseiêro, é um dotô,
É mais que um imperadô,
É o mais grande cirdadão
Mas porém eu lhe garanto
Que nada disso seria
Naquelas mata bravia
Das terra do meu sertão.

A miséra, sêo doto
Também a gente consola.
O orguio é que mata a gente.
Vancê qué ser Presidente...
E eu sou quero ser rocêro
E tocadô de viola

Vancê tem todo o direito
De ganhá cém mir pru dia
Pra mió podê fala.
Mas porém o que num póde
É a inguinorância insurtá.
A gente, sêo conseiêro
Tá cansada de esperá.

Vancê diz que a gente véve
Com a mão no queixo, assentado
Sem fazê causo das coisa
Que vancê diz no senado.
E vassuncê tem razão.
Se nóis tudo é anarfabéto,
Cumé que a gente vai lê
Toda aquela falação?

Preguiçoso? madracêro?
Não sinhô, sêo conseiêro.
É pruquê vancê num sabe
O que seje um boiadêro
Criá cum tanto cuidado
Cum tanto amô e alegria
Umas cabeça de gado
E despois, a impedemia
Carregá tudo com os diabo
Em meno de quatro dia.

É pruquê vancê num sabe
O trabaio desgraçado
Qui um homi tem, sêo doto
Pra incoivará um roçado,
E quando o ouro do mio
Vai ficando embonecado
Pra gente entônce coiê...
O mio morre de sede
Pulo sor esturricado
Sequinho cumo vancê.

É pruquê vancê num sabe
Quanto é duro um pai sofrê
Vendo seu fio crescendo
Dizendo sempre... papai,
Vem me ensina o A B C.

Pru móde a politicáia
Vancê qué que um homi sáia
Do sertão pra vim votá
Em Juaquim, Pedro ou Francisco
Quando vem a ser tudo iguá.

Vancê tem um casarão
Tem um jardim, uma chaca
Tem criado de casaca
E ganha tudos os dia
Quer chova quer faça sor,
Só pra falá... cem mir réis..
Eu trabáio o ano inteiro
Somente quando Deus qué
Eu vivo do meu roçado
Me esfarfano cumo um burro
Pra sustentá oito fio,
Minha mãe minha muié.

Eu drumo im riba de um couro
Numa casa de sapé.
Vancê tem seu otromóve,
Eu pra vim no povoado
Ando dez légua de pé.

O sór teve tão ardente
Lá pras banda do sertão
Que em mêno de quinze dia
Perdi toda a criação.
Na semana retrasada
O vento tanto ventô,
Que a páia que cobre a chóça
Foi pulos mato... avuô.

Minha muié ta morrendo
Só por farta de mézinha...
E pru farta de um dotô.
Minha fia que é bonita
Bunita cumo uma frô..
Sêo dotô... num sabe lê...
E o Juquinha que ainda tá
Cherando memo a cuêro
E já ponteia a viola,
Se entrasse lá pruma escola
Sabia mais que vancê.

Preguiçoso? Madracêro?
Não sinhô sêo conseiêro...
Vancê diga aos cumpanhêro
Que um cabra, o Zé das caboca
Anda cantando estes versos
Que hoje lá no sertão
Avôa de boca im boca.

(canta) Eu prantei a minha roça
o tatu tudo comeu
prante roça quem quizé
que o tatu hoje sou eu..

Vassuncê sabe onde tá
O buraco adônde véve
O tatú esfomeado?
Tá nos palaço da corte,
Dessa porção de ricaço
Que fez aquele palaço
Cum o sangue dos desgraçado.

Vancêis tem rio de açude
Tem os dotô da hingena
Que é pra cuidá da saúde...
E nóis, o que é que tem?
Arresponda?
No tempo das inleição
Que é o tempo das bandaiêra
Nóis só tem uma cangáia
Pra levá toda a porquêra
Dos dotô puliticáia.

Vancê qué ser presidente?
Apois seja, meu patrão.
A nossa terra, o Brasí
Já tem muita intiligência,
Muito homi de sabença
Que só dá pra espertaião.
Leva o diabo a falação.
Pra sarvá o mundo inteiro
Abasta ter coração.

Prôs homi de intiligência
Trago cumigo esta figa
- Esses homi tem cabeça,
mas porém o que é mais grande
do que a cabeça... é a barriga.

Sêo conseiêro... um consêio.
Dêxe toda a birbotéca
Dos livro... e se um dia vancê quizé
Passá uns dia de fome
De fome e tarveis de sede,
E drumí lá numa rêde
Numa casa de sapé,
Vá passá comigo uns tempo
Nos mato do meu sertão,
Que eu hei de lhe abrir as porta
Da choça e do coração.

Eu vorto pros matagá,
Mas porém oiça premero:

Vancê pode nos xingá,
Chamá nóis de madraçêro.
Purquê nóis, Seu Conseiêro,
Nun qué sê mais bestaião!
Não!... Inquanto os home di riba
Dexá nóis tudo mazombo,
E só cuidá dos istombo,
E só tratá di inleição...

Seu Conseiêro hái de vê,
Pitano seu cachimbão,
O Jeca-Tatu se rindo,
Si rindo... cuspindo
Sempre cuspindo,
Co quêxo inriba da mão!

Eu sei que sô um animá,
Eu nem sei mêmo o que eu sô.
Mais, porém, eu lhe agaranto
Qui o qui vancê já falô,
E o qui ainda tem de falá,
O qui ainda tem de inscrevê,
Todo, todo o seu sabê,
E toda a sua saranha...
Não vale uma palavrinha,
Daquelas coisa bunita,
Qui Jesuis, numa tardinha,
Disse, inriba da montanha!...

 


Catulo da Paixão Cearense quinta, 21 de junho de 2018

A PROMESSA (POEMA O MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

A PROMESSA

Catulo da Paixão Cearense

 

A Juaninha era a morena 
mais facêra do lugá. 
O páe, o Antônio Preá, 
jurava que ela cumigo 
nunca havéra de casá. 

A mãe, a vó, a madrinha, 
o seu capitão Penido, 
o páe de todo o sertão, 
tudo já tinha pidido!... 
E sêmpe o véio, danado, 
dizendo: — Não dêxo, não! 

Um dia... (Era o mês de Maio!) 
a mãezinha da piquena, 
que tinha um bom coração, 
disse a nós que nós fizesse, 
de juêio, uma prémessa 
pró milagroso São João. 

Apois bem. Dito prú dito, 
Juaninha, róbando o santo 
do oratóro da mãezinha, 
cum o santo iscundido, às pressa, 
lá foi se incontrá cumigo 
imbáxo d’uma jaquêra, 
adonde nós ajustêmo 
prá si fazê a prémessa! 

Entonce, os dois, ajuêiado, 
bêjanto o santo infeitado, 
tudo que ao Santo eu dizia 
a Juaninha arrêpitia. 

E foi ansim a prémessa 
que ambos os dois nós fazia! 

“São João!... São João!... São Joãozinho!. 
Se um dia o véio Preá, 
dexá nós dois se casá, 
nós dois irêmo, juntinho, 
no teu dia abençuado, 
a prêmêra missa uví, 
a missa da manhãzinha, 
no Arraiá, lá na Ingrejinha, 
a duas légua daqui . ” 

Nós acabêmo a prémessa, 
chorando de coração! 

Juaninha iscondeu o santo 
prú báxo do cabeção! 

E foi correndo... E já táva 
munto pertinho de casa, 
quando deu um grito, um ai, 
vendo no arpende da choça, 
o Antônio Preá — o pae! 

Isfiapando as barba branca, 
cum os cabelo arripiado, 
o véio táva azougado, 
c’uma açoutêra na mão! 

Mas porém vendo a bichinha 
cum aquela image sagrada 
purriba do coração, 
istacou... ficou banzêro!... 
Mansinho, cumo um cordero!... 
Sem quage pude falá! 

Despois, sungando a açoutêra 
prá menina iscurraçá, 
quando quis baxá o braço, 
ficou cum o braço no á! 

A mãezinha de Juaninha, 
que vinha lá da cacimba, 
vendo o pobre do Preá 
e a sua fia a gritá... 
foi mêmo quando se bóta 
água fria na frevura! 

Puxando o braço do véio, 
e fazendo uma oração, 
o véio arriava o braço, 
dizendo, entonce, despois, 
que abençuava nós dois, 
im nome de São João! 

_________ 

Tendo sabido de tudo, 
ao despois daquele dia, 
o seu Preá premitía 
que nós fizesse a viage, 
a viage de duas légua, 
prá cumpri nossa prémessa, 
só, nós dois, sem mais ninguém! 

Quando a gente se quê bem, 
o santo protege o amô! 



Vinte e três do mês de Junho, 
a vespra do grande santo, 
filiz e bela chegou! 

A noite daquele dia 
parece que madrugou!... 
Apois o dia, quetinho, 
ia morrendo, morrendo, 
cumo morre um passarinho. 

O dia vinha findando, 
quando eu me puz im caminho 
prá casinha de Juaninha, 
a minha santa noivinha, 
que já táva me isperando 
im báxo d’um cabuí, 
cum um vistido todo novo, 
todo gamenho e da cô 
das pena do sibirí. 

Cum uma frô de tajujá 
nos seus cabelo istrelada, 
e uma chinela arrendada, 
prontinha prá viajá, 
táva bunita e pachola, 
chêrando mêmo a nuvía, 
que não saiu do currá. 

Entonce, os dois, eu e ela, 
tomando a benção dos véio, 
saimo naquela hora, 
cum a noitinha, istrada a fóra. 

No céu, de todos os canto, 
prá festa do grande Santo 
que bautisou, lá, n’um rio, 
o Fio de Deus, seu Fio, 
que foi chamado Jesus, 
vinha saindo as istrêla, 
cumo um bandão de frumiga, 
um frumiguêro de luz! 

Havia festa no céo! 

Nenhuma istrêla prá festa 
tinha fartado!... Nenhuma! 

A lua vinha lavando 
o argudão branco das nuve, 
cumo uma bola de iscuma! 

E ôiando a lua e as istrela, 
a gente foi caminhando! 

Quando cheguêmo na ponte 
chamada — As cinco Manguêra — 
vimo a prêmêra fuguêra, 
que ispaiava uma puêra 
de sangue vivo e vremêio, 
cumo as fruta do café! 

Na sôdade dos gimido 
das prima, sêmpe maguada, 
já nós uvía da istrada 
esta sôdosa tuada, 
no samba do Catolé. 

CANTO 1.° 

“Vamo, vamo, minha gente, 
toca a ri, toca a sambá! 
São João gosta da gente 
prá seu dia festejá!” 

CORO 

— Aruhê! Aruhá!... 
— Prá seu dia festejá!... 

CANTO 2.° 

“Esta noite tá chêrando, 
cumo um jasmim generá! 
Cumo é gostoso um abraço 
n’uma noite de luá!” 

CORO 

Aruhê!... Aruhá!... 
N’uma noite de luá. 

.................... 
.................... 

E nós fumo caminhando!... 
Caminhando!... Mas porém, 
quando a gente si assumia 
n’um cutuvelo da istrada, 
outra fuguêra assanhada, 
cô da pele das cabôca, 
ardia na incruziada! 

E ansim, naquele papougo, 
alevantando prás nuve 
o seu penacho de fogo, 
inluminando o arvoredo, 
todo o mato do sertão, 
parece inté que quiria 
quêmá toda a mataria, 
im louvô de São João! 

Era a fuguêra mais grande 
da casa do capitão. 

Im roda do fugaréo, 
os moço, as moça, as famía, 
d’um lado e d’outro curria, 
imquanto lá, no terrêro, 
imbaxo d’uma latada, 
o capitão e os mais véio 
cumía batata assada, 
cana doce, macachêra, 
e o mio verde, que chêra, 
cumo o chêroso aluá! 

Nas água d’uma bacia, 
as moça a cara ispiava, 
prá sabe si no outro ano 
o Santo ainda dêxava 
sua festa festejá! 

Quebrando as outra a quilára 
d’um ovo, n’um copo d’agua, 
quiría sabê si a sorte 
li dava o noivo da morte, 
ou um noivo de si casá. 

Um bando de sertanejo, 
cum as viola toda infeitada, 
prá festa do seu Penido 
passava lá pula istrada, 
cantando uns canto tão lindo, 
que fez a gente apará! 

Era o Chico Cambaxirra, 
o namorado da Quima, 
que ia na frente, a cantá. 

CORO 

“Adeus, Quima, adeus, Quima!... 
Vou toda a noite 
gemê na prima!" 

CANTO 

“Tu foi prá festa 
Do Zé Biribita, 
toda vistida de novo e bunita! 

Ai, quem me dera, 
meu bem, ladrãozinho, 
que eu fosse as fita 
do teu vistidinho! 

Si arguem quizé 
sambá cumtigo, 
pensa im mim!... 
Não samba, não! 

óia, si tu quebra a prémessa, 
te castiga São João!” 

.................... 
.................... 
.................... 

Nós passêmo pula casa 
do capitão, iscundido, 
apois, se ele visse a gente, 
seria entonce percizo 
eu li contá todo o causo, 
há dois mês assucidido. 

Quando písêmo a varjóta, 
o quilarão da fuguêra, 
que já ia si assumindo, 
foi pouco a pouco... foi indo... 
inté que infim... si apagou. 

Lá, na quebrada da serra, 
um galo cocoricou! 

E a gente foi caminhando!... 

Mas porém o sete istrelo 
lá no céo táva briando. 

Despois de passá no acêro, 
mais a chapada e os grotão, 
vímo uma choça e um brazêro, 
e um hôme, só, na viola 
cantando estes pé de verso, 
cheio de amô e paxão. 

A casinha era tão triste, 
mas porém limpinha e bela! 

Se a Sôdade tem morada, 
deve morá n’uma casa, 
só e triste, cumo aquela! 

E o hôme dizia ansim: — 

CANTO 

“Levei três mês iscavando 
uma cacimba bem funda, 
prá meu roçado móiá! 
Mas porém, já tão cansado, 
prú mais que a terra iscavasse, 
não achei d’água siná! 

Há munto tempo, cabôca, 
cum a inxada da minha magua, 
eu cavo im teu coração, 
im teu coração tão seco, 
que não dá um pingo d’agua, 
nem um só, prú cumpaxão! 

Há munto tempo o roçado 
já morreu isturricado! 
Já não sabe o que é pena! 
E a minha dô inda cava 
na cacimba do teu peito... 
E continua a cavá!” 

E lá ficou saluçando 
na viola, à puntiá! 

Ainda agora eu jurava 
que o hôme que ansim cantava, 
era a Sôdade a cantá! 

_________ 

Eu caminhava, assuntando 
naquelas coisa que o hôme 
táva ali, triste, cantando, 
quando, chegando na Ponta 
da Pedra, im Santa Luzia, 
outra fuguêra indiabrada, 
roxa, cumo as madrugada, 
fogo e fumaça cuspia, 
e já de longe se uvia 
o baticum do xerêm, 
do coco e do miudinho, 
no meio da gritaria! 

As parma agora istralava 
e os hôme e as muié gritava: - 
— Olá!... Olé! Olarí! 
— Cala a boca, minha gente! 
— Vai canta o Bemteví. — 

Bemtevi era um cafuzo 
que veio de Pernambuco, 
e andava meio maluco, 
despois que a Juana dos Pato 
prú via dele morreu. 

As língua toda dizia 
que o cabra sussúárána, 
prú via lá d’uma cêra, 
tinha matado a Juana, 
e, despois, indoideceu! 

Só cantava esta tuáda 
— o canto do bemteví — 
que eu vou dizê, mas porém 
não sei si já me isquici. 

CORO 

Gentes, eu vou me imbora! 
Eu já não posso mais, não! 
— É só prú via d’um passo. 
— que eu me vou cá do sertão. 
Ah! Ah! Ah! Não se ria, não! — 

CANTO 

“Já não posso nos caminho 
vê uma muié passá, 
que esse cabra, sem vregonha, 
não pegue logo a gritá! 
Ih! Ih! 
Oh, que marvado bemteví!" 

CORO 

— Gentes, eu vou me ímbora etc. — 

CANTO 

“Bem me disse, siturdia, 
a Josefa Caprimbú 
que essa pásso era afiádo 
de curuja e de aribú! 
Eh! Eh! 
Quem é que pôde me valê!” 

CORO 

- Gentes etc. — 

CANTO 

“Mariquinha Bruzundanga 
bem me disse e eu creditei, 
que esse passo era o isprito 
da muié, que iscurracei!” 
Ah!... Ah!... Ah!... 
Pode sê!... 
Quem sabe lá! 

CORO 

— Gentes etc. — 

CANTO 

Trazantônte eu isperava 
Miquilina Cumzambê, 
iscundido lá nos mato, 
prá um segredo li dizê! 
Ih!... Ih!... 
Lá suviava o bemteví! 

CORO 

— Gentes etc. — 

CANTO 

Quando um tiro bem certêro 
te joga mêmo no chão, 
eu entonce hei de dizê 
te isfrangaiando o coração! 
Ri!... Ri!... Ri!... 
Disgraçado bemtevi! 

CORO 

— Gentes etc. — 

_________ 

E as parma istralou de novo 
e era um barúio inferná! 
O istralado da fuguêra, 
que era feita das madêra 
mais dura de si quêmá!... 
O bate boca dos hôme 
e das muié, que um instantinho 
não cessava de falá!... 
E mais os grito, a chalaça!... 
A manduréba!... A cachaça!... 
E o chêrinho das cabôca... 
E o ôrôma do macassá!... 

Era um barúio inferná! 

Dois cabra que tinha vindo 
de longe e que era mais duro 
que o tronco das carnaúba, 
ia agora si isbarrá! 

Era o grande disafio 
do Bastião Bacatuba 
e do Pedro Sabiá! 

Era um barúio inferná! 

As cabôca mais bunita 
dizia que o Bacatuba 
tinha um chamego istourado 
pula cabôca Jovita! 

Mas porém ninguém sabia, 
prá si falá cum verdade, 
quá dos dois ela quiria. 

Essa muié tanjúra 
era uma frô da sôdade, 
mas porém que só si abria 
im riba das sipurtura. 

Despois é que eu me alembrei 
que ali morava a tapuia 
mais bunita e mais fermosa 
daquelas banda, chamada: — 
Jovita Boca de Rosa. 

_________ 

Sarafina Bêja-Frô, 
Reimundinha das Inháca, 
Girtrude do Zé dos Côvo, 
a Mariquinha Macaca, 
Vitóca, Chica Bemvinda, 
Maria da Cunceição, 
Lolóca, frô das viola... 
Quitéra dos Maracá... 
imquanto um bando gritava: — 
Viva! Viva o Bacatuba! 
Logo o outro arrespundia: - 
Viva o Pedro Sabiá! 

Seu Bacatuba — o facêro — 
entonce cantou prêmêro: 

DESAFIO 

Bacatuba: 

Minha viola morena 
é uma gaiola de pinho, 
adonde canta e saluça 
tudo quanto é passarinho! 

Sabiá: 

Toda viola foi árve, 
que o machado derribou! 
Prú via disso ela canta 
o que dos pásso iscutou. 

Bacatuba: 

Isso é mintira, seu Pedro! 
Vassuncê é um bôbaião! 
A viola só acumpanha! 
Quem chora é o meu coração! 

Sabiá: 

Eu arripito, sem medo, 
que a viola, sim, sinhô, 
já foi árve e agora canta 
o que dos pásso iscutou. 

Bacatuba: 

Sem os dedo, que nas corda 
sabe gemê cum carinho, 
que seria da viola?! 
Gaiola sem passarinho! 

Sabiá: 

Seu Bacatuba, um violêro, 
cumo é tu, que eu não sei, não, 
não martráta uma viola, 
que tem arma e coração. 

Bacatuba: 

Si eu martratasse a viola, 
inda tinha duas mão, 
prá pidí perdão às corda, 
fazendo a minha oração. 

Sabiá: 

Eu amo tanto a viola, 
minha dó, minha aligria, 
cumo adoro, rezo e canto 
à Santa Virge Maria! 

Bacatuba: 

A viola que eu mais adoro, 
a mais férmosa que eu vi, 
é um diabo que veste saia, 
e não tá longe d’aqui! 

Sabiá: 

Cabôco, si tu é hôme, 
cospe fora e abre a boca, 
prá dizê cumo si chama 
o nome dessa cabôca. 

Bacatuba: 

Seu cabra, eu não tenho medo 
da cobra mais venenosa! 
Essa cabôca si chama: — 
Jovita Boca de Rosa... 

.................... 

Quando o cabra disse o nome 
da cabôca mais quirida, 
mais fermosa do sertão, 
se apagou-se os candiêro!... 
Virou tudo n’um sarcêro!... 
Foi tudo dos pé prás mão! 

E entonce foi cacetada!... 
E foi cabeça quebrada! 

Gemeu a faca de arrasto 
e a paruaíba matrêra, 
que nós dois, numa carrêra, 
fugímo logo d’ali, 
prá discansá, lá, distante, 
n’um campo de mata-pasto, 
imbaxo d’um imbuí! 

Naquela sombra da noite, 
só se uvía a quéda d’agua 
dispencando do penedo, 
contando ás fôia dos mato 
a históra da sua magua, 
no sangue branco das água, 
que era o sangue do rochedo. 

Ali, imquanto, assentado, 
eu uvía a gargaiada 
das água, que não si via, 
e Juaninha, inda cansada, 
do sarcêro lá do samba 
ria, ria, ria, ria, 
o nosso amô, cumo um fruto, 
no peito amadurecia! 

Quanto tempo nós tivêmo 
uvíndo a musga chorosa 
dos matagá, que gimia! 

Mas porém era perciso 
saí daquela parage, 
prá gente chegá mais cêdo 
no fim da nossa viage! 

_________ 

Depois de mais de uma hora 
d’outra boa caminhada, 
quando a gente ia trócêndo, 
prá caí n’uma baxáda... 
ânte de intrá pula istrada 
de terra seca e areosa, 
outra fuguêra bunita, 
que paricia uma rosa, 
si abria n’uma istralada. 

Os cabôco e as cabôquinha, 
apostando na carrêra, 
sartava dos quatro lado, 
fazendo cruz na fuguêra. 

Um tropêro acachimbado, 
cum as barba cô de timbó, 
um cabra distabócado, 
cum os óio, cumo socó, 
um comboêro sestroso, 
cum um nariz incurujado, 
tocando o pife, o zabumba, 
e gemendo no ganzá, 
era os três musgo da festa, 
prós cunvidado sambá. 

São João im riba da mesa, 
n’uma montanha de frô, 
paricia tá gostando 
de vê o samba isquentando, 
e uví estes pé de verso, 
que cantava um cantadô. 

Era um cabra apaxonado, 
cum uma viola abraçado, 
cantando quáge chorando, 
vendo a cabôca sambando, 
vendo sambando a Lionô! 

CANTO 

“Ai,tem pena do pobre, 
Lionô, 
do meu coração, 
Lionô!... 
que cum tantas pena, Lionô, 
não avôa, não, Lionô, 
que cum tantas pena, Lionô, 
não avôa, não, Lionô!... 

_________ 

Dança, dança, cabôca, Lionô! 
Não apára, não, Lionô! 
Si tu tem piádade, Lionô!... 
do meu coração!... Lionô! 
É S. João quem pede, 
Lionô, 
pula Virge Cunceição!... 
E eu te peço pulo amô, 
pulo amô de São João! 

_________ 

Todo o passo avôa, 
Lionô, 
cá no teu e meu sertão!... 
Pruquê não avôa, Lionô, 
esse pásso — o Coração?! 
Prá quê tantas pena, Lionô?! 
Tantas pena, im vão?... 
Lionô! 
Pruquê não avôa, Lionô, 
esse pásso — o coração?! 

_________ 

Mas porém... apára!... 
Ai, não dança, minha frô! 
Não machuca a minha dó!... 
Dêxa o coração im paz!... 
Dêxa o coração im paz! 
Mas porém... Requebra mais!... 
Lionô! 
Lionô!” 

.................... 

No coração do cabôco, 
que supricava a Láonô, 
eu via o que ninguém via: 
— outra fuguêra que ardia, 
e era a fuguêra do Amô! 
Sim!... A fuguêra do Amô! 

Pruque, longe, munto longe, 
vremêia, cumo a rumã, 
lá, im riba da montanha, 
na hora im que o Só nacia, 
a mão de Deos acindia 
a fuguêra da minhã! 

Juaninha me catucando, 
me disse entonce: “Juanico, 
é percizo andá de pressa!... 
óia a premessa, a premessa!” 

E a gente apressêmo o passo! 
E a gente andemo depréssa! 

Apois, linda e bunitinha, 
já se inxergava a Ingrêjinha, 
adonde filiz nós vinha, 
prá crumprí nossa promessa! 

O Só, férmoso e tão lindo, 
cumo uma lua de fogo, 
ia assubindo!... assubindo! 

Um ventozinho mimoso, 
nas mata verde bulindo, 
passava todo chêrôso, 
as fôia sêca das árve 
pulos campo sacudindo!... 
Fazendo as fôia das árve 
dançá na istrada o xerêm, 
cumo se aquele ventinho 
fosse brincando prá ingrêja 
uví a missa tombém! 

Que ventozinho tão lindo! 

E o Só, mais mêno vremêio, 
ia assubindo... assubindo! 

Mas porém, nós impaquêmo, 
prá um disafio iscutá 
de dois cabra tupetudo, 
que se danava a cantá! 

Um, nos gaio da aruêra, 
outro, n’uma laranjêra, 
e um cabra era o pintasirgo, 
e outro cabra o sabiá. 

Só prá uví o disafio 
dos dois pásso famanado, 
o rio táva aparado, 
sem uma arruga, que, inté, 
paricía de tão branco, 
entre o verdô das foiáge, 
— uma fôia de papé. 

Mais adiente, um riachinho, 
um rio piquinininho, 
vinha correndo, aos pulínho, 
cheio de amô e tristeza, 
sartando, de quando im quando, 
fazendo renda nas pedra 
e disfraçando a pobreza! 

Quantas fulô piquinina 
ria prá gente iscundida 
entre o verdô das campina! 

Quando um hôme do sertão, 
passando, vê uma frô, 
não panha a fulô cum a mão! 
Apára e, despois, siguindo, 
leva a frô no pensamento 
e o ôrôma no coração! 

Era impussive, despois, 
dizê as vez que nós dois 
tinha aparado prá vê: 
duas rolinha dengosa 
pulas pedrinha a corrê!... 
Uma graúna!... um xenxéu! 
Um azulão, que parece 
que tinha manchado as pena 
nas nuve azú lá do céo! 

Um cancão!... Um guanumbi!... 
Um bando de juruti!... 
Um tiê-sangue!... Uma chóca!... 
As inhambú!... As piaçóca!... 
Um xofrêu!... Mais um vim-vim!... 
Um cara-suja, bebendo 
o sereno do capim!... 
Mais um galo de campina!... 
E tanta coisa divina!... 
Um carro de boi cantando, 
e os boiadêro gritando: — 
“Vamo! Vamo, Lapiado! 
Istrela!... Toma cuidado!... 
Dêxa o capim, Bêja Frô!...” 

E outras tanta maravia 
daquele nacê do dia!... 
Daquela minhã de amô! 

Pulas arêia da istrada, 
cum as cara toda impuêrada 
de toda a noite sambá, 
um dispotismo de gente, 
cum os tapiruca na frente, 
vinha imbolando, a cantá! 

CANTO 

“Lá no azú do céo 
tanta luz brotou! 
Minha istrela d’arva 
já se apagou! 

Vem nacendo o dia 
cum tanto amô! 
São João naceu, 
cumo um pé de frô!...” 

.................... 
.................... 
.................... 

N’isto, um bando de fuguête 
as nuve do céu furava, 
e o sino lá da capela, 
cumo um doido, xocaiava, 
imquanto um bandão de gente, 
que era a gente sertaneja, 
gritando o nome do santo 
e acumpanhando uma musga, 
vinha saindo da ingrêja! 

Juaninha, cumo eu, curpada, 
tapando os óio, baxinho 
me xingando, invregonhada, 
se assentou-se, saluçando, 
n’uma pedra do caminho! 

Prú via de tanta festa, 
de tanta musga e fuguêra, 
que fez nós dois se atrazá, 
nós não cumprimo a premessa 
do Santinho, tão quirido, 
apois nós tinha perdido 
a missa da minhãzinha, 
na Ingrejinha do Arraiá! 

Juaninha entonce chorava, 
me xingando cum carinho, 
assentada, saluçando, 
lá na pedra do caminho! 

Vendo a bichinha chorando, 
eu sinti munta aligria! 
Criança que nace e chora, 
é criança que tá sadia! 
Entonce eu disse: Juaninha!... 
Tem fé no Santo!... De juêio, 
pede cumigo perdão! 

E ela chorava!... chorava!... 
E os dois óio, cheio d’agua, 
era duas cacimbinha, 
quando chove no verão! 

Foi quando nós ajuêiemo 
prá fazê nossa oração! 

Meu Santo! Pru caridade! 
Tem compaxão! Tem piadade! 
Não castiga a gente, não! 
Tua noite é tão bunita, 
que inté a gente se isquece 
das suas obrigação!” 

Apois, no Rêno Sagrado, 
Nosso Sinhô Jesú Cristo 
prá sêmpe séje alouvado! 

.................... 
.................... 

Quando nós dois, ajuêiado, 
cumo quem faz cunfissão, 
óiando pró céo, chorando, 
rezando, cum fé rezando, 
pidía ao Santo perdão, 
a gente viu, munto longe, 
lá prás banda do nacente, 
o Santo rindo prá gente, 
cum um carnêrinho na mão!


Catulo da Paixão Cearense sexta, 08 de junho de 2018

A MÚSICA DO MORTO (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

 

 

A MÚSICA DO MORTO

Catulo da Paisxão Cearense

 

Eu vinha do sertão e era o meu guia
um caboclo de gestos altaneiros,
que, segundo ele próprio me dizia,
era a flor dos mais célebres gaiteiros.

Ao passo dos cavalos madraceiros,
a história passional me referia
do seu mestre de canto e de harmonia,
que foi sempre o primeiro entre os primeiros.

O gaiteiro, o seu mestre bem amado,
tinha sido atrozmente desprezado
pela mulher mais linda do sertão.

Fazia muito tempo que morrera,
e a gaita divinal emudecera,
como emudece a voz de um coração.

II

Era uma noite astral de primavera!
Noite aromal, de rústica pureza,
e tão cheia de luz que se dissera
que era a Festa Natal da Natureza.

A serra em que eu nasci, lá, bem distante,
se sumia tão meiga e tão veloz!
No caminhar, pausado mas constante,
nós fugíamos dela e ela, de nós!

Ao sol do meu sertão, que a terra incrua,
já tinha dito adeus, no fim do dia!
Mas o sol, que se foi, deixou-me a lua,
que é o sol argênteo da Melancolia.

O caboclo falava do seu mestre,
sem guardar um momento, um só, de tréguas,
e entre o verdor do matagal silvestre
nós já tinhamos feito bem seis léguas.

De repente, avistei à luz nevada
do clarão do luar, suave e etéreo,
os braços de uma cruz, meio inclinada,
como o emblema feral d’um cemiterio.

Saltando para o chão, rapidamente,
com a mão esquerda as rédeas segurando,
com a direita, n’um gesto reverente,
o caboclo me disse, a cruz mostrando : —

«Patrão! Pequena pausa permiti!
Não vos molestareis, certo, comigo!...
N’um grabato de terra dorme ali
meu grande mestre!... o meu saudoso amigo!

Era um belo rapaz! Era um portento!
Pois que ninguém, ninguém melhor sabia
tirar, como ele, um som neste instrumento,
com mais amor, mais arte e melodia.

Não passo por aqui, sem que, primeiro,
soluce, nesta gaita dolorida,
este canto de amor, o derradeiro,
que ele fez pra mulher, que amou na vida.»

E a gaita dedilhando, ali, de bruços,
gemeu, com tanta mágoa, que é de crer
que o finado, escutando os seus soluços,
despertasse e chorasse de prazer!

Porque a voz do instrumento apaixonado
de longe para nós repercutia,
com o se o morto, o mestre idolatrado
respondesse da campa em que dormia.

E a galope partimos pela estrada!
mas, no deserto da amplidão sonora,
por muito tempo, ainda, ouvi, magoada,
a voz da gaita, pela noite a fora.

A lua, em que o sertão todo se espelha,
tramontava no albor da extrema-unção,
como tramonta uma saudade velha
no horizonte sem fim do coração.

Minh'alma;... que por ti soluça e chora
o fel de um pranto ardente e delirante,
inda agora repete, a todo o instante,
estes versos que eu vou dizer-te agora.

— Aquela voz monótona e chorona
da gaita do gaiteiro, dolorida,
era tal qual essa outra voz sentida
do humano coração, que é uma sanfona,
e vive, — quando o Amor, triste, o abandona,
quando a Esperança morre, emurchecida,
proseguindo o seu longo itinerário,
no deserto do peito, solitário,
— a sanfonar a musica da vida.

 


Catulo da Paixão Cearense terça, 29 de maio de 2018

A FLOR DO MARACUJÁ (POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

 

 

A FLOR DO MARACUJÁ

Catulo da Paixão Cearense

 

Encontrando-me com um sertanejo,

Perto de um pé de maracujá,

Eu lhe perguntei:

Diga-me uma coisa, meu caro sertanejo,

Por que razão nasce roxa,

A flor do maracujá?

 

E ele me respondeu:

 

Ah, pois então eu lhi conto,

A estória que ouvi contá,

A razão pro que nasci branca i roxa,

A frô do maracujá.

 

Maracujá já foi branco,

Eu posso inté lhe ajurá,

Mais branco qui a caridadi,

Mais brando do que o luá.

 

Quando as frô brotava nele,

Lá pros cunfim do sertão,

Maracujá parecia,

Um ninho de argodão.

 

Mas um dia, há muito tempo,

Num meis que inté num mi alembro,

Si foi maio, si foi junho,

Si foi janeiro ou dezembro.

 

Nosso Sinhô Jesus Cristo,

Foi condenado a morrê,

Numa cruis crucificado,

Longe daqui como o quê,

 

E havia junto da cruis,

Aos pé de Nosso Sinhô,

Um pé de maracujá,

Carregadinho de frô.

 

Pregaro cristo a martelo,

E ao vê tamanha crueza,

A natureza inteirinha,

Pois-se a chorá di tristeza.

 

Chorava o vendo nus campu,

As foia, as ribeira,

Sabiá tamém chorava,

Nos gaio a laranjera,

 

E o sangue de Jesus Cristo,

Sangui pisado de dô,

Nu pé de maracujá,

Tingia todas as frô,

 

E foi pur isso, seu moço

Qui as frozinha ao pé da cruz

Ficaro roxa tamém

Cumo as chaga de Jesus.

 

Apois então lhe contei,

A estória que eu ouvi contá,

A razão pro que nasce roxa

A frô do maracujá.


Catulo da Paixão Cearense segunda, 16 de janeiro de 2017

QUEBREI A JURA, MÚSICA DE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE, COM O GRUPO DE SERESTA JOÃO CHAVES


Catulo da Paixão Cearense quarta, 04 de janeiro de 2017

ONTEM AO LUAR, CANÇÃO DO MARANHENSE CATULO, NA VOZ DE PAULO TAPAJÓS

 


Catulo da Paixão Cearense sábado, 24 de dezembro de 2016

TALENTO E FORMOSURA, CANÇÃO DE CATULO, COM PAULO TAPAJÓS

Talento e Formosura, canção de Catulo, canta Paulo Tapajós:

 

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Catulo da Paixão Cearense segunda, 19 de dezembro de 2016

CABÔCA DI CAXANGÁ, TOADA DE CATULO E JOÃO PERNAMBUCO, COM PAULO TAPAJÓS

Cabôca di Caxngá, toada de Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco, na voz de Paulo Tapajós:

 


Catulo da Paixão Cearense terça, 13 de dezembro de 2016

RECORDA-TE DE MIM. CANÇÃO DE CATULO, NA VOZ DE PAULO TAPAJÓS

 


Catulo da Paixão Cearense domingo, 11 de dezembro de 2016

ONTEM AO LUAR, POEMA DE CATULO, MÚSICA DE PEDRO DE ALCÂNTARA, CANTA FAFÁ DE BELÉM


Catulo da Paixão Cearense sábado, 10 de dezembro de 2016

UM BOÊMIO NO CÉU, TEXTO DE CATULO, INTERPRETAÇÃO DE JOSÉ MAYER


Catulo da Paixão Cearense terça, 29 de novembro de 2016

UM BOÊMIO NO CÉU - POEMA NA VOZ DE ROLANDO BOLDRIN


Catulo da Paixão Cearense sábado, 19 de novembro de 2016

A FLOR DO MARACUJÁ, POEMA DE CATULO, NA VOZ DE ROLANDO BOLDRIN

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Catulo da Paixão Cearense terça, 15 de novembro de 2016

O LENHADOR, POEMA DE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE, NA VOZ DE ROLANDO BOLDRIN

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Catulo da Paixão Cearense sexta, 11 de novembro de 2016

RESPOSTA DO JECA TATU - POEMA DO MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE, NA VOZ DE ROLANDO BOLDRIN


Catulo da Paixão Cearense segunda, 07 de novembro de 2016

CHICO VIOLA, POEMA DE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE, NA VOZ DE ROLANDO BOLDRIN


Catulo da Paixão Cearense quinta, 03 de novembro de 2016

CORAÇÃO DE MANUÉ SECO, DE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE, NA INTERPRETAÇÃO DE ROLANDO BOLDRIN


Catulo da Paixão Cearense sábado, 08 de outubro de 2016

LUAR DO SERTÃO - CATULO DA PAIXÃO CEARENSE

LUAR DO SERTÃO - CATULO DA PAIXÃO

Raimundo Floriano

 

 

                        Catulo da Paixão Cearense é o maior astro no cenário seresteiro do Maranhão e do Brasil! Não há seresta, em qualquer rincão pátrio, que não seja cantada, pelo menos, uma de suas composições! Luar do Sertão é o Hino Nacional Sertanejo Brasileiro!

 

                        Catulo nasceu em São Luís (MA), no dia 8 de outubro de 1863, e faleceu no Rio de Janeiro (RJ), a 10 de maio de 1946) aos 82 anos de idade. Foi um poeta, escritor, músico e compositor. A data de nascimento foi por muito tempo considerada dia 31 de janeiro de 1866, pois a data original fora modificada para que Catulo pudesse ser nomeado para o serviço público. Era filho de Amâncio José Paixão Cearense, natural do Ceará, e Maria Celestina Braga, natural do Maranhão.

 

                        Mudou-se para o Rio em 1880, aos 17 anos, com a família, trabalhando, inicialmente, como relojoeiro. Conheceu vários chorões da época, como Anacleto de Medeiros e Viriato Figueira da Silva, quando se iniciou na música. Integrado nos meios boêmios da cidade, associou-se ao livreiro Pedro da Silva Quaresma, proprietário da Livraria do Povo, que passou a editar, em folhetos de cordel, o repertório de modismos da época.

 

                        Catulo, então, passou a organizar coletâneas, entre elas O Cantor Fluminense e O Cancioneiro Popular, além de obras próprias. Vivia despreocupado, pois era boêmio, e morreu na pobreza.

 

                        Em algumas composições teve a colaboração de alguns parceiros na parte musical, como: Anacleto de Medeiros, Ernesto Nazareth, Chiquinha Gonzaga, Francisco Braga e outros.

 

                        Suas mais famosas composições são Luar do Sertão, em parceria com João Pernambuco, de 1914, e a letra para Flor Amorosa, cuja melodia havia sido composta por Joaquim Antônio da Silva Callado em 1867.

 

                        Catulo foi o responsável pela reabilitação do violão nos salões da alta sociedade carioca, até então característico dos boêmios, malandros e assemelhados da noite carioca.

 

                        Possuo em meu cervo cultural a obra completa desse excepcional conterrâneo. Aos poucos, sempre que a ocasião se fizer propícia, reproduzirei neste Almanaque algo de sua criação, para que todos tenham conhecimento de sua maravilhosa genialidade.

 

Por ora, começarei reproduzindo aqui a um pouco do que lhes falei

 

                            Do livro acima, garimpei seu mais lindo e conhecido poema.

 

LUAR DO SERTÃO

 

Oh, que saudade do luar da minha terra

Lá na serra branquejando, folhas secas pelo chão

Este luar cá da cidade tão escuro

Não tem aquela saudade do luar lá do sertão

 

Não há, oh gente, oh não,

Luar como este do sertão!

Não há, oh gente, oh não,

Luar como este do sertão!

 

Se a lua nasce por detrás da verde mata

Mais parece um sol de prata prateando a solidão

A gente pega na viola que ponteia

E a canção é a lua cheia a nos nascer no coração

 

Não há, oh gente, oh não,

Luar como este do sertão!

Não há, oh gente, oh não,

Luar como este do sertão!

 

Coisa mais bela neste mundo não existe

Do que ouvir-se um galo triste, no sertão, se faz luar

Parece até que a alma da lua é que descanta

Escondida na garganta desse galo a soluçar

 

Não há, oh gente, oh não,

Luar como este do sertão!

Não há, oh gente, oh não,

Luar como este do sertão!

 

Ai, quem me dera que eu morresse lá na serra

Abraçado à minha terra e dormindo de uma vez

Ser enterrado numa grota pequenina

Onde à tarde a sururina chora a sua viuvez

 

 

                       

 

 

 

                        E, desse dois LPs, estas lindas peças seresteiras, todas na voz do cantor Paulo Tapajós:

 

                        Luar do Sertão, toada de Catulo e Joaquim Antônio da Silva Callado:

 

 

                        Flor Amorosa, maxixe de Catulo e Joaquim Antônio da Silva Callado:

 

 

                        Ontem ao Luar, canção de Catulo e Pedro de Alcântara:

 

 

                        Caboca di Caxangá, toada de Catulo da Paixão Cearense:

 

 

                        Talento e Formosura, canção, de Catulo e Edmundo Octávio Ferreira:

 

 

 

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