Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Catulo da Paixão Cearense quinta, 21 de junho de 2018

A PROMESSA (POEMA O MARANHENSE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE)

A PROMESSA

Catulo da Paixão Cearense

 

A Juaninha era a morena 
mais facêra do lugá. 
O páe, o Antônio Preá, 
jurava que ela cumigo 
nunca havéra de casá. 

A mãe, a vó, a madrinha, 
o seu capitão Penido, 
o páe de todo o sertão, 
tudo já tinha pidido!... 
E sêmpe o véio, danado, 
dizendo: — Não dêxo, não! 

Um dia... (Era o mês de Maio!) 
a mãezinha da piquena, 
que tinha um bom coração, 
disse a nós que nós fizesse, 
de juêio, uma prémessa 
pró milagroso São João. 

Apois bem. Dito prú dito, 
Juaninha, róbando o santo 
do oratóro da mãezinha, 
cum o santo iscundido, às pressa, 
lá foi se incontrá cumigo 
imbáxo d’uma jaquêra, 
adonde nós ajustêmo 
prá si fazê a prémessa! 

Entonce, os dois, ajuêiado, 
bêjanto o santo infeitado, 
tudo que ao Santo eu dizia 
a Juaninha arrêpitia. 

E foi ansim a prémessa 
que ambos os dois nós fazia! 

“São João!... São João!... São Joãozinho!. 
Se um dia o véio Preá, 
dexá nós dois se casá, 
nós dois irêmo, juntinho, 
no teu dia abençuado, 
a prêmêra missa uví, 
a missa da manhãzinha, 
no Arraiá, lá na Ingrejinha, 
a duas légua daqui . ” 

Nós acabêmo a prémessa, 
chorando de coração! 

Juaninha iscondeu o santo 
prú báxo do cabeção! 

E foi correndo... E já táva 
munto pertinho de casa, 
quando deu um grito, um ai, 
vendo no arpende da choça, 
o Antônio Preá — o pae! 

Isfiapando as barba branca, 
cum os cabelo arripiado, 
o véio táva azougado, 
c’uma açoutêra na mão! 

Mas porém vendo a bichinha 
cum aquela image sagrada 
purriba do coração, 
istacou... ficou banzêro!... 
Mansinho, cumo um cordero!... 
Sem quage pude falá! 

Despois, sungando a açoutêra 
prá menina iscurraçá, 
quando quis baxá o braço, 
ficou cum o braço no á! 

A mãezinha de Juaninha, 
que vinha lá da cacimba, 
vendo o pobre do Preá 
e a sua fia a gritá... 
foi mêmo quando se bóta 
água fria na frevura! 

Puxando o braço do véio, 
e fazendo uma oração, 
o véio arriava o braço, 
dizendo, entonce, despois, 
que abençuava nós dois, 
im nome de São João! 

_________ 

Tendo sabido de tudo, 
ao despois daquele dia, 
o seu Preá premitía 
que nós fizesse a viage, 
a viage de duas légua, 
prá cumpri nossa prémessa, 
só, nós dois, sem mais ninguém! 

Quando a gente se quê bem, 
o santo protege o amô! 



Vinte e três do mês de Junho, 
a vespra do grande santo, 
filiz e bela chegou! 

A noite daquele dia 
parece que madrugou!... 
Apois o dia, quetinho, 
ia morrendo, morrendo, 
cumo morre um passarinho. 

O dia vinha findando, 
quando eu me puz im caminho 
prá casinha de Juaninha, 
a minha santa noivinha, 
que já táva me isperando 
im báxo d’um cabuí, 
cum um vistido todo novo, 
todo gamenho e da cô 
das pena do sibirí. 

Cum uma frô de tajujá 
nos seus cabelo istrelada, 
e uma chinela arrendada, 
prontinha prá viajá, 
táva bunita e pachola, 
chêrando mêmo a nuvía, 
que não saiu do currá. 

Entonce, os dois, eu e ela, 
tomando a benção dos véio, 
saimo naquela hora, 
cum a noitinha, istrada a fóra. 

No céu, de todos os canto, 
prá festa do grande Santo 
que bautisou, lá, n’um rio, 
o Fio de Deus, seu Fio, 
que foi chamado Jesus, 
vinha saindo as istrêla, 
cumo um bandão de frumiga, 
um frumiguêro de luz! 

Havia festa no céo! 

Nenhuma istrêla prá festa 
tinha fartado!... Nenhuma! 

A lua vinha lavando 
o argudão branco das nuve, 
cumo uma bola de iscuma! 

E ôiando a lua e as istrela, 
a gente foi caminhando! 

Quando cheguêmo na ponte 
chamada — As cinco Manguêra — 
vimo a prêmêra fuguêra, 
que ispaiava uma puêra 
de sangue vivo e vremêio, 
cumo as fruta do café! 

Na sôdade dos gimido 
das prima, sêmpe maguada, 
já nós uvía da istrada 
esta sôdosa tuada, 
no samba do Catolé. 

CANTO 1.° 

“Vamo, vamo, minha gente, 
toca a ri, toca a sambá! 
São João gosta da gente 
prá seu dia festejá!” 

CORO 

— Aruhê! Aruhá!... 
— Prá seu dia festejá!... 

CANTO 2.° 

“Esta noite tá chêrando, 
cumo um jasmim generá! 
Cumo é gostoso um abraço 
n’uma noite de luá!” 

CORO 

Aruhê!... Aruhá!... 
N’uma noite de luá. 

.................... 
.................... 

E nós fumo caminhando!... 
Caminhando!... Mas porém, 
quando a gente si assumia 
n’um cutuvelo da istrada, 
outra fuguêra assanhada, 
cô da pele das cabôca, 
ardia na incruziada! 

E ansim, naquele papougo, 
alevantando prás nuve 
o seu penacho de fogo, 
inluminando o arvoredo, 
todo o mato do sertão, 
parece inté que quiria 
quêmá toda a mataria, 
im louvô de São João! 

Era a fuguêra mais grande 
da casa do capitão. 

Im roda do fugaréo, 
os moço, as moça, as famía, 
d’um lado e d’outro curria, 
imquanto lá, no terrêro, 
imbaxo d’uma latada, 
o capitão e os mais véio 
cumía batata assada, 
cana doce, macachêra, 
e o mio verde, que chêra, 
cumo o chêroso aluá! 

Nas água d’uma bacia, 
as moça a cara ispiava, 
prá sabe si no outro ano 
o Santo ainda dêxava 
sua festa festejá! 

Quebrando as outra a quilára 
d’um ovo, n’um copo d’agua, 
quiría sabê si a sorte 
li dava o noivo da morte, 
ou um noivo de si casá. 

Um bando de sertanejo, 
cum as viola toda infeitada, 
prá festa do seu Penido 
passava lá pula istrada, 
cantando uns canto tão lindo, 
que fez a gente apará! 

Era o Chico Cambaxirra, 
o namorado da Quima, 
que ia na frente, a cantá. 

CORO 

“Adeus, Quima, adeus, Quima!... 
Vou toda a noite 
gemê na prima!" 

CANTO 

“Tu foi prá festa 
Do Zé Biribita, 
toda vistida de novo e bunita! 

Ai, quem me dera, 
meu bem, ladrãozinho, 
que eu fosse as fita 
do teu vistidinho! 

Si arguem quizé 
sambá cumtigo, 
pensa im mim!... 
Não samba, não! 

óia, si tu quebra a prémessa, 
te castiga São João!” 

.................... 
.................... 
.................... 

Nós passêmo pula casa 
do capitão, iscundido, 
apois, se ele visse a gente, 
seria entonce percizo 
eu li contá todo o causo, 
há dois mês assucidido. 

Quando písêmo a varjóta, 
o quilarão da fuguêra, 
que já ia si assumindo, 
foi pouco a pouco... foi indo... 
inté que infim... si apagou. 

Lá, na quebrada da serra, 
um galo cocoricou! 

E a gente foi caminhando!... 

Mas porém o sete istrelo 
lá no céo táva briando. 

Despois de passá no acêro, 
mais a chapada e os grotão, 
vímo uma choça e um brazêro, 
e um hôme, só, na viola 
cantando estes pé de verso, 
cheio de amô e paxão. 

A casinha era tão triste, 
mas porém limpinha e bela! 

Se a Sôdade tem morada, 
deve morá n’uma casa, 
só e triste, cumo aquela! 

E o hôme dizia ansim: — 

CANTO 

“Levei três mês iscavando 
uma cacimba bem funda, 
prá meu roçado móiá! 
Mas porém, já tão cansado, 
prú mais que a terra iscavasse, 
não achei d’água siná! 

Há munto tempo, cabôca, 
cum a inxada da minha magua, 
eu cavo im teu coração, 
im teu coração tão seco, 
que não dá um pingo d’agua, 
nem um só, prú cumpaxão! 

Há munto tempo o roçado 
já morreu isturricado! 
Já não sabe o que é pena! 
E a minha dô inda cava 
na cacimba do teu peito... 
E continua a cavá!” 

E lá ficou saluçando 
na viola, à puntiá! 

Ainda agora eu jurava 
que o hôme que ansim cantava, 
era a Sôdade a cantá! 

_________ 

Eu caminhava, assuntando 
naquelas coisa que o hôme 
táva ali, triste, cantando, 
quando, chegando na Ponta 
da Pedra, im Santa Luzia, 
outra fuguêra indiabrada, 
roxa, cumo as madrugada, 
fogo e fumaça cuspia, 
e já de longe se uvia 
o baticum do xerêm, 
do coco e do miudinho, 
no meio da gritaria! 

As parma agora istralava 
e os hôme e as muié gritava: - 
— Olá!... Olé! Olarí! 
— Cala a boca, minha gente! 
— Vai canta o Bemteví. — 

Bemtevi era um cafuzo 
que veio de Pernambuco, 
e andava meio maluco, 
despois que a Juana dos Pato 
prú via dele morreu. 

As língua toda dizia 
que o cabra sussúárána, 
prú via lá d’uma cêra, 
tinha matado a Juana, 
e, despois, indoideceu! 

Só cantava esta tuáda 
— o canto do bemteví — 
que eu vou dizê, mas porém 
não sei si já me isquici. 

CORO 

Gentes, eu vou me imbora! 
Eu já não posso mais, não! 
— É só prú via d’um passo. 
— que eu me vou cá do sertão. 
Ah! Ah! Ah! Não se ria, não! — 

CANTO 

“Já não posso nos caminho 
vê uma muié passá, 
que esse cabra, sem vregonha, 
não pegue logo a gritá! 
Ih! Ih! 
Oh, que marvado bemteví!" 

CORO 

— Gentes, eu vou me ímbora etc. — 

CANTO 

“Bem me disse, siturdia, 
a Josefa Caprimbú 
que essa pásso era afiádo 
de curuja e de aribú! 
Eh! Eh! 
Quem é que pôde me valê!” 

CORO 

- Gentes etc. — 

CANTO 

“Mariquinha Bruzundanga 
bem me disse e eu creditei, 
que esse passo era o isprito 
da muié, que iscurracei!” 
Ah!... Ah!... Ah!... 
Pode sê!... 
Quem sabe lá! 

CORO 

— Gentes etc. — 

CANTO 

Trazantônte eu isperava 
Miquilina Cumzambê, 
iscundido lá nos mato, 
prá um segredo li dizê! 
Ih!... Ih!... 
Lá suviava o bemteví! 

CORO 

— Gentes etc. — 

CANTO 

Quando um tiro bem certêro 
te joga mêmo no chão, 
eu entonce hei de dizê 
te isfrangaiando o coração! 
Ri!... Ri!... Ri!... 
Disgraçado bemtevi! 

CORO 

— Gentes etc. — 

_________ 

E as parma istralou de novo 
e era um barúio inferná! 
O istralado da fuguêra, 
que era feita das madêra 
mais dura de si quêmá!... 
O bate boca dos hôme 
e das muié, que um instantinho 
não cessava de falá!... 
E mais os grito, a chalaça!... 
A manduréba!... A cachaça!... 
E o chêrinho das cabôca... 
E o ôrôma do macassá!... 

Era um barúio inferná! 

Dois cabra que tinha vindo 
de longe e que era mais duro 
que o tronco das carnaúba, 
ia agora si isbarrá! 

Era o grande disafio 
do Bastião Bacatuba 
e do Pedro Sabiá! 

Era um barúio inferná! 

As cabôca mais bunita 
dizia que o Bacatuba 
tinha um chamego istourado 
pula cabôca Jovita! 

Mas porém ninguém sabia, 
prá si falá cum verdade, 
quá dos dois ela quiria. 

Essa muié tanjúra 
era uma frô da sôdade, 
mas porém que só si abria 
im riba das sipurtura. 

Despois é que eu me alembrei 
que ali morava a tapuia 
mais bunita e mais fermosa 
daquelas banda, chamada: — 
Jovita Boca de Rosa. 

_________ 

Sarafina Bêja-Frô, 
Reimundinha das Inháca, 
Girtrude do Zé dos Côvo, 
a Mariquinha Macaca, 
Vitóca, Chica Bemvinda, 
Maria da Cunceição, 
Lolóca, frô das viola... 
Quitéra dos Maracá... 
imquanto um bando gritava: — 
Viva! Viva o Bacatuba! 
Logo o outro arrespundia: - 
Viva o Pedro Sabiá! 

Seu Bacatuba — o facêro — 
entonce cantou prêmêro: 

DESAFIO 

Bacatuba: 

Minha viola morena 
é uma gaiola de pinho, 
adonde canta e saluça 
tudo quanto é passarinho! 

Sabiá: 

Toda viola foi árve, 
que o machado derribou! 
Prú via disso ela canta 
o que dos pásso iscutou. 

Bacatuba: 

Isso é mintira, seu Pedro! 
Vassuncê é um bôbaião! 
A viola só acumpanha! 
Quem chora é o meu coração! 

Sabiá: 

Eu arripito, sem medo, 
que a viola, sim, sinhô, 
já foi árve e agora canta 
o que dos pásso iscutou. 

Bacatuba: 

Sem os dedo, que nas corda 
sabe gemê cum carinho, 
que seria da viola?! 
Gaiola sem passarinho! 

Sabiá: 

Seu Bacatuba, um violêro, 
cumo é tu, que eu não sei, não, 
não martráta uma viola, 
que tem arma e coração. 

Bacatuba: 

Si eu martratasse a viola, 
inda tinha duas mão, 
prá pidí perdão às corda, 
fazendo a minha oração. 

Sabiá: 

Eu amo tanto a viola, 
minha dó, minha aligria, 
cumo adoro, rezo e canto 
à Santa Virge Maria! 

Bacatuba: 

A viola que eu mais adoro, 
a mais férmosa que eu vi, 
é um diabo que veste saia, 
e não tá longe d’aqui! 

Sabiá: 

Cabôco, si tu é hôme, 
cospe fora e abre a boca, 
prá dizê cumo si chama 
o nome dessa cabôca. 

Bacatuba: 

Seu cabra, eu não tenho medo 
da cobra mais venenosa! 
Essa cabôca si chama: — 
Jovita Boca de Rosa... 

.................... 

Quando o cabra disse o nome 
da cabôca mais quirida, 
mais fermosa do sertão, 
se apagou-se os candiêro!... 
Virou tudo n’um sarcêro!... 
Foi tudo dos pé prás mão! 

E entonce foi cacetada!... 
E foi cabeça quebrada! 

Gemeu a faca de arrasto 
e a paruaíba matrêra, 
que nós dois, numa carrêra, 
fugímo logo d’ali, 
prá discansá, lá, distante, 
n’um campo de mata-pasto, 
imbaxo d’um imbuí! 

Naquela sombra da noite, 
só se uvía a quéda d’agua 
dispencando do penedo, 
contando ás fôia dos mato 
a históra da sua magua, 
no sangue branco das água, 
que era o sangue do rochedo. 

Ali, imquanto, assentado, 
eu uvía a gargaiada 
das água, que não si via, 
e Juaninha, inda cansada, 
do sarcêro lá do samba 
ria, ria, ria, ria, 
o nosso amô, cumo um fruto, 
no peito amadurecia! 

Quanto tempo nós tivêmo 
uvíndo a musga chorosa 
dos matagá, que gimia! 

Mas porém era perciso 
saí daquela parage, 
prá gente chegá mais cêdo 
no fim da nossa viage! 

_________ 

Depois de mais de uma hora 
d’outra boa caminhada, 
quando a gente ia trócêndo, 
prá caí n’uma baxáda... 
ânte de intrá pula istrada 
de terra seca e areosa, 
outra fuguêra bunita, 
que paricia uma rosa, 
si abria n’uma istralada. 

Os cabôco e as cabôquinha, 
apostando na carrêra, 
sartava dos quatro lado, 
fazendo cruz na fuguêra. 

Um tropêro acachimbado, 
cum as barba cô de timbó, 
um cabra distabócado, 
cum os óio, cumo socó, 
um comboêro sestroso, 
cum um nariz incurujado, 
tocando o pife, o zabumba, 
e gemendo no ganzá, 
era os três musgo da festa, 
prós cunvidado sambá. 

São João im riba da mesa, 
n’uma montanha de frô, 
paricia tá gostando 
de vê o samba isquentando, 
e uví estes pé de verso, 
que cantava um cantadô. 

Era um cabra apaxonado, 
cum uma viola abraçado, 
cantando quáge chorando, 
vendo a cabôca sambando, 
vendo sambando a Lionô! 

CANTO 

“Ai,tem pena do pobre, 
Lionô, 
do meu coração, 
Lionô!... 
que cum tantas pena, Lionô, 
não avôa, não, Lionô, 
que cum tantas pena, Lionô, 
não avôa, não, Lionô!... 

_________ 

Dança, dança, cabôca, Lionô! 
Não apára, não, Lionô! 
Si tu tem piádade, Lionô!... 
do meu coração!... Lionô! 
É S. João quem pede, 
Lionô, 
pula Virge Cunceição!... 
E eu te peço pulo amô, 
pulo amô de São João! 

_________ 

Todo o passo avôa, 
Lionô, 
cá no teu e meu sertão!... 
Pruquê não avôa, Lionô, 
esse pásso — o Coração?! 
Prá quê tantas pena, Lionô?! 
Tantas pena, im vão?... 
Lionô! 
Pruquê não avôa, Lionô, 
esse pásso — o coração?! 

_________ 

Mas porém... apára!... 
Ai, não dança, minha frô! 
Não machuca a minha dó!... 
Dêxa o coração im paz!... 
Dêxa o coração im paz! 
Mas porém... Requebra mais!... 
Lionô! 
Lionô!” 

.................... 

No coração do cabôco, 
que supricava a Láonô, 
eu via o que ninguém via: 
— outra fuguêra que ardia, 
e era a fuguêra do Amô! 
Sim!... A fuguêra do Amô! 

Pruque, longe, munto longe, 
vremêia, cumo a rumã, 
lá, im riba da montanha, 
na hora im que o Só nacia, 
a mão de Deos acindia 
a fuguêra da minhã! 

Juaninha me catucando, 
me disse entonce: “Juanico, 
é percizo andá de pressa!... 
óia a premessa, a premessa!” 

E a gente apressêmo o passo! 
E a gente andemo depréssa! 

Apois, linda e bunitinha, 
já se inxergava a Ingrêjinha, 
adonde filiz nós vinha, 
prá crumprí nossa promessa! 

O Só, férmoso e tão lindo, 
cumo uma lua de fogo, 
ia assubindo!... assubindo! 

Um ventozinho mimoso, 
nas mata verde bulindo, 
passava todo chêrôso, 
as fôia sêca das árve 
pulos campo sacudindo!... 
Fazendo as fôia das árve 
dançá na istrada o xerêm, 
cumo se aquele ventinho 
fosse brincando prá ingrêja 
uví a missa tombém! 

Que ventozinho tão lindo! 

E o Só, mais mêno vremêio, 
ia assubindo... assubindo! 

Mas porém, nós impaquêmo, 
prá um disafio iscutá 
de dois cabra tupetudo, 
que se danava a cantá! 

Um, nos gaio da aruêra, 
outro, n’uma laranjêra, 
e um cabra era o pintasirgo, 
e outro cabra o sabiá. 

Só prá uví o disafio 
dos dois pásso famanado, 
o rio táva aparado, 
sem uma arruga, que, inté, 
paricía de tão branco, 
entre o verdô das foiáge, 
— uma fôia de papé. 

Mais adiente, um riachinho, 
um rio piquinininho, 
vinha correndo, aos pulínho, 
cheio de amô e tristeza, 
sartando, de quando im quando, 
fazendo renda nas pedra 
e disfraçando a pobreza! 

Quantas fulô piquinina 
ria prá gente iscundida 
entre o verdô das campina! 

Quando um hôme do sertão, 
passando, vê uma frô, 
não panha a fulô cum a mão! 
Apára e, despois, siguindo, 
leva a frô no pensamento 
e o ôrôma no coração! 

Era impussive, despois, 
dizê as vez que nós dois 
tinha aparado prá vê: 
duas rolinha dengosa 
pulas pedrinha a corrê!... 
Uma graúna!... um xenxéu! 
Um azulão, que parece 
que tinha manchado as pena 
nas nuve azú lá do céo! 

Um cancão!... Um guanumbi!... 
Um bando de juruti!... 
Um tiê-sangue!... Uma chóca!... 
As inhambú!... As piaçóca!... 
Um xofrêu!... Mais um vim-vim!... 
Um cara-suja, bebendo 
o sereno do capim!... 
Mais um galo de campina!... 
E tanta coisa divina!... 
Um carro de boi cantando, 
e os boiadêro gritando: — 
“Vamo! Vamo, Lapiado! 
Istrela!... Toma cuidado!... 
Dêxa o capim, Bêja Frô!...” 

E outras tanta maravia 
daquele nacê do dia!... 
Daquela minhã de amô! 

Pulas arêia da istrada, 
cum as cara toda impuêrada 
de toda a noite sambá, 
um dispotismo de gente, 
cum os tapiruca na frente, 
vinha imbolando, a cantá! 

CANTO 

“Lá no azú do céo 
tanta luz brotou! 
Minha istrela d’arva 
já se apagou! 

Vem nacendo o dia 
cum tanto amô! 
São João naceu, 
cumo um pé de frô!...” 

.................... 
.................... 
.................... 

N’isto, um bando de fuguête 
as nuve do céu furava, 
e o sino lá da capela, 
cumo um doido, xocaiava, 
imquanto um bandão de gente, 
que era a gente sertaneja, 
gritando o nome do santo 
e acumpanhando uma musga, 
vinha saindo da ingrêja! 

Juaninha, cumo eu, curpada, 
tapando os óio, baxinho 
me xingando, invregonhada, 
se assentou-se, saluçando, 
n’uma pedra do caminho! 

Prú via de tanta festa, 
de tanta musga e fuguêra, 
que fez nós dois se atrazá, 
nós não cumprimo a premessa 
do Santinho, tão quirido, 
apois nós tinha perdido 
a missa da minhãzinha, 
na Ingrejinha do Arraiá! 

Juaninha entonce chorava, 
me xingando cum carinho, 
assentada, saluçando, 
lá na pedra do caminho! 

Vendo a bichinha chorando, 
eu sinti munta aligria! 
Criança que nace e chora, 
é criança que tá sadia! 
Entonce eu disse: Juaninha!... 
Tem fé no Santo!... De juêio, 
pede cumigo perdão! 

E ela chorava!... chorava!... 
E os dois óio, cheio d’agua, 
era duas cacimbinha, 
quando chove no verão! 

Foi quando nós ajuêiemo 
prá fazê nossa oração! 

Meu Santo! Pru caridade! 
Tem compaxão! Tem piadade! 
Não castiga a gente, não! 
Tua noite é tão bunita, 
que inté a gente se isquece 
das suas obrigação!” 

Apois, no Rêno Sagrado, 
Nosso Sinhô Jesú Cristo 
prá sêmpe séje alouvado! 

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Quando nós dois, ajuêiado, 
cumo quem faz cunfissão, 
óiando pró céo, chorando, 
rezando, cum fé rezando, 
pidía ao Santo perdão, 
a gente viu, munto longe, 
lá prás banda do nacente, 
o Santo rindo prá gente, 
cum um carnêrinho na mão!


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