A PROMESSA
Catulo da Paixão Cearense
A Juaninha era a morena
mais facêra do lugá.
O páe, o Antônio Preá,
jurava que ela cumigo
nunca havéra de casá.
A mãe, a vó, a madrinha,
o seu capitão Penido,
o páe de todo o sertão,
tudo já tinha pidido!...
E sêmpe o véio, danado,
dizendo: — Não dêxo, não!
Um dia... (Era o mês de Maio!)
a mãezinha da piquena,
que tinha um bom coração,
disse a nós que nós fizesse,
de juêio, uma prémessa
pró milagroso São João.
Apois bem. Dito prú dito,
Juaninha, róbando o santo
do oratóro da mãezinha,
cum o santo iscundido, às pressa,
lá foi se incontrá cumigo
imbáxo d’uma jaquêra,
adonde nós ajustêmo
prá si fazê a prémessa!
Entonce, os dois, ajuêiado,
bêjanto o santo infeitado,
tudo que ao Santo eu dizia
a Juaninha arrêpitia.
E foi ansim a prémessa
que ambos os dois nós fazia!
“São João!... São João!... São Joãozinho!.
Se um dia o véio Preá,
dexá nós dois se casá,
nós dois irêmo, juntinho,
no teu dia abençuado,
a prêmêra missa uví,
a missa da manhãzinha,
no Arraiá, lá na Ingrejinha,
a duas légua daqui . ”
Nós acabêmo a prémessa,
chorando de coração!
Juaninha iscondeu o santo
prú báxo do cabeção!
E foi correndo... E já táva
munto pertinho de casa,
quando deu um grito, um ai,
vendo no arpende da choça,
o Antônio Preá — o pae!
Isfiapando as barba branca,
cum os cabelo arripiado,
o véio táva azougado,
c’uma açoutêra na mão!
Mas porém vendo a bichinha
cum aquela image sagrada
purriba do coração,
istacou... ficou banzêro!...
Mansinho, cumo um cordero!...
Sem quage pude falá!
Despois, sungando a açoutêra
prá menina iscurraçá,
quando quis baxá o braço,
ficou cum o braço no á!
A mãezinha de Juaninha,
que vinha lá da cacimba,
vendo o pobre do Preá
e a sua fia a gritá...
foi mêmo quando se bóta
água fria na frevura!
Puxando o braço do véio,
e fazendo uma oração,
o véio arriava o braço,
dizendo, entonce, despois,
que abençuava nós dois,
im nome de São João!
_________
Tendo sabido de tudo,
ao despois daquele dia,
o seu Preá premitía
que nós fizesse a viage,
a viage de duas légua,
prá cumpri nossa prémessa,
só, nós dois, sem mais ninguém!
Quando a gente se quê bem,
o santo protege o amô!
*
Vinte e três do mês de Junho,
a vespra do grande santo,
filiz e bela chegou!
A noite daquele dia
parece que madrugou!...
Apois o dia, quetinho,
ia morrendo, morrendo,
cumo morre um passarinho.
O dia vinha findando,
quando eu me puz im caminho
prá casinha de Juaninha,
a minha santa noivinha,
que já táva me isperando
im báxo d’um cabuí,
cum um vistido todo novo,
todo gamenho e da cô
das pena do sibirí.
Cum uma frô de tajujá
nos seus cabelo istrelada,
e uma chinela arrendada,
prontinha prá viajá,
táva bunita e pachola,
chêrando mêmo a nuvía,
que não saiu do currá.
Entonce, os dois, eu e ela,
tomando a benção dos véio,
saimo naquela hora,
cum a noitinha, istrada a fóra.
No céu, de todos os canto,
prá festa do grande Santo
que bautisou, lá, n’um rio,
o Fio de Deus, seu Fio,
que foi chamado Jesus,
vinha saindo as istrêla,
cumo um bandão de frumiga,
um frumiguêro de luz!
Havia festa no céo!
Nenhuma istrêla prá festa
tinha fartado!... Nenhuma!
A lua vinha lavando
o argudão branco das nuve,
cumo uma bola de iscuma!
E ôiando a lua e as istrela,
a gente foi caminhando!
Quando cheguêmo na ponte
chamada — As cinco Manguêra —
vimo a prêmêra fuguêra,
que ispaiava uma puêra
de sangue vivo e vremêio,
cumo as fruta do café!
Na sôdade dos gimido
das prima, sêmpe maguada,
já nós uvía da istrada
esta sôdosa tuada,
no samba do Catolé.
CANTO 1.°
“Vamo, vamo, minha gente,
toca a ri, toca a sambá!
São João gosta da gente
prá seu dia festejá!”
CORO
— Aruhê! Aruhá!...
— Prá seu dia festejá!...
CANTO 2.°
“Esta noite tá chêrando,
cumo um jasmim generá!
Cumo é gostoso um abraço
n’uma noite de luá!”
CORO
Aruhê!... Aruhá!...
N’uma noite de luá.
....................
....................
E nós fumo caminhando!...
Caminhando!... Mas porém,
quando a gente si assumia
n’um cutuvelo da istrada,
outra fuguêra assanhada,
cô da pele das cabôca,
ardia na incruziada!
E ansim, naquele papougo,
alevantando prás nuve
o seu penacho de fogo,
inluminando o arvoredo,
todo o mato do sertão,
parece inté que quiria
quêmá toda a mataria,
im louvô de São João!
Era a fuguêra mais grande
da casa do capitão.
Im roda do fugaréo,
os moço, as moça, as famía,
d’um lado e d’outro curria,
imquanto lá, no terrêro,
imbaxo d’uma latada,
o capitão e os mais véio
cumía batata assada,
cana doce, macachêra,
e o mio verde, que chêra,
cumo o chêroso aluá!
Nas água d’uma bacia,
as moça a cara ispiava,
prá sabe si no outro ano
o Santo ainda dêxava
sua festa festejá!
Quebrando as outra a quilára
d’um ovo, n’um copo d’agua,
quiría sabê si a sorte
li dava o noivo da morte,
ou um noivo de si casá.
Um bando de sertanejo,
cum as viola toda infeitada,
prá festa do seu Penido
passava lá pula istrada,
cantando uns canto tão lindo,
que fez a gente apará!
Era o Chico Cambaxirra,
o namorado da Quima,
que ia na frente, a cantá.
CORO
“Adeus, Quima, adeus, Quima!...
Vou toda a noite
gemê na prima!"
CANTO
“Tu foi prá festa
Do Zé Biribita,
toda vistida de novo e bunita!
Ai, quem me dera,
meu bem, ladrãozinho,
que eu fosse as fita
do teu vistidinho!
Si arguem quizé
sambá cumtigo,
pensa im mim!...
Não samba, não!
óia, si tu quebra a prémessa,
te castiga São João!”
....................
....................
....................
Nós passêmo pula casa
do capitão, iscundido,
apois, se ele visse a gente,
seria entonce percizo
eu li contá todo o causo,
há dois mês assucidido.
Quando písêmo a varjóta,
o quilarão da fuguêra,
que já ia si assumindo,
foi pouco a pouco... foi indo...
inté que infim... si apagou.
Lá, na quebrada da serra,
um galo cocoricou!
E a gente foi caminhando!...
Mas porém o sete istrelo
lá no céo táva briando.
Despois de passá no acêro,
mais a chapada e os grotão,
vímo uma choça e um brazêro,
e um hôme, só, na viola
cantando estes pé de verso,
cheio de amô e paxão.
A casinha era tão triste,
mas porém limpinha e bela!
Se a Sôdade tem morada,
deve morá n’uma casa,
só e triste, cumo aquela!
E o hôme dizia ansim: —
CANTO
“Levei três mês iscavando
uma cacimba bem funda,
prá meu roçado móiá!
Mas porém, já tão cansado,
prú mais que a terra iscavasse,
não achei d’água siná!
Há munto tempo, cabôca,
cum a inxada da minha magua,
eu cavo im teu coração,
im teu coração tão seco,
que não dá um pingo d’agua,
nem um só, prú cumpaxão!
Há munto tempo o roçado
já morreu isturricado!
Já não sabe o que é pena!
E a minha dô inda cava
na cacimba do teu peito...
E continua a cavá!”
E lá ficou saluçando
na viola, à puntiá!
Ainda agora eu jurava
que o hôme que ansim cantava,
era a Sôdade a cantá!
_________
Eu caminhava, assuntando
naquelas coisa que o hôme
táva ali, triste, cantando,
quando, chegando na Ponta
da Pedra, im Santa Luzia,
outra fuguêra indiabrada,
roxa, cumo as madrugada,
fogo e fumaça cuspia,
e já de longe se uvia
o baticum do xerêm,
do coco e do miudinho,
no meio da gritaria!
As parma agora istralava
e os hôme e as muié gritava: -
— Olá!... Olé! Olarí!
— Cala a boca, minha gente!
— Vai canta o Bemteví. —
Bemtevi era um cafuzo
que veio de Pernambuco,
e andava meio maluco,
despois que a Juana dos Pato
prú via dele morreu.
As língua toda dizia
que o cabra sussúárána,
prú via lá d’uma cêra,
tinha matado a Juana,
e, despois, indoideceu!
Só cantava esta tuáda
— o canto do bemteví —
que eu vou dizê, mas porém
não sei si já me isquici.
CORO
Gentes, eu vou me imbora!
Eu já não posso mais, não!
— É só prú via d’um passo.
— que eu me vou cá do sertão.
Ah! Ah! Ah! Não se ria, não! —
CANTO
“Já não posso nos caminho
vê uma muié passá,
que esse cabra, sem vregonha,
não pegue logo a gritá!
Ih! Ih!
Oh, que marvado bemteví!"
CORO
— Gentes, eu vou me ímbora etc. —
CANTO
“Bem me disse, siturdia,
a Josefa Caprimbú
que essa pásso era afiádo
de curuja e de aribú!
Eh! Eh!
Quem é que pôde me valê!”
CORO
- Gentes etc. —
CANTO
“Mariquinha Bruzundanga
bem me disse e eu creditei,
que esse passo era o isprito
da muié, que iscurracei!”
Ah!... Ah!... Ah!...
Pode sê!...
Quem sabe lá!
CORO
— Gentes etc. —
CANTO
Trazantônte eu isperava
Miquilina Cumzambê,
iscundido lá nos mato,
prá um segredo li dizê!
Ih!... Ih!...
Lá suviava o bemteví!
CORO
— Gentes etc. —
CANTO
Quando um tiro bem certêro
te joga mêmo no chão,
eu entonce hei de dizê
te isfrangaiando o coração!
Ri!... Ri!... Ri!...
Disgraçado bemtevi!
CORO
— Gentes etc. —
_________
E as parma istralou de novo
e era um barúio inferná!
O istralado da fuguêra,
que era feita das madêra
mais dura de si quêmá!...
O bate boca dos hôme
e das muié, que um instantinho
não cessava de falá!...
E mais os grito, a chalaça!...
A manduréba!... A cachaça!...
E o chêrinho das cabôca...
E o ôrôma do macassá!...
Era um barúio inferná!
Dois cabra que tinha vindo
de longe e que era mais duro
que o tronco das carnaúba,
ia agora si isbarrá!
Era o grande disafio
do Bastião Bacatuba
e do Pedro Sabiá!
Era um barúio inferná!
As cabôca mais bunita
dizia que o Bacatuba
tinha um chamego istourado
pula cabôca Jovita!
Mas porém ninguém sabia,
prá si falá cum verdade,
quá dos dois ela quiria.
Essa muié tanjúra
era uma frô da sôdade,
mas porém que só si abria
im riba das sipurtura.
Despois é que eu me alembrei
que ali morava a tapuia
mais bunita e mais fermosa
daquelas banda, chamada: —
Jovita Boca de Rosa.
_________
Sarafina Bêja-Frô,
Reimundinha das Inháca,
Girtrude do Zé dos Côvo,
a Mariquinha Macaca,
Vitóca, Chica Bemvinda,
Maria da Cunceição,
Lolóca, frô das viola...
Quitéra dos Maracá...
imquanto um bando gritava: —
Viva! Viva o Bacatuba!
Logo o outro arrespundia: -
Viva o Pedro Sabiá!
Seu Bacatuba — o facêro —
entonce cantou prêmêro:
DESAFIO
Bacatuba:
Minha viola morena
é uma gaiola de pinho,
adonde canta e saluça
tudo quanto é passarinho!
Sabiá:
Toda viola foi árve,
que o machado derribou!
Prú via disso ela canta
o que dos pásso iscutou.
Bacatuba:
Isso é mintira, seu Pedro!
Vassuncê é um bôbaião!
A viola só acumpanha!
Quem chora é o meu coração!
Sabiá:
Eu arripito, sem medo,
que a viola, sim, sinhô,
já foi árve e agora canta
o que dos pásso iscutou.
Bacatuba:
Sem os dedo, que nas corda
sabe gemê cum carinho,
que seria da viola?!
Gaiola sem passarinho!
Sabiá:
Seu Bacatuba, um violêro,
cumo é tu, que eu não sei, não,
não martráta uma viola,
que tem arma e coração.
Bacatuba:
Si eu martratasse a viola,
inda tinha duas mão,
prá pidí perdão às corda,
fazendo a minha oração.
Sabiá:
Eu amo tanto a viola,
minha dó, minha aligria,
cumo adoro, rezo e canto
à Santa Virge Maria!
Bacatuba:
A viola que eu mais adoro,
a mais férmosa que eu vi,
é um diabo que veste saia,
e não tá longe d’aqui!
Sabiá:
Cabôco, si tu é hôme,
cospe fora e abre a boca,
prá dizê cumo si chama
o nome dessa cabôca.
Bacatuba:
Seu cabra, eu não tenho medo
da cobra mais venenosa!
Essa cabôca si chama: —
Jovita Boca de Rosa...
....................
Quando o cabra disse o nome
da cabôca mais quirida,
mais fermosa do sertão,
se apagou-se os candiêro!...
Virou tudo n’um sarcêro!...
Foi tudo dos pé prás mão!
E entonce foi cacetada!...
E foi cabeça quebrada!
Gemeu a faca de arrasto
e a paruaíba matrêra,
que nós dois, numa carrêra,
fugímo logo d’ali,
prá discansá, lá, distante,
n’um campo de mata-pasto,
imbaxo d’um imbuí!
Naquela sombra da noite,
só se uvía a quéda d’agua
dispencando do penedo,
contando ás fôia dos mato
a históra da sua magua,
no sangue branco das água,
que era o sangue do rochedo.
Ali, imquanto, assentado,
eu uvía a gargaiada
das água, que não si via,
e Juaninha, inda cansada,
do sarcêro lá do samba
ria, ria, ria, ria,
o nosso amô, cumo um fruto,
no peito amadurecia!
Quanto tempo nós tivêmo
uvíndo a musga chorosa
dos matagá, que gimia!
Mas porém era perciso
saí daquela parage,
prá gente chegá mais cêdo
no fim da nossa viage!
_________
Depois de mais de uma hora
d’outra boa caminhada,
quando a gente ia trócêndo,
prá caí n’uma baxáda...
ânte de intrá pula istrada
de terra seca e areosa,
outra fuguêra bunita,
que paricia uma rosa,
si abria n’uma istralada.
Os cabôco e as cabôquinha,
apostando na carrêra,
sartava dos quatro lado,
fazendo cruz na fuguêra.
Um tropêro acachimbado,
cum as barba cô de timbó,
um cabra distabócado,
cum os óio, cumo socó,
um comboêro sestroso,
cum um nariz incurujado,
tocando o pife, o zabumba,
e gemendo no ganzá,
era os três musgo da festa,
prós cunvidado sambá.
São João im riba da mesa,
n’uma montanha de frô,
paricia tá gostando
de vê o samba isquentando,
e uví estes pé de verso,
que cantava um cantadô.
Era um cabra apaxonado,
cum uma viola abraçado,
cantando quáge chorando,
vendo a cabôca sambando,
vendo sambando a Lionô!
CANTO
“Ai,tem pena do pobre,
Lionô,
do meu coração,
Lionô!...
que cum tantas pena, Lionô,
não avôa, não, Lionô,
que cum tantas pena, Lionô,
não avôa, não, Lionô!...
_________
Dança, dança, cabôca, Lionô!
Não apára, não, Lionô!
Si tu tem piádade, Lionô!...
do meu coração!... Lionô!
É S. João quem pede,
Lionô,
pula Virge Cunceição!...
E eu te peço pulo amô,
pulo amô de São João!
_________
Todo o passo avôa,
Lionô,
cá no teu e meu sertão!...
Pruquê não avôa, Lionô,
esse pásso — o Coração?!
Prá quê tantas pena, Lionô?!
Tantas pena, im vão?...
Lionô!
Pruquê não avôa, Lionô,
esse pásso — o coração?!
_________
Mas porém... apára!...
Ai, não dança, minha frô!
Não machuca a minha dó!...
Dêxa o coração im paz!...
Dêxa o coração im paz!
Mas porém... Requebra mais!...
Lionô!
Lionô!”
....................
No coração do cabôco,
que supricava a Láonô,
eu via o que ninguém via:
— outra fuguêra que ardia,
e era a fuguêra do Amô!
Sim!... A fuguêra do Amô!
Pruque, longe, munto longe,
vremêia, cumo a rumã,
lá, im riba da montanha,
na hora im que o Só nacia,
a mão de Deos acindia
a fuguêra da minhã!
Juaninha me catucando,
me disse entonce: “Juanico,
é percizo andá de pressa!...
óia a premessa, a premessa!”
E a gente apressêmo o passo!
E a gente andemo depréssa!
Apois, linda e bunitinha,
já se inxergava a Ingrêjinha,
adonde filiz nós vinha,
prá crumprí nossa promessa!
O Só, férmoso e tão lindo,
cumo uma lua de fogo,
ia assubindo!... assubindo!
Um ventozinho mimoso,
nas mata verde bulindo,
passava todo chêrôso,
as fôia sêca das árve
pulos campo sacudindo!...
Fazendo as fôia das árve
dançá na istrada o xerêm,
cumo se aquele ventinho
fosse brincando prá ingrêja
uví a missa tombém!
Que ventozinho tão lindo!
E o Só, mais mêno vremêio,
ia assubindo... assubindo!
Mas porém, nós impaquêmo,
prá um disafio iscutá
de dois cabra tupetudo,
que se danava a cantá!
Um, nos gaio da aruêra,
outro, n’uma laranjêra,
e um cabra era o pintasirgo,
e outro cabra o sabiá.
Só prá uví o disafio
dos dois pásso famanado,
o rio táva aparado,
sem uma arruga, que, inté,
paricía de tão branco,
entre o verdô das foiáge,
— uma fôia de papé.
Mais adiente, um riachinho,
um rio piquinininho,
vinha correndo, aos pulínho,
cheio de amô e tristeza,
sartando, de quando im quando,
fazendo renda nas pedra
e disfraçando a pobreza!
Quantas fulô piquinina
ria prá gente iscundida
entre o verdô das campina!
Quando um hôme do sertão,
passando, vê uma frô,
não panha a fulô cum a mão!
Apára e, despois, siguindo,
leva a frô no pensamento
e o ôrôma no coração!
Era impussive, despois,
dizê as vez que nós dois
tinha aparado prá vê:
duas rolinha dengosa
pulas pedrinha a corrê!...
Uma graúna!... um xenxéu!
Um azulão, que parece
que tinha manchado as pena
nas nuve azú lá do céo!
Um cancão!... Um guanumbi!...
Um bando de juruti!...
Um tiê-sangue!... Uma chóca!...
As inhambú!... As piaçóca!...
Um xofrêu!... Mais um vim-vim!...
Um cara-suja, bebendo
o sereno do capim!...
Mais um galo de campina!...
E tanta coisa divina!...
Um carro de boi cantando,
e os boiadêro gritando: —
“Vamo! Vamo, Lapiado!
Istrela!... Toma cuidado!...
Dêxa o capim, Bêja Frô!...”
E outras tanta maravia
daquele nacê do dia!...
Daquela minhã de amô!
Pulas arêia da istrada,
cum as cara toda impuêrada
de toda a noite sambá,
um dispotismo de gente,
cum os tapiruca na frente,
vinha imbolando, a cantá!
CANTO
“Lá no azú do céo
tanta luz brotou!
Minha istrela d’arva
já se apagou!
Vem nacendo o dia
cum tanto amô!
São João naceu,
cumo um pé de frô!...”
....................
....................
....................
N’isto, um bando de fuguête
as nuve do céu furava,
e o sino lá da capela,
cumo um doido, xocaiava,
imquanto um bandão de gente,
que era a gente sertaneja,
gritando o nome do santo
e acumpanhando uma musga,
vinha saindo da ingrêja!
Juaninha, cumo eu, curpada,
tapando os óio, baxinho
me xingando, invregonhada,
se assentou-se, saluçando,
n’uma pedra do caminho!
Prú via de tanta festa,
de tanta musga e fuguêra,
que fez nós dois se atrazá,
nós não cumprimo a premessa
do Santinho, tão quirido,
apois nós tinha perdido
a missa da minhãzinha,
na Ingrejinha do Arraiá!
Juaninha entonce chorava,
me xingando cum carinho,
assentada, saluçando,
lá na pedra do caminho!
Vendo a bichinha chorando,
eu sinti munta aligria!
Criança que nace e chora,
é criança que tá sadia!
Entonce eu disse: Juaninha!...
Tem fé no Santo!... De juêio,
pede cumigo perdão!
E ela chorava!... chorava!...
E os dois óio, cheio d’agua,
era duas cacimbinha,
quando chove no verão!
Foi quando nós ajuêiemo
prá fazê nossa oração!
Meu Santo! Pru caridade!
Tem compaxão! Tem piadade!
Não castiga a gente, não!
Tua noite é tão bunita,
que inté a gente se isquece
das suas obrigação!”
Apois, no Rêno Sagrado,
Nosso Sinhô Jesú Cristo
prá sêmpe séje alouvado!
....................
....................
Quando nós dois, ajuêiado,
cumo quem faz cunfissão,
óiando pró céo, chorando,
rezando, cum fé rezando,
pidía ao Santo perdão,
a gente viu, munto longe,
lá prás banda do nacente,
o Santo rindo prá gente,
cum um carnêrinho na mão!