Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quarta, 20 de novembro de 2024

VIAJANDO COM O NEGUINHO (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLITO LIMA)

Em homenagem a Marden Bentes

 

 

Não houve planejamento, nem roteiro, parávamos onde bem entendíamos, dormíamos no primeiro hotel ao anoitecer, Neguinho Marden era o piloto do Chevrolet Opala. Eu, Di Menezes e os irmãos, Luciano e Marden Bentes viajamos de carro até o Rio de Janeiro. Todos solteiros.

Chegamos ao Rio nos hospedamos no apartamento do Cáu (Cláudio Lima) no Flamengo, considerado embaixada de Alagoas. Sempre havia um colchão para um hóspede amigo.

 

 

Naquela época funcionava a Casa das Alagoas, uma associação assistencial aos alagoanos radicados no Rio de Janeiro. Ponto de encontro para matar saudades e unir a tribo caeté. Roberto Mendes, o presidente, sabendo de nossa viagem, programou um roteiro de festas para o fim de semana.

No sábado estava marcado uma festa pré-carnavalesca, baile “Vermelho e Preto” no Clube de Regatas Flamengo. Embaixo do edifício havia vários bares lotados de gente com a camisa rubro-negra. Neguinho Marden, flamenguista roxo, com seu charme e alegria arrumou logo uma namorada vestida de Flamengo. Para entrar no baile era obrigatório vestir-se com roupas vermelho e preto. Depois de algumas doses num botequim partimos animados para a sede do Flamengo.

Roberto Mendes, organizado, comprou nossos ingressos antecipadamente. Na hora apareceu César, um carioca, morou em Alagoas, amigo nosso, sentia-se alagoano. O Clube cheio, não havia mais ingressos à venda.

Ficamos matutando como resolver o problema, procuramos cambista ou quem quisesse vender um ingresso, nada. O tempo passando, nós perdendo o baile cheio de mulheres bonitas.

De repente Marden percebeu um caminhão fazendo manobras, tentando entrar pelo portão lateral, ele gritou, “Encontrei a solução”. Partiram ele, César e Roberto em direção ao caminhão. Confabularam com o motorista. Voltaram alegres, tudo resolvido: Soltaram uma grana, colocaram César por trás do caminhão frigorífico que entregava gelo à festa. Entramos satisfeitos, acompanhados por lindas cariocas.

O baile fervia animado. Depois de algumas voltas no salão, encontramos César no bar tomando conhaque puro, camisa molhada, batia o queixo. Meia hora dentro do frigorífico do caminhão; quase morre congelado. Empurramos o carioca para o salão, sambamos com as rubro-negras até o dia amanhecer.

No domingo pela manhã, marcamos encontro na Praça General Osório. Maior expectativa com o desfile da Banda de Ipanema. Roberto Mendes havia providenciado uma ala dos alagoanos. Nossa fantasia: sunga de banho de mar, tamanquinho de praia e uma toalha em volta do pescoço para abastecer de lança-perfume.

Começamos a esquentar as baterias num bar perto da praça. O bar lotado, nossa mesa das mais concorridas, cariocas e alagoanas bonitas, namoradas, paqueras. Era só alegria, felicidade e carnaval.

Em certo momento César sentiu fortes cólicas, consequência da friagem do frigorífico, foi se esvair no acanhado e sujo banheiro. Depois dos serviços, depois de ter obrado, ele retornou à mesa. Ao pagar a conta para nos juntarmos à Banda, saímos dançando e cantando, quando pela primeira vez o Nego Marden reclamou:

– “Êita fedor de merda! Alguém pisou em bosta!”

Olhamos nos solados dos tamancos, nenhum vestígio de cocô. Nessa altura havia uma multidão na Praça General Osório.

Nosso grupo animado, cada qual com sua paquera, contrastava com o cheiro de merda no ar. Até que a fonte fedorenta foi descoberta: César, na hora do serviço, não notou que o tolete caiu dentro da sunga. Ele vestiu-a novamente. Infestou-se de cocô, meio bêbado, não percebeu. A Banda de Ipanema terminou à noite. Programamos prorrogar a farra no Restaurante Alkazar em Copacabana. Enfrentamos um ônibus lotado, muita gente em pé. A certa altura alguém gritou:

– “Motorista pare! cagaram dentro do ônibus!!!”

Resumindo a história, o motorista parou numa Delegacia. César se delatou, descemos e ficamos na Delegacia em solidariedade ao amigo cagão. O delegado soltou César depois de um banho com sabugo. Terminamos a noitada às gargalhadas no Alkazar com as namoradas, relembrando as façanhas até o fim da noitada. Era o início de férias no Rio de Janeiro no tempo de Roberto Mendes, presidente da Casa das Alagoas.

– Nota – Meu amigo, bem humorado que irradiava alegria, Marden Lima Bentes, acabou de falecer. Tristeza, choramos pelo Neguinho e por nossa geração se acabando, tão bela e divertida.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita segunda, 11 de novembro de 2024

A MANICURE DO CLIMA BOM (CRÔNICA DO COLUNMISTA CARLITO LIMA)

 

– Depois de velho, você ficou relaxado, coisa feia! Não corta o cabelo, unhas grandes, vou contratar manicure. Se eu morrer você vai virar lobisomem. Vivia reclamando Dona Flávia aos ouvidos de Rui.

Certo sábado pela manhã, a campainha do apartamento tocou, uma morena sorridente se apresentou, Raissa, manicure. Dona Flávia tirou o marido da leitura dos jornais na varanda. Hora de fazer as unhas, ele levantou-se e sentou-se na poltrona, cumprimentou a jovem, acionou o controle remoto da televisão. Colocou os pés numa bacia de água quente para amolecer as unhas. Dona Flávia deixou o marido entregue à manicure, foi às compras, sábado é dia de Shopping, encontro de amigas, só retornaria na hora do almoço.

Durante o cortar das unhas de mão, Raissa alisava a mão de Rui com suavidade, ele sentiu uma sensação gostosa, carícia no toque de mãos, olhou para manicure com curiosidade, ficou inquieto ao perceber o generoso decote da manicure, seios duros, empinados, há tempo não excitava-se com uma mulher. Puxou conversa.

– Menina você é a boa manicure, sabe cortar com suavidade, onde aprendeu essa delicadeza?

– Eu precisava de uma profissão, ganhar dinheiro, sustentar minha filha, fiz um curso no SENAC, hoje tenho bons fregueses, não paro de cortar unhas, os clientes gostam. Ser manicure foi muito bom para mim. Ganho meu sustento.

– E seu marido, pai de sua filha, não lhe ajuda?

– Marido não, meu vizinho, namorei com ele, me emprenhou ainda menina, eu tinha 15 anos. Danou-se para o Rio de Janeiro, sonhava ser cantor de rádio e televisão, canta bem. Há mais de cinco anos não tenho notícias dele, soube que é traficante no morro. Eu vivo com minha mãe no Clima Bom.

Conversaram muito, Raissa contou sua vida, trabalhadora. Ao terminar, ele olhou os pés, as mãos, admirou as unhas simetricamente cortadas, perfeitas. Perguntou o preço do serviço, pagou R$ 35,00, cinco reais a mais do valor pedido. A morena agradeceu, guardou o material. Rui ficou encantado ao perceber o corpo da morena dentro do vestido azul claro, quase transparente. Raissa despediu-se perguntando quando era para retornar.

– Venha no próximo sábado. Disse Rui com entusiasmo admirando o rebolado da manicure em direção à porta.

Na hora do almoço Dona Flávia inspecionou as mãos e os pés do marido, aprovou. Perguntou se havia gostado da manicure, Rui resmungou, fez-se indiferente, entretanto, a jovem não saía da cabeça.

Dois meses Rui alimentou-se de fantasia, sonhava com a morena acariciando seus pés. Ficava feliz desde sexta-feira. Em conversas enquanto cortava unhas, tornaram-se amigos íntimos, certa vez ela confessou ter sido garota de programa, não gostou. Num sábado cheio de sol, ao pagar a manicure, Rui encorajou-se, alisou seu pescoço e o colo, deu-lhe um beijo na testa. Ela reclamou baixinho. -“Não Seu Rui, não…” Ele a trouxe num abraço apertado, beijou-lhe a boca. No apartamento da Ponta Verde, embalado pela carícia do vento Nordeste, em cima do tapete comprado na Capadócia fizeram amor pela primeira vez.

Dona Flávia ao chegar notou a cara de felicidade do marido tomando uma cervejinha, cantando na varanda, achando o mar e a vida bonita. Convidou a mulher para almoçar, variar de comida, de tempero, foram à Barraca Pedra Virada na orla da Ponta Verde, encontraram amigos, passaram uma tarde maravilhosa conversando. Ao chegar em casa amaram-se como nunca mais tinham amado. Dona Flávia, antes de adormecer, conseguiu perguntar, o que deu em você hoje?

No sábado. Rui, homem decente, conversou sério com a manicure, não ficava bem fazer amor dentro de sua casa, era falta de respeito. Marcou, estabeleceu com Raissa, encontrarem-se uma vez por semana num motel para deliciosa tarde de amor, com ajutório. Rui está sentindo-se mais jovem, cabelo cortado, camisa da moda. Nunca mais Dona Flávia reclamou o relaxamento do marido.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 02 de novembro de 2024

O CANDIDATO (CRÔNICA DO COLOUNIASTA CARLITO LIMA)

O CANDIDATO

Carlito Lima

Pensa que não, os políticos estão na rua em busca, catando votos, para outubro que vem. Semana passada, meu amigo, Falcão, propenso candidato, convidou-me para acompanhá-lo visitando os bairros periféricos de Maceió.

 

 

 

Não me fiz de rogado, pois até gosto desses embalos de campanha, desde os tempos de meu amigo, Guilherme Palmeira. E se o candidato é pessoa em quem acredito. Afinal nós temos que nos esforçar para melhorar o nível da Câmara Municipal, ou vamos pagar um preço caro de não acreditar na democracia. A mais justa, por isso, a mais difícil forma de governo.

Falcão é um excelente técnico, engenheiro, dedicado e aperfeiçoado. Tem uma construtora, vai bem em suas finanças, agora resolveu se candidatar.

Ainda na manhã do sábado fomos para as primeiras jornadas, visitando os bairros em torno das lagoas.

Chegamos primeiramente no Pontal da Barra, logo estávamos com amigos, políticos. De repente apareceu um bando de mulheres bonitas. Entre elas, Daniela, a namorada de Falcão, ele é solteiro, ainda jovem, vive à procura do amor de sua vida. Uma bonita moça de pele macia e morena e dois olhos verdes acinzentados estava ao lado da mãe, quem olhava dizia que eram irmãs. A mãe enviuvou cedo, tinha só uma filha e uma grande alegria de viver que refletia em seus belos e vivos olhos verdes, parecidos com duas ximbras, duas contas pequeninas. Foi Maurício de Nassau e outros holandeses, que espalharam esses belos olhos, miscigenados com os nordestinos nos séculos passados.

Depois do almoço, foi marcado encontro no bairro de Santa Lúcia, onde haveria um baile lá para às nove da noite.

Passamos toda tarde visitando outros bairros, de casa em casa, Falcão é um cara disposto, se apresentava e conversava suas ideias para o bairro. O eleitor até gosta de um abraço, esse tipo de campanha corpo a corpo funciona. Aonde chegávamos tinha comida e bebida, e candidato que se preza, jamais pode deixar de beber e comer em cada casa que chega. Só de cachaça deu para deixar a comitiva do Dr. Falcão cansada. Quando deu oito horas da noite, eu já não aguentava a caminhada, pedi um táxi para me recolher. Mas a insistência do Dr. Falcão ganhou, e fiquei também para o baile.

No Clube do bairro de Santa Lúcia, tivemos simpática e acalorada recepção, nos colocaram em uma mesa especial, rodeados de vários amigos e políticos locais.

O ambiente era de uma boate bem armada, com luzes escuras e uma música suave, estava ótimo para conversar, ambiente para um papo descontraído.

Quando Falcão viu alguém chamá-lo. Pediu licença dizendo que ia dançar com a namorada. Ele estava com o teor etílico já ultrapassando o limite, isto é bêbado.

Cumprimentou-a e foi logo puxando levemente pelo braço, arrastou-a para o salão.

A música suave fez trazê-la mais junto, ao corpo a corpo, houve certa resistência no início, mas logo depois os dois dançavam como se fosse um corpo só. Entre os dois não passava um raio de silibrina. Como é bom dançar juntinho, agarradinho. Nesses bons momentos, alguma carícia, um cheiro no cangote e lambidas nas orelhas aconteceram. Os dois ficaram num gostoso abraço dançante, esfregaram-se por mais de meia hora.

Quando de repente, sua parceira, se afastou do agarrado, olhou para o Falcão, e fez ele perceber com quem estava dançando. Ela falou baixo:

– Pronto, está bom! Agora vá dançar com sua namorada, Daniela acabou de chegar com as amigas, está nos procurando na entrada.

Só nesse momento que Falcão percebeu que dançava agarradinho com sua exuberante sogra. Ela adorou, caminharam em direção da filha e amigas, pediu segredo do agarrado.

Falcão vai terminar sendo eleito.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita segunda, 28 de outubro de 2024

VULCÃO DA PAJUÇARA (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLITO LIMA)

VULCÃO DA PAJUÇARA

Carlito Lima

Mércia estudou em colégio de freira, foi carola de igreja na juventude, quase santa em sua maturidade. Usava vestidos de mangas cumpridas, xales nos ombros, encobria o jovem corpo, ninguém sabia o que havia por baixo daqueles panos. Sua mãe, viúva, lhe alertava, mulher depois dos 25 anos fica difícil arranjar marido, está na hora de namorar para casar, tente conseguir alguém que possa lhe sustentar.

 

 

 

Por meio de um deputado amigo, e amante, a mãe arranjou um emprego para Mércia na Assembleia. Mércia conheceu, namorou, Quincas, baixo, falante, advogado de uma empresa, mais velho 20 anos. Sem muito amor, depois de namoro e noivado casaram-se na Igreja do Livramento, muitos parentes, amigos, lua-de-mel em Cartagena das Índias. Mércia casou-se virgem, assim conservou-se durante o noivado graças ao respeito do noivo, se fosse da laia de certos indivíduos que conheço, aquele cabaço havia voado há muito tempo.

Quincas ficou surpreso com o desempenho de Mércia na cama, fogosa que nem uma égua no cio, um vulcão desativado, explodiu. Quincas voltou da lua-de-mel exausto. Ao retornar à vida normal ficou preocupado com sua ardente mulher. Daria conta? Entretanto, Mércia continuou em vestidos longos, cinzentos, assexuados. Somente Quincas no mundo conhecia verdadeiramente aquela loba cheia de furor na cama; na rua uma dama. Mas, Quincas não dava no coro, Mércia despertou o vulcão e Quincas não tinha vigor para apagá-lo. Mércia continuou do trabalho para missa, para casa. Tinha um tratamento respeitoso ao marido, excelente dona de casa. Só não abria mão de seu banho de mar aos domingos na praia da Pajuçara, defronte ao apartamento. Quincas não gostava de praia, ela sozinha, com um maiô discreto. Não perdia o mergulho de domingo. Quincas alertava para tomar cuidado, ela não sabia nadar.

Em certo momento as coisas foram mudando, Mércia tornou-se mais alegre, havia felicidade explícita em seu sorriso, chamava Quincas de meu amor, frase nunca ouvida. Seus vestidos encurtaram, colaram nas curvas do corpo, na praia passou a usar um biquíni, Mércia tornou-se outra mulher. O marido ficou com uma pulga atrás da orelha, nunca vira uma transformação tão radical em uma pessoa. Ele passava o dia a matutar. O que estaria acontecendo? Será influência de alguma colega de repartição? Será que pirou? Deixou de acreditar nos santos? Está me botando chifres? Ao pensar nessa última hipótese, deu-lhe uma tristeza profunda, aquela depressão típica, exclusiva de corno. Não teve coragem de esclarecer tão delicado assunto com a esposa. Ficou sofrendo calado, sozinho, o pior dos sofrimentos.

Certa manhã tomou decisão, foi ao centro da cidade, subiu no Edifício Breda, conversou com um detetive particular. Contou toda história ao Detetive Audálio. Ele pediu-lhe uma foto da mulher e seu itinerário normal. Quincas, contrariado, sentindo-se um traidor, deu-lhe as informações dos locais mais frequentados, inclusive o banho de mar aos domingos, um mergulho na praia da Pajuçara em frente ao seu edifício.

Audálio fez o trabalho, primeira semana sem algum fato concreto, nenhuma pista de traição. Continuou. Seguiu a mulher por toda cidade, nada de anormal, um mês, dois meses de investigação. Quincas desistiu, era só uma transformação de mulher madura, medo de velhice prematura, como disse o psicólogo. Pagou a Audálio. O detetive ficou frustrado, uma desmoralização, nunca havia desistido, nunca havia perdido um caso. Audálio, sem cliente, por distração, por falta do que fazer continuou seguindo a mulher de Quincas em todos os lugares, até que num belo domingo, percebeu Mércia entrar no mar e alugar uma boia de um rapaz alto, espadaúdo, que a ajudava segurando a boia, parecia ensinar a nadar, chegaram ao fundo do mar. O detetive tirou várias fotos de Mércia apegada ao moreno. Por baixo da boia, ninguém percebia, discretamente tirava o biquíni, o vulcão entrava em erupção na água tépida da Pajuçara. Em casa, Audálio revelou as fotos, eram contundentes, amor no fundo do mar, sentiu-se triunfante. Pensou no marido, era apenas mais um corno no mundo, estava feliz, não valia a pena, deu-se por vitorioso, rasgou as fotografias.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quinta, 24 de outubro de 2024

É CARNAVAL - TEM O BLOCO DA NÊGA FULÔ (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLITO LIMA,PUBLICDA A 24.02.2017
É CARNAVAL - TEM O BLOCO DA NÊGA FULÔ
Carlito Lima
(Publicada a 24.02.2017)
 

Há 77 anos eu nascia num ensolarado carnaval. Aos cinco anos, fantasiado de pierrô com lança-perfume na mão, dancei no baile infantil da Fênix. Aos dez, moleque, acompanhava o carnaval de rua atrás dos blocos. Durante a juventude, depois do ano novo, aguardava o carnaval chegar acontecendo nas pré carnavalescas, Baile do Hawaii, Preto de Branco, o chiquérrimo Baile de Máscaras no Clube Fênix onde a bonita burguesia em fantasia ou smoking , caía no passo. Ao amanhecer, banho de mar na praia da Avenida.

Quinze dias antes do carnaval a COC, Comissão Organizadora do Carnaval, realizava toda noite na Rua do Comércio a Maratona Carnavalesca, além do corso, fila de carros rodeando o centro, em cada esquina uma orquestra tocava frevança. Caía no passo junto às moças virtuosas, soldados, empregadas, prostitutas, o povão se misturando na alegria do carnaval, sem diferenças, apenas sorrisos, remelexo do corpo, a alegria de traçar uma tesoura nos passos de um frevo.

Domingo anterior ao carnaval o animadíssimo Banho de Mar à Fantasia, desfile e concurso de troças, fantasias e bloco carnavalesco na Avenida da Paz. A turma de Rubens Camelo, Bráulio Leite, Pitão, Santa Rita, Alipão, os irmãos Moura, numa carroceria puxada a trator, fazia críticas à política, aos costumes, aos acontecimentos da época. Eles eram os arautos da animação, além de brincarem nas ruas, frequentavam clubes e biroscas da cidade.

Foliões fantasiavam-se com bom humor, Fusco, Tarzan, concorriam aos prêmios. Eu e amigos ficávamos apreciando a passagem dos desfiles diante à Comissão Julgadora aguardando uma tradição, os Blocos de Frevo (Vulcão, Cavaleiros do Monte, Vou Botar Fora, Tudo ou Nada, Bomba Atômica, Pitanguinha Vai à Lua, Sai da Frente, entre outros). Depois do desfile, dirigiam-se à casa do Coronel Mário Lima, meu pai esperava com um “laco-paco” de maracujá, cerveja gelada e tira-gosto. Os músicos adoravam, tocavam quatro a cinco frevos, a moçada caía no passo no enorme terraço da casa onde nasci, um bloco de cada vez, iam se revezando. O domingo terminava tarde, minha casa entulhada de amigos, convidados, penetras, o povo. O último bloco desaparecia em Jaraguá ao anoitecer.

O carnaval começava na noite do Sábado de Zé Pereira. Brincava no corso em jipe, vestido de macacão e maizena na mão, meladeira herdada dos entrudos – primeiros carnavais no Brasil. Em toda esquina da Rua do Comércio uma orquestra de frevo animava o povão, dançando, cantando, amores surgindo, amores fugindo, amor de carnaval desaparece na fumaça. Quase meia-noite ao chegar em casa tomava um banho reativante rumo ao baile do Zé Pereira no Tênis Clube ou Iate. A orquestra tocava marchinhas românticas, sambas e frevos até o dia amanhecer.

Domingo por volta das 10 da manhã a moçada já fazia fila, matinal do Clube Fênix, o calor retumbava com a música quente no Ginásio de Esportes, os foliões alegres bebiam de mesa em mesa, lança-perfume no ar. Todos conhecidos como se fosse uma imensa família, as moças bonitas, barriguinha de fora, dançavam em cima das cadeiras ao som das grandes orquestras e bateria de Escola de Samba. À noite depois do corso, mais festa, mais baile. Inexoravelmente vinham a segunda e a terça-feira, “um pé pra frente, dois prá trás, é hoje só, amanha não tem mais”. “Oh! quarta-feira ingrata chega tão depressa só pra contrariar”. A Orquestra do Maestro Passinha dava as últimas voltas no salão, finalmente o sol nascendo se dirigia à praia arrastando os foliões, dançando o Vassourinha na areia branca, fria, terminava num mergulho coletivo no mar azul esverdeado.

Cansados, molhados, sentávamos num banco da avenida, de mãos dadas ou abraçados à namorada, ainda tínhamos fôlego de beijar, e cantar: “Acabou nosso carnaval, ninguém ouve cantar canções. Ninguém passa mais, brincando, feliz, e nos corações saudades e cinzas foi o que restou… “

SAUDOSISTA É QUEM VIVE DO PASSADO. VAMOS ALEGRAR A CIDADE. NO DOMINGO DE CARNAVAL 26 DE FEVEREIRO DE 2017, DESFILE DO “BLOCO DA NÊGA FULÔ” ÀS 15 HORAS PARTINDO DOS SETE COQUEIROS. BLOCO ABERTO, TODOS ESTÃO CONVIDADOS. APANHE A SUA FANTASIA, ALEGRE SEU OLHAR PROFUNDO, QUE A VIDA DURA SÓ UM DIA, LUZIA, E NÃO SE LEVA NADA DESSE MUNDO.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 19 de outubro de 2024

A BARBEIRA DE ANTARES (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLITO LIMA)

A BARBEIRA DE ANTARES

Carlito Lima

– Me dá vontade de trair o Zacarias. Aconteceu de repente esse desprezo pelo meu marido. Vontade de sair com um cara, transar muito, sou a mulher mais carente e idiota do mundo.

Desabafou Augusta à amiga Elizabeth.

– Entendo sua inquietação. Esse negócio de trair é complicado, a maioria das vezes vem arrependimento, piora as coisas. Mas, faça o que seu coração mandar. Tenha calma, reflita para depois não se arrepender. Aconselhou a amiga.

– Você condena essa vontade de eu trair o banana do Zacarias?

– Quem sou eu para julgar? Para condenar alguém. Como amiga posso dar uma opinião, apenas isso. É uma situação passageira, aconselho a pensar, tome um ônibus, passe um bom tempo contemplando o mar, faz bem a cabeça e ao coração

– Eu me enjoiei de Zacarias. Cara fraco, perdedor, desde que foi despedido do emprego há mais de sete meses, vive dentro de casa, esperando um emprego cair do céu, assistindo televisão, tomando cerveja. Ainda bem que temos essa casa aqui no bairro de Antares. Meus pais me deram. Todo dia é uma desculpa ou uma mentira de promessa de emprego, culpando o governo. Eu sustento a casa, comida, água, luz, telefone, a cerveja, o colégio do Carlinhos, tudo com meu trabalho de barbeira na Barbearia de Seu Onório. Zacarias nem aí, só sai para o botequim, chega na hora do jantar, o português da bodega já não vende fiado. É uma tristeza. Minha única reação é não transar quando ele se achega querendo coisas. Uma noite me pegou a pulso, não sei mais o que fazer. Que ele merece um chifre, merece. Tenho um cliente, coroa alinhado, elegante, faz o cabelo toda semana, me olha demais, conversamos muito, eu deixo meu decote bem aberto ele fica contemplando, mas é um homem sério. Da última vez que no salão, ele estava lendo numa revista a reportagem sobre o filme “50 Tons de Cinzas”, disse que viu o filme, gostou das cenas. Eu sorri para ele perguntando se gostava da fruta. O coroa deu uma gargalhada, me respondeu, ainda gosto e é bom. Apesar de ele ter mais ou menos sessenta anos, tenho certeza, se eu quiser, sai comigo.

– Augusta veja o que vai fazer. A melhor solução para briga ou desentendimento é o diálogo. Faça uma força, fale francamente, com o Zacarias, diga tudo que pensa, que ele arranje um emprego, nem que seja de varredor, não é desonra alguma.

Augusta tirou o fim-de-semana para refletir. Sábado ao entardecer foi contemplar o mar azul-esverdeado da praia de Jatiúca. Pensou bastante nas palavras da amiga Elizabeth. Consultou seu coração e sua mente, pensou no Zacarias, no Carlinhos e no sessentão cheiroso.

– Que ares de felicidades são esses? Perguntou, dias depois, Elizabeth encontrando Augusta. Resolveu seus problemas? Gostei dessa transformação jovial, acabou-se a tristeza, voltou sua alegria.

– Minha amiga, tudo começou com o contemplar do belo verde mar, me senti bem, pensei no que meu coração queria. A primeira decisão foi ter uma conversa aberta com o Zacarias, disse que estava a fim de me separar, fui franca, critiquei as grossuras dele comigo, a preguiça de arranjar trabalho. Finalmente acertamos, outra chance no casamento, eu ajudaria a procurar-lhe emprego. As coisas se arrumaram, estamos vivendo melhor, ele agora tem um emprego arranjado por mim, ajuda no sustento da casa, sua autoestima melhorou.

– Ainda bem que você apagou a ideia, a vontade de trair com o coroa elegante. Disse Elizabeth sorrindo.

– É o que você pensa, o coroa elegante chama-se Humberto, com ele arranjei um trabalho de almoxarife para o Zacarias. O Doutor é engenheiro, tem uma construtora. Homem generoso e discreto. Aqui para nós, satisfiz minha vontade. O coroa é ótimo, suas invencionices na cama me deixam nas nuvens.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita segunda, 14 de outubro de 2024

HOMENAGEM AO NERY (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLITO LIMA

HOMENAGEM AO NERY

Carlito Lima

Peço desculpas aos leitores, entretanto, não posso deixar de reproduzir em minha coluna, a crônica de Sebastião Nery editada em mais de 30 jornais no Brasil, onde ele fala da história de Marechal Deodoro e da 3ª FLIMAR em 2012. O maior jornalista dos Séculos XX e XXI, morreu semana passada com 93 anos. Um amigo, um sábio.

* * *

O MARECHAL DA CULTURA

MARECHAL DEODORO (AL) – Lá em cima na mitológica Normandia, cabeça e norte da França, estuário do rio Sena, de frente para a Inglaterra a quem pertenceu em tempos passados, separadas pelo Canal da Mancha sob o qual passa hoje o túnel onde mergulha o trem que liga os dois países, há uma pequena cidade encantada com nome de flor: Honfleur.

O vale do Sena é bordejado de verde e de vaquinhas normandas. Famosos o creme de leite e o Camembert da Normandia. E o conhaque Calvados e a cidra, produzidos com as maçãs que enfeitam os prados.

Honfleur no século 15 era um porto defensivo contra invasões inglesas, em formato retangular e cercado por três ruas de edificações seculares. É como se fosse uma praça, só que no meio é água e o quarto lado dá para o rio Sena, que desemboca no Atlântico um pouco mais adiante. As casas dão a impressão de ter 500 anos ou mais, até hoje habitadas. A primeira referência histórica à Honfleur é de 1027.

HONFLEUR

E o que Alagoas tem com isso? Tem tudo. Em 1500, Portugal chegou a Porto Seguro, viu, gostou, admirou, elogiou, plantou o Marco do Descobrimento, ergueu uma cruz, celebrou uma missa e foi embora. Os piratas fizeram a festa. Sobretudo os franceses. Durou séculos o saque, o contrabando e a farra do Pau Brasil. Em Alagoas os caminhos estavam prontos: havia o mar com a “Praia do Porto do Francês”, o rio São Francisco, os rios Mundaú e Paraíba, as lagoas. Eles chegavam, pegavam o Pau Brasil e levavam, sobretudo para os portos do Havre e de Honfleur, um em frente ao outro. Era o Brasil construindo a Europa, as casas da Europa. Em 1611 nasceu a primeira capital de Alagoas (hoje Marechal Deodoro) como “Povoado de Vila Madalena de Sumaúna”, para proteger o pau-brasil do contrabando e da ação de piratas e outros. Em 1636 já era o “Município de Santa Maria Madalena da Lagoa do Sul”. Só em 1817 capital da capitania de Alagoas, com o nome de Alagoas. Em 1823, cidade. Em 1839, a capital foi para Maceió. E em 1939 o nome da velha cidade foi mudado para Marechal Deodoro, em homenagem ao filho ex-presidente.

A “IIIª FLIMAR”

Há três anos o talento, competência e dedicação do jornalista, escritor e coronel (do Exército) Carlito Lima, secretário de Cultura da cidade, criaram a FLIMAR (Festa Literária de Marechal Deodoro). Nesse final de semana, realizou-se a 3ª. Veio gente do pais inteiro, do Rio Grande do Sul ao Amapá, e da América Latina: jornalistas, escritores, conferencistas, poetas, cantores, grupos de teatro, folclore. Durante cinco dias, diante de suas magníficas igrejas barrocas e sobrados patinados, e sobre as praças de pedras seculares, a cidade tornou-se um anfiteatro da cultura a céu aberto.

Este ano, a IIIª FLIMAR homenageou três consagrados intelectuais: o antropólogo e folclorista alagoano Theo Brandão (Theotônio Vilela Brandão), que fez parte da celebrada geração de Graciliano Ramos, Raul Lima, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz e seu marido José Auto, Aurélio Buarque, Diegues Junior, tantos outros; homenageou também o alagoano acadêmico Ledo Ivo, maior poeta vivo do pais, e o consagrado romancista baiano-carioca Antônio Torres, Premio Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras, com palestras sobre as obras de cada um.

“A NUVEM”

Todos os dias, de manhã, de tarde e à noite, intelectuais fizeram conferencias. Ricardo Cravo Albin, com sua sabedoria e bagagem histórica, celebrou os 100 anos de Luiz Gonzaga, mostrando a contribuição do Rei do Baião para o pais ficar conhecendo o verdadeiro rosto do Nordeste. O romancista Antônio Torres, o jornalista e escritor Luiz Gutemberg, Paloma e Janaina Amado debateram o significado lítero-cultural do centenário do saudoso Jorge Amado. A escritora e crítica literária baiana Miriam Salles analisou a nova literatura nordestina, amazônica e do Centro-Oeste.

Durante três horas, a carioca Beatriz Rabello apresentou para dezenas de bibliófilos uma oficina de restauração de livros antigos. E eu mostrei minha experiência, no Brasil e como correspondente de imprensa, de meio século de jornalista que também publica livros, como contei em meu último livro “A NUVEM – O Que Ficou do Que Passou”. Sebastião Nery – 2012


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita segunda, 19 de agosto de 2024

NO FUNDO DO MAR (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLITO LIMA)
NO FUNDO DO MAR
Carlito Lima
(Publicada a 17.02.2017)



Rosana estudou em colégio de freira, foi carola de igreja na juventude, quase santa em sua maturidade. Usava vestidos de mangas cumpridas, xales nos ombros, encobria o jovem corpo, ninguém sabia o que havia por baixo daqueles panos. Sua mãe, viúva, lhe alertava, mulher depois dos 25 anos fica difícil arranjar marido, está na hora de namorar para casar, tente conseguir alguém que possa lhe sustentar.

Por meio de um deputado amigo, e amante, a mãe arranjou-lhe um emprego na Secretaria de Finanças. Nessa época Rosana conheceu, namorou, Jorginho, baixo, falante, advogado de uma empresa. Sem muito amor, depois de dois anos entre namoro e noivado casaram-se na Igreja dos Martírios, muitos parentes, amigos, lua-de-mel em Salvador. Rosana casou-se virgem, assim conservou-se durante o noivado graças ao respeito do noivo, se fosse da laia de certos indivíduos, aquele cabaço havia voado há muito tempo.

Jorginho ficou surpreso com o desempenho de Rosana na cama, fogosa que nem uma égua no cio, montou e se fez montada, ele voltou da lua-de-mel exausto. Ao retornar à vida normal ficou preocupado com sua ardente mulher, daria conta? Entretanto, Rosana continuou em vestidos longos, cinzentos, assexuados. Somente Jorginho no mundo conhecia verdadeiramente aquela loba cheia de furor na cama, na rua uma dama. Anos passaram, dois filhos crescidos, Rosana continuou do trabalho para missa, para casa. Tinha um tratamento respeitoso ao marido, excelente dona de casa. Só não abria mão de seu banho de mar aos domingos na praia da Pajuçara, defronte ao apartamento. Jorginho não gostava de praia, ela sozinha. Sempre com um maiô discreto.

Em certo momento, as coisas foram mudando, Rosana tornou-se mais alegre, havia felicidade explícita em seu sorriso, chamava Jorginho de meu amor, coisa nunca vista nos 20 anos de casados, seus vestidos encurtaram, colaram nas curvas do corpo, na praia era um biquíni, Rosana tornou-se outra mulher. O marido ficou com pulga, carrapato, piolho e o cão atrás da orelha, nunca vira uma transformação tão radical em uma pessoa. Ele passava o dia a matutar. O que estaria acontecendo? Será influência de alguma colega de repartição? Será que pirou? Deixou de acreditar nos santos? Está me galhando? Ao pensar nessa última pergunta, deu-lhe uma tristeza profunda, aquela depressão típica, exclusiva de corno. Não teve coragem de esclarecer tão delicado assunto com a esposa. Ficou sofrendo calado, sozinho, o pior sofrimento.

Certa manhã tomou decisão, foi ao centro da cidade, subiu no Edifício Breda, conversou com um detetive particular. Contou toda história a Audálio. Ele pediu-lhe uma foto da mulher e seu itinerário normal. Jorginho, contrariado, sentindo-se um traidor, deu-lhe as informações dos locais mais frequentados, inclusive o banho de mar aos domingos, um mergulho na praia da Pajuçara em frente ao seu edifício.

Audálio fez o trabalho, primeira semana sem algum fato concreto, nenhuma pista de traição. Continuou. Seguiu a mulher por toda cidade, nada de anormal, um mês, dois meses de investigação. Jorginho desistiu, era só uma transformação de mulher madura, medo de velhice prematura, como disse o psicólogo. Pagou a Audálio. O detetive ficou frustrado, uma desmoralização, nunca havia desistido, perdido um caso.

Audálio, sem cliente, por distração, continuou seguindo a mulher de Jorginho em todos os lugares, até que num belo domingo, percebeu Rosana entrar o mar, alugou uma bóia de um rapaz alto, espadaúdo, que a ajudava segurando a bóia, chegaram ao fundo até dar água no pescoço. O detetive tirou várias fotos de Rosana apegada ao moreno. Por baixo da bóia, ninguém percebia, discretamente tirava o biquíni, entrava em erupção na água tépida da Pajuçara. Em casa, Audálio revelou as fotos, eram contundentes, amor no fundo do mar, sentiu-se triunfante. Pensou no marido, era apenas mais um corno no mundo, estava feliz, não valia a pena, deu-se por vitorioso, rasgou as fotografias.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 02 de agosto de 2024

LEMBRANÇAS DA ACADEMIA (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLITO LIMA)
LEMBRANÇAS DA ACADEMIA
Carlito Lima
 

Academia Militar das Agulhas Negras

 

O tempo passa, o tempo voa, nesse final de ano serão comemorados 55 anos da formatura de minha turma da Academia Militar das Agulhas Negras – AMAN – 1961. Muitas histórias, lembranças, daquela época estão nítidas em minha mente, como se fosse ante ontem. Foram três anos de rígida formação militar, intelectual e física. Entretanto, a vida de cadete fora dos muros da Academia foi vivida com muita intensidade.

Certa noite gelada de inverno, resolvemos ir à boate Casablanca, éramos sete cadetes bebendo no Bar Zé Carioca em Resende. Ao chegarmos chamávamos atenção, cabeças raspadas, rapazes cheios de saúde, fazíamos furor entre as mulheres do famoso cabaré. Alguns tinham namoradas no lupanar. Nos anos dourados, românticos, prostitutas se apaixonavam.

O conjunto tocava música lenta, salão cheio, pares dançando, se divertindo. De repente um colega, bêbado, tirou para dançar a acompanhante de um caminhoneiro. Depois de áspera discussão, o forte caminhoneiro acertou um murro, o cadete caiu ao chão. Ânimos exaltados, começou uma briga generalizada no salão do cabaré, eu nunca tinha visto luta igual, só em cinema. Murro de um lado, de outro, cadeiras se arrebentando nas costas, nos braços, copos voando. Cadetes x Caminhoneiros. Já havia um bom tempo de briga quando colegas gritaram: “A patrulha da Academia chegou, vamos fugir pelo campo moçada! ” Corremos em direção ao mato, cada um por si no meio do matagal até chegarmos a algum destino.

Ao pular uma janela no fundo do salão senti forte pancada, quebraram uma cadeira em minha cabeça, desmaie. Um colega veio em meu socorro, acordou-me, arrastou-me pelo ombro para o mato. Nesse momento, a Patrulha já havia prendido dois cadetes. Na marcha de retirada noturna pelo matagal fui levado no ombro do colega. A dor aumentando, o sangue não estancava, continuava sangrando. Pedi ao amigo me deixar, preferia apresentar-me à patrulha. De qualquer modo, o ferimento iria me denunciar. Alguns colegas conseguiram se evadir, embrenhando-se matagal a dentro.

O colega improvisou uma atadura com minha camisa apertando o ferimento, tentando estancar o sangue, a cabeça doía. Retornei ao cabaré, fui devidamente preso pela patrulha e escoltado à enfermaria da AMAN, costuraram 20 pontos na cabeça. Eu e mais dois colegas amanhecemos o domingo na prisão da Academia.

Dias depois do acontecimento, cantou no Boletim Interno, transcrito de minhas alterações (assentamentos).

“Punição – Cadete de Infantaria Carlos Roberto Peixoto Lima – Por ter frequentado ambiente não compatível com a situação de cadete, por ter ingerido bebida alcoólica, por ter participado de uma briga contra civis, infringido o R/4, Regulação Disciplinar do Exército, fica preso por 15 dias. Permanece no comportamento bom. Punição de caráter repressivo.”

A prisão em si foi fácil, pouco tempo, afinal, havia dois companheiros fazendo companhia. A cadeia era um cubículo bem arrumado junto ao Corpo da Guarda. Todos os dias saíamos para assistir aulas, educação física e instrução militar. O problema foi a sindicância para apurar os fatos e quem mais participou da briga. O capitão encarregado era encrenqueiro, chato e prepotente. Fez pressão, marcação constante para que eu delatasse os companheiros fugitivos. Todo tarde me convocava para depor; deixava-me numa cadeira por mais de duas horas esperando. O capitão me ameaçava se não delatasse os companheiros seria desligado da AMAN, se delatasse, conseguiria aliviar a punição. Tentou métodos psicológicos, me convencendo ser para o próprio bem de meus amigos, mereciam punição, era uma maneira de educar. O capitão aplicava uma simples tortura mental. Entretanto, jamais delatar era ponto pétreo do nosso código de honra, não escrito, respeitado.

Entre os cadetes havia destaque, os atletas das equipes de futebol, voleibol, atletismo, natação, entre outros, eram os mais destacados. Depois os “cu de ferro”, boas notas, os que estavam sempre entre os primeiros na classificação. Os cadetes levavam uma vida simples, austera, de muito estudo e disciplina, de repente aparecia um fato isolado, caso da briga, fiquei famoso.

Certo domingo escalaram-me de serviço de cabo das baias no Curso de Infantaria, função, fiscalizar a limpeza das baias e dos animais (a Infantaria ainda tinha burro e cavalos). O sargento de dia era um cadete do terceiro ano. Passei o domingo conversando com o colega, lamentou ser pobre, vida difícil, filho de alfaiate. Por conta desse domingo de conversa houve maior aproximação entre nós; quando o via no pátio ou no cinema, depois do jantar, conversávamos bastante. Tornou-se meu amigo.

Fiquei pasmado, admirado, incrédulo quando, em 1969, li uma notícia nos jornais que certo capitão Carlos Lamarca tinha roubado armas e munições no quartel de São Paulo e partido para a guerrilha. Lamarca era o cadete, companheiro de serviço naquele domingo frio da Academia Militar das Agulhas Negras.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quarta, 26 de junho de 2024

O GRANDE ÍDOLO (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLITO LIMA)
O GRANDE ÍDOLO
Carlito Lima



Eram dois irmão chamados Zé, Zé Miguel e Zé Gabriel, para diferençar chamavam o menor de Zé Pequeno, o apelido pegou, sem cerimônia, assim ficou conhecido. Tornou-se comerciante de material de construção, solteirão convicto, chegado às mulheres da vida, nunca namorou. Certo dia apareceu na casa de sua mãe, uma prima vinda do Rio de Janeiro, Zulmira, havia passado dos 30. Zé Pequeno ficou encantado com a vistosa loura, roupa decotada, divertida, sem meias palavras, dizia o que vinha na cabeça, tetas exuberantes, sorriso desavergonhado. Suas conversas escandalizavam a família e amigos. A maldade humana especulava a profissão de Zulmira no Rio de Janeiro. 

Entretanto, o coração tem razões que própria razão desconhece. Zé Pequeno ficou encantado, apaixonado, pela prima. Não adiantaram os fuxicos, as previsões dos amigos. Zé Pequeno respondia, sabia o que queria. Terminou casando-se com a bela Zulmira. Os amigos, os desocupados, previram um belo par de chifres. Com três meses de casados telefonaram para Zé Pequeno, sua distinta esposa estava com um jovem num motel perto da rodoviária. Zé pegou-a em flagrante saindo do motel. Não houve acordo, acabou o casamento. Foi a crônica do chifre anunciado

Zé Pequeno gostou de ser casado, disse para si mesmo, jamais com mulher bonita, casaria novamente com mulher feia. Certo dia entrou na sua loja, Eulália, colega de infância, estrábica, sem muitos predicados da beleza feminina. Logo Zé Pequeno casou novamente, sem medo de levar ponta.

Os anos se passaram, os dois se deram bem, cada qual no seu canto sem se intrometer na seara do outro. Eulália tem uma butique de moda, ganha para seu sustento, é boa e servil esposa. Entretanto, tem duas manias incuráveis, ciúme doentio do Zé Pequeno e neura constante da violência urbana. Ela lê tudo nos jornais sobre assalto, assassinato, sequestro. É sua conversa predileta. Sabe todas as histórias contadas no rádio, televisão. Eulália ama o alarmismo da imprensa, faz bem à sua mente, alimenta-se de fatos tenebrosos. Exagera as histórias, terminando com a frase. “Ninguém suporta mais tanta violência!”

Numa bela tarde de sábado, Eulália foi a uma palestra sobre violência urbana, não poderia perder. O conferencista expôs sua teoria. A maioria dos crimes estão na faixa entre 14 e 26 anos, são traficantes, eles se matam por pontos de venda drogas. De repente o palestrante perguntou à plateia quantas vezes alguém tinha sido assaltado ou quantas pessoas conheciam que foram assaltadas. Apenas duas mulheres levantaram o braço. Eulália pensou, tentou relembrar algum assalto com amigo, nada. Retornou para casa decepcionada, não conhecia um parente, um amigo que foi assaltado, frustrante .

Nessa mesma tarde, Zé Pequeno telefonou para uma amiga moradora do Trapiche, cafetina das melhores meninas de programas da cidade. Apanhou a garota, bonita, alta. Levou-a para um motel. Tarde agradável, alguns uísques, até que na hora do banho ele escorregou, caiu de costa, nuca no chão, abriu-lhe a cabeça, o sangue jorrou.

Foi dirigindo ao Pronto Socorro, levou alguns pontos na cabeça. Zé começou a pensar o que dizer em casa. Teve uma ideia, uma mentira bem encaixada e registrada. Dirigiu-se à Delegacia de Plantão, abriu um Boletim de Ocorrência. Contou o assalto. Quando abriu o carro estacionado, dois rapazes armados mandaram ele dirigir rumo ao Litoral Norte, ao chegar na praia de Ipioca, mandaram parar. Deram-lhe uma coronhada, ele desmaiou. Levaram o dinheiro da carteira, o celular e o lep-top, ainda bem que deixaram o carro e ele, vivo.

Ao contar a história do assalto em casa, veio uma áurea de felicidade e alegria dentro de Eulália, ela não conteve o sorriso de satisfação. Ouviu atentamente a história do marido. Deu-lhe uma íntima satisfação. Contou exagerando a história para toda vizinhança, como Zé Pequeno foi assaltado. Há mais de um mês é seu único assunto. O assalto ao Zé acabou a frustração de Eulália. Zé Pequeno agora é seu grande ídolo.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita terça, 21 de maio de 2024

O INFORMANTE (CRÔNICA DOCOLUNISTA CARLITO LIMA)

 

O INFORMANTE
Carlito Lima
Publicada a 06.02.2017
 
 

Bar do Chope

 

No início ele veio se achegando entre os frequentadores do Bar do Chope, Rua do Livramento. Ninguém sabia de onde Etelvino tinha vindo com aquele ar de malandro carioca, puxando de uma perna. Diariamente no início da tarde ele aparecia com um jornal embaixo do braço, mancando, cumprimentava os habitués do Bar do Chope, abria o jornal e danava-se a ler. Era jornal da semana anterior, mas impressionava por ser jornal de grande circulação no sul do país, O Globo, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil.

Com o tempo Etelvino conseguiu plantar informações que o deixou muito respeitado entre os desocupados e boêmios de plantão. Certa vez conversando com um bêbado, ele insinuou ser informante do S.N.I. e das Forças Armadas. No início dos anos 70, auge da ditadura, isso era nitroglicerina pura, como diria depois de alguns anos um nosso Presidente.

Histórias cheias de mistério, invencionices, cada vez mais circulavam no bar. Uns diziam que Etelvino mancava consequência da explosão de uma granada na luta armada contra comunistas, outros afirmavam com certeza, ele era coronel da Aeronáutica, mancava devido à queda de um avião. Todas as histórias convergiam ele ser um araponga em busca de informações, gente importante naqueles anos. Deviam tomar cuidado, não falar sobre política na frente da autoridade. Meter o pau no presidente Médici, nem pensar. Era cadeia certa.

Etelvino alimentava o mistério sobre sua situação, às vezes exagerava em opiniões e histórias. Já fazia parte da roda de desocupados. Quando ele chegava, os companheiros perguntavam pelas novidades. Ele sério colocava o indelével jornal na mesa, entrelaçava os dedos das mãos e iniciava suas invencionices em tom confidencial, carregando no sotaque carioca.

– Ontem jantei com o coronel comandante do 20º BC no quartel do Exército, infelizmente não posso revelar detalhes, entretanto, digo uma coisa meus amigos, aqui para nós, não vão dizer que fui eu que falei, confio em vocês. É que lá pelo Amazonas para as bandas do Rio Aragarças e Araguaia está havendo maior guerra. Os guerrilheiros comunistas treinados em Cuba, China e Moscou, estão lutando contra os pára-quedistas do Exército. A coisa está preta, muitos mortos e feridos dos dois lados.

Os colegas de copo ficavam admirados. Essas notícias eram proibidas de serem publicadas em jornais, o que dava uma maior credibilidade ao Coronel Etelvino, como os desocupados já o chamavam. Era coronel para cá, coronel para lá.

Etelvino tinha uma boa fonte de informação. Seu sobrinho, sargento da S/2 secção de informações do 20º BC, passava-lhe algumas notícias por alto, o tio insistia. Depois ele desenvolvia a história com fanfarronice no Bar do Chope.

Certo dia ele estava lendo O Globo da semana anterior, enquanto 10 a 12 estudantes bebiam e conversavam junto à sua mesa. Ele ficou escutando a conversa, maior atenção. Logo depois Etelvino se juntou aos amigos numa mesa mais ao canto e começou sua história da tarde. Os bêbados ficaram emocionados em verem os personagens bem perto, ao vivo.

– Estão vendo aqueles estudantes, são todos comunistas, fichados. Aquele magro é o Eduardo Bomfim, o galego é o Ronaldo Lessa, o outro mais gordinho chama-se Jurandir Bóia, ainda tem o Ênio Lins, o Aldo Rebelo e o José Rocha. Estão bebendo e tramando subversão. Serão presos nesses próximos dias.

Os vadios ficavam na maior excitação. Ele sabe de tudo! Que cara bem informado. Admiravam e se orgulhavam da amizade do Informante.

Até que certa tarde quando a “galera” puxava um chope ouviu-se um tiro, dois tiros, vários tiros. Maior correria na Rua do Livramento, gente se abaixando, outros se deitando. Foi Ivanildo Omena, irmão do famoso Cabo Henrique, havia assassinado, descarregando o revólver no seu inimigo Paulo Calheiros no meio da multidão em frente à Igreja do Livramento.

Quando acabaram os tiros, serenou a gritaria, corpos no chão, os bêbados gritaram, “Coronel prenda o assassino”. Só encontraram o grande ídolo algum tempo depois, encolhido embaixo de uma mesa por trás da mureta. Ao responder a um colega que exigia sua interferência naquele brutal assassinato, ele balbuciou, gaguejando, tremendo, ainda acocorado:

– Não… não.. não sou co..coronel não!!!

Ao correr para o banheiro Etelvino não pode esconder a calça melada, cagou-se de tanto medo. Depois desse dia nunca mais o carioca Etelvino, o informante, apareceu no Bar do Chope, nem no Centro da cidade.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 06 de abril de 2024

MULHER DA CAPA PRETA (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLITO LIMA)
A MULHER DA CAPA PRETA
Carlito Lima
 
 
 
 

Aristides cursava a Academia Militar das Agulhas Negras, quando vinha de férias gostava de andar fardado com o uniforme militar. Orgulhava-se de ser cadete e adorava exibir-se. Fazia sucesso entre as garotas.

Durante as férias houve uma festa de 15 anos muito badalada na sociedade alagoana. O pai da moça, um empresário que por sua ousadia de homem de negócios tinha ficado rico, muito rico, morava numa mansão na praia de Pajuçara.

 

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Os jovens dançavam no imenso salão iluminado por vistosos lustres. Aristides havia recebido um convite formal, como era época de chuva, além de fardado levou a pelerine – capa longa, azul escuro, usada como integrante do uniforme do cadete, cobre os ombros e a parte superior do corpo, tem fendas abertas para os braços.

Quando a orquestra iniciou a tocar “Blue Moon”, Aristides avistou uma bela moça no canto da sala olhando em sua direção. Num impulso irresistível levantou-se em direção à bela moça que vestia o único vestido preto naquela festa. Aproximou-se, antes de convidá-la para dançar, ela abriu os braços dizendo que estava esperando o convite. Juntaram seus corpos rodopiando o salão com um abraço bem apertado. Os dois se olhavam como se uma paixão momentânea houvesse surgido.

Certo momento ele perguntou por seu nome. Rita, respondeu a moça. Ele juntou seu corpo ao do jovem, e assim ficaram dançando, mudos, afastavam-se algumas vezes para olhar um ao outro. Caso de paixão fulminante. Dançaram, conversaram. Certa momento, Rita lhe falou, devia ir para casa, tinha que chegar antes da meia-noite. Ele ofereceu-se para levá-la. Na saída chovia muito, chuva intensa, Aristides ofereceu, cobriu sua companheira com a pelerine protegendo-a do aguaceiro, correram em direção ao abrigo de ônibus.

Subiram no ônibus quase vazio. Sentados no banco conversaram como se conhecessem há muitos anos. Ao passar pela Avenida da Paz, Aristides puxou o rosto de Rita, deu um beijo ardente, sentiu seus lábios frio. De repente percebeu que ela chorava.

Perto da praça da Faculdade de Medicina Rita tocou a campainha, o ônibus parou, eles desceram. Ela pediu para não acompanhá-la, morava perto, no dia seguinte devolveria a capa preta, aliás, a pelerine azul escuro. Marcaram na praça.

Aristides, cuidadoso ficou olhando até ela desaparecer na esquina, na escuridão da rua, no oitão do Cemitério Nossa Senhora da Piedade.

Rita não saiu de seu pensamento durante o dia. Quando o relógio bateu sete horas da noite Aristides estava na praça da Faculdade. Ficou a olhar os passantes em busca de um vulto parecido com sua amada. Deu voltas no quarteirão, passou dezenas de vezes na rua em que ela desapareceu. Perguntou a algumas pessoas se conhecia Rita. Até que uma moça assustou-se quando indagada, informou que ela havia morado naquela casa, apontando para um bangalô.

Aristides bateu na porta. Apareceu uma senhora com aparência triste. Tomou um susto quando o rapaz perguntou se ali morava Rita.

A velha mulher perguntou quem era o rapaz. Ele disse ser amigo de Rita, havia conhecido ontem, marcaram para se encontrar naquela noite na praça.

Aristides arrepiou-se, quando a triste senhora respondeu, no dia anterior fez um ano de sua morte num desastre de carro.

Tentando ficar calmo, Aristides contou o encontro da festa. Inclusive. havia deixado com Rita sua pelerine, devido a chuva.

Resolveram ir ao cemitério. Entraram pela alameda principal até a capela, aconteciam dois velórios noturnos, famílias choravam seus mortos. Desviaram para direita onde estava a sepultura de Rita. Ao aproximar-se, perceberam, a pelerine, a capa preta, cobria o túmulo de Rita. Emocionados abraçaram-se chorando. Ficaram no cemitério até a meia-noite quando os portões se fecharam. Aristides não quis levar a pelerine.

Há muito tempo que moradores do Prado e do Trapiche juram ter visto, ainda vêem, nas noites de lua nova, uma bela mulher, pálida, circulando vestida em uma elegante capa preta.

O Coronel Aristides há 42 anos ininterruptos vem a Maceió, tem uma obrigação, rezar no túmulo de Rita.

Em homenagem a mais famosa mulher do bairro, um grupo de foliões do Prado, comandado pelo agitador cultural Marcos Catende formou um bloco, deu o nome de “Bloco da Mulher da Capa Preta”. Todo carnaval desfila pelas ruas do bairro, com um boneco gigante, uma bela mulher vestida e coberta por uma longa capa preta.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita terça, 19 de março de 2024

O MELHOR TIME DO MUNDO (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLITO LIMA)

O MELHOR TIME DO MUNDO

Carlito Lima

Lembrando os 80 anos de Pelé

 

 

Lalá – Getúlio - Ramiro – Zito e Mourão
Dorval – Afonsinho – Jair da Rosa Pinto – Pelé e Pepe

 

Nezito Mourão é um amigo de infância, colega no Colégio Diocesano em Maceió, anos 50. Estudioso, dos primeiros da turma, Nezito desde cedo jogava um vigoroso futebol, até nas peladas da praia da Avenida. Ainda jovem foi convidado a jogar pelo CRB, beque durão, nenhum atacante passava. Eu tinha maior orgulho em ver nos jornais fotografias de meu amigo Mourão junto a Pelé e Coutinho no maior time de futebol do mundo, de todos os tempos, o Santos anos 60 – 61- 62.

Depois do Santos, Mourão jogou num time do Recife. Certa vez a torcida adversária pegou no pé do Negão, xingando, gritando, “é esse!” incentivando ao adversário dar cacetada no Negão. Num lance infeliz Mourão caiu, foi vaiado pela torcida adversária. Cabeça quente, ele levantou-se, segurou no calção, balançou os quibas para torcida. Era um jogo televisionado, Mourão teve que se explicar na Delegacia.

Quando eu morava no Recife encontrava-me com meu amigo, em vez em quando. Certa noite fomos com tomar uma cerveja na Boate Flamboyant, no centro da cidade na galeria do Edifício Walfrido Antunes, onde encontramos mais amigos.

Sentamos, pedimos “cuba-libre”, ouvindo um bonita cantora arrasar com músicas de sucesso. Ela atendeu nossos pedidos, “Felicidade”, “Apelo”, “Chega de Saudade.” No intervalo a cantora aceitou o convite, sentou-se à nossa mesa. Estávamos numa conversa agradável, a moça era simpática e risonha, para Mourão, famoso. Em certo momento, o proprietário da boate, bêbado achegou-se à nossa mesa, falou alto com a cantora, mandou levantar-se e esperá-lo na cozinha. Ele tinha um caso com a moça e pensava ser proprietário também da bonita artista. Estava com ciúme ou com despeito, coisa de corno, tentava tirar a moça bonita de nossa descontraída e bem humorada conversa. O Bêbado insistente segurou-a pelo braço. Mourão, como um cavalheiro, levantou-se e falou educadamente para o cidadão.

– “Meu senhor, a moça está em nossa companhia, ela só sai daqui se quiser, seja quem for o senhor.”

O dono da boate voltou para o balcão. A moça nos pediu desculpas foi conversar com seu patrão. De repente, o garçom trouxe a conta pedindo para que nós pagássemos e que nos retirássemos da boate por ordem do dono, ameaçando chamar a polícia. Como éramos inocentes, não saímos, ficamos esperando a polícia chegar. Depois de quase meia hora de espera pagamos a conta, nos retiramos.

Ao sairmos da galeria, parou um jipe com quatro policiais civis, armados. Entraram na galeria. Para evitarmos confusão, nos dispersamos, cada qual tomou destino diferente. No momento que parei um táxi mais adiante, o jipe freou junto a, descerem quatro homens armados gritando que eu estava preso. Conhecendo esse tipo de policial, pedi calma, falei que era tenente do Exército, que não houve perturbação na boate, tinha que ser ouvido antes de me prenderem. Um policial foi taxativo:

– Tenente pôrra nenhuma! Vai preso agora, seu merda! Suba!

Como detesto apanhar, subi no jipe antes que levasse uma cacetada. Na Secretaria de Segurança, belo prédio à margem do Capibaribe, desci do jipe escoltado. O Delegado mandou calar-me quando tentei esclarecer. Só fui ouvido depois de uma hora de espera. Ao me identificar como tenente do Exército, servindo na 2ª Cia. de Guardas, tropa de elite do IV Exército, o delegado pediu desculpas, chamou os investigadores de imbecis.

Na hora de minha prisão, Mourão assistiu ao longe. Correu a 2ª Cia de Guardas, na Avenida Visconde de Suassuna, contou sobre a minha prisão pela polícia civil. No momento que o delegado se desculpava, ouviu-se um barulho na Secretaria, uma patrulha do Exército, meus soldados que estavam no quartel foram dispostos a me soltar.

Eu fui bombeiro, evitei uma possível briga. Agradeci o apoio dos amigos, mandei a patrulha se recolher. Os soldados estavam inconformados em ver seu comandante preso. Há pouco tempo, um investigador havia matado um soldado da 2ª Companhia de Guardas, os ânimos estavam quentes por uma vingança. Se eu não segurasse os soldados as consequências seriam inimagináveis.

No dia seguinte deu em manchete num jornal: “Tenente Carlos Lima do Exército, acompanhado do jogador Mourão, fazem arruaça em uma boate e são presos”. O pacífico Mourão hoje vive aposentado com uma pousada na Rua do Aragão, centro do Recife, cheio de recordações do seu tempo quando era um jogador caceteiro e fez parte do incrível time Santos, anos 60, o melhor time do mundo, inigualável.

 
 

Carlito Lima - Histórias do Velho Capita segunda, 26 de fevereiro de 2024

SONHANDO COM GERUSA (CONTO DO COLUNISTA CARLITO LIMA)

 

SONHANDO COM GERUSA

Carlito Lima
 

Quando José Júlio nasceu, seu pai, Coronel Maurício, dono de terras a perder de vista no sertão, atendeu ao pedido da esposa, Dona Virgínia, bonita e vaidosa, não quis amamentar o filho, medo dos seios caírem, contratou uma ama de leite. Julinho, bebê bonito, rosado, sorriso permanente nos lábios, chorava ao sentir fome. Ele não gostou do leite da primeira ama de leite, uma “velha” que dava de mamar ao seu 13º filho. O jeito foi apelar para Gerusa, bela negra da fazenda, acabava de parir dois meninos gêmeos, dois mestiços, nome do pai não revelado. Entretanto, alguns sagazes perceberam a semelhança dos gêmeos, a começar pelos olhos azuis holandeses do coronel Maurício. Negra descendente de rainha africana, alta, porte elegante, seios pontiagudos, beleza, dureza, pedindo para serem abocanhados. Assim fez José Júlio quando Gerusa ofereceu os seios. Julinho mamava muito, quando lhe tiravam a ama de leite, ele chorava, chorava, só acalmava quando chupava os seios da negra. Mamou sem leite até aos 10 anos de idade, parou porque Gerusa foi sequestrada pelo namorado pistoleiro e se escafederam para bandas de São Paulo.  O menino entristeceu, chorou muitas noites seguidas, sonhava mamando Gerusa.

José Júlio desenvolveu o corpo rapidamente, parrudo e espadaúdo, diziam ser consequência do leite abissínio da rainha negra. Seu pai o flagrou farejando as empregadas. Ao completar 13 anos, o coronel deu-lhe um presente, levou-o à zona em Arapiraca. José Júlio foi desvirginado por uma rapariga, Pafinha. Depois a reencontrou nos cabarés de Jaraguá.

Ao completar 32 anos, José Júlio, solteiro convicto, um dos maiores boêmios da cidade, anunciou em casa, estava a fim de casar com a nova namorada, Matilda, filha do Coronel Genuíno, dono das terras de São José da Tapera. Ótima notícia para família, quatro meses depois noivou. No dia do noivado seus pais lhe deram de presente uma casa, ou melhor, depositaram na sua conta bancaria o que hoje valeria R$ 450.000,00, para que comprasse a casa. A festa de noivado virou a noite. O casamento era de gosto das duas famílias.

Dia seguinte pela manhã, José Júlio foi ao Banco, nunca tinha visto tanto dinheiro na vida, todo seu, presentão. Filho único. De repente ele surpreendeu-se com a entrada majestosa de uma mulher, a Deusa não andava, desfilava, dirigiu-se ao caixa, todos olhavam seu generoso decote. José Júlio extasiado com aquela aparição, a mulher mais bonita, mais atraente, que já vira em sua vida. Ficou surpreso quando ela o olhou fixamente. Esperou a Deusa na calçada do Banco. Ao aparecer ele se apresentou, José Júlio Nogueira, fazendeiro, advogado. Ela sorriu, perguntou onde tomava uma cerveja nessa cidade. Julinho a levou para uma gostosa barraca de praia, conversaram e beberam toda tarde. Ela, artista de teatro, encenou uma peça no Teatro Deodoro, final da turnê estava voltando para o Rio de Janeiro, onde morava. Terminaram dormindo no Hotel Atlântico. Dia seguinte ela viajou, deixou-o enlouquecido com a noitada de amor; não saiam de sua cabeça os dois seios, duas taças, iguaiszinhos aos de Gerusa, sendo brancos.

José Júlio inventou uma viagem ao Rio. Não retornou, amou Leonor durante cinco meses, duas semanas e dois dias, até acabar o dinheiro da compra da casa. Sem a grana, ele não mais servia para a famosa artista carioca. Julinho caiu em si, escreveu duas cartas pedindo perdão, uma para os pais, outra para noiva.

Algumas semanas depois do retorno, perdoaram o vexame, José Júlio conseguiu reatar o noivado. Certa noite passeava no calçadão de mãos dadas com Matilda. Propositalmente o Coronel Genuíno esbarrou com eles, foi avisando, “Vamos marcar a data do casamento”. Em cinco meses Julinho casava-se na Catedral Metropolitana. As aventuras no Rio de Janeiro ficaram inesquecíveis. José Júlio hoje é um homem pacato, entretanto, seu coração ainda bate forte ao ver passar um belo rabo de saia. Nunca deixou de sonhar mamando Gerusa.

 

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita segunda, 12 de fevereiro de 2024

TABICA DE BIMBA DE BOI (CONTO DO COLUNISTA CARLITO LIMA)

 

TABICA DE BIMBA DE BOI

Carlito Lima

O casal vivia às turras, os dois com suas razões: a fama de mulherengo do marido e o ciúme incontido da mulher apaixonada, Lilibeth.

Antônio Pedro, por ser homem bonito, não pode sentir o olhar de uma garota que fica assanhado. Não precisaria de outra mulher, sua esposa é um elo espécime feminino. Porém, ele tem uma compulsão de querer transar com todas as mulheres do mundo.

 

A desconfiança e ciúme de Lilibeth aumentaram quando o marido passou a atender o celular longe do alcance, falando baixo. Ela pressentiu que era namorada nova, coisa séria, resolveu contratar um detetive. No escritório de Audálio no Edifício Brêda, ela acertou os honorários, forneceu-lhe informações, fotos do marido e um adiantamento. O detetive era bom e o Antônio Pedro era ruim em se esconder. As investigações foram rápidas e o crime facilmente descoberto. A namorada do marido trabalhava em um banco. Saía do trabalho às 16:30 h, no mínimo duas vezes por semana, Antônio Pedro apanhava Juliete, bonita moça, para passar o resto da tarde em algum motel da cidade. Variavam de local. O detetive mostrou fotografias para indignação e raiva de sua cliente.

Lilibeth controlou-se, haveria pegá-los em flagrante. Esperou uma oportunidade. Certa tarde ela notou que seu marido telefonava do celular falando baixo. Coisa só percebida por mulheres ciumentas, elas têm esse incrível faro. Às três horas da tarde o maridão foi tomar banho, dizendo que haveria uma reunião, uma grande venda com um fazendeiro. Antônio Pedro trabalha em uma representação de adubo. Ganha altas comissões nas vendas.

Lilibeth gritou para o marido que estava saindo para comprar cigarro. Porém, dirigiu-se ao carrão do marido, abriu a mala e deixou-a aberta. Recolocou as chaves no mesmo local onde apanhou. Segurou uma tabica de bimba de boi que ficava permanentemente pendurada no porta-chapéus, voltou ao carro, entrou na mala e trancou-se por dentro. Mesmo com a mala espaçosa, ficou desconfortável. Ela deitou-se com as pernas encolhidas com ânsia e coragem.

Antônio Pedro ligou o carro, o barulho do motor aumentou o desconforto. Em torno das quatro horas, o carro parou em uma rua movimentada. Lilibeth sentiu a porta abrir e entrar uma mulher cumprimentando Antônio com um “Ôi querido” meloso, e acomodou-se no assento dianteiro. Sentiu o perfume caro da serelepe, O carro partiu, Lilibeth ouviu um diálogo com dor no coração, com vontade de esganar os dois.

– Meu amor. Quero fazer aquelas coisas maravilhosas. Hoje estou com uma vontade… Vou lhe matar na cama!

– E eu vou lhe dar um banho de gato!

– E a Jararaca continua ciumenta? Será que ela desconfia de nós?

– A Jararaca pensa que é inteligente vive me ameaçando. Mas é burra. Jamais saberá de nós dois. Tomo meus cuidados.

– Meu amor, na próxima semana completa um ano de nosso namoro. Você me prometeu aquele colar, lembra-se?

– Não me esqueci, vamos comemorar juntos, vou inventar uma viagem para Salvador. Você diz no trabalho que está doente.

Lilibeth se conteve até por medo de estar correndo em uma pista de alta velocidade. A raiva no seu peito era tão grande que pensava ter um infarto naquele momento. O carro ainda rolou alguns minutos. Houve outros diálogos para desespero de Lilibeth. O carro diminuiu a velocidade, deu uma entrada à esquerda até frear. Ouviu-se a voz de Antônio Pedro: “Quero uma suíte com piscina”. Antônio Pedro manobrou até que parou de vez na garagem do motel. Nesse momento ele ouviu um barulho, alguém batendo por dentro da mala. Assustado dirigiu-se para traseira do carro, percebeu que havia alguém dentro. Quando abriu, deu-se a grande surpresa: Lilibeth saltou como uma fera, com a tabica de bimba de boi na mão gritava alucinada:

– Sua puta! Jararaca é a puta que a pariu!

Avançou na garota de vinte anos de porte elegante e bonita. Enquanto Antônio foi buscar ajuda na portaria, Lilibeth encheu Juliete de porrada, como se a culpa fosse só da garota. Houve escândalo no motel, o gerente chegou em socorro. Custou a se acalmarem. Colocaram Juliete num táxi e o casal voltou para casa no carro, com constantes ataques de choro e raiva de Lilibeth. Ao chegar, ela expulsou o marido de casa. Três meses depois fizeram as pazes, ele voltou. Estão vivendo no maior amor, nem parece que houve o caso da tabica de bimba de boi. Quem quiser que entenda e que se meta nas brigas de casal.

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 11 de fevereiro de 2024

CONTOS DOS BOSQUES DE VIENA (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLITO LIMA)

 

Logo após a 2ª Guerra Mundial a Europa foi repartida, a parte Leste ficou em mãos da União Soviética onde Stalin implantou o regime comunista, a parte Oeste os americanos tomaram conta. A União Soviética foi aliada contra o nazismo alemão tornou-se inimiga depois da 2ª Grande Guerra, na época foi iniciada outra guerra, política, sem canhões, chamaram de Guerra Fria. Os USA de um lado, a União Soviética do outro, sempre querendo exibirem suas supremacias. Os Estados Unidos distribuíam seus filmes ao mundo mostrando o estilo de vida, o “way of life”, onde tudo corria às mil maravilhas, as mulheres eram plásticas, recatadas e do lar. Nos anos 50 inventaram o concurso Miss Universo, onde representantes de vários países concorriam ao certame mundial da beleza. O Brasil sempre mandava a sua. Em 1954 a Miss Brasil ficou em segundo lugar, a bela e gostosíssima baiana Marta Rocha perdeu por duas polegadas a mais no traseiro, esses jurados…Os países socialistas não concorriam a essa invenção burguesa.

Viajando recentemente pelo Leste Europeu, ex-países comunistas, hoje convictos capitalistas, deslumbrei-me com a beleza das checas, das húngaras, das eslavas. Conclui, se essas mulheres entrassem em qualquer concurso de beleza, ganhariam, são as mulheres mais bonitas do mundo. Por isso o tráfico de mulheres é intenso sequestrando adolescentes eslavas. Depois do petróleo, hoje, o tráfico de belas mulheres é o segundo maior negócio do mundo e as meninas do Leste Europeu são as mercadorias mais valiosas.

Deixando o devaneio ao lado, voltemos à viagem, saímos de Praga num ônibus confortável, sempre assistidos regiamente por Tereza e Pauline Rezende, organizadoras, logo chegamos à capital da Eslováquia a belíssima Bratislava. A cidade tem dois mil anos de história, remonta à época dos celtas, fez parte do Império Romano e ao longo dos séculos atraiu famílias reais, presenciou a coroação de 19 reis e rainhas do império húngaro. A beleza, a cultura, a história e o charme de Bratislava foram danificadas na 2ª Guerra Mundial. Durante os anos vivendo sob o jugo de Moscou se esqueceram do passado lendário da cidade. Recentemente, a cidade passou por uma grande reconstrução, um despertar cultural. Os turistas estão redescobrindo a charmosa cidade velha, os tesouros góticos da cidade, os restaurantes elegantes, os cafés.

A música em Bratislava está vinculada à vida musical vienense. Notáveis compositores frequentaram a cidade, Mozart, Haydn, Liszt, Bartók e Beethoven que interpretou sua Missa Solemnis pela primeira vez em Bratislava.

Almocei um gostoso goulash servido pela garçonete mais bonita do mundo. Mais algumas voltas na cidade partimos para Viena, a exuberante capital austríaca.
ANSCHLUSS- palavra alemã significa anexação. É utilizada em História para referir-se à anexação político-militar da Áustria por parte da Alemanha em 1938. Logo depois houve um plebiscito, onde 95% dos austríacos votaram a favor da anexação, a Alemanha ganhou a Áustria sem precisar invadir, sem morrer um soldado, o país se considerava alemão. Depois da 2ª Guerra, na divisão entre os vencedores, a Áustria ficou sob domínio americano.

Viena, a capital, é reconhecida pela ONU como a cidade de melhor qualidade de vida do mundo. Segurança pública altamente eficiente, serviços públicos excelentes, educação de alta qualidade e diversidade de opções culturais e lazer para população de todas as categorias sociais.

Viena é uma cidade de exuberantes palácios, museus, catedrais e igrejas carregados de história, de largas avenidas repletas de elegantes cafés e restaurantes. Historicamente foi e continua sendo o centro de música erudita, da música clássica, berço e moradia de extraordinários artistas, Franz Schubert, Beethoven, Strauss, Mozart. Entre as grandes figuras vienenses estão, Sigmund Freud, o famoso psicanalista, a imperatriz Isabel Amélia Eugênia, conhecida como Sissi da Áustria. Em 1956 realizaram o filme, Sissi a Imperatriz, com Romy Schneider, produção cinematográfica austríaca de maior sucesso no mundo, depois mais 2 filmes em continuação.

Durante uma noite tivemos o privilégio de ouvir na Ópera de Viena um empolgante, elegante (direito à champanhe no intervalo) e inesquecível concerto, me enlevou a alma, trouxe-me recordações da distante infância quando ouvia na Rádio Difusora de Alagoas o programa “Sonho de Valsa”, naquela época me deliciavam as valsas de Strauss, principalmente, a preferida, “Contos dos Bosques de Viena”. Era a valsa que ouvia naquele momento, naquele local, mais chique impossível.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita terça, 23 de janeiro de 2024

TRÊS PASSAGENS (CONTO DO COLUNISTA CARLITO LIMA)

 

TRÊS PASSAGENS

Carlito Lima

– “Geraldo, há algum tempo precisava conversar com você, pode me dar alguns minutos? Vamos pegar uma mesa?” Disse Luzia abraçando o irmão, ao encontrá-lo no shopping.

Feliz em encontrar a irmã querida no início daquela tarde de sexta-feira, Geraldo sentou-se e pediu dois chopes. Luzia olhou-o, sorriu-lhe e foi direto ao assunto.

 

– “Geraldo querido, só nós dois é que sabemos o quanto nos amamos, sou louca pelo meu irmão caçula desde que nasceu. Nossas afinidades sempre foram visíveis, nos entendemos com apenas um olhar. Por isso quero essa conversa. Você casou-se, separou-se, agora está solteiro novamente aos 40 anos, nunca dei palpite em sua vida amorosa, boêmia e escandalosa. Desculpe eu estar me intrometendo em seu novo namoro, você insinuou em breve um casamento. Sua namorada, Maria da Graças, parece equilibrada e sensata, embora seja bem mais nova que você. Acontece que, informaram-me um pequeno detalhe de sua vida pessoal e eu tenho obrigação de lhe passar, não quero que seja enganado. Fonte fiel confidenciou-me: ela é sapatona, ou melhor, bissexual, tem um caso com aquela morena, andam muito juntas, se diz prima. Desculpe eu tocar em sua vida particular. Sabendo do fato, seria uma imperdoável traição por omissão não contar-lhe esse pequeno detalhe.”

Geraldo respirou fundo, tomou dois goles de chope, pensou, pensou, respondeu à irmã ainda no impacto emocional da notícia.

-“Obrigado Luzia, você agiu como uma irmã querida, não poderia ser de outra forma, francamente, nunca desconfiei de Graça. Eu até gosto de sua prima Fátima, nada me fez perceber essa opção sexual de minha namorada, ela gosta de homem, tenho certeza, na cama é um arraso. Vou pensar no que fazer, é caso grave, não sei se dá para conviver sabendo que sua mulher gosta de outra mulher. Obrigado minha irmã.” Geraldo pediu mais chope, passaram o resto tarde conversando.

Eram nove horas da noite quando Geraldo encontrou-se com Maria das Graças na Barraca Pedra Virada, orla da Ponta Verde, acompanhada de Fátima, tomaram chope, uísque, tira-gosto, jantaram quase meia noite. Duas horas da manhã deixaram Fátima em casa, dormiram no apartamento, amaram-se. Geraldo nunca mais havia passado uma noite de amor com tanta intensidade. Pela manhã do sábado resolveram dar um mergulho na praia do Francês. Graça perguntou se podia convidar Fátima.

– “Tudo bem” – disse Geraldo – “porém, quero uma conversa com você”. Foi claro e taxativo com a namorada.

– “Graça, temos mais de dois anos juntos, somos adultos, lhe amo, tenho de ser sincero. Sua amizade com Fátima vem atiçando a maldade alheia, vieram me fuxicar de um relacionamento íntimo entre vocês duas, é o boato corrente nas rodas da cidade”.

Graça ouviu olhando nos olhos do namorado, depois baixou a cabeça, respirou fundo, encarou-o novamente, abriu seu coração com franqueza.

– “Geraldo querido, é verdade! Eu tenho essa opção sexual a mais, sou bissexual e Fátima não é minha prima. Estava esperando um momento apropriado para conversar sobre essa situação. Conversei muito com Fátima, temos uma proposta, você pode se chocar, francamente não imagino sua reação. Minha única certeza é que lhe amo, quero você, quero ficar com você, não importa se casados ou juntados. Minha proposta é meio louca, entretanto, foi bem pensada, amadurecida: Quero continuar nosso relacionamento como está, cada qual em seu lugar. Peço-lhe apenas que você conheça melhor a Fátima, sinta como é uma pessoa boa, entre em suas intimidades, depois me diga se aceita a situação entre nós três, sem compromissos”.

Geraldo teve um impacto com aquela inusitada proposta, pediu um tempo para pensar. Conversou e passou algumas noites com Fátima. Não precisou muito tempo para definir-se. Estão em período de adaptação, tiraram férias juntos passeando na bela cidade de Buenos Aires, o mais caro foram as três passagens de avião.

 

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita segunda, 08 de janeiro de 2024

ELEIÇÃO DE 1950 (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLITO LIMA)

 

ELEIÇÃO DE 1950

Carlito Lima

 

Silvestre Péricles era um governador honesto, trabalhador, contudo, arbitrário, um caudilho, às vezes violento em suas imposições políticas. No dia 3 de outubro de 1950 estavam marcadas eleições gerais. Silvestre lançou seu candidato a governador, Campos Teixeira. Naquela época não havia pesquisa, mas ele dizia ter mais de 80% dos votos. Os caciques da oposição, da UDN, com eleição garantida para deputado, não se arriscaram a candidatar-se contra Campos Teixeira. Foi quando apareceu um jovem jornalista, com ousadia e audácia topou a candidatura afirmando que ganharia a eleição para governador do Estado. Arnon de Mello entrava assim para história das Alagoas. Candidato à Constituinte de 1945, Arnon perdeu; teve 1.300 votos. Atrás de Silvestre (6.105), Rui Palmeira (3.232), Freitas Cavalcanti (2.388). Na frente de Carlos Prestes (1.093), Graciliano Ramos (62).

A campanha eleitoral de 1950 foi uma das mais violentas na história das Alagoas. Como todo déspota, Silvestre não admitia crítica. Quando os jornalistas da oposição criticavam o governo com veemência, ele ficava possesso e dava o troco. Mandou dar surra no jornalista Donizete Calheiros, empastelar um jornal, tocar fogo no caminhão dos estudantes que pichavam os muros com propaganda de Arnon. A campanha foi um período de tiros, mortes, chacina na cidade de Mata Grande, várias pessoas de uma família morreram. O irmão de Silvestre, Senador Ismar de Góes Monteiro, seu inimigo político, levou três tiros numa tentativa de assassinato. O clima era de total intranquilidade.

Numa noite de brisa de agosto, eu estava em minha casa lendo revistas em quadrinhos, menino de 10 anos, experto, maloqueiro da praia da Avenida da Paz, quando bateram palmas no portão. Atendi e me surpreendi com um grupo de político, em torno de uma dúzia, a maioria com paletó branco e apenas uma mulher. Perguntaram-me pelo Coronel Mário Lima, comandante do 20º Batalhão de Caçadores. De repente meu pai chegou cumprimentando os visitantes, seus amigos. Era a cúpula da UDN que pedia abrigo para realizar uma reunião, o único local que acharam seguro para discutirem as estratégias de campanha e denunciar o clima de intranquilidade foi minha casa. Meu pai os recebeu, deixou-os à vontade na sala.

Os membros da oposição, que Silvestre chama de “udeno-comunistas”, discutiram durante toda noite. Eu, menino curioso fiquei admirando, prestando maior atenção ao debate sobre as medidas a serem tomadas. O que mais me impressionou foi a atuação determinada e cheia de opiniões da única mulher do grupo, Dona Leda, esposa de Arnon de Mello; naquela época lugar de mulher era na cozinha. Fui dormir e deixei os políticos, Rui Palmeira, Freitas Cavalcanti, Melo Mota, Carlos e Mário Gomes de Barros, Ezequias da Rocha, Oséas Cardoso, entre outros discutindo até a madrugada, com o apoio da água gelada, cafezinho, doce de mangaba, bolo, e refresco de cajá de Dona Zeca.

Essas reuniões se repetiram. Meu pai, tomou essa posição em receber seus amigos políticos na nossa residência para evitar mais violências. Ele comunicou o fato ao governador e ao General Comandante da 7ª Região. Ele se responsabilizava pela acolhida aos políticos receosos de uma reprimenda.

Arnon de Mello estava crescendo eleitoralmente na capital e no interior, o que levava os governistas ao desespero. A eleição se aproximava e a garantia das tropas do Exército solicitada pela oposição não chegava ao 20º BC. O General Góes Monteiro, irmão de Silvestre, eminência parda da República, candidato a Senador em Alagoas, segurou a ordem de envio de tropas para garantir a eleição no interior.

Foram expedidos radiogramas para a 7ª Região Militar–Recife, informando que estavam sendo preparadas fraudes e violências durante a eleição. Eram duas horas da manhã do dia 3 de outubro, quando chegou a ordem para garantir as eleições em Alagoas. O 20º BC permanecia de prontidão com a tropa organizada para ser distribuída nos municípios. Havia um problema: não existia viatura suficiente para o deslocamento imediato dos soldados para todo Estado. O coronel Mário Lima requisitou caminhões, camionetes que passavam em frente ao quartel; embarcaram todos os soldados para o interior. O Exército garantiu a eleição. Apurados os votos, Arnon teve 56.962 votos contra 36.338 de Campos Teixeira. O general Góes Monteiro candidato a senador, pensou ser uma eleição fácil para ele, não fez campanha, perdeu para um médico, obscuro político de Sertãozinho (hoje Major Izidoro), Ezequias da Rocha.

No mês de novembro, em uma inspeção do general comandante da 7ª Região à guarnição de Maceió, o coronel Mário Lima acompanhou o general comandante em visita de praxe ao governador. Depois da rápida conversa quando retornavam pela sala, Dona Constança, mãe de Silvestre, sentada em uma cadeira de balança, provocou: “Esse Exército de merda fez meu filho perder a eleição”. Os militares fingiram não ouvir. Sorrindo desceram as escadas do Palácio dos Martírios.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 31 de dezembro de 2023

CARTA A JHC (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLITO LIMA)

 

CARTA A JHC

Carlito Lima

 

Caro Prefeito eleito de Maceió, João Henrique Caldas:

Machado de Assis em seu célebre romance apresenta a Teoria de Quincas Borba na frase que ficou famosa “Ao vencedor as Batatas”. Essa frase indica que apenas as disputas, as guerras (e as eleições) levam um grupo à vitória, e nesse caso o vencedor é simbolizado com o ganho das batatas, ou seja, aquele que mais apto venceu a concorrência do meio. Significa que pela disputa da Prefeitura de Maceió, as batatas, a “batata quente” está em suas mãos. Foi uma vitória de repercussão nacional por ter vencido o candidato apoiado pelo governador Renan Filho e o pai, senador Renan Calheiros. Eu votei no meu querido amigo, Alfredo Gaspar, um homem honrado, e continuo cidadão de Maceió, por isso quero desejar uma excelente administração à frente de minha cidade, essa linda.

“A democracia é o mais complicado dos regimes políticos, mas não há nenhum sistema melhor que ela”, dizia o nobre inglês, herói da 2ª Guerra Mundial, Winston Churchill. No início da República Brasileira, os eleitos tinham força de donos do Estado, quase ditadores. Felizmente a democracia evoluiu às duras penas, hoje no Brasil o sentimento de pertencimento do cidadão é latente, o amor à cidade não é privilégio.

Trocando em miúdes, quero dizer que o senhor foi eleito para administrar Maceió, é quem vai definir as prioridades e escolher seus auxiliares dentro dos compromissos políticos, assim é a democracia. Os compromissos com o povo durante a campanha eleitoral são tão importantes quanto os compromissos com quem o apoiou. E o senhor é prefeito de toda a cidade e de todos os cidadãos, mesmo os que não votaram na sua chapa (com um vice do quilate de Ronaldo Lessa), continuam cidadãos e proprietários da cidade que a partir de 1º de janeiro o senhor governará.

E como cidadão maceioense, o maior título que obtive na vida quando nasci no bairro histórico de Jaraguá, tomando banho de mar na praia da Avenida, por essas mal traçadas linhas vou iniciar minhas reinvindicações para melhorar a qualidade de vida do povo.

Hoje a Europa vive praticamente do Turismo, é a maior força econômica do mundo. E nossa belíssima cidade tem a vocação do turismo; já existe uma política econômica e bom trabalho nesse setor, mas há muito que fazer. Por exemplo, o turismo cultural, as agências de receptivos fixam-se apenas nas praias, encantando os turistas com a cor do mar. Não existe o turismo cultural, embora tenhamos dentro da cidade um Corredor Histórico, um roteiro pronto para ser explorado: Iniciando no Espaço Pierre Chalita, logo depois o bairro histórico de Jaraguá com a Praça Dois Leões, a Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo onde num passado distante houve uma chacina dentro da Igreja com mais de 20 mortos, essa história ficou abafada para população.

Ainda em Jaraguá está o belo prédio do Arquivo Público, o IPHAN, o Museu de Imagem e Som (MISA), a Associação Comercial e vários prédios antigos barrocos. Continuando o corredor descortina a centenária Avenida da Paz (1920-2020) com o coreto, o Memorial da República e mais adiante o Museu de Folclore Théo Brandão. Entrando em direção ao Centro a Praça Sinimbu temos a casa do poeta Jorge de Lima e o Espaço Cultural da UFAL. Subindo a ladeira encontramos a Praça Dom Pedro II, a Assembleia Legislativa, a Biblioteca Estadual e a Catedral. Seguindo a Rua do Sol logo se vê o maravilhoso Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, o museu de nossa história. Adiante a Praça dos Martírios. Igreja dos Martírios, O Museu Pierre Chalita e o Museu do Palácio Floriano Peixoto (MUFA).

Terminaríamos o passeio histórico na Praça Deodoro onde fica a Academia Alagoana de Letras, o belo prédio do Tribunal de Justiça e o centenário Teatro Deodoro, onde haveria um show de nosso folclore. Fica a sugestão, ideia do Douglas Apratto. Mas para que o turismo aconteça profissionalmente é preciso um trabalho de saneamento acabando com as línguas sujas das praias e despoluindo a praia da Avenida da Paz, a mais bonita praia do Brasil. Robusteça a economia com o turismo, Prefeito, será a redenção econômica da cidade, que todos tenham usufruto dessa economia. Paro aqui, minha coluna tem pouco espaço. Um abraço no João Caldas, amigo de velhas datas. Muita coisa a ser feita nessa cidade, olhe para os pobres e calce as sandálias da humildade, são as batatas quentes do vencedor.

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 22 de dezembro de 2023

A MORENA DA GRUTA DE LOURDES (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLITO LIMA)

 

Na década de 60 era um vasto terreno. Tudo era mata e uma pequena gruta. A família Breda, uma das mais tradicionais da cidade de Maceió, chegou, construiu sua mansão e começou a lotear o imenso terreno, vendendo por preços módicos. O velho Breda quis homenagear sua esposa, dona Lourdes e Nossa Senhora de Lourdes, e daí surgiu o nome do novo bairro: Gruta de Lourdes.

 

 

As famílias de classe média começaram a se interessar pelo local, e foram construindo suas casas, já obedecendo à arquitetura moderna, separada uma das outras por muros, com jardins, garagem e quintal. Também doou terreno para a construção do primeiro grupo escolar. E o bairro foi crescendo.

Jardim do Horto na Gruta de Lourdes é um empreendimento urbano dos mais bonitos e bem planejados da cidade. Nesse aprazível local de ótima qualidade de vida moram os abastados; médicos, engenheiros, promotores, fazendeiros, grandes comerciantes. Apenas sortudos da vida residem nesse paraíso. Entre eles encontra-se o médico e fazendeiro, Dr. Nerivaldo do Amaral. Sua santa esposa, Salete, o tem como um Deus, ou melhor, um santo imaculado, um bom samaritano, imagem conseguida em anos de convívio.

De fato, Nerivaldo é um homem trabalhador. Seu patrimônio foi construído com muito suor. Honesto nos negócios, sempre procurou justiça em suas decisões e na sociedade. Não joga, nem fuma, bebe um pouquinho.

Um cidadão não pode possuir apenas qualidades, seria um absurdo histórico e sociológico. Todos têm algum defeito, o Dr. Nerivaldo também tem seu ponto fraco. Seu calcanhar de Aquiles é uma morena, menina nova e carinhosa. Com truques e artimanhas, ele consegue camuflar suas aventuras. Salete nem desconfia e põe a mão no fogo por seu marido.

Certo dia, ao sair do Jardim do Horto para o trabalho, entrando na Avenida Fernandes Lima em direção ao consultório, parou no sinal vermelho do semáforo, ao lado ambulantes vendiam frutas e verduras. Apareceu de repente uma moça oferecendo macaxeira da melhor qualidade, barata, dizia a morena com vestido leve e solto, cabelos encaracolados, olhos negros que ao encontrarem os de Nerivaldo pareceram sair faíscas. Nosso médico teve tempo de comprar um feixe de macaxeira, logo deu partida no carro quando o sinal verde abriu passagem.

No dia seguinte ao passar pelo mesmo sinal procurou e avistou a morena da cor do pecado que lhe sorriu ofertando um feixe de macaxeira. Ele deu uma nota de R$ 20,00 e alegrou a jovem mandando guardar o troco.

Continuou comprando macaxeira diariamente. Teve de explicar à esposa, comprava para ajudar sobreviver uma família faminta. Salete deu-lhe um cheiro com amor, enaltecendo a generosidade do marido.

Nerivaldo nunca esperou as coisas caírem do céu, sempre as fez acontecerem. No início de uma tarde de uma sexta-feira de verão, quando a bela morena dos olhos de graúna se aproximou, em poucas palavras ele se abriu, disse o que queria. Marcou encontro no ponto de ônibus próximo, às sete da noite.

No retorno do trabalho, na hora marcada, ele foi se aproximando do local, marcha lenta numa avenida de alta velocidade, percebeu que a jovem estava no ponto combinado. Invadiu-lhe uma alegria indisfarçável de aventureiro, freou o carro, a morena entrou, sorriu sentando a seu lado.

Dr. Nerivaldo ficou deslumbrado com a beleza daquela mulher sem pintura, parecia porcelana marrom. O rosto oval coberto pelos cabelos encaracolados abrigava dois olhos negros, brilhantes e desafiantes como se chamuscassem pequenos raios. Boca carnuda sorridente dava o toque sensual das mestiças. Maria da Pureza, 22 anos, nascida em um povoado de Lagoa da Canoa (terra de Hermeto Pascoal). Bastava isso para o Dr. Nerivaldo, nada mais quis saber.

Quebrando o gelo com conversa divertida, o doutor passeou com o carro durante mais de 10 minutos até chegar num motel do Tabuleiro. Pegaram a melhor suíte, bem decorada, cheia de espelhos, impressionou Pureza, ela admirava: Que bonito, que bonito!

Nerivaldo abraçou a morena, beijando-a no pescoço, no rosto, na boca. Num rompante carinhoso desabotoou os laços por cima dos ombros, o vestido de chita caiu-lhe aos pés, mostrando o corpo perfeito, torneado, curvas sensuais, seios pontiagudos, pareciam dois cuscuz de chocolate. Noite inesquecível. De madrugada partiu para a fazenda, aonde deveria estar desde a noite anterior.

O Doutor não pode mais viver sem Pureza, a morena da Gruta, que continua a morar numa casa singela, por trás do condomínio dos ricos. Por imposição de Nerivaldo ela agora estuda à noite, aprendeu a ler, não vende mais macaxeira, está trabalhando numa empresa de um amigo servindo cafezinho e fantasias aos homens. Entretanto, permanece fiel a seu protetor, o bom “samaritano”, Dr. Nerivaldo do Amaral residente no Jardim da Gruta.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quinta, 14 de dezembro de 2023

O NATAL DO CENTENÁRIO DA AVENIDA DA PAZ (CRÔNCA D COLUNISTA CARLITO LIMA)

 

 

As Capitanias Hereditárias foram a primeira medida reais de colonização tomada pelos portugueses em relação ao Brasil. Com as capitanias, foi implantado um sistema de divisão administrativa por ordem do rei português D. João III, em 1534. A América Portuguesa foi dividida em 15 faixas de terra, e a administração dessas terras foi entregue a cada um dos donatários. A capitania de Pernambuco em cujo território incluía a região que hoje é o Estado de Alagoas tinha como donatário Duarte Coelho que inicialmente preocupou-se apenas com Recife e Olinda. Os sabidos franceses com suas naus corsárias passaram por essa bela região e verificaram que era abundante em Pau Brasil. Construíram o Porto dos Franceses onde hoje é a belíssima praia do Francês, daí o nome, e ficou por mais de 40 anos roubando o Pau Brasil descaradamente e levando para Europa em suas embarcações de madeiras. Eles não construíram uma casa, não houve colonização francesa na região, era apenas roubo.

Tardiamente o donatário da capitania de Pernambuco se mancou, expulsou os franceses e construiu o povoado de Santa Maria Madalena da Alagoa do Sul, onde hoje é a cidade de Marechal Deodoro. O porto dos franceses foi aberto para o comercio. O povoado passou a vila em 1611 e depois os nomes da vila foram diminuindo para Alagoa do Sul, depois, apenas Alagoas. Quando em 1817 nossa província de emancipou politicamente de Pernambuco tomou o nome de Província de Alagoas com capital na cidade de Alagoas (hoje Marechal). Acontece que por volta do século XVIII veio a Revolução Industrial no mundo e as embarcações de madeiras, as naus, foram substituídas pelos navios de ferro, os vapores.

Quando esses vapores vieram comercializar em nossa região não podiam atracar no porto dos franceses, de madeira, muito frágil, entretanto, encontraram um ancoradouro natural em pedras dentro do mar fazendo uma curva na enseada de Jaraguá. Os grandes navios aportaram nesse ancoradouro e Jaraguá iniciou uma efervescência de desenvolvimento refletido na cidade de Maceió que teve um surto de desenvolvimento ficando maior que a cidade de Alagoas (Marechal). Em 1839 a capital da Província de Alagoas foi transferida para a cidade de Maceió, sob o protesto do povo da antiga capital, chegaram a planejar uma guerra para não deixar levar o grande cofre da Prefeitura. Maceió cresceu muito com dois núcleos populacionais: o bairro de Jaraguá e o povoado do Centro gerado de um engenho de açúcar construído onde hoje é a Praça Pedro II, em frente à Igreja da Catedral. Ligaram os dois núcleos urbanos construindo um aterro e a praia de Jaraguá passou a se chamar, praia do Aterro.

Entre 1914 e 1918 rebentou a 1ª Grande Guerra Mundial, Alagoas não foi à Guerra, mas, quando se deu o armistício, quando a guerra acabou em 1918, o então prefeito de Maceió, Firmino Vasconcelos festejou com a população a paz mundial na praia do Aterro com as Bandas Filarmônicas Santa Cecília e Carlos Gomes de Marechal Deodoro e muita cachaça. Um verdadeiro carnaval comemorando a paz entre os povos, a paz mundial. Naquela festa o prefeito prometeu a população que ali na praia do aterro construiria uma Avenida bonita à beira mar e daria o nome de Avenida da Paz. Como o prefeito era um homem de palavra diferente desses políticos de hoje em dia, construiu a bela Avenida Paz que foi inaugurada em 1920.

E nesse ano de 2020, a poeta, artista, produtora, Mirna Porto, com sua sensibilidade resolveu realizar o Natal do Centenário da Avenida da Paz, com uma festa belíssima, muita música, muita animação, claro que tomando todos os cuidados possíveis nessa época de pandemia, entre 15 de dezembro e 5 de janeiro. Está de parabéns a cidade de Maceió, a centenária Avenida Paz continua tão bela quanto em 1920 quando foi entregue ao povo. A festa do centenário está sendo realizada no coreto, que foi construído em 1928 pelo, então prefeito Jaime de Altavilla, e continua até dia 5 janeiro. Mesmo nesse tempo de pandemia, um bom Natal para todos maceioense e os agradecimentos a essa mulher forte, decidida, sensível, essa artista que já deixou seu nome na história da cultura alagoana, Mirna Porto.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita terça, 05 de dezembro de 2023

UMA HISTÓRIA DE NATAL (CONTO DO COLUNISTA CARLITO LIMA)

 

UMA HISTÓRIA DE NATAL

Carlito Lima

 

Depois de três anos de muito estudo, privação e ralação, afinal Bentinho terminava o curso na Escola Preparatória de Cadetes de Fortaleza. Seu destino era a Academia Militar das Agulhas Negras, onde se formaria oficial do Exército. Naquele ano houve em Fortaleza uma “Maratona de Matemática”. Bentinho bom na matéria tirou 1º lugar. Ganhou uma passagem à Europa pela PANAIR.

Ao chegar á Maceió mostrava a passagem com orgulho, seu prêmio, tinha agora uma sonhada viagem à Europa. O programa de férias era simples como são as coisas boas da vida. Bentinho acordava cedo, vestia um velho calção de banho, descia para a praia da Avenida da Paz, jogava futebol, mergulhava no azul do mar, namorava Ana Lúcia. Encerrava o dia com boa noitada na boemia de Jaraguá.

Certa tarde convidou a namorada para assistir no Cine São Luiz, o filme, “Suplício de uma Saudade”. Ao sair do cinema passearam pela Rua do Comércio apreciaram vitrines das lojas: A Brasileira, A Radiante, Livraria Ramalho. Na bem ornamentada vitrine da Joalheria Machado destacava-se uma bonita tiara dourada. Entraram na joalheria. Bentinho colocou a tiara na cabeça de Ana Lúcia, ficou emocionado com a beleza. Ao ver o preço, o sonho acabou. Muito caro para dois jovens ainda dependentes. A tiara ficou catalogada nos sonhos impossíveis.

Na véspera de Natal a juventude convergia à festa de rua na Praça da Faculdade, Praça Afrânio Jorge, no Prado. Bentinho amava assistir os folguedos natalinos, pastoril, chegança, guerreiro, reisado, o belo folclore de sua terra. Perto da meia-noite cada qual se reunia com a família em casa para a distribuição e troca de presentes. Depois da ceia as famílias vizinhas assistiam a missa no coreto da Avenida da Paz.

Bentinho emocionou-se ao ver Ana Lúcia na missa, estava mais linda, exuberante, deslumbrante, cabelos castanhos longos, o sorriso mostrava a alegria de sua alma. Ele se aproximou, deu-lhe um beijo terno, entregou-lhe o presente de Natal.

Ao desembrulhar o papel, apareceu uma linda caixa. Ana Lúcia abriu, emudeceu, balbuciou alguma coisa incompreendida. A emoção lhe deixou atônita ao perceber a cintilante, a belíssima tiara da Joalheria Machado. Colocou-a de imediato na cabeça, uma rainha. Ela soube depois, seu amado havia se sacrificado, vendeu a preciosa passagem para Europa e comprou o desejado e impossível presente. Ana Lúcia feliz, radiosa, mostrava a todos sua belíssima tiara. Qual mulher não fica louca de felicidade por uma loucura de amor?

Depois da missa se afastaram, ficaram conversando num banco da Avenida, quase deserta, com beijos e carinhos excitantes. Eram quase três horas da manhã quando a namorada convidou Bentinho para um passeio na praia, curtir as estrelas, noite escura de lua nova, molhando os pés na marola e sapatos nos dedos. Em certo momento abraçaram-se, ela devagar se sentou na morna areia, tomou-lhe a mão, puxando-o. Ele sentou-se ao lado e ouviu a mais bela declaração de amor.

“- Bentinho, eu lhe amo mais que tudo nesse mundo. Passei essa semana escolhendo um presente para você nesse Natal. Foi difícil, tudo que imaginava você merecia mais. Na hora de dormir ficava matutando, escolhendo o melhor presente. Pensei, refleti. Resolvi então lhe dar o que mais tenho de importante na vida, eu mesma. Nesse Natal quero lhe dar meu corpo, meu sangue, meu amor. Sei que você me ama, me respeita, também é tarado por mim. Meu presente sou eu, minha virgindade, minha vida. Quero ser sua, quero que me possua…”

Abraçaram-se na areia branca. Com muitos carinhos soltaram os desejos presos, lascívia cheia de ternura. O vento soprou em direção ao mar, apenas Yemanjá, os botos, as carapebas, tainhas, arraias, ouviram os gritos de dor e de gozo de uma rainha de tiara dourada.

Os dois ainda estavam deitados na areia, abraçados, quando o Sol apareceu como um Rei. Despontou no horizonte bem longe uma cabeça vermelha como se fosse uma criança nascendo. Nuvens brancas tornaram-se raiadas, alaranjadas, avermelhadas, o mar tremeluziu dourado. Uma luminosa manhã apareceu alegre despertando a cidade. Os amantes se levantaram, abraçados, descalços. Com os sapatos entre os dedos, cada qual a caminho de sua casa. Felizes.

Os raios de sol iluminaram na praia a marca encarnada de amor nos lençóis de areia branca, sangue e areia; sangue rubro impregnado na areia alva. Um dia bonito de verão surgiu; testemunhando uma história de amor. Uma História de Natal.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 25 de novembro de 2023

MEUS QUERIDOS RÉVEILLONS (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLITO LIMA)

 

Nos anos dourados, 50/60, em nossa cidade, na virada de ano, ainda não havia festa de fogos de artifícios na orla. As festas populares eram de rua, na Praça Afrânio Jorge ou Sinimbu, onde se armavam palcos para o pastoril dançar e apresentações dos exuberantes folclores: chegança, guerreiro, reisado. O povão comemorava a passagem de ano nas barracas com a família ou em casa

A classe média organizava a festa da virada de ano nos clubes. Eu, como um bom morador da Avenida da Paz, festejava o ano novo no animadíssimo Réveillon do Clube Fênix Alagoana. Baile chique, homens trajavam smokings pretos com gravatas borboletas, faixas na cintura e as mulheres em cintilantes vestidos de bailes longos. Ao romper o ano novo no salão nobre do clube, os abraços não davam para quem queria. Momentos de alegria, beijos, chapeuzinho e apito. Também um bom momento para rever amigos que estudavam ou moravam fora.

O baile era animado pelas melhores orquestras do Brasil, Tabajara de Severino Araújo, até a Casino de Sevilha. Muito charme, champanhe, comidinhas e moças bonitas desfilando em seus vestidos prateados, deslumbrantes. A mesa de meu pai era constantemente visitada para abraços e doses de uísque. Eu não parava, dançando com uma moça bonita ou cumprimentando os amigos. Tomava um bom uísque nas mesas mais animadas de Benedito Bentes, Teotônio Vilela, Jorge Quintela, Ardel Jucá. Cerca de duas horas da manhã a orquestra suspendia a música para anunciar a rainha do Clube Fênix. As jovens desde o início desfilavam informalmente, como se nada quisessem, eram candidatíssimas ao cetro de rainha.

Os metais sinfônicos tocavam músicas da época, bolero, chá-chá-chá, casais de namorados dançando de rosto e corpo colados no salão. Pelas quatro da manhã, de repente: uma, duas, três batidas de bombo anunciava o carnaval. A moçada e as senhoras de belos vestidos longos e cintados, os homens de smokings caíam no passo com o Vassourinhas ou cantando com alegria as marchinhas de Capiba.

“Mandei fazer um buquê para minha amada, mas sendo ele de bonina disfarçada…o brilho da estrela matutina…adeus menina linda flor da madrugada….” (escute a música no final da postagem…)

Iniciava o ano novo com um animado carnaval. Nada mais alegre, mais feliz. Ao despontar o dia, o Maestro Passinha descia com a orquestra em direção à praia tocando as mais belas canções e frevos de carnaval acompanhado pelos foliões bem vestidos. Amigos de braços dados, namorados aos beijos continuavam a festa vendo surgir um ano novo, amanhecendo o dia cantando e dançando embaixo das amendoeiras da Avenida, com direito a mergulho de roupa no mar calmo de uma luminosa manhã. Surgiam novas esperanças..

Namorados ainda bêbados, alegres, com o paletó do smoking aberto, o vestido caprichosamente costurado durante meses para o baile do réveillon, mergulhavam no mar ainda alaranjado pelo sol nascente, saudavam Iemanjá, Netuno e a vida. O réveillon dos anos dourados, da gente dourada, acabava na praia, como se fora a abertura do carnaval.

No primeiro dia do ano, depois de uma virada carnavalesca, eu acordava tarde, vestia um velho calção de banho, descia à praia da Avenida. Nas rodinhas de conversa, de paquera, embaixo das sombrinhas, o assunto era o réveillon, quem namorou, quem acabou o namoro, a rainha não merecia, tinha moças mais bonitas, essas conversas de jovens saindo da adolescência.

Na hora do almoço as meninas iam para casa, enquanto nós jovens, sadios, com força e vigor, continuávamos o primeiro dia do ano tomando uma cachacinha nos bares da praia em Jaraguá, perto dos trapiches, frequentados pelas raparigas amantes de banho de mar, às vezes, subíamos as escadas dos casarões para desejar um feliz ano novo às jovens que faziam vida nas pensões do bairro boêmio.

Os homens em suas imaginações férteis, às vezes maldosas, criam previsões infactíveis, como: o fim do mundo; um cometa destruirá a terra nos próximos anos; a existência de uma teia de aranha cobrindo o nosso planeta e outras babaquices. No final de 1959 um astrólogo do sul do país espalhou que o homem negro na passagem para 1960 iria virar macaco. Foi criado um verdadeiro terror, quem era realmente negro, analfabeto, ficou bastante preocupado com essa possível transformação em macaco. A brincadeira de mau gosto correu como uma onda em Maceió. Um amigo, Gerson, negro que nem um tição, melhor jogador de futebol da praia, me confidenciou, estava com medo da chegada do dia 31 de dezembro. Eu custei a convencê-lo que não passava de uma galhofa de péssimo gosto. Houve um clube que decorou o salão com bananeiras e bananas, foi o Réveillon da Banana.

Nelson Ferreira grande compositor pernambucano pegou essa notícia esdrúxula e compôs um frevo, muito tocado durante carnaval, dizia mais ou menos assim:

“Dizem que em sessenta… Negro vai virar macaco… Vejam só a grande confusão… Se for verdade essa Operação Macaco… Penca de banana vai custar um milhão.”

Terminava a música se lastimando que o Brasil ia perder Pelé e Didi. Hoje, certamente, Nelson Ferreira seria crucificado.

Assim eram nossos réveillons, cheios de charmes e histórias fantásticas. Um excelente 2021, que todos sejam vacinados, e que amanhã tudo volte ao normal, deixa o ano acabar, deixa o barco correr, deixa o dia raiar…

m excelente 2021, que todos sejam vacinados, e que amanhã tudo volte ao normal, deixa o ano acabar, deixa o barco correr, deixa o dia raiar…

 

 

Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 18 de novembro de 2023

JATIÚCA (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLITO LIMA)

 

JATIÚCA

Carlito Lima

 

Iniciei uma trilogia: três romances contando a história de uma família da classe média alta desde o ano de 1921 quando aportou em Maceió o colombiano Pablo Marquez. O primeiro livro com o título de MANGUABA (lagoa das Alagoas) é passado entre 1921 e 1964, está com 1ª edição esgotada, sendo reeditada. O segundo livro MUNDAÚ (outra lagoa das Alagoas) as histórias abrangem 1965 a 1979 – esse segundo livro foi lançado online para todo o Brasil pela Editora Aletria de Belo Horizonte. Finalmente o terceiro livro da trilogia abarca entre 1980 e 1994 está na 203ª página em meu computador; será lançado este ano com o título de JATIÚCA, praia linda de Maceió, onde moro.

Hoje andei no calçadão tomando banho de sol por quase uma hora, recordei como era distante do centro esse bairro, essa praia. No final dos anos 60 a belíssima orla era apenas um imenso coqueiral, cheio de plantas, cheio de matos. Destacava-se apenas o Sítio Jatiúca do Dr. Théo Brandão, uma das figuras mais importantes no folclore e na cultura alagoana. Havia uma casa recuada. Certa noite, como diretor social do CRB, levei a miss Alagoas, ao sítio Jatiúca para Dr. Théo dar sugestão do traje típico para o desfile da jovem no concurso de Miss Brasil. Nossa miss brilhou no Rio de Janeiro com a fantasia de Diana do Pastoril, ideia do nosso maior folclorista. Naquela noite, Dr. Théo me explicou a origem do nome de seu sítio. Havia muito carrapato (mamona) na região, na língua indígena chamado de Jatiúca, ele então deu esse nome ao sítio. Anos depois a região foi transformada no bairro mais badalado dessa cidade, bairro da Jatiúca.

O bairro teve início nos anos 70 com a construção do grande conjunto habitacional Castello Branco. A COHAB comprou um extenso terreno para o empreendimento, abriu ruas paralelas e uma Avenida no centro do loteamento desembocando na praia. Nessa época do milagre econômico eu estudava engenharia, com outros colegas conseguimos estágio na fiscalização da construção dos blocos de apartamentos, foi quando aprendi a construir.

Fui testemunha de um fato esclarecedor sobre o nome da avenida central, a Avenida Amélia Rosa. A Construtora Silva ganhadora da concorrência tocava a obra, um fornecedor de material de construção para puxar o saco do Seu Silva, pediu a um vereador que a Avenida principal do empreendimento se denominasse Amélia Rosa, nome de uma velha senhora de Arcoverde, Pernambuco, que nunca pisou nas Alagoas, mas tinha o merecimento de ser mãe de Seu Silva, o dono da construtora. Até hoje ninguém sabe, ninguém viu a senhora Amélia Rosa em Maceió. Já tentaram mudar o nome, a Câmara de Vereador de Maceió rebatizou como Avenida Antônio Gomes de Barros. O povo acostumado com a Amélia, resistiu, o novo nome não emplacou. Amélia Rosa é mais fácil e fruto de uma tenebrosa puxada de saco, ferramenta corriqueira na política universal.

Hoje Jatiúca é o bairro mais charmoso da cidade. Nele moram figuras proeminentes das Alagoas, como o ex presidente Fernando Collor, o ex governador Téo Vilela e esse imodesto escritor que tecla no computador se inspirando na bela vista do mar verde azulado olhando de sua janela. Com vários hotéis e restaurantes é área do mais alto teor boêmio. Um dos primeiros bares da badalação foi o “Bye Bar Brasil”, empreendimento de uma figura maravilhosa da noite, Paulinha da Palmeira dos Índios, terra de Graciliano. O nome do bar é uma clara alusão ao famoso filme “Bye Bye Brasil” do cineasta Cacá Diegues.

Certa vez Cacá, amigo de infância, esteve em Maceió e desejou conhecer o famoso bar. À noite juntamente com Vera Arruda, Miltinho, Celso Brandão, Elinaldo Barros sentamos em uma estratégica mesa no Bye Bar Brasil. Local agradável, chope, bom tira-gosto, boa conversa. Apresentei Paulinha ao Cacá. Ele pediu que ela sentasse ao lado e falou com ar sério: o nome do filme Bye Bye Brasil, ou similares, não poderia usado sem um contrato, Paulinha teria que pagar uma indenização e que seu advogado em Alagoas, Dr. Guilherme Braga, iria procurá-la para acerta o pagamento por uso indevido do nome.

Paulinha perdeu a graça, preocupada foi atender ao caixa. Depois de meia hora, Cacá percebeu a tristeza da dona do bar, chamou-a, sorrindo disse que tinha uma proposta: o nome Bye Bar Brasil continuava, entretanto, o amigo Carlito Lima a partir daquela data até o final do ano beberia chope de graça no bar. Paulinha percebendo a brincadeira aliviou-se, respondeu que naquele caso preferia pagar a indenização. Sentou-se em nossa mesa, o papo foi quase à madrugada. Fomos os últimos a sair, o sol estava nascendo por trás dos coqueiros da Jatiúca.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quinta, 09 de novembro de 2023

CINEMA, A EMOCIONANTE ARTE DE CONTAR HISTÓRIA (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DESTE ALMANAQUE)

 

 

Quando a televisão apareceu os derrotistas previram o fim do cinema e da rádio, mal sabiam da força de comunicação e de informação que tinham e têm até hoje os filmes e as rádios, claro que mudaram as tecnologias, a poderosa televisão também mudou para sobreviver e continuar com a forte concorrência.

Em Maceió nos anos 50 havia vários cinemas. O mais moderno e movimentado era o Cinearte na Rua do Comércio, centro da cidade. No bairro da Pajuçara o Cine Rex era a distração das adjacências. Perto do Mercado reinava o Cine Ideal. Esses três cinemas pertenciam a um senhor conhecido na cidade, morador da praia de Pajuçara numa casa bem colorida, estilo art nuveau, infelizmente derrubada pela devastação imobiliária. Pressionado pela concorrência esse senhor vendeu-os à maior rede nacional de cinema, Luiz Severiano Ribeiro. No bairro da Ponta Grossa, Moacir Miranda, um amante do cinema, chegou a rodar alguns filmes, presenteou os moradores com o aprazível Cine Lux, o maior cinema da cidade. Como também a família Voss construiu o Cine Plaza no bairro do Poço. Além desses citados havia o Cine Royal por trás do Teatro Deodoro e o Cine Sururu, um “poeira” em Bebedouro, ao ar livre, no quintal da casa do proprietário; o espectador além de comprar ingresso levava sua cadeira. Quando chovia suspendia a seção. Esses eram nossos templos da maravilhosa Sétima Arte, assistíamos ao que havia de melhor em arte cinematográfica depois de um ou dois anos de sua estreia nos cinemas do Sul Maravilha.

O Cinearte, o mais antigo, nas décadas de 20 e 30 teve o primeiro nome, Cine Floriano, mudou para Capitólio e finalmente Cinearte. No final da década de 50 era obrigatório o uso de paletó para assistir às soirées (noite). Filmes em preto e branco, tela quadrada, cadeiras de madeiras, muitos ventiladores; ao escurecer as portas laterais eram abertas para amenizar o calor. Foi a época de grandes filmes: “Rebeca, a Mulher Inesquecível”; o clássico “Casablanca”, e as chanchadas nacionais de Oscarito e Grande Otelo.

Aos domingos pela manhã no Cine Ideal era vez dos filmes de cowboys, Roy Rogers, Zorro, e outros heróis. Imperdíveis eram as séries que terminavam sempre com o mocinho em situação de perigo e o indelével final escrito: “Voltem na próxima semana”.

As sessões da tarde, as matinês, eram geralmente cheias de alunos fugidos das aulas. Nas chiques soirées do Cinearte, o jovem comparecia interessado no filme e nas paqueras, ao encontrar no saguão com alguma paquera cochichava em seu ouvido pedindo para guardar o lugar. Quando o filme começava se a cadeira ao lado estivesse vaga, era o sinal, o rapaz sentava-se, era início de namoro. A moça só deixava segurar a mão. Beijar, depois de dois meses.

Havia um bom programa depois do filme, passear pela Rua do Comércio olhando vitrines das grandes lojas: A Brasileira, A Radiante, Lojas Tupy, Nova Aurora e tomar um sorvete na Gut-Gut, Danúbio ou DK1. Geralmente retornava para casa caminhando de mãos dados recebendo a brisa fresca da Avenida da Paz.

Certa época houve uma modernização nas instalações dos cinemas em todo o Brasil: poltronas acolchoadas e ar condicionado. Como também nova tecnologia nos filmes: tecnicolor e o cinemascope. Foi a época de grandes filmes americanos românticos: “Suplício de Uma Saudade”, “Pic-Nic”, “Vertigo”, “Tarde Demais para Esquecer”, “Candelabro Italiano”. Uma revolução que os cinemas de Severiano Ribeiro ofereceram ao Brasil. Apenas aqui em Maceió, o Cinearte continuava com cadeiras de madeiras, ventiladores, sem o mínimo conforto. Foi quando houve uma atitude de cidadania encabeçada pelos estudantes de Direito, fizeram manifestações, assinaram crônicas, nada abalou à administração do cinema. Até que resolveram partir para ação. Planejaram um movimento pacífico chamado de FILA BOBA. Os estudantes faziam uma enorme fila em todas as sessões, cada estudante ao chegar ao guichê perguntava pelo preço do ingresso, ouvia a resposta, não comprava, imediatamente saía da fila dando lugar ao próximo e entrava novamente no final da fila. Dessa maneira pouca gente conseguiu entrar no cinema.

Os estudantes queriam apenas a melhoria de conforto que a Luiz Severiano Ribeiro proporcionou nos cinemas do Brasil. A notícia chegou aos jornais, rádios e televisão, começou a se espalhar por toda cidade, os estudantes de engenharia, medicina e odontologia aderiram. A FILA BOBA aumentou, dobrava dois quarteirões na Rua do Comércio. Depois de uma semana de boicote, sem baderna, sem vandalismo, sem clientela, o Cinearte fechou para reforma. Reabriu meses depois com o nome de São Luiz, com poltronas estofadas, ar condicionado, cinemascope. Foi uma bela vitória da cidadania e da inteligência. Os Shoppings acabaram com os cinemas de bairros oferecendo salas superconfortáveis. Porém, nesse tempo de pandemia as salas fechadas, estamos nos valendo dos serviços de “streaming” na televisão. Eu assisto pelo menos a um filme por dia. E viva o cinema, a mais linda arte de contar história.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 28 de outubro de 2023

UM NEGRO CHAMADO JAIME (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

UM NEGRO CHAMADO JAIME

Carlito Lima

Bar do Relógio e Hotel Bella Vista

 

Alguns cidadãos se destacam em certa época depois caem no esquecimento, entretanto, figuras populares que fazem a história real de uma cidade ficam gravadas, tornam-se inesquecíveis em nossa memória e fazem parte da história oral passada por gerações, muitas vezes não registradas em livros ou jornais da época

Ao passar pelo centro da cidade lembrei-me do Nêgo Jaime (desculpe-me o movimento afro, era assim que o chamávamos). Forte, mais de 1,90 metros, elegante, vestido sempre em um terno de linho branco, enfermeiro da Rede Ferroviária, boêmio, calmo como um budista, contudo, não levava desaforo para casa.

Certa vez, no Bar do Relógio, ponto da boemia, de virada de noite de Maceió, dois marinheiros bêbados tomavam a saideira para retornarem ao navio. Ao avistarem o Nêgo Jaime solitário em uma mesa, um dos marinheiros, com ar de superioridade, entregou-lhe uma dose de cachaça, “Toma Nêgão, quero ver se você é bom”. Jaime na maior paciência, disse que estava apenas de cervejinha, no outro dia tinha que trabalhar. O marinheiro bêbado insistiu, provocando, “Você não é homem Negão?” Jaime levantou-se calmamente, aproximou-se do marinheiro, deu-lhe um violento murro na cara e iniciou verdadeira batalha.

Os marinheiros eram bons de briga, entretanto, Jaime ficou com o diabo no corpo. Mais de meia hora entre murros e golpes, O Negão bateu com raiva, quase mata um dos marujos. Levaram para o Pronto Socorro com a cara e o corpo cheios de pancadas. No dia seguinte cinco marinheiros ficaram rondando o Bar do Relógio, perguntando onde Jaime trabalhava, queriam matar o Negão. Precisou um sério entendimento entre a Capitania dos Portos e a Rede Ferroviária. Só houve sossego quando o navio partiu.

Jaime não era desordeiro, nem arruaceiro, era debochado e gostava de umas biritas, o que atraia os provocadores. Toda sexta-feira, antes de comparecer à zona boêmia de Jaraguá, ele tomava umas cervejinhas no Bar da Maravilha. Numa dessas noites chegaram três playboys de lambreta e provocaram Nêgo Jaime, quieto em sua mesa. Ele se retirou elegantemente, deixou os provocadores, foi para os braços de Lourdinha na Boate Tabariz. Na sexta-feira seguinte Nêgo Jaime apareceu no Bar Maravilha segurando o paletó entre os dedos, ao sentar-se colocou seu paletó branco pendurado na cadeira ao lado, pediu cerveja e ficou observando o movimento.

De repente apareceram os quatro “playboy” fazendo maior zoada. Ao sentarem iniciaram a perturbar: “Olha aí o Picolé de Onça todo de branco”. “Macaco de branco fica mais feio”. Jaime segurou seu paletó pelos dedos, aproximou-se na maior calma, nem conversou, rodou o paletó na cara do primeiro que caiu no chão, ao se levantar levou outra paletozada, ficou estatelado, o Nêgão virou-se e mandou o paletó num lourinho metido a James Dean que se arriou no calçamento. Desesperados, os playboys montaram nas lambretas, partiram sem destino. Nunca mais apareceram às sextas-feiras no Bar Maravilha. Nêgo Jaime mostrou sua estratégia ao dono do bar ao descosturar a manga do paletó e tirar pedras pesadas arrumadas dentro das mangas, criativo, inventou uma arma.

Jaime tinha um chamego com a Nêga Jandira, dona de um bar e de uma bela bunda, todo ano eles desfilavam pela Escola de Samba Unidos do Poço. Jandira era a porta estandarte, bonita, sabia requebrar sua maravilhosa bunda deixando a moçada com água na boca. No carnaval, a Unidos do Poço desfilava para valer, queria ganhar o terceiro campeonato seguido, Jandira fazia evoluções com o estandarte no ar, delirantemente aplaudida pelo povo na Rua do Comércio, ao passar pelo palanque, defronte ao Cine São Luiz, Jandira deu tudo de si, Nêgo Jaime dançando, acompanhava mais atrás sua amiga a evoluir.

De repente apareceu um popular, como disse o jornal, não aguentou, atravessou a corda de segurança, passou a mão na bunda da Jandira e agarrou-a à retaguarda. Foi preciso Jaime destravá-lo do abraço traseiro, deu-lhe um murro, o tarado caiu de costas em frente à bilheteria do Cine São Luiz. Mesmo com esse inusitado acontecimento, como foi noticiado, os jurados compreenderam o desvario do tarado, deram à Escola de Samba Unidos do Poço o título de tricampeã do carnaval alagoano.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita terça, 17 de outubro de 2023

BEZERRÃO (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

BEZERRÃO

Carlito Lima

Há gente que conheci perambulando pelo centro da cidade desde menino. Foi o caso de Bezerrão, um investigador da Polícia, considerado “velha guarda” da corporação. Ninguém sabia seu primeiro nome, todos o chamavam por Bezerrão. Morava no Prado, na Rua da União, nos fundos da Rede Ferroviária do Nordeste, antiga Great Western, quando ainda pertencia aos ingleses.

Toda tarde Bezerrão, vestido num terno de brim ou linho branco, paletó de quatro botões, plantava-se na Praça do Pirulito pedindo carona aos carros que passavam para o centro da cidade. Alguma alma caridosa levava nosso herói para comparecer a seu “plantão” diário nas rodas de conversa fiada que se formavam no trecho entre o Café Colombo, o Bilhar, passando pelo Salão Elite, do Zezé, e a Assembleia Legislativa. Quem quisesse achar Bezerrão bastava procurá-lo nesse corredor da Rua do Comércio, infalivelmente estava lá nosso respeitado policial.

Alto, forte, físico avantajado, vozeirão assustador, metia-se em tudo que era roda que houvesse nos bares e nas ruas, como se aquele pedaço pertencesse a ele. Conversar, bater papo era sua distração. Opinava sobre qualquer assunto, gostava de dar “pitacos”, soltar “tiradas”, frases de efeito, algumas de sua autoria que impressionavam ou divertiam a todos. Na verdade havia muita sabedoria em sua filosofia. Ele costumava repetir um dito aprendido com um italiano, proprietário de uma loja de calçados na Rua do Comércio. Quando se falava de mulher gaieira, traidora, Bezerrão soltava a frase misturando português e italiano:

– Si tuto cornuto fosse lampioni, mamma mia, quanta iluminacioni! .

Não tinha preconceitos ou acanhamento, entrava em qualquer roda, dava opiniões sobre tudo. Querido e festejado, principalmente dos boêmios, políticos e desocupados que o instigavam a contar fanfarronices. O problema era desligar Bezerrão, quando começava a falar.

Certa vez, em passagem pela Assembleia Legislativa, aproximou-se de um grupo de deputados formado por Teotônio Vilela, Remi Maia, Luiz Coutinho, Elízio Maia, que pararam a conversa quando Bezerrão se achegou. Teotônio, com sua franqueza, foi logo despachando:

– Bezerrão, estamos conversando um particular sobre problemas políticos.

Bezerrão, antes de ir embora, não se conteve, perguntou:

– É que passei uns dias numa fazenda e estou com uma dúvida e quero que os senhores deputados me tirem essa dúvida: Por que a cabra que come capim quando faz cocô saem aquelas bolinhas pequenas, enquanto a vaca que também come capim, o cocô é enorme e espalhafatoso?

Como os deputados ficaram calados, ele rematou.

– Os senhores não entendem de merda, avaliem de política!

Retirou-se faceiro e gozador, ouvindo a gostosa e escancarada gargalhada de Teotônio, e a sisudez dos outros deputados que não gostaram da folga do policial.

Como investigador era ídolo dos mais jovens, os quais Bezerrão não perdoava com trotes e gozações. Certa tarde atiçou um policial novato para desarmar um cidadão que tomava sossegadamente cerveja em uma mesa no Café Colombo. O cidadão era o Capitão Camarão, do Exército, conhecido na cidade como boêmio e encrenqueiro.

Quando o jovem policial perguntou ao senhor pacato, tomando cerveja, se estava armado, o Capitão retirou uma 45 (arma exclusiva do Exército) da cartucheira, colocou a pistola em cima da mesa e fez a pergunta ameaçadora.

– Estou armado! E daí?

O jovem ficou embaraçado, sem saber o que fizesse naquele momento. Bezerrão foi em socorro, contou ao Capitão que tinha sido o mentor daquela “brincadeira”. Os três juntos ficaram até tarde da noite bebendo por conta do militar, que apesar de ser chegado a uma confusão, era um tremendo boa praça, querido no meio boêmio da cidade.

Na Rua do Comércio o pessoal adorava ouvir as tiradas de Bezerrão, e iam ao delírio quando, por exemplo, um frequentador daquela rodinha do Café Colombo, recentemente eleito vereador, agora metido a autoridade, passou ao longe sem parar, sem se achegar, como fazia sempre antes das eleições. Bezerrão não se conteve, gritou para o vereador ouvir do outro lado da rua:

– Cavalcante! Agora como vereador você está metido a merda. Cuidado! Se tudo que subisse não caísse, o céu estava cheio de taboca de foguetes.

Bezerrão, filósofo do povo, figura imortal, fez história nas ruas da cidade de Nossa Senhora dos Prazeres, na Maceió de outrora. Sua filosofia ainda está tão atual quanto a de Platão desde os anos 400 Antes de Cristo.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 07 de outubro de 2023

SEU FORTES (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

SEU FORTES

Carlito Lima

O Riacho Salgadinho-Reginaldo corta uma extensa parte da cidade de Maceió desaguando na bela praia da Avenida da Paz, no tempo de minha juventude era uma das diversões favoritas pescar e nadar naquele riacho limpo sem alguma poluição. Suas margens eram cobertas de manguezais e outros tipos de vegetação ribeirinha. Quando a maré enchia, as águas salobras se dispersavam pelos arredores, chegando aos fundos de quintais das casas aos redores, formando um terreno salobro apropriado para o “habitat” de caranguejo goiamum azulado, com pata maior que o casco.

 

 

Um dos divertimentos da meninada era encaixar “ratoeiras” feitas de latas de óleo nos buracos dos caranguejos e esperar o goiamum penetrar para morder a isca de limão. Para garotada não havia maior felicidade encontrar a “ratoeira” fechada e um goiamum dentro, preso. Imediatamente colocava o bicho para cevar dentro de um caixote de ripas. Quando completava cerca de vinte bem cevados, colocava-os dentro de uma enorme panela com água fervendo, era dia da caranguejada para alegria da meninada.

Nas imediações da ponte do trem havia um sítio com muitas vacas produzindo leite em seus grandes úberes. Essa vacaria fornecia o sustento do proprietário, Seu Fortes, senhor respeitável que gostava de ler, simpatizante do comunismo stalinista da União Soviética e do presidente Getúlio Vargas. O homem teve tantas decepções depois da Segunda Guerra Mundial que um dia abandonou as vacas, e encheu o sítio de cachorros, estava endoidando. Alguns dias mais tarde, ele endoidou de vez.

Numa manhã eu estava colocando “ratoeiras” de caranguejos nas áreas vizinhas, entrei em seu sítio. No momento que vi a “ratoeira” desarmada corri para apanhá-la, de repente senti uma paulada na cabeça, me virei; era Seu Fortes irado gritando me chamando de ladrão. Saí correndo, nunca voltei para pegar minha preciosa “ratoeira”.

Seu Fortes cada dia mais doido continuou morando em uma casinha do pequeno sítio, vendeu ou deu as vacas, para dar lugar a mais de trinta cachorros, vira-latas legítimos. Vivia de ajuda dos parentes.

A molecada pegou o “fraco” de seu Fortes, quando via o doido caminhando às margens do Salgadinho ou na Avenida da Paz discursando para ninguém, com um séquito de cachorros, gritava escondido o que mais lhe fazia raiva:

– Comunista!

Seu Forte virava-se de um lado para outro procurando de onde vinha a provocação levantava seu tabique de pau que mais parecia uma borduna de índio, gritava para quem quisesse ouvir:

– Comunista é a puta que pariu!

Irado, jogava pedras nas pessoas de onde vinha o insulto. Certa vez ele acertou uma pedra em um menino, o pai deu queixa na polícia. Nós meninos fomos chamados para depomos na delegacia, confessamos que aporrinhávamos o pouco juízo do coitado.

Em 1954, durante uma crise política no Brasil, o presidente da República Getúlio Vargas deu um tiro no coração, houve uma comoção geral em todo o país. A população estava de luto dentro da alma, até os adversários de Getúlio se comoveram.

Certo dia, a meninada jogava ximbra (bola de gude) na Avenida da Paz, quando apareceu Seu Fortes com sua cachorrada, o doido parou perto da ponte do Salgadinho gritando aos ventos seus discursos. Nesse momento, um dos meninos, deixou de jogar, olhou para o Seu Fortes de longe e gritou com toda força da garganta:

– Seu Fortes! Assassino do Getúlio!

Quando ele ouviu a afronta, seu rosto ficou vermelho, o queixo começou a tremer, rodopiou o corpo, procurando de onde tinha vindo aquele despropósito. De repente começou a jogar os braços para cima com seu tabique e gritava para os passantes assustados:

– Assassino de Getúlio é a puta-que-o-pariu seus filhos de uma puta!

Ao nos ver às gargalhadas, catou algumas pedras, partiu para cima jogando o que podia em nossa direção. A meninada correu com medo do doido, a partir daquele dia apareceu outra maneira de aporrinhar seu juízo fraco, chamá-lo de comunista e assassino de Getúlio.

Seu Fortes foi um dos doidos inesquecíveis da cidade de Maceió nos anos dourados!


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita segunda, 25 de setembro de 2023

O XIXI DO TENENTE (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O XIXI DO TENENTE

Carlito Lima

Ele era tenente, alto, forte, atleta, campeão de vôlei e basquete. Mas gostava mesmo de outro jogo mais maneiro, um carteado. Aos domingos sempre almoçava em minha casa, assim que chegava entrava na rodada domingueira de um pôquer baratinho, que meu pai jogava com alguns vizinhos. Eu, no início da adolescência, admirava aquele tenente desenvolto, risonho e franco. Porém, a maior admiração era o que ele tinha de mais bonito, mais precioso, sua gentil e alegre esposa. Quando o tenente sentava para jogar, ela dizia não entender como podiam perder uma praia tão bonita como a da Avenida da Paz. E me chamava para acompanhá-la, dar um mergulho. Aos domingos eu ficava em casa de propósito, à espera do jovem casal e desse convite.

Ela me abraçava pelo ombro e descíamos à praia, sentávamos na areia branca e fina embaixo da sombrinha. A Deusa era olhada e desejada por todos os homens de todas as idades. Ficavam contemplando o ritual, a divina tirava devagar a blusa e o short até aparecer seu biquíni sempre em tecidos floridos. Acredito que tenha sido o primeiro biquíni usado nas praias de Maceió. Estirava a toalha na areia, pegava um livro e deixava que o Sol e os olhos pecaminosos dos homens, inclusive os meus, tomassem conta daquele corpo perfeito, pernas esguias douradas de penugens lourinhas oxigenadas, como se fossem enfeites, dava um irresistível desejo de alisá-las.

Ela pedia que lhe chamasse quando estivesse na hora do almoço para dar o último mergulho e irmos juntos para casa. Na hora do futebol, eu deixava aquela mulher deitada ia bater minha pelada. Ficava me gabando, fazendo inveja em ter uma amiga carioca. Os amigos e os mais velhos queriam saber tudo sobre aquele monumento. Antes do almoço mergulhávamos juntos, ficávamos na brincadeira de dar caldo um no outro, cruzando nossas pernas embaixo d’água ela gostava daquele jogo, de propósito alimentava minhas fantasias.

Havia um grande advogado em Maceió, com fama de competente e mulherengo. Certo dia a bela criatura teve que recorrer ao doutor sobre uma herança. O famoso causídico, por sinal um tremendo canalha, passou a maior cantada em nossa Deusa. Ela discreta, com classe se esquivou, terminou a conversa, foi embora, prometendo nunca mais voltar àquele escritório. Só porque vestia roupas leves, sensuais, andava de biquíni nas praias e nos clubes, era uma moça extrovertida, típica carioca, o doutor fez um erro de avaliação e continuou assediá-la por telefone ou quando a via. Mas a moça era honesta, aguentou quanto pôde o assédio. Até que um dia, acabou a tolerância, contou toda a hist6ria para seu tenente, alto, forte e bonito.

Ele mandou a esposa marcar um encontro na própria casa dizendo que o marido viajaria. No dia, na hora, sem atrasar um minuto o advogado bateu à porta. Logo ao entrar, ela constrangida, mandou-o sentar-se. Mas o doutor estava com a cabeça virada, agarrou-a, sem preliminares, que a situação exige.

No momento em que tentava abraçá-la, apareceu o tenente na sala empunhando uma pistola 45. O susto deu um branco literalmente no doutor, ficou da cor de papel, gaguejava tentando explicar. O medo foi enorme, o doutor borrou-se na calça, e pedia suplicante: “Não me mate, não me mate.” Ajoelhou-se chorando.

O tenente disse-lhe que o mandaria às profundas do inferno, onde jamais cantaria uma mulher honesta. O famoso advogado chorava e gemia, pedia perdão. O tenente deixou prolongar por um tempo a expectativa, gozando do choro do conquistador. Certo momento ele pediu a mulher trazer-lhe um copo grande na cozinha. Pegou o copo, desabotoou a braguilha e num jato forte fez xixi dentro do copo. Levantou o copo cheio com a mão esquerda e a pistola com a direita, disse alto em bom tom: “Não lhe mato, mas você vai beber o meu xixi.”

O doutor não teve dúvida pegou o copo, colocou os lábios na borda e tomou aquele liquido amarelo, quente e espumante. Quando terminou, ele tremia de medo, de pavor. Nesse momento o tenente foi ríspido: “Vá embora seu filho de uma cadela e nunca mais cruze comigo ou com minha mulher, na próxima vez, sem perdão, meto uma bala nos seus cornos.”

Eu ouvi essa história contada pelo próprio tenente a meu pai. Sentado perto dos dois, eu organizava a coleção de selos como quem não quer nada, prestando atenção à história. No domingo seguinte desci à praia mais cedo. Quando a musa apareceu na praia me deu um alô com as mãos perguntando: “Onde está meu cavalheiro que não me esperou?”

Aproximou-se abrindo os braços, me abraçou forte. Ao deitar-se na areia, fascinado olhei suas apetitosas pernas, lembrei-me da história. Pensei. “Se o tenente descobre meus desejos, vou terminar comendo cocô.”


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita segunda, 18 de setembro de 2023

O VELHO E O MAR (CONTO DE CARLITO LUMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUMNDO FLORIANO)

 

O VELHO E O MAR

Carlito Lima

Quatro da manhã, como todos os dias, Seu Rodolfo acordou-se, ainda deitado na cama de colchão de palha, enlaçou Santinha pelas pernas, falou ao ouvido, “Está na hora”. Enquanto a esposa dirigia-se à cozinha preparando café, macaxeira, inhame, peixe frito, Seu Rodolfo dirigiu-se à casinha (banheiro sanitário construído no quintal das casas, chamava-se casinha), depois de ter-se aliviado, limpou-se com um pedaço de jornal e jogou no lixo. O jornal datado da época (1942) tinha a manchete de primeira página impressa, “Submarino alemão torpedeia mais um navio no litoral nordestino”. Depois do café arrumou um bisaco com farinha, carne do sol, banana e laranja; outra sacola com linhas, anzóis, iscas, colocou os fardos e a tarrafa nos ombros e dirigiu-se à praia.

Sua casa ficava nos arredores do bairro boêmio de Jaraguá, ao longe se ouvia música de amor dos cabarés retardatários. Perto do Bar da Tartaruga, junto ao primeiro trapiche de açúcar, Rodolfo acomodou as sacolas na jangada, foi ao bar, cumprimentou outros colegas, nas mesas estavam alguns boêmios acompanhados por prostitutas de lábios pintados de carmim, viravam a noite. Rodolfo tomou café com o compadre Moacir, dono do Bar. Ao sair, o amigo desejou boa pescaria. Seu Rodolfo desamarrou a jangada colocou dois rolos de coqueiro por baixo, empurrou-a até entrar na marola.

Como num ritual militar, hasteou as velas de pano branco. Molhou o velame estirado com água do mar, tomou o remo como leme, rumou a jangada mar adentro. O sol vermelho apareceu como se fosse uma cabeça de criança nascendo, alaranjou as nuvens, o mar tornou-se azul. A cidade de Maceió, ao longe, parecia apenas uma fileira de casas pequeninas. Seu Rodolfo dirigiu a jangada a um local onde havia bons cardumes, conhecia cada canto do mar. A bússola era o olhar e a direção do vento, sabia navegação empiricamente, aprendeu com a vida no mar desde cinco anos, seu pai também foi pescador.

Seu Rodolfo levava sol na pele encardida, completava 50 anos naquele dia, parecia mais velho, já tinha a vista anuviada pela constante exposição ao Sol. Amava o mar e seu trabalho, cada peixe puxado dentro do mar era uma vitória da vida diária. Retornava por volta das três da tarde, abria e tratava o peixe com peixeira no Bar da Tartaruga, colocava-os em um samburá, caminhava gritando na Avenida da Paz, “peixe fresco”, “olha o camorim”, “carapeba”. Seu Rodolfo tinha boa freguesia, inclusive minha mãe. Era amigo das famílias nos arredores da Avenida.

Naquela manhã a sorte estava a seu lado, ainda não era meio dia os caixotes estavam quase cheios de xaréu, arabaiana, bijupirá, carapeba, garassuma, pescados pelas linhas jogadas ao mar e tarrafas. De repente ele sentiu um puxão em uma linha, alegrou-se, pensando ser peixe grande. Deu mais linha para cansar o bicho, logo depois puxou e sentiu ser um enorme peixe, era preciso paciência, astúcia para brigar contra um peixe daquele tamanho, sentia pelo puxão, duas horas depois continuava a briga do peixe grande contra o velho Rodolfo. O cansaço chegou a ambos.

Seu Rodolfo estava atrasado em sua tarefa diária na cidade, entretanto, nada lhe abalava, preferia a luta com o peixe grande. Depois de muito embate, Rodolfo resolveu dar toda força que tinha no momento, lutou cerca de meia hora até conseguir puxar o peixão para cima da jangada. Vitória. Rodolfo ficou contemplando embevecido o maravilhoso pescado, amou aquele peixe valente que brigou por mais de três horas. Calculou que o peixe tinha entre 30 e 35 quilos, ficou contemplando com orgulho sua façanha heroica. Antes de cortá-lo, mostraria aos amigos na beira do cais. Os pescadores iriam morrer de inveja.

Rodolfo amarrou o peixe grande num pau da jangada, desfraldou novamente a vela em direção à praia. Não havia meia hora de navegação quando sentiu uma onda levantar a jangada, percebeu algo estranho acontecendo. Novas ondas, o mar ficou revolto em torno da jangada. Seu Rodolfo pensou, deve ser baleia, aparece a qualquer momento, sem medo comandava a jangada quando inesperadamente emergiu perto da jangada um navio parecendo um enorme charuto. Seu Rodolfo ficou na espreita, o navio-charuto depois de ficar fora d’água, parou. Não se avistava ninguém.

De repente uma portinhola abriu-se, saíram três homens vestidos apenas de calção preto, pele rosada, louros como nunca havia visto. Os homens falavam, ele não entendia. Depois de algum tempo, comunicando-se por meio de gesto, Seu Rodolfo compreendeu, os galegos queriam trocar seus peixes por materiais e comidas em conserva. Com lástima, entrou no negócio o peixe grande, o velho pescador recebeu enorme quantidade de queijo, presunto, sapatos, botas, cigarros, encheu a jangada. Logo depois o navio-charuto desapareceu no fundo do mar. Seu Rodolfo se lastima até hoje em ter entregado o peixe grande. Quando tomava uma cachaça, chorava, lembrando o peixe grande, que muita gente ainda gozou como história de pescador.

Essa história, Seu Rodolfo, calçado com botas pretas militares, tomando cachaça no coreto da Avenida da Paz, contou a mim, meu tio Nilo e meu irmão Betuca, em 1952, eu tinha 12 anos. Inesquecível.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quarta, 13 de setembro de 2023

A CASA DAS ALAGOAS (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A CASA DAS ALAGOAS

Carlito Lima

Não houve planejamento, nem roteiro, parávamos onde bem entendíamos, dormíamos no primeiro hotel ao anoitecer, quando alguém se cansava na direção, outro assumia, assim nós quatro amigos: Eu, o artista plástico Di Menezes e os irmãos, Luciano e Marden Bentes viajamos de carro rumo a umas férias no Rio de Janeiro, corria a maravilhosa década de 1970.

 

 

Ao final de um dia nos hospedamos no Hotel Bahia à beira da estrada. Na portaria havia um quadro negro escrito a giz o preço: “QUARTO COM PINICO: CR$ 5,00”. “QUARTO SEM PINICO: C$ 4,00”. Perdi a foto dessa pérola brasileira.

Chegamos ao Rio, cansados nos dirigimos ao apartamento do Cáu (Cláudio Lima), Rua São Salvador, Flamengo, considerado como embaixada de Alagoas. Sempre havia um colchão para um hóspede amigo.

Naquela época funcionava a Casa das Alagoas, uma associação assistencial aos alagoanos radicados no Rio de Janeiro. Ponto de encontro para matar saudades e unir a tribo caeté. Roberto Mendes tinha sido eleito presidente da associação, ganhou uma eleição disputadíssima contra Ronaldo Lessa. Roberto sabendo de nossa ida programou um roteiro de festas para aquele fim de semana.

No sábado estava marcado um pré-carnavalesco, baile “Vermelho e Preto” no Clube de Regatas Flamengo. Embaixo do edifício fervilhavam botecos, bares, ponto de encontro da esquerda festiva, bares cheios. A juventude ia se achegando, começavam as paqueras. Para o baile era obrigatório vestir-se com roupas vermelho e preto. Depois de algumas doses num botequim partimos para a sede do Flamengo.

Roberto Mendes, organizado, comprou os ingressos antecipadamente. Na hora da entrada faltou ingresso para César, carioca, morou em Alagoas, amigo nosso, sentia-se alagoano. O Clube cheio, não havia mais ingressos à venda.

Ficamos matutando como resolver o problema da entrada de César, procuramos cambista ou quem quisesse vender um ingresso, nada. O tempo passando, nós, agoniados, perdendo o baile cheio de mulheres bonitas.

De repente Roberto observou um caminhão fazendo manobras, tentando entrar pelo portão lateral, ele gritou, “Encontrei a solução! Venha cá César!”. Partiram em direção ao caminhão. Confabularam com o motorista. Roberto voltou alegre, tudo resolvido: Soltaram uma grana, colocaram nosso amigo por trás do caminhão frigorífico que levava gelo à festa.

Entramos satisfeitos, acompanhados por lindas cariocas. A orquestra tocava o hino do Rio de Janeiro:

“Cidade Maravilhosa… Cheia de Encantos mil… Cidade Maravilhosa… Coração do meu Brasil …”

O baile fervia animado. Depois de algumas voltas no salão me deparei com César no bar tomando conhaque puro, camisa molhada, batia o queixo. Vinte minutos dentro do frigorífico do caminhão; quase morre congelado. Empurrei o carioca para o salão, sambamos até o dia amanhecer com as charmosas rubro-negras.

No domingo pela manhã, marcamos encontro na Praça General Osório. Maior expectativa, desfile da Banda de Ipanema. Roberto havia providenciado uma ala dos alagoanos. Nossa fantasia: sunga de banho de mar, tamanquinho de praia e uma toalha em volta do pescoço para abastecer de lança-perfume.

Começamos a esquentar as baterias num bar perto da praça. Uma festa o reencontro com velhos amigos. O bar lotado, nossa mesa das mais concorridas, cariocas bonitas, namoradas, paqueras. Era só alegria, felicidade e carnaval.

Em certo momento César sentiu fortes cólicas, talvez consequência da friagem do frigorífico, foi se esvair no acanhado e sujo banheiro. Depois dos serviços, depois de ter obrado, ele retornou à mesa. Logo pagamos a conta, levantamos para nos juntarmos à Banda e sairmos dançando e cantando, quando pela primeira vez alguém reclamou:

– “Eita fedor de merda! Alguém pisou em bosta!”

Olhamos nos solados dos tamancos, nenhum vestígio de cocô. Nessa altura havia uma multidão na Praça General Osório. A Banda animada tocava o samba:

“Nesse carnaval não quero mais saber… de brigar com você… vamos brincar juntinhos… água na boca para quem ficar sozinho… as nossas brigas… não podem continuar… porquê nosso amor não pode se acabar…”

Nosso grupo animado, ala cheia de mulheres bonitas, contrastava com o cheiro de merda no ar. Até que a fonte fedorenta foi descoberta: César, na hora do serviço, não notou que um tolete, merda pura, caiu dentro da sunga. Ele vestiu-a novamente. Infestou-se de cocô, meio bêbado não percebeu.

A Banda de Ipanema acabou-se à noite. Programamos terminar a farra no Restaurante Alkazar em Copacabana. Enfrentamos um ônibus lotado, muita gente em pé, se acotovelando. A certa altura um passageiro gritou:

– “Motorista pare! Alguém cagou dentro do ônibus!!!”

Resumindo a história, o motorista parou numa Delegacia. César se delatou, foi preso, descemos e ficamos na Delegacia em solidariedade ao cagão. O delegado soltou César depois de um banho com sabugo.

Terminamos a noitada às gargalhadas no Alkazar com as namoradas cariocas, relembrando as façanhas até o fim da noitada. Era o início de férias no Rio de Janeiro no tempo de Roberto Mendes, presidente da Casa das Alagoas.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 08 de setembro de 2023

O ENTERRO DO COLAÇO (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O ENTERRO DO COLAÇO

Carlito Lima

 

Foi numa comemoração da Anistia Política no final de 1979 em um bar no aprazível bairro da Mangabeiras que conheci uma das figuras marcantes da cidade de Maceió, Rubens Colaço, presidente do Sindicato dos Rodoviários, militante político, dirigente do Partido Comunista Brasileiro e boêmio inveterado. Ele estava sentado junto à minha mesa, quando alguém me apresentou como capitão, aproximou-se, deu-me a mão, conversamos até altas horas. Fizemos uma boa amizade, apesar das contradições políticas.

Certo dia apareceu em Maceió, Paulo Cavalcante, deputado pernambucano, ex-preso político no quartel onde eu servi como tenente em 1964, a 2ª Companhia de Guardas no Recife. Paulo pediu aos companheiros de partido para ter algum contato com seu ex-“carcereiro”, o tenente Lima. Rubens Colaço logo me telefonou. Juntos com Geraldo Majella e Alberto Jambo, passamos o fim de semana mostrando as belezas de Maceió a Paulo Cavalcante. Depois de rodar pelas praias urbanas fomos à praia do Francês, passeio de lancha na Lagoa com direito a banho no Broma. Bons papos, boas cervejas, peixe e camarão, comunista gosta de coisa boa. Paulo Cavalcante recordou muitas histórias durante sua prisão na Companhia de Guardas. Escreveu um livro, “O Caso Conto Como O Caso Foi”. Tornou-se meu amigo.

Assim consolidei minha amizade com Colaço. Muitas vezes encontrava-me com o velho guerreiro nos bares da cidade; sempre um excelente papo de humor, esvaziando copos. Certa vez um lavador de carro encontrou no chão do meu fusca uma dentadura. Como eu havia tomado umas cervejas com Rubens no dia anterior, fui até sua casa. Encontrei-o banguela. Ficou radiante que nem menino quando avistou sua amada dentadura. Entreguei-a enrolada em um pano, ele segurou-a, olhou-a com carinho, sorriu e no mesmo instante colocou-a na boca. Voltou a ter aquele sorriso maroto.

Anos depois Colaço morreu, houve uma comoção entre os moradores de Jaraguá, do Poço, Ponta da Terra, Mangabeiras e adjacências. Os estivadores do cais do porto pararam de trabalhar mais cedo para homenagear Colaço. Os pobres, os descamisados, os sem terra, sem teto, perdiam seu pai, seu irmão, seu farol, seu guru. O velório estava cheio, amigos dentro e na calçada, sempre tomando uma pinguinha.

Sua casa estava repleta de gente do povo, choravam a morte de um homem que se dedicou sua vida às causas do trabalhador, assim discursavam. A cachaça e a cerveja rolando. O choro e a emoção aumentavam com os discursos. Intelectuais, políticos, desocupados, até um padre e uma cafetina se apinhavam na casa. Seus amigos de copo e de luta prestavam a última e dolorosa homenagem. Os discursos sucediam e atrasaram a saída do enterro. Passava da hora de seguir para o cemitério de Jaraguá. Ninguém disposto a fechar o caixão. Até que alguém mais sensato advertiu que havia chegado o momento; a família acatou.

Ao segurar na tampa do caixão, um dos chorosos amigos, cheio de cachaça na cabeça, pediu para adiar o enterro, ficar mais um pouco com Colaço.

Formou-se uma calorosa discussão. Fizeram reunião na sala ao lado. Depois de muito discutir, um líder do PCB irritado com os companheiros bêbados, insistentes, saiu da sala, desabafou num rompante.

– Tudo bem façam o que quiserem. Peguem o defunto com caixão e tudo e enfiem no cu.

Deu-se um mal estar. A família do morto resolveu levá-lo naquela hora. Tamparam o caixão, foram em direção à sua última morada. O féretro seguiu caminhando, alguém na frente orientava o percurso. Ao entrar no cemitério, mandaram entrar à direita. Nesse momento, um fiel amigo, cheio da cachaça, gritou:

– Parem o enterro! O companheiro Rubens nunca entrou à direita quando vivo, sempre foi coerente com seus princípios e não será agora depois de morto que ele vá entrar à direita. Rubens Colaço só entra à esquerda.

Ouviram-se alguns vivas e o enterro prosseguiu sempre entrando à esquerda pelas ruas estreitas do cemitério, essa manobra durou mais de uma hora, até que afinal o caixão parou em frente à cova pronta para receber o líder Colaço.

Hoje ele deve estar à esquerda de Deus pai todo poderoso.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 03 de setembro de 2023

A BARRA DE DONA LEONITA (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Barra de São Miguel, 30 km ao sul de Maceió, é uma das praias mais bonitas do Brasil, tornou-se município no final da década de 1960 e eu fui candidato à prefeito em 1972, eleito, exerci o cargo entre 1973 e 1977. Tive duas alegrias: uma quando tomei posse, outra quando passei o mandato. Foi minha primeira e única experiência política.

Barra de São Miguel foi revelada ao Brasil e ao mundo pela prefeita que me antecedeu, uma senhora nativa, batalhadora. Dona Leonita Cavalcante. Viúva corajosa conseguiu educar seis filhos, Angélica, Manduca, Júlia, Isabel, Rosinha e Miriel. Tornaram-se pessoas trabalhadoras, brilhantes, graças à dedicação e ao amor daquela extraordinária mulher. A Prefeita morava em uma enorme casa, estilo barroco, piso de tijolos batido, ajanelada, no centro da cidade. Fim de semana recebia a família e os amigos. A casa se enchia de agregados. A moçada aproveitava a praia, uma extensa passarela de areia fina e branca servindo de tapete para água do mar. Encravada mar adentro uma faixa de pedras, de arrecifes naturais, complementava a beleza cênica. Na enchente da maré, a água transbordante forma pequenas cachoeiras, espetáculo apaixonante.

Na hora do almoço Dona Leonita servia deliciosas comidas em uma mesa enorme, antiga, de madeira grossa. O almoço preparado pela própria Leonita tinha o sabor divino de suas mãos: carapeba, arabaiana ao molho de camarão, fritada de siri, e o indelével, delicioso, sacro-santo arroz de polvo.

Durante a noite os jovens convidados carteavam baralho acompanhado de cerveja até o amanhecer, ou aportavam em algum bar com muitas conversas, biritas, inacreditáveis histórias bem humoradas. Dona Leonita, mamãe grande, cuidava muito bem de suas filhas, das amigas, e dos rapazes. Controlava, tinha disciplina. Ai de quem desobedecesse às regras determinadas.

Certa manhã, partimos de Maceió para Barra em caravana, quatro carros, incluindo o de Dona Leonita e sua cunhada Dona Moema que lhe acompanhava.

No caminho passamos pela bela cidade barroca de Marechal Deodoro, resolvemos calibrar com algumas cervejas. Os carros estacionaram em frente a um bar com uma enorme sinuca, perto da casa onde o Marechal Deodoro da Fonseca nasceu. A moçada revezava na sinuca e cerveja: os irmãos Bentes, Edson Frazão, Alfredo Zagalo, Guilherme Palmeira, Esdras Gomes, Manduca e as filhas da Dona Léo e outros convidados.

Jogamos, bebemos intermináveis saideiras. De repente apareceu um menino chato, peru de jogo. Ficou grudado na borda da mesa de sinuca, peruando e atrapalhando as jogadas. Depois de mandar, várias vezes o menino se afastar da sinuca, Frazão, com sua irreverência intempestiva e irresponsável, disse para o garoto chato: “Ôh menino, tem o que fazer não? Aqui nessa cidade tem Delegado? Pois vá dizer a ele, que ele é corno!”

O menino desapareceu. Meia hora depois, por sorte, Angélica avistou quatro soldados, um gordo senhor e o menino, descendo a ladeira vindo na direção do bar. Ela percebeu a situação, alertou que o delegado estava chegando com a Polícia. Foi um desespero para esconder Frazão. O Magro se enfiou no sótão do bar, calado, permaneceu escondido.

O delegado apareceu brabo perguntando quem o tinha chamado de corno. O infrator ia ser preso por ofensa à autoridade. Dona Leonita interferiu, disse que o rapaz falou de brincadeira, e que tinha voltado para Maceió. O delegado, amigo de nossa Prefeita, depois de muita conversa, tomou outro rumo.

Alguém veio nos informar: o delegado havia bloqueado as saídas da cidade, estava revistando todos carros. Dona Leonita teve a idéia: deitaram o magro Frazão no chão traseiro do carro, coberto por uma manta. Conseguiram passar pelo ofendido delegado que olhava atentamente enquanto o carro passava pelos policiais.

À noite estávamos em três rodas de jogo de baralho na casa da Barra, quando bateram na porta. Era o delegado de Marechal Deodoro com a Polícia. Dona Leonita foi atender, Frazão escondeu-se ligeiro no banheiro do fundo do quintal. O diálogo foi difícil, o delegado foi informado que o indivíduo estava hospedado naquela casa, só saía com ele preso, não podia ficar desmoralizado, foi chamado de corno; ofensa mortal naquela época.

Foram horas de conversa, de negociação. Afinal Dona Leonita usou seus melhores argumentos: serviu à comitiva um gostosíssimo arroz de polvo, uma deliciosa fritada de maçunim, acompanhando cerveja bem gelada. O gordo delegado com olhar glutão foi esvaziando todos os pratos com cerveja. Dona Léo com conversa e comida, venceu. O delegado partiu de bucho cheio, sonhando com o divino arroz, com promessa de castigo por parte da Prefeita ao ofensor e de um jantar especial para ele na próxima semana.

Dona Leonita deixou de lado o coração bondoso, deu uma espinafração no magro Frazão. Ele ficou sério, ouviu tudo caladinho.

Hoje Barra de São Miguel é um local chique, atração turística do Brasil e do mundo, uma das praias mais bonitas do Nordeste. Todo novo rico, constrói ou compra uma casa na Barra de São Miguel.

A prefeitura é disputadíssima, o novo prefeito é o ex senador Benedito de Lira, pai de Arthur, o presidente da Câmara.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita terça, 29 de agosto de 2023

O MEMORIAL DA RAPARIGA DESCONHECIDA (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Peço permissão a meus queridos leitores, para hoje transcrever fragmentos da matéria do jornalista Fábio Fujita publicada na revista Carta Capital – As fotos que ilustram esta postagem são da noite de aposição da placa.

Em um uma esquina da Rua Rocha Cavalcante, no bairro de Jaraguá, em Maceió, uma placa reluz: “Memorial da Rapariga Desconhecida – Uma homenagem à mulher que preservou e nos legou Jaraguá. Dedicado por todos os filhos de uma mãe”.

 

 

Logo tu, Jaraguá? Quem poderia imaginar… Na origem de um bairro de tão imponentes endereços, pudesse haver uma homenagem tão singela a uma anônima de vida fácil? Ninguém além do escritor Carlito Lima, mentor da placa, assinada pela Confraria do Sardinha, “turma formada por escritores, jornalistas, intelectuais, boêmios, políticos e outros desocupados”, ele explica. Houve até solenidade no descerramento da placa.

A homenagem, segundo Lima, é justíssima. As prostitutas, explica, foram as principais responsáveis pela preservação dos prédios antigos do bairro erguidos no início do século passado, uma preciosidade arquitetônica da capital alagoana. Por ao menos sete décadas, o alto, médio e o baixo meretrício ocuparam os casarões do pedaço.

No início, Jaraguá atraiu empresas e moradores mais abastados por causa do desenvolvimento portuário. Mas, além do comércio, o cais costumava atrair também marinheiros. E estes as prostitutas. E estas os cafetões e um bando de desocupados.

“Região portuária é chamariz de biroscas e raparigas, e logo as casas avarandadas de dois andares foram transformadas em lupanares ocupados pelas mariposas do amor”, poetiza Carlito, sobre a transformação do lugar na famosa zona. “Todas as casas que serviram como boates de raparigas acabaram conservadas, ainda que involuntariamente”, ele garante, antes de citar casos similares como o Recife Antigo, O Pelourinho, o Mangue, no Rio de Janeiro, e La Boca, em Buenos Aires.

 

 

Para o escritor Carlito Lima, antigo morador da Avenida da Paz, linda praia no início do bairro de Jaraguá, o próprio conceito de “rapariga” soa anacrônico aos rapazolas dos novos tempos.

A zona do Jaraguá era dividida em três partes. Havia a área frequentada pela fina flor da elite da capital. Nos cabarés mais refinados, o Tabariz e a Alhambra eram famosos, onde se encontravam as mulheres mais belas, muitas “importadas” da Bahia, Rio, Argentina. Os estabelecimentos de segunda, como o Duque de Caxias e o Verde, eram um misto de bares e alguns quartos sem banheiro. “Mais adiante tinha o Sovaco do Urubu, que, aí sim, era zona de última categoria. O camarada passava na porta, pegava gonorréia”, brinca o escritor.

Fora o Memorial da Rapariga Desconhecida, hoje em dia não há marcas em Jaraguá do passado de epopéias libertinas. As prostitutas deixaram o bairro no fim dos anos 60, depois de um incidente que envolveu a esposa de um influente senhor.

Segundo Lima, apesar de morarem preferencialmente em Pajuçara e Ponta Verde, as famílias ricas eram obrigadas a atravessar Jaraguá para chegar ao centro da cidade. Habituada a fazer compras no primeiro horário da manhã, a mulher do nobre cidadão cruzava o bairro quando viu um “vagabundo, que certamente bebera a noite inteira”, baixar as calças, exibir suas partes pudendas e se aliviar nas imediações. Uma agressão à moral e aos bons costumes.

O “coronel”, claro, não gostou da história e usou seu poder para conseguir a imediata remoção dos lupanares de Jaraguá. As raparigas foram transferidas para o distante bairro de Canaã e levaram consigo toda a sorte de beberrões, arrivistas, poetas e notívagos.

O sujeito que fez corar a dama da sociedade nunca foi identificado. Nem se sabe se sofreu algum tipo de punição exemplar.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quinta, 24 de agosto de 2023

NEVER MORE (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

NEVER MORE

Carlito Lima

 

 

 

Há três anos viajei à Disneylândia por insistência de meus amados netos. Passei alguns dias na terra do Mickey e Pato Donald. Essa tal de Disneylândia não passa de um imenso supermercado de fantasia infantil construído na cidade de Orlando. Estranhei a temperatura, a previsão entre 12 a 25º centígrados furou, deu todos os dias 5 (cinco) graus, quase morro de frio, uma Sibéria para um nordestino rato da praia de Jatiúca. Tudo é longe. O acesso aos parques temáticos fazia-se apenas de carro, alugamos uma van que deixávamos estacionada numa área especial.

 

 

 

Um trenzinho circulava levando os visitantes aos parques. A entrada custava na época U$ 89,00 por pessoa; impossível conhecer todos os parques em uma semana. Meus netos adoraram o Magic Kigdom, Harry Portter, Sea Word entre outros. Gostei apenas do EPCOT CENTER, uma extensa área com divisórias separando as regiões de 12 países. Degustei um pouco da comida e bebida de todo o mundo, saí meio de porre.

Orlando é uma cidade central da Flórida, um estado “comprado” à Espanha, aliás, os estados limítrofes sul dos Estados Unidos pertenceram à Espanha. Califórnia, Texas, foram incorporados aos USA em tenebrosas transações internacionais, a maioria das cidades conservam nome hispânicos, Los Angeles, San Francisco, San Diego, etc…

No final dos anos 60 o desenhista Walt Disney comprou uma imensa área em Orlando, construiu uma máquina de dinheiro vendendo sonhos infantis. A Disneylândia foi inaugurada 1971, deu certo, construíram mais parques temáticos. A cidade de pouco mais de 200 mil habitantes vive à base do turismo planejado, profissional, produto típico do capitalismo organizado americano, tudo é pago, até contemplar a natureza no Lago Buena Vista. Os parques, hotéis, restaurantes, shoppings, outlets, ficam distantes, não existe possibilidade de ônibus. Incrível, não encontrei uma livraria nos Shoppings ou na cidade.

Gente de todo mundo gastando dólares, muitos dólares. Num “Outlet” perguntei a um mineiro se a “ilha” onde vendia travesseiros lhe pertencia, sorriu de minha inocência. Todas as lojas do “Outlet” são de um grupo de comerciantes judeus, 250 lojas vendendo todo tipo de artigos em promoção, turistas de diversas nações comprando, escandinavos, francês, americanos, ingleses, indianos, paulistas, colombianos, palestinos e muitos americanos deixando seus dólares. A Disneylândia não passa de máquina urbana sugando o dinheiro do mundo. Impressiona a qualidade de vida dos habitantes, todos têm carros enormes chupadores de gasolina, entendi porque de olho no petróleo do mundo os USA fomentam tantas guerras. O dia que o petróleo acabar, acaba a farra gastadora da “way of life” americana.

Surpreendeu-me a população americana, gente de todo os Estados Unidos tem a Disney como objeto de consumo. A maioria supergorda, geração do “fastfood”, hamburgo, batata e muita fritura. A obesidade na juventude é questão de saúde pública no país.

A mão de obra subemprego como, camareira, lojista, taxista geralmente são dos hispânicos, muitos estão irregulares. Um taxista marroquino, me confidenciou, estava há dois anos nos USA, trabalhava para juntar dinheiro e voltar para Marrocos, ainda solteiro, entretanto, pretendia casar-se quatro vezes como permite o Alcorão. Suas mulheres vão andar de véu, só mostrarão o rosto para o marido. Sugeriu que eu lesse o Alcorão onde está a verdade do Universo, só terá vida eterna quem obedecer aos seus ensinamentos. Vou comprar um volume, fiquei interessado no capítulo das mulheres, quem sabe? Um dia posso precisar.

Como bom avô, tomei conta dos netos enquanto os adultos iam às compras. No hotel organizei concurso de piadas, ensinei jogos educativos: porrinha, dados, carteado, pôquer, buraco, ficaram viciados no “sete e meio”. A convivência, a alegria, a felicidade dos netos compensaram os dias na Terra do Mickey. Voltar? “Never more!”.

 

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 19 de agosto de 2023

PIU-PIU (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

PIU-PIU

Carlito Lima

Rua do Comércio onde Piu-piu atuava toda tarde – Maceió – anos 50

 

Todo povo tem a história oficial de seus heróis escritas em volumosos compêndios. História repleta de gente importante: governadores, generais, deputados, senadores, ricos comerciantes. Como modesto observador da vida, prefiro contar sobre figuras mais modestas que me marcaram profundamente e viveram nessa cidade de Maceió. Minha memória é recheada de gente com quem convivi ou simplesmente conheci e tornaram-se inesquecíveis. Uma delas foi Piu-piu, um muriciense elegante, constantemente trajando paletó arrumado, de fazer inveja a lordes ingleses.

Eu tinha cerca de dez anos, meu pai levava a filharada para o centro da cidade no fim da tarde para tomar uma cerveja com amigos no Café Colombo. E nós, meninos, nos fartávamos de sanduíche de fiambre com queijo do reino e um saboroso caldo de cana moído na hora. Nas tardes, a Rua do Comércio se apinhava de gente, outros se encontravam nos bares: intelectuais, boêmios, políticos e desocupados da cidade. Uma dessas figuras marcantes que não faltava uma tarde na Rua do Comércio era um senhor elegante, alto, forte e falastrão, conhecido como Piu-piu. Impecavelmente vestido, todos os dias ele comparecia de terno ou jaqueta com botões dourados, calças bem passadas, uma bota preta de cano longo completava a vestimenta.

O charuto dava um ar de esnobe ao comerciante. Piu-piu apesar de trajes tão distintos vivia de um pequeno comércio: venda e compra de antiguidades, objeto de artes, ouro, prata e joias. Dava para sustentar sua pequena família e seu inigualável guarda-roupa. Ele era impecável na arrumação pessoal. Cabelos bem penteados com brilhantina Glostora, barba bem feita. O bigode denso de cabelos crespos e ruivos, grosso, bem frisado, as pontas de curvas perfeitas faziam meia lua subindo como se apontasse para o céu, digno de um príncipe hindu ou de um kaiser alemão. Diziam que o bigode do Piu-piu era frisado por ferro de engomar.

Nosso herói morava entre o Prado e Ponta Grossa, porém, às tardes ele vivia no centro da cidade. Além das túnicas e ternos ele aparecia de chapéu Panamá, as mãos reluzentes de anéis de todos os tipos, seus dedos eram dourados e brilhantes. Na Rua do Comércio, impreterivelmente às 14 horas desfilava sua elegância e pretensa arrogância, pois se dizia brigador, disposto a qualquer luta, andava armado com punhal e um revólver.

Seu bigode era atração, ele tinha orgulho, uma verdadeira adoração na manutenção daqueles dois tufos intocáveis. Muito lhe contrariou quando jovens estudantes lhe colocaram o apelido de Bigode de Arame. Muitas vezes correu atrás de estudantes que gritavam “Bigode de Arame”, empunhando o punhal que levava constantemente na cintura, por baixo do paletó.

Um fato marcante na vida de Piu-piu e na história de nossa cidade ficou comentado por muitos anos nas rodas do Comércio. Fato brilhantemente contado pelo historiador Félix de Lima Júnior no livro Maceió de Outrora.

Alagoas vivia um momento de intensa intriga política, o que nunca foi novidade. Dois grupos políticos se digladiavam: O do Senador Fernandes Lima, de quem Piu-piu era amigo pessoal e o grupo do austero governador Costa Rego, homem duro, apesar de seu amor e pendor às artes, tratava os inimigos com repressões constantes.

Certa tarde na Rua do Comércio o nosso valente Piu-piu disse não ter medo de ninguém, nem mesmo do governador e destemperou impropérios, atacando o governador Costa Rego em um discurso improvisado nos arredores do Café Colombo.

Dois dias depois ele estava parado em frente ao Relógio Oficial, quando cinco homens desceram do bonde vindo de Jaraguá. Dois deles derrubaram Piu-piu, outros dois seguraram pelos braços e pernas, e o último homem com uma tesoura foi cortando, arrancando o suntuoso bigode, fio por fio, sem que o valente Piu-piu desse qualquer gemido. Não deu um piu. Os amigos ficaram indignados daquela briga: cinco contra um. A polícia só chegou quando o serviço acabou. Arrancaram o bigode mais famoso do Estado. A região do lábio superior de Piu-piu ficou deformada. Ele só retornou à Rua do Comércio muito tempo depois, quando conseguiu regenerar seu bigode de arame. Tornou-se herói.

A rapaziada do Liceu Alagoano aproveitou o fato para versejar e cantou seus versos no Comércio: “O navio apitou… A canoa virou… O bigode do Piupiu… Marroquim arrancou”. Piu-piu, Marcolino Ribeiro da Silva, morreu aos 98 anos em Maceió no dia 5/3/65.

 

 

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita segunda, 14 de agosto de 2023

WALDEMAR FOSSE MÃE (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

WALDEMAR FOSSE MÃE

Carlito Lima

Waldemar aportou em Maceió nos anos 60, vindo de Santo Amaro da Purificação, terra de celebridades: Caetano e Bethânia. Muitos baianos, naquela época, vinham tentar vestibular de engenharia em Alagoas pensando ser mais fácil. Waldemar penou com duas tentativas seguidas. Na terceira conseguiu entrar na faculdade. Hoje é engenheiro aposentado da rede ferroviária.

Naquela época Waldemar morava no Hotel Atlântico, praia da Avenida da Paz. Em vez de estudar, vivia na praia organizando “baba”, pelada, como chamam os baianos, e paquerando as meninas pudicas que vestiam comportados maiôs.

Ele não teve coragem de falar para os pais ter sido reprovado no vestibular. Deram uma festa de arromba quando retornou à fazenda do velho. Todos crentes que nosso amigo retornava para Maceió para cursar engenharia.

Assim Waldemar passou dois anos em Maceió vagabundeando com uma boa mesada. Ele gostava de se exibir com os amigos, pagando uma conta aqui, outra acolá. Fez boas amizades por conta disso e de sua simpatia.

Acordava-se por volta das nove horas da manhã. Tomava o café matinal no Hotel Atlântico e descia à praia da Avenida com uma bola couraça. Na extensa areia dura da praia dava um chute na bola para o alto, era o sinal que havia chegado, começava o baba entre os desocupados que ficavam esperando pela pelada do “Baiano”. Depois da pelada e de um bom banho de mar com direito a algumas braçadas para estirar os músculos, Waldemar procurava alguma paquera. Era esse seu ponto fraco: mulheres.

Namorou algumas jovens bonitas da cidade, mas seu habitat era a zona de Jaraguá, frequentava religiosamente os cabarés. Waldemar, o dono da zona, ficou íntimo de Mossoró, o rei da noite. Era o queridinho de todas as raparigas. Além de bom pagador, tratava todas com carinho e respeito. Isso enfeitiçou as quengas acostumadas com muitos clientes grosseiros.

Numa noitada na Boate Tabariz, ele contou numa roda de amigos, a história do seu apelido: “Waldemar Fosse Mãe”.

Quem não tem uma prima, uma tia jovem, uma parenta que de quando em vez, se hospeda em sua casa? Pois Waldemar também tinha na época de sua adolescência. Sua tia Leninha passava alguns dias na fazenda da irmã, em Santo Amaro da Purificação. No mês de janeiro a fazenda se enchia de parentes e aderentes. Tia Leninha tinha o privilégio em ter um quarto exclusivo, bem junto ao principal banheiro da casa grande. Certa noite, Waldemar acordou-se com a bexiga cheia. Para entrar no banheiro tinha de atravessar o quarto da tia Leninha. Ao abrir cuidadosamente a porta, Waldemar teve um susto quando viu sua amada tia deitada em decúbito dorsal, apenas de calcinha preta, dormindo como um neném. Com o coração disparado, o sangue fervendo, andou na ponta dos pés em direção ao banheiro sem perder de vista aquela bunda magnífica coberta apenas por uma minúscula calcinha. Entrou no banheiro, fez o serviço, retornou no mesmo ritual. Pecou sozinho entre os lençóis de sua cama.

Dia seguinte no café da manhã, sua tia cochichou no ouvido: “Eu lhe vi, ontem à noite!” Waldemar não conseguiu sossegar o espírito, durante todo o dia vinha-lhe a imagem da tia deitada na cama, o detalhe da calcinha de renda preta lhe excitava, lhe deixava louco.

O ritual se repetiu por mais três noites. Ele levantava-se, passava pelo quarto da tia, ficava contemplando aquela beleza. Só sossegava na cama entre suas mãos. Tia Leninha, durante o dia, continuou provocando com olhares lânguidos e sorrisos marotos.

Na quinta noite, Waldemar estava a ponto de bala, só pensava na tia. Havia passado da meia-noite quando ele abriu a porta do quarto. Sua tia estava deitada, nua em pelo. Ele endoidou, não conseguiu conter-se, quando se deu, estava por cima da tia Leninha, que o segurou repreendendo: “Sou sua tia, menino!!””

Ele virou-a. Antes de beijar na boca, deu um grito sussurrante: “FOSSE MÃE!!!!!!!!!!!!!!!!!”. A tia lhe abraçou às gargalhadas, arranhando suas costas.

Pela manhã, feliz da vida, contou sua aventura, entre juras de segredo, em maior confidência, a seu amigo mais íntimo, Carlos Romeu, “Boca de Ponche”. A partir desse dia toda Santo Amaro da Purificação soube da história. E nosso herói ficou conhecido até hoje como “Waldemar Fosse Mãe”.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quarta, 09 de agosto de 2023

A VERDADEIRA HISTÓRIA DA NÊGA ODETE (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNSTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Ao entardecer do dia 20 de dezembro de 1928, dentro de uma casa de porta e janela na Rua São Luiz no Farol, ouviu-se um choro avisando ao mundo o nascer de Odete Augusto dos Martírios, a negra mais bonita e charmosa que perambulou por Maceió no século XX.

De mãe pobre e pai fujão, foi criada pela avó no bairro da Levada. Cresceu uma menina alegre, cativante. Tinha o carinho da avó e as ruas, as praças, a lagoa Mundaú para brincar, pescar e catar sururu. Criou-se livre, sem estudar, correndo e percorrendo toda biboca da cidade.

Tornou-se uma moça bonita, rosto oval, cabelos negros, olhos penetrante. Corpo roliço, bem moldado, cheio de curvas acentuadas na cintura, formosa calipígia de ébano. Sua pele macia e sedosa dava um calafrio ao contato. Odete despertava desejo nos homens e mulheres quando caminhava em rebolado natural cadenciado como se flutuasse ouvindo música.

Ainda não havia completado 15 anos, quando Floro, um belo rapaz, acadêmico de direito, filho de um rico comerciante, ficou encantado com a negra bonita cheia de sensualidade. Foi em seu encalço. Assediou Odete por mais de um mês, prometeu amor, carinho e agrado. Até que numa noite de lua seus corpos se unirem embaixo de uma jaqueira no morro do Tom Mix pelas bandas da praia do Sobral. Floro deflorou Odete. A negra gritou como uma selvagem, doeu, gostou. Em casa, sua avó notou o sangue, e esbravejou: não era mais moça, tinha perdido a honra, não queria sua neta quenga! Reclamou da vida de pobre.

Durante a noite Odete chorou e lembrou os momentos de carinho, sentiu novamente a sensação de seu corpo penetrado. Tomou uma decisão: trabalhar, ser independente. Como uma analfabeta podia arranjar emprego?

Informaram que uma família estava precisando de uma empregada doméstica. Odete bateu na casa na Praça Sinimbu. Foi atendida pela dona, que gostou da moça negra, simpática, carne firme, disposta no trabalho. Ensinou-lhe a cozinhar. A jovem aprendeu rápido, tornou-se exímia cozinheira. Odete morou e trabalhou com essa família por muitos anos.

Sentia-se independente com o pequeno salário. Tinha um quarto na casa, comida e era livre, solteira, podia fazer o que bem quisesse. Ao anoitecer, depois do dia de trabalho, disposta, cheirosa, dentro de um vestido de chita, pintava-se para sair em busca de diversão nas noites. Fazer o que mais gostava: amor. Os homens se encantavam, prometiam. Nunca recebeu dinheiro de algum parceiro. Era seletiva. Gostava de homem novo e bonito. Estudantes ficavam à espreita a partir das sete da noite na Praça, tentando uma oportunidade de uma noite com Odete. Depois de ela escolher o privilegiado, conversava, não gostava de homem burro ou bruto. Se agradasse do escolhido, partiam para a morna areia da praia da Avenida da Paz ou para o gramado do sítio da Sinhá perto do Riacho Salgadinho.

Foi se espalhando pela cidade a história da negra alegre de belo sorriso, dentes brancos, lábios grossos, loba do amor. Muitos homens desejaram Odete, muitos homens foram rejeitados. Odete se transformou num mito, numa das figuras mais populares de Maceió. Não tendo condições de frequentar clubes, partia para as boates do bairro boêmio de Jaraguá apenas para dançar ao som dos conjuntos tocando os boleros da época. Muitos parceiros de dança queriam levá-la para o quarto, ela recusava, queria apenas dançar. Os únicos locais que aceitavam uma empregada, negra, analfabeta no salão de dança, eram as boates em Jaraguá. Noite alta ela agradecia ao dono da casa, descalça, cansada, com os sapatos pendurados entre os dedos, caminhava pela noite na rua em direção a seu quarto na Praça Sinimbu.

Por ser livre e independente, Odete era confundida tida como prostituta pelas mulheres da cidade. Ela jamais aceitou um centavo de algum homem. Viveu solteira pelo resto da vida. Uma mulher que se ofertou ao amor. Leila Diniz, branca, rica, se deu e se dedicou aos homens no Rio, foi aclamada musa de Ipanema. Odete, pobre, negra, se deu e se dedicou aos homens, foi detratada com mentiras maldosas.

Odete no fim da vida morava em um quartinho perto da Praça Afrânio Jorge, sozinha, como sempre viveu. Apesar das sequelas da idade, sentia alegria na alma. Essa é a história verdadeira da Nêga Odete, mito e fantasia de muitos homens nos anos 50/60 na cidade de Nossa Senhora dos Prazeres, nossa bela Maceió. Um ano antes de sua morte foi entrevistada no Bar da Zefinha.

Tenho gravada essa preciosa entrevista que será publicada no livro: FAMOSOS ANÔNIMOS DA HISTÓRIA DE MACEIÓ. Aguardem.

 

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 04 de agosto de 2023

MOSSORÓ (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

MOSSORÓ

Carlito Lima

Uma cidade não é feita apenas de ruas, prédios, praças e jardins; ela é feita, sobretudo, de seus cidadãos que a fazem funcionar; seja um taxista, um ambulante, um garçom, ou qualquer figura simples que trabalha para ganhar o pão de cada dia, ao mesmo tempo trabalha para o funcionamento de sua comunidade, de sua cidade. O povo é a alma de uma cidade. Os homens importantes como governador, prefeito ou vereador estão já inscritos na história oficial com livros mostrando as obras e serviços dessas autoridades. Aqui no meu cantinho quero contar um pouco de alguns simples cidadãos que se fizeram conhecidos na cidade, depois o tempo o fez esquecer, quero registrar alguns famosos anônimos esquecidos, como, por exemplo, Benedito Alves dos Santos, o Mossoró, o mais popular e controvertido dono da noite do século passado em Maceió.

 

 

 

Negro, alto, de sorriso largo, Benedito na juventude foi pintor de parede. Gostava de contar que a primeira cerveja de sua vida, ele tomou em minha casa ao terminar um trabalho de pintura. O meu pai ofereceu uma rodada de cerveja.

Nos anos 60 Mossoró iniciou a trabalhar numa boate em Jaraguá. A partir daí não parou mais, tornou-se o maior proxeneta das Alagoas. Enricou com o agenciamento de mulheres. Conta-se que em 1969 a mulher do Secretário de Segurança, ao passar por Jaraguá de manhã, viu um boêmio retardatário chegar-se ao meio fio, abrir a braguilha e fazer xixi na rua. A madame ficou impressionada, exigiu a retirada das boates do bairro de Jaraguá.

Mossoró tinha uma boa poupança. Além de dirigir a casa, ele trocava dólar; foi o primeiro cambista da cidade, com a determinação de mudar-se de Jaraguá, construiu a Boate Areia Branca no bairro do Canaã. A casa tornou-se o reduto dos boêmios dos anos 70/80.

Contam-se muitas histórias folclóricas do Mossoró. Quando construíram o Estádio Rei Pelé, o Trapichão, ele comprou duas cadeiras cativas: uma para ele, outra para o enorme rádio que sempre levava para ouvir a radiação dos jogos do CSA. Suas cadeiras eram das melhores, vizinhas a do austero Governador Afrânio Lages. Certo tarde, Mossoró encontrou-se com o governador Afrânio em visita às obras no centro da cidade. O Negão não perdeu o rebolado, cumprimentou o governador mostrando intimidade:

– Como está Governador? Vai amanhã por lá?

Os auxiliares do Professor Afrânio tiveram dificuldades em esclarecer que Mossoró havia perguntado se ele iria ao jogo no estádio Rei Pelé e não à Boate Areia Branca, como alguns pensaram maldosamente.

Outras histórias tornaram-se lendas. Na construção dos banheiros da boate o engenheiro especificou revestimento de azulejo. Numa visita à obra Mossoró mandou retirar todos os azulejos brancos já assentados, reclamando que não havia acertado “branculejo”, e sim, azulejo, azul da cor do seu CSA.

O Negão tornou-se um homem de fino gosto. Só usava camisa de seda, sapatos italianos impecavelmente engraxados, correntes de ouro, relógio rolex de ouro incrustado com pedras preciosas. O uísque era do bom e um charuto para dar a importância que ele aparentava. Os ricos de Maceió só trocavam dólar com ele. Mossoró se gabava da amizade com a fina flor da burguesia alagoana. Aprendeu a comer e beber do melhor.

Certa vez, ele estava de boca aberta para o dentista que examinava os dentes, ouviu o diagnóstico que precisava colocar uma nova dentadura inferior. Mossoró assim que pode abrir a boca foi bem claro:

– Doutor, sou rico. Não quero nada inferior, por favor, bote tudo superior.

As histórias com Benedito Alves dos Santos dão um livro.

A última vez que vi Mossoró foi em sua bela residência na Ponta Verde, fui acompanhado de um candidato no tempo de eleição, pedir votos. Ele tinha bom coração, ajudava aos mais necessitados do bairro Canaã, como também ajudava suas meninas, que lhes chamavam carinhosamente de “Pai Véio”.

Outro dia passando pelo Canaã, encontrei tudo diferente, a extensa casa da boate foi transformada em uma caquética pensão “familiar”. No espaço da Casa Areia Branca estabeleceu-se com um acanhado bar, onde vende cachaça e cerveja. Nas paredes do bar algumas fotografias de gente famosa, no fundo fotografias das equipes daquela época do CSA. Com a revolução sexual, os costumes mudaram, hoje já não existem boates, nem figuras de dono da noite e das raparigas como o lendário Mossoró.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 29 de julho de 2023

MISS PARIPUEIRA (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

MISS PARIPUEIRA

Carlito Lima

Convicta dentro de sua insanidade, Ambrosina se orgulhava clamando aos quatro cantos da cidade: “Eu sou a Miss Paripueira”. Vestida de saias e blusas chamativas, enfeitada de colorares, diversas pulseiras enchiam seus pequenos braços. Baixinha e amável tinha paixão por sua peruca, amarrava uma fita na testa; os óculos escuros era peça imprescindível durante o dia e a noite.

A molecada gostava daquela figura excêntrica, que em sua imaginação ouvia música, cantava e dançava, marcava passos como uma bailarina, a dança estava no seu sangue, na sua índole, na sua loucura.

Nasceu não se sabe quando na comunidade de Paripueira, belíssima praia, atração turística do Nordeste, antigo recanto de poucos privilegiados, mar azul esverdeado. Marolas beijando os pés à beira-mar, andar dentro d’água ao fundo é um passeio, depois de alguns momentos mar à dentro, a água permanece pouco acima da cintura. Artistas, letrados, loucos e veranistas moram naquele paraíso promovido a cidade, perto da capital, um bairro de Maceió.

Ambrosina Maria da Conceição, era uma mulher saudável casou-se, teve filhos, até que um dia desatinou, sentiu-se linda, coroou-se Miss Paripueira. Em janeiro na famosa Festa de Santo Amaro era a alegria da meninada, divertida com seus colares, suas roupas coloridas e um sorriso constante na boca como se tivesse debochando do mundo, tornou-se símbolo da cidade. Nos carnavais ela percorria a maratona carnavalesca na Rua do Comércio em Maceió, o Banho de Mar à fantasia na Avenida da Paz e gostava de acompanhar os blocos pela cidade.

Ficava triste e irada quando a meninada a chamava de Sabiá, canela de Sabiá, perdia a alegria, se zangava, pegava pedra e pau sacudia na garotada. Certa vez acertou uma pedra no olho de um jovem, o levaram para no Hospital, o pai, influente político foi à Delegacia deu queixa do ocorrido, exigiu a prisão de Miss Paripueira. Entretanto, alguns moradores defenderam aquela criatura, não fazia mal algum. Para assegurar a liberdade levaram-na num jipe para Maceió, escondendo Ambrosina na casa de um primo no bairro do Poço. Morou algum tempo na capital. Todos os dias ela se arrumava com vestidos chamativos, seus inefáveis óculos escuros, a bolsa espalhafatosa e desfilava pela Rua do Comércio no centro da cidade. Empolgava-se em sua loucura ouvindo o povo aclamar, gritar: “Miss Paripueira!” Envaidecida, agradecia com uma reverência abaixando o corpo, dava uma volta, um adeus com a mão, continuava em frente, era a mulher mais bonita e mais feliz do mundo.

Em sua cabeça toda população lhe olhava, lhe admirava. Entretanto, seu maior prazer era dançar, quando ouvia música, a baixinha saía nos passos bem marcados, tinha ginga e balanço. Durante o carnaval ficava à frente dos blocos, seja o Vulcão, o Cavaleiro dos Montes, o Vou Botar Fora, Miss Paripueira era sempre bem vinda fazendo o passo no seu estilo alegre, contagiante. Sempre agradecendo à multidão, aos fãs, delirava em sua cabeça ao ouvir gritar: Miss Paripueira, Miss Paripueira.

Não se sabe o fim da doce, encantadora, louca, extravagante criatura que em sua época teve um pedaço do reino do mundo nas cidades de Maceió e Paripueira. Não se sabe onde ou quando morreu. O povo não a esqueceu, artistas anônimos lhe prestaram algumas homenagens anônimas.

Na entrada da cidade havia um bar com o nome de Miss Paripueira e um seu retrato pintado na parede com cores chamativas. O cineasta e ator José Marcio Passos dirigiu e produziu um curta documentário, “Meu Nome é Miss Paripueira”, exibido em 1978 no Festival de Cinema Brasileiro de Penedo.

Mais recente, na era da Internet nas redes sociais existe um grupo: “Eu sou fã de Miss Paripueira”. Em um carnaval houve um concurso de fantasia exclusiva de Miss Paripueira, foi um sucesso apareceram mais de 20 mulheres fantasiadas. Celso Brandão, premiado fotógrafo alagoano tem uma série de retratos de Ambrosina, nossa pacata e alegre cidadã. Não podemos relegar ao esquecimento os heróis e heroínas, famosos anônimos, de nossa cidade.

Obs. Essa crônica fará parte do livro: “FAMOSOS HÉROIS ANÔNIMOS”, historias biográficas de figuras simples ou loucas de nossa cidade.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 23 de julho de 2023

COLÉGIO DIOCESANO (CRÔNICA DE CARLTO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

COLÉGIO DIOCESANO

Carlito Lima

Pátio Interno e Campo de Futebol do Colégio Diocesano

 

Depois do banho de mar matinal na Praia da Avenida da Paz, eu tomava um café reforçado da Dona Zeca. Era hora de pegar o bonde para o Colégio Diocesano. Havia um ponto de parada de bonde perto de minha casa, na esquina, defronte à belíssima mansão de Seu Paulo Tenório. Eu, menino cheio de vigor, preferia pegar o bonde andando ao passar em frente à minha casa. Pulava dando impulso com um pé, juntava o outro firme no estribo, a mão segurava o barrete vertical; viajava em pé, mesmo com vagas nos bancos, equilibrando uma pesada bolsa de livros e cadernos na outra mão. O bonde paquidérmico andava lentamente. Eu sentia, gostava da carícia do vento no rosto. O cobrador passava esperto, uniforme desalinhado e inefável quepe, as notas de dinheiro arrumadas entre os dedos facilitando o troco aos passageiros; mandava sair do estribo e sentar nos bancos. Nós, meninos livres e teimosos, não obedecíamos.

O motorneiro (condutor) acelerava o bonde rangendo nos trilhos, tocando “Tim-Tim”. Entrava pela Praça Sinimbu, Rua do Imperador, dobrava por trás da Assembleia, subia a Rua do Comércio, finalmente chegava a nosso destino, o majestoso e bonito casarão, Colégio Diocesano, onde hoje é a Secretaria de Agricultura.

Às sete da manhã, impreterivelmente, tocava o sino, os alunos entravam enfileirados na sala. Depois de rezar três ave-marias e um padre-nosso, iniciava-se a primeira aula. Assistíamos às aulas pensando no intervalo, recreio de dez minutos, mal dava para tomar água, jogar ximbra, pião, trocar figurinhas. O sino batia novamente acabando a alegria fugaz, retorno à sala de aula.

O Colégio tinha um ensino bem organizado, todos os colegas daquele tempo ficaram bem encaminhados devido ao excelente nível de educação. Alguns colegas disputavam o primeiro lugar nas notas. Outros também se distinguiam nas aulas práticas de oratória, mostravam seus dotes brilhantes. Eu era bom na matemática. Fui aluno particular do professor Benedito na Praça das Graças, onde, três vezes por semana, assistia às aulas noturnas do excelente professor Benedito, que ficou na história da cidade.

Fui aluno marista de 1948 a 1955, sete anos, um bom tempo de aprendizado. Devo parte da minha educação aos Irmãos Maristas; havia aula de civilidade e religião. Outra parte de minha educação, mais escrachada, anárquica, devo à vida livre nas praias, praças, mares, lagoas e ruas de Maceió.

Nossa turma teve como “lente” (responsável) durante o curso Colegial o irmão Bráulio, grande liderança sobre professores e alunos. Incentivador do esporte, treinador de nossa classe, alguns anos campeã de futebol do Colégio. Eu era um jogador medíocre, mas estava sempre escalado ou na reserva do time. Os jogos do campeonato eram pela tarde no campo do Colégio, uma área entre o prédio e o muro cheia de oitizeiros centenários, ou seja, jogávamos à sombra. Quando a bola batia em uma árvore, continuava valendo. Houve um caso do goleiro Marcos Mello ter feito uma bela defesa, mas quando chutou a bola para frente, ela bateu em uma árvore e voltou entrando na própria trave, o gol foi validado.

Havia um irmão sempre mal humorado; francês, vivia enfezado. Velho ranzinza, professor de francês e matemática, reclamava e censurava a nossa educação. Insistia em nos comparar com a educação dos meninos franceses, seus conterrâneos. Um crítico dos nossos costumes. Certo dia, no intervalo de aula, um colega de turma, um tremendo gozador, hoje sério e recatado cidadão, escreveu no quadro-negro uma quadra que dizia mais ou menos assim: “Irmão Júlio vai morrer buchudo… Sem poder cuspir… Com um pirulito na boca… Sem poder engolir… E com um filho na barriga… Sem poder parir”. Quando o velho irmão entrou na sala de aula, leu os versos, soltou um grito, xingando de mal educados, cafajestes. Naquele momento teve um ataque, ficou vermelho que nem um pimentão e desmaiou na cadeira. Pensamos que estava morto, foi um corre-corre; com tapinhas na bochecha, água no rosto, ele voltou ao normal.

Era uma turma eclética. Deu bons profissionais que fizeram a história e construíram a cidade de Maceió no século XX.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita segunda, 17 de julho de 2023

O APOSENTADO (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUMISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O APOSENTADO

Carlito Lima

Fernando José chegou em casa ao entardecer, sentou-se no sofá, abraçou Margarida, declarou feliz à esposa.

– Foi meu último dia de trabalho, me sinto cansado, a aposentadoria do Banco dá para viver sem atropelos financeiros. Quero viajar, brincar com os netos, andar na orla, nadar na Academia, assistir cineminha pela tarde, ler muito. Escrever minhas memórias, quase 70 anos. Tenho muitas histórias, dentro de dois anos lanço meu primeiro livro. Não trabalharei mais para ninguém, vou ser um jovem e feliz idoso aposentado, caminhante da praia da Jatiúca!

 

 

– Ótimo, vou lhe dar uma tarefa, levar seu neto, Fernandinho, toda quinta-feira de quatro às seis da tarde na aula de inglês. – Disse a filha, Denise, chegando e ouvindo a confissão do pai.

– Terei a maior satisfação, pode deixar comigo.

Na quinta-feira Fernando pegou Fernandinho em seu edifício. Entrou na escola de inglês segurando a mão do neto, sala ampla, onde se ramificavam quatro corredores com salas de aula, Fernandinho, nove anos, esperto, logo achou sua turma, desde os seis anos estuda inglês, um craque. O avô olhou o relógio, achou a sala aconchegante, resolveu esperar sentado numa confortável poltrona, pegou uma revista ficou a ler algumas reportagens. De repente uma senhora bem vestida sentou-se na poltrona ao lado, ele sentiu o perfume, deu-lhe uma deliciosa leveza dentro do ser, conhecia o aroma delicioso, a madame usava “Fleur de Rocaille”, seu perfume preferido, amava aquela fragrância desde o namoro com Vilma, uma paulista no início dos anos 70. Tórrida e inesquecível paixão. Muitas vezes se embriagou cheirando a nuca da namorada. Viveram juntos dois anos assim que entrou no Banco do Brasil foi trabalhar em Macapá, longínqua e bela capital do Estado do Amapá. Lá conheceu a paulista.

Fernando estava em devaneios quando ouviu um pigarro, nesse momento baixou a revista, olhou, contemplou a bela coroa, idade indefinida entre 40 e 50 anos, talvez 60. Quem sabe idade de uma mulher? Elegante, exalava suavemente Fleur de Rocaille. Atração à primeira vista. Sorriu, iniciou uma conversa leve.

– Esperando o filho?

– Não, neto, tenho essa missão, trazer o neto às aulas de inglês, prefiro ficar lendo, esperando a aula terminar. – respondeu a gostosa coroa.

Continuaram a conversa, vovô viu a vovó, gostou, nasceu uma química entre os dois. Ao terminar a aula, despediram-se.

Durante a semana Fernando sentia Fleur de Rocaille por onde andava, na sala, na cozinha, chegava-lhe o perfume. Na quinta-feira seguinte, tomou banho demorado, vestiu camisa nova, perfumou-se, espargiu Azarrô em seu corpo. Ao chegar à escola de inglês com o neto, era intenso o movimento de alunos, pais, avós, professores. Percebeu a nova amiga, sentou-se perto, deu um olá, ela responde um adeus em dedos, logo estavam conversando.

Passaram-se três semanas, ficaram íntimos, conheciam a vida um do outro. Fernando convidou Amanda, assim se chama a viúva, para tomar um sorvete na Bali, ao caminhar, no segundo quarteirão avistou uma placa num edifício, “Aluga-se apto quarto e sala mobiliado – chave na portaria”, ele precisava para um primo que chegava do Rio. Foram conhecer o apartamento. Ao se verem sozinhos, propositalmente ele encostou o braço em Amanda, ela sentiu um choque, eletricidade química, segurou a mão do vovô aposentado, apertou, virou-se, se abraçaram, se beijaram. Fernando se embriagou em tanto cheirar a mulher perfumada, deixaram o sorvete para outro dia.

Já se passaram quatro meses do primeiro encontro, toda quinta-feira Fernando deixa Fernandinho na aula de Inglês e sobe para o apartamento que ele mesmo alugou . Toma o fortificante azul diluído em meio copo d’água, coloca uma música dos anos dourados esperando a viúva bater à porta. Quando Amanda entra, ele sente o perfume Fleur de Rocaille penetrar nas narinas. Abraça, beija, funga o cangote da viúva. Depois relaxado, conversando com a namorada, espera a hora de terminar a aula. Leva Fernandinho à sua casa e num lapso agradece à filha.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita terça, 11 de julho de 2023

DEODATO, O SANTEIRO (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

DEODATO, O SANTEIRO

Carlito Lima

Artista alagoano, nascido na Levada. Conquistou o mundo com suas hábeis mãos, transformando madeira crua em belas esculturas.

Desde menino, moleque, andava pelos bairros, perambulando pelas ruas da cidade, que um dia iria se tornar sua paixão. Ao completar 13 anos descobriu sua vocação ao transformar um monte de barro em uma casa de farinha e foi vendê-la na Feira de Passarinho quando conheceu o antropólogo Dr. Théo Brandão que se encantou com o trabalho daquele jovem.

 

Sua vida repleta de muitas histórias e alegrias tornou-o um homem feliz. Foi Cabo do Exército Brasileiro em plena Segunda Guerra Mundial. Passou algum tempo como militar. Ao dar baixa do Exército arranjou um emprego no aeroporto de Maceió, era “espantador de urubu”, seu trabalho era dar carreira e não deixar os urubus perto da pista de pouso.

Até que resolveu afinal arriscar seu futuro no Rio de Janeiro: embarcou na terceira classe de um velho navio ITA no porto de Jaraguá.

No Rio de Janeiro se fez conhecido pelas peças de madeiras esculpidas. Morou no Morro da Mangueira e tornou-se carnavalesco. Conviveu com Cartola e Zica, tornou-se amigo de sambista de tradição. Ajudou nas alegorias e enfeites da Escola, desfilou no carnaval.

De espírito inquieto mudou-se para São Paulo em busca de melhor reconhecimento. Desempregado, tentou de tudo, foi boxeador valendo-se dos ensinamentos do Tenente Madalena com quem aprendeu a lutar boxe no Exército. Sua vida foi uma luta. Competiu no campeonato paulista de boxe por mais de uma temporada. Sobrevivia para poder trabalhar na madeira. Até que um dia descobriu a paixão de sua vida: Deodato esqueceu a luta, namorou Maria Lúcia, uma jovem guerreira, tornou-se companheira.

Casado, nosso herói aquietou-se e dedicou-se apenas a sua arte. Com ajuda de amigos e muita briga com fiscais da Prefeitura fundou a feira de artesanato da Praça da República. Deodato tinha razão e uma visão futura. Hoje a Feira da Praça da República é grande atração turística da cidade de São Paulo.

O ilustre alagoano nunca esqueceu sua terra, mesmo quando começou a ser reconhecida sua maravilhosa arte. Ficou famoso em São Paulo, no Rio e adjacências. Teve convite e foi para o Programa do Jô Soares, Argentina e Uruguai.

O Fantástico fez uma inesquecível matéria ao vivo com Deodato, o santeiro, aliás, o milagreiro.

A Igreja do Butantã encomendou um Cristo em madeira. Deodato caprichou, comprou um enorme tronco. Com menos de um mês esculpiu um belo Cristo de 3,5 metros de altura. A madeira ainda não estava completamente seca, saía um pouco de resina das talhas. Os padres acharam tão bonito que resolveram levar o Cristo para o altar da Igreja antes da madeira curtir.

Foi um sucesso. Os fieis frequentavam a Igreja para olhar aquela linda escultura do Cristo enorme. De repente uma beata descobriu nos pés e nas mãos de Cristo um líquido vermelho escorrendo. A Filha de Maria não teve dúvida, nem raciocinou quando gritou no átrio: “Milagre! Milagre! Cristo está sangrando!”.

Deu-se um clima de espanto quando o povo admirava o correr do líquido vermelho. Logo chegou reportagem dos jornais e televisão. Ninguém explicava o fenômeno, só um milagre justificava.

Até que o Fantástico foi gravar o “milagre” e Deodato tentou explicar o fato real, esclareceu que aquele líquido vermelho era resina. Mas o povo não quis saber da explicação. A massa tem necessidade de “milagres”.

Certa vez, uma senhora estava com o pescoço torto e duro. Na rua reconheceu Deodato como o santo que esculpiu Cristo que sangrou. De repente atacou gritando e beijando os pés do “milagreiro”, abraçou-o pela canela. Deodato aborrecido gritou para a senhora: -“Me largue”.

Na emoção a senhora entendeu mal e gritou: “Milagre!”. No mesmo instante a dor no seu pescoço passou e voltou a ficar mole. Foi um reboliço. Muitos foram testemunhas do milagre. Os repórteres dos jornais registraram a história do Santo Deodato, o milagreiro, a fama ficou até hoje em São Paulo.

Deodato nunca esqueceu sua Maceió e a lagoa Mundaú. Quando viajava à terra visitava aos amigos. O Prefeito de Marechal pediu e ele esculpiu aquela maravilhosa estátua equestre do Marechal Deodoro na entrada da cidade.

Infelizmente, um dos mais notáveis artistas do Brasil, nascido no bairro da Levada em Maceió, foi chamado para esculpir um bando de santo que deve ter no céu. Estou imaginando o trabalho que meu querido amigo, que não sabia dizer não, esculpindo o batalhão de santos do céu. Aqui na terra restou um boneco de carnaval que todo ano, desfila no Bloco do Siri Mole do artista Ovídio Gurgel, seu pareia.

 

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quarta, 05 de julho de 2023

ORDENER CERQUEIRA (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

ORDENER CERQUEIRA

Carlito Lima

Ordener foi meu ídolo. Eu adorava e dava gargalhadas ouvindo suas histórias. Amigo da família, dentista competente, eficiente professor da Universidade, com consultório na Rua Boa Vista. Tinha alma de boêmio e muitos amigos. Certa vez Aldemar Paiva trouxe o famoso Capiba para um fim de semana em Maceió. Ordener acompanhou os passeios, inclusive ofereceu um almoço em sua casa na praia de Riacho Doce. Retornando ao Recife Capiba confessou a Aldemar Paiva que Ordener era a figura humana mais engraçada que conheceu.

 

Ordener, jovem adolescente foi um bom estudante no Liceu Alagoano. Havia um professor de história acostumado a dar aula sentado na cadeira, não levantava para pegar um giz. A narrativa histórica era chata, tediosa. O professor tinha a mania de colocar a mão na primeira gaveta do birô enquanto discorria a monótona aula. O preguiçoso professor passava o tempo de aula num blábláblá monocórdio provocando sono nos alunos, sempre com a mão enfiada na gaveta.

Certo dia, no quintal da casa de Ordener apareceu um baita goiamum, azulado e brabo, com uma pata do tamanho de seu casco. Ele conseguiu pegar e amarrar o caranguejo pelas patas, acondicionou, embrulhou em fibras de tronco de bananeira e guardou-o em sua pasta escolar. Na manhã seguinte levou-o para o Liceu. No intervalo, antes da aula do professor preguiçoso, Ordener desembrulhou e soltou o brabo caranguejo na primeira gaveta, fechando-a.

Quando o professor iniciou a aula, sentado na cadeira, imediatamente, num reflexo, abriu a primeira gaveta e enfiou a mão. Naquele instante soltou um estridente grito enquanto puxava o braço com um baita goiamum com a enorme pata travada no dedo indicador. Ele gritava de dor, pedia socorro, enquanto a alunada caiu às gargalhadas. Acudiram o professor que aproveitou e não deu mais aula, prometendo expulsar o meliante que aprontou aquela brincadeira.

Ordener cursando a faculdade foi convidado para atuar no Teatro Universitário, ensaiou durante um mês uma peça sacra a ser encenada na semana santa. Ordener fazia o papel de Jesus, e o amigo, Luís Alves, fazia o papel de Lázaro. Depois de vários ensaios chegou o dia da estreia, um sábado à noite no Teatro Deodoro.

Ninguém era de perder um sábado. Nem ele, nem Luís. Passaram o dia encheram a cara num Bar da Ponta Grossa. Chegaram para atuar às sete da noite no Teatro Deodoro com bafo de cana, cheios de birita. Luís estava mais bêbado. Não havia fala para o Lázaro; seu papel era ficar como morto até quando Jesus (Ordener) o mandasse levantar e nesse momento Lázaro (Luís) levantava e andava ressuscitado.

O Teatro Deodoro cheio, não havia vaga sequer no balcão A peça iniciou e prosseguiu até que aconteceu a cena dos amigos. Luís (Lázaro) deitou-se no chão como morto e Ordener (Jesus) falou alto, fazendo o milagre:

– Levanta-te e anda Lázaro!

Lázaro (Luís) continuou deitado, sem sequer mexia. Ordener (Jesus) para mostrar sua força divina, gritou mais alto:

– Levanta-te Lázaro!

Lázaro continuou sem se mover. Ordener impaciente, sentindo a apreensão da plateia chutou as costas de Luís e gritou mais alto ainda:

– Levanta-te Lázaro!

Até que perdeu a paciência e saiu o impropério:

– Levanta seu filho de uma puta!

A plateia ficou atônita. Ordener dirigiu-se ao público pedindo perdão comunicando:

– O Lázaro está bêbado!

Foi uma gargalhada geral. Alagoas perdeu de uma vez dois ótimos atores que foram expulsos do Grupo de Teatro Universitário.

Meu tio Napoleão, amigo de infância de Ordener, estava há 20 anos sem vir a Maceió. No dia que chegou me pediu para levá-lo ao seu consultório. Chegamos por volta das onze da manhã na Rua Boa Vista. Napoleão sentou-se numa cadeira na sala de espera, eu me aproximei e bati à porta. A me ver Ordener ficou feliz e perguntou a razão da visita; eu respondi ser uma surpresa. Naquele momento ele tratava os dentes de um cliente deitado na cadeira de boca aberta. Ordener deixou o cara com a cara para cima, pendurou a broca e limpando as mãos, sorrindo, perguntando pela surpresa saiu da sala. Foi emocionante quando apontei para meu tio Napoleão. Ao reconhecer o amigo de juventude a alegria foi tamanha que se abraçaram chorando. O encontro emocionou aos clientes que aguardavam serem atendidos.

Ordener tirou a bata branca, abraçado ao ombro de Napoleão, descemos para comemorar o encontro. Sentamos no Bar do Chope, onde emocionados brindamos algumas doses de cachaça acompanha por cerveja bem gelada. Em poucos momentos apareceu a atendente lembrando que o cliente ainda estava lá de boca aberta. Ele mandou recado: estava muito emocionado, sem condições psicológicas, pedia desculpas aos clientes, não mais atenderia naquele dia.

Terminamos o encontro por volta das quatro horas da madrugada no Bar das Ostras, à beira da Lagoa Mundaú, cantando acompanhado pelo violão de Marcos Vinicius; “Ai, ai, que saudade ai que dó… viver longe de Maceió… As noitadas felizes nas Ostras… bons amigos que choram até… que saudades da Bica da Pedra… e dos banhos lá do Catolé…” Ordener Cerqueira foi dentista e professor dos mais competentes e um dos boêmios mais queridos da cidade. Suas histórias ainda são contadas boca a boca em toda Maceió.

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita terça, 27 de junho de 2023

TROCA DE DAMAS – Festa Junina (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Gilberto é malandro desde criança, na juventude fez parelha com um primo, viviam os dois matando aulas, pensando sempre em tirar vantagem e vadiando com mulheres. Seu primo tornou-se profissional da malandragem, hoje é deputado, Gilberto seu dileto assessor para assuntos aleatórios. Trabalho maneiro comparece duas vezes por semana à Assembleia, lê revistas, jornais, as funcionáripaquera as e às vezes resolve algum problema do primo.

 

 

 

No início do mês Gilberto estava navegando pela Internet encontrou o convite de uma festa junina: “TROCA DE DAMAS”, inspirado na dança de quadrilha no passo, “trocar de damas”, quando os cavalheiros que estão defrontes, trocam de damas, depois elas retornam. Acontece que a festa anunciada na Internet, era literalmente para trocar de mulheres, o famoso swing. Ao ler o convite, aguçou a fantasia de Gilberto. Passou a tarde meditando, pensando, sonhando como comparecer essa festa no Recife. A entrada da festa estava difícil, a organização exigia certidão de casamento, três fotos do casal, e pagar o convite de R$ 1.000,00. Gilberto é bom marido, bem casado, jamais pensaria trocar Tereza, sua coroa, amor de sua vida.

De repente apareceu na sala a gostosa Dejanira, assessora de outro deputado. Se dispensassem do serviço os funcionários da Assembleia que já comeram a Dejanira, não ficava um homem.

Gilberto não perdeu tempo, conversou com sua amiga. Mostrou o anúncio da festa TROCA DE DAMAS, expôs o plano: falsificar a certidão de casamento. No outro dia, Dejanira e Gilberto com uma hora na sala de xérox saíram com uma perfeita cópia de certidão de casamento de Gilberto Pereira e Dejanira Silva Costa. No mesmo dia remeteram os documentos exigidos digitalizados para a organização da festa.

No início da semana Gilberto recebeu no zap a aprovação do casal, e enviaram por e-mail fotografais dos casais aprovados que confirmaram a presença. Gilberto quando olhou a foto de uma galega paranaense ficou louco.

Gilberto avisou em casa que viajaria para o Recife revolver problemas do deputado e no dia da festa, quinta-feira, dia 16, juntamente dom Dejanira tomou a estrada para o Recife, ficaram hospedados no Mar Hotel, como dois irmãozinhos aguardando a festa que iniciava às vinte horas daquela noite, ele tinha o mapa do local, uma casa discreta no bairro do Espinheiro.

Exatamente às vinte horas o casal alagoano entrou na casa mostrando na portaria, identidade. Foi conferido, o casal estava na lista, uma recepcionista bonita os levou para o quintal onde havia mesas e cadeiras espalhadas em baixo de toldos armados e um palco, onde um bom conjunto tocava músicas juninas para ouvir e dançar. O ambiente estava decorado com bandeirinhas e balões. Gilberto procurou com o olhar e reconheceu o casal do Paraná, deu-lhe uma sensação de felicidade, a mulher do cara era mais empolgante ao vivo, loura dos olhos azuis, sorriso perfeito, dentes brancos, exalando sensualidade. Como não conhecia as regras, Gilberto e Dejanira aproximaram-se do casal perguntando se os aceitavam na mesa. Os quatros conversaram amenidades. Dejanira saiu-se muito bem, com os detalhes de sua suposta família, combinados e inventados por Gilberto. Ela também estava entusiasmada, o cara do Paraná era bonito, louro, atlético.

Pediram uísque, cerveja e excelente tira-gosto. Dançaram forró com pares trocados, Cláudia, a paranaense, adorando o forró contou que vieram de Curitiba quase direto para festa, a mala estava guardada na casa. Quando deu meia noite, Otávio, o marido, que adorou Dejanira, sugeriu ficar no mesmo hotel e rumaram para o Mar Motel. Depois de ser atendido na portaria e com a chave na mão, Cláudia, tirou discretamente um lingerie da mala. De mãos dadas com Gilberto subiram ao apartamento. O outro casal também estava no clima da troca, Dejanira é uma sábia no amor.

Gilberto educadamente esperou Cláudia tomar banho. Ela saiu do banheiro vestida num maravilhoso lingerie. Gilberto também tomou banho, saiu de pijaminha e deparou-se com uma cena deslumbrante: sua parceira deitada na cama lia uma revista, suas pernas balançavam langorosamente por cima da magnífica bunda levemente coberta por uma calcinha de renda preta. Gilberto deitou-se a seu lado, começou com um beijo na boca, e o resto é silêncio, como diria Shakespeare.

Teve que repetir mais duas vezes durante a noite, com intervalos para bons papos, doses de uísques e ajuda do Viagra. A paranaense era uma tarada, tinha furor-uterino. Com a boca era inigualável. Ao acordarem cumpriram novamente o ritual. No café da manhã encontraram Dejanira e Otávio, felizes da vida.

Eles retornariam a Curitiba uma semana depois, Gilberto quis ficar alguns dias com eles. O casal não concordou, Otávio, com um sorriso simpático esclareceu que eles fazem troca de casais, uma vez por mês e nunca com o mesmo casal, havia gostado dos dois, mas jamais repetiriam a noitada. O jeito foi Gilberto retornar a Maceió. Está gabola, contando vantagem, diz que foi um dos poucos a brincar numa festa junina nesse ano de 2021.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 24 de junho de 2023

ALDEMAR PAIVA (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

ALDEMAR PAIVA

Carlito Lima

Aldemar Buarque de Paiva, Maceió-AL (1925-2014)

 

Durante minha juventude, todas as noites, depois do jantar, encontrava os amigos para conversar, paquerar no calçadão da praia da Avenida da Paz. Certa vez estávamos sentados na grama e nos bancos abaixo ao coreto, ouvindo um tocador de violão cantar músicas românticas daquela época. Era serenata numa noite de luar. Alguém pediu “Pajuçara”, música nova, sucesso do poeta Aldemar Paiva. O violeiro não se fez de rogado: abriu a caixa, encheu os pulmões, ligou-se na inspiração, largou a voz com carinho e emoção e pela primeira vez ouvi, me apaixonei pela música sucesso até os dias de hoje.

“Eu que conheço o meu Brasil, sei muito bem,
As lindas praias coqueirais que ele tem
Por isso afirmo nesses versos que compus
Em Pajuçara, há mais encanto, há mais luz.
Pajuçara onde o mar beija as areias com mais alma e mais amor
Pajuçara lindo berço de sereia com seu coqueiral em flor
Pajuçara que reflete o sorriso que nos deu o Criador
Tem uma beleza rara, Pajuçara…”

A moçada bateu palma, pediu bis. O violeiro cantou várias vezes. Aprendi a canção que se tornou um símbolo de nossa amada terra, um Hino das Alagoas.

Nas minhas andanças, morei por esses brasis, voltava a Maceió nas férias, conservei amizade em todos os lugares onde morei. Uma força estranha me aproximava dos boêmios, poetas e artistas. Quando havia uma roda de música, não perdia tempo, eu cantava minha terra nas letras de Pajuçara.

Essa música se incorporou, tenho-a dentro de mim, no meu espírito. Se quando morre dissecassem nossa alma, tenho certeza que na minha encontrarão a música Pajuçara.

Conto essa história para homenagear o compositor, o poeta, escritor, artista, Aldemar Paiva, um alagoano que venceu no mundo das artes Sua fascinante existência foi dedicada à cultura nordestina e brasileira. Certo momento da vida do poeta o sucesso era tanto que emigrou das Alagoas, como tantos outros grandes alagoanos no século passado: Graciliano Ramos, Paulo Gracindo, Jofre Soares, todos brilharam pelo Brasil afora.

No Recife o talento de Aldemar Paiva encantou o povo. Tornou-se o artista mais eclético que o Brasil: poeta, compositor, cantor, ator de teatro e de televisão, roteirista de programa humorístico, entre eles o hilariante Chico City, do Chico Anísio. Aldemar ainda foi jornalista, radialista, cronista, cordelista, palestrista, contador de história, “homem show”. Deslumbrava mortais e imortais.

Duas preciosidades ele conservou com carinho e muito amor: seu batalhão de amigos e sua Angelita eram apaixonados desde os tempos que os índios caetés habitavam a praia da Barra de S. Miguel.

Certa vez, eu morava no Recife, recebi um amigo, intelectual, homem da noite. Fomos assistir a uma peça teatral se não me engano “Assassinato à Domicílio”, quando percebi no cartaz, Aldemar Paiva fazia o papel, era o personagem mais importante. No Recife, ao ouvir o programa de rádio, maior audiência no Estado, “Pernambuco Você é Meu”, eu me orgulhava em ser amigo de Aldemar Paiva. O tempo passou, acompanhei sua trajetória artística, com orgulho em ver um alagoano brilhar.

Há alguns anos, por intermédio da Internet, voltei a encontrar essa figura extraordinária. Toda manhã abria os e-mails e lia seus textos bem humorados, um cordel, ou alguma novidade prazerosa. Há poucos anos nos encontrávamos no Sítio Velho na Paripueira do nosso maior teatrólogo Bráulio Leite. Uma tarde de muita conversa, poesia, uísque, e muitos prazeres como eram as tardes do Sítio Velho.

O trio “Febre, Frio e Dor de Cabeça”, como apelidou, a mim, Pedro Cabral e Cidinha Madeiro, seus fãs de carteirinha, sentem uma saudade imensa do poeta.

Chico Anísio disse numa entrevista: “Quem não conhece Aldemar Paiva, não sabe o que está perdendo”. Hoje presto minha homenagem ao amigo, cantando e alegrando a cidade, com seu “Frevo da Saudade”:

“Quem tem saudade não está sozinho
Tem o carinho da recordação
Por isso quando estou mais isolado
Estou bem acompanhado, com você no coração…”

Saudade de Aldemar Paiva…

* * *

Frevo da Saudade, da autoria de Aldemar Paiva

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita segunda, 19 de junho de 2023

LU, MULHER GUERREIRA! (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

LU, MULHER GUERREIRA!

Carlito Lima

Na praia da Jatiúca havia uma feirinha de artesanato e serviços diversos, Cheiro da Terra, onde Lu, cabelereira, instalou um salão. Tornei-me cliente. Era um momento de prazer e diversão cortar cabelo, unhas e ouvir a excelente contadora de histórias. Tornei-me amigo, nunca soube seu nome completo, para os amigos é simplesmente Lu.

Nasceu para as bandas de Palmeira dos Índios, filha do vaqueiro Zé de Miúda e Severina. Eles moravam numa casa de taipa e tinham um pedaço de terra onde plantavam e criavam galinhas, complementando a sobrevivência.

 

 

Lu era uma criança esperta, morena bonita, com ares de felicidades, sorriso constante nos lábios. Aos dois anos andava solta nas ruas do povoado. Foi criada tomando leite de cabra, leite de jumenta, comendo “tô fraco” (galinha d’angola) no pirão. Tornou-se uma menina forte e a mais traquina da região, aos seis anos era líder das meninas e dos meninos, jogava ximbra, subia em pé de pau, brincava de polícia e bandido.

De repente veio a adolescência, aos quatorze anos pegou corpo bonito, tornou-se mulher. Os homens ficavam tentados quando olhavam para aquela menina-moça exuberante, sensual, sapeca, cheia de energia, mas tinham medo do pai. Certo dia, um jovem caminhoneiro ao voltar para casa depois de três anos, avistou Lu, o coração bateu forte. A menina que ele via brincando, correndo, havia se transformado numa deslumbrante mulher. Ele foi se achegando, até que Lu concordou namorar. Passaram-se dois anos entre namoro e noivado, foi marcado casamento para o dia 28 de dezembro. O jovem caminhoneiro atrasou-se na viagem, não chegou no dia marcado, mesmo assim a festa rolou, bebidas e comidas foram consumidas pelos convidados. Casaram-se no dia 31 de dezembro.

Dois dias depois do casamento o marido partia para outra viagem. Lu surpreendeu o esposo, pela manhã estava pronta para acompanhá-lo na viagem, sentou-se na boleia do caminhão. Foi a primeira de muitas viagens, percorreu todo o Brasil com seu companheiro. Aprendeu a dirigir, tornou-se excelente motorista melhor que o marido. Assim passaram nove anos, só não dirigiu o caminhão na época de dar a luz aos dois filhos.

Um bonito amor também chega ao fim; houve a separação. Lu foi tentar sua vida em Santos onde ficou na casa do irmão. Aprendeu e arranjou um trabalho de cabeleireira, tinha dois filhos para sustentar. Uma bela mulher fica sozinha se quiser, casou-se novamente. As vicissitudes da vida fizeram acabar o novo casamento. Retornou a Maceió trabalhou de manicure num salão.

Certo dia Lu conheceu o Cheiro da Terra, havia um salão de beleza montado para alugar. Ela fez negócio, se estabeleceu, passou mais de seis anos à frente de seu confortável salão embelezando clientes. Os turistas adoravam quando iam às compras de artesanato, encontravam um salão de beleza bem equipado e bem servido pela simpatia e competência da Lu.

Certa manhã quando chegava perto do trabalho ouviu o grito de fogo; ao perceber o Cheiro da Terra em chamas, seu coração pulou, saiu correndo, conseguiu ainda salvar dois equipamentos. Ao retornar ao salão em chamas para tentar recuperar mais ferramentas de trabalho, os bombeiros proibiram, dois militares seguraram pelos braços. Lu tentava se desvencilhar para enfrentar o inferno. Chorava ao ver o fogo acabar seu salão em poucos minutos. (Dizem que houve incêndio proposital, especuladores imobiliários)

A vida de Lu nunca foi fácil, com muito esforço equipou outro salão na Avenida Amélia Rosa, onde a vistosa, bonita e honesta quarentona, mãe de dois filhos, avó de dois netos, no quarto casamento, atende a clientela.

Certo sábado, ao entardecer, o salão estava lotado quando entrou um assaltante de revólver na mão e na outra uma sacola mandando colocar dinheiro e celulares. Lu pediu calma ao ladrão que lhe apontava a arma, levou seus clientes para o fundo do salão, um local mais seguro, retornou e negociou com o assaltante. Começou a conversar com o meliante, de repente falou firme.

– Peço que você não mexa com meus clientes. Tome meu celular.

Arrematou gritando cheia de raiva:

– Sabe de uma coisa?! Puxe daqui seu cabra safado, seu filho de uma puta!

O assaltante ficou assustado, surpreso com medo daquela louca mulher, deu um pique, disparou pela calçada sem olhar para trás, entrou na primeira esquina. Os clientes aliviados bateram palmas. Fizeram uma cota, compraram e presentearam um novo celular, agradecidos. Assim é Lu, mulher valente, uma heroína anônima da cidade de Maceió.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quarta, 14 de junho de 2023

ANTÔNIO MOREIRA (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

ANTÔNIO MOREIRA

Carlito Lima

Tonho Moreira no Bar Gracy sendo servido pelo garçom Pescoço

 

Eu almoçava todas as terças-feiras na casa de minha mãe. Certa vez, depois de ter saboreado uma arabaiana ao molho de camarão, barriga cheia, cochilando no sofá, de repente despertei assustado ao ouvir e ver na televisão um anúncio fúnebre comunicando o falecimento de Antônio Moreira, com o enterro previsto para às dezesseis horas no Cemitério Parque das Flores.

Foi um choque, uma dor no peito, uma porrada no âmago. Antônio Moreira meu querido amigo, meu irmãozinho havia morrido, emocionado, as lágrimas caíram. Dona Zeca me consolava sabendo que o filho é um incurável sentimental.

Triste, acabrunhado, contei para meu sobrinho Luís Cláudio nossas histórias quando éramos prefeitos. Eu da Barra de São Miguel e Antônio Moreira da Capela. Nós nos visitávamos, conversas bem humoradas, cerveja rolando. Amigos chegados à boemia e a alegria da vida. Com os olhos marejando falei de minha admiração por Tonho, usineiro com posturas humanitárias, progressistas. Havia quem o taxasse de louco quando foi eleito o deputado mais novo da história da Assembleia Legislativa por suas ideias inteligentes. Tonho Moreira estava bem adiante da época que vivia. Lia muito, belo ser humano, com uma visão bonita do mundo. Cabras como Antônio Moreira não deviam morrer. E caía no choro no sofá. Minha mãe, com cuidado, pensou que eu não estava em condições de dirigir e cedeu seu carro para me levar ao enterro. Fui conversando com o Sargento Jorge, motorista e amigo da família de muitos anos. Jorge, espiritualista, consolava-me assinalando que um dia eu veria meu amigo novamente em outra vida. Não era apenas tristeza, deu-me aquela depressão quando percebemos nossa insignificância diante da realidade da morte.

No Parque das Flores havia apenas um enterro. Jorge parou o carro no estacionamento. Fui em direção à capela, a emoção aumentava, era a expectativa de ver um amigo, um irmão, tão cheio de vida e inteligência, estirado num caixão. Aquilo doía ao me aproximar do corpo do amigo. Vidas que se acabam e nada mais. Na porta da capela perguntei a alguém se era o velório de Antônio Moreira, com a afirmação de uma senhora balançando a cabeça, me aproximei do caixão infiltrando-me entre os parentes e amigos. Eu estava emocionado, descontrolado, lágrimas corriam, uma forte dor tomou conta do meu peito, a pior hora, ver meu amigo estirado, inerte.

Consegui chegar mais perto para ver Tonho. Ao olhar o rosto do morto, houve uma confusão momentânea em minha cabeça. Fiquei perplexo, surpreso. Não deu para disfarçar a alegria, o sorriso, o alívio ao perceber que o defunto era outro Antônio Moreira, um homônimo.

Os parentes do morto-xará não entenderam minha saída rápida, levantando os braços, alegre, cheguei perto do Jorge gritando: “É outro Antônio, Jorge! Tonho Moreira não morreu, vamos para casa!”

Assim que pude telefonei para meu amigo, vivinho da silva, contei a história de seu enterro. Tonho às gargalhadas, respondeu que eu era o terceiro a confundir. Santa confusão, meu amigo Antônio Moreira estava mais vivo que nunca, com seu sorriso e careca mais reluzentes. E viveu ainda por muito tempo.

Anos depois, Kátia Moreira me telefonou comunicando que Antônio Moreira havia partido desse mundo para outro melhor. À noite fui com o amigo Geraldo Majella ao velório no Parque das Flores. Seus filhos, Duda, Tatá, Mônica e Andréia quando me viram, recordaram a incrível história da trapalhada do enterro errado. A inexorabilidade do tempo, da vida levou Tonho. Restou apenas lembrar o poema de John Donne que diz mais ou menos assim: “Nenhum homem é uma ilha isolada, faz parte do continente. A morte de qualquer ser humano diminui-me porque faço parte da humanidade. Nunca perguntes por quem os sinos dobram, eles dobram por ti.”

Quando se vai um ser querido, morremos um pouco também. Quem sabe se um dia, como vaticinou o Jorge, a gente se encontra na vastidão dos universos? Tive o privilégio de ser amigo de Antônio Moreira, uma das cabeças mais brilhantes, uma das figuras mais inteligentes que conheci nessa cidade de Maceió.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quinta, 08 de junho de 2023

A BRIGA DO SÉCULO: CAPIXABA x PORRETA (CRÔNICA D CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

Osvaldo Carlos do Rego Couto, de apelido Capixaba por ter nascido no Espírito Santo, filho do Coronel Couto, criou-se praia da Avenida da Paz. Forte, musculoso, xodó das meninas, cuidava de seu corpo. Foi meu colega na Escola Preparatória de Cadetes em Fortaleza, atleta de primeira grandeza, excelente ponta direita, não quis continuar a carreira militar. Desde cedo apreciou boas mulheres, bons papos, inteligência e raciocínio rápidos lhe davam o toque de bom humor e alegria. Contador de história nato; prendia atenção ao contar suas aventuras.

Mudou-se para Brasília, nunca perdeu o contato com os companheiros de juventude, gentil, quando visitava Maceió distribuía presentes entre os amigos. Tinha simpatia e alegria, inatas, um ser humano de bem com a vida. Na última vez que almoçamos juntos, festa de fim-de-ano do Cáu, relembramos grandes noitadas, aventuras de jovens cheios de sonhos e até irresponsabilidades. A vida de Capixaba é um livro bem humorado, ainda não escrito.

Capixaba gostava de carnaval, certa vez nós estávamos fazendo o passo no Bloco Cavaleiro dos Montes numa manhã quente de Banho de Mar à Fantasia, a moçada enlouquecia ao tocar o frevo Vassourinhas. Eu vi quando Capixaba recebeu uma cotovelada na cara, caiu no asfalto, atordoado. Ao recuperar-se da pancada identifiquei o agressor, mas não tive a petulância de partir para briga contra o agressor de meu amigo, era nada mais, nada menos que Porreta, um baiano, alto, forte, arruaceiro de zona, certa vez lutou e bateu em três policiais na Boate Tabariz em Jaraguá. Porreta, conhecido nas baixas rodas por ser briguento e homossexual, era o “Madame Satã” de Maceió. Todos tinham medo de Porreta, bicha macho para ninguém botar defeito. Capixaba inconformado, desafiou o baiano para um duelo, tipo Vale Tudo dali a um mês, na Praça Sinimbu à noite. Porreta não refugou, topou a parada.

Capixaba começou a preparar-se para grande luta. Boêmios, prostitutas, policiais, políticos, desocupados, estudantes, comentavam o duelo marcado, causou a maior expectativa na cidade.

Capixaba começou a treinar. Corria diariamente às cinco da manhã do coreto da Avenida ao Morro Tom Mix, uma linda duna demolida na praia do Trapiche pela Salgema (Braskem).

Naquela época, Nezito Mourão, um dos maiores beques do Brasil, jogou pelo CRB, depois jogou no Santos com Pelé, campeão do mundo em 61-62, havia aberto uma Academia de Boxe. Capixaba matriculou-se, recebeu aulas técnicas de murros e defesas, preparando-se para enfrentar o Porreta. Certa vez “brigaram” em treinamento, Capixaba de repente aproveitou uma guarda aberta de Mourão, deu-lhe um soco no olho, zonzou, Nezito tentou dar o troco no indisciplinado aluno, entretanto, Capixaba com medo do revide correu em disparada foi bater em Marechal Deodoro. Fez parte do treinamento.

Certa manhã, nós estávamos conversando sentados num banco da Avenida da Paz, quando Capixaba avistou dois marinheiros ingleses caminhando em direção ao cais do porto, ele gritou “Son of bich”, os marinheiros não gostaram, continuaram a caminhada, Capixaba correu atrás, provocando, deu uma tapa em cada inglês. Iniciou no calçadão uma briga de cinema, dois contra um. Lutaram até cansar. Certo momento Capixaba correu da luta, dizia ser treinamento para enfrentar Porreta.

Afinal, chegou a noite esperada ansiosamente pela população de Maceió. Alguns amigos acompanharam nosso herói até a Praça Sinimbu. Ao se aproximar do local, Capixaba ouviu o grito provocativo do Porreta com as mãos nos quartos, “Preparou-se para levar a maior surra de sua vida?”

Capixaba tirou seus sapatos, a camisa, o relógio, me pediu para guardar. arregaçou a calça. A assistência formou um círculo deixando os dois lutadores no centro. Aconteceu uma das maiores lutas presenciadas nas Alagoas e alhures. Primeiros movimentos, os adversários se estudando, alguns ataques, outras defesas, jogo de pernas. De repente rápidos murros, socos na cara, na barriga, às vezes se atracavam, se soltavam, não havia juiz para separar. Esmurraram-se, se digladiaram por mais de uma hora, suavam, sangravam.

Estavam cansados, Capixaba distraiu a guarda, Porreta aproveitou, acertou um soco desconcertante na cara, nosso amigo caiu no chão, jorrando sangue pela boca. A raiva subiu para cabeça, Capixaba num ímpeto surpreendente levantou-se num pulo dando cabeçada no peito do atônito Porreta. “Madame Satã” caiu de costas, abriu a cabeça no calçamento, sangrou. Ato contínuo, Capixaba montou em Porreta, não perdoou, esmurrando-o incessantemente.

Retiraram Capixaba de cima de “Madame Satã” nocauteado, sangrando. Imediatamente levaram-no para o Pronto Socorro, quatro dentes quebrados, muito sangue. Assim terminou o reinado de Porreta, o baiano mais macho do Brasil.

Capixaba também acabou seu reinado nesse mundo, foi-se embora meu querido amigo. Resta agora lembranças, contar suas histórias, ou dançar um tango.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quinta, 01 de junho de 2023

FÉRIAS EM MACEIÓ (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

FÉRIAS EM MACEIÓ

Carlito Lima

Praia da Avenida da Paz – 1960

 

Nos anos 60 eu estudava no Rio de Janeiro. Ralava o ano inteiro, dando duro, estudando na Academia Militar das Agulhas Negras. Era jovem cheio de saúde e idealismo. Durante o período de aulas contava os dias pensando nas gostosas férias em Maceió.

As férias de verão eram meu combustível, meu incentivo, meu oxigênio, onde recarregava as baterias para o ano inteiro.

Perto do Natal eu desembarcava fardado de cadete do Exército no Aeroporto dos Palmares. Ao chegar à minha casa, matava a saudade de meus pais, de meus irmãos, de minha praia. Prontamente vestia um velho calção de banho, corria descalço, mergulhava no mar azul da praia da Avenida da Paz. Sentava-me na areia pensando na vida, só retornava quando o Sol se escondia lá para o fim do mundo para noite chegar.

Era o início das férias de verão, dois belos e aventurados meses, que acabavam depois do carnaval.

O programa diário era simples: pela manhã, um bom café, ouvir música, long-play na radiola, Ray Connif, bossa nova, música popular. Preenchia o tempo lendo um romance até às dez horas da manhã, quando descia à praia. Depois da pelada de futebol, um mergulho, partia para uma divertida conversa com amigas e amigos ao lado de uma sombrinha; ficávamos em frente ao coreto. A paquera era fundamental, a praia da Avenida era frequentada pelas jovens mais belas e disponíveis da cidade.

Ao meio dia enquanto as jovens retornavam às casas para o almoço, nós, rapazes, caminhávamos pela areia dura e molhada até as imediações de Jaraguá, onde estavam fincados três grandes trapiches entrando no mar. Duas biroscas abasteciam de cachaça os pescadores, estivadores, catraieiros, marinheiros e as putas que tomavam banho de mar àquela hora de lazer. As biroscas vendiam boas aguardentes: Azuladinha, Chica Boa, Pitu. Como tira-gosto um bonito e adocicado caju maduro. Segundo o poeta Quico Ramalho: “Caju nasceu pra cachaça… Pirão pro peixe nasceu… Mulher nasceu pro amor… Pro amor também nasci eu…”

Depois do almoço, recomeçava a leitura à sombra de um oitizeiro frondoso em frente a minha casa, pelo meio da tarde partia rumo à paquera na Rua do Comércio. Ficávamos encostados nos automóveis (limpando os carros, dizíamos), apreciando o desfile feminino, paquerando as jovens, continuávamos a conversa nas sorveterias: DK-1, Gut-Gut ou Danúbio, deliciando os sorvetes de pinha, sapoti ou mangaba.

Ao entardecer descíamos à Avenida da Paz, caminhando e conversando em boa companhia. Havia uma parada obrigatória no Arcebispado onde uma senhora vendia numa enorme panela, suco de maracujá, outra delícia dos Deuses, acompanhado de pão doce. Nunca, em minha vida, encontrei um maracujá que chegasse perto daquele divino suco de minha juventude. Às vezes não jantava, empanzinado de tanto pão doce com maracujá.

À noite, depois de dar uns abraços na namorada, geralmente ultrapassando os limites permitidos à época, nossa turminha se reunia em locais variados: Bar do Relógio, Peixada Gaivota, Bar Gracy, ou mesmo as boates de Jaraguá.

Nessa boa vida, eu vivia, curtia minhas tão esperadas divertidas férias de verão.

Certa tarde passeando pela orla da Pajuçara no carro de Guilherme Palmeira, um Simca-Chambord cinza, ao passar na esquina do CRB avistamos um peru na rua, certamente engordava esperando o Natal. A operação foi executada com presteza. Quico e Frazão apanharam o peru e colocaram na mala do carro numa rapidez de dar inveja a certos deputados de hoje em dia.

Em minha casa o peru foi devidamente preparado por uma exímia cozinheira gorda. À noite levamos o gostosíssimo peru assado para o Restaurante da Fênix, onde foi devidamente banqueteado com cerveja gelada.

Depois do réveillon, todos os sábado aconteciam as festas prévias carnavalescas nos clubes. Durante os quatro dias de carnaval, brincávamos fazendo o corso nas ruas e fazendo o passo nos clubes. Era preciso muito fôlego, muita juventude.

Assim eram as férias de verão em Maceió. Não sou saudosista, saudosista é aquele que vive no passado. Tenho lembranças gostosas, bem guardadas, que fazem parte do meu ser, vão virar cinzas comigo, como essas férias de verão.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 26 de maio de 2023

MEU PAI HERÓI (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

MEU PAI HERÓI

Carlito Lima

Coronel Mário Lima e Dr. Théo Brandão tentando soerguer o Gogó da Ema

 

Esse negócio de dia dos pais, dia das mães, dia dos namorados, foi inventado pelo comércio para vender mais e redundou em dias de celebrações. Já que todos enaltecem seus pais no feicebuque, resolvi prestar homenagem ao meu nessas minhas historinhas semanais. Eu amava e admirava aquele homem íntegro, corajoso, inteligente, que gostava das coisas simples. Educou os filhos pelo exemplo e por suas atitudes. Empolgado pelo que fazia, dedicou parte de sua existência à amada Alagoas.

Iniciou sua vida militar muito cedo na Escola Militar de Realengo. Em 1930 serviu como tenente do 5º Regimento de Infantaria em Lorena. Em 1932 conseguiu transferência para o 20º Batalhão de Caçadores em Maceió, onde passou a grande parte de sua carreira militar. O destino foi cruel, em 9 de julho de 1932 rebentou a Revolução Constitucionalista ou Separatista em São Paulo. O 20º BC foi uma das tropas legalistas designada para lutar contra os revoltosos paulistas. O tenente Mário Lima embarcou como comandante da 1ª Companhia de Fuzileiros no porto de Maceió para combater na revolução de 1932, onde morreram mais soldados brasileiros que na 2ª Guerra Mundial. O tenente Mário Lima arriscou sua vida no meio do tiroteio arrastando para trincheira um capitão e um soldado, feridos no campo de batalha. Assim conta nos seus assentamentos.

Recentemente lendo “Diário de um Revolucionário Constitucionalista” do historiador Wanderley Gomes Sardinha, narrativa de um soldado paulista sobre a Revolução de 1932, eu fiquei surpreso e orgulhoso ao ler: “O 20º BC tomou posições em um morro para atacar a cidade de Lorena. Alguns soldados do 5º Regimento de Infantaria se recusaram a atirar contra o morro onde se encontrava o tenente Mário Lima com a tropa do 20º BC”. Lorena caiu sem um tiro. Os paulistas perderam a guerra. Depois da ocupação do Vale do Paraíba pelas tropas legalistas, o mais sangrento campo de batalha da história do Brasil, brasileiros contra brasileiros, o tenente Mário Lima foi designado como “prefeito de ocupação” de toda área. Teve uma atuação humanitária com os irmãos brasileiros revoltosos presos que perderam a guerra. Essas e outras histórias constam em livros dos próprios paulistas.

Mário Lima serviu por muitos anos em Maceió. Seu trabalho extrapolava as atividades militares. Desportista, foi presidente do CRB, presidente da Fênix, diretor da FAD; foi até juiz de futebol. Certa vez acertaram um juiz carioca para apitar um decisivo CRB x CSA. Na véspera do jogo o juiz passou um telegrama impossibilitado de viajar. Reunião urgente entre os dois clubes. O presidente do CSA, Paulo Pedrosa, sugeriu o nome de Mário Lima para apitar a partida, só confiava nele. “Mas ele é CRB notório”, reclamaram outros azulinos. Depois de muitas discursões convidaram o Capitão Mário Lima, que foi o juiz do jogo. Terminou CSA 3×0.

Meu pai serviu quase toda vida no 20º BC, ele chamava com muito orgulho de “Meu Batalhão”. Sua vida social dentro da comunidade foi intensa. Quando coronel comandante do 20º BC, no início dos anos 50, Alagoas passava uma fase política conturbada, Mário Lima teve uma atuação determinante, evitou um grande derramamento de sangue, garantiu com a tropa do Exército a eleição no interior. Foi um homem que soube diferençar exageros. Ao se reformar do Exército, tornou-se professor de matemática para complementar a renda caseira na criação dos cinco filhos. Sem deixar o trabalho voluntário na comunidade, foi provedor da Santa Casa, do Orfanato São Domingos. Quando fundaram a telefônica, convidaram e ele aceitou, foi diretor da TELASA.

Homem culto, membro do Instituto Histórico, escreveu vários livros históricos, gostava de ler e da cultura popular. No domingo anterior ao carnaval havia o Banho de Mar à Fantasia na Avenida da Paz com desfiles carnavalescos. Mário Lima e Dona Zeca preparavam enormes panelas de laco-paco (maracujá e cachaça), cerveja e tira-gosto para servir aos blocos de frevo que visitavam sua casa. Após o desfile defronte à Fênix, todos os blocos, Vulcão, Bomba Atômica, Cavaleiro dos Montes, Vou Botar Fora, Pitanguinha vai à Lua, entre outros, dirigiam-se à nossa casa. Aos músicos eram servidos laco-paco, cerveja e tira-gosto. Em seguida tocavam três ou quatro frevos rasgados, a mocidade caía no passo no vasto terraço. Quando terminava um bloco, outro bloco entrava. Tornou-se tradição a visita dos blocos durante o Banho de Mar à fantasia em nossa casa, era uma festa.

No dia dos pais, lembro o velho amigo, o pai-herói. Ele habita nossas recordações, nossas mentes e corações. A família ficou feliz ao saber que um busto do General Mário Lima será colocado no pavilhão do NPOR do 59º Batalhão de Infantaria Motorizado, do qual ele foi o primeiro comandante em 1943.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 20 de maio de 2023

ARLINDO CHAGAS E O SÃO DOMINGOS (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A poderosa equipe do São Domingos

 

Existem personalidades, tipos inesquecíveis, de uma cidade que deixam lembranças com suas histórias. Quem conheceu e desfrutou a amizade de Arlindo Chagas não esquecerá essa figura marcante de nossa cidade. Suas histórias certamente serão contadas por muitos anos, e pesquisadas como parte de nossos costumes na época de ouro dos anos 70.

Éramos frequentadores assíduos do Clube Fênix na Avenida da Paz. Aos domingos ficávamos em uma roda de uísque à beira da piscina ouvindo o conjunto “Sambrasa” do cantor Paulo Sá. As histórias irreverentes de Arlindo Chagas davam o sabor bem humorado à conversa.

Notívago, Arlindo iniciava seus trabalhos à tarde; dizia ter melhor poder de convencimento quando os outros já estavam cansados. Era excelente ousado negociador. Não vendia qualquer produto, acreditava em seus argumentos. Passou parte da vida como publicitário na Gazeta de Alagoas, benquisto por todos. Em seu enterro fiquei ao lado do seu amigo, triste, o presidente Fernando Collor. Em todos os lugares, nas rodas de papo de botequim, shopping, alguém conta alguma história de Arlindo Chagas. Deixou seu nome nos anais, na memória da cidade.

Arlindo Chagas além de publicitário era um esportista, gostava de futebol, acompanhou a construção do Estádio Rei Pelé que foi inaugurado pelo governador Lamenha Filho, com uma série de jogos maravilhosos, no ano da copa 1970. O estádio vivia lotado até com a disputa do campeonato local, a luta tradicional entre CRB x CSA.

Um grupo de esportista, incluindo Arlindo Chagas, resolveu investir no Clube de Futebol São Domingos para acabar com a hegemonia de CRB e CSA. O São Domingos tornou-se um time competitivo, com bons jogadores: Gabriel, China, Beijoca. Disputava na cabeça, pau-a-pau, com os dois times tradicionais, era a terceira força do futebol alagoano. Se o jogo era SÃO DOMINGOS x CSA, os regatianos torciam pelo São Domingos. No jogo SÃO DOMINGOS X CRB, os azulinos torciam pelo DOMINGÃO.

Certa vez o SÃO DOMINGOS foi jogar em Aracaju um amistoso contra o CONFIANÇA, campeão estadual. O time viajou num ônibus velho, enquanto dois carros de luxo levaram a diretoria: Miguel Spinelli, Severino Rabelo, Walter Mendes , Arlindo Chagas e o jornalista Bernardino Souto Maior. Domingo à tarde o estádio estava cheio, jogo da entrega de faixas ao campeão, o CONFIANÇA. Os torcedores sergipanos preparados para a grande festa esportiva davam como certa a vitória do CONFIANÇA. O SÃO DOMINGOS mostrou um bom futebol e ganhou de 2 x 0 acabando com a festa sergipana.

Os alagoanos fizeram um carnaval no vestiário já pensando em uma noitada na simpática na zona de Aracaju. Nesse momento entra um radialista do programa mais ouvido da região, fez algumas entrevistas com aquelas respostas previsíveis de jogadores. Entrevistou também Arlindo Chagas. O dirigente alagoano com sua pose de vencedor, não teve dúvida, nem freio na língua:

“O SÃO DOMINGOS É HOJE O MELHOR TIME DO NORDESTE BRASILEIRO. VENCEMOS PORQUE SOMOS BONS. AQUI EM SERGIPE NÃO TEM UM TIME QUE SE COMPARE COM O SÃO DOMINGOS. PODE JUNTAR TODOS OS TIMES, FAÇAM A SELEÇÃO SERGIPANA QUE AINDA DOU DOIS GOLS DE LAMBUJA E SÓ VALE GOL DO GABRIEL!!!!”

O pronunciamento debochado de Arlindo feriu o brilho dos sergipanos. Durante a saída, os jogadores receberam uma calorosa vaia do povo revoltado com a irreverência irritante, provocadora, de Arlindo.

Os atletas estavam prontos para um passeio na zona, quando se deu um imprevisto. Os dirigentes do SERGIPE, feridos com as declarações da diretoria alagoana, desafiavam o SÃO DOMINGOS para um jogo na quarta-feira. Miguel Spinelli, o presidente, ouviu a proposta, não aceitou; teria que voltar no outro dia. Eles insistiram, estavam magoados. Spinelli nesse momento chamou Arlindo, deu-lhe carta branca: “Você que fez a confusão, resolva o problema”.

Arlindo nunca foi de amolecer, aceitou e marcou outro jogo na quarta-feira, com a renda para o vencedor. Spinelli quase tem um infarto, mas segurou a decisão do dirigente. Reuniram os jogadores, esclareceram os detalhes do outro jogo. Liberaram os jogadores para farrear na zona durante uma noite. Concentração a partir de segunda-feira no hotel, com treino na praia.

Os jornais de Sergipe noticiaram com alarde o “Jogo da Vingança”, para atrair público. Foram dois dias de expectativa. Na quarta-feira o estádio estava superlotado. Torcedores do CONFIANÇA, do SERGIPE, de todos os times, com bandeiras incentivando, a honra sergipana estava no gramado.

O SÃO DOMINGOS era bom em qualquer lugar, jogadores experientes, cheios de malícias. Como foi prometido, a metade da renda seria dos jogadores. Eles deram tudo pensando na grana. Resultado: 1 x 0 para o DOMINGÃO.

Ao ser entrevistado Arlindo fez tanta gozação e irreverência, que os outros dirigentes, com receio, pediram para ele calar. Dessa vez o ônibus foi apedrejado. No hotel, a renda foi dividida entre os jogadores. O que restou ao clube foi gasto com despesas e uma farra homérica na zona de Aracaju.

Os sergipanos não se conformaram, pediram outra revanche. Nessa altura, os familiares da delegação, só sabiam notícias através de jornais, o telefone era péssimo naquela época. E para o cúmulo do deboche, Arlindo Chagas acertou outra partida no domingo contra o CONFIANÇA. Dessa vez não puderam segurar os jogadores que se concentraram, dormiram dois dias na zona.

Afinal o domingo, depois de dois dias hospedados nos cabarés, os jogadores do SÃO DOMINGOS ainda fizeram o impossível, com um pouco de sorte, conseguiram empatar o jogo 1 x 1 aos 46 minutos do segundo tempo.

Foi assim que o futebol alagoano teve uma semana de glória nos gramados e na zona de Aracaju, graças à capacidade de negociação e a ousadia e irreverência de nosso inesquecível, Arlindo Chagas.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 14 de maio de 2023

QUEM É ESSA MULHER? (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

QUEM É ESSA MULHER?

Carlito Lima

Quem é essa mulher que me acorda às seis horas da manhã e me beija com a boca de hortelã? Diz que é para me cuidar e me leva para nadar. Quem é essa mulher que todo dia ela faz tudo sempre igual? Depois do café da manhã sai com suas pastas embaixo do braço direto ao escritório e divide com o genro e a filha o trabalho de clientes em busca de seus direitos. Quem é essa professora que aos 40 anos resolveu enfrentar um vestibular de Direito, formou-se e montou um escritório de advocacia? Quem é essa advogada que passou quase dois anos sem folga, sem sábado e domingo, estudou e passou no concurso de Promotor de Justiça? Quem é essa promotora que deixava sua casa, seu marido e filhos durante a semana para assegurar a Justiça no interior do Estado? Quem é essa mulher que poderia estar desfrutando de uma aposentadoria merecida, porém, reabriu o escritório e trabalha todos os dias?

Quem é essa mulher atarefada que arranja tempo para dedicar-se aos filhos crescidos, a levar os netos às aulas de inglês, de tênis, de natação? Quem é essa mulher síndica do prédio onde mora, administra com dedicação como fosse sua casa? Quem é essa mulher que trabalha com amor e alegria e possui uma felicidade intrínseca e encantadora? Quem é essa mulher que percebeu pequenos coqueiros morrendo na praia da Jatiúca, comprou três pés de coqueiros, ela mesma reimplantou e os coqueiros cresceram viçosos sob sua vigilância? Quem é essa mulher que quando enxerga um lixo acumulado no meio da rua, telefona à Prefeitura para que venham limpar sua cidade. Quem é essa mulher que quando percebe o esgotamento sanitário vazando com a água em dejetos aciona a Casal para que possa consertar o bueiro fétido?

Quem é essa mulher que cuidou do pai moribundo com amor e carinho, trouxe-o para sua casa, fez o que pode e o que não pode até o final de seus dias? Quem é essa mulher que leva comida a um cão abandonado no quintal de uma casa e nos dias de sábado dá banho e conforto ao pobre animal? Quem é essa mulher forte que não se deixa pisar? Quem é essa mulher que gosta de bons livros, de bons filmes, teatro, música, show e da cultura popular? Quem é essa sertaneja de Major Isidoro que ama o linguajar matuto de seu povo, das danças, dos coloridos folguedos e folclores? Quem é essa mulher animada que faz o passo atrás de um bloco de frevo nos dias de carnaval? Quem é essa mulher que gosta de viajar perambulando pelo mundo, Cartagena, Praga, Berlim, Nova York, Paraty, Lisboa, ou a amada Penedo? Quem é essa mulher brasileira, cidadã da pátria amada, idolatrada, salve, salve?

Quem é essa mulher que nunca deixou de ser professora, ensina aos netos, dá palestras nas Igrejas e nas Festas Literárias do Brasil afora? Quem é essa mulher que move montanhas defendendo seus direitos, como uma loba defende seus filhotes? Quem é essa mulher que paga a faculdade das filhas da secretária? Quem é essa alegre mulher que ama as colegas de colégio e infância, conserva o carinho de suas amigas em encontros e no zap, aproveitando a fase madura da vida.

Quem é essa mulher que desde menina, gostou dos livros, dos estudos, que teve uma juventude feliz em sua Maceió e até New Jersey? Quem é essa menina que um dia encontrei em flor de seus 15 anos num acampamento de Bandeirantes, e eu tenente, cantei pra ela em premonição: “Ôh Galeguinha você é tão bonitinha… engraçadinha… vou me casar com você”. Poucos anos depois entramos na Catedral Metropolitana trocando alianças. Essa mulher hoje completa 73 anos e o tempo não desfez sua beleza, continua tão bonita quanto a adolescente galeguinha bandeirante que encontrei um dia, acampada na praia do Pontal.

Sou um ser privilegiado, a única pessoa no mundo a conhecer profundamente a gentileza, a bondade, a perseverança, a força dessa mulher divina, que toda noite me jura eterno amor, não me deixa dizer não, e me beija com a boca de paixão. Essa é minha mulher, minha amada, amante, timoneira do barco de nossas vidas; mas, nem tudo foi um mar de rosa. Vânia aprendeu a remar com o tombo do navio, com o balanço do mar. Navegar foi preciso. Essa mulher segurou forte o leme nos maremotos. Hoje navegamos em calmaria, enxergando, perto, outros mares ou o porto final além do horizonte.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 07 de maio de 2023

APOSENTADORIA MERECIDA (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

APOSENTADORIA MERECIDA

Carlito Lima

 

Gabriel desde que se casou morou no bairro do Farol. Quando os filhos cresceram pressionaram para morar orla.

Devido aos tempos modernos, aos apelos da família, à qualidade de vida, finalmente Gabriel comprou um apartamento na Ponta Verde, perto da praia. Para família foi uma alegria, para ele um sacrifício. Trocar uma casa confortável com jardim e mais um quintal com duas frondosas mangueiras, por um apartamento de quatro quartos, foi difícil a adaptação. Mas, a família acima de tudo. O casal ficou com uma suíte, dois quartos para os filhos e um quarto transformado em gabinete. Gabriel armou um computador para se distrair. Aposentado recentemente do Banco do Brasil, era hora de desfrutar a boa vida.

Organizado, fez a programação diária. Pela manhã caminha na orla, encontra amigos da conversa fiada e fica olhando as saias de quem vive pelas praias coloridas pelo sol. Às tardes são preenchidas no shopping, cinemas, livraria. À noite assiste um pouco à televisão e recolhe-se ao gabinete. Entra no computador para pesquisar, ler jornais, enviar e-mails para amigos. Já plantou várias árvores, tem dois filhos, agora cismou em escrever um livro narrando passagens de sua vida. De sua cadeira tem uma ampla vista lateral do prédio vizinho.

Num dos apartamentos ao lado, uma jovem que mora com o pai, chega da Faculdade por volta das onze da noite. A moça é um encanto: estatura média, cabelos louros escorridos ao ombro, nariz afilado, lábios grossos. Seu corpo é um monumento, seios duros, pontiagudos, cintura fina. A bunda é delirantemente bem torneada. O espelho da porta do guarda-roupa reflete todos os movimentos no quarto.

Assim que ela chega, se enrola numa toalha e vai ao banho antes de dormir. Sai do banheiro se enxugando, abre o guarda roupa e veste um lingerie curto antes de deitar. Gabriel fica num excitamento de menino. Muitas vezes depois dessa cena, ele vai ao quarto, acorda sua amada Helena.

Certo fim de tarde, Gabriel pegou o carro para ir às compras. Ao longe, no ponto de ônibus, reconheceu a jovem em pé, com os livros abraçados ao peito, esperando ônibus. Ao cruzar os olhos, ela sorriu, Gabriel freou o carro no reflexo. Perguntou sinalizando com o indicador se ela ia à cidade. A moça não se fez de rogada, entrou no carro. Como uma princesa sentou-se ao lado, a curta saia mostrava suas pernas maravilhosas. Deu boa noite, disse que ia para a Faculdade no Farol. Gabriel mentiu: também ia para o Farol. Foram conversando amenidades, mas o coração do coroa estava disparado. Afinal chegaram.

Naquela noite Gabriel ficou esperando, ansioso, a chegada de sua musa da janela. A espera compensou, a jovem tirou a roupa bem devagar, coisa que nem um strip-tease. Deixou Gabriel ensandecido. Ao dormir acordou Helena.

Na tarde seguinte Gabriel passou com o carro e frustrou-se. Dois dias depois, se emocionou quando a viu no ponto de ônibus. Freou o carro, ela entrou mais bonita que nunca. Vilma, assim se chama, 21 anos, faz Direito, mulher prática, pragmática. Em certo momento ela foi direta, sorrindo para Gabriel.

– Eu acho que você está me paquerando. Pensa que não percebo você toda noite na janela me olhando? Faço aquela cena de propósito. Tenho esse defeito, adoro que os homens me olhem.

Gabriel estremeceu de alegria. Virou o rosto, encarou-a com largo sorriso.

– Mas menina, você é danadinha hein?

– Danadinha ou danadona sei quem é você, casado e aposentado. Sou muito direta. Vou lhe fazer uma proposta, indecente: saio com você para gente se divertir, vadiar, uma vez por semana, e você paga minha faculdade todo mês. Que tal? Pense. Estamos chegando, me pegue aqui mais tarde. Às nove horas, depois de minha última aula. Estarei esperando nessa esquina.

Gabriel, emocionado, parou o carro. Ela desceu, acenou com os dedos sem olhar para trás.

O difícil foi arranjar uma desculpa para sair de casa às oito horas daquela noite. Ele arriscou:

– Helena, está passando um filmaço no Cine Pajuçara. Topa?

Ficou esperando a resposta. Quando ela disse estar sem vontade, ele quase dava uma gargalhada de felicidade. Perguntou se incomodava de ele ir sozinho.

Às nove horas Vilma se aproximou do local, entrou no carro. No motel quase Gabriel teve um infarto se tantas formas de amor, a jovem sabia tudo. Uma mestra com 21 aninhos.

O aposentado Gabriel aumentou sua despesa no orçamento mensal. Feliz da vida, às tardes das quartas-feiras Vilma já fica esperando no carro do coroa estacionado na esquina. Depois rumam aos bons motéis da praia de Jacarecica. Toda a noite ele não se cansa em vê-la, fica deliciando-se com o strip-tease, preenchendo o tempo de sua aposentadoria merecida.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita segunda, 01 de maio de 2023

A CHACINA NA IGREJA NOSSA SENHORA MÃE DO POVO (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO

 

Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo

 

Ya-Rá-Guá (enseada do ancoradouro) é o nome indígena originário do bairro de Jaraguá, o Marco Zero, onde começou a cidade de Maceió. Quando o mundo entrou na era da industrialização, navios de toda parte fundeavam no ancoradouro natural na enseada de Jaraguá. Naquela época o bairro teve um enorme desenvolvimento urbano e econômico devido ao efervescente comércio. Jaraguá vivia na euforia de muitos negócios, exportação de açúcar, algodão, e importação de materiais industrializados para o consumo da população. O ancoradouro natural tinha uma ponte de desembarque e Jaraguá tornou-se um dos portos mais movimentados do Brasil.

Em torno da Praça Dois Leões, onde se encontra a Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo, moravam estivadores, embarcadiços, pescadores, homens que tinham o mar como sustento.

Os vizinhos se conheciam, havia casamento entre eles, era como fosse uma família. Augusta era uma menina sapeca, corria pelos sítios perto do Riacho Salgadinho, corria na praia, subia nas amendoeiras da Avenida da Paz, a todos encantava. Ao completar dezesseis anos era a moça mais bonita das redondezas, chamava atenção sua beleza e sensualidade. Todos queriam namorar Guta, mas, ela só se agradava de Gumercindo, jovem espadaúdo, tomou corpo de homem aos dezenove anos, corpo forjado carregando sacos de açúcar na ponte de desembarque; depois se tornou embarcadiço. Os pais de Augusta permitiram o namoro. Era do gosto das famílias.

Certa tarde de domingo, uma pequena patrulha da Força Policial, comandada pelo Cabo Sobral, fazia ronda na Praça Dois Leões, quando o cabo avistou a moça de roupa domingueira; encantou-se, ficou deslumbrado com Augusta. Todo domingo o cabo passou a admirar a jovem em direção à missa na Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo. Certo dia ele se apresentou e falou com o pai da moça. Não se conformou em saber que a bela Augusta estava comprometida com um embarcadiço. Não admitiu a negativa. Ele cabo da Força Policial, autoridade, de tradicional família.

No dia 10 de janeiro havia a festa de Bom Jesus dos Navegantes. As embarcações singravam na enseada da praia da Avenida da Paz em Jaraguá. Os barcos enfeitados competiam na ornamentação, muitos fogos, muita alegria. À noite a festa se prolongava na Praça Dois Leões. Colocavam tendas para leilões, bingos, tablados onde se dançava com a música de um conjunto. Improvisavam bares servindo cachaça e tira-gosto para animar a moçada.

Nas casas eram organizadas festas particulares frequentadas pelos vizinhos e convidados Os amigos lotaram a casa de Augusto, pai da aniversariante, Augusta, a moça mais bonita da cidade, celebrava seus dezessete anos.

O Cabo Sobral, ao longe, assistia a animação na casa de Augusto, para onde não foi convidado. Deu-lhe um despeito quando olhou pela janela Gumercindo dançando coco de roda com a amada Augusta na maior felicidade. O Cabo, bêbado, tentou entrar na casa de Augusto, foi barrado na porta por Simplício, irmão do dono da casa. O cabo quis alterar, apareceram alguns estivadores, ele recuou. Depois de certo tempo, o Cabo Sobral, policial arruaceiro, retornou com mais três policiais. Foram rechaçados e iniciaram uma briga, murros e pontapés, deu-se uma briga generalizada. Uma facada deixou um policial morto estirado na rua.

Cabo Sobral e seus homens bateram retirada ao quartel. Reuniu os soldados que se encontravam no momento. Fez um discurso emocionante, incitando vingar o companheiro assassinado pelos estivadores. Armou mais de 20 soldados, montaram a cavalos, dispararam em direção à Praça Dois Leões. Entraram galopando na praça, atirando em quem estivesse pela frente. Ao moradores pularam muro da casa, fugiram da sanha dos policiais.

Na casa de Augusto correram pelo estreito portão do fundo do quintal. Dois músicos guardavam seus instrumentos, foram feridos pelas balas dos policiais. Na praça, os ambulantes, que nada tinham a ver com a história, correram para o interior da Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo. Os soldados do Cabo Sobral entraram na igreja, a cavalo, atirando indiscriminadamente.

No dia seguinte o governador soube da chacina, estava escandalizado, entretanto, permitiu que os cadáveres, mais de 20, fossem ajuntados em uma carroça de bonde, e enterrados numa vala comum no cemitério de Jaraguá.

O massacre foi abafado pela imprensa. Nenhuma notícia foi publicada em jornais, não houve um registro sobre a ocorrência. Até a Igreja foi conivente abafando o caso e determinou a interdição do templo católico. A Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo da freguesia de Jaraguá ficou fechada por mais de quinze anos. Mas o povo, os moradores do bairro de Jaraguá não esqueceram. Ainda hoje, por tradição oral, os netos e bisnetos de Gumercindo e Augusta contam a história do insano massacre da Igreja Nossa Senhora Mão do Povo no bairro histórico de Jaraguá. Acontecido há muitos anos.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita terça, 25 de abril de 2023

APARIÇÃO IMPROVÁVEL (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

APARIÇÃO IMPROVÁVEL

Carlito Lima

Na fila da Sorveteria Danúbio, Jorge Garcia contemplava os belos cabelos da senhora em sua frente. De repente, a mulher virou o rosto, ele reconheceu Vilma, ficou feliz ao rever o amor de sua juventude.

 

 

 

Alegria e um abraço apertado. Foram sentar à mesa, deliciaram-se com o sorvete de mangaba e a companhia do outro. Há muitos anos não se viam.

– E aí, Jorge, continua mulherengo?

– Estou solteiro. Dois casamentos não deram certo. Sou ainda o romântico incorrigível procurando alguém para lhe substituir. Nunca encontrei!

– Você é um danado! Sempre gentil!

– Não é gentileza, Vilma. Depois de tantos anos, sou um setentão e você está beirando. Mulher casada, respeito muito, mas posso dizer sem mágoa, você sempre foi a mulher de minha vida, nunca lhe esqueci, conservo esse amor bonito dentro de mim. Esse negócio de dizer que sou mulherengo é verdade. Depois que você se casou, descambei para as raparigas, tornei-me um grande boêmio, tive muitas mulheres, minha vida desregrada foi fruto da dor-de-cotovelo por você ter-me abandonado. Não tiro a razão.

– Nosso amor foi lindo, todos comentavam nossa paixão, nosso namoro avançado. Naquela época namorados não transavam, mas você queria muito. Uma paixão louca! Era tarado por mim. Precisei me segurar para continuar virgem. Terminei o namoro, mas, você teve culpa, queria todas as mulheres do mundo, namorou uma amiga minha, a Verinha. Imperdoável.

– Lembra na praia da Avenida? Eu colocava a boia de pneu de caminhão dentro d’água, você estirava seu corpo fazendo os braços de remo, eu me segurava na borda da boia. Por baixo as coisas aconteciam. Ninguém percebia. À noite eu subia às casas de raparigas de Jaraguá, descarregava meu desejo incontido pensando em você.

– Menino sem-vergonha! Como a gente era feliz!

– Como está o Gerson, o homem mais feliz do mundo, o homem que tem você nos braços há mais de 30 anos?

– Vou ser sincera. Desculpe o desabafo, afinal você é um amigo. Casei com Gerson por ser um bom rapaz, minha mãe queria, mas, a escolha foi minha. Construímos nossa família. São dois filhos e um neto. Ano passado tive duas tristezas na vida. Descobri que Gerson tem uma amante, menina nova, sustentada por ele há mais de quatro anos. Encheu-me de mágoa. E o pior, descobri um câncer na minha mama esquerda. Já me operei, tenho como tratar do câncer, os médicos dizem que posso controlar a doença e viver muitos anos. Mas o meu marido não dá mais para controlar, ele está apaixonado por essa sirigaita. Eu vivo só, ninguém sabe o que se passa comigo. Os filhos independentes, eu não quero aperreá-los.

Jorge Garcia apertou sua mão, olhou nos seus olhos.

– Deixe a merda desse marido. Eu ainda lhe amo, sempre lhe amarei, estou à sua espera o dia que você quiser, pelo resto da vida. Amanhã pela tarde estarei viajando, vou passar quase um mês no navio COSTA MARU parte do cais do porto de Maceió para Recife e Europa, atravessando o Oceano Atlântico. Quando eu retornar quero conversar com você. Está certo? Você promete que vai me ver? Me dê o número de seu celular.

Despediram-se com beijo no rosto e um vasto sorriso.

À noite Gerson chegou tarde e meio bêbado. Na hora de dormir, Vilma alisou o corpo do marido, beijou-lhe o pescoço, foi se achegando como pedisse carinho, um pouco de atenção. Nesse momento ele falou aborrecido, grosseiro.

– Não quero, não quero pegar sua doença. Você está com câncer. Porra!

Empurrou-a. virou-se para o lado e adormeceu.

Humilhada e ofendida, chorando baixinho, Vilma correu ao banheiro, sentou-se na privada e caiu em prantos, chorou muito. Certo momento se recuperou, respirou fundo, levantou-se, olhou-se no espelho, só de calcinha, levantou os braços, rodou, achou-se uma mulher bonita, conservada, atraente. Veio-lhe um sentimento forte de amor próprio, jurou para nunca mais chorar por Gerson.

Retornou à cama, custou a adormecer. Fez um retrospecto de sua vida, ninguém mais dependia dela, vivia só, os filhos independentes. Pensou no que restava de um futuro hipócrita e humilhante junto a Gerson.

Eram oito horas da manhã quando ela levantou-se. Tomou café, trocou de roupa, foi ao cabeleireiro, à manicure. No shopping comprou roupas, foi ao banco, almoçou. Chegou em casa por volta das duas horas, arrumou a mala, escreveu uma carta simples para Gerson. Tomou um táxi.

O navio Costa Maru repleto de passageiros desencostava do cais. Na balaustrada do convés Jorge Garcia contemplava o mar, o casario da Avenida da Paz se afastando, diminuindo de tamanho. Ele estava embevecido com a cor do mar de sua terra, quando, de repente, sentiu uma mão por cima da sua. Ao olhar de lado teve a mais bela aparição improvável de sua vida: Vilma sorrindo, feliz, liberta.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quarta, 19 de abril de 2023

ALAGOAS DOS PRAZERES (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

ALAGOAS DOS PRAZERES

Carlito Lima

Praia da Jatiúca – Foto Manoel Nobre

 

Ontem, 16 de setembro, foi o dia da emancipação política do Estado de Alagoas. Fomos Pernambuco desde o descobrimento, desde as Capitanias Hereditárias (317 anos). O donatário da Capitania importou-se mais com as vilas de Olinda e Recife, deixou o sul da capitania ao Deus dará. Os franceses perceberam a região abandonada, construíram o Porto dos Franceses (onde hoje é a praia do Francês) e durante 60 anos danou-se a derrubar nossa Mata Atlântica extraindo e contrabandeando o valiosíssimo Pau Brasil para os países ricos da Europa.

Os franceses foram os primeiros ladrões que aqui despontaram. Eles exploraram a mão de obra dos índios caetés em troca de espelhos e bugigangas. Não construíram uma casa, não interessavam colonizar, só roubaram nossas riquezas. No final do século XVI, Duarte Coelho, o donatário da Capitania de Pernambuco, se mancou, deu uma sesmaria a seu sobrinho para expulsar os franceses e iniciar a colonização do sul da Capitania de Pernambuco (Alagoas) criando três vilas: Porto Calvo, Santa Maria Madalena da Alagoa do Sul ( hoje Marechal Deodoro) e Penedo.

A partir do século XVII, a comarca de Alagoas desenvolveu sua economia e cultura. Porém, só foi emancipada em 1817 quando estava economicamente independente, quando havia formado o sentimento de pertencimento e teve uma desavença com o governo pernambucano. Surgiu a Província de Alagoas com capital a cidade de Alagoas ( hoje Marechal Deodoro)

Alagoas é berço da República proclamada e consolidada pelos Marechais Deodoro e Floriano. Alagoas das letras e das artes de Graciliano Ramos, Jorge de Lima, Djavan, Aurélio Buarque, Cacá Diegues. Alagoas do esporte com a Marta, Dida. Alagoas que sempre teve destaque político nacional para o bem ou para o mal. O Estado tem uma vigorosa história política. Um fato marcante e importante aconteceu em Alagoas. Ariano Suassuna costumava dizer que para se conhecer o Brasil verdadeiro tem de conhecer a história da República dos Palmares, onde escravos fujões negros se organizaram na Serra da Barriga, no hoje município de União dos Palmares e viveram em comunidade organizada por mais de 100 anos.

Tropas coloniais portuguesas depois de vários ataques conseguiu destruir o grande Quilombo liderado por Zumbi, o primeiro herói brasileiro. A República de Palmares durou quase todo o século XXVII, chegou a ter cerca de 30 mil habitantes, escravos negros fugidos, organizados. Palmares resistiu a vários ataques e representou durante cem anos um grande incômodo às autoridades portuguesas, foi a primeira sinalização de brasilidade oriunda da África..

Para finalizar essas poucas linhas, quero homenagear meu Estado transcrevendo um texto, uma poesia, do paraibano Noaldo Dantas que veio a serviço a Maceió, encantou-se com a cidade, adotou-a como sua pátria e ficou em Alagoas para sempre.

O DIA EM QUE DEUS CRIOU ALAGOAS – Noaldo Dantas

Escrevi certa vez que Deus, além de brasileiro, era alagoano. Em verdade, não se cria um estado com tanta beleza, sem cumplicidade. Sou capaz de imaginar o dia da criação de Alagoas. Ô São Pedro, pegue o estoque de azul mais puro e coloque dentro das manhãs encarnadas de sol; faça do mar um espelho do céu polvilhado de jangadas brancas; que ao entardecer sangre o horizonte; que aquelas lagoas que estávamos guardando para uso particular, coloque-as neste paraíso. E tem mais, São Pedro: dê a seu estado um cheiro sensual de melaço e cubra os seus campos com o verde dos canaviais. As praias… Ora, as praias deverão ser fascinantemente belas, sob a vigilância de altivos e fiéis coqueirais. Faça piscinas naturais dentro do mar; coloque um povo hospitaleiro e bom; e que a terra seja fértil e a comida típica melhor que o nosso maná. Dê o nome de Alagoas e a capital, pela ciganice e beleza de suas noites, deverá chamar-se Maceió, e a padroeira, Nossa Senhora dos Prazeres.

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quinta, 13 de abril de 2023

O VERÃO DA CHAINA CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O VERÃO DA CHAINA

Carlito Lima

Praia da Avenida da Paz – anos 50

O bairro de Bebedouro no início do século XX era o mais chique, o mais festeiro, o mais rico, da cidade de Maceió. Muitas mansões, bonitos palacetes, colégios embelezando o bairro. (Infelizmente a BRASKEM afundou a história da cidade junto com o bairro por uma descabida e funesta mineração.)

No final da 1ª Guerra Mundial, o prefeito de Maceió, Firmino Vasconcelos comemorou o fim da guerra construindo a Avenida da Paz. Terminada a obra, a Avenida começou a desbancar Bebedouro, a burguesia, a classe média, transferiu-se para a praia da Avenida da Paz construindo belas casas e mansões. Nessa época apareceu a moda do “banho salgado”, depois passou a ser chamado de banho de mar. A mulherada moderninha vestia maiô até o joelho e caía na água. Maior sucesso e provocação entre os homens. Para algumas mulheres, era um escândalo, uma sem-vergonhice, usar aqueles trajes indecentes. Vinham homens, velhos e meninos do interior apreciar as modernas senhoritas com maiô mostrando a batata das pernas. Causava reboliço entre os marmanjos. Nessa época também foram aparecendo os primeiros “tarados”.

Nos anos 30 o maiô diminuiu o tamanho, subindo à metade das coxas. Quanto mais diminuía o tamanho do maiô, mais aumentavam os discípulos de Onã na bela praia da Avenida.

Nos meados da década de 50 eu era um jovem maloqueiro de praia da Avenida. Nadava singrando a calmaria do mar. Pulava da cumeeira dos trapiches que se estendiam mar adentro, jogava futebol na areia dura, molhada, pescava nas jangadas, puxava rede. Entretanto, o que nós jovens mais apreciávamos, o nosso esporte predileto, era ficar na praia olhando, que nem jacaré, as belas mulheres que se estendiam deitadas na areia para pegar um bronzeado.

É próprio do homem o “voyeurismo”, o olhar, o apreciar os encantos da mulher. Alguns não se controlam, e praticam o onanismo nas mais esdrúxulas situações. Apanhados em flagrante são taxados de pervertidos. Naquela época, meninos com cara de santinho trafegavam pelas rodas de conversa na praia com as moças descontraídas. Quando entravam na água, não havia quem segurasse.

Gaguinho era um mestre. Ele aproximava-se das moças, deitava de bruços, cavava uma cova adaptada a sua mão, e ali dava estímulo às suas fantasias. Certa vez, um amigo percebeu o Gaguinho em posição de trincheira perto de sua gostosa irmã. Ele foi chegando por trás, devagar, de repente virou o Gaguinho que estava em vias da apoteose final. Levaram o “tarado” para a Delegacia de Jaraguá. Ficou preso e sumiu por um tempo.

Certo verão ela apareceu! Foi o primeiro biquíni em Maceió. Uma bonita ruiva, dizia-se atriz, hóspede do Hotel Atlântico. Toda manhã descia à praia e como se fosse uma liturgia, estendia uma toalha, enfiava o pau da barraca na areia e armava a sombrinha, tirava a blusa devagar, como se tivesse preguiça, aparecia a parte superior do biquíni diminutamente cobrindo seus belos seios. Em seguida, como se fizesse um strip-tease, descia lentamente o short requebrando os quadris em movimentos harmoniosos, sensuais, até transpassá-lo por baixo dos pés. Finalmente levantava o short com o pé direito como se chutasse o vento. Ainda em pé, dobrava o short, a blusa, arrumava-os num monte junto à sombrinha. Deitava lentamente de bruços, deixando o sol acariciar suas pernas, seu dorso, sua bunda. Foi o maravilhoso espetáculo daquele verão. Os homens se deliciavam com o ritual erótico da musa dos cabelos de fogo.

A Deusa amarrava sua cachorrinha de nome Chaina no pau da sombrinha. Às vezes a cachorrinha se soltava e corria pela praia para alegria da moçada que corria até capturá-la e entregava a Chaina à Musa, recebia os agradecimentos, olhando de perto as penugens douradas das coxas da dona. Depois que a Chaina começou a frequentar a praia, o número de banhistas aumentou nos mares da Avenida.

Hoje, ao caminhar pela praia da Jatiúca apreciando os corpos das jovens deitadas dentro de uma mínima tanga, fez-me lembrar a ruiva, a musa da Praia da Avenida durante aquele inesquecível verão dos anos 50. O Verão da Chaina.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 07 de abril de 2023

TOROCA (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

TOROCA

Carlito Lima

Walter Pitombo Laranjeiras, Toroca, figura de destaque no Estado de Alagoas, conhecido nas altas e baixas rodas, peça insubstituível no mundo dos esportes. Jogou bem voleibol, inclusive na seleção alagoana e brasileira. Entretanto, sua vocação foi ser técnico de voleibol feminino. Há mais de 50 anos treina as equipes do CRB. Inúmeras vezes campeão como treinador da seleção, muitas de suas pupilas chegaram a titular da seleção brasileira. Nesses últimos 50 anos, Alagoas esteve no topo do voleibol nacional graças ao treinador Toroca. Severo, considerado durão na condução do time em campo, porém, no voleibol não pode haver relaxamento, as atletas têm que estar sempre em momento de tensão.

 

 

Outra paixão de Toroca é o Clube de Regatas Brasil, o CRB. Ele foi presidente várias vezes. No final da década de 60, eleito presidente do clube, convidou-me a participar de sua diretoria, não me fiz de rogado, tomei posse como Diretor Social. Juntos, fizemos um bonito trabalho, organizando festas e atividades sociais. Contudo, o grande sucesso de nossa gestão foi a boate do CRB aos sábados à noite. A moçada e a coroada dançavam se esbaldando ao som do afinado conjunto LSD. Os componentes do conjunto afirmavam ser Luz, Som e Dimensão, para não confundir com o ácido lisérgico, droga altamente consumida naquela época. A afinadíssima Leureny Barbosa era vocal, Lino outro componente, na guitarra, um jovem tocava um som moderno arrasava também cantando, de nome incomum, Djavan.

No intervalo, descanso dos músicos, havia alguma atração. Certa vez, Toroca contratou um mágico. O cara era bom, muito aplaudido com suas fantasias mágicas no escurinho da boate. Estranho apenas, que em vez de tirar coelho da cartola, o mágico tirava um pato branco, bonito e lustroso. Com muito aplauso o “Mandrake” terminou o espetáculo.

Ao iniciar o segundo tempo da boate, fui procurado pelo mágico, estava desesperado, havia sumido seu querido e lustroso pato branco. Fomos em busca, todos procurando, em cada canto da sede do CRB havia um funcionário vasculhando, até cheirando, nenhuma pista do pato. O mágico se aborreceu quando um funcionário, por ignorância ou gozação, perguntou: – O senhor não é mágico? Faça o pato aparecer!

Chegamos à conclusão que o pato havia fugido, só assim poderia ter sumido. Iniciamos busca pela rua, pela praia; nenhum indício, ninguém viu algum pato passar, que dirá um pato branco.

O mágico inconformado, aborrecido, tinha compromisso no dia seguinte pela manhã, espetáculo em Caruaru. Recebeu o cachê, despediu-se, agradecendo nossos préstimos. Irado, junto à sua gostosa ajudante, deu arranque no carro, pensando no trabalho de amestrar outro pato, chorava, não sei se de raiva ou saudade do querido pato branco.

A boate continuou animada, namorados dançando lentamente na escuridão da luz vermelha, na leveza da música afinada e sensual do LSD. Ninguém àquela altura imaginaria que estava dançando ao som de um dos músicos mais importantes da história da música brasileira, Djavan.

Ao terminar a boate, cerca de duas horas da manhã, um garçom procurou a mim e ao Toroca, tinha um recado de amigos que estavam à nossa espera no Restaurante Galo de Campina, anexo à sede do CRB, onde se comia o melhor galeto assado da cidade.

Eu e Toroca descemos e entramos no restaurante lotado, logo percebemos em uma animada mesa, felizes, risonhos, tomando cerveja, os amigos, Hélio Miranda, Betuca, Clailton, Lelé, Frazão, Quico e Beto Prazeres. Hélio gentil, reverente ofereceu cadeira: “Senhores diretores sentem-se, são nossos convidados”. Agradecemos tomando uma cerveja geladinha comentando o sucesso da boate e do espetáculo do mágico. Pena o pato ensinado, tão branquinho ter fugido, alguém deve ter achado pela praia de Pajuçara.

Não demorou, para nossa surpresa apareceu o garçom “Pescoço” equilibrando uma vistosa travessa de metal. Acolchoado de farofa, laranjas, maçãs; deitado em decúbito ventral, majestosamente, um suculento, dourado e apetitoso pato assado.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 01 de abril de 2023

BAIANINHAS AVANÇADAS (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

BAIANINHAS AVANÇADAS

Carlito Lima

Seu Magalhães, alto funcionário federal, foi transferido da cidade de Salvador para trabalhar em Maceió. Além da mudança trouxe a família. A mulher Luíza e as filhas, três moças bonitas: Betinha, Licinha e Lourdinha, três baianinhas modernas.

Magalhães alugou um sobrado nos arredores da Ladeira do Farol. Com pouco tempo ambientou-se com gente importante da cidade. Tornaram-se frequentadores assíduos de sua casa algumas figuras da política, do comércio e da justiça alagoana. Autoridades civis, militares e eclesiásticas, não perdiam a feijoada de sexta-feira na casa de Magalhães.

 

 

Graças à modernidade e o modo acolhedor de sua bonita esposa e filhas, Seu Magalhães, com pouco tempo morando na cidade, já era considerado o maior corno de Maceió.

Sua casa era uma festa. Chegavam carros bonitos dos ricos e abastados. Como também amigos que as meninas faziam na escola, na praia, na rua.

Dona Luíza e suas diletas filhas tinham um comportamento bem avançado para aquela época. Enquanto as pudicas meninas da sociedade alagoana namoravam de mãos dadas, as filhas do Magalhães eram dadas às coisas muito mais avançadas. Elas inventaram a moda de “ficar”. Não tinham namorados fixos; o primeiro a chegar tinha direito de arrastar para onde fosse melhor passar algum tempo no xumbrego. Era namoro de alta rotatividade.

Os que tinham carro levavam vantagem. Mesmo assim, sobrava carinho para os mais jovens, os universitários, os jovens que faziam a alegria da cidade.

Eu havia chegado de férias em Maceió. Fardado de cadete do Exército da Academia Militar das Agulhas Negras tomei um ônibus na Avenida da Paz para me apresentar no 20º BC. Quando parou em um ponto na Rua do Sol entrou uma moça de pele rosada, cabelos castanhos cacheados, com um decote chamativo. Olhou para os passageiros do ônibus, sorriu, dirigiu-se e sentou-se a meu lado. Com um sorriso franco iniciamos uma alegre e interminável conversa. Assim fui convidado e passei a ser assíduo frequentador da casa de Seu Magalhães nas feijoadas das sextas-feiras. Era muito bem tratado.

Durante a semana, a casa era tranquila, a madame e as filhas arranjaram empregos na Assembleia Legislativa e no Tribunal. De qualquer forma às noites eram animadas.

Naquela época em Maceió havia o elegante Baile de Máscaras um mês antes do carnaval no Clube Fênix Alagoana, o mais aristocrático da cidade. Era um baile chique. Só entrava fantasiado ou de smoking. Os foliões geralmente tiravam as máscaras depois da meia-noite. Festa animada, bonita e tradicional.

Como era em benefício a um Lar de Menores, não se podia controlar a venda de ingresso apenas para sócios. A seleção dos convidados era feita pelo preço salgado da mesa, todos podiam comprar. As fantasias também eram suntuosas.

Durante o Baile, eu notei que junto a mesa de minha família havia uma mesa com um grupo de odaliscas animadas comandada por um marajá. Falaram comigo animados, mas só descobri que era Seu Magalhães, a mulher e filhas, quando a Licinha passou por mim, me arrastou para o meio do salão, dançamos, nos divertimos com as marchinhas e frevos tocados pela Banda do Passinha. Eu, solteiro, dava volta nas beiradas do salão e a Licinha cumprimentava os figurões num aceno de mão. Eles ficaram intrigados tentando descobrir quem era aquela Odalisca de barriga tão bonita, a máscara sobre o rosto não dava para reconhecer. Quando deu meia noite, alguns foliões tiraram a máscara inclusive, o Magalhães e família.

À medida que os sócios do Clube Fênix que eram sócios também da casa do Magalhães perceberam a mesa animada das odaliscas, o harém, ficaram preocupados. Muitos eram casados, noivos, outros estavam com a namorada no baile. Foi um reboliço. Alguns senhores evitavam passar pela mesa das Odaliscas, região de provável conflito árabe.

Certo momento eu percebi que um dos diretores foi conversar com Seu Magalhães. Ele levantou-se, caminharam para um jardim discreto no lado de fora do ginásio. Passaram quase uma hora conversando, enquanto isso as baianinhas assanhadíssimas, sem máscaras, rodavam pelo salão, cumprimentavam os amigos, sem cerimônia, algumas esposas perguntaram quem era aquela sirigaita. .

Seu Magalhães retornou à mesa, confabularam. Em pouco tempo a família se retirou do clube sem chamar atenção. Praticamente expulsaram a família das baianas do clube. Contudo, Seu Magalhães nem estava aí, nem se sentiu humilhado, fez um cálculo do valor da mesa comprada, dos gastos com as fantasias, bebidas e pediu o triplo do gasto total para sair do clube. O dinheiro foi rapidamente arrecadado, um magnata do comércio de automóveis, não podia aparecer, completou o resto que faltava.

Quando Magalhães saiu, houve um alívio por parte dos senhores da alta roda. Dançaram despreocupados pelo resto da noite com suas madames. A família de Seu Magalhães foi para casa, feliz da vida, havia dançado por mais de três horas no Clube da Alta Burguesia e receberam o dinheiro que o pai dividiu para os cinco. Na sexta-feira seguinte, como se nada tivesse acontecido, todos estavam na feijoada do Magalhães, o maior corno da cidade.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 26 de março de 2023

CIDADÃO DE MACEIÓ (ARTIGO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

CIDADÃO DE MACEIÓ

Carlito Lima

 

Mar de Pajuçara

Desculpem meus leitores, hoje não vou escrever. Vou homenagear um amigo, companheiro de profissão, engenheiro, e de cervejinha aos domingos na Barraca Pedra Virada, cronista da cidade, também gostava de versejar. Foi embora nesses tempos horríveis de tantas mortes. Reproduzo seus versos de amor rabiscado na mesa do bar. Para finalizar um texto de uma mineira que visitou a cidade.

* * *

CIDADÃO DE MACEIÓ. – José Arnaldo Lisboa Martins. (engenheiro e poeta)

Quando DEUS criou o mundo. E resolveu descansar
Veio aqui pra Maceió. E não queria voltar

Fez daqui seu paraíso. Deu-lhe um lindo céu de anil
Transformou nossas lagoas. Nas mais lindas do Brasil

Criou nelas nove ilhas. E um viçoso manguezal
Fez praias de areias alvas. De Ipioca ao Pontal

Fez um mar esverdeado. Um luar encantador
Um coqueiral verdejante. E um povo de valor

Foi até nossos mirantes. Viu praias e o coqueiral
Ficou dizendo baixinho: “Eu nunca vi coisa igual!”

Ele muito se orgulhava. Das coisas boas que fez
E citava Maceió. Onde passou mais de um mês

Gostou muito de peixada. De camarão e pitu
De caranguejo e siri. De lagosta e sururu

Tomou banho em Pajuçara. Encantou-se com a beleza
E chamava a linda praia. Pupila da natureza

Nos domingos ensolarados. Nas piscinas naturais
DEUS passava o dia inteiro. E não esquece jamais

Acordava bem cedinho. Na Jatiúca a andar
Na Manguaba e Mundaú Ele adorava pescar

Andou de lancha e jangada. E num veloz jet-sky
E disse pra Adão e Eva:. “Vou deixar vocês aqui!”

Ao terminar seu descanso E aproveitar do melhor
Ele mesmo se intitulou: CIDADÃO DE MACEIÓ

* * *

O MAR DE MACEIÓ SUPERA TODAS AS EXPECTATIVAS – Cláudia Tonaco

Bem que Sebastião Nery tentou me avisar que o mar de Maceió era maravilhoso, de águas quentes e limpas, mais de nada adiantou sair de casa preparada levando na bagagem todos aqueles objetivos e elogios rasgados preferidos pelo ilustre jornalista baiano. Por mais que estejamos preparados à experiência que se tem ao chegar em Maceió é muito maior e, de tão incrível, da até para chamá-la de um verdadeiro choque sensorial.

O que mais poderia descrever o fato de acordar sai em direção à praia e dar de cara com um mar que ate então você jamais viu? O mar de Maceió não é qualquer um. Depois de conhecer o esplendor do mar de Alagoas, a gente entende que todos os outros se transformaram em protótipos. Maceió tem o que poderia se chamar de um mar definitivo.

Olhar para aquela beleza liquida é como ser atropelado como vagalhão luminoso e, a partir daí, começa a flutuar num paraíso de águas. Quem conhece as Praias do Francês, Ponta Verde, Maragogi e a fantástica Praia do Gunga sabe muito bem do que eu estou falando.

Na capital de Alagoas o maior prazer é sentar e deixar a paisagem perfeita entra pela retina: os coqueiros inclinados na areia dançando com o vento, a harmoniosa mistura musical da brisa com as outras quebrando ao fundo, o colorado preciso dos guarda-sóis combinando com as toalhas e trajes de banho e o branco das velas enfurnadas rasgando o mar e o céu, dois dos azuis mais belos que existe na face da Terra.

O sol de Maceió aprendeu as regras da hospitalidade com o povo alagoano e, misturado à brisa fresca, toca os banhistas de maneira delicada e generosa. E ao fundo surge aquela imensidão verde-azul-turquesa real radiante, às vezes fosforescendo, que ganha cores de prata na lua-cheia e toques de ouro no amanhecer ou no pôr-do-sol.

Em Maceió, as férias se transformam numa regalia para os cinco sentidos e os visitantes mergulhados num mundo que aguça a percepção e a sensibilidade. Eu não quero outro em minha vida. Daqui para frente, quando pensar em mar, estarei sempre pensando no de Maceió.

Artigo publicado na coluna VIAGENS GERAIS no jornal O TEMPO de Minas Gerais.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita segunda, 20 de março de 2023

CARTA AO RONALD (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

CARTA AO RONALD

Carlito Lima

Meu querido amigo, meu irmão.

 

Hoje é sábado, nove horas da noite, sentei-me em minha vistosa varanda, sozinho, abri a garrafa de John Walker Blue, levantei o copo em direção à lua deslumbrante iluminando o mar e a praia da Jatiúca, antes do primeiro gole fiz um brinda a você, meu querido Ronald. Nesse momento minha mão trêmula de 81 anos tenta escrever-lhe uma carta em forma de garranchos. Amanhã passo ao computador, o brinquedo preferido na senilidade. Hoje cedo uma força estranha exortou-me à sua lembrança, são muitas e consigo transformar as saudades em boas recordações. Pela manhã fui resolver um problema em Bebedouro. Deu-me uma dor no coração ao ver o bairro que você nasceu e tanto amou. Está arrasado. Parece que um furacão passou destruindo os telhados ou que alguma bomba desviada da Síria explodiu o belo e histórico bairro. Bebedouro em ruínas é de fazer chorar. Em outras eras foi o bairro mais chique da cidade; imponente, com casarões, colégios e prédios de elegante arquitetura. Foi-se uma parte da história viva de nossa cidade. Você, Ronald, foi o bebedourense mais apaixonado pelo bairro, junto ao Major Bonifácio. Ano passado em uma palestra na Festa Literária de Fernão Velho você emocionado, orgulhoso, olhos mareados contou sua infância livre e solta no amado bairro belo e nobre. No entanto uma bomba subterrânea em forma de mineração irresponsável penetrou no subsolo da região. Ganância da fábrica química Braskem em busca da Salgema fez ceder o solo, acabando com seu bairro de Bebedouro, tão rico de cultura e história que tanto envaidecia seu sentimento de pertencimento. É de fazer chorar, meu amigo, Ronald.

Antes do almoço parti para o Acarajé do Alagoinha, esperando amigos contumazes sentei-me à mesa. Ao tomar a primeira cerveja, olhando ao redor da praça, veio-me a sua imagem. Que papos maravilhosos e inteligentes junto com Carlinhos Méro, desde literatura, política, sacanagem ou nossa Academia Alagoana de Letras e assistir ao desfile de bonitas mulheres passando, que não somos de ferro. O Caiubi me trouxe acarajé, outra cervejinha e recordou o Dr. Ronald que ele queria tanto bem. Você nem imagina quantas pessoas se encontram comigo, sabendo de nossa amizade, comentam pesarosos sua ida. Dr, Ronald querido da comunidade de Maceió, fazia parte da estrutura viva da cidade. Sem falar nos seus alunos, seus pacientes que lhe idolatravam. Você será, por muitos anos, reconhecido e amado pelo tratamento humano aos enfermos de todas as classes sociais.

Sinto falta não só da presença do amigo predileto, sinto falta de seus escritos inteligentes, sua verve sutil, crônicas graciosa, elegantemente debochadas, às vezes ferinas, satíricas. Ah! Como eu me deliciava com suas crônicas. Com mais uma cerveja e acarajé veio-me detalhes de sua eleição na Academia Alagoana de Letras, campanha divertida. Eu você e a Nadja em seu apartamento telefonando para os acadêmicos pedindo votos. Foi uma linda e merecida vitória, você venceu disparado. Logo se tornou uma liderança dentro de nossa Academia. Sua cultura, sua inteligência, sua medicina estão fazendo falta às Alagoas. Será difícil um substituto à sua altura.

Aqui da varanda, em noite clara vejo alguns coqueiros balançando, como balança minha cabeça ao encarar mais outra dose desse uísque fantástico que não dá ressaca. Na verdade ainda não digeri sua partida, é difícil Ronald. Meu consolo foi ter privado de sua amizade, de sua inteligência, sua força em horas cruéis junto com Nadja. Resta pouco tempo para nos encontramos. Eu seguirei em forma de cinzas jogadas ao mar da Avenida quando chegar a hora. A inexorabilidade do tempo é a única certeza. Vânia está aqui perto, manda-lhe um abraço. Pedi, ela entrou no Youtube, o som alastrou-se com a divina música, La Vie em Rose. Parece que estou lhe vendo com um microfone cantando sua música predileta: “Quand il me prend dans ses bras.. Qu’il me parle tout bas.. Je vois la vie en rose…Il me dit des mots d’amour… Des mots de tous les jours..Et ça me fait quelque chose….”

Outro uísque, as lembranças me emocionam, faz bem deixar as lágrimas rolarem, ouvindo músicas que enlevam a alma. Minhas letras já não são mais garranchos, será tarefa difícil traduzi-las no computador. Vou ficando por aqui, me despeço recitando um poema de John Donne, meu poeta inglês preferido, que diz mais ou menos assim: “Nenhum homem é uma ilha, cada homem é uma partícula do continente, uma parte da Terra. Se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída. A morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram, eles dobram por ti”.

Os sinos dobram por mim, por Nadja, filho, nora, neto, Claiton, Socorrinho, dobram por seus amigos. Até mais ver meu querido amigo. Não se esqueça! Reconheça-me. Eu chegarei em cinzas molhadas no mar da Avenida da Paz. Ainda entorno outra dose antes de dormir. Beijo.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita segunda, 13 de março de 2023

TEMPOS MODERNOS (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

TEMPOS MODERNOS

Carlito Lima

 

– Preciso conversar com você. Pode dar-me alguns minutos?

Disse Stella abraçando o irmão ao encontrá-lo no shopping no início daquela tarde de sexta-feira. Feliz em esbarra com a irmã querida, Augusto puxou duas cadeiras, sentaram-se. Pediram dois chopes.

 

 

Stella olhou-o, sorriu-lhe, foi direto ao assunto.

– Guto querido, só nós dois é que sabemos o quanto nos amamos. Sou louca pelo meu irmãozinho desde criança, nossas afinidades são escancaradas. Você casou-se, separou-se, agora está solteiro novamente aos 40 anos. Eu nunca dei palpite em sua vida amorosa, boêmia e escandalosa. Desculpe estar me intrometendo em seu novo namoro, você falou-me até em casamento. Nada de pessoal contra Vilma, até gosto da moça, parece equilibrada e sensata. Informaram-me um pequeno detalhe de sua vida pessoal, tenho obrigação de lhe repassar, não quero que seja enganado. Fonte fiel confidenciou-me, ela é sapatona, ou melhor, bissexual, tem um caso com aquela morena, andam muito juntas, se diz sobrinha. Desculpe eu tocar em sua vida particular. Sabendo do fato, seria uma traição por omissão não contar-lhe esse importante detalhe.

Augusto respirou fundo, tomou dois goles de chope, pensou, pensou, pensou, respondeu à irmã ainda no impacto emocional da notícia.

– Obrigado Stella, você agiu bem, não poderia ser de outra forma. Francamente nunca desconfiei da bissexualidade de Vilma. Eu até gosto muito de sua sobrinha Glória, nada me fez perceber outra opção sexual, que ela gosta de homem tenho certeza, na cama é um arraso. Vou pensar no que fazer, não sei se dá para conviver sabendo que sua mulher gosta também de mulher. Obrigado minha irmã.

Augusto pediu mais chope, passaram a tarde conversando.

Eram nove horas da noite quando Augusto encontrou-se com Vilma na Barraca Pedra Virada, orla da Ponta Verde, acompanhada de Glória. Tomaram chope, uísque, jantaram. Eram duas horas da manhã quando deixaram Glória em casa, dormiram no apartamento, amaram-se feito animais, Augusto nunca mais havia passado uma noite de amor com tanta intensidade. Pela manhã do sábado resolveram dar um mergulho na praia do Francês, bebericar até o final da tarde. Vilma perguntou se podia convidar Glória.

– Tudo bem. – disse Augusto, mas foi claro com a namorada.

– Vilma, temos mais de dois anos juntos, somos adultos, lhe amo, tenho de ser sincero. Sua amizade com Glória vem atiçando a maldade alheia. Vieram me fuxicar de seu relacionamento íntimo com Glória, que vocês são caso, é o boato corrente nas rodas de nossa convivência.

Vilma ouviu olhando nos olhos do namorado, baixou a cabeça, respirou fundo, encarou-o novamente, abriu seu coração com franqueza.

– Augusto querido, é verdade, eu tenho essa opção sexual a mais, sou bissexual, a Glória não é minha prima. Estava esperando um momento apropriado para contar toda verdade. Conversei muito com Glória, temos uma proposta, você pode se chocar, francamente não sei sua reação. Minha única certeza é que lhe amo, quero você, quero ficar com você, não importa se casados ou juntados. Minha proposta é meio louca, moderna, entretanto, foi bem pensada, amadurecida: Quero continuar nosso relacionamento como está, cada qual em seu lugar. Peço apenas que você passe uma noite com Glória, sinta como é uma pessoa boa, também é bi, entre em suas intimidades, depois me diga se aceita a situação, sem compromissos. Vamos viver nós três juntos e que tudo mais vá para o inferno.

Augusto teve um impacto com aquela inusitada proposta, pediu um tempo para pensar. Conversou, passou duas noites com Glória. Não precisou muito tempo para definir-se. Estão em período de adaptação, tiraram férias juntos, estão passeando na bela Cartagena das Índias, Colômbia, fazendo um ajuste de costumes.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita terça, 07 de março de 2023

SEXTAS CLÁSSICAS EM JARAGUÁ (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAMUNDO FLORIANO)

 

Peço a permissão de meus queridos leitores para falar de um novo projeto a ser realizado a partir do próximo fim de semana, abertura dia 12 de novembro, SEXTAS CLÁSSICAS EM JARAGUÁ, até o dia 4 dezembro.

O Problema da educação no Brasil se estende à educação musical. Nas escolas pouco existe de estimulo e atividades extras classes para compor o aprendizado do aluno às letras e às artes. Para melhorar a educação no Brasil é necessário que as artes clássicas sejam conhecidas do grande público. A maioria das pessoas é estimulada a ouvir música de baixo nível. O projeto SEXTAS CLÁSSICAS EM JARAGUÁ oferecerá ao povo de Maceió música de qualidade, seja clássica, popular ou afro. Serão momentos de diversão, prazer e encantamento.

O evento deixará, sobretudo, um legado gigantesco e variado para toda população envolvida. E tem como objetivo maior contribuir efetivamente para uma melhor qualidade de vida do povo. Todos têm direito à cultura, à arte, ao lazer, a uma boa música. O projeto será realizado nas sextas e nos sábados na Praça Dois Leões no bairro histórico de Jaraguá. Prestigiando esse bairro de arquitetura barroca, belos prédios antigos, um patrimônio do povo de Maceió. A Primeira “Sexta Clássicas em Jaraguá” tem como homenageado o penedense RICARDO CRAVO ALDIN, o maior pesquisador e conhecedor da Música Popular Brasileira.

A seguir a programação:

Dia 12 Novembro (Sexta)

17:00 – Lançamento de livro e palestra do homenageado RICARDO CRAVO ALBIN, penedense, radicado no Rio, maior pesquisador e conhecedor da música brasileira: “A importância das Bandas Filarmônicas dos municípios na musicalidade do brasileiro” no Museu de Imagem e do Som – MISA – Jaraguá

18:00 – Escola de Samba Gaviões da Pajuçara.
19.00 – Abertura: Afro Caeté e Sax Elizaubo – Bolero de Ravel.
19:30 – Abertura solene do projeto com as autoridades presentes.
19:45 – Entrega do 17º Prêmio Notáveis da Cultura Alagoana 2020..
20:00 – Concerto Orquestra Filarmônica Aconchego.
21.30 – Cantata Tenor Dydha Lyra

Dia 13 Novembro (Sábado)

18:30 – Banda Pestalozi
19.30 – Banda Flor da Pescaria
20:30 – Samba da Periferia (Selma Brito)

Dia 19 Novembro (Sexta)

18:00 – Lançamento de livros da Editora Aletria no MISA
19.30 – Abertura: Afro Caeté e Sax Elizaubo – Bolero de Ravel.
20:00 – Concerto Quarteto Manguaba
21.30 – Cantata Os Três Tenores Alagoanos com Selma Brito

Dia 20 de Novembro (Sábado) – (Dia Nacional da Consciência Negra)

19.30 – Grupo Afro Dendê
20:30 – Grupo Afro Afoxé
21.30 – Grupo Afro Zumbi

Dia 26 Novembro (Sexta)

19.30 – Abertura: Afro Caeté e Sax Elizaubo – Bolero de Ravel.
20:00 – Concerto Banda da Guarda Municipal
21.30 – Concerto Orquestra Filarmônica Santa Cecília

Dia 27 Novembro (Sábado)

19.30 – Batuque Mundaú
20:30 –Grupo Coração de Mainha.

Dia 3 Dezembro (Sexta)

19.30 – Abertura: Afro Caeté e Sax Elizaubo – Bolero de Ravel.
20:00 – Concerto Camerata Ero Dictus
21.30 – Cantata – Soprano Elvira Rebelo

Dia 4 Dezembro (Sábado)

19.30 – Chorinho da Manguaba
21.00 – Bloco Pinto da Madrugada


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quarta, 01 de março de 2023

NOSSAS ÁREAS VERDES ROUBADAS (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Praça Napoleão Goulart, usurpada pelo Clube Fênix

 

“Ôi Maceió…É três mulé prum homem só”. Em matéria de mulher e de beleza natural nossa cidade está bem servida. Mas em área verde, em praças, em parques e jardins os números são ridículos. Maceió possui cerca de 5,00 m² de área verde por habitante. A Organização Mundial de Saúde recomenda o mínimo de 12,00 m2 por habitante para uma cidade ser habitável. João Pessoa nos humilha com seus mais de 60 m² por habitante e Curitiba com 50 metros quadrados de área verde por habitante é a campeã do sul do país.

Em Maceió quando chega o verão, o calor nos asfixia. Em alguns bairros o ar fica quase irrespirável. Se não fosse a santa brisa marítima e o vento Nordeste nossa cidade seria um inferno de quentura.

A árvore nos dá vida, fornece a oxigenação vital para o corpo humano. Uma árvore respira o gás carbônico da atmosfera e expele, exala oxigênio puro. Esse é o maravilhoso fenômeno da fotossíntese. Enquanto nós humanos, fazemos o inverso: respiramos o oxigênio da atmosfera e expelimos o nocivo gás carbônico de nosso corpo.

A natureza é sábia: para melhoria de qualidade de vida precisamos do verde, precisamos das árvores, que ainda nos dá sombra, flores, frutos e sonhos. É necessário, com urgência, de uma campanha de arborização nas calçadas, nas praças e em qualquer biboca.

O problema ambiental deixou de pertencer a incansável meia dúzia de batalhadores ambientalistas. É dever da sociedade organizada fiscalizar e denunciar os absurdos que são cometidos contra nosso meio ambiente.

Em nossa cidade existe uma inusitada, kafkaniana “Associação dos Moradores de Invasão da Área Verde do Conjunto Benedito Bentes”. É tradição cultural o Prefeito com a cumplicidade da Câmara de Vereadores “doar” terrenos públicos às Associações e entidades públicas e privadas.

São inúmeros os casos absurdos de doação de áreas verdes em Maceió; um crime urbano e ambiental contra o povo, o real dono da praça, como o céu é do avião, como diria o poeta. Não podendo prolongar, citarei apenas quatro casos que me afetaram diretamente durante minha vida nessa bendita cidade.

Em 1934 quando foi construída a nova sede do Clube Fênix Alagoana, deixaram ao lado uma área verde, a Praça Napoleão Goulart, onde eu brincava quando criança e como jovem quando saía das festas do clube. Há alguns anos, sorrateiramente essa praça foi doada ao Clube Fênix Alagoana que se apoderou ligeirinho, murando aquela praça bucólica pertencente ao povo de Maceió para aumentar a área de lazer da piscina do clube mais rico do Estado.

Outro crime inominável aconteceu com a Praça 13 de Maio, onde minha geração cresceu, brincou, se divertiu embaixo de árvores frondosas. No final do ano havia pastoril, reisado, festas de ruas. Minha despedida de solteiro foi no Bar do Miltinho naquela aprazível praça, maior área de lazer do bairro do Poço. Fatiaram a Praça 13 de maio, a CASAL (Companhia de Água e Saneamento) e o SESC apoderaram-se da bela área verde, restando apenas uma rua que separa as duas entidades governamentais ricas que poderiam ter comprado um terreno para construir seus prédios. Um crime ambiental inafiançável. O Sesc e a Casal devem um monte de dinheiro aos cofres públicos, mas, eu preferia que demolissem os prédios e retornassem minha querida Praça 13 de Maio.

Na Avenida João Davino foi aberto um extenso loteamento dentro dos padrões. A enorme área verde foi doada para construção do Clube dos Sargentos e um edifício de apartamentos.

No centro da cidade, quando menino depois da missa na Igreja do Livramento, brincávamos toda manhã na gloriosa Praça Rosa da Fonseca que mais tarde foi engolida pelo famoso Bar do Chope.

Existem dezenas desses tipos nefastos de doação política, pela troca de votos, em detrimento ao patrimônio da cidade e do cidadão.

Eu queria saber do mundo jurídico como um cidadão comum, aquele que a Constituição diz que todo Poder emana do povo, pode fazer para anular essas doações. Tenho certeza que existe amparo legal para entrar contra quem usurpou os bens públicos e os responsáveis. Dai-me uma luz, quero fazer um bem à minha cidade antes que eu me apague e já estou pelos 82 anos.

O que seria de Maceió se não fossem as praias e suas suaves brisas marinhas? Ainda bem que: “É três mulé prum homem só; e alguém está com cinco, eu sou tenho uma.”

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 25 de fevereiro de 2023

A FESTA DA PAFINHA (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A FESTA DA PAFINHA

Carlito Lima

Ninguém sabia seu nome, que dirá sobrenome. Os amigos conheciam como Pafinha, apelido carinhoso. jovem bonita de pele morena clara, cabelos escuros escorridos, olhos vivos, harmonizavam com a boca rosada permanentemente num debochado sorriso. Pafinha tinha a beleza da juventude e a graça de quem é feliz, era linda.

Corpo miúdo, curvas nítidas, cintura fina e seios abundantes faziam dessa menina uma mulher atraente. A traseira bem torneada era desejo e fantasia de muitos homens.

 

 

Todos amavam aquela jovem com ar de moleca sapeca e linda. Vivia a vida como se fosse acabar amanhã. Pafinha trabalhava na Boate Tabariz, era a rapariga predileta do famoso dono da noite de Maceió, o popular Mossoró. Nativa de Pariconha, sertão das Alagoas, sua família passava fome com a seca. Aos 16 anos, só havia conhecido miséria e pobreza. Um cabo de polícia a deflorou. Como ele era casado, prometeu aos pais da moça, amigação, uma casa montada na capital. Depois de muito discutir, os pais liberaram a filha para morar com o cabo na capital. O cabo viajou com Pafinha num fim de semana, e deixou-a na zona das putas em Jaraguá, entrego-a aos cuidados do Mossoró, o dono da casa de mulheres mais famosa da cidade.

Tornar-se prostituta foi uma grande transformação. Cursou a Universidade da Vida. Pafinha era a mais querida do cabaré, conhecia e tratava os frequentadores da boate pelo nome. Podia ser senador, deputado, coronel ou capitão. Era o xodó de Jaraguá. Ela era linda, apaixonou-se por um jovem deputado, rapaz novo, iniciando a carreira política. Quando o deputado aparecia, corria para os braços de seu amor.

Naquela época havia um bingo nas tardes de domingo, numa área do bairro do Trapiche da Barra, era a fonte de recurso para construção de um grande estádio de futebol (o atual Rei Pelé). Os prêmios convidativos: carros, camionetes e caminhões. Mossoró não perdia um bingo e levava suas meninas, comprava uma cartela para cada uma. Certo domingo, Pafinha teve sorte. Faltava apenas a pedra 27, uma torcida eletrizante entre as jovens alegres. Quando chamaram 27, foi uma explosão de alegria e abraços. Pafinha ganhou um carro IMPALA. Um conhecido senhor negociava prêmios de bingos, comprou o carro na hora. Foi dinheiro que Pafinha jamais pensou possuir.

Na mesma noite ela iniciou uma festa no bairro boêmio de Jaraguá. Todos queriam abraçá-la ou pedir dinheiro emprestado. A festa durou oito noites. Pafinha não tinha noção de economia, seu coração solidário e generoso emprestou e deu muito dinheiro. Fez festa no Verde, no Duque e no Sovaco do Urubu, a ZBM, Zona do Baixo Meretrício, frequentada por estivadores, pescadores, catraieiros, os pobres amigos de copo e de cruz. Pagava tudo.

Uma semana de alegria e diversão durou a festa de Pafinha. Só acabou quando ela percebeu que não tinha mais um centavo do dinheiro do bingo. Ficou pobre novamente.

Na praia da Avenida da Paz, no trecho mais perto do cais havia uma birosca frequentada por embarcadiços, pescadores, desocupados, desempregados. As raparigas de Jaraguá ao se acordarem por volta do meio-dia vestiam o maiô e devam um mergulho na praia, se refrescando da noitada anterior.

Pafinha sempre presente ajudava a comer o delicioso tira-gosto de panã ou arabaiana, contava casos da noite no cabaré. Seu Rodolfo, velho pescador, era o melhor contador de historias de peixes enormes, da mãe d’água, sereias, afogamentos, de botos salvando vidas empurrando os afogados até a praia.

Pafinha aprendeu a nadar, boiava e mergulhava se purificando na água do mar até o pôr-do-sol alaranjar o céu, depois das seis da tarde era hora de trabalho no Cabaré. A sertaneja dizia que seu destino estava naquele mar azul com matizes esverdeados.

A história da Pafinha ainda hoje é contada nas biroscas e bares de Jaraguá. Tornou-se lenda, dizem as testemunhas que ela numa tarde desapareceu no banho de mar, deixou-se levar pela correnteza. Iemanjá veio buscá-la e a transformou em um boto que vagueia vigilante na enseada da praia da Avenida da Paz, salvando os afogados.

Há muito tempo não acontece afogamento no mar de Jaraguá e Avenida. Um boto nas águas perto do cais mergulha vigilante, empurra até a praia os banhistas desavisados ou crianças mais afoitas. Depois retorna junto ao cardume, brincando alegre com seus pareias.

À noite, nos bares do mercado e na zona da boemia, marinheiros, pescadores, contam histórias de salvamentos milagrosos. Atribuem esses milagres ao boto presepeiro, alegre e lindo. Para o povo do cais do porto, Pafinha é uma espécie de santa protetora das putas, dos boêmios, dos bêbados e afogados de Jaraguá.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quinta, 16 de fevereiro de 2023

A CALCINHA (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A CALCINHA

Carlito Lima

 

Como toda família bem aquinhoada, eles têm uma casa na praia da Barra de São Miguel. Os filhos crescidos só vão à casa de praia na temporada de verão e na efervescência do carnaval.

 

 

Depois do carnaval a casa fica vazia por algum tempo. Certo domingo Almeida convidou Gertrudes para passar o dia na Barra, fazer alguns pagamentos e verificar a manutenção da casa.

Numa bela manhã Almeida tirou o carro da garagem, rumaram à praia. O céu azul de brigadeiro e o mar verde fazem a beleza daquela estrada entre coqueirais.

Ao passar pelo posto policial, um soldado acenou parando o carro. Almeidinha mostrou suas carteiras pessoais e pediu à Gertrudes para apanhar os documentos do carro no porta-luvas. Ao puxar a tampa, ela enxergou uma pequena peça de pano branco no fundo. Quando levantou a pequena peça pelos dedos, não conteve o grito:

– Uma calcinha!

Era uma peça linda de renda branca. Gertrudes indignada foi direta em bom tom encarando o marido:

– Almeida me explique isso direitinho, uma calcinha no porta-luvas de seu carro? Essa eu nunca esperava!

O marido respondeu que também estava surpreso, não sabia de quem seria a calcinha.

O guarda constrangido liberou o carro. Almeida não conseguiu se restabelecer da surpresa, do impacto da calcinha, partiu em direção à casa da Barra.

No terraço daquela bela casa, olhando para o infinito e a beleza do mar, Almeida se dizia inocente, não tinha ideia de quem poderia se a bela calcinha. Gertrudes contrariada, chateada por não estar acreditando em seu marido que nunca teve deslize em mais de 38 anos de casados.

Ao meio-dia Almeida foi buscar um almoço num restaurante, voltou uma hora depois. Estava mais calmo, mais confiante. Serviu a lagosta grelhada para mulher. Tudo havia de esclarecer.

Na boca da noite voltaram à Maceió, chegando ao belo edifício na praia da Pajuçara, Gertrudes pediu aos três filhos que fossem ao jantar às oito da noite, sem falta, tinha uma comunicação a fazer..

Quando serviram os pratos, Gertrudes com sua maneira espontânea e calma, falou aos filhos:

– Estamos com um problema. Encontrei uma calcinha no porta-luvas do carro do Almeidinha.

Tirou da bolsa e mostrou a bonita peça artesanal. Cacilda a filha mais velha, pediu para olhar. Ao examinar, deu um sorriso e falou com certeza.

– Essa calcinha é da Verônica, minha amiga, filha da Tia Rose. Ontem fomos ao Shopping no carro do papai, ela comprou uma calcinha e experimentou no carro, deve ter deixado no porta-luvas.

Foi um alívio para o casal. Cacilda no seu papel de bombeira apressou-se em telefonar para amiga. Verônica não custou a chegar. Confirmou ser a dona da calcinha.

Foi o suficiente. Era só isso que Gertrudes precisava, nada questionou, abraçou Almeida. Tudo ficou como antes, como no quartel de Abrantes.

Já dizia o filósofo pernambucano Chacrinha: “Quem não se comunica, se trumbica”, principalmente com as facilidades da alta tecnologia atual de computadores, internet e principalmente celulares.

Em seu aniversário, Cacilda ganhou do generoso pai, um carro, verde, zero km, com ar condicionado. O irmão invejoso diz, à boca pequena, que o presente tem a ver com a história da calcinha. Isso é maledicência, picuinha de irmão despeitado. Ninguém pode ser bom e gentil com uma filha tão boa e distinta.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 10 de fevereiro de 2023

CELEBRANDO A VIDA (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

CELEBRANDO A VIDA

Carlito Lima

1968 o ano que nunca terminou segundo Zuenir Ventura. Eu era tenente do Exército Brasileiro, servia no quartel de fronteiras em Roraima quando fui promovido a Capitão e transferido para o 20º Batalhão de Caçadores, o 20º BC na minha querida cidade de Maceió. Naquele ano houve uma revolução de costumes no mundo. Foi o tempo das mulheres se liberarem com a pílula. Maceió era uma festa, estava sendo descoberto pelo turismo. Ao chegar à minha casa tive a sensação profundamente gostosa em estar no meu lar, com meus pais, meus irmãos. Apresentei-me no 20º BC onde passaria a trabalhar nos afazeres militares. Logo tomei conta da cidade, era convidado para festas em altas e baixas rodas. Dediquei-me à prazerosa boemia.

Eu tinha dois pontos de lazer, espécie de escritórios: O Clube Fênix Alagoana e o Zinga Bar que era também restaurante e boate. As moças solteiras da cidade que só frequentavam clubes e festas em casas de família deram seu grito de independência frequentando o Zinga Bar na praia de Riacho Doce. Foi um marco na transformação da sociedade conservadora de Maceió. Eu solteiro, bonito, capitão, amava a modernidade, as mudanças dos costumes. O Zinga Bar, a pílula e bons livros contribuíram para revolução sexual no mulherio. Ano inesquecível. Porém, eu tinha um objetivo em minha vida: terminar a Faculdade de Engenharia.

O Sol nasceu no santo ano de 1969. Providenciei minha transferência da Escola Politécnica de Engenharia do Recife, onde eu cursava o terceiro ano quando, sem aviso prévio, fui transferido para Fronteira do Brasil. Vencendo a burocracia me matriculei no terceiro ano da Faculdade de Engenharia de Alagoas. No primeiro dia de aula compareci ao prédio na Praça Sinimbu, entrei na sala do terceiro ano, assisti à primeira aula. Notei algum problema com os colegas, ninguém falou comigo, ninguém se dirigiu a mim, no mínimo para dar as boas vindas. Soube depois: estavam me colocando no “gelo”, simplesmente porque eu era militar. Não passou uma semana, tornei-me amigos dos colegas, amizade que perdura até hoje. O que não faz uma mesa de bar? Depois das aulas, das provas, partíamos para bares e outros locais não compatíveis com futuros engenheiros.

Meu tempo era apertado, tinha de conciliar: o expediente no quartel, as aulas na Faculdade e a Boemia. Tive sorte, deu-se uma vaga de capitão na 20ª CSM, unidade burocrática do Exército no Centro de Maceió com expediente corrido de 7:00 às 13:00 horas. Viajei ao Rio onde ficava o Departamento de Pessoal do Exército e consegui minha transferência. No dia que o homem pisou na lua, 20 de julho de 1969, eu comecei a trabalhar na 20ª CSM. O que facilitou a dedicar-me com afinco aos estudos de engenharia.

Alguns jovens colegas participavam da política estudantil. Havia um líder que militava em partido de esquerda que em plena tarefa de panfletar pontos de ônibus foi preso pela Polícia. Certa tarde havia uma prova muito importante de Resistência de Material. Uma colega, Anacy, perguntou se havia possibilidade de eu trazer o colega preso para fazer essa prova. Fui tentar, Zé Sangreman deu-me carona no fusquinha verde até o DOPS no centro da cidade, onde estava nosso colega preso há três dias. Conversei com o Delegado, me responsabilizei, assinei alguns papéis e levei o preso para fazer prova sob minha custódia. Ao terminar a prova entramos no fusquinha verde, foi quando os colegas pediram para deixar o Galego tomar uma cervejinha na Sorveteria Sorriso. Conversa gostosa regada à cervejinha e pitu, o tempo foi passando, fomos para outros bares, e o tempo passando.

Era mais de meia noite e o colega preso me implorava para retorná-lo à Delegacia, com receio. Afinal chegamos ao DOPS, estava um guarda de plantão que recebeu o preso sem nenhum problema. Ele dormiu até meio dia seguinte. Num fim de semana tomando um uísque no Clube Fênix, uma autoridade aconselhou-me a me afastar de alguns colegas. Eu devia tomar cuidado, eram subversivos, queriam incendiar o mundo. Anos depois, aquele estudante que foi preso, tornou-se governador de Alagoas. Ronaldo Lessa fez um ótimo governo dentro das possibilidades e nada incendiou, preocupou-se mais com o bem estar social e a educação do povo.

Somos uma turma unida, várias aventuras extracurriculares preencheriam um livro. Em 1970 eu encontrei o amor de minha vida, Vânia, com quem estou casado até hoje. Afinal em 1971 houve nossa formatura. Era época do “Milagre Econômico”, todos os colegas ao terminarem a Faculdade estavam empregados. Alguns foram para outros estados. Em Alagoas nossos colegas de turma se destacaram, ajudando a construir o Estado nas empresas estatais e privadas. Alguns entraram na política, foram vereadores, prefeitos, deputados, até governador. Mesmo dispersados nos empregos, durante todo esse tempo, nos encontramos quando podemos. Almoços e outros encontros nos juntam, fortalecendo a amizade. Semana passada houve a celebração de 50 anos de formados, passamos o fim de semana no Hotel Village na Barra. Relembrando e contando histórias, celebrando a vida.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 04 de fevereiro de 2023

MINHA CANDIDATA (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

MINHA CANDIDATA

Carlito Lima

Alguns amigos consideram a época de Natal triste, deprimente; lembram as injustiças sociais no mundo, choram, recitam o monólogo do poeta Aldemar Paiva: “Eu não gosto de você, Papai Noel”. Enfim se enchem de melancolia. Confesso que comigo é o inverso, adoro o Natal. Desde menino ficava ansioso para o momento de meus pais distribuírem os presentes. Minha casa sempre teve uma bonita, iluminada e alegre árvore de Natal. Depois da ceia com o belo peru assado, a família se dirigia ao coreto da Avenida da Paz para assistir a missa. Certa vez, ganhei uma linda bicicleta, fiquei tão radiante que a levei para o coreto. Ao terminar a missa montei no selim daquela preciosidade maravilhosa, minha querida bicicleta, percorri a redondeza sem parar de pedalar pelo bairro de Jaraguá, até me cansar. Cheguei tarde em casa, levei um carão e caí na cama desmaiado de tanto cansaço.

 

 

Na adolescência eu adorava as festas natalinas na Praça Sinimbu ou na Afrânio Jorge. Passava a noite me divertindo caminhando, olhando o movimento, paquerando as meninas. Havia um alto-falante que dava recados e fazia propaganda. Minha paquera numa noite passeava com um vestido azul de bolinhas brancas. Dirigi-me ao alto-falante, paguei e dentro em pouco o locutor anunciou três vezes: “Alô, alô menina do vestido azul de bolinhas brancas você é a garota que mais brilha nessa festa, lhe espero às nove horas na Ponte dos Fonseca”. E não é que ela foi com uma amiga de lado! Fiquei feliz! Eu amava andar nos barcos, na roda-gigante, atirar no “tiro ao alvo”. Nunca perdia o pastoril torcendo pelo cordão encarnado. Sentava-me nos bancos da frente, embaixo do palco para ver melhor as moças bonitas dançarem, rodopiarem a saia e cantarem: “Boa noite meus senhores todos… Boa noite senhoras também… Somos pastoras, pastorinhas belas que alegremente vamos à Belém…” No intervalo das jornadas, eu pedia uma pastora bonitinha para entrar em cena. Ela entrava no palco dançando eu já esperando colocava uma nota de um cruzeiro como se fosse uma condecoração, confesso que naquele momento, roçava com a mão o seio da pastora linda. Eu gostava e me excitava, ela também, eu sentia. Só acabava a festa pela meia-noite e junto aos amigos caminhava pela Avenida da Paz pra o nossa casa.

Em dezembro o clima de Natal baixa em mim. Atualmente adoro ver a cidade iluminada. Na semana passada assisti na orla o lindo cortejo da cultura popular, do folclore. Há mais de dez anos, minha mulher inventou um café da manhã na véspera de Natal para os parentes e amigos. Começa às 7:00 horas da manhã com muita comida, um delicioso café regional. Os poetas recitam, Chico de Assis e Paulo Poeta são contumazes, esses grandes atores interpretam de fazer chorar. O recital é aberto, até eu recito. Acompanhado pelo Tonho no teclado os cantores nos enchem de alegria com músicas lindas. Elvira Rebelo, uma das maiores soprano do Brasil nos fascina com sua música lírica, amigos choram quando ela canta a Ave Maria de Schubert. Em certo momento entra na sala do apartamento um guerreiro, ou um coco de roda, ou um reisado, ou um pastoril, cantando sua alegres músicas folclóricas. O café da manhã atravessa o almoço, só acaba quando sai o último convidado, geralmente embriagado, lá pelas sete da noite, depois de esvaziar quatro a cinco garrafas de uísque. Infelizmente a pandemia não deixou organizar o café de Natal. Tenho fé em 2022 nos trazendo muita esperança.

Perto do Natal sempre cometo uma bondade inusitada para algum desgraçado, algum esmoler na rua. Dou uma nota alta ao coitado. Eles ficam assustados e alegres quando veem aquele dinheiro. Ontem ao sair do banco havia uma miserável suja, de idade indefinida com duas crianças sentadas no chão. Ao estender-me a mão dei-lhe uma nota que para mim não fará falta, mas para ela é um tesouro. Quando eu entrava no táxi, senti uma mão em meu ombro, era a miserável com a nota de R$ 100,00 estendida.

– Moço o senhor se enganou me deu esse dinheiro.

– Não me enganei, essa nota é sua, tire o melhor proveito para suas meninas.

Ela com os olhos mareados, cheia de alegria ofereceu seu trabalho.

– Deus cuide do senhor. O que o senhor quer que eu faça. Sou boa faxineira! Deixe eu limpar sua casa.

Antes de bater a porta do carro, dei uma sugestão.

– O Congresso é quem está precisando de gente honesta. Candidate-se, desde já você é minha candidata.

O táxi partiu, ela ficou sem entender, mas feliz com o dinheiro na mão.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 29 de janeiro de 2023

OS VELHINHOS ESTÃO VOLTANDO (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O Palmeira Futebol Clube foi fundado no início dos anos 1950 por jovens moradores do bairro nobre do Farol, deram-lhe esse nome devido a maioria Da meninada morar na Rua Comendador Palmeira. Esse Clube tem história no futebol alagoano, chegou a ser campeão alagoano juvenil em 1958.

Naquela época havia entrosamento, facilidade em enturmar os jovens. Frequentávamos as mesmas escolas, os mesmos clubes, as mesmas praias, as torcidas no campo de CRB ou CSA, os mesmos cabarés. Ocupávamos a cidade de Maceió com nossas bicicletas em buscas de namoradas e aventuras. Em cada bairro havia um time de futebol, que jogava contra os outros dos bairros vizinhos e em torneios organizados por nós mesmo. Éramos amigos, uma briga aqui outra acolá, nada desse sentimento de gang dos filmes americanos que assistíamos em cinco cinemas de bairros da cidade.

Esse ambiente amistoso e fraterno nos deu um sentimento de amizade duradouro pelo resto da vida. Cinquenta anos depois de nossa adolescência lá pelo ano 2005 a turma do Palmeira liderada pelo Cláudio Oiticica (Cáu) resolveu realizar uma confraternização de Natal, convidou os amigos da época. Escolheu um amplo restaurante à beira da Lagoa Mundaú. Foi um sucesso. A alegria daqueles sessentões encontrando-se numa salutar reunião de amigos dispersados na vida. Com muitas lembranças, muitas histórias divertidas, gargalhadas soltas no ar passamos uma tarde inesquecível. A partir do ano seguinte a Confraternização do Palmeira consolidou-se. Todos os anos o Cáu organizava a festa com carinho para os amigos. Aparecia gente de todo o Brasil, Ministros de Brasília, ex governadores, ex prefeitos, ex jogadores de futebol, empresários, comerciantes, pecuarista do Rio de Janeiro, Brasília, do Recife. Virou tradição. Quando chegava o mês de dezembro os acertos da confraternização já eram divulgados.

O tempo é inexorável, morreram alguns amigos, mas a vida continuou. Como também a confraternização. Até que chegou a Pandemia, não dava para organizar festa alguma. Nós tentando sobreviver na clausura, sem sair de casa, como ainda estamos. Perdemos parentes e amigos para o vírus. Até que com certos receios, tomando os cuidados necessários, Murilo Marinho liderou um encontro ontem numa Barraca de Praia. Cerca de vinte velhinhos resolvemos nos encontrar. Uma tarde agradável cheia de alegria e lembranças. Depois de dois anos aconteceu a tradicional confraternização de fim de ano do Palmeira Futebol Clube. Iniciou às 11:00 horas da manhã terminou ao entardecer, Foram tantas histórias contadas, tantas gargalhadas que chamou a atenção às mesas vizinhas, que deveriam perguntar: De que sorriem esses senhores com tanta alegria?

Em cada um daqueles jovens octogenários existe uma parte da cidade de Maceió. Uma cidade não é formada apenas pelos prédios, praças, praias e ruas. Uma cidade é feita principalmente pelos seus moradores. E ali naquela reunião onde o uísque rolou estavam alguns construtores dessa bela cidade de Maceió. Pessoas alegres porque tiveram uma juventude livre, leve e solta pelas ruas da cidade. Onde durante o carnaval nos divertíamos na Rua do Comércio Nos blocos de rua. Não fomos santinhos, fizemos presepadas e eram delas que passamos a tarde às gargalhadas.

Foram esses velhinhos que criaram uma associação atípica no mundo a UCPM (União dos Conquistadores de Peniqueiras de Maceió). Éramos terrivelmente incorretos. Graças a Deus. Chamar as jovens empregadas domésticas de peniqueiras, hoje dá cadeia. Havia uma hierarquia entre os membros da UCPM. Entrava como soldado, à medida que o associado contava suas aventuras de conquistas das cheirosas empregadas domésticas, subia de posto. Um amigo chegou a Marechal. Esse orgulho da UCPM muitos anos depois tornou-se Ministro do Tribunal em Brasília. Essas e outras histórias foram recordadas com muita alegria na confraternização de ontem. Ao terminar, retornamos ao lar e nos trancamos novamente, o bicho ainda está solto.

Um bom ano novo a todos.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita segunda, 23 de janeiro de 2023

A FILHA DE MEU AMIGO (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A FILHA DE MEU AMIGO

Carlito Lima

 

Aécio chegou cedo ao escritório, alguns clientes o esperavam na sala. Cumprimentou-os, entrou. Sentou-se no birô, iniciou a leitura da correspondência. Ligou no interfone para Marlene. Ela levou a lista dos assuntos da manhã. Aécio perguntou quem era uma jovem, a secretária informou ser a filha do seu amigo falecido Tonho. Ela apareceu no lugar da mãe para pegar o cheque mensal. Ajuda que Aécio se comprometeu pelo resto da vida. Eram amigos de unha e carne desde criança jogando bola na praia. Tonho era o melhor jogador de sua turma.

Naquela época, a juventude convivia com as diferenças sociais. Valia mais quem sabia jogar bom futebol, quem trepava num coqueiro e sabia fugir correndo do vigia. Tonho era um atleta nato, desde o futebol na praia até mergulhar da cumeeira dos trapiches avançados mar adentro. Tornou-se o melhor amigo de Aécio, andavam sempre juntos caçando lagartixa com atiradeira (peteca) , mergulhando e pescando no Riacho Salgadinho, pegavam caranguejo goiamum e outras brincadeira inventada por aqueles jovens adolescentes.

 

 

O tempo que tudo desfaz, separou a amizade de infância. Anos depois Tonho procurou o amigo, estava morrendo, pediu para não deixasse a família desamparada. Desde que ele morreu, há três anos, um dos filhos de Tonho vai buscar um pequeno cheque, uma pequena ajuda.

Ele não conhecia essa filha do Tonho, morena vistosa, mandou-a entrar.

– Você parece com Tonho, sente-se. Por favor.

Recebeu-a em pé. A jovem puxou a cadeira confortável sentou-se, elegante, cruzou as pernas, sorriu.

– Muito prazer Nilda. Meu pai falava muito no senhor, muitas histórias ele contou de uma juventude alegre na praia da Avenida da Paz.

– Dá-me uma saudade dor quando vejo o Salgadinho desaguando naquele mar azul esverdeado, poluído, uma pena. Diga Nilda o que você faz na vida? Tonho foi grande amigo de infância. Gostaria de saber como posso ajudar?

– Doutor Aécio, eu estou desempregada, batalhando para sobreviver.

– Faça o seguinte, deixe seu currículo com minha secretária, vou ver o que posso fazer.

Levantou-se, estirou a mão, ficou olhando a filha de Tonho maravilhado. Que bela mulher!

Duas semanas depois ele a convidou para trabalhar no escritório, auxiliar de secretária. A convivência entre os dois se estreitou. Aécio tinha maior carinho pela filha do amigo. Ao olhar as pernas da jovem esquentava o sangue na veia, tentava se policiar. Certo dia no final do expediente ele dirigia quando avistou Nilda no ponto de ônibus, ofereceu carona, ela abriu a porta do carro, sentou-se como uma princesa. No primeiro sinal vermelho parou o carro, olhou nos olhos de Nilda, aconteceu o inevitável abraço e beijo, deixou-a perto de sua casa. No dia seguinte ela estava encabulada mal olhou para o patrão. Ele fez o convite inevitável. Passarem uma tarde inesquecível num motel da Jacarecica. A vida estabilizada, toda semana repetiram as tardes maravilhosas por mais de dois anos.

Aconteceu o inesperado, um italiano bonito e forte conheceu Nilda numa festa. Conversaram, tomaram champanhe, dormiram juntos.

Paolo se apaixonou, prolongou as férias, preparou a família, levou Nilda. A jovem agora mora em Gênova preparando-se para o casamento. Aécio, chocado, está em depressão. Em vez em quando bate saudade da fase maravilhosa que passou com a filha do Tonho, e também saudade da juventude jogando futebol com Tonho.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita segunda, 16 de janeiro de 2023

DONA MARIA JARDIM (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

DONA MARIA JARDIM

Carlito Lima

 

Dona Maria Jardim é uma das figuras inesquecíveis de nossa infância na Praia da Avenida da Paz. Matriarca da família Jardim, gente trabalhadora, decente, desde século passado contribui com suor, inteligência e cidadania à boniteza da cidade colorindo-a com as tintas das Casas Jardim.

A Praia da Avenida da Paz era nosso ponto de apoio de brincadeiras, nossa praia, nossa vida. Pela manhã, quando não havia colégio, era imperdível jogar futebol na praia, puxar as redes com os pescadores, ou nadar naquele marzão que não tem tamanho, retornando com os botos mergulhando ao nosso redor.

Depois do almoço, havia opções de brincadeiras. Uma delas era jogar futebol de botão na casa da Família Jardim. Quando algum de nós, meninos da Avenida, gritava na porta da mureta do jardim, Dona Maria mandava prender o “Yumbo”, cachorro pastor alemão, brabo, nunca simpatizou com as caras das visitas e dos amigos de Luizito, Lizardo, Mário e Lizandro. Com razão, fazíamos uma razoável bagunça naquele casarão alegre, cheio de gente.

Logo ao entrar na casa, à esquerda da sala, havia um campo de futebol de botão em cima de dois cavaletes altamente nivelados, o melhor de Maceió. As traves com redes de filó eram um primor de feitura, pareciam traves dos estádios de futebol. A bola feita de cordão trançado amarrado e cortado à tesoura, arredondada pelas beiras. Bola impecavelmente redonda rolava uma maravilha, uma vantagem para quem sabia jogar.

Eram campeonatos seguidos, nossos times de botão geralmente tinham nomes dos clubes do Rio de Janeiro. Fazíamos a tabela dos jogos em papel almaço pautado, anotando a classificação por pontos perdidos, sem esquecer artilheiros e goleiros vazados.

Ao longo do campeonato havia briga e discussão. Ao terminar, o vencedor comemorava. No mesmo dia iniciava outro campeonato. Assim os meninos invadiam a casa de Dona Maria na Avenida para perturbar a ordem reinante, Dona Maria, paciente, tratava os amigos de seus filhos como se fossem dela.

Quando havia jogo noturno, quando Seu Luiz Jardim, o patriarca, estava em casa, ouvíamos suas músicas clássicas prediletas. Assim que terminava o jantar, Seu Luiz colocava seus discos pretos, selos vermelhos de 78 rpm na vitrola. Eram sempre cantores líricos como Caruso entoando canções napolitanas, óperas. Meu bom gosto musical é fruto das audições involuntárias de músicas clássicas e eruditas que Seu Luiz Jardim nos fazia ouvirmos.

Família intelectual e política. Certa tarde um senhor amigo chegou à casa, falando alto, dizendo que havia morrido um grande canalha, outro açougueiro da humanidade, Josef Stalin, parceiro de Hitler no genocídio mundial. Houve uma tremenda discussão entre os adultos. Nós meninos nem sabíamos o papel de Stalin no mundo, o que nos preocupava era nossos botões devidamente encerados, deslizando na mesa, sutilmente resvalados com a ponta de um pente fino, controlando a bola, fazendo gols. Nessa noite ao chegar à minha casa, fui consultar no dicionário o significado de genocídio. E ouvi um pouco o rádio que dava notícias da morte de Stalin.

A casa da família Jardim era enorme, da Avenida da Paz à Rua Silvério Jorge, alguns quartos na frente e um segundo andar onde tinham outros quartos. Uma vasta cozinha, salas e um quintal enorme.

Por alguns anos foi vizinho da família Jardim o deputado, depois prefeito, coronel Lucena Maranhão. Homem conhecido por sua coragem no sertão, perseguidor implacável de Lampião. O Coronel Lucena criava uma enorme cobra jiboia no fundo do seu quintal em um viveiro feito com um caixote de madeira e tela. A meninada adorava ver e perturbar aquela cobra, ela ficava irada, braba dentro do viveiro quando nós assoviávamos ou quando ela estava com fome. Se havia um rato sendo digerido no seu estomago, a cobra não ligava para a algazarra, as cutucadas, os assovios dos meninos.

O “secretário” do coronel proibia a meninada brincar com a cobra. Entretanto, éramos meninos livres, não obedecíamos aos nossos pais, avalie a um desconhecido. Esse “secretário” de nome Severino dava medo, contavam uma lenda de ele ter sido cangaceiro. Certa vez foi preso pela volante do Coronel. Mandaram os quatro presos cavarem suas próprias covas, três deles cavaram, Severino se negou a cavar. Com esse impasse inesperado, o sargento comandante do pelotão dirigiu-se ao quartel de Santana do Ipanema para pedir orientação ao Coronel Lucena. Ele próprio foi onde estavam os prisioneiros, ordenou gesticulando que o cangaceiro cavasse sua cova.

Severino encarou o coronel, respondeu que não cavava agora, nem depois, numa coragem que surpreendeu. O coronel mandou o sargento levar o cangaceiro ao quartel, queria assuntar com o preso. Resultado, Severino tornou-se um leal homem de confiança, o guarda-costas predileto do Coronel. Assim nos contavam essa história. Quando aparecia Severino, nós fugíamos com medo e entrávamos correndo pelas portas dos fundos da casa de Dona Maria Jardim que nos acolhia. Aquela casa era o refúgio dos meninos, maloqueiros da Avenida da Avenida da Paz.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 06 de janeiro de 2023

BEZERRÃO (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

BEZERRÃO

Carlito Lima

 

Há gente que conheci perambulando pelo centro da cidade desde menino. Foi o caso de Bezerrão, um investigador da Polícia, considerado “velha guarda” da corporação. Ninguém sabia seu primeiro nome, todos o chamavam por Bezerrão. Morava no Prado, na Rua da União, nos fundos da Rede Ferroviária do Nordeste, antiga Great Western, quando ainda pertencia aos ingleses.

Toda tarde Bezerrão, vestido num terno de brim ou linho branco, paletó de quatro botões, plantava-se na Praça do Pirulito pedindo carona aos carros que passavam para o centro da cidade. Alguma alma caridosa levava nosso herói para comparecer a seu “plantão” diário nas rodas de conversa fiada que se formavam no trecho entre o Café Colombo, o Bilhar, passando pelo Salão Elite, do Zezé, e a Assembleia Legislativa. Quem quisesse achar Bezerrão bastava procurá-lo nesse corredor da Rua do Comércio, infalivelmente estava lá nosso respeitado policial.

Alto, forte, físico avantajado, vozeirão assustador, metia-se em tudo que era roda que houvesse nos bares e nas ruas, como se aquele pedaço pertencesse a ele. Conversar, bater papo era sua distração. Opinava sobre qualquer assunto, gostava de dar “pitacos”, soltar “tiradas”, frases de efeito, algumas de sua autoria que impressionavam ou divertiam a todos. Na verdade havia muita sabedoria em sua filosofia. Ele costumava repetir um dito aprendido com um italiano, proprietário de uma loja de calçados na Rua do Comércio. Quando se falava de mulher gaieira, traidora, Bezerrão soltava a frase misturando português e italiano:

– Si tuto cornuto fosse lampioni, mamma mia, quanta iluminacioni! .

Não tinha preconceitos ou acanhamento, entrava em qualquer roda, dava opiniões sobre tudo. Querido e festejado, principalmente dos boêmios, políticos e desocupados que o instigavam a contar fanfarronices. O problema era desligar Bezerrão, quando começava a falar.

Certa vez, em passagem pela Assembleia Legislativa, aproximou-se de um grupo de deputados formado por Teotônio Vilela, Remi Maia, Luiz Coutinho, Elízio Maia, que pararam a conversa quando Bezerrão se achegou. Teotônio, com sua franqueza, foi logo despachando:

– Bezerrão, estamos conversando um particular sobre problemas políticos.

Bezerrão, antes de ir embora, não se conteve, perguntou:

– É que passei uns dias numa fazenda e estou com uma dúvida e quero que os senhores deputados me tirem essa dúvida: Por que a cabra que come capim quando faz cocô saem aquelas bolinhas pequenas, enquanto a vaca que também come capim, o cocô é enorme e espalhafatoso?

Como os deputados ficaram calados, ele rematou.

– Os senhores não entendem de merda, avaliem de política!

Retirou-se faceiro e gozador, ouvindo a gostosa e escancarada gargalhada de Teotônio, e a sisudez dos outros deputados que não gostaram da folga do policial.

Como investigador era ídolo dos mais jovens, os quais Bezerrão não perdoava com trotes e gozações. Certa tarde atiçou um policial novato para desarmar um cidadão que tomava sossegadamente cerveja em uma mesa no Café Colombo. O cidadão era o Capitão Camarão, do Exército, conhecido na cidade como boêmio e encrenqueiro.

Quando o jovem policial perguntou ao senhor pacato, tomando cerveja, se estava armado, o Capitão retirou uma 45 (arma exclusiva do Exército) da cartucheira, colocou a pistola em cima da mesa e fez a pergunta ameaçadora.

– Estou armado! E daí?

O jovem ficou embaraçado, sem saber o que fizesse naquele momento. Bezerrão foi em socorro, contou ao Capitão que tinha sido o mentor daquela “brincadeira”. Os três juntos ficaram até tarde da noite bebendo por conta do militar, que apesar de ser chegado a uma confusão, era um tremendo boa praça, querido no meio boêmio da cidade.

Na Rua do Comércio o pessoal adorava ouvir as tiradas de Bezerrão, e iam ao delírio quando, por exemplo, um frequentador daquela rodinha do Café Colombo, recentemente eleito vereador, agora metido a autoridade, passou ao longe sem parar, sem se achegar, como fazia sempre antes das eleições. Bezerrão não se conteve, gritou para o vereador ouvir do outro lado da rua:

– Cavalcante! Agora como vereador você está metido a merda. Cuidado! Se tudo que subisse não caísse, o céu estava cheio de taboca de foguetes.

Bezerrão, filósofo do povo, figura imortal, fez história nas ruas da cidade de Nossa Senhora dos Prazeres, na Maceió de outrora. Sua filosofia ainda está tão atual quanto a de Platão desde os anos 400 Antes de Cristo.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 30 de dezembro de 2022

NÊGO JAIME (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

NÊGO JAIME

Carlito Lima

 

Certa vez, no Bar do Relógio, ponto da boemia, de virada de noite de Maceió, dois marinheiros bêbados tomavam a saideira para retornarem ao navio. Ao avistarem o Nêgo Jaime solitário em uma mesa, um dos marinheiros, com ar de superioridade, entregou-lhe uma dose de cachaça, “Toma Negão, quero ver se você é bom”. Jaime, na maior paciência, disse que estava apenas de cervejinha, no outro dia tinha que trabalhar. O marinheiro bêbado insistiu, provocando: “Você não é homem, Negão?” Jaime levantou-se calmamente, aproximou-se do marinheiro, deu-lhe um violento murro na cara e iniciou verdadeira batalha.

 

Os marinheiros eram bons de briga, entretanto, Jaime ficou com o diabo no corpo. Mais de meia hora entre murros e golpes, o Negão bateu com raiva, quase mata um dos marujos. Levaram-no para o Pronto Socorro com a cara e o corpo cheios de pancadas. No dia seguinte cinco marinheiros ficaram rondando o Bar do Relógio, perguntando onde Jaime trabalhava, queriam matar o Negão. Precisou de um sério entendimento entre a Capitania dos Portos e a Rede Ferroviária. Só houve sossego quando o navio partiu.

Jaime não era desordeiro, nem arruaceiro, era debochado e gostava de umas biritas, o que atraía os provocadores. Toda sexta-feira, antes de comparecer à zona boêmia de Jaraguá, ele tomava umas cervejinhas no Bar da Maravilha. Numa dessas noites chegaram três playboys de lambreta e provocaram Nêgo Jaime, quieto em sua mesa. Ele se retirou elegantemente, deixou os provocadores, foi para os braços de Lourdinha na Boate Tabariz. Na sexta-feira seguinte Nêgo Jaime apareceu no Bar Maravilha segurando o paletó entre os dedos; ao sentar-se colocou seu paletó branco pendurado na cadeira ao lado, pediu cerveja e ficou observando o movimento.

De repente apareceram os quatro playboys fazendo a maior zoada. Ao sentarem começaram a perturbar: “Olha aí o Picolé de Onça todo de branco”. “Macaco de branco fica mais feio”. Jaime segurou seu paletó pelos dedos, aproximou-se na maior calma, nem conversou, rodou o paletó na cara do primeiro que caiu no chão, ao se levantar levou outra paletozada, ficou estatelado, o Negão virou-se e mandou o paletó num lourinho metido a James Dean que se arriou no calçamento. Desesperados, os playboys montaram nas lambretas, partiram sem destino. Nunca mais apareceram às sextas-feiras no Bar Maravilha. Nêgo Jaime mostrou sua estratégia ao dono do bar ao descosturar a manga do paletó e tirar pedras pesadas arrumadas dentro das mangas: criativo, inventou uma arma.

Jaime tinha um chamego com a Nêga Jandira, dona de um bar e de uma bela bunda. Todo ano eles desfilavam pela Escola de Samba Unidos do Poço. Jandira era a porta-estandarte; bonita, sabia requebrar sua maravilhosa bunda deixando a moçada com água na boca. No carnaval, a Unidos do Poço desfilava para valer, queria ganhar o terceiro campeonato seguido. Jandira fazia evoluções com o estandarte no ar, delirantemente aplaudida pelo povo na Rua do Comércio; ao passar pelo palanque, defronte ao Cine São Luiz, Jandira deu tudo de si. Nêgo Jaime dançando, acompanhava mais atrás sua amiga a evoluir.

De repente apareceu um popular, como disse o jornal, que não aguentou, atravessou a corda de segurança, passou a mão na bunda da Jandira e agarrou-a à retaguarda. Foi preciso Jaime destravá-lo do abraço traseiro, deu-lhe um murro, o tarado caiu de costas em frente à bilheteria do Cine São Luiz. Mesmo com esse inusitado acontecimento, como foi noticiado, os jurados compreenderam o desvario do tarado, deram à Escola de Samba Unidos do Poço o título de tricampeã do carnaval alagoano. Muito justo, afinal tinha a maior atração do carnaval, os requebros de Jandira.

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 23 de dezembro de 2022

CHUMBINHO (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

CHUMBINHO

Carlito Lima

 

 

Durante minha juventude, fizemos muitas presepadas, éramos maloqueiros das ruas de Maceió. Com o amadurecimento nos aquietamos, o conhecimento adquirido através do tempo, nos tornaram pacatos cidadãos, como meu querido amigo, Ulisses Ávila, Chumbinho de apelido, agrônomo, diversos cargos de relevância no Estado de Alagoas, hoje cidadão pacato que leva sua vida administrando a idade provecta. Conhecendo aquele educado senhor, ninguém dirá que foi um dos jovens mais irreverentes de minha juventude na cidade de Maceió.

Naquela época era costume organizar times de futebol juvenil nos bairros. Na Avenida da Paz, foi criado o Atlântico Futebol Clube. Em cada bairro havia um time. A turma do Farol, liderada pelo Cláudio Oiticica e o Chumbinho, criou o Palmeira Futebol Clube. A sede ficava próxima à Rua Comendador Palmeira. Tinha excelentes jogadores, chegou a disputar o campeonato alagoano de futebol juvenil. Para manter a forma física, estabeleceram dois treinos na praia durante a semana. Às cinco horas da manhã nos dias de treino, a juventude do Palmeira descia o bairro do Farol para treinar na praia. Depois de muito correr, tinha a compensação, cada jogador ganhava um pão. Essa ideia partiu do Diretor Ulisses Ávila. Perguntaram com que dinheiro ele compraria o pão. Respondeu que deixasse com ele. Enquanto os jogadores desciam à praia às cinco da manhã, as sacolas de pão já haviam sido jogadas nos terraços das casas.Chumbinho com um comparsa, na maior desfaçatez, pulava o muro baixo da entrada da casa e pegava a contribuição do morador, uma sacola de pão para o time. Alguns moradores desconfiaram e mandava comprar o pão da manhã numa padaria, levava na brincadeira.

Mas um Doutor ficou revoltado, colocou um cachorro no jardim. Quando Chumbinho apareceu, foi derrotado pela brabeza do cachorro. Numa véspera de um treino Chumbinho e amigos estavam sentados no banco da praça quando notou uma cachorra vira-lata no cio e seis cachorros querendo cruzar com ela. Chumbinho se aproximou com um saco conseguiu levar a cachorra e a deixou amarrada em seu quintal. Dia seguinte cinco horas da manhã desceu para o treino com os amigos do Palmeira, levando a cachorra magra embrulhada em um saco. Ao passar na casa do Doutor percebeu o cachorro bem ao lado da sacola cheia de pão, ao aproximar-se o cachorro começou a latir, Chumbinho sacudiu a cachorra no cio dentro do quintal longe da sacola de pão. O cachorro com o olfato apuradíssimo correu e ficou cheirando, cheio de desejo, as partes íntimas da cachorra no cio. Chumbinho rapidamente pulou o muro baixo e trouxe a sacola cheia de pão. Foi aplaudido pelos colegas. O Doutor fez a reclamação aos pais dos jovens jogadores do brilhante Palmeira.

Certa vez, o Colégio Guido organizou uma corrida pelo centro de Maceió. Capixaba um amigo querido, líder entre os jovens, cheio de maloqueiragem, jogava pelo Palmeira. Era um atleta e se preparou para a semi maratona. No grande dia da corrida alguns amigos foram à Praça Deodoro torcer pelo Capixaba, levaram um buquê de flores silvestre para homenagear Capixaba, bem cotado para ganhar a corrida. A chegada era em frente ao Cine São Luiz na Rua do Comércio. Os amigos ficaram na Praça Deodoro passagem obrigatória já no final da corrida. De repente apareceu ao longe o vulto do atleta que liderava a corrida, era Capixaba que foi se aproximando se afastando cada vez mais do segundo lugar. A turma gritava torcendo: Capixaba! Capixaba! Quando o atleta, virtual campeão, passou pela estátua do Marechal, os amigos: João Moura, Mazo e Chumbinho correram abraçando Capixaba entregando a pulso o buquê, gritando è Campeão, é campeão. Capixaba quis se desvencilhar para continuar a corrida, mas os três amigos o abraçava, nisso passou o segundo lugar que foi o vencedor e mais toda tropa. Capixaba ficou na Praça Deodoro, não terminou a corrida. Chumbinho e amigos às gargalhadas, abraçados a Capixaba, foram tomar cerveja no Bar Suez do Tadeu Vasconcelos.

Assim era nossa juventude, politicamente incorreta, divertida e irreverente. Até hoje o Cláudio Oiticica e Chumbinho organizam um encontro anual dos amigos do Palmeira com os que sobraram daquela turma. Chumbinho é um senhor pacato e aposentado. Por muito tempo na vida foi um dos mais ligados assessores de Guilherme Palmeira um dos maiores homens públicos do Estado.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quarta, 14 de dezembro de 2022

PESCOÇO (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAMUNDO FLORIANO)

PESCOÇO

Carlito Lima

Pescoço no Bar Gracy atendendo ao deputado Antônio Moreira e ao jornalista João de Deus.

Em Maceió nos anos 50/60 os costumes eram bem diferentes. Durante a noite, depois do café, nós jovens, íamos namorar no portão de nossa sacrossanta virgem amada, sob a vigilância dos pais. Como era bom quando saía um beijo, ou um avanço mais ousado. Dez horas da noite ela entrava e nós geralmente voltávamos para casa. Nos fins de semana ou férias partíamos em busca da alegre boemia, junto aos amigos. Encerrávamos à noite comendo macarronada no Buraco da Zefa no Vergel ou no Restaurante Gracy na Levada, onde havia uma macarronada maravilhosa servida pelo amigo garçom, Pescoço.

Pescoço servia aos domingos no Restaurante do Clube Fênix Alagoana, templo da burguesia da cidade. As domingueiras, geralmente iniciavam à beira da piscina ouvindo o conjunto SAMBRASA, Paulo Sá cantando, e tomando uísque servido pelo Pescoço. Certa vez o governador Fernando Collor recebeu um Ministro com um almoço no Clube Fênix, coisa elegante, como gosta o presidente. No momento da sobremesa Pescoço abaixou-se atenciosamente pelo lado esquerdo do Ministro e perguntou: -“ O Senhor é servido uma taiada de torta?”. O Ministro não respondeu e perguntou ao Collor o que era taiada. O Governador olhou para o Pescoço, sorriu, respondeu ao Ministro: – “ taiada é uma fatia, uma porção, uma talhada, pode aceitar Ministro, a torta está deliciosa.” A história da taiada de torta espalhou entre os amigos. Depois do almoço à beira da piscina, nós gozávamos o amigo Pescoço pedindo uma taiada de torta. Ele, bem humorado, sorria da brincadeira.

O historiador Edberto Ticianeli em seu inigualável site, História de Alagoas, conta uma peripécia do nosso amigo:

“Para o garçom Pescoço, do extinto Restaurante Gracy, um dos fregueses mais chatos era um empresário bem-sucedido e arrogante, que, como todo novo-rico, fazia questão de ostentar sua boa condição financeira. Entrava no restaurante com estardalhaço, ocupava uma das mesas centrais, pedia os pratos mais caros em voz alta para que todos ouvissem. O pior: cometia a heresia de tratar o Pescoço como “garçom”, como se fosse um desconhecido. Pescoço, batizado como Francisco Rodrigues dos Santos, gostava da intimidade, que lhe permitia fazer o tipo rude que o tornara popular entre os clientes. Fazia questão em dizer que já havia servido aos presidentes Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros, e que era garçom desde 1928. Mas, como o tempo é o senhor da vingança, o dito empresário entrou em falência dos seus negócios e deixou de frequentar o Gracy para a alegria do Pescoço. Passados uns dois anos, o tal cidadão começou a se recuperar economicamente e certa noite reapareceu no famoso restaurante da Praça Emílio de Maya. Entrou discretamente e procurou a mesa mais escondida, no fundo do salão. Quando Pescoço se aproximou, disse, em voz quase inaudível:

– Pescoço traz uma macarronada simples e me ajude com um pãozinho.

Para quem não conheceu o Gracy, a macarronada simples era a mais barata e o prato se reduzia ao macarrão com molho, a famosa “coitadinha”. Quanto ao pão, que era cobrado por fora, dependia do garçom fazer a gentileza de ofertá-lo. Vinha fatiado sem os “cotovelos”, que eram jogados fora por serem duros. Pescoço que não era de perdoar nem dívida de defunto, mesmo percebendo a mudança de atitude do antigo freguês, resolveu se vingar das humilhações que sofrera. Sem se afastar da mesa, gritou para o balcão da cozinha:

– Salta uma “coitadinha” e duas “cutuvas” (cotovelos de pão) para o cidadão aqui, que ele está a perigo. Nesse dia teve gente que jurou ter visto um ar de riso no rosto do Pescoço.”

Ele era querido pela juventude. Certa noite, meus amigos: Marden, Frazão e Zagalo, foram forrar o estômago e tomar uma cervejinha no Gracy. Como sempre Pescoço serviu a cerveja ultra gelada e uma macarronada a cavalo (com dois ovos fritos). Na mesa ao lado estavam três casais, os homens embriagados grosseiros, brigando com as mulheres. Um deles deu uma tapa na companheira, ela chorou e se emburrou ao canto. Zagalo percebeu passar na rua uma dupla de policial rondando. Pediu ao Pescoço para chamar os policiais. Quando a dupla entrou, Frazão empolgado com os uísques, levantou-se e aproximou-se junto aos policiais e apontando para os casais contou a história da grosseria e do murro, falando alto, que era um absurdo. E que os policiais levassem preso esses covardes que batem em mulheres. Um policial se aproximou, a mulher mostrou a roncha no rosto da tapa. O outro policial foi à mesa perguntou quem era aquele senhor? O neguinho Marden teve um estalo e prontamente informou:

– É o Major Frazão do Exército, novo subcomandante do 20º BC.

Os policias se encheram de autoridade, expulsaram os três casais do recinto. As mulheres pediram para ficar, não queriam acompanhar os bêbados. Os delinquentes entraram num carro e picaram a mula, com medo da Polícia. Em pouco tempo meus três amigos estavam abraçados às moças e foram vadiar em Jacarecica. Depois desse entrevero quando o Magro entrava no Bar Gracy, Pescoço batia continência, chamando-o de Major Frazão, às gargalhadas.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 10 de dezembro de 2022

BLOCO DA NÊGA FULÔ (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

BLOCO DA NÊGA FULÔ

Carlito Lima

Hoje, domingo de carnaval, 27 de fevereiro, completo 82 anos. Quando jovem pensava que um homem de 70 anos era um velho ocioso, esperando a morte chegar. Passei dessa idade, ainda me sinto frutuoso, trabalho como posso, mas o corpo já não é o mesmo, tem a artrose e o cansaço que impedem movimentos maiores. A cabeça quer, mas, o corpo não acompanha. Nem por isso fico aboletado numa poltrona apenas vendo televisão. Nessa época de pandemia, sem sair de casa, tenho um roteiro de trabalho e cuidado com a saúde. Cuido do meu corpo: duas vezes por semana vou à fisioterapia e não passo mais de quatro meses sem uma consulta à geriatra. Não vivo do passado, transformei as saudades em boas lembranças.

 

 

E nesse domingo relembro o carnaval durante a mocidade nas ruas de Maceió. A Maratona Carnavalesca na Rua do Comércio iniciava quinze dias antes do carnaval. Em cada esquina havia um palanque com uma banda de música tocando frevos e marchinhas e o povo embaixo dançando, pulando enquanto os carros, jipes e camionetes rodavam fazendo o corso, desfile de carros abertos. Toda noite, meninos da Avenida da Paz, subíamos ao Centro da cidade em busca de folia e aventuras.

O carnaval praticamente começava no início do ano com as festas pré-carnavalescas nos clubes: Baile de Máscaras, Festa do Havaí, Preto e Branco, entre outras, até chegar o carnaval.

O Carnaval é a maior manifestação cultural espontânea do povo brasileiro. No Carnaval o homem, o menino, o velho, a moça, o rico, o pobre, esquecem a tristeza pelo menos durante quatro dias. E tem mais, o Carnaval é um grande negócio, é a síntese da Economia Criativa. Durante o carnaval há uma enorme geração de emprego e renda. Quem mais ganha são os pequenos comerciantes e profissionais: ambulantes, músicos, taxistas, pousadas, hotéis, costureiras, montadoras, etc…

Em Maceió, há alguns anos um prefeito acabou o carnaval de rua para não perturbar os turistas. Jamais aceitei essa ideia esdrúxula e estapafúrdia. A cidade ficou por mais de dez anos sem carnaval de rua, só tinham as prévias carnavalescas. Um amigo, economista, fez o cálculo: Durante o carnaval saem de Maceió, viajam cerca de 200.000 (duzentos mil habitantes) habitantes em busca da folia em outras cidades e estados. Se cada folião gastar apenas R$ 500,00 durante o carnaval; serão mais de R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais) que deixam de circular em Maceió durante o carnaval, se ele gastasse aqui. Um pecado contra a cidade. Escrevi artigos, fui às rádios, às televisões reclamar dessa obscena resolução dos governantes: tirar do povo seus momentos de alegria.

Até que em 2016, criei o Bloco da Nêga Fulô com o objetivo de resgatar o carnaval nos dias de carnaval. Foi um sucesso, no desfile de estreia, domingo de carnaval mais de 500 foliões acompanharam o bloco com uma excelente banda de frevo. No segundo ano, em 2017 o Bloco Nêga Fulô teve a companhia de mais dois blocos: o Mamãe eu Quero e o Siri Mole, cada ano foi crescendo. Em 2020 fizemos um carnaval na Orla da Ponta Verde durante os quatro dias com 34 blocos. Pena que logo depois veio a pandemia. Hoje domingo de carnaval o Bloco da Nêga Fulô estaria desfilando homenageando uma grande personagem do povo: a Miss Paripueira. Infelizmente a pandemia não acabou. Resta esperar por dias melhores que certamente virão. Em 2023 irei desfilar no Bloco da Nêga Fulô na orla da Ponta Verde no domingo de carnaval com 83 anos no costado. Viva o Zé Pereira. Viva o carnaval.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 03 de dezembro de 2022

RADJALMA (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

RADJALMA

Carlito Lima

 

Há mais de 15 anos um grupo de amigos, quase idosos, costuma se reunir para uma cervejinha gelada e uma conversa para lá de bem humorada nas manhãs dos domingos na Barraca Pedra Virada, orla da Ponta Verde. Às 12:30 horas termina a reunião da Confraria dos Barrigas Brancas e todos retornavam ao lar. A Confraria é assim nominada porque no Ceará, Barriga Branca é o homem mandado por mulher, apesar do nível dos componentes ser o melhor possível: engenheiros, médicos, advogados, escritores, artistas e outros desocupados. Infelizmente a pandemia fez parar as reuniões.

 

 

Uma das figuras marcantes da Confraria era o economista, Radjalma Cavalcante. Como bom professor, ele sempre contava histórias interessantes que deveriam estar em um livro porque configuram a história de nossa cidade.

No início de 1967 foi anunciada a peça “Liberdade – Liberdade” de Paulo Autran e Tereza Raquel a ser apresentada no Teatro Deodoro. Dia seguinte o jornal publicava o cancelamento da peça, sucesso em todo Brasil. Radjalma, como presidente do DCE, líder estudantil, foi ao Teatro saber o que havia acontecido. O Diretor Bráulio Leite Júnior, confidenciou, foi ordem do Delegado de Ordem Política e Social negar a apresentação desculpando-se que havia outro compromisso naquela data. A peça para o Delegado era subversiva.

Radjalma tomou um ônibus para o Recife e conseguiu falar com Paulo Autran e contou a trama do Delegado para não apresentar a peça em Maceió. Paulo Autran respondeu:

– Menino, estou percorrendo o Brasil com essa peça sabendo que haveria provocações como esta que estão me fazendo em Maceió. Se você até amanhã às 17:00 horas me garantir o Teatro, eu dou um jeito para apresentar a peça em Maceió.

Radjalma retornou a Maceió no corujão. Depois de muitas visitas e telefonemas, mexendo até com o com governador, conseguiu liberar o Teatro Deodoro para peça. Imediatamente telefonou para o Paulo Autran.

A peça “Liberdade-Liberdade” lotou o Teatro Deodoro nas duas noites em que se apresentou em Maceió. Até hoje está fixada na parede do Teatro a placa mandada fazer por Radjalma:

“Neste teatro Paulo Autran cantou a Liberdade. Homenagem dos Universitários”.

Radjalma criou o cinema de arte nos anos 60 nas manhãs de sábados no São Luiz. Era uma diversão para juventude, depois do cinema, encontrar-se num barzinho para encher a cara e discutir o filme.

Ele gostava de contar essa história: No Tempo do Reitor Manoel Ramalho de Azevedo, Radjalma foi o Pró Reitor do Campus Tamandaré que funcionava na restinga do Pontal da Barra, no prédio onde foi a Escola de Aprendizes de Marinheiro, depois o DETRAN. Nos anos 1970, a fábrica de produtos químicos SALGEMA, hoje com o nome de BRASKEM, foi instalada na praia do Trapiche da Barra bem perto do Campus Tamandaré da Universidade Federal de Alagoas. Naquela época diziam que a fábrica SALGEMA seria a salvação econômica do Estado, gerando empregos e rendas. Poucos perceberam o perigo, a má localização, entre a Lagoa e o Mar. Quatro meses antes da SALGEMA começar a funcionar, houve uma reunião entre Diretores da fábrica, o Comandante da Polícia Militar, o Comandante dos Bombeiros e o Reitor da UFAL, que tendo viajado, solicitou ao Pró Reitor Radjalma Cavalcante representá-lo. A reunião foi rápida, um diretor da SALGEMA perguntou ao Radjalma quantos alunos e funcionários havia no Campus Tamandaré. Ele respondeu seguro.

– Cerca de 3.000 (três mil)

O Diretor da SALGEMA, de imediato deu a ordem.

– Então, a Universidade Federal de Alagoas terá de comprar 3.000 máscaras contra gases, e construir um galpão com paredes especiais de proteção para que em caso de algum acidente de vazamento de produto de cloro na fábrica, sejam acionados imediatamente esses dispositivos de segurança.

– A UFAL não tem dotação para essas despesas. Respondeu Radjalma preocupado.

– É problema da UFAL. Disse o diretor encerrando a reunião.

– Problema da UFAL, não. Problema da fábrica. Asseverou Radjalma.

O Campus Tamandaré foi desativado com mais de 3.000 estudantes e funcionários. A sorte é que as novas instalações da Universidade estavam prestes a serem inauguradas na Cidade Universitária.

Era assim meu amigo Radjalma Cavalcante que se foi no início do ano. Inteligente e corajoso. Dedicou sua vida à educação e cultura de Alagoas. Tenho saudades de suas conversas. Quando a Confraria dos Barrigas Brancas reabrir, jamais será a mesma sem nosso querido Radjalma Cavalcante.

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 26 de novembro de 2022

4ª FESTA LITERÁRIA DO PONTAL DA BARRA – 4ª FLIPONTAL (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

O Bairro do Pontal da Barra estará em festa no final deste mês. O bairro mais charmoso da cidade realiza através de sua comunidade e da Prefeitura de Maceió a 4ª FLIPONTAL. Serão três dias: 30, 31 de março e 1º de abril de muitas palestras, mesas de debates, oficinas, shows, folclores, desfile de moda renda organizado pelas mulheres rendeiras.

 

O destaque, o acontecimento inédito em todo o Brasil será na tarde da sexta-feira, 1º de abril o Sarau Poético e Musical dentro de uma escuna navegando pela Lagoa Mundaú até o por do sol. Enquanto a embarcação singra pelas tranquilas águas da lagoa, haverá recital de poesia, leitura de textos, música. Um programa cultural para lá de fascinante. Todos convidados para os três dias de muita literatura, cultura e o incentivo à leitura.

Das 9:00 horas da manhã até às 23:00 horas haverá sempre alguma atividade para crianças, marmanjos e velhinhos. Tudo grátis, não paga nada para assistir uma palestra ou um show. Levem seus filhos ou seus alunos. Só visitar o bairro do Pontal encanta os olhos, o bairro das mulheres rendeiras, tem bons restaurantes, e uma vista magnífica à beira da lagoa. Veja abaixo a programação.

Quarta-feira – 30 de março PALESTRAS Manhã (Auditório Lucy do Joazeiro)

9:00 – 9:50 – Mesa 1 – As funções essenciais à Justiça e os direitos dos cidadãos – Promotora de Justiça Karla Padilha (Alagoas)

9:50 – 10:40 – Mesa 2 – A Cultura e a Educação como transformadora de uma sociedade mais justa – Promotora de Justiça Vânia Cavalcanti Lima ( Alagoas)

10:40 – 11:30 – Mesa 3 Café Central, um ponto de luz na vida intelectual de Maceió, nos anos 30- Historiador Geraldo de Majella Marques (Alagoas) Tarde ( Auditório Lucy do Joazeiro)

14:00 – 14:50 – Mesa 4 – A História do Folclore da Política Alagoana – Escritor Temóteo Correia (Alagoas)

14:50 – 15:40 – Mesa 5 – Vida e Obra de Rosana Mont’Alverne – Editor e livreiro Luiz Carlos Elói (Minas Gerais)

15:40 – 17:00 – Mesa 6 – Entrevista ao vivo com a homenageada escritora Rosanna Mont’Alverne. Noite (Biblioteca Escola Silvestre Péricles)

18:30 – 19:30 – Mesa 7 – A República dos Palmares – Historiador Zezito de Araújo ( Alagoas)

Quinta-feira – 31 de março Manhã ( Auditório Lucy do Joazeiro )

9:00 – 9:50 – Mesa 8 – O Casamento da Poesia com o Cordel – Poeta Mírian Monte (Alagoas) Cordelista Jorge Calheiros (Alagoas)

9:50 – 11:30 – Mesa 9 – A Ocupação da BRASKEM em Maceió e suas consequências. Ambientalista Virgínia Miller (Alagoas) – Cientista José Geraldo Marques (Alagoas) – Bailarina Eliana Cavalcante (Alagoas) – Economista Elias Fragoso ( Alagoas) Tarde (Auditório Lucy do Joazeiro)

14:00 -14:50 – Mesa 10– História Política de Alagoas – Engenheiro e vice prefeito Ronaldo Lessa (Alagoas)

14:50 – 15:40 – Mesa 11 – Vida e obra de Douglas Apratto (Alagoas) – palestrantes: Professor Rodrigo Guimarães (Alagoas) e escritor Marcos Vasconcelos Filho ( Alagoas)-

15:40 – 17:00 – Mesa 12 – Entrevista ao vivo com o homenageado historiadora DOUGLAS APRATTO. Jornalistas e historiadores convidados. Noite (Biblioteca Escola Silvestre Péricles )

18:30 – 20:30 – Mesa 13 – Economia Criativa em Alagoas. Desafios e Perspectivas. Edna Lopes Praça São Sebastião ( shows)18:00 – Lamba Show –Luciano Falcão – Gustavo Gomes – Samba do Tabuleiro Sexta-feira –

1º abril Manhã (Auditório Lucy do Joazeiro)

9:00 – 9:50 – Mesa 14 – Entender a história é se preparar para entender o mundo – Historiador, Juiz de Direito Claudemiro Avelino.(Alagoas)

9:50 – 11:30 – Mesa 15 e 16 – Viajando na Literatura da nossa gente – União Brasileira de Escritores Tarde ( Lagoa Mundaú)

14:30 – 18:00 – Sarau Poético- musical embarcado, navegando numa escuna na lagoa Mundaú.. Noite (Biblioteca Escola Silvestre Péricles)

18:30-19:30 – Mesa 17 – A História do Livro na Existência Humana – Cássio Cavalcante (Ceará) Praça São Sebastião ( Shows)

18:00 – Desfile de Moda Renda – Cibele dança Flamenco – Banda Artefato – Juarez Cashe


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 19 de novembro de 2022

AMOR PASSAGEIRO (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

AMOR PASSAGEIRO

Carlito Lima

 

Fabiano acordou-se meio zonzo, ressaca, estava deitado na cama de num camarote em alto mar, lembrava os detalhes do dia anterior quando embarcou no navio de luxo por volta de quatro horas da tarde, rumo à Belém do Pará. Guardou a mala no camarote, colocou um bermudão, camisa florada, foi à piscina, no bar pediu uísque enquanto o navio desatracava do cais, movia-se de lado feito um paquiderme de metal, tomou rumo à imensidão do Oceano Atlântico. O porto parecia se distanciar, a cidade do Recife foi se apequenando até desaparecer na linha do horizonte. À sua volta alguns passageiros à beira da piscina, outros turistas tomavam drinques comemorando a vida em alto mar. Fabiano entrou no clima de festa, entrosou-se com outros passageiros. Seriam três dias em alto mar até Belém, precisava preencher o tempo. Afinal era um rapaz de 25 anos, solteiro, sem algum compromisso. Com o olhar revistou encarando as passageiras, algumas interessantes. Apareceu o comandante do navio, contou aventuras e mentiras, tomou uísque, simpatizou com Fabiano, viajante solitário.

Às 20 horas o jantar foi servido, mesas distribuídas no amplo salão, Fabiano e mais quatro passageiros tiveram o privilégio de sentar-se à mesa do comandante, Sara e Raquel, irmãs, em torno dos 17 anos e sua tia, pernambucanas, viajavam para conhecer Belém, o outro convidado, um paulista de pouca conversa, dizia-se poeta. Depois do jantar o comandante se fez cupido obrigando os jovens a dançarem. Rolou alguns apertos e cheiros, as jovens estavam vigiadas por uma severa tia, depois da meia noite se recolheram. Fabiano deu uma volta no salão, ficou empolgado pelo olhar de uma coroa bonita, parecia ser rica em busca de aventura, sentou-se ao lado dela, conversaram, divertiram-se. A noite não havia acabado ela ficou bêbada, foi arrastada pelas amigas.

Esses eram os acontecidos da noite anterior lembrados por Fabiano deitado olhando para o teto do camarote. Levantou-se, tomou um banho demorado, ao vestir uma bermuda frouxa ouviu conversa, abriu a porta do camarote, duas camareiras tagarelavam. Ao vê-lo a mais baixa, rechonchuda, perguntou.

– Vai tomar café? Posso arrumar seu camarote?

Ele balançou a cabeça consentindo e dirigiu-se à sala de refeições, comeu apenas frutas. Ao retornar ao camarote, encontrou a jovem passando o aspirador, ela brincou, “pode entrar a casa é sua” e deu uma gargalhada provocante. Fabiano percebeu a beleza da gordinha, pele alva, cabelos encaracolados, boca carnuda, carmim, olhos oblíquos irradiando bom humor e sensualidade. Conversaram, divertindo-se, ela nascida em Macapá, morava em Belém, no final dessa viagem, entraria em férias iria gozá-las com a família.

Fabiano atraído pela graça espontânea e provocante de Verbena chegou-se perto, tirou o aspirador de sua mão, olhou nos olhos, pediu desculpas, encostou os lábios nos dela, Verbena abriu a boca. Durante o resto da viagem não mais fecharam a boca. Quando podia a camareira fugia para o camarote do amor passageiro onde ele explorava seu corpo, sua pele, seus encantos, até que dormiam. Amor em alto mar alcovitado por Netuno e Iemanjá, sentinelas entreolhando escotilha à dentro os dois amantes.

Em Belém Fabiano tomou hotel, esperou mais de uma semana por um navio menor para continuar a viagem aventureira, desejava conhecer, sentir, a imensidão exuberante região Amazônica, aportando nas pequenas cidades ribeirinhas até chegar a Manaus. Passou uma semana e meia de amor em Belém com Verbena, apreciando a belíssima cidade, tendo a namorada como cicerone. Fabiano conheceu suas quatro irmãs: Rosa, Hortência, Dália, Margarida, todas com nome de flor, além de Verbena, a bela camareira, seu amor passageiro e inesquecível. A viagem aconteceu há mais de 50 anos no navio Princesa Isabel.

 

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 12 de novembro de 2022

A MÃO DE JOANA (CONTO ERÓTICO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO

 

A MÃO DE JOANA

Carlito Lima

 

Não pararam de conversar. Depois de ela guardar as compras no carro, sentaram num banco da pracinha, há muito não se viam e continuaram a conversa.

– E aí, você continua mulherengo?

– Estou solteiro. Dois casamentos não deram certos. Sou ainda o romântico incorrigível em busca de alguém para lhe substituir. Nunca encontrei.

– Você é um danado! Sempre gentil!

– Não é gentileza Joana. Depois de tantos anos, sou um sessentão e você beirando; uma mulher casada, respeito seu marido, mas posso dizer sem mágoa, você sempre foi a mulher de minha vida, nunca lhe esqueci, conservo esse amor bonito dentro de mim. Esse negócio de mulherengo é verdade, depois que você casou-se, perdi a esperança e descambei para as raparigas, tornei-me um grande boêmio, tive muitas mulheres, minha vida de mulherengo é fruto da dor-de-cotovelo por você ter me abandonado.

 

 

– Nosso amor foi bonito, todos falavam na cidade sobre o namoro avançado, uma paixão avassaladora, nós dois sem juízo, só pensávamos em estarmos juntos. Naquela época namorados não transavam, mas você queria muito. Uma paixão! Tarado por mim. Precisei eu me segurar muito para continuar virgem.

– Lembra na praia, no mar? Eu colocava a boia de pneu de caminhão dentro d’água, você estirava seu corpo fazendo os braços de remo, eu me segurava na borda da boia, por baixo as coisas aconteciam. Ninguém percebia. À noite eu ia para as casas de raparigas. Fazia o serviço pensando em você.

– Sem-vergonha! Como éramos alegres e descontraídos. O mundo era nosso!

– Como está o Adelmo, o homem mais feliz do mundo, o homem que tem você nos braços há 34 anos?

– Sendo sincera, afinal você é um grande amigo. Vivi bem esses anos com Adelmo, casamento normal, não era aquela coisa doida de nosso namoro. Nossos dois filhos estão bem, casados e independentes. Tenho um neto. Ano passado tive duas tristezas na vida: Adelmo arranjou uma namorada, menina nova, e o pior: descobri um câncer em minha mama, estou tratando, os médicos dizem que posso controlar a doença e viver ainda por muitos anos. Porém, não dá mais para controlar meu marido, ele está apaixonado pela sirigaita. Eu vivo só, ninguém sabe que se passa comigo, vivo indignada dentro de minha dignidade.

Figueiredo apertou sua mão, olhou nos seus olhos.

– Minha querida Joana, deixe a merda desse marido. Eu ainda lhe amo, sempre lhe amarei, estou à sua espera o dia que você quiser, ficaremos juntos o resto da vida. O mundo que se exploda! Amanhã estarei viajando, vou passar um mês no navio COSTA MARU, parte amanhã à tarde para Fortaleza, depois Europa. Quando eu voltar quero conversar com você. Está certo? Você promete que vamos nos ver? Dê-me o número de seu celular.

Despediram-se com beijo no rosto, um sorriso e um olhar profundo.

À noite, para esquecer o encontro com Figueiredo que não saía de sua cabeça, antes de dormir, Joana alisou o corpo do marido, beijou-lhe o pescoço, foi se achegando como pedisse um pouco de carinho, um pouco de atenção. Nesse momento Adelmo virou-se com cara irada.

– Não dá Joana, não quero pegar sua doença. Você tem câncer! Esqueceu?

Virou-se para o lado e adormeceu. Joana foi ao banheiro, chorou sentada no vaso por mais de uma hora, voltou para cama jurando nunca mais chorar por Adelmo, veio-lhe um ódio do marido, custou a adormecer.

Eram nove da manhã quando ela se levantou. Tomou café, trocou de roupa, foi ao cabeleireiro, à manicure. No shopping comprou roupas, almoçou. Em casa, por volta das três horas, arrumou a mala, escreveu uma carta simples para Adelmo. Tomou um táxi.

Ao entardecer o navio desencostava do caís. Na balaustrada da proa Figueiredo contemplava o mar, o casario ao longe diminuindo de tamanho. Ele se embevecia encantado com a cor do céu e do mar no início do por do sol. De repente, ele sentiu uma mão por cima da sua; ao olhar ao lado, sua alma encheu-se de felicidade, sorriu ao perceber que era a mão de Joana.

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 05 de novembro de 2022

SEMANA SANTA (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

SEMANA SANTA

Carlito Lima

 

Meus netos estão se empanturrando de chocolate para alegria da Nestlé e da Garoto. Essa invencionice comercial, venda da “comida dos deuses” durante a Páscoa, está definitivamente institucionalizada pela propaganda massiva. O ovo de chocolate e o coelho tornaram-se símbolos da semana da paixão e morte de Cristo. Um período apropriado à meditação, à oração, reverteu-se em festa do chocolate.

 

 

 

Os marqueteiros não combinaram com a Igreja, tão conservadora nos assuntos sobre sexo, pois, coelho é o símbolo de procriação, de fertilidade, e chocolate é alimento afrodisíaco. Portanto, os símbolos da semana santa moderna, inventados pelo comércio, são apologias ao sexo.

Sou apegado às tradições, tenho boas recordações da semana santa de meu tempo de criança.

Iniciava no Domingo de Ramos quando se comemora a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém montado em um burrico. Seus discípulos trouxeram dois jumentos puseram em cima deles suas vestes, sobre elas Jesus montou. A multidão cortou ramos de oliveiras, espalhou-os pela estrada, formando um tapete de folhagem para o Rei dos Reis passar, em cima de um jerico. O povo acompanhava Cristo, clamava: “Hosana ao filho de Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana nas maiores alturas!” Entrando Jesus em Jerusalém, toda cidade se alvoroçou. Perguntavam Quem é este? E a multidão clamava: “Este é o profeta Jesus, de Nazaré da Galileia.” Assim aprendi lendo a Bíblia.

Essa parte da história de Cristo é muito emblemática. Entrada triunfal num jerico, logo depois, traído e crucificado. Entretanto, para moçada dos anos 50, o melhor do Domingo de Ramos era a procissão. Ela iniciava na Catedral, os colégios femininos religiosos compareciam: São José, Sacramento, desfile de meninas bonitas, a moçada assistia a procissão na intensão de paquerar as belas alunas. Um olhar, um sorriso, um piscar de olho valia a pena se postar à beira da calçada assistindo a procissão se arrastar pelo calçamento.

O feriado começava na quinta-feira santa, a partir desse dia era proibido comer carne, em compensação minha mãe cozinhava um delicioso bacalhau, arabaiana, camarão, feijão e jerimum ao coco, bredo; uma delícia. Pena que esses deliciosos manjares dos Deuses só venham à mesa na semana santa.

Na noite da quinta-feira havia uma brincadeira perigosa. A meninada saía em bando, cinco a seis moleques para “serrar velho”. A serração do velho é uma tradição europeia conhecida desde o século XVIII. Na Antiguidade reunia-se um grupo de brincalhões, diante da casa de um velho, na noite da quinta-feira santa serravam uma tábua com muito ruído, muito choro, muito lamento. Os velhos serrados irritavam-se com a brincadeira. Pela crença popular, velho serrado não chegava à outra Quaresma. Na minha juventude fazíamos o ritual bem parecido.

A garotada cantava alto acordando a vizinhança: “As almas do outro mundo, vieram lhe avisar que deste ano o senhor não vai passar”. “Encomende a alma a Deus, que seu corpo já não vale nada” e líamos um bem humorado testamento em versos. Os velhos ficavam brabos. Levamos muitas carreiras. Seu Pádua, um velho ranzinza da Avenida da Paz, quando cantávamos seu “testamento” jogou um penico cheio de xixi e me molhou da cabeça aos pés. Corri para casa, lá tomei um demorado banho e retornei ao local do crime, onde os amigos estavam às gargalhadas.

Na Sexta-feira da Paixão parecia que o mundo havia se acabado. As rádios só tocavam músicas clássicas ou fúnebres, era proibido ir à praia, até sorrir. As prostitutas fechavam as portas dos cabarés de Jaraguá, e o balaio; nem pensar numa fortuita noite de fornicação.

Finalmente o sábado de aleluia. A moçada preparava um boneco de pano, o Judas, sempre com um nome de algum político ou algum inimigo público.

Quando às 10 horas, os sinos da Igreja dobravam anunciando a aleluia, a moçada caía de cacete malhando o Judas amarrado em um poste. Melhor do que malhar um Judas, era roubar os Judas dos vizinhos, dos pivetes.

Afinal chegava o domingo da ressurreição. Os padres contavam a história como Cristo depois de morto subiu aos céus. Hoje acontece um espetáculo pirotécnico com atores globais, para se assistir comendo chocolate e tomando vinho. Uma festa de celebridades.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 29 de outubro de 2022

JANGADEIROS ALAGOANOS (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNO FLORIANO)

JANGADEIROS ALAGOANOS

Carlito Lima

Há poucos anos, antes da pandemia, recebi em Maceió, três casais amigos; colegas de turma, aos quais tenho estima de irmãos desde que cursamos a Academia Militar das Agulhas Negras. Fomos a um passeio à Foz do Rio São Francisco. Acomodamo-nos numa confortável van que recolhia outros turistas. Ao passar pela Rua Jangadeiros Alagoanos, provoquei o guia perguntando o porquê do no nome daquela rua. Ele prontamente respondeu que era uma homenagem à Escola de Samba Jangadeiros Alagoanos daquele bairro; Pajuçara. Não me contive, pedi licença ao guia e educadamente afirmei que ele estava equivocado e de microfone em punho contei a história:

– Em 1922 no Centenário da Independência do Brasil aconteceram muitas comemorações na capital do país. O Rio de Janeiro se engalanou e construiu uma Exposição do Centenário da Independência. Naquela época os jornais e revistas do Sul chegavam com mais de uma semana no Nordeste.

Um pescador, conhecido líder, de nome Umbelino, ousado e festeiro, leu uma reportagem sobre a programação do Centenário no Rio de Janeiro e lhe deu uma vontade enorme de conhecer a capital da República. Passou três dias matutando como faria aquela viagem, até que surgiu a ideia de viajar pelo mar em sua jangada de seis paus e uma vela. Experiente mestre fez os cálculos, concluiu que a jangada aguentaria navegar cerca de 2.000 km pela costa. Convidou três pescadores, homens rústicos que enfrentavam o mar diariamente antes do sol amanhecer. Fizeram algumas reuniões de planejamento na casa de Umbelino. A notícia se espalhou pelos homens de beira de cais, pelo bairro boêmio de Jaraguá e afinal toda cidade. Alguns amigos se prontificaram a ajudar.

No dia 27 de agosto, dia de Nossa Senhora dos Prazeres, padroeira da cidade de Maceió a jangada de seis paus, uma vela, sem algum instrumento de navegação, nem uma bússola sequer, partiu da enseada de Jaraguá levando os quatros jangadeiros corajosos. Houve um clima de festa: muitas jangadas, barcos, acompanharam com foguetório a jangada INDEPENDÊNCIA mar adentro rumo ao Rio de Janeiro para festejar o centenário da Independência na capital do país. Rumaram pelo o litoral Sul. No dia 6 de setembro a jangada atracou em Salvador, como havia planejado. Reabasteceram e seguiram a viagem prevista para trinta dias. Acontece que o litoral baiano estava brabo, em certo ponto o temporal foi tamanho que os jangadeiros foram jogados ao mar. Perderam toda provisão, roupas e a preciosa vela. Nadando os quatros heróis puxaram a jangada até a praia. Sorte que havia um povoado; os baianos ajudaram como puderam aos jangadeiros, até uma nova vela ofereceram. Os experientes pescadores esperaram bom tempo, retornaram a viagem. Acontece que o mar e o céu não estavam para brincadeira, vieram mais outros temporais atrapalhando a navegação. Eles chegaram a Porto Seguro no início de outubro, o planejamento já havia furado. Enfrentaram o mar novamente com algumas paradas em povoados e cidades costeiras. Até que no dia 2 de dezembro entraram na Baía da Guanabara depois de 98 dias de viagem. Desembarcaram no cais do Arsenal da Marinha, com muito aplauso a população já esperava os aventureiros. No dia seguinte, colocaram a jangada num caminhão e levaram os quatro jangadeiros alagoanos ao Palácio do Catete, onde foram recebidos pelo presidente Arthur Bernardes. A jangada ficou no Rio de Janeiro, era a principal atração do Pavilhão de Exposições das Festas do Centenário da Independência. Os jornais do sul noticiaram o fato largamente, transformando os jangadeiros alagoanos em heróis nacionais. A jangada depois foi doada ao Museu Histórico Nacional. Os jangadeiros retornaram a Maceió a bordo de um navio do Lloyd Brasileiro. Foram recebidos com muita festa na enseada de Jaraguá. Muitas homenagens, dentre elas a Rua do Horizonte passou a se denominar Rua Jangadeiros Alagoanos. E em 1972 foi fundada a Escola de Samba Jangadeiros Alagoanos.

Depois de minha exposição fui aplaudido pelos turistas, entreguei o microfone ao guia. Durante a viagem, toda vez que ele prestava informação, me perguntava se estava certo. Pelo menos, um dia, tive a honra de ser guia turístico, graças a brava história dos destemidos Jangadeiros Alagoanos.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 22 de outubro de 2022

O DIA EM QUE SALVEI A ORLA DE MACEIÓ (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

Há não muitos anos, eu tinha o salutar costume de saborear sorvetes em companhia de meu dileto amigo Geraldo Majella nas tardes de brisa fresca da paria de Pajuçara. Sentávamos à mesa da Sorveteria Bali e nos deliciarmos com sorvete de pinha, mangaba, tangerina, entre outras delícias de frutas nordestinas. Botávamos em dia as novidades, conversas intermináveis de vários assuntos; desde literatura, cultura, política e políticos acostumados com o poder e privilégio eram nosso alvo certeiro. Um ambiente alegre cheio de mulheres bonitas em suas roupas minúsculas saindo da praia para refrescar o corpo amorenado pelo Sol, deliciando-se com um sorvete.

Certa tarde, percebemos o levantamento de um tapume de obra no calçadão da orla. Como sou contrario a qualquer tipo de construção ou barraco que impeça a vista ao mar. Atravessei a avenida, curioso em saber sobre o que seria construído. O Mestre deu-me as informações precisas. A PETROBRÀS havia feito um acordo com a Prefeitura para construir ao longo da orla, até a praia de Jatiúca, 6 (seis) postos de combustíveis; em compensação a PETROBRÁS asfaltaria as ruas Maceió. No momento fiquei zonzo como tivesse levado um soco no estômago, pensando em seis postos de combustíveis na orla construídos no calçadão da orla. Fiquei triste, matutando o que fazer. Em casa, minha mulher, Promotora Pública, deu-me a ideia, e eu, como simples cidadão, dei entrada no Ministério Público na denúncia abaixo.

EXMO. SR. PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE ALAGOAS.

Carlos Roberto Peixoto Lima, brasileiro, casado, engenheiro, CPF 005.586.484-87, residente à Rua Princesa Isabel 415, nesta cidade de Maceió, vem formular à Vossa Excelência a seguinte denúncia:

– A PETROBRÁS está iniciando obras de um Posto de Combustível no calçadão da orla marítima da Pajuçara, em frente ao Colégio Imaculada Conceição. Esta localização da obra fica numa área verde de nossa cidade. Além disso, é um recanto de lazer da população, é um terreno pertencente ao povo de Maceió, localizado na maior atração turística da cidade, a enseada da praia da Pajuçara. Deveria ser uma área sagrada pela sua beleza cênica.

– Como se não bastasse, o Código de Postura do Município prevê a localização de Postos de Combustíveis a uma distância mínima de 500 metros de qualquer escola. A referida obra está sendo construída a menos de 100 metros do Colégio Imaculada Conceição.

– No local, o Mestre da obra me informou que houve um acordo, aprovado pela Câmara de Vereadores, dando a permissão de uso da área da orla à PETROBRÁS, legalizando a obra de construção de seis Postos de Combustível. Em compensação a PETROBRÀS fornecerá asfalto para pavimentar a cidade de Maceió.

– O fato acima relatado está provocando revolta e indignação popular. Além de todos os dissabores para nós, cidadãos, esses seis postos, comprometerão umas das maiores fontes de renda de nosso Estado, o Turismo. Solicito, portanto, à V. Exa., as medidas cabíveis para anular esse convênio altamente prejudicial à nossa cidade. Como está descrito nessa denúncia.

Carlos Roberto Peixoto Lima (Carlito)

Na semana seguinte assisti feliz da vida, tomando um sorvete de manga na Bali, a derrubada do tapume. O Ministério Público invalidou o acordo da construção dos 6(seis) Postos de Combustíveis na orla de nossa amada Maceió. Graças a um pequeno gesto de cidadania.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 15 de outubro de 2022

OS DOCES DE MINHA INFÂNCIA (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

OS DOCES DE MINHA INFÂNCIA

Carlito Lima

 

A arte culinária é peculiar, tem características próprias de cada artista da gastronomia; é uma cultura forte e típica. Nesta cidade de Nossa Senhora dos Prazeres, Maceió, as comidas estão entre os melhores prazeres. Saborear um bom prato faz parte de nosso lazer, de nossa cultura. Lembrando que o Bispo Don Pero Fernandes Sardinha foi devidamente devorado em apreciado banquete antropofágico pelos nossos ancestrais, os índios caetés, nas areias brancas da praia de Barra de São Miguel.

Minha juventude foi marcada por doces e salgados inesquecíveis. Ainda tenho em minha mente, em meu paladar, alguns pratos feitos em casa por minha mãe, Dona Zeca, excelente cozinheira. Ela caprichava nos almoços dominicais: caruru, galinha ao molho pardo, carapeba, cavala, arabaiana ao olho de camarão ou feijoada de feijão mulatinho incrementada com charque, toucinho, tripa de porco, linguiça, carne do sol, couve, jerimum, quiabo, maxixe. Havia pratos, hoje preparados em óleo vegetal, na época cozidos com banha de porco: o sarapatel, o fígado e o bife de panela. Sem esquecer o cozido, as macarronadas, peixadas e camarãozadas de todo tipo.

Quando íamos ao centro da cidade, invariavelmente lanchávamos na sorveteria da moda, Bar e Sorveteria Elegante, em frente ao Beco do Moeda, frequentado pela classe média emergente que sentava às mesas de ferro com tampo de mármore. No cardápio de lanches havia sorvetes de frutas regionais: mangaba, manga, pinha, laranja cravo, sapoti, mamão, abacaxi, melancia, coco, cana, além de pudins maravilhosos; tudo servido em taças de metal niquelado. Ainda no centro da cidade eu adorava o chocolate caseiro em barras, duas cores, vendido pelo Seu Portela na loja especializada em óculos que vendia mais chocolate que óculos. Não esquecendo a Sorveteria Xangai de Seu Fon, na Rua da Alegria, oferecendo o deliciosíssimo sorvete de chocolate crocante e sorvete de creme.

Acrescento à lista os ambulantes que passavam na praia da Avenida da Paz. Depois do almoço ficávamos à espera de Seu Primitivo empurrando o carrinho de sorvete. Sempre dois sabores: coco e maracujá, coco e mangaba, coco e cajá, coco e goiaba; ele raspava o sorvete com uma colher enchendo o carlito (casquinha). Era nossa predileta sobremesa. Ao entardecer, o China aboletava o tabuleiro de quebra-queixo embaixo de alguma amendoeira na Avenida da Paz; tínhamos guardados os tostões contados especialmente para uma “taiada” desse doce precioso. Encantávamo-nos com a rapidez do corte vertical, um pouco inclinado; ele entregava o quebra-queixo em pedaço de papel colorido, gostosa cocada dura queimada com pedaços de amendoim.

A moçada se deliciava com o algodão doce, rodado na hora numa panela com fogo, onde esquentava o açúcar fazendo enorme nuvem de algodão. Complementava tomando um raspadinho: gelo raspado dentro de um copo cheio de garapa de coco, maçã ou misto, uma delícia. E o caldo de cana caiana! Uma divindade!

Na praia defronte ao coreto havia um futebol organizado. Depois do banho de mar, os jovens iniciavam papos e paqueras sentados na areia. Invariavelmente aparecia o Juarez empurrando o carrinho de sorvete XAXADO, uma delícia feita de frutas nordestinas. Juarez parava na roda oferecendo seu delicioso sorvete e picolé: “Quem vão quererem? Quem vão quererem? Podem pedirem!”. Juarez vendia fiado, na hora do almoço passava na casa de cada um com a conta do sorvete consumido; ele conhecia todos, meninos e meninas da Avenida.

As tardes da Rua do Comércio eram imperdíveis, jovens encostados nos automóveis (limpando carro) curtiam as jovens, flertando, paquerando, marcando encontro nas Sorveterias DK-1 ou Gut-Gut, onde tomávamos saborosos sorvetes de frutas de todas as qualidades; era o ponto de encontro favorito da moçada bonita.

Quando as lojas da Rua do Comércio cerravam as portas, eu descia rumo à minha casa com uma parada obrigatória na esquina do trilho de ferro, ao lado do Arcebispado, saboreava um suco de maracujá com pão doce. Nunca ninguém no mundo até hoje conseguiu fazer um suco igual àquele, o sumo da divindade. Os deuses da gula em vez de água devem beber aquele maracujá.

É preciso um estudo mais profundo sobre comidas, salgados e doces dos anos dourados. Fazem parte de nossa história, de nossa cultura.

A modernidade acabou com os doces de minha infância, hoje proliferam no mundo as lanchonetes dos Shoppings esquentando sanduíches congelados com gosto de sola de sapato. Estão espalhadas no mundo as sofisticadas fábricas de obesidade inventadas pelos americanos. Saudades dos doces de minha infância.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 08 de outubro de 2022

A FEIOSA DA PITANGUINHA (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A FEIOSA DA PITANGUINHA

Carlito Lima

 

Ulisses, amigo irmão de Jeremias, inconsolável e prestativo tentou consolar a viúva desde o cemitério. Como dispõe de tempo, seu trabalho é uma sinecura na Assembleia Legislativa, tratou dos papéis da pensão da viúva. Foi um longo trabalho nos cartórios e repartições. Passaram-se quase três meses nesse vai e vem, o que consolidou uma amizade, um bem querer entre os dois. Jacira apesar de sessentona é conservada, bonita e desejável. Os dois terminaram se entendendo num motel da praia de Jacarecica. Passaram mais de um ano encontrando-se furtivamente, até que resolveram contar à família. Afinal Ulisses é um homem livre, divorciado, sem filho. Mesmo sem a aprovação unânime da família, Ulisses juntou seus trapos e foi morar na casa da bela coroa Jacira, viúva de seu amigo Jeremias, cujo retrato colorido enfeita a parede da sala, sorrindo aos visitantes.

As filhas mais novas, Hortência e Margarida já estavam casadas quando o pai morreu, viviam com seus maridos e filhos em apartamentos perto da orla. Jacira ficou morando na casa da Pitanguinha com a filha Rosa e seu problema. Apesar de um corpo escultural, um traseiro atraente, Rosa é feiosa, tem a boca troncha e alguma dificuldade em falar, problema advindo de um parto complicado. Ela cresceu e estudou numa escola da Pitanguinha, sofreu humilhação, zombaria, o que hoje chamam de bullying. Obviamente tem complexo de inferioridade e de feiura. Penou muito na escola e na rua. Durante a adolescência teve vontade de se matar algumas vezes. Rosa sempre aguentou calada sua amargura. Fez vestibular e formou-se em Assistente Social, a profissão que poderia ajudar aos outros, foi sua decisão.

Mesmo feia teve namorados quando descobriu um dom de nascença: deslumbrar, enfeitiçar um homem na cama. Operária do amor, ela cria instintivamente mais posições que o Kama Sutra; os namorados se extasiavam. Certo engenheiro propôs casamento, ela recusou, não queria ter decepção amorosa. Assim foi vivendo. Rosa fez concurso, e em pouco tempo, era uma das melhores funcionárias da Secretaria de Educação. Tem o prazer em chegar na hora e trabalhar com dedicação. Sente-se compensada com o trabalho.

Quando Jeremias morreu, Rosa, quase quarentona, morava com eles na casa da Pitanguinha, tinha um quarto bem cuidado e trancado. Sentiu muito a morte do pai a quem tinha uma verdadeira paixão. Dona Jacira, mais seca, entretanto, adora a filha feiosa. Rosa quando soube da ligação amorosa entre Jacira e Ulisses, compreendeu a necessidade de a mãe ter um companheiro, não criou problemas como as outras filhas criaram. Jacira trouxe Ulisses para morar em sua casa. Rosa se deu bem com o “padrasto”. Ulisses lhe tem atenção e carinho especial. Ela gosta de servir uísque e preparar tira gosto para ele e amigos nos fins de semana na calçada de casa. Certo dia, Ulisses trouxe uma novidade. Contou cochichando, com certo receio, o assunto era tabu, ninguém comentava.

– Rosinha, eu conheci um doutor cirurgião plástico, mesmo sem consentimento mostrei-lhe sua fotografia. Ele afirmou convicto que poderá com uma cirurgia plástica dar um jeito em sua boca, não ficará normal, mas vai melhorar bastante a aparência. Você topa?

No dia seguinte Rosa foi à consulta com o doutor, fez os exames necessários, raspou suas economias do banco e submeteu-se à operação delicada de longa duração. Dentro de um mês, foram retiradas as ataduras de seu rosto. Ela ao se olhar no espelho irradiou sua alma de felicidade. Não que estivesse bonita, havia melhorado bastante sua feição.

Rosa tornou-se amiga íntima e confidente de Ulisses. O tempo passou e a amizade entre os dois se estreitou cada vez mais, até que certo dia aconteceu o inevitável. Agora, um ou dois dias na semana eles passam momentos num motel. Rosa, lascívia, ótima no serviço, capricha no que sabe fazer de melhor; deixa Ulisses extasiado, relaxado, feliz, depois de uma tarde de amor. Jacira desconfia, tem quase certeza; generosa, faz que nada sabe e deixa a vida repartir seu homem com a filha sofrida, Rosa, a feiosa da Pitanguinha.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 01 de outubro de 2022

CLAUDINHA, A CUIDADORA DO CLIMA BOM (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Passaram-se seis anos, o casal sobrevivendo, até que Antônio deu para beber, vivia reclamando da vida, comportamento estranho, deixou de procurar a esposa na cama, ela que gostava tanto da vadiagem. Nessa época Claudinha havia arranjado um emprego de doméstica na casa de um ricaço na orla. Limpava, passava e cozinhava, a patroa descobriu-a como excelente cozinheira. Melhorou a situação econômica. Pedro estudando, entretanto, a cachaça e o distanciamento do marido entristecia a bela Cláudia. Certa tarde ela apanhou o filho mais cedo na escola, estava febril, ao chegar à sua casa teve o maior choque de sua vida, ficou atônita ao abrir a porta do quarto, e deparar-se com Tonho abraçado a um motoboy conhecido no bairro. A maior decepção, humilhação e traição que uma mulher pode ter. No mesmo dia exigiu a saída do marido de casa, chorou a noite toda. Levantou-se de madrugada, olhou-se no espelho, prometeu a ela mesma, recuperar sua vida, tinha o amor de Pedro para lhe dar força.

Com um ano de separação a dor amenizou. Cláudia, bonita, era assediada por muitos homens, preferiu, embora gostasse tanto da vadiagem, fechar-se, não queria namorado por enquanto. Até o patrão mostrava tinha uma quebra de asas pela bela empregada, ela fingia não entender as insinuações.

No dia que Seu Silvestre, o patrão, completou 67 anos, ele teve um derrame, um AVC, foi uma catástrofe na casa de Dona Graça. Ela e os dois filhos deram a assistência devida no hospital. Ao voltar para casa, o velho precisou de uma enfermeira para ajudar no banho, no vestir-se, no comer. O empresário falava com dificuldades, mas dava para entender. Cismou com as enfermeiras, toda semana trocava de assistente. Certo dia na falta da enfermeira, Claudinha ajudou Seu Silvestre a tomar o banho, enxugou-o, vestiu-o. O velho ficou surpreso com a delicadeza, a suavidade de gestos da empregada, gostou daquele cuidado, disse que Cláudia havia nascido para cuidar de idoso.

A partir daquele momento chamava pela empregada durante o dia, inclusive no banho de sol em cadeira de roda, só queria a jovem cozinheira. Claudinha dava conta da cozinha, da casa e do patrão, ficou cansativo. Inclusive, em suas folgas de sábado à tarde e domingo, nas crises de raiva de Seu Silvestre, Dona Graça a chamava com urgências. Ela o acalmava. O velho só aceitava a assistência da cuidadora improvisada. Quando Claudinha se recusou a trabalhar nas folgas foi um Deus no acuda. A senhora entendeu que seu marido, não só gostava do jeito de Cláudia, ele estava encantado, talvez apaixonado pela jovem. Seu Silvestre entrou em um acordo com a empregada: propôs lhe dar um carro, pagar a escola de Pedro e aumentar o salário quatro vezes, desde que ela lhe desse total dedicação. Claudinha não abriu mão de sua folga nos domingos e assim ficou acertado.

Em véspera de completar os 70 anos, Silvestre havia melhorado sua mobilidade com ajuda da fisioterapia. Ele conforma-se com sua situação de semiparalítico, tem em casa uma grande mulher, Dona Graça, que o ajuda muito, e uma cuidadora eficiente, suave; cuja delicadeza minimiza o sofrimento.

Pelo menos duas vezes na semana Dona Graça passa a tarde em compras no Shopping, é a tarde do banho de banheira demorado. Seu Silvestre se sente feliz imerso na água morna, trancado no banheiro com Claudinha, a eficiente cuidadora do Clima Bom.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 24 de setembro de 2022

OS MENINOS DA AVENIDA - II (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS MENINOS DA AVENIDA II

Carlito Lima

 

Nós meninos da Avenida, quase da mesma idade, amigos, juntos, tínhamos predileções semelhantes. Gostávamos de pescar no Riacho Salgadinho. Empurrávamos uma jangada de tronco de bananeira para o meio do Riacho, jogávamos a tarrafa aberta que enchia de tainhas. E o siri era pescado com teteia. Nas margens e imediações do Salgadinho, por ser terra salobra, lama salgada, se prestava à vivência, ao “habitat” de caranguejos, o goiamum azulado. Com lata quadrada de azeite, fabricávamos armadilhas para capturá-los. Armávamos a arapuca, com uma isca no buraco do caranguejo. Quando o bicho saía, beliscava a isca e fechava a arapuca. Uma vibração, uma felicidade, quando a gente via a lata com a tampa fechada e um baita goiamum preso. Cevava, engordava os caranguejos num gradeado. Dias depois nos deliciávamos com uma caranguejada, feita por nossas mães, o caldo do gordo escorria pela boca.

À noite o calçadão da Avenida da Paz se transformava em palco e campo de jogos. Correr brincando “Roubar-Bandeira” era a primeira diversão. Dividia a calçada em dois campos, um para cada equipe de sete ou oito meninos (as), no final de cada campo fixava uma pequena bandeira pregada numa vara. O objetivo da brincadeira era entrar pelo campo adversário e trazer a bandeira fincada para o nosso campo sem ser tocado pelo adversário. Quando alguém era tocado pelo adversário tinha que parar ficar imóvel até um amigo vir e tocar de novo, “soltar” o amigo. Ganhava quem trouxesse primeiro a bandeira do adversário pro seu campo. Jogo de astúcia e velocidade.

Havia outros jogos como ximbra (bola de gude), pião, o vitorioso tinha direito de, com o próprio pião amarrado com a enfieira, tentar com a ponta quebrar o casco do pião adversário. Na época o filme O Cangaceiro fazia sucesso e a Vanja Orico cantava o sucesso: “O meu pião é feito de goiabeira… ele só roda com a ponteira… na palma de minha mão… dança morena. no meio desse salão…requebrando o corpo todo… no ronco desse pião.”

Nosso paraíso não era apenas a praia. Nossos pais gostavam de passear nas lagoas. Embarcávamos numa enorme canoa navegando pelas lagoas até Coqueiro Seco. A meninada sentada no fundo, os mais velhos nos bancos de tábuas na proa e na popa. O canoeiro dava a direção, puxando e molhando a vela conforme a intensidade do vento. Vela enorme colorida em vários matizes marrons, como se fossem manchas. Nós ficávamos extasiados, embevecidos com a beleza da imensidão da lagoa cheia de ilhas, coqueirais e entrecortadas por canais naturais. Enfiávamos a mão dentro da lagoa, deixando a ser acariciada pela água corrente. Tio Béu cantava alto as emboladas e nós acompanhávamos: “Coqueiro Seco do outro lado da lagoa… Se atravessa de canoa… fazer feira no Pilar…” A moçada fazia o coro: “Espingarda, pá, pá, pá, pá, faca de ponta, tá, tá, tá”… A chegada da canoa era uma festa, não havia ancoradouro, era preciso ajudar as mulheres e crianças desembarcarem. Passávamos o dia naquele pequeno povoado, correndo, jogando bola, mergulhando nas águas limpas da lagoa.

Frequentávamos o Clube Fênix Alagoana, onde a elite de Maceió se divertia. Nas noites das segundas-feiras havia cinema no salão nobre numa tela adaptada. Final da fita, nos bancos da Avenida, comentávamos sobre os bons filmes que assistíamos na Fênix. Geralmente filmes de cowboy, Rio Vermelho, com John Wayne, inesquecível. No centro da cidade havia o Cine Arte (São Luiz) quase sempre assistíamos a matiné, depois descíamos caminhando à Avenida da Paz, passando junto ao Arcebispado tomávamos um divino suco de maracujá com pão doce.

Final do ano chegavam as férias, os meninos que estudavam fora retornavam para a vida livre, leve e solta no Paraíso, a praia da Avenida. Adolescentes, tínhamos outros programas: andar de bicicleta batendo a cidade de Maceió e olhar na praia as mulheres de maiôs com intensões pecaminosas.

À noite ficávamos nos bancos da Avenida ou saíamos à cata de namoradas, nas redondezas. Eram namoros à antiga, pegar na mão, em vez em quando um abraço mais quente. A turma dos meninos da Avenida dos anos 50 foi se dispersou no tempo e no espaço. Hoje somos oitentões alegres ou um retrato na parede, cheio de saudade.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 16 de setembro de 2022

OS MENINOS DA AVENIDA - I (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

Coreto da Avenida da Paz

 

Puxando a mais antiga memória, meu pai me levando à praia com um filho na corcunda e outro pelas mãos. Corríamos e mergulhávamos no mar tranquilo com pequenas marolas de águas cristalinas. Os moradores da Avenida da Paz eram amigos, uma irmandade. Da infância tenho gravadas as retretas da Banda do Exército no coreto da Avenida, concerto às quartas-feiras. Nós, meninos, ficávamos calados, encantados ouvindo as músicas clássicas e populares, depois começava a algazarra. Todas as noites os adultos colocavam cadeiras na calçada, tomar fresca e falar da vida do povo, enquanto nós meninos, bem comportados, sentados no chão em torno de uma tia, ouvíamos histórias de trancoso aguçando nossa imaginação. Maceió era uma festa.

Os moradores da Avenida da Paz faziam parte da elite econômica e social da cidade. Porém, nós jovens éramos democratas em nossas amizades, os donos da praia, podia ser preto ou branco, pobre ou rico, moradores de todos os bairros. Nossa escala de valores era jogar bem futebol, nadar até alto mar, contar histórias picantes, ser amigo bem humorado e presepeiro. Gerson, negrinho, filho da lavadeira, era admirado pela turma por sua destreza como goleiro e suas histórias safadas contadas com graça. Um líder.

O futebol na areia era o jogo predileto. Começávamos jogando Zorra (Linha de Passe). Quando havia jogadores suficientes, dois capitães escolhidos na hora tiravam o par ou ímpar e cada qual escolhia os jogadores alternadamente, as equipes se equilibravam. O campo era a areia da praia, as traves duas estacas enfincadas no chão, não havia camisa, nem juiz, nem falta, nem impedimento, nem VAR. A bola rolava, na hora do gol corria para o abraço.

Geralmente havia empurrões e briga, fazíamos as pazes depois do jogo. Se o jogo era na parte da manhã, ao acabar, mergulhávamos no mar de água transparente, nadávamos até as casas parecerem pequeninhas, às vezes ajudávamos a puxar as redes dos pescadores, o arrastão. Quando a pelada era à tarde, jogávamos até escurecer; em noite de lua, só terminava a partida com o Gol da Lua, o primeiro gol depois da lua aparecer.

No início da enseada da Avenida da Paz havia alguns trapiches. Uma espécie de cais fincado com palafitas de troncos grossos, estendendo-se mar adentro. Na extremidade do mar, havia um galpão de madeira, coberto com telhados de zinco, um trapiche, armazém de mercadorias. Quando a maré estava cheia, nós, maloqueiros da Avenida, nadávamos até o galpão, subíamos pelas palafitas ao telhado de zinco quente, onde havia uma deslumbrante vista da enseada da Avenida.

De cima do zinco mergulhávamos ao mar, o corpo esticado, uma deliciosa carícia no peito, no ventre, até o impacto com a cabeça na água límpida e cristalina. Quando aparecia o vigia, todos pulavam, e nadando a molecada gritava uníssona: O galo canta… O macaco assobia… Banana de jegue… No cu do vigia! O vigia era um velhinho abusado, chegou a prender alguns dos campeões de salto ao mar dos anos 50.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 10 de setembro de 2022

O DUQUE DE JARAGÚA (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O DUQUE DE JARAGÚA

Carlito Lima

 

A enseada de Jaraguá por ser um local adequado, um ancoradouro natural, foi contemplada com uma ponte de embarque de navios e barcaças, além dos trapiches existentes mar adentro que também serviam à exportação do açúcar fabricado pelos engenhos daquela época.

A Ponte de Jaraguá estimulou o movimento comercial da região, e houve um desenvolvimento urbano efervescente no bairro e na cidade. Foi o argumento decisivo para transferência da capital da cidade de Alagoas (hoje Marechal Deodoro) para Maceió.

Cais, porto, ancoradouro, ponte de embarque, navios e marinheiros atraem biroscas, bares e cabarés. A região comercial de Jaraguá transformou-se em ponto boêmio. Os moradores dos casarões, famílias das mais distintas e conservadoras se mudaram para outros bairros, abandonando as belas moradias para o comercio pela manhã e a boemia durante a noite.

Os casarões transformaram-se em casas noturnas. Boates ocuparam os patamares superiores, enquanto no térreo conservaram as empresas de negócios, de exportação.

Esses lupanares abrigavam mulheres refinadas. Selecionavam as mais bonitas para os grandes comerciantes, políticos e barões. Jovens de serventia foram importadas da Europa, França, Bahia e do sertão nordestino.

Essas raparigas passaram mais de 60 anos nos casarões, trabalhando com o suor de seu corpo. Fazendo a vida na mais velha das profissões. Ao mesmo tempo, involuntariamente, conservaram suas moradas, seus pontos de trabalho, os casarões do bairro de Jaraguá.

Para homenagear as moças que preservaram e legaram para outras gerações os casarões de Jaraguá, alguns boêmios da cidade resolveram afixar o MEMORIAL À RAPARIGA DESCONHECIDA em um beco do bairro, conhecido pelo intenso movimento noturno de Beco das Raparigas, perpetuando o agradecimento dos boêmios e dos artistas que amam aqueles casarões. Gesto merecedor e reparador.

Em minha juventude fui um curioso frequentador daqueles cabarés, mesmo que, só para tomar uma cerveja ou ouvir música dos conjuntos tocando para clientes se divertirem. Com as jovens aprendi a dançar bolero, mambo, tango, rock and roll.

Os nomes das casas eram expressivos: Alhambra, Tabariz, Night and Day. Nas ruas circulares ficava a ZBM, Zona do Baixo Meretrício, frequentada pela população pobre. Duque de Caxias e o Verde eram os “randevus” mais conhecidos da ZBM.

Quando os bairros nobres de Pajuçara, Ponta Verde se tornaram mais habitados pela burguesia, houve uma forte pressão das madames para tirar a zona de Jaraguá. Sentiam-se incomodadas. Ao se deslocarem até ao centro, inevitavelmente passavam pelo corredor de prostíbulos.

Em 1969 o Secretário de Segurança Pública mandou transferir todos os cabarés de Jaraguá para região do Canaã no Tabuleiro dos Martins.

A partir desse momento alguns casarões de Jaraguá foram demolidos pelas imobiliárias e construtoras. Construíram prédios de gostos duvidosos: BRADESCO, COMISPLAN.

Um grupo de intelectuais e artistas liderados por Ênio Lins, Pierre Chalita e Solange Lages, se movimentou e conseguiu o tombamento do bairro de Jaraguá.
Não fosse esse movimento da comunidade artística, nada mais restaria dos casarões. O que as raparigas conservaram por mais de 60 anos, estava para ser derrubado em poucos meses.

Hoje, o bairro de Jaraguá está restaurado. Mas, falta um projeto para um movimento noturno que atraia os turistas e nativos. E a Prefeitura está sensível em transformar o bairro em uma grande atração turística cultural. Iniciou recentemente uma intervenção urbana no Beco das Raparigas, com bancos, fontes luminosas, um local agradável para uma boa conversa.

Por conta dos velhos tempos, por participar na recuperação do velho bairro boêmio, a Liga de Blocos Carnavalescos de Maceió, comandada por Edberto Ticianeli, conferiu-me o título de DUQUE DE JARAGUÁ. O qual uso em meus escritos, em minha identidade. O diploma de Duque fica visível na parede de minha sala, homenagem ao bairro onde nasci e me criei.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 03 de setembro de 2022

HAVIA BALÕES NO AR (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

HAVIA BALÕES NO AR

Carlito Lima 

 

Ele chegava alegre com dois ou três pacotes, colocava-os na mesa e abria mostrando aos cinco filhos os fogos comprados para o São João. Arrodeando a mesa da sala da imensa varanda de minha casa contemplávamos cheios de alegria aquele presente de meu pai. Ele sentia prazer, satisfação ao distribuir os fogos para os filhos. Aos menores cabiam: traques, chuvinhas e estalos bebé. Aos maiores eram distribuídos: foguetes de três tiros, foguetes de estrelas, bombas travalianas e peidos de veia, e o melhor os vulcões. Perto de escurecer dava-se o momento mágico: acender a fogueira bem arrumada na rua em frente a minha casa. Jogava álcool por cima, tocava fogo com um fósforo. O fogaréu começava, a fogueira chispando faísca, iluminava a rua. Os adultos sentados nas cadeiras na calçada, conversava, tomando doses de quentão, uísque ou cerveja e olhavam a meninada correr e soltar seus fogos. Os vizinhos seguiam o mesmo ritual. A rua engalanava-se em fogueiras e bandeirinhas, havia um rodízio de visitas enquanto a eletrola tocava: A fogueira tá queimando… Em homenagem a São João… O forró já começou… Vamos, gente, rapa pé nesse salão… Dança Joaquim com Zabé, Luiz com Yaiá… Dança Janjão com Raquer e eu com Sinhá…Traz a cachaça Mané! Eu quero ver, quero ver paia avoar…

Quando dava meia-noite, as mocinhas entravam para fazer “adivinhações”. Em uma bacia cheia d’água deixavam pingar cera de uma vela acesa até formar ou aparentar com os pingos uma letra. Pronto, era com um jovem de nome iniciado com aquela letra que iria casar a moça que deixava pingar a vela. Ou levavam para o fundo do quintal uma faca que enfiava no tronco de uma bananeira no dia seguinte puxava a faca marcada, manchada com a primeira letra do seu futuro marido. Eu, menino acompanhava com fascínio toda aquela movimentação da véspera de São João, ouvindo o som da eletrola rodando as músicas de Luiz Gonzaga. Quando a fogueira baixava, convidava um amigo do peito para pular juntos as brasas, um de cada lado, e ser “compadre” para o resto da vida. Um dos momentos mais esperados era a queima de três ou quatro vulcões enormes, um esplendor de explosão jorrando forte para o alto enorme faíscas com pontos coloridos.

Durante a adolescência, a expectativa do São João iniciava um mês antes, com os ensaios da Quadrilha no Iate Clube. Vários pares de jovens dançavam e rebolavam ao som de uma animada música junina e sob o comandando do quadrilheiro que cantava a sequência dos passos da dança em francês: “Em avant tout”, “change de dame”, “balancê”, “returnê”, “tur”, e lá íamos nós, os jovens casais felizes da vida. Ensaiávamos bastante até a noite da grande apresentação. Durante os repetitivos treinos, a paquera era maravilhosa até o final depois de várias noites ensaios no salão do Iate iniciavam namoros entre os componentes da quadrilha, muitas vezes o próprio par. Afinal a noite de glória a apresentação da Quadrilha do Iate. Todos fantasiados de matutos, com as calças e camisas remendadas, bigodes e costeletas de carvão, chapéu de palha, dançávamos como se fosse para a plateia do maior teatro do mundo. Enchíamos de orgulho e felicidade quando os aplausos ensurdeciam o enorme salão cheio de mesas.

No CRB havia a famosíssima Festa dos Pedros, organizada na véspera de São Pedro, dia 28 de junho. As mesas rapidamente vendidas, quem tinha o nome Pedro, a mesa reservada era cortesia. Um arrasta-pé intermitente animado por quatro trios nordestinos, forró de pé de serra, tocava a noite toda. Ao lado de fora uma enorme fogueira acesa iluminava o Clube e a praia da Pajuçara. Quando terminava a animada festa, nós, meninos moradores da Avenida da Paz, vínhamos andando e cantando ainda com energia de jovem cheio de hormônios, geralmente de mãos dadas com a namorada da vez. Abraçados, um beijo roubado, cantando pela noite iluminada pelos postes da luz boêmia: “Olha pro céu meu amor… Veja como ele está lindo… Olha para aquele balão multicor… Que lá no céu está sumindo… Foi numa noite igual a esta… Que tu me deste o coração… O céu estava em festa… Porque era noite de São João… Havia balões no ar… Xote, baião no salão… E no terreiro o teu olhar… Que incendiou meu coração…” A música valia um beijo da namorada já segura pelo pescoço. Durante a alegre caminhada, às vezes aparecia a chuva, era sinal de alegria, estimulava nossa energia. Ao chegar perto do coreto da Avenida, o dia amanhecendo, o céu dourado anunciando um novo dia, com chuva ou sem chuva, corríamos para um mergulho no mar alaranjado pelo sol nascente com a roupa e tudo que tivesse no corpo. Alegres, cansados, cada qual partia, molhado para sua casa. Era a despedida, acabava as festas juninas tão amadas e tão esperadas durante o ano inteiro.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quinta, 25 de agosto de 2022

JEQUIÁ - LANÇAMENTO NA EUROPA (CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO, LANÇA LIVRO EM PORTUGAL)

 

Caro Editor,

Logo mais vou tomar o avião para Portugal.

Vou participar da Feira de Livro de Lisboa e lançar o romance Jequiá.

No Porto (dia 27) e em Lisboa (dia 30).

Afetuoso abraço!

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quarta, 24 de agosto de 2022

A CASA DA AMANTE FRANCESA DO GOVERNADOR (CNTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

Manifestação de desagravo ao governador Costa Rego, comandada por Demócrito Gracindo (pai do ator Paulo Gracindo) em 1926. (Foto: Arquivo Paulo Cajueiro)

 

Pedro da Costa Rego foi o 15º Governador das Alagoas na época da Velha República. Austero, elegante, inteligente, duro em suas ações e cobranças administrativas. Culto, gostava de literatura e música, tinha O Príncipe de Maquiavel em sua cabeceira. No seu governo foi criado o Departamento de Viação e Obras públicas, hoje D.E.R. Construiu a estrada Maceió – Penedo, entre suas grandes realizações. Era um homem rigoroso, mas sensível, gostava de coisas finas e arte; música, teatro, inclusive viajar.

Em uma dessas viagens, conheceu Mademoiselle Sigaud, bonita artista cheia de charme e de salamaleques na cama. A francesa impressionou nosso Governador, que convidou sua nova musa a visitar Alagoas. Mlle. Sigaud adorou o mar de Maceió. Ficou estabelecida de cama e mesa na Rua Silvério Jorge, bem perto da praia da Avenida da Paz, onde pelas manhãs não dispensava seu banho salgado, como se chamava o banho-de-mar naquela época.

No dia 15 de dezembro de 1926, segundo ano de governo, depois de algumas partidas no Jaraguá Tênis Clube, o Governador Costa Rego dirigiu-se à casa da Rua Silvério Jorge, onde sua amiga Mlle. Sigaud lhe esperava. Após um laudo jantar, ficou a ouvir Mozart bem tocado pela anfitriã, fumando charuto, seu grande prazer. Nessa noite recebeu seu amigo Adalberto Marroquim para conversas sobre política, administração e coisas da vida; sentados tomando fresca na varanda dos fundos.

Mal sabia o Governador que Felismino, um dos seus guardas pessoais, havia sorrateiramente entrado no quintal da casa vizinha e se posicionado numa mangueira mais próxima, sentado em um troncudo galho, de onde se avistava o governador conversando com seu amigo. Estava ali segurando um fuzil para matá-lo; corrompido e contratado por um inimigo político.

Felismino era um caboclo corpulento, estatura média, quarenta anos. Tinha sido colocado na Guarda Civil por recomendação de um amigo. Felismino passou a fazer parte da guarda pessoal do governador Costa Rego. Por ter essa facilidade em estar constantemente com sua excelência, foi contratado para matá-lo, em troca de dez contos de réis que o mandante entregaria depois do serviço feito.

Era nesse dinheirão que Felismino pensava quando resolveu dar o tiro fatal com seu fuzil. Para isso precisou tomar uma melhor posição no tronco da mangueira. Quando se moveu, balançou alguns galhos, o movimento brusco na árvore, despertou a atenção de vários gansos da casa do vizinho (Dr.Ezequias da Rocha – depois Senador da República). Os gansos ficaram indóceis, correram para baixo da mangueira e passaram a fazer maior zoada com suas roucas cantorias, com seus trinados, como de estivessem dando um alarme ininterruptamente. A cantoria dos gansos chamou a atenção de todos da casa da francesa. Alguns guardas correram, reconheceram Felismino quando se evadia, fugia dentro da escuridão da noite.

“Mais uma vez os gansos salvaram a humanidade. A primeira no Capitólio de Roma, agora, na Rua Silvério Jorge.” Assim foi comentado debochadamente nas rodas dos intelectuais boêmios no Bar Colombo, na Rua do Comércio.

Felismino foi denunciado. Depois respondeu a inquérito supervisionado pelo Secretário do Interior Dr. Ernande Basto (figura alagoana notável, casado com Dona Moema Cavalcante, matrona da Barra de São Miguel). Felismino confessou o crime e a grande bomba: o mandante ter sido o filho do ex-governador Fernandes Lima, o deputado Fernandes Lima Filho.

O atentado teve uma enorme repercussão no Estado e em todo o país. Várias manifestações de apoio ao governador Costa Rego foram realizadas durante a semana.

No dia 23 de dezembro, houve um desagravo, uma multidão defronte a Catedral. O bispo Dom José Maurício rezou uma missa com a presença de todas as entidades de classe e a elite alagoense.

Depois da missa formou-se um cortejo pela Rua do Sol até ao Palácio dos Martírios. Uma multidão ouviu discursos de desagravo, iniciado pelo presidente da Academia Alagoana de Letras, Demócrito Gracindo (pai do ator Paulo Gracindo) que emocionado esbravejou: “Não é a boca de ouro da lisonja, nem mesmo a palavra inflamada da paixão partidária que ouvis; é o comércio que paga imposto, o operário humilde que não aprendeu a mentir, o pescador indômito…..” Discurso aplaudidíssimo pelo povo na praça e as autoridades assistindo na sacada de palácio.

Na terça-feira (28) houve a reconstituição do crime. No local estavam presentes autoridades, jornais de todo o Brasil e agencias internacionais. Assistiram como convidados, o Dr. Exequias da Rocha e todos os vizinhos que se concentraram na casa da amante do Governador na Rua Silvério Jorge 290. A casa tornou-se famosa, entrou para a história política e da fofoca como o a casa da amante francesa do Governador Costa Rego.

Passaram-se alguns anos, até que em 1937, o Capitão Mário Lima, do Exército Brasileiro, casado com Dona Zeca, pai de dois filhos Rosita e Betuca, alugou essa casa e posteriormente a comprou, financiada pela Caixa Econômica. Dona Zeca, numa linda manhã de sol, no dia 27 de fevereiro de 1940, dois dias antes do carnaval, deu à luz ao terceiro filho, uma sorridente, corada e encantadora criança.

Assim, eu nasci na famosa casa, onde morei na minha infância, juventude e grande parte de minha vida. Ela é um pedaço de mim, faz parte, está incorporada a meu ser.

Fui concebido, gerado, nascido, criado, com muito amor e carinho, na casa da amante francesa do Governador, na Rua Silvério Jorge 290, bairro boêmio de Jaraguá.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quinta, 18 de agosto de 2022

SINCERICÍDIO (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

SINCERICÍDIO

Carlito Lima

 

 

Albertão ao formar-se em engenharia foi morar na bela Vitória do Espírito Santo, por conta de um emprego numa grande construtora. Com um ano de trabalho, tornou-se um dos mais conceituados engenheiros da empresa.

Celina, a noiva, de Maceió fazia uma discreta, pertinente e constante pressão. Ele resolveu se casar, deixar a vida de solteiro. O mulherio de Vitória é deslocado, moderno e alegre. Alberto levava uma vida invejável, no trabalho e na boemia. Deixou a boa vida para casar com Celina, namoro desde criança.

O casamento foi na Igreja de Santa Rita no Farol. Estava a fina flor da sociedade alagoana, com direito a fotografia nas colunas dos jornais, a família da noiva era muito chegada a badalações.

Em Vitória, o casal instalou-se num apartamento do melhor bairro da capital capixaba. Alberto viajava frequentemente, a distração da esposa era assistir televisão, falar com os amigos nas redes sociais, naquela época era novidade.

Numa bonita tarde de sexta-feira, Albertão em viagem de trabalho, Celina foi ao supermercado fazer compras, abastecer a geladeira e a despensa no fim de semana. No retorno, dirigindo seu belo carro, parou em uma sinaleira vermelha. De repente teve um susto, avistou seu amado marido em um carro do outro lado da rua, acompanhado por uma loura. Celina, surpresa, acenou para Alberto, ele não respondeu. Ao abrir o sinal, os carros se cruzaram, ele passou disparado olhando para frente. Ela deu a volta no carro, tentou segui-lo, mas, o carro do marido perdeu-se na multidão.

Chegou em casa com dor no peito. Um misto de decepção, raiva e impotência. Deprimida, sem ânimo, guardou as compras, ficou a meditar. “Será que não era mesmo Alberto? Mas eu vi, tenho certeza!” Veio-lhe a dúvida, telefonou para o celular do marido, deu fora de área. Telefonou para a construtora, a empresa informou que Dr. Alberto estava em Brasília.

Eram onze da noite quando o maridão apareceu no apartamento. Celina acordada, o recebeu com lamúrias:

– Não adianta me embromar. Você estava no carro com uma piranha loura. Não sou maluca! Você não me engana!

Albertão aparentando surpresa e paciência, falou calmo, estava viajando, ela confundiu com alguém. Estava trabalhando em Brasília, mostrou como prova a passagem de avião.

As contínuas negações encheram Celina de dúvidas. Depois de algum tempo, aceitou com restrições as explicações do marido.

Na cama, Alberto deu tudo de si, não podia demonstrar cansaço, a tarde de amor com a loura maravilhosa foi desgastante, não podia deixar suspeita, afinal a mulher lhe deu um flagra.

Os anos passaram. A dúvida nunca saiu do coração e da mente de Celina. Algumas vezes volta a comentar o dia trágico que flagrou seu marido com uma loura num sinal de trânsito em Vitória. Ele continua negando peremptoriamente.

Albertão, hoje setentão, senhor de seus negócios, tem uma vida folgada, fruto de seu trabalho. Voltou de vez para Maceió, comprou um belo apartamento na Ponta Verde. Tem tudo do melhor. Dá o conforto merecido para a família que ele preza, ama e conserva; apesar de continuar com o enorme defeito: gostar de uma rapariga.

Esta história me foi contada por Alberto enquanto tomávamos uma gostosa cerveja na Barraca Pedra Virada. Ele afiançou enfático, ao arrematar a narrativa:

– Pois é irmãozinho. Para você viver bem, tem que negar com convicção, negar sempre até o fim. Esse negócio de confessar é morte certa, é o suicídio pela sinceridade. Nunca cometa o sincericídio.

Levantou-se, deixou dinheiro para conta, colocou a mão no bolso, saiu assoviando. Havia marcado com Teca, uma loura de programa que atende em seu próprio carro e apartamento, especialista em prestação de serviços aos idosos. Albertão fez-lhe os maiores elogios: eficientíssima.

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 12 de agosto de 2022

TRECHO DO ROMANCE “JEQUIÁ”

TRECHO DO ROMANCE “JEQUIÁ”

Carlito Lima

 

Certa terça-feira, Dr. Bernardo atendeu uma senhora, pouco mais de quarenta anos; a filha estava com um problema, foi medicada, mas não houve melhora. A senhora pedia para que o doutor socorresse a doente de treze anos, estava delirando de febre deitada na cama em sua casa há três dias. De tão fraca, não pôde levar a filha ao consultório. Pedia pelo amor de Deus para que ele fosse à sua casa. Ao terminar as consultas, a senhora, nervosa, ansiosa, estava esperando Bernardo na calçada. Quando ele abriu seu carro, ela imediatamente pediu licença, abriu a porta e sentou-se ao lado do doutor. Nesse momento, informou que sua casa ficava na lagoa de Jequiá, distante cerca de quarenta quilômetros de Maceió. Dr. Bernardo não gostou, achou um incômodo abusivo, mas por sua infinita paciência e bondade, ele se pôs a caminho, apenas reclamou que era longe. Enquanto o carro percorria a estrada, Moema, para distrair, descontrair e sensibilizar o Doutor, contou pedaços de sua vida. Era pescadora e marisqueira. Vivia do comércio de peixe. Nasceu e cresceu à beira da lagoa Jequiá, de onde tira seu sustento. Casou-se aos dezoito anos com um pescador. Tinha amor ao Zeca de Miúda, era poeta e tocador de viola. Ela gostava de suas brincadeiras, porém o Zé tinha um defeito, era esquentado, brigava por tudo. Gostava de beber e frequentar os bares. Uma noite, houve uma briga em um bar perto de Coruripe, mataram o Zeca. Ela ficou viúva, sem filhos, mas tinha uma casinha à beira da lagoa onde mora até hoje. Chorou, sentiu muito a morte do marido, mas tinha de continuar a vida. Gosta de brincar na sua comunidade, na época do Natal ela organiza pastoril e outras festas. Dançar e cantar era com ela mesma. Certo dia conheceu um caixeiro viajante num carro velho, vendia vestido, fazenda, sapato, perfume, essas coisas que mulher gosta. O homem se enxeriu, ela topou, terminaram se juntando, ficaram morando na sua casa. Ele, toda segunda-feira, fazia compras em Maceió e saía mundo afora vendendo seus mangaios. No fim de semana, retornava à Jequiá. Foram três anos de amigação. Até que um dia ele saiu para trabalhar e desapareceu, ninguém mais soube dele. Deixou uma criança em sua barriga. Era essa filha que estava doente. Quando acabou de contar a história, o carro chegou à lagoa de Jequiá.

 

 

Dr. Bernardo não conhecia a lagoa, ficou fascinado com o cenário, um espelho d’água refletindo o céu. Entraram pelo jardim até à casa branca de duas janelas e uma porta, verdes. O piso rústico de tijolo batido. No centro da sala, destacava-se uma mesa de madeira antiga com seis cadeiras pesadas, duas poltronas e um sofá completavam o ambiente. As paredes decoradas com motivos de pesca, uma tarrafa, um quadro da lagoa de Jequiá, presente do artista Alex Barbosa, e uma folhinha marcando o dia do mês e seu santo. A casa tinha três quartos, um banheiro e uma cozinha. A parte do fundo era avarandada e havia um pequeno quintal à beira da lagoa.

– Doutor, a Jurema está nesse quarto – disse Moema, abrindo a porta.

Encontraram a jovem deitada coberta com dois lençóis, tremia de frio, febril e tossia muito. Bernardo perguntou sua idade.

– Amanhã faço treze anos – respondeu Jurema com voz trêmula.

O doutor mandou-a sentar, era uma moçona. Fez alguns exames com o estetoscópio e as mãos experientes. Chegou à conclusão, diagnosticou pneumonia. Ferveu uma seringa na cozinha e aplicou na nádega um forte antibiótico, havia apenas uma ampola em sua maleta. Deu-lhe aspirina e mandou continuar em repouso. A menina estava com fastio, recomendou sopa de carne. Foi uma consulta rápida, a experiência do Dr. Bernardo valeu. Moema fez questão que ele tomasse um cafezinho; ele se desculpou, tinha pressa em retornar a Maceió, antes do escurecer. Marcou com Moema na tarde seguinte para lhe dar mais quatro ampolas do antibiótico, amostra grátis. Perguntou se havia alguém no povoado que aplicasse injeção. Moema aplicava, fez um curso de Enfermagem e quebrava o galho de todos que precisavam de sua ajuda no povoado. Dr. Bernardo retornou a Maceió, satisfeito com ele mesmo. Gostava de atender o povo carente.

Na tarde seguinte, Moema apareceu no consultório, feliz da vida, a filha havia melhorado bastante com a medicação. Bernardo lhe deu mais quatro ampolas de antibiótico e outros medicamentos amostra grátis, ela agradeceu e retornou imediatamente à lagoa de Jequiá em sua kombi velha de entrega.

Moema vendia peixe em Maceió duas ou três vezes por semana, tinha fregueses cativos, entregava nas casas, recebia no final do mês. Passou a aparecer no consultório, levava peixe, camarão, siri, embrulhados em folhas de bananeiras. Dr. Bernardo dividia entre as outras médicas e Anita, a recepcionista. As carapebas, ele levava para casa.

TRECHO DO ROMANCE “JEQUIÁ” QUE SERÁ LANÇADO DIA 12 DE AGOSTO ÀS 19 HORAS NA ACADEMIA ALAGOANA DE LETRAS, PRAÇA SINIMBU. TODOS CONVIDADOS.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 13 de março de 2021

A BARRA DE DONA LEONITA (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A BARRA DE DONA LEONITA

Barra de São Miguel, 30 km ao sul de Maceió, é uma das praias mais bonitas do Brasil, tornou-se município no final da década de 1960 e eu fui candidato à prefeito em 1972, eleito, exerci o cargo entre 1973 e 1977. Tive duas alegrias: uma quando tomei posse, outra quando passei o mandato. Foi minha primeira e única experiência política.

Barra de São Miguel foi revelada ao Brasil e ao mundo pela prefeita que me antecedeu, uma senhora nativa, batalhadora. Dona Leonita Cavalcante. Viúva corajosa conseguiu educar seis filhos, Angélica, Manduca, Júlia, Isabel, Rosinha e Miriel. Tornaram-se pessoas trabalhadoras, brilhantes, graças à dedicação e ao amor daquela extraordinária mulher. A Prefeita morava em uma enorme casa, estilo barroco, piso de tijolos batido, ajanelada, no centro da cidade. Fim de semana recebia a família e os amigos. A casa se enchia de agregados. A moçada aproveitava a praia, uma extensa passarela de areia fina e branca servindo de tapete para água do mar. Encravada mar adentro uma faixa de pedras, de arrecifes naturais, complementava a beleza cênica. Na enchente da maré, a água transbordante forma pequenas cachoeiras, espetáculo apaixonante.

Na hora do almoço Dona Leonita servia deliciosas comidas em uma mesa enorme, antiga, de madeira grossa. O almoço preparado pela própria Leonita tinha o sabor divino de suas mãos: carapeba, arabaiana ao molho de camarão, fritada de siri, e o indelével, delicioso, sacro-santo arroz de polvo.

Durante a noite os jovens convidados carteavam baralho acompanhado de cerveja até o amanhecer, ou aportavam em algum bar com muitas conversas, biritas, inacreditáveis histórias bem humoradas. Dona Leonita, mamãe grande, cuidava muito bem de suas filhas, das amigas, e dos rapazes. Controlava, tinha disciplina. Ai de quem desobedecesse às regras determinadas.

Certa manhã, partimos de Maceió para Barra em caravana, quatro carros, incluindo o de Dona Leonita e sua cunhada Dona Moema que lhe acompanhava.

No caminho passamos pela bela cidade barroca de Marechal Deodoro, resolvemos calibrar com algumas cervejas. Os carros estacionaram em frente a um bar com uma enorme sinuca, perto da casa onde o Marechal Deodoro da Fonseca nasceu. A moçada revezava na sinuca e cerveja: os irmãos Bentes, Edson Frazão, Alfredo Zagalo, Guilherme Palmeira, Esdras Gomes, Manduca e as filhas da Dona Léo e outros convidados.

Jogamos, bebemos intermináveis saideiras. De repente apareceu um menino chato, peru de jogo. Ficou grudado na borda da mesa de sinuca, peruando e atrapalhando as jogadas. Depois de mandar, várias vezes o menino se afastar da sinuca, Frazão, com sua irreverência intempestiva e irresponsável, disse para o garoto chato: “Ôh menino, tem o que fazer não? Aqui nessa cidade tem Delegado? Pois vá dizer a ele, que ele é corno!”

O menino desapareceu. Meia hora depois, por sorte, Angélica avistou quatro soldados, um gordo senhor e o menino, descendo a ladeira vindo na direção do bar. Ela percebeu a situação, alertou que o delegado estava chegando com a Polícia. Foi um desespero para esconder Frazão. O Magro se enfiou no sótão do bar, calado, permaneceu escondido.

O delegado apareceu brabo perguntando quem o tinha chamado de corno. O infrator ia ser preso por ofensa à autoridade. Dona Leonita interferiu, disse que o rapaz falou de brincadeira, e que tinha voltado para Maceió. O delegado, amigo de nossa Prefeita, depois de muita conversa, tomou outro rumo.

Alguém veio nos informar: o delegado havia bloqueado as saídas da cidade, estava revistando todos carros. Dona Leonita teve a idéia: deitaram o magro Frazão no chão traseiro do carro, coberto por uma manta. Conseguiram passar pelo ofendido delegado que olhava atentamente enquanto o carro passava pelos policiais.

À noite estávamos em três rodas de jogo de baralho na casa da Barra, quando bateram na porta. Era o delegado de Marechal Deodoro com a Polícia. Dona Leonita foi atender, Frazão escondeu-se ligeiro no banheiro do fundo do quintal. O diálogo foi difícil, o delegado foi informado que o indivíduo estava hospedado naquela casa, só saía com ele preso, não podia ficar desmoralizado, foi chamado de corno; ofensa mortal naquela época.

Foram horas de conversa, de negociação. Afinal Dona Leonita usou seus melhores argumentos: serviu à comitiva um gostosíssimo arroz de polvo, uma deliciosa fritada de maçunim, acompanhando cerveja bem gelada. O gordo delegado com olhar glutão foi esvaziando todos os pratos com cerveja. Dona Léo com conversa e comida, venceu. O delegado partiu de bucho cheio, sonhando com o divino arroz, com promessa de castigo por parte da Prefeita ao ofensor e de um jantar especial para ele na próxima semana.

Dona Leonita deixou de lado o coração bondoso, deu uma espinafração no magro Frazão. Ele ficou sério, ouviu tudo caladinho.

Hoje Barra de São Miguel é um local chique, atração turística do Brasil e do mundo, uma das praias mais bonitas do Nordeste. Todo novo rico, constrói ou compra uma casa na Barra de São Miguel.

A prefeitura é disputadíssima, o novo prefeito é o ex senador Benedito de Lira, pai de Arthur, o presidente da Câmara.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 06 de março de 2021

O ENTERRO DO COLAÇO (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

O ENTERRO DO COLAÇO

Carlito Lima

Foi numa comemoração da Anistia Política no final de 1979 em um bar no aprazível bairro da Mangabeiras que conheci uma das figuras marcantes da cidade de Maceió, Rubens Colaço, presidente do Sindicato dos Rodoviários, militante político, dirigente do Partido Comunista Brasileiro e boêmio inveterado. Ele estava sentado junto à minha mesa, quando alguém me apresentou como capitão, aproximou-se, deu-me a mão, conversamos até altas horas. Fizemos uma boa amizade, apesar das contradições políticas.

Certo dia apareceu em Maceió, Paulo Cavalcante, deputado pernambucano, ex-preso político no quartel onde eu servi como tenente em 1964, a 2ª Companhia de Guardas no Recife. Paulo pediu aos companheiros de partido para ter algum contato com seu ex-“carcereiro”, o tenente Lima. Rubens Colaço logo me telefonou. Juntos com Geraldo Majella e Alberto Jambo, passamos o fim de semana mostrando as belezas de Maceió a Paulo Cavalcante. Depois de rodar pelas praias urbanas fomos à praia do Francês, passeio de lancha na Lagoa com direito a banho no Broma. Bons papos, boas cervejas, peixe e camarão, comunista gosta de coisa boa. Paulo Cavalcante recordou muitas histórias durante sua prisão na Companhia de Guardas. Escreveu um livro, “O Caso Conto Como O Caso Foi”. Tornou-se meu amigo.

Assim consolidei minha amizade com Colaço. Muitas vezes encontrava-me com o velho guerreiro nos bares da cidade; sempre um excelente papo de humor, esvaziando copos. Certa vez um lavador de carro encontrou no chão do meu fusca uma dentadura. Como eu havia tomado umas cervejas com Rubens no dia anterior, fui até sua casa. Encontrei-o banguela. Ficou radiante que nem menino quando avistou sua amada dentadura. Entreguei-a enrolada em um pano, ele segurou-a, olhou-a com carinho, sorriu e no mesmo instante colocou-a na boca. Voltou a ter aquele sorriso maroto.

Anos depois Colaço morreu, houve uma comoção entre os moradores de Jaraguá, do Poço, Ponta da Terra, Mangabeiras e adjacências. Os estivadores do cais do porto pararam de trabalhar mais cedo para homenagear Colaço. Os pobres, os descamisados, os sem terra, sem teto, perdiam seu pai, seu irmão, seu farol, seu guru. O velório estava cheio, amigos dentro e na calçada, sempre tomando uma pinguinha.

Sua casa estava repleta de gente do povo, choravam a morte de um homem que se dedicou sua vida às causas do trabalhador, assim discursavam. A cachaça e a cerveja rolando. O choro e a emoção aumentavam com os discursos. Intelectuais, políticos, desocupados, até um padre e uma cafetina se apinhavam na casa. Seus amigos de copo e de luta prestavam a última e dolorosa homenagem. Os discursos sucediam e atrasaram a saída do enterro. Passava da hora de seguir para o cemitério de Jaraguá. Ninguém disposto a fechar o caixão. Até que alguém mais sensato advertiu que havia chegado o momento; a família acatou.

Ao segurar na tampa do caixão, um dos chorosos amigos, cheio de cachaça na cabeça, pediu para adiar o enterro, ficar mais um pouco com Colaço.

Formou-se uma calorosa discussão. Fizeram reunião na sala ao lado. Depois de muito discutir, um líder do PCB irritado com os companheiros bêbados, insistentes, saiu da sala, desabafou num rompante.

– Tudo bem façam o que quiserem. Peguem o defunto com caixão e tudo e enfiem no cu.

Deu-se um mal estar. A família do morto resolveu levá-lo naquela hora. Tamparam o caixão, foram em direção à sua última morada. O féretro seguiu caminhando, alguém na frente orientava o percurso. Ao entrar no cemitério, mandaram entrar à direita. Nesse momento, um fiel amigo, cheio da cachaça, gritou:

– Parem o enterro! O companheiro Rubens nunca entrou à direita quando vivo, sempre foi coerente com seus princípios e não será agora depois de morto que ele vá entrar à direita. Rubens Colaço só entra à esquerda.

Ouviram-se alguns vivas e o enterro prosseguiu sempre entrando à esquerda pelas ruas estreitas do cemitério, essa manobra durou mais de uma hora, até que afinal o caixão parou em frente à cova pronta para receber o líder Colaço.

Hoje ele deve estar à esquerda de Deus pai todo poderoso.

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 27 de fevereiro de 2021

A CASA DAS ALAGOAS, CONTO ERÓTICO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A CASA DAS ALAGOAS

Carlito Lima

Ao final de um dia nos hospedamos no Hotel Bahia à beira da estrada. Na portaria havia um quadro negro escrito a giz o preço: “QUARTO COM PINICO: CR$ 5,00”. “QUARTO SEM PINICO: C$ 4,00”. Perdi a foto dessa pérola brasileira.

Chegamos ao Rio, cansados nos dirigimos ao apartamento do Cáu (Cláudio Lima), Rua São Salvador, Flamengo, considerado como embaixada de Alagoas. Sempre havia um colchão para um hóspede amigo.

Naquela época funcionava a Casa das Alagoas, uma associação assistencial aos alagoanos radicados no Rio de Janeiro. Ponto de encontro para matar saudades e unir a tribo caeté. Roberto Mendes tinha sido eleito presidente da associação, ganhou uma eleição disputadíssima contra Ronaldo Lessa. Roberto sabendo de nossa ida programou um roteiro de festas para aquele fim de semana.

No sábado estava marcado um pré-carnavalesco, baile “Vermelho e Preto” no Clube de Regatas Flamengo. Embaixo do edifício fervilhavam botecos, bares, ponto de encontro da esquerda festiva, bares cheios. A juventude ia se achegando, começavam as paqueras. Para o baile era obrigatório vestir-se com roupas vermelho e preto. Depois de algumas doses num botequim partimos para a sede do Flamengo.

Roberto Mendes, organizado, comprou os ingressos antecipadamente. Na hora da entrada faltou ingresso para César, carioca, morou em Alagoas, amigo nosso, sentia-se alagoano. O Clube cheio, não havia mais ingressos à venda.

Ficamos matutando como resolver o problema da entrada de César, procuramos cambista ou quem quisesse vender um ingresso, nada. O tempo passando, nós, agoniados, perdendo o baile cheio de mulheres bonitas.

De repente Roberto observou um caminhão fazendo manobras, tentando entrar pelo portão lateral, ele gritou, “Encontrei a solução! Venha cá César!”. Partiram em direção ao caminhão. Confabularam com o motorista. Roberto voltou alegre, tudo resolvido: Soltaram uma grana, colocaram nosso amigo por trás do caminhão frigorífico que levava gelo à festa.

Entramos satisfeitos, acompanhados por lindas cariocas. A orquestra tocava o hino do Rio de Janeiro:

“Cidade Maravilhosa… Cheia de Encantos mil… Cidade Maravilhosa… Coração do meu Brasil …”

O baile fervia animado. Depois de algumas voltas no salão me deparei com César no bar tomando conhaque puro, camisa molhada, batia o queixo. Vinte minutos dentro do frigorífico do caminhão; quase morre congelado. Empurrei o carioca para o salão, sambamos até o dia amanhecer com as charmosas rubro-negras.

No domingo pela manhã, marcamos encontro na Praça General Osório. Maior expectativa, desfile da Banda de Ipanema. Roberto havia providenciado uma ala dos alagoanos. Nossa fantasia: sunga de banho de mar, tamanquinho de praia e uma toalha em volta do pescoço para abastecer de lança-perfume.

Começamos a esquentar as baterias num bar perto da praça. Uma festa o reencontro com velhos amigos. O bar lotado, nossa mesa das mais concorridas, cariocas bonitas, namoradas, paqueras. Era só alegria, felicidade e carnaval.

Em certo momento César sentiu fortes cólicas, talvez consequência da friagem do frigorífico, foi se esvair no acanhado e sujo banheiro. Depois dos serviços, depois de ter obrado, ele retornou à mesa. Logo pagamos a conta, levantamos para nos juntarmos à Banda e sairmos dançando e cantando, quando pela primeira vez alguém reclamou:

– “Eita fedor de merda! Alguém pisou em bosta!”

Olhamos nos solados dos tamancos, nenhum vestígio de cocô. Nessa altura havia uma multidão na Praça General Osório. A Banda animada tocava o samba:

“Nesse carnaval não quero mais saber… de brigar com você… vamos brincar juntinhos… água na boca para quem ficar sozinho… as nossas brigas… não podem continuar… porquê nosso amor não pode se acabar…”

Nosso grupo animado, ala cheia de mulheres bonitas, contrastava com o cheiro de merda no ar. Até que a fonte fedorenta foi descoberta: César, na hora do serviço, não notou que um tolete, merda pura, caiu dentro da sunga. Ele vestiu-a novamente. Infestou-se de cocô, meio bêbado não percebeu.

A Banda de Ipanema acabou-se à noite. Programamos terminar a farra no Restaurante Alkazar em Copacabana. Enfrentamos um ônibus lotado, muita gente em pé, se acotovelando. A certa altura um passageiro gritou:

– “Motorista pare! Alguém cagou dentro do ônibus!!!”

Resumindo a história, o motorista parou numa Delegacia. César se delatou, foi preso, descemos e ficamos na Delegacia em solidariedade ao cagão. O delegado soltou César depois de um banho com sabugo.

Terminamos a noitada às gargalhadas no Alkazar com as namoradas cariocas, relembrando as façanhas até o fim da noitada. Era o início de férias no Rio de Janeiro no tempo de Roberto Mendes, presidente da Casa das Alagoas.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 20 de fevereiro de 2021

O VELHO E O MAR (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O VELHO E O MAR

Carlito Lima

Quatro da manhã, como todos os dias, Seu Rodolfo acordou-se, ainda deitado na cama de colchão de palha, enlaçou Santinha pelas pernas, falou ao ouvido, “Está na hora”. Enquanto a esposa dirigia-se à cozinha preparando café, macaxeira, inhame, peixe frito, Seu Rodolfo dirigiu-se à casinha (banheiro sanitário construído no quintal das casas, chamava-se casinha), depois de ter-se aliviado, limpou-se com um pedaço de jornal e jogou no lixo. O jornal datado da época (1942) tinha a manchete de primeira página impressa, “Submarino alemão torpedeia mais um navio no litoral nordestino”. Depois do café arrumou um bisaco com farinha, carne do sol, banana e laranja; outra sacola com linhas, anzóis, iscas, colocou os fardos e a tarrafa nos ombros e dirigiu-se à praia.

Sua casa ficava nos arredores do bairro boêmio de Jaraguá, ao longe se ouvia música de amor dos cabarés retardatários. Perto do Bar da Tartaruga, junto ao primeiro trapiche de açúcar, Rodolfo acomodou as sacolas na jangada, foi ao bar, cumprimentou outros colegas, nas mesas estavam alguns boêmios acompanhados por prostitutas de lábios pintados de carmim, viravam a noite. Rodolfo tomou café com o compadre Moacir, dono do Bar. Ao sair, o amigo desejou boa pescaria. Seu Rodolfo desamarrou a jangada colocou dois rolos de coqueiro por baixo, empurrou-a até entrar na marola.

Como num ritual militar, hasteou as velas de pano branco. Molhou o velame estirado com água do mar, tomou o remo como leme, rumou a jangada mar adentro. O sol vermelho apareceu como se fosse uma cabeça de criança nascendo, alaranjou as nuvens, o mar tornou-se azul. A cidade de Maceió, ao longe, parecia apenas uma fileira de casas pequeninas. Seu Rodolfo dirigiu a jangada a um local onde havia bons cardumes, conhecia cada canto do mar. A bússola era o olhar e a direção do vento, sabia navegação empiricamente, aprendeu com a vida no mar desde cinco anos, seu pai também foi pescador.

Seu Rodolfo levava sol na pele encardida, completava 50 anos naquele dia, parecia mais velho, já tinha a vista anuviada pela constante exposição ao Sol. Amava o mar e seu trabalho, cada peixe puxado dentro do mar era uma vitória da vida diária. Retornava por volta das três da tarde, abria e tratava o peixe com peixeira no Bar da Tartaruga, colocava-os em um samburá, caminhava gritando na Avenida da Paz, “peixe fresco”, “olha o camorim”, “carapeba”. Seu Rodolfo tinha boa freguesia, inclusive minha mãe. Era amigo das famílias nos arredores da Avenida.

Naquela manhã a sorte estava a seu lado, ainda não era meio dia os caixotes estavam quase cheios de xaréu, arabaiana, bijupirá, carapeba, garassuma, pescados pelas linhas jogadas ao mar e tarrafas. De repente ele sentiu um puxão em uma linha, alegrou-se, pensando ser peixe grande. Deu mais linha para cansar o bicho, logo depois puxou e sentiu ser um enorme peixe, era preciso paciência, astúcia para brigar contra um peixe daquele tamanho, sentia pelo puxão, duas horas depois continuava a briga do peixe grande contra o velho Rodolfo. O cansaço chegou a ambos.

Seu Rodolfo estava atrasado em sua tarefa diária na cidade, entretanto, nada lhe abalava, preferia a luta com o peixe grande. Depois de muito embate, Rodolfo resolveu dar toda força que tinha no momento, lutou cerca de meia hora até conseguir puxar o peixão para cima da jangada. Vitória. Rodolfo ficou contemplando embevecido o maravilhoso pescado, amou aquele peixe valente que brigou por mais de três horas. Calculou que o peixe tinha entre 30 e 35 quilos, ficou contemplando com orgulho sua façanha heroica. Antes de cortá-lo, mostraria aos amigos na beira do cais. Os pescadores iriam morrer de inveja.

Rodolfo amarrou o peixe grande num pau da jangada, desfraldou novamente a vela em direção à praia. Não havia meia hora de navegação quando sentiu uma onda levantar a jangada, percebeu algo estranho acontecendo. Novas ondas, o mar ficou revolto em torno da jangada. Seu Rodolfo pensou, deve ser baleia, aparece a qualquer momento, sem medo comandava a jangada quando inesperadamente emergiu perto da jangada um navio parecendo um enorme charuto. Seu Rodolfo ficou na espreita, o navio-charuto depois de ficar fora d’água, parou. Não se avistava ninguém.

De repente uma portinhola abriu-se, saíram três homens vestidos apenas de calção preto, pele rosada, louros como nunca havia visto. Os homens falavam, ele não entendia. Depois de algum tempo, comunicando-se por meio de gesto, Seu Rodolfo compreendeu, os galegos queriam trocar seus peixes por materiais e comidas em conserva. Com lástima, entrou no negócio o peixe grande, o velho pescador recebeu enorme quantidade de queijo, presunto, sapatos, botas, cigarros, encheu a jangada. Logo depois o navio-charuto desapareceu no fundo do mar. Seu Rodolfo se lastima até hoje em ter entregado o peixe grande. Quando tomava uma cachaça, chorava, lembrando o peixe grande, que muita gente ainda gozou como história de pescador.

Essa história, Seu Rodolfo, calçado com botas pretas militares, tomando cachaça no coreto da Avenida da Paz, contou a mim, meu tio Nilo e meu irmão Betuca, em 1952, eu tinha 12 anos. Inesquecível.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 13 de fevereiro de 2021

O XIXI DO TENENTE (CONTO DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

O XIXI DO TENENTE

Carlito Lima

Ele era tenente, alto, forte, atleta, campeão de vôlei e basquete. Mas gostava mesmo de outro jogo mais maneiro, um carteado. Aos domingos sempre almoçava em minha casa, assim que chegava entrava na rodada domingueira de um pôquer baratinho, que meu pai jogava com alguns vizinhos. Eu, no início da adolescência, admirava aquele tenente desenvolto, risonho e franco. Porém, a maior admiração era o que ele tinha de mais bonito, mais precioso, sua gentil e alegre esposa. Quando o tenente sentava para jogar, ela dizia não entender como podiam perder uma praia tão bonita como a da Avenida da Paz. E me chamava para acompanhá-la, dar um mergulho. Aos domingos eu ficava em casa de propósito, à espera do jovem casal e desse convite.

Ela me abraçava pelo ombro e descíamos à praia, sentávamos na areia branca e fina embaixo da sombrinha. A Deusa era olhada e desejada por todos os homens de todas as idades. Ficavam contemplando o ritual, a divina tirava devagar a blusa e o short até aparecer seu biquíni sempre em tecidos floridos. Acredito que tenha sido o primeiro biquíni usado nas praias de Maceió. Estirava a toalha na areia, pegava um livro e deixava que o Sol e os olhos pecaminosos dos homens, inclusive os meus, tomassem conta daquele corpo perfeito, pernas esguias douradas de penugens lourinhas oxigenadas, como se fossem enfeites, dava um irresistível desejo de alisá-las.

Ela pedia que lhe chamasse quando estivesse na hora do almoço para dar o último mergulho e irmos juntos para casa. Na hora do futebol, eu deixava aquela mulher deitada ia bater minha pelada. Ficava me gabando, fazendo inveja em ter uma amiga carioca. Os amigos e os mais velhos queriam saber tudo sobre aquele monumento. Antes do almoço mergulhávamos juntos, ficávamos na brincadeira de dar caldo um no outro, cruzando nossas pernas embaixo d’água ela gostava daquele jogo, de propósito alimentava minhas fantasias.

Havia um grande advogado em Maceió, com fama de competente e mulherengo. Certo dia a bela criatura teve que recorrer ao doutor sobre uma herança. O famoso causídico, por sinal um tremendo canalha, passou a maior cantada em nossa Deusa. Ela discreta, com classe se esquivou, terminou a conversa, foi embora, prometendo nunca mais voltar àquele escritório. Só porque vestia roupas leves, sensuais, andava de biquíni nas praias e nos clubes, era uma moça extrovertida, típica carioca, o doutor fez um erro de avaliação e continuou assediá-la por telefone ou quando a via. Mas a moça era honesta, aguentou quanto pôde o assédio. Até que um dia, acabou a tolerância, contou toda a hist6ria para seu tenente, alto, forte e bonito.

Ele mandou a esposa marcar um encontro na própria casa dizendo que o marido viajaria. No dia, na hora, sem atrasar um minuto o advogado bateu à porta. Logo ao entrar, ela constrangida, mandou-o sentar-se. Mas o doutor estava com a cabeça virada, agarrou-a, sem preliminares, que a situação exige.

No momento em que tentava abraçá-la, apareceu o tenente na sala empunhando uma pistola 45. O susto deu um branco literalmente no doutor, ficou da cor de papel, gaguejava tentando explicar. O medo foi enorme, o doutor borrou-se na calça, e pedia suplicante: “Não me mate, não me mate.” Ajoelhou-se chorando.

O tenente disse-lhe que o mandaria às profundas do inferno, onde jamais cantaria uma mulher honesta. O famoso advogado chorava e gemia, pedia perdão. O tenente deixou prolongar por um tempo a expectativa, gozando do choro do conquistador. Certo momento ele pediu a mulher trazer-lhe um copo grande na cozinha. Pegou o copo, desabotoou a braguilha e num jato forte fez xixi dentro do copo. Levantou o copo cheio com a mão esquerda e a pistola com a direita, disse alto em bom tom: “Não lhe mato, mas você vai beber o meu xixi.”

O doutor não teve dúvida pegou o copo, colocou os lábios na borda e tomou aquele liquido amarelo, quente e espumante. Quando terminou, ele tremia de medo, de pavor. Nesse momento o tenente foi ríspido: “Vá embora seu filho de uma cadela e nunca mais cruze comigo ou com minha mulher, na próxima vez, sem perdão, meto uma bala nos seus cornos.”

Eu ouvi essa história contada pelo próprio tenente a meu pai. Sentado perto dos dois, eu organizava a coleção de selos como quem não quer nada, prestando atenção à história. No domingo seguinte desci à praia mais cedo. Quando a musa apareceu na praia me deu um alô com as mãos perguntando: “Onde está meu cavalheiro que não me esperou?”

Aproximou-se abrindo os braços, me abraçou forte. Ao deitar-se na areia, fascinado olhei suas apetitosas pernas, lembrei-me da história. Pensei. “Se o tenente descobre meus desejos, vou terminar comendo cocô.”


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