Há mais de 15 anos um grupo de amigos, quase idosos, costuma se reunir para uma cervejinha gelada e uma conversa para lá de bem humorada nas manhãs dos domingos na Barraca Pedra Virada, orla da Ponta Verde. Às 12:30 horas termina a reunião da Confraria dos Barrigas Brancas e todos retornavam ao lar. A Confraria é assim nominada porque no Ceará, Barriga Branca é o homem mandado por mulher, apesar do nível dos componentes ser o melhor possível: engenheiros, médicos, advogados, escritores, artistas e outros desocupados. Infelizmente a pandemia fez parar as reuniões.
Uma das figuras marcantes da Confraria era o economista, Radjalma Cavalcante. Como bom professor, ele sempre contava histórias interessantes que deveriam estar em um livro porque configuram a história de nossa cidade.
No início de 1967 foi anunciada a peça “Liberdade – Liberdade” de Paulo Autran e Tereza Raquel a ser apresentada no Teatro Deodoro. Dia seguinte o jornal publicava o cancelamento da peça, sucesso em todo Brasil. Radjalma, como presidente do DCE, líder estudantil, foi ao Teatro saber o que havia acontecido. O Diretor Bráulio Leite Júnior, confidenciou, foi ordem do Delegado de Ordem Política e Social negar a apresentação desculpando-se que havia outro compromisso naquela data. A peça para o Delegado era subversiva.
Radjalma tomou um ônibus para o Recife e conseguiu falar com Paulo Autran e contou a trama do Delegado para não apresentar a peça em Maceió. Paulo Autran respondeu:
– Menino, estou percorrendo o Brasil com essa peça sabendo que haveria provocações como esta que estão me fazendo em Maceió. Se você até amanhã às 17:00 horas me garantir o Teatro, eu dou um jeito para apresentar a peça em Maceió.
Radjalma retornou a Maceió no corujão. Depois de muitas visitas e telefonemas, mexendo até com o com governador, conseguiu liberar o Teatro Deodoro para peça. Imediatamente telefonou para o Paulo Autran.
A peça “Liberdade-Liberdade” lotou o Teatro Deodoro nas duas noites em que se apresentou em Maceió. Até hoje está fixada na parede do Teatro a placa mandada fazer por Radjalma:
“Neste teatro Paulo Autran cantou a Liberdade. Homenagem dos Universitários”.
Radjalma criou o cinema de arte nos anos 60 nas manhãs de sábados no São Luiz. Era uma diversão para juventude, depois do cinema, encontrar-se num barzinho para encher a cara e discutir o filme.
Ele gostava de contar essa história: No Tempo do Reitor Manoel Ramalho de Azevedo, Radjalma foi o Pró Reitor do Campus Tamandaré que funcionava na restinga do Pontal da Barra, no prédio onde foi a Escola de Aprendizes de Marinheiro, depois o DETRAN. Nos anos 1970, a fábrica de produtos químicos SALGEMA, hoje com o nome de BRASKEM, foi instalada na praia do Trapiche da Barra bem perto do Campus Tamandaré da Universidade Federal de Alagoas. Naquela época diziam que a fábrica SALGEMA seria a salvação econômica do Estado, gerando empregos e rendas. Poucos perceberam o perigo, a má localização, entre a Lagoa e o Mar. Quatro meses antes da SALGEMA começar a funcionar, houve uma reunião entre Diretores da fábrica, o Comandante da Polícia Militar, o Comandante dos Bombeiros e o Reitor da UFAL, que tendo viajado, solicitou ao Pró Reitor Radjalma Cavalcante representá-lo. A reunião foi rápida, um diretor da SALGEMA perguntou ao Radjalma quantos alunos e funcionários havia no Campus Tamandaré. Ele respondeu seguro.
– Cerca de 3.000 (três mil)
O Diretor da SALGEMA, de imediato deu a ordem.
– Então, a Universidade Federal de Alagoas terá de comprar 3.000 máscaras contra gases, e construir um galpão com paredes especiais de proteção para que em caso de algum acidente de vazamento de produto de cloro na fábrica, sejam acionados imediatamente esses dispositivos de segurança.
– A UFAL não tem dotação para essas despesas. Respondeu Radjalma preocupado.
– É problema da UFAL. Disse o diretor encerrando a reunião.
– Problema da UFAL, não. Problema da fábrica. Asseverou Radjalma.
O Campus Tamandaré foi desativado com mais de 3.000 estudantes e funcionários. A sorte é que as novas instalações da Universidade estavam prestes a serem inauguradas na Cidade Universitária.
Era assim meu amigo Radjalma Cavalcante que se foi no início do ano. Inteligente e corajoso. Dedicou sua vida à educação e cultura de Alagoas. Tenho saudades de suas conversas. Quando a Confraria dos Barrigas Brancas reabrir, jamais será a mesma sem nosso querido Radjalma Cavalcante.