Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)
Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.
Xico com X, Bizerra com I segunda, 18 de novembro de 2024
O menino tinha sua vaquinha de estimação, numa distante Arapiraca, em meio à plantação de fumo. O leite branquinho de Pretinha, seus chifres afiados e sua bosta cheirosa fazem parte de um passado que teima em não passar, de tão bom que foi. A farinha ficou sem gosto ao não mais misturar-se ao leite de Pretinha. Restou muita saudade depois que ela partiu, enterrada como gente, com todas as honras merecidas, pelo bem que fez, pelas coalhadas ao fim da tarde. Faltou-lhe a cruz, no quintal em que ela foi repousar eternamente. Menos por desmerecimento, mas muito mais pelo receio de que viesse o menino a ser punido pelos Deuses, se julgassem o ato uma heresia e, por castigo, não permitisse que outras Pretinhas viessem a ocupar o lugar daquela que se foi. E levou consigo seu leite branquinho. (Crônica dedicada a Valdir Oliveira).
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Xico com X, Bizerra com I quinta, 07 de novembro de 2024
APRENDER A VOAR (CRÔNICA DO COLUNISTA XICO BIZERRA)
Sou vizinho do sonho. Vez por outra tropeço num Pessoa esquecido no vão da escada, abraçado com um Drumond meio amarelado pelo tempo. No mais recôndito esconderijo do ouvido me ternuro, quando em vez, com um verso solto de Vinícius, um refrão bonito cantado pelos Beatles ou um bolero de Aldir. Não com dificuldade descubro um grilo trocando ideias com uma rã sobre Manoel de Barros. Que bom que encontremos tantas boas coisas espalhadas nos arquivos da memória, nas prateleiras afetivas da saudade, no armazém das maravilhas. Prefiro assim a mandar minhas boas lembranças morar nas nuvens, como fazem os jovens de hoje, que desconhecem os Pessoas, os Vinícius e os Lennons e só conhecem, com intimidade excessiva, os HDs e pendrives da era pós Anita, coisas que minha alma não alcança. No meu país de sonhos ainda não me ensinaram a chegar nas nuvens da tecnologia. Ainda bem. Não me interessa aprender a voar. Isto é para os pássaros. Ou os anjos. Não sou uma coisa nem, muito menos, a outra.
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Xico com X, Bizerra com I quarta, 08 de maio de 2024
POUSADA DA ESPERANÇA (CRÔNICA DO COLUNiSTA XICO BIZERRA)
Nesses tempos de Pandemia e seguindo o sábio conselho do Poeta Maciel Melo deixei hospedar-se em minha pousada interior, além da Poesia, a Esperança de dias melhores. Para ela reservei o melhor cômodo, a melhor cama e a flor mais cheirosa. Deixei uma penteadeira sortida à sua disposição e uma quartinha de água bem friinha, do tanto que ela merece, além de uma imagem bonita do meu santo protetor, São Francisco de Assis. Não tem desculpa. Se à minha Poesia essa esperança não se aliar e prosperar de vera, se a vacina não chegar, se os homens do Planalto continuarem insensatos e donos da verdade aí, de vez, entrego os pontos. Não dá mais para segurar. O coração ‘tá pra explodir, de angústia e tristeza. Mas meu santo Chico é muito competente e dona Esperança até hoje não falhou. Tardou, às vezes, mas falhar, nunca! E não vai ser agora.
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Xico com X, Bizerra com I terça, 23 de abril de 2024
O BESOURO E O CASAL DE MARIBONDOS (CRÔNICA DO COLUNISTA XICO BIZERRA)
Na antena esquerda da borboleta amarela, no quadro dependurado na varanda do primeiro andar da casa de Gravatá, mora um besouro pequenino. Ali, ele achou de fazer sua minúscula casinha. Lá está ele, feliz, apesar de solitário.
Tempos atrás, ao lado, fez-lhe companhia, certamente por inveja de tão privilegiado lar, um casal de maribondos, tão pacíficos quanto seu vizinho. Nunca nenhum deles aperreou o plácido besourinho, companheiro da paz e inimigo dos malfazeres. Foi respeitado o seu direito de viver em Paz. Tudo acumpliciado pelo olhar terno de minha Pata-de-Elefante. E assim viveram, besouro e maribondos, estranhos ao que acontecia fora de seus mundos tão diferentes e iguais, saboreando profanos mistérios e absorvendo sagradas descobertas de respeito mútuo entre eles, com mais raciocínio e inteligência que nós, humanos, doidos por uma briguinha, loucos por uma guerra.
Acho que São Francisco de Assis, que me protege e a minha casa vela, é o responsável por esse clima de união. Certamente o Santo Chico, o Santo dos bichos, também é protetor de besouros e maribondos. Eles, o Santo, minha Pata-de-Elefante, o besouro e os maribondos, nos ensinam que a Paz é possível.
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Xico com X, Bizerra com I segunda, 22 de abril de 2024
SILÊNCIOS E BARULHOS (CRÔNICA DO COLUNISTA XICO BIZERRA)
Para onde vão nossos silêncios quando calamos nosso sentir? Acho que se arraigam em nosso peito e se escondem nos vazios da alma até que alguém os descubra, antes que virem pesadelos. E então descobertos, eles tagarelam com toda a zoada que o silêncio liberto pode permitir. É quando os sentimentos se mostram presentes para iluminar, colorir e perfumar nossa vida, tornando-a um poço de possibilidades alvissareiras em que o barulho silencioso de um abraço torna-se tão envolvente quanto o silêncio ensurdecedor de um reencontro desejado. É quando silêncios e barulhos se desimportam e se confundem ante a importância das zoadas e calares do todo ao redor, da pequenina e distante estrela à imensidão de um mar próximo.
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Xico com X, Bizerra com I domingo, 07 de abril de 2024
A CAPELINHA DE SANTA LUZIA (CRÔNICA DO COLUNISTA XICO BIZERRA)
No meio do caminho de minha casa até a Vila União, chão de terra batida que percorria a cada domingo, pela manhã, havia a pequena capelinha de Santa Luzia, sempre de portas fechadas, mesmo domingo sendo. Nunca entendi porque fechadas, sempre, mas assim era. A parada era obrigatória na minha rotina dominical para rezar uma Ave-Maria em intenção àquela Santa, protetora da visão, agradecendo a dádiva do ver, o dom do enxergar, a graça do olhar. Ficava a imaginar o quão triste devia ser não vislumbrar o degrau entre o chão e a calçada da capela ou a espessura daquela porta sempre cerrada ou, ainda, a desventura do não poder se deleitar com o futebol daqueles meninos magros, pés descalços, camisas rotas, a correr atrás de uma bola gasta no campinho de areia fofa que ficava bem atrás da capelinha. Em minha inocente prece pedia que Santa Luzia olhasse por aqueles meninos franzinos e por todos nós, privilegiados, olhos atentos ao belo, corações sensíveis à fé.
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Xico com X, Bizerra com I sexta, 15 de março de 2024
PORTO, PERTO, PARTO (CRÔNICA DO COLUNISTA XICO BIZERRA)
PORTO, PERTO, PARTO
Quando eu for Porto, ancore, desça, venha passear em mim, com calma, devagar, vasculhando-me a alma, tim-tim por tim-tim. Ao ancorar, derrame-me seu amor pra ganhar muito mais amor. Quando eu for perto, esqueça o longe pois o longe é tão distante que pode fazer cessar a hora desse instante e todo tempo é tempo e hora do amor. E quando eu for parto, parto de dar a luz e não parto do partir, seja a luz e o cordão na hora do parir, seja o sol e traga a luz pra pintar de paz todo o amor que há em todo porto perto de nós antes que um de nós parta. Serei feliz. Por ti.
Xico com X, Bizerra com I domingo, 10 de março de 2024
VIVER POR SOBRA DE AR OU MORRER POR FALTA DELE (CRÔNICA DO COLUNISTA XICO BIZERRA)
À Ciência falta descobrir a vacina contra a dor da solidão. Acho que os cientistas não sofrem desse mal ou, por não lhes sobrar tempo e preocupados com a cura de outras mazelas, não se importam com o amor, com o namoro, com a paixão. Em seus laboratórios, tão limpos e assépticos, entre tubos de ensaio e microscópios, não há espaço para experiências com afetos, beijos e abraços. Por isso, respeito a alma simples do borracheiro, em seu ambiente de trabalho sujo e sebento, que a cada cusparada na válvula da capsulana verifica o ar de um pneu. A ele, basta a vida e seu ofício para abastecer-se de esperança pela cura da melancolia, da saudade e da dor da solidão, vírus piores que qualquer outro. Sobra-lhe ar, a ele e ao seu equipamento precário e débil. Ao final, ele é mais feliz que o dono do banco. Esta semana o rico banqueiro do Amazonas não resistiu à falta de ar. Ao borracheiro, sobra-lhe esse artefato tão valioso.
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Xico com X, Bizerra com I segunda, 05 de fevereiro de 2024
Infinito-me em divagações percebendo nas ruas vazias de gente a esperança pedindo passagem, sonhando com uma seringa, desejando uma vacina. Os crápulas fingem não ouvir e continuam sua saga do mal, rindo da miséria alheia, provocando aglomeração sem máscara. Fingidores. Não o fingidor poeta, aquele de Pessoa, que, em nome da Poesia e do bem, finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente. Muito ao contrário, usam a máscara do fingidor que finge não perceber o sofrimento do semelhante. Até quando? O passado já passou e o futuro não existe, nos ensinava o sábio Francisco Brennand. Resta-nos, pois, este hoje que temos, esse tempo triste, cruel e desolador. Pergunto de novo: até quando? Somos coniventes ao permitir o inferno.
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Xico com X, Bizerra com I sábado, 20 de janeiro de 2024
A FESTA DA CHUVA (CRÔNICA DO COLUNISTA XICO BIZERRA)
O assovio do vento anuncia a água que está por chegar, aumentando a esperança do povo daquele sertão. Ainda tímidas, espalham-se no céu nuvens de chuva tímida, de neblina preguiçosa. O mato espera fazer-se verde, e faz tempo, aguardaaquela visita tão desejada e rara. O chão, encalombado de tão seco, também confia no bendito líquido para voltar a ser terra. O homem pobre, encarregado de criar os bruguelos postos na vida, ora cada vez mais, joelhos ralados de tanta oração, promessas tantas acertadas com o povo do céu. Poderia um dia pagá-las, tantas que foram feitas? Mas o Pedro lá de cima, dono das chaves e torneiras celestiais, resolveu abri-las e derramar a chuva tanta que sobrou, ocupando barreiros e açudes, e enchendo de alegria, sobremaneira, o coração daquele povo sofrido e que só pedia água. Ela está ali, límpida e limpa, inodora e incolor, saciando sedes, matando vontades tantas vezes não supridas. A chuva veio. Com ela, a festa. Por quanto tempo ficará por ali?
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Xico com X, Bizerra com I sábado, 06 de janeiro de 2024
sob a mira de uma máquina de escrever, o tambor das letras gira à procura do alvo gramatical: a meta é a palavra fácil, a rima perfeita e não perdida, nunca a bala, a bala errada. não a de hortelã. puxa-se o gatilho da frase e todo o parágrafo se esvai, num chão palavreado. Ali jaz a frase. Às vezes, de uma palavra só: Paz. Bem que eu sempre quis apenas um porte de alma pra todos nós … um livro, um violão, um poema. uma arma, jamais.
Xico com X, Bizerra com I terça, 26 de dezembro de 2023
MEUS SENTIMENTOS (CRÔNICA DO COLUNISTA XICO BIZERRA)
Todo dia, a viagem de um amigo. Quantas perdas em tão pouco tempo. Maldito vírus. Tenho a impressão que o Céu está cada vez melhor pela qualidade de gente que tem partido lá pra cima … Haverá pandemia por lá? Haverá desgoverno por lá? Serão tão cinzentos e desesperançosos os ares de lá? A tristeza abriu a porta do meu peito e, aos poucos, se abancou em minha cadeira de balanço, onde eu sonhava, quando meu sonho ainda não era pesadelo. Até quando? Já perguntei e ninguém soube responder. ‘Aceite meus sentimentos’, de tanto ser dita, está banalizada. A frase, claro, não o sentimento. Este, de tristeza e saudade, permanece vivo e presente, a cada partida, a cada viagem só de Ida, a cada lágrima que se derrama e que teima em não se enxugar. Aceitem meus sentimentos sinceros pelos seus que já não estão entre nós.
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Xico com X, Bizerra com I segunda, 18 de dezembro de 2023
O Poeta Lau Siqueira, lá da Paraiba, declarou que ‘tomou a primeira dose e pediu mais uma. Toda de branco, impecável, a garçonete disse que a próxima dose somente seria servida em 28 dias.’ O ‘boteco’, em tempos do politicamente correto, lhe sugerindo moderação.
2. Felice ma non molto
Depois de termos sido infectados, em julho 2020, eu e D Dulce tomamos, quarta, 24, a 1a. dose da vacina. Confiamos em Deus estarmos agora definitivamente protegidos do impiedoso vírus. Como diz Elza Soares, doeu! Um pouco na carne, muito mais no peito. E ainda dói, ao lembrar dos que não tiveram a chance da vacina e se foram. Por isso, confesso: estou feliz, mas não posso ou devo comemorar: seria injusto, desumano até. Um desrespeito a dor das famílias que sonharam com esta vacina, mas que viram o tempo e o vírus serem mais rápidos e cruéis. Que Deus proteja este País e seu Povo, espantando todos os males, os tempos cinzentos e os desgovernos que tanto nos atormentam e afligem. Vade retro, malditos vírus. Vacina para todos. Viva a Ciência.
3. Justice be done
Seria injusto deixar de elogiar o trabalho da equipe de Vacinação que nos atendeu no Clube do SESC, Jaboatão. Gentis, pontuais e prestativos, pareciam, todos, habitantes do primeiro mundo. Parabéns e obrigado a todos!
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Xico com X, Bizerra com I segunda, 11 de dezembro de 2023
Eu e minha mania de guardar e consertar coisas velhas. Ontem mesmo recuperei um tênis antigo, por causa de uma pequena falha em sua lateral. Ficou novo e pronto para o novo uso. Minhas prateleiras estão sempre cheias de coisas remendadas. Mas só remendo aquilo que vale a pena remendar. Outras coisas vão para o lixo por não merecerem qualquer reparo … São como as feridas ao longo da vida: há as que cicatrizam pelo cuidado que tivemos em tratá-las e as que permanecem feridas pelo resto do tempo. E há aquilo que de tão remendado já não se presta para o uso. Uma vez tentei remendar um sonho e o resultado não foi bom: ele deixou de ser sonho e se transformou numa saudade que inda hoje incomoda o que dele restou.
"
Xico com X, Bizerra com I segunda, 27 de novembro de 2023
MEU NOME E COMO ME CHAMAM (CRÔNICA DO CLUNISTA XICO BIZERRA)
Minha mãe, extremamente católica por tradição familiar e por crença própria, colocou Francisco como meu nome, em homenagem ao Santo de Assis, a quem, no futuro, adotei como protetor. Achou pouco e convocou outro Santo para ser meu Padrinho (naquele tempo havia isso de ter um Santo Padrinho): José. Assim, enquanto criança, me chamavam pelo nome completo. Francisco José, de Myrthinha. Com o passar do tempo o vocativo foi abreviado para Francisco e logo depois, mais prático ainda, para Xico, como sou tratado nos dias atuais. Quantas consoantes e vocais foram gastas no passado, sem necessidade, quando me chamavam de Francisco José. Assumi tanto e com o maior prazer o Xico que, se ao passar numa rua alguém gritar Francisco José ou simplesmente Francisco certamente nem olharei, pois entenderei tratar-se de alguém a chamar um outro alguém que não eu. Mas nenhum vocativo me apraz mais que o que ouço nesses dias atuais: nem Francisco José, nem Francisco, nem Xico. Adoro quando ouço gente importantíssima, de olhar doce e infantil, olhar para mim e me chamar de Vovô.
Primeiro, chegou Bernardo Vinicius veio depois Agora vem Leonardo, Vai ser três o que era dois, Vai caber tudo no peito De um cabra satisfeito Eu, Bezerro, eles meus bois
Xico com X, Bizerra com I terça, 21 de novembro de 2023
Sou água, chuva, e quando esteio, deixo as marcas do bem, das terras que pintei de verde, dos frutos paridos sob o meu líquido, dos rios de beiços molhados que perenizarão os mares. Gotejo no início para me transformar, aos poucos, em transbordo, em água muita, para lavar sonhos e enxaguar mágoas. Fui nada, nuvem, neblinei, sou chuva. Para alegria de quem quer fartura, para quem tem filho pra dar de beber. Pra lavar, pra lavrar, pra beber, pra molhar e pra aguar a flor. Pra tudo isso sou chuva. Deixem-me chover.
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Xico com X, Bizerra com I terça, 14 de novembro de 2023
Abril já se acabando Maio dizendo: – vou já e o bucho de Mariana cresce, cresce sem parar ‘Garrinchina’ peladeiro dribla e chuta o dia inteiro não se cansa de chutar
Aqui do lado de fora Sorrisos de canto a canto Só avós, existem quatro tios, tias, outro tanto esperando o novo bardo sede bem-vindo, Leonardo vem mostrar-nos teu encanto
Mas quem fica mais feliz é o seu mano Bernardo Vinicius, também na espera com um sorriso estampado mesmo com tempos cinzentos, genocidas, excrementos, espero, abraço guardado
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Xico com X, Bizerra com I segunda, 06 de novembro de 2023
AFEPLACON (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Minha Assessoria para Assuntos de Felicidade Plena e Alegrias Constantes – AFEPLACON, comandada por Bernardo Bezerra há quase 8 anos, e coadjuvada pelo jovem Vinícius, a partir de Junho de 2020, recebeu hoje, dia 29.04.21, 13 hora e 11 minutos, o reforço de seu mais novo integrante, o jovem LEONARDO, cujo curriculum registra suas qualidades naturais, entre as quais destacamos: 51,0 cm de saúde e 3,405 quilos de boniteza. Estagiou durante 9 meses no bucho de minha filha Mariana e recebeu monitoramento, influências e orientações de Clécio, seu pai, meu genro. Por aqui, eu e Dona Dulce, temos certeza que o novo integrante da XI-DUL-AMOR vai se adaptar muito bem às suas novas atividades, já sabendo que sua presença junto à nós é motivo de muito regozijo. Temos certeza que, por seu desempenho e pelas avaliações de mérito de nosso Estatuto de Carinhos e Afagos, rapidamente e de forma consistente, ele ascenderá aos mais altos escalões da organização do bem querer familiar em que ora ingressa. Seja bem-vindo, bem acolhido e bem-aceito, Léo. Obrigado por chegar.
Xico com X, Bizerra com I terça, 24 de outubro de 2023
NOITES E AURORAS (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Toda noite teve e terá auroras. Assim já disse Castro Alves. E quem sou eu para discordar da imensidão desse Poeta? Por mais trevas que tenha a noite, por mais negrume que a envolva, seu fim será anunciado pela chegada da aurora do dia seguinte, assim como foi a aurora a precursora da noite que vem chegando. E entre uma aurora e outra, tanto coisa se sucede, tantos fatos ilustram o dia que as separa. Coisas boas e outras nem tanto. Alegrias e tristezas, risos e choros, luzes e escuridão. E assim será até quando não mais existirem as auroras. Nem as noites. Nem os dias.
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Xico com X, Bizerra com I quinta, 12 de outubro de 2023
A PALAVRA E O AMOR (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Escrever, para mim, é um ato de amor. Pouco importa se poesia ou prosa, interessa mesmo é o gesto da escrita. É a troca de carícias entre o texto e o autor, o lápis e o papel, o cuidado de um com o outro, a simbiose perfeita entre o prazer e o querer bem. Papel e lápis à mão, rabiscos preliminares antecedem parágrafos ou versos eretos com todas as estrofes molhadas, num gozo pleno de sílabas e palavras, um orgasmo poético, luxúria lasciva das letras. E assim faz-se o tempo, consuma-se o prazer, traduz -se o amor e a paz é apenas uma consequência. Simples, como tudo que tem por origem a inspiração e por finalidade o fazer-se feliz, a si e aos outros Que nem a palavra. Que nem o amor.
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Xico com X, Bizerra com I sábado, 30 de setembro de 2023
SORRISOS E ADEUSES (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
A fé haverá sempre de existir. Por mais longe que a gente imagine que ela esteja. Esse renovar de esperança, que é irmã gêmea do sol e da lua, é o que a alma reclama para o seguir adiante. Amigos, amores, prazeres e sorrisos serão confirmados. Ou não. Saudades, adeuses e outras dores serão confirmadas. Ou não. Só o senhor tempo, com sua calma e sabedoria, poderá dizer. Importa estarmos preparados para o futuro que se avizinha e ir contando o tempo pelas luas que passeiam no céu e pelos ais das canções já cantadas e das que estão por cantar. Assim se conta o tempo dos Poetas. No mais, agradecer aos Deuses pela luz e deixar que as sombras do que não presta sejam apenas sombras. Que venha o tempo novo e que só traga bons olhados para que os sonhos bons descansem, após realizados.
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Xico com X, Bizerra com I sexta, 22 de setembro de 2023
OBSCENOS ATOS DE UM TRAGICÔMICO BRASIL (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Na sala de estar, avó e neto em frente à TV, acompanham uma reunião de Senadores, onde seus membros, do ‘Alto’ e ‘Baixo’ clero, reputação ilibadíssima – abaixo do nível do mar, ambos, se engalfinham numa elegante e respeitosa discussão repleta de amabilidades:
– Conceda-me um aparte. Vossa Excia. é um Ladrão!
– Não lhe concedo o aparte. Exijo a presunção de inocência. Ladrão é Vossa Excia.!
– Com todo o respeito, Vossa Excia. é um Corrupto!
– Data vênia, Corrupto é Vossa Excia.! Fui julgado apenas em duas instâncias colegiadas. Minha corrupção não tem trânsito em julgado.
Propõe a Avó:
– Menino, melhor desligar essa TV. A discussão é inócua. As duas Excelências estão com cobertos de razão. Ambos falam a verdade: são corruptos e ladrões.
Num canto da tela, outros engravatados (colarinhos brancos eivados de escuras manchas), sem prestar atenção aos ‘elogios’ entre colegas, celulares nos ouvidos, conversam ao celular e riem entre si.
– O homem está falando e ninguém presta atenção, vovó. Riem de quem, dos brigões?
– Não, meu querido. Riem de nós que os colocamos lá. Sorriem do povo.
Trocam de canal e assistem a uma sessão de um Tribunal que se diz Supremo, cujos integrantes exigem tratamento de Excelência mas agem de forma a não merecê-lo. A população, verdadeira Excelência, vive a ser por eles insultada. Sob negras togas, mudam o entendimento sobre o mesmo assunto diversas vezes num espaço de tempo diminuto, contrariando o bom senso e todas as regras do Direito, expondo o povo à insegurança jurídica que a eles, ‘donos da Lei’, convém.
Enojados, após irem ao banheiro para uma sessão de vômito em dueto, avó e neto desligam a TV, dão-se as mãos e vão até a banca de jornal mais próxima. Compram uma revistinha imoral, de putaria explícita. Quase tanto quanto. Quase.
Fecha-se a cortina, apagam-se as luzes. Faz-se breu no País. Escuridão total.
Xico com X, Bizerra com I domingo, 17 de setembro de 2023
DESCANSO FORÇADO DO SANFONEIRO (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Está chegando o mês de Junho e o São João se anuncia. O tocador está sem tocar, a Sanfona está calada. O Sanfoneiro repousa, mas suas mãos recusam o descanso e brincam acariciando o instrumento há tanto tempo parado. As teclas parecem entender esse reencontro e respondem ao carinho recebido da mão direita. A outra, a esquerda, ternurando a baixaria, igualmente cede ao afeto e passeia sobre os botões. Enfim, dedos liberados, encontram-se as mãos num arrasta-pé bem São João, do jeito que deve ser. E se não houvesse a música? E se não houvesse a sanfona? Que seria do baião? Viva a Festa, e Salve o Sanfoneiro, dono das mãos que tocam e afagam o coração e a alma do povo que aprecia o que é bom. ‘Seu’ Luiz, lá de cima, ao lado do ‘Nenén’ Domingos e do Mestre Sivuca, agradece e olha pelos que abraçam o acordeon junto ao peito para que a emoção, em nome da Poesia, se misture à alegria do povo. Outros São Joões virão e a gente vai voltar a ‘olhar pro céu’ e ver como ele está lindo.
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Xico com X, Bizerra com I terça, 12 de setembro de 2023
NOITES DE SONHOS BONS (CRÔNIA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
As noites de sonhos bons passam rápido. Parece que o vexame do sol é maior que a passada calma da lua. E a água pura desce a cordilheira de estradas do Araripe, aguando a terra verde de nossas saudades sertãs, entre pequis maduros e seriguelas doces. A mulher, de sua janela, apenas olha e sorri. Valeu a pena, pensa ela, ouvindo ao fundo o cantar leve e solto de uma sabiá, sábia o tanto necessário para perceber que a felicidade passou por ali num dia de quase sol e de um céu arroxeado pela chegança de uma neblina que anuncia duradoura e consistente chuva. Da janela da velha casa, ela deve ter gostado do que viu. Ou quase. Dali a pouco, ouvir-se-á a Ave-Maria. Tudo sob um tempo bonito pra chover.
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Xico com X, Bizerra com I quinta, 07 de setembro de 2023
ESQUARTEJAMENTO URBANO (CRÔNICA DE XICO BIZERRA,COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Do tanto que chovia, o dia parecia noite, a manhã da cor do entardecer. Onde se escondia o sol que, preguiçoso, sequer avisou que não viria? Devia estar atrás de uma montanha alta e distante, descansando para os outros porvires que surgirão. A cidade, afogada em tantas poças d’água, nadava nos alagamentos que impediam o povo de chegar a alguns lugares. Barcos não havia. Locomoção, só a nado. Uma barreira cai e destrói uma família inteira. Deslizamentos afligem o povo. Os canais enchem, transbordam e espalham lixo. Quase uma Covid. E os Vereadores, subservientes e em irresponsável procedimento, se reúnem para dar nomes de suas gentes às vias que já tem nomes. Prevalecem suas conveniências políticas e interesses partidários. Esquartejam ruas e avenidas para ter mais gente a bajular, dando-lhes nomes nos vários pedaços em que se transformarão. Para isso foram eleitos? Para o simples ‘prazer’ da bajulação? Será que fazem por merecer os votos que tiveram?
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Xico com X, Bizerra com I sábado, 02 de setembro de 2023
VAI PASSAR (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Essa doidice vai passar. Não há pandemia que dure a vida inteira, nem vírus, por pior que seja, que resista à vacina do bem. E voltarão os abraços, os sorrisos represados, a alegria, a paz. E nós, como contribuímos nesse processo coletivo? Ajudando a divulgar a importância da Ciência ou disseminando teorias equivocadas do terraplanismo, da negação às verdades científicas, desdenhando das mais de 500.000 vidas ceifadas pela ‘gripezinha’? No futuro, não teremos oportunidade de construir nossa própria versão sobre o fato, como nossos avós faziam. E nossos netos dirão: “Vamos pesquisar aqui o que o vovô e a vovó publicaram ou compartilharam nas redes sociais durante a Pandemia”. Os registros que fizemos nas redes sociais mostrarão a eles de que lado estivemos. E aí, a conta vai chegar e o peso na consciência não será leve.
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Xico com X, Bizerra com I segunda, 28 de agosto de 2023
A BORBOLETA AZUL E AMARELA (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Acordei triste e fui conversar com as folhas da mangueira no fundo do quintal. Elas riam e dançavam ao sabor do vento, felizes da vida, e me convenceram de que não valia a pena chorar. Pediram que eu olhasse o azul do céu e as cores de um arco-íris que enfeitava aquele azul claro. Daí a pouco uma chuvinha fina respingou água no meu rosto exatamente no lugar em que cabia uma lágrima. Deixei que escorresse livremente na face até que caísse no chão de areia branca povoada por formigas pequenas e trabalhadoras. Todas felizes, pareciam estar preparando uma festa, tão grande a alegria delas num vai-e-vem incessante e buliçoso. Uma borboleta azul e amarela pousou em minha mão, rodopiou, voou e voltou a pousar e disse-me chamar-se Alegria,mas que eu poderia, se assim preferisse, chamá-la de Esperança. Procurei-a para falar do meu dia e ela tinha partido. Voltou logo depois, feliz e sorridente e partiu novamente. Até hoje não sei para onde ela foi. Onde se esconde a borboleta azul e amarela? Por onde andará a alegria das dançarinas folhas da mangueira, das formigas felizes e trabalhadoras, da borboleta azul e amarela, em seu vai-e-vem rodopiante? Por quais céus voarão a alegria e a esperança?
(Nota deste Colunista: A BORBOLETA AZUL simboliza esperança e é vista como símbolo da transformação, da felicidade, da beleza. Expressa recomeço, proteção, boas energias. A BORBOLETA AMARELA significa alegria, prosperidade. Representa também renovação, anúncio de mudanças em nossa vida.)
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Xico com X, Bizerra com I quarta, 23 de agosto de 2023
O HOMEM QUE VENDIA ESTRELAS (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAUE RAIMUNDO FLORIANO)
Na esquina do Cine São Luiz, à beira da ponte, o homem vendia estrelas. Em seu mostruário – uma bacia do tamanho do céu – cabiam as grandes e as pequeninas, umas brilhantes, outras nem tanto. Cada estrela custava um sorriso. Homens de boa-fé compravam-nas. Por descrédito, ou interesses escusos, alguns desdenhavam da mercadoria e sequer percebiam o ofício de quem as vendia. Às mulheres, ele oferecia um par delas em troca de apenas um abraço. E de um sorriso, claro, por mais breve que fosse. A cada dia sua banca juntava mais gente em busca de estrelas luzentes. Um caminhante apressado nem ao menos ouviu a oferta e, passos rápidos, foi embora rumo ao Savoy, onde lhe esperavam 29 copos de chope, além do seu. Seus desejos presos foram malogrados: já não mais havia o Savoy. Estariam lá os milhares de sonhos frustrados, pensou. Voltou à esquina. Queria, agora, comprar estrelas. Tarde demais: nuvens escuras de tristeza escondia-as. Sumiram todas como também sumiram os cinemas Trianon, Art Palácio e Moderno. Também sumiu o vendedor. Como toda ilusão de cinema, o céu da esperança, cada vez mais nublado e despido de corpos celestes, estampou um melancólico The End na tela do firmamento.
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Xico com X, Bizerra com I sexta, 18 de agosto de 2023
AGENDA CHEIA (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Meu amigo relaciona as tarefas do dia. São coisas que já faço há muito tempo. Mato o mato e rego a flor desde que o cão era menino. E olha que o cão já está na boa idade. Mas cumpro minha rotina diária falando sozinho e repetindo as sílabas difíceis da palavra felicidade. Seco as garrafas de dor e as encho de um verde-água que lembra a ausência. Mas a saudade é da boa e deixo que ela prevaleça sobre qualquer pensamento ruim. Vadio por estradas coloridas e converso com todos os besouros que encontro e, às vezes, brinco de roda com as borboletas preguiçosas que só pensam em voar. Elas querem me ensinar a arte do voo, mas tenho medo de altura e prefiro não arriscar. Um dia, talvez, aprenda e saia plainando por aí pelo alto do mundo. Terminadas as tarefas do dia, imitando o meu amigo, aprumo o corpo na rede vermelha e me embrulho com um lençol de cambraia branquinho e cheiroso para não permitir, de jeito nenhum, a fuga dos sonhos bons. Por via das dúvidas, aviso aos Deuses que moro aqui, logo depois da ladeira onde o sol inventa a luz. É longe, mas é bem ‘pertim’. A Paz nunca erra o endereço.
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Xico com X, Bizerra com I domingo, 13 de agosto de 2023
O CÉU E O INFERNO (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Ir-se ao céu é muito bom. Ao inferno, nem tanto, mas necessário, às vezes: conhecendo o lado ruim, talvez aprendamos a valorizar, na medida exata, o lado bom, a entendermos opiniões divergentes das nossas. Amigos, tenho nos dois territórios. Mas também possuo o dom de compreendê-los e até perdoá-los. Tenho a plena consciência de que não devo tentar persuadi-los a mudar de lado: se do lado errado, lá estão por entenderem ser aquele o lado certo. Por assim ser, eles estão certos. E até digo: pode ser que o lado errado seja o meu, sei lá. Apenas fico triste ao constatar pessoas próximas e queridas, tidas como inteligentes e esclarecidas, defendendo o que para mim é indefensável. Lutam, a meu olhar, por causas nem um pouco nobres. Inocentes? Não sei. Sei que, quando o filho do meu neto um dia souber que eu nunca aceitei as práticas equivocadas de quem é contra o bem e a favor do mal, eu me sentirei recompensado por assim ter me posicionado, esteja onde estiver: no céu ou no inferno …
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Xico com X, Bizerra com I terça, 08 de agosto de 2023
O PRANTO AZUL DAS VIOLETAS (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Esta noite cismei de responder às perguntas de Pablo. E quando um dia eu descobrir a cor do perfume que exala do pranto azul das violetas, mandarei uma carta para ele dizendo-lhe da novidade, não sem antes agradecer àquelas flores o cheiro bom que me oferecem nas madrugadas insones. Sei que elas, a exemplo da esperança, são regadas com o mais puro orvalho das manhãs. E enquanto a resposta não vem, o céu, da mesma cor do pranto das violetas, reverenciará meu jardim, regando-o com igual intensidade das lágrimas que escorrem do meu rosto quando descubro a saudade. Chuva e lágrimas se misturam no horizonte distante que me carrega em sonhos até um infinito que um dia será meu. Depois do almoço tentarei descobrir de onde vem o sal do mar, se doces são todos os rios. Essas perguntas, e outras mais, atormentaram Pablo toda a vida. Mas continuo quebrando a cabeça para descobrir as respostas que nem o Poeta conseguiu descobrir. Se não as encontrar, deitar-me-ei na rede branquinha e vou fazer Palavras Cruzadas. Antes, beberei uma água friinha, recolhida da moringa de barro num canto da sala, depois de um doce pedaço de rapadura gerada nos engenhos do Crato. No mais, apenas observarei a flor voar de sabiá em sabiá, sendo feliz como a chuva que teima em chover toda a sua alegria…
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Xico com X, Bizerra com I quinta, 03 de agosto de 2023
ESTRADA DO AÇUDE (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
A estrada velha que leva ao antigo açude ainda está no mesmo lugar, mais abandonada do que nunca. Poucos passam por ali. Resta, no local da água, um vazio seco e nenhum outro atrativo que o torne objeto de cobiça de alguém. Só os saudosistas, como eu, sentem vontade de andar na estradinha. Há os que moram à margem do que um dia foi açude. São vizinhos da dor, adjacentes do sol. Muitos anteontens e pouquíssimos amanhãs povoam a alma daquela gente. Meus pés conhecem bem o trajeto: quantas vezes por ali passaram, descalços, rumo a um banho restaurador, um abraço na natureza, um encontro com a Paz e os passarinhos. Um paraíso de bichos pequenos, grilos e rãs, cantos e sons cheios de ternura. Aquele caminho continua vivo em mim e tem o efeito de ser como as lembranças do que não houve, os carinhos não recebidos ou os desejos não concretizados. Ventos e luzes de pirilampos penetram nas rachaduras do chão seco e fazem cócegas nas frestas da saudade, iluminando o algo distante em que tanto pisei. Um passado que se torna um presente ante o incerto futuro.
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Xico com X, Bizerra com I sexta, 28 de julho de 2023
UMA QUASE ODE ÀS TRAÇAS (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO(
Passo a passo a traça passa Sem ter pressa no passar Penso e peço não se impeça Dar-se à traça o seu traçar Torço e rezo com meu terço: Que não possa esse apreço Verso e prosa destroçar
A traça abandona seu casulo e habita minha estante. E é lá que ela traça tudo que é troço que tenha letras. Livros, nenhum escapa, novelas ou contos. Os bons, traça-os. Os ruins, destroços que só à traça interessa, ela também os traça. Quando muito, sobra uma capa. Daquelas duras. Por vezes se empanturra com volumosos romances e tira gosto com pequeninos poemas, lancha kai-kais. Outras, apenas belisca crônicas breves, de pouco alfabeto, parecidas com as que teimo em escrever. A tudo devora, sem dó nem piedade. Não as inspeça: não adiantará. Surpresas há: um Saramago, restou quase intacto. Certamente não gostaram do cardápio português, do seu pouco tempero, sem quase nenhum condimento, ponto ou vírgula. Alguns, começavam pelo prólogo, como se antepasto fosse. Outros, como meu Manoel de Barros preferido e por mim tantas vezes lido e relido, foi devorado a partir da página 53, aleatoriamente, sem critério lógico nenhum. Ao fim, sobreviveu apenas o índice onomástico. Acho que em respeito às pessoas e bichos importantes ali contidos. Fico a perguntar-me: por quantos serão lidas minhas mal tecladas e traçadas ‘croniquetas’, extraídas com tanto esforço e paridas de meu sofrido e limitado intelecto? Ou servirão apenas de alimento suprindo a sanha avassaladora por ‘literatura’ desses bichinhos pequenos e vorazes, de instinto faminto e destruidor? Bicho mais ‘letrado’ que a traça não há. Até merecia uns versos, tivesse eu a certeza de que não seriam por ela traçados. Pior: mesmo que eu esconda minha biblioteca nas nuvens do Windows, não demora surgirá um hacker que, maldosamente, inventará traças cibernéticas, perigosas vilãs virtuais, devoradoras de bits que porão a perigo minhas pobres letrinhas.
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Xico com X, Bizerra com I sábado, 22 de julho de 2023
TEATRO VAZIO PARA UMA DAMA QUE SE FOI (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Vivia do amor desde a adolescência distante no interior bem interior. Até que uma ‘bondosa’ alma levou a menina esbelta para uma cidade maior, dando-lhe abrigo e um lugar, a que chamava de quarto, onde guardava suas poucas coisas e recebia a ‘clientela’ para o exercício de seu ofício tão cheio de desesperada sofreguidão. Vendia amor. E assim foi sua vida: carinhos falsos recebidos e reciprocados em proporção maior, na maior parte das vezes. Fingir era preciso. Poeticamente, fingia. E fingia tão bem fingido que chegava a pensar que era amor o amor nunca sentido. Pessoa que lhe conceda perdão. Muito mais que a paga final, agradava-lhe a eventual palavra de alguns homens, afiada e cortante como faca, mas verdadeira e real como a vida. Tinha plena ciência de que, logo, logo, a cortina se fecharia. Definitivamente. Sem aplausos. Sem luz. Será quando restarão apenas as palavras que lhe foram presenteados na última noite, fria, sem gozo. O derradeiro ato estará encerrado e a vida daquela mulher, então não mais esbelta, será transportada para outro plano. Talvez menos glamoroso, certamente menos sofrido.
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Xico com X, Bizerra com I domingo, 16 de julho de 2023
DONA LUA (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Sobre a cidade fria e dura, muito cimento, muito concreto. Dona Lua se achega, devagarinho, brilhando soberana e altaneira, vigiando a tarde que se vai e abraçando, com a ternura que lhe é própria, a noite que se anuncia. Logo, logo ela vai se impor e clarear com sua luz intensa o escuro que domina a paisagem em meio a nuvens fugidias, acompanhantes da estrela sol que, sorrateira e lentamente, ruma ‘amontado’ num arrebol para o seu descanso após doze horas de reinado. Naquele desencontro de lua e sol, todos participam da festa: nuvens, céu, outras estrelas e satélites distantes … Com o seu chegar branco e brilhante começa a função diária da lua de embelezar o mundo, de encantar as pessoas, de fornecer sustança a corações apaixonados. Os violões e seus donos não resistem à tentação, se inspiram e fazem-lhe companhia até sua despedida, algumas horas depois. Poetas nela enxergam motivação para versos e, inspirados, fazem com que poemas surjam, sonetos de amor se espalhem por todos os lados. Respira-se afetividade. Dia seguinte, mesma hora, ela estará de volta e o mundo ficará outra vez mais belo, as pessoas mais apaixonadas e os violões mais plangentes e encantadores. Também para isto Dona Lua existe.
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Xico com X, Bizerra com I segunda, 10 de julho de 2023
DANÇANDO À BEIRA-MAR (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
A placa, com letras azuis em fundo cor-de-rosa, anuncia o ofício a que se dedica aquele velho homem, barbas brancas e longas por fazer: ALUGAM-SE BORBOLETAS. Ele, que já vendera nuvens de todos os formatos, agora alugava borboletas numa banquinha na areia branca da praia de Candeias. Haveria clientes naquele lugar? Quem vai à praia, pouco interesse tem por alugar borboletas, penso eu. Ledo engano: à frente de sua barraca formava-se fila imensa, homens, mulheres e crianças, todos interessados no produto ofertado. Aquele povo, vivente da Capital, já quase tinha esquecido os belos bichinhos voadores, com suas asas coloridas, e pagavam com um abraço – este o ‘preço cobrado’, o prazer de com elas conviver, por cinco minutos que fosse, tempo suficiente para redescobrir o sonho bom de voar e dançar com as borboletas. Os humanos buscavam estes prazeres, antes de se lambuzarem na areia da praia, sob a vigilância inclemente do sol e o olhar desatento de uma ou outra gaivota que se arriscava a embelezar o azul do céu. As borboletas não paravam de dançar.
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Xico com X, Bizerra com I segunda, 03 de julho de 2023
ARQUIVOS DA DOR (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Nas conversas que travo com meu Notebook eu nunca faço hoje o que posso deixar pra depois. Não vale a pena salvar bobagem e ocupar memória com coisas que não agregam, que nada acrescentam à vida. Para que ficar remoendo as mágoas, as dores, os ressentimentos, as desalegrias e os desgostos se posso deles me livrar? Prefiro ocupar o HD de minha memória afetiva com o que de bom vivi. E assim configurei meu coração e criei uma senha secreta que só ela e eu temos acesso. Arquivos da dor, deleto-os todos. Mando-os à lixeira. Prefiro acessar os programas da alegria e gargalhar no site das coisas boas. Sob o domínio da felicidade, sonho forró e danço xote cheirando o seu cangote. Num intervalo, envio ZAPs de amor a quem amo e até a quem não gosto muito. Minha senha secreta não conto pra ninguém (só eu e ela sabemos). Ao resto do mundo, apenas digo que começa com Paz e termina com Amor. Indeletável, pois.
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Xico com X, Bizerra com I segunda, 26 de junho de 2023
PROFANA COMÉDIA DESUMANA (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Conheci Belchior pessoalmente em 1977, em Fortaleza, no Bar do Anísio, na Praia de Iracema, onde se encontravam os músicos e poetas de Fortaleza. Belchior, admirador de Dante e de sua teológica DIVINA COMÉDIA HUMANA, era presença constante naquele ambiente onde, meio por enxerimento, meio por não ter o que fazer, eu frequentava com regular habitualidade. No dia em que o cantor foi ‘visitar outro plano’ eu escrevi em sua homenagem a letra a seguir, que, com seu costumeiro talento, minha parceira Maria Dapaz melodiou e virou canção na bela voz de Tonfil. Está no meu disco CHAMA INFINITA:
PROFANA COMÉDIA DESUMANA
Houve um tempo em que havia lua e as estrelas ouviam serenatas. Era quando a minha boca doida e nua passeava por todas as calçadas, quando vez em quando se escutava, além de tiros, uma ou outra canção e a pureza ria e se deleitava bem distante do inferno da solidão.
Hoje desacordei com a noite escura, o canto alucinado não existe mais. É só uma foto num caderno de cultura, purgatório numa banca de jornais. Mas a vida segue e a canção insiste feito avião brabo lá no céu sem rédea, fazendo um paraíso cada vez mais triste, a mais profana e desumana comédia. Medo, medo, medo …
* * *
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Xico com X, Bizerra com I sexta, 23 de junho de 2023
MEU AMIGO NÃO VIU A MISS (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Meu amigo politizado e envolvido em movimentos sociais, paradoxalmente, não perdia um jogo da Copa do Mundo. Por outro lado, jamais deu importância a concursos de beleza: alienação pura, dizia ele, convicto de suas posições político-ideológico-futebolísticas. Mais importante que julgar a beleza daquelas misses lindas, normalmente admiradoras do Pequeno Príncipe sem saber sequer quem foi Antoine de Saint Exupéry, era participar de movimentos que reivindicassem alguma coisa, fosse o que fosse. Passeatas eram o seu lazer. Aquela era sua íntima zona de conforto. Até que, pelos jornais, soube que a bela morena, olhos claros, pele macia a adornar uma beleza estonteante, fora eleita Miss em sua cidade. Como podia caber tanta beleza em uma só pessoa? Defrontado com a beleza exposta no jornal, não resistiu, deixou de lado seus princípios éticos e morais, e leu a matéria, descobrindo que a beldade morava no mesmo bairro, na rua que passava atrás de sua casa, quase sua vizinha, a bem dizer, no seu quintal. Como nunca a tinha visto em suas caminhadas matinais e noturnas, em suas passeatas, em seus passeios por ali? Veio queixar-se a mim de sua falta de atenção. Fiquei calado e rindo de mim para mim mesmo. Ainda pensei em aconselhá-lo a andar mais vezes pelas calçadas de seu bairro. Atento, de preferência, olhos bem abertos voltados para cima: os anjos adoram voar. Mas calei e lembrei-lhe que, à noite, ia passar Brasil e Alemanha na TV. Não entendia sua preferência pelas pernas de Neymar em detrimento daquelas belas coxas da morena. Quase tão cruel quanto sua desatenção foi os 7×1 daquela trágica noite.
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Xico com X, Bizerra com I domingo, 18 de junho de 2023
O TROAR DOS CÉUS (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Escutou-se o trovão na noite sem lua. De arrepiar. Relâmpagos substituíam a luz do luar. Todos os deuses respiravam em volta do quase silêncio interrompido pelo trovejar dos céus. Sim, o céu troava e a chuva avisava que estava chegando, com toda força. Que bom seria se ela acontecesse com maior frequência, se já estivéssemos habituados com o prenúncio das águas vindas do céu e estas nos causasse, além da alegria de recebê-las, o alívio da boa colheita que ali se anunciava. Chuva é muito mais sinônimo de mesa farta que apenas o cheirinho de terra molhada. É muito mais o indicativo de fartura que simplesmente poças d’água num chão desacostumado com algo a aguar-lhe. E veio a chuva, renovando as esperanças de um povo que dela depende para ser feliz. No meu sertão, contrariando todos os dicionários, chuva é sinônimo de felicidade. Se forte e demorada, felicidade plena. Se neblina apenas, um alisar de paz, um breve anunciar de coisa boa. Sejamos chuva, alegres e felizes. Permitamos que os céus trovejem.
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Xico com X, Bizerra com I terça, 13 de junho de 2023
O PASSADO DE PRESENTE (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Acho que quem viveu no passado levou uma grande vantagem sobre nós, que estamos encarando este presente. Nesse tempo que não mais voltará viveram Jesus e Buda, sábios que não mais estão fisicamente entre nós. Restam-nos os Edires e Malafaias, os RRs e os Valdomiros, sem contar os reverendos e pastores, lavadores do dinheiro maquiado em suas igrejas, circos de picaretagem evangélica. Galileu, Newton e Pasteur hoje se chamam Nise Yamaguchi e se abrigam numa Prevent Sênior inescrupulosa, além de outros ‘cientistas renomados’, entidades macabras e charlatães que traem a Ciência e matam gente sem qualquer pudor. Artistas como Mozart, Bach e Beethoven são substituídos pelas Anitas, pelos Sertanejos e Pablos Vitares que por aí estão. Já não se lê Shakespeare, Goethe, Camões, Machado de Assis. Bandeira, Pessoa, João Cabral, quem são? Basta ao povo a internet e os blogueiros que nada têm a dizer. Olavo de Carvalho e outros que tais ocupam a vaga um dia ocupada por Platão e Aristóteles, que nunca duvidaram do formato esférico da terra. Queria ganhar o passado de presente. E com ele os verdadeiros sábios, os cientistas de verdade, os músicos talentosos, escritores e filósofos que soubessem e tratassem o que sabem com sabedoria e dignidade. Há muito tempo e em todo canto procuro, mas não sei em que lugar poderão estar. Certamente, escondidos em um passado teimoso que ficou para trás e não vai voltar.
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Xico com X, Bizerra com I quarta, 07 de junho de 2023
CLARO QUE ESTOU VIVO … (CRÔNICA DE CHICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FORIANO)
Um Poeta se impressiona com o seu sucesso com as mulheres, isso sendo ele um jovem de apenas 64 anos. Seu smartphone não lhe dá folga. Até para o seu telefone fixo estão insistentemente ligando. Moças de vozes suaves, sugestivas, estão pegando pesado. Todo santo dia liga uma moça da Tim, outra da Claro, mais outra da Oi… Ah, ele até prefere aquela voz metálica da jovem da Vivo, tão cheia de muitos afetos. A ele são oferecidos quase todos os planos. Apenas os possíveis, nunca os sonhados. Logo ele que vive alardeando ao mundo que o seu riso e o seu choro não tem planos. Compreendo o drama e me solidarizo com o Poeta. Essas moçoilas de hoje são um perigo, não tem jeito. E são volúveis, levianas. Também me assediam. Pior: são perseverantes em seus esforços para conseguir o que pretendem. A gente descarta, dá de ombros, e elas em cima, não abdicam de seu intento, reiteram, repetem a mesma ladainha tantas vezes … Agora apareceu uma, com a voz macia como as demais, oferecendo até dinheiro, num tal de Consigo Nado (deve ser um motel, com piscina privativa e outras benesses, acho). Qualquer dia perco a compostura, crio coragem e encaro uma danada dessas e adiro a algum plano dessas operadoras. Tudo em nome da Poesia, claro. (Escrivinhação dedicada ao Poeta meio Gaúcho, meio Paraibano Lau Siqueira, de quem subtraí o inspirar para construção desta croniqueta boba).
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Xico com X, Bizerra com I quarta, 31 de maio de 2023
NUNCA LI EXUPÉRY (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Reflexões íntimas sobre a finitude dos príncipes pequenos e dos imensos plebeus morais
Escolhi o mais profundo dos poços e lá joguei o Exupéry que nunca li e que se empoeirava sobre a mesinha de cabeceira. Talvez por isso me sobre tanta necessidade de reflexões. Estarei certo ao deixar a bolsa que conduzo a tiracolo, de tão surrada pelo não uso, pendurada no punho da rede armada no sótão escuro? Será correto aproveitar o meio litro do conhaque que sobrou da última farra e derramá-lo numa fogueira bem bonita em frente à minha casa? Não sei. Sei que o fogo vai subir e iluminar todas as calçadas da rua e adjacências mas não conseguirá clarear minhas dúvidas. Pensei sobre o dinheirinho mensal que a UBC me presenteia todo santo mês: deixo-o com os pedintes da rua, a metade, e com as putas, o que sobrou. Estarei certo? Ao invés de postar baboseiras e discutir política pelo WhatZap prefiro ficar conectado com a lua e mandando SMS para as estrelas, diretamente do meu notebook virtual escondido no mais recôndito espaço do meu coração. Digo-lhes como está alegre a noite. Acendo um cigarrinho daqueles que passarinho nunca acende e durmo a noite inteira, convicto de que não merecerei o Paraíso, mas nem por isso serei menos feliz. Passo a noite sonhando com anjos e fadas fazendo amor sobre nuvens branquinhas contrastando com um azul nunca dantes tão celestial emoldurando aquele cenário de Paz. Não sei se estou fazendo o certo. Mas o certo é que o dia amanhece mais bonito do que quando sumiu na noite anterior. Coreografia perfeita. Melhor ambiente não pode haver para refletir sobre a finitude dos príncipes pequenos que vagabundeiam heroicamente pelas ruas e dos grandes plebeus morais engravatados que habitam o Planalto. Preciso chegar a alguma conclusão acerca da impermanência de soluções adequadas para todos os problemas que permeiam minha existência. Quem sabe deva ler Exupéry?
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Xico com X, Bizerra com I quinta, 25 de maio de 2023
SONHANDO UM CÉU (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Sonhei um Paraíso e uma brisa leve marcava presença naquele fim de tarde. Alegremente, um coral de anjos de rostos sombreados pelo sol de uma vida sertã, todos de gibão matuto e pés enrabichados por suas alpercatas de couro cru, solfejavam a Ave Maria Sertaneja, sorrisos a enfeitar seus lábios. A certa altura, sino a badalar seis horas, modulam o tom para que as beatas presentes, rosário nas mãos, participem do canto, com chitas embelezando seus corpos frágeis e belos, mas nem por isso menos puros. Macambiras e mandacarus floridos enfeitam o ambiente e alegram os santos, de Luiz a Lindu, de Jackson a Domingos. Soa a sanfona, um baião gostoso faz-se ouvir pelas esquinas celestiais e outros santos e santas surgem, juntos com uma fila de vaqueiros, traje a rigor. De uma nuvem branquinha, em meio às estrelas, ecoa a maviosa voz, aguda e bela, de uma pernambucana de São Vicente Férrer, cantando Pisa na Fulô. Agachado numa esquina celestial, João do Vale chora de emoção ao ouvir o seu hino e é confortado por Sivuca, sanfona a tiracolo. Um xote, um verso, uma loa e um outro baião invadem a noite, varando a madrugada, naquele encontro que de tão bom durou tão pouco, mas o bastante para me fazer crer que o céu não é muito diferente do meu sonho e que sua trilha sonora é composta por temas que lembram nossos sertões.
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Xico com X, Bizerra com I sexta, 19 de maio de 2023
PEQUENO INVENTÁRIO DE UM VIVENTE FELIZ (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Já sonhei ser goleiro: pedia ao batedor imaginário de pênaltis que os cobrasse à meia altura, mais para o lado esquerdo. Então, num lance acrobático, pulava, me agarrava com a bola, rolava na fofa areia da rua Francisco Parreão, fazendo pose para o fotógrafo ilusório que eu imaginava ali estar, registrando tudo para publicar no jornal do dia seguinte. Depois pensei em ser padre, iludido pela promessa do vizinho de que, no seminário, teríamos direito a quarto individual e, em cada um deles, uma bicicleta à nossa disposição para pedalar o dia inteiro. Ledo engano: a vocação esvaiu-se como fumaça ao vento ao deparar-me com o desconforto do dormitório coletivo e a inexistência de bikes por ali. Cantor, também poderia ter sido, tivesse o mínimo de afinação para tão sublime ofício. Até tentei o sonho impossível. Nada custava entregar-me a fantasias e devaneios de um palco, com improváveis aplausos dos que me assistiam. Já com o cangote duro imaginei que poderia ser um bom agrônomo, mas as dificuldades com a Química não me estimularam a começar os estudos na Universidade. Irônico destino, casei-me com uma Química: esta, ao contrário das detestáveis tabelas periódicas que nunca decorei, só coisas boas me ofertou, a começar pelos dois filhos que, por sua vez, já me presentearam com três netos. Terminei por ser funcionário público ‘nas horas pagas’, burocrata de carreira, alternativa encontrada para fazer feira e dar sustento à família. Hoje, me chamam de Poeta, título honroso que reluto em aceitar em respeito aos Poetas verdadeiros, principalmente os repentistas, aqueles que transformam um mote qualquer em Poesia pura, instantânea, com métrica, rima, ritmo e beleza. Estes, sim, verdadeiros Poetas. Não estou nem perto de um Bandeira, de um Pessoa, Manoel de Barros ou Drumond. De um Pinto do Monteiro ou de um Louro do Pajeú, estou a milênios-luz de lonjura: sou apenas um ser vivente, ajuntador de ideias, gari das palavras, vagabundagem por ofício, feliz pelos sonhos que tive e por aqueles sequer sonhados, de tão bons, e que ganhei de presente na vida: Bernardo, Vinícius e Leonardo. E tentando ser duro, quando preciso for, mas sem jamais perder a Poesia. . .
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Xico com X, Bizerra com I sexta, 12 de maio de 2023
UM CERTO DIA … (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Tento ser que nem o sábio Braulio Tavares, que só quer nesta vida viver de DESAFIO, amar de IMPROVISO e morrer de REPENTE. E quando eu viajar para compromissos inadiáveis em terras totalmente desconhecidas, não terei no bolso a passagem de volta. Dela não precisarei pois não vou voltar. Lá de longe terei o conforto da missão cumprida por essas bandas terrenas. Meus filhos dirão aos meus netos o quanto eu os amava e estes, a seus filhos, dirão que sentem saudades desse velho avô (vi isso numa rede social e achei bonito). Prestarei contas, com quem de direito, de minha passagem e de meus atos cá embaixo. O bem que sempre busquei fazer por aqui será convertido, espero, na paz que abrigará minh’alma. Bastar-me-á este consolo. E então, diante do mais azul dos azuis e à beira de lagos celestiais, contemplarei grilos e sapos trocando ideias em meio às nuvens no rush dos anjos, engarrafamento de arcanjos e querubins. E procurarei, onde estiver, uma rede branquinha de alvas varandas que me permita calmamente observar as madrugadas orvalhadas que enfeitam Gravatá, enquanto borboletas e rãs recitam Manoel Bandeira no aguardo das manhãs de sol. Por enquanto, me balançarei numa RIMA, cochilarei num VERSO e dormirei num POEMA, para acordar na beleza de um SONETO. Espero apenas que o dia da viagem seja preguiçoso como eu e demore um bom tempo para chegar. Enquanto isso, tomarei lentamente uma cervejinha gelada no bar mais próximo da primeira esquina que encontrar: não tenho qualquer pressa.
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Xico com X, Bizerra com I sábado, 06 de maio de 2023
UM CORAL MAIOR QUE IMENSO DE MIL COLIBRIS (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Nada como um elogio, uma crítica favorável, tanto no campo literário como no musical, para alimentar o amor próprio, massagear nosso ego e contribuir, como combustível generoso, para o prosseguimento da lida. Mas há também o outro lado. Um Poeta (nem sei se posso defini-lo como tal) no dia do lançamento do meu livro de crônicas BREVIÁRIO LÍRICO DE UM AMOR MAIOR QUE IMENSO questionou-me sobre o título, argumentando que IMENSO é um superlativo que não admite a existência de algo maior. Como poderia o meu amor ser maior que imenso? No entender desse ‘crítico literário’ o título do meu livrinho está errado. Isso, a meu ver, apenas o descredencia como Poeta. Como amigo, não. Continuo a considerá-lo, tanto que não revelo o seu nome, apenas ressalto ser ele bastante conhecido nas hostes musicais, principalmente. De outra feita, um outro ‘Poeta’ amigo (este, sequer lembro o nome) apontou erro grosseiro em minha música MIL COLIBRIS, quando, a certa altura, falo no coro de mil colibris saudando a mulher amada. Indaguei-lhe se o erro era de concordância ou decorrente de algum outro deslize gramatical e ele respondeu-me que o equívoco decorria de uma inadequação lógica tendo em vista que colibris não cantam e, assim sendo, seria impossível um coro deles. Respondi-lhe (e depois arrependi-me da grosseria) que os colibris dele podem não cantar mas os meus, ah, estes cantam mais que qualquer sabiá ou curió. Não compreendem estes pretensos bardos que a infinitude e a riqueza da poesia se inserem no permitido licenciamento concedido aos Poetas e está fora das paredes engessadas das lógicas óbvias e delimitações de regras, quaisquer que sejam, inclusive as gramaticais. O caminhante dos mesmos e velhos caminhos, não entendendo ou não admitindo metáforas, desconhecem o novo e terá como destino um pobre lugar-comum. Enquanto isso, seguimos absorvendo os dissabores a que estão sujeitos aqueles que escrevem ou compõem. Me abstendo de perder tempo com quem não merece um segundo: continuo caminhando e cantando e escrevendo, recebendo as críticas e delas até me alimentando para escrever minhas historinhas. Como esta. E compondo músicas, como COPO DE NADA que, pelo título, certamente estimulará a sanha crítica dos juízes severos da obra alheia. Pobres críticos: pensam que são Poetas.
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Xico com X, Bizerra com I domingo, 30 de abril de 2023
UMA CARTA A PABLO (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Esta noite, novamente relendo Neruda, outra vez resolvi escrever-lhe. Ele também tivera dúvidas muito semelhantes às minhas, incertezas que ninguém tivera condição de tirá-las. E eu precisava saber, por exemplo, quantos metros redondos há entre a lua e a minha pata-de-elefante, lá em Gravatá. Também gostaria de descobrir quantos anos-sombra separam a luz do sol do meu cada dia mais distante arrebol. Não sei se algum dos que ora me leem teriam respostas e, em caso positivo, rogo que façam uma carta a Pablo. Lá do alto, em meio a nuvens carregadas de flores e pássaros, ele ficará tão satisfeito que baterá no peito, fará uma rima e talvez até cante. Certamente gostará de descobrir o porquê de depois de um domingo ensolarado surge sempre uma segunda-feira azeda e acinzentada? Será que alguém já foi conferir as roupas da neblina vestindo o céu? E os trovões, por que fazem tanto escarcéu? Tenho que descobrir por que o pintor deixou a noite escura se seu pincel tinha tanta cor mais pura para oferecer? Por fim, algum iluminado me explicaria a razão de tanta alegria na rua da Saudade durante o carnaval, da escuridão da noite na rua da Aurora e de quantos minutos se revestem o asfalto da rua da Hora em pleno rush das 18 horas. Será que Pablo já descobriu tudo isso ou continua a interessar-lhe apenas a reflexão que cada uma das questões provoca em sua poética alma? Ainda estou por saber a cor do perfume que exala do pranto azul das violetas, assunto sobre o qual escrevi um dia desses … Por enquanto continuarei a observar a flor voar de sabiá em sabiá, deixando-me feliz como a chuva que continua a chover toda a sua alegria.
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Xico com X, Bizerra com I segunda, 24 de abril de 2023
A ORDEM DOS FATORES NÃO ALTERA O SENTIMENTO (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Parque, Carinho e Pipoca. Ou seria Carinho, Pipoca e Parque? É fim-de-semana e estou com meus netos nalgum lugar, com Carinho e pipoca, mãos dadas, brincando de ser feliz. No lugar do parque pode ser cinema, praia ou Gravatá. Tanto faz. A ordem dos fatores não altera o sentimento. Tanto faz estarmos no escurinho do cinema, num parque da cidade, na Praia ou em Gravatá, pipoca nas mãos, junto ao pouco verde ou ao muito mar mas com muito amor, voltando a ser criança e embalando nossos sonhos ao bel sabor da cabecinha deles. Era assim, com meus filhos e assim ainda é, eles já adultos e pais dos meus netos. Mas somos todos meninos e meninas nesse filme de volta ao passado, onde o futuro foi ontem e ainda não se desmanchou. Que bom poder sorrir, sem calendário ou relógio, sem obrigações ou deveres, só prazeres a nos conduzir. Que bom brincar de ser criança e fazer de conta que o tempo parou e que eles serão, eternamente, crianças como nós e nós, para sempre, crianças como eles. Viva João e Mariana, pais de Bernardo, Vinícius e Leonardo. E viva eu para desfrutar do amor deles!
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Xico com X, Bizerra com I terça, 18 de abril de 2023
CEM ANOS DE NÃO-SOLIDÃO (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Dez da noite, eu já bem acolhido por Morfeu, meu telefone insiste em tocar sem ter quem o atenda. Poderia tê-lo desligado mas ando, eu sim, desligado e meio. Madrugada do dia seguinte (acordo pelas 4) vi quem me ligou e já me autorrecriminei pelo sono incontrolável que me domina assim que a tarde cai. Logo depois o prazer de receber a ligação não recebida na noite anterior: um dileto amigo, intelectual reconhecido país afora e que me dá o prazer enorme de incluir-me entre os amigos. Disse-me quase isso, massageou o meu ego. Desculpei-me pelo sono precoce, justifiquei o injustificável e passei o resto do dia alegre e satisfeito pela prova de bem-querença recebida. Fez-me honroso convite de encontro, que não pude aceitar por estar comprometido com outras obrigações inadiáveis anteriormente assumidas para o mesmo dia e horário. – Problema seu, disse-me, com seu tom ‘irônic/afável’ e o habitual alto astral. Nessa ligação relatou-me, bom contador de histórias que é, o ‘milagre’ que aqui reproduzo, reservando-me o direito de não revelar os ‘santos’, por falta de autorização: é o caso do filho que, em tom jocoso e bem humorado, encaminhou à mãe, no seu aniversário de 40 anos, um bilhete onde se lia: ‘a IDA começa aos 40’. A mãe guardou o bilhete por outros 40 anos e respondeu-lhe, ao completar 80, no verso do mesmo bilhete: ‘ a IDA eu não sei, mas a VIDA começa aos 80’. Verdade. A vida começa e recomeça exatamente nesses momentos de alegria que os amigos nos proporcionam. Como diria aquela senhora octogenária, mais sábia que o meu sábio amigo. A IDA, não importa quando começa. Deixemo-la que comece no exato instante que se permita. De preferência, daqui a alguns anos que não sejam de solidão. Importa, muito mais, presenciar o início da VIDA, seja em que idade for. Melhor assim.
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Xico com X, Bizerra com I quarta, 12 de abril de 2023
GRAVATAS, PALETÓS E SAPATOS (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Gravatas? Cortei-as todas tão logo assinei minha ficha de Aposentadoria do Banco Central, numa bela manhã de um outubro de mil novecentos e nem me lembro. Não teriam serventia a partir daquele instante. Restou, de quase 30, apenas uma que pretendia guardar para a eventualidade de precisar dela em algum evento futuro. Achei uma tremenda sacanagem com aquelas que foram amputadas e, ao invés de guardá-la como inicialmente pretendia, dei de presente a um dileto amigo que a guarda até hoje, disse-me um dia desses. Os paletós, usados em tantas e tantas missões no meu trabalho, companheiros de viagem por tantos lugares desse Brasil, dei-os de presente a um cunhado que mora bem no alto da Serra do Araripe, entre o Crato e Nova Olinda. Usa-os como casaco para proteger-se do frio que faz nas noites que ali são quase geladas em junho, julho. Melhor utilidade não poderia ter se acaso comigo tivessem ficado. Sapatos, restou-me apenas um, meio avermelhado, lustroso e bonito, daqueles que, ousadia minha, só os doutores e intelectuais usam, mas sem utilidade para mim desde aquele outubro de alegrias. Não preciso de sapatos para ser feliz. Pode ser que dele precise qualquer dia. Preferia que não. E eu que pensava que fazer nada era a melhor coisa do mundo, descobri que não é: a melhor coisa do mundo é fazer nada, sem gravata, sem paletó e descalço.
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Xico com X, Bizerra com I quinta, 06 de abril de 2023
PEQUENÍSSIMA CRONIQUETA DE NATAL (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAMUNDO FLORIANO)
Minha ‘croniqueta’ de hoje é minúscula. Menor ainda que as que costumo escrever, mas nem por isso menos sincera. Apenas para dizer aos que gostam de mim, que lhes desejo um FELIZ NATAL; aos que não gostam, um NATAL FELIZ.
Que a luz persiga a Poesia e os Deuses protejam os do Verso. Que seria do mundo se não existissem sonhadores Poetas, anjos serenos que fazem desenhos das sombras e, dos sonhos, azulejos coloridos? Os ‘normais’ jamais agem assim. E o mundo precisa de Anjos e Poetas que enxerguem um pouco além do que se vê. Que estes, sonhadores e serenos, sadios e sãos, belos e sorridentes, estejam sempre presentes em nossas vidas neste Natal e no 2023 que ‘tá batendo à porta. É o que quero para todos: que sejamos felizes.
Xico Bizerra, compartilhando votos de Dulce Maria, Mariana, Clécio, João Paulo, Renata, Bernardo, Vinícius e Leonardo.
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Xico com X, Bizerra com I sexta, 31 de março de 2023
TODO ANO NOVO (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
O primeiro dia de cada ano é uma peça de pano pronta pra ser costurada, já dizíamos, eu e Maciel Melo, na canção PANO DO DIA UM. Lembro do ano que termina com um misto de saudade e tristeza, não me perguntem por qual motivo. Não saberia responder. Esse período me faz refletir exatamente sobre a passagem dos dias, das prateleiras dos sonhos, dos retalhos mal cerzidos, das fantasias rasgadas, das roupas de domingo e do calção velho desbotado que a gente veste para dormir. E assim os meses vão passando, remendando fio por fio, enquanto a nossa vida também passa feito um algodãozinho sem cor e sem graça que vai se desgastando a cada dia que se vai. O ideal seria transformar todos os tecidos puídos e sem cores em chitas alegres e festivas que fizessem viver a alegria da vida, esse festival inesgotável de coisas boas, de tristezas, de surpresas e de decepções. Brindemos o ano novo que bate à nossa porta, doido pra chegar. Que ele venha com sonhos fáceis de realizar. E se não os forem, que tenhamos força e fé para que assim se tornem. Que chegue com uma roupa alegre e bela a vestir nossos dias desta época nova que está só começando. O calendário que passou, já não está na minha mão. Farrapos e fiapos do que não vale a pena, ao lixo joguei-os. Que fiquem lá. Que surjam Felizes Tempos Novos.
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Xico com X, Bizerra com I sábado, 25 de março de 2023
E A INTERNET, PARA QUE SERVE? (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Há uma semana estou sem Internet. Desconectei-me do virtual mundo. Ainda bem. A partir daí, voltei a avistar flores no meu jardim, a encantar-me com os azuis do meu céu e a sentir os cheiros do meu pomar. Revi passarinhos há tempos esquecidos, cantando cantigas bonitas que meus ouvidos estavam desacostumados a escutar. Notei o vento brando das tardes de dezembro acariciando meu peito com muito mais delicadeza que a tela de um insensível notebook. Reli cartas antigas, daquelas que ninguém mais escreve ou lê e que não conseguimos deletar do âmago da alma. Não se parecem nem um pouco com os imeios chatos e cheios de emojis que vivo a receber (e mandá-los à lixeira). Encontrei, outra vez, a vida real, esta sim, bem conectada, sem os efeitos da queda do sinal. Descobri a contemplação do nada e voltei a catar palavras para que amanhã se transformem em verso. Como digo numa canção antiga que compus, cantada por Irah Caldeira: me embriaguei do hoje para que o amanhã sorria. Ler um livro, pegar um papel em branco, um lápis, buscar rimas e perceber uma poesia a brotar são prazeres revisitados. O que achava não mais existir estava lá no alpendre, branquinha e com varandas também alvas, alcovitando e ‘prazerando’ o meu balançar. O encontro de meu corpo com a rede é o que agora me interessa. Ao lixo os ZAPs, os Facebooks e os Instagrans. Sobrou-me tempo para dedicar atenção aos meus, para jogar para bem dentro do coração palavras antes não ditas, para abraçar a quem amo, para afagar os netos com carinho triplicado, gozando a alegria de ser avô. Pensando bem, ainda bem que estou sem Internet. Acho que nem vou mais precisar dela.
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Xico com X, Bizerra com I domingo, 19 de março de 2023
PRIVILÉGIO ÚNICO, INALIENÁVEL, INTRANSFERÍVEL (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Não conheci Manoel de Barros, nem nunca dei um abraço no Padre Cícero. Em compensação nasci no Crato e vim para o Recife ser cidadão pernambucano e assistir a beleza do Capibaribe passeando pela cidade e se ‘amancebando’ com o Beberibe para formar o Atlântico. Tenho muito menos que um milhão de amigos nas redes sociais e sequer tenho Instagram, mas desfruto da ventura de ver um bando de moça bonita dançando o Frevo no Pátio de São Pedro ou em frente à Igreja da Sé. Nunca fui parceiro de Sivuca e jamais agarrei um pênalti batido por Pelé porém tenho a sorte de abrir a janela de manhã cedo e ver o sol acariciando o mar, bem à minha frente. Meus discos venderam bem menos que os de Madonna, não sou influenciador digital e poucas pessoas leram meus livros. Por outro lado, tenho orgulho da valentia do meu povo quando visito o Monte Guararapes, aqui em Jaboatão. Nunca fui capa da VEJA nem da ISTO É e não conheço a Europa nem a Casa da CARAS. Em contrapartida saboreio, quando bem quero, a sombra dos altos coqueiros na praia de Boa Viagem e limpo a vista vendo meu pé de manacá e minha pata-de-elefante no friozinho de Gravatá. Não contracenei com Fernanda Montenegro na novela das Sete nem toquei no piano de Capiba. Pra compensar, sou conterrâneo de Lampião, Hélder Câmara, Luiz Gonzaga e fui amigo e parceiro de Dominguinhos, nosso maior gênio musical. Porém, de tudo que tive, tenho e não tive, nada se compara ao privilégio único e apenas meu, prazer inalienável e intransferível, coisa que só eu posso bater na caixa dos peitos, coração a saltitar, e dizer: sou avô de Bernardo, Vinícius e Leonardo.
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Xico com X, Bizerra com I domingo, 12 de março de 2023
CRONIQUETA MATUTA FALANDO DE CHUVA (CRÔNICA DE CHICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Ainda hoje, quando o vento começa a lufar anunciando que vem chuva, tenho a sensação que o mundo está comunicando o seu fim. Morro de medo dos exageros da natureza. Astrofobia é o seu nome científico, hoje tratada com terapia cognitivo-comportamental. No tempo de minha vó Mariquinha isso não existia e a pobrezinha se pelava de medo quando começava esse tirenête no céu do Araripe. Cobria tudo que era espelho com os lençóis da casa. Só não digo que o medo da pobrezinha ia além do trimilique em respeito a ela, que hoje mora pertinho de Nosso Senhor, nas alturas celestiais. Meu avô, poeta tamanho ‘imenso’ e professor de latim e português dos futuros padres do seminário do Crato, ria da situação e tentava explicar: – Calma, Mariquinha, essa zoada são apenas as nuvens brincando de empurra-empurra entre elas. Não adiantava. Eu também não sou muito chegado a essa história de relampejo e trovoada. Acho que tem algo de hereditário nisso. Não chego a ‘molhar a fralda’ mas me agarro com Padim Ciço e tudo que é santo protetor ao primeiro pingo que cai. Aí lembro da oração que ela rezava ante a primeira ameaça de um chuvisco, uma neblina, pingos poucos que fossem: abria a janela e falava 3 vezes: “Santa Bárba, São Girome, tabaqueiro véi Zé Gome “. Às vezes dava certo e voltava tudo à calmaria. Outras vezes, Bárba, Gerome e esse tal de Zé Gome, que nem sei de quem se trata, deviam estar ocupados com outras tarefas, talvez até menos nobres, e o trovão zoava no ar matando o povo de medo. Chuva é bom, mas sem a companhia de trovões e relâmpagos seria melhor.
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Xico com X, Bizerra com I segunda, 06 de março de 2023
FIM DO DIA (CRÔNICA EM VERSO DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Estarei à beira do luar na hora em que morrer o dia. E no incerto instante em que o sol se for, rezarei uma Ave-Maria.
Pedirei a Deus que, ao dia que virá, seja-lhe concedida a sorte que a este foi negada antes de sua iminente morte.
Não acenderei velas na hora em que o dia for embora: de luzes, ele não precisará além da que vem da lua e lhe devora.
A ele bastará o silencioso som que só se ouve quando o dia tem seu fim. Assim, a Ave-Maria rezarei no mais baixo tom e só as estrelas escutarão o meu rezar na hora em que o dia acabar.
E dele, ao finar-se, não verei o seu fenecer: estarei festejando com as estrelas o dia novo que está por nascer.
Xico com X, Bizerra com I terça, 28 de fevereiro de 2023
CRONIQUETA MATUTA FALANDO DE CHUVA (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Ainda hoje, quando o vento começa a lufar anunciando que vem chuva, tenho a sensação que o mundo está comunicando o seu fim. Morro de medo dos exageros da natureza. Astrofobia é o seu nome científico, hoje tratada com terapia cognitivo-comportamental. No tempo de minha vó Mariquinha isso não existia e a pobrezinha se pelava de medo quando começava esse tirenête no céu do Araripe. Cobria tudo que era espelho com os lençóis da casa. Só não digo que o medo da pobrezinha ia além do trimilique em respeito a ela, que hoje mora pertinho de Nosso Senhor, nas alturas celestiais. Meu avô, poeta tamanho ‘imenso’ e professor de latim e português dos futuros padres do seminário do Crato, ria da situação e tentava explicar: – Calma, Mariquinha, essa zoada são apenas as nuvens brincando de empurra-empurra entre elas. Não adiantava. Eu também não sou muito chegado a essa história de relampejo e trovoada. Acho que tem algo de hereditário nisso. Não chego a ‘molhar a fralda’ mas me agarro com Padim Ciço e tudo que é santo protetor ao primeiro pingo que cai. Aí lembro da oração que ela rezava ante a primeira ameaça de um chuvisco, uma neblina, pingos poucos que fossem: abria a janela e falava 3 vezes: “Santa Bárba, São Girome, tabaqueiro véi Zé Gome “. Às vezes dava certo e voltava tudo à calmaria. Outras vezes, Bárba, Gerome e esse tal de Zé Gome, que nem sei de quem se trata, deviam estar ocupados com outras tarefas, talvez até menos nobres, e o trovão zoava no ar matando o povo de medo. Chuva é bom, mas sem a companhia de trovões e relâmpagos seria melhor.
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Xico com X, Bizerra com I quarta, 22 de fevereiro de 2023
LAGARTA PINTADA (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Quem foi que te pintou? A velhinha, o curupaco ou o macaquinho? Não importa quem foi o pintor. O que sei é que o serviço foi muito bem feito. Disso me convenci quando no meu jardim ela apareceu, uma solitária lagarta pintada. Linda como ela só. Matá-la? Claro que não. Não se mata animalzinho tão lindo, pequenina zebra frustrada do reino dos bichos maiores, cachecol colorido que passeia além dos pescoços alheios. Nenhum mal faz à gente ou às plantas e, como se não bastasse, embeleza nossos jardins. Vai além: cuida do desenvolvimento do verde devorando as folhas e transformando seus dejetos em adubo orgânico para que as plantas fortaleçam seu sistema imunológico. Deixemo-la flutuar por entre as flores, fogosa e feliz, rodopiando com seu andar requebrado. Dói-me, apenas, vê-la tão desacompanhada. Nunca a vi com seu par. Com quem trocará palavras, a quem dirá de suas alegrias e tristezas? Seria melhor se fosse uma borboleta, voando flor em flor e vendo tudo lá de cima? Não sei. Sei que me deixa feliz sua estadia no meio de minhas flores, junto ao pé de manacá, contemplando com um olhar meigo a minha pata-de-elefante. Que vá até o jardim vizinho, até permito, num passeio matinal, tornando também feliz meu amigo Renato e sua mulher Lena. Mas que não se demore e volte ligeirinho ao jardim de origem. Eu vi primeiro!
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Xico com X, Bizerra com I quarta, 15 de fevereiro de 2023
A CASA ONDE MORAVAM OS LIVROS (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Nem sei se apagaram a luz. Sei que foi fechada a última livraria que havia naquele Shopping grandão. O que há mais lá pra se fazer se minha motivação era exclusivamente sentir o cheiro dos livros? Não me interessava a imensa loja de utilidades domésticas, geladeiras e TVs, nem o box no corredor que exibia smartphones e outros utensílios de informática, tampouco a lanchonete com nome em inglês e que vendia hot-dogs que encantam as crianças. Interessava-me, tão-somente, aquela livraria. Os encontros que eu marcava em frente aos livros, onde acontecerão? E em que ambiente compartilharei minhas experiências literárias? Meus versos, livres, uns, e algemados, outros, desencontrados de lógica às vezes, se perderão nos corredores frios do shopping imenso. Minhas rimas vagarão entre as vitrines coloridas dos magazines, descerão pela escada rolante e se perderão no estacionamento amplo e lotado de carros, vazio de poesia. Resolvido: não mais irei ao Shopping e preservarei minhas palavras, beberei minhas rimas no bar da esquina, guardarei minhas frases e largarei no ar apenas as reticências … Vírgulas, as deixarei penduradas na porta daquela que já foi livraria e um ponto final restará sob a placa um dia luminosa que indicava ali ter existido uma casa de livros. A casa está vazia e não se sabe onde se esconderam as letras. Lá, não mais estão.
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Xico com X, Bizerra com I quinta, 09 de fevereiro de 2023
O ARCO-ÍRIS DO PEQUENO ANTÔNIO (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Uma amiga me contou a história do seu pequeno Antônio que, aos berros, convocou-a a seu quarto para anunciar a mágica que ele acabara de ser testemunha: um arco íris veio morar em sua casa. Mais: deitara-se em sua cama e ali passara a noite. Acabara de acordar, o sol já às alturas. Minha amiga, emocionada com aquela ‘descoberta’ do filho e sabendo dever tratar-se de, por exemplo, o sol refletindo na face de um CD ou um outro fenômeno físico qualquer, absorveu a lágrima que teimava em escorrer rosto abaixo e concluiu que a vida, sim, proporciona pequenos milagres. Como aquele, em que várias cores se encobertavam nos lençóis de Antônio e deitava sua paleta de tons variados em um travesseiro fofo e branquinho. Ela sabia que os arco íris aparecem nos céus de todos os meninos, mas também sabia, por experiência própria, que eles só dormem em casas de meninos que fazem o bem e sonham os bons sonhos. E Antônio os sonhava, sempre. Que bom se as belezas da vida estivessem sempre presentes também nas casas dos homens bons. Eles seriam felizes como Antônio é. (Croniqueta dedicada a Mariana Mesquita e a seu pequeno Antônio).
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Xico com X, Bizerra com I sexta, 03 de fevereiro de 2023
UM SOLITÁRIO E SORRIDENTE HOMEM (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
De todos os homens que conheço, aquele que semeia versos, ora voando que nem borboleta, ora cantando como pássaro, é o mesmo que também sabe colher luzes e reunir perdidos sons, acolhendo todos os tons em seu tímpano feliz. Sempre com um sorriso a enfeitar seus lábios e os daqueles que o cercam. Ninguém a ajudá-lo, tantos a lhe atrapalhar. Nas horas vagas, solitariamente, devora brisas e transforma em luz as hostis imagens. E nos trilhos de sua espera, em meio a tintas e aquarelas, a estação é sempre a do chegar, nunca a do partir. Ele desconhece a palavra adeus. A primavera é mais flor quando aquele homem, sorriso estampado no rosto, bondade guardada nas mãos, canta, voa e zune os poemas mais ternos nos outonos e invernos, tecendo sonhos nos verões cheios de sol, transformando tudo em jardins. Quem é aquele homem que vive a sorrir? E se todos os homens aprendessem a sorrir, como sorri aquele homem, espalhando alegria no meio do mundo? Pelo jeito, aquele homem deve ser Poeta. No mínimo, faz-se acompanhar da alma deles e jamais aprovaria uma guerra.
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Xico com X, Bizerra com I sábado, 28 de janeiro de 2023
O CÉU DE KIEV (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
O céu é sem cor. Nenhum espelho pode refletir essa dor. Nada de novo. Apenas um povo e o de sempre: Balas, bombas e fumaça. Chamas passeiam num céu que não se vê, num céu que foi azul sobre um chão de neve: chão e céu de Kiev …
Agoniza Kiev em meio ao bombardeio … Fantasmas vivos desdizem a vida e contrariam Deus … Crianças e mulheres já não dormem com o cheiro ruim da guerra.
Mais um tiro se ouve na noite escura. Outra bomba. Nascerá a manhã em Kiev? Haverá amanhã em Kiev? O sol brilhará em Kiev enquanto alguns irão à praia e contarão suas podres moedas? Amanhã, haverá Kiev?
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Xico com X, Bizerra com I domingo, 22 de janeiro de 2023
RECADO PARA QUEM TEM MAIS DE SESSENTA E NÃO TEM MEDO DA MULHER (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Tenho mais de 60 e faço tudo errado com o melhor dos ‘acho-bom’. Não apenas ‘furo’ a fila do Banco ou paro na vaga preferencial. Mas, principalmente, só faço o que me dá na telha. Esqueço a convenção do certo e errado e, simplesmente, faço. É meu direito. Tomo cerveja comendo pão e saio da mesa do almoço direto pra rede, onde fico até as 3, cochilando e acordando, acordando e cochilando, doce madorna. Não sem antes provar o doce deleite do doce de leite. Afinal, tenho mais de 60. Empanturro-me de coca colas e guloseimas de cacau: não tenho mais tempo para dietas, nem para as banais saudades, lágrimas sofridas, ou risos para alegrar os outros. Só vou onde quero ir, só como o que ordena meu paladar. Charque com fava, às favas o colesterol. Afinal, tenho mais de 60. Desobediência ampla, geral e irrestrita. Caminhadas, para quê? É como disse um pintor a um amigo dele: “hoje eu fiz algo útil: dei um pulo, bati palmas com as mãos acima da cabeça e matei uma muriçoca”. Assim sou e serei. Só farei coisas úteis, erradas ou certas. Aplaudirei o nada com as mãos acima da cabeça e matarei todas as muriçocas que tenham a audácia de perturbar minha saudável sesta. Talvez volte a fumar … Afinal, tenho mais de 60. Só ainda não o fiz porque a mulher não deixa e a ela, mesmo eu tendo mais de 60, não ouso desobedecer. Sou doido mas ainda resta um ‘restim’ de juízo … Quem sabe, se eu ainda tivesse 40?
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Xico com X, Bizerra com I sábado, 14 de janeiro de 2023
UM PASSARINHO NA MINHA JANELA (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Um passarinho pousou na minha janela e me presentou com sua música tão bonita. Ofertou-me seu canto, com a maior das ternuras, com todo o carinho, sem nada em troca. Aproveitou e fez também aquela sujeirinha típica que todos os animais fazem, na hora do ‘descomer’. Nada que embotasse a beleza do seu cantar ou que arranhasse a suavidade de sua presença. Diante do belo, cometi a heresia de pensar em prendê-lo numa gaiola, impedindo-o da liberdade do voo e ‘privatizando’ seu belo canto, sua ‘divina zoada’… Desisti a tempo de evitar o cometimento de crime tão hediondo. A solução mais inteligente foi mesmo deixá-lo livre, evidenciando a importância da liberdade! Assim procedendo, ele voltará outro dia com sonhos livres e cantos de amor para embalar os meus sonhos, também de amor, também de paz. O egoísmo de trancá-lo em uma gaiola rapidamente esvaiu-se ante a constatação de que todos merecem ouvir tão belo cantar. Por que deveria eu ter o privilégio da audição exclusiva? Quanto egoísmo! Aproveitei e deixei todas as gaiolas de minha alma de portas abertas, ainda que em nenhuma delas houvesse algum passarinho sem poder voar. Nelas haviam apenas sonhos, alimentados sempre pelo belo cantar dos passarinhos. Que bom se um passarinho pousasse na janela de todos os homens.
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Xico com X, Bizerra com I quarta, 04 de janeiro de 2023
TOMAI E BEBEI (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA D ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
A história revelada ao mundo nem sempre corresponde aos eventos realmente acontecidos. Prevalece, sempre, a visão do vencedor em detrimento da versão dos que perderam. Conta-se (fato omitido por Borges Hermida e outros historiadores didáticos brasileiros) que durante a primeira missa, um índio, incomodado com o olhar insistente e lascivo de um padre – ajudante do bispo Sardinha, dirigido à sua Índia, bela e despida, matou-o com golpes de crueldade excessiva. Depois, procurou o sacristão para confessar seu hediondo crime mas terminou com ele trocando seu belo cocar de penas coloridas por uma garrafa de licor de jenipapo, sorvido de um único gole. Dizem as más línguas que desse episódio resultou a simpatia de nossos habitantes primitivos pela bebida alcóolica produzida pela fermentação de açúcares contidos em frutas, grãos ou caules como, no nosso caso, a cana-de-açúcar. Em função da descoberta então surgida saíram a plantar cana-de-açúcar em todo pedaço de chão, contribuindo, dessa maneira, para a expansão econômica de nosso País. À parte o procedimento condenável do índio ciumento, louve-se a visão empresarial de seu povo e o empreendedorismo daquela coletividade indígena ao perceber o potencial econômico que a cachaça agregaria ao nosso território. Sem esquecer a alegria e felicidade que ela proporciona a quem dela se utiliza para tornar a vida mais amena e feliz. Fala-se, até, que o Bispo Sardinha, em suas celebrações, entornava um cálice repleto daquele licor de jenipapo, generosamente dosado com nosso etanol, extraído da mais qualificada cana de açúcar local, ao invés do bom e tradicional vinho português. Desde aquela época, já não se discutia questão de gosto. Principalmente de um Bispo, líder religioso daquela gente de um Brasil antigo.
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Xico com X, Bizerra com I quarta, 28 de dezembro de 2022
MARIAZINHA VAI CASAR (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Pelo tom de voz percebo a aflição do meu amigo José, ao telefone, 5 horas da manhã: – Mariazinha vai casar, disse-me. O que deveria ser motivo de alegria converteu-se em sentimento totalmente adverso. Imaginei a possibilidade de o futuro genro, por algum motivo, não desfrutar da simpatia de meu amigo. Não era essa a questão. Ao contrário, o noivo era um bom rapaz e tinha boas intenções, revelou-me. A questão era mais séria e envolvia o oneroso custo do casamento: convite, bolo, festa, local da recepção, aluguel do carro que levará a noiva, maquiagem, cabelereiro, banda que animará os convivas do evento. E o principal e mais caro: o vestido de noiva a ser usado uma única vez. Por certo não sobraria dinheiro sequer para adquirir a florzinha que o pai da noiva costuma usar e seria aplicada na lapela do mesmo paletó utilizado em seu próprio casamento, há vinte anos, apertado e meio furta-cor. Era o jeito. Não sobrara dinheiro nem para o terno do filho menor, Zezinho e para o vestido novo e longo de Dona Maria, sua esposa. Mas Mariazinha estava se casando e merecia todo aquele sacrifício. Como conforto, meu amigo só tem Mariazinha como filha. Zezinho, irmão mais novo, quando for casar, o pai da escolhida que se vire para bancar a festa. E sua noiva talvez até use esse mesmo vestido que vestirá Mariazinha, sua cunhada, irmã de Zezinho. O carro, José troca depois.
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Xico com X, Bizerra com I quarta, 21 de dezembro de 2022
RESTOS DA FESTA (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Tinha um resto de festa nos jardins do condomínio. Uma sobra de música ainda soava nos meus insones ouvidos. Lagartixas corriam para todos os lados comendo os farelos que sobraram e rãs, alegres e saltitantes, brincavam no friozinho de Gravatá, na grama orvalhada da madrugada do sábado. A noite que se foi deve ter sido muito alegre para aqueles que participaram da festa. O que comemoravam? O aniversário de alguém ou o anúncio do noivado da mocinha da casa 23, que alguns já davam como improvável depois de 9 anos de namoro? Só sei que pedaços de bolo e copos plásticos sujos de bebida se misturavam às plantas denunciando a festa que houve. Que bom que tenha havido algo a comemorar em tempos tão escassos de festejos e tão repletos de males, sanitários e políticos. Ao aniversariante, se é isso que se comemorava, só posso desejar muitos anos de vida pela frente. Ao casal de recém-noivos, se esta tiver sido a motivação da festa, que o casório não demore tanto tempo quanto o namoro demorou daqui até o casamento. A mim, desejo apenas que novamente não me convidem para a próxima festa e que, desta vez, os restos da festa sejam recolhidos antes que a madrugada seguinte chegue. Para minha alegria e tristeza das lagartixas. Quanto às rãs, elas continuarão alegres e saltitantes independente de ter havido aniversários ou noivados nos jardins repletos de orvalho. Um sapo bonachão repousa e cochila à borda da piscina, indiferente a tudo que ocorrera na noite anterior.
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Xico com X, Bizerra com I terça, 20 de dezembro de 2022
LAVANDO O CARRO E A ALMA (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Lavar o carro numa manhã de segunda-feira, sol pegando fogo, num lava-jato que descobri à beira-mar de Candeias é ‘muito mais melhor que bom’. Se tiver cerveja, melhor ainda. E tem: o barzinho ao lado, de uma garçonete de meia-idade e abusada, está aberto. Que é que tem se a mulher que atende não seja simpática? Interessa muito mais a temperatura da galega suada, nem importa a marca. Aliás, dentre meus mais diversos defeitos, o paladar ruim para identificar sabor de cerveja é um deles. Tanto faz uma ou outra: se for gelada é saborosa, independentemente do que estiver escrito no rótulo. Enquanto a gente espera a finalização da lavagem, vai ingerindo o precioso líquido, sabendo dos benefícios que ele causa ao nosso corpo. Além de afinar o cabelo, como atesta meu cunhado Mané, ela lava e enxágua o peritônio sem contar que não há melhor remédio para calo no dedo mindinho do pé esquerdo e para unha encravada no dedão do cotôco … Saí de lá com o carro limpinho, corpo são e alma purificada. As pernas meio bambas, é bem verdade, a alegria aprumadíssima. Ainda bem que o lava-carro é na esquina aqui de casa e o pessoal da Lei Seca fica na outra esquina, um pouco mais adiante…
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Xico com X, Bizerra com I quinta, 08 de dezembro de 2022
O ESPELHO DA ALMA (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
A última vez que me vi estava com sono e muito assanhado. Além de cansado, claro. Espantei-me com o que vi. Não era um jovem que estava ali. Afinal de contas havia muito tempo desde que me deparei, pela primeira vez, com a luz do mundo. Passei água nos olhos, penteei os cabelos, mas ainda assim, insatisfeito com a imagem que me foi ofertada, quebrei o espelho e nunca mais quis me ver. Preferi assim para não mais me assistir tão assustado com esse mundo violento e cheio de desesperanças. As olheiras e rugas, lembro bem, estavam ali retratadas, testemunha ocular da maldade do tempo, das transformações estéticas por que passamos em nosso caminhar. Preferi não mais vê-las, por desnecessário ser. A idade pesa muito. Menos mal que a alma, que o velho espelho é incapaz de refletir, é leve, sem peso. Ou, melhor dizendo, ela terá o peso que nos encarregarmos de atribuir-lhe durante a vida. Além do que a alma não tem imagem que possa ser refletida em um espelho. Falta nenhuma, pois, me fará esse artefato adorado pelos narcisistas de plantão. Procurarei, cada vez mais, acreditar no que ouvia de vovô, quando comigo conversava em nossos encontros de fim de tarde: ‘os olhos são o espelho da alma’, dizia-me. Nunca entendi direito o que isto significa, mas ante a sabedoria de meu saudoso avô, acredito piamente na verdade de sua máxima. Seja o que isso queira dizer, espelhos, só os da alma.
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Xico com X, Bizerra com I quinta, 01 de dezembro de 2022
SAUDADE DE NETO É A SAUDADE MAIOR QUE HÁ (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Semana passada o meu neto caçula, Leonardo, completou seu primeiro aninho de vida. De todas os efeitos perversos provocadas pela Covid, excetuado o imenso sofrer pelas perdas definitivas, nenhum se compara à impossibilidade da convivência próxima e presencial com os entes queridos. Privar um avô de ver seus netos, de acarinhá-los, é uma tortura sem igual. Experimentei isso quando, amainada a pandemia e depois de longo tempo sem vê-los, abracei-os em afago triplicado, confirmei a ventura e a alegria de ser avô. Longe deles, um minuto vira uma década. Ao lado deles o dia passa rápido, a noite se avexa e o dia seguinte é logo ali. Assim mesmo é que as horas se diluem em minutos fugazes e passam sem que a gente perceba que a vida dura segundos apenas … E o minuto que se foi é um taco de tempo que não volta nunca mais. Quando menos se espera eles crescem e a gente percebe o tempo que perdeu em não ser criança com eles, quando podia. Que pena que a gente fique adulto.
PARA LEONARDO, VINÍCIUS e BERNARDO
Saudade maior que grande A saudade que avô sente Que machuca tanto a gente Não tem remédio que abrande Ainda que a gente mande Passear na noite escura Ela volta, não trás cura Judiante, dói que só Não existe dor maior Que dum neto a lonjura
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Xico com X, Bizerra com I quinta, 24 de novembro de 2022
SEGREDOS, AMORES E SORRISOS (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
E assim levava a vida, bebendo segredos, sonhando amores e catando sorrisos nesse mundão de meu Deus. Achava mais desejos vazios que qualquer outra coisa. Era assim o dia-a-dia de Maria Flor nos cabarés escuros e enfumaçados. Mas não reclamava: era a sua vida, o destino não lhe dera outra opção. A cada segredo perdido, um sorriso achado em meio a tantos amores sonhados. Sorrisos que se iam com a mesma velocidade dos sussurros e gemidos que também iam e vinham. A fumaça e os copos, cheios e vazios, vazios e cheios, matavam a sede da angústia, aliviavam a dor da espera infinda por dias melhores que aqueles. Na mesa ao lado, Rosa e Margarida também vendiam carinhos aos homens do lugar, carentes de carícias. E entre segredos, amores e sorrisos, a orquestra tocava um bolero sob a sombra densa de um salão cheio de pouca cor, de tanta dor e de quase nenhuma luz. Um jardim em que habitava a tristeza das flores, das rosas e das margaridas.
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Dia 26.05, 19 horas, na PASSADISCO, aqui no Recife, lançamento de nosso SABIÁS, JARDINS E ARREBÓIS, juntamente com o FOGO NA PELE, do Grupo CASCABULHO
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Xico com X, Bizerra com I quinta, 17 de novembro de 2022
SORVETE, DE CREME OU DE BAUNILHA? (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
A gente nem percebe, mas nossa vida é um eterno desfilar de decisões a serem tomadas. Café, com açúcar ou adoçante? Feijão, preto ou mulatinho? Filme, comédia ou drama? Eu, particularmente, me defronto com a maior das frequências com todas as dúvidas quando tenho que decidir, principalmente com relação à arte. A palavra mais adequada em um poema, o título de uma crônica, a repetição ou não de um refrão naquela música e por aí vai. Quando resolvo fazer um disco (ao invés de escrever um livro, a primeira das dúvidas) abatem-me, de princípio, dúvidas cruciais: 1. A escolha do repertório, que começa com um total de 40 a 50 canções que se reduzem, ao final, às 12 ou 15 que comporão o CD; 2. A ordem em que essas músicas serão inseridas no disco, com dificuldade maior para a escolha da primeira e da última faixa, para não ferir susceptibilidades ou cometer injustiças na escolha; 3. O nome do CD. Neste caso, fiz uma enquete nas redes sociais para decidir o título que deveria dar nome ao último CD (terminei atribuindo-lhe o título de SABIÁS. JARDINS e ARREBÓIS). Menos mal que, a exemplo do técnico de futebol que dispõe de excelentes jogadores, mais de um para cada posição, as dúvidas persistem quanto à escolha dos músicos que trabalharão no disco e dos cantores que interpretarão as canções: nesse quesito estamos tão bem servidos tecnicamente que a dúvida, apesar de cruel, é saborosa, pois qualquer que seja a escolha ela será a acertada. Como tem sido.
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Dia 26, quinta-feira, na PASSADISCO – Rua da Hora, 385, Recife, lançamento, com audição e autógrafos, do nosso SABIÁS, JARDINS E ARREBÓIS – a partir das 19 horas.
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Xico com X, Bizerra com I quinta, 10 de novembro de 2022
ROMA OU GRAVATÁ: EIS A QUESTÃO (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Roma, não! Vou à Gravatá. Lá não tem Papa, mas tem bons papos. O Francisco de lá é o Chico da Roberta que nem argentino é e adora uma cerveja. Tem também o Chicão, que cuida do jardim. É lá que armo minha rede branquinha de varandas da mesma cor. E o melhor: não preciso de avião: a estrada é no chão.
Não, não vou à Roma. O Papa argentino que me perdoe. Sou mais o friozinho do mais perto. Aguardem-me as rãs, as flores e os passarinhos. Nosso pé de manacá está lá, elegante, Cortejado pela Pata-de-Elefante …
O vinho sempre está no ponto a cada adeus do sol, alegrando o arrebol. A alegria vive por lá (nem preciso convidá-la) e a Paz mora ao lado. O ipê já arroxeou suas flores para me dar boas-vindas e adoçar minha chegada … E o roxo dos ipês é muito mais bonito que o vermelho da boina dos cardeais … Gravatá é o meu Vaticano. E é pra lá que eu vou. Depois, se der tempo, eu vou a Roma … Ou não!
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Dia 1º de junho, terça-feira, 19 horas, na PASSADISCO, Rua da Hora, 385, Recife, lançamento de nosso SABIÁS, JARDINS E ARREBÓIS, juntamente com o FOGO NA PELE, do Grupo CASCABULHO
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Xico com X, Bizerra com I quinta, 03 de novembro de 2022
SAUDADE BOA (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUDO FLORIANO)
A saudade quase nunca é boa, ao contrário do que diz o verso de um Poeta. Mas ela pode ser menos ruim, sim, quando ainda for possível deixar de ser saudade para ser substituída por um desejado rever. Apenas essa possibilidade que está por vir altera o gosto e o sabor de uma saudade, tornando-a boa. Basta! Será a hora de se gritar, a plenos pulmões, que a distância ingrata não foi capaz de arrefecer o querer bem. Amigo é, e nunca deixará de ser, motivo para que a gente celebre a ventura da amizade. E o abraço sincero se faz mais necessário quando a saudade aumenta na mesma proporção da vontade do encontro que está por acontecer. E dá-se a beleza intensa do acaso, que não marca hora nem dia para a festa, para o afeto, o afago. É chegado o momento certo de dizer, como disse um dia o Poeta Maciel: isso vale um abraço, companheiro. Vale, sim, muito mais que apenas um abraço. Vale mil abraços acompanhados de sorrisos mil.
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Xico com X, Bizerra com I quinta, 27 de outubro de 2022
GUSTAVO COM DOIS *TÊS* (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Engana-se quem pensa que sou preconceituoso em questão de música. Não sou. Adoro Sertanejo. Eu, forrozeiro juramentado, fole com firma reconhecida no cartório das brejeirices puras, estaria cometendo, aos olhos de alguns amigos, pecado mortal ao proferir essa declaração. Não entendi. Que há de mal nisso? Um amigo mais afoito, radical em seu gosto musical, não se deu por satisfeito e quis me por à prova perguntando de qual sertanejo eu mais gostava, esperando, talvez, um Wesley Safadão ou Marília Mendonça como resposta. Sem titubear, repliquei, na bucha: – Sertanejos, tem muitos, mas eu gosto mais de Gonzaga, Dominguinhos e Sivuca. Incrédulo, insistiu: – E esses são sertanejos? dúvida decorrente do fato de ele nunca ter escutado uma cantiga sequer desses ‘cabras’ do Sertão. Tive que informar, sem me constranger e ao mesmo tempo constrangendo-o: – Sertanejos, sim, da gema. Gonzaga é do Exu, Dominguinhos de Garanhuns e Sivuca de Itabaiana. Queres mais sertanejo que isso? Com a dignidade do diferencial de que eles nunca receberam pagamentos milionários provenientes de recursos públicos sugados de municípios pobres nem se envolveram em esquemas de corrupção com superfaturamento de cachê justificado pela celebridade que são, fabricada pelos Faustões e Hucks da mídia interesseira. Quem nunca desconfiou de que por detrás do sertanejo universitário (alguns frequentaram, quando muito, os bancos escolares do primeiro grau) existe muita coisa ruim, além da música de extremo mau gosto e de péssimos cantores e cantoras. Há o famigerado “bate e volta” dessa grana que sustenta eleição e reeleição de corruptores. No autofalante do bar e alheio a tudo, alienados ouviam uma cantiga ‘sertaneja’ interpretada por um tal de Nivaldo Batista, mais conhecido nos paredões do interior como Gusttavo Lima que, com seus dois ‘tês’ é muito querido pelos Prefeitos, Secretários, Empresários e Produtores de shows espalhados Brasil afora.
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Xico com X, Bizerra com I quinta, 20 de outubro de 2022
*CONVERSINHA* DE 1/2 MINUTO (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Meu neto Bernardo, apenas 8 anos, sentado em poltrona frontal a minha, percebe todo o meu relaxamento de fim de semana traduzido pelo calção velho, de pernas frouxas, tão confortável quanto indiscreto, deixando liberto tudo aquilo que preso deveria estar.
Com toda elegância, discrição e sabedoria, adverte o velho avô, com a cara muito séria de quem sabe repreender quem uma boa repreensão merece:
– Vovô, sabia que quando você cruza as pernas aparece tudo que não deveria aparecer?
Feche-se a cortina, descruzem-se as pernas, vista-se uma bermuda decente. Foi o que fiz.
Xico com X, Bizerra com I quinta, 13 de outubro de 2022
ONDE JUDAS PERDEU AS BOTAS? (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
No ócio pleno, eterno dolce far niente, sem ter o que fazer de mais proveitoso e com quase nenhuma inspiração para cantigas e versos, resolvi procurar as botas que Judas perdeu não se sabe onde. Logo, logo estava eu também perdido, alma malograda, próximo da esquina onde o vento faz a curva, bem pra lá de Marrakesh, além das distantes Cucuias.
NO MATO SEM CACHORRO
Muito mais que a sensação de estar no mato, senti-me na floresta sem cachorro, naquele ermo lugar que fazia fronteira com o brejo para onde as vacas se escondem quando as coisas começam a não acontecer. Por fim, num entardecer sem sol, terminei por desistir da empreitada ao me deparar com uma placa que me indicava estar a cinco quilômetros de distância de uma tal Raios Que o Parta do Sul. Voltei. Não gosto do sotaque do pessoal daquelas bandas do Sul.
PRÁ LÁ DO FIM DO MUNDO
A bem da verdade, acho que a placa estava errada: eu já estava pra lá do fim do mundo. Pior que voltei sem cumprir a missão a que me atribuíra: não encontrei as botas perdidas por Judas. Mas não desisto: continuarei em busca delas. Quem sabe um dia as encontre?
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Xico com X, Bizerra com I quinta, 06 de outubro de 2022
RISCOS E RABISCOS (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Uma folha só permanece em branco se o rabiscador que lhe dá vida não encontrar algum lápis pelo caminho. Daí, então, outras folhas também deixarão de estar em branco e todos os riscos se transformarão em rabiscos para alegria do papel. Alegrias que se desenharão em letras, sorrisos que, rabiscados sob a forma de palavras e frases, ajudarão a superar a tristeza de alguns, ou até mesmo estancar lágrimas representadas por eventuais desconfortos daquele que tiver acesso ao papel rabiscado.
RISCAR É BOM
Riscar faz bem às almas, a de quem risca e a de quem vê os riscos. Por isso rabisco de vez em quando, nos blogs, nos jornais, na mídia social (só sei mexer no Facebook) na esperança de que meu texto se preste para minorar a desalegria de quem os vê, para aumentar a esperança de quem os lê. Se isso ocorrer pelo menos uma vez, já valeu a pena rabiscar.
MEU LÁPIS VIVE DE PONTA AFIADA
Se essa for a condição de alegrar alguém, nenhum papel permanecerá em branco à minha frente. Para isso, só ando com um lápis no bolso. E de ponta bem aprumada, riscando e rabiscando minhas besteiragens e bobagices, meus textos e poemas ou simplesmente desenhando curvas e retas, paralelas e perpendiculares. Tanto quanto amar, o importante é ver alguém feliz. Para isso risco e rabisco.
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Xico com X, Bizerra com I quinta, 29 de setembro de 2022
ASSOMBRAÇÕES (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Deitar-me, bem que queria. Talvez fosse a hora adequada. Mas há tanto por fazer, ainda. Os fantasmas, melhor deixá-los soltos. Eles, de alguma forma, nos fazem bem, nos inspiram a criar assombrações outras para a eles se contraporem. O hoje está indo embora e será o ontem, amanhã. Os ontens, todos eles, um dia foram hojes. Bom ou não, foi a vida, vivida, a escola, o aprendizado.
TRILHOS CERTEIROS
E que o sorriso um dia estampado de orelha a orelha, de canto a canto, como digo numa canção, nunca desgrude de nossa cara. Ele é o escudo que nos protege contra todo e qualquer encosto. Faz desencostar. É como se a locomotiva seguisse sempre por trilhos certeiros e em cada estação a ela se ajuntassem os bons sonhos de todos de alma boa.
SERENA VIAGEM
E sendo a estrada longa e pedregosa, é tempo de pedir ao Homem lá de cima que a viagem seja serena, de paz, de harmonia. É partir mais cedo, coragem a tira colo, desacender o medo e beber da vontade de fazer o bem. E assim, na caderneta celeste, as notas 10 dispensarão a prova final. Que o amor e o bem nunca nos larguem a mão. As assombrações não suportam ver um homem feliz.
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Xico com X, Bizerra com I quinta, 22 de setembro de 2022
ARMAS E LIVROS (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
A concessão, pela Biblioteca Nacional, da Medalha de Ordem do Mérito do Livro para quem não enxerga mérito nenhum no Livro, a exemplo do inepto e inapto Daniel Silveira, é um escárnio e um desrespeito à nação brasileira e a todos que tem na Literatura um pilar importante na formação cultural de um povo. Também por isso, continuarei a me armar de Livros e a me livrar de armas.
SER ATINGIDO PELOS VERSOS DE UM PESSOA
É triste a ameaça de termos bibliotecas transformadas em clube de atiradores ou em loja de vender revólveres. Vou preferir mil vezes sair de casa e deparar-me com alguém cantando uma cantiga de Chico Buarque ou recitando algum Manoel, seja o Bandeira ou o de Barros, a ter que botar as mãos para cima e entregar meus pertences a um marginal. Sem qualquer dúvida, será mais prazeroso o risco de ser atingido pelos versos de um Fernando Pessoa. Ao abrir o jornal, melhor será encontrar o realismo de uma crônica de Paulo Mendes Campos que a relação dos crimes ocorridos no dia anterior.
‘PARADO AÍ, ISSO É UM POEMA!’
Como já disse um Poeta, que bom seria encontrar na rua alguém armado com um livro importunando um pacífico transeunte: ‘Parado aí, isso é um Poema!’ antes de atingi-lo com rimas de Carlos Penna Filho. Ou de Vinícius. Talvez, com um repente de Pinto do Monteiro. Mas há quem prefira o contrário. Há de tudo. Para que eu me se sinta feliz e seguro dentro e fora de casa, bastar-me-á o direito de portar um livro: assim estarei protegido contra a ignorância e a burrice que sobeja nesse nosso mundo atual.
Xico com X, Bizerra com I quarta, 14 de setembro de 2022
MARMOTAS DA BEXIGA-LIXA (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Vestido de todos os ‘Deus me defenda’ a que tenho direito percebo que esta vida é repleta de muito ‘eita em riba de vôte’. Olhando direitinho, é tanto ‘pra que isso?’ misturado com ‘ôxentes’ vários que a gente fica com o juízo encasquetado, avariado que só a gota serena. Uns fazem o bem, sem olhar a quem, enquanto outros, desconheço a razão, não se cansam de espalhar o mal, individual ou coletivamente, fazendo do semelhante um desafeto. Diante do que tenho visto, imagino ‘estremecer até o espectro de Átila, o temível rei Huno, ferrenho inimigo do Império Romano e não sem razão tido como o flagelo de Deus’, como bem diz meu primo José, lá do Maranhão.
RUINS POR NATUREZA
São marmotas da bexiga-lixa. Indivíduos ruins por natureza, vivem para fazer o mal, consciente ou inconscientemente, de pensar pensado ou por desvio de conduta. Não sou vingativo e a estes últimos não desejo o mal. Não devemos fazê-lo. Mas, a bem da verdade, não seria de todo ruim se os diabos lhes cuspissem as bundas com o mais quente dos cuspes encontrados nos quintos ferventes dos infernos mais profundos. Que Deus seja comigo misericordioso concedendo-me perdão, mas os maus não merecem um refrigério na cusparada de quem os cuspir.
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Xico com X, Bizerra com I quinta, 08 de setembro de 2022
O REI E OS ZUMBIS, A FÁBUALA (TEXTO DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Na floresta a noite é longa e o sono dos bichos se despede antes das três da manhã deixando abertos todos os olhos, teimosos em não fechar. Fazem todos companhia às corujas insones. Inquietudes habitam o local, por si só já inquieto. Na linha distante do horizonte, o cinzento veste o céu anunciando tempestades devastadoras. Sombras ameaçadoras vagueiam a horas mortas, com suas armas de pontas acesas apontadas para os animais. Sonho dos que não se deve ter.
PESADELO REAL
É ruim quando os bichos todos percebem que o pesadelo é real. Os zumbis encapuzados são de vera e suas tochas queimam de verdade. O rei mal coroado dessa floresta escurecida vadia no breu espalhando maldade no tempo já perdido e no que se perderá. O mato denso e negrumoso está cada vez mais carente de alguma luz, por pouca que seja.
REINO DAS SOMBRAS
Até quando esse escuro? No reino das sombras tantas os bichos haverão de se unir para chegarem ao outro lado. O Rei, sua nefasta regência e outras ‘excelências’ não resistirão ao desejo de luz, que se percebe no olhar de cada um daqueles animais que habitam a floresta. Até quando esse escuro?
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Xico com X, Bizerra com I quinta, 01 de setembro de 2022
JUNTO DOS “BÃO” TENTO SER “MIÓ” (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Como discordar de um cabra do tamanho de João Guimarães Rosa, que em um belo dia disse que “é junto dos bão que a gente fica mió”. Certa vez, brincando, disse que o grande homem dos Sertões e das Veredas plagiou meu avô Zuza Bezerra, velho professor de Português e Latim no Seminário do Crato, que sempre me aconselhou sobre a escolha das companhias, dizendo ‘junta-te aos bons e um deles tu serás.’
AS ESCOLHAS QUE FIZ
E foi o que fiz na vida, nem sempre acertando mas nunca deixando de tentar. Foi assim na escola, na faculdade, nos 28 anos de minha vida burocrática, sempre procurando o “apronchegamento” com quem eu considerava bom. E fui feliz nas escolhas que fiz. Quando a música surgiu em minha vida continuei atento aos conselhos de meu avô e à teoria do velho Guimarães.
PARCEIROS MUITO MELHORES QUE EU
Mais uma vez, bafejado pela sorte e pelo destino, ganhei Parceiros musicais de quem não posso reclamar. Ao contrário, Parceiros a quem só tenho a agradecer pelas parcerias que fizemos. Obrigado, Guimarães Rosa, pela inspiração de seu recado; Obrigado, Vovô, pelo conselho ainda hoje tão útil. Posso até não ser bom o quanto gostaria, mas não foi por ser “maluvido”: a consciência está tranquila. Sou o melhor que posso ser.
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Xico com X, Bizerra com I terça, 23 de agosto de 2022
NETFLIX DOS SONHOS (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Sonhar continua sendo um bom divertimento, barato e isento de tarifas. Enquanto não cobrarem imposto, continuarei sonhando bons e maus sonhos. Pena que não possamos escolhê-los. Sonho sonhos bons, mas também tenho meus pesadelos: o mais recorrente deles é estar perdido em algum lugar, querendo chegar em casa e não encontrando o caminho.
QUEDAS SEM PARAQUEDAS
Às vezes caio de uma considerável altura, sem paraquedas. Logo eu, que na vida real, não tenho asas e em se tratando de coisas altas só me sinto menos inseguro dentro de um elevador, até o terceiro andar. De avião, então, faço coro aos pavores que Dominguinhos sentia. Voar é para os pássaros. Menos mal que são só sonhos. Também insisto em sonhar, quando estou longe do meu lugar – e aí é sonho melhor que bom, revendo minha distante aldeia, escondida no interior do meu interior, onde não tenho o rio da aldeia de Pessoa, mas tenho o que só minha aldeia tem. E é o mais belo.
SONHOS DE COMÉDIA, TERROR E AMOR
Igualmente aos filmes, há sonhos comédia, sonhos terror, sonhos documentários e sonhos de amor, estes, os melhores, meus preferidos. Pena que seja aleatória a escolha do tema. Bom se pudéssemos exercer o direito de escolher o que sonhar. Isso, só quando inventarem a NETFLIX dos sonhos. Com o avanço tecnológico dos dias atuais, acho que isso não demora: é quando só vou escolher os sonhos bons de sonhar.
Xico com X, Bizerra com I quarta, 17 de agosto de 2022
SÁBADO É DIA DE SER FELIZ (POEMA DE XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Deixem-me quieto em meu canto. Hoje é Sábado e Sábado não é dia de ficar triste. Amanhã, quem sabe? Ou na Quarta, talvez na Sexta. Mas hoje, não! Nem a Aspirina das 7 horas vou tomar! Ler Pessoa, ouvir Chico e ver Carlitos, sonhar e sorrir, é tudo o que vou fazer. Depois, sentir as flores, conversar com os passarinhos, passear de mãos dadas com minha mulher assistindo as brincadeiras e peraltices das ondas do mar de Candeias. E, mais tarde, sol se pondo, encontrar Bernardo, Vinicius e Leonardo brincando no parque, comendo pipoca e andando de bicicleta, sorrisos nos lábios, nos deles e muito mais nos meus … Não mexam no mundo: deixem-no onde está e desliguem os rádios e TVs que moram aqui em casa. Escondam meus óculos: não quero ler jornais. Meu celular, descarregado, vai permanecer na mais recôndita das gavetas, juntinho do Notebook. Coloquem o cadeado na gaiola da tristeza, pendurem-na em inalcançável altura e joguem a chave na profundeza abissal dos mares. Hoje é Sábado e Sábado é dia de ser feliz. Se der tempo, depois, talvez, eu fique triste … Hoje, não!
Xico com X, Bizerra com I terça, 25 de maio de 2021
Na sala de estar, avó e neto em frente à TV, acompanham uma reunião de Senadores, onde seus membros, do ‘Alto’ e ‘Baixo’ clero, reputação ilibadíssima – abaixo do nível do mar, ambos, se engalfinham numa elegante e respeitosa discussão repleta de amabilidades:
– Conceda-me um aparte. Vossa Excia. é um Ladrão!
– Não lhe concedo o aparte. Exijo a presunção de inocência. Ladrão é Vossa Excia.!
– Com todo o respeito, Vossa Excia. é um Corrupto!
– Data vênia, Corrupto é Vossa Excia.! Fui julgado apenas em duas instâncias colegiadas. Minha corrupção não tem trânsito em julgado.
Propõe a Avó:
– Menino, melhor desligar essa TV. A discussão é inócua. As duas Excelências estão com cobertos de razão. Ambos falam a verdade: são corruptos e ladrões.
Num canto da tela, outros engravatados (colarinhos brancos eivados de escuras manchas), sem prestar atenção aos ‘elogios’ entre colegas, celulares nos ouvidos, conversam ao celular e riem entre si.
– O homem está falando e ninguém presta atenção, vovó. Riem de quem, dos brigões?
– Não, meu querido. Riem de nós que os colocamos lá. Sorriem do povo.
Trocam de canal e assistem a uma sessão de um Tribunal que se diz Supremo, cujos integrantes exigem tratamento de Excelência mas agem de forma a não merecê-lo. A população, verdadeira Excelência, vive a ser por eles insultada. Sob negras togas, mudam o entendimento sobre o mesmo assunto diversas vezes num espaço de tempo diminuto, contrariando o bom senso e todas as regras do Direito, expondo o povo à insegurança jurídica que a eles, ‘donos da Lei’, convém.
Enojados, após irem ao banheiro para uma sessão de vômito em dueto, avó e neto desligam a TV, dão-se as mãos e vão até a banca de jornal mais próxima. Compram uma revistinha imoral, de putaria explícita. Quase tanto quanto. Quase.
Fecha-se a cortina, apagam-se as luzes. Faz-se breu no País. Escuridão total.
Xico com X, Bizerra com I terça, 09 de março de 2021
A FESTA DA CHUVA (XICO BIZERRA É COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
O assovio do vento anuncia a água que está por chegar, aumentando a esperança do povo daquele sertão. Ainda tímidas, espalham-se no céu nuvens de chuva tímida, de neblina preguiçosa. O mato espera fazer-se verde, e faz tempo, aguardaaquela visita tão desejada e rara. O chão, encalombado de tão seco, também confia no bendito líquido para voltar a ser terra. O homem pobre, encarregado de criar os bruguelos postos na vida, ora cada vez mais, joelhos ralados de tanta oração, promessas tantas acertadas com o povo do céu. Poderia um dia pagá-las, tantas que foram feitas? Mas o Pedro lá de cima, dono das chaves e torneiras celestiais, resolveu abri-las e derramar a chuva tanta que sobrou, ocupando barreiros e açudes, e enchendo de alegria, sobremaneira, o coração daquele povo sofrido e que só pedia água. Ela está ali, límpida e limpa, inodora e incolor, saciando sedes, matando vontades tantas vezes não supridas. A chuva veio. Com ela, a festa. Por quanto tempo ficará por ali?
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Xico com X, Bizerra com I terça, 23 de fevereiro de 2021
VIVER POR SOBRA DE AR OU MORRER POR FALTA DELE (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, POETA, COMPOSITOR E COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
À Ciência falta descobrir a vacina contra a dor da solidão. Acho que os cientistas não sofrem desse mal ou, por não lhes sobrar tempo e preocupados com a cura de outras mazelas, não se importam com o amor, com o namoro, com a paixão. Em seus laboratórios, tão limpos e assépticos, entre tubos de ensaio e microscópios, não há espaço para experiências com afetos, beijos e abraços. Por isso, respeito a alma simples do borracheiro, em seu ambiente de trabalho sujo e sebento, que a cada cusparada na válvula da capsulana verifica o ar de um pneu. A ele, basta a vida e seu ofício para abastecer-se de esperança pela cura da melancolia, da saudade e da dor da solidão, vírus piores que qualquer outro. Sobra-lhe ar, a ele e ao seu equipamento precário e débil. Ao final, ele é mais feliz que o dono do banco. Esta semana o rico banqueiro do Amazonas não resistiu à falta de ar. Ao borracheiro, sobra-lhe esse artefato tão valioso.
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Xico com X, Bizerra com I terça, 16 de fevereiro de 2021
A CAPELINHA DE SANTA LUZIA (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, POETA, COMPOSITOR E COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
No meio do caminho de minha casa até a Vila União, chão de terra batida que percorria a cada domingo, pela manhã, havia a pequena capelinha de Santa Luzia, sempre de portas fechadas, mesmo domingo sendo. Nunca entendi porque fechadas, sempre, mas assim era. A parada era obrigatória na minha rotina dominical para rezar uma Ave-Maria em intenção àquela Santa, protetora da visão, agradecendo a dádiva do ver, o dom do enxergar, a graça do olhar. Ficava a imaginar o quão triste devia ser não vislumbrar o degrau entre o chão e a calçada da capela ou a espessura daquela porta sempre cerrada ou, ainda, a desventura do não poder se deleitar com o futebol daqueles meninos magros, pés descalços, camisas rotas, a correr atrás de uma bola gasta no campinho de areia fofa que ficava bem atrás da capelinha. Em minha inocente prece pedia que Santa Luzia olhasse por aqueles meninos franzinos e por todos nós, privilegiados, olhos atentos ao belo, corações sensíveis à fé.
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Xico com X, Bizerra com I terça, 09 de fevereiro de 2021
SILÊNCIOS E BARULHOS (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, POETA, COMPOSITOR E COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Para onde vão nossos silêncios quando calamos nosso sentir? Acho que se arraigam em nosso peito e se escondem nos vazios da alma até que alguém os descubra, antes que virem pesadelos. E então descobertos, eles tagarelam com toda a zoada que o silêncio liberto pode permitir. É quando os sentimentos se mostram presentes para iluminar, colorir e perfumar nossa vida, tornando-a um poço de possibilidades alvissareiras em que o barulho silencioso de um abraço torna-se tão envolvente quanto o silêncio ensurdecedor de um reencontro desejado. É quando silêncios e barulhos se desimportam e se confundem ante a importância das zoadas e calares do todo ao redor, da pequenina e distante estrela à imensidão de um mar próximo.
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Xico com X, Bizerra com I terça, 02 de fevereiro de 2021
O BESOURO E O CASAL DE MARIBONDOS (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, POETA, COMPOSITOR E COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Na antena esquerda da borboleta amarela, no quadro dependurado na varanda do primeiro andar da casa de Gravatá, mora um besouro pequenino. Ali, ele achou de fazer sua minúscula casinha. Lá está ele, feliz, apesar de solitário. Tempos atrás, ao lado, fez-lhe companhia, certamente por inveja de tão privilegiado lar, um casal de maribondos, tão pacíficos quanto seu vizinho. Nunca nenhum deles aperreou o plácido besourinho, companheiro da paz e inimigo dos malfazeres. Foi respeitado o seu direito de viver em Paz. Tudo acumpliciado pelo olhar terno de minha Pata-de-Elefante. E assim viveram, besouro e maribondos, estranhos ao que acontecia fora de seus mundos tão diferentes e iguais, saboreando profanos mistérios e absorvendo sagradas descobertas de respeito mútuo entre eles, com mais raciocínio e inteligência que nós, humanos, doidos por uma briguinha, loucos por uma guerra. Acho que São Francisco de Assis, que me protege e a minha casa vela, é o responsável por esse clima de união. Certamente o Santo Chico, o Santo dos bichos, também é protetor de besouros e maribondos. Eles, o Santo, minha Pata-de-Elefante, o besouro e os maribondos, nos ensinam que a Paz é possível.
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Xico com X, Bizerra com I terça, 26 de janeiro de 2021
POUSADA ESPERANÇA (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, POETA, COMPOSITOR E COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Nesses tempos de Pandemia e seguindo o sábio conselho do Poeta Maciel Melo deixei hospedar-se em minha pousada interior, além da Poesia, a Esperança de dias melhores. Para ela reservei o melhor cômodo, a melhor cama e a flor mais cheirosa. Deixei uma penteadeira sortida à sua disposição e uma quartinha de água bem friinha, do tanto que ela merece, além de uma imagem bonita do meu santo protetor, São Francisco de Assis. Não tem desculpa. Se à minha Poesia essa esperança não se aliar e prosperar de vera, se a vacina não chegar, se os homens do Planalto continuarem insensatos e donos da verdade aí, de vez, entrego os pontos. Não dá mais para segurar. O coração ‘tá pra explodir, de angústia e tristeza. Mas meu santo Chico é muito competente e dona Esperança até hoje não falhou. Tardou, às vezes, mas falhar, nunca! E não vai ser agora.
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Xico com X, Bizerra com I terça, 19 de janeiro de 2021
APRENDER A VOAR (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, POETA, COMPOSITOR E COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Sou vizinho do sonho. Vez por outra tropeço num Pessoa esquecido no vão da escada, abraçado com um Drumond meio amarelado pelo tempo. No mais recôndito esconderijo do ouvido me ternuro, quando em vez, com um verso solto de Vinícius, um refrão bonito cantado pelos Beatles ou um bolero de Aldir. Não com dificuldade descubro um grilo trocando ideias com uma rã sobre Manoel de Barros. Que bom que encontremos tantas boas coisas espalhadas nos arquivos da memória, nas prateleiras afetivas da saudade, no armazém das maravilhas. Prefiro assim a mandar minhas boas lembranças morar nas nuvens, como fazem os jovens de hoje, que desconhecem os Pessoas, os Vinícius e os Lennons e só conhecem, com intimidade excessiva, os HDs e pendrives da era pós Anita, coisas que minha alma não alcança. No meu país de sonhos ainda não me ensinaram a chegar nas nuvens da tecnologia. Ainda bem. Não me interessa aprender a voar. Isto é para os pássaros. Ou os anjos. Não sou uma coisa nem, muito menos, a outra.
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Xico com X, Bizerra com I terça, 12 de janeiro de 2021
VACA PRETINHA (CRÔNICA DO POETA E COMPOSITOR XICO BIZERRA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
O menino tinha sua vaquinha de estimação, numa distante Arapiraca, em meio à plantação de fumo. O leite branquinho de Pretinha, seus chifres afiados e sua bosta cheirosa fazem parte de um passado que teima em não passar, de tão bom que foi. A farinha ficou sem gosto ao não mais misturar-se ao leite de Pretinha. Restou muita saudade depois que ela partiu, enterrada como gente, com todas as honras merecidas, pelo bem que fez, pelas coalhadas ao fim da tarde. Faltou-lhe a cruz, no quintal em que ela foi repousar eternamente. Menos por desmerecimento, mas muito mais pelo receio de que viesse o menino a ser punido pelos Deuses, se julgassem o ato uma heresia e, por castigo, não permitisse que outras Pretinhas viessem a ocupar o lugar daquela que se foi. E levou consigo seu leite branquinho. (Crônica dedicada a Valdir Oliveira).
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Xico com X, Bizerra com I terça, 05 de janeiro de 2021
ARUIVOS DA DOR (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, ESCRITOR, COMPOSITOR E COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
No meu NoteBook eu nunca deixo para amanhã o que posso deixar pra lá. Não vale a pena salvar e ocupar memória com coisas que não agregam, que nada acrescentam à vida. Para que ficar remoendo as mágoas, as dores, os ressentimentos, as desalegrias e os desgostos se posso deles me livrar? Prefiro ocupar o HD de minha memória afetiva com o que de bom vivi. E assim configurei meu coração e criei uma senha secreta que só ela e eu temos acesso. Arquivos da dor, deleto-os todos. Mando-os à lixeira. Prefiro acessar os programas de alegria e gargalhar no site das coisas boas. Sob o domínio dela, sonho forró e danço xote cheirando o seu cangote. E minha senha secreta não conto pra ninguém (só a ela contei). Ao resto do mundo, apenas digo que começa com Paz e termina com Amor. Impossível deletá-la, pois.
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Xico com X, Bizerra com I terça, 29 de dezembro de 2020
ADEUS, ANO VELHO! HÁ DEUS, ANO NOVO! (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, POETA, COMPOSITOR E COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Cantemos as lindezas todas, deixando no lixo as impurezas da maldade e o mau cheiro do que não serve para o bem. E em cada luz que encontremos em nossa ‘buscação’ saibamos ser grandes para dividi-la com os que não a tem. Que sejamos sábios para repartir o bem maior que existe entre os homens: o AMOR. Que se achegue o 2021 e que ele seja bom pra nós todos. Menos medonho que 2020, com todos esses coisos e vírus que estiveram soltos por aí. Que O NOVO ANO venha e chegue logo. Pode se avexar que eu ‘tô de braços abertos aguardando sua chegada, com um balaio de esperança e fé de que dias melhores virão e que virá um bom tempo. Venha! Precisa nem bater na porta, é só chegar, entrar e se abancar. ‘Tô lhe esperando com roupa branca de Paz e sorriso de ‘urêia a urêia’. Que venha contigo a cura que o mundo precisa e que os anjos aproveitem a viagem e sejam portadores da Paz que tantos necessitam e da sabedoria que a alguns falta. Abração para todos que bebem esperança e respiram alegrias.
LUZ!
Xico com X, Bizerra com I terça, 22 de dezembro de 2020
NATAL MATUTO (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, POETA, COMPOSITOR E COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Nos galhos perto do chão Vou pendurar mil carinhos Pra iluminar os caminhos Do povo do meu sertão Acima, ao alcance da mão Mais um verso especial Sem nada artificial Ao lixo, a hipocrisia As luzes da poesia Vão acender meu natal.
Aos que de mim gostam, FELIZ NATAL; Aos que não gostam, FELIZ NATAL, também.
* * *
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Xico com X, Bizerra com I terça, 15 de dezembro de 2020
SANTOS E VIRGENS (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, POETA, COMPOSITOR E COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
Sempre me ensinaram que a política é o caminho certo para resolução dos problemas de um povo, para o engrandecimento de uma Nação. Sempre me enganaram, sempre me enganei. A cada período eleitoral percebo que são iguais, todos. Tudo titica do mesmo pinico. A começar pelo programa dos Partidos, extremados ideologicamente no dizer de seus ‘líderes’ mas totalmente similares em suas diretrizes doutrinárias. Excetuando-se uma vírgula aqui, um ponto ali, tudo igual. Filiar-se a um Partido ou dele desligar-se atende apenas a conveniências circunstanciais do elemento, sempre ausente a convicção que deveria permear esses atos. O interesse pessoal acima de tudo. Prática e discurso conflitantes. Meu voto para Deputado Federal esvaiu-se na vala comum da politicagem pequena. Hoje vejo as agremiações da ‘rotulada’ esquerda a Bolsonaro aliados no apoio ao candidato à Presidência da Câmara, réu no STF. Me convenço a cada dia que não há virgens na zona, da mesma forma que não enxergo santo nessa procissão. Em que fendas terríveis se esconde a nobreza da verdadeira arte política? Perdi meu voto. Quem encontrá-lo, favor dar notícias.
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Xico com X, Bizerra com I terça, 08 de dezembro de 2020
DE LÁ PRA CÁ É MAIS PERTO (CRÔNICA DE XICO BIZERRA, POETA, COMPOSITOR E COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)
São Paulo é bem ali, logo depois da curva da esperança, bem ‘pertin’ da esquina da felicidade. E o povo acreditava. Juntava os picuás, se atrepava no lombo de um pau de arara ou, os menos desfavorecidos, numa cadeira dura da Itapemerim e, abraçando a saudade, dava adeus aos que que ficavam. No matulão, um cacho maduro carregado de sonhos ‘de vez’. Muitos iam, poucos vinham. Mais valia carregar tijolo numa obra ou ser garçom no Bexiga que perambular no sertão sem nada o que fazer, com pouco o que comer, sem chuva pra dizer benza Deus! Era quando se ouviam, entre lágrimas, vários bença-mãe, bença-pai. Num tempo em que não havia o ZAP as conversas demoravam 15, 30 dias para chegar, num envelope com as bordas verde e amarela, cartas repletas de choro e saudade, dos cheiros, das comidas, das pessoas e até do sol inclemente, mas melhor que o frio sem cobertor das noites amargas paulistanas. Nada como uma Itapemerim em sentido inverso, um pau de arara de lá pra cá. Esse caminho de volta é mais perto que o de ida. Assim como os bença-mãe, bença-pai da volta são bem mais felizes que os da ida. As alegrias ou tristezas fazem ficar mais perto ou mais longe todas as distâncias.
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