Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Poemas e Poesias quarta, 02 de abril de 2025

EMISSÁRIO DE UM REI DESCONHECIDO (POEMA DO PORTUGUÊS FERNANDO PESSOA)

EMISSÁRIO DE UM REI DESCONHECIDO
Fernando Pessoa

(Grafia original)

 

 

 

Emissário de um rei desconhecido
Eu cumpro informes instruções de além,
E as bruscas frases que aos meus lábios vêm
Soam-me a um outro e anómalo sentido...

Inconscientemente me divido
Entre mim e a missão que o meu ser tem,
E a glória do meu Rei dá-me o desdém
Por este humano povo entre quem lido...

Não sei se existe o Rei que me mandou
Minha missão será eu a esquecer,
Meu orgulho o deserto em que em mim estou...

Mas há! Eu sinto-me altas tradições
De antes de tempo e espaço e vida e ser...
Já viram Deus as minhas sensações...


Poemas e Poesias terça, 01 de abril de 2025

TROVAS HUMORÍSTICAS - 38 - (POEMA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)
 

TROVA HUMORÍSTICA 38

Eno Teodoro Wanke

 

 Já pediste, se adivinho

O aumento ao gerente? – Já!

Reagiu como um cordeirinho

Que foi que ele disse? – Bah!

 

 

 


Poemas e Poesias segunda, 31 de março de 2025

VERÔNICA (POEMA DO PIAUIENSE DA COSTA E SILVA)

VERÔNICA

Da Costa e Silva

 

 

O sangue que ilumina o pensamento,
Em forma eterna a vida reproduz;
Assim, a imagem do meu pensamento
Se não em sangue, há de gravar-se em luz.

Então, vereis ao vivo refletida,
Entre uma auréola de esplendor cristão, 
A sombra interior da minha vida
A projetar-se do meu coração...

Sob esse aspecto místico e profundo,
Terei a transparência do cristal,
Ampliando a visão múltipla do mundo
Para uma vida sobrenatural.

E o que tenho de humano e de divino
Ante olhares profanos hei de expor,
Nas ascensões e quedas do destino,
Que foram meu Calvário e meu Tabor.

Mas, cauteloso, o espírito tristonho,
Ocultando seu trágico avatar
Sob a névoa translúcida do sonho,
Há de ser como a espuma sobre o mar.

E a luz, que vibra em iris no meu canto,
Revelará, talvez, sem eu querer,
Aos vossos olhos lúcidos de espanto
A beleza intangível do meu ser.


Poemas e Poesias domingo, 30 de março de 2025

LÉSBIA (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUSA)

LÉSBIA

Cruz e Sousa

 

 

 

Cróton selvagem, tinhorão lascivo,
Planta mortal, carnivora, sangrenta,
Da tua carne bacchica rebenta
A vermelha explosão de um sangue vivo.

Nesse labio mordente e convulsivo,
Ri, ri risadas de expressão violenta
O Amor, tragico e triste, e passa, lenta,
A morte, o espasmo gélido, aflictivo... 

Lésbia nervosa, fascinante e doente,
Cruel e demoniaca serpente
Das flammejantes attracções do goso.

Dos teus seios acídulos, amargos,
Flúem capros arômas e os lethargos,
Os ópios de um luar tuberculoso...


Poemas e Poesias sexta, 28 de março de 2025

PELAS SOMBRAS (POEMA DO BAIANO CASTRO ALVES)

PELAS SOMBRAS

Castro Alves

 

 

 

Ao Padre Francisco de Paula
Cest que je suis frappé du doute.
Cest que létoile de la foi
Néclaire plus ma noire route.
Tout est abime autour de moi!

La Morvonnais

Senhor! A noite é brava... a praia é toda escolhos.
Ladram na escuridão das Circes as cadelas...
As lívidas marés atiram, a meus olhos,
Cadáveres, que riem à face das estrelas!

Da garça do oceano as ensopadas penas
O mórbido suor enxugam-me da testa.
Na aresta do rochedo o pé se firma apenas...
No entanto ouço do abismo a rugidora festa! ...

Nas orlas de meu manto o vendaval senrola. . .
Como invisível destra açoita as faces minhas...
Enquanto que eu tropeço... um grito ao longe rola...
"Quem foi?" perguntam rindo as solidões marinhas.

Senhor! Um facho ao menos empresta ao caminhante.
A treva me assoberba... O Deus! dá-me um clarão!

————

E uma Voz respondeu nas sombras triunfante:
"Acende, ó Viajor! — o facho da Razão!"

...........................................................................

Senhor! Ao pé do lar, na quietação, na calma
Pode a flama subir brilhante, loura, eterna;
Mas quando os vendavais, rugindo, passam nalma,
Quem pode resguardar a trêmula lanterna?

Torcida... desgrenhada aos dedos da lufada
Bateu-me contra o rosto... e se abismou na treva,
Eu vi-a vacilar... e minha mão queimada
A lâmpada sem luz embalde ao raio eleva.

Quem fez a gruta — escura, o pirilampo cria!
Quem fez a noite — azul, inventa a estrela clara!
Na fronte do oceano — acende uma ardentia!
Com o floco do Santelmo — a tempestade aclara!

Mas ai! Que a treva interna — a dúvida constante —
Deixaste assoberbar-me em funda escuridão! ...
E uma Voz respondeu nas sombras triunfante:
"Acende, ó Viajor! a Fé no coração!..."

 


Poemas e Poesias quinta, 27 de março de 2025

CENA ÍNTIMA 9POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU) VÍDEO


Poemas e Poesias quarta, 26 de março de 2025

LAGOA (POEMA DO MINEIRO CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)

LAGOA

Carlos Drummond de Andrade

 

 

Eu não vi o mar.
Não sei se o mar é bonito,
não sei se êle é bravo.
O mar não me importa.

Eu vi a lagoa.
A lagoa, sim.
A lagoa é grande
e calma também.

Na chuva de cores
da tarde que explode
a lagoa brilha
a lagoa se pinta
de todas as cores.
Eu não vi o mar.
Eu vi a lagoa. . .


Poemas e Poesias terça, 25 de março de 2025

SONETO 111 - EU VIVIA DE LÁGRIMAS ISENTO (POEMA DO PORTUGUÊS LUÍS DE CAMÕES)
 
 
SONETO 111 - EU VIVIA DE LÁGRIMAS ISETO
 
Luís de Camões
(Grafia original) 
 
 
Eu vivia de lágrimas isento,
num engano tão doce e deleitoso
que, em que outro amante fosse mais ditoso,
não valiam mil glórias um tormento.

Vendo-me possuir tal pensamento,
de nenhüa riqueza era envejoso;
vivia bem, de nada receoso,
com doce amor e doce sentimento.

Cobiçosa, a Fortuna me tirou
deste meu tão contente e alegre estado,
e passou-se este bem, que nunca fora;

em troco do qual bem só me deixou
lembranças, que me matam cada hora,
trazendo-me à memória o bem passado.
 

Poemas e Poesias segunda, 24 de março de 2025

CEM TROVAS - 029 (POEMA DO MINEIRO BELMIRO BRAGA)

TROVA 029

Belmiro Braga

 

 Mulheres que eu vi no banho

Vejo-as depois no salão

Se pelo rosto as estranho

Pelas pernas sei quem são


Poemas e Poesias domingo, 23 de março de 2025

SPLEEN E CHARUTOS - III VAGABUNDO (POEMA DO PAULISTA ÁLVARES DE AZEVEDO)

SPLEEN E CHARUTOS - III - VAGABUNDO

Álvares de Azevedo

 

 

 

Eat, drink and love; what can the rest avail us?
BYRON. Don Juan.


Eu durmo e vivo ao sol como um cigano,
Fumando meu cigarro vaporoso;
Nas noites de verão namoro estrelas;
Sou pobre, sou mendigo, e sou ditoso!

Ando roto, sem bolsos nem dinheiro;
Mas tenho na viola uma riqueza:
Canto à lua de noite serenatas,
E quem vive de amor não tem pobreza.

Não invejo ninguém, nem ouço a raiva
Nas cavernas do peito, sufocante,
Quando à noite na treva em mim se entornam
Os reflexos do baile fascinante.

Namoro e sou feliz nos meus amores;
Sou garboso e rapaz... uma criada
Abrasada de amor por um soneto
Já um beijo me deu subindo a escada....

Oito dias lá vão que ando cismado
Na donzela que ali defronte mora.
Ela ao ver-me sorri tão docemente!
Desconfio que a moça me namora!..

Tenho por meu palácio as longas ruas;
Passeio a gosto e durmo sem temores;
Quando bebo, sou rei como um poeta,
E o vinho faz sonhar com os amores.

O degrau das igrejas é meu trono,
Minha pátria é o vento que respiro,
Minha mãe é a lua macilenta,
E a preguiça a mulher por quem suspiro.

Escrevo na parede as minhas rimas,
De painéis a carvão adorno a rua;
Como as aves do céu e as flores puras
Abro meu peito ao sol e durmo à lua.

Sinto-me um coração de lazzaroni;
Sou filho do calor, odeio o frio;
Não creio no diabo nem nos santos...
Rezo a Nossa Senhora, e sou vadio!

Ora, se por aí alguma bela
Bem doirada e amante da preguiça
Quiser a nívea mão unir à minha
Há de achar-me na Sé, domingo, à Missa.


Poemas e Poesias sábado, 22 de março de 2025

VELHA FAZENDA - III (POEMA DO FLUMINENSE ALBDERTO DE OLIVEIRA)

VELHA FAZENDA - III

Alberto de Oliveira

 

 

 

— "... Vi um por um, oh! provação tremenda!
Nunca me há de esquecer aquele dia!
Debandar os escravos da fazenda.

A esta, em idos tempos de alegria,
Chamara, porque as tinha, de "Esperança",
"Desengano" melhor lhe chamaria.

Ah! dor nenhuma, como a da lembrança
Da ventura que foi, na desventura
Ferir mais fundo o coração alcança!

Tanta grandeza há pouco! e eis que da altura
Do meu sonho resvalo e me subverto
Chão adentro em rasgada sepultura!

Ergo-me, tonto ainda, olho — o deserto!
Falo — silêncio! movo os braços — nada!
Somente a solidão ao peito aperto.

Minha "Esperança" desesperançada!
Com que ouvidos te ouvi então o rouco
Arrastado mugido da boiada!

Pus-me a chorar, como criança ou louco,
(Esta fraqueza, amigo, não te encubro)
Pus-me a chorar. Naquele mês, em pouco,

A flor do cafezal, filha de Outubro,
Reclamando a colheita, a rir-se agora,
Já mudada se achava em fruto rubro.

Naquele mês a várzea se melhora
Com a estação mais regrada e água da serra;
Ao sol pompeando, todo caule enflora;

Viça o vesco faval, com o humor que encerra;
Os grãos amojam nas espigas de ouro;
Racha com as grossas túberas a terra.

Mas com que mãos colher tanto tesouro?
As mãos Maio as levou, levando o escravo,
Maio agora tornado sestro agouro.

Meu mal, assim pensando, aflito agravo;
Nas terras, nas lavouras em abandono
Em desesperação os olhos cravo.

Depois, a pouco e pouco, um meio sono
Me vem. Olho estas cousas com fastio,
E deixo-as ir, como se vai sem dono

Barco largado na tensão do rio."


Poemas e Poesias sexta, 21 de março de 2025

POEMAS PARA A AMIGA - FRAGMENTO 7 (POEMA DO MINEIRO AFFONSO ROMANO DE SANT*ANNA)

POEMA PARA A AMIGA - FRAGMENTO 7

Affonso Romano de Sant'Anna

 

 

 

Estranho e duro amor
é o nosso amor, amante-amiga,
que não se farta de partir-se
e não se cansa de querer-se.
Amor
todo feito de distâncias necessárias
que te trazem
e de partidas sucessivas
que me levam.
Que espécie de amor
é esse amor que nos doamos
sem pensar e sem querer com tanto amor
e tão profundo magoar?

Estranho e duro amor
que não se basta
e de outros amores se socorre
e se compensa
e neste alheio compensar-se
nunca se alimenta,
mas se avilta e se desgasta.

Estranho amor,
ferino amor,
instável amor

feito sem muita paz,
com certo desengano
e um desconsolo prolongado.

Feito de promessas sem futuro
e de um presente de saudades.
Chorar tão dúbio amor
quem há-de?

Estranho amor
e duro amor
incerto amor,

que não te deu o instante que esperavas
e a mim me sobejou do que faltava.

 


Poemas e Poesias quinta, 20 de março de 2025

A QUEDA (POEMA DO CARIOCA VINÍCIUS DE MORAES)

A QUEDA

Vinícius de Moraes

 

 

 

Tu te abaterás sobre mim querendo domar-me mas eu te resistirei
Porque a minha natureza é mais poderosa do que a tua.
Ao meu abraço procurarás condensar-te em força — eu te olharei apenas
Mansamente alisarei teu dorso frio e ao meu desejo hás de moldar-te
E ao sol te abrirás toda para as núpcias sagradas.
Hás de ser mulher para o homem
E em grandes brados espalharás amor ao céu azul e ao ouro das matas.
Eu ficarei de braços erguidos para os teus seios de pedra
E escorrerá como um arrepio pelo teu corpo líquido um beijo para os meus olhos
Na poeira de luz que se levantará como incenso em ondas
Descerás teus cabelos cheios para ungir-me os pés.

No instante as libélulas voarão paradas e o canto dos pássaros vibrará suspenso
E todas as árvores tomarão forma de corpos em aleluia.
Depois eu partirei como um animal de beleza, pelas montanhas
E teu pranto de saudade estará nos meus ouvidos em todas as caminhadas.


Poemas e Poesias quarta, 19 de março de 2025

O VAQUÊRO (POEMA DO CEARENSE PATATIVA O ASSARÉ)

O  VAQUÊRO

Patativa do Assaré

 

 

 

 

Eu venho dêrne menino,
Dêrne munto pequenino,
Cumprindo o belo destino
Que me deu Nosso Senhô.
Eu nasci pra sê vaquêro,
Sou o mais feliz brasilêro,
Eu não invejo dinhêro,
Nem diproma de dotô.

Sei que o dotô tem riquêza,
É tratado com fineza,
Faz figura de grandeza,
Tem carta e tem anelão,
Tem casa branca jeitosa
E ôtas coisa preciosa;
Mas não goza o quanto goza
Um vaquêro do sertão.

Da minha vida eu me orgúio,
Levo a Jurema no embrúio
Gosto de ver o barúio
De barbatão a corrê,
Pedra nos casco rolando,
Gaios de pau estralando,
E o vaquêro atrás gritando,
Sem o perigo temê.

Criei-me neste serviço,
Gosto deste reboliço,
Boi pra mim não tem feitiço,
Mandinga nem catimbó.
Meu cavalo Capuêro,
Corredô, forte e ligêro,
Nunca respeita barsêro
De unha de gato ou cipó.

Tenho na vida um tesôro
Que vale mais de que ôro:
O meu liforme de côro,
Pernêra, chapéu, gibão.
Sou vaquêro destemido,
Dos fazendêro querido,
O meu grito é conhecido
Nos campo do meu sertão.

O pulo do meu cavalo
Nunca me causou abalo;
Eu nunca sofri um galo,
pois eu sei me desviá.
Travesso a grossa chapada,
Desço a medonha quebrada,
Na mais doida disparada,
Na pega do marruá.

Se o bicho brabo se acoa,
Não corro nem fico à tôa:
Comigo ninguém caçoa,
Não corro sem vê de quê.
É mêrmo por desaforo
Que eu dou de chapéu de côro
Na testa de quarqué tôro
Que não qué me obedecê.

Não dou carrêra perdida,
Conheço bem esta lida,
Eu vivo gozando a vida
Cheio de satisfação.
Já tou tão acostumado
Que trabaio e não me enfado,
Faço com gosto os mandado
Das fia do meu patrão.

Vivo do currá pro mato,
Sou correto e munto izato,
Por farta de zelo e trato
Nunca um bezerro morreu.
Se arguém me vê trabaiando,
A bezerrama curando,
Dá pra ficá maginando
Que o dono do gado é eu.

Eu não invejo riqueza
Nem posição, nem grandeza,
Nem a vida de fineza
Do povo da capitá.
Pra minha vida sê bela
Só basta não fartá nela
Bom cavalo, boa sela
E gado pr’eu campeá.

Somente uma coisa iziste,
Que ainda que teja triste
Meu coração não resiste
E pula de animação.
É uma viola magoada,
Bem chorosa e apaxonada,
Acompanhando a toada
Dum cantadô do sertão.

Tenho sagrado direito
De ficá bem satisfeito
Vendo a viola no peito
De quem toca e canta bem.
Dessas coisa sou herdêro,
Que o meu pai era vaquêro,
Foi um fino violêro
E era cantadô tombém.

Eu não sei tocá viola,
Mas seu toque me consola,
Verso de minha cachola
Nem que eu peleje não sai,
Nunca cantei um repente
Mas vivo munto contente,
Pois herdei perfeitamente
Um dos dote de meu pai.

O dote de sê vaquêro,
Resorvido marruêro,
Querido dos fazendêro
Do sertão do Ceará.
Não perciso maió gozo,
Sou sertanejo ditoso,
O meu aboio sodoso
Faz quem tem amô chorá.


Poemas e Poesias terça, 18 de março de 2025

MESSALINA (POEMA DO CRIOCA OLAVO BILAC)

MESSALINA

Olavo Bilac

 

 

 

Recordo, ao ver-te, as épocas sombrias
Do passado. Minh’alma se transporta
À Roma antiga, e da cidade morta
Dos Césares reanima as cinzas frias;

Triclínios e vivendas luzidias
Percorre; pára de Suburra à porta,
E o confuso clamor escuta, absorta,
Das desvairadas e febris orgias.

Aí, num trono ereto sobre a ruína
De um povo inteiro, tendo à fronte impura
O diadema imperial de Messalina,

Vejo-te bela, estátua da loucura!
Erguendo no ar a mão nervosa e fina,
Tinta de sangue, que um punhal segura.


Poemas e Poesias segunda, 17 de março de 2025

URBANÍSTICA (POEMA DO GAÚCHO MÁRIO QUINTANA)

Mário Quintana

 

 

URBANÍSTICA Como seriam belas as estátuas equestres se constassem apenas dos cavalos!... Frase de Mario Quintana.


Poemas e Poesias domingo, 16 de março de 2025

NEOLOGISMO (POEMA DO PERNAMBUCANO MANUEL BANDEIRA)

NEOLOGISMO

Manuel Bandeira

 

 

Beijo pouco, falo menos ainda.
Mas invento palavras
Que traduzem a ternura mais funda
E mais cotidiana.
Inventei, por exemplo, o verbo teadorar.
Intransitivo:
Teadoro, Teodora.


Poemas e Poesias sábado, 15 de março de 2025

UMA DIDÁTICA INVENÇÃO (POEMA DO MATO-GROSSENSE MANOEL DE BARROS)

UMA DIDÁTICA INVENÇÃO

Manoel de Barros

 

 

 

Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:

a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca

b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer

c)Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas têm devoção por túmulos

d) Se o homem que toca de tarde sua existência num fagote, tem salvação

e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega mais ternura que um rio que flui entre dois lagartos

f) Como pegar na voz de um peixe

g) Qual o lado da noite que umedece primeiro

etc

etc

etc

Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios.

 

II

Desinventar objetos. O pente, por exemplo

Dar ao pente funções de não pentear

Até que ele fique à disposição de ser uma begônia

Ou uma gravanha.

Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma.

 

III

Respeitar repetir – até ficar diferente.

Repetir é um dom de estilo.

 

IV

No Tratado das Grandezas do Ínfimo estava escrito:

Poesia é quando a tarde está competente para dálias.

E quando

Ao lado de um pardal o dia dorme antes.

Quando o homem faz sua primeira lagartixa.

E quando um trevo assume a noite

E um sapo engole as auroras.

 

V

Formigas carregadeiras entram em casa de bunda.

 

VI

No descomeço era o verbo.

Só depois é que veio o delírio do verbo.

O delírio do verbo estava no começo, lá

onde a criança diz: Eu escuto a voz

dos passarinhos.

A criança não sabe que o verbo escutar não

funciona para cor, mas para som.

Então se a criança muda a função de um

verbo, ele delira.

Em poesia que é voz de poeta, que é a voz

de fazer nascimentos –

O verbo tem que pegar delírios.

 

VIII

Um girassol se apropriou de Deus: foi em Van Gogh.

 

IX

Para entrar em estado de árvore é preciso

partir de um torpor animal de lagarto às

3 horas da tarde, no mês de agosto.

Em 2 anos a inércia e o mato vão crescer

em nossa boca.

Sofreremos alguma decomposição lírica até

o mato sair na voz.

Hoje eu desenho o cheiro das árvores.

 

X

Não tem altura o silêncio das pedras.

 

XI

Adoecer de nós a Natureza:

– Botar aflição nas pedras

(Como fez Rodin).

 

XII

Pegar no espaço contiguidades verbais é o

mesmo que pegar mosca no ofício para dar

banho nelas.

Essa é uma prática sem dor.

É como estar amanhecido a pássaros.

Qualquer defeito vegetal de um pássaro pode

modificar os seus gorjeios.

 

XVIII

As coisas não querem ser vistas por

pessoas razoáveis:

Elas desejam ser olhadas de azul-

Que nem uma criança que você olha de ave.

 

XIV

Poesia é voar fora da asa.

 

XV

Aos blocos semânticos dar equilíbrio. Onde o

abstrato entre, amarre com arame. Ao lado de

um primal deixe um termo erudito. Aplique na

aridez intumescências. Encoste um cago ao

sublime. E no solene um pênis sujo.

 

XVI

Entra um chamejamento de luxúria em mim:

Ela há de se deitar sobre meu corpo em toda

a espessura de sua boca!

Agora estou varado de entremências.

(Sou pervertido pelas castidades? Santificado

pelas imundícias?)

Há certas frases que se iluminam pelo opaco.

 

XVII

Em casa de caramujo até o sol encarde.

 

XVIII

As coisas da terra lhe davam gala.

Se batesse um azul no horizonte seu olho

entoasse.

Todos lhe ensinavam para inútil

Aves faziam bosta nos seus cabelos.

 

XIX

O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa

era a imagem de um vidro moel que fazia uma

volta atrás de casa.

Passou um homem depois e disse: Essa volta

enseada.

Não era mais a imagem de uma cobra de vidro

que fazia uma volta atrás de casa.

Era uma enseada.

Acho que o nome empobreceu a imagem.

 

XX

Lembro um menino repetindo as tardes naquele

quintal.

 

XXI

Ocupo muito de mim com o meu desconhecer.

Sou um sujeito letrado em dicionários.

Não tenho que 100 palavras.

Pelo menos uma vez por dia me vou no Morais

ou no Viterbo.

A fim de consertar a minha ignorãça,

mas só acrescenta.

Despesas para minha erudição tiro nos almanaques:

– Ser ou não ser, eis a questão.

Ou na porta dos cemitérios:

-Lembras que és pó e que ao pó tu voltarás.

Ou no verbo das folhinhas:

-Conhece-te a ti mesmo.

Ou na boca do povinho:

-Coisa que não acaba no mundo é gente besta

e pau seco.

etc

etc

etc

Maior que o infinito é a encomenda.

 

 


Poemas e Poesias sexta, 14 de março de 2025

PRIMEIRA PARTE (POEMA DO PORTUGUÊS JÚLIO DINIS)

PRIMEIRA PARTE

A MEU IRMÃO
(JOSÉ JOAQUIM GOMES COELHO)

Júlio Dinis

 

 

Também tu, meu irmão, inda aos vinte anos, Dizes ao mundo teu extremo adeus!
Deixas-me só e partes! os arcanos
Vais da vida sondar aos pés de Deus?

Inda há bem pouco aspirações ridentes, Despertadas ao sol da juventude,
Te apontavam futuros resplendentes
De mil glórias, de amor e de virtude.

Há pouco em devaneios tão risonhos, Cantavas em sentida poesia
As meigas ilusões, dourados sonhos
Que te adejavam sempre à fantasia.

Há pouco tu julgavas do horizonte
Ver dum belo porvir sorrir-te a aurora,
Bem como a áurea luz c’roando o monte,
Do Sol preced e a chama animadora.

Tudo isso era ilusão, simples quimera, Que aos vinte anos sonhamos acordados; Curta página a sorte te escrevera
No grande livro incógnito dos fados

E enquanto descuidado te entregavas
Aos sonhos da exaltada fantasia,
Sob a florea vereda que trilhavas
A morte, a fria morte, se escondia!

Tu viste uma por uma emurchecerem
As mais viçosas flores da tua vida;
E as esperanças seu verdor perderem
Com a aridez da existência desflorida.

E a vida te pareceu áspero deserto, Assim desguarnecida de ilusões,
De laços materiais cedo liberto
Remontaste às celestes regiões.

Não te lamento, irmão; a tua sorte, Ao que padece, inveja só produz;
Porque às trevas finais da hora da morte
Seguem-se anos sem fim de imensa luz.

Eras justo, no Céu gozas a palma,
Que ao mundo, aqui debalde pedirias,
E os anjos acolheram a tua alma
Num coro de suaves harmonias.

Mas eu, que te amei, pra quem tu eras
Mais que irmão, mais que pai, mais que amigo,
Eu, a quem desde infante ofereceras,
Pra suprir o de mãe fraterno abrigo.

Mais infeliz fui eu ; junto a meu lado Vago está o lugar que abandonaste. Vivo só, com as saudades do passado, Do tempo que de encantos povoaste.

Nesta acerba aridez do meu presente
Recordo-me da vida que passou,
E bem vejo que a sorte fatalmente
Na vida do infortúnio me lançou.

Como a do nauta desditosa sorte,
Que o mar arrosta em tormentosa viagem,
E viu nas ondas que enfurece a morte
Sucumbir todo o resto da equipagem;

Tal o destino meu; entrei no mundo
E saudei-o com hinos de alegria;
Nos êxtases dum júbilo profundo,
O dom da vida a Deus agradecia.

Em ambiente de amor desabrocharam
Na infância as flores da existência minha.
Amor de pai, de mãe, de irmãos, douraram
A amena senda, que ante mim eu tinha.

E depois… ai, irmão! que acerbas dores Juntos sofremos! Murchas, ressequidas, Desfolharam-se as mais viçosas flores, Ceifou a dura morte aquelas vidas.

O belo céu, que nos sorriu na infância, Em brev e se mostrou turbado e triste; A terna mãe pedira a outra estância
A paz, que neste mundo não existe.

E ai daquele, que no alvor da vida Perdeu pra sempre maternais afagos, Ai, que bem cedo a vê ser consumida Por mil anelos, mil desejos vagos.

Ai, bem cedo o sentimos! Separados
Do sol que a infância em luz nos envolvia,
Quais estioladas plantas, assombrados,
A fronte inda infantil, já nos pendia.

E assim viveste! e quando a idade ardente
De mil aspirações te enchia o peito,
Olhaste, e vendo a isolação somente,
Cansado, te deitaste em frio leito.

E eu, em vão no ataúde me curvava, Em vão hei procurado a tua campa;
A morte de mistérios te falava,
Mas nos lábios do morto o dedo estampa.

Em vão te perguntei: Nessa morada
Outros fúlgidos sonhos imaginas?
Ao sair da vida deparaste o nada?
Ou acordaste em regiões divinas?

Mudo ficaste. Os ventos perpassaram, Soltando queixas no volver das folhas, E teus lábios imóveis não falaram,

Nem sequer o irmão saudoso olhas.

Meu Deus! permite que através da lousa
Possa ele ouvir a minha voz ainda,
E desse leito, onde afinal repousa,
Me diga: A vida neste pó não finda;

Me diga: A crença que na leda infância
Aprendemos da mãe é verdadeira;
Há outra vida, há uma outra estância,
Tão feliz, quanto esta é passageira;

Que se encontram os entes mais queridos,
E em eterno amplexo a Deus se humilham;
Oue os prazeres em sonhos concebidos
Só há no espaço onde as estrelas brilham.

E então, ó Senhor, com a fé mais pura
Eu ansiarei pelo supremo instante
Em que, livre da humana desventura,
Demandar tua estância radiante.

Deixa que o amigo ao amigo só revele Os segredos que a morte lhe confia, Esta incerteza… em vão a fé repele,
A dúvida cruel continuo a cria.

Porque negas, Senhor, ao peregrino
Que vai cumprindo só esta romagem ,
Um raio ao menos do saber divino,
Que lhe brade na dúvida: Coragem !?

Porque não ha-de a lousa funerária Erguer-se à voz saudosa da amizade, Para falar à alma solitária
Que anela por saber toda a verdade ?

Porquê?… Mas, Deus, perdoa! eu creio! eu creio! No seu leito de morte o conheci:
Sim, nesse instante de tormentos cheio, No peito a voz da crença bem ouvi!

E por isso prostrei-me de joelhos, E os lábios murmuravam a oração,
E cri então no Deus dos Evangelhos, E a dúvida deixou-me o coração.

Repousa, irmão, à sombra do cipreste; Não repousar na terra é desventura. Dorme no mundo e acorda à luz celeste, Cruzando o limiar da sepultura.

Poemas e Poesias quinta, 13 de março de 2025

PRIMAVERA (POEMA DO ACRIANO J. G. DE ARAÚJO JORGE)

PRIMAVERA

J. G. de Araújo Jorge

 

 

 

O teu amor, querida,
fez um dia de primavera
neste começo de outono
que é a minha vida.

E do ramo, de onde as primeiras folhas
se soltavam pálidas, sem cor,
surgiu uma flor imprevista:
o teu amor...

Teu amor chegou assim
como uma coisa que no fundo se deseja
mas não se espera,
emocionando o coração, neste começo de outono
como um dia de primavera!
 


Poemas e Poesias quarta, 12 de março de 2025

VELOCIDADE (POEMA DO PAULISTA GUILHERME DE ALMEIDA)

VELOCIDADE

Guilherme de Almeida

 

 

 

Não se lembram do Gigante das Botas de Sete Léguas?
Lá vai ele: vai varando, no seu vôo de asas cegas,
as distâncias...
E dispara,
nunca pára,
nem repara
para os lados,
para frente,
para trás...

Vai como um pária...

E vai levando um novelo embaraçado de fitas:
fitas
azuis,
brancas,
verdes,
amarelas...
imprevistas...

Vai varando o vento: — e o vento, ventando cada vez mais,
desembaraça o novelo, penteando com dedos de ar
o feixe fino de riscas,
tiras,
fitas,
faixas,
listas...
E estira-as,
puxa-as,
estica-as,
espicha-as bem para trás:
E as cores retesas dançam, sobem, descem de-va-gar
paralelamente,
paralelamente
horizontais,
sobre a cabeça espantada do Pequeno Polegar...


Poemas e Poesias terça, 11 de março de 2025

LANGUIDEZ (POEMA DA PORTUGUESA FLORBELA ESPANCA)

LANGUIDEZ

Florbela Espanca

 

 

 

Tardes da minha terra, doce encanto,
Tardes duma pureza d’açucenas,
Tardes de sonho, as tardes de novenas,
Tardes de Portugal, as tardes d’Anto,

Como eu vos quero e amo! Tanto! Tanto!...
Horas benditas, leves como penas,
Horas de fumo e cinza, horas serenas,
Minhas horas de dor em que eu sou santo!

Fecho as pálpebras roxas, quase pretas,
Que poisam sobre duas violetas,
Asas leves cansadas de voar...

E a minha boca tem uns beijos mudos...
E as minhas mãos, uns pálidos veludos,
Traçam gestos de sonho pelo ar...


Poemas e Poesias segunda, 10 de março de 2025

EM HORAS INDA LOURAS, LINDAS (POEMA DO PORTUGUÊS FERNANDO PESSOA)

EM HORAS INDA LOURAS, LINDAS

Fernando Pessoa

 

 

Em horas inda louras, lindas
Clorindas e Belindas, brandas,
Brincam no tempo das berlindas,
As vindas vendo das varandas,
De onde ouvem vir a rir as vindas
Fitam a fio as frias bandas.

Mas em torno à tarde se entorna
A atordoar o ar que arde
Que a eterna tarde já não torna!
E o tom de atoarda todo o alarde
Do adornado ardor transtorna
No ar de torpor da tarda tarde.

E há nevoentos desencantos
Dos encantos dos pensamentos
Nos santos lentos dos recantos
Dos bentos cantos dos conventos....
Prantos de intentos, lentos, tantos
Que encantam os atentos ventos.


Poemas e Poesias domingo, 09 de março de 2025

TROVAS HUMORÍSTICAS - 37 - (POEMA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

 

TROVA HUMORÍSTICA 37

Eno Teodoro Wanke

 

 Mamãe, esse pedação

Do bolo é pro papaizinho?

É pra você, coração!

Mamãe, mas que pedacinho!

 


Poemas e Poesias sábado, 08 de março de 2025

VERÔNICA (POEMA DO PIAUIENSE DA COSTA E SILVA)

VERÔNICA

Da Costa e Silva

 

 

 

O sangue que ilumina o pensamento,
Em forma eterna a vida reproduz;
Assim, a imagem do meu pensamento
Se não em sangue, há de gravar-se em luz.

Então, vereis ao vivo refletida,
Entre uma auréola de esplendor cristão, 
A sombra interior da minha vida
A projetar-se do meu coração...

Sob esse aspecto místico e profundo,
Terei a transparência do cristal,
Ampliando a visão múltipla do mundo
Para uma vida sobrenatural.

E o que tenho de humano e de divino
Ante olhares profanos hei de expor,
Nas ascensões e quedas do destino,
Que foram meu Calvário e meu Tabor.

Mas, cauteloso, o espírito tristonho,
Ocultando seu trágico avatar
Sob a névoa translúcida do sonho,
Há de ser como a espuma sobre o mar.

E a luz, que vibra em iris no meu canto,
Revelará, talvez, sem eu querer,
Aos vossos olhos lúcidos de espanto
A beleza intangível do meu ser.


Poemas e Poesias sexta, 07 de março de 2025

LEMBRANÇAS APAGADAS (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUSA)

LEMBRANÇAS APAGADAS

Cruz e Sousa

(Grafia original)

 

 

 

Outros, mais do que o meu, finos olfactos,
Sintam aquelle arôma estranho e bello
Que tu, ó Lyrio languido, singéllo,
Guardaste nos teus íntimos recatos.

Que outros se lembrem dos subtis e exactos
Traços, que hoje não lembro e não revéllo
E se recordem, com profundo anhélo,
Da tua voz de sideraes contactos...


Mas eu, para lembrar mortos encantos,
Rosas murchas de graças e quebrautos,
Linhas, perfil e tanta dôr saudosa,

Tanto martyrio, tanta magoa e pena,
Precisaria de uma luz serena,
De uma luz immortal maravilhosa !...

 

Poemas e Poesias quinta, 06 de março de 2025

TAPERA (POEMA DO COLUNISTA FUBÂNICO HÉLIO CRISANTO

Hélio Crisanto

 

 

TAPERA

 

 

Toda tapera esquecida
Nos confins desse sertão
Deixa um rastro de saudade
A lembrança de um pagão
Que sucumbiu sem defesa
Vítima de inanição

Quem sabe dessa tapera
Saiu um grande doutor
Um renomado juiz
Um conhecido cantor
Porque entre os pedregulhos
Também germina uma flor

Morcegos, ratos, corujas…
Dormem pelos seus escombros
O fantasma da pobreza
Seu dono levou nos ombros
Antro de vidas passadas
Onde dorme os “malassombros”

Na algaroba pendida
Dorme a casaca de couro
Numa estaca do curral
Arreia o chifre de um touro
Que morreu na sequidão
Berrando num bebedouro

Quem morou nesse casebre
Muita precisão passou
Talvez por necessidade
Varias vezes jejuou
Sem ter o pão da família
Olhou pro céu e chorou

Nela não resta sequer
O mugido de uma ovelha
O lodo do tempo cobre
As costas de cada telha
E o sol castigando as varas
Queimando como centelha

Sem ferrolho e sem tramela
O vento escancara a porta
Nos frechais da cumeeira
Despenca uma linha torta
Morrem secos os vegetais
Nos paus pendidos da horta

Museu de recordações
Rancho das desesperanças
Nas pedras dos teus batentes
Brincaram tantas crianças
Mas hoje da tua história
Restam somente lembranças


Poemas e Poesias terça, 04 de março de 2025

MURMÚRIOS DA TARDE (POEMA DO BAIANO CASTRO ALVES)

MURMÚRIOS DA TARDE

Castro Alves

 

 

 

Êcoute! tout se tait; songe à ta bien-aimée,
Ce soir, sous les tilleuls, à la sombre ramée,
Le rayon du couchant laisse un adieu plus doux;
Ce soir, tout va fleurir: limmortelle nature
Se remplit de parfums, damour et de murmure,
Comme le lit joyeux de deux jeunes époux.

A. de Musset.

Rosa! Rosa de amor purpúrea e bela!
Garret.

Ontem à tarde, quando o sol morria,
A natureza era um poema santo,
De cada moita a escuridão saía,
De cada gruta rebentava um canto,
Ontem à tarde, quando o sol morria.

Do céu azul na profundeza escura
Brilhava a estrela, como um fruto louro,
E qual a foice, que no chão fulgura,
Mostrava a lua o semicirclo douro,
Do céu azul na profundeza escura.

Larga harmonia embalsamava os ares!
Cantava o ninho — suspirava o lago...
E a verde pluma dos sutis palmares
Tinha das ondas o murmúrio vago...
Larga harmonia embalsamava os ares.

Era dos seres a harmonia imensa,
Vago concerto de saudade infinda!
"Sol — não me deixes", diz a vaga extensa,
"Aura — não fujas", diz a flor mais linda;
Era dos seres a harmonia imensa!

"Leva-me! leva-me em teu seio amigo"
Dizia às nuvens o choroso orvalho,
"Rola que foges", diz o ninho antigo,
"Leva-me ainda para um novo galho...
Leva-me! leva-me em teu seio amigo."

"Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!
Inda um calor, antes que chegue o frio. . . "
E mais o musgo se conchega à penha
E mais à penha se conchega o rio...
"Dá-me inda um beijo, antes que a noite venha!"

E tu no entanto no jardim vagavas,
Rosa de amor, celestial Maria...
Ai! como esquiva sobre o chão pisavas,
Ai! como alegre a tua boca ria...
E tu no entanto no jardim vagavas.

Eras a estrela transformada em virgem!
Eras um anjo, que se fez menina!
Tinhas das aves a celeste origem.
Tinhas da lua a palidez divina,
Eras a estrela transformada em virgem!

Flor! Tu chegaste de outra flor mais perto,
Que bela rosa! que fragrância meiga!
Dir-se-ia um riso no jardim aberto,
Dir-se-ia um beijo, que nasceu na veiga...
Flor! Tu chegaste de outra flor mais perto! ...

E eu, que escutava o conversar das flores,
Ouvi que a rosa murmurava ardente:
"Colhe-me, ó virgem, — não terei mais dores,
Guarda-me, ó bela, no teu seio quente..."
E eu escutava o conversar das flores.

"Leva-me! leva-me, ó gentil Maria!"
Também então eu murmurei cismando...
"Minhalma é rosa, que a geada esfria...
Dá-lhe em teus seios um asilo brando...
"Leva-me! leva-me, ó gentfi Maria!..."


Poemas e Poesias segunda, 03 de março de 2025

CANÇÃO DO EXÍLIO (POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU)

 

CANÇÃO DO EXÍLIO

Casimiro de Abreu

 

 

 

Se eu tenho de morrer na flor dos anos
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!

Meu Deus, eu sinto e tu bem vês que eu morro
Respirando este ar;
Faz que eu viva, Senhor! dá-me de novo
Os gozos do meu lar!

O país estrangeiro mais belezas
Do que a pátria não tem;
E este mundo não vale um só dos beijos
Tão doces duma mãe!

Dá-me os sítios gentis onde eu brincava
Lá na quadra infantil;
Dá que eu veja uma vez o céu da pátria,
O céu do meu Brasil!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos
Meu Deus! não seja já!
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!

Quero ver esse céu da minha terra
Tão lindo e tão azul!
E a nuvem cor-de-rosa que passava
Correndo lá do sul!

Quero dormir à sombra dos coqueiros,
As folhas por dossel;
E ver se apanho a borboleta branca,
Que voa no vergel!

Quero sentar-me à beira do riacho
Das tardes ao cair,
E sozinho cismando no crepúsculo
Os sonhos do porvir!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
A voz do sabiá!

Quero morrer cercado dos perfumes
Dum clima tropical,
E sentir, expirando, as harmonias
Do meu berço natal!

Minha campa será entre as mangueiras,
Banhada do luar,
E eu contente dormirei tranqüilo
À sombra do meu lar!

As cachoeiras chorarão sentidas
Porque cedo morri,
E eu sonho no sepulcro os meus amores
Na terra onde nasci!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!

 


Poemas e Poesias domingo, 02 de março de 2025

JOSÉ (POEMA DO MINEIRO CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)

JOSÉ

Carlos Drummond de Andrade

 

 

 

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?


Poemas e Poesias sábado, 01 de março de 2025

SONETO 000 - EU CANTEI JÁ, E AGORA VOU CHORANDO (POEMA DO PORTUGUÊS LUÍS DE CAMÕES)
 
SONETO 000 - EU CANTEI JÁ, E AGORA VOU CHORANDO  
 
Luís de Camões
(Grafia original) 
 
 
Eu cantei já, e agora vou chorando
O tempo que cantei tão confiado:
Parece que no canto ja passado
Se estavam minhas lagrimas criando.

Cantei; mas se me alguém pergunta, quando?
Não sei; que também fui nisso enganado.
He tão triste este meu presente estado,
Que o passado por ledo estou julgando.

Fizeram-me cantar manhosamente
Contentamentos não, mas confianças:
Cantava, mas já era ao som dos ferros.

De quem me queixarei, se tudo mente?
Porém, que culpas ponho às esperanças,
Onde a fortuna injusta he mais qu'os erros?
 

Poemas e Poesias sexta, 28 de fevereiro de 2025

CEM TROVAS - 028 (POEMA DO MINEIRO BELMIRO BRAGA)
 

TROVA 028

Belmiro Braga

 

 Por ver-me alegre e contente

Julga-me o mundo feliz

Nem sempre o coração sente

Aquilo que a boca diz


Poemas e Poesias quinta, 27 de fevereiro de 2025

SPLEEN E CHARUTOS - I SOLIDÃO (POEMA DO PAULISTA ÁLVARES DE AZEVEDO)

SPLEEN E CHARUTOS - I SOLIDÃO

Álvares de Azevedo

 

 

 

Nas nuvens cor de cinza do horizonte
A lua amarelada a face embuça;
Parece que tem frio, e no seu leito
Deitou, para dormir, a carapuça.

Ergueu-se, vem da noite a vagabunda
Sem chale, sem camisa e sem mantilha,
Vem nua e bela procurar amantes;
É douda por amor da noite a filha.

As nuvens são uns frades de joelhos,
Rezam adormecendo no oratório;
Todos têm o capuz e bons narizes,
E parecem sonhar o refeitório.

As árvores prateiam-se na praia,
Qual de uma fada os mágicos retiros....
Ó lua, as doces brisas que sussurram
Coam dos lábios como suspiros!

Falando ao coração que nota aérea
Deste céu, destas águas se desata?
Canta assim algum gênio adormecido
Das ondas mortas no lençol de prata?

Minha alma tenebrosa se entristece,
É muda como sala mortuária....
Deito-me só e triste, e sem ter fome
Vejo na mesa a ceia solitária.

Ó lua, ó lua bela dos amores,
Se tu és moça e tens um peito amigo,
Não me deixes assim dormir solteiro,
À meia-noite vem cear comigo!


Poemas e Poesias quarta, 26 de fevereiro de 2025

VASO GREGO (POEMA DO FLUMINENSE ALBERTO DE OLIVEIRA)

VASO GREGO

Alberto de Oliveira

 

 

 

Esta de áureos relevos, trabalhada
De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.

Era o poeta de Teos que o suspendia
Então, e, ora repleta ora esvasada,
A taça amiga aos dedos seus tinia,
Toda de roxas pétalas colmada.

Depois... Mas, o lavor da taça admira,
Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordas
Finas hás de lhe ouvir, canora e doce,

Ignota voz, qual se da antiga lira
Fosse a encantada música das cordas,
Qual se essa voz de Anacreonte fosse.


Poemas e Poesias terça, 25 de fevereiro de 2025

POEMAS PARA A AMIGA - FRAGMENTO 6 (POEMA DO MINEIRO AFFONSO ROMANO DE SANT*ANNA)

 

POEMAS PARA A AMIGA - FRAGMENTO 6

Affonso Romano de Sant'Anna

 

 

 

Estás partindo de mim
e eu pressinto que me partes,
e partindo, em ti me vai levando,
como eu que fico
e em mim vou te criando.
Tanto mais tu me despedes
e te alongas,
tanto mais em mim vou te buscando
e me alongando,
tanto mais em mim vou te compondo
e com a lembrança de teu ser
me conformando.

Estás partindo de mim
e eu pressinto
na verdade, há muito que partias,
há muito que eu consinto
que tu partas como um mito..

Mas não és a única que partes
nem eu o único que fico:
sei que juntos e contrários
nos partimos:
-pois tanto mais nos desencontros nos revemos,
tanto mais nas despedidas consentimos.

 

 


Poemas e Poesias segunda, 24 de fevereiro de 2025

A QUE VEM DE LONGE (POEMA DO CARIOCA VINÍCIUS DE MORAES)

A QUE VEM DE LONGE

Vinícius de Moraes

 

 

A minha amada veio de leve
A minha amada veio de longe
A minha amada veio em silêncio
         Ninguém se iluda.

A minha amada veio da treva
Surgiu da noite qual dura estrela
Sempre que penso no seu martírio
          Morro de espanto.

A minha amada veio impassível
Os pés luzindo de luz macia
Os alvos braços em cruz abertos
         Alta e solene.

Ao ver-me posto triste e vazio
Num passo rápido a mim chegou-se
E com singelo doce ademane
       Roçou-me os lábios.

Deixei-me preso ao seu rosto grave
Preso ao seu riso no entanto ausente
Inconsciente de que chorava
        Sem dar-me conta.

Depois senti-lhe o tímido tato
Dos lentos dedos tocar-me o peito
E as unhas longas se me cravarem
          Profundamente.

Aprisionado num só meneio
Ela cobriu-me de seus cabelos
E os duros lábios no meu pescoço
          Pôs-se a sugar-me.

Muitas auroras transpareceram
Do meu crescente ficar exangue
Enquanto a amada suga-me o sangue
          Que é a luz da vida.


Poemas e Poesias domingo, 23 de fevereiro de 2025

VOU VORTÁ (POEMA DO CEARENSE PATATIVA DO ASSARÉ)

VOU VORTÁ

Patativa do Assaré

 

 

 

VOU VORTÁ PRO MEU SERTÃO
NÃO POSSO ME ACOSTUMÁ
COM O GRANDE REBOLIÇO 
DAS RUA DA CAPITÁ.
VEM UM CARRO EM MINHA FRENTE
E DEPRESSA, DE REPENTE,
JÁ VEM OUTRO POR DETRÁS.
É UMA COISA SEM SOMA,
O FÔRGO QUE A GENTE TOMA
É SÓ CATINGA DE GÁS.
 
 
VOU VORTÁ PRO MEU SERTÃO,
EU NÃO ME ACOSTUMO AQUI.
VOU VIVÊ NO MEU CANTINHO,
LÁ PERTO DO CARIRI.
VOU VÊ A MINHA PALOÇA,
MINHA MUIÉ, MINHA ROÇA,
QUE EU VIVO É DO MEU TRABAIO,
É DA MINHA PRANTAÇÃO,
E DIZ UM VÉIO RIFRÃO:
- CADA MACACO EM SEU GAIO.


JÁ TOU COM MUNTA SODADE
LÁ DAS MINHA CAPOÊRA,
DO MEU CAVALO PEITICA
E DA VACA LAVADÊRA
DE ZEFA, MINHA MUIÉ,
DE JOÃO, DE CHICO E JOSÉ,
E DE TUDO, FINALMENTE.
VOSSIMINCÉIS NÃO CONHECE
O TANTO QUE SE PADECE
LONGE DE CASA DA GENTE.


DÊRNE QUE EU SAÍ DE CASA
NUNCA MAIS COMI PIRÃO
MEXIDO EM PRATO DE BARRO,
COMO SE FAZ NO SERTÃO.
EU POR AQUI NÃO ME APRUMO,
EU MORRO E NÃO ME ACOSTUMO
COM COMIDA DE PENSÃO,
QUE POR MAIS QUE EU FAÇA A ESCÔIA,
SÓ VEJO É FÔIA E MAIS FÔIA,
E EU NÃO SOU LAGARTA, NÃO!


EU NÃO GOSTEI DO REJUME
DA VIDA DA CAPITÁ,
EU AQUI SÓ GOSTEI MUNTO
DO MÁ, DESTE GRANDE MÁ.
QUE POÇO D'ÁGUA, PAI D'ÉGUA!
ELE TEM LÉGUA E MAIS LÉGUA,
A GENTE SÓ SABE É VENDO,
VEVE A RONCÁ COM ORGÚIO,
DE LONGE SE OICE O BARÚIO
DAS ÁGUA SE ARREMEXENDO.


AQUILO É QUE SÊ BONITO,
EITA, MAZÃO COLOSSÁ!
NÃO GOZA NADA DA VIDA
QUEM MORRE SEM VÊ O MÁ.
EU ATARENTADO FICO
DE VÊ AQUELE FUXICO,
A ZOADA DA MARÉ,
AQUELA GRANDE PELEJA
O MÁ TEM UM QUÉ QUE SEJA
QUE SÓ DEUS SABE O QUE É.


VI O MÁ, VORTO CONTENTE,
A VIAGEM NÃO PERDI,
ELE FAZ EU ME ALEMBRÁ
LÁ DOS CAMPO ONDE NASCI
VENDO AS VERDURA DAS ÁGUA,
UMA SODADE, UMA MÁGUA
DENTRO DO MEU CORAÇÃO
COMO PREACA FUROU.
ESSA ÁGUA TEM A CÔ
DAS MATA DO MEU SERTÃO.


EU GOSTEI MUNTO DO MÁ,
VOU VORTÁ MUNTO SODOSO,
E TOU CERTO QUE ELE É GRANDE,
É BONITO E É PERIGOSO
E MAIS PERIGOSO FICA
QUANDO SE ENCÓI E SE ESTICA
NAQUELE CONSTANTE JOGO,
TODO INQUIETO E RENITENTE
PARECE UM CABRA VALENTE
QUANDO TÁ PUXANDO FOGO.


EU INTÉ PEÇO DESCURPA
DA MINHA COMPARAÇÃO.
MAS ELE TEM AS LEVADA
DE UM CABOCO VALENTÃO,
APOIS TEM ARGUMAS HORA
QUE O MÁ SE JOGA PRA FORA,
ESCUMA, PINOTA E BERRA,
TODO RAIVOSO E AFOBADO,
RONCANDO DESESPERADO,
QUERENDO ENGULI A TERRA.


É O GRANDE AÇUDE DE DEUS,
TÃO GRANDE QUE FAZ ESPANTO,
QUE MÊRMO SEM TÊ PAREDE,
NUNCA SAI DAQUELE CANTO.
É ALI FIRME E SEGURO.
EU INTÉ GARANTO E JURO
COMO A TÁ DE INSPETORIA
NÃO FAZ UM DAQUELE JEITO,
E DEUS TARVEZ TENHA FEITO
EM MENO DE MEIO DIA.


DEUS É GRANDE, É PODEROSO,
É O MESTRE DA SANTA PAZ,
FEZ TANTAS COISA NO MUNDO
QUE OS HOME MORRE E NÃO FAZ,
PELEJA, MAS NEM IMITA,
E O MÁ É DAS MAIS BONITA,
DAS BELEZA QUE DEUS FEZ,
SE EU NÃO MORRÊ BREVEMENTE,
EU VORTO CÁ NOVAMENTE
PRA VÊ O MÁ ÔTA VEZ...

Poemas e Poesias sábado, 22 de fevereiro de 2025

LENDO A ILÍADA (POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC)

LENDO A ILÍADA

Olavo Bilar

 

 

 

Ei-lo, o poema de assombros, céu cortado
De relâmpagos, onde a alma potente
De Homero vive, e vive eternizado
O espantoso poder da argiva gente.

Arde Troia... De rastos passa atado
O herói ao carro do rival, e, ardente,
Bate o sol sobre um mar ilimitado
De capacetes e de sangue quente.

Mais que as armas, porém, mais que a batalha
Mais que os incêndios, brilha o amor que ateia
O ódio e entre os povos a discórdia espalha:

- Esse amor que ora ativa, ora asserena
A guerra, e o heroico Páris encadeia
Aos curvos seios da formosa Helena.

 


Poemas e Poesias sexta, 21 de fevereiro de 2025

TROVA (POEMA DO GAÚCHO MÁRIO QUINTANA)

TROVA

Mário Quintana

 

 

Coração que bate-bate...
Antes deixes de bater!
Só num relógio é que as horas
Vão passando sem sofrer.

 


Poemas e Poesias quinta, 20 de fevereiro de 2025

NAMORADOS (POEMA DO PERNAMBUCANO MANUEL BANDEIRA)

NAMORADOS

Manuel Bandeira

 

 

 

O rapaz chegou-se para junto da moça e disse:
-Antônia, ainda não me acostumei com o seu corpo, com sua cara.
A moça olhou de lado e esperou.
-Você não sabe quando a gente é criança e de repente vê uma lagarta listrada?
A moça se lembrava:
-A gente fica olhando...

A meninice brincou de novo nos olhos dela.
O rapaz prosseguiu com muita doçura:
-Antônia, você parece uma lagarta listrada.
A moça arregalou os olhos, fez exclamações.
O rapaz concluiu:
-Antônia, você é engraçada! Você parece louca.


Poemas e Poesias quarta, 19 de fevereiro de 2025

TRATADO GERAL DAS GRANDEZAS DO ÍNFIMO (POEMA DO MATO-GROSSENSE MANOEL DE BARROS)

TRATADO GERAL DAS GRANDEZAS DO ÍNFIMO

Manoel de Barros

 

 

 

A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.

Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.

Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.

Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogio.


Poemas e Poesias terça, 18 de fevereiro de 2025

SAUDADE E ESPERANÇA (POEMA DO PORTUGUÊS JÚLIO DINIS)

SAUDADE E ESPERANÇA

Júlio Dinis

 

 

 

Ai não foi sonho, não. Era na infância, Duas visões queridas
Ao lado do meu berço me sorriam
De uma amorosa auréola cingidas;

Eu sorria também. Vendo-as tão belas, Por anjos as tomava,
E acordando dum sonho de inocência, Inda a mais gratos sonhos me entregava.

E repetindo as orações ferventes, Que à voz da mãe ouvia,
Olhava-as, e julgava que era a elas
Que tão sentidas preces dirigia.

Quando as via, tão jovens e já tristes, Olhar a mãe chorando,
Eu cismava, e o infortúnio pressentia, Vago ainda, os meus dias ameaçando.

E o infortúnio chegou. Era uma noite, E eu ainda infante
Despertei aos gemidos dolorosos
Das órfãs junto à mãe agonizante!

Transportaram-me ao leito aonde a triste
Lutara na .agonia,
Era tarde! A primeira vez na vida,
Ao beijá-la, suas bênçãos não colhia I

E as lágrimas, tao fluentes na infância
Meus olhos não banhavam!
Então senti que os dias de ventura
Com ela para sempre me deixavam.

Depois os mesmos anjos, que na infância
No berço me sorriam,
Em vez das vestes cândidas d’outrora,
Agora negras túnicas cingiam.

Nunca mais como a flor na Primavera
Eu as vi radiantes;
Mas sim como no Outono ela se ostenta,
Pendendo as alvas pétalas fragrantes.

Pobres flores! tão cedo sem abrigo, Dia a dia enlanguescem
Como as que adornam virginais capelas, E ao fim dum baile pelo chão fenecem.

Como cândidas pombas surpreendidas
Por furiosa tormenta,
Voam amedrontadas a acolher-se
Junto à mãe que no seio as acalenta,

Assim elas também amedrontadas
Das tormentas da vida
Voam pro Céu, e no materno seio
Procuram contra elas fiel guarida.

Um dia eu vi-me só! junto ao meu berço
Os anjos não sorriam,
Nem sequer suas lágrimas saudosas
Uma a uma nas faces me caíam.

Passaram tempos, e da infância aos dias
Seguiu-se uma outra idade ;
Mas nem o tempo, nem paixões mais vivas
Me extinguiram a imagem da saudade.

Ainda as vejo a ambas, quando às vezes
Em sonhadas delicias,
Recordo o tempo da passada infância,
Recordo seu amor, suas carícias.

Outras vezes, mais vago o pensamento, Num só anjo as confunde;
E então adoro essa visão querida,
Que n’aima ignotas sensações me infunde.

Se a imagem delas é como o crepúsculo
Dum dia já passado,
A nova imagem será ainda aurora
Dum dia ardentemente desejado?

Meu Deus! a flor dos campos também murcha
Vive um momento apenas;
Mas depois nova quadra veste os prados
De outro manto de rosas e açucenas.

Também as flores de infantil idade
Eu vi cair sem vida:
Deixa que a nova quadra dos vinte anos
Se adorne de uma túnica florida.


Poemas e Poesias segunda, 17 de fevereiro de 2025

PARADOXO (POEMA DO ACRIANO J. G. DE ARAÚJO JORGE)

 

PARADOXO

J. G. de Araújo Jorge

 

 

A dor que abate, e punge, e nos tortura,
que julgamos às vezes não ter cura
e o destino nos deu e nos impôs,
é pequenina, é bem menor, e até
já não é dor talvez, dor já não é
dividida por dois.
A alegria que às vezes num segundo
nos dá desejos de abraçar o mundo,
e nos põe tristes, sem querer, depois,
aumenta, cresce, e bem maior se faz,
já não é alegria, é muito mais
dividida por dois.
Estranha essa aritmética da vida,
nem parece ciência, parece arte;
compreendo a dor menor, se dividida,
não entendo é aumentar nossa alegria
se essa mesma alegria
se reparte.


Poemas e Poesias domingo, 16 de fevereiro de 2025

SONETO XXXVIII (POEMA DO PAULISTA GUILHERME DE ALMEIDA)
 
SONETO XXXVIII
Guilherme de Almeida

 

 

Quando a chuva cessava e um vento fino
franzia a tarde tímida e lavada,
eu saía a brincar, pela calçada,
nos meus tempos felizes de menino.

Fazia, de papel, toda uma armada,
e estendendo meu braço pequenino,
eu soltava os barquinhos, sem destino.
ao longo das sarjetas, na enxurrada...

Fiquei moço. E hoje sei, pensando neles,
que não são barcos de ouro os meus ideais:
são de papel, são como aqueles,

perfeitamente, exatamente iguais...
_Que meus barquinhos, lá se foram eles!
Foram-se embora e não voltaram mais!


Poemas e Poesias sábado, 15 de fevereiro de 2025

LÁGRIMAS OCULTAS (POEMA DA PORTUGUESA FLORBELA ESPANCA)

LÁGRIMAS OCULTAS

Florbela Espanca

 

 

 

Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era q’rida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida
Que dantes tinha o rir das Primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!


Poemas e Poesias sexta, 14 de fevereiro de 2025

EM BUSCA DA BELEZA (POEMA DO PORTUGUÊS FERNANDO PESSOA)

EM BUSCA DA BELEZA

Fernando Pessoa

 

    I

Soam vãos, dolorido epicurista,
Os versos teus, que a minha dor despreza;
Já tive a alma sem descrença presa
Desse teu sonho, que perturba a vista.

Da Perfeição segui em vã conquista,
Mas vi depressa, já sem a alma acesa,
Que a própria idéia em nós dessa beleza
Um infinito de nós mesmos dista.

Nem à nossa alma definir podemos
A Perfeição em cuja estrada a vida,
Achando-a intérmina, a chorar perdemos.

O mar tem fim, o céu talvez o tenha,
Mas não a ânsia da Cousa indefinida
Que o ser indefinida faz tamanha.
 

                         II

Nem defini-la, nem achá-la, a ela –
A Beleza. No mundo não existe.
Ai de quem coma alma inda mais triste
Nos seres transitórios quer colhê-la!

Acanhe-se a alma porque não conquiste
Mais que o banal de cada cousa bela,
Ou saiba que ao ardor de querer havê-la –
À Perfeição – só a desgraça assiste.

Só quem da vida bebeu todo o vinho,
Dum trago ou não, mas sendo até o fundo,
Sabe (mas sem remédio) o bom caminho;

Conhece o tédio extremo da desgraça
Que olha estupidamente o nauseabundo
Cristal inútil da vazia taça.
 

                         III

Só que puder obter a estupidez
Ou a loucura pode ser feliz.
Buscar, querer, amar . . . tudo isto diz
Perder, chorar, sofrer, vez após vez.

A estupidez achou sempre o que quis
Do círculo banal da sua avidez;
Nunca aos loucos o engano se desfez
Com quem um falso mundo seu condiz.

Há dois males: verdade e aspiração,
E há uma forma só de os saber males:
É conhecê-los bem, saber que são

Um o horror real, o outro o vazio –
Horror não menos – dois como que vales
Duma montanha que ninguém subiu.
 

                        IV

Leva-me longe, meu suspiro fundo,
Além do que deseja e que começa,
Lá muito longe, onde o viver se esqueça
Das formas metafísicas do mundo.

Aí que o meu sentir vago e profundo
O seu lugar exterior conheça,
Aí durma em fim, aí enfim faleça
O cintilar do espírito fecundo.

Aí . . . mas de que serve imaginar
Regiões onde o sonho é verdadeiro
Ou terras para o ser atormentar?

É elevar demais a aspiração,
E, falhando esse sonho derradeiro,
Encontrar mais vazio o coração.
 

                         V

Braços cruzados, sem pensar nem crer,
Fiquemos pois sem mágoas nem desejos.
Deixemos beijos, pois o que são beijos?
A vida é só o esperar morrer.

Longe da dor e longe do prazer,
Conheçamos no sono os benfazejos
Poderes únicos; sem urzes, brejos,
A sua estrada sabe apetecer.

C’roado de papoilas e trazendo
Artes porque com sono tira sonhos,
Venha Morfeu, que as almas envolvendo,

Faça a felicidade ao mundo vir
Num nada onde sentimo-nos risonhos
Só de sentirmos nada já sentir.
 

                         VI

O sono – Oh, ilusão! – o sono? Quem
Logrará esse vácuo ao qual aspira
A alma que de aspirar em vão delira
E já nem força para querer tem?

Que sono apetecemos? O d’alguém
Adormecido na feliz mentira
Da sonolência vaga que nos tira
Todo o sentir na qual a dor nos vem?

Ilusão tudo! Querer um sono eterno,
Um descanso, uma paz, não é senão
O último anseio desesperado e vão.

Perdido, resta o derradeiro inferno
Do tédio intérmino, esse de já não
Nem aspirar a ter aspiração.


Poemas e Poesias quinta, 13 de fevereiro de 2025

TROVAS HUMORÍSTICAS - 36 - (POEMA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

 

TROVA HUMORÍSTICA 36

Eno Teodoro Wanke

 

 

O guarda: rapaz, então

Vai beijá-la aqui, não é

Em pleno parque? Eu, não!

Segure, então, meu boné


Poemas e Poesias quarta, 12 de fevereiro de 2025

VANITAS VANITATUM (POEMA DO PIAUIENSE DA COSTA E SILVA)

VANITAS VANITATUM

Da Costa e Silva

 

 

 

Não fujas ao destino, nem te afastes
Da rota que te foi traçada um dia,
Que a vida de surpresas e contrastes
Tem de ser fatalmente o que seria.

O tempo, inutilmente, não no gastes
Em rumo oposto à estrela que te guia;
Mas segue em tudo o verbo do Eclesiastes,
Profundo e amargo de sabedoria.

Não te afoites de encontro à própria sorte,
Porque, sendo imutáveis, são eternas
As leis da vida como as leis da morte;

E, se as tuas vaidades tanto externas, 
Não pensas que, sendo homem, não és forte
E que, sendo mortal, não te governas.

 

Poemas e Poesias terça, 11 de fevereiro de 2025

INCENSOS (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUSA)

INCENSOS

Cruz e Sousa

 

 

Dentre o chorar dos trêmulos violinos,
por entre os sons dos órgãos soluçantes
sobem nas catedrais os neblinantes
incensos vagos, que recordam hinos...

Rolos d'incensos alvadios, finos
e transparentes, fúlgidos, radiantes,
que elevam-se aos espaços, ondulantes,
em Quimeras e Sonhos diamantinos.

Relembrando turíbulos de prata
incensos aromáticos desata
teu corpo ebúrneo, de sedosos flancos.

Claros incensos imortais que exalam,
que lânguidas e límpidas trescalam
as luas virgens dos teus seios brancos.

 


Poemas e Poesias domingo, 09 de fevereiro de 2025

O CORAÇÃO (POEMA DO BAIANO CASTRO ALVES)

O CORAÇÃO

Castro Alves

 

 

 

O coração é o colibri dourado
Das veigas puras do jardim do céu.
Um — tem o mel da granadilha agreste,
Bebe os perfumes, que a bonina deu.

O outro — voa em mais virentes balças,
Pousa de um riso na rubente flor.
Vive do mel — a que se chama — crenças —,
Vive do aroma — que se diz — amor. —


Poemas e Poesias sábado, 08 de fevereiro de 2025

CANÇÃO DO EXÍLIO (POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU)

CANÇÃO DO EXÍLIO

Casimiro de Abreu

 

 

 

Se eu tenho de morrer na flor dos anos
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!

Meu Deus, eu sinto e tu bem vês que eu morro
Respirando este ar;
Faz que eu viva, Senhor! dá-me de novo
Os gozos do meu lar!

O país estrangeiro mais belezas
Do que a pátria não tem;
E este mundo não vale um só dos beijos
Tão doces duma mãe!

Dá-me os sítios gentis onde eu brincava
Lá na quadra infantil;
Dá que eu veja uma vez o céu da pátria,
O céu do meu Brasil!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos
Meu Deus! não seja já!
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!

Quero ver esse céu da minha terra
Tão lindo e tão azul!
E a nuvem cor-de-rosa que passava
Correndo lá do sul!

Quero dormir à sombra dos coqueiros,
As folhas por dossel;
E ver se apanho a borboleta branca,
Que voa no vergel!

Quero sentar-me à beira do riacho
Das tardes ao cair,
E sozinho cismando no crepúsculo
Os sonhos do porvir!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
A voz do sabiá!

Quero morrer cercado dos perfumes
Dum clima tropical,
E sentir, expirando, as harmonias
Do meu berço natal!

Minha campa será entre as mangueiras,
Banhada do luar,
E eu contente dormirei tranquilo
À sombra do meu lar!

As cachoeiras chorarão sentidas
Porque cedo morri,
E eu sonho no sepulcro os meus amores
Na terra onde nasci!

Se eu tenho de morrer na flor dos anos,
Meu Deus! não seja já;
Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde,
Cantar o sabiá!

 


Poemas e Poesias sexta, 07 de fevereiro de 2025

IRMÃOS, IRMÃOS (POEMA DO MINEIRO CARLOS DRIMMOND DE ANDRADE)

IRMÃOS, IRMÃOS

Carlos Drummond de Andrade

 

 

 

Irmão, Irmãos
Cada irmão é diferente.
Sozinho acoplado a outros sozinhos.
A linguagem sobe escadas, do mais moço,
ao mais velho e seu castelo de importância.
A linguagem desce escadas, do mais velho
ao mísero caçula.

São seis ou são seiscentas
distâncias que se cruzam, se dilatam
no gesto, no calar, no pensamento?
Que léguas de um a outro irmão.
Entretanto, o campo aberto,
os mesmos copos,

o mesmo vinhático das camas iguais.
A casa é a mesma. Igual,
vista por olhos diferentes?

São estranhos próximos, atentos
à área de domínio, indevassáveis.
Guardar o seu segredo, sua alma,
seus objectos de toalete. Ninguém ouse
indevida cópia de outra vida.

Ser irmão é ser o quê? Uma presença
a decifrar mais tarde, com saudade?
Com saudade de quê? De uma pueril
vontade de ser irmão futuro, antigo e sempre?


Poemas e Poesias quinta, 06 de fevereiro de 2025

SONETO 109 - EU CANTAREI DE AMOR TÃO DOCEMENTE (POEMA DO PORTUGUÊS LUÍS DE CAMÕES)
 
SONETO 109 - EU CANTAREI DE AMOR TÃO DOCEMENTE 
 
Luís de Camões
(Grafia original) 
 
 
 
Eu cantarei de amor tão docemente,
Por uns termos em si tão concertados,
Que dois mil acidentes namorados
Faça sentir ao peito que não sente.

Farei que amor a todos avivente,
Pintando mil segredos delicados,
Brandas iras, suspiros magoados,
Temerosa ousadia e pena ausente.

Também, Senhora, do desprezo honesto
De vossa vista branda e rigorosa,
Contentar-me-ei dizendo a menor parte.

Porém, pera cantar de vosso gesto
A composição alta e milagrosa
Aqui falta saber, engenho e arte.

Poemas e Poesias quarta, 05 de fevereiro de 2025

CEM TROVAS - 027 (POEMA DO MINEIRO BELMIRO BRAGA)
 

TROVA 027

Belmiro Braga

 

 

Quis a sorte que eu te visse,
quis o amor, que eu te adorasse,
quis o dever que eu partisse,
quis a paixão que eu ficasse.


Poemas e Poesias terça, 04 de fevereiro de 2025

SONETO (POEMA DO PAULISTA ÁLVARES DE AZEVEDO)

SONETO

Álvares de Azevedo

 

 

Pálida à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d'alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era a mais bela! Seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...

Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!


Poemas e Poesias segunda, 03 de fevereiro de 2025

VASO CHINÊS (POEMA DO FLUMINENSE ALBERTO DE OLIVEIRA)
 
VASO CHINÊS

Alberto de Oliveira

 

 

 

Estranho mimo aquele vaso! Vi-o,
Casualmente, uma vez, de um perfumado
Contador sobre o mármore luzidio,
Entre um leque e o começo de um bordado.

Fino artista chinês, enamorado,
Nele pusera o coração doentio
Em rubras flores de um sutil lavrado,
Na tinta ardente, de um calor sombrio.

Mas, talvez por contraste à desventura,
Quem o sabe?... de um velho mandarim
Também lá estava a singular figura;

Que arte em pintá-la! a gente acaso vendo-a,
Sentia um não sei quê com aquele chim
De olhos cortados à feição de amêndoa.


Poemas e Poesias domingo, 02 de fevereiro de 2025

POEMAS PARA A AMIGA - FRAGMENTO 5 (POEMA DO MINEIRO AFFONSO ROMANO DE SANT*ANNA)

POEMAS PARA A AMIGA - FRAGMENTO 5 

Affonso Romano de Sant'Anna

 

 

 

 

Página branca onde escrevo. Único espaço

de verdade que me resta. Onde transcrevo

o arroubo, a esperança, e onde tarde

ou cedo deposito meu espanto e medo.

Para tanta mentira só mesmo um poema

explosivo-conotativo

onde o advérbio e o adjetivo não mentem

ao substantivo

e a rima rebenta a frase

numa explosão da verdade.

 

E a mentira repulsiva

se não explode pra fora

pra dentro explode

implosiva.


Poemas e Poesias sábado, 01 de fevereiro de 2025

A QUE HÁ DE VIR (POEMA DO CARIOCA VINÍCIUS DE MORAES)

A QUE HÁ DE VIR

Vinícius de Moraes

 

 

 

Aquela que dormirá comigo todas as luas
É a desejada de minha alma.
Ela me dará o amor do seu coração
E me dará o amor da sua carne.
Ela abandonará pai, mãe, filho, esposo
E virá a mim com os peitos e virá a mim com os lábios
Ela é a querida da minha alma
Que me fará longos carinhos nos olhos
Que me beijará longos beijos nos ouvidos
Que rirá no meu pranto e rirá no meu riso.
Ela só verá minhas alegrias e minhas tristezas
Temerá minha cólera e se aninhará no meu sossego
Ela abandonará filho e esposo
Abandonará o mundo e o prazer do mundo
Abandonará Deus e a Igreja de Deus
E virá a mim me olhando de olhos claros
Se oferecendo à minha posse
Rasgando o véu da nudez sem falso pudor
Cheia de uma pureza luminosa.
Ela é a amada sempre nova do meu coração
Ela ficará me olhando calada
Que ela só crerá em mim
Far-me-á a razão suprema das coisas.
Ela é a amada da minha alma triste
É a que dará o peito casto
Onde os meus lábios pousados viverão a vida do seu coração.

Ela é a minha poesia e a minha mocidade
É a mulher que se guardou para o amado de sua alma
Que ela sentia vir porque ia ser dela e ela dele.

Ela é o amor vivendo de si mesmo.

É a que dormirá comigo todas as luas
E a quem eu protegerei contra os males do mundo.

Ela é a anunciada da minha poesia
Que eu sinto vindo a mim com os lábios e com os peitos
E que será minha, só minha, como a força é do forte e a poesia é do poeta.

 

 


Poemas e Poesias sexta, 31 de janeiro de 2025

A FOGUÊRA DE SÃO JOÃO (POEMA DO CEARENSE PATATIVA DO ASSARÉ) VÍDEO

 


Poemas e Poesias quinta, 30 de janeiro de 2025

O SONHO DE MARCO ANTÔNIO (POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC)

O SONHO DE MARCO ANTÔNIO

Olavo Bilac

 

 

 

I

Noite. Por todo o largo firmamento
Abrem-se os olhos de ouro das estrelas...
Só perturba a mudez do acampamento
O passo regular das sentinelas.

Brutal, febril, entre canções e brados,
Entrara pela noite adiante a orgia;
Em borbotões, dos cântaros lavrados
Jorrara o vinho. O exército dormia.

Insone, entanto, vela alguém na tenda
Do general. Esse, entre os mais sozinho,
Vence a fadiga da batalha horrenda,
Vence os vapores cálidos do vinho.

Torvo e cerrado o cenho, o largo peito
Da couraça despido e arfando ansioso,
Lívida a face, taciturno o aspeito,
Marco Antônio medita silencioso.

Da lâmpada de prata a luz escassa
Resvala pelo chão. A quando e quando,
Treme, enfunada à viração que passa,
A cortina de púrpura oscilando.

O general medita. Como, soltas
Do álveo de um rio transvazado, as águas
Crescem, cavando o solo, - assim, revoltas,
Fundas a alma lhe vão sulcando as mágoas.

Que vale a Grécia, e a Macedônia, e o enorme
Território do Oriente, e este infinito
E invencível exército que dorme?
Que doces braços que lhe estende o Egito!...

Que vença Otávio! e seu rancor profundo
Leve da Hispânia à Síria a morte e a guerra!
Ela é o céu... Que valor tem todo o mundo,
Se os mundos todos seu olhar encerra?!

Ele é valente e ela o subjuga e o doma...
Só Cleópatra é grande, amada e bela!
Que importa o império e a salvação de Roma?
Roma não vale um só dos beijos dela!...




Assim medita. E alucinado, louco
De pesar, com a fadiga em vão lutando,
Marco António adormece a pouco e pouco,
Nas largas mãos a fronte reclinando.

II

A harpa suspira. O melodioso canto,
De uma volúpia lânguida e secreta,
Ora interpreta o dissabor e o pranto,
Ora as paixões violentas interpreta.

Amplo dossel de seda levantina,
Por colunas de jaspe sustentado,
Cobre os cetins e a caxemira fina
Do régio leito de ébano lavrado.

Move o leque de plumas uma escrava.
Vela a guarda lá fora. Recolhida,
Os pétreos olhos uma esfinge crava
Nas formas da rainha adormecida.

Mas Cleópatra acorda... E tudo, ao vê-la
Acordar, treme em roda, e pasma, e a admira:
Desmaia a luz, no céu descora a estrela,
A própria esfinge move-se e suspira...

Acorda. E o torso arqueando, ostenta o lindo
Colo opulento e sensual que oscila.
Murmura um nome e, as pálpebras abrindo,
Mostra o fulgor radiante da pupila.

III

Ergue-se Marco Antônio de repente...
Ouve-se um grito estrídulo, que soa
O silêncio cortando, e longamente
Pelo deserto acampamento ecoa.

O olhar em fogo, os carregados traços
Do rosto em contração, alto e direito
O vulto enorme, - no ar levanta os braços,
E nos braços aperta o próprio peito.

Olha em torno e desvaira. Ergue a cortina,
A vista alonga pela noite afora.
Nada vê. Longe, à porta purpurina
Do Oriente em chamas, vem raiando a aurora.

E a noite foge. Em todo o firmamento
Vão se fechando os olhos das estrelas:
Só perturba a mudez do acampamento
O passo regular das sentinelas.


Poemas e Poesias quarta, 29 de janeiro de 2025

TIC-TAC (POEMA DO GAÚCHO MÁRIO QUINTANA)

TIC-TAC

Mário Quintana

 

 

 

Esse tic-tac dos relógios
é a máquina de costura do Tempo
a fabricar mortalhas.


Poemas e Poesias terça, 28 de janeiro de 2025

MINHA GRANDE TERNURA (POEMA DO PERNAMBUCANO MANUEL BANDEIRA)

MINHA GRANDE TERNURA

Manuel Bandeira

 

 

 

Minha grande ternura
Pelos passarinhos mortos,
Pelas pequeninas aranhas.

Minha grande ternura
Pelas mulheres que foram meninas bonitas
E ficaram mulheres feias;
Pelas mulheres que foram desejáveis
E deixaram de o ser;
Pelas mulheres que me amaram
E que eu não pude amar.

Minha grande ternura
Pelos poemas que
Não consegui realizar.

Minha grande ternura
Pelas amadas que
Envelheceram sem maldade.

Minha grande ternura
Pelas gotas de orvalho que
São o único enfeite
De um túmulo.


Poemas e Poesias domingo, 26 de janeiro de 2025

SOMBRA BOA (POEMA DO MATO-GROSSENSE MANOEL DE BARROS)

SOMBRA BOA

Manoel de Barros

 

 

 

O mundo meu é pequeno, Senhor.
Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas maravilhosas.
Seu olho exagera o azul.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco, os besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe, Ele me coisa
Ele me rã
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter os ocasos.

Poemas e Poesias sábado, 25 de janeiro de 2025

VISITA À CASA PATERNA (POEMA DO CARIOCA LUÍS GUIMARÃES JÚNIOR)

VISITA À CASA PATERNA

Luís Guimarães Júnior

 

 

 

Como a ave que volta ao ninho antigo,
Depois de um longo e tenebroso inverno,
Eu quis também rever o lar paterno,
O meu primeiro e virginal abrigo.

Entrei. Um gênio carinhoso e amigo,
O fantasma talvez do amor materno,
Tomou-me as mãos, - olhou-me, grave e terno,
E, passo a passo, caminhou comigo.

Era esta sala... (Oh! se me lembro! e quanto!)
Em que da luz noturna à claridade,
minhas irmãs e minha mãe... O pranto

Jorrou-me em ondas... Resistir quem há de?
Uma ilusão gemia em cada canto,
Chorava em cada canto uma saudade.


Poemas e Poesias sexta, 24 de janeiro de 2025

QUINZE ANOS (POEMA DO PORTUGUÊS JÚLIO DINIS)

QUINZE ANOS

Júlio Dinis

 

 

 

Que são quinze anos, quando a virgem cora? Quando, já triste,
na solidão vagueia?
Que são quinze anos, se ao surgir da aurora, A embala em sonhos embriagante
idéia?

Se ao fim da tarde, em languidez caída, Do peito sente o palpitar
inquieto,
E aspira, ansiosa, mas ardente vida,
Vida de amores, de paixões, de afecto?

Que são quinze anos, quando um sangue ardente
No peito infunde abrasadora lava?
Quando aos assomos da paixão nascente,
A alma da virgem se submete escrava?

Ai, quantas vezes nesses jovens seios
Se esvai bem prestes a infantil bonança?
Quantas se ocultam juvenis enleios,
Nas aparências de pudor, criança?

Vês a palmeira, que no nosso clima Arbusto humilde, um vendaval derruba,
Como nas plagas, que o calor anima, Eleva altiva a majestosa juba?

A mesma vida, que recebe a planta
Nessas paragens onde o Sol dardeja,
O amor, o astro que a existência encanta,
A mesma vida ao coração bafeja.

E tu, que deixas os pueris folguedos, Como a grinalda que esfolhada viste,
E erras em choro por jardins e olmedos, Ai, virgem, virgem, já o amor
sentiste.

Já o aspiraste, percorrendo a relva, Entre perfumes de violeta e
rosas; Falou-te dele o rouxinol na selva,
E a estrela em noites de Verão formosas.

Falou-te dele a matutina brisa,
Por entre as folhas sussurrando meiga;
No prado a linfa, que a correr desliza,
E a borboleta nos rosais da veiga.

Falou-te dele esta gentil paisagem, O azul dos céus, a secular floresta.
Esse o mistério que em subtil linguagem
Às virgens conta a natureza em festa.

Ouvindo, pois, as namoradas falas, Que eu delirante te falei, donzela,
O que receias? porque assim te calas, Rubra de pejo, que te faz mais bela?

Esconde a fronte no meu peito, esconde, Mas não hesites ao dizer-me
que amas.
Que são quinze anos, linda flor? responde, Quando o teu seio se devora
em chamas?


Poemas e Poesias quinta, 23 de janeiro de 2025

OS VERSOS QUE TE DOU (POEMA DO ACRIANO J. G. DE ARAÚJO JORGE)

OS VERSOS QUE TE DOU

J. G. de Araújo Jorge

 

 

 

Ouve estes versos que te dou, eu
os fiz hoje que sinto o coração contente
enquanto teu amor for meu somente,
eu farei versos...e serei feliz...

E hei de fazê-los pela vida afora,
versos de sonho e de amor, e hei depois
relembrar o passado de nós dois...
esse passado que começa agora...

Estes versos repletos de ternura são
versos meus, mas que são teus, também...
Sozinha, hás de escutá-los sem ninguém que
possa perturbar vossa ventura...

Quando o tempo branquear os teus cabelos
hás de um dia mais tarde, revivê-los nas
lembranças que a vida não desfez...

E ao lê-los...com saudade em tua dor...
hás de rever, chorando, o nosso amor,
hás de lembrar, também, de quem os fez...

Se nesse tempo eu já tiver partido e
outros versos quiseres, teu pedido deixa
ao lado da cruz para onde eu vou...

Quando lá novamente, então tu fores,
pode colher do chão todas as flores, pois
são os versos de amor que ainda te dou.


Poemas e Poesias quarta, 22 de janeiro de 2025

SINTA (POEMA DO PAULISTA GUILHERME DE ALMEIDA)

SINTA

Guilherme de Almeida

 

 

Não há porque tentar
A fuga é inevitável
Todos os caminhos
Todas as escolhas
Nada pode evitar o único destino possível

Não importa o sentimento
Não importa o quanto doa
Você precisa fechar os olhos
Precisa viajar em você mesmo
Precisa saber
Não a porque mentir
Você precisa
Sentir


Poemas e Poesias terça, 21 de janeiro de 2025

VOZ DOS ANIMAIS (POEMA DA PAULISTA FRANCISCA JÚLIA)

VOZ DOS ANIMAIS

Francisca Júlia

 

 

 

— O peru, em meio à bulha
De outras aves em concerto,
Como faz, de leque aberto?
— Grulha.

— Como faz o pinto, em dia
De chuva, quando se interna
Debaixo da asa materna?
— Pia.

— Enquanto alegre passeia
Girando em torno do ninho,
Como faz o passarinho?
— Gorjeia.

(...)

— Quando a galinha deseja
Chamar os pintos que aninha,
Como é que faz a galinha?
— Cacareja.

— A rã, quando a noite baixa,
Que faz ela a toda hora
Dentre os limos em que mora?
— Coaxa.

(...)

— Que faz o gato, que espia
Uma terrina de sopa
Que fumega sobre a copa?
— Mia.

(...)

— Cheia a boca da babuge
Do milho bom que rumina,
Que faz o boi na campina?
— Muge.

(...)

— A voz tremida do grilo
Que vive oculto na grama,
A trilar, como se chama?
— Trilo.

Mas, escravos das paixões
Que os fazem bons ou ferozes,
Os homens têm suas vozes
Conforme as ocasiões.


Poemas e Poesias segunda, 20 de janeiro de 2025

INCONSTÂNCIA (POEMA DA PORTUGUESA FLORBELA ESPANCA)

INCONSTÂNCIA

Florbela Espanca

 

 

 

Procurei o amor que me mentiu.
Pedi à Vida mais do que ela dava.
Eterna sonhadora edificava
Meu castelo de luz que me caiu!

Tanto clarão nas trevas refulgiu,
E tanto beijo a boca me queimava!
E era o sol que os longes deslumbrava
Igual a tanto sol que me fugiu!

Passei a vida a amar e a esquecer...
Um sol a apagar-se e outro a acender
Nas brumas dos atalhos por onde ando...

E este amor que assim me vai fugindo
É igual a outro amor que vai surgindo,
Que há de partir também... nem eu sei quando...


Poemas e Poesias domingo, 19 de janeiro de 2025

ELAS SÃO VAPOROSAS (POEMA DO PORTUGUÊS FERNANDO PESSOA)

ELAS SÃO VAPOROSAS

Fernando Pessoa

 

 

 

Elas são vaporosas,
Pálidas sombras, as rosas
Nadas da hora lunar...

Vêm, aéreas, dançar
Com perfumes soltos
Entre os canteiros e os buxos...
Chora no som dos repuxos
O ritmo que há nos seus vultos...

Passam e agitam a brisa...
Pálida, a pompa indecisa
Da sua flébil demora
Paira em auréola à hora...

Passam nos ritmos da sombra...
Ora é uma folha que tomba,
Ora uma brisa que treme
Sua leveza solene...

E assim vão indo, delindo
Seu perfil único e lindo,
Seu vulto feito de todas,
Nas alamedas, em rodas,
No jardim lívido e frio...

Passam sozinhas, a fio,
Como um fumo indo, a rarear,
Pelo ar longínquo e vazio,
Sob o, disperso pelo ar,
Pálido pálio lunar ...

 


Poemas e Poesias sábado, 18 de janeiro de 2025

TROVAS HUMORÍSTICAS - 35 - (POEMA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

 

TROVA HUMORÍSTICA 35

Eno Teodoro Wanke

 

E quantas vezes por dia

Faz a barba, cavalheiro?

Umas cinquenta, varia

Como assim? Eu sou barbeiro!

 


Poemas e Poesias sexta, 17 de janeiro de 2025

ULTRA KUNUBA (POEMA DO PIAUIENSE DA COSTA E SILVA)

U

ULTRA LIMINA

Da Costa e Silva

 

 

 

Em frágil barca de ébano e marfim,
De tírias velas côncavas ao vento,
Vago pela amplidão do firmamento
Nas ondas do éter pelo azul sem fim...

Aonde vou nesse estranho bergantim, 
Veloz e afoito como o pensamento?
Que céu de sonho, que país nevoento,
Que mundo de mistério busco, enfim?

Nos extremos remotos do horizonte,
Perde-se a barca, espaço em fora, sem
Que com o porto encantado se defronte.

Colho as velas, deito a âncora, porém
Surge na proa o vulto de Caronte, 
Com a mão no leme, a dirigir-me: — Além!

 

 

 


Poemas e Poesias quinta, 16 de janeiro de 2025

FOEDERIS ARCA (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUSA)

FOEDERIS ARCA

Cruz e Sousa

 

 

 

     Visão que a luz dos Astros louros trazes,
     Papoula real tecida de neblinas
     Leves, etéreas, vaporosas, finas,
     Com aromas de lírios e lilazes.
      
     Brancura virgem do cristal das frases,
     Neve serene das regiões alpinas,
     Willis juncal de mãos alabastrinas,
     De fugitivas correções vivazes.
      
     Floresces no meu Verso como o trigo,
     O trigo de ouro dentre o sol floresce
     E és a suprema Religião que eu sigo...
      
     O Missal dos Missais, que resplandece,
     A igreja soberana que eu bendigo
     E onde murmuro a solitária prece!...


Poemas e Poesias terça, 14 de janeiro de 2025

PERSEVERANDO (POEMA DO BAIANO CASTRO ALVES)

PERSEVERANDO

Castro Alves

 

 

 

(Tradução de V. Hugo)

a Regueira Costa

A águia é o gênio... Da tormenta o pássaro,
Que do monte arremete altivo píncaro,
Quergue um grito aos fulgores do arrebol,
Cuja garra jamais se peia em lodo,
E cujo olhar de fogo troca raios
— Contra os raios do sol.

Não tem ninho de palhas... tem um antro
— Rocha talhada ao martelar do raio,
— Brecha em serra, anta qual o olhar tremeu ...
No flanco da montanha — asilo trêmulo,
Que sacode o tufão entre os abismos
— O precipício e o céu.

Nem pobre verme, nem dourada abelha
Nem azul borboleta... sua prole
Faminta, boquiaberta espera ter...
Não! São aves da noite, são serpentes,
São lagartos imundos, que ela arroja
Aos filhos pra viver.

Ninho de rei!... palácio tenebroso,
Que a avalanche a saltar cerca tombando!...
O gênio aí enseiba a geração...
E ao céu lhe erguendo os olhos flamejantes
Sob as asas de fogo aquenta as almas
Que um dia voarão.

Por que espantas-te, amigo, se tua fronte
Já de raios pejada, choca a nuvem?...
Se o réptil em seu ninho se debate?...
É teu folgar primeiro... é tua festa!...
Águias! Pra vós cadhora é uma tormenta,
Cada festa um combate!

Radia!... É tempo!... E se a lufada erguer-se
Muda a noite feral em prisma fúlgido!
De teu alto pensar completa a lei!...
Irmão! — Prende esta mão de irmão na minha!...
Toma a lira — Poeta! Águia! — esvoaça!
Sobe, sobe, astro rei!...

De tua aurora a bruma vai fundir-se
Águia! faz-te mirar do sol, do raio;
Arranca um nome no febril cantar.
Vem! A glória, que é o alvo de vis setas,
É bandeira arrogante, que o combate
Embeleza ao rasgar.

O meteoro real — de coma fúlgida —
Rola e se engrossa ao devorar dos mundos...
Gigante! Cresces todo o dia assim!...
Tal teu gênio, arrastando em novos trilhos
No curso audaz constelações de idéias,
Marcha e recresce no marchar sem fim! ...


Poemas e Poesias segunda, 13 de janeiro de 2025

BORBOLETA (POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU)

BORBOLETA

Casimiro de Abreu

 

 

 

Borboleta dos amores,
Como a outra sobre as flores,
Porque és volúvel assim?
Porque deixas, caprichosa,
Porque deixas tu a rosa
E vais beijar o jasmim?
Pois essa alma é tão sedenta

Que um só amor não contenta
E louca quer variar?
Se já tens amores belos,
P’ra que vais dar teus desvelos
Aos goivos da beira-mar?
Não sabes que a flor traída
Na débil haste pendida
Em breve murcha será?
Que de ciúme fenece
E nunca mais estremece
Aos beijos que a brisa dá?…
Borboleta dos amores,
Como a outra sobre as flores,
Porque és volúvel assim?
Porque deixas, caprichosa,
Porque deixas tua a rosa
E vais beijar o jasmim?!
Tu vês a flor da campina,
E bela e terna e divina,
Tu dá-lhe o que essa alma tem;
Depois, passado o delírio,
Esqueces o pobre lírio
Em troca duma cecém!
Mas tu não sabes, louquinha
Que a flor que pobre definha
Merece mais compaixão?
Que a desgraça precisa,
Como sopro da brisa,
Os ais do teu coração?
Borboleta dos amores,
Como a outra sobre as flores,
Porque és volúvel assim?
Porque deixas, caprichosa,
Porque deixas tua a rosa
E vais beijar o jasmim?!
Se a borboleta dourada
Esquece a rosa encarnada
Em troca duma outra flor;
Ela – a triste, molemente
Pendida sobre a corrente,
Falece à míngua d’amor.
Tu também, minha inconstante,
Tens tido mais dum amante
E nunca amaste a um só!
Eles morrem de saudade
Mas tu na variedade
Vais vivendo e não tens dó!
Ai! és muito caprichosa!
Sem pena deixas a rosa
E vais beijar outras flores;
Esqueces os que te amam…
Por isso todos te chamam:
– Borboleta dos amores!


Poemas e Poesias domingo, 12 de janeiro de 2025

INFÂNCIA (POEMA DO MINEIRO CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)

INFÂNCIA

Carlos Drummond de Andrade

 

 

 

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.

No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala — e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.

Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
— Psiu . . . Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro . . . que fundo!

Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.

E eu não sabia que minha história
era mas bonita que a de Robinson Crusoé.


Poemas e Poesias sábado, 11 de janeiro de 2025

SONETO 125 - ESTE AMOR QUE VOS TENHO LIMPO E PURO (POEMA DO PORTUGUÊS LUÍS DE CAMÕES)
 
 
 
SONETO 125 - ESTE AMOR QUE VOS TENHO LIMPO E PURO
Luís de Camões
(Grafia original) 
 
 
 
Este amor, que vos tenho limpo e puro,
De pensamento vil nunca tocado,
Em minha tenra idade começado,
Tê-lo dentro nesta alma só procuro.

D'haver nelle mudança estou seguro,
Sem temer nenhum caso, ou duro fado,
Nem o supremo bem, ou baixo estado,
Nem o tempo presente, nem futuro.

A bonina e a flor asinha passa;
Tudo por terra o inverno e estio deita;
Só para meu amor he sempre Maio.

Mas ver-vos para mim, Senhora, escassa,
E qu'essa ingratidão tudo me engeita,
Traz este meu amor sempre em desmaio.

Poemas e Poesias sexta, 10 de janeiro de 2025

CEM TROVAS - 026 (POEMA DO MINEIRO BELMIRO BRAGA)
 

TROVA 026

Belmiro Braga

 

 

Vi teus braços... que ventura!

Teu colo... as pernas... gue gosto!

Agora, tira a pintura

Que eu quero ver o teu rosto.

 

 


Poemas e Poesias quinta, 09 de janeiro de 2025

SEIO DE VIRGEM (POEMA DO PAULISTA ÁLVARES DE AZEVEDO)

SEIO DE VIRGEM

Álvares de Azevedo

 

 

 

O que eu sonho noite e dia,
O que me dá poesia
E me torna a vida bela,
O que num brando roçar
Faz meu peito se agitar,
É o teu seio, donzela!

Oh! quem pintara o cetim
Desses limões de marfim,
Os leves cerúleos veios
Na brancura deslumbrante
E o tremido de teus seios?

Quando os vejo, de paixão
Sinto pruridos na mão
De os apalpar e conter...
Sorriste do meu desejo?
Loucura! bastava um beijo
Para neles se morrer!


Poemas e Poesias quarta, 08 de janeiro de 2025

TERCEIRO CANTO (POEMA DO FLUMINENSE ALBERTO DE OLIVEIRA)

TERCEIRO CANTO

Alberto de Oliveira

 

 

 

I

Embala-me, balanço da mangueira,
Embala-me, que enquanto vou contigo,
Contigo venho, o meu pesar esqueço.
Rompe a luz da manhã rosada e linda,
Tudo desperta. E essa por quem padeço,
Lânguida e preguiçosa,
Entre brancos lençóis repousa ainda.
Embala-me, pendente da mangueira,
Na tensa corda, meu balanço amigo!
Em claro a noite inteira
Passei, pensando nela. Ah! que formosa
Estava ontem à tarde no mirante,
Um livro ao colo, às tranças uma rosa,
E o olhar perdido na amplidão distante!
Pensava... Em quem pensava?
Se fosse em mim... Como formosa estava!
Oh! não pausado e manso,
Mas aos arrancos, estirado voa,
Leva-me, meu balanço!

II

Assim cismando, à toa,
Olhos voltados já para a querida
Visão de Laura, já para o céu claro,
Para o campo e arredores,
A manhã passo. Sobre a serra erguida
Em frente nasce e, coroando-a, brilha
O sol. Loureja o ipê com as áureas flores.
Late nos grotões fundos, indo ao faro
Da caça, ao buzinar dos caçadores,
Da fazenda a matilha.
E no ar que sopra dos capões escuros,
Sente-se, de mistura a essências finas
E ao cheiro das resinas,
Um sabor acre de cajás maduros.

III

Cajás! Não é que lembra à Laura um dia
(Que dia claro! esplende o mato e cheira!)
Chamar-me para em sua companhia
Saboreá-los sob a cajazeira!

— Vamos sós? perguntei-lhe. E a feiticeira:
— Então! tens medo de ir comigo? — E ria.
Compõe as tranças, salta-me ligeira
Ao braço, o braço no meu braço enfia.

— Uma carreira! — Uma carreira! — Aposto!
A um sinal breve dado de partida,
Corremos. Zune o vento em nosso rosto.

Mas eu me deixo atrás ficar, correndo,
Pois mais vale que a aposta da corrida
Ver-lhe as saias a voar, como vou vendo.


Poemas e Poesias terça, 07 de janeiro de 2025

POEMAS PARA A AMIGA - FRAGMENTO 4 (POEMA DO MINEIRO AFFONSO ROMANO DE SANT*ANNA)

POEMAS PARA A AMIGA 

FRAGMENTO 4

Affonso Romano de Sant'Anna

(Grafia original)

 

 

 

As vezes em que eu mais te amei
tu o não soubeste
e nunca o saberias.


Sozinho a sós contigo
em mim mesmo eu te criava,
em mim te possuía


De onde vinhas nessas horas
em que inteira eu te envolvia,
nem eu mesmo o sei
e nunca o saberias


Contudo, em paz
eu recebia o carinho,
compungindo o recebia,
tranqüilo em meu silêncio
e tão tranqüilo e tão sozinho
que calmamente eu consentia:
- que ainda que muito me tardasse
mais ainda, um outro tanto, eu sempre esperaria.

 


Poemas e Poesias segunda, 06 de janeiro de 2025

A PRIMEIRA NAMORADA (POEMA DO CARIOCA VINÍCIUS DE MORAES)

A PRIMEIRA NAMORADA

Vinícius de Moraes

 

 

Eu gostaria de saber contar
Uma pequena linda história
Minha memória até que é ruim
Mas dessa eu nunca me esqueci
Nem nunca ouvi tão linda assim

Havia um banco e um jardim
Que era puro jasmim
E um luar transparente
Eu te beijava e sofria
E a gente morria
Uma morte sem fim

Depois sumiu o jardim
E você ficou outra
E eu fiquei sem nada
Até que, amor, te encontrei
E de novo beijei
Tua face adorada
E vi que o amor é você
Porque havia em você
A primeira namorada

 

 

 


Poemas e Poesias domingo, 05 de janeiro de 2025

A MENINA E A CAJAZEIRA (POEMA DO CEARENSE PATATIVA DO ASSARÉ)

A MENINA E A CAJAZEIRA

Patativa do Assaré

(Grafia original)

 

 

 

Arguém diz que o mundo presta,

Grita mêrmo em arto som,

Mas é tolo e nada sabe

Quem diz que este mundo é bom.

Como é que ele tem bondade

Se a nossa felicidade

Voa como o pensamento,

E da praça inté o campo

O gozo é cumo relampo,

Que abre e fecha num momento?

 

Dêrne do premêro dia

Que Adão mais Eva pecou,

A rosa criou espinho,

Tudo se desmantelou.

E Deus, vendo que a desgraça

De Adão, o chefe da raça,

Percisava sê comum,

Depressa sentenciou,

E uma parcela de dô

Reservou pra cada um.

 

Inté as arve do campo,

Que não ofende a ninguém,

Herdou aquela miséra,

Tem suas máguas tombém.

Muntas vêz, um pau bonito

Que os gáio vai no infinito

Parece alegre e feliz,

Mas quando o ráio lhe acerta,

Sapeca todo e concerta

Da copa inté a raiz.

 

Que curpa tem esse pau,

Promode o raivoso ráio

Lhe queimá de meio a meio,

Lascando gáio por gáio?

Se o pobre é um inocente

E o corisco, de repente,

Faz a maió anarquia,

Tá quage certo e provado

Que tudo vem do pecado

De adão, o pai de famia.

 

Tudo quanto a terra cria

Tem que passá sofrimento,

Tem seus momento de gôzo

E os seus ano de tromento.

As pobre arve, coitada,

Sem a ninguém devê nada

Sofre martiro e cansêra.

Cumo prova eu conto agora

A triste e penosa histora

Da menina e a cajazêra.

 

Num sito munto distante,

Na bêra de uma lagoa,

Morava um casá fié,

Uma gente muito boa.

Tinha uma linda criança,

Rizonha cumo a esperança,

Era linda e prazentêra.

E brincava todo o dia

Na sombra fresca e sadia

De uma bela cajazêra.

 

Bem juntinho de casa

A cajazêra nasceu,

Linhêra, iguá uma frecha,

No rumo do céu cresceu.

Era franzina, dergada,

Mas a copa arredondada

Não podia havê maió.

Quem reparava, dizia

Que a mêrma só parecia

Um grande chapé de só.

 

Entounce a linda criança,

Aquela boa menina,

Era o prazê e era a paz

Da cajazêra franzina.

Naquela sombra vevia,

Durante as horas do dia

Não se afastava dali,

Sempre contente, brincando,

Cheia de vida, zelando

Os seus brinquedos infantí.

 

Aquela copa vistosa

Pra inocente criança

Era um céu, um paraíso

Verde, da cô da esperança.

As ave fazia festa,

Tinha graça a doce orquesta

Daqueles musgo de pena,

Com seus requebrado canto,

Lovando o riso e o encanto

Daquela santa pequena.

 

Se o vento vinha de longe,

Todo amoroso, brincá,

Encrespando na lagoa,

As água cô de cristá,

Na cajazêra chegando

Era tão macio e brando

Cumo quem faz a escóia

De um amô e de um carinho,

Soprando devagarinho

Mode não derrubá fôia.

 

Tudo quanto era bondade,

Paz, inocença e beleza,

Vinha ali fazê morada

E de toda essa riqueza

A menina era a rainha,

Dava a entendê que Deus tinha

Pra o nosso mundo de increu,

Em favô daquele sito,

Mandado lá do infinito

Um pedacinho do céu.

 

Se em cima, na verde copa,

A passarada cantava,

Em baxo, na fresca sombra,

A criançinha brincava.

Aquela arve tão amiga,

Caridosa, sem fadiga,

De tudo era a potreção.

Sua copa arredondada

Vivia sempre enfoiada,

Que fosse inverno ou verão.

 

Mas a nossa curta vida,

Quando começa a sê bela,

O vento da negra sorte

Dá um sopro e desmantela.

Se o sito era um paraíso

De sossego, paz e riso,

Se aquela doce união

Foi grande felicidade,

Maió foi a crueldade,

E a dô da separação.

 

A amiga da cajazêra,

Tão nova, tão pequenina,

Perdeu ali um tesoro,

Pois a mão da triste sina

Robou-lhe a felicidade,

E umas água de orfandade

Dos óio dela caiu.

Quem era tão prazentêra,

Da querida cajazêra

Chorando se despediu.

 

Foi se embora soluçando

Aquela criança boa,

Dêxando luto e tristeza

La na bêra da lagoa.

E a cajazêra copada

Vendo a sua camarada

Da sombra se retirá

Levando o pranto no rosto,

De tanto sofrê desgosto

Nunca mais botou cajá.

 

Sentindo a sombra vazia,

Aquela pobre infeliz

Foi ficando deferente,

Acabrunhando as raiz,

E com a macha dos ano

E o choque dos desengano

Que o mau destino lhe deu,

A cajazêra franzina,

Com sodade da menina

Murchou a copa e morreu.

 

Morreu a pobre, sem curpa,

Sem devê nada a ninguém.

Inté as arve do campo

Tem suas mágoas tombém.

Ficou entonce a memora

Do dia e da crué hora

Daquele amargoso adeus,

Seca, no sito deserto.

Com os seus braços aberto,

Pedindo o socorro a Deus.

 

Quem lhe tinha conhecido

Na doce felicidade,

Vendo o seu grande abandono

Chorava de piedade,

Pois aquela cajazêra,

Bonita, alegre e linhêra,

Tava um pau véio, cacundo,

De gaio tingido e preto,

Parecendo um esqueleto

Chorando as dô desse mundo.

 

No gáio, onde os passarinho

Grogeava de manhã,

Ficou cantando somente

A feia e triste coã.

E de noite o vento afoito,

Roncando e lhe dando açoito,

Formava uma entoação

De causá medonho espanto,

Acompanhada do canto

Do agourento corujão.

 

E pra ficá bem provado

Que tudo o que a terra cria

Tem seus momento de gôzo

E os seus anos de agonia,

Ela foi, de pôco a pôco,

Banindo e criando oco,

Num desmante-lo sem fim,

E sujeita aos bichos mau:

O besôro serra-pau,

A broca, a traça e o cupim.

 

Tudo sofre, tudo pena,

A vida é pesada cruz,

Ninguém se julgue feliz,

Que aquilo que agora é luz

Mais tarde pode sê treva.

A curpa de Adão mais Eva

Se espaiou na terra intêra.

Tudo ali tornou-se em ruína,

Com a farta da menina

E a morte da cajazêra.

 

Inté a prope lagoa

Perdeu a quilaridade,

Criou nas águas uma sombra

Roxa, da cô da sodade.

Tudo nesse mundo passa,

O sito perdeu a graça,

Daquele sonho de amô

Hoje ali já nada existe,

Apenas o choro triste

Da rola fogo-pagô.

 


Poemas e Poesias sábado, 04 de janeiro de 2025

RENÚNCIA (POEMA DO PERNAMBUCANO OLEGÁRIO MARIANO)

RENÚNCIA

Olegário Mariano

 

 

Renunciar. Todo o bem que a vida trouxe,
toda a expressão do humano sofrimento.
A gente esquece assim como se fosse
um voo de andorinha em céu nevoento.

Anoiteceu de súbito. Acabou-se
tudo… A miragem do deslumbramento…
Se a vida que rolou no esquecimento
era doce, a saudade inda é mais doce.

Sofre de ânimo forte, alma intranquila!
Resume na lembrança de um momento
teu amor. Olha a noite: ele cintila.

Que o grande amor, quando a renúncia o invade
fica mais puro porque é pensamento,
fica muito maior porque é saudade.


Poemas e Poesias sexta, 03 de janeiro de 2025

O INCÊNDIO DE ROMA (POEMA DO CARIOCA OLAVO BILAC)

O INCÊNDIO DE ROMA

Olavo Bilac

(Grafia original)

 

 

 

Raiva o incêndio. A ruir, soltas, desconjuntadas,

As muralhas de pedra, o espaço adormecido

De eco em eco acordando ao medonho estampido,

Como a um sopro fatal, rolam esfaceladas.

 

E os templos, os museus, o Capitólio erguido

Em mármore frígio, o Foro, as erectas arcadas

Dos aquedutos, tudo as garras inflamadas

Do incêndio cingem, tudo esbroa-se partido.

 

Longe, reverberando o clarão purpurino,

Arde em chamas o Tibre e acende-se o horizonte...

– Impassível, porém, no alto do Palatino,

 

Nero, com o manto grego ondeando ao ombro, assoma

Entre os libertos, e ébrio, engrinaldada a fronte,

Lira em punho, celebra a destruição de Roma.


Poemas e Poesias quinta, 02 de janeiro de 2025

SIMULTANEIDADE (POEMA DO GAÚCHO MÁRIO QUINTANA)

 

SIMULTANEIDADE

Mário Quintana

 

 

SIMULTANEIDADE - Eu amo o mundo! Eu detesto o mundo! Eu creio em Deus! Deus é um absurdo! Eu vou me matar! Eu quero viver! - Você é louco? - Não, sou poeta.... Frase de Mario Quintana.

 


Poemas e Poesias quarta, 01 de janeiro de 2025

MEU QUINTANA (POEMA DO PERNAMBUCANO MANUEL BANDEIRA)

MEU QUINTANA

Manuel Bandeira

 

 

 

“Meu Quintana, os teus cantares
Não são, Quintana, cantares:
São, Quintana, quintanares.

Quinta-essência de cantares…
Insólitos, singulares…
Cantares? Não! Quintanares!

Quer livres, quer regulares,
Abrem sempre os teus cantares
Como flor de quintanares.

São cantigas sem esgares.
Onde as lágrimas são mares
De amor, os teus quintanares.

São feitos esses cantares
De um tudo-nada: ao falares,
Luzem estrelas luares.

São para dizer em bares
Como em mansões seculares
Quintana, os teus quintanares.

Sim, em bares, onde os pares
Se beijam sem que repares
Que são casais exemplares.

E quer no pudor dos lares.
Quer no horror dos lupanares.
Cheiram sempre os teus cantares

Ao ar dos melhores ares,
Pois são simples, invulgares.
Quintana, os teus quintanares.

Por isso peço não pares,
Quintana, nos teus cantares…
Perdão! digo quintanares.”


Poemas e Poesias segunda, 30 de dezembro de 2024

SONETO ROMÂNTICO (POEMA DO CARIOCA LUÍS GUIMARÃES JÚNIOR)

SONETO ROMÂNTICO

Luís Guimarães Júnior

 

 

Soam ao longe as trompas vencedoras;
Vibra o hallali na mata rumorosa;
Latem os cães, e a cavalgada airosa
Das elegantes, fortes caçadoras,

Cabelo ao ar, altivas, tentadoras,
Qual de Diana a escolta poderosa,
Persegue a fera, e açula jubilosa
As matilhas cruéis e vingadoras.

No entanto, a castelã, triste e isolada,
A sombra dos frondosos arvoredos,
Pálida, loira, casta e enamorada,

Passeia ouvindo uns matinais segredos,
E como a Margarida da balada,
Desfolha um malmequer entre os seus dedos.


Poemas e Poesias domingo, 29 de dezembro de 2024

PROFISSÃO DE FÉ (POEMA DO PORTUGUÊS JÚLIO DINIS)

PROFISSÃO DE FÉ

Júlio Dinis

 

Se vires a lira entoar alegrias, Prazeres e orgias, das festas à luz,
Não creias as vozes que solta; mentida
É toda essa vida, que nela transluz.

Se a vires cantando felizes amores, Perfumes de flores parecendo aspirar,
Não creias; minh’alma surgir não viu ainda
A aurora bem-vinda de grato raiar.

Se vendo no mundo somente ímpias cenas, Pérfidas apenas, funestas
paixões,
De escárnio e desprezo soltar os seus cantos, São falsos; que
em prantos lhe vão ilusões.

Porém, quando triste, falar da saudade, Em grata ansiedade fitar
o porvir
Em sonhos de esperanças, talvez que mentidas,
Soltar seus gemidos, temor exprimir;

Se a ouvires falando de chamas ocultas Que n’alma sepultas encobrem seus
véus, Quais fogos acesos ao ar elevados, Ardendo ateados, numa ara
sem Deus

Se a vire s nos cantos falar magoada, Da lut a travada no meu coração,
Qu e muit o deseja, que tanto empreende
E em vã o se defende da ignota prisão.

Ouvindo- a em segredo, soltar suas queixas
E e m triste s endeixas sentida gemer,
Chora r o passado, odiar o presente
E a o long e somente fulgores entrever.

Entã o cr ê os hinos que ouvires à lira,
O peit o os inspira, do peito eles vem,
A m ã o indiferente suas cordas não pulsa
Febri l e convulsa se agita também.


Poemas e Poesias sábado, 28 de dezembro de 2024

ORGULHO E RENÚNCIA (POEMA DO ACRIANO J. G. DE ARAÚJO JORGE)

ORGULHO E RENÚNCIA

J. G. de Araújo Jorge

 

 

 

Não penses que a mentira me consola:
parte em silêncio, será bem melhor...
Se tudo terminou a tua esmola
meu sofrimento ainda fará maior...

Não te condeno nem te recrimino
ninguém tem culpa do que aconteceu...
Não posso contrariar o meu destino
nem tu podias contrariar o teu!

Sofro, que importa? mas não te censuro,
o inevitável quando chega é assim,
-se esse amor não devia ter futuro
foi bem melhor precipitar seu fim...

Não te condeno nem te recrimino
tinha que ser! Tudo passou, morreu!
Cada qual traz do berço seu destino
e esse afinal, bem doloroso, é o meu!

Estranho, é que a afeição quando se acabe
traga inútil consolo ao nosso fim
quando penso que ainda ontem, - quem o sabe?
tenha sentido algum amor por mim...

Não procures mentir. Compreendo tudo.
Tudo por si justificado está:
- não tens culpa se te amo... se me iludo,
se a vida para mim é que foi má...

Vês? Meus olhos chorando estão contentes!
Não fales nada. Vai! Ninguém te obriga
a dizeres aquilo que não sentes,
nem eu preciso disto minha amiga...

Parte. E que nunca sofrer alguém te faça
o que sofri com o teu ingênuo amor;
- pensa que tudo morre, tudo passa,
que hei de esquecer-te, seja como for...

Pensa que tudo foi uma tolice...
Só mais tarde, bem sei, - compreenderás
as palavras de dor que não te disse
e outras, de amor... que não direi jamais!


Poemas e Poesias sexta, 27 de dezembro de 2024

QUIRIRI (HAIKAI DO PAULISTA GUILHERME DE ALMEIDA)

QUIRIRI

Guilherme de Almeida

 

 

 

Calor. Nos tapetes
tranquilos da noite, os grilos
fincam alfinetes.

 


Poemas e Poesias quinta, 26 de dezembro de 2024

VÊNUS (POEMA DA PAULISTA FRANCISCA JÚLIA)

VÊNUS

Francisca Júlia

(Grafia original)

 

 

 

Branca e herculea, de pé, num bloco de Carrara,
Que lhe serve de throno, a formosa esculptura,
Venus, tumido o collo, em severa postura,
Com seus olhos de pedra o mundo inteiro encara.

Um sopro, um quê de vida o genio lhe insuflára;
E impassivel, de pé, mostra em toda a brancura,
Desde as linhas da face ao talhe da cintura,
A magestade real de uma belleza rara. 

Vendo-a nessa postura e nesse nobre entono
De Minerva marcial que pelo gladio arranca,
Julgo vel-a descer lentamente do throno.

É, na mesma attitude a que a insolencia a obriga,
Postar-se á minha frente, impassivel e branca,
Na regia perfeição da formosura antiga.


Poemas e Poesias quarta, 25 de dezembro de 2024

IMPOSSÍVEL (POEMA DA PORTUGUESA FLORBELA ESPANCA)

IMPOSSÍVEL

Florbela Espanca

 

 

 

Disseram-me hoje, assim, ao ver-me triste:
“Parece Sexta-Feira de Paixão.
Sempre a cismar, cismar d’olhos no chão,
Sempre a pensar na dor que não existe...

O que é que tem?! Tão nova e sempre triste!
Faça por ’star contente! Pois então?!...”
Quando se sofre, o que se diz é vão...
Meu coração, tudo, calado, ouviste...

Os meus males ninguém mos adivinha...
A minha Dor não fala, anda sozinha...
Dissesse ela o que sente! Ai quem me dera!...

Os males d’Anto toda a gente os sabe!
Os meus... ninguém... A minha Dor não cabe
Nos cem milhões de versos que eu fizera!...

 


Poemas e Poesias terça, 24 de dezembro de 2024

UM SORRISO (POEMA DO MARANHENSE FERREIRA GULLAR)

|UM SORRISO

Ferreira Gullar

 

 

 

Quando
com minhas mãos de labareda
te acendo e em rosa
embaixo
te espetalas

quando
com o meu aceso archote e cego
penetro a noite de tua flor que exala
urina
e mel
que busco eu com toda essa assassina
fúria de macho?
que busco eu
em fogo
aqui embaixo?
senão colher com a repentina
mão do delírio
uma outra flor: a do sorriso
que no alto o teu rosto ilumina?


Poemas e Poesias segunda, 23 de dezembro de 2024

ELA IA, TRANQUILA PASTORINHA (POEMA DO PORTUGUÊS FERNANDO PESSOA)

ELA IA, TRANQUILA PASTORINHA

Fernando Pessoa

(Grafia original)

 

 

 

Ela ia, tranqüila pastorinha,
Pela estrada da minha imperfeição.
Segui-a, como um gesto de perdão,
O seu rebanho, a saudade minha...

"Em longes terras hás de ser rainha
Um dia lhe disseram, mas em vão...
Seu vulto perde-se na escuridão...
Só sua sombra ante meus pés caminha...

Deus te dê lírios em vez desta hora,
E em terras longe do que eu hoje sinto
Serás,  rainha não, mas só pastora  _

Só sempre a mesma pastorinha a ir, 
E eu serei teu regresso, esse indistinto
Abismo entre o meu sonho e o meu porvir...

 


Poemas e Poesias domingo, 22 de dezembro de 2024

TROVAS HUMORÍSTICAS - 34 - (POEMA DO PARANAENSE ENO TEODORO WANKE)

 

TROVA HUMORÍSTICA 34

Eno Teodoro Wanke

 

 Muito bonita. Queixou-se

– Sou gorda demais, por certo

– Pode ser – digo, em voz doce –

Mas gorda no luga certo!


Poemas e Poesias sábado, 21 de dezembro de 2024

TARÂNTULA (POEMA DO PIAUIENSE DA COSTA E SILVA)

TARÂNTULA

Da Costa e Silva

 

 

 

Doudo, sonho que o Sol é a maior das aranhas,
–Tarântula do Azul – a ígnea teia da Vida
Tecendo caprichosa, a arrancar das entranhas
Rubros fios de sangue e de luz difundida.

Urde os fios e os prende, elo por elo, à urdida
Rede transluminosa, a alongar as estranhas
Antenas de ouro de fogo, e com a trama tecida
Estende véus iriais para além das montanhas…

Nessa teia de luz um mistério se encerra:
Sabe-o a Aranha, cravando o enorme olhar que infunde
A energia vital que há no ventre da terra.

Aracnídeo exemplo, almo e augusto, desvendo
No Sol, como a ensinar que tudo se fecunde
Sempre, Aranha do Azul, véus de noiva tecendo…


Poemas e Poesias quinta, 19 de dezembro de 2024

FLOR DO MAR (POEMA DO CATARINENSE CRUZ E SOUSA)

FLOR DO MAR

Cruz e Sousa

 

 

 

     És da origem do mar, vens do secreto,
     Do estranho mar espumaroso e frio
     Que põe rede de sonhos ao navio,
     E o deixa balouçar, na vaga, inquieto.
      
 
     Possuis do mar o deslumbrante afeto,
     As dormências nervosas e o sombrio
     E torvo aspecto aterrador, bravio
     Das ondas no atro e proceloso aspecto.
      
 
     Num fundo ideal de púrpuras e rosas
     Surges das águas mucilaginosas
     Como a lua entre a névoa dos espaços...
      
 
     Trazes na carne o eflorescer das vinhas,
     Auroras, virgens musicas marinhas,
     Acres aromas de algas e sargaços...


Poemas e Poesias terça, 17 de dezembro de 2024

A UMA ESTRANGEIRA (POEMA DO BAIANO CASTRO ALVES)

A UMA ESTRANGEIRA

Castro Alves

 

Lembrança de uma noite no mar
Sens-tu mon coeur, comme il palpite?
Le tien comme il battait gaiement!
Je m’en vais pourtant, ma petite,
Bien loin, bien vite,
Toujours t’aimant.
Chanson

Inês! nas terras distantes,
Aonde vives talvez,
Inda lembram-te os instantes
Daquela noite divina?...
Estrangeira, peregrina,
Quem sabe? — Lembras-te, Inês?

Branda noite! A noite imensa
Não era um ninho? — Talvez!...
Do Atlântico a vaga extensa
Não era um berço? — Oh! se o era...
Berço e ninho... ai, primavera!
O ninho, o berço de Inês.

Às vezes estremecias...
Era de febre? Talvez!...
Eu pegava-te as mãos frias
Pra aquentá-las em meus beijos...
Oh! palidez! Oh! desejos!
Oh! longos cílios de Inês

Na proa os nautas cantavam;
Eram saudades?... Talvez!
Nossos beijos estalavam
Como estala a castanhola...
Lembras-te acaso, espanhola?
Acaso lembras-te, Inês?

Meus olhos nos teus morriam...
Seria vida? — Talvez!
E meus prantos te diziam:
"Tu levas minh’alma, ó filha,
Nas rendas desta mantilha...
Na tua mantilha, Inês!"

De Cádiz o aroma ainda
Tinhas no seio... — Talvez!
De Buenos Aires a linda,
Volvendo aos lares, trazia
As rosas de Andaluzia
Nas lisas faces de Inês!

E volvia a Americana
Do Plata às vagas... Talvez?
E a brisa amorosa, insana
Misturava os meus cabelos
Aos cachos escuros, belos,
Aos negros cachos de Inês!

As estrelas acordavam
Do fundo do mar... Talvez!
Na proa as ondas cantavam.
E a serenata divina
Tu, com a ponta da botina,
Marcavas no chão... Inês!

Não era cumplicidade
Do céu, dos mares? Talvez!
Dir-se-ia que a imensidade
— Conspiradora mimosa —
Dizia à vaga amorosa:
"Segreda amores à Inês!"

E como um véu transparente,
Um véu de noiva... talvez,
Da lua o raio tremente
Te enchia de casto brilho...
E a rastos no tombadilho
Caía a teus pés... Inês!...

E essa noite delirante
Pudeste esquecer? — Talvez...
Ou talvez que neste instante,
Lembrando-te inda saudosa,
Suspires, moça formosa!...
Talvez te lembres... Inês!


Poemas e Poesias segunda, 16 de dezembro de 2024

BERÇO E TÚMULO (POEMA DO FLUMINENSE CASIMIRO DE ABREU)

BERÇO E TÚMULO

Casimiro de Abreu

 

 

 

Trago-te flores no meu canto amigo
- Pobre grinalda com prazer tecida -
E - todo amores - deposito um beijo
Na fronte pura em que desponta a vida.

É cedo ainda! - quando moça fores
E percorreres deste livro os cantos,
Talvez que eu durma solitário e mudo
- Lírio pendido a que ninguém deu prantos! -

Então, meu anjo, compassiva e meiga
Depõe-me um goivo sobre a cruz singela,
E nesse ramo que o sepulcro implora
Paga-me as rosas desta infância bela!


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