JOSIAS DE SOUZA
CÁRMEN LÚCIA: JUÍZES VIRARAM ALVOS DE ATAQUES
Num instante em que tramitam na Câmara e no Senado propostas que sugerem formas de imprensar juízes e procuradores que imprensam deputados e senadores, a presidente do Supremo Tribunal Federal levou os lábios ao trombone. No comando de uma sessão do Conselho Nacional de Justiça, a ministra Cármen Lúcia disse que, hoje, a palavra ‘justiça’ é pronunciada até em “programas de entretenimento”.
Ao mesmo tempo, a ministra acrescentou, “os juízes brasileiros tornaram-se nos últimos tempos alvos de ataques, de tentativas de cerceamento de atuação constitucional, e o que é pior: busca-se até mesmo criminalizar o agir do juiz brasileiro restabelecendo-se o que já foi apelidado de crime de hermenêutica [punição ao juiz por interpretar a lei] no início da República e que foi ali repudiado.”
O risco de institucionalização do crime de hermenêutica, citado por Cármen Lúcia, já foi mencionado também por Sergio Moro, o juiz da Lava Jato. Consiste na possibilidade de punir juízes por interpretar a legislação. Com as investigações a pino, a Câmara tenta aprovar projeto que submete juízes e procuradores ao crime de responsabilidade. E o Senado mantém na pauta proposta sobre abuso de autoridade.
“Juiz sem independência não é juiz, é carimbador de despachos, segundo interesses particulares, e não garante direitos fundamentais segundo a legislação vigente”, declarou Cármen Lúcia. “Se é desejável socialmente a democracia, é impossível –como demonstrado historicamente– recusar-se o Judiciário como estrutura autônoma e independente de poder do Estado nacional. Não há democracia sem Judiciário. E o Judiciário somente cumpre o seu papel constitucional numa democracia.”
Cármen Lúcia não isenta os juízes de equívocos. Afirma que os equívocos precisam ser corrigidos, inclusive os supersalários. Mas enxerga nas investidas contra os juízes um objetivo subalterno. “Desmoraliza-se, enfim, a instituição e seus integrantes, para não se permitir que o juiz julgue, que as leis prevaleçam e que a veracidade de erros humanos seja apurada, julgada e punida, se for o caso”. A ministra disse, de resto, esperar que os Poderes da república se respeitem uns aos outros.
NA BRIGA DEFESA X MORO, LULA ENTRA COM A CARA
Josias de Souza
Sérgio Moro começou a ouvir as testemunhas num dos processos em que Lula é réu. Arrolado pelo Ministério Público Federal como testemunha de defesa, o ex-senador Delcício Amaral foi o primeiro a depor. A banca de advogados do ex-presidente petista adotou como principal tática de defesa o ataque ao juiz da Lava Jato. Os doutores interromperam a audiência várias vezes. Quando Moro tentou colocar ordem na audiência, foi acusado de cercear a defesa. A coisa descambou para o bate-boca.
O ápice da refrega verbal pode ser acompanhado a partir dos 21min53s do vídeo que está no final desta postagem. A pedido de Delcídio, seu rosto não aparece. Mas o áudio é alto e claro. Os defensores de Lula abespinharam-se com o rumo da inquirição do procurador da República Diogo Castor de Mattos. Ele arrancava de Delcídio informações sobre o aparelhamento da Petrobras e o conhecimento que Lula tinha do esquema.
Um dos defensores do réu, Cristiano Zanin Martins, interveio cinco vezes. Na quinta interrupção, disse a Moro que o procurador formulava questões alheias ao objeto do processo, que apura a suspeita de que a OAS bancou ilegalmente R$ 3,7 milhões em despesas de Lula (a reforma do tríplex no Guarujá e o armazenamento das “tralhas” acumuladas na Presidência), como contrapartida de três contratos firmados com a Petrobras.
Moro indeferiu “questão de ordem” do advogado e autorizou o procurador a prosseguir com a inquirição de Delcídio. Deu-se, então, o rififi. Cristiano disse ao juiz que ele próprio indefirira a produção de provas durante a fase processual sob a alegação de que o caso se restringia a três contratos. E Moro: ”Doutor, a defesa pediu cópias de todas as atas de licitações e os contratos da Petrobras em 13 anos. É diferente de o Ministério Público fazer uma pergunta para a testemunha nesse momento. Está indeferida essa questão, podemos prosseguir.”
Cristiano não se deu por achado. ”Mas é uma questão de ordem, Vossa Excelência tem que me ouvir!” Irritado, Moro perguntou se a defesa continuaria formulando uma questão de ordem a cada dois minutos. Realçou que, “no momento próprio”, os advogados de Lula teriam a oportunidade de inquirir Delcídio. Fora disso, as interrupções, por “inapropriadas”, serviam apenas para “tumultuar” a audiência.
Nesse ponto, interveio outro advogado de Lula, José Roberto Batochio. ”Pode ser inapropriado, mas é perfeitamente jurídico e legal.” Moro reiterou: ”Estão tumultuando a audiência.” Batochio interrompeu o magistrado: ”O juiz preside, o regime é presidencialista. Mas o juiz não é dono do processo. Aqui, os limites são a lei. A lei é a medida de todas as coisas. E a lei do processo disciplina esta audiência. A defesa tem o direito de fazer uso da palavra pela ordem.”
Batochio prosseguiu: “Ou o senhor quer eliminar a defesa? Eu imaginei que isso já tivesse sido sepultado em 1945 pelos aliados. Vejo que ressurge aqui, nesta região agrícola de nosso país”. Moro negou que a defesa estivesse sendo cerceada. Reiterou que as indagações do procurador se inseriam num determinado contexto. Quando o juiz esboçava a intenção de devolver a palavra ao representante do Ministério Público, um terceiro advogado de Lula foi à jugular: “Esse contexto só existe dentro da cabeça de Vossa Excelência!”
Moro mandou cortar o som dos microfones e interrompeu a audiência. Retomou-a minutos depois. Conduziu-a aos trancos. Foi a audiência mais tensa de toda a Operação Lava Jato. Só a falta de argumentos pode justificar a tática da defesa de Lula. Os doutores não se deram conta. Mas, ao comprar briga com Sergio Moro, transformam o processo numa espécie de Luta de boxe em que Lula entra com a cara.
Se for condenado por Moro, hipótese na qual seus advogados parecem apostar, Lula não terá senão a alternativa de recorrer ao Tribunal Regional Federal sediado em Porto Alegre. Ali, os desembargadores não costumam reformar decisões de Moro. Uma vez ratificada na segunda instância, a sentença terá de ser executada. Se tudo correr mal para Lula, além de ficar inelegível, o morubixaba do PT vai para a cadeia. Se tudo correr pior, a cana chega no primeiro trimestre de 2017.
ENGANA-SE QUEM ACHA QUE SENADO TEM PRESIDENTE: RENAN É QUE TEM O SENADO
Josias de Souza
O Brasil tem que ter cuidado para não irritar Renan Calheiros. Irritado, Renan paralisaria a votação das reformas. Renan já coleciona 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 inquéritos no Supremo Tribunal Federal. Uma dúzia de processos! A 12ª investigação acaba de ser aberta. Mas não convém falar sobre isso em voz alta. Faça como o Planalto, o Congresso e o próprio Supremo. Suprima dos seus hábitos o ponto de exclamação. Vamos lá, é pelo bem da República. É absurdo? Sim, mas o absurdo vai adquirindo uma admirável naturalidade.renan.
Oito dos inquéritos abertos contra Renan referem-se à Lava Jato. Um diz respeito à Operação Zelotes. Outro trata do recebimento de propinas na obra da hidrelétrica de Belo Monte. Há até um processo que já virou denúncia formal da Procuradoria. Renan é acusado de pagar com propinas da Mendes Júnior a pensão de uma filha que teve fora do casamento. Coisa de 2007. E o Supremo não julga.
O inquérito de número 12 destina-se a apurar uma movimentação bancária de Renan incompatível com sua renda. Farejaram-se nas contas do senador algo como R$ 5,7 milhões. O diabo é que, quanto mais Renan se encrenca, menos os senadores, as autoridades do governo e os ministros do Supremo se espantam. A República se faz de morta para não irritar Renan, que continua fazendo o favor de presidir o Senado. Irritado, Renan pode colocar a sua pauta da vingança à frente da PEC do teto dos gastos públicos.
Quando Renan estufa o peito como uma segunda barriga e torce o nariz para alguma coisa, faz-se um silêncio reverencial ao redor. Paralisam-se os processos. Fecham-se as gavetas de Cármen Lúcia, a presidente do Supremo. Protela-se o anúncio do veredicto da Suprema Corte que sacramentará o entendimento segundo o qual réus não podem ocupar cargos na linha de sucessão da Presidência da República.
Aos pouquinhos, vai ficando claro que o Senado não tem um presidente. Renan Calheiros é que tem o Senado. A vida pública de Renan não é do interesse de ninguém. O país é que atrapalha a vida privada do senador. A República virou um puxadinho da cozinha de Renan, num processo muito parecido com o que os historiadores costumam chamar de patrimonialismo.