Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Memorial Balsense segunda, 11 de julho de 2022

ONZE DE JULHO de 2011 - CENTENÁRIO DO REDESCOBRIMENTO DE BALSAS!
ONZE DE JULHO DE 2011- CENTENÁRIO DO REDESCOBRIMENTO DE BALSAS!

Raimundo Floriano

 

 

 Rua 11 de Julho, antiga Rua do Frito

A seta assinala a casa onde nasci e me criei

 

                        No dia 11 de julho de 2011, comemoramos os 100 anos da chegada do primeiro vapor ao Porto das Caraíbas, assim conhecida a passagem de canoa da antiga Vila de Santo Antônio de Balsas ou, simplesmente, Balsas.

 

                        Esta data foi tão importante para o desenvolvimento do Sul do Maranhão e do Norte de Goiás – atual Tocantins –, quanto foi a chegada de Dom João VI com sua Corte ao Rio de Janeiro em 1808, para o progresso e consolidação do Brasil como Nação, e o lançamento do Sputnik, primeiro satélite artificial da Terra, para o incremento das telecomunicações.

 

                        Até então, nossos conterrâneos sertanejos viviam completamente isolados dos grandes centros comerciais e culturais do País. O único meio de transporte rumo ao litoral era a balsa – daí o nome da cidade –, feita de talos de buriti, cujo percurso ao sabor das águas do Rio Balsas, até Floriano (PI), distante 720 quilômetros, era vencido em, no mínimo, 10 dias. Era a balsa que levava a pequena produção agropecuária da região, passageiros diversos e também os estudantes em busca de maiores conhecimentos.

 

                        A volta era feita de vapor ou lancha, que subiam o Rio Parnaíba até Benedito Leite (MA), confrontante com Uruçuí (PI), distantes 360 quilômetros de Balsas. Dali, só havia dois meios de transporte para os sul-maranhenses: nas costas de cavalos, burros e jumentos, ou a pé.

 

                        Por isso, aquele esquecido sertão ressentia-se da inexistência de muitos produtos manufaturados e, principalmente, da ausência do sal, indispensável à alimentação do homem e à ração do rebanho vacum.

 

                        Havia até uns regatões que subiam o Rio Balsas com seus batelões, pequenos botes impulsionados a remo e vara, transportando cerca de 10 toneladas de tripulação e mercadorias, negociando de porto em porto, em jornadas que, de Benedito Leite a Balsas, duravam meses.

 

                        Maioria dos que saíam para estudar só retornava após a formatura, tamanha era a dificuldade encontrada para essa volta.

 

                        O texto a seguir foi extraído de meu último livro, De Balsas para o Mundo, no episódio O Vapor.

 

“No final da década de 1910, os batelões se encontravam completamente ultrapassados, tal era o volume e a intensidade do comércio que se praticava na então Vila Nova de Santo Antônio de Balsas, acrescido do fluxo de viajantes, tudo isso demandando uma outra forma de transporte mais eficiente e competitivo. Havia, ainda, a necessidade da conquista, pelo Poder Público, daquela região.

 

“Eloy Coelho Netto, em seu livro História do Sul do Maranhão, menciona a Lei nº 170, que previa a contratação dos serviços de uma companhia de navegação fluvial, especialmente para subir o rio e estabelecer navegação regular para Balsas e Vitória do Alto Parnaíba.

 

“Contratada pelo DNPRC - Departamento Nacional de Portos, Rios e Canais, a empresa Oliveira, Pearce & Cia., sediada em Teresina e dirigida pelo Coronel Pedro Tomás de Oliveira, seu principal sócio, assumiu a responsabilidade do ingente encargo, empregando nesse desafio o seu melhor vapor, o Antonino Freire, sob o comando de Thomas William Pearce, sócio da firma.

 

“O vapor Antonino Freire, equipado com poderoso guincho, encetou sua viagem desbravadora removendo pedras, tocos, galharias marginais e tudo o mais que obstruísse o canal. Media também a profundidade – calado – nos trechos mais rasos, no intuito de orientar a fabricação dos novos barcos que por ali transitariam. Elaborou-se um estudo completo para os futuros navegantes.

 

“Considero essa viagem inaugural como o lançamento, pelos russos, do primeiro satélite artificial da Terra, o Sputnik, que escancarou as portas para a corrida espacial, culminando, até agora, com a conquista da Lua.

 

“Foram dezessete dias de árduo trabalho, em que a tripulação, toda ela impregnada de entusiasmo pela aventura de que participava, dedicava-se com alegria e esmero ao empreendimento, na ideia fixa da vitória final, que era a chegada ao Porto das Caraíbas.

 

“E isso aconteceu no dia 11 de julho de 1911!

 

“Essa é a data que a Prefeitura Municipal de Balsas tem como aceita, referendada pela Câmara Municipal que, muito depois, renomeou o logradouro onde nasci, a Rua do Frito, no coração histórico da cidade, denominando-a Rua 11 de Julho!

 

“Também nessa memorável data, o Comandante Thomas William Pearce inscreveu, com heroísmo e dedicação, de modo indelével, seu nome na História de Balsas!

 

“Estava cumprida a missão! A navegação Balsas – Parnaíba, ida e volta, perdera seu mistério! E o movimento no nosso rio se intensificou! E com uma novidade adicional: a barca a reboque dos vapores e lanchas.

 

“A partir de então, a navegação do Rio Balsas ficou verdadeiramente estabelecida. Suprindo a cidade de sal, fez deslocar-se para ali o eixo do comércio sul-maranhense!

           

“Já naquele tempo, a chegada duma embarcação em qualquer paragem era sinônimo de festa, alegria e muita confusão. Ainda mais se levando em conta a quase inexistência da força policial. Os cabarés da vida boêmia eram palco de grandes noitadas, bebedeiras e memoráveis arranca-rabos. Os que mais aprontavam eram os embarcadiços sem qualificação náutica alguma, contratados temporariamente, sem qualquer compromisso com a Marinha Mercante. Talvez por isso mesmo, tais baderneiros ficaram, desde cedo, conhecidos pela alcunha de ‘porcos-d’água’.

 

 “Desde o advento do primeiro vapor, era enorme o afluxo de pessoas ao Porto da Rampa, para assistirem à chegada ou à partida das embarcações, com seus fortes apitos, triunfais na vinda, saudosos na despedida. Virou uma das diversões da cidade.

 

“Retomemos o fio da meada!

 

“Regressando o vapor Antonino Freire a Teresina, com todos os estudos e observações anotados durante a viagem pioneira, cuidou a empresa Oliveira, Pearce & Cia. de mandar construir um barco com características especiais para navegar nas águas do Rio Balsas. Encomendou-o, então, aos estaleiros da empresa Izaac Abella & Michel, sediada em Liverpool, Inglaterra.

 

“Assim nasceu o vapor Joaquim Cruz!

 

 

Vapor Joaquim Cruz

 

“A chegada triunfal do Joaquim Cruz em sua primeira viagem a Balsas, sob o comando de Thomas William Pearce, aconteceu no dia 16 de abril de 1916, às cinco horas da tarde!

 

“A rampa do Porto das Caraíbas, ou Porto da Rampa, ficou apinhada por grande multidão que acorrera ao local para recepcionar o grande hóspede.

 

“No dia seguinte, mais de 100 pessoas reunidas no edifício da Câmara Municipal dirigiram-se para bordo do Joaquim Cruz, de onde o Comandante Thomas William Pearce se fez acompanhar de volta àquele edifício, no qual foi realizada Sessão Solene, quando falaram alguns vereadores e o homenageado.

 

“Terminada a parte oficial das honras prestadas ao comandante, um lauto banquete para 150 talheres foi-lhe oferecido na residência do Capitão Firmino de Souza Lima, com a presença de senhoras, senhoritas e cavalheiros representativos da população local.

 

“O Joaquim Cruz foi um vapor especial construído na Inglaterra, assim como outros, vindos do exterior. Mas os criativos brasileiros logo puseram mãos à obra. Em Floriano, o armador Afonso Nogueira construiu o vapor Afonso Nogueira e a lancha Rosicler. Em Teresina, Félix Pessoa, personagem deste livro, construiu o vapor Rio Balsas e as lanchas Teresina e Rio Poty. Até as caldeiras eram fabricadas no Brasil. Apenas as máquinas eram importadas da Inglaterra ou da Alemanha!

 

“O vapor Joaquim Cruz ficou ligado a Balsas pela primeira viagem que fez na Bacia do Parnaíba, tendo nossa cidade como destino.”

 

                        Portanto, salve o vapor Antonino Freire, que conquistou o Rio Balsas! Salve o vapor Joaquim Cruz, que fez a primeira viagem Oceano Atlântico – Balsas, para isso especialmente construído! Salve o Comandante Thomas William Pearce, intrépido navegante! E salve minha Rua do Frito, hoje Rua 11 de Julho, por ser o marco dessa grande conquista fluvial!

 

                        Vocês, meus caros leitores, hão de me questionar:

 

                        – Raimundo, com cem anos, a Rua 11 de Julho, no coração histórico da cidade, parece não ter evoluído nadica de nada! O que houve?

 

                        E eu lhes respondo:

 

                        – Amigos, este é um pequeno retrato do abandono e esquecimento em que ora vive meu sertão sul-maranhense. Embora com mais de 80 mil habitantes, Balsas está completamente isolada do restante do mundo. Sem linha aérea regular – que existia há 40 anos –, sem estradas dignas desse nome – que existiam há 25 anos – e sem a navegação fluvial – extinta há 50 anos, com a construção da Barragem de Boa Esperança sem eclusas –, os governantes dão-nos a impressão de que não existimos. Não aparecem por lá nem pra pedir o voto. Fazem-no pela TV, pela Internet ou por intermédio de cabos eleitorais. É o descaso total.

 

                        Isso não apagará, jamais, o amor que temos por esse querido rincão.

 

Homenagem da Filatelia:

 

 

À direita, a casa verde onde nasci e me criei


Memorial Balsense quarta, 01 de junho de 2022

SANTO ANTÔNIO, SEU FESTEJO E SEU HINO
SANTO ANTÔNIO, SEU FESTEJO E SEU HINO

Raimundo Floriano

 

 

 

Santo Antônio

 

                        Santo Antônio, Padroeiro de Balsas, minha terra natal, sertão sul-maranhense, tem seu Festejo no período que vai de 1º a 13 de junho. É ele o Santo mais popular do Brasil, venerado como Padroeiro dos Pobres e Santo Casamenteiro, com seu nome sempre invocado para se achar objetos perdidos.

 

                        Fernando Bulhões – nome de batismo – nasceu em Lisboa, Portugal, em 15 de agosto de 1195, numa família de muitas posses, e veio a falecer na cidade italiana de Pádua, no dia 13 de junho de 1231. Conhecido como Antônio de Pádua, pela morte, e Antônio de Lisboa, pelo nascimento, seria mais apropriado chamá-lo apenas de Antônio de Lisboa, assim como a cidade de Assis, na Itália, deu nome a São Francisco.

 

                        Aos 15 anos, entrou para um convento agostiniano, primeiro em Lisboa e depois em Coimbra, onde se ordenou. Em 1220, trocou o nome para Antônio, ao ingressar na Ordem Franciscana, esperando, a exemplo dos mártires, pregar aos sarracenos no Marrocos.

 

                        Após um ano de catequese em Marrocos, teve de deixá-lo, devido a uma enfermidade, e seguiu para a Itália. Indicado Professor de Teologia pelo próprio São Francisco de Assis, lecionou nas Universidades de Bolonha, Toulouse, Montpellier, Puy-en-Velay e Pádua, adquirindo grande renome como orador sacro em Portugal, no Sul da França e na Itália.

 

                        Ficaram célebres os sermões que proferiu em Forli, Provença, Languedoc e Paris. Em todos esses lugares, suas prédicas encontravam forte eco popular, pois lhe eram atribuídos feitos prodigiosos e milagres, o que contribuía para o crescimento de sua fama de santidade.

 

                        A saúde sempre precária levou-o a recolher-se ao convento de Arcella, perto de Pádua, onde escreveu uma série de sermões para domingos e dias santificados, alguns dos quais seriam reunidos e publicados entre 1895 e 1913.

 

                        Antônio faleceu, como foi dito, a 13 de junho de 1231, vítima de uma crise de hidropisia – acúmulo patológico de líquido seroso no tecido celular ou em cavidades do corpo. A 13 de maio de 1232, apenas 11 meses depois de sua morte, foi canonizado pelo Papa Gregório IX.

 

                        Sobre seu túmulo, em Pádua, foi construída a Basílica a ele dedicada.

 

                        A profundidade de seus textos doutrinários fez com que, em 1946, o Papa Pio XII o declarasse Doutor da Igreja. Mesmo com esse pomposo título, o monge franciscano conhecido como Santo Antônio de Pádua ou de Lisboa tem sido, ao longo dos séculos, objeto de grande devoção popular. Sua veneração é muito difundida nos países latinos, principalmente em Portugal e no Brasil.

 

                        Sua instituição como Padroeiro de Balsas deu-se com a chegada àquela região do baiano Antônio Jacobina, no final do Século XIX, considerado o verdadeiro fundador da cidade, que, por ser devoto de Santo Antônio, ali construiu sua primeira capela, dando início aos festejos anuais, aos quais acorriam moradores das redondezas, surgindo daí o povoamento com o nome de Vila Nova, depois mais conhecido como Santo Antônio de Balsas.

 

Igreja Matriz de Santo Antônio de Balsas

 

                        Muito se tem escrito sobre as festas religiosas de nosso sertão. Escolhi um poema do saudoso conterrâneo Sileimann Kalil Botelho, falecido a 24.4.13, aos 86 anos de idade, em Sobradinho (DF), como símbolo dessa nossa literatura:

 

FESTAS DE JUNHO

 

Na minha terra, tempo de menino,

Junho era festa pelo mês inteiro.

Sem importar se noite ou sol a pino,

Trezena a Santo Antônio vindo primeiro.

 

 Treze dias de festa ao peregrino

E milagroso Santo Padroeiro;

Moças solteiras, quase em desatino,

Pedindo noivos ao casamenteiro.

 

Depois vinha o São João das bandeirolas:

Multicores balões subiam ao espaço

Simbolizando sonhos e esperanças.

E enamorados jovens e moçoilas

Soltavam fogos com desembaraço,

Iam às quadrilhas, se entreter nas danças.

 

Depois vinha o São João dos Caipiras,

Das fogueiras brilhantes, das Quadrilhas

Onde todos dançavam com fervor,

As tradições das gentes dos Timbiras,

Os doces, os petiscos-maravilhas,

Incontrastáveis relações de amor.

 

A TRADIÇÃO DO FESTEJO DE SANTO ANTÔNIO

 

                        Saí de Balsas no dia 5 de fevereiro de 1949, para estudar em Floriano, aos 12 anos de idade, e as lembranças do Festejo de Santo Antônio, que guardo ainda bem vivas, indeléveis no coração, remontam-se, hoje, ao período de minha venturosa infância balsense.

 

                        Padre Clóvis era o Vigário da Paróquia e, no Festejo, era auxiliado pelas mãos laboriosas de senhoras mães de família, algumas delas que ora menciono: Tia Antônia Albuquerque, Naninha Soares, Febrônia Tourinho, Zefinha Rocha, Naninha Cansanção, Ceci Florentino, Laura Rocha, Luzia Félix, Sindá Borba, Eva Solino, Milu Fonseca, Dolores Lima, Esperança Souza, Maria Luísa Solino, Petronilha Matos, Jesus Reis, Munduca Noleto, Alzira Barbosa, Emília Câmara, Justina Pires. Madrinha Ritinha, mulher de meu Tio Cazuza, sempre provia a mesa dos leilões com pratos de sua refinada culinária. Dona Maria Bezerra, minha saudosa mãe, entregava-se de corpo e alma à operosidade da festa, fazendo guloseimas, angariando joias e donativos, isto é, trabalhando dia e noite sem descanso. Esse fervor e essa dedicação transmitiram-se, mais tarde, para a Maria Alice, minha irmã, e, posteriormente, para a Isaurinha, sua filha.

 

                        O Festejo de nosso Padroeiro era esperado por toda a população urbana e rural, e os sertanejos de fora aproveitavam-no para levarem seus produtos, ansiosamente esperados, destacando-se frutas raras na cidade, como abacate, jaca e tangerina. Havia também as delícias vindas dos engenhos: garapa, rapadura, batida, tijolo, alfenim.

 

                        Os botequins, todos de palha, armados em frente à Igreja Matriz, exibiam, além das frutas da época, miudezas em geral, como cintos, linhas de pesca, sapatos, chapéus, utensílios domésticos, lanternas, bijuterias, espelhos e bugigangas diversas.

 

                        Em adição aos itens já citados, os botequineiros vendiam comidas e bebidas, destacando-se a gengibirra – produto regional –, conhaque e cachaça, muita cachaça. Cerveja, só nos raros botequins que possuíam geladeira a querosene. Não fazia diferença se a bebida fosse quente ou fria. No Festejo, Balsas transformava-se no maior exportador brasileiro de garrafas vazias.

 

                        Havia, também, vários tipos de jogo, como o do bicho, na roleta, e o do caipira, este bancado pelo Cadete, simpático e popular cidadão conterrâneo, que apregoava:

 

                        – Olha o jogo do caipira, quem mais bota, menos tira!

 

                        Na barba-de-são-severino, certo tipo de pescaria, com um molho de linhas, cada qual amarrada a objetos de pequeno valor, mas, no meio deles, um grande prêmio. O jogador pagava e escolhia a ponta da linha para puxar. Ganhava aquilo que tivesse a sina de arrastar. O marreteiro anunciava:

 

                        – Aqui é a barba-de-são-severino, jogam homens, mulheres e meninos e o povo aviciado. O homem que apanha da mulher, não vai dar parte ao delegado!

 

                        Ladeando a Matriz de Santo Antônio, as duas barracas da Paróquia, de madeira e tecido, nas quais eram oferecidas comidas típicas, saladas de fruta, café, chocolate, bolos da região, cerveja, refrigerante e refresco, que nós chamávamos de “gelado”. A renda maior, toda revertida para a Matriz, provinha dos leilões e da venda de votos para a Rainha da Festa. Luiz da Iaiá era o mais competente leiloeiro, apregoando as joias na força do gogó.

 

                        Nas madrugadas do primeiro e do último dia do Festejo, eram realizadas, no patamar da Matriz, as alvoradas festivas, com muito foguete, tendo a música a cargo do Martinho Mendes e Seu Conjunto. No mesmo molde, diariamente, ao meio-dia, depois do Terço, realizava-se a retreta.

 

                        A Missa era celebrada apenas no dia 1º, aos domingos e no dia 13 de junho, Dia do Padroeiro, e final do Festejo, quando a população se esmerava no trajar – “quebrar a tigela”, se vestindo roupa nova –, para louvar em grande estilo o Santo de sua devoção. Ao cair da noite do dia 13, saía a Procissão pelas ruas da cidade, com o andor do Padroeiro seguindo à frente, ladeado por duas colunas: à direita, os homens; à esquerda, as mulheres. A seguir, rezava-se a última trezena, depois da qual se dava a última quermesse, com a coroação da Rainha do Festejo.

 

                        Em 1999, decorridos 50 anos, voltei a assistir ao Festejo de Santo Antônio. Quanta coisa mudara!

 

                        A barraca era uma só. Acabara-se a disputa para ver qual a mais rendosa e também qual elegeria a Rainha. Os botecos, à frente da Matriz, agora num espaço denominado Iraque, esmeravam-se apenas na venda de cerveja e refrigerantes. As tendas dos camelôs substituíram os botequins com produtos sertanejos. O leilão e toda a animação da quermesse estavam sob a batuta do criativo Likuta, com seu serviço de som, preferido por sua habilidade no trato, versatilidade e simpatia. Eram os sinais evidentes do progresso, marcado pelas novidades advindas com o passar do tempo.

 

                        Algo não mudou. A religiosidade do povo balsense permanece forte, decidida, incondicional. E isso pode ser confirmado na Procissão do dia 13. Na última vez em que dela participei, calculei uma multidão de devotos que ultrapassava a casa dos dez mil!

 

                        E outro aspecto permanece igualmente imutável: a retreta ao meio-dia, na hora do Terço. A cargo do Mestre Riba e sua turma, essa retreta me leva como num passe de mágica a minha infância distante, o que me faz dela participar todos os dias, quando por lá me encontro. Em que pese a insensibilidade dos tempos modernos, é uma tradição que não pode se acabar.

 

                        Tenho praticado minha devoção a Santo Antônio com pequenos gestos, no intuito de cada vez mais divulgar seu santo nome sempre que me surge a oportunidade. Em frente à Igreja Matriz, lancei os quatro mais conhecidos de meus livros: Do Jumento ao Parlamento, na noite de 12 de junho de 2003, e De Balsas para o MundoMemorial Balsense e Caindo na Gandaia, na noite de 12 de junho de 2010.

 

                        A gravação do Hino de Santo Antônio, composição de Eleutério Rezende, a duas vozes, acompanhadas por instrumentos de sopro e bateria, num andamento vibrante, como deve ser todo hino de louvor, era um sonho que acalentei por muitos anos e só em 2013 consegui realizar. Eis a letra e a partitura, esta elaborada pela Professora Silvana Teixeira, residente em Brasília:

 

 

                        Aqui, a letra em sua íntegra:

 

 

                        A gravação ficou a cargo dos cantores brasilienses Mércia Cairis e Felipe Rodrigues, do Estúdio Verbo Vivo:

 

Mércia Cairis e Felipe Rodrigues

 

                        E, fechando com chave de ouro esse preito a Santo Antônio, produzi também, com o apoio técnico do amigo Jorge Rocha, meu Assessor Performático, um vídeo, ao qual vocês poderão assistir, clicando neste link:

 

https://www.youtube.com/watch?v=tWR6GFrVnNc

 

Ou dando um enter neste vídeo:

 

 

 


Memorial Balsense domingo, 15 de maio de 2022

SANTO ANTÔNIO, SEU FESTEJO E SEU HINO
SANTO ANTÔNIO, SEU FESTEJO E SEU HINO

Raimundo Floriano

 

 

 

Santo Antônio

 

                        Santo Antônio, Padroeiro de Balsas, minha terra natal, sertão sul-maranhense, tem seu Festejo no período que vai de 1º a 13 de junho. É ele o Santo mais popular do Brasil, venerado como Padroeiro dos Pobres e Santo Casamenteiro, com seu nome sempre invocado para se achar objetos perdidos.

 

                        Fernando Bulhões – nome de batismo – nasceu em Lisboa, Portugal, em 15 de agosto de 1195, numa família de muitas posses, e veio a falecer na cidade italiana de Pádua, no dia 13 de junho de 1231. Conhecido como Antônio de Pádua, pela morte, e Antônio de Lisboa, pelo nascimento, seria mais apropriado chamá-lo apenas de Antônio de Lisboa, assim como a cidade de Assis, na Itália, deu nome a São Francisco.

 

                        Aos 15 anos, entrou para um convento agostiniano, primeiro em Lisboa e depois em Coimbra, onde se ordenou. Em 1220, trocou o nome para Antônio, ao ingressar na Ordem Franciscana, esperando, a exemplo dos mártires, pregar aos sarracenos no Marrocos.

 

                        Após um ano de catequese em Marrocos, teve de deixá-lo, devido a uma enfermidade, e seguiu para a Itália. Indicado Professor de Teologia pelo próprio São Francisco de Assis, lecionou nas Universidades de Bolonha, Toulouse, Montpellier, Puy-en-Velay e Pádua, adquirindo grande renome como orador sacro em Portugal, no Sul da França e na Itália.

 

                        Ficaram célebres os sermões que proferiu em Forli, Provença, Languedoc e Paris. Em todos esses lugares, suas prédicas encontravam forte eco popular, pois lhe eram atribuídos feitos prodigiosos e milagres, o que contribuía para o crescimento de sua fama de santidade.

 

                        A saúde sempre precária levou-o a recolher-se ao convento de Arcella, perto de Pádua, onde escreveu uma série de sermões para domingos e dias santificados, alguns dos quais seriam reunidos e publicados entre 1895 e 1913.

 

                        Antônio faleceu, como foi dito, a 13 de junho de 1231, vítima de uma crise de hidropisia – acúmulo patológico de líquido seroso no tecido celular ou em cavidades do corpo. A 13 de maio de 1232, apenas 11 meses depois de sua morte, foi canonizado pelo Papa Gregório IX.

 

                        Sobre seu túmulo, em Pádua, foi construída a Basílica a ele dedicada.

 

                        A profundidade de seus textos doutrinários fez com que, em 1946, o Papa Pio XII o declarasse Doutor da Igreja. Mesmo com esse pomposo título, o monge franciscano conhecido como Santo Antônio de Pádua ou de Lisboa tem sido, ao longo dos séculos, objeto de grande devoção popular. Sua veneração é muito difundida nos países latinos, principalmente em Portugal e no Brasil.

 

                        Sua instituição como Padroeiro de Balsas deu-se com a chegada àquela região do baiano Antônio Jacobina, no final do Século XIX, considerado o verdadeiro fundador da cidade, que, por ser devoto de Santo Antônio, ali construiu sua primeira capela, dando início aos festejos anuais, aos quais acorriam moradores das redondezas, surgindo daí o povoamento com o nome de Vila Nova, depois mais conhecido como Santo Antônio de Balsas.

 

Igreja Matriz de Santo Antônio de Balsas

 

                        Muito se tem escrito sobre as festas religiosas de nosso sertão. Escolhi um poema do saudoso conterrâneo Sileimann Kalil Botelho, falecido a 24.4.13, aos 86 anos de idade, em Sobradinho (DF), como símbolo dessa nossa literatura:

 

FESTAS DE JUNHO

 

Na minha terra, tempo de menino,

Junho era festa pelo mês inteiro.

Sem importar se noite ou sol a pino,

Trezena a Santo Antônio vindo primeiro.

 

 Treze dias de festa ao peregrino

E milagroso Santo Padroeiro;

Moças solteiras, quase em desatino,

Pedindo noivos ao casamenteiro.

 

Depois vinha o São João das bandeirolas:

Multicores balões subiam ao espaço

Simbolizando sonhos e esperanças.

E enamorados jovens e moçoilas

Soltavam fogos com desembaraço,

Iam às quadrilhas, se entreter nas danças.

 

Depois vinha o São João dos Caipiras,

Das fogueiras brilhantes, das Quadrilhas

Onde todos dançavam com fervor,

As tradições das gentes dos Timbiras,

Os doces, os petiscos-maravilhas,

Incontrastáveis relações de amor.

 

A TRADIÇÃO DO FESTEJO DE SANTO ANTÔNIO

 

                        Saí de Balsas no dia 5 de fevereiro de 1949, para estudar em Floriano, aos 12 anos de idade, e as lembranças do Festejo de Santo Antônio, que guardo ainda bem vivas, indeléveis no coração, remontam-se, hoje, ao período de minha venturosa infância balsense.

 

                        Padre Clóvis era o Vigário da Paróquia e, no Festejo, era auxiliado pelas mãos laboriosas de senhoras mães de família, algumas delas que ora menciono: Tia Antônia Albuquerque, Naninha Soares, Febrônia Tourinho, Zefinha Rocha, Naninha Cansanção, Ceci Florentino, Laura Rocha, Luzia Félix, Sindá Borba, Eva Solino, Milu Fonseca, Dolores Lima, Esperança Souza, Maria Luísa Solino, Petronilha Matos, Jesus Reis, Munduca Noleto, Alzira Barbosa, Emília Câmara, Justina Pires. Madrinha Ritinha, mulher de meu Tio Cazuza, sempre provia a mesa dos leilões com pratos de sua refinada culinária. Dona Maria Bezerra, minha saudosa mãe, entregava-se de corpo e alma à operosidade da festa, fazendo guloseimas, angariando joias e donativos, isto é, trabalhando dia e noite sem descanso. Esse fervor e essa dedicação transmitiram-se, mais tarde, para a Maria Alice, minha irmã, e, posteriormente, para a Isaurinha, sua filha.

 

                        O Festejo de nosso Padroeiro era esperado por toda a população urbana e rural, e os sertanejos de fora aproveitavam-no para levarem seus produtos, ansiosamente esperados, destacando-se frutas raras na cidade, como abacate, jaca e tangerina. Havia também as delícias vindas dos engenhos: garapa, rapadura, batida, tijolo, alfenim.

 

                        Os botequins, todos de palha, armados em frente à Igreja Matriz, exibiam, além das frutas da época, miudezas em geral, como cintos, linhas de pesca, sapatos, chapéus, utensílios domésticos, lanternas, bijuterias, espelhos e bugigangas diversas.

 

                        Em adição aos itens já citados, os botequineiros vendiam comidas e bebidas, destacando-se a gengibirra – produto regional –, conhaque e cachaça, muita cachaça. Cerveja, só nos raros botequins que possuíam geladeira a querosene. Não fazia diferença se a bebida fosse quente ou fria. No Festejo, Balsas transformava-se no maior exportador brasileiro de garrafas vazias.

 

                        Havia, também, vários tipos de jogo, como o do bicho, na roleta, e o do caipira, este bancado pelo Cadete, simpático e popular cidadão conterrâneo, que apregoava:

 

                        – Olha o jogo do caipira, quem mais bota, menos tira!

 

                        Na barba-de-são-severino, certo tipo de pescaria, com um molho de linhas, cada qual amarrada a objetos de pequeno valor, mas, no meio deles, um grande prêmio. O jogador pagava e escolhia a ponta da linha para puxar. Ganhava aquilo que tivesse a sina de arrastar. O marreteiro anunciava:

 

                        – Aqui é a barba-de-são-severino, jogam homens, mulheres e meninos e o povo aviciado. O homem que apanha da mulher, não vai dar parte ao delegado!

 

                        Ladeando a Matriz de Santo Antônio, as duas barracas da Paróquia, de madeira e tecido, nas quais eram oferecidas comidas típicas, saladas de fruta, café, chocolate, bolos da região, cerveja, refrigerante e refresco, que nós chamávamos de “gelado”. A renda maior, toda revertida para a Matriz, provinha dos leilões e da venda de votos para a Rainha da Festa. Luiz da Iaiá era o mais competente leiloeiro, apregoando as joias na força do gogó.

 

                        Nas madrugadas do primeiro e do último dia do Festejo, eram realizadas, no patamar da Matriz, as alvoradas festivas, com muito foguete, tendo a música a cargo do Martinho Mendes e Seu Conjunto. No mesmo molde, diariamente, ao meio-dia, depois do Terço, realizava-se a retreta.

 

                        A Missa era celebrada apenas no dia 1º, aos domingos e no dia 13 de junho, Dia do Padroeiro, e final do Festejo, quando a população se esmerava no trajar – “quebrar a tigela”, se vestindo roupa nova –, para louvar em grande estilo o Santo de sua devoção. Ao cair da noite do dia 13, saía a Procissão pelas ruas da cidade, com o andor do Padroeiro seguindo à frente, ladeado por duas colunas: à direita, os homens; à esquerda, as mulheres. A seguir, rezava-se a última trezena, depois da qual se dava a última quermesse, com a coroação da Rainha do Festejo.

 

                        Em 1999, decorridos 50 anos, voltei a assistir ao Festejo de Santo Antônio. Quanta coisa mudara!

 

                        A barraca era uma só. Acabara-se a disputa para ver qual a mais rendosa e também qual elegeria a Rainha. Os botecos, à frente da Matriz, agora num espaço denominado Iraque, esmeravam-se apenas na venda de cerveja e refrigerantes. As tendas dos camelôs substituíram os botequins com produtos sertanejos. O leilão e toda a animação da quermesse estavam sob a batuta do criativo Likuta, com seu serviço de som, preferido por sua habilidade no trato, versatilidade e simpatia. Eram os sinais evidentes do progresso, marcado pelas novidades advindas com o passar do tempo.

 

                        Algo não mudou. A religiosidade do povo balsense permanece forte, decidida, incondicional. E isso pode ser confirmado na Procissão do dia 13. Na última vez em que dela participei, calculei uma multidão de devotos que ultrapassava a casa dos dez mil!

 

                        E outro aspecto permanece igualmente imutável: a retreta ao meio-dia, na hora do Terço. A cargo do Mestre Riba e sua turma, essa retreta me leva como num passe de mágica a minha infância distante, o que me faz dela participar todos os dias, quando por lá me encontro. Em que pese a insensibilidade dos tempos modernos, é uma tradição que não pode se acabar.

 

                        Tenho praticado minha devoção a Santo Antônio com pequenos gestos, no intuito de cada vez mais divulgar seu santo nome sempre que me surge a oportunidade. Em frente à Igreja Matriz, lancei os quatro mais conhecidos de meus livros: Do Jumento ao Parlamento, na noite de 12 de junho de 2003, e De Balsas para o MundoMemorial Balsense e Caindo na Gandaia, na noite de 12 de junho de 2010.

 

                        A gravação do Hino de Santo Antônio, composição de Eleutério Rezende, a duas vozes, acompanhadas por instrumentos de sopro e bateria, num andamento vibrante, como deve ser todo hino de louvor, era um sonho que acalentei por muitos anos e só em 2013 consegui realizar. Eis a letra e a partitura, esta elaborada pela Professora Silvana Teixeira, residente em Brasília:

 

 

                        Aqui, a letra em sua íntegra:

 

 

                        A gravação ficou a cargo dos cantores brasilienses Mércia Cairis e Felipe Rodrigues, do Estúdio Verbo Vivo:

 

Mércia Cairis e Felipe Rodrigues

 

                        E, fechando com chave de ouro esse preito a Santo Antônio, produzi também, com o apoio técnico do amigo Jorge Rocha, meu Assessor Performático, um vídeo, ao qual vocês poderão assistir, clicando neste link:

 

https://www.youtube.com/watch?v=tWR6GFrVnNc

 

Ou dando um enter neste vídeo:

 

 

 


Memorial Balsense quinta, 06 de janeiro de 2022

DIA DE REIS: 6 DE JANEIRO
HOJE É DIA DE SANTO REIS

Raimundo Floriano

 

 

Reis Magos no Presépio

 

                        Em minha infância sertaneja sul-maranhense, no dia 6 de janeiro, Dia de Reis, a meninada balsense saía, de porta em porta, declamando, na esperança de ganhar alguma prenda, o que faço agora para vocês também:

 

Eu plantei um pé de rosa

Pra nascer no dia seis

Ele nasce, e eu lhes peço

Ano-bom, Festas e Reis

 

                        A recompensa era certa, geralmente algo comestível: bolo, doce, fruta. Dinheiro era raridade.

 

                        O dia 6 de janeiro marcava também o encerramento da peregrinação dos Reis que, desde o dia 25 de dezembro, saíam pelos terreiros de cada residência da cidade.

 

                        Lembro-me de dois: o Reis do Mestre Andrelino, rabequeiro, que contava apenas com quatro tiradoras das cantorias, com ele na rabeca, e o do Antônio Velho, o Antõe Velho, e Heliodora, ele também conhecido como Antõe Perninha, pelo fato de lhe faltar uma perna. Esse era composto de pastoras, caretas, boi e burrinha. As cantigas já se perderam no tempo, mas vou aqui relembrar algumas que me vêm à memória:

 

Senhora dona da casa

Já que mandou nos chamar

Chegamos na sua porta

Vamos Santo Reis cantar

 

Quando eu vim de lá de casa

Eu vinha com noite escura

Santo Reis já me dizia

Que a jornada era segura

 

Cá estamos nesta porta

Cantando com devoção

Não precisa que dê nada

Mas o dar é grande ação

 

Esta casa é bem-feita

Por dentro, por fora não

Por dentro, cravos e rosas

Por fora, manjericão

 

Somos pobres peregrinos

Que de muito longe vêm

Caminhando sem descanso

Até chegar em Belém

 

Nós seguimos uma estrela

Que no céu apareceu

Seu clarão nos levará

Aonde Jesus nasceu

 

Os Três Magos do Oriente

Seguindo a Estrela-guia

Louvaram o Deus Menino

Na Sagrada Epifania

 

Pastores em serenata

Idolatraram com fé

A santíssima Família

Jesus, Maria e José

 

Eles viram o Deus-Menino

Na manjedoura deitado

Em seu rosto se espelhava

O seu cabelo dourado

 

 

Belchior veio da Pérsia

Da Etiópia, Baltazar

E Gaspar veio da Índia

Todos a Jesus saudar

 

Belchior portando ouro

Com mirra veio Gaspar

Baltazar trouxe o incenso

Pra Jesus presentear

 

O cantar do Santo Reis

É um cantar excelente

Acorda quem está dormindo

Consola quem está doente

 

Senhora dona da casa

Em sua porta tivemos

Pagando uma promessa

Que pra Santo Reis fizemos

 

O dono desta promessa

Tava de vela na mão

Se não fosse Santo Reis

Tava debaixo do chão

 

Senhora dona da casa

Imagem da alegria

É a cara mais bonita

Que pisou na freguesia

 

Senhora dona da casa

É uma fulô de roseira

Quando venta, se embalança

Quando se embalança, cheira

 

As mocinhas desta casa

Têm perfume incensador

Cheiram a cravo e loção

Brilhantina Flor de Amor

 

Senhora dona da casa

Por Santo Reis protetor

Que seu lar seja coberto

De benção e de amor

 

E pra terminar a festa

Cheia de paz e harmonia

Nesta salva prateada

Lançai-nos qualquer quantia

 

Senhora dona da casa

No terreiro nós cantamos

Santo Reis lhe agradece

As prendas que nós ganhamos

 

É hora da despedida

Pro pessoal que aqui mora

Senhora dona da casa

Santo Reis já vai embora

 

Vamos seguindo o caminho

Da Estrela de Belém

Para o ano a gente volta

Nas Graças de Deus, amém

 

                        Tanto o Reis do Mestre Andrelino quanto o do Antõe Velho e Heliodora eram compostos por pessoas de baixa renda que, além de prestar sua homenagem aos Reis Magos de sua devoção, contavam com a arrecadação para reforçar seus parcos ganhos que lhes proviam a subsistência.

 

Reis típico do sertão sul-maranhense

 

                        Em minha rua, fazíamos, depois do Dia de Reis, o Reis dos Meninos, imitação do Reis do Antõe Velho e Heliodora, com boi, burrinha, caretas e tendo como pastoras as empregadas domésticas da vizinhança. A Folia durava até o dia 11 de janeiro, quando começava o Festejo de São Sebastião, e o dinheiro arrecadado era todo gasto num piquenique, à sombra de mangueiras, comuns em qualquer quintal daquele tempo.

 

                        A Memória Balsense dá-nos conta de um Reis diferente dos demais, que durou por todos os Anos 1940. Organizado por Antônia Albuquerque Aguiar, minha Tia Antônia, modista e Professora de Costura – casada com Raimundo Nunes de Aguiar, o Raimundo Lopes, dentista e ourives –, e minha irmã Maria Isaura de Albuquerque e Silva, Professora Primária e bandolinista. Era o famoso Reis da Dona Antônia!

 

Tia Antônia e Raimundo Lopes

Maria Isaura

 

                        A diferença consistia no fato de que, enquanto nos Reis do Velho Andrelino e do Antõe Velho os brincantes provinham de faixas mais desapercebidas e carentes da periferia, o Reis da Dona Antônia compunha-se de moças e meninas da fina flor da elite balsense.

 

                        Esvaíram-se no decorrer do tempo as canções desse Reis. Seu formato era uma combinação de Auto de Natal, pois contava até com soldados romanos, e Pastoril, tendo, inclusive, uma Velha em seu elenco.

 

                        A foto a seguir é de 1940 e transmite-nos uma ideia de sua formação. Para identificar as pastorinhas dela constantes – algumas faltaram à tomada do flagrante, como minha prima Iracy , vali-me de duas memórias invejáveis, cabeças privilegiadas, não obstante já serem ambas octogenárias: minhas primas Violeta, filha do Tio Cazuza, e Zélia, filha de Tia Antônia, que participaram desse Reis:

 

Reis de Dona Antônia 

Na fileira ao alto: Maria Augusta Borges, Dona Silva e Zilda Fonseca, soldados romanos; Dendém Evelim, Marica Botelho e Nadir Botelho, marinheiros;

Na fileira do meio: Magnólia, Chafia Bucar e Juracy Fonseca, vivandeiras; Yolanda Borges e Lourdinha Fernandes, sempre-vivas; Totó Pereira e Mariinha Martins, crisântemos; Nair Botelho, a Velha; Ari Bucar e Maria Alice Silva, ciganas.

Na frente, ajoelhadas: Crizeida Pires e Zélia Albuquerque, saudades; Eunice Câmara, violeta; Violeta Silva, rosa; Maria da Graça Santos e Terezinha Evelim, lírios; e Conceição Borges e Lourdinha Evelim, açucenas.

 

 ******

                        Para vocês, as Cantigas de Reis mais conhecidas:

 

                        Reisado de São José, de Raimundo Monte Sant, na voz da forrozeira Clemilda:

 

                      Canto de Saudação ao Presépio, de Téo Azevedo e Toni Agreste, com Téo Azevedo e o Terno de Folia de Reis de Alto Belo, Minas Gerais:

                        A Festa de Santo Reis, de Márcio Leonardo, na interpretação de Tim Maia:

                        Folia de Reis, de Raul Torres e Rubens Ferreira, na voz de Pavão do Norte, Damião e Basílio:

 

                        Folia de Reis, adaptação folclórica, com o Trio Parada Dura (Creonte, Barreirito e Mangabinha):

 

 


Memorial Balsense terça, 19 de setembro de 2017

DIA DE REIS

HOJE É DIA DE SANTO REIS

Raimundo Floriano

 

Reis Magos no Presépio

 

                        Em minha infância sertaneja sul-maranhense, no dia 6 de janeiro, Dia de Reis, a meninada balsense saía, de porta em porta, declamando, na esperança de ganhar alguma prenda, o que faço agora para vocês também:

 

Eu plantei um pé de rosa

Pra nascer no dia seis

Ele nasce, e eu lhes peço

Ano-bom, Festas e Reis

 

                        A recompensa era certa, geralmente algo comestível: bolo, doce, fruta. Dinheiro era raridade.

 

                        O dia 6 de janeiro marcava também o encerramento da peregrinação dos Reis que, desde o dia 25 de dezembro, saíam pelos terreiros de cada residência da cidade.

 

                        Lembro-me de dois: o Reis do Mestre Andrelino, rabequeiro, que contava apenas com quatro tiradoras das cantorias, com ele na rabeca, e o do Antônio Velho, o Antõe Velho, e Heliodora, ele também conhecido como Antõe Perninha, pelo fato de lhe faltar uma perna. Esse era composto de pastoras, caretas, boi e burrinha. As cantigas já se perderam no tempo, mas vou aqui relembrar algumas que me vêm à memória:

 

Senhora dona da casa

Já que mandou nos chamar

Chegamos na sua porta

Vamos Santo Reis cantar

 

Quando eu vim de lá de casa

Eu vinha com noite escura

Santo Reis já me dizia

Que a jornada era segura

 

Cá estamos nesta porta

Cantando com devoção

Não precisa que dê nada

Mas o dar é grande ação

 

Esta casa é bem-feita

Por dentro, por fora não

Por dentro, cravos e rosas

Por fora, manjericão

 

Somos pobres peregrinos

Que de muito longe vêm

Caminhando sem descanso

Até chegar em Belém

 

Nós seguimos uma estrela

Que no céu apareceu

Seu clarão nos levará

Aonde Jesus nasceu

 

Os Três Magos do Oriente

Seguindo a Estrela-guia

Louvaram o Deus Menino

Na Sagrada Epifania

 

Pastores em serenata

Idolatraram com fé

A santíssima Família

Jesus, Maria e José

 

Eles viram o Deus-Menino

Na manjedoura deitado

Em seu rosto se espelhava

O seu cabelo dourado

 

 

Belchior veio da Pérsia

Da Etiópia, Baltazar

E Gaspar veio da Índia

Todos a Jesus saudar

 

Belchior portando ouro

Com mirra veio Gaspar

Baltazar trouxe o incenso

Pra Jesus presentear

 

O cantar do Santo Reis

É um cantar excelente

Acorda quem está dormindo

Consola quem está doente

 

Senhora dona da casa

Em sua porta tivemos

Pagando uma promessa

Que pra Santo Reis fizemos

 

O dono desta promessa

Tava de vela na mão

Se não fosse Santo Reis

Tava debaixo do chão

 

Senhora dona da casa

Imagem da alegria

É a cara mais bonita

Que pisou na freguesia

 

Senhora dona da casa

É uma fulô de roseira

Quando venta, se embalança

Quando se embalança, cheira

 

As mocinhas desta casa

Têm perfume incensador

Cheiram a cravo e loção

Brilhantina Flor de Amor

 

Senhora dona da casa

Por Santo Reis protetor

Que seu lar seja coberto

De benção e de amor

 

E pra terminar a festa

Cheia de paz e harmonia

Nesta salva prateada

Lançai-nos qualquer quantia

 

Senhora dona da casa

No terreiro nós cantamos

Santo Reis lhe agradece

As prendas que nós ganhamos

 

É hora da despedida

Pro pessoal que aqui mora

Senhora dona da casa

Santo Reis já vai embora

 

Vamos seguindo o caminho

Da Estrela de Belém

Para o ano a gente volta

Nas Graças de Deus, amém

 

                        Tanto o Reis do Mestre Andrelino quanto o do Antõe Velho e Heliodora eram compostos por pessoas de baixa renda que, além de prestar sua homenagem aos Reis Magos de sua devoção, contavam com a arrecadação para reforçar seus parcos ganhos que lhes proviam a subsistência.

 

Reis típico do sertão sul-maranhense

 

                        Em minha rua, fazíamos, depois do Dia de Reis, o Reis dos Meninos, imitação do Reis do Antõe Velho e Heliodora, com boi, burrinha, caretas e tendo como pastoras as empregadas domésticas da vizinhança. A Folia durava até o dia 11 de janeiro, quando começava o Festejo de São Sebastião, e o dinheiro arrecadado era todo gasto num piquenique, à sombra de mangueiras, comuns em qualquer quintal daquele tempo.

 

                        A Memória Balsense dá-nos conta de um Reis diferente dos demais, que durou por todos os Anos 1940. Organizado por Antônia Albuquerque Aguiar, minha Tia Antônia, modista e Professora de Costura – casada com Raimundo Nunes de Aguiar, o Raimundo Lopes, dentista e ourives –, e minha irmã Maria Isaura de Albuquerque e Silva, Professora Primária e bandolinista. Era o famoso Reis da Dona Antônia!

 

Tia Antônia e Raimundo Lopes

Maria Isaura

 

                        A diferença consistia no fato de que, enquanto nos Reis do Velho Andrelino e do Antõe Velho os brincantes provinham de faixas mais desapercebidas e carentes da periferia, o Reis da Dona Antônia compunha-se de moças e meninas da fina flor da elite balsense.

 

                        Esvaíram-se no decorrer do tempo as canções desse Reis. Seu formato era uma combinação de Auto de Natal, pois contava até com soldados romanos, e Pastoril, tendo, inclusive, uma Velha em seu elenco.

 

                        A foto a seguir é de 1940 e transmite-nos uma ideia de sua formação. Para identificar as pastorinhas dela constantes – algumas faltaram à tomada do flagrante, como minha prima Iracy , vali-me de duas memórias invejáveis, cabeças privilegiadas, não obstante já serem ambas octogenárias: minhas primas Violeta, filha do Tio Cazuza, e Zélia, filha de Tia Antônia, que participaram desse Reis:

 

Reis de Dona Antônia 

Na fileira ao alto: Maria Augusta Borges, Dona Silva e Zilda Fonseca, soldados romanos; Dendém Evelim, Marica Botelho e Nadir Botelho, marinheiros;

Na fileira do meio: Magnólia, Chafia Bucar e Juracy Fonseca, vivandeiras; Yolanda Borges e Lourdinha Fernandes, sempre-vivas; Totó Pereira e Mariinha Martins, crisântemos; Nair Botelho, a Velha; Ari Bucar e Maria Alice Silva, ciganas.

Na frente, ajoelhadas: Crizeida Pires e Zélia Albuquerque, saudades; Eunice Câmara, violeta; Violeta Silva, rosa; Maria da Graça Santos e Terezinha Evelim, lírios; e Conceição Borges e Lourdinha Evelim, açucenas.

 ******

                        Para vocês, as Cantigas de Reis mais conhecidas:

 

                        Reisado de São José, de Raimundo Monte Sant, na voz da forrozeira Clemilda:

 

                      Canto de Saudação ao Presépio, de Téo Azevedo e Toni Agreste, com Téo Azevedo e o Terno de Folia de Reis de Alto Belo, Minas Gerais:

                        A Festa de Santo Reis, de Márcio Leonardo, na interpretação de Tim Maia:

                        Folia de Reis, de Raul Torres e Rubens Ferreira, na voz de Pavão do Norte, Damião e Basílio:

 

                        Folia de Reis, adaptação folclórica, com o Trio Parada Dura (Creonte, Barreirito e Mangabinha):

 

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Memorial Balsense sexta, 09 de junho de 2017

AGRADECIMENTOS - MEMORIAL BALSENSE

AGRADECIMENTOS - MEMORIAL BALSENSE

Raimundo Floriano

 

 

                        Na conclusão deste meu sexto trabalho literário, sou agradecido a Deus pelo tempo de vida que me está concedendo, com saúde, capacidade intelectual e disposição para não deixar que passe em branco, não desperdiçar tão maravilhosa dádiva.

 

                        Composto em sua totalidade por fatos históricos e flagrantes da vida real, característica dos textos que produzo, deixo aqui expresso meu profundo reconhecimento às pessoas e entidades que me auxiliaram na obtenção de fatos, dados e imagens, ajuda sem a qual seria impossível chegarmos ao resultado perseguido, adiante relacionadas em ordem alfabética:

 

                        Airton Coelho e Silva – Meu primo, médico, florianense radicado em Teresina, pela pesquisa no Cartório do Registro Civil daquela cidade.

 

                        Alberto Ribeiro da Silva (in memoriam) – Meu primo, contador, balsense, pelo riquíssimo depoimento escrito que deixou, com preciosas informações sobre sua vida sertaneja e, especialmente, dados e fatos históricos sobre seu pai, o Tio João Ribeiro.

 

                        Alessandra Sousa de Moraes Rêgo – Professora, filha do Professor Luiz Rêgo, residente em São Luís, pelas informações sobre a família e pelas fotos de seu pai.

 

                        Aline Berto – A Papisa Aline da Igreja Sertaneja, mulher do Papa Luiz Berto I, minha amiga, encarregada da parte técnica na editoração do Jornal da Besta Fubana, pelo carinho dispensado à Coluna de Raimundo Floriano, adaptando meus textos e imagens à formatação do blog.

 

                        Ana Lúcia Leite de Castro – Devota de Bom Jesus da Lapa, pelo resgate da letra e da melodia de seu Hino.

 

                        Barão de Itapary – Como é conhecido o advogado, escritor, professor e acadêmico Joaquim Itapary, neto do primeiro Barão de Itapary, pelos dados biográficos do Professor Luiz Rêgo.

 

                        Batalhão da Guarda Presidencial – Laboratório Fotográfico – Pelas fotos do Coronel Elias e da palmeira que plantei naquele quartel.

 

                        Cartório do 2º Ofício de Balsas – Pela gentileza de franquear-me a pesquisa de registros e documentos.

 

                        Cesário Barbosa Bonfim, o Barbosinha – Meu amigo, jurista, funcionário público e escritor, cearense radicado em Balsas desde a infância, depois em Itacajá e em Goiânia, pelas informações sobre seu tempo de estudante no Educandário Coelho Neto.

 

                        Delzenir Cavalcante – Filha de Dona Inês, personagem deste livro, por enviar-me fotos inéditas de sua mãe.

 

                        Edilza Virgínia Pereira – Minha amiga, professora e escritora, agitadora cultural balsense, personagem deste livro, pela foto de página do Jornal de Balsas e pela rememoração de várias estrofes das Cantigas de Reis.

 

                        Edwaldo Reis da Silva (in memoriam) – Saudoso amigo e conterrâneo, pelas informações sobre o tempo de sua infância em Balsas.

 

                        Elba Souza de Albuquerque e Silva Chiappetta – Minha primogênita, Bacharel em Direito e Letras-Tradução, analista judiciária, personagem deste livro, pela revisão e pelo incentivo diário no desenrolar deste trabalho.

 

                        Estúdio Verbo Vivo – Sediado em Brasília, pela realização, com seus cantores, da gravação dos Hinos de Santo Antônio, São Sebastião e Bom Jesus da Lapa.

 

                        Felipe Rodrigues – Cantor brasiliense, personagem deste livro, por participar da gravação dos Hinos de Santo Antônio e São Sebastião.

 

                        Foto Sakura – Laboratório Fotográfico balsense, pelas reportagens fotográficas, especialmente no Educandário Coelho Neto.

 

                        Google – Fonte virtual de informação, por ser indispensável ferramenta na busca de dados e imagens.

 

                        Izaura Maria de Sousa e Silva – Minha prima e cunhada, casada com meu irmão Bergonsil de Albuquerque e Silva, residente em Niterói, pela revisão ortográfica e gramatical e também por municiar-me com dados essenciais relativos a nosso sertão.

 

                        Janclerques Marinho Melo – Meu amigo, escritor florianense radicado em Teresina, editor do Portal de Floriano, pelas pesquisas em órgãos diversos do Piauí.

 

                        João Pecegueiro – Meu primo por afinidade, como é conhecido João Dias Rezende Filho, Padre da Igreja Católica Apostólica Romana e da Igreja Sertaneja, subordinado a este Cardinalato, pelas inúmeras pesquisas realizadas na Capital Timbira.

 

                        João Ribeiro da Silva Neto – Filho de meu primo Alberto Ribeiro, músico, pelo fornecimento de cópia da única foto existente sobre João Ribeiro da Silva, seu avô e meu tio, prestando-me, ainda, muitas outras informações relativas a nossa família.

 

                        João Ribeiro da Silva Sobrinho – Meu primo, por relembrar fatos desconhecidos pela maioria dos balsenses sobre o trabalho do Professor Joca Rêgo, como a jornada ao Riachão, e a peregrinação feita com Dons Inês ao Santuário de Bom Jesus da Lapa, na Bahia.

 

                        Jorge Rocha – Meu amigo, músico, baiano radicado em Brasília, pelo assessoramento em assuntos diversos, na computação gráfica, e gestões no sentido de que fossem gravados os diversos hinos constantes deste livro.

 

                        José Albuquerque e Silva – O Carioquinha, meu irmão, personagem deste livro, pela revisão e também pelo abastecimento de muitos fatos atinentes a nossa infância balsense.

 

                        José Aluizio da Silva Soares – Meu amigo, médico balsense radicado em Fortaleza, pelas valiosas informações relativas a seu tempo de estudante no Educandário Coelho Neto.

 

                        José Armando Costa – Meu amigo, e vizinho na SQS 215, caxiense, bancário, personagem deste livro, por presentear-me com os dois volumes do Álbum do Maranhão, alentada coletânea sobre todos os Municípios maranhenses, fartamente ilustrada, fonte de constantes pesquisas.

 

                        Juarez Leite – Meu amigo, artista plástico, pelos desenhos e capacidade criativa que muito valorizaram o aspecto visual de meus escritos.

 

                        Julimar Queiroz de Araújo – Meu amigo, fotógrafo balsense, filho do também meu amigo Assis, pela produção de algumas das fotos ilustrativas deste livro.

 

                        Lucélia Ribeiro Coelho – Professora e escritora sul-matogrossense radicada em Balsas, autora do livro Joca Rêgo, o Mestre Idealizador, pelas ricas informações nele contidas.

 

                        Luiz Berto Filho – O Papa Berto I da Igreja Sertaneja, escritor consagrado, meu amigo desde os tempos da caserna, por hospedar no Jornal da Besta Fubana, do qual é proprietário e editor, a Coluna de Raimundo Floriano, onde tenho a oportunidade de divulgar o nome de minha aldeia.

 

                        Mara Souza de Albuquerque e Silva – Minha caçula, Bióloga, personagem deste livro, pelo trabalho fotográfico, tanto no lançamento em Balsas quanto aqui em Brasília.

 

                        Márcia Regina Bernardo – Neta de Ascendino Pinto, personagem deste livro, pelo envio da foto de seu avô com a família, identificando todos os que dela participaram.

 

                        Maria da Consolação de Oliveira Andrade – Professora, Coordenadora da Comissão de Apoio à Capela do Cajueiro, personagem deste livro, pelo resgate do Hino de São Sebastião.

 

                        Maria de Jesus Pereira Reis – Devota de Bom Jesus da Lapa, personagem deste livro, pelo resgate da letra e da melodia de seu Hino.

 

                        Maria do Socorro Ferreira Vieira – Minha amiga, Assessora Cultural e para o que der e vier, por mostrar-se incansável na obtenção de imagens, informações, dados cartoriais e outros, sem os quais este trabalho não chegaria ao final desejado, principalmente no item veracidade.

 

                        Maria Flory da Silva Costa – Minha prima, professora, residente em Floriano, pela pesquisa no Cartório do Registro Civil daquela cidade.

 

                        Maria Violeta e Silva Kury - Minha prima, personagem deste livro, filha do Tio Cazuza, moradora em Balsas, memória espetacular, pelos dados históricos de nossa cidade e pela identificação, juntamente com a Zélia, das componentes do Reis da Dona Antônia.

 

                        Maria Zélia Albuquerque Aguiar – Minha prima, odontológa e ourives, personagem deste livro, filha da Tia Antônia, balsense radicada em Goiânia, memória fabulosa, pelos dados referentes ao passado da família e pela identificação, juntamente com a Violeta, das componentes do Reis da Dona Antônia.

 

                        Mário Cardoso – Cantor, pela autorização para o uso de sua gravação do Hino de Nossa Senhora do Coco da Aparecida, de autoria do Padre Ugo Montagner.

 

                        Mércia Cairis – Cantora, mulher do amigo Jorge Rocha, personagem deste livro, pelo assessoramento em todos os campos da Informática, além da gravação dos Hinos de Santo Antônio, São Sebastião e Bom Jesus da Lapa.

 

                        Paulo Augusto Soares Bandeira – Meu amigo, maranhense, pioneiro de Brasília, veterano do BPEB, pelas gestões no sentido de colocar-me em contato com a família do Professor Luiz Rêgo.

 

                        Raimundo de Sousa e Silva Filho, o Doutor Raimundinho – Meu sobrinho, odontólogo, por ter-me presenteado com CD contendo o Hino de Nossa Senhora do Coco da Aparecida e por uma foto do Rio Balsas, postada no Facebook.

 

                        Renata Vasconcelos – Cantora, personagem deste livro, por ter participado da gravação do Hino de Bom Jesus da Lapa.

 

                        Sileimann Kalil Botelho (in memoriam) – Saudoso amigo, poeta e escritor conterrâneo, personagem deste livro, pela crônica sobre o Festejo de Santo Antônio e pela rememoração de muitos fatos balsenses.

 

                        Silvana Maria Sócrates Teixeira – Minha amiga, Professora da Escola de Música de Brasília, aqui residente, personagem deste livro, pela elaboração das partituras dos Hinos nele constantes.

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Memorial Balsense quarta, 07 de junho de 2017

HOMENAGEM AO LEITOR - LANÇAMENTO EM BRASÍLIA

HOMENAGEM AO LEITOR

LANÇAMENTO EM BRASÍLIA

Raimundo Floriano 

 

                        Deus me ajudou!

 

                        Tive sorte no lançamento em Brasília!

 

                        Veio gente de Goiânia, de Belo Horizonte e do Rio de Janeiro. Foi uma festa de meus familiares, amigos, conterrâneos, piauienses, colegas da caserna, da Câmara dos Deputados, da Malhação e da Hidroterapia, enfim, muito do que amealhei de bom no relacionamento com meus semelhantes nestes agora 78 anos de vida e 54 de Brasília.

 

                        O Comandante Puçá, 88 anos – ora com 92 –, único sobrevivente dos navegantes citados no livro, esteve presente com sua esposa, filhos e netos, tornando-se grande atração, pois todos queriam ouvi-lo e manifestar seu apreço em conhecê-lo.

 

                        Responsável pelo sucesso absoluto da noite foi a empresa A&C Eventos, das sobrinhas Carolina Pires do Rio e Ana Alice da Costa e Silva, sendo que esta, minha comadre, no comando da operação, empenhou suas funcionárias Babi, Ediene e Alyne no contato telefônico direto com os convidados, às vésperas da festa, refrescando-lhes a memória, e, depois, no evento, encarregando-se da recepção, vendas e controle.

 

                        Cerca de 100 convidados aqui residentes deixaram de comparecer por motivos diversos, principalmente trabalho, mas adquiriram seus exemplares posteriormente.

 

                        Cheguei meia hora antes, quando o espaço ainda não fora desocupado. E, ali mesmo na entrada, amigos já estavam com seus exemplares para serem autografados, tais como o jornalista Márcio Cotrim, o escritor e poeta Anderson Braga Horta, Prêmio Jabuti e escriba do Jornal da Besta Fubana, e o advogado e escritor Juvenal Antunes Pereira, meu amigo desde os tempos da farda, dentre outros. Portanto, houve dois ambientes na festa. Um, improvisado, e o outro, obedecendo aos conformes, como vocês verão nas fotos abaixo, na ordem cronológica do acontecimento.

 

                        Senti-me, com esse grande apoio, compelido a, dentro dos anos vindouros, apresentar novos trabalhos, como este. Que Deus isso me conceda!

 

                        Para os que já viveram situações parecidas, como o Papa Berto I e os Cardeais Zelito Nunes e Jessier Quirino, e outros acima citados, aí vão os números:

 

                        Mais de 300 convidados presentes; 160 exemplares autografados do livro De Balsas para o Mundo; e cinco de Do Jumento ao Parlamento, do qual nada mais resta.

 

                        O pessoal do restaurante Carpe Diem afirma que foi, em termos de público e vendas, o maior lançamento já visto em todos os tempos na Capital Federal. E eu acrescento que esse recorde só foi quebrado por mim mesmo, em 2003, no Salão Nobre da Câmara dos Deputados – evento coincidentemente também desencadeado pela A&C Eventos, sob a batuta de minha comadre e sobrinha Ana Alice –, com Do Jumento ao Parlamento, quando autografei 180 exemplares.

 

                        O decréscimo atual tem sua explicação no fato de que, no decurso desses sete anos, muitos familiares e amigos passaram para o Plano Superior, além das mais de 50 ausências justificadas até agora.

 

                        A seguir, algumas imagens dentre as 550 que arquivei:

Restaurante Carpe Dien - A&C Eventos: Ana Alice, Alyne, Babi e Ediene

 Veroni, minha mulher, Carol e Graça - Juvenal Antunes Pereira

 

 

Sílvia Gualberto e Cláudia Cardoso - Cadmo de Leão Lima

Danielle Probst - Marilu

Cristina Calegaro - Alteredo de Jesus Barros

Cosme Noleto - Bernardno, Oswaldo e Antônio Carlos

Francisco Castro - Ana Maria e Lorena

Paulo Basílio - Hélio Chagas

Rhaís e Lilian - Gracy e Manoel

Antônio Gomes e João Gonçalves - Licia Mota

Comandante Puçã e Família - José Armando

Marcela Mihessen - Luiz Pereira Lima

Eneida Botelho - Rogério Rosso

Hoa Lim, Bárbara, Ayda. Samira e Eliane - Carmen Abreu e Suzana Maria

José Graça Couto e Adriana - Lara Maria

José Albuquerque, o Zezinho e Paula - Margarida e Manoel Octaviano

 Fábio e Elba - Lurdinha Arruda

Luciana e Flávio - Mastro Celso Martins e Jaqueline

 Cavel Raposos e José Albuquerque, o Carioquinha - Filó Pires e Eli Maria Vieira

Darcy Gasparetto - Pedro Maranhense Costa

Henrique Bandeira - André Rorigues e Ivanda

Aparecida Silva - Antônio de Pádua Lima

Veroni, Nice Galdino, Maria do Socorro e Milton Granado - Minha Família: Elba, Veroni e Mara

 

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Memorial Balsense terça, 06 de junho de 2017

MEMORIAL BALSENSE - HOMENAGEM AO LEITOR - LANÇAMENTO EM BALSAS

HOMENAGEM AO LEITOR

LANÇAMENTO EM BALSAS

Raimundo Floriano

 

 

                        Nesta sexta aventura literária, quero deixar registrado meu profundo agradecimento ao personagem mais importante na vida de quem abraça a difícil arte de escrever: o leitor!

 

                        Em meu caso particular, é ele que, ao longo dos anos, vem-me incentivando a persistência, apoiando-me financeiramente ao adquirir meus trabalhos, lendo-os, comentando-os e dando-me alento para continuar.

 

                        Assim aconteceu com o livro Pétalas do Rosa, de 2013, enviado diretamente à residência de cada amigo, que o acolheu de forma altamente positiva. E a maior recompensa para quem escreve é ser lido! Por isso, resta-me dizer: obrigado, amigo leitor!

 

                        Não sendo possível estampar aqui a imagem de todos, deixo postados os flagrantes obtidos no lançamento do livro De Balsas para o Mundo, como forma de agradecer a todos esses incentivadores da Cultura, verdadeiros Mecenas Literários em nosso país.

 

LANÇAMENTO EM BALSAS

 

                        A exemplo de meu livro anterior, Do Jumento ao Parlamento, de 2003 – edição esgotada –, De Balsas para o Mundo, rogando a proteção de Deus, teve seu lançamento umbilical em Balsas, minha terra natal, na noite de 12 de junho de 2010, no Arraial do Festejo, ao lado da Matriz de Santo Antônio, nosso Padroeiro. Até agora, naquela cidade, já saíram cerca de 250 exemplares. Ser lido em sua aldeia é sucesso, ou como isso se chama?

 

                        A seguir, a iconografia do evento balsense:

Lançamento ao lado da Matriz, à noite - Apresentação: Marlene Garcez, Diretora da Escola Normal

Saudação ao público presente - Mesa dos autógrafos

Entrevista ao apresentador Manoel Carvalho, da Rede TV - Iraildes Miranda, amiga de infância

Francisco Coelho, o Chico, Prefeito de Balsas - Isaura Pinto Ribeir, cnterrânea e amiga

Paulo Mateus, dono do Ponto Max - Márcio Honaiser, Reitor da UniBalsas, e Deise, sua esposa

Josélia Barros, conterrânea e amiga - France Farias, bancária, colaboradora e grande amiga

Entrevista para  a repórter Tallita, da Rede Globo - Moizemar e Carmélia, casal amigo de infância

 

Professora Célia Leite, intelectual balsense - Elísio Coelho, amigo comerciante, e seu filho Lucas

Edilza, Secretária da Cultura e o amigo Walber Dourado - Jovem casal de leitores

José Elias, Maria Luíza, a Lu, sobrinhos, Doquinha Barbosae Luíza Pires, amigas dos tempos dourados - Martinha Lopes, advogada, outra amiga dos tempos dourados

Antônio Silva, sua filha Zilda e netos - Eglantine Poletto, filha de Eloy Coelho Netto, o maior escritor balsense

Diacuí e Rubens Takemoto, casal de amigos filatelistas - Maria da Graça Fonseca Santos, tradicional amiga balsense

Dom Enemézio, Bispo Diocesano de Balsas - Antônio Adolfo Fonseca e Isaura, casal de sobrinhos, e Veroni, minha mulher

 

 

 


Memorial Balsense segunda, 05 de junho de 2017

LIB DOS POVOS: DESFAZENDO O MITO!

LIB DOS POVOS: DESFAZENDO O MITO!

Raimundo Floriano

 Revista Foco, nº 176

 

                        Meu amigo José Armando, maranhense de Caxias, bancário aposentado e meu vizinho aqui na Quadra 215 Sul, comentou comigo, a título de curiosidade, que lera, na sala de espera dum consultório médico, a coluna do jornalista Rangel Cavalcante, da Revista Foco, noticiando que, em minha querida Balsas, houve, antigamente, uma pessoa registrada como Lib dos Povos, em homenagem ao dia 13 de maio.

 

                        Imediatamente confirmei o fato. Falei-lhe que o Lib, filho de Seu Zé Ramos e Dona Joana, fora meu amigo de infância, embora dois anos mais velho do que eu, e que uma de suas irmãs, a Luzia, fora minha colega de classe no Grupo Escolar Professor Luiz Rego. Aí o José Armando me indagou:

 

                        – Marrapaz! Como foi que o tabelião aceitou registrar um nome tão esquisito?

 

                        Nesse momento, caí do cavalo. Calei-me, mudei de assunto e saí de fininho, porque o tabelião da época era Emigdio Rosa e Silva, Seu Rosa Ribeiro, meu saudoso pai!

 

                        Os nomes monossilábicos de pessoas com a terminação “ib” não são comuns, ao contrário, são raríssimos, mas existem. Em meus tempos de funcionário, conheci o Deputado Dib Cherem, de Santa Catarina, famoso pelas previsões acertadas do placar das votações importantes no Congresso Nacional. Mas há outros. Pesquisando na Internet, encontrei Cib em São Paulo. Dib na Paraíba; Lib em São Paulo e na Bahia; Mib em Pernambuco; Nib em São Paulo; Sib e Tib, ambos na Bahia. Mas esse Lib dos Povos ficou-me entalado na garganta.

 

                        Por isso, em silêncio, procurei fazer minha investigação.

 

                        A Foco é a melhor e mais importante revista da Capital Federal. Basta dizer que tem à frente, como Diretora-Presidente, a jornalista e socialite Consuêlo Badra, cujo nome dispensa apresentações. Assemelha-se um pouco à revista Caras, mas com uma diferença que a faz, a meu ver, superior: páginas numeradas e índice, facilitando, assim a consulta e a pesquisa.

 

                        Entrei em contato com o jornalista Rangel Cavalcante que, gentil e imediatamente, me enviou um exemplar da Edição nº 176, onde, à Página 185, consta o pitoresco episódio.

 

                        Para não incorrer em deslizes na transcrição, aqui vai a cópia da matéria:

  

                        Na busca do necessário esclarecimento, obtive um fac-símile do Termo nº 564 do Livro de Registro de Nascimentos de 1934, do Cartório do 2º Ofício de Balsas, manuscrito por meu saudoso pai, Seu Rosa, no qual consta tudo diferentemente do relatado pelo Dr. Sarney que, a título de fazer graça, mas sem compromisso com a verdade, deixou em maus lençóis e no perigoso terreno da galhofa a mãe do Lib, o tabelião, a cidade de Balsas e o próprio Lib.

 

                        Ei-lo: 

Registro de Nascimento de Lib de Sousa Ramos

 

                        No documento acima estampado, constam as discrepâncias que passo a enumerar, para o autêntico restabelecimento da  história balsense:

 

                        1 - Quem compareceu ao Cartório e registrou o menino foi José Ramos dos Santos, seu pai, e não Dona Joana, a mãe;

                        2 - A data do nascimento é 14 de julho de 1934, e não 13 de maio. Como naquele dia se comemora a Queda da Bastilha, devia estar escrito na folhinha “Lib. dos Povos”, mas com referência ao sentimento que se apossou de todos os povos do mundo depois daquele célebre evento; e 

                        3 - A criança foi registrada como Lib de Sousa Ramos, e não Lib dos Povos da Siqueira. Aqui vai uma charge com a “inspiração” de Seu Zé Ramos:

 Dona Joana, com o Libinho recém-nascido 

                        Isso posto, sinto-me amparado pelo manto da autenticidade ao declarar que, se houve besteira em tudo o que aqui se relatou, não foi ela cometida por seu Zé Ramos, nem por Dona Joana, e, muito menos, por meu saudoso pai. 

                        E mais, ir de barco de Balsas, sertão sul-maranhense, limítrofe com o Estado do Tocantins, a São Luís, no litoral, é o mesmo que ir de navio de Brasília a Anápolis: nem a pau, Juvenal! 

                        Amaciando um pouco a barra em favor do velho Desembargador Sarney, devo, a bem da verdade, reconhecer que, naquela época, o início do acesso de nossa cidade à Capital, distante 818 km – e não 600 km, como consta na Foco –, sem dispormos de estrada carroçável ou campo de aviação, somente era possível pela via fluvial, embarcando-se nas balsas, em canoas, nos batelões, nos vapores e nas lanchas, estes dois últimos com ou sem barcas a reboque. Era, apenas, como já disse, o início da viagem.

 

                        Navegava-se pelo Rio Balsas até Uruçuí, Piauí, acessando o Rio Parnaíba, e dali até Teresina, perfazendo um trajeto de 1.080 km de meandros aquáticos. Faltando ainda 458 km para o destino – total da aventura: 1.538 km –, o jeito era desembarcar e seguir por terra, cumprindo o célebre roteiro imortalizado por Luiz Gonzaga, o Rei do Baião:

 

                        “Peguei o trem, em Teresina/Pra São Luís do Maranhão/Atravessei o Parnaíba/Ai, ai, que dor no coração!”

 

                        E foi lá na Capital Piauiense, que, em 1962, meu saudoso amigo Lib deixou de existir!

 

Certidão de Nascimento do Lib


Memorial Balsense domingo, 04 de junho de 2017

CRÔNICA DE UMA SERESTA NATALINA BALSENSE

CRÔNICA DE UMA SERESTA NATALINA BALSENSE

Raimundo Floriano

 

 Noite enluarada no sertão brasileiro

 

                        Aconteceu há muito tempo, quando Balsas ainda não contava com luz elétrica permanente, na noite de 23 para 24 de dezembro de 1960, sexta-feira, antevéspera do Natal.

 

                        Numa cidade em que não havia televisão, e a iluminação pública apagava por volta das 22 horas, a opção noturna para o encontro da mocidade em férias se resumia nas festas dançantes que realizávamos no Clube Recreativo Balsense ou em alguma casa de família, com iluminação a petromax e música a cargo do conjunto de Martinho Mendes. A cota arrecadada entre os rapazes cobria todas as despesas.

 

                        Estávamos radiantes com a festa que realizaríamos no clube naquela noite, quando recebemos um balde de água fria: o bispo da Prelazia, Dom Diogo Parodi, proibira qualquer dança no período natalino, por ser uma época de recolhimento e orações, como afirmava. E não houve jeito de contornar o assunto. A presidência do clube caçou-nos a licença já concedida, o Martinho tirou o corpo fora, e nenhuma casa de família se atreveu a contrariar a ordem episcopal. Diante do impasse, resolvemos partir para uma serenata.

 

                        Marcamos o ponto de reunião no coreto – hoje inexistente – da Praça da Matriz e, enquanto aguardávamos a lua sair e a chegada dos seresteiros, demos início ao consumo de bebidas quentes – licor Perobina, cachaça Jararaca, conhaque São João de Barra, Martini, quinado Cinzano e rum Bacardi –, ao mesmo tempo em que entoávamos cantigas em altos decibéis, para acordar o pessoal da Casa Paroquial, verdadeira pirraça em desagravo.

 

                        Um dos seresteiros era o preto velho Fuçura, guarda municipal e vigia dos jardins da praça. Dávamo-lhe boas doses de pinga e mandávamos que ele gritasse bem alto DOM DIOGO!, porém ele, respeitoso por demais, repetia: PÃO DE OURO! Outro companheiro a chegar foi o Thucydides Miranda, filho da Jeruza, entrado na adolescência, mas todo metido a rapaz. Ele e o Fuçura ficaram responsáveis pelo transporte das garrafas sobressalentes – as cheias, evidentemente.

 

                        Pela meia-noite, a trupe estava completa: José Bernardino, Gonzaguinha, Antônio Pires, Cazuzinha, Aluizio Soares, Raimundo Chaves, Raimundo Solino, Arenaldo, Otaviano do Zé do Joca, Nonato do Souzinha, Mestre Rubens, Pedro Correia e João Batista, seu irmão, Luizão, Pedro Nilo, Fonsequinha, João Emigdio, Zé Farias, que chegara de Brasília em teco-teco fretado, além de mim no violão, meu irmão Afonso Celso na sanfona, Possidônio na flauta e Régis, novo morador balsense, no cavaquinho.

 

                        A casa escolhida para início da jornada foi a de Seu Araripe, na Rua Isaac Martins, por motivos óbvios: grande concentração de moças bonitas e dos sonhos de alguns. O próprio Araripe veio à porta, ofereceu-nos bebidas e, após nossos cânticos, ele e seu filho José, o Sampaio, incorporaram-se ao cortejo.

 

(É oportuno relembrar que a residência de Seu Araripe e Dona Tercília, sua mulher, era o ponto de reunião da juventude balsense em férias. Dançava-se à luz de candeeiros ou lamparinas, ao som dum rádio de pilha – foi ali que aprendi a dançar. Em noites de claridade lunar, dispunham-se, no terreiro em frente, num grande círculo, cadeiras arrecadadas na casa e na vizinhança, onde se realizavam diversas brincadeiras sertanejas, como a do anel, a da berlinda e a do amigo secreto, sempre sob a direção das filhas daquele querido e simpático casal cearense. Uma delas, por sinal, recém-nascida em 1960, participou, 18 anos mais tarde, do concurso Miss Brasil, representando o Estado do Ceará).

 

                        A seguir, cantamos na porta de Marica Rocha, Salomão Ahuad, Moisés Coelho, Chico Florentino, Doutor Gonzaga, Augusto Pires, Absalão da Maroca e, por solicitação de Seu Araripe, na de Dionel Souza, do Banco da Amazônia, grande cantor de modinhas, o qual também a nós se juntou. Seu ponto forte era a valsa Uma Grande Dor não se Esquece, de Ernani Campos e Antenógenes Silva, gravação de Carlos José e Gilberto Alves, que ele entoou uma porção de vezes durante o percurso, atendendo a pedidos:

 

Choro a lágrima fremente

O pranto cruciante

Que rola internamente

Choro a lágrima sentida

A lágrima dorida

Que verte o coração

Sinto o espinho da saudade

E sofro a realidade

Da grande ingratidão

E na imensidão da dor

Eu sofro só o meu amor

 

Menestrel apaixonado

Eu vivo desolado

Chorando a minha dor

Choro a lágrima dorida

A lágrima sentida

Que sai do coração

Sinto a dor que mora n'alma

A dor que não se acalma

A dor que eu não esqueço

Sofro, eu sofro e não mereço

A dura ingratidão

Que me devora o coração

 

                        Continuando a seresta, paramos na porta do Coronel Fonseca, Pedro Inácio, Odilon Botelho, Jocy Barbosa, Luiz Fonseca e Theodorico Fernandes, onde topamos com o Antônio José da Úrsula, munido de uma radiola a pilha, em seresta particular, com discos em que dominavam os nomes de Lindomar Castilhos, Agnaldo Timóteo e Waldick Soriano. Deixamo-lo no local, curtindo uma grande paixão, e seguimos até a próxima parada, a casa de Seu Silvério Sampaio.

 

                        Dali, seguimos para a casa de Dona Nemézia Pereira, que veio nos receber, abriu sua mercearia e nos abasteceu de bebidas quentes, cujo estoque estava quase a zero.

 

                        Nesse momento, baixou em Dionel a personalidade do Cabo Didi, ao qual passamos a obedecer, principalmente no que tangia ao consumo das quentes. Quando ele achava que era chegado o momento apropriado, cada um pegava sua garrafa e executava estas ordens sob seu comando:

 

                        – Atenção!

                        – Preparar! – Todos segurávamos a garrafa pelo gargalo.

                        – Apontar! – Encostávamos a boca da garrafa nos lábios.

                        – Fogo! – Nem preciso dizer.

 

                        Da porta de Dona Nemézia, fomos até a de Dona Belinha Coelho, que nos serviu tira-gostos de queijo e cujo marido, Tenente Pedro Segundo, também se juntou a nós. Mas antes, a pedido de Dona Belinha, cantamos a toada Luar do Sertão, melodia de João Pernambuco e letra do maranhense Catulo da Paixão Cearense, a música mais repetida naquela noite.

 

                        Apenas quem mora em locais onde não há iluminação elétrica pode avaliar a beleza duma noite enluarada. E foi nessa pureza sem poluição tecnológica que Catulo se inspirou para fazer sua mais bela poesia. Luar do Sertão é o Hino da Seresta Maranhense. Eis a parte mais conhecida:

 

Oh, que saudade do luar da minha terra

Lá na serra branquejando, folhas secas pelo chão

Este luar cá da cidade tão escuro

Não tem aquela saudade do luar lá do sertão

 

Não há, oh gente, oh não,

Luar como este do sertão!

Não há, oh gente, oh não,

Luar como este do sertão!

 

Se a lua nasce por detrás da verde mata

Mais parece um sol de prata prateando a solidão

A gente pega na viola que ponteia

E a canção é a lua cheia a nos nascer no coração

 

Não há, oh gente, oh não,

Luar como este do sertão!

Não há, oh gente, oh não,

Luar como este do sertão!

 

Coisa mais bela neste mundo não existe

Do que ouvir-se um galo triste, no sertão, se faz luar

Parece até que a alma da lua é que descanta

Escondida na garganta desse galo a soluçar

 

Não há, oh gente, oh não,

Luar como este do sertão!

Não há, oh gente, oh não,

Luar como este do sertão!

 

Ai, quem me dera que eu morresse lá na serra

Abraçado à minha terra e dormindo de uma vez

Ser enterrado numa grota pequenina

Onde à tarde a sururina chora a sua viuvez

 

                        Faziam parte de nosso repertório Noite Cheia de Estrelas, de Cândido das Neves, A Volta do Boêmio, de Adelino Moreira, Chão de Estrelas, de Orestes Barbosa e Sílvio Caldas, Noite Feliz, de Franz Gruber, versão brasileira de Mário Zan e Arlindo Pinto, Boas Festas, de Assis Valente, e outras canções no gênero consagradas.

 

                        Altas horas, próximo à porta de Justiniano Fonseca, onde íamos cantar, deparamos com o negro De Pau – assim era conhecido –, deitado numa calçada, dormindo de roncar e agarrado a seu violão, nessas alturas só com duas cordas. Era a terceira serenata daquela noite que, para o negão, se acabava ali.

 

                        Na mercearia de Zé Dué, reabastecemos o estoque de quentes.

 

                        Demais casas em cujas portas cantamos: Joaquim Coelho, Joca Rêgo, Tarcísio Moreira, Lourdes Pires, Constâncio Coelho, Omar Ribeiro, Salvador Coelho, Chico Valentim, Miriam Rocha, Rafael Sabonete, Antônio Sepúlveda, Luzia Félix, Emília Câmara, Santo Coelho, Edna Pires, Gesner Soares, Didácio Santos, Dolores Lima, Ritinha Pereira, Evísio Botelho, Iaiá Gomes, Naninha Cansanção, Mestre Carlos, Sinharinha Florentino, Maria Luísa Solino e Zé Marques.

 

                        Em cada parada, o por todos ansiado comando do Cabo Didi: Atenção! Preparar! Apontar! Fogo! A certa altura, demos com a falta do Thucydides, ao notarmos que ele repassara ao Fuçura as bebidas sob sua guarda. Mandamos procurá-lo, sendo ele encontrado na Rua do Zé Bento, escornado na calçada do Major Lisboa. Aí, descobrimos que, invariavelmente, ao ser comandado, também o garotão fazia fogo. Reanimado a troco de água fria na cara, foi conduzido à casa da Jeruza, e a ela entregue, para especiais cuidados maternais.

 

Última parada na seresta natalina

 

                        Quase raiando o dia, chegamos à porta de Seu Rosa e Dona Maria Bezerra, meus saudosos pais, onde, depois de cantarmos a Valsa da Despedida, de Robert Burns, versão de Braguinha e Alberto Ribeiro, a turma se dispersou, finalizando a seresta.

 

                        Na maioria das residências onde paramos, as meninas-objeto de nosso romantismo vieram à janela para ouvir-nos, sorrir-nos e, em muitos dos casos, acenar-nos com venturosas esperanças.

 

                        Os menestréis éramos quase todos nós. Meu carro-chefe seresteiro sempre foi a toada Rancho de Serra, de Herivelto Martins e Blecaute, gravada em 1956 pelo Trio de Ouro.

 

                        No dia seguinte, para que a população balsense identificasse as ruas por onde a seresta passou, bastava seguir a trilha de garrafas vazias deixadas pelo caminho.

 


Memorial Balsense sábado, 03 de junho de 2017

FÁBULA DO OVO E DO PRÉ-SAL

FÁBULA DO OVO E DO PRÉ-SAL

Raimundo Floriano

 

 Galinha poedeira e plataforma

 

                        A Literatura de Cordel nos narra uma passagem em que o Rei desejava mandar prender Camões, pelo fato de o poeta andar aprontando, inclusive traçando a Rainha, mas não encontrava um motivo comprovado. Até que certo dia bateu-lhe a luminosa ideia. Vendo, de sua janela, o poeta passar lá embaixo, na calçada, gritou-lhe:

 

                        – Camões, o que é o melhor da galinha?

 

                        Camões respondeu:

 

                        – É o ovo, Rei meu senhor!

 

                        Passaram-se os dias, as semanas, os meses. Completado um ano depois disso, o Rei se postou novamente na janela e ficou esperando. Quando Camões foi passando, o Rei gritou-lhe:

 

                        – Com quê?

 

                        E o poeta respondeu:

 

                        – Com sal!

 

                        Pronto! Lascou o Rei!

 

                        Este introito tem por finalidade demonstrar o quanto esses dois, o alimento e o tempero, são de primordial importância para a Humanidade, desde os tempos imemoriais. Imagine-se, então, um sal com pré!

 

                        Se você quiser saborear um bom cacete, é só ir lá no meu sertão sul-maranhense, onde encontrará quituteiras afamadas no preparo dessa gostosa iguaria, imprescindível no quebra-jejum dos velhos tempos.

 

                        Cacete, para quem não sabe, é um bolo feito de tapioca, azeite de coco babaçu, ovo e sal. Roliço e comprido, no formato dum pepino, diâmetro aproximado de três centímetros, cerca de um palmo de comprimento, parece-se muito com porrete de dar em cabra safado, daí o nome.

 

                        Naquela época distante, em que não dispunha de luz elétrica, geladeira, fogão a gás, água encanada, telefone, televisão, padaria, leiteria, supermercado e outros adiantamentos, a população balsense vivia muito bem com os itens produzidos em seus quintais, despreocupada com esse negócio de contas a pagar, ou imposto de renda a declarar. Tinha, para uso pleno, o dia e a noite, e isso lhe bastava.

 

                        Havia uma boleira cujos cacetes eram afamados em Balsas, em todo o Sul do Maranhão e Norte de Goiás. Chamava-se Chiquinha Comboieiro. Esse nome, comboieiro – espécie de tropeiro ou peão – viera do seu falecido marido, que tirava o sustento da família na escolta de tropas de animais de carga transportando mercadorias. Complementando a renda, Dona Chiquinha fazia bolos para vender, e assim continuou após a viuvez.

 

                        Nosso povo sertanejo não se esforçava muito na pronúncia das palavras. Podendo abreviá-las, melhor ainda. Assim, o nome da boleira sofreu uma síncope, em vez de Dona Chiquinha, ficou DonChiquinha. Isso era comum por lá: DonMaria – minha santa mãezinha –, DonRitinha, DonDolores, e assim por diante.

 

                        Em seu terreiro, ali na Rua do Frito – atual 11 de Julho –, esquina com os Três Becos, havia muito do que ela necessitava para a sua produção: poço, bananal, forno de barro, lenha em quantidade e numerosas galinhas poedeiras.

 

                        Os utensílios usados na fabricação dos cacetes eram poucos: uma gamela, onde a massa era preparada, e uma tábua, na qual a massa tomava a forma de rolete. Estes eram enrolados em folha de bananeira, amarrados ao meio com pequena cinta do mesmo material – previamente aquecido à boca do forno, para ficar maleável –, e levados para assar.  Cacete sem cintura não é legítimo, é só imitação, é feito em fogão a gás. Diziam os maldosos que DonChiquinha não usava nem a tábua para moldar os cacetes, utilizando-se para isso da perna mesmo, ou melhor, falavam que os cacetes de DonChiquinha eram feitos nas coxas! Pura inveja!

 

                        DonChiquinha jamais se valeu de receita na fabricação dos cacetes. Até mesmo porque ler não sabia. Para fazer trinta bolos, quantidade diária suficiente ao consumo em casa e ao atendimento da freguesia, calculava no olho a quantidade de tapioca e derramava-a na gamela. Juntava-lhe o azeite de coco babaçu e o sal e começava, com as mãos, a misturar a massa, à medida em que ia juntando ovos, sem bater, com clara e tudo, até obter a liga perfeita.

 

                        Por não possuir geladeira, os ovos eram guardados dentro das próprias galinhas. No caso de faltar algum para completar a mistura, DonChiquinha gritava: “Ti-í!, Ti-í!” e, imediatamente, via-se cercada das penosas, estas pensando em ganhar um punhado de milho. Aí, DonChiquinha agarrava qualquer delas, enfiava-lhe o dedo no fiofó e extraía o ovo de que precisava, tal qual uma parteira, voltando à tarefa na gamela, sem essa de lavar as mãos, mas, também, sem culpa ou dor na consciência. Era tudo vindo da Natureza, dizia ela.

 

DonChiquinha extraindo ovo duma penosa

 

                        Agora, você, meu caro leitor, me perguntaria: “E o que tem isso a ver com o pré-sal?”. E eu responderei: “Calma no Brasil!”. Logo, logo, chegaremos realmente ao ponto.

 

                        Tudo se relaciona com essa disputa que, em abril de 2010, tomou conta da mídia, com alguns governadores estaduais puxando a brasa para suas sardinhas, no caso da exploração do pré-sal em seus territórios, já achando que é líquido e certo o lucro disso advindo, mas não raciocinando com um possível malogro. Também não levam em conta que essa exploração é vagarosa, podendo demorar anos e anos até que, abatidos todos os dispendiosos custos da operação, venha a dar o resultado positivo almejado.

 

                        Chegaram até a ameaçar a realização da Copa do Mundo de Futebol de 2014 no Brasil, como se já não tivéssemos realizado uma em 1950, sem recurso algum advindo do petróleo, e da Olimpíada de 2016, como se não tivéssemos realizado o Pan-Americano em 2007, cujo suposto e alardeado superfaturamento não foi capaz de empanar o êxito alcançado!

 

                        Sem dinheiro do pré-sal – e, dizem, superfaturada –, a Copa agora se realiza, com gastos que podem atingir 30 bilhões de reais!

 

                        Voltemos ao nosso querido sertão!

 

                        Em 1946, com o fim da Segunda Guerra Mundial, começou a aparecer lá em Balsas uma porção de jipes, jipões e picapes das marcas Willis Overland, Fargo, Dodge e De Soto, cheios de engenheiros e técnicos, americanos em sua maioria, que se hospedavam no Hotel 4 de Setembro, propriedade de Dona Iaiá Gomes. As viaturas traziam a inscrição CENEPE – ou CêNêPê –, que depois viemos a saber que significava Conselho Nacional do Petróleo.  Todo esse aparato estava em busca do ouro negro! Acompanhando o CENEPE, chegou também a Geofísica, com seus geólogos, arqueólogos, especialistas em mineralogia e outros cobrões no assunto.

 

                        Logo mais, viriam caminhões, máquinas, tratores, tubulações, oficinas, perfuratrizes, brocas a dar de pau, equipamentos diversos e tudo o mais empregado nessa atividade.

 

                        A idéia era esta: a Geofísica estudaria o terreno, falaria “fura aqui”, “fura ali”, “fura acolá”, o CENEPE furaria e o petróleo jorraria. Era, mas não foi! E muitos anos se passaram naquele chove-e-não-molha sem proveito.

 

                        Até que, em 1953, o Presidente Getúlio Vargas criou a Petrobras – Petróleo Brasileiro S/A, empresa estatal genuinamente brasileira, com a finalidade de acabar com aquele rame-rame improdutivo e botar pra quebrar, extrair petróleo pra valer, absorvendo o CENEPE e a Geofísica.

 

                        Meu amigo Chico Fogoió arranjou logo um jeito de colocar-se na Petrobras na função burocrática de contínuo, que acumulava com as de estafeta, procurador, despachante comprador, o que hoje é chamado de boy. Andava pra riba e pra baixo numa picape caracterizada com vistoso letreiro da empresa e por isso era também conhecido como Chico da Petrobras.

 

                        E, em 1954, finalmente, Balsas iria conhecer o jorro que brotaria da terra, na Fazenda Testa Branca!

 

                        Todo o município vibrava com o surto de progresso que disso adviria: estradas e ruas asfaltadas, luz elétrica, água e gás encanados, cinema, teatro, boate, telefone, arranha-céu, televisão, falava-se até em universidade. Por via de consequência, Balsas seria a Capital do novo Estado que se criaria, o Maranhão do Sul!

 

                        Foi marcado o dia em que, segundo os cálculos dos engenheiros, o petróleo seria expelido do centro da terra com tanta força que lascaria os canos, e muitos balsenses se prepararam para tomar banho naquela bendita chuva preta, que seria a remissão da pobreza e o início da fartura em nossa região.

 

                        Alguns comerciantes, antevendo o futuro glorioso, se quotizaram para oferecer um café-da-manhã a toda a população naquele dia abençoado e, para isso, tomaram as devidas e onerosas providências.

 

                        Eu não estava lá nesse tempo, pois estudava em Teresina, mas Chico Fogoió me contou como tudo se passou.

 

                        Para surtir a festiva refeição matinal de itens mastigatórios, fizeram encomendas a todas as boleiras da cidade. DonChiquinha, por seu turno, ficou encarregada de fazer 500 cacetes!

 

                        Acostumada à média diária de 30, DonChiquinha não avaliou a magnitude da empreitada, e só veio a tomar pé da impossibilidade de cumpri-la quando, à noite, botou a mão na massa.

 

                        Sucedia que as galinhas de DonChiquinha estavam acostumadas a botar ovo só durante o dia, na claridade, e, durante a noite, cada qual no seu pau de poleiro, trancava a cloaca – canal ovíparo – para descansar.

 

                        E a pobre da mulher, com a massa toda a esperar, corria numa, corria noutra, e quase nada arranjava. Enfiava o dedo no furico duma, no furico doutra, e tudo em vão nas mais das vezes! Chegou a esfolar o rabo dalgumas das coitadas. Lá pelo amanhecer do dia, tinha conseguido fabricar, contadinhos, só 300 cacetes.

 

                        O que ela não sabia era que lá no poço da redenção, na mesma madrugada, quando aconteceu o jorro, saiu apenas uma espécie de água barrenta e salgada, alguns dizem que até recendendo a mijo, e nada mais que isso! Decepção total! Houve choro e até, segundo o Chico Fogoió, engenheiro gringo ameaçado de morte!

 

                        Pela manhã, a desolação se apoderou do semblante de todos. Nesse momento, surgiu um vereador muito prafrentex, que exortou o povo a sair daquela nostalgia que de nada adiantava e, desde que as despesas já se tinham realizado, todo mundo refizesse suas energias e ânimo, tomando o programado café. Assim se procedeu. Chico Fogoió ficou encarregado de recolher, de boleira em boleira, as comedorias solicitadas.

 

                        Ao chegar com a picape na casa de DonChiquinha, a surpresa: a encomenda não estava completa. Por isso, reclamou:

 

                        – DonChiquinha, aqui só tem 300 cacetes!

 

                        – Me desculpe, Seu Fogoió, eu pelejei com as galinhas a noite toda, mas não consegui o tanto de ovo pros 500 cacetes!

 

                        Chico Fogoió impacientou-se e despejou a bronca:

 

                        – Pois a senhora, que conhece os segredos de sua profissão, poderia ter aceito a encomenda de apenas 300, que a gente iria procurar outra boleira pra completar. E agora, o que é que eu vou dizer pros comerciantes? Como é que eu vou justificar isso lá na Petrobras?

 

                        DonChiquinha, humildemente, apenas respondeu:

 

                        – Meu fio, o seguinte é esse, eu contava com o ovo no cu das galinhas!

 

                        Aí, Chico Fogoió acalmou-se, abrandou-se e reconheceu:

 

                        – Nós também, DonChiquinha, nós também!

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Memorial Balsense sexta, 02 de junho de 2017

FIM DO MUNDO NO SERTÃO

FIM DO MUNDO NO SERTÃO

Raimundo Floriano

 

 Fogo consumidor

 

                        Diziam, era voz corrente por aí, que o Mundo iria se acabar no ano de 2020. Não sei em que essa previsão se baseia. Era pra isso ter acontecido na passagem de 1999 para 2000. Como a tragédia não aconteceu, postergaram-na para 3l de dezembro de 2001. Nova furada. Mas agora, afirmam, é pra valer! E sempre inventam mais uma!

 

                        Possa ser! Possa ser!

 

                        Diante dos tsunamis, dos furacões, dos terremotos, das inundações, dos ciclones, dos vulcões, das geleiras despregadas e de outras desgraceiras, o jeito é a gente parar pra pensar seriamente no assunto e também pra relembrar as previsões desmascaradas no decorrer de nossas vidas, e chegar à certeira conclusão: o Mundo só se acaba, verdadeiramente, para quem morre.

 

                        Desde menino, eu venho convivendo com tais vaticínios. Um deles surgiu ali mesmo em Balsas, sertão sul-maranhense, minha terra natal, no ano de 1948.

 

                        Certo tipo popular, ladino que só ele, alcunhado de Zé Macaco, que prestava serviços domésticos na casa de uns bacanas de lá, inventou mirabolante plano de ganhar alguns trocados e logo tratou de colocá-lo em prática. Havia na cidade um primo seu, conhecido por Zé Carpina, que andava assim, como se diz, matando cachorro a grito e tomando chupa de laranja de boca de jumento. Zé Macaco procurou Zé Carpina e o convidou para a empreitada, explicando-lhe como a engabelação se sucederia.

 

                        Primeiramente, anunciariam o Fim do Mundo, sem data marcada, mas não pra todos os seres humanos. Escapariam os que afixassem na porta de casa uma pequena cruz de madeira. Aí, vinha a parte societária de Zé Carpina, que fabricaria as cruzinhas a serem vendidas por Zé Macaco, sendo os lucros rachados entre os dois.

 

                        Zé Carpina argumentou que em Balsas o povo nem ia ligar para a previsão, visto que todos os habitantes de lá conservavam a tradição de dar uma piabinha viva para seus filhos engolirem, na intenção de que se tornassem bons nadadores. Naquele tempo, não havia água encanada, e todos, desde os cueiros, tomavam banho era no Rio Balsas mesmo, daí a fama dos balsenses como craques no nado e no mergulho. Dessa forma, o Mundo poderia se acabar todinho, mas não em Balsas! Isso o Zé Carpina concluiu levando em conta que o último Fim do Mundo de que se tem notícia aconteceu com um dilúvio. Mas, matreiro como sempre, Zé Macaco rebateu:

 

                        – Desta vez, o Fim do Mundo vai ser com fogo!

 

                        Aí, Zé Carpina entregou as armas e se lançou na atividade da fabricação das cruzinhas, que tiveram grande saída no crédulo mercado sertanejo. Meu pai, Seu Rosa Ribeiro, recusou-se a dar fiança ao boato e a comprar a cruz salvadora, mas eu, me cagando de medo, fiz uma de talo de buriti, miudinha, e dei um jeito de pregá-la em nossa porta.

 

                        A 5 de fevereiro de 1949, saí de Balsas para estudar em Floriano, já pensando em fabricar outra cruzinha para pregar na porta de minha Tia Maria Isaura, com quem eu iria morar, e muito me admirou o fato de que naquela metrópole não havia cruz em casa alguma, e ninguém sabia do que os esperava. Pensei: “– Vão se ferrar todos, comigo junto!”.

 

                        Portanto, estando eu ausente de Balsas, deixo o restante desta narração a cargo do meu amigo Chico Fogoió, que não se fartava de fazer mangação da artimanha dos dois Zés.

 

                        Aconteceu que, no início de 1949, ocorreu uma grande estiada naquele sertão, sabidamente invernoso nos primeiros meses. A lavoura estava a se perder. A terra esturricada, o pasto ressequido e a ponto de incendiar-se espontaneamente na chapada. Só não faltava a água pra se beber e banhar, porque Balsas é quase uma ilha, formada por três rios que a circundam: o Balsas, o Maravilha e o Cachoeira. Pra qualquer lado que se vá, tem-se que atravessar uma ponte. Mas chuva que é bom, pra molhar a plantação, necas! E o calor era de lascar o cano!

 

                        No dia 19 de março, Dia de São José, protetor dos lavradores e roceiros, o povo resolveu fazer uma procissão pra pedir-lhe chuva e também pra que não permitisse que acontecesse o anunciado Fim do Mundo. Padre Clóvis, nosso vigário, não encampou a ideia nem deixou que os beatos levassem a imagem do Santo no cortejo.

 

                        Mesmo assim, a multidão era grande, a rezar, a cantar hinos e benditos, a rogar e até a chorar.

 

Procissão de crédulos no boato

 

                        Naquele tempo, chegara por lá uma missionária protestante, lapa de loura americana de quase dois metros de altura, chamada Miss Ila (pronuncia-se missiáila), que resolveu tirar algumas fotos daquele ato religioso até então para ela desconhecido. Detalhe: o povo de lá jamais vira um flash!

 

                        Mais ou menos às seis da tarde, quando o lusco-fusco já dominava a região, e a procissão adentrava a Praça da Matriz, Miss Ila engatilhou a máquina e apontou para onde os beatos carregavam uma grande cruz. No meio deles, Dona Úrsula, senhora muito religiosa, que, cabisbaixa, com seu rosário na mão, temerosa e contrita, murmurava suas orações.

 

                        Tudo pronto, tudo preparado, Miss Ila apertou o botão do flash! POW

 

                        Dona Úrsula, ao ouvir o pipoco, olhou pro rumo da gringa e, mal-assombrada diante daquela claridade ofuscante e desconhecida, gritou a plenos pulmões para a multidão de beatos:

 

                        – Fogo na Terra, minha gente!

 

Beatos em debandada

 

                        Foi uma debandada geral! Pareceu um estouro de boiada! O povo, completamente apavorado e ensandecido, arremessou a cruz no chão e abalou em desembestada carreira rumo ao rio, jogando-se das ribanceiras n’água, com roupa e tudo, no mais perfeito salve-se quem puder!

 

                        Chico Fogoió arremata desta forma o episódio:

 

                        – Mundinho Fulô, só não morreu muita gente, aliás não morreu ninguém, porque, como tu bem sabes, o povo de Balsas, todo ele, sabe nadar, graças às piabinhas vivas engolidas na infância!


Memorial Balsense quarta, 31 de maio de 2017

O COFO DO IANQUE

O COFO DO IANQUE

Raimundo Floriano

 

 O Chevrolet 1948 do Pastor americano

 

                        O ano de 1949 transcorria vagarosamente, morosamente, preguiçosamente, até que, enfim, o mês de dezembro chagara e, com ele, as tão esperadas férias escolares. Em Floriano (PI), a estudantada forasteira, proveniente de várias cidades às margens dos Rios Parnaíba e Balsas, aguardava ansiosa a subida das embarcações que a levariam de volta a sua terra natal: Guadalupe, Porto Seguro, Nova Iorque, Uruçuí, Benedito Leite, São Félix, Loreto, Sambaíba e, finalmente, Balsas (MA), sem falar nas inúmeras paradas em vilas, povoados e fazendas durante o percurso.

 

                        A curtição das férias já começava no momento do embarque, com a média de 100 moças e rapazes em cada embarcação, na maior algazarra, brincando, cantando, namorando, ensaiando os novos sucessos carnavalescos e comprazendo-se com a comida de bordo: beiju, cuscuz, bolo frito, maria-isabel, baião de dois, linguiça, ovo estrelado, cozidão de carne seca, tudo alimento preparado com gêneros não perecíveis, devido à ausência de geladeira. De Floriano a Balsas, distante 120 léguas – 720 km –, a viagem durava seis dias de muita animação.

 

                        Eu e dois primos balsenses, Pedro Ivo e João Ribeiro, seguiríamos, dia 9, no Motor Pedro Ivo, pertencente a meu Tio Cazuza, pai dos dois. Com meu programa previamente traçado – pescaria à noite e aprontação durante o dia –, tive meu barato cortado por Maria Isaura, minha tia, na casa de quem eu morava, à Rua Fernando Marques, 698, que me falou de supetão:

 

                        – Você vai é de avião!

 

                        Eu quis argumentar, pedir, implorar, mas ela foi enfática:

 

                        – Você vai é de avião, pra chegar logo em casa e matar as saudades dos pais!

 

                        O problema era que eu não queria chegar logo em casa. Meu desejo era seguir no motor, na furupa, no furdunço, na gandaia, na estripulia característica de todo jovem. Tive, porém, de conformar-me.

 

                        Maria Isaura, irmã de Seu Rosa Ribeiro, meu saudoso pai, era um esteio na família Silva. Moça muito bonita e com alto salário de funcionária federal, abdicou de casar-se para ajudar na formação de quase todos os sobrinhos que chegavam de fora, mas com um detalhe: não permitia que a chamássemos de Tia. A maioria de meus irmãos estudou sob seu amparo. Eu fui o último que passou por lá, numa época em que ela, quase sexagenária, estava um pouco fatigada de tanta labuta com adolescentes. Hoje, até reconheço que muito contribuí para tal fadiga.

 

                        Aos 13 anos de idade, eu era um menino peralta, igual a qualquer garoto sadio da época. Acontece que meus irmãos e primos que me antecederam ou ali conviveram comigo, eram todos, sem exceção, comportadíssimos, exemplos para os demais. Para meu azar, as coisas que a exasperavam sempre calhavam de acontecer somente comigo. Como foi no caso da zarabatana.

 

                        Desde aquele ano, eu me cago de medo de cachorro! Mais do que de alma do outro mundo! Sempre que chego na casa dum amigo ou parente que tem essa fera, vou logo entoando, bem alto, o conhecido refrão da axé-music:

 

                        – Segure o cão! Amarre o cão! Segure o cão, cão, cão, cão, cão!

 

                        Essa paranoia se apossou de mim no dia em que eu rumei da casa da Maria Isaura em direção ao Cine Natal e, como estava meio atrasado, dei uma carreira para pegar a sessão antes de começar. Quando ia passando pela porta de Seu Arudá Bucar, um cachorrão saiu em disparada e mordeu-me a perna direita, rasgando-me a única calça boa que eu possuía. Doeu! E muito! Gritei, chorei! Não sei quem apareceu com algodão embebido em álcool e aplicou-o na mordida. Quando cheguei ao cinema, já tinha terminado o episódio do seriado Os Tambores de Fu Manchu. E foi naquele dia que eu resolvi precatar-me contra qualquer espécie da raça canina, conforme adiante relatarei.

 

                        Com pequeno cano de taboca, fabriquei uma zarabatana – arma indígena –, provendo-a de setinhas feitas com alfinetes e penas de pombo. Levava-a escondida no bolso. Sempre que um canino fazia menção de atacar-me, eu soprava uma setinha no lombo dele, que saía ganindo, enlouquecido de dor, momento em que minha arma voltava para o bolso, não despertando a mínima suspeita.

 

Zarabatana infantil

 

                        Até que um dia! Lá perto de casa, morava Seu Flory, grande atacadista de tecidos, que possuía um cachorrinho de estimação muito bonitinho, muito cheirosinho, uma gracinha, mas que gostava de avançar nas pessoas que transitavam pela calçada do dono. O que sucedeu comigo. Quando dei a soprada, e a setinha se encravou bem na ponta de seu focinho, ele se danou a gritar, feito porco na faca, resultando disso que Seu Flory, flagrando-me no ato, me pegou pelo braço e me levou até a varanda da Maria Isaura. Naquele dia, eu fiquei totalmente desmoralizado perante a sociedade florianense. Sobejas razões justificavam o desejo de minha tia de ver-me pelas costas.

 

                        Retomemos o fio de meada. Estávamos no anúncio de minha ida de avião.

 

                        – E tem mais – disse-me a Maria Isaura –, vá procurar quem lhe dê carona para o Aeroporto, porque eu não vou fretar jipe para levar apenas uma pessoa.

 

                        (Abro aqui este parêntese necessário à explicação de que a palavra “aeroporto”, neste episódio, é uma concessão, para que os leitores melhor entendam a trama. Na verdade, tanto em Floriano quanto em Balsas, o que havia era um campo de aviação, piçarrado, com biruta e uma pequena casa para resguardo da inclemência solar, desprovida até de sanitários.)

 

                        Jipeiros profisionais, nem pensar! Nas carroças de seu Salomão Mazuad, idem! Só havia uma solução: o Bucar, filho de Seu Arudá, e o Gilberto, filho do Dr. Sebastião Martins, meninos que, entrados na adolescência, dirigiam os jipes de seus pais pra todo lado. Eles, porém, revelaram-me não possuírem autonomia para esse adjutório. Eu já estava resolvido a ir pro Aeroporto a pé mesmo, carregando a mala e o saco de rede, quase uma légua de caminhada, com um areão, no meio do trajeto, de atolar até nas canelas, quando me bateu salvadora ideia.

 

                        Havia na cidade um missionário americano batista, o Pastor Dewey – pronuncia-se DÚI –, que possuía um Chevrolet Sedan 1948, novinho em folha, igual a esse aí no topo deste capítulo. Fui procurá-lo, mas num medo lascado de que se, ao chegar a Balsas, o Padre Clóvis descobrisse que eu andara em carro de protestante, lançaria sobre mim a pena da excomunhão.

 

                        Arrisquei-me! Era a última cartada! Sentei-me na calçada em frente a sua porta e fiquei esperando. Quando ele apareceu, levantei-me, postei a mão direita em seu rumo e, humildemente, roguei:

 

                        – Bença, Pastor!

 

                        Ele me olhou com a cara mais surpresa deste mundo, amarrada, contrafeita, severa, e disse algo como:

 

                        – God bless you!

 

                        Com um acanhamento danado, contei-lhe meu drama. Ao término de meu relato, seu semblante iluminou-se, ele abriu um sorriso destamanho e falou:

 

                        – Balsas? Oh yes! Oh yes! Ok! Ok! Eu ter uma presente de Natal para a Ila – tratava-se da missionária americana Miss Ila ou Missiáila, conforme se pronunciava – e não saber como enviar! Você levar presente de Ila, e eu levar você no Airport!  – Ficamos combinados.

 

                        Mas saí dali pensando: “por que ele não despacha esse presente pelos Correios ou pelo avião, como carga? Só sendo muito mão de vaca!

 

                        No dia seguinte, estava eu em sua porta, com a mala e o saco de rede, que ele guardou dentro do trunk, como chamou o porta-malas. Perguntei pelo presente para Miss Ila, e ele falou algo como in the backseat, o que nada compreendi. Embarquei no banco do carona. Eu nunca havia andado num sedan, quanto mais num daquele, recém-saído da fábrica, cheirando a cabaço. Portanto, enquanto ele dirigia, eu vibrava, mais feliz do que pinto em bosta.

 

                        Chegando ao Aeroporto, o presente, que vinha no banco traseiro, se revelou: um peru americano vivo, pesando pra mais de 10 quilos, acondicionado num cofo! Descarregado o sedan, o americano, que tinha algo mais importante a fazer, entrou nele e se mandou.

 

(Cofo é cesto rústico, feito de palha, bojudo e de boca estreita, sem alça, usado pelos sertanejos para carregarem galinha, porco, frutas ou objetos de uso pessoal. É a maleta do matuto.)

 

                        Na hora de embarcar no avião, um DC-3 da Cruzeiro do Sul, o piloto não permitiu que o peru fosse colocado no bagageiro, pois o bicho morreria tão logo se fechasse o compartimento. O jeito foi eu levá-lo no colo, como bagagem de mão.

 

                        Agora, visualizem meu drama. Todos os passageiros eram estudantes, moças carregando suas frasqueiras, rapazes portando sacolas ou pastas, e eu, no maior constrangimento, levando aquele cofo com o máximo de cuidado para não virar a ave de cabeça pra baixo. Não tinha nem ânimo de encarar os colegas, tal era meu aperreio. Saia-justa maior nunca mais vivi.

 

                        No tempo deste sucedido, as maiores atrações balsenses eram a chegada duma embarcação no Porto da Rampa ou a semanal do avião, a que a maioria da população se empenhava em assistir. Sabendo disso, tão logo foi aberta a porta do avião para desembarque, cuidei de descer na frente de todo mundo, intentando socar-me no meio do mato e ser visto pelo mínimo possível de conhecidos.

 

Raimundo desembarcando com o cofo do peru

 

                        Providência inútil! Naquele momento, ao ver-me descer com o cofo ao ombro, Balsas inteirinha, do Potosi à Tresidela, do Remansão ao Lava-cara, foi uma gargalhada só, estridente, estrondosa, desmoralizante! Quer dizer, de leste a oeste, de norte a sul, todo a cidade ria de mim, do cofo e do peru!

 

                        Embarquei no caminhão que me levaria à cidade com a cara mais vermelha do que a cabeça e o pescoço do peru americano. Como diz o povo, a coisa tava ruim, mas logo piorou. Ao descer da carroceria do caminhão enganchei o pé numa de suas treliças e cheguei ao chão no maior tombo, mas segurando e protegendo o cofo o mais que possível, para não ofender ou matar o peru. Na queda, meu sapato esquerdo se rasgou, ficando completamente inutilizado.

 

                        Além de queda, coice, é o ditado!

 

                        Durante aquelas férias, tive de aguentar, sem tugir nem mugir, esta gozação que os engraçadinhos me endereçavam, sempre que me viam com o pé direito num sapato e o esquerdo num chinelo:

 

                        – Raimundo, foi esse o prejuízo que o americano do cofo deu-te?

 


Memorial Balsense segunda, 29 de maio de 2017

DORMINDO AMARRADO

DORMINDO AMARRADO

Raimundo Floriano

 

 Olhos apavorantes

 

                        Quando eu tinha 12 anos – há uns quatro sem chupar mais o dedo –, andava muito assustado com as histórias de Trancoso que ouvia, principalmente as de assombração. Tinha – e ainda hoje tenho – medo de alma que me pelava. Sempre que me deitava na rede pra dormir, rezava pedindo que nenhuma delas me aparecesse na escuridão da noite.

 

                        Certa madrugada, fui acordado por uma visão apavorante que, em riba de meus peitos, olhava fixamente para mim com duas tochas brilhantes, dum tanto que chega encandeavam minhas vistas. Do jeitinho que vocês viram na figura acima.

 

                        Quase me borrei de pavor! Pensei, é onça! Mas não era, pois não senti o cheiro peculiar da fera. Pensei de novo, é o cão, o capeta! Mas o cão não era, pois me benzi três vezes, e as tochas continuavam insistentemente a mirar-me! Aí foi que o terror me dominou! Só podia ser aquela coisa que eu mais temia, para livrar-me da qual eu não sabia qualquer tipo de reza: ALMA! E, aí, vali-me do último recurso que me restava. Danei-me a gritar com todas as forças:

 

                        – AAAAA! AAAAA! AAAAAI! AAAAAAAAAAI! AAAAAAAAAAI!

 

                        Acordei toda a casa. A primeira pessoa que me acudiu foi Dona Maria Bezerra, minha saudosa mãezinha, que correu pra meu quarto com uma lamparina acesa. Atrás dela, vieram meu pai e alguns irmãos. Nessas alturas, a aparição sumira, esvaíra-se como fumaça. Ela, após ouvir minha história, tranquilizou-me, disse que teria sido o gato Bertoldo, à procura de rato, e mandou que eu me deitasse e procurasse dormir novamente. Foi o que fiz.

 

                        Mas não fora gato não! Só na manhã seguinte, ao passar pela cozinha rumo ao quintal, descobri a razão de meu tormento noturno.

 

                        Na véspera, chegara lá em casa, para ajudar minha mãe nos serviços de copa, cozinha, costura, bordado, tear e outras prendas domésticas, a Felismina, morena de seus 18 anos, possuidora dos olhos mais verdes que eu já vira naquele rincão, tão verdes que pareciam duas bolotinhas de esmeralda, tão verdes como os rios bravios que correm pro mar, refletindo nas águas a floresta em suas ribanceiras. Ficaria algum tempo conosco, aprendendo todos os dotes necessários para que assumisse os encargos de boa esposa, tendo em vista que seu casamento estava próximo.

 

                        Naquela noite, eu já fora dormir pensando nela!

 

Olhos de morena sertaneja

 

                        E, nos dias seguintes, mais se acentuou o feitiço que a Felismina exercia sobre mim. Quando eu olhava pra ela, meu corpo se arrupiava todinho, e eu não sabia o que era aquilo. Para acalmar-me, comecei por viciar-me em laranja-da-baía. Pegava uma, fazia um furinho bem na ponta do embigo e ficava mamando, com o pensamento todinho voltado para a Felismina.

 

Laranja-da-baía curraleira

 

                         Isso durante o dia, porque, todas as noites, dali pra frente, fui atacado por aguda crise de sonambulismo. De madrugada, eu saía a vagar pela casa, dormindo, mas com destino certo: sempre no rumo do quarto da Felismina.

 

                        Quase ninguém na casa – cerca de 15 pessoas, contando meus pais, irmãos e serviçais – parecia notar aquele meu vaguear noturno. Apenas uma pessoa estava ciente de tudo, a Felismina, razão de minhas quimeras. Certa madrugada, quando eu passava pela porta de seu quarto, ela me puxou pra dentro, levou-me pra sua rede, deitou-se comigo e falou bem baixinho:

 

                        – Mama aqui!

 

                        Fiquei viciado! E, toda madrugada, a Felismina me ensinava cada coisa! Divertimentos que eu desconhecia e jamais imaginara poderem existir naquele longínquo sertão.

 

                        Mas tudo que é bom, dura pouco! Chegou fevereiro de 1949, e eu seria mandado para Floriano, onde faria o Exame de Admissão ao Ginásio.

 

                        Na madrugada de 4 para 5, dia do embarque, rumei para dar a sonambulada de despedida. A aula sertaneja demorou mais do que de costume, pois quando eu ia saindo do quarto da Felismina, fui flagrado por minha mãe, que já estava iniciando sua faina diária. Ao vê-la, fui atacado de forte sonambulismo, o que fez com que ela se apavorasse, acordasse Seu Rosa Ribeiro, meu saudoso pai, e falasse com muita preocupação:

 

                        – Rosa, como é que vamos deixar este menino embarcar no Motor, com o risco de sair caminhando de noite, cair no Rio Balsas e se afogar?

 

                        Meu pai resolveu o problema: eu dormiria amarrado! Providenciou uma corda para que, todas as noites durante a viagem, eu amarrasse uma ponta no punho da rede e a outra numa das pernas.

 

                        Na hora da triste partida, quando eu seguia para a Rampa, pensava na Felismina e também em meu pombal e meu pé de mamão, estas preciosidades materiais que eu possuía e que, com a distância em que me acharia, pareciam delimitar a perda da infância e a entrada na adolescência.

 

                        Pertinho de embarcar no Motor Pedro Ivo, minha mãe contou tudo ao Comandante Luiz Barbosa, nosso aparentado, e recomendou-lhe que verificasse muito bem se eu estava cumprindo as medidas de segurança. Zarpamos!

 

                        Ao cair da noite, paramos na Sambaíba, distante 20 léguas rio abaixo, onde predominava a indústria da construção de barcos, com o maior estaleiro fluvial de toda a Bacia do Parnaíba. Depois da janta, em obediência ao determinado por meus pais, armei minha rede, deitei-me, amarrei-me bem amarrado, com uma ponta da corda em minha perna direita, outra num varão do motor, fiz minhas orações e dormi.

 

A dormida no motor

 

                        Na noite seguinte, eu já ia começando a amarração, quando o Comandante Luiz Barbosa chegou e me pediu a corda, dizendo:

 

                        – Preciso dela pra armar a rede dum passageiro!

 

                        – Mas Seu Luiz...

 

                        Ele nem me deu ouvidos. Com um sorriso maroto, liberou a corda e sumiu com ela.

 

                        Na verdade, ela não me fez falta. Desde aquela noite, fiquei curado totalmente do mal do sonambulismo.

 

                        Ao retornar de férias, já me esquecera da Felismina. Até porque eu soube que ela casara e fora para uma fazenda cuidar de sua vida com o marido. E também porque, em Floriano, eu vira muitos olhos femininos, de variadas cores, tanto na vida real quanto no cinema, que despertaram em mim outros sonhos e outros desejos.

 

                        Fixava meu pensamento apenas no pombal e no mamoeiro, dos quais no episódio anterior lhes falei.

 


Memorial Balsense domingo, 28 de maio de 2017

MEU QUERIDO PÉ DE PAU

MEU QUERIDO PÉ DE PAU

Raimundo Floriano

 

 Cabeças de judas garantidas

 

                        Na Sabedoria da Cultura Popular, só temos uma existência plena quando plantamos uma árvore, escrevemos um livro e temos um filho. Esta seria a trilogia básica da vida.

 

                        Até abril de 2009, eu cumprira duas partes deste tripé: tinha filhos e escrevera livros. Faltava-me a árvore, item muito difícil de concretizar, conforme adiante se verá.

 

                        Certa vez, quando eu tinha uns 10 anos, ganhei uma muda de bananeira, banana comprida, que plantei num sítio de nossa família chamado Cachoeira. Seria a tão famosa árvore. A muda brotou, cresceu, deu cacho, mas não formou touceira, razão pela qual foi cortada e transformada em ração para o gado. Por sua efêmera duração, não a contabilizo como item da consagradora trinca existencial.

 

                        Aos 12 anos, plantei um pé de mamão no quintal lá de casa. Esse seria só meu. Sua principal finalidade seria fornecer cabeça de judas na Semana Santa. Paralelamente a esse mamoeiro, eu possuía um casal de pombos ainda borrachos – sem penas, que ainda não voavam – presente do filho de Seu Sinfrônio Barros, o Ribamar, dono dum grande pombal.

 

                        Quando saí de Balsas, em fevereiro de 1949, para conquistar o mundo, deixava para trás meu mamoeiro, meu pombal e a Felismina, razão de meu sonambulismo noturno. Na caminhada até a Rampa, para embarcar no Motor Pedro Ivo, pegado na mão de dona Maria Bezerra, minha saudosa mãezinha, tentei ainda uma última cartada para que não me fizessem ir embora daquele sertão:

 

                        – Mamãe, e meus pombos, meu pé de mamão? – Eu não era nem doido para citar a Felismina.

 

                        Dona Maria fez que não ouvira. Repeti:

 

                        – Mamãe, e meus pombos, meu pé de mamão?

 

                        Aí, ela se dignou a dar-me uma resposta definitiva:

 

                        – A gente cuida!

 

                        O mundo gira, o mundo roda! Quando voltei de férias, a Felismina já não estava mais lá em casa. Saíra pra casar. Meu casal de pombos, tão logo se empenou, arribou pro pombal do Ribamar, pra juntar-se a seus antepassados. E o pé de mamão, coitado, virou petisco pro jumento Dom Ratinho que, solto em nosso quintal, comeu-o até à raiz.

 

                        Depois disso, o mundo tornou a girar! Internato, pensões, quartéis, casas funcionais, apartamentos, nunca mais tive a chance de plantar outra árvore, e até nem pensava mais nisso.

 

                        Em abril de 2009, meu amigo Lima, Músico, pioneiro do Exército Brasileiro em Brasília, hoje Capitão na reserva, me telefonou:

 

                        – Raimundo, o Comandante do BGP - Batalhão da Guarda Presidencial vai reunir os pioneiros lá no quartel, e você é um dos convidados.

 

                        Pertenci ao embrião do BPEB – Batalhão de Polícia do Exército, cujo quartel de madeira, próximo ao Palácio da Alvorada, foi sede da tropa que deu origem ao BGP. Por termos alguns de nós servido naquele espaço, embora pertencentes a Unidades diferentes, às vezes isso gera certa confusão para definir quem é quem. Por isso, esclareci ao Lima:

 

                        – Lima, eu sou pioneiro da PE, nunca servi no BGP!

 

                        – Não interessa! – Disse o Lima. – Somos todos farinha do mesmo saco!

 

                        A reunião aconteceu no Recanto dos Granadeiros, espaço do BGP destinado à recreação. Muitos dos antigos colegas estavam lá: o Morais, o Aderson, o Zuza, o Magalhães, o Bolivar, o Alyson, o Cupertino com seu sax, o Araújo, o Cabo Mestre e muitos outros.

 

                        Como anfitrião, o Coronel Elias, que esta geração de brasileiros conhece muito bem. Foi ele quem comandou a Guarda de Honra, em frente ao Congresso Nacional, na posse da primeira mulher eleita Presidente da República do Brasil. Estava lá também o Coronel Carneiro, representando o Comando Militar do Planalto.

 

Coronel Elias

                         

                        A reunião foi a mais prazerosa possível, cada qual querendo relembrar fatos pitorescos dos velhos tempos. Já perto do almoço, um veterano, que estava ajudando o Comando, falou para todos:

 

                        – Pessoal, agora vamos pegar um ônibus que vai nos levar até a frente do quartel, a partir da qual cada um de nós plantará uma palmeira imperial personalizada, inaugurando, assim, a Avenida das Palmeiras.

 

                        E, virando-se para mim:

 

                        – Você, não! Você não pertenceu ao BGP!

 

                        Nada mais correto. Enquanto os outros seguiram para o ônibus, fiquei sozinho no Recanto, esperando que eles voltassem. Nisso, aproximou-se de mim o Coronel Carneiro e perguntou-me por que eu ainda estava ali. Expliquei-lhe o motivo, mas ele me chamou para irmos juntos, a pé mesmo, para assistirmos ao plantio. Foi o que fiz.

 

                        Cada muda estava identificada com uma placa metálica, onde se inscrevia o nome de seu plantador. A partir da palmeira do Coronel Elias, fomos assistindo a cada um deixar sua marca naquela Avenida, tudo registrado pelo Jornal de Brasília. De repente, sem que eu esperasse ou com isso sonhasse, deparamo-nos com uma palmeirinha tendo ao lado a placa com meu nome. Quase chorei de emoção. Isso aconteceu no dia 25 de abril de 2009. O posto inscrito na plaqueta é o de 2º Tenente. Embora eu fosse 2º Sargento, quando passei para a Reserva fui promovido a 2º Tenente QOA/R2.

 

                        No dia 21 de abril de 2013, voltei lá para ver como se encontrava minha palmeira. O progresso dela aí está:

 

Minha Palmeira Imperial

 

                        Pronto! Está cumprida a tríade da existência plena! E com uma árvore que não virará ração pra gado, não será comida por jumento, eis que protegida pelas Forças Armadas deste nosso querido Brasil!

 

                        A seguir, dir-lhes-ei quem foi a Felismina, que se intrometeu nesta história sem pedir licença.

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Memorial Balsense sábado, 27 de maio de 2017

PAREI DE CHUPAR

PAREI DE CHUPAR

Raimundo Floriano

 

 Dedinho gostoso tava aí!

 

                        Já nasci chupando! O dedo, evidentemente! A cada ano que se passava, meu polegar esquerdo se tornava mais gostoso, mais saboroso, mais apetitoso.

 

                        Minha família, minhas professoras e meus colegas de infância fizeram de tudo para que eu largasse o vício.

 

                        Em casa, Dona Maria Bezerra, minha saudosa mãezinha, começou passando sumos de babosa e de losna, depois molho de pimenta em minha chupeta natural. Não deu resultado! Minto, deu sim! Dali pra frente, a pimenta se tornou meu tempero preferido.

                       

                        Na escola, as professoras patiram para o oito ou oitenta, usando a velha técnica educacional da ferulaterapia – e a palmatória trabalhava dia sim, o outro também, o que só aumentava meu prazer, ao chupar aquele dedo morninho, esquentado pela ação de cada palmatoada, também conhecida como bolo. Mas isso não foi assim de supetão: começaram com puxões de orelha, variando depois para reguadas, castigo de joelhos sobre milho, e, por fim, ao verem-me na prática do maravilhoso chupismo, vinham em riba de mim com a palmatória, e o bolo comia no centro.

 

                        No recreio, colegas muito dos felas chegaram até a passar bosta de galinha em meu sinistro polegar. Debalde! Em vão! O Rio Balsas ficava a dois quarteirões e, como se sabe, a água lava tudo. Com o dedo bem areado, nem de sabão carecia.

 

                        Perto de nossa casa, descendo da Praça de São Sebastião e seguindo pela Rua Tenente Joca rumo ao Bairro Cajueiro, havia, atrás de onde hoje é a Escola Normal, um grande e frondoso mangueiral, embaixo do qual morava uma senhora bem velhinha mas durona, em sua casinha de adobo e coberta de palha. Em seu amplo terreiro, vez em quando, se realizavam rezas, seguidas de leilão e arrasta-pés, aos quais a criançada não podia comparecer, por tratar-se de coisa de adulto.

 

                        Chamava-se ela Leucádia Barbosa, mais conhecida por Velha Lucádia, Dona Lucádia ou DonLucádia. Vinha a ser avó de meu amigo Raimundo Guarda, naquele tempo menino de meu tope. DonLucádia fazia umas bonecas artesanais de canarana – tipo de capim cujo grosso caule fornece um miolo muito parecido com o isopor. Naquele sertão, as bonecas de pano feitas em casa eram chamadas de bruxas. As bruxas de DonLucádia – quem sabe, por ser necessário lascar o caule da canarana para extrair-lhe o miolo – eram conhecidas como bruxas lascanetas.

 

                        DonLucádia era uma senhora boníssima, alegre, prestativa Zeladora do Sagrado Coração de Jesus e comadre de minha mãe. Muitas vezes, vi as duas na cozinha lá de casa em animada prosa. Mas esses predicados só eram reconhecidos pelos adultos. Para nós, os moleques das cercanias, ela era outra coisa muito diferente. Caminhando com seu bastão e a cabeça encoberta por um manto preto, era, sem tirar nem pôr, uma perfeita feiticeira das histórias de Trancoso. Sua boca desdentada – visual comum nos nordestinos idosos e desaquinhoados – acentuava em muito o medo que tínhamos dela. Piorando tudo, havia o fato de não podermos comparecer aos animados leilões e danças em seu terreiro. Por tudo isso, a chamávamos de Lucádia Lascaneta.

 

                        Quando eu estava regulando uns oito anos de idade, e já estabilizado na chupação, eis que me aconteceu inesperada desgraça.

 

                        Uma tarde, ia eu pra nosso quintal comer umas atas e, ao passar pela cozinha, vi minha mãe conversando baixinho com Dona Lucádia, a DonLucádia, a Velha Lucádia, a Lucádia Lascaneta. Quase estaquei de pavor! Havia dois homens rachando lenha ali por perto, o que me deu certa segurança se a “feiticeira” quisesse me “encantar”. De repente, minha mãe se virou para esses dois e gritou bem alto:

 

                        – Peguem ele!

 

                        Eu, sem saber o que estava acontecendo, fiquei ali paralisado, sem reação, nem me lembrei de correr, de me safar. Os cabras avançaram pra mim, me pegaram e levaram pra onde as duas se encontravam. Quando estavam bem pertinho, um deles pegou meu braço esquerdo, abarcou a mão, segurou todos os dedos, deixando apenas o polegar livre, e o enfiou na boca de DonLucádia. Esta, conforme haviam combinado, chupou meu querido dedo por quase dois minutos, passando-lhe a língua, enquanto eu esperneava e gritava de revolta e nojo.

 

Infalível terapia

 

                        Foi um santo remédio!

 

                        Nunca mais botei esse polegar na boca. Daí pra frente, descobri coisas mais interessantes para se chupar, como rolete de cana, manga madura e laranja de embigo. Ou mamar – dá na mesma.

 

                        Como mais adiante lhes contarei!

 


Memorial Balsense sexta, 26 de maio de 2017

PESCARIA NO RIO BALSAS DE MINHA INFÂNCIA

PESCARIA NO RIO BALSAS DE MINHA INFÂNCIA

Raimundo Floriano

 

 Menino pescador

 

                        Todos os anos, quando chega a Semana Santa, eu fico a lembrar meus tempos de infância balsense, quando a meninada alimentava de peixes a inteira população da cidade. Não havia supermercados ou qualquer outro tipo de comércio para suprimento do produto, mas toda casa tinha um menino que, naquela ocasião, se transformava em pescador. Por isso, o feriadão começava na quarta-feira, dando o tempo necessário para que, na Sexta-Feira da Paixão, o povo jejuasse de carne, como mandava a Santa Madre Igreja.

 

                        Os peixes mais comuns de escama eram o piau, a pacu – feminino para nós – e a piranha, os três considerados nobres e pegados durante o dia.

 

Peixes de escama: piau, pacu e piranha

 

                        À noite, era a vez do mandi, do surubim e do mandubé, peixes de couro, os dois últimos alcançando grande porte.

 

Peixes de couro: mandi, surubim e mandubé

 

                        As iscas mais usadas eram o angu de farinha e o milho verde ou cozido para o piau e a pacu, carne para a piranha, minhoca, tripa de galinha e piabas para os peixes de couro.

 

                        Até agora, eu nada disse que não fosse o costumeiro de como se pescava em qualquer rio sertanejo. O que nos fazia diferentes era nossa tralha de pesca.

 

                        O Rio Balsas, na época da Semana Santa, apresenta suas águas límpidas e cristalinas, transparentes como em qualquer piscina. Durante o dia, enxergávamos os peixes a pequenas profundidades e, consequentemente, os peixes nos enxergavam às margens do rio.

 

Rio Balsas: águas verde-azuladas, puras, límpidas, transparentes

 

                        No período noturno, não havia problema. Pescávamos com a linha zero – igual à que hoje se usa para empinar pipas – os peixes pequenos, e com o cabinho – da grossura dum cadarço de tênis –, os graúdos, de couro.

 

                        De dia, esse material não funcionava, espantava os peixes. Aí é que se constata a criatividade do povo daquele tempo. Ainda não havia o náilon. Até o fim da Guerra, a gente se virava com as linhas fabricadas por nós mesmos, usando como matéria-prima crinas de rabo de cavalo.

 

                        O primeiro requisito era que o cavalo deveria ser branco ou de crinas claras, para que a linha ficasse invisível ao ser lançada n’água.

 

Cavalo branco: fornecedor de linhas

 

                        Como em Balsas havia poucos cavalos, usávamos como provedores de crina os componentes das tropas dos fazendeiros e agricultores rurais das cercanias que, periodicamente, se arranchavam na cidade para vender sua produção e comprar sal e mercadorias industrializadas, numa espécie de escambo. Havia até hotéis – quintas com água e pasto – para as montarias e animais de carga. E era nessas quintas que, à noite, fazíamos a festa, arrancando as crinas, na base do coice. Tinha cavalo que, ao retornar para as fazendas, levavam apenas um sabugo no lugar do rabo.

 

                        Com a colheita das crinas, partíamos para a fabricação da linha propriamente dita. Primeiramente, fazíamos os entrançados de dois ou três fios, cada um com a média de 30 cm de comprimento. Depois os emendávamos, até chegar ao tamanho desejado, de 6 a 10 metros. Havia os especialistas, como o Modesto, filho do Mestre Zacarias, que pescava com linha de um só fio e, quando ferrava um piau ou uma pacu, caía n’água e nadava acompanhando o peixe até que este se cansasse. Verdadeira arte!

 

                        Fabricada a linha, partíamos para a obtenção do caniço. Por lá, não havia o bambu, e a taboca não se prestava para esse fim. Em compensação, a mata era fértil de pereira, arbusto cujos galhos eram muito apropriados para servirem de vara de pesca.

 

                        Outro item raro era o anzol, que fabricávamos com um alfinete do qual dobrávamos a ponta, dando-lhe um nome também conhecido pelos baianos, güé, eficientíssimo na pesca do piau e da pacu, os peixes mais apreciados pelos balsenses. Algumas lojas vendiam anzóis, de tamanhos variados, mas dinheiro no bolso da meninada era nenhum, por isso a gente se virava como podia, não necessitando de grana e usando apenas a imaginação criativa.

 

                        Faltava a chumbada. Para isso, derretíamos tubos vazios de pasta dentifrícia, que naqueles tempos ainda não eram feitos de plástico.

 

                        E pronto! Estávamos devidamente equipados para abarrotar a cidade com a imensa quantidade de peixes que levávamos daquele generoso rio.

 

                        Só em 1946, depois da Guerra, foi que começaram a chegar as linhas de náilon, como as que hoje existem, que nós chamávamos de linha americana. A pioneira da linha de náilon em Balsas foi a Madrinha Ritinha, mulher de meu Tio Cazuza, também uma grande pescadora de peixe de couro que, naquele mesmo ano de 1946, presenteou meu irmão Bergonsil, o Chilim, com 10 metros daquela nova invenção. Chilim, que estudava em Floriano e se encontrava em Balsas de férias, ao retornar, deu-me sua linha americana de presente, uma das grandes preciosidades com que ele me agraciou na vida.

 

                        Com o advento da linha americana, tornaram-se triviais os anzóis – havia uns com a barbela enviesada, conhecidos como ferra-no-olho –, a vara de bambu ou de náilon e a chumbada manufaturada. Aí, a pesca balsense perdeu um tanto de sua graça, vez que, com o progresso, vieram também a devastação das margens do rio e o barulho, fazendo com que os peixes sumissem para bem longe da civilização.

 

                        E por que estou contando isso a vocês agora, tantos anos passados? Apenas para que não se perca na memória de meus conterrâneos a história dum tempo em que, mesmo carentes de tudo quanto era progresso, sabíamos aproveitar totalmente o que a Natureza, magnanimamente, nos legava.

 

                        Alguém há de indagar:

 

                        – E a traíra? Vocês não pescavam esse peixe?

 

                        E eu apresso-me em explicar.

 

                        Naquele sertão, de imensa fartura e riqueza natural, a traíra, também conhecida como pau-de-nêgo e cipó-de-viúva, animal da lama e das águas toldadas, assim como o sapo, a cobra, a minhoca, o jabuti, o rato, o mambira, o morcego, o lapau, a mucura, o macaco e o camaleão, não era considerada alimento humano. Nem para isca era utilizada.

 

Traíra, pau-de-nêgo ou cipó-de-viúva

 

                        Havia até um dito popular muito ouvido entre os pescadores: terra onde tromba de elefante é picolé, lamparina dá choque, galinha cisca pra frente, jumento é relógio, tostão é dinheiro e traíra é peixe, nessa terra eu não moro!


Memorial Balsense quarta, 24 de maio de 2017

NOSSA SENHORA DO COCO DA APARECIDA, SEU FESTEJO E SEU HINO

NOSSA SENHORA DO COCO DA APARECIDA, SEU FESTEJO E SEU HINO

Raimundo Floriano

 

Imagem entronizada no Santuário

 

                        Loreto é uma tranquila, simpática e acolhedora cidade do sertão sul-maranhense, localizada à margem esquerda do Rio Balsas, a 720 km de São Luís, a capital, com população urbana em torno de 7.500 habitantes. Sendo a terra natal de Dona Maria Bezerra, minha saudosa santa mãezinha, e da Madrinha Ritinha, mulher do Tio Cazuza, considero-a uma extensão de Balsas.

 

Paisagens de Loreto: Igreja Matriz e detalhe do Balneário Santa Fé

 

                        Na história de sua fundação, há registro de disputa entre o Padre Lopes, que desejava a localização às margens do Rio Balsas, com navegação até o Oceano Atlântico, e a família Pereira, vencedora, que iniciou a construção das casas às margens do Riacho Teles, distante 3 km do rio. Afastada a povoação da única via de transporte e de escoamento da produção, só o marasmo poderia sobrevir-lhe. Loreto foi elevada a cidade no dia 29 de março de 1938, mas, com o passar dos anos, decresceu de importância, eis que isolada de outras artérias principais de comunicação com a capital e com os demais municípios em derredor.

 

                        Hoje, com o crescimento horizontal das edificações urbanas, a cidade alcançou as margens do rio, onde se localiza o bairro Balneário Santa Fé e onde foi construída uma ponte suspensa de madeira, para pedestres, e instalado um pontão, para passagem de veículos automotores.

 

                        A atração maior do município é o tradicional Festejo de Nossa Senhora, de 6 a 15 de agosto, na localidade denominada Coco da Aparecida, à margem direita do Rio Balsas, mata adentro, distante 73 km da sede e 14 km da cidade piauiense de Ribeiro Gonçalves. Depois do Festejo balsense de Santo Antônio, é a maior atração religiosa daquele sertão.

 

Detalhes do Santuário do Coco da Aparecida

 

                        Durante sua realização, acorrem ao Coco romeiros, não só das cidades próximas, como também de todo o país. Cerca de 15 mil pessoas fazem com que a população flutuante do arraial seja o dobro da urbana loretense.

Coco da Aparecida: detalhes da romaria

 

                        Há um esquema itinerante composto de camelôs, marreteiros, vendedores de bijuterias, quinquilharias, discos e aparelhos eletrônicos de toda a espécie, que se desloca da Bahia, passando por todas as festas religiosas sertanejas e atingindo até as comunidades paraenses. Tal esquema está presente, com toda sua pujança, no Festejo do Coco da Aparecida, dando-lhe colorido especial.

                        Como em todo o Interior Nordestino, a Alvorada marca o início do Festejo, seguindo-se Missas matinais, Terço nas novenas, retretas e Procissão no último dia. A Quermesse completa o cenário, com barraquinhas a cargo dos habitantes do lugar, nas quais não faltam as comidas típicas da terra, bebidas e a animação por conta dos trios nordestinos e bandas que para ali se dirigem em busca do garantido faturamento.

 

                        A Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, editada pelo IBGE, informa-nos que, em passado remoto, o ponto pitoresco dos festejos loretenses constituía-se nas danças ao ar livre, ao som de sanfona e outros instrumentos, assim descritas: “um dos cavalheiros saca de sua arma, dando vários tiros para cima, provocando, desse modo, um tiroteio entre os próprios dançantes, de vez que estes acompanham a atitude do primeiro. Com todo esse movimento, os festejos prosseguem normalmente, ficando eles com uma das mãos sobre o ombro das damas, enquanto a outra permanece com a arma.”.

 

                        A história da devoção é narrada por tradição oral. Os moradores antigos do Arraial do Coco contam que, há mais de 200 anos, num dia 15 de agosto, a imagem de Nossa Senhora apareceu ali para duas meninas, no meio de uma rocha, lugar onde foi construída uma capela. As meninas videntes, ao falecerem, foram sepultadas ao pé da escadaria do santuário. Romeiros que participam dos Festejos ou em caravanas de devotos garantem que vários milagres já foram realizados pela Santa, que ficou conhecida como Nossa Senhora do Coco da Aparecida.

 

                        A partir de 1992, após a chegada do Padre Ugo Montagner – pároco de Loreto até pouco tempo e do Coco da Aparecida até hoje –, a festa ficou mais bem organizada, com a construção de uma capelinha em forma de asa delta, conforme se vê nas fotos acima, e com a chegada de água encanada e luz elétrica à região.

 

                        Meu amigo Dom Enemésio Lazzaris, Bispo Diocesano de Balsas, a quem está subordinada a Paróquia de Loreto, acha que é preciso fazer-se um projeto para expandir a romaria, visando, em primeiro lugar, à preservação do meio ambiente. Devido à ausência de moradias em volta da capela, os romeiros improvisam acampamentos, devastando a área. Nas proximidades do local, chama a atenção um grande desmatamento provocado por várias carvoarias.

 

                        Acredita o Bispo que, por seu tamanho e importância, o Governo do Estado deveria apoiar a festa e colocá-la no calendário turístico do Maranhão. A esse respeito, o Padre Ugo Montagner já fez várias solicitações aos governantes maranhense, não obtendo resposta alguma.

 

                        É do Padre Ugo Montagner a inspirada Oração de Nossa Senhora do Coco da Aparecida, que adiante transcrevo:

 

“Mãe querida, Nossa Senhora do Coco da Aparecida, como é bom estar aqui junto a teus pés, te louvando, te agradecendo, te amando, te implorando, pedindo tua proteção, tua graça, tua misericórdia, teu perdão, tua bondade, teu amor, tua paz, tua justiça, tua bênção, tua mão eterna, para encontrar a eterna felicidade junto com teu filho Jesus. Amém!”

 

Padre Ugo Montagner com catequizandos de Loreto

 

                        A seguir, o Hino de Nossa Senhora do Coco da Aparecida, composição do Padre Ugo Montagner e partitura da Professora Silvana Teixeira, de Brasília:

 

                        Desejando, de todo o coração, que Loreto, agora ligada por asfalto às principais rodovias brasileiras, venha a conhecer o progresso e a prosperidade, anseio de toda aquela boa gente loretense, disponibilizo-lhes um vídeo com o bonito Hino, na voz de Mário Cardoso, artista de nosso sertão:

 

 


Memorial Balsense segunda, 22 de maio de 2017

BOM JESUS DA LAPA, SEU FESTEJO E SEU HINO

BOM JESUS DA LAPA, SEU FESTEJO BALSENSE E SEU HINO

Raimundo Floriano

 

Atual imagem de Bom Jesus da Lapa

 

                        Quando saí de Balsas para estudar e conquistar o Mundo, em fevereiro de 1949, a cidade, com população em torno de 3.500 habitantes, era bem provida de três templos católicos. No centro, a Igreja Matriz de Santo Antônio, cuja festa se encontra narrada neste e em meu penúltimo livro, De Balsas para o Mundo, no episódio Moreninha, a Rainha Santa do Festejo; ao norte, na hoje Praça Dr. Roosevelt Kury, a Igreja de São Sebastião, de cujo Festejo já lhes falei; e, ao sul, a Capela de Bom Jesus da Lapa, localizada na esquina das hoje Ruas Bom Jesus e Edísio Silva, tema central deste episódio que ora lhes escrevo.

 

Capela de Bom Jesus da Lapa, depois da reconstrução

 

                        A Capela fora erigida por dona Inês Maria de Jesus, sua fervorosa devota, mulher de Severino Lira, no grande quintal de sua casa. Dona Inês era proprietária de sortida quitanda, com os rendimentos da qual mantinha a Capela, contando também com o apurado no Festejo, que ia de 28 de julho a 6 de agosto.

 

Dona Inês Maria de Jesus

 

                        A festa transcorria em ambiente genuinamente sertanejo, à noite, quando se rezavam o Terço, benditos e ladainhas, e se cantavam hinos sacros, sendo o mais importante deles o Hino de Bom Jesus da Lapa, de autor desconhecido, cuja letra e melodia me foram resgatadas pelas devotas Ana Lúcia Leite Castro e Maria de Jesus Pereira Reis, como adiante se vê, com partitura elaborada pela Professora Silvana Teixeira, daqui de Brasília:

 

 

                        Cantava-se também o Ofício de Nossa Senhora. Lembro-me ainda da voz que mais se destacava, a de Dona Josefa da Berada, ao entoar: “...Agora, lábios meus, dizei e anunciai/Os grandes louvores da Virgem Mãe de Deus...”

 

                        Na frente da Capela, eram vendidas comidas típicas, tais como maria-isabel, frito de galinha ou carne de porco, panelada, rabada, chambaril, farofa de torresmo, café, beiju, bolo de arroz, cacete, rosca, peta, brevidade, bolo de puba, orelha-de-macaco, rapadura batida, alfenins, tijolos de laranja e mamão e outras iguarias, além de um tipo de bebida que eu só conheci naquele Festejo: a gengibirra, feita de frutos fermentados. Em pequenas bancas eram vendidas bebidas quentes, não faltando o conhaque e uma boa cachacinha. Tudo iluminado a lamparina de um, dois e até três bicos.

 

                        Quando falo sobre essa festa para meus contemporâneos, todos se lembram imediatamente dos suspiros – chamado merengues em outras paragens – feitos por Dona Inês, acondicionados em artísticos invólucros recortados de papel de seda e vendidos pelo Zé da Inês, um de seus filhos de criação, mulato também conhecido por Zé Quebra-Coco, irmão do Pedro, criado pelo Odilon Botelho. Esse apelido, segundo dizem, devia-se à perícia e prática com que o Zé rachava um coco-da-praia utilizando-se apenas de cabeçadas.

 

                        Todas as noites, havia leilão, com joias ofertadas por pessoas das redondezas: capões cheios, leitoas assadas, bolos diversos, doces em compota e em pasta, e até produtos artesanais ou manufaturados. Luz elétrica não havia. A mesa do leilão e seu derredor eram iluminadas por petromax, tipo de candeeiro possante, a querosene e camisa, esta fazendo as vezes de lâmpada.

 

                        A parte musical ficava a cargo de Mestre Pedro Novais – o Pedro Rabequeiro – na rabeca, Velho Cego no bombo e Domingos Bolor no reco-reco. Às vezes, apareciam por lá o Olavo e o Velho, pai do Mestre Riba, ambos com seus foles de oito baixos.

                       

                        Domingos Bolor era outro filho de criação de Dona Inês. Sarará invocado, gostava de fazer ginásticas e acrobacias dependurando-se nos galhos dos pés de pau. Um dia, incorporou-se a pequeno circo que passou em Balsas, como trapezista e ajudante de palhaço, e nunca mais dele se teve notícia.

 

                        A Procissão, no último dia do Festejo, era somente em volta do quarteirão da Capela. Missa? Nem pensar! Padre Clóvis, vigário da freguesia, não celebrava ali, devido a Dona Inês e Seu Severino serem casados apenas civilmente. No início dos Anos 1950, com a vinda dos Missionários Combonianos para Balsas, essa restrição acabou, e até a Capela foi reconstruída e ampliada, como se vê acima. Nessa reconstrução, muito valeram os esforços de Dona Perolina Coelho, de sua filha Socorrinha e de meu Primo João Ribeiro, de quem adiante falarei.

 

                        Delzenir Cavalcante, também filha de criação de Dona Inês, gentilmente me forneceu as duas fotos de sua mãe que ilustram este episódio. Disse-me que ela, contando os de pouca e os de longa duração, criou mais de 20 filhos.

 

                        Para demonstrar a força da devoção de Dona Inês a Bom Jesus da Lapa, quero contar-lhes importante fato ocorrido em minha família.

 

                        Meu avô, o Capitão Pedro José da Silva, nasceu com um pé torto, e essa herança genética se transmitiu para alguns netos e até bisnetos. Meu primo João Ribeiro da Silva Sobrinho – o João Ribeiro –, filho do meu Tio Cazuza e Madrinha Ritinha, por exemplo, nasceu com os pés tortos. Dona Inês, muito apegada a ele, era sua Madrinha de Batismo por procuração. A titular era sua tia, Lourdes Pereira. João Ribeiro considerava as duas como Madrinhas, sem distinção, mas nutria por Dona Inês um amor quase filial.

 

                        Naquele longínquo sertão, sem médico ou recurso algum no âmbito da Ortopedia, meus tios envidaram todos os esforços e recursos para que o menino se visse curado da citada anomalia. Quase toda semana era confeccionado um novo par de sapatos, por sapateiros dali mesmo, na esperança de, aos poucos, corrigir a imperfeição.

 

                        Muitas promessas foram feitas, como uma viagem a pé à cidade de Riachão, distante 72 quilômetros, em comitiva que contou com a participação de Tio Cazuza, Madrinha Ritinha, Seu Rosa Ribeiro, meu saudoso pai, e Dona Inês, que não se desgarrava do afilhado. “Faze tua parte, que eu te ajudarei”, diz a Sabedoria Popular.

 

                        Em 1942, quando João Ribeiro estava com 9 anos, Dona Inês jogou sua cartada maior. Comunicou a meus tios que fizera uma promessa para levá-lo a Bom Jesus da Lapa, na Bahia, distante 1.500 quilômetros, e solicitou-lhes permissão para que a viagem fosse feita. Nessas alturas, Dona Inês já era uma pessoa da família.

 

                        Meus tios concordaram com o pagamento da promessa e organizaram a comitiva, provida de uma tropa de cavalos e burros de carga para transporte do pessoal, redes, alimentos não perecíveis, lenha e utensílios de cozinha.  Dentre as pessoas que fizeram parte dessa romaria, é lembrado Seu Francisco Oliveira, o Chico Banha, que, depois de alguns dias, abandonou-a, por achar que a viagem estava muito devagar, seguindo sozinho a cavalo.

 

                        João Ribeiro viajou montado num burro. Dona Inês cumpriu todo o percurso a pé, três meses de ida e volta.

 

                        O resultado disso é que o menino ficou completamente curado. É claro que teve de usar ainda muito calçado ortopédico: “Faze tua parte...”. A graça foi alcançada!

                       

                        João Ribeiro, hoje, aos 81 anos de idade, já não sofre de qualquer imperfeição nos pés, é vitorioso na vida profissional, com uma família bem constituída, cheio de filhos e netos, feliz, enfim, com as bênçãos de Deus!

 

                        A imagem de Bom Jesus da Lapa que Dona Inês segura na foto a seguir foi-lhe presenteada por meus Tios Cazuza e Madrinha Ritinha, quando tudo começou, e foi substituída há bem pouco tempo por outra maior, mostrada no início deste capítulo, depois da reconstrução da Capela.

 

Dona Inês com a imagem tradicional

 

                        Dona Inês nasceu em Babilônia (MA), a 7 de fevereiro de 1909, e muito cedo mudou-se para Balsas. Nem bem chegara, ao assistir a uma Missa em louvor do Padroeiro Santo Antônio, com a igreja repleta de romeiros, ambiente muito abafado e calorento, sentiu-se mal, sendo levada por Madrinha Ritinha para receber socorro em sua casa, que ficava na Praça da Matriz. Daí surgiu uma forte amizade entre as duas, no que resultou essa bonita história que acabo de contar.

 

                        A 6 de novembro de 1989, com 80 anos de idade, a maioria deles devotada a Bom Jesus da Lapa, Dona Inês descansou em paz!

 

Ana Lúcia e Maria de Jesus: resgate da letra e da melodia

 

                        No ano de 2012, contratei o Estúdio Verbo Vivo, de Brasília, para os serviços de gravação do Hino de Bom Jesus da Lapa, o que foi feito na voz das cantoras Mércia Cairis e Renata Vasconcelos.

 

Mércia Cairis e Renata Vasconcelos: gravando no estúdio

 

                        De posse da melodia, foi montado um Youtube, com o apoio técnico do amigo Jorge Rocha, meu Assessor Performático, que deixo agora à disposição dos leitores:

 

 

 


Memorial Balsense domingo, 21 de maio de 2017

SÃO SEBASTIÃO, SEU FESTEJO E SEU HINO

SÃO SEBASTIÃO, SEU FESTEJO E SEU HINO

Raimundo Floriano

 

São Sebastião

 

                        As comemorações religiosas no final de 1948, em Balsas, prolongaram-se pelo mês de janeiro de 1949, último ano em que assisti ali ao Festejo de São Sebastião, antes de sair para estudar fora. Todo ano era assim.

 

                        No Natal, à meia-noite de 24 para 25 de dezembro, assistia-se à Missa do Galo e entoava-se a canção Noite Feliz, celebrando o nascimento de Jesus. No dia seguinte, começava o Reis, no Sudeste e no Centro-Oeste conhecido como Folia de Reis, que ia de 25 de dezembro a 6 de janeiro, o Dia de Reis. Consistia na peregrinação noturna dos brincantes de casa em casa, cantando temas sacros, folclóricos e profanos, relembrando a jornada dos Reis Magos na trilha da Estrela Guia até chegarem ao presépio – estábulo – onde nascera o Menino Deus.

 

                        No dia 7, a Rua do Frito – atual 11 de Julho –, onde eu morava, a Praça de São Sebastião e ruas adjacentes eram impregnadas por um delicioso e inesquecível cheiro de mato, produzido pelo trabalho dos presos de bom comportamento, escoltados pelo Soldado Peteca, roçando a vegetação que crescera durante todo o ano anterior – malva, fedegoso, tiririca, carrapicho, mata-pasto, malícia, urtiga, ciúme, melão-de-são-caetano –, alcançando quase metro e meio de altura. Deixavam eles as vias e a praça completamente limpas e prontas para o que ansiosa e fervorosamente esperávamos: o Festejo de São Sebastião, que ia de 11 a 20 de janeiro. Depois disso, iniciavam-se os ensaios das músicas carnavalescas – marchinhas, sambas e frevos – recém-lançados, para que os foliões as cantassem nos três dias de Carnaval, numa animação que só acabava mesmo na Quarta-feira de Cinzas, com a chegada da Quaresma. No ano de 1949, foram estes alguns dos sucessos mais cantados: Chiquita Bacana, Jacarepaguá, Maior É Deus, Pedreiro Valdemar e Zé Carioca no Frevo, este apenas instrumental.

 

                        A igreja de São Sebastião fora construída pelo comerciante e industrial Hygino Pedro de Farias, o Seu Pequeno, devoto do Santo, e o Festejo tinha em sua família e pessoas das vizinhanças os principais organizadores, administradores e obreiros. Foi nela que as catequistas Alice Farias, Tonica Moura, Jacy Gomes e Regina Miranda me transmitiram os primeiros rudimentos do ensino religioso.

 

                         Deus me agraciou com fabulosa memória para até hoje guardar os nomes – como desconheço os sobrenomes da maioria, aqui não os relaciono – e as fisionomias dos quase 200 coleguinhas daquele hoje esquecido e abandonado recanto sebastianino de minha infância, companheiros de catecismo ou de brincadeiras.

 

                        Num tremendo esforço de reportagem, e com a perícia do artista plástico Juarez Leite, consegui reproduzir a Praça de São Sebastião no ano de 1949, como abaixo se vê, roçada, quando a cidade não conhecia asfalto nem calçamento.

 

Praça de São Sebastião - Vista aérea

 

                        Havia duas datas marcantes. O dia 10, véspera do início do Festejo, quando começava o furdunço, por ser o aniversário do adolescente Zé Farias, filho de Seu Pequeno, pau-pra-toda-obra, que fazia um tudo de muito, batendo o sino, soltando foguetes, carregando peso, quebrando qualquer galho e levando carão do pai, que só o chamava, quando nervoso, de “seu corno” – embora fosse ele um burro de carga, nos serviços domésticos, nas oficinas e o único mecânico da usina. No futuro, viria o Zé a ser o primeiro eletricista balsense e o projecionista do primeiro cinema da cidade. No dia 20, o último do Festejo, era o aniversário de Washington Tourinho, filho de Seu Isidoro e Dona Febrônia, outra das nossas afamadas quituteiras, que traziam muitas joias para o leilão.

 

                        No primeiro e no último dia, a cidade era acordada com a Alvorada, constando de repicar do sino, queima de foguetes e música a cargo de Martinho Mendes e Seu Conjunto – Martinho no sax, Barroso na clarineta, Toinho Farias na bateria, Enoc no banjo, e pandeiristas eventuais –, quando não faltavam o dobrado Padre Cícero, de autoria do Martinho, valsas, boleros, forrós e sucessos carnavalescos. Diariamente, ao meio-dia, era tocada a Retreta, com o mesmo esquema.

 

                        Nas manhãs do dia 11 e do dia 20, era celebrada Missa à qual comparecia todo o povo da cidade. Desencadeando-se a Novena, todas as noites, quando era rezado o Terço. Tanto na Missa quanto na Novena, era cantado o Hino de São Sebastião, de autoria do maranhense Eleutério Rezende, cuja letra conta sua história, aqui reproduzida, com a partitura elaborada pela Professora Silvana Teixeira, residente em Brasília, seguindo canto que me foi entoado pela Professora Maria da Consolação de Oliveira Andrade, Coordenadora da Comissão de Apoio à Capela do Cajueiro:

 

 

                        Depois do Terço, realizavam-se a venda de bebidas e comidas típicas na barraca e o leilão, com joias – capões cheios, leitoas assadas, bolos, doces, artesanatos – trazidas pelas devotas do Santo, dentre elas Dona Maria Bezerra, minha saudosa mãezinha, Dona Nelsa Farias, Dona Delfina, mulher de Seu Pequeno, com o Conjunto do Martinho animando a função. Naquele tempo, ainda não existia por lá o serviço de som.

 

                        Além da barraca oficial, muitas pessoas traziam suas banquinhas, onde vendiam cachaça e outras bebidas quentes, café, bolos de arroz e de puba, orelha-de-macaco, panelada, maria-isabel e outras guloseimas. Não podiam faltar Luiz Piauí, com sua bandeja de puxas e rebuçados, e Manoel do Pempém, com sua tábua de pirulitos. Nas quitandas do Enoc Miranda, de Dona Brígida e de Dona Domitila, era grande o consumo de rapaduras recém-saídas do engenho, alfenins, batidas, tijolos de mamão verde e casca de laranja, pamonhas, melancias e outras frutas da época.

 

                        No último dia, a Procissão saía pelas principais ruas da cidade, com São Sebastião à frente, no andor, e duas fileiras, homens de um lado e mulheres do outro.

 

                        Nós, a criançada, divertíamo-nos a valer, principalmente fazendo judiação com os romeiros que vinham de fora para a festa, botando-lhes rabo de carrapicho, ou praticando muitas travessuras. Uma delas era o biloto, constituído de bolota de cera de abelha, do tamanho de bola de pingue-pongue, fixada na ponta dum cordão de 50 centímetros, para darmos chapuletadas na cabeça dos matutos, sem que eles percebessem, pois éramos rápidos no gatilho para esconder o artefato.

 

                        No início dos Anos 1950, Seu Pequeno faleceu, mais ou menos quando foi criada a Prelazia de Balsas, com Missionários Combonianos vindos da Itália. Esses não deram continuidade ao Festejo de São Sebastião nem cuidaram da conservação de sua igreja que, aos poucos, pela ação do tempo, foi-se desintegrando, até ruir por completo.

 

                        Muitos anos depois, já na era do asfalto, foi construído outro templo para São Sebastião, no Bairro Cajueiro, onde é festejado nos moldes de antigamente, com o mesmo fervor e devoção:

 

Capela do Cajueiro

 

São Sebastião, imagem entronizada na Capela do Cajueiro

 

                        Embora a tradição do Festejo permaneça, falta o item que encantava os meninos de meu tempo e até hoje permanece em nossas mentes como das melhores recordações da infância:

 

                        O cheiro de mato!

 

                        Há muito tempo, eu desejava efetuar a gravação dos Hinos de Santo Antônio, de Bom Jesus da Lapa e de São Sebastião, para que não se perdessem na memória do povo balsense, tão curta nos tempos atuais, como venho observando em minhas pesquisas.

 

                        Para o Hino de São Sebastião, contei com a prestimosa colaboração da amiga Socorro Vieira, minha Assessora Cultural em Balsas, que obteve o registro do canto simples com a Professora Maria da Consolação, possibilitando-me a concretização do projeto. A Interpretação ficou a cargo dos cantores Felipe Rodrigues e Mércia Cairis, do Estúdio Verbo Vivo, de Brasília:

 

Felipe Rodrigues e Mércia Cairis

 

                        Complementando esta homenagem a São Sebastião, produzi também, como apoio técnico do amigo Jorge Rocha, meu Assessor Performático, este vídeo, agora à disposição de vocês:

 

http://www.youtube.com/watch?v=vtPvDBO5oeU

 

Ouçam-no, também, neste vídeo:


 

 


Memorial Balsense sábado, 20 de maio de 2017

SANTO ANTÔNIO, SEU FESTEJO E SEU HINO

SANTO ANTÔNIO, SEU FESTEJO E SEU HINO

Raimundo Floriano

 

Santo Antônio

 

                        Santo Antônio, Padroeiro de Balsas, minha terra natal, sertão sul-maranhense, tem seu Festejo no período que vai de 1º a 13 de junho. É ele o Santo mais popular do Brasil, venerado como Padroeiro dos Pobres e Santo Casamenteiro, com seu nome sempre invocado para se achar objetos perdidos.

 

                        Fernando Bulhões – nome de batismo – nasceu em Lisboa, Portugal, em 15 de agosto de 1195, numa família de muitas posses, e veio a falecer na cidade italiana de Pádua, no dia 13 de junho de 1231. Conhecido como Antônio de Pádua, pela morte, e Antônio de Lisboa, pelo nascimento, seria mais apropriado chamá-lo apenas de Antônio de Lisboa, assim como a cidade de Assis, na Itália, deu nome a São Francisco.

 

                        Aos 15 anos, entrou para um convento agostiniano, primeiro em Lisboa e depois em Coimbra, onde se ordenou. Em 1220, trocou o nome para Antônio, ao ingressar na Ordem Franciscana, esperando, a exemplo dos mártires, pregar aos sarracenos no Marrocos.

 

                        Após um ano de catequese em Marrocos, teve de deixá-lo, devido a uma enfermidade, e seguiu para a Itália. Indicado Professor de Teologia pelo próprio São Francisco de Assis, lecionou nas Universidades de Bolonha, Toulouse, Montpellier, Puy-en-Velay e Pádua, adquirindo grande renome como orador sacro em Portugal, no Sul da França e na Itália.

 

                        Ficaram célebres os sermões que proferiu em Forli, Provença, Languedoc e Paris. Em todos esses lugares, suas prédicas encontravam forte eco popular, pois lhe eram atribuídos feitos prodigiosos e milagres, o que contribuía para o crescimento de sua fama de santidade.

 

                        A saúde sempre precária levou-o a recolher-se ao convento de Arcella, perto de Pádua, onde escreveu uma série de sermões para domingos e dias santificados, alguns dos quais seriam reunidos e publicados entre 1895 e 1913.

 

                        Antônio faleceu, como foi dito, a 13 de junho de 1231, vítima de uma crise de hidropisia – acúmulo patológico de líquido seroso no tecido celular ou em cavidades do corpo. A 13 de maio de 1232, apenas 11 meses depois de sua morte, foi canonizado pelo Papa Gregório IX.

 

                        Sobre seu túmulo, em Pádua, foi construída a Basílica a ele dedicada.

 

                        A profundidade de seus textos doutrinários fez com que, em 1946, o Papa Pio XII o declarasse Doutor da Igreja. Mesmo com esse pomposo título, o monge franciscano conhecido como Santo Antônio de Pádua ou de Lisboa tem sido, ao longo dos séculos, objeto de grande devoção popular. Sua veneração é muito difundida nos países latinos, principalmente em Portugal e no Brasil.

 

                        Sua instituição como Padroeiro de Balsas deu-se com a chegada àquela região do baiano Antônio Jacobina, no final do Século XIX, considerado o verdadeiro fundador da cidade, que, por ser devoto de Santo Antônio, ali construiu sua primeira capela, dando início aos festejos anuais, aos quais acorriam moradores das redondezas, surgindo daí o povoamento com o nome de Vila Nova, depois mais conhecido como Santo Antônio de Balsas.

 

Igreja Matriz de Santo Antônio de Balsas

 

                        Muito se tem escrito sobre as festas religiosas de nosso sertão. Escolhi um poema do saudoso conterrâneo Sileimann Kalil Botelho, falecido a 24.4.13, aos 86 anos de idade, em Sobradinho (DF), como símbolo dessa nossa literatura:

 

FESTAS DE JUNHO

 

Na minha terra, tempo de menino,

Junho era festa pelo mês inteiro.

Sem importar se noite ou sol a pino,

Trezena a Santo Antônio vindo primeiro.

 

 Treze dias de festa ao peregrino

E milagroso Santo Padroeiro;

Moças solteiras, quase em desatino,

Pedindo noivos ao casamenteiro.

 

Depois vinha o São João das bandeirolas:

Multicores balões subiam ao espaço

Simbolizando sonhos e esperanças.

E enamorados jovens e moçoilas

Soltavam fogos com desembaraço,

Iam às quadrilhas, se entreter nas danças.

 

Depois vinha o São João dos Caipiras,

Das fogueiras brilhantes, das Quadrilhas

Onde todos dançavam com fervor,

As tradições das gentes dos Timbiras,

Os doces, os petiscos-maravilhas,

Incontrastáveis relações de amor.

 

A TRADIÇÃO DO FESTEJO DE SANTO ANTÔNIO

 

                        Saí de Balsas no dia 5 de fevereiro de 1949, para estudar em Floriano, aos 12 anos de idade, e as lembranças do Festejo de Santo Antônio, que guardo ainda bem vivas, indeléveis no coração, remontam-se, hoje, ao período de minha venturosa infância balsense.

 

                        Padre Clóvis era o Vigário da Paróquia e, no Festejo, era auxiliado pelas mãos laboriosas de senhoras mães de família, algumas delas que ora menciono: Tia Antônia Albuquerque, Naninha Soares, Febrônia Tourinho, Zefinha Rocha, Naninha Cansanção, Ceci Florentino, Laura Rocha, Luzia Félix, Sindá Borba, Eva Solino, Milu Fonseca, Dolores Lima, Esperança Souza, Maria Luísa Solino, Petronilha Matos, Jesus Reis, Munduca Noleto, Alzira Barbosa, Emília Câmara, Justina Pires. Madrinha Ritinha, mulher de meu Tio Cazuza, sempre provia a mesa dos leilões com pratos de sua refinada culinária. Dona Maria Bezerra, minha saudosa mãe, entregava-se de corpo e alma à operosidade da festa, fazendo guloseimas, angariando joias e donativos, isto é, trabalhando dia e noite sem descanso. Esse fervor e essa dedicação transmitiram-se, mais tarde, para a Maria Alice, minha irmã, e, posteriormente, para a Isaurinha, sua filha.

 

                        O Festejo de nosso Padroeiro era esperado por toda a população urbana e rural, e os sertanejos de fora aproveitavam-no para levarem seus produtos, ansiosamente esperados, destacando-se frutas raras na cidade, como abacate, jaca e tangerina. Havia também as delícias vindas dos engenhos: garapa, rapadura, batida, tijolo, alfenim.

 

                        Os botequins, todos de palha, armados em frente à Igreja Matriz, exibiam, além das frutas da época, miudezas em geral, como cintos, linhas de pesca, sapatos, chapéus, utensílios domésticos, lanternas, bijuterias, espelhos e bugigangas diversas.

 

                        Em adição aos itens já citados, os botequineiros vendiam comidas e bebidas, destacando-se a gengibirra – produto regional –, conhaque e cachaça, muita cachaça. Cerveja, só nos raros botequins que possuíam geladeira a querosene. Não fazia diferença se a bebida fosse quente ou fria. No Festejo, Balsas transformava-se no maior exportador brasileiro de garrafas vazias.

 

                        Havia, também, vários tipos de jogo, como o do bicho, na roleta, e o do caipira, este bancado pelo Cadete, simpático e popular cidadão conterrâneo, que apregoava:

 

                        – Olha o jogo do caipira, quem mais bota, menos tira!

 

                        Na barba-de-são-severino, certo tipo de pescaria, com um molho de linhas, cada qual amarrada a objetos de pequeno valor, mas, no meio deles, um grande prêmio. O jogador pagava e escolhia a ponta da linha para puxar. Ganhava aquilo que tivesse a sina de arrastar. O marreteiro anunciava:

 

                        – Aqui é a barba-de-são-severino, jogam homens, mulheres e meninos e o povo aviciado. O homem que apanha da mulher, não vai dar parte ao delegado!

 

                        Ladeando a Matriz de Santo Antônio, as duas barracas da Paróquia, de madeira e tecido, nas quais eram oferecidas comidas típicas, saladas de fruta, café, chocolate, bolos da região, cerveja, refrigerante e refresco, que nós chamávamos de “gelado”. A renda maior, toda revertida para a Matriz, provinha dos leilões e da venda de votos para a Rainha da Festa. Luiz da Iaiá era o mais competente leiloeiro, apregoando as joias na força do gogó.

 

                        Nas madrugadas do primeiro e do último dia do Festejo, eram realizadas, no patamar da Matriz, as alvoradas festivas, com muito foguete, tendo a música a cargo do Martinho Mendes e Seu Conjunto. No mesmo molde, diariamente, ao meio-dia, depois do Terço, realizava-se a retreta.

 

                        A Missa era celebrada apenas no dia 1º, aos domingos e no dia 13 de junho, Dia do Padroeiro, e final do Festejo, quando a população se esmerava no trajar – “quebrar a tigela”, se vestindo roupa nova –, para louvar em grande estilo o Santo de sua devoção. Ao cair da noite do dia 13, saía a Procissão pelas ruas da cidade, com o andor do Padroeiro seguindo à frente, ladeado por duas colunas: à direita, os homens; à esquerda, as mulheres. A seguir, rezava-se a última trezena, depois da qual se dava a última quermesse, com a coroação da Rainha do Festejo.

 

                        Em 1999, decorridos 50 anos, voltei a assistir ao Festejo de Santo Antônio. Quanta coisa mudara!

 

                        A barraca era uma só. Acabara-se a disputa para ver qual a mais rendosa e também qual elegeria a Rainha. Os botecos, à frente da Matriz, agora num espaço denominado Iraque, esmeravam-se apenas na venda de cerveja e refrigerantes. As tendas dos camelôs substituíram os botequins com produtos sertanejos. O leilão e toda a animação da quermesse estavam sob a batuta do criativo Likuta, com seu serviço de som, preferido por sua habilidade no trato, versatilidade e simpatia. Eram os sinais evidentes do progresso, marcado pelas novidades advindas com o passar do tempo.

 

                        Algo não mudou. A religiosidade do povo balsense permanece forte, decidida, incondicional. E isso pode ser confirmado na Procissão do dia 13. Na última vez em que dela participei, calculei uma multidão de devotos que ultrapassava a casa dos dez mil!

 

                        E outro aspecto permanece igualmente imutável: a retreta ao meio-dia, na hora do Terço. A cargo do Mestre Riba e sua turma, essa retreta me leva como num passe de mágica a minha infância distante, o que me faz dela participar todos os dias, quando por lá me encontro. Em que pese a insensibilidade dos tempos modernos, é uma tradição que não pode se acabar.

 

                        Tenho praticado minha devoção a Santo Antônio com pequenos gestos, no intuito de cada vez mais divulgar seu santo nome sempre que me surge a oportunidade. Em frente à Igreja Matriz, lancei os quatro mais conhecidos de meus livros: Do Jumento ao Parlamento, na noite de 12 de junho de 2003, e De Balsas para o Mundo, Memorial Balsense e Caindo na Gandaia, na noite de 12 de junho de 2010.

 

                        A gravação do Hino de Santo Antônio, composição de Eleutério Rezende, a duas vozes, acompanhadas por instrumentos de sopro e bateria, num andamento vibrante, como deve ser todo hino de louvor, era um sonho que acalentei por muitos anos e só em 2013 consegui realizar. Eis a letra e a partitura, esta elaborada pela Professora Silvana Teixeira, residente em Brasília:

 

 

                        Aqui, a letra em sua íntegra:

 

 

                        A gravação ficou a cargo dos cantores brasilienses Mércia Cairis e Felipe Rodrigues, do Estúdio Verbo Vivo:

 

Mércia Cairis e Felipe Rodrigues

 

                        E, fechando com chave de ouro esse preito a Santo Antônio, produzi também, com o apoio técnico do amigo Jorge Rocha, meu Assessor Performático, um vídeo, ao qual vocês poderão assistir, clicando neste link:

 

https://www.youtube.com/watch?v=tWR6GFrVnNc

 

Ou dando um enter neste vídeo:


 

 

 


Memorial Balsense sexta, 19 de maio de 2017

ONZE DE JULHO - CENTENÁRIO DO REDESCOBRIMENTO DE BALSAS

ONZE DE JULHO - CENTENÁRIO DO REDESCOBRIMENTO DE BALSAS

Raimundo Floriano

 

 

 Rua 11 de Julho, antiga Rua do Frito

A seta assinala a casa onde nasci e me criei

 

                        No dia 11 de julho de 2011, comemoramos os 100 anos da chegada do primeiro vapor ao Porto das Caraíbas, assim conhecida a passagem de canoa da antiga Vila de Santo Antônio de Balsas ou, simplesmente, Balsas.

 

                        Esta data foi tão importante para o desenvolvimento do Sul do Maranhão e do Norte de Goiás – atual Tocantins –, quanto foi a chegada de Dom João VI com sua Corte ao Rio de Janeiro em 1808, para o progresso e consolidação do Brasil como Nação, e o lançamento do Sputnik, primeiro satélite artificial da Terra, para o incremento das telecomunicações.

 

                        Até então, nossos conterrâneos sertanejos viviam completamente isolados dos grandes centros comerciais e culturais do País. O único meio de transporte rumo ao litoral era a balsa – daí o nome da cidade –, feita de talos de buriti, cujo percurso ao sabor das águas do Rio Balsas, até Floriano (PI), distante 720 quilômetros, era vencido em, no mínimo, 10 dias. Era a balsa que levava a pequena produção agropecuária da região, passageiros diversos e também os estudantes em busca de maiores conhecimentos.

 

                        A volta era feita de vapor ou lancha, que subiam o Rio Parnaíba até Benedito Leite (MA), confrontante com Uruçuí (PI), distantes 360 quilômetros de Balsas. Dali, só havia dois meios de transporte para os sul-maranhenses: nas costas de cavalos, burros e jumentos, ou a pé.

 

                        Por isso, aquele esquecido sertão ressentia-se da inexistência de muitos produtos manufaturados e, principalmente, da ausência do sal, indispensável à alimentação do homem e à ração do rebanho vacum.

 

                        Havia até uns regatões que subiam o Rio Balsas com seus batelões, pequenos botes impulsionados a remo e vara, transportando cerca de 10 toneladas de tripulação e mercadorias, negociando de porto em porto, em jornadas que, de Benedito Leite a Balsas, duravam meses.

 

                        Maioria dos que saíam para estudar só retornava após a formatura, tamanha era a dificuldade encontrada para essa volta.

 

                        O texto a seguir foi extraído de meu último livro, De Balsas para o Mundo, no episódio O Vapor.

 

“No final da década de 1910, os batelões se encontravam completamente ultrapassados, tal era o volume e a intensidade do comércio que se praticava na então Vila Nova de Santo Antônio de Balsas, acrescido do fluxo de viajantes, tudo isso demandando uma outra forma de transporte mais eficiente e competitivo. Havia, ainda, a necessidade da conquista, pelo Poder Público, daquela região.

 

“Eloy Coelho Netto, em seu livro História do Sul do Maranhão, menciona a Lei nº 170, que previa a contratação dos serviços de uma companhia de navegação fluvial, especialmente para subir o rio e estabelecer navegação regular para Balsas e Vitória do Alto Parnaíba.

 

“Contratada pelo DNPRC - Departamento Nacional de Portos, Rios e Canais, a empresa Oliveira, Pearce & Cia., sediada em Teresina e dirigida pelo Coronel Pedro Tomás de Oliveira, seu principal sócio, assumiu a responsabilidade do ingente encargo, empregando nesse desafio o seu melhor vapor, o Antonino Freire, sob o comando de Thomas William Pearce, sócio da firma.

 

“O vapor Antonino Freire, equipado com poderoso guincho, encetou sua viagem desbravadora removendo pedras, tocos, galharias marginais e tudo o mais que obstruísse o canal. Media também a profundidade – calado – nos trechos mais rasos, no intuito de orientar a fabricação dos novos barcos que por ali transitariam. Elaborou-se um estudo completo para os futuros navegantes.

 

“Considero essa viagem inaugural como o lançamento, pelos russos, do primeiro satélite artificial da Terra, o Sputnik, que escancarou as portas para a corrida espacial, culminando, até agora, com a conquista da Lua.

 

“Foram dezessete dias de árduo trabalho, em que a tripulação, toda ela impregnada de entusiasmo pela aventura de que participava, dedicava-se com alegria e esmero ao empreendimento, na ideia fixa da vitória final, que era a chegada ao Porto das Caraíbas.

 

“E isso aconteceu no dia 11 de julho de 1911!

 

“Essa é a data que a Prefeitura Municipal de Balsas tem como aceita, referendada pela Câmara Municipal que, muito depois, renomeou o logradouro onde nasci, a Rua do Frito, no coração histórico da cidade, denominando-a Rua 11 de Julho!

 

“Também nessa memorável data, o Comandante Thomas William Pearce inscreveu, com heroísmo e dedicação, de modo indelével, seu nome na História de Balsas!

 

“Estava cumprida a missão! A navegação Balsas – Parnaíba, ida e volta, perdera seu mistério! E o movimento no nosso rio se intensificou! E com uma novidade adicional: a barca a reboque dos vapores e lanchas.

 

“A partir de então, a navegação do Rio Balsas ficou verdadeiramente estabelecida. Suprindo a cidade de sal, fez deslocar-se para ali o eixo do comércio sul-maranhense!

           

“Já naquele tempo, a chegada duma embarcação em qualquer paragem era sinônimo de festa, alegria e muita confusão. Ainda mais se levando em conta a quase inexistência da força policial. Os cabarés da vida boêmia eram palco de grandes noitadas, bebedeiras e memoráveis arranca-rabos. Os que mais aprontavam eram os embarcadiços sem qualificação náutica alguma, contratados temporariamente, sem qualquer compromisso com a Marinha Mercante. Talvez por isso mesmo, tais baderneiros ficaram, desde cedo, conhecidos pela alcunha de ‘porcos-d’água’.

 

 “Desde o advento do primeiro vapor, era enorme o afluxo de pessoas ao Porto da Rampa, para assistirem à chegada ou à partida das embarcações, com seus fortes apitos, triunfais na vinda, saudosos na despedida. Virou uma das diversões da cidade.

 

“Retomemos o fio da meada!

 

“Regressando o vapor Antonino Freire a Teresina, com todos os estudos e observações anotados durante a viagem pioneira, cuidou a empresa Oliveira, Pearce & Cia. de mandar construir um barco com características especiais para navegar nas águas do Rio Balsas. Encomendou-o, então, aos estaleiros da empresa Izaac Abella & Michel, sediada em Liverpool, Inglaterra.

 

“Assim nasceu o vapor Joaquim Cruz!

 

 

Vapor Joaquim Cruz

 

“A chegada triunfal do Joaquim Cruz em sua primeira viagem a Balsas, sob o comando de Thomas William Pearce, aconteceu no dia 16 de abril de 1916, às cinco horas da tarde!

 

“A rampa do Porto das Caraíbas, ou Porto da Rampa, ficou apinhada por grande multidão que acorrera ao local para recepcionar o grande hóspede.

 

“No dia seguinte, mais de 100 pessoas reunidas no edifício da Câmara Municipal dirigiram-se para bordo do Joaquim Cruz, de onde o Comandante Thomas William Pearce se fez acompanhar de volta àquele edifício, no qual foi realizada Sessão Solene, quando falaram alguns vereadores e o homenageado.

 

“Terminada a parte oficial das honras prestadas ao comandante, um lauto banquete para 150 talheres foi-lhe oferecido na residência do Capitão Firmino de Souza Lima, com a presença de senhoras, senhoritas e cavalheiros representativos da população local.

 

“O Joaquim Cruz foi um vapor especial construído na Inglaterra, assim como outros, vindos do exterior. Mas os criativos brasileiros logo puseram mãos à obra. Em Floriano, o armador Afonso Nogueira construiu o vapor Afonso Nogueira e a lancha Rosicler. Em Teresina, Félix Pessoa, personagem deste livro, construiu o vapor Rio Balsas e as lanchas Teresina e Rio Poty. Até as caldeiras eram fabricadas no Brasil. Apenas as máquinas eram importadas da Inglaterra ou da Alemanha!

 

“O vapor Joaquim Cruz ficou ligado a Balsas pela primeira viagem que fez na Bacia do Parnaíba, tendo nossa cidade como destino.”

 

                        Portanto, salve o vapor Antonino Freire, que conquistou o Rio Balsas! Salve o vapor Joaquim Cruz, que fez a primeira viagem Oceano Atlântico – Balsas, para isso especialmente construído! Salve o Comandante Thomas William Pearce, intrépido navegante! E salve minha Rua do Frito, hoje Rua 11 de Julho, por ser o marco dessa grande conquista fluvial!

 

                        Vocês, meus caros leitores, hão de me questionar:

 

                        – Raimundo, com cem anos, a Rua 11 de Julho, no coração histórico da cidade, parece não ter evoluído nadica de nada! O que houve?

 

                        E eu lhes respondo:

 

                        – Amigos, este é um pequeno retrato do abandono e esquecimento em que ora vive meu sertão sul-maranhense. Embora com mais de 80 mil habitantes, Balsas está completamente isolada do restante do mundo. Sem linha aérea regular – que existia há 40 anos –, sem estradas dignas desse nome – que existiam há 25 anos – e sem a navegação fluvial – extinta há 50 anos, com a construção da Barragem de Boa Esperança sem eclusas –, os governantes dão-nos a impressão de que não existimos. Não aparecem por lá nem pra pedir o voto. Fazem-no pela TV, pela Internet ou por intermédio de cabos eleitorais. É o descaso total.

 

                        Isso não apagará, jamais, o amor que temos por esse querido rincão.

 

Homenagem da Filatelia:

 

 

À direita, a casa verde onde nasci e me criei

"


Memorial Balsense quinta, 18 de maio de 2017

A CASA DO TIO CAZUZA

A CASA DO TIO CAZUZA

Raimundo Floriano

 

 Fachada original: início do Século XX

 

                        Antes mesmo da elevação da Vila de Santo Antônio de Balsas à categoria de cidade, em 1918, ela já existia, imensa e bela, com sua arquitetura característica daqueles pioneiros tempos! Foi a morada de meu Tio Cazuza Ribeiro e de Madrinha Ritinha Pereira – os Sousa e Silva –, abrigando uma prole de 10 filhos, sete meninos e três meninas: Antônio, Esmaragdo, Raimundo, Manoel, Violeta, Iracy, Pedro Ivo, João Ribeiro, José, o Cazuzinha, e Izaura Maria.

 

Cazuza Ribeiro e Ritinha Pereira

 

                        Além de abrigar confortavelmente a enorme família, seu quintal e sua cozinha eram uma espécie de reino encantado, onde se produziam, nos fogões a lenha e fornos de barro, as iguarias típicas de nosso sertão, além de pratos elaborados, sem falar na deliciosa bebida Perobina, espécie de licor, cuja fórmula secreta era relíquia do clã.

 

                        Sua varanda senhorial era também o clube balsense, onde se realizaram as mais deslumbrantes festas a rigor da cidade e onde, anualmente, se brincava o Carnaval. Ali, no início de 1950, Tio Cazuza e Madrinha Ritinha tiveram a chance de festejar o que viria a ser a última reunião dos 10 filhos com o casal, em comemorações que duraram quase um mês.

 

                        Na esquina deste velho solar, funcionava a Mercearia Ideal, dirigida por Madrinha Ritinha, com mesas de bilhar e de sinuca, venda de bebidas em geral e gêneros alimentícios de toda espécie. Este casarão foi inovador ao possuir, em Balsas, o primeiro dínamo gerador de energia elétrica, a primeira bomba d’água, o primeiro rádio, a primeira geladeira, a primeira sorveteria, bem como ter o primeiro automóvel, um Ford 1929 – em sociedade com Tio João Ribeiro –, estacionado em sua porta.

 

                        Situada na Praça Getúlio Vargas, ou Praça da Matriz, constituiu-se, também, na extensão de nossa casa, distante dois quarteirões, na Rua do Frito, hoje 11 de Julho, onde Seu Rosa Ribeiro e Dona Maria Bezerra – os Albuquerque e Silva –, meus saudosos pais, geraram sua descendência de seis meninos e quatro meninas: Maria Isaura, Pedro, Maria Alice, José, Bergonsil, Afonso Celso, Raimundo Floriano, Maria Iris, Rosimar e Maria dos Mares.

 

Rosa Ribeiro e Maria Bezerra

 

                        No dia 11 de julho de 2011, comemorou-se o 100º Aniversário da chegada do primeiro vapor a Balsas, e também da Rua do Frito que, naquele mesmo dia, em 1911, mudou de nome. Nela, ficava esta casa, onde Rosa Ribeiro e Maria Bezerra criaram todos os filhos:

 

Fachada original de nossa casa

 

                        No decorrer do tempo, nossas famílias mais se entrelaçaram, com dois casamentos entre os primos: Raimundo com Maria Alice, e Bergonsil com Izaura Maria. Hoje, os Sousa e Silva e os Albuquerque e Silva somam acima de 200 descendentes!

 

                        Tio Cazuza e Madrinha Ritinha, assim como três de seus filhos, Antônio, médico, Raimundo, químico industrial, e Pedro Ivo, contador, são hoje saudade, permanecendo, porém, suas imagens e suas lembranças indeléveis em nossos corações.

 

                        De nosso lado, Rosa Ribeiro e Maria Bezerra, bem como três de meus irmãos, Maria Isaura, professora, Maria Alice, tabeliã, e Afonso Celso, advogado, também já partiram para a eternidade, deixando-nos felizes recordações.

 

                        No dia 5 de agosto de 2012, a caçula Izaura Maria, publicitária, casada com meu irmão Bergonsil, químico industrial, ambos residentes em Niterói (RJ), completou 70 anos de idade, o que celebramos com pompa e circunstância, acorrendo familiares de várias partes do país. Família que reza e festeja unida, permanece unida! É o velho casarão dos Sousa e Silva a reinventar-se a cada reunião que realizamos em qualquer canto do país.

 

Fachada atual do velho casarão: início do Século XXI

 

                        Olhando agora a foto recente da mansão do Tio Cazuza, observo que, diante da insensibilidade da passagem do tempo, pouco restou da arquitetura original, mas ainda se observam pequenos detalhes que fazem rememorar sua bela história, testemunhas de um tempo feliz que jamais nos voltará.

 


Memorial Balsense segunda, 15 de maio de 2017

A CASA DO DOUTOR DIDÁCIO

A CASA DO DOUTOR DIDÁCIO

Raimundo Floriano

(Matéria escrita em 2014, antes da venda da casa)

 

 Casa do Doutor Didácio: baluarte contra as inovações

 

                         Quando saí de Balsas para estudar em Floriano, em fevereiro de 1949, sua população urbana era de 3.500 habitantes; hoje, decorridos 64 anos, esse número já ultrapassa a marca dos oitenta mil!

 

                        Sempre retornei a minha cidade, em férias escolares ou profissionais. Até o início dos Anos 1970, minha terra natal permanecia quase intocada, com suas casas sempre de portas abertas, seus quintais, verdadeiros pomares, a paquera na Praça Getúlio Vargas, também conhecida como Praça da Matriz, os portos de banho separadamente para homens e mulheres.

 

                        Mas aí chegaram a televisão, o asfalto, a água encanada, o fogão a gás, a iluminação elétrica e o item predominante em sua transformação: a explosão agrícola, que atraiu gente de todas as partes do Brasil e até do Exterior, mais comprometida com o resultado econômico de seus negócios do que com a manutenção do patrimônio cultural da urbe.

 

                        Balsas esparramou-se horizontalmente. E o progresso foi inevitável. Ao mesmo tempo em que proporcionou, a olhos vistos, benefícios em todos os ramos de atividade, não se limitou às novas áreas de expansão comercial e populacional. Aos poucos, foi agredindo também o coração da cidade, seu centro histórico, que ainda é a Praça da Matriz.

 

                        No dia 22 de março de 2018, Balsas comemorará seu Primeiro Centenário. Embora ainda muito nova, não dou mais 50 anos para que seja uma cidade sem memória, sem cara, sem emoções.

 

                        Com novos habitantes e novos costumes, chegamos ao ponto de qualquer um de nós, ali nascidos e fora de lá há mais de 40 anos, sejamos tidos, ao voltarmos a nossas origens, como ilustres desconhecidos.

 

                        Hoje, observando-se a Praça da Matriz, aquela onde a maioria de nós aprendeu as primeiras letras e também a engatar os primeiros namoros, onde havia um grupo escolar, mais tarde um ginásio, um coreto, onde a casa do Tio Cazuza funcionava como o clube social da cidade, onde se localizaram grandes estabelecimentos comerciais, como as lojas de Alexandre Pires, Augusto Pires, Antônio Fonseca, Hermes Fonseca e do próprio Tio Cazuza, a mercearia de Madrinha Ritinha Pereira, a sorveteria de Seu Lima e o Hotel 4 de Setembro, eu dizia, observando-se a Praça, nem a Igreja Matriz escapou, restando-nos apenas um monumento – o único – resistindo a todo o processo de inovação e dando-nos conta de um passado nem tão distante: a casa do Doutor Didácio.

 

                        Para que nos reste apenas essa referência histórica, devemos agradecer, sempre, ao clã Fonseca Santos, que tem mantido incólume este solar, contador de muito de nosso passado, de nossa vida, de nossa história. Por isso, temos de render um preito de homenagem ao homem que soube incutir em sua família o amor pela terra, por suas raízes, pela tradição balsense. Falemos um pouco desse grande vulto de nossa história, o Doutor Didácio.

 

Didácio Coelho dos Santos 

                        A tarefa não é fácil, diante da quase total ausência de dados para orientá-la e também da inconfiabilidade dos existentes, como se pode atestar no quadro abaixo, publicado na Revista Viva, editada pela Prefeitura Municipal de Balsas, no final de 2012, com o Balanço Administrativo do período 2005/2012:

  

                        Minha memória do que vivi leva-me a constatar estas incongruências: Paulo Ramos foi Interventor – Governador – do Maranhão de 1936 a 1945, nomeado por Getúlio Vargas; Didácio Coelho dos Santos foi Prefeito de Balsas, nomeado pelo Interventor, de 1931 a outubro de 1945, quando caiu o Estado Novo; Roosevelt Moreira Kury, o Doutor Rosy, foi Prefeito de 1º de janeiro de 1956 a 31 de dezembro de 1960; Alexandre Pires – assisti à posse –, de 1º de janeiro de 1961 a 31 de dezembro de 1965; Didácio Coelho dos Santos, de 1º de janeiro de 1966 a 31 de dezembro de 1970. Foi ele quem comandou a belíssima festa do Cinquentenário de Balsas, em março de 1968. As discrepâncias continuam: Lauro Maranhão era Ayres, e não dos Reis; José Bernardino faleceu em abril de 1984, quando exercia o mandato de Prefeito...

 

                        Baseando-me, porém, em anotações esparsas e em dados cartoriais, tentarei aqui traçar o perfil desse grande Patriarca.

 

                        Didácio Coelho dos Santos nasceu no Riachão, a 9.1.1906, filho de Felipe José dos Santos e Ignácia Coelho dos Santos, sendo seus avós paternos Félix José dos Santos e Francisca Ribeiro dos Santos, e maternos, Cosme Coelho de Sousa e Emília de Araújo Coelho.

 

                        Fez o Curso Primário em sua terra natal, o Curso Preparatório no Instituto Viveiros, em São Luís, ingressando, em seguida, na antiga Escola de Farmácia e Odontologia do Maranhão, na qual se diplomou Farmacêutico a 9.11.1929.

 

                        Ao lado de sua formação universitária, Didácio Coelho dos Santos respirava Política dia e noite.

 

                        Na Capital, trabalhou como funcionário da Secretaria de Justiça do Maranhão sendo, posteriormente, designado para compor a Comissão Reorganizadora da Biblioteca Pública do Estado.

 

                        Em 1929, abraçou também a atividade partidária, na campanha da Aliança Liberal a favor das candidaturas de Getúlio Vargas e João Pessoa para Presidente e Vice-Presidente da República.

 

                        No início de 1930, fixou residência definitiva em Balsas, onde inaugurou a Farmácia Santos, numa época em que Balsas não dispunha de um médico sequer, tornando-se ele uma das pessoas mais queridas e influentes da cidade que escolhera para viver.

 

Dona Milu: imagem de 1991 

                        No dia 8.3.1930, casou-se com Emiliana Fonseca Santos, a Dona Milu, natural da Vila de Grajaú (MA), nascida a 9.4.1910 e filha do Coronel Antônio Fonseca e de Genoveva Solino da Fonseca.

 

                        No ano de 1931, o Interventor Paulo Ramos nomeou-o Prefeito de Balsas, cargo no qual permaneceu até 1945, ano em que conquistou, pelo voto direto, seu primeiro mandato de Deputado Estadual, reelegendo-se para mais três Legislaturas.

 

                        Na Política, o Doutor Didácio foi um vitorioso. Abraçando-a após a obsolescência dos regimes dos coronéis, jamais perdeu uma eleição em que foi candidato, tornando-se o grande chefe político de Balsas, acatado tanto pelos correligionários quanto pelos adversários.

 

                        Assim é que, em 1965, novamente pelo voto direto, se elegeu Prefeito, como dito acima, realizando a maior festa de todos os tempos em Balsas, qual seja, a comemoração de seu Cinquentenário, quando milhares de balsenses residentes em outras cidades compareceram para rever seu berço e seu povo.

 

                        Em cidade pequena como a nossa, era muito natural que as famílias se entrelaçassem por meio de liames diversos. Assim aconteceu com a minha: o Doutor Didácio foi meu Padrinho de Batismo, por procuração; Dona Milu era Madrinha de Crisma de Maria Alice, minha irmã; e uma das filhas do casal contraiu matrimônio com um de meus primos.

 

                        Dona Milu formou com o Doutor Didácio um casal perfeito e exemplar para todas as famílias balsenses. Ela, sem descuidar da educação esmerada que deu a todos os filhos, era o braço direito na farmácia, onde desempenhava a delicada tarefa de manipulação de receitas. A seguir, cena tomada na Farmácia Santos, em 1987, com Doutor Didácio já afastado das lides legislativas:

 

Doutor Didácio e Dona Milu: Farmácia Santos em dia comum 

                        Depois que meu Tio Cazuza faleceu, a casa do Doutor Didácio passou a se constituir num endereço certo para nossas festas, sempre franqueada aos pedidos da juventude. Aliás, nesse aspecto, devo igualmente mencionar também as residências de Seu Augusto Pires e Seu Gesner Soares. Esses três chefes de família jamais disseram não a nossas solicitações.

 

                        O Doutor Didácio e Dona Milu tiveram sete filhos, constituindo admirável prole, hoje configurada em numerosos descendentes que sempre honram a história de seus ancestrais e têm nossa Balsas Querida como ponto de referência em suas vidas.

 

                        No dia 20 de julho de 1991, nossa família comemorou o Centenário de Rosa Ribeiro, meu pai, ocorrido a 17 de fevereiro daquele ano, com Missa na Igreja Matriz, à qual o Doutor Didácio e Dona Milu compareceram. Foi a última vez que o vi. Dez dias após, a 30.7, ele viria a falecer, vítima de enfarte do miocárdio. Sete anos depois, a 26.7.1998, faleceria Dona Milu.

 

                        O Doutor Didácio foi o Farmacêutico que por mais tempo desenvolveu sua atividade no Brasil, pois a Farmácia Santos permaneceu sob sua direção por 61 anos, período que vai de 1930 ano da fundação, a 1991, quando ele deixou a vida terrena.

 

                        Eis a Casa! Eis o Patriarca! Eis sua descendência! Traduzindo a opinião que tenho sobre esse grande homem público, maior vulto político balsense de todos os tempos, externarei em seletos adjetivos os predicados inerentes a sua personalidade: honrado, calmo, honesto, inteligente, erudito, simpático, eficiente, bem-humorado, elegante, compreensivo, complacente, pacificador!

 


Memorial Balsense sábado, 13 de maio de 2017

PROFESSOR LUIZ RÊGO, O PLANTADOR DE ESCOLAS

PROFESSOR LUIZ RÊGO, O PLANTADOR DE ESCOLAS

Raimundo Floriano

 

 Luiz de Moraes Rêgo

 

                        Estudei todo o Curso Primário no Grupo Escolar Professor Luiz Rêgo, estabelecimento público estadual, em Balsas, sertão sul-maranhense, tendo como Diretoras, primeiro, Dona Rute Rocha, a seguir, Dona Laíse Freire e, depois, Maria Isaura, minha irmã; e como Preceptoras as Mestras Jesus Fonseca, Maria Alice, também minha irmã, Jesus Pires, Nazaré Borba e, por último, Hamedy Kury, concluindo, no final de 1948, o 5º Ano Primário. Estava apto a seguir meu caminho, qual seja, montar no lombo dum burro ou embarcar numa balsa, num motor, na carroceria dum caminhão e partir rumo à busca de mais saber, no intuito de conquistar o sul-maravilha, a independência financeira, o Mundo, enfim.

 

                        O Grupo Escolar Professor Luiz Rêgo funcionou, desde sua fundação, até o final do ano de 1944, no prédio hoje ocupado pelo Clube Recreativo Balsense, à Praça Eloy Coelho. A foto a seguir é do início do ano de 1940, batida no patamar da Igreja Matriz:

 

Professoras e alunos em 1940

 

                        Nela vemos, ladeando o Corpo Discente, Dona Rute Rocha, à esquerda, e minha irmã Maria Isaura à direita, recém-formada e já lecionando no Grupo. À frente, no centro, esse menino de uniforme diferente e cabelo cacheado sou eu, Raimundo Floriano, que, com menos de 4 anos, era levado para a escola apenas para comer merenda e brincar, o que resultou em minha alfabetização espontânea, muito antes das outras crianças da mesma idade.

 

                            Em 1944, o Grupo mudou-se para a Praça Getúlio Vargas, ou da Matriz, passando a ocupar um prédio especialmente construído para seu funcionamento, que hoje o progresso acabou por modificar, restando dele apenas esta foto para testemunhar seus tempos de glória:

 

Grupo Escolar Professor Luiz Rêgo como era em 1949

 

                        Assim como o Educandário Coelho Neto, o Luiz Rêgo também oferecia excelente qualidade de ensino e contabilizou em seu crédito a formação fundamental de alunos que saíram de Balsas para sobressaírem-se em todos os ramos de atividade profissional, dentre eles até um Presidente da República, o Zé do Sarney, como já foi dito no perfil do Professor Joca Rêgo. Alguns deles hão de se reconhecer ao ver a foto de 1940.

 

                      Mas... quem foi Luiz Rêgo? Essa é uma pergunta que se faz a qualquer balsense de hoje, e nenhum sabe responder. No intuito de preencher tão grande lacuna, resolvi registrar em livro o perfil desse grande educador.

 

                        Luiz de Moraes Rêgo nasceu no dia 28 de outubro de 1906, em São Luís, onde veio a falecer no dia 9 de janeiro de 1987, aos 80 anos de idade. Era filho de João Maia de Moraes Rêgo e de Dona Custódia Veloso de Moraes Rêgo. Durante toda sua existência, empenhou-se, primeiramente, em amealhar conhecimentos, a fortalecer-se intelectualmente, para depois dedicar todo o patrimônio de sapiência apreendido em prol da educação e da cultura do povo maranhense.

 

                        Iniciou seus estudos na Escola Modelo Benedito Leite, onde concluiu o Curso Primário, ingressando, a seguir, na Escola Normal, após o que se diplomou no Curso Superior de Farmácia, com especialização em Química. Fez Pós-Graduação em Planejamento de Administração em Educação em San Diego, Califórnia, EUA, obtendo o grau de Mestre.

 

                        Durante toda a fase estudantil, foi excelente jogador de futebol, ponta-canhota de petardos indefensáveis, podendo jogar em qualquer grande time do Brasil, atividade que abandonou ao preferir dedicar-se inteiramente ao Magistério.

 

                        Seu currículo magisterial, a que se entregou de corpo e alma em todas as horas de sua vida, é riquíssimo e intenso.

 

                        Foi Diretor da Escola Normal, de 1932 a 1936. Em 1934, fundou o Colégio de São Luiz, do qual foi Diretor até 1977, ano de sua desativação. Nele, tudo era novo e moderno: laboratórios de ciências físicas, químicas e naturais, instrumentos musicais, aparelhos de ginástica, máquinas e equipamentos para trabalhos manuais, confortável auditório, com palco para teatrinho e música, e um grêmio cultural que editava jornal, realizava sessões de cinema e concursos literários.

 

                        De agosto de 1936 a março de 1945, o Maranhão conheceu o melhor governo de todos os tempos, na pessoa do Doutor Paulo Martins de Souza Ramos, nomeado Interventor pelo Presidente Getúlio Vargas. Paulo Ramos foi o Governador do Maranhão com maior número de realizações, destacando-se: criação do Banco do Estado, em 1938, como entidade proporcionadora de recursos para financiamento de projetos que se revestiram no desenvolvimento maranhense, o qual, mais tarde, sob a denominação de Banco do Estado do Maranhão, foi vendido para o Bradesco; criação do Departamento de Estradas de Rodagem, que foi extinto na Gestão Roseana Sarney; moralização administrativa, sendo o único governador, até março de 1945, que exerceu o cargo sem suspeita alguma de irregularidades, pois não constituiu fortuna duvidosa nem distribuiu favores a seus amigos, o que era comum no Maranhão naquela época; saneamento das contas públicas, eis que, ao deixar o Poder, entregou o governo para o Dr. Clodomir Cardoso, jurista, advogado e escritor, sem qualquer dívida do Estado.

 

                     Mas foi no setor da Educação que Paulo Ramos produziu sua tacada magistral: nomeou o Professor Luiz Rêgo como Diretor de Instrução Pública do Estado. Com essa missão plenipotenciária, Luiz Rêgo empenhou-se no mister de plantar Grupos Escolares Estaduais em todas as cidades maranhenses onde elas só existiam nas esferas municipal ou particular. Assim, nasceu em Balsas aquele que, mais tarde, seria denominado Grupo Escolar Professor Luiz Rêgo.

 

                        De seu magnífico e invejável histórico de homem público constam estes créditos: Secretário de Educação, de 1941 a 1945 e de 1971 a 1972; Presidente do Rotary Clube de São Luís, de 1940 a 1941 e de 1944 a 1945; Governador do Rotary Clube Internacional, de 1949 a 1950; Membro da Academia Maranhense de Letras, a qual presidiu por 20 anos.

 

Acadêmicos Luiz Rêgo, Virgílio Domingues, Domingos

Vieira e Cônego Ribamar Carvalho - Foto de 1969

 

                        De sua bibliografia constam estes títulos: Meu Desejo de Ser Útil (1932), Questões de Educação (1934), Educação e Ensino (1935) e Cultura e Educação (1938).

 

                        O Professor Luiz Rêgo foi casado por duas vezes. Do primeiro casamento, com Inah Araújo Moraes Rêgo, teve os filhos Maria Júlia, Luiz Carlos, Luiz Fernando, Luiz Augusto, Luiz Rodolfo e Luiz Henrique, todos com o sobrenome Moraes Rêgo; do segundo, com Valdefia Souza de Moraes Rêgo, teve a filha Alessandra Souza de Moraes Rêgo.

 

                        No início de 1951, o Luiz Rêgo deixou o prédio da Praça Getúlio Vargas – mais tarde ocupado pelo Ginásio Balsense – e mudou-se para a Praça Gonçalves Dias, a mesma do Educandário Coelho Neto. As novas instalações eram providas de um teatrinho com palco e de residência para a Diretora, na época minha irmã Maria Isaura, que promoveu ali inesquecíveis “dramas”, assim chamados naquele sertão os espetáculos literomusicais e artísticos, com a participação da juventude local.

 

                        Devido a modificações impostas pela modernidade do ensino, o Grupo transformou-se e expandiu-se, recebendo a denominação de Unidade Integrada Professor Luiz Rêgo, como adiante se vê:

 

Prédio do Grupo Escolar Professor Luiz Rêgo: início de 1951

 

                       Possuo em meu acervo o Álbum dos Municípios do Interior do Maranhão, organizado pelo Jornalista Miécio de Miranda Jorge, membro da Sociedade de Cultura Artística do Maranhão, editado no ano de 1950, trazendo fotos de Grupos Escolares existentes em diversas cidades maranhenses, cujos prédios seguiram a mesma arquitetura, o mesmo layout do Grupo Escolar Professor Luiz Rêgo balsense, onde cursei o Primário.

 

                        Estranhamente, só Balsas, minha querida cidade natal, homenageou esse grande benfeitor, dando seu nome ao Grupo Escolar por ele criado!


Memorial Balsense sexta, 12 de maio de 2017

PROFESSOR JOCA RÊGO, O TELÚRICO

PROFESSOR JOCA RÊGO, O TELÚRICO

Raimundo Floriano

 

 Professor Joca Rêgo - Acervo Sakura

 

                             Mestre e disciplinador!

 

                        João Joca Rêgo Costa Junior, o Professor Joca, filho de João Joca Costa e Ana Joaquina Rêgo, a Santaninha, nasceu em Conceição do Araguaia (PA), no dia 11.1.1908, e faleceu em Balsas (MA), no dia 27.9.1992. Eram seus avós: paternos, Abílio Ayres Costa e Luzia Ayres Costa; e maternos, Torquato Augusto Pereira Rêgo e Archângela Angélica Silva Rêgo.

 

                        Não conheceu o pai, que era fazendeiro na região e, em setembro de 1907, foi traiçoeiramente assassinado em decorrência de disputa de terras com seringueiros e comerciantes, deixando a esposa grávida de cinco meses. Sua mãe, que já tinha três filhos, contraiu novas núpcias duas vezes, dando à luz mais três, e veio a falecer em São Luís (MA), no ano de 1941.

 

                   Joca Rêgo iniciou os estudos em sua terra natal. Ao concluir o Curso Primário, em 1922, foi estudar no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro (RJ), onde se destacou pela inteligência e aplicação, recebendo uma medalha de ouro de Honra ao Mérito, da qual muito se orgulhava. Ao final do curso, foi graduado como Bacharel em Letras, transferindo-se para a cidade de Carolina (MA), na qual sua mãe fixara residência e onde passou ele a exercer o Magistério.

 

                       Sua fama como educador logo ultrapassou as fronteiras carolinenses, atingindo os municípios em derredor, e impressionou fortemente a numerosa colônia de sírio-libaneses – os carcamanos – que se formara em Balsas e ali prosperara no ramo comercial. Preocupados com a educação de seus filhos, os carcamanos, em 1928, mandaram buscar o Professor Joca em Carolina, para que ministrasse a seus descendentes os rudimentos necessários a capacitá-los a ler, escrever e fazer conta.

 

                        Assim, com apenas 20 anos de idade, o Professor Joca assumiu a direção do Colégio Sírio Brasileiro, fundado a 5 de agosto de 1928 e localizado à Praça Gonçalves Dias, passando a lecionar não só para os filhos dos carcamanos, e sim para todos os que buscassem seus ensinamentos. Em pouco tempo, o Sírio Brasileiro era procurado pelos habitantes de localidades adjacentes, e também por alunos vindos do Pará, do Piauí, de Goiás e até da Bahia, de São Paulo e do Rio de Janeiro. A partir de 1933, o Sírio Brasileiro passou a denominar-se Educandário Coelho Neto, com internato, semi-internato, externato e currículo escolar que ia da Carta de ABC à conclusão do Curso Primário.

 

Prédio do antigo Educandário - Acervo Sakura

 

                  Tudo o que até aqui foi dito encontra-se escrito em várias fontes de consulta que subsidiaram esta matéria com suas preciosas informações. Nos agradecimentos, ao final deste livro, darei o merecido crédito a todas elas.

 

                        O que me impressiona sobremaneira é o fato de o Professor Joca ser detentor de um histórico respeitável, ter estudado no Rio de Janeiro e exercido o Magistério em Carolina e em Balsas, sem possuir documento civil algum, pois apenas foi registrado em Cartório no ano de 1934, aos 26 anos de idade, como se vê nesta Certidão:

  

                        Tenho em mãos a Certidão verbum ad verbum do registro feito por meu pai, Emigdio Rosa e Silva, Seu Rosa Ribeiro, Tabelião do 2º Ofício na época, ocorrido no dia 17.8.1934. Na averbação, consta que o ato obedeceu ao Decreto nº 19.710, de 18.1.1931, e modificações, que obrigava ao registro, sem multa, dos nascimentos havidos no Território Nacional, desde 1º de janeiro de 1889 até 27 de junho de 1934.

 

                        Deixo ao talante dos leitores as conclusões que lhes convierem.

 

                        Não estudei no Educandário Coelho Neto, mas sempre admirei o Professor Joca. Passei a frequentar o Educandário nas férias de final de ano, quando ele oferecia uma panelada para todos os estudantes – assim denominados por lá os que estudavam em outras cidades –, quer tivessem sido alunos seus ou não. Numa dessas, ele me falou sobre jornada que empreendera com todos os seus pupilos para o Riachão, distante 12 léguas – 72 km –, da qual falarei mais adiante.

 

                        O que escreverei a seguir é fruto de minha observação pessoal, de depoimentos de ex-alunos do Educandário, como José Aluizio da Silva Soares, Edwaldo Reis da Silva, e Sileimann Kalil Botelho, e de familiares meus que viveram no tempo do professor.

 

                        Rapaz elegante, com 1,80m de altura – um gigante para os padrões sul-maranhenses –, forte, atlético, belo, altivo e financeiramente resolvido, Joca Rêgo, ao chegar em Balsas, derreteu os corações das mocinhas casadoiras, especialmente o de minha prima Zenóbia, assunto este que voltarei a referir ao final.

 

                        O começo de sua missão educacional em Balsas não foi só de flores. Havia certos alunos recalcitrantes, para os quais ele teve que empregar a força pessoal, aos tapas e bofetões, chegando a estender esses entreveros aos pais de alguns. Mas logo se adaptou aos costumes da terra, onde a formação de caracteres era coadjuvada por um item mágico, que fazia parte dos utensílios de qualquer residência balsense, rica, remediada ou pobre, naquele início de Século XX: a palmatória, ou férula, como diziam os antigos.

 

Palmatórias do Educandário - Acervo Sakura

 

                        Conforme depoimento do amigo Aluizio Soares, o pau cantava, sem distinção, não só na Diretoria, aonde eram encaminhados os alunos transgressores ou relapsos, para o devido corretivo, a cargo do Professor Joca, como nas salas de aula, dirigidas por seus Auxiliares. Notadamente durante as Sabatinas, aquele que errasse uma resposta levava na mão um bolo – a temida palmatoada – do primeiro que a respondesse corretamente.

 

                        O Educandário funcionava em dois turnos, tanto para os alunos internos e semi-internos, como para os externos, com intervalo de uma hora para almoço. Assim, o corpo discente passava o dia envolvido com aulas, livros, cadernos, exercícios, trabalhos diversos e esporte, o que transformava cada qual em potencial candidato ao sucesso, preparado a enfrentar o Exame de Admissão em qualquer Ginásio do Brasil. Os internos eram alojados em dormitórios providos de redes e iluminados à noite por lamparinas. Não havendo geladeira, potes serviam de bebedouros, tudo na mais perfeita higiene. A água era retirada por meio de um copo com cabo comprido, chamado coco, e depositada no copo individual, para que ninguém ali o enfiasse diretamente.

 

Potes, cocos e copos do Educandário - Acervo Sakura

 

                        A eficiência da palmatória do Educandário logo se fez conhecida por toda a parte, e foram muitos os pais que, de diversas regiões brasileiras, enviaram para o Professor Joca seus rebentos considerados irrecuperáveis, para que ele os pusesse nos eixos. Mas nem todos os pais aceitaram essa didática. Como foi o caso do genitor do aluno Zé do Sarney.

 

                        O Quadro de Honra do Educandário conta com o nome de médicos, engenheiros, bacharéis em todas as ciências, altas patentes das Forças Armadas, parlamentares, governador e, até, um Presidente da República, este por pouco tempo.

 

                        No ano de 1939, chegou a Balsas, transferido da Capital, o Promotor Sarney de Araújo Costa com sua mulher e filhos, dentre os quais José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, conhecido como Zé do Sarney, com 9 anos de idade, que foi matriculado no Educandário.

 

                        A permanência do menino ali durou pouco. Zé do Sarney era um menino estudioso, aplicado, sabido, ladino e esperto, mas, numa aula de Geografia, ministrada pelo Professor Joca, errou os nomes dos afluentes da margem direita do Rio Amazonas, ao omitir o Tapajós e o Xingu, razão pela qual foi agraciado com duas palmatoadas, aplicadas com a palmatória grossa – vista em foto acima –, privativa do Diretor, e voltou para casa chorando, com as mãos inchadas.

 

                        O Promotor, revoltado, armou-se com seu revólver, na intenção de ir ao colégio tomar satisfações com Joca Rêgo, no que foi contido pela mulher e por Dona Iaiá Gomes, proprietária do Hotel 4 de Setembro, onde a Família Sarney se hospedara. Restou ao pai, como ato de desagravo, tirar o menino do Educandário e matriculá-lo no Grupo Escolar Professor Luiz Rêgo.

 

                        Em 1943, aos 7 anos de idade, quando comecei a prestar atenção nas coisas da vida, o Brasil já rompera relações diplomáticas com a Alemanha, e era iminente o envio de tropas brasileiras pra lutar na Europa, junto aos Aliados. Respirava-se, portanto, clima da Guerra, o que me fez gravar na memória a imagem dos alunos do Educandário fardados, muito parecida com a da capa do caderno Avante, usado por todos nós, crianças daquele sertão.

 

Capa do caderno Avante

 

                        Muito tempo depois, pesquisando com amigos ex-alunos do Educandário, quase todos não se lembraram desse detalhe da farda, à exceção de dois: os ora saudosos Edwaldo Reis e Sileimann Botelho. Edwaldo aventou a possibilidade do uniforme, ao lembrar-se de que o Professor Joca criara o primeiro – e único, digo eu – grupo de escotismo balsense. Sileimann foi mais além, com relato adiante transcrito:

 

“Fui aluno, sim, do Educandário Coelho Neto. Fiz os três anos Primários lá, de 1935 a 1937. Estava matriculado para a quarta série, quando meu pai morreu, a 26 de fevereiro de 1938, e tive de assumir seus negócios no velho Mercado, eis que minha mãe era semianalfabeta. Queria falar do Integralismo que, naquela época, esteve muito em moda no Brasil, e o nosso Professor Joca instalou uma espécie de célula no próprio Educandário!!! O pessoal vestia aquele uniforme de camisa verde e fazia exercícios que pareciam mais apropriados para a luta de verdade que pregavam. Não vou esquecer nunca a ocasião em que assisti à Maria José, filha do meu suposto Tio Abdon Bucar, nocautear um colega que não lembro quem, com um violento golpe de carateca ou capoeira!!! A coisa era séria de verdade! E os que participavam ganhavam pontos com o Professor!!! E, para situar bem o local onde as coisas foram montadas, esclareço que o foi num prédio que o árabe José Salim construiu ali dos fundos do Major Cury, até a esquina da Praça de Santo Antônio, para receber a esposa e filhos que havia deixado na Síria e estava trazendo para o Brasil. Ficou pouco ali, mudando-se logo para Floriano. Infelizmente, não me acodem mais à memória datas assim precisas. Mas, com certeza, foi ali pelos anos de 1939 e 1940.”

 

                        Ficando esclarecido que havia uniforme, prossigamos!

 

                    Naquele efervescente ano de 1943, o Professor Joca e seus educandos – cerca de 400 alunos – foram partícipes de um feito memorável, digno de constar nos Anais da História Balsense, que foi esquecido, como sói acontecer com os proeminentes vultos municipais.

 

                        Em jornada cívica, deslocaram-se para a cidade do Riachão, distante 12 léguas, percurso que tomou dois dias, tanto na ida, quanto na volta.  A maioria viajou a pé, fazendo-se exceção para os que tinham até 10 anos, que seguiram montados em jumentos, muares e cavalos, como foi o caso de dois de meus primos, Pedro Ivo e João Ribeiro, filhos de meu Tio Cazuza. Saíram de Balsas no dia 5 de setembro, pernoitaram na estrada e chegaram no Riachão à tardinha do dia 6. Como destacamento precursor, esperava-os, em postos preestabelecidos, a Comitiva de Cozinha, com alimentos quentes, água, medicamentos e outros itens de primeira necessidade.

 

                        No dia 7 de setembro, o Educandário desfilou naquela cidade nas comemorações do Dia da Independência do Brasil. No dia seguinte, participou do Festejo da Padroeira, Nossa Senhora de Nazaré. No dia 9, empreendeu a viagem de volta, chagando a Balsas na boca da noite do dia 10.

 

                        O Professor Joca sempre foi um inovador e, também, um contestador. Chegando a Balsas, logo se adaptou aos costumes da terra, um dos quais era tomar banho despido no rio. Isso era tão natural, que havia vários portos destinados a homens e mulheres, separadamente, tendo como divisórias árvores diversas e moitas de mofumbo e capim. A cidade não conhecia ainda o progresso da água encanada, e a população inteirinha se banhava era no rio mesmo.

 

                    No começo dos Anos 1940, chegou por lá o famoso Tenente Vitorino Assunção, da PM Estadual, com 10 praças, disposto a fazer cumprir as Posturas Municipais. A primeira providência foi proibir o banho pelado, causando um corre-corre do povo, atrás de calções e maiôs.

 

                   Ao iniciar a ronda, no dia seguinte, os soldados até que encontraram o Porto do Lava-Cara bem moralizado, com exceção de um mancebo, que insistiu em tomar seu banho nu. Sem querer criar um atrito, um deles correu à Delegacia e relatou o fato ao Tenente, que perguntou de quem se tratava. Ouvindo o praça falar o nome do Professor Joca, o Tenente Vitorino, sem se perturbar, apenas decretou: – Esse pode!

 

                        Mas tomar banho pelado era só um detalhe característico do Professor. Se andava montado, era em pelo, pois não admitia o uso de sela ou qualquer tipo de arreio, valendo-se, apenas de um cabresto para guiar o animal.

 

                           Se andava a pé, era sempre de branco, a mais das vezes camisa aberta ao peito e sempre descalço, para receber diretamente no corpo os eflúvios energéticos que a Terra lhe transmitia.

 

                        Seu namoro com minha prima Zenóbia não chegou a um final feliz, e até hoje é dito que isso se deveu à resistência de nossa família, em vista o aspecto telúrico do viver do Professor. No que discordo frontalmente.

 

                        Zenóbia Ribeiro da Silva, nascida a 21.1.1912, em Balsas, e falecida a 20.2.1998, em Fortaleza (CE), era filha de meu Tio João Ribeiro da Silva e de sua mulher, Maria Ribeiro da Silva, a Tia Marica. Tio João Ribeiro faleceu no dia 17.12.1930, ainda moço, com 51 anos de idade, deixando a criação da prole, composta de nove filhos legítimos e um adotivo, a cargo da viúva.

 

                        Desde a chegada de Joca Rêgo a Balsas, começou o namoro com a Zenóbia, ele com 20 e ela com 16 anos de idade e ainda estudando em Teresina, vindo a Balsas apenas nos períodos de férias. Foi amor à primeira vista, que durou, no caso dela, por toda a vida, e contra o qual Tia Marica se opôs ferrenhamente.

 

                        Logo após o falecimento do Tio João Ribeiro, Zenóbia, já Professora Diplomada, retornou definitivamente para Balsas, onde passou a lecionar e a dar continuidade ao namoro com o Professor Joca, apesar de toda a intransigência de Tia Marica.

 

                        E não havia razão alguma para isso. Ambos eram filhos de viúvas, ele o professor mais conhecido do sertão sul-maranhense, ela exercendo o Magistério, com a mãe administrando os negócios do pai, não existindo diferença social, financeira ou cultural que justificasse a rejeição por parte de nossa família. A explicação era uma só: Tia Marica era pessoa de gênio fortíssimo – carne de pescoço, como se dizia – e criou caso com todos os candidatos a genros ou noras que se lhe apresentaram, o que se revelou infrutífero, já que todos eles se casaram com quem bem quiseram, ignorando o parecer contrário da mãe.

 

                        Em 1936, Tia Marica, no intuito de dar prosseguimento aos estudos dos filhos, mudou-se com eles para Teresina. Depois, residiu em São Paulo e, por último, em Fortaleza. Durante todo esse tempo, Zenóbia vinha sempre passar férias em Balsas, mas o romance entre ela e Joca Rêgo nunca evoluía para algo mais sério.

 

                        E o tempo foi passando. Em todo esse decorrer, Zenóbia jamais namorou outro rapaz e, durante sua vida inteirinha, amou o Professor Joca Rêgo como se fosse no primeiro dia em que se conheceram. Morreu apaixonada pelo grande e único amor de sua vida.

 

                        Faltou, portanto, nessa que poderia ser uma linda história, o empenho de Joca Rêgo para enfrentar o carrancismo de Tia Marica e resolver a parada.

 

Zenóbia: linda flor que Joca Rêgo não soube colher

 

 

 

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Memorial Balsense quinta, 11 de maio de 2017

JOÃO RIBEIRO DA SILVA, UM PIONEIRO DE BALSAS

JOÃO RIBEIRO DA SILVA, UM PIONEIRO

Raimundo Floriano

 

 João Ribeiro da Silva

 

                        João Ribeiro da Silva, o Tio João Ribeiro, filho de meu avô, Capitão Pedro José da Silva, e de sua mulher em primeiras núpcias, Dona Otília Raimundina Ribeiro Soares da Silva, nasceu em Jerumenha (PI), no dia 30 de março de 1879, e faleceu em Balsas, no dia 17 de dezembro de 1930, aos 51 anos de idade. Era irmão de meu pai, Emigdio Rosa e Silva, o Rosa Ribeiro, e de José de Sousa e Silva, o Tio Cazuza Ribeiro, dentre outros.

 

                        Os dois filhos de meu avô com Dona Otília Raimundina deixaram seus nomes em todas as gerações seguintes do clã. Raimundo, o primeiro, foi nominado em homenagem à mãe; João, o último, nasceu num 30 de março, dia de São João Clímaco. Como naquele sertão as palavras proparoxítonas, esdrúxulas na antiga classificação gramatical, eram de difícil pronúncia, ficou apenas João. Vinte e quatro anos depois, em 1903, novamente no dia 30 de março, nasceu outro varão na família, este o último filho de meu avô em segundas núpcias com Dona Isaura Maria de Sousa e Silva, que, sem qualquer trava-língua, lhe deu o nome de João Clímaco.

 

                        Tio João Ribeiro passou sua infância na Fazenda Brejo e, ainda muito novo, mudou-se para Floriano, onde, juntamente com o irmão Raimundo, ingressou na atividade comercial, tornando-se, em pouco tempo, um rapaz bem situado financeiramente na vida.

 

                        A 25 de setembro de 1909, casou-se, naquela cidade, com Maria Pereira da Silva, depois Maria Ribeiro da Silva, a Tia Marica, nascida no Loreto (MA), a 25 de maio de 1893, filha do Coronel Antônio Pereira da Silva e de Dona Hermelinda Pires Ferreira.

 

                        Tia Marica veio a falecer em Fortaleza no dia 23 de julho de 1986. Eram seus irmãos: Luís Aurélio Pereira da Silva; João Batista Pereira da Silva, casado com Nemézia Santiago Pereira; Rita Pereira da Silva, a Madrinha Ritinha, casada com José de Sousa e Silva, o Tio Cazuza Ribeiro; Corina Pereira da Silva, casada com Luís da Costa e Silva; Albertina Pereira da Silva, casada com Joaquim Evelim, o Seu Quinô; e Maria de Lourdes Pereira da Silva, casada com o farmacêutico Luiz Gonzaga da Silva, o Doutor Gonzaga.

 

                        Tio João Ribeiro permaneceu residindo em Floriano até 1910. Após o nascimento do primeiro filho do casal, Antônio Ribeiro da Silva, o Ribeirinho, a 1º de julho daquele ano, mudou-se com a família definitivamente para Vila de Santo Antônio de Balsas, onde se tornou um dos mais prósperos negociantes.

 

                        Em sua esteira e sob sua proteção, para Balsas também vieram os irmãos Cazuza Ribeiro, em 1912, Rosa Ribeiro, meu pai, em 1916, e Evarista de Sousa e Silva, casada com Manoel Maranhense Costa, o Né Costa, estes moradores da Tresidela.

 

                        Sua residência era a mais bonita da cidade e se localizava na Praça da Matriz, ocupando três quartos do quarteirão entre as Ruas 11 de Julho e Isaac Martins. À esquerda, a Casa João Ribeiro, em sociedade com Tio Cazuza, uma das mais sortidas do sertão sul-marahense; à direita, a moradia, hoje um tanto modificada, mas que ainda nos pode dar uma ideia de seu passado:

 

Casa do Tio João Ribeiro: ainda guardando muito do que foi

 

                        Naqueles primórdios, não havia estabelecimentos bancários em nosso rincão – nem assaltantes ou ladrões de cofre –, fazendo com que os comerciantes passassem um bom período amealhando o produto de suas vendas em dinheiro para, com a bolsa fornida, embarcar numa balsa de talos de buriti carregada de gêneros agropecuários e seguir rumo aos centros comerciais adiantados, onde quitariam compromissos anteriormente assumidos e adquiririam novo estoque de produtos industrializados.

 

                        No final do ano de 1926, período das enchentes, Tio João Ribeiro descia com uma grande balsa, rumo a Teresina, carregada de couros de boi, coco babaçu, passageiros e, em sua bagagem, pequena maleta contendo 30 contos de réis, considerável fortuna para a época. Já no Rio Parnaíba, chegando ao perigoso Remanso do Surubim, num dos rebojos das águas, a embarcação foi arremessada contra pontiagudo rochedo, espatifando-se por completo. Os passageiros, todos bons nadadores, conseguiram alcançar as margens. Um deles, agarrado a alguns talos, conseguiu segurar a maleta do dinheiro, que passava boiando a seu alcance, e levou-a intacta ao dono, o qual ficou três dias na casa de um morador à beira do rio, esperando as cédulas secarem ao sol. Como eu disse, por ali não havia assaltantes. Era no tempo em que homens tinham vergonha na cara.

 

                        O pioneirismo de Tio João Ribeiro se faz notar não só pelo fato de haver chegado a Balsas oito anos antes de sua emancipação, o que se deu em 1918, mas também pelo progresso que trouxe para a região.

 

                        Em uma de suas viagens a Floriano, ao conhecer um gasômetro a carbureto, desenhou-o e, chegando a Balsas, produziu, com a arte do funileiro José Santiago, um igual, o que fez de sua casa a primeira com iluminação a gás na cidade. Mais tarde, adquiriu moderno aparelho similar de fabricação alemã, com o qual iluminou sua casa e também parte da Praça da Matriz, instalando alguns bicos de luz em sua esquina.

 

                        Trouxe para Balsas a primeira máquina de escrever, uma Underwood 1913 americana, em cujo manual Tio Cazuza logo aprendeu a escrever, tornando-se o primeiro datilógrafo da cidade e causando verdadeiro encantamento nos matutos, abismados ao verem aquelas letrinhas saindo todas certinhas, alinhadas no papel.

 

                        Em 1930, comprou, em sociedade com Tio Cazuza, o primeiro automóvel da cidade, um Ford, Modelo 1929, praticamente do ano, transportado do Oceano Atlântico numa barca a reboque do vapor Joaquim Cruz. No mesmo ano, o Coronel Antônio Fonseca, outro grande Patriarca balsense, faria o mesmo, trazendo um Fiat zerado. Como esses dois veículos tiveram que furar estradas para todas as paragens daquele sertão, seu tempo de duração foi curto, deles restando apenas fotos esmaecidas.

 

Ford 1929: o primeiro automóvel em Balsas

 

                        No dia 17 de dezembro daquele ano, Tio João Ribeiro veio a falecer, vítima de enfermidade que o levou, com apenas 51 anos de idade, quando se encontrava no auge de suas realizações.

 

                        Tio João Ribeiro e Tia Marica tiveram 14 filhos, cinco dos quais pereceram em tenra idade – ainda não fora descoberta a penicilina –, e adotaram um, o Augusto, filho dos cunhados Quinô e Albertina. Abaixo, a foto dos remanescentes, batida em 1940:

 

Raimundo, Aluísio, José, João, Augusto, Antônio,

Pedro, Alberto, Zenóbia e Maria de Lourdes

 

                        Nome completo dos filhos: Raimundo Ribeiro da Silva, o Titina; Aluísio Ribeiro da Silva; José Ribeiro da Silva; João Ribeiro da Silva Filho; Augusto Pereira Evelim; Antônio Ribeiro da Silva, o Ribeirinho; Pedro José da Silva Neto; Alberto Ribeiro da Silva; Zenóbia Ribeiro da Silva; e Maria de Lourdes Ribeiro da Silva.

 

                        Tia Marica quase não teve juventude. Casou-se aos 16 anos e, aos 37, enviuvou, recaindo-lhe sobre os ombros o peso de dar continuidade aos negócios do marido e a tarefa de educar os 10 filhos, este seu sonho maior. Assim, no ano de 1936, com dois deles já formados, Ribeirinho, Farmacêutico, e Zenóbia, Professora, mudou-se com toda a família para Teresina, transferindo, mais tarde, sua parte da sociedade na Casa João Ribeiro para meu Tio Cazuza. Depois disso, residiu em São José dos Campos (SP) e, mais tarde, em Fortaleza, onde veio a falecer.

 

Tia Marica em 1978

 

                        Tia Marica ficou conhecida pela intransigência com qualquer pessoa que se acercasse de seus filhos com o propósito de namoro. Pequena parte disso é creditada à responsabilidade que ela assumiu, sozinha, para educar a prole. Grande parte, no entanto, deve-se ao fato que ela era possuidora de um gênio forte, de difícil convivência, osso duro de roer.

 

                        Isso descontado, pode-se dizer que foi mulher de extrema coragem, jamais esmorecendo diante das adversidades. Superou-as com galhardia e soube manter a dignidade da família, guiando-a por seus passos na vida, fazendo de cada filho um vencedor.

 

                        Um deles, o Pedro José da Silva Neto, criou uma estirpe que até perpetuou o nome do clã. Coronel do Exército, os quatro filhos varões seguiram a carreira militar. Um deles, o Pedro Augusto, alcançou a alta patente de General de Exército – 4 estrelas. Hoje, os netos e bisnetos militares do Tio João Ribeiro espalham-se por este Brasil afora, onde não há quartel de Infantaria que não conheça um Silva Neto, nome de guerra de todos.

 

                        Tia Marica lia muito, o que lhe brindou com uma cultura geral razoável. Sua conversa era agradável, tanto pelo timbre de voz quanto pelas citações que apreendera dos livros. E também tinha as próprias sentenças, baseadas nas experiências vividas.

 

                        Se estava aborrecida com alguém, dizia: – Eu só quero quem me quer!; ou: – Minha gente, eu sempre ouvi dizer que a ingratidão tira a afeição! Referindo-se a pessoa orgulhosa: – É preciso ter cuidado, porque o orgulho se abate! Quando alcançava um objetivo: – Triste da coisa que eu botar o cavalo em cima! Ao atravessar grande perigo: – Estamos com Deus e com a Santa Cruz, salvai a nós todos, Jesus! E, também: – Nas horas de Deus e da Virgem Maria!

                       

                        Muito religiosa, quando qualquer dos filhos viajava, mandava-o primeiro beijar os Santos. Para isso tinha em casa um pequeno oratório, com imagens de todos os Santos de sua devoção. Era Zeladora do Sagrado Coração de Jesus, entidade religiosa muito antiga, à qual pertenciam quase todas as senhoras de nossa terra.

 

                        Já no fim da vida, dizia ser agradecida a Deus por ter vivido muito, para poder arrepender-se de seus pecados. Portadora de fé inquebrantável, Tia Marica soube conservá-la até seus últimos segundos na Terra.

 


Memorial Balsense quarta, 10 de maio de 2017

DOIS FILHOS DE ASCENDINO PINTO: PROFESSOR WILSON ARAGÃO E PADRE SOLON

DOIS FILHOS DE ASCENDINO PINTO:

PROFESSOR WILSON ARAGÃO E PADRE SOLON

Raimundo Floriano

 

 Ascendino Pinto de Aragão

 (Necessário introito para explicar-lhes meu parentesco com o ilustre clã Pinto de Aragão. No tempo a que agora me reporto, a ideia de família era muito abrangente, e mais valiam os laços afetivos que os sanguíneos. José da Silva Albuquerque, nascido em 1885, filho de Manoel Raimundo de Albuquerque e Izidora Leão da Silva, irmão de minha avó materna, Ana de Albuquerque Bezerra, casou-se, em Balsas (MA), a 7.12.1911, com Eulina Correia de Castro, nascida em 1896, filha de Joaquim Correia Sobrinho e de Maria Correia de Castro, com quem teve duas filhas: Aline Correia de Albuquerque, nascida a 15.05.1913, e Maria Albuquerque Barbosa – nome de casada –, a Donamaria, nascida a 12.08.1914. Eulina enviuvou a 5.07.1915 e, a 29.2.1916, casou-se, em Balsas, com Ascendino Pinto de Aragão, também viúvo e pai de três filhos, adiante nomeados, passando a assinar-se Eulina Correia Pinto. Tanto os filhos de Eulina quanto os de Ascendino, pelos laços afetivos com os quais foram criados e educados, são considerados como legítimos integrantes do clã Albuquerque, e vice-versa, o que muito nos orgulha.)

 

                        Ascendino Pinto de Aragão, filho de Franklin Pinto de Aragão e Constância Maria de Aragão, nasceu em Sousa (PB), a 3.10.1887, e faleceu em Goiânia (GO), a 1.7.1969.

 

                        Nesses quase 82 anos de vida, foi um pouco de tudo e muito mais. Arguto e de inteligência fértil, era detentor de vasta cultura e formação intelectual prática. Autodidata, teve na Escola da Vida a diplomação necessária para desempenhar várias atividades que exigiriam curso universitário: foi advogado provisionado, contador, jornalista, engenheiro prático e, em cidades que não dispunham de médico, como em Balsas, desempenhou esse papel com muita propriedade. Além disso, foi comerciante, Comandante de vapor na Bacia do Rio Parnaíba, Major da Guarda Nacional, Prefeito em Balsas e em São Raimundo Nonato (PI) e servidor público, tendo se aposentado como Diretor da Mesa de Rendas de Parnaíba (PI).

 

                        Era um homem de conversa fluente e agradável, que interessava a todos os circunstantes, como foi meu caso, um jovem estudante de 14 anos de idade, ao conhecê-lo em Teresina (PI). Desde então, passei a admirá-lo, até por ter sido ele grande amigo de Seu Rosa Ribeiro e de Dona Maria Bezerra, meus queridos e saudosos pais.

 

                        Hoje, Ascendino Pinto afigura-se-me como verdadeiro cavaleiro andante, cigano ou aventuroso marinheiro, que deixava um amor em cada porto!

 

                        Sua vida romântica é riquíssima e daria um livro, caso fossem acessíveis os dados biográficos pertinentes a todos os lugares por onde passou. Não dispondo eu de documentos verídicos, vou ater-me aqui aos que consegui mediante certidões fornecidas pelos diversos Cartórios que se dispuseram a comigo cooperar, além de informações fornecidas por descendentes seus, como o Guto, seu neto, amigos, como o Aroldo Braga, de São Paulo, e em outras colhidas em textos confiáveis de escribas diversos.

 

                        Lucíola Marques Pinto – parente sua –, professora e historiadora, paraibana de Sousa, escreveu num de seus livros, Roteiro de uma Cidade Perdida na História – Sousa, o texto que adiante transcrevo:

 

“Adele, uma das mais belas mulheres sousenses, era artista. Tocava muito bem órgão e violão, que aprendeu com o musicólogo Galdino Formiga, o Mestre que também ensinava Francês e Latim. Para a época, Adele era uma pessoa que se destacava pela cultura e sensibilidade artística, mas teve seu destino marcado pelas grandes desventuras amorosas. Seu primeiro amor, seu primo Ascendino Pinto de Aragão, emigrou para o Amazonas, depois de acabar o casamento com ela, quando corriam os proclamas, por ter sido descoberto que os noivos eram irmãos. Nesse tempo, os segredos de família eram guardados a sete chaves.”

 

                        Desiludido com esse pungente desfecho em seu primeiro caso de amor, Ascendino foi dar com os costados em Belém do Pará, onde se estabeleceu no comércio e se enveredou no exercício do jornalismo, inicialmente como repórter de A Província do Pará. Curado de seu recente desengano amoroso, ali conheceu a jovem Antônia Pimentel, com quem se casou e teve os três filhos: Jurandir Pinto, Antônio Pojucan Pinto de Aragão e Uacy de Aragão Macedo.

 

                        Em data que não consegui apurar, enviuvou, mudou-se para a cidade de Riachão (MA) e, posteriormente, para Balsas, onde, além da atividade jornalística e do cargo de Prefeito, criou, juntamente com amigos, a primeira associação futebolística, denominada Associação Esportiva Balsense, e fundou, ao lado de Thucydides Barbosa, o jornal A Evolução, do qual foi o primeiro Diretor. Como Prefeito, deu os primeiros passos de uma administração correta, e seu dinamismo muito contribuiu para o progresso balsense.

 

                        Em Balsas, casou-se, a 29.2.1916, com a viúva Eulina Correia Pinto – nome de casada –, com quem teve cinco filhos: Wilson Correia Pinto de Aragão, Solon Correia de Aragão, Antônio Pinto de Aragão, Washington Pinto de Aragão e Sílvio Pinto de Aragão.

 

                        Eulina, que já possuía as filhas Aline e Donamaria, recebeu Jurandir, Pojucan e Uacy, do casamento anterior de Ascendino, e os juntou aos que com ele teve, Wilson, Solon, Antônio, Washington e Sílvio, criando os 10 como filhos, sem distinção, conforme dito no introito.

 

                        O sobrenome Pinto trouxe para Ascendino verdadeiro estigma, pois, ao atingir ele a maioridade, transformou-se em irrequieto galinho namorador, a ciscar em tudo que era terreiro. Talvez – eu disse talvez – tenha sido esse o motivo que determinou o fim de seu casamento com Eulina que, mesmo assim, continuou tomando conta de sua prole, enquanto ele se ocupava por aí em incrementar a população brasileira.

 

                        Saindo de Balsas, indo morar em São Raimundo Nonato, de onde foi Prefeito, e estabelecendo-se como funcionário público em Parnaíba, Ascendino Pinto continuou a dar vazão a sua capacidade procriante, unindo-se extramatrimonialmente com Santilha Fialho, com quem teve duas filhas: Maria Felipéa de Aragão e Conceição Maria de Aragão.

 

                        Eulina faleceu a 6.4.1951, em São Raimundo Nonato, aos 54 anos de idade. Na condição de viúvo, agora pela segunda vez, Ascendino casou-se, a 16.1.1953, aos 65 anos, em Parnaíba, com Maria das Mercês Spindola Aragão – nome de casada –, com quem não teve filhos, 22 anos de idade, mais nova que Felipéa. Posteriormente, a família se mudou para Goiânia, onde Ascendino veio a falecer.

 

                        Mercês criou, além dessas duas, mais uma filha de Ascendino, Maria das Dores Aragão – a Dorinha –, já falecida, de cuja mãe só se sabe o primeiro nome: Silvera, também já falecida. Por mais que eu pesquisasse, não consegui saber seu sobrenome. Há dias, falei por telefone com Mercês, atualmente com 82 anos, residente em Goiânia, lúcida e com voz bem firme. Declarou desconhecer o sobrenome de Silvera, mas me indicou o número do telefone da filha da Dorinha, Cândida Tereza Pinto Aragão, que, igualmente, desconhece o sobrenome da avó.

 

                        Deduzo – apenas deduzo, não maldo – que Silvera foi uma aventura extraconjugal do galinho ciscador depois de casado com Mercês, razão pela qual esta faz questão de esquecê-la por completo, embora tenha criado sua filha, a Dorinha.

 

                        Conheci Dona Eulina em 1950, quando morei com ela na casa de sua filha Donamaria, em Teresina, onde vez em quando, Ascendino, então residente em Parnaíba, mesmo separado, a visitava. Assim fiquei sabendo muito de sua história e aprendi a deles gostar.

 

                        Dona Eulina teve uma existência digna de novela. Casou-se aos 15 anos, teve Aline aos 16 e Donamaria aos 17, enviuvou aos 18 e casou-se com Ascendino aos 19. Mesmo separada, criou, condignamente, seus filhos e os dele, como acima afirmado. Foi ela quem me contou a presepada a seguir, sorrateiramente armada por Ascendino, dando-me a exata noção do quanto ele foi gozador, arteiro e aprontador.

 

                        Certo dia, Ascendino, tomou o vermífugo Tiro Seguro, como era costume anual do sertanejo balsense, visando a depurar os intestinos. Na primeira aliviada, veio um bolo de lombrigas. Ascendino pegou uma delas, pô-la para secar ao sol e, quando a dita estava no ponto, saiu pela cidade a gozar da cara dos amigos que encontrava, perguntando-lhes de qual pé de pau era aquela raiz. Todos cheiravam, mastigavam um pedacinho e depois opinavam: raiz de aroeira, pau-d’arco, malva, cajueiro, ao que ele replicava, caindo na gargalhada:

 

                        – Não, compadre! Essa daí é raiz de cu!

 

                        De todos os 13 filhos de Ascendino, legítimos ou reconhecidos, apenas dois deixaram documentos e registros que me orientassem a continuar esta matéria, traçando-lhes resumida biografia: Wilson Correia Pinto de Aragão, o Aragão, e Solon Correia de Aragão, que chegou a Monsenhor, mas ficou para sempre conhecido como Padre Solon. E é o que passo a fazer neste episódio a que dei o nome de Dois Filhos de Ascendino.

 

WILSON CORREIA PINTO DE ARAGÃO

 

 Wilson Aragão no púlpito 

 

                        Wilson Correia Pinto de Aragão, filho de Ascendino Pinto de Aragão e Eulina Correia Pinto, nasceu em Balsas (MA), no dia 5.6.1917, e faleceu em Vitória (ES), no dia 18.10.2006, aos 89 anos de idade.

 

                        Seus estudos iniciais encaminhavam-no para o Sacerdócio na Igreja Católica Romana. Formou-se em Filosofia Pura na Pontifícia Faculdade Filosófica de Nova Friburgo (RJ), dirigida por Padres Jesuítas, em 1941; em Teologia, na Faculdade Teológica dos Padres Jesuítas, em São Leopoldo (RS); graduou-se em Letras Neolatinas pela Universidade do Rio de Janeiro (então DF), em 1950; e, finalmente, bacharelou-se em Direito, na Universidade Federal do Espírito Santo, em 1956.

 

                        Descobrindo não ter vocação para a vida celibatária, casou-se, a 16.7.1952, na cidade de Alegre (ES), com Yêdda Pedrosa de Aragão, com quem teve seis filhos: Maria de Fátima Pedrosa Aragão, a Irmã Carmelita, José Carlos Pedrosa de Aragão, Engenheiro Mecânico, Paulo Cézar Pedrosa de Aragão, Médico Psiquiatra, Wilson Correia de Aragão Filho, Engenheiro Elétrico e Professor, Luís Augusto Pedrosa de Aragão, o Guto, Engenheiro Agrônomo, e Eulina Maria Pedrosa de Aragão, Assistente Social.

 

                        Durante 12 anos, foi Professor de Direito na Faculdade de Direito, em Colatina (ES). Também exerceu a docência na Universidade Federal do Espírito Santo, durante 17 anos, onde lecionou Língua Portuguesa, Latim, Sociologia Jurídica, Estudos de Problemas Brasileiros e Filosofia. Foi o primeiro Advogado da Cúria Metropolitana de Vitória, cuja especialidade eram as causas de declaratio nullitatis matrimonii – declaração de nulidade matrimonial. Além disso, foi pioneiro, no Estado do Espírito Santo, dos Estudos da Ciência da Parapsicologia, tendo ministrado mais de 100 cursos sobre o assunto, por todo o Brasil, desde 1956.

                         Era, ainda, inspiradíssimo orador sacro!

                         Em 2002, lançou no mercado editorial a Gramática Latina cuja capa acima se vê, acompanhada de um CD-ROM, este para auxiliar pessoas com deficiência visual.

 

 

                        Guardo comigo, como preciosa relíquia, esta carta que me escreveu a 24.2.2005, bem coloquial, bem íntima, bem família, bem sertaneja, agradecendo meu livro Do Jumento ao Parlamento, com o qual o presenteei:

 

                        “Meu Caro Raimundo Floriano,

                        Foi imensa alegria encontrar um notável expoente das letras, um balsense como eu. Não tenho melhores palavras para enaltecer seu maravilhoso e gostosíssimo livro, quanto as que escreveram seus amigos Goiano Braga Horta e Alvinho, compositor da ARUC. Com sua inteligência, mais que superior, você poderia concorrer a uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Parabéns! Diz a Ciência da Frenologia que você, pelo formato de seu rosto, é tudo isso que reflete em seu brilhante livro. Leitura fácil, corrida, gostosa, que a gente fica com saudade depois que chega à última página. Está, pois, de parabéns! Olha, Raimundo, você me despertou um mundo de saudades, a começar pelo rio onde, aos meus doze anos, passava grande parte do dia, nadando, mergulhando, remando, rio acima e rio abaixo. Agora, fiquei sabendo que o rio está minguando, com os cortes das árvores nas cabeceiras. Que pena! Quantas vezes atravessei o rio a nado para apanhar cajus nas matas da Tresidela! Nós morávamos em frente à casa do Thucydides Barbosa. Com Braulino, seu filho, hoje general, muita farra fazíamos, sobretudo ali na Rua do Frito, nas noites de lua cheia, brilhantíssima. A lua era um espetáculo. Não sei se ainda brilha tanto como naquele tempo. Não esqueço as brincadeiras de garoto nos velhos depósitos de couros, onde ficávamos um tempão saltando loucamente, rolando até o chão! Não havia ainda as grandes partidas de futebol, como você descreve. Nossa diversão de garotos era apanhar mangas, inclusive nos quintais, como os de nossa prima Maria Bezerra, sua mãe. Volto a salientar que seu rosto frenológico bem diz que você reflete uma inteligência das mais destacadas, por isso a diversidade de funções que exerceu. Seu cartão de visita é uma prova de quão variada foi, tem sido e será sua inteligência. Se fosse comentar cada trecho de sua belíssima produção literária, não terminaria tão cedo.

                        Um grande abraço do velho primo Wilson Aragão.”

 

SOLON CORREIA DE ARAGÃO

 

Monsenhor Solon

 

                        Solon Correia de Aragão, filho de Ascendino Pinto de Aragão e Eulina Correia Pinto, nasceu em Balsas (MA), no dia 9.6.1921, e faleceu em Teresina (PI), no dia 19.1.2001, aos 79 anos de idade.

 

                        Ainda na infância, revelava inteligência brilhante e sede de conhecimentos, assim como, nas brincadeiras de criança, já demonstrava sua vocação sacerdotal. Estudou no Educandário Coelho Neto, do Professor Joca. Entre os 9 e os 10 anos, praticou jornalismo na gráfica da cidade.

 

                        Em 1932, entrou para o Seminário D. Inocêncio Lopes Santamaria, em São Raimundo Nonato (PI), ingressando mais tarde no Seminário de Salvador (BA), onde se destacou como excelente aluno de Latim. Concluiu seus estudos no Seminário da Prainha, em Fortaleza (CE). Ordenou-se Padre a 01.01.1944, com apenas 22 anos e meio de idade, após licença concedida pelo Papa Pio IX, vez que a idade mínima estabelecida pelas Leis Canônicas da época era de 24 anos.

 

                        Já ordenado, Padre Solon foi destinado à Paróquia de Bom Jesus do Gurgueia (PI), como Vigário. No ano de 1952, foi designado Vigário da Paróquia de São João do Piauí, onde incrementou a atividade escolar, fundando o Instituto São João Batista, e, em 1958, o Ginásio Frei Henrique, considerado por todos o berço cultural são-joanense, e, por ele, como a casa de seus sonhos. Dotado de personalidade abrangente, sua obra atingiu vários setores da vida como sacerdote, educador e homem público, prestando relevantes serviços à população de todo aquele esquecido e pobre rincão sul-piauiense.

 

                        Em 1975, Padre Solon promoveu a reforma da Igreja Matriz de São João Batista, construída em 1875, para a Festa do Centenário, considerada a maior até hoje naquela cidade, à qual compareceram personalidades ilustres, dentre elas o Cardeal Dom Avelar Brandão Vilela, Arcebispo de Teresina, além de Padres, amigos, familiares e filhos de São João do Piauí que viviam em terras distantes. Na ocasião recebeu o título de Monsenhor.

 

                        Comemorou, com paroquianos, amigos e familiares, a 9.6.1991, seus 70 anos de vida, ocasião em que o ginásio que fundara, em 1958, recebeu a denominação de Ginásio Monsenhor Solon Aragão.

 

                        Em agosto de 1994, na Igreja da Prainha, em Fortaleza, concelebrou a Missa de Ação de Graças por seu cinquentenário de vida sacerdotal, juntamente com colegas de ordenação: Dom Eugênio de Araújo Sales, Arcebispo do Rio de Janeiro, Monsenhor Ivo Calliari, Vigário da Catedral do Rio de Janeiro, Monsenhor Expedito Silveira de Sousa, Vigário de Camocim (CE), Cônego João Cartaxo Rolim, Vigário de Sousa, Cônego Pedro de Alcântara Araújo, Vigário de Russas (CE), e Padre Ágio Augusto Moreira, Capelão do Sítio Belmonte, de Crato (CE).

 

                        No dia 1.10.2000, às 9h, celebrou, junto aos são-joanenses, na Igreja Matriz de São João Batista, o que seria sua última Missa, pois veio a falecer no dia 19.01.2001, em Teresina, no Hospital Prontocor.

 

                        Conheci de perto o Padre Solon no ano de 1950, quando residia em Teresina, na casa de Donamaria, sua irmã, onde também moravam Dona Eulina, sua mãe, a Ressu, irmã de Dona Eulina, e o José Bráulio Florentino, que viria, no futuro, a ser Juiz de Direito no Estado de Goiás. Vez por outra, o Padre passava por lá em visita a seus familiares.

 

                        Eu e o Zé Bráulio éramos estudantes, eu do Ateneu, que ele chamava de PP – pagou, passou –, e ele, do Liceu Piauiense, reconhecidamente o melhor colégio da Capital. Ambos, aos 14 anos de idade, vivíamos quase aos tapas, procurando demonstrar quem era o mais burro dos dois. Numa de suas visitas, o Padre resolveu decidir a contenda. Mandou que cada qual fizesse uma redação tendo como título A Bandeira.

 

                        Passamos alguns dias rabiscando os cadernos, escondidos um do outro, fazendo o maior segredo, até que chegou a data da entrega do trabalho. Zé Bráulio descrevera a Bandeira Brasileira, com as estrelas, a faixa Ordem e Progresso e suas cores, explicando o que elas representavam. Eu me fixara numa bandeira de qualquer país como símbolo de um povo, de uma nação, forjador de seus sentimentos cívicos.

 

                        De posse das redações, o Padre, depois de muito meditar, deu esta decisão:

 

                        – As duas merecem nota 10! – Zé Bráulio e eu ficamos no maior envaidecimento, burraldamente olhando pra cara um do outro.

 

                        – Mas calma lá – continuou o Padre –, 5 para o Zé Bráulio e 5 para o Raimundo. As duas, reunidas numa só, é que merecem a nota máxima!

 

                        Dessa forma, Padre Solon nos deu a primeira aula de tato diplomático em nossas vidas!

 

**********

 

                        Esta matéria foi publicada no Jornal da Besta Fubana no dia 30 de janeiro de 2012. Dentre os comentários recebidos, um, a 22.11.2012, enviado por Marta Regina de Aragão Canalli, mereceu especial atenção: “Olá, fiquei muito emocionada quando, por acaso, encontrei essa matéria na Rede. Sou filha da Maria Felipéa de Aragão Canalli. Foi gostoso relembrar algumas passagens, das quais muitas foram mencionadas por minha mãe”.

 

                        A 3.11.2012, João Carvalho Neto assim se expressou: “Fiquei muito feliz e emocionado ao ver a matéria que a Marta me enviou. Fui casado com Maria Felipéa durante 23 anos e sempre ouvia as histórias das viagens que ela fazia a cavalo junto com o pai, dormindo, às vezes, em cavernas e comendo carne seca com farinha. A Péa era apaixonada pelo pai. Acho que eles devem estar rindo com nossa admiração, lá no mundo espiritual. Saudades!”.

 

                        A 5.12.2012, Márcia Regina Bernardo disse: “Sou filha da Conceição Maria Fialho Muniz de Aragão, que teve quatro filhos e hoje vive na cidade de Petrópolis (RJ). Ela sempre relata que brincava com tatu-bandeira, tomava banho no Rio Parnaíba, dormia em rede, e que o pai dela, Ascendino, a levava para sua mãe à noite, pois não se casaram e nem moraram juntos. O Padre Solon celebrou a missa de 15 anos de minha irmã, Raquel Cristina Bernardo. Temos aqui uma foto de meu avô, já de idade avançada, num hospital, com alguns familiares. Vou escaneá-la para remeter-lhe uma cópia.”.

 

                        Cumprida a promessa, eis a foto, com a devida identificação:

 Ascendino Pinto, com familiares 

Em pé: Wilson, Antônio, Sílvio, Maria Felipéa, Padre Solon e Suzinha;

Sentados: Maria das Mercês e Ascendino;

Mais abaixo: Maria das Dores (Dorinha) e Conceição

 

                        Tão logo a recebi, fui dominado pelo impacto de grande surpresa e dúvida atroz: quem é Suzinha, que, até então, era desconhecida em todos os documentos pesquisados? E a explicação: trata-se da Yuaçu, fruto de aventura amorosa de Ascendino com uma índia!

 

                        O que justifica a fama desse galinho ciscador em qualquer terreiro, exemplo pronto e acabado do romantismo latino-sertanejo, que ele abraçou por toda sua produtiva existência.

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Memorial Balsense segunda, 08 de maio de 2017

THUCYDIDES BARBOSA, O CONSOLIDADOR DE BALSAS

 

THUCYDIDES BARBOSA, O CONSOLIDADOR

O CONSOLIDADOR DE BALSAS

 

 Coronel Thucydides Barbosa

 

                        Balsas foi notável potência jornalística na primeira metade do século passado. A Evolução e O Lábaro constituíram-se em célebres marcos daquele tempo, mas deles não restou sequer um exemplar. Recentemente, havia O Fazendeiro, no qual andei publicando alguns escritos. Hoje, tenho notícias da Folha do Cerrado e de vários periódicos on-line. O mais constante de todos foi e é o Jornal de Balsas, que nasce, morre e renasce, teimando em continuar sua trilha cultural. Mais adiante, falarei de sua criação.

 

                        Houve por lá um jornal denominado O Repórter, do qual tive notícia por um letreiro na parede de bela casa à Rua Isaac Martins, 160. Essa rua era também conhecida como Rua do Fio, Rua Grande, Rua do Areão e, onde começa, Azeite de Coco.

 

                        A mencionada casa pertencia, quando me chamou a atenção, ainda em minha infância, a Seu Mundico Pedreiro, pai de meu falecido amigo Luizão. Tinha eira e beira brancas e, logo no início da parede alaranjada, lia-se esta inscrição em alto-relevo com letras brancas de, aproximadamente, 15 centímetros de altura: TLIM! TLIM! TLIM! OLÁ! QUEM FALA? A REDAÇÃO DO REPÓRTER, QUE QUERES? PROGRESSO! EIS AÍ UM PROGRESSISTA, AO LADO DE NOSSA QUERIDA PÁTRIA E DIGNOS BALSENSES!

 

                        Essa inscrição foi aos poucos se corrompendo pelo desgaste do tempo, até que se esvaecesse por completo. No início de 1960, tive o cuidado de anotá-la e também de guardá-la de cor, sem saber que, um dia, ela me seria de grande utilidade, como agora, ao redigir este episódio.

 

                        A conclusão a que chego hoje sobre o mistério ali contido é a que passo a expor. Deduzo que naquele casarão funcionava a redação do jornal O Repórter, onde o Redator atendeu a uma chamada telefônica:

                        – Tlim! Tlim! Tlim! – toca o telefone.

                        – Olá! – atende o Redator.

                        – Quem fala? – pergunta o Interlocutor.

                        – A Redação d’O Repórter, que queres? – responde o Redator.

                        – Progresso! – informa o Interlocutor.

                        Por fim, o Redator proclama:

                        – Eis aí um progressista, ao lado de nossa querida Pátria e dignos Balsenses!

 

                        O Jornal de Balsas foi o de mais longa vida. A página a seguir, da Edição nº 76, de 16.3.1938, foi-me gentilmente disponibilizada pela Professora e escritora Edilza Virgínia, duma coleção que lhe foi presenteada pelo Doutor Eloy Coelho Netto, poeta, historiador e o maior escritor balsense.

 

Jornal de Balsas, Nº 76, de 16.03.1938

 

                        Sua existência se deve ao arrojo do Coronel Thucydides Barbosa, valoroso empreendedor sul-maranhense. Antes de continuar minha narrativa, deixem-me falar um pouco sobre esse grande realizador.

 

                        Pertenceu ele à Guarda Nacional, e o tratamento de Coronel não lhe é uma simples deferência. O Diário Oficial da União, de 22 de julho de 1911, estampa sua nomeação para Tenente-Coronel Comandante do 188º Batalhão de Infantaria da Comarca de Loreto (MA).

 

                        Filho do Tenente-Coronel da Guarda Nacional José Barbosa, e de Dona Maria Pires Ferreira, Thucydides Barbosa nasceu em Loreto, a 8 de julho de 1885, e faleceu em São Luís, Capital do Estado do Maranhão, a 5 de novembro de 1954.

 

                        Foi comerciante, advogado provisionado em Balsas, Coletor de Rendas do Estado, Diretor do Tesouro, o equivalente, hoje, a Secretário Estadual da Fazenda, Deputado Estadual, de 1913 a 1924, e Prefeito de Balsas, de 1925 a 1927.

 

                        Sua atuação parlamentar se fez marcante pela apresentação do projeto que elevou a Vila de Santo Antônio de Balsas à condição de Município, convertido na Lei nº 775, de 22 de março de 1918. Desse modo, o Coronel Thucydides, consolidando-a, dava à terra que tanto amava os foros de cidade autônoma, condizente com sua prosperidade econômica, política e cultural que naquele momento alcançava.

 

                        Nesse mesmo ano de 1918, foi fundada a primeira agremiação desportiva de Balsas, estando ele à frente, presidindo-a por muitos anos. A Associação Esportiva Balsense teve a primeira Diretoria composta por Thucydides Barbosa, Presidente, Mário Coelho, Vice-Presidente, Ascendino Pinto, Secretário, e José de Carvalho Borba, Tesoureiro.

 

                        Em 1919, outro importante projeto de iniciativa do Coronel Thucydides beneficiou a população balsense. Tratava-se da lei que estabeleceu e instalou a linha telegráfica até São Luís, propiciando uma comunicação mais rápida e, com isso, um maior desenvolvimento de Balsas.

 

                        Em 1925, o Coronel Thucydides foi eleito Prefeito de Balsas, com votação esmagadora, fazendo uma administração competente e atuante, alargando ruas, delimitando praças e construindo escolas primárias e as duas principais rampas no Rio Balsas, que serviriam de ancoradouro para vapores, lanchas e outros tipos de embarcação.

 

                        No decorrer desse seu mandato, passou por Balsas, em novembro de 1925, a temida Coluna Prestes, cujos membros eram conhecidos nos sertões como “os revoltosos”. Enquanto o General Juarez Távora – na época, Tenente desertor do Exército Brasileiro – permaneceu em Riachão, hospedado na casa do Coronel Felipe José dos Santos, o restante da tropa, sob o comando dos Coronéis Siqueira Campos, Luís Carlos Prestes, João Alberto e Cordeiro de Farias, dirigiu-se a Balsas, onde o Prefeito Thucydides, diplomaticamente, a recepcionou. A Prefeitura transformou-se em Quartel-General da Coluna, que permaneceu na cidade de 22 a 27 daquele mês, sem causar qualquer tipo de perturbação à ordem pública.

 

                        No início da década de 1930, o Coronel Thucydides, com seu gosto pela modernidade e pelas comunicações, instalou a primeira linha telefônica da cidade, que interligava sua residência ao depósito de couro de gado, de sua propriedade. Esse depósito servia para armazenar o couro que seria, depois de beneficiado, exportado para os Estados do Piauí e Ceará. Mais tarde, o Coronel instalou outra linha, que ligava a já existente à Prefeitura e à Coletoria.

 

                        Em fins de 1931, novamente sua veia comunicativa e intelectual falava mais alto. Junto a vários colaboradores, dentre eles seus irmãos Antônio e Sadoc, e outros amigos, o Coronel Thucydides organizou e fundou a Empresa Tipográfica de Balsas.  Em 27 de janeiro de 1932, começou a circular o primeiro número do Jornal de Balsas. A aceitação foi excelente em todo o sertão sul-maranhense e até mesmo em São Luís e outras regiões do Estado. Além das notícias locais, o Jornal de Balsas mantinha vasto e minucioso serviço telegráfico com São Luís e o Rio de Janeiro, então Capital Federal, o que contribuiu para que fosse muito bem recebido por todos. Thucydides foi seu diretor e proprietário até o ano de 1935. Em 1936, o Jornal de Balsas passou à direção do Padre Cincinato Ribeiro Rego; pouco depois, em 1938, à do Padre Clóvis Vidigal, sendo editado até 1940, período em que, apesar de não estar mais à frente da direção do periódico, o Coronel continuou atuando como colaborador.

 

                        Em fins da década de 30, o Coronel Thucydides, intelectual atuante, foi eleito membro efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão e primeiro ocupante da Cadeira 25, patroneada pelo jurista maranhense Domingos de Castro Perdigão. Historiador, autodidata e arguto pesquisador, ele escreveu muitas obras, algumas editadas, mas perdidas, outras inéditas, razão por que não chegaram ao conhecimento do público. Dentre os livros e artigos publicados, destacam-se: Subsídios para a História de Balsas, A Hecatombe de Alto Alegre, Um Crime Provocado, Nome sem Significação, Biografia de Isaac Martins dos Reis, Subsídios para a História do Maranhão, As Boiadas Sertanejas, Cidades Desconhecidas e Dados Genealógicos.

 

                        Thucydides casou-se a 30 de julho de 1907, em Loreto, com a balsense Maria Rodrigues Botelho, filha do Coronel Braulino Antônio Botelho e de Dona Severiana Rodrigues Botelho. Dessa união, nasceram-lhes nove filhos: Alzira, José Barbosa Neto, Jacyra, Heloísa, Braulino, Antônia, Myrthes, Stella e Carlos Alberto. Legou ele aos filhos e demais descendentes, aos seus amigos e a todos que o conheceram a figura de um homem probo e inteligente que muito amava Balsas e o Maranhão e que sempre pensava no desenvolvimento e na magnitude de sua terra e de sua gente.

 

(Os dados biográficos aqui constantes foram pesquisados pelo então Seminarista João Pecegueiro, meu primo pela enésima geração, hoje Padre, não só da Igreja Católica Apostólica Romana, ordenado em 2013, como da Igreja Sertaneja, fazendo parte do Clero diretamente ligado a meu
Cardinalato.)

 

                        Para terminar este fragmento biográfico, não poderia eu deixar de aqui registrar um acontecimento jocoso, não tanto merecedor da seriedade com que até agora me portei, mas que é verídico, permanece na memória das gerações balsenses mais antigas, faz parte de seu anedotário, e não pode, por conseguinte, ser esquecido. Ad perpetuam rei memoriam!

 

                        Corria o ano de 1939. A 1º de setembro daquele ano, as Forças Armadas Alemãs deram início à invasão da Polônia, também conhecida como Operação Fall Weiss, marcando o deflagrar da Segunda Guerra Mundial. Nessa época, o Jornal de Balsas tinha como correspondente, sem remuneração, em São Luís, o Jornalista J. Pires, dono do jornal O Imparcial.

 

                        Ao saber da invasão, o Redator do Jornal de Balsas enviou um telegrama a J. Pires, para ser publicado em O Imparcial, com violento manifesto dirigido a Hitler, no qual o admoestava por sua inobservância aos princípios de não intervenção e autodeterminação dos povos.

 

  1. Pires não deu a mínima atenção ao assunto, razão pela qual o Redator lhe enviou desaforado telegrama, informando-o de que, a partir daquele momento, estava ele destituído das funções de correspondente do Jornal de Balsas. Logo em seguida, a resposta de J. Pires não se fez esperar, num telegrama que, laconicamente, continha uma única palavra: ADREMÁÀV.

 

                        O momento era de muito suspense no mundo inteiro, e as mensagens importantes eram todas codificadas, para não serem interceptadas pelos alemães. Os códigos mais usados em Balsas eram o Ribeiro, o Mascote e o Particular. O Redator consultou as respectivas chaves, mas nenhuma conseguiu esclarecer o enigma. Certo poliglota, funcionário da Redação, opinou que a palavra devia ser francesa, pois continha dois acentos, tal como révèillon, mas o Dicionário de Francês deixou a todos na mesma. A solução foi o Redator sair pelas ruas solicitando ajuda aos intelectuais da cidade, tudo em vão. Até que um deles teve a feliz ideia de aconselhar ao Redator que submetesse a mensagem ao exame de Seu Rosa Ribeiro, meu saudoso pai, Tabelião do 2º Ofício, Cruciverbista intitulado, Parafrasta juramentado, matador de charadas e exímio Decifrador de Cartas Enigmáticas. Assim o fez a comitiva.

 

                        Encontraram-no na loja do meu Tio Cazuza Ribeiro, seu irmão, onde, vez em quando, ele dava uma colaboração. Seu Rosa pegou o telegrama, examinou atentamente o conteúdo, colocou-o aberto em cima do balcão, foi até a prateleira da loja, apanhou um espelhinho desses de bolso, posicionou-o no final da palavra e conclamou a todos:

 

                        – Agora, leiam o que está escrito no espelho!

 

                        Foi constrangimento total para o Redator e os intelectuais circunstantes. No espelho, lia-se, simplesmente, mas com todas as letras, essa debochada imprecação: VÁ À MERDA.

 


Memorial Balsense sábado, 06 de maio de 2017

APRESENTAÇÃO (DO LIVRO MEMORIAL BALENSE)

APRESENTAÇÃO 

 

                        “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia.” Essa frase é atribuída ao escritor russo Liev Tolstói.

 

                        É o que tenho feito, não com o intuito de conquistar a universalidade, mas para divulgar minha terra natal, fazendo-a conhecida pelos leitores que me honram com a aquisição de meus livros e pela comunidade internáutica, através de minha coluna publicada semanalmente no Jornal da Besta Fubana, virtual, o maior movimento cultural do Nordeste na atualidade.

 

                        Em meu livro De Balsas para o Mundo, lançado em 2010, contei a história da navegação fluvial na Bacia do Parnaíba, com os intrépidos navegantes e suas embarcações, que fizeram a pujança do comércio e do transporte de passageiros e mercadorias de Balsas até o Oceano Atlântico, o que foi interrompido na Década de 1960, com a construção da Barragem de Boa Esperança sem as imprescindíveis eclusas.

 

                        Agora, meu foco é centrado na cidade de Balsas, nos homens que fizeram a grandeza de sua história e nos fatos marcantes de minha infância, feliz, cheia de peripécias e arriscosa, como a de todo menino sertanejo de meu tempo.

 

                        Esta é uma antecipada contribuição para as comemorações do Primeiro Centenário de Balsas, que ocorrerão em 2018, esperando que outros depoimentos venham à luz.

 

                        Quando saí para estudar, a 5 de fevereiro de 1949, a população urbana balsense era de 3.500 habitantes; hoje, esse número ultrapassa a casa dos 80 mil!

 

                        O incremento populacional trouxe em seu bojo um progresso estonteante, que descaracterizou, primeiramente, os arrabaldes, e, agora, se vai infiltrando pelo centro histórico da urbe.

 

                        Na Praça da Matriz, antigamente o coração da cidade, apenas uma residência guarda suas características originais e, por isso mesmo, será objeto de página especial mais adiante.

 

                        Na mesma praça, nem a Igreja de Santo Antônio, nosso Padroeiro, resistiu ao insulto da modernidade. Na capa deste livro, vocês viram as fotos do que ela foi, desde a época de sua construção, de 1927 a 1929, com toda a população ajudando no trabalho braçal, inclusive meus irmãos Maria Isaura e Pedro Silva, ainda crianças, carregando pedras para o baldrame, e do que se transformou, recebendo nova pintura que, em minha apreciação, é um tanto “cheguei”.

 

                        Não demora muito, e aparecerá um avançadinho falando em implodi-la para ali erigir outro santuário utilizando-se de arquitetura mais ousada e condizente com os tempos atuais.

 

                        Modestamente, submeto à apreciação de todos vocês estas lembranças, umas indeléveis em minha cabeça, porque as vivi, outras contadas a mim, pela tradição oral ou pelos documentos pesquisados, e todas com o mérito primordial de jamais serem esquecidas pelas gerações vindouras. 

 Raimundo Floriano


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