LIB DOS POVOS: DESFAZENDO O MITO!
Raimundo Floriano
Revista Foco, nº 176
Meu amigo José Armando, maranhense de Caxias, bancário aposentado e meu vizinho aqui na Quadra 215 Sul, comentou comigo, a título de curiosidade, que lera, na sala de espera dum consultório médico, a coluna do jornalista Rangel Cavalcante, da Revista Foco, noticiando que, em minha querida Balsas, houve, antigamente, uma pessoa registrada como Lib dos Povos, em homenagem ao dia 13 de maio.
Imediatamente confirmei o fato. Falei-lhe que o Lib, filho de Seu Zé Ramos e Dona Joana, fora meu amigo de infância, embora dois anos mais velho do que eu, e que uma de suas irmãs, a Luzia, fora minha colega de classe no Grupo Escolar Professor Luiz Rego. Aí o José Armando me indagou:
– Marrapaz! Como foi que o tabelião aceitou registrar um nome tão esquisito?
Nesse momento, caí do cavalo. Calei-me, mudei de assunto e saí de fininho, porque o tabelião da época era Emigdio Rosa e Silva, Seu Rosa Ribeiro, meu saudoso pai!
Os nomes monossilábicos de pessoas com a terminação “ib” não são comuns, ao contrário, são raríssimos, mas existem. Em meus tempos de funcionário, conheci o Deputado Dib Cherem, de Santa Catarina, famoso pelas previsões acertadas do placar das votações importantes no Congresso Nacional. Mas há outros. Pesquisando na Internet, encontrei Cib em São Paulo. Dib na Paraíba; Lib em São Paulo e na Bahia; Mib em Pernambuco; Nib em São Paulo; Sib e Tib, ambos na Bahia. Mas esse Lib dos Povos ficou-me entalado na garganta.
Por isso, em silêncio, procurei fazer minha investigação.
A Foco é a melhor e mais importante revista da Capital Federal. Basta dizer que tem à frente, como Diretora-Presidente, a jornalista e socialite Consuêlo Badra, cujo nome dispensa apresentações. Assemelha-se um pouco à revista Caras, mas com uma diferença que a faz, a meu ver, superior: páginas numeradas e índice, facilitando, assim a consulta e a pesquisa.
Entrei em contato com o jornalista Rangel Cavalcante que, gentil e imediatamente, me enviou um exemplar da Edição nº 176, onde, à Página 185, consta o pitoresco episódio.
Para não incorrer em deslizes na transcrição, aqui vai a cópia da matéria:
Na busca do necessário esclarecimento, obtive um fac-símile do Termo nº 564 do Livro de Registro de Nascimentos de 1934, do Cartório do 2º Ofício de Balsas, manuscrito por meu saudoso pai, Seu Rosa, no qual consta tudo diferentemente do relatado pelo Dr. Sarney que, a título de fazer graça, mas sem compromisso com a verdade, deixou em maus lençóis e no perigoso terreno da galhofa a mãe do Lib, o tabelião, a cidade de Balsas e o próprio Lib.
Ei-lo:
Registro de Nascimento de Lib de Sousa Ramos
No documento acima estampado, constam as discrepâncias que passo a enumerar, para o autêntico restabelecimento da história balsense:
1 - Quem compareceu ao Cartório e registrou o menino foi José Ramos dos Santos, seu pai, e não Dona Joana, a mãe;
2 - A data do nascimento é 14 de julho de 1934, e não 13 de maio. Como naquele dia se comemora a Queda da Bastilha, devia estar escrito na folhinha “Lib. dos Povos”, mas com referência ao sentimento que se apossou de todos os povos do mundo depois daquele célebre evento; e
3 - A criança foi registrada como Lib de Sousa Ramos, e não Lib dos Povos da Siqueira. Aqui vai uma charge com a “inspiração” de Seu Zé Ramos:
Dona Joana, com o Libinho recém-nascido
Isso posto, sinto-me amparado pelo manto da autenticidade ao declarar que, se houve besteira em tudo o que aqui se relatou, não foi ela cometida por seu Zé Ramos, nem por Dona Joana, e, muito menos, por meu saudoso pai.
E mais, ir de barco de Balsas, sertão sul-maranhense, limítrofe com o Estado do Tocantins, a São Luís, no litoral, é o mesmo que ir de navio de Brasília a Anápolis: nem a pau, Juvenal!
Amaciando um pouco a barra em favor do velho Desembargador Sarney, devo, a bem da verdade, reconhecer que, naquela época, o início do acesso de nossa cidade à Capital, distante 818 km – e não 600 km, como consta na Foco –, sem dispormos de estrada carroçável ou campo de aviação, somente era possível pela via fluvial, embarcando-se nas balsas, em canoas, nos batelões, nos vapores e nas lanchas, estes dois últimos com ou sem barcas a reboque. Era, apenas, como já disse, o início da viagem.
Navegava-se pelo Rio Balsas até Uruçuí, Piauí, acessando o Rio Parnaíba, e dali até Teresina, perfazendo um trajeto de 1.080 km de meandros aquáticos. Faltando ainda 458 km para o destino – total da aventura: 1.538 km –, o jeito era desembarcar e seguir por terra, cumprindo o célebre roteiro imortalizado por Luiz Gonzaga, o Rei do Baião:
“Peguei o trem, em Teresina/Pra São Luís do Maranhão/Atravessei o Parnaíba/Ai, ai, que dor no coração!”
E foi lá na Capital Piauiense, que, em 1962, meu saudoso amigo Lib deixou de existir!
Certidão de Nascimento do Lib