“Foi sempre pelos olhos dos nossos poetas que o português viu mais longe e mais fundo.”
“Foi sempre pelos olhos dos nossos poetas que o português viu mais longe e mais fundo.”
O jornal publicou: “Ida de idosos à urnas”. Ops! Crase é casamento de dois aa. Um é sempre a preposição. O outro pode ser o artigo ou pronome. No caso, seria o artigo que acompanha o substantivo urnas. Como urnas está no plural, o artigo deve ser as. A crase, às. Há, pois, duas formas de corrigir o texto:
Ida dos idosos a urnas (sem artigo).
Ida de idosos às urnas (com artigo).
De encontro? Ao encontro? Cuidado! As duas expressões se parecem, mas não se confundem. Uma é o contrário da outra. Trocar as bolas só traz prejuízo. Quer ver? O amado chega perto da amada. Voz embargada de paixão, sussurra-lhe ao ouvido: “Você veio de encontro aos meus sonhos”. Dita a insânia, só lhe restam duas esperanças. Uma: que a bela seja surda. A outra: que se faça de surda. Afinal, o coração tem razões que a própria razão desconhece. Mas é bom não facilitar. A psicologia amorosa avança dia após dia. Última descoberta: o amor é cego, mas não é surdo. Olho vivo.
De encontro a significa contra, no sentido contrário, em contradição: O carro foi de encontro à árvore. A reforma administrativa vai de encontro aos interesses dos funcionários públicos. A queda do dólar vai de encontro aos interesses dos exportadores.
Ao encontro de joga em outro time. Quer dizer em favor de, na direção de: O pai caminhou ao encontro do filho. A iniciativa do governo vai ao encontro da necessidade dos invisíveis. A redução no preço da gasolina viria ao encontro do bolso dos consumidores.
Moral da história: parecido não é igual. Mas confunde.
Na grafia dos números, duas questões aparecem com frequência. A primeira: é obrigatório o uso do h antes da escrita de números que indicam valores? A segunda: coloca-se vírgula entre as unidades?
Como diz o esquartejador, vamos por partes:
“Para ter lábios atraentes, diga palavras doces.”
A língua é feita de palavras. Língua e palavra têm um denominador comum. São femininas e, por isso, plenas de poder. Como as bruxas medievais e as feiticeiras modernas, fazem e acontecem. Montadas na vassoura, voam, criam, recriam. E conjugam todos os verbos.
Conversar é um deles. A língua adora bater papo. E, no vai e vem de histórias, incorpora palavras de outros idiomas. É o caso de Páscoa. Hebraica, a trissílaba quer dizer passagem. É tão antiga quanto Adão e Eva. Bem antes de Moisés vir ao mundo, os pastores nômades comemoravam a Páscoa.
Cantavam e dançavam pela despedida do inverno e a chegada da primavera, quando a neve se ia, os campos se cobriam de pastagens e os alimentos abundavam. Mais tarde, os judeus começaram a festejar a Páscoa. Lembravam, com sacrifícios, a saída do povo de Israel do Egito. Era a passagem da escravidão para a liberdade. Em 325, os cristãos instituíram a Páscoa. Com ela, exaltam a ressurreição de Cristo — a passagem da morte para a vida.
Vamos brincar? A língua subverte sentidos. O autor diz uma coisa, o ouvinte entende outra. Vale lembrar o caso daquele chefe que todos os dias filava cigarro do empregado. Ora, com o preço do maço na hora da morte, o subordinado puxou esta conversa:
— O senhor fuma muito, não?
— É. Fumo, mas não trago.
— Pois devia trazer.
Economizar tem lugar cativo no léxico. A língua detesta desperdício. Por isso odeia redundância. Pleonasmo? Nem pensar. Conhece a história de Benedito Valadares? O então governador de Minas foi ao Rio visitar Getúlio Vargas. Antes, passou pela sala de Gustavo Capanema. Ao vê-lo de óculos escuros, o ministro da Educação lhe perguntou:
— O que é isso, Benedito?
— É conjuntivite nos olhos.
Getúlio repetiu a pergunta:
— O que é isso, Benedito?
— Os médicos lá de Minas disseram que é conjuntivite nos olhos. Mas o Capanema, que pensa que sabe mais que os médicos, disse que é pleonasmo.
Renovar é obsessão da língua. Com razão, né? Já imaginou usar o mesmo vestido dia após dia, mês após mês, ano após ano? Cansa. Com a língua ocorre o mesmo. Expressões surpreendem quando nascem. Depois, de tanto ser repetidas, perdem o frescor. Quem já não disse “não ficará pedra sobre pedra”, “nem só de pão vive o homem”, “este mundo é um vale de lágrimas”, “a carne é fraca”? Pois saibam. Esses chavões são verdades enunciadas no Novo Testamento. Cristo é testemunha.
Vingar permanece em cartaz. A língua não leva desaforo pra casa. Mal colocada, revida. O negócio de um cabeleireiro ia de vento em popa. Mas ele queria aumentar a freguesia. Contratou um marqueteiro, pintou e exibiu esta placa: “Corto cabelo e pinto”. Os fregueses sumiram. As freguesas, solidárias, também. Alertado, ele trocou a ordem: “Pinto e corto cabelo”. O negócio prosperou.
Criar, procriar, dar à luz filhos e filhas é mandamento. Manuel Bandeira tinha uma amiga que não gostava do próprio nome — Teodora. Pra agradá-la, ele a presenteou com o poema “Neologismo”:
Falo pouco
Beijo menos ainda
Mas invento palavras.
Inventei o verbo teadorar.
Intransitivo.
Teadoro, Teodora.
É sina? Talvez. Sai governo, entra governo, o Rio repete a história. Políticos escolhidos nas urnas traem o eleitor. Não por acaso, todos os ex-governadores vivos viram o sol nascer quadrado. Sérgio Cabral continua atrás das grades. Cumpre pena de quase 300 anos. Ufa!
“Vamos mudar”, disseram os fluminenses em 2018. Apostaram em candidato novo cuja bandeira era o combate à corrupção. Mas Wilson Witzel reprisou o enredo. “Fora”, disseram os deputados. E aprovaram o processo de impeachment por 69 a 0.
Ao anunciar o fato, telejornais alardearam: “Todos foram unânimes na decisão”. Baita pleonasmo. Unanimidade é relativo a todos. Melhor ficar com um ou outro: Os deputados foram unânimes. Todos concordaram com o impeachment.
“Estou sendo linchado moralmente”, disse Witzel ao se defender das acusações. Não convenceu. Mas acendeu uma curiosidade. De onde vem a palavra linchar? Vem de Jonh Lynch, colono irlandês da Carolina do Sul. No século 18, ele desempenhava funções de chefe da justiça naquele estado americano.
Truculento, Lynch recebeu o aval dos concidadãos para executar, sem julgamento, criminosos apanhados em flagrante delito e também os suspeitos de terem feito isto ou aquilo. Passou, então, a prevalecer a justiça pelas próprias mãos. É a tal história que por aqui se recria de vez em quando: bandido bom é bandido morto. Xô!
Circula na internet esta quadra de Silas Fonseca. Leitor atento questionou o uso do e nem:
“Eu do livro não me livro
E nem quero me livrar.
Se do livro eu me livro,
como livre vou ficar?
O quê do porquê
Sabe o porquê da questão? Nem significa e não. Pode-se dizer “não estuda e não trabalha” ou “não estuda nem trabalha”. O sentido se mantém. Por isso é redundante usar e nem em construção como: Eu do livro não me livro (e) nem quero me livrar. Os candidatos ainda não acertaram os contratos (e) nem as equipes. Juliana Paes nunca esteve tão bela (e) nem tão sensual. Ele não saiu (e) nem participou da reunião.
Bem-vinda
E nem nunca tem vez? Tem. No sentido de nem sequer, a duplinha é pra lá de bem-vinda: Ouviu as acusações e nem se abalou. Witzel repetiu o esquema de Sérgio Cabral e nem imaginou que seria apanhado. Ganha pouco e nem se esforça pra ganhar mais.
Jabuticaba e uva têm dois pontos comuns. Um: são deliciosas. O outro: se escrevem com u.
“Sempre foi importante pensar na escolha e no significado das palavras usadas nos primeiros contatos do leitor com a notícia (títulos, subtítulos e legendas de foto), mas a relevância cresce em momentos nos quais a desinformação é moeda corrente nas redes sociais ou tem origem exatamente no lugar de onde se esperavam palavras e atos responsáveis.” (Flavia Lima)
Celso de Mello anunciou que vai antecipar em três semanas a saída do STF. Ele deveria sair em 1º de novembro, quando completa 75 anos, mas marcou a despedida para 13 de outubro. O ministro é o decano do Supremo — o magistrado mais velho. A notícia chamou a atenção para a palavra decano. Qual a história do vocábulo que ganhou manchetes de norte a sul do país?
Decano vem do latim decanu, que quer dizer formado de 10. Na língua do Império Romano, nomeava o suboficial que comandava 10 soldados. Depois, passou pro campo religioso. Designava o líder de 10 monges no mosteiro. Daí nasceu o português deão — coordenador de um grupo de párocos.
Com o tempo, decanu ganhou espaço e ampliou significados. Um deles: o mestre de um grupo de artesãos. Outro: o chefe de uma corporação de comerciantes, artistas e outras. Mais um: o mais velho dos bispos. Com essa acepção, chegou até nós para nomear o mais velho entre os pares. Com a aposentadoria de Celso de Mello, Marco Aurélio Mello será o decano do STF.
Por falar em deão…
Deão tem mania de grandeza. Aceita três plurais: deãos, deães, deões.
O assunto do momento? É o programa Renda Cidadã. Com ele, a palavra cidadão ganhou espaço na mídia e nas conversas de gente como a gente. Um grupo do WhatsApp discutiu o plural do vocábulo. Alguns apostaram em cidadãos. Outros, em cidadões. Apareceu ainda cidadães. E daí? A turma fez o mais acertado: consultou o dicionário. O Aurélio não fala no assunto. O Houaiss vai direto ao ponto. Diz que o plural de cidadão é simples como andar pra frente. Basta acrescentar um s — cidadãos.
Ops! Surpresa! Na consulta, descobriram que o feminino é generoso. Tem duas formas: cidadã e cidadoa.
Uiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii! Que dor! Prepare o bolso e a bolsa. O governo vai recriar a CPMF. É mais um imposto que seremos obrigados a pagar. É isso mesmo — obrigados. A obrigação está no nome. A palavra veio do latim impositu, que quer dizer o que é imposto, cobrado à força. Em bom português: ninguém paga imposto porque quer. Paga porque é forçado.
Olho vivo
A gente morre no rico dinheirinho. Mas poupa a língua. Impostos e taxas são nomes próprios. Escrevem-se com a inicial grandona: Imposto de Renda, Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, Taxa do Lixo.
Que sem acento ou que com acento? Quase sempre sem. O circunflexo se usa em duas ocasiões:
Os atores têm um quê especial.
Dois quês me chamam a atenção.
O professor manda cortar os quês da redação.
2. Quando está no fim da frase, no fim mesmo, colado no ponto:
Você disse o quê?
Quê? Explique melhor.
O quê? Uau! Que luxo!
A língua é cheia de pegadinhas. Uma delas é meio. Meio é volúvel como coração de adolescente. Ora é invariável. Sem feminino e sem plural. Ora foge da monotonia e cai na variação. Tem feminino e plural. Como lidar com a criatura tão instável? Recorra ao troca-troca.
A reunião foi meio tensa, meio divertida.
A reunião foi um tanto tensa, um tanto divertida.
2. Se não couber um tanto, é a vez do adjetivo. Meio cai na vala comum. Tem feminino e plural:
Meia verdade é meia mentira.
Meias verdades são meias mentiras.
É meio-dia e meia (hora).
Comprei duas meias-entradas.
Eles são meios-irmãos.
Viu?
No começo, parecia meio difícil. Agora, menos de meia hora depois, está fácil como tirar chupeta de bebê.
Entre ou dentre? Na dúvida, use entre. Em 99% dos casos você acerta.
Dentre só tem vez quando significa de entre. É substituível por no meio de:
Cristo ressurgiu dentre os mortos. (Cristo ressurgiu do meio dos mortos.)
Tirou uma dentre as cinco frutas. (Tirou uma do meio de cinco frutas.)
Olho vivo
Na tentação de usar dentre, pare, pense e faça o troca-troca. O resultado é um só. Dentre é raro como viúvo na praça.
Outra do Paulo Guedes — usar verba da Educação pra financiar o Renda Cidadã. Parlamentares puseram a boca no mundo. O jornal publicou a grita: “Superrricos é que deveriam financiar”. Bobeou. Esqueceu regra de ouro no emprego do hífen com os prefixos. Duas letras iguais provocam curto-circuito. O hífen evita tragédias: contra–ataque, sub–bloco, super–ricos.
Regras de ouro
No emprego do hífen com prefixo, existem três regras de ouro. Elas não abarcam 100% dos casos. Mas beiram os 90%. São elas:
Há exceções?
Há. Entre outras, os prefixos co– e re– têm alergia ao hífen. Com eles, é tudo colado: coordenação, corréu, reeleição, reinstalação. E por aí vai.
As pessoas só morrem quando deixam de ser lembradas. Por isso grandes artistas permanecem vivos graças à obra que legaram ao mundo. Não por acaso membros da Academia Brasileira de Letras são chamados de imortais. O argentino Quino foi pro céu na quarta-feira. Deixou na Terra sua mais preciosa criação – Mafalda, a questionadora garotinha de 6 anos que faz os adultos ficarem com cara de bobos. É imortal.
Onde ou aonde? Em geral, onde: Onde você mora? Onde Maria está? Sei onde fica o shopping.
Aonde só se usa com verbo que preenche duas condições. Uma: ser de movimento. A outra: exigir a preposição a. É o caso de ir. A gente vai a algum lugar. Viu? Ele atende às duas imposições. Com ele, aonde é pra lá de bem-vindo:
Aonde ele foi? Não sei aonde ele foi. Você sabe aonde Maria vai?
Superdica
Pintou a dúvida? Parta pro troca-troca. Substitua a por para. Se couber, vá em frente. Dê a vez ao aonde: Aonde ele foi? (Para onde ele foi?) Não sei aonde ele foi. (Não sei para onde ele foi.) Você sabe aonde esta estrada leva? (Você sabe para onde esta estrada leva?) Talvez ele saiba aonde conduziremos os hóspedes. (Talvez ele saiba para onde conduziremos os hóspedes.)
Outubro chegou. Com ele, referência a datas comemorativas. Uma delas circula na internet: “Que neste 2 de outubro deixemos de ser tão 12 de outubro e sejamos mais 7 de setembro, pois só com muito 1º de maio o nosso Brasil não será um eterno 1º de abril.”
As pessoas só morrem quando deixam de ser lembradas. Por isso grandes artistas permanecem vivos graças à obra que legaram ao mundo. Não por acaso membros da Academia Brasileira de Letras são chamados de imortais. O argentino Quino foi pro céu na quarta-feira. Deixou na Terra sua mais preciosa criação – Mafalda, a questionadora garotinha de 6 anos que faz os adultos ficarem com cara de bobos.
Ela nasceu em 1962 para uma campanha publicitária. A personagem deveria ter no nome a sílaba Ma porque o patrocinador era a firma Mansfiel. A propaganda foi recusada. Mafalda então virou tirinha e conquistou os cinco continentes. Frases marcantes a eternizaram. “Cuidado! Irresponsáveis trabalhando”, disse ela ao ver a destruição de florestas.
Seis frases da Mafalda
“Viver sem ler é perigoso. Te obriga a crer no que te dizem.”
“Mais do que um planeta, este é um imenso cortiço espacial.”
“Temos homens de princípios, pena que nunca os deixam passar do princípio.”
“E por que, havendo mundos mais evoluídos, eu tinha que nascer bem neste?”
“Não é verdade que o passado foi melhor. O que acontecia era que os que estavam na pior ainda não se haviam dado conta.”
“E esses direitos… vamos respeitá-los, hein? Não vai acontecer como com os 10 mandamentos!”
“Estimule seu filho a interpretar texto: na escola, em casa, na rua, na chuva, na fazenda ou na casinha de sapê.”
O dia começa à 0h e termina às 24h. A madrugada se estende da 0h às 4h; a manhã, das 5h às 12h; a tarde, das 12h às 18h; a noite, das 19h às 24h.
E 18h30 é tarde ou noite? Se a noite começa às 19h, 18h30 é tarde.
Atenção
24 horas é o fim de um dia; 0h, o começo de outro.
“Escrever é rua de mão dupla. O que acontece na outra pista é a leitura.”
A história se repete todos os anos. Pra lá de bem-vinda, a temporada da premiação mais respeitada do mundo começou esta semana. Três cientistas receberam o Nobel de Medicina: Harvey J. Alter, Michael Houghton e Charles M. Rice.
Viva! O fato, claro, vira notícia. Rádios e tevês o anunciam com o respeito que merece. Mas desrespeitam a língua. Esquecem que Nobel se pronuncia como papel e Mabel. Oxítona, a sílaba tônica é a última.
Por falar em pronúncia
Outras vítimas da pronúncia que figuram na boca de gregos, romanos e troianos é subsídio e gratuito. Vale lembrar: o s de subsídio se pronuncia como o s de subsolo. O ditongo ui de gratuito se diz do mesmo jeitinho que o ui de circuito.
Harvey, Michael e Charles ganharam o Prêmio Nobel de Medicina. Vão dividir a bolada de 10 milhões de coroas suecas. O valor corresponde a R$ 6,3 milhões. Eles descobriram o vírus da hepatite C, que inflama o fígado e pode causar câncer. Ao falar no assunto, vale trazer à tona pormenor linguístico. Nome de doença é vira-lata. Escreve-se com a inicial pequenina: gripe, covid-19, leucemia, labirintite, enxaqueca.
Mesmo time
Moeda joga no mesmo time de doença. Grafa-se com inicial pequenina: real, dólar, euro, lira, peso.
“O pessimista vê dificuldade em cada oportunidade; o otimista vê oportunidade em cada dificuldade.”
“A prosa vigorosa é concisa. A frase não deve ter palavras desnecessárias pela mesma razão que o desenho não deve ter linhas desnecessárias nem a máquina partes desnecessárias. Isso não quer dizer que o autor faça breves todas as suas frases, nem que evite todos os detalhes, nem que trate seus temas só na superfície: apenas que cada palavra conta.” (William Strunk Jr.)
Valha-nos, Deus! A volta às aulas deixou de ser novela. Virou dramalhão mexicano. O governo autoriza o retorno. A Justiça desautoriza. O governo recorre. A Justiça libera. Professores recorrem. A Justiça acata a reivindicação. Ufa! Uma palavra traduz as idas e vindas. É vaivém. Ou vai e vem.
Bolsonaro fez cirurgia na semana passada. Tirou cálculos da bexiga. Na segunda, voltou ao hospital pra avaliação. Fez ultrassom. Trouxe às manchetes o prefixo ultra-. Ele pede hífen quando seguido de h ou a. No mais, é tudo colado (ultra-higienizador, ultra-armado, ultravioleta). Quando seguido de palavra começada por s ou r, dobra a letra pra manter a pronúncia: ultrassom, ultrarrápido.
E povo do andar de cima, hem? É uma brigalhada sem fim. Marinho bate em Guedes, que bate em Rodrigo Maia, que atira pra todos os lados. Ufa! Nem parece que vivem em país mergulhado na pandemia que exibe realidade preocupante cuja face mais cruel são 13 milhões de desempregados.
Os confrontos trouxeram uma palavra ao cartaz. É ególatra. Ela vem de longe. De ego nasceu eu. E deu origem a conhecida prole. Egoísta é um de seus membros. Egocêntrico, outro. Ególatra, mais um. Todos têm os dois olhos postos no próprio umbigo.
Adorar a si mesmo é tão velho quanto o céu e a Terra. A mitologia grega tem até um deus pra representar a egolatria. É Narciso. O mancebo era o belo entre os belos. As ninfas não resistiam a seus encantos. Batiam o olho nele e caíam de amor. O moço não estava nem aí.,.
Com crase ou sem crase: à zero hora ou a zero hora? A locução adverbial formada de palavra feminina pede o acento grave: à zero hora, às claras, às escuras, às apalpadelas, à meia-noite.
Macete
Substitua hora por meio-dia. Se na troca der ao, não duvide. Ponha o grampinho: O avião decola à 0h (ao meio-dia). A aula começa às 14h (ao meio dia). Estou no aeroporto desde as 4h (desde o meio-dia).
Pequenos truques de linguagem contribuem para o clima de cumplicidade na fala. Além de palavras simples e concretas, frases curtas e fáceis, faça perguntas diretas. Nenhuma conversa é unilateral. Pergunte sempre que houver oportunidade.
Use:
a gente, não nós
achar, não localizar
antes de, não anteriormente
aprovação, não anuência
depois, não após
é claro, não obviamente
fazer, não empreender
meio-dia, não 12 horas
morreu, não faleceu
mulher, não esposa
perguntar, não fazer uma colocação
porque, não pois e na medida em que
pra, não para
se, não no caso de
seis da tarde, não 18h
sem dúvida, não indubitavelmente
sondar, não auscultar
vou estudar, vamos viajar, vão sair, não estudarei, viajaremos, sairão
É assim que falamos, não?
“Embora sendo questionável, o último voto do ministro Celso de Mello merece aplauso pela erudição”, escreveu o jornal. Ops! Esqueceu-se de manha do gerúndio. A forma verbal terminada em -ndo (dando, vendo, indo, pondo) tem alergia à conjunção embora. Ambas não andam juntas nem a pedido de Deus. Não escreva embora sendo, embora saindo, embora trabalhando, mas embora seja, embora saia, embora trabalhe. Melhor pedir perdão ao Senhor e obedecer ao mandamento: Embora seja questionável, o último voto do ministro Celso de Mello merece aplauso pela erudição
A oração reduzida de gerúndio exige a posposição do sujeito: Chegando a tempo, poderá participar da sessão. Passando a pandemia, voltará tudo ao que era antes no quartel de Abrantes. (Jamais escreva: A tempo chegando…, A pandemia passando…)
Furacões fazem estragos. Este ano é a vez do Delta. Ele destrói casas, derruba árvores, inutiliza carros. Ao ver o noticiário, pinta a curiosidade: qual a origem do vocábulo furacão? A palavra veio do espanhol huracan. A língua de Cervantes se inspirou em Huracan, deus da mitologia maia. A divindade dos ventos, das tempestades e do fogo tratava da construção e da destruição na natureza. Tinha o nome associado às tormentas e às tempestades. Daí o fato de muitos descobridores designarem grandes tempestades de furacões.
“Nenhum livro para crianças deve ser escrito para crianças.”
No Dia da Criança, o livro é boa pedida. Há títulos pra dar, vender e emprestar. Os pequenos folheiam as obras, tocam o papel, olham as imagens. Se gostam, conjugam o verbo ler. O monossílabo joga no time de outro pra lá de flexionado na leitura — ver.
A 3ª pessoa do singular e do plural de ambos exige atenção plena. Observe: eu leio, ele lê, nós lemos, eles leem; eu vejo, ele vê, nós vemos, eles veem. Viu a semelhança? Ele vê, eles veem. Ele lê, eles leem.
Nova cara
Olho vivo! Antes da reforma ortográfica, o hiato e/em ganhava chapeuzinho. Agora vive livre e solto, sem lenço e sem documento: ele lê, eles leem; ele vê, eles veem; ele crê, eles creem, ele dê, eles deem.
Xô, confusão
A perda do acento de ler, ver, crer e dar não tem nada a ver com ter e vir. Essa duplinha mantém o chapéu: ele tem, eles têm; ele vem, eles vêm.
“As crianças não têm passado nem futuro e, o que raramente nos acontece, gozam o presente.”
Dia da Criança é nome próprio. Escreve-se com as iniciais maiúsculas. Outras datas comemorativas seguem a regra: Dia das Mães, Dia dos Pais, Dia do Trabalho, Dia da Árvore, Dia dos Namorados, Dia de Finados.
Antes, bebê era como os anjos. Não tinha costas nem sexo. O bebê dava conta dos dois gêneros. Veio o movimento feminista. As mulheres quiseram dar visibilidade ao feminino. Conseguiram. Bebê agora joga no time de estudante. O artigo diz se nos referimos a ele ou a ela: o estudante, a estudante; o bebê, a bebê.
Vícios não faltam. Um deles está cada vez mais atrevido. Aparece em jornais, revistas, propagandas, embalagens de brinquedos, vitrines de lojas. O que é? O que é? Trata-se da indicação de idade. É a receita do cruz-credo — de 0 a 2 anos, de 0 a 3 anos, de 0 a 6 anos. Pra que apressar o calendário? São necessários nada menos que 365 dias para o nenê completar um ano. Melhor respeitar o ritmo da natureza. Que tal indicado para crianças de até 2 anos?
Ao ler matéria sobre Aparecida, pintou a dúvida com esta passagem: “Grupos de pequenos romeiros vindos de diversos pontos do estado…” Seriam crianças ou pessoas de pequena estatura? Pela foto, parecem adultos como tantos outros. Será que o autor quis dizer “pequenos grupos de romeiros?
O texto pecou pela falta de clareza. De qualquer forma, não afirma que os romeiros são de pequena estatura. Se fossem, o adjetivo deveria vir depois do substantivo: Grupo de romeiros pequenos…
Como vem na frente, tem sentido conotativo. Compare as frases:
Yasser Arafat media 1,57m. Era um grande homem pequeno.
Charles de Gaulle media 1,96m. Os inimigos dizem que era um pequeno homem grande.
Oba! É Dia da Criança. A meninada faz a festa. Além da folga mesmo com aulas remotas, garotas e garotos ganham presentes. A oferta não tem fim. Bonecas, carrinhos, trens, bolas, super-heróis, jogos, bicicletas, celulares, tablets, computadores se oferecem sem cerimônia. Eta tentação!
Bons clientes, eles não resistem à oferta. Os pais põem a mão no bolso e atendem os pidões. Resultado: a casa vira loja de brinquedos. Organizá-los requer tempo e paciência. A criança ajuda. Mas desiste logo, atraída por novos apelos.
Eureca
O que fazer? Montar uma brinquedoteca. Brinquedoteca rima com biblioteca e videoteca. As três terminam com teca, que quer dizer isto: lugar fechado onde se guarda um montão de alguma coisa. Que coisa? Biblioteca guarda livros. Videoteca, vídeos. Brinquedoteca? Está na cara — brinquedos. Vamos à farra.
“Se você está planejando por um ano, semeie arroz. Se você está planejando por uma década, plante árvores. Se você está planejando para toda a vida, eduque as pessoas.”
“Com a pandemia, alunos reprovam em disciplinas consideradas fáceis”, disse o diretor. Certo? Não. No caso, alunos não praticam a ação de reprovar. Sofrem-na. Em vez de agente, será paciente da ação. Compare:
O professor (agente) reprova o aluno (paciente). O aluno (paciente) foi reprovado pelo professor (agente). Reparou? Na voz ativa ou passiva, o rei mantém a majestade. Em bom português: o professor reprova. O aluno é reprovado.
O mesmo vale para aprovar: Maria foi aprovada com louvor em português e matemática. O Conselho Nacional de Educação sugere que professores aprovem os alunos em 2020. Deixem a avaliação para 2021.
Datas comemorativas exercem papel que vai além de cumprimentos, presentes e palavras bonitas. Elas jogam os holofotes sobre fatos que merecem ser vistos com mais atenção. Por figurarem no calendário, ganham espaço na mídia e sobressaem da normalidade inercial.
Como Jano, o deus de duas caras da mitologia greco-romana, impõem um olhar para o passado e outro para o futuro. Em outras palavras: analisam o que foi feito e traçam os avanços para o aperfeiçoamento contínuo. Daí a relevância do Dia da Mulher, Dia do Trabalho, Dia de Finados, Dia da Abolição da Escravatura.
Hoje é Dia do Professor. Ao lado do médico, que salva vidas, o mestre salva o futuro. Na pandemia, que pegou o mundo de surpresa e as escolas despreparadas, gigantes multiplicaram as forças, buscaram saídas e retiveram os alunos no sistema escolar. Trocaram o pneu com o carro em alta velocidade.
De um lado, se familiarizaram com a tecnologia – negligenciada nos cursos de pedagogia, cujos currículos olham para o século 20 e ignoram os desafios da contemporaneidade. Prepararam e ministraram conteúdos de forma remota. De outro, ficaram atentos aos excluídos.
Sem acesso a computador ou a internet, eles corriam o risco de ver ampliar-se o fosso da marginalidade. Professores, a exemplo dos médicos que repetem o mantra “nem um a menos”, levaram material impresso para a casa das crianças e orientaram a aprendizagem.
Acionaram ONGs, igrejas, clubes sociais, rádios comunitárias e deram aula ao ar livre para conservar o elo aluno-escola. Muitos pegaram barco para chegar às populações ribeirinhas. Outros, bicicletas, carroça ou o próprio carro. Eles sabem que o evadido do convívio dos livros corre sério risco de figurar na lista dos jovens cujo destino termina com c – caixão ou cadeia.
Os quase 2,5 milhões de docentes brasileiros merecem o reconhecimento do imperador japonês, que só faz reverência ao mestre. Ou as palavras de D. Pedro II, que repetia com sinceridade: “Se eu não fosse imperador, desejaria ser professor. Não conheço missão maior e mais nobre que a de dirigir as inteligências juvenis e preparar os homens do futuro”.
Além dos mestres, os 57 milhões de estudantes, as respectivas famílias e os brasileiros em geral esperam as palavras de Milton Ribeiro. O ministro da Educação deve desculpas à nação. Em entrevista, disse que “ser professor é ter quase uma declaração de que a pessoa não conseguiu fazer outra coisa”. Melhor reconhecer: a pessoa conseguiria ser o que quisesse. Escolheu ser professor. A pandemia serve de prova.
(Editorial do Correio Braziliense de hoje)
“Ensinar é o maior ato de otimismo.” (Colleen Wilcox)
“Não posso ensinar nada a ninguém. Eu só posso fazê-los pensar.” (Sócrates)
“Educação gera confiança. Confiança gera esperança. Esperança gera paz.” (Confúcio)
“Não há mestre que não possa ser aluno.” (Baltasar Gracián)
Viva! É Dia do Professor. D. Pedro II reverenciou o mestre com esta citação: “Se eu não fosse imperador, desejaria ser professor. Não conheço missão maior e mais nobre que a de dirigir as inteligências juvenis e preparar os homens do futuro.”
Dizem que, no Japão, o único profissional que não precisa se curvar diante do imperador é o professor. A razão: numa terra onde não há professor, não pode haver imperador. Verdade? Não. Naquele país cheio de rituais, todos se curvam diante do imperador. Mas o único diante do qual Sua Majestade faz leve reverência é o mestre.
O professor ensina. O aluno aprende. Certo? Em parte. Volta e meia, os papéis se invertem. Com a moçada pra lá de informada, mestres se atualizam com garotos e garotas que adoram dividir conhecimentos. Basta ter humildade e curtir. De quebra, lembrar a regência do verbo que enriquece uns e outros.
No sentido de dar instrução, a gente ensina alguma coisa a alguém: O professor ensinou a conjugação verbal ao aluno. João ensina os truques da informática ao irmãozinho Rafael. A leitura ensina as belas lições a adultos e crianças.
O ou lhe?
Quer substituir os complementos pelo pronome átono? Fique esperto. O alguma coisa é objeto direto. Pede o pronome o ou a. O alguém é objeto indireto. Exige o lhe. Assim:
O professor ensinou a lição ao aluno. O professor a ensinou ao aluno. O professor lhe ensinou a lição.
João ensina os truques da informática a Rafael. João os ensina a Rafael. João lhe ensina os truques da informática.
A leitura ensina as belas lições a adultos e crianças. A leitura as ensina a adultos e crianças. A leitura lhes ensina as belas lições.
A palavra escola nasceu na Grécia. Lá, escrevia-se scholé. Depois, atravessou fronteiras. Passou pro latim. Virou schola. Daí pra frente, ninguém mais segurou a mocinha. Ela figura em muitas línguas. Uma delas é a nossa. O significado de escola?
É o lugar onde a gente estuda. Lá se aprende português, matemática, história, geografia, ciências, inglês. Também se vai à biblioteca e aos laboratórios. Ou se gasta uma hora fazendo educação física para ficar com o corpinho bem sarado.
Curiosidade
Na origem, escola tinha outra acepção. Queria dizer descanso, pernas pro ar. Sabe por quê? Antigamente crianças trabalhavam — e muito. Só estudava quem não era obrigado a ganhar o pão com o suor do próprio rosto. Estudar, então, era o contrário de trabalhar. Onde se estudava? No lugar de descanso — a escola.
O s que aparece na palavra trânsito soa z. O que aparece na palavra transubstanciação soa ss. Por quê? Ambos os vocábulos são formados pelo prefixo trans-. A resposta está no que vem depois.
Trânsito, como transigir, transatlântico, transar e transístor, é seguido por letra diferente de s: trâns(ito), trans(igir), trans(atlântico), trans(ar), trans(ístor).
Transubstanciação, como transiberiana, transumir e transugar, é seguida de palavra começada por s. Viu? S de um lado e s de outro são dose dupla. Na escrita, um deles some. Mas na pronúncia soa como se estivesse presente: trans(substanciação), trans(siberiana), trans(sumir), trans(sugar).
“Felicidade é quando o que você pensa o que você diz e o que você faz estão em harmonia.”
Eta semana pesada! Nos sete dias, imperou um assunto – a libertação de André do Rap. O chefão do PCC saiu da cadeia de segurança máxima pela porta da frente. Fez agrados no advogado, entrou no carro, bateu asas e voou. Para onde? Sabe-se lá. Suspeita-se de Paraguai e Bolívia.
Sem confusão
O noticiário, claro, falou em tráfico. Alguns escreveram tráfego. Pintou, então, a dúvida: há diferença entre as duas palavras? Há. E põe diferença nisso. É tão grande quanto a distância entre água e azeite. Veja:
Tráfego = trânsito, grande atividade, afã, comércio: tráfego aéreo, tráfego marinho, tráfego rodoviário.
Tráfico = comércio, não necessariamente ilícito. Daí se dizer tráfico ilegal ou tráfico ilícito. Melhor evitar confusão. Use tráfico só na acepção de comércio ilícito: tráfico de droga, tráfico de influências, tráfico de mulheres.
A campanha Outubro Rosa veste os monumentos de cor-de-rosa. Trata-se de forma charmosa de chamar a atenção para a necessidade de prevenir o câncer de mama. À noite, as cidades ganham toque de magia. Os cidadãos circulam pelas ruas encantados. Fotografam. Postam comentários e imagens nas redes sociais. É um show.
Sai ano, entra ano, ao divulgá-la, pinta a pergunta. Por que cor-de-rosa se escreve com hífen e as demais cores não? São artes da reforma ortográfica. Antes, cor de laranja, cor de carne, cor de vinho, cor de abóbora se grafavam com o tracinho. Agora, circulam livres e soltas. E cor-de-rosa? É a exceção que confirma a regra.
Por que câncer se chama câncer? Câncer chegou ao português via latim (cancer). Mas a palavra tem outra origem. O vocábulo nasceu grego. Na língua de Aristóteles e Platão, era karkinos. A trissílaba quer dizer caranguejo. O que a doença tem a ver com o crustáceo? A aparência: o desenho das veias da região afetada pela doença lembra … caranguejo.
Olha o Hércules
Hércules enfrentou a Hidra de Lerna. Pra vencer o dragão com nove cabeças de serpente, tinha de cortar todas elas. Como? Mal decepava uma, a danada renascia. Ele, então, queimou com uma tocha os pescoços cortados. Oba! A deusa Hera, inimiga do valentão, mandou um caranguejo mordê-lo. O herói o esmagou. Hera recolheu os pedaços espalhados pelo chão. Com eles, formou a constelação de Câncer, que quer dizer caranguejo.
Maria Eliza Durval, de BH, escreveu: “Muitos dizem por conta de no lugar de por causa de. Exemplo: O mercado financeiro foi afetado por conta da alta do dólar. Estão certos?
Por conta de na acepção de por causa de é modismo. Muitos o rejeitam. Como falamos e escrevemos para o outro, é melhor seguir esta regra:
Por causa de = devido a, por motivo de, em razão de, em virtude de, graças a, por obra de: O senador Chico Rodrigues deixou a vice-liderança do governo por causa do dinheiro na cueca. Muitos se sentem ansiosos por causa do isolamento social. Houve interrupção das aulas por causa da pandemia.
Por conta de = a cargo de, à custa de, sob a responsabilidade de, custeado ou financiado por alguém: O cafezinho é por conta da casa. As definições da obra ficam por conta do engenheiro. Diverte-se por conta dos pais.
Leso é adjetivo. Deve concordar em gênero e número com o substantivo a que se refere: lesa-pátria, lesas-pátrias, leso-futuro, lesos-futuros.
“A palavra real nunca é suave.”
A língua encanta. Harmonias e ritmos seduzem ouvidos e arrebatam corações. Como chegar lá? Não há necessidade de mágicas nem invenções. Basta manejar com engenho e arte o código de que dispomos — organizar as palavras de tal forma que a frase ganhe fluência e ritmo. Veja a dica.
Pronúncia
O respeito à sílaba tônica da palavra acaricia os ouvidos. Vocábulos terminados em a, e e o são paroxítonos (cadeira, tacape, livro). Em i e u, oxítonos (tupi, cajus). Se algum foge à regra, vem acentuado. Agudos e circunflexos indicam que a sílaba tônica se desviou da norma: sofá, você, vovó, táxi, ônus, lâmpada.
Rubrica, recorde e ibero terminam em a, e e o. Sem acento, jogam no time das paroxítonas. As sílabas fortes são bri,cor e be. Álibi termina em i. Mas ostenta grampinho no a. Resultado: tornou-se proparoxítona.
Rima é qualidade da poesia, mas defeito na prosa. Recebe, então, o nome de eco. Como descobri-lo? Leia o texto em voz alta. Ocorre repetição de sons iguais ou semelhantes? Mande-os pras cucuias:
Houve provocação e confusão na reunião da diretoria.
Cruz-credo! Tantos ãos provocam otite. Xô, eco! Assim: Houve provocação e tumulto no encontro da diretoria.
Cacófato
Ops! De vez em quando, ocorrem encontros indesejados. O fim de uma palavra se junta com o começo de outra. Forma-se, então, uma criatura indesejada: Pagou R$ 10 por cada peça. Lá tinha muitos amigos. Deu uma mãozinha à vizinha. Maria diz que nunca ganha nada na loteria.
Harmonia
Palavras e frases devem conversar sem tropeços, ecos ou repetições. O resultado é a harmonia. Como alcançá-la? Há caminhos. Um deles: o metro. A colocação dos termos é a chave — o mais curto (com menor número de sílabas) deve vir na frente do mais longo. Quer ver? Leia os períodos em voz alta:
Viu? O 2º dá a impressão de que lhe falta alguma coisa. Mas não falta. Ele está gramaticalmente certinho. A sensação de incompletude se deve ao tamanho dos termos. Em regime de urgência urgentíssima tem 13 sílabas. A PEC, duas. Daí o desequilíbrio.
Ninguém sabe por quê. Mas trios bajulam os ouvidos. Pai, Filho e Espírito Santo formam a Santíssima Trindade. Liberdade, igualdade e fraternidade são os lemas da Revolução Francesa. Governo do povo, para o povo, pelo povo, proclamou Abraham Lincoln. Vim, vi e venci, orgulhou-se Júlio César.
Nas enumerações, o três faz mágicas. Pense em três itens para agrupar: O candidato colecionou desafetos ao combater o divórcio, o homossexualismo, a igualdade de gêneros. O estilo deve ter três virtudes: clareza, clareza e clareza.
Vamos trabalhar com afinco, vontade e competência.
O assunto não tem a ver com pandemia, brigas políticas ou dinheiro em cueca. Ufa! Trata-se de jeitinhos de dizer. Há palavras e expressões com poder estimulante. Elas motivam, empurram pra frente. Há, também, as desanimadoras, que apostam na estagnação e no fracasso. Ambas condicionam o cérebro e influenciam as ações. Que tal prestar atenção a elas?
Ainda
Ainda é pra lá de bem-vinda. A trissílaba abre possibilidades. É positiva. Compare:
Não tenho casa própria.
Não tenho casa própria ainda.
Viu? O advérbio dá um recado claro. Não tenho hoje. Mas vou ter. É questão de tempo.
Cuidado. Usado em contexto negativo, o ainda pode causar estragos. É o caso desta frase: Minha casa ainda não foi assaltada. Cruz-credo! Xô!
Tentar x experimentar
Compare as duas respostas dadas para a mesma pergunta:
— Você vai entregar o trabalho amanhã?
A primeira: — Vou.
A segunda: — Vou tentar.
A primeira transmite firmeza. Não deixa dúvidas. O trabalho mudará de mãos amanhã. A segunda funciona como balde de água fria. Dá este recado: é possível tentar, mas muito difícil de conseguir. “Quem tenta não faz”, dizem os psicólogos sem medo de errar.
Experimentar joga em outro time. Inclui ação, curiosidade: Não sei jogar, mas vou experimentar.
É difícil x é desafiante
Uiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii! É difícil bloqueia, paralisa, rouba a energia necessária à ação. Que tal trocá-la? É desafiante ou é um desafio fazem bonito. Abrem possibilidades de sucesso.
Queria x quero
Muitos consideram o queria menos autoritários que quero. Talvez tenham razão. Mas, com eles, o falante fica distante do objetivo. Melhor ser assertivo. Use o presente: quero.
Compare as respostas:
— Você quer um sorvete com calda de chocolate?
— Queria.
— Quero.
Reparou? Enquanto o primeiro se perde na hesitação, o segundo saboreia a delícia.
Mas
Os linguistas estudam o discurso sim…mas. Vale o que vem depois do mas. A conjunção suaviza o que foi dito e enfatiza o que vem depois: Maria estuda muito, mas tira notas baixas.
Reparou na malandragem? A frase elogia, mas, em seguida, desqualifica. Que tal ser generoso? Basta mudar a ordem: Maria tira notas baixas, mas estuda muito.
Não
O cérebro surpreende. A gente diz certa palavra, ele registra outra. É o caso do não. Testes provam que o monossílabo é ignorado quando acompanhado de uma imagem. A gente diz “não pense no cachorro”. A primeira coisa que se visualiza é… o cachorro. A filha repete: “Não quero gritar igual à minha mãe!” Pinta um flash da mãe gritando. A imagem fica reforçada. É provável que ela venha a gritar tanto quanto a mãe.
O não nunca tem vez? Claro que tem. Use-o em negativas simples: Não vou. Não quero. Não posso. Aí, o cérebro o registra a negativa.
Moral da história
Falemos palavras positivas, que tragam realização, que levem ao sucesso. Você pode tudo o que realmente quiser. A língua ajuda.
Socorre-se alguém em algum lugar: O acidentado foi socorrido no hospital. O paciente foi socorrido em casa. Todos foram socorridos no local do evento.
“No futebol, o pior cego é o que só vê a bola.”
Respondeu octogésimo? Acertou. Pelé apaga 80 velinhas para comemorar o octogésimo aniversário. Que tal relembrar os ordinais de 1 a 10 e de 10 a 100? Ei-los: primeiro, segundo, terceiro, quarto, quinto, sexto, sétimo, oitavo, nono, décimo, vigésimo, trigésimo, quadragésimo, quinquagésimo, sexagésimo, septuagésimo (setuagésimo), octogésimo, nonagésimo, centésimo.
Olho vivo
Numeral ordinal tem alergia ao hífen. Pra evitar espirros e erupções na pele, deixe o tracinho longe da criatura tão sensível. Assim: décimo primeiro, octogésimo sétimo, centésimo décimo terceiro.
Futebol é… futebol. A palavra, que veio da língua da rainha, tem duas partes. Uma: foot, que quer dizer pé. A outra: ball, que significa bola. Em bom português: bola no pé. Nacionalistas tentaram colorir de verde-amarelo o nome do esporte. Chamaram-no balípodo. Inspiraram-se no grego ballo (lançar) e podós (pé). A novidade não pegou. Virou folclore.
“As unidades consumidoras de baixa tensão terão uma redução média de 0,49% nas novas tarifas e os clientes com fornecimento em alta tenção receberão um acréscimo de 2,14%”, escreveu o Correio. Leitores reclamaram. Alessandro Sberni @sberni93 foi além. Apontou quatro tropeços:
A história do dinheiro na cueca deixou meio mundo curioso. Qual a etimologia do cofre do senador? Cueca tem duas partes. Uma vem do latim culus, que quer dizer cu, ânus, bunda. A outra vem do grego eca, que significa domicílio. Em português claro: cueca é a casa do…bumbum.
Como caracterizar 2020? Não faltarão adjetivos. Um deles é surpreendente. Em 10 meses aconteceu de tudo – de pandemia a dinheiro na cueca. Valha-nos, Senhor! Mas, aqui e ali, pintam boas notícias. Uma delas relembra velhos tempos, traz alegria e brilho nos olhos: Pelé completa 80 anos.
Quem não assina embaixo destas palavras do Rei do Futebol? “As pessoas tentam encontrar um novo Pelé, mas isso não pode ser. Como na música, em que só existe um Frank Sinatra e um Beethoven, ou nas artes, com um único Michelangelo, no futebol só há um Pelé.“ Data tão especial mereceu livro novo – De casaca e chuteiras, de Silvestre Gorgulho, lançado no Museu do Futebol.
Sua Majestade
O tratamento dado a rei é majestade. Por quê? Majestas, em latim, quer dizer poder. Na língua dos Césares e na de Camões, Pessoa, Machado & cia. talentosa, majestade, majestoso, majestático & derivados se escrevem assim, com j.
A Seleção Brasileiras é a mais bem-sucedida do planeta. Só ela conquistou cinco campeonatos mundiais. Agora torcemos pelo sexto. Quando chegar lá, estejamos preparados para lidar com a grafia do hexa. A desejada dos brasileiros pede hífen? Ou dispensa o tracinho? Ela exige o elo quando seguida de h e a. Nos demais casos, vem tudo junto: hexa-homenagem, hexa-advertência, hexacampeão, hexadecimal, hexarreator, hexassubstituto.
Mesmo time
Bi, tri, tetra & demais familiares com mania de grandeza têm as mesmas manhas do hexa. Na grafia, seguem as três regras de ouro do emprego do hífen. A primeira: o h, majestoso, não se liga a nada nem a ninguém (bi-humano, anti-histórico, tri-herói). A segunda: os iguais se rejeitam. Separam-se, por isso, com o tracinho (bi-ilíaco, contra-ataque, tetra-atleta). A última: os diferentes se atraem (bissexual, tricampeão, autoescola, tetrassistema).
Pelé sobressaiu em todas as jogadas. Brilhou nos dribles, nas bicicletas e nas embaixadas. Hábil, dava sucessivos toques na bola – com os pés, as coxas, os ombros ou a cabeça – sem que ela tivesse contato com o chão. O espetáculo se chama embaixada. Mas o nome não tem nada a ver com representação diplomática, Itamaraty & cia. Tem a ver com a forma como se toca na pelota – por baixo. Malandro, o pé começa a manobra embaixo da redonda.
“Lutar com palavras
é a luta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.”
A palavra mais ouvida nos últimos dias? É pesquisa. Datafolha, PoderData & cia. fazem mais sucesso que novela. Tanta popularidade cobra preço alto. Ao escrever a trissílaba e respectiva filharada, muitos tropeçam na grafia. Dão a vez ao z em vez do s. Esquecem-se de pormenor pra lá de importante.
Na língua, impera esta regra: a família acima de tudo. Se o paizão se grafa com s, os descendentes conservam a letrinha. É o caso de pesquisa, pesquisar, pesquisador, pesquisado, pesquisinha, pesquisona. É o caso também de camisa, camisaria, camiseiro, camisinha, camisola. É o caso ainda de país, paisinho, paisão, paiseco.
Sem exceção
A regra não é privilégio do s. Vale para as demais letras. Viajar, por exemplo, se escreve com j. Todas as formas do verbo serão fiéis a ele: viajo, viaja, viajamos, viajam; viaje, viajes, viajemos, viajem.
Nariz, rapaz, capuz, raiz, juiz e vez exibem z. A lanterninha do alfabeto permanece firme e forte nos derivados: narizinho, rapazinho, rapazote, capuzinho, encapuzar, raizinha, enraizar, enraizado, juízo, ajuizar, vezinha, vezeiro, revezar.
A língua tem manhas. Uma delas é o discurso sim… mas. Ao usá-lo, tenha uma certeza — vale o que vem depois do mas. A conjunção suaviza o que foi dito e enfatiza o que vem no fim: O prefeito fez muito, mas obteve poucos resultados. O candidato tem boas intenções, mas o programa não diz nada. Maria estuda muito, mas tira notas baixas.
Reparou na malandragem? A frase elogia, mas, em seguida, desqualifica. Pega bem ser generoso. Basta mudar a ordem: O prefeito obteve poucos resultados, mas fez muito. O programa não diz nada, mas o candidato tem boas intenções. Maria tira notas baixas, mas estuda muito.
Candidatos pedem votos. Por isso, pedir é um dos verbos mais conjugados na campanha. Usá-lo como manda a regência pega bem como agradecer uma gentileza ou dar bom-dia ao entrar no elevador. Olho na preposição:
Pedir para age às escuras. Como quem não quer nada, esconde a palavra licença. Assim: O filho pediu ao pai (licença) para sair à noite. O aluno pedirá ao professor (licença) para entregar o trabalho com dois dias de atraso. Peçamos (licença) para sair.
Pedir que gosta de clareza. Ao usar a duplinha, a pessoa solicita (não pede licença): O diretor pediu que todos colaborassem. O presidente pede que os manifestantes se contenham. O sacerdote pedirá que os fiéis colaborem com a causa.
“Eu também quero”, dizem políticos de olho em prefeituras e câmaras de vereadores. Distribuem santinhos, visitam eleitores, pegam criancinhas no colo. E prometem. Prometem mundos e fundos pra conquistar poder neste Brasilzão sem fim.
Se colar, a criatura vai em frente e recebe a bênção das urnas. Se não colar, recolhe-se ao anonimato. Terão valido os cinco minutos de exposição pública. E, de quebra, uma dica de português.
Trata-se da origem da palavra candidato. Ela vem do latim candidatus, que significa vestido de branco. A escolha da cor tem explicação: vincular a figura do postulante à ideia de pureza e honradez que o branco simboliza.
Ricardo Salles postou mensagem em que chama Rodrigo Maia de Nhonho. Com a repercussão, disse que era inocente. Alguém teria usado o perfil dele na rede pra fazer intriga. Será? Pelo sim, pelo não, a imprensa abriu generoso espaço para a troca de gentilezas. Resultado: pintou a dúvida de como escrever o apelido — com aspas ou sem aspas?
No caso de apelidos, codinomes ou alcunhas não vulgarizados, as aspas aprecem só na primeira referência: Rodrigo Maia, o “Nhonho”, Rodrigo “Nhonho” Maia, Maria das Graças “Xuxa” Menegel, Adílson “Maguila” Rodrigues, Valter Machado, o “Machadão”.
Ao longo do texto, se citado novamente, o apelido, aparece com a naturalidade de quem anda pra frente — sem aspas: A reação de Nhonho levou a ministro do Meio Ambiente a se retratar.
Quando o apelido é incorporado oficialmente ao nome, as aspas não têm vez: Xuxa, Luiz Inácio Lula da Silva, Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho.
A ordem é parcimônia. Fuja das aspas como o rato foge do gato. Só recorra a elas quando não puder escapar. Empregue-as em:
“No futebol, o pior cego é o que só vê a bola.” (Nélson Rodrigues)
“A gente nasce com um montão de palavras na barriga. Na vida, vai falando e gastando o estoque. Quando todas acabam, a gente morre.” (pensamento africano)
O presidente criticou, indignado, o que o deputado chamou de “oportunismo eleitoreiro”.
Os participantes dos arrastões querem “administrar” os bens dos banhistas.
O presidente do partido cedeu “cordialmente” alguns de seus segundo no programa eleitoral para o concorrente.”
Na matéria “O que dizem as pesquisas?”, publicada …
O conto “Dia da caça”, de Rubem Fonseca, faz parte do livro O cobrador.
Conhece o poema “Vou-me embora pra Pasárgada”, de Manuel Bandeira?
Li o artigo “A defesa do consumidor”, de Paulo da Silva.
A crônica “Dar um jeitinho”, de Rubem Braga, retrata, com leveza e humor, a característica 100% brasileira.
5. Apelidos, codinomes, alcunhas quando não vulgarizados (use aspas só na primeira referência): Rodrigo Maia, o “Nhonho”; Rodrigo “Nhonho” Maia; Luiz Eduardo Ramos, o “Maria Fofoca”; Luiz Eduardo “Maria Fofoca” Ramos”; Valter Machado, o “Machadão”; Adílson “Maguila” Rodrigues.
6. Na continuação do texto, se precisar referir novamente o apelido, faça-o com a naturalidade de quem anda pra frente — sem aspas: Nhonho, informado do tuíte de Ricardo SAlles, reagiu com tal veemência que obrigou o ministro do Meio Ambiente a se retratar.
7. Se o apelido é incorporado oficialmente ao nome, as aspas não têm vez: Xuxa, Luiz Inácio Lula da Silva, Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho.
Olho vivo
Na transcrição de discursos, documentos e similares, abrem-se aspas no começo do texto e fecham-se só no final, não a cada início de parágrafo.
Se, porém, for acrescentado algum título auxiliar ou intertítulo, fecham-se as aspas antes dele e abrem-se depois.
Hoje é Dia das Bruxas. Os americanos o comemoram. Nós nem ligamos pras coitadas. Deixamo-las lá, montadas na vassourinha. Mas elas, generosas, ensinam uma lição. X ou ch? Depois de bru, não vacile. É a vez do x: bruxa, bruxaria, bruxulear, Bruxelas.
Por que 2 de novembro é Dia de Finados? A resposta tem a ver com 1º de novembro. No Dia de Todos os Santos, homenageiam-se os santos que não têm data especial no calendário. Há muitos mortos que não são lembrados durante o ano. Em 2 de novembro, as preces do céu e da Terra os alcançam. Amém.
Hoje é Dia de Todos os Santos. Tratar seres tão especiais requer cuidado. Ora nos referimos a eles como santo, ora como são. As duas palavrinhas têm o mesmo significado. Querem dizer indivíduo que foi canonizado. São é forma apocopada. Preguiçosa, deixou a última sílaba no caminho como frei (freire), bel (belo), mui (muito).
A vez de cada um
Quando dar a vez a são e a santo?
Use santo quando seguido de nome iniciado por vogal ou h: Santo Antônio, Santo Agostinho, Santo Hilário.
Dê passagem ao são nos demais casos: São Bento, São Carlos, São Caetano.
Exceção?
No duro, no duro, só uma. É São Tirso. Há dois indecisos: São Tomás ou Santo Tomás, São Borja ou Santo Borja.
“Tenho medo da morte e da dor, mas convivo bem com isso. O medo me fascina.”
Hoje é Dia de Finados. Os vivos homenageiam os que foram na frente. Nem todos obedecem ao mesmo ritual. Os mexicanos, por exemplo, promovem bailes nos cemitérios. Os japoneses preparam a comida mais apreciada pelos mortos, trancam-se em casa e se banqueteiam. Os brasileiros visitam os túmulos, fazem preces e levam flores.
Uns se contentam com flores solitárias. Outros preferem quantidade. Escolhem vasos, buquês ou braçadas. É aí que mora a dúvida. A gente diz vaso de flor ou vaso de flores? Buquê de rosa ou buquê de rosas? Braçada de margarida ou braçada de margaridas? A resposta é sempre plural — vaso de flores, buquê de rosas, braçada de margaridas. Por quê? O vaso tem mais de uma flor. O buquê, mais de uma rosa. A braçada, mais de uma margarida. Lógico, não?
Muita gente não pronuncia a palavra morte nem a pedido do Senhor. Um deles é Manuel Bandeira. Ele falou em “a indesejada das gentes”. Guimarães Rosa disse que a gente não morre. “Fica encantada”. Álvaro Moreira escolheu “ir na frente”. O povo não se aperta. Apela para ocaso, partida, passamento, trânsito, viagem, passar desta pra melhor, ir para a companhia do Senhor. O malandro esconde o medo atrás da gozação. Diz bater as botas, espichar a canela, vestir terno de madeira.
Moral da história: as denominações têm um denominador comum. São eufemismos.
Palavra adocicada
Eufemismo, eutanásia e eufonia têm a mesma origem. São gregas. Meio-irmãs, as três exibem o prefixo eu-. O pequenino é gente fina. Quer dizer bom ou bem. Eutanásia significa boa morte. Eufonia, o bom soar das palavras. Eufemismo, a melhora na acepção do termo.
A razão
Por que recorrer ao eufemismo? Muitos acreditam que as palavras têm função mágica. Se negativas, têm efeito negativo. Falou? Não dá outra. Atraiu. Disse diabo? Valha-nos, Deus! O capeta aparece. Pronunciou câncer? Melhor se benzer, ou bater na madeira. Pra não correr riscos, melhor ficar com as iniciais ca. Fazer o quê?
O jeito é adocicar o termo — buscar vocábulos ou expressões mais brandos pra exprimir a mesma ideia. “As palavras”, diz Camélia Dib, “são tão fortes que viram verdade. Por isso só diga ou pense palavras boas, generosas, de alto astral.”
Respostas não faltam. Africanos têm uma pra lá de original: “A gente nasce com um montão de palavras na barriga. Na vida, vai falando e gastando o estoque. Quando todas acabam, a gente morre”.
Epitáfio? É a inscrição que aparece nas lápides. A palavra nasceu na Grécia. Deu uma voltinha em Roma. E chegou aqui. Tem duas partes. Uma: epi, que significa acima. A outra: táphos, que quer dizer túmulo. A propósito, Machado de Assis escreveu: “Gosto dos epitáfios; eles são, entre a gente civilizada, uma expressão daquele pio e secreto egoísmo que induz o homem a arrancar à morte um farrapo ao menos da sombra que passou”.
Um gozador não deixou por menos: “Se os mortos pudessem ler os epitáfios que os herdeiros lhes consagram, achariam que entraram no cemitério errado”. Sabatier confirmou: “Uma criança lendo os epitáfios nos túmulos de um cemitério perguntou ao pai em que canto do cemitério se enterravam as pessoas más”.
“Aqui jaz Fernando Sabino, que nasceu homem e morreu menino.” (Fernando Sabino)
“Nada de monumento coberto de elogios. Meu epitáfio será meu nome, nada mais.” (Lord Byron)
“Assassinado por imbecis de ambos os sexos.” (Nélson Rodrigues)
“Aqui estão meus ossos à espera dos vossos.” (citado por Millôr Fernandes)
Os Estados Unidos foram às urnas. A disputa entre Biden e Trump incendeia a política. Pela primeira vez, um candidato pôs em xeque o sistema eleitoral americano. Se perder, o presidente ameaça recorrer à Suprema Corte. E daí?
Enquanto a resposta não vem, vale a questão: por que a potência do planeta exige o verbo no plural? Porque, nos nomes próprios escritos no plural, o artigo faz a diferença. Olho nele. O verbo concorda com o monossílabo. Sem o pequenino, o plural mete o rabinho entre as pernas.
Veja: Os Estados Unidos disputam a liderança mundial com a China. O Palmeiras joga no campeonato paulista. Minas Gerais teve a primeira capital pré-traçada do Brasil.
Falsas verdades
Às vezes, aparece só a abreviatura EUA. As três letrinhas, sobretudo em títulos de jornal, vêm sem artigo. Não se deixe enganar. Lembre-se: as aparências enganam. O artigo conta como se estivesse escrito: EUA elegeram Trump há quatro anos. E agora, escolherão Biden?
Tio Sam personifica os Estados Unidos. De barbicha e bigode, trajada de casaca e calças listradas como a bandeira americana, a criatura nasceu lá por 1812. Dizem que a imagem é reprodução de uma figura de carne e osso. De quem?
É aí que a porca torce o rabo. Certeza não há. Uns dizem que é Samuel Wilson, poderoso inspetor federal que tirava o sono dos fornecedores de carne para o exército. Outros falam em Jack Downing, amigo do presidente Andrew Jackson. O último citado é o deputado David Crockett, pioneiro do Oeste que morreu na Batalha de Álamo em 1836.
Foi dada a partida. A sorte está lançada. Candidatos suaram a camisa e gastaram sola de sapato com um único objetivo. Eleger-se. Pra chegar lá, precisam conquistar o eleitor e, com ele, o voto.
O objeto de desejo tão cobiçado tem duas acepções e duas origens. A primeira veio do latim votum. Quer dizer promessa, desejo. O padre faz voto de castidade. Os noivos, voto de amor eterno. Os padrinhos, voto de batismo. Os amigos, votos de feliz Natal.
A segunda tem sentido político. Nasceu do inglês vote. Significa sufrágio, votação. É a maneira de expressar a vontade ou opinião num ato eleitoral ou numa assembleia: Muitos criticam o voto obrigatório. Preferem o facultativo. O síndico ganhou por um voto. O voto é a arma do eleitor.
Volta e meia aparece em jornais a palavra re-eleição. Assim, com hífen. Nada feito. O prefixo re-, que indica repetição, tem alergia ao hífen. Com ele é tudo colado: reeleição, reeditar, recriação, reler, reumanizar.
Em época de eleição no norte e no sul, fala-se em ir às urnas. A palavra é tão familiar que, quando usada, dispensa explicações. Sabemos que é o recipiente onde se depositam (ou a máquina onde se digitam) os votos de uma eleição: O americano foi às urnas ontem. Os governantes têm de ouvir a voz das urnas. Esperamos o resultado das urnas.
Nem sempre o vocábulo teve esse significado. Quando nasceu, no latim, urna dava nome a um grande jarro de cerâmica usado para transportar água ou para guardar as cinzas dos mortos cremados. No séc. 16, o termo passou a designar, no português, o recipiente onde se colocam as pedras para os sorteios ou os votos de uma eleição. O sentido inicial bateu asas e voou. Ficou nos dicionários.
Norte-americano, norteamericano ou norte americano? Entre no cassino de Donald Trump e faça sua aposta. Escolheu a primeira opção? Acertou. Norte e sul pedem hífen na formação de adjetivos pátrios: norte-americano, norte-coreano, norte-rio-grandense, sul-americano, sul-coreano, sul-vietnamita, sul-asiático, sul-africano.
Centro
Entre os extremos, fica o meio. Como lidar com ele? Do mesmo jeitinho. Centro exige tracinho na formação de adjetivos: centro-americano, centro-asiático, centro-africano, centro-direita, centro-esquerda.