Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça sábado, 16 de novembro de 2024

TORTURA DE AMOR (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLOS EDUARDO SANTOS)

TORTURA DE AMOR

Carlos Eduardo Santos

O cantor Waldick Soriano

 

No jornalismo descobri muitas coisas e obtive respostas sobre fatos interessantes que poucas pessoas conhecem. Alguns deles aqui me reporto, para gaudio do público leitor.

Em Campina Grande, hospedado no Rique Pálace Hotel, solicitei ao Gerente uma mesa para instalar minha máquina de escrever portátil, a fim de começar a redigir uma reportagem para o Diário de Pernambuco.

O melhor lugar escolhido foi no restaurante do hotel, onde me arranjaram uma mesa ampla, em horário de pouco movimento. Estava em missão jornalística, a fim de cobrir eventos no Clube de Caçadores e numa Escola de Paraquedismo que ali existia.

Como se sabe, a “Rainha da Borborema” é rica em valores e pioneirismo. Espalhei a papelada com as anotações e fotografias e comecei a montar a reportagem.

Numa das mesas, bem afastado, olhando para a janela, estava um cidadão todo de preto e chapéu de vaqueiro, entornando uma bebida. Um tipo estranho. Mas fui cuidar do meu ofício.

Meti o sarrafo. Fiquei trabalhando de frente para o suposto viúvo. Depois de algum tempo, ao terminar a redação, comecei a arrumar a papelada e fechando a máquina, percebi que ele se levantara para vir até onde eu estava.

Perguntou se eu era escritor. Respondi ser apenas um aprendiz de jornalista; e pedi desculpas pelo ruído do teclado. Achou graça e bateu em meu ombro com afeição.

Pediu licença, puxou uma cadeira e sentou-se. Parei de trabalhar a fim de escutá-lo; mas na verdade havia concluído a tarefa. Ele começou a fazer perguntas sobre jornalismo, levando-me ao direito de fazer o mesmo com relação à sua estranha pessoa.

– Tenho muita vontade de ser artista; um cantor de fama. Estou tentando. – disse-me.

Saquei meu cartão-de-visita e entreguei, perguntando seu nome e se era fazendeiro.

– Não. Sou Eurípedes. Vivo do palco. Canto e vendo meus discos após os espetáculos nos cinemas, nos clubes e outros palcos. Vivo viajando por este Nordeste ensolarado.

Aí comecei a pensar que já conhecia o sujeito e não sabia de onde. Depois me lembrei que era das capas de discos!

– Por que está vestido de preto?

– Bem, quando eu era menino apreciava muito o cowboy do cinema, “Durango Kid”. Adulto, e já cantando em vários lugares, resolvi adotar seu traje e me apresento, inclusive, de chapéu, utilizando o mesmo estilo, para firmar minha imagem de marca. Meu nome como cantor é Waldick Soriano.

Surpreso, levantei-me respeitosamente e dei-lhe um abraço fraternal, citando várias de suas músicas que eu tanto apreciava, sobremodo: “Tortura de Amor”. Pedi-lhe desculpas por não o haver reconhecido logo, porque jamais o vira tão de perto. Somente através da voz e de capas de discos nas lojas.

Soltou os cachorros. Descreveu sua mini-biografia. Declarou que fora abandonado por sua mãe e a marca da solidão o acompanhava. Uma espécie de recalque, tornando-se a inspiração de cada uma de suas melodias. Naqueles anos já contava com mais de 400 canções gravadas em cerca de 30 discos long-play.

Fiquei admirado e seria outra reportagem para o jornal. Nunca fiz. Só agora me reporto ao fato porque será importante dizer aos leitores porque ele só se apresentava de preto.

Fora batizado Eurípedes Waldick Soriano, mas resumiu o nome por sugestão do empresário. Tinha história de luta. Depois de haver sido garimpeiro, trabalhou na roça e como caminhoneiro de seu pai. Mostrou-me as mãos calejadas pela enxada no garimpo.

Rindo, comentou que a buzina do caminhão tinha “três bocas” e dava pra representar três tons diferentes, como sendo o início de uma música. Quando chegava às cidades, a mulherada abria as janelas para saudá-lo logo que o som das buzinas se espalhava: “Waldick chegou!!!. Era uma alegria! Riu-se em gabação e continuou:

– Houve um tempo em que meu pai achou que eu, com quase 30 anos, estava parado na vida. Só queria cantar, tocar violão e namorar…, e isso não sustentaria uma família. Fui pro garimpo e ganhei o suficiente para ir fazer fortuna em São Paulo. E disse ao meu velho: Se eu não obtiver sucesso não voltarei mais. Todavia, quando buzinar na esquina da rua no meu “possante”, pode crer que estou no auge.

 

 

Em tom de galhofa, contou que certa feita, nas suas doidices de “juventude retardada”, pegou um cavalo e desfilou nas ruas de Caiteté, na Bahia, vestido de preto, como se fosse Charles Starret, o ator do cinema que encarnava “Durango Kid”. Mas foi vaiado pela rapaziada, pois não era dia de carnaval.

Sanfoneiro e violonista, adotaria a vida artística como solução para progredir na vida. Já era poeta e escrevia as letras de suas canções. Começou a cantar em pequenas cidades do interior até ser contratado pela Boate Chanteclair, em Belo Horizonte, onde marcou sua qualidade e venceu.

Seus temas eram os amores mal sucedidos, as chamadas músicas para “dor de cotovelo”, as quais tocavam fundo à sensibilidade das pessoas.

Mandou-se para São Paulo, transportado num caminhão “Pau de Arara”, cheio de rapadura. Lá foi procurar a Rádio Record que era muito ouvida em sua terra. Não havia vaga para cantor.

Depois, na Rádio Nacional foi ouvido por um nordestino atencioso e obteve uma carta de apresentação. Venceu as resistências do destino. Mas, assim mesmo, em São Paulo, na fase anterior, teve que passar alguns meses como faxineiro num hotel, engraxate nas ruas e passou muito aperto.

Gravou o primeiro disco cantando músicas de sua autoria. Obteve sucesso, se apresentando pelo interior de São Paulo onde fez espetáculos. Seu maior êxito, na década de 1950, foram as músicas românticas: “Quem és tu?” e “Eu não sou cachorro, não!”. “Estouraram”, como se diz. Passou a disputar com os grandes nomes do Rádio.

Como compositor – disse-me – Orgulhava-se de ter músicas gravadas por Roberto Carlos; e produziu um disco só com músicas do “Rei da Juventude Brasileira”. Muitos outros grandes cantores gravaram suas músicas.

Todavia, tinha que vender discos. Tempos depois, ganhou dinheiro e enfrentou o árido sertão da Bahia, sua terra, num automóvel Ford Galaxie. Chegava nas cidades, parava o carro numa praça para chamar atenção sobre sua presença. Alugava os cinemas para se apresentar e depois vendia discos autografados. A princípio o empresário era ele mesmo e tinhas suas artimanhas e marketing.

A partir daquele encontro em Campina Grande, fiquei sabendo porque o cantor sempre se apresentava de preto e com chapéu de cowboy. Era apreciador do astro do cinema. No íntimo desejara ser Durango Kid, o Cavaleiro do Bem.

Teve fama, ganhou dinheiro, mas gastou parte da fortuna em grandes noitadas e com muitos filhos e esposas que sustentou. Mereceu um filme produzido por Patrícia Pilar. Hoje é lembrança imorredoura todas as vezes em que ouvimos seus maravilhosos boleros, dentre eles, um com letra e música de sua autoria:

“Tortura de Amor”:

Hoje que a noite está calma
E que minh’alma esperava por ti
Apareceste afinal
Torturando este ser que te adora
Volta, fica comigo
Só mais uma noite
Quero viver junto a ti
Volta, meu amor
Fica comigo, não me desprezes
A noite é nossa
E o meu amor pertence a ti
Hoje eu quero paz
Quero ternura em nossas vidas
Quero viver por toda vida
Pensando em ti.

 

 

 


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quarta, 06 de novembro de 2024

CIRCUITO DE BOA VIAGEM (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLOS EDUARDO SANTOS)

CIRCUITO DE BOA VIAGEM

Carlos Eduardo Santos

Baratinha Ford mod. 1941, semelhante ao carro de Baby Costa

 

Há 70 anos, no Recife, eu apreciava com meus amiguinhos, o Circuito Automobilístico de Boa Viagem, que acontecia nas manhãs de domingo e surgiram a partir de 1949. Vibrávamos, gritando e sorrindo face às emoções do estalo dos motores com os escapes abertos.

Em função desses eventos que eram patrocinados pelo Automóvel Clube de Pernambuco, as ruas Barão de Souza Leão e Armindo Moura (atual Porta Larga) foram recapeadas, a fim de formar o quadrilátero da corrida, que se iniciava próximo à esquina da Pracinha, na Av. Boa Viagem.

Dos pilotos pernambucanos, os mais famosos foram Itagibe Chaves, Gegê Bandeira, Baby Costa, além de Chico Landi, que em sua primeira apresentação, veio do Rio de Janeiro, trazendo seu carro-de-corridas num vapor da Cia. de Navegação Costeira.

Muitos anos depois vim a conhecer pessoalmente Itagibe Chaves, o que me causou grande emoção e fiz referências às suas performances.

 

A Masseratti de Chico Landi

 

Chico Landi tinha vantagens por concorrer com carro importado da Itália, máquina típica para corridas, que já se sagrara vencedora no Circuito da Gávea, do Rio. Era uma Masseratti muito fogosa, sem capota. Ele já se apresentava com macacão, capacete e óculos especiais.

Sempre era considerado “em vantagem” porque fora participante do famosas corridas até competições fora do Brasil.

Tempo houve em que o Automóvel Clube de Pernambuco excluiu daquelas corridas os “carros especiais”, como aqueles fabricados para competições, permitindo-se os de linha esportiva, como os ingleses mais modernos, como os Subean-Talbot, que fizeram mito sucesso concorrendo sem alterações mecânicas.

Alguns carros de desenhos mais antigos se adaptavam. Competiam sem os para-lamas, tampa da mala, estribos e bancos, permitindo-se alterações nos motores, que poderiam ser “envenenados”.

Os Citroen estavam chegando ao Recife e eram infernais principalmente nas curvas. Quando os pilotos do Rio de Janeiro começaram a se apresentar, as corridas o circuito perdeu parte de sua graça, porque eles participavam com carros fabricados para corridas.

Para ver o espetáculo mamãe permitia que eu fosse com Avanildo Maranhão, Pedro Geraldo, Coaraci Ferrer e outros, da faixa dos 14 anos. Ao chegar, tomávamos posição na esquina da Avenida Boa Viagem com a Rua Barão de Souza leão, bem próximo ao local de partida.

Ficávamos sentados no meio fio, sob um sol de lascar, no verão de dezembro até a corrida se iniciar. Outro local muito apreciado pelos espectadores era a curva do aeroporto, quando os motores já haviam esquentado.

O nosso ponto de observação era estratégico, por ser bem próximo da partida e por ali os carros saiam com toda a força. Faziam curvas espetaculares, salientando-se a explosão dos motores, durante as trocas de marchas, quando os escapes pipocavam, provocando grandes emoções.

Dos concorrentes do Recife um dos que mais me impressionaram foi Baby Costa, com sua “baratinha” Ford, mod. 1941, que surgia sem os para-lamas, tampa do capô, da mala e os estribos.

Numa daquelas competições ficou na tribuna de honra o ex-campeão mundial argentino, Dom Juan Manuel Fângio, uma legenda das pistas internacionais.

O Recife ficou famoso por esse tipo de esporte que se realizava anualmente. Depois, essas corridas foram transferidas para as pistas da Cidade Universitária e perderam muito público, porque, quando em Boa Viagem, as pessoas iam apreciar as corridas e depois aproveitavam para tomar “banhos-salgado”, como se chamava naqueles anos.

Foram as melhores lembranças esportivas de minha mocidade as manhãs do Circuito de Boa Viagem.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça sexta, 01 de novembro de 2024

RUA DE CORNO (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLOS EDUARDO SANTOS)

RUA DE CORNO

Carlos Eduardo Santos

Chevrolet 1947, semelhante àquele, que transportava dinheiro para o Banco do Brasil

 

Na segunda metade da década de 50 chegou do Rio de Janeiro o primeiro caminhão-baú, tamanho médio, com carroceria de alumínio, que se destinaria a outras tarefas, dentre ela transportar valores, entre as agências do Banco do Brasil em Pernambuco.

A Inspetoria Geral, sediada no Rio de Janeiro, estudava a melhoria dos precários serviços de transporte de valores, cujas empresas Preserve e Nordeste estavam ainda em organização.

O “baúzinho”, como ficou conhecido, substituiria os carros-de-aluguel, utilizados precariamente para esse fim.

Tudo era improvisado naquelas viagens; inclusive os responsáveis pelas remessas, funcionários que não tinham habilidades em portar e manejar armamentos, os quais deveriam portar na cinta os “dinossáuricos” revólveres “38 cano-curto”, para a segurança do dinheiro, nas perigosas missões.

Notabilizou-se por trabalhar durante mais de 10 anos nesse serviço, o motorista-proprietário, Napoleão Carneiro, que fazia ponto na Praça Rio Branco, utilizando um automóvel Chevrolet, mod. 1947.

O pequeno caminhão passou a fazer todas as viagens de numerário da região, incluindo João Pessoa e Maceió.

Selecionado para uma das muitas “Viagens de Numerário”, fui com o motorista Joaquim de Lima, conhecido como “Quinzinho”, e o colega, que era Pastor Evangélico, Severino Melo de Freitas, um homem de cor e fina educação.

Transportávamos no “Baú” vários 150 mil Cruzeiros, em cédulas, acondicionadas em 30 sacos de tela de juta. Quanta precariedade e riscos!… Carga muito pequena para um veículo tão grande.

 

O pequeno caminhão não possuía nenhuma identidade externa, exatamente para não chamar a atenção por onde transitasse.

Durante certa viagem “Quinzinho” começou a soltar umas conversas safadas, “castigando” Severino com pesadas piadas, dosadas de alta “pornofonia”.

No começo da viagem Severino adotaria a máxima protestante de que se deve pregar a palavra de Deus “em tempo e fora de tempo”.

Até Paudalho Severino ficou lendo a Biblia. Depois enveredou para nos doutrinar, dando-nos exemplos de correção . Uma chatice.

Em certo momento, perto de Bezerros, Severino-pastor arretou-se de tanto ouvir safadeza e disse que estava prestes a “fazer uma representação” contra Joaquim.

E veio com esta:

– Sinto-me incomodado por ouvir tantas histórias com palavras de tão baixo calão!

Já estávamos perto de Gravatá, metade da viagem de duas horas. Mas, antes de se calar, para não piorar o clima, “Quinzinho” ainda soltou esta, finalizando a cena:

– Ôxente, quem fica incomodado é mulher menstruada!

O silêncio dominou a cabine durante quase uma hora. Uma atmosfera fúnebre. Deu até sono. Mas, ao entrar em Caruaru, no oitão da Igreja-matriz, o motorista “aplicou a presepada”, que durante os momentos de silêncio, já vinha conjuminando.

Quase 10 horas, sol a pino, o caminhão parou na esquina e sem largar o volante, o safado motorista chamou um guarda que estava meio abestalhado, abrigando-se numa mangueira que havia na calçada, e perguntou:

– O senhor sabe onde fica a Rua Severino Melo de Freitas?

Era exatamente o nome completo do Pastor. Severino logo arregalou os olhos, surpreso, prevendo ser uma presepada de “Quinzinho”.

O guarda tirou o quepe, passou a mão no rosto, enxugando o suor que lhe escorria face abaixo e respondeu:

– Já ouvi falar no nome desse corno, mas não sei onde fica essa rua não, meu camarada!…

Fechou-se a cortina do episódio que entrou para o anedotário do Banco.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça terça, 07 de maio de 2024

O BECO DA MIJADA (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLOSA EDUARDO SANTOS)

 

O BECO DA MIJADA

Carlos Eduardo Santos

 

Antiga sede do Banco da Lavoura de Minas Gerais, Recife, vendo-se do lado esquerdo o “Beco da Mijada” e um estacionamento de veículos

 

Meu leitor Fred Monteiro caiu na besteira de comentar sobre o passado bancário do Recife e isto me lembrou o “Beco da Mijada”, célebre ruela situada em plena zona da raparigagem portuária.

O primeiro emprego do meu caro leitor foi no Banlavoura, agência da Praça da Independência, mas a sede regional estava situada em plena Rua da Guia, “sede oficial” do Baixo Meretrício da Capital.

O Edifício Alfredo Fernandes, construído nos idos de 1930, foi um dos mais modernos do bairro portuário do Recife, formando, um quarteirão de um único imóvel, daqueles construídos nas Américas, após a Primeira Guerra Mundial.

O arquiteto definiu que a entrada lateral ficasse meio voltada para a Rua da Guia, mas transversalmente localizada, dando a impressão que não estava virada para lugar nenhum.

A entrada principal, recebeu a numeração pela Av. Alfredo Fernandes, 149, uma porra de rua estreita, mal pavimentada, que jamais teria fisionomia de avenida. Os trilhos dos bondes ainda estão lá para comprovar nossa história.

Vale nos reportar ao fato pitoresco.

O Restaurante Gambrinos sempre foi o chic do lugar. Seu maior movimento era justamente durante às noites. Entretanto, em que pese sua distinta clientela, sofria muito com a “putanagem reinante nas noitadas da alta boemia

A prostituição dava intensidade à vida do bairro e lucro aos restaurantes e bares. Incomodado com o fato de sempre estarem os sanitários do restaurante cheios e mal cheirosos, o Gerente José Pacífico decidiu só permitir o uso dos “WCs” para a clientela.

Não sendo cliente da Casa, que fosse urinar no inferno!… Para isto criou o velho sistema de mantê-los fechados, só permitindo o acesso através da obtenção de uma chave, que ficava em poder do Caixa.

Os cavalheiros desconhecidos não teriam direito às privadas. Acabaria assim com a esculhambação reinante. Isso motivou um fato “gineco-urológico” que ficaria no anedotário e na própria História do Bairro do Recife.

Tempo houve em que a cambada enchia a cara de cerveja nos bares menos “alinhados” e na hora de fazer o “depósito urinário” corria para o Gambrinos, a casa chic, que mantinha seus “aparelhos” impecáveis.

Impedidos de fazerem seus “derrames” no antigo local e estando com o saco cheio, corriam os mijantes para qualquer esquina, a fim de despejar o que já fora o “precioso líquido”; agora já um “líquido enferrujante”, além de mau cheiroso.

Havia uma ruela que separava a Rua do Apolo e a Rua da Guia, exatamente nos fundos do Edf. Alfredo Fernandes, local onde se havia instalado, em 1949, o Banco da Lavoura de Minas Gerais S.A. O local tornou-se mictório popular.

Às caladas da noite, “na moita” a “urinagem” fora da Lei de Posturas ocorria indecorosamente. Os que se viam “apertados”, iam até o meio da ruela, para melhor se ocultar e soltavam seus “jatos aliviantes”.

Nas manhãs dos dias úteis o funcionalismo do Banco da Lavoura – que ficava exatamente na esquina do beco- não suportava o mal cheiro; e para sanar a problemática, o Gerente, sr. Bravo Rodrigues, mandava jogar baldes de água com detergente, todos os dias, para aliviar.Mas de nada adiantava.

Como solução extrema, meses depois, veio outro Gerente do Banco e teve a “luminosa” ideia de mandar instalar um portão de ferro, com ferrolho e cadeado. Mas, mesmo assim não tinha jeito: a mijação continuaria. A “negrada”, como diria Capiba, arrodeava pela Rua do Apolo e tinha acesso da mesma maneira ao mictório indesejável.

Outra tentativa de solução veio depois de alguns dias, o Síndico do prédio resolveu fechar o lado oposto. Foi ainda pior porque os mijantes, com raiva, passaram a urinar nos portões, principalmente naquele situado na porta do Banco; ou seja ainda mais próximo da entrada de funcionários e clientes.

Ficou na história aquele espaço sem dono, batizado pelos usuários: “O beco da mijada.”


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça terça, 16 de abril de 2024

FURICO DE OURO (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLOS EDUARDO SANTOS)

 

FURICO DE OURO

Carlos Eduardo Santos

A Agência do Banco do Brasil em Garanhuns, fundada em 10 de novembro de 1923, se estabeleceu na Av. Santo Antônio, 446, com instalações modernas e funcionários de boa categoria, sobremodo em termos de educação.

Não se poderia imaginar que 40 anos depois viesse a registrar um fato capaz de deixar dúvidas quanto à reputação do funcionalismo como um todo, caso houvesse algum “vazamento” sobre o desprezível comportamento de apenas uma pessoa.

Com equipe de quase 20 rapazes, se soube que havia um – considerado “furico de ouro” – porque não se sentando como os demais, e sim colocando as partes glúteas no assento de plástico, defecava acocorado, com os pés em cima da louça com sapato e tudo.

Mas o assunto acabou correndo à boca-pequena, o que levou o então Gerente, Eutíquio Calazans, à obrigação de baixar uma Portaria, alertando para as regras sanitárias, documento que só agora vem à luz, após decorridos mais de 50 anos, o qual merece registro por sua característica tão fora do comum.

Conheci o Gerente Eutíquio quando fiz uma reportagem em sua Agência e o assunto foi relembrado. Em tom de gracejo, sobre o assunto, me disse:

– Olhe Carlos Eduardo, um sujeito que não respeita seus companheiros de trabalho e se torna “notável” por sua má educação, só poderia nos causar profundo desagrado. Aquilo era forma de obrar? Acocorado em cima da bacia do aparelho? De sapato e tudo? Só poderia estar mesmo pensando que tinha um “furico de ouro”.

Esta folha que está a seguir deve ser incluída como documento da “História Caganográfica” de Garanhuns:

 

 


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça domingo, 14 de abril de 2024

*NICE GARDEN* (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLOS EDUARDO SANTOS)

 

“NICE GARDEN”

Carlos Eduardo Santos

 

Arthur Augusto Rôxo Pereira havia alertado aos inspetores do Banco do Brasil em Pernambuco, para que nos telegramas de mudança de roteiro evitassem informar claramente os nomes das cidades para onde iriam, posto que tais deslocamentos deveriam se revestir de certo sigilo.

O Inspetor Hamilton Reis, intelectual emérito, funcionário que recentemente viera da Direção Geral para trabalhar em Pernambuco, atendendo à recomendação do Chefe dos Inspetores, ao findar uma inspeção em Garanhuns comunicou que seguiria para uma outra agência e para isto, aplicou seu “Código Confidencial”.

Foi, ele próprio, ao Correio e passou o pitoresco “Telegrama Nacional”, a única via de comunicação da época da época. E codificou a mensagem à sua moda, o que causou risadaria na sala da Inspetoria, no Recife.

O texto entrou para o anedotário regional:

Tomorrow Nice Garden”, ou seja: “Amanhã estarei na agência de Belo Jardim”.

E assim deu notícias para onde seguiria.

O Inspetor pegou o apelido de “Nice Garden”.

Pelo menos não realizou a mesma proeza quando se deslocou para Limoeiro, terra do legendário Coronel Francisco Heráclio do Rego, conhecido como Chico Heráclio, porque se tal tivesse ocorrido ele certamente teria telegrafado:

“Tomorrow Chico City”.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça sábado, 06 de abril de 2024

A CIGANA CAMELÔ (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLOS EDUARDO SANTOS)

 

A CIGANA CAMELÔ

Carlos Eduardo Santoa

A cigana com este colunista, na Rua Uruguaiana, Rio

 

Não recomendo a ninguém a “separação”. O desmonte de casamento antigo é um tranco, viu!…

Vivi o episódio em tempo em quem transitava pelos clubes sociais com a maior tranquilidade, pois assessorava um colunista famoso, e mulher por perto era o que não faltava.

Nessas alturas, para sufocar as mágoas, tendo algum dinheiro reservado, deu-me na telha “sondar a praça” do Rio de Janeiro. Iria mesmo como um cavaleiro solitário.

Num encontro casual com u’a boa amiga, dei a entender que estava me faltando uma cidadã vistosa e animada, para uma aventura turística, passando por várias cidades, incluindo Aracaju, Salvador, Porto Seguro, Guarapari e Rio de Janeiro. A velha amiga, “viuvíssima”, nem titubiou:

– Sou capaz de ir!. Mas terei que voltar antes, face ao término de minhas férias.

Prontamente garanti seu retorno num Itapemirim-leito, ônibus recém-lançado naquele percurso. O bibelô de Camilo Cola.

Fui, um dia antes, apresentado às suas vizinhas como se um Tarcísio Meira fosse. O maior cartaz! Viajamos logo ao amanhecer do dia seguinte. No caminho, mil prosas.

O primeiro pernoite sozinhos foi o diabo. Em Araaju, os hotéis estavam lotados porque ocorria um congresso na cidade. Aceitou ir para hospedaria modesta, onde só havia um quarto disponível e com cama de casal.

Um perigo para quem estava e “à deriva” como nós. Fiz a promessa de agir com todo respeito ou então eu dormir no carro e ela na cama. Prometi-lhe que dormiríamos tipo “Zero a zero”: ou seja, um de costas pro outro.

Aproveitei para fazer a presepada. Desejando apreciar a novela, mas estando o aparelho de tv na sala da pousada, a viúva preferiu dormir mais tarde, enquanto eu, “mais quebrado do que arroz de terceira”, fui pro “dormitório” e logo cai no sono .

Antes, coloquei a “Dinosaura”, uma de suas malas enormes, dividindo a cama. Seria uma espécie de “isolamento social”. Um Muro da Vergonha. Foi uma risadaria…

No Rio, veterano nesse tipo de viagens, mostrei à companheira tudo quanto era buraco. Na Rua Uruguaiana avistei uma cigana, trabalhando com mesa improvisada por dois caixotes; toalha vermelha e jarrinho de flores.

“Cinco cruzeiros para conhecer o futuro”, dizia a plaqueta. Seria bom demais se de fato fosse. Mas, para estrear aquele tipo de consulta, me atrevi.

Minha “co-piloto”, eticamente, sugeriu que dividíssemos as emoções. As consultas seriam individuais. Fui o primeiro a ir para o “martírio”. Cartas na mesa. D. Rosália se apresentou dizendo que “há 25 anos botava cartas”. Por dia, conseguia faturar quase 100 Cruzeiros. Melhor do que emprego.

Depois do embaralhamento das cartas veio o resultado da minha desgraça:

– O senhor ainda vai ser pai, mas depois de casar-se de novo. E não vai se casar com aquela ali, não!…

– E como será minha próxima “vítima”?, perguntei.

– Nem velha nem nova; nem gorda nem magra; nem branca nem preta, disse D. Rosália. Mas, por esse preço que o senhor está pagando as cartas só podem falar até aqui.

Paguei outro tanto, pela artimanha e ela soltou o resto, mas permanecendo o enigma:

– O senhor só irá saber quando voltar da viagem.

“Óia mermo”, que mistério da gota! Depois de outros passeios agendados fui levá-la à Rodoviária e telefonei para seu filho e fiz as recomendações para a chegada, porque o mínimo que ela transportava de “lembrancinhas” era um berimbau. Imagine!

Pra garantir a posição sugerida pelas cartas, meti no Correio vários cartões-postais, nos dias seguintes para uma certa cidadã. Dessa forma já cheguei ao Recife “meio-noivo”.

Com ela me casei, vivo há mais de 30 anos e temos um filho. Para descarrego de consciência, um ano depois, fizemos outra viagem rodoviária, obedecendo quase o mesmo roteiro anterior.

E fiquem sabendo, as ciganas podem acertar em cheio!

 

 

 


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça sábado, 09 de março de 2024

O PANO DA PRIQUITA (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLOS EDUARDO SANTOS)

 

O PANO DA PRIQUITA

Carlos Eduardo Santos

Praia do Carmo, Olinda, atualmente, em flagrante de Alamy Stock

 

Na década de 20 os Banhos Salgados, logo ao amanhecer, eram recomendados para curar doenças de pele e de nervos, por conterem, as águas do mar, grande quantidade de iodo. Por esta razão, Olinda passou a ser a praia preferida pelos moradores do Recife e localidades próximas.

Os padrões das roupas de banho, na época, eram bem diferentes. Senhoras e senhoritas se vestiam obedecendo padrões rígidos, a fim de cobrirem seus corpos.

Entre as praias dos Milagres e do Carmo, onde as ondas eram mais revoltas, havia pescadores disponíveis, que por pequenas gratificações ofereciam-lhes mais segurança, através de um “varadouro”, improvisado por cordas interligadas a paus enterrados na areia, permitindo aos frequentadores a tranquilidade de ali se segurarem para não serem tragados pelas ondas.

Logo ao amanhecer chegavam as famílias. As vestimentas obedeciam a um padrão moral que hoje pareceria ridículo. Pelas fotos do Arquivo Público de Olinda se vê que os corpos das senhoras e senhoritas eram quase todos cobertos.

 

Roupas femininas da época. Homens do mar protegiam as senhoras contra a fúria das ondas

 

A partir dos anos 50, quando surgiram maiôs “Catalina” durante a difusão dos Concursos de Miss, os padrões das roupas de banho permitiram às mulheres adotar um estilo cada vez mais incongruente; ou seja, em desacordo com os padrões morais dos anos 20.

Depois de 1946, quando o Atol de Bikini ficou famoso pelas explosões atômicas, a pequena ilha de corais situada no Oceano Pacífico, inspirou os estilistas de moda e criou-se uma “vestimenta sumaríssima” que ficou conhecida como biquíni, caindo em cheio no gosto popular.

Os maiôs já haviam se reduzido bastante, deixando o corpo da mulherada à vista. Porém, os modistas foram traçando as novas roupas cada vez com menor quantidade de tecido, ao ponto de se popularizar e aportuguesar o biquíni, cujo nome foi inspirado naquele atol oceânico.

Aliás, o biquíni nem é mesmo “roupa de banho”, pois mais parece um guardanapo com dois laços, que dá a impressão de cobrir as partes pudicas de cada jovem e até das balzaquianas mais afoitas.

Nos anos 30, aos seis anos de idade, fui partícipe de um desses passeios, quando meus pais, minhas tias Laura, Tereza e a prima Nicinha utilizaram um Banho Salgado. Suas roupas cobriam até os joelhos. O pudor ainda era congruente; isto é dentro de padrões – se não de elegância – pelo menos de moralidade.

Sendo o terminal do bonde da linha Olinda-Carmo, a concentração de pessoas era maior. Somente anos mais tarde, após as obras dos arrecifes artificiais instalados para conter o avanço do mar, é que a praia do Carmo se requalificou, permitindo ao público desfrutar os Banhos Salgados sem perigo, pois hoje existe grande faixa de terra, boa arborização, barracas de lanches e muita gente bonita.

Já sob a predominância de modelos revolucionários das Roupas de Banho, a partir de 1950, começamos a observar que com apenas dois guardanapos se poderia criar um modelo de verão: um biquíni; tempo em que a incongruência passou a servir de mote para os poetas versejarem.

Aproveitando o tema, criei um mote para o poeta Carlos Antônio Rabelo glosar:

O mote:

O pano desta priquita
É bastante incongruente.

A glosa:

E porque de tão pequeno
Até para um clima quente
O pano dessa priquita
Dá num buraco de dente
Mesmo que seja bonito
Para o tamanho do priquito
É bastante incongruente.

 

 

 


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça terça, 30 de janeiro de 2024

BODE PRA CACETE (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLOS EDUARDO SANTOS

 

BODE PRA CACETE

Carlos Eduardo Santos

Igreja do Sagrado Coração de Jesus, submersa para formar o lago de Itaparica, em Petrolândia, Pernambuco

 

Numa das viagens que fiz desenvolvendo atividades para o Departamento de Projeto Especiais do Diário de Pernambuco, em anos recentes, éramos comandados por Arijaldo Carvalho, que projetava as pautas, definia as missões de cada jornalista e os levava às cidades do interior, para a cobertura.

Quando Petrolândia completou 100 anos, em 2009, o governo local projetou um mês de eventos culturais, culminando com a edição do encarte do Diário, com cerca de 40 páginas.

Como se sabe a região se tornou conhecida pela quantidade de restaurantes que servem carne de bode. Numa dessas viagens, paramos para almoçar na estrada, em pequena casa de pasto, onde se come refeições ligeiras, sendo o bode é a carne preferencial.

Quase às 14h., com as barrigas reclamando falta de alimentos, paramos num desses locais. Éramos cinco: um fotógrafo, um cinegrafista e dois jornalistas, além de Arijaldo; todos esfomeados. Na porta do “estabelecimento” já estava D. Zefinha, a dona, que abriu os braços de felicidade por faturar mais quatro pratos e cumprimenta nosso chefe-de-viagem, como se um filho fosse.

 

Jornalista Arijaldo Carvalho

 

Após o fraternal amplexo Arijaldo deu o primeiro “grito de guerra”

– D. Zefinha, sirva-nos cinco bodes!

Alguns de nós não conhecia aquele tipo de carne, pouco comum na Capital, mas no interior, é o “filé”. De pronto a senhora indagou em brado forte:

– Mas seu Arijaldo, o senhor tem certeza que seu pessoal quer comer bode? Não preferem uma carnezinha de sol? Tá uma delícia!…

– Quer, D. Zefinha.! Todos eles estão com cara de quem só gosta de bode. Tem mais, com a fome que estão eles comem até papel de jornal com farinha.

– Mas me diga uma coisa, Seu Arijaldo, toda vez que o senhor vem aqui com seus amigos só pede esse tipo de carne… Por que o senhor gosta tanto de bode?

– Porque na outra encarnação eu fui cabra! E gosto de bode pra cacete!…


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quinta, 18 de janeiro de 2024

“SOQUE NO RABO!” (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLOS EDUARDO SANTOS)

 

“SOQUE NO RABO!”

Carlos Eduardo Santos

Feira de Caruaru – Foto Amaraji Notícias

 

Costumo matutar sobre a inteligência e o raciocínio rápido das crianças e sendo bisavô de onze dessas criaturinhas, falo de cátedra. Somente com a “Prata da Casa” tenho material suficiente para comentar coisas tão interessantes durante agradáveis crônicas.

Devo o hábito de colecionar frases dos pequeninos ao Dr. Pedro Bloch, brasileiro naturalizado, nascido na Ucrânia, que anotava num caderno do consultório tudo quanto presenciava sobre crianças e isto deu motivo aos seus notáveis livros.

 

Pedro Bloch

 

Médico foniatra, e nas horas vagas: jornalista, compositor, poeta e dramaturgo. Publicou mais de 100 livros infanto-juvenis. Dentre as dramaturgias famosas, “As mãos de Eurídice” foi a mais encenada nos anos 50.

 

Livros de Pedro Bloch

 

Os pequeninos voltam ao palco de minhas crônicas.

Minha primeira neta, a Patrícia, hoje residente na América, quando tinha três anos, acocorou-se para apanhar um lápis e soltou um sonante “pum”. Ao ser indagada sobre o porquê, saiu-se com esta:

– É couro curto, vovô!

Certa vez, entrevistando Dumuriê, na residência dele, a netinha nos chegou meio chorosa reclamando:

– Vovô estou com muita dor de cabeça!

E Dumuriê, como bom avô:

– Venha cá, minha filha, deixe-me “ver” essa dor de cabeça.

– Pode não vovô, é dentro da cabeça.

De outra feita fui mostrar o mar ao meu sobrinho André Luiz, de cinco anos. Ao chegar à praia de Boa Viagem, ele já sem os sapatos, correu para a água molhou a mão e levando-a à boca, disse:

– Tio, quem salgou essa água toda?

O filho mais novo, aos três anos, vinha conosco no carro e estando no banco de trás, em certo momento, espichou-se até a janela do carona e vendo parado ao nosso lado um carro de funerária levando um caixão, saiu-se com esta, dando um grito inesperado:

– Motorista! Esse defunto aí atrás deve estar fedendo muito, não é?

Lulu, de três anos, presa em casa pela pandemia, sem direito a passar a manhã na Escolinha, revira todo o apartamento com o mano Pedrinho, de cinco. Nas peripécias da “dupla-dinâmica” ocorreu uma manobra mal calculada por ela e sua cabecinha foi maltratada, causando o maior berreiro.

O papai Felippe intercedeu para abrandar o drama:

– Venha cá, Lulu, deixe eu fazer uma massagem nessa cabecinha.

– Passa não papai! Só passa se você me der um “Danoninho” e me levar pra casa de vovó Juju!

Na década de 40 eu era rei, convivendo numa casa onde havia seis adultos e só uma criança. Numa jogada mal calculada, quando treinava na oficina de meu tio Tantão, dei uma martelada no dedo e tal foi a dor que corri para a cozinha à procura de apoio com a tia.

– Teteza, eu já posso chamar “Pinóia”?

– Pode meu filho. “Pinóia” o padre deixa, viu?!…

E soltei ressonante “Ora Pinóia!”, como se isso fosse um desabafo, por ser, no meu entendimento, um palavrão vingativo.

Fico agora entristecido, nestes anos do Século XXI, ao observar que os palavrões correm soltos em todas as idades e locais, não mais se respeitando nem os pais.

Outro dia, Biuzinho, filho de uma comerciante da Feira de Caruaru, ao pedir dinheiro à mãe e lhe ser negado, soltou um estridente conjunto de palavrões, sem cerimônia, o que me assombrou. Mas, era um fato recorrente bem aos modos destes infelizes “tempos modernos”:

– Puta que pariu, mãe! Pois soque seu dinheiro no rabo!…


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quinta, 04 de janeiro de 2024

EJACULANDO A ESMO (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLOS EDUARDO SANTOS)

 

EJACULANDO A ESMO

Carlos Eduardo Santos

Bairro da Madalena, Praça João Alfredo, Recife

 

Homero de Carvalho, conhecido como “Mergulhão” foi um dos tipos pitorescos do Banco do Brasil-Recife. Homem bastante estranho. Caladão, fisionomia fechada, alto, forte, de boa saúde e sólida condição moral, não gostava de piadas nem palavrões.

A título de exercício, quase todos os dias, vestia seu macacão tipo “Shazam”, calçava suas alpercatas de couro e se mandava a pé da Madalena, onde residia, até o bairro do Rio Branco, onde trabalhávamos. Um estirão de quase 12 km.

Chegava mais suado do que tampa de chaleira. Entrava no chuveiro, depois se vestia como o Banco exigia: camisa branca e gravata. E iniciava seu trabalho com disposição de um jovem.

Entretanto, um dos pontos chamavam a atenção em seu modo de trabalhar, pois “especialista” numa antiga máquina de registrar o livro “Diário de Contas Correntes”. Era uma estrovenga manual que recebia enormes fichas, entremeadas por um papel-carbono, sendo acionada por enorme veio manual. Só esse “exercício” dispensaria o esforço que ele fazia quase todos os dias andando de sua casa até o Banco.

Entretanto, conhecedor da CLT, tinha o hábito de dar uma “parada estratégica” a cada 60 minutos, a fim de repousar, aproveitando o que a legislação facultava a tais trabalhadores. Nesses intervalos ficava na janela fazendo exercícios respiratórios e apreciando o movimento dos navios no porto.

Intelectual, dono de linguajar escorreito, dominando bem o vernáculo. “Mergulhão”, mesmo no trato normal com os colegas, usava palavras empoladas. Conversar com ele era um suplício porque gostava de nos deixar embatucados, sem saber o significado de algumas palavras que proferia.

Certa feita, ao chegar, suado e ofegante, contou a José Canuto uma história que lhe impressionou.

– Meu amigo Canuto, estou estupefato! Ao raiar da manhã, quando o Rei dos Astros, se apresentava já ofuscante, pronto para viver as sendas comuns da vida, preparei-me para a caminhada até a gloriosa instituição onde labutamos e ao passar pelo quarto de meu filho, Alvinho, esbugalhei os olhos diante do que vi na porta entreaberta.

Surpreendido fiquei estatelado. Deparei-me com meu descendente sentado na cama, sem roupa, movimentando, em compassos alternados, seu membro viril, com os globos oculares fixos numa revista de imagens inadequadas à sua idade, onde se viam mulheres despidas.

E “meu menino”, com a face mergulhada na gravura de u’a bela dama que se mostrava com protuberantes seios, ele em plena tesão dos seus 14 anos, feito um desvalido, ejaculava numa “solitariedade” de dar pena.

E diante de minha inusitada presença o adolescente deu um grito após o espirro do esperma que ganhava as alturas:

– Pai, vai embora, que eu tô gozaaaaando!…

– Meu filho, nunca pensei que você ejaculava a esmo!…


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça segunda, 25 de dezembro de 2023

BECO DO CU DO BOI (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLOS EDUARDO SANTOS)

BECO DO CU DO BOI

Carlos Eduardo Santos

 

Se eu disser que no Recife tem uma rua com o nome de “Beco do Cu do Boi” vão dizer que me empirulitei. Mas é verdade pura e verdadeira. Histórica, até.

Nos anos de 1910 tinha a Prefeitura um convênio com o Instituto, Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco para em caso de troca do antigo nome das ruas, afixar em placa de azulejos o nome original e o porquê da troca.

E mais ainda, ao serem fixadas as placas que seriam homenagens a personalidades, que se fizesse o registro do nome completo da pessoa e constassem dados sobre o porquê da homenagem.

Com o passar dos tempos, a lei caiu em desuso. Não se sabe mais quem foi o ilustre. Acima de tudo se tem dado “ilustratividade” até a quem não a mereceu. Avacalharam a iniciativa do jornalista que criou o modelo de procedimento.

Entrevistei um Vereador que conseguiu mudar o nome da rua onde morava a fim de homenagear sua mãe. Essa rua fica nas proximidades da Lagoa do Araçá, sendo a denominação anterior: Rua Venezuela. Louvo a atitude do filho, mas…

Em recentes dias, um dos nossos burgos-mestres criou um costume de implantar em cada uma dessas antigas artérias dados sobre o significado da homenagem, seu nome anterior e ainda, deu identidade à iniciativa, denominando-a “A História nas Paredes”. Ótima iniciativa.

Com o progresso, nossos famosos becos se transformaram em ruas e assim mudaram de nome: Beco do Veado, Beco da Facada, Beco da Latrina, Beco do Mijo, etc., todos estes funcionando com os nomes originais há até bem poucos anos, nomes que todo mundo pronuncia com a maior tranquilidade.

Na coluna de Mário Melo, jornalista e historiador, Presidente Perpétuo do Instituto Histórico, edição de 23 de janeiro de 1931, ele publicou:

Escreveu-me também um zombeteiro que eu devia restaurar a placa da rua hoje conhecida como Joaquim Felipe e outrora conhecida como uma parte anatômica e pouco cheirosa do boi.

Esse cavalheiro queria ver o monossilábico anatômico escrito na placa certamente para envergonhar-nos toda a vez que o lessem viajantes ilustres e senhores de distinção.

Consta na placa de azulejo que Joaquim Felipe da Costa a quem foi dado o novo nome da rua, foi Tesoureiro da Santa Casa de Misericórdia, prestando serviços sem remuneração, durante muitos anos àquele instituição beneficente.

Sobre o tema, aproveito para narrar o pitoresco.

Eu entrevistava ilustre dama no Clube Internacional do Recife, ao lado de outros casais em redonda mesa de pista, tendo ao lado, de pé, o fotógrafo do jornal, Chico Fagundes, quando perguntei onde morava e ela informou:

– Na Rua Joaquim Felipe, 271, apto. 1002.

– Em qual bairro? Indaguei.

Ao responder-me que era na Boa Vista, pedi, que me informasse o roteiro, para que eu pudesse orientar o mensageiro quando lhe fosse entregar as fotos.

Notei que a face da madame ficou ruborizada diante da necessidade de atender ao detalhamento.

Foi quando Chico Fagundes “disparou” com a detestável impropriedade, coisa que não poderia ter sido jamais declarada diante de ilustres casais que estavam em nossa mesa, exatamente na noite de gala em que se comemorava os 100 anos do Clube Internacional do Recife.

Também fiquei estatelado quando meu companheiro engatilhou:

– É o antigo Beco do Cu do Boi!

 


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça domingo, 17 de dezembro de 2023

ASSALTANTE TRAPALHÃO (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLOS EDUARDO SANTOS)

 

ASSALTANTE TRAPALHÃO

Carlos Eduardo Santos

A moça havia comprado vistoso automóvel há poucos dias, e após o exaustivo trabalho noturno num plantão em Serviço de Saúde, retornava ao lar ao raiar da manhã, quando foi assaltada no estacionamento. Entregou as chaves e se foi.

O bandido levou seu carrão, e talvez prevendo que tivesse GPS – e isso atrairia a Polícia – deixou a viatura em rua próxima do assalto, a fim de ir “depená-lo” com os comparsas, mais tarde, como geralmente fazem os ladrões de automóveis.

Ocorre que as ações de buscas se fizeram com eficiência e a polícia, utilizando Programa de Inteligência, localizou o veículo em uma rua nas proximidades do assalto, poucas horas depois.

O pitoresco da história é que tendo a moça deixado o jaleco em cima da bolsa, no banco traseiro, o bandido não viu. Na pressa de sair do veículo levou apenas uma sacola que estava no banco dianteiro, a qual continha apenas sua marmita.

Os procedimentos foram corretos. Na hora do assalto a proprietária entregou o carro sem fazer alarde, não discutiu, nada argumentou nem olhou para trás.

Havia colocado a bolsa principal contendo seus pertences mais valiosos no banco de trás que, por acaso, cobrira com um jaleco branco. Assim, o afoito assaltante se foi sem levar nada de valor.

Recuperou fácil seu carro, sem prejuízo, face à eficiência da polícia do Recife.

Aliás, já se disse que mulheres sozinhas não devem conduzir automóveis em horários pouco favoráveis à sua própria segurança; notadamente se forem veículos de alto valor.

O fato foi real. Fica o exemplo.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça domingo, 10 de dezembro de 2023

OS BRÔNQUIOS DA BALEIA (CRÔNICA DE COLUNISTA CARLOS EDUARDO SANTOS)

 

OS BRÔNQUIOS DA BALEIA

Carlos Eduardo Santos

Brônquios de um peixe semelhante à baleia

 

 

Certa feira, na década de 70, fizemos uma visita a João Pessoa, onde fomos ver a suposta “pesca da baleia”, a pedido de amigos do Rio de Janeiro.

Era inverdade o que diziam algumas agências de turismo. Não deveriam promover a Paraíba daquela maneira, pois, o que se veria não era a pesca propriamente dita, mas a chegada dos animais abatidos e sua industrialização, o que se tornou para mim um espetáculo, tenebroso.

O que se chamava “caça às baleias” era a visão de uma atividade industrial desenvolvida no distrito de Costinha, proximidades de João Pessoa.

O auge da industrialização aconteceu quando a Copesbra – Cia. de Pesca Norte do Brasil, fábrica de capital japonês, estabeleceu uma base naquele distrito, em 1958, que na verdade era uma subsidiária da Nippon Reizo KK, onde só se via japonês trabalhando.

Segundo registros oficiais a Copesbra havia pescado 793 baleias até 1974. O óleo e a carne eram exportados para o Japão.

Depois de um giro na acolhedora capital da Paraíba, fomos à praia de Costinha, para ver a chegada das baleias capturadas. Esperamos até o começo da madrugada quando o primeiro dos dois navios chegou.

Lá já estavam vários grupos de turistas. Participei de um espetáculo que jamais desejei ver novamente. Os animais serviam como partícipes de um espetáculo de horrores.

Era madrugada quando um pequeno navio pesqueiro japonês aportou, trazendo penduradas pelos lados de fora da embarcação, quatro baleias. Começa o desembarque, iniciando-se em amplo pátio próximo ao cais, o drama. Homens e máquinas começam a processar a industrialização, cortando o animal em pedaços.

Eu e as outras pessoas que me acompanharam jamais havíamos visto de perto um daqueles animais, e por isso a grande curiosidade. Sabíamos que as baleias não eram animais agressivos e isto aumentou a angústia das pessoas que estavam comigo.

Um guindaste retira do navio a primeira baleia, que é jogada em cima de um grande tablado de piso metálico, onde a serra elétrica cortava a parte da cabeça, enquanto outros operários especializados – todos japoneses – vão conduzindo mangueiras d’água de grande potência, que afastavam o sangue.

Dentro de 30 minutos só havia pedaços, que eram colocados em caixotes de plásticos que depois seguiriam para o porto em caminhões frigoríficos, com destino aos mercados do exterior.

Saímos logo que vimos o primeiro sacrifício. Todos os turistas estavam tristes. Na rua, numa loja comercial, ao lado havia uma vasta quantidade de material que os visitantes compravam para servir como peças de enfeite.

Fascinado, comprei uma guelra de baleia, fim de decorar a parede de nossa sala.

O vendedor transformava as guelras que eram postas à venda, prendendo-as com um grampo, de forma que ela tomava um jeito arredondado e encantador.

Mantive o adorno em casa por algum tempo, mas depois me livrei dele, porque todas as vezes que o apreciava me lembrava do sofrimento das baleias.

 

 

 


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quinta, 30 de novembro de 2023

ASSALTANTE DESTRAMBELHADO (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLOS EDUARDO SANTOS)

 

ASSALTANTE DESTRAMBELHADO

Carlos Eduardo Santos

Assaltante raivoso: nada levou

 

Nesta crônica desejo alertar os leitores para detalhes de como proceder evitando assaltos em suas residências. Ou seja, as articulações que os agentes do mal organizam para invadir seus lares aproveitando-se de simples “conversas sociais”, aquelas que nos parecem inocentes e inofensivas.

Passados 35 anos da ocorrência, ainda guardo na memória, os detalhes que agora transmito ao público. Estabeleci amizade com uma cidadã e deixei-me levar por algumas trocas de confissões. Dias depois, a amigos íntimos ela deixou escapar que estava “se ajeitando” com um velhote descasado, que vivia sozinho numa enorme casa, de muros altos, e guardava dólares, para um futuro giro pelo exterior.

Notícia de dólar para quem é chegado às facilidades de obtenção de dinheiro, corre depressa. No círculo social estava uma criatura que viu no fato uma oportunidade de alinhavar um assalto.

Herlando, de posse dessas informações da namorada, aluga uma Kombi com motorista e contrata um capanga. Dias antes eu havia torcido o tornozelo e estava com uma “bota de gesso”, andando com dificuldade. Toca o telefone. A “Servidora” de minha casa atende:

– Casa de Seu Carlos Santos? Aqui é uma equipe dos Correios e temos uma encomenda para ele remetida por D. Maíra Pimentel, do Rio de Janeiro. Queremos confirmar o endereço. Chegaremos já.

Maíra, era u’a ex-Miss Náutico e Miss Pernambuco, minha amiga de infância, sobre quem costumava divulgar ações. Toca o interfone e a “Servidora” atende. Era o homem dos Correios, para entregar a encomenda. Como eu já estava no terraço, autorizei a abertura da chave elétrica do portão de ferro e fui, mesmo mancando, receber o pacote.

Um jovem alto, de casaca de couro, sapatos de verniz e calças jeans. Mas nada de fardamento do Correio. Estranhei. Mas logo ao me identificar levei um empurrão. Cai de costas com todo o corpo. Uma covardia para quem tinha cabelos brancos e estava com uma “bota de gesso” na perna.

– O que é isto, rapaz, você está doido?! Estou engessado!…

– Entre, estou apressado; é um assalto. Quero seus dólares e as joias da família!

E sacou um “assombroso” Taurus, 38, cano longo. O outro cabra, foi entrando ligeiro e nervoso. Ao chegar à sala se deparou com a “Servidora” e sacou uma faca. Empurrou-a para os quartos da casa, onde foi desarrumando os guarda-roupas e levantando os colchões.

 

 

O “galã”, ameaçando-me com o “ferro”, ordenou-me deitar no chão da sala. Depois meteu o cano num dos meus ouvidos. Fiquei inerte, totalmente vencido. Logo depois, ele começou a levantar os quadros da sala, com a ponta do revólver, procurando um cofre oculto na parede. Coisa de filme.

Por sorte, eu havia instalado na antiga suíte de casal meu “home-office”. E notaria depois – felizmente – que ninguém acionou uma só gaveta da escrivaninha, onde eu guardara um pacote com alguns dólares, que seriam para comprar “Travelers Cheques”, logo que pudesse andar normalmente.

Já meio nervoso o bandido-chefe recebeu a confirmação de que nos quartos não tinha nada de joias. Só roupas. Aí veio o pior.

– Onde está o cofre com os dólares que o senhor tem?!… Vamos lá, senão eu lhe meto um caroço no intestino! Levante-se!

Com o “trabuco” pressionando minha mandíbula, fui empurrado até onde funcionara meu antigo escritório, lá nos fundos da casa.

Abri a porta, mostrei-lhe o cofre enterrado na parede, rolei o segredo e mostrei que nada havia. Ensacou o revólver e foi saindo. Acompanhei-o até o portão. Um rapaz de uns 30 anos, de boa postura, muito bem vestido. Na saída ainda dei-lhe conselhos. Estava visivelmente desolado pelo destrambelho.

Ao relatar esta ocorrência em detalhes deixo uma advertência aos meus leitores para que o fato sirva de exemplo. Nenhum tipo de conversa deve ser trocada com pessoas cujas relações forem recentes; notadamente se envolverem valores ou empodeiramento.

Mas a “novela” continuaria. O outro bandido conversara com a “Servidora”; pedira um copo d’água e trêmulo lhe informou que entrara naquele assalto porque devia dinheiro de compra de droga a Herlando. Completou informando quem me havia denunciado. Exatamente a amiga de u’a moça com quem saí algumas vezes e a prosa havia ocorrido num salão de beleza.

Na semana seguinte a “Servidora” atendeu outro telefonema lá em casa. Era o comparsa, dessa vez informando que Herlando fora preso.

Contou que namorada dele ensinava natação no Clube Internacional e de tanto fazer perguntas às senhoras banhistas sobre os trabalhos de seus maridos, despertou atenção da Segurança do clube, que por azar tinha um Diretor que era aposentado da PM e a “investigadora” foi “enquadrada”.

Com base nesses informes, Herlando que era também traficante de entorpecentes, foi “chaveado” pela Federal, seu belo e reluzente Taurus, recolhido; ganhou viagem pra São Paulo com direito a usar um par de algemas até o xadrez.

Enquanto isso eu estou aqui contando a história verídica de um verdadeiro assaltante destrambelhado. Foi acreditar em conversa fiada de mulher fofoqueira e se ombreou com um comparsa que era bem parecido com o “Doidinho”, companheiro Buck Jones, nos saudosos filmes de cowboy.

De nada adiantaram os muros altos, chaves elétricas, porque a inteligência dos amigos do alheio pode se basear em informações apuradas num salão de beleza, para traçar um plano, no caso, infrutífero.

Nunca esqueci o tamanho do cano do revólver que forçou minha mandíbula a tal ponto que ainda hoje me incomoda.

 


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça segunda, 20 de novembro de 2023

MEU PRIMEIRO ENTREVISTADO (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLOS EDUARDO SANTOS)

 

MEU PRIMEIRO ENTREVISTADO

Carlos Eduardo Santos

Sebastião Bernardes de Souza Prata – Grande Otelo

 

Em 1946 eu contava 10 anos e começava a despertar para o jornalismo. Com outros meninos residentes na Vila dos Remédios, em Afogados, criamos o jornal: “A Voz da Vila”.

A parte de “impressão” era feita por uma vizinha D. Malvina, que colava, as tiras datilografadas por mim, utilizando u’a máquina de escrever “Underwood”, com a qual papai trabalhava em casa.

Em letras garrafais ela abria os títulos e criava as vinhetas. Apresentávamos assim um jornal ilustrado Mas, cada edição tinha a tiragem de apenas uma unidade.

A vida do “jornal” foi efêmera. Não passou de três edições porque a circulação era muito complicada. Entregávamos o “canudão de cartolina” numa casa vizinha, explicávamos o que era o jornal e pedíamos à família para após a leitura passar para o vizinho, e daí por diante.

Mas nosso noticioso teria certa fama face a um “furo de reportagem”. Num domingo chega à casa de meus pais um Buick preto, conduzindo dois artistas famosos e um sobrinho de papai, Paolo Emílio, residente no Rio de Janeiro.

Sendo empresário de artistas se fez acompanhar de um senhor bem baixinho, preto retinto, chamado Sebastião e uma senhorita que era famosa cantora radicada nos Estados Unidos: Carmen Braw.

A cantora estava com uma ressaca infame, face à participação em dois shows: um, no palco-auditório do Rádio Jornal do Commercio outro, no Roof Garden e Dancing, a casa noturna mais prestigiada do Recife.

Depois das apresentações, ainda esticaram até o Cassino Americano, no Pina e a beberagem se prolongou até a madrugada. Foi uma carraspana de lascar.

Mamãe fora solicitada a medicar a cantora, com um produto caseiro, algum chazinho, mas dado ao estado crítico da artista, que apresentava fortes dores de cabeça, ela resolveu lhe aplicar uma poderosa injeção de “Xantinon com B-12”, receita infalível para ressaca.

Enquanto esterilizava a seringa, mamãe – falando pela primeira vez o “inglês macarrônico” – lhe ofereceu a cama do casal para a visitante receber a furada de modo mais confortável, e em seguida dar um cochilo restaurador. O “morenaço” aproveitou pegou no sono.

Na sala, o sr. Sebastião ficou sentado, aparentemente preocupado com o estado de sua colega. Aproximei-me dele oferecendo suco de maracujá, informando que era calmante. Seria o primeiro personagem importante que eu entrevistaria de verdade, para o nosso “jornal”. Apresentei-me, expliquei as razões das indagações e ele se soltou.

– Seu nome?

– Sebastião Bernardes de Souza Prata, mas me chamam de “Grande Otelo”, o porquê, não sei. Nasci em Minas Gerais Meu trabalho é fazer graça para os outros rirem..

O boato se alastrou.

Ao notar que a frente da casa ficara cheia de crianças, indagou o porquê e eu lhe disse que aqueles meninos quase todos, já o conheciam porque seus filmes passavam no Eldorado, o principal cinema do nosso bairro.

O ator teve a generosidade de pedir que eles pudessem entrar para conversar. Acariciou a todos beijando suas cabeças. Aí a entrevista virou bagunça porque todos desejaram perguntar alguma coisa. Grande Otelo respondeu-as com o maior carinho.

Biuzinho, filho de Mané Fogão, correu à casa de D. Lola e pediu o jornal emprestado para mostrar ao visitante. Ele ficou admirado e disse que sentia orgulhoso em dar uma entrevista para um jornal produzido por crianças.

A fama não havia alterado sua simplicidade. Otelo já era um ator famoso face às comédias da Atlântida Cinematográfica, quando se apresentava com o ator brasileiro Oscarito, nascido na Espanha, formando uma dupla impagável.

Fui perguntando… Fiquei sabendo que ele só tinha um filho, mais conhecido pelo apelido de “Chuvisco”, porque quando nasceu estava chuviscando.

A conversa durou um bocado. Perto do meio dia, meu primo e os artistas abraçaram meus pais e despediram-se. O carrão negro se afastou sob palmas espontâneas da criançada, admiradores do famoso cômico.

Grande Otelo nasceu em Uberaba, MG, em 18 de outubro de 1915 e faleceu em Paris, durante uma temporada, em novembro de 1993. Foi ator de teatro, cinema e televisão, comediante, produtor e cantor. Seu principal papel foi no filme “Macunaima”.

 

 

 

Carmen Sílvia Braw Munfelt, nasceu em Kongsvinger, na Noruega, mas portava nacionalidade chilena. Bailarina, atriz e cantora se apresentou durante muitos anos no Cassino Atlântico do Rio de Janeiro. Depois se radicou nos Estados Unidos, participando de pelo menos três filmes.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça domingo, 12 de novembro de 2023

MAMEI ATÉ DEMAIS!… (CRÔNICA DO COLUNISTA CARLOS EDUARDO SANTOS)

 

MAMEI ATÉ DEMAIS!…

Carlos Eduardo Santos

Este colunista aos três anos de idade, e oitenta anos depois

 

– Carlinhos, tua mãe tá chamando pra mamar!!!…

Não seria crível se ouvíssemos hoje uma serviçal no portão da casa de meus pais dando um grito assim, porque não se entenderia que aos sete anos uma criança ainda mamasse nos seios de sua mãe. Ocorre que o episódio sui generis, foi um fato.

Mesmo sendo mamãe oriunda do interior e costumeira fosse nossa ida, todos os dias, à vacaria situada perto de nossa casa, justificar-se-ia a criança gostar de leite, mas não ao ponto de haver mamado “até os sete anos”. Por isso tenho que explicar as circunstâncias do fato.

Aos 24 de março de 1944, ao ganhar a única irmã, a sujeitinha era tão preguiçosa que nem pra mamar acordava; e nossa mãe começou a ficar com os seios enrijecidos, pedrando o leite. Diante dessa circunstância, o médico orientou para que se botasse seu irmãozinho para sugar as mamas da parturiente, em horários sequenciados.

E para essa missão fui incumbido. Nas horas pré-determinadas eu era “convocado”, e após um banho, entrava no quarto, deitavam-me no colo de mamãe e iniciava a tarefa, que não durou mais de um dia; logo Maria Alice abriu os olhos e foi cuidar do que era seu.

Na infância, vivida às margens do Capibaribe, nadei tipo o Tarzan do cinema, subi em mangueiras como se um macaco fosse e joguei muito futebol. Nunca quebrei um osso, talvez beneficiado pelas santas mamadas que dei em minha mãe aos sete anos de idade.

Anos depois, notando que eu continuava muito magricela, mamãe me aplicou famoso produto popular na época – “Calcigenol Irradiado” – que tomei durante vários anos, ao ponto de só vir a quebrar os dois ossos da canela, (a tíbia e o perônio) quando aos 65 anos caí de um 1º andar e rolei pela escada. E mesmo havendo, antes, sofrido um capotamento de automóvel, só tive arranhões.

Fica evidente que o certo será dizer que “Mamei com sete anos.” e não “até os sete anos!”

Hoje, aos oitenta e cinco, estou com poucos sulcos no rosto, com o Prontuário Médico zerado de doenças, o que se pode avaliar e comparar pelas fotos.

Teriam sido aquelas santas mamadinhas dos sete anos?

 


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça domingo, 05 de novembro de 2023

FAZER O QUE? (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

FAZER O QUE?

Carlos Eduardo Santos

Capiba e Fernando de Castro Lobo

 

Jamais pude imaginar que decorrido meio século depois escutaria dos lábios de Fernando Lobo (pai do grande cantor e compositor Edu Lobo) uma história tão impressionante sobre uma viagem de vapor do Recife ao Rio. Noite em que por coincidência eu estava no mesmo lugar.

Capiba e Fernando seguiriam para o Rio de Janeiro e quando prestes a subir a escada do navio chegaram umas distintas senhoritas da alta sociedade, amigas deles, com um pacote grande, embrulhado para presente.

Disseram ser uma caixa, contendo um “Bolo Souza Leão” para eles fazerem o favor de entregá-la a umas primas delas que estariam no cais do Rio, esperando. E que eles não teriam trabalho nenhum de ir levá-la na Tijuca.

Eu contava seis anos. Era minha primeira vez a um cais de porto. Fora levar tia Tereza para embarcar. A cena jamais me saiu da mente, quando, em outra cena, ao longe, o barco se fez ao mar, sem que ao menos tivesse faróis dianteiros, como os automóveis. Parecia uma panela de ferro boiando na escuridão.

Contou-me Fernando que no cais do Rio, para recebê-los os estavam as moças que foram recepcioná-los.

Mas o “porém” é que durante a demorada viagem de cinco dias, começou a aparecer formigas, saindo do pacote, causando complicações no camarote. A solução que os portadores viram foi abrir a escotilha e jogar a caixa no mar. Afinal, era apenas um bolo!…

Mas ocorre que não era.

Frenéticos acenos partiam no porto do Rio de Janeiro na chegada do enorme barco de ferro, que foi amarrado no cais. Lá estavam as moças, donas do pacote, acenando alegremente, indicando que eram elas que estavam credenciadas para o recebimento.

Capiba e Fernando não tiveram outra alternativa a não ser contar a verdade: haviam jogado a caixa ao mar, porque havia formigas.

Eis que logo se ouviram choros e comentários ácidos, alusivos à irresponsabilidade dos dois rapazes.

– Vocês não poderiam ter feito isto! Ali estavam os ossos de papai!…

Fazer o que?…


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça segunda, 23 de outubro de 2023

ACADÊMICO POR ACASO (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

ACADÊMICO POR ACASO

Carlos Eduardo Santos

Patrimônio Cultural Pernambucano

 

A Academia de Artes e Letras de Pernambuco funciona no antigo prédio da Faculdade de Medicina, juntamente com outras instituições de cultura memória, ensino e pesquisa.

Um prédio que tem atividade intensa porque ali estão a Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, o Memorial da Medicina, a Academia Pernambucana de Medicina e o Museu da Medicina. O edifício foi construído em 1927 e está situado à Rua Amaury de Medeiros, nº 206, no Derby, Recife.

Já me indagaram por qual razão me reporto a Capiba com tanta frequência nas minhas crônicas. Naturalmente porque era pessoa de fino trato, trabalhamos juntos no Banco do Brasil, éramos amigos-irmãos e fui seu primeiro biógrafo, quando em 1984 ele completou 80 anos.

A proximidade me levou ao fortalecimento de uma amizade que perdurou até o dia em que ele desapareceu, e continua com a estima e respeito que tenho por Zezita, sua viúva. A alguns dos seus amigos fui apresentado, recebendo incomparável impulso.

Quando ambos estávamos aposentados eu ia buscá-lo às tardes de quarta-feira para fazer visitas aos amigos. Ele ditava o roteiro e marcava os horários. Zezita deixava que saíssemos sozinhos.

Uma dessas visitas foi à casa de um dos seus melhores letristas – o médico e poeta Ferreyra dos Santos – com quem ele produziu a “Valsa Verde”, o hino de formatura dos médicos.

Essa música se tornou um clássico. Lançada em 1932, gravada inicialmente em disco 78-RPM, seguindo-se várias outras, a partir de Cristina Araújo, Sérgio Gaia, Claudionor Germano e Expedito Baracho, sendo a mais recente interpretada por Paulinho da Viola, sob acompanhamento de Rafael Rabelo.

 

 

VALSA VERDE

Não sei bem quem és
Mas sei que entraste em meu olhar
Como na sombra entra uma réstia
De excelsa luz
Pelos meus olhos tristes
Nunca percebia
Não sei quem és e te recordo
E te desejo tanto
Pra ilusão de minha vida…

Não sei bem quem és
Mas sei que entraste em meu olhar
Como na sombra entra uma réstia
De excelsa luz
Que o meu sonho de amor
De verde iluminou
Depois o anseio
Que em mim ficou…

Não sei bem quem és
Mas sei que entraste em meu olhar
Como na sombra entra uma réstia
De excelsa luz
Pelos meus olhos tristes
Nunca percebia
Não sei quem és
E te recordo
E te desejo tanto
Para a ilusão de minha vida…

Não sei bem quem és
Mas sei que entraste em meu olhar
Como na sombra entra uma réstia
De excelsa luz
Que o meu sonho de amor
De verde iluminou
Depois o anseio
Que em mim ficou…

Poeta Ferreyra dos Santos, Capiba e Paulinho da Viola

 

Chegamos à praia de Candeias. O reencontro foi emocionante. Tamanha era a ansiedade que o poeta e sua esposa já estavam no portão. Seguiu-se a prosa solta e muitas recordações da década de 30. Enquanto eu percorria a casa conhecendo o acervo de imagens e troféus dos seus tempos de atleta do Náutico, os dois proseavam alegremente no terraço e falavam da nova gravação da Valsa Verde com o famoso jovem Paulinho da Viola. A música já era um clássico.

Após o lanche, participei da conversa para sugerir a utilização de um dos salões da AABB, onde seria realizada a festa de entrega do título de Acadêmico Emérito da Academia de Artes e Letras de Pernambuco, a Capiba. Aconteceria uma linda festa, inclusive com Ariano Suassuna, um dos seus amigos da juventude.

O médico José Ferreyra dos Santos já era meu conhecido, pois fomos diretores do Clube Náutico Capibaribe em 1958, sendo ele Vice-presidente do Conselho Deliberativo. Durante a prosa aventou-se a possibilidade de meu ingresso na sua academia, logo à primeira vaga, pois a Instituição precisava de um jornalista atuante, para promover os eventos.

Os anos se foram e Ferreyra dos Santos ficou mais próximo de mim. Mas, infelizmente, se encantou antes. Presenciei no hospital seus momentos finais, juntamente com um dos seus filhos.

Anos mais tarde participando do II Encontro de Jornalistas do Interior de Pernambuco, realizado em Caruaru, meu nome foi citado ocasionalmente e alguém se levantou para me comunicar que eu havia sido eleito para ocupar a Cadeira nº 1 da Academia de Artes e Letras, e que há tempo estava sendo procurado.

Deixara Ferreyra dos Santos, com seus colegas acadêmicos, o pedido de minha indicação, que foi respeitado pelos acadêmicos. E assim ingressei naquele quadro de intelectuais, por acaso, sem ao menos me candidatar. Tornei-me “acadêmico biônico”. Algo “sui generis”.

Mas o impulso foi de Capiba, que naquela tarde de verão, em Candeias, sugeriu meu nome. Por isso se engrandeceu nossa amizade e meu bem-querer por ele.

Hoje, lembrando desses episódios tão alegremente vividos, pranteio aquele atleta, poeta e médico que às sextas-feiras dedicava todo o seu expediente para atender, de graça, a clientela pobre do bairro de Santo Amaro, no Recife, e ainda lhe pagava os remédios.

Por sugestão de Capiba e sua indicação me tornei acadêmico por acaso.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quarta, 11 de outubro de 2023

PORNOGRÁFICO ABECEDÁRIO (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

PORNOGRÁFICO ABECEDÁRIO

Carlos Eduardo Santos

D. Alice, minha santa mãe e primeira professora

 

Em 1942, aos cinco anos, considerei-me alfabetizado por mamãe. Foi um período encantador, Cheio de descobertas. Depois fui para a escola de D. Cleomar Reis Seixas, na Vila dos Remédios, no Recife.

De início papai comprou um livrinho chamado: “A Carta de ABC”, e um outro, chamado: “Tabuada”. Pra mim foram uma atração.

Antes mamãe me ensinou recortado, de revistas e jornais, algumas ilustrações, para que eu gravasse as letras, frases e os motivos das gravuras.

Nas letras fui até bem; facilmente formei frases. Meu destino estaria selado: dedicar-me-ia às ditas cujas. Mas nos cálculos emperrei. E continuaria “travado” todo o tempo, tornando-se barreiras difíceis nos concursos que fiz para me tornar bancário.

O abecedário, de início, foi complicado, mas depois que ela me ensinou sua forma de gravar na mente, em linguagem marcada pelos batuques dos punhos na mesa, a coisa melhorou:

A B C D – E F G H – I J L M… etc.

Anos depois os métodos confundiram a cabeça da gente, inserindo letras usadas nos idiomas estrangeiros: K, Y e W, que se pronunciava, no vulgo: “V-W”. Pra mim uma “engembração”. Mas fui absorvendo.

Decorrido um estirão de tempo enfrentei três reformas do idioma pátrio. Um inferno “abecedal”. No concurso do Banco do Brasil não tirei 10 porque deixei de botar um circunflexo na identificação da capital gaúcha: “Pôrto Alegre”, “chapeuzinho” que, no caso, acabou sendo abolido.

O segundo período, foi mais interessante, pois parecia que estávamos aprendendo a marchar:

Bê-a-ba=BA; Bê-é-bé=BE; Bê-i-bi=BI.. .E mamãe ia batendo com a mão na mesa dando o rítmo, fator que facilitava, e muito, o aprendizado.

Depois, entravamos numa espécie de carretilha e se tornava muito engraçado o modo de se aprender a junção das consoantes:

BA, BE, BI, BO, BU.

Era um aprendizado ritmado e isso animava as sulas. Em seguida, quando eu já estava dominando o conhecimento das letras e suas ligações para formar as palavras, as aulas passaram a ser ainda mais deliciosas.

Entretanto, no período em que estávamos desenvolvendo a forma ritmada das consoantes, notei que mamãe não verbalizou as letras “A” e “C”, não me ensinando a partir do “A” e pulando do “B” para o “E”.

Ao alertá-la para o provável “escorrego” me disse que sendo o “A” uma vogal, deveríamos aprender a formar primeiro as consoantes. E ao ser indagada por que pulou o “C” ela desconversou e disse-me.

– Ah, me esqueci. Depois a gente volta!

Ladina, sabia que aquela parte não daria boa sonoridade, por isso se esquivara, a fim de passar-se por “esquecida”.

Anos depois, já estudando no Ginásio Amauri de Medeiros, uma escola pública de Afogados, os alunos mais adiantados faziam questão de “cantar” o abecedário batendo ritmadamente.

Durante o recreio, a título de bagunça, todos “cantavam” o que minha primeira professora, não ensinou nem deixou-me aprender e se fez de “esquecida”: o famoso: C-a-ca= CA; C-e-Ce=CE; C-e-Ci=CI – e C-o-co= CO; C-u-Cu=CU.

Ao chegar em casa lembrei a D. Alice – na maior inocência – que havia aprendido com os coleguinhas da nova escola a parte que ela havia “esquecido”; um pedaço que para mim só veio a ser conhecido como pornografia, anos depois, junção de letras que seriam repetidas nas muitas anedotas que sempre gostei de contar:

Cuidados e ensinamentos de mãe ficam para sempre!

 

Cartilha do ABC em uso na década de 1940

 


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quinta, 28 de setembro de 2023

NOTAS DE ANTIGAMENTE (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNSTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

NOTAS DE ANTIGAMENTE

Carlos Eduardo Santos

Grupo Escolar Amaury de Medeiros, a primeira “escola de verdade”

 

Papagaios falam? Se uma ave pode falar, as crianças também aprendem a se comunicar facilmente através das repetições. “Cadê Cleó? Cadê Cleó?” Por que os papagaios falam? Esta questão faz parte de minha história mais remota.

Alfabetizado por mamãe Ingressei na “Escola de D. Cleomar”, que funcionava numa casa bem próxima à nossa, na Vila dos Remédios, em Afogados. Vale comentar como era o ensino na década de 1940 e suas notáveis peculiaridades.

Éramos apenas cinco alunos, quase todos da mesma idade. Arivaldo era o mais velho, contava sete anos. A sala de visitas era a escola improvisada. Quando todos estavam reunidos na mesa de jantar, a professora se assemelhava, nos dias de hoje, ao chefe de uma reunião. Não havia quadro-negro, mas ela criava modos de salientar as gravuras numa tela de cartolina.

Muitas coisas interessantes guardo numa das gavetas do coração, sobre passagens de vida daqueles momentos, onde tudo tinha os encantos da “primeira vez” e o improviso fazia o ensino naquela escolinha funcionar. Anotei algumas cenas num velho caderno talvez prevendo que serviria para temas das futuras crônicas, quando eu desejasse escrever sobre as coisas do “meu antigamente”.

Todos os dias mamãe me levava e trazia, embora a escolinha fosse perto de nossa casa, defronte à residência de Tia Floriza. Dos apetrechos para as aulas, lembro-me apenas de uma caixinha com lápis de várias cores, o apontador, uma borracha, daquelas que eram enfiadas na cabeça dos lápis. O lanchinho ia embrulhado num guardanapo e junto, ia um copo de alumínio. Tudo acomodado dentro de uma sacolinha de tecido grosso, com alça, que ela fizera com o maior esmero para essa destinação.

Era um orgulho ir para a escola conduzindo aquela sacolinha no ombro. A impressão é que eu estava indo para u’a missão, que compreendia o horário das 8 às 11h. De fato, era. Pois aprender, seria a missão mais importante de todos o tempos de nossas vidas. E aquela incumbência era a base de tudo. O impulso para a gente se projetar na sociedade. A empolgação não era pequena. Sentíamo-nos importantes à medida em que sabíamos ler, escrever e contar. Todos os dias chegávamos em casa com uma novidade aprendida. Uma delas foi a história do papagaio “Zezinho”.

Fiquei boquiaberto quando D. Cleomar me respondeu porque seu papagaio falava: “Cadê Cleó? Cadê Cleó?”, frase que lhe foi ensinada por seu marido, sr. Vinícius. Explicou-me que sendo aves muito inteligentes, os picitacídeos aprendem a repetir os sons de nossas palavras e assim, desde que treinados como o nosso foi, “Zezinho” aprendeu essas repetições e consegue reproduzir nossas frases.

Era muito engraçado. Quando estávamos em aula o bicho começava a falar e repetia v: “Cadê Cleó? Cadê Cleó? E ela carinhosamente respondia: Tô aqui, Zezinho!

Outro episódio interessantíssimo foi quando experimentamos a escrever de fato frases completas. Pelo modelo contido no “Caderno de Caligrafia Vertical”, muito usado na época, aprendíamos aprimorar a letra. “Nicolau vai puxar o carrinho”, era a frase-guia para a gente copiar várias vezes e ir fazendo dos garranchos letras mais aprimoradas. Escrevi muitas vezes esta frase, porque tínhamos que reproduzi-la, escrevendo em cima das linhas retas das pautas impressas no caderno.

Os “Deveres de Casa” consistiam em algumas continhas simples e um ditado, que as mães deveriam ler para a criança copiar.

Maria Ester, nossa coleguinha, recebera aplauso da professora logo nos primeiros dias, porque, na “prova da letra”, existente nos “Deveres de Casa”, tinha que ser escrita numa folha em branco, sem desaprumar a letra, e ela o fez sem perder o prumo da linha.

Certa feita, Arivaldo descobriu o macete. A mãe da menina, D. Malvina, contara a D. Lola, mãe de Vavá, que ajudava a filha, botando uma régua no papel em branco e marcava a folha com a ponta da unha, de forma que a colega escrevia, obedecendo cuidadosamente a linha imaginária. Na verdade era a “linha invisível”. Porque o sulco da unha era a “estrada” para a escrita seguir retilínea.

“Hora do Recreio”, não era possível porque não havia espaço para se correr ou brincar mas era sagrado o momento do lanche e um tempo de repouso para as conversas. geralmente os alunos traziam seus lanches de casa. Lembro-me que eu possuía um copo de alumínio, que se encolhia, para diminuir o espaço na sacolinha, no qual eu tomava o suco com um sanduiche de meio pão francês e queijo.

A professora tinha uma filhinha – Tereza Fernanda, de uns dois anos, que ficava sentada em sua cadeirinha alta utilizada em suas refeições. Ela ficava parte das aulas perto da gente, aproveitando para se distrair com um “cotôco” de lápis e uma folha de papel-de-pão, que riscava por algum tempo.

As aulas tinham “paradas técnicas”. Nos instantes em que era necessário a professora ir à cozinha dar u’a mexida na panela do feijão ou colocar a criança no berço, “pedia tempo”. A gente parava e ficava proseando. Enquanto distraia-se com os alunos, Tereza Fernanda permitia que a mãe passasse uma vassourinha na casa.

A primeira tarefa do dia era uma cópia caligráfica. Depois, havia um ditado, que conferidos um a um, oferecia os primeiros ensinamentos, comentando-se os erros. A aritmética fazia parte da trilogia inicial de qualquer iniciante: ler, escrever e contar. No meu caso fui apenas aprimorar alguns ensinamentos, porque saíra de casa alfabetizado.

Os objetos utilizados para nos mostrar a maneira mais fácil de contar, eram utilizando-se os talheres da casa da professora, aproveitados para facilitar o entendimento visual, porque não havia lousa. Nos dois primeiros meses de aulas, a professora desenhava os números em uma folha de cartolina, escrita a lápis. Para a aula do dia seguinte ela apagava tudo para aproveitar o papel. Um artifício inteligente.

À medida em que o faturamento foi se solidificando, ela adquiriu um tripé e um quadro-negro. Aí foi Hollywood! Para nós se passava uma verdadeira e fascinante fita do cinema.

Não fiquei naquela escolinha muito tempo porque aos sete anos fui matriculado num estabelecimento preparado para o ensino primário: o Grupo Escolar Amauri de Medeiros, para onde seguia com mamãe, que nos primeiros dias teve que ficar comigo, porque me amedrontei com tanta gente num só lugar, um prédio enorme, os sons de um sino que tocava para indicar a hora de começar as aulas, a hora do lanche e o final do turno.

Saí do aconchego de colegas que se conheciam de perto, para u’a multidão escolar, com muito alvoroço. Tudo diferente. Ninguém conhecia ninguém. Amedrontavam-me as cenas daquele cotidiano tão diferente.

Mas foi meu grande salto de modernidade de hábitos. A nova escola tinha tudo que um estabelecimento de ensino precisava, a partir de um prédio imponente, com dois pavimentos, construído com a finalidade específica, situado na Rua São Miguel, perto do Largo da Paz. Havia mesas especiais para cada aluno e um espaço embaixo da banca para a colocação dos nossos pertences. O Quadro-negro era enorme e cada sala contava com cerca de 15 alunos.

A “Hora do Recreio” era uma bagunça que eu jamais experimentara: as crianças gritavam muito, desciam correndo pelas escadas de madeira, fazendo a maior zuadeira. Todas as classes se reuniam no pátio, na maior balbúrdia. Foi um choque observar assustado aquele momento, porque era a minha estreia numa “escola de verdade”, mas onde a organização deixava a desejar. Ninguém podia conter a fúria da meninada enlouquecida.

No primeiro dia de frequência, quando mamãe pediu minhas impressões, eu empertigado declarei:

– Agora estou numa “escola de verdade”, mas muito anarquizada!

Nunca perdi o contato com a família daquela mestra. Quando Tereza Fernanda casou-se, D. Cleomar foi residir com ela, no bairro das graças. Ao saber que completara 90 anos, fui mais uma vez visitá-la com minha família. Uma prosa cheia de boas recordações. Era uma pequena escola, mas ali, na pequenina casa da Rua Gaspar Drumond, 129, aprendi o que eram os primeiros modelos de convivência organizada em sociedade.

Que bom poder reviver essas memórias!


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quinta, 21 de setembro de 2023

GENERAL TIMOSCHENKO (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

GENERAL TIMOSCHENKO

Carlos Eduardo Santos

As tardes de domingo na Rádio Jornal do Commercio, durante o “Programa Ernani Seve”, para mim eram a atração maior dos tempos de juventude. Inesquecíveis, e acredito, para todos aqueles que viveram a década de 1950.

Como eu já praticava o jornalismo profissional naquela rede de Comunicação, (Caderno de Domingo do Jornal do Commercio) era-me permitido transitar pelos corredores da Rádio com certa facilidade.

 

 

Um dos momentos mais agradáveis era o “Programa Ernani Seve”. Não que tivesse ele a voz de um Luiz Jatobá, mas havia em sua pessoa uma encantadora educação que se observava, no trato com os artistas e nas brincadeiras com o auditório. Era u’a uma pessoa muito atraente.

Uma de suas peculiaridades era manter os apelidos que corriam nos bastidores e acabavam se tornando marcas-registradas de alguns:

– E agora vamos apresentar: “Mimi Castilho”, nossa querida Almira do Amorim Castilho!…”

O modelo deu tão certo que ele se referia aos mais conhecidos até no palco, não pelos nomes dos registros, mas sim pela identidade artística.

Às vezes se fazia de distraído – mesmo com Dr. Pessoa de Queiroz no auditório – e soltava os apelidos: Mimi Castilho, Jackson do Pandeiro, Camarão, Chocolate, Gordurinha.

Mas certa tarde se atrapalhou quando foi anunciar uma cantora que estava em experiência:

– Ouçamos agora, com o Regional de Luperce Miranda, uma cantora que estamos lançando e deverá ser um sucesso: Maria Daidece. Na verdade o nome da pobre moça era Maria da Daidescena, um nome meio estrambólico, mas ele se atrapalhou com o papelzinho que lhe passaram de última hora, e na pressa, pronunciou: “Maria Dá e Desce”.

Foi um “buruçu” dos infernos pelos corredores, pois sabia-se que a candidata, sendo “ratazana de auditório,” vivia em busca da fama. Por isso, “facilitava alguns amassos” com os “influentes” da emissora, segundo noticiava a “Rádio Peão”.

Mas, como seu nome não ajudava o Produtor do programa, – malandro todo – resolveu dar-lhe um “empurrão” rumo ao estrelato, mesmo correndo o risco de avacalhar a situação do Apresentador.

Fez a “adaptação”, numa tarde em que Dr. Pessoa não comparecera. Chegada a hora, tendo um cantor faltado ao programa, quase empurrou a jovem. E a pobre ganhou o apelido de “Maria dá e desce”. Uma alcunha que remete ao velho ditado: “Ou dá ou desce!”. O episódio ficou na história do Rádio.

Certa feita Ernani Seve meteu-se em outra, registrando para sempre alcunha, que se tornou nome artístico. De tanto assim proceder, animou-se, e no palco, anunciou, pelo apelido, o maestro da orquestra, legitimando seu nome mais conhecido, que ultrapassou o espaço radiofônico, tornando-se carinhosamente conhecido entre a família e os amigos.

Foi assim:

– E agora, na enternecedora voz de Antônio Laborda ouviremos a canção “Maria Betânia”, de Capiba, acompanhado pela Jazz Paraguary, sob o comando do Maestro Timoschenko.

A inquietação foi de tal ordem que Dr. Pessoa lhe indagou, dias depois, no gabinete da diretoria, se ele sabia de onde vinha aquele apelido. E naturalmente não sabia, mesmo porque não foi ele quem “batizou” Lula com o nome do general russo Semion Timoschenko, herói da II Guerra Mundial.

Luiz Caetano, competente maestro pernambucano, de fato, era muito parecido com o general. Os rostos, quase iguais. Assim, Timoschenko tornou-se emblema. Nome de General e hoje desfruta tranquilo sua aposentadoria dedilhando seu sax no terraço de casa.

 

Maestro Luiz Caetano, o “Timoschenko” do Recife


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça sábado, 16 de setembro de 2023

UM FAZEDOR DE CLUBES (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

UM FAZEDOR DE CLUBES

Carlos Eduardo Santos

Estátua de Capiba, na rua do Sol, Recife

 

A saudosa escritora Zilah Barbosa Torres, sobrinha de Capiba, me confiou, em dias de 1985, a organização da festa para o lançamento de seu livro: “Capiba – Um nome, uma vida, uma época”. O evento aconteceu no Forte das Cinco Pontas, contou com a participação da Orquestra de Cordas Dedilhadas e oferecemos um coquetel aos convidados.

Ela me falou sobre assuntos interessantes sobre sua família. Disse-me que seu tio – Lourenço da Fonseca Barbosa – desde a infância era apreciador do futebol. Costumava juntar seus coleguinhas, em Taperoá, na Paraíba, para boas peladas que se realizavam em qualquer terreno baldio.

E foi mais além, tirando uma de minhas dúvidas, ao afirmar que Capiba era um apelido de família, não especificamente o mais famoso de todos: Lourenço Capiba; pois assim eram conhecidos seus demais parentes: Severino Capiba, Pedro Capiba, Tereza Capiba e Herman Capiba. A popularização do termo indígena quase se tornou um nome de família: os Capiba, como eram conhecidos os descendentes do velho Severino Athanásio, Mestre de Bandas famoso no inteior.

Desejoso de levantar as ligações do único fundador vivo da AABB, naquela época, anotei dados de um cidadão que foi, no dizer de Fernando Lobo, “Um fazedor de tudo, sobretudo de músicas e times de futebol”.

Em Campina Grande, onde morou, Lourenço Capiba começou a jogar futebol em clubes e o primeiro deles foi o América, no qual foi reconhecido como bom jogador, jogando na posição de Centro Atacante.

Depois se transferiu para o time juvenil do Campinense Clube, enquanto seus irmãos João Capiba e Severino Capiba jogavam no esquadrão principal.
Quando menino já era apreciador do Santa Cruz Futebol Clube, time do Recife, e sob essa inspiração fundou em 1922, em companhia de seu amigo Hilton Vieira, uma equipe de futebol chamada Santa Cruz, time que fez sucesso por bom tempo, em Campina Grande.

Fundou na mesma cidade um clube com as cores vermelha, verde e branca, que adotou o nome de “Palestra”, talvez em homenagem ao “Palestra Itália”, de São Paulo, que mais adiante se denominaria: Palmeiras. Fez parte também do América Campinense.

Logo que a família foi transferida, por uns tempos, para João Pessoa, ele se articulou com os desportistas locais e se filiou ao América Futebol Clube, o qual era composto, em sua maioria, por estudantes.

Nesse tempo começou a ter compromissos profissionais, atuando como pianista do Cinema Rio Branco, que apresentando filmes mudos necessitava de música para animar as imagens.

A partir dos anos 30, nomeado através de concurso, para o Banco do Brasil, assumiu na Agência do Recife, que funcionava num prédio alugado à Rua do Bom Jesus.

Em 1935 associou-se ao Santa Cruz Futebol Clube, recebendo a Carteira nº 183, a qual seria doada à “Sala da Memória Tricolor”, acontecimento datado de 30 e setembro de 1984, quando comemorou 80 anos de idade. Foi Conselheiro e proprietário das Cadeiras Cativas nºs. 224 e 225.

Naquela época o Recife lhe tributou várias homenagens, inclusive o lançamento de sua primeira biografia, sob minha assinatura: “Capiba, sua vida e suas canções”.

 

Estátua de Capiba, na AABB. Foto de Ismênia Teles

 

Capiba inaugurou o Memorial Tricolor recebendo a homenagem do Presidente Vanildo de Oliveira Ayres, presenteado-o com uma nova Carteira de Sócio, que lhe isentava de contribuição; uma faixa de Tri-super Campeão do campeonato de 1983, uma camisa nº 9, relativa à sua antiga posição de pebolista amador e uma placa de prata registrando o agradecimento dos tricolores por haver sido de sua autoria o Hino Oficial do clube.

Logo que tomou posse no Banco do Brasil se articulou para formar um time, ao que recebeu o nome de “Satélite Club”, que nos anos de 1930 a 1939 obteve muitas vitórias nos torneios bancários.

Em julho de 1939, Lourenço Capiba assinaria a ata de fundação da Associação Atlética Banco do Brasil. Na verdade, seu fundador nº 1, pois o “Satélite” fora incorporado à AABB e ele seu principal organizador. Hoje tem uma estátua na sede, por iniciativa de Euler Araújo de Souza, grande amigo da cultura.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça segunda, 11 de setembro de 2023

PERNAMBUCO VOCÊ É MEU (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

PERNAMBUCO VOCÊ É MEU

Carlos Eduardo Santos

 

 

 

O jornalismo é uma estrada fascinante. Semelhante a um trem, passa por muitas estações e se conhece muita gente boa. Num desses caminhos conheci Aldemar Mário Buarque de Paiva.

Nome dos mais conhecidos em todos os setores sociais, culturais e radiofônicos do Nordeste, se notabilizou por haver sido fundador da Rádio Difusora de Maceió, cidade onde nasceu, e se tornou popular como poeta, escritor, compositor, cordelista, jornalista, produtor artístico e publicitário.

 

 

Em sua cartela de composições assinou mais de 70 músicas, dentre elas, as mais conhecidas: Pajuçara e o frevo em parceria com Nelson Ferreira Pernambuco você é meu! Como poeta se notabilizou com o monólogo Papai Noel, que ganhou a cena nacional na interpretação do ator Lúcio Mauro.

Era um corpo vestido de alegria! Meu colega na Academia de Artes e Letras de Pernambuco. Quando chegava já vinha mostrando os dentes, fazendo propaganda de Pasta Dental Kolinos.

Verdadeiramente uma pessoa de criatividade difícil de avaliar. Todavia, para mim, sua característica mais acentuada era o poder de alegrar as pessoas, contando piadas, criando situações hilárias e até aprontando presepadas incríveis.

Certa feita eu estava no auditório da Rádio Jornal do Commercio, já no prédio da Rua do Lima, cobrindo a escolha da Miss Pernambuco, com o fotógrafo Diógenes Montenegro, para a coluna social de Alex.

Na mesa dos jurados, entre outros, Capiba, Claudionor Germano, Fernando Barreto, Zayra Pimentel e Aldemar Paiva. As candidatas a miss desfilavam tendo cada uma delas a etiqueta de identificação, representada por um grande número preso com uma cartolina, ao maiô, no alto das coxas.

Acidentalmente um dos números ficou mal colocado dificultando a visão dos jurados. Nesse instante, Capiba inclinou-se, tirou os óculos e aproximou o rosto para ter melhor visão do número. Foi quando ouvi o seguinte diálogo, falando inicialmente o radialista, que sentara-se junto dele:

– Capiba, tais te lembrando do tempo em que tu eras bom nisso?

E como um foguete, o compositor disparou contra Aldemar:

– Pergunta a tua mãe!…

Mas Aldemar daria o troco. Apresentador do programa de maior audiência nas manhãs do Rádio Pernambucano até a década de 1980 – “Pernambuco você é meu” – o radialista levou ao ar a seguinte Campanha:

 

 

Meus caros ouvintes, Capiba está fazendo 80 anos na próxima semana e o presente que ele mais gosta de receber são gatos de raça. Sendo cidadão muito caridoso, costuma recolher os felinos que perambulam pela Rua Barão de Itamaracá, no Recife, para acomodá-los em sua casa.

O efeito foi impressionante. Na mesma tarde chegaram gatos, de saco. As pessoas chegavam no jardim e jogavam os felinos.

Tempo houve em que a família contava com 17 gatos e todos eram tratados com o maior cuidado. Capiba acabou por se afeiçoar aos animais que os tratava como se seus filhos fossem.

Ainda hoje, a viúva, D. Zezita, que reside em Surubim, tem uma criação de vinte e dois gatos e mais seis cachorros, muitos dos quais levou do Recife.

Quando lancei o livro O Banco do Brasil na História de Pernambuco ele estava viajando e não podendo comparecer me mandou um cheque para reservar um exemplar, acompanhado com o seguinte verso:

Carlos Eduardo:
Tanto para o coquetel
quanto para o lançamento
eu faço um triste papel
porque na data me ausento…
Porém, aqui apresento
minha desculpa e sou franco:
– Admiro seu arranco
de escritor, como Nabuco,
Botando com amor o Banco
Na História de Pernambuco.

Com muita estima, Aldemar Paiva – 13.-7.1983.

* * *

Pernambuco, Você é Meu – A trajetória do Multimídia Aldemar Paiva

 

 

 

 


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quarta, 06 de setembro de 2023

BOAS LEMBRANÇAS (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

BOAS LEMBRANÇAS

Carlos Eduardo Santos

Evandro de Castro Lima – “Príncipe de Riad”

 

Emplaquei 85 anos de vida. E agora? O que me resta é continuar vivendo com saúde e relembrar boas coisas.

Volto ao passado como se aquelas épocas fossem um aperitivo para a nova vivência. Principalmente as fases do jornalismo.

Em 1989, fui entrevistar o carnavalesco Evandro de Castro Lima, campeoníssimo apresentador de fantasias, que se preparava para desfilar no Sport Club do Recife.

Nos bastidores a primeira pergunta que lhe fiz foi banal, mas a resposta foi inteligente e deu boa manchete:

– O senhor deve gostar muito de carnaval. não é mesmo?

– Gosto. Mas não para ficar rebolando nas pistas. Apresento-me como o “Príncipe de Riad”, como agora, o “Sultão de Marraquexe”; até me transformo em “Nuvens de Prata” e vibro com esses momentos em que desfilo apenas nas passarelas.

– Qual a empresa que cria estas maravilhas?

– Tenho uma equipe de trabalho que transforma meus sonhos em fantasias de tecidos e lantejoulas. São pessoas competentes que fazem as pesquisas, os desenhos, e bordadeiras dedicadas que se empenham vários meses para que eu possa brilhar nas passarelas.

Estive por instantes com um homem de fino trato, culto e de prosa fácil. Era natural sua dificuldade para falar em função da fantasia que lhe envolvia a face. Mas se ofereceu em todos os ângulos que Diógenes Montenegro precisou fotografá-lo.

E na primeira página do Diário da Noite surgiu a reportagem:

Príncipe de Riad no Recife.

Certo exagero de um jovem repórter, naturalmente.

Outro momento que guardo boa lembrança foi quando viajei certa vez por via aérea, vindo do Rio, com o etnógrafo Mário Souto Maior, diretor da Fundação Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais.

Era noite e o jeito foi puxar conversa para superar duas horas sem as belas paisagens nas janelinhas. omem de alta cultura, logo nos identificamos pelos mesmos gostos. A prosa correu frouxa.

 

 

 

Fizemos amizade tão próxima que lhe solicitei o prefácio para um dos meus livros. E ao receber o texto, dias depois, me encantei, pois começava assim:

Conheci o autor numa atmosfera de sonhos; ou seja, nas nuvens, pois viajávamos de avião retornando ao Recife.

Não poderia imaginar que aquele escritor fosse – como constatei depois – autor do famoso livro: Dicionário do Palavrão. Mas é importante salientar que sob sua especialidade publicou mais de 15 livros, alguns dos quais prefaciados por Gilberto Freyre.

Uma obra de paciência. Mário foi homem dedicado à pesquisa. Deixou um legado expressivo:

Antologia da Poesia, Comes e Bebes do Nordeste, Dicionário da Cachaça, Nordeste: A Inventiva Popular, Livro das Adivinhações, Nasce um Cabra da Peste, Alimentação e Folclore, Dicionário de Folcloristas Brasileiros, Painel Folclórico do Nordeste, A língua na Boca do Povo, Em torno de uma Possível Etnografia, O Homem e o Tempo, Nomes Próprios Pouco Comuns, Galaláus e Batorés, a Morte na Bota do Povo e por aí vai.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça sexta, 01 de setembro de 2023

CORRESPONDENTES UNIDOS (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

CORRESPONDENTES UNIDOS

Carlos Eduardo Santos

Apaixonei-me pelo radio-amadorismo quando eu contava uns 10 anos de idade, depois de conversas com meu tio Pericles Pacífico Galvão dos Santos, irmão de papai, nascido do primeiro matrimônio de meu avô, João Pacífico Ferreira dos Santos e Anna Alexandrina Galvão dos Santos.

Sempre que mamãe ia ao centro da cidade do Recife, a fim de comprar aviamentos para suas costuras, eu a acompanhava. E nessas andanças ela me levava. “A Nova Magnólia”, às “Casas José Araújo” e ao armazém de Fortunato Russo Sobrinho, eram as lojas que visitávamos com mais frequência.

 

 

De sua programação de visita às lojas, havia costumeiramente uma passadinha pela Farmácia Fernandes, na Rua Nova, de propriedade de meu saudoso tio. Ele nos recebia em sua escrivaninha e a prosa versava sobre assuntos de família.

Rádio-amador, prefixo PY 7- BN, dono de um automóvel Nash muito bonito, comerciante titular da firma Pericles Santos & Cia. Ltda., dona do Laboratório Labortecne Ltda. e da Farmácia e Drogaria Fernandes, “Tio Lique”, tal qual seu apelido, me falava sobre a atividade de se comunicar com as pessoas, via rádio, o que já me fascinava.

Recordo a atenção que ele me dispensava, respondendo perguntas e ensinando-me como tecnicamente as coisas funcionavam nos radiotransmissores e receptores. Reabrindo as gavetas da memória, recordo o que me disse sobre as Ondas Hertzianas.

Ouvi que fora o físico alemão Heinrich Rudolf Hertz quem construiu o primeiro transmissor de ondas. E depois – mais recentemente – graças a noções que recebi de meu filho Gustavo Jorge, atualizei as informações.

Em sua série de experimentos, o Prof. Hertz determinou a frequência e o tempo de propagação das ondas eletromagnéticas, concluindo-se que elas se propagavam através do éter, na mesma velocidade da luz. Isso permitiu a transmissão de voz através de rádios transmissores e receptores.

 

O físico alemão Heinrich Rudolf Hertz

 

Em 1888 Hertz publicou suas experiências. Contava apenas 31 anos. Faleceu em 1º de janeiro de 1894, aos 37 anos de idade, vítima de septicemia. Em sua memória passaram a ter seu nome as ondas eletromagnéticas, conhecidas como: Ondas de Hertz.

Isso me despertou a admiração por aquela atividade, através da qual ele mantinha muitos amigos residentes em várias cidades do Brasil. Meu fascínio pela transmissão de informações em geral começou através das conversas com “Tio Lique.”, o radioamador.

Aprendi, então, a “operar” como “Esparadrapo” (aquele que vive colado ao aparelho de rádio-receptor), através das Ondas-curtas, onde se ouvia as transmissões de um grupo de apreciadores que trocava entre si serviços de informações, em sua maioria ajudando as pessoas em suas dificuldades, geralmente durante as madrugadas, quando era melhor a propagação das Ondas Hertzianas.

Falar sobre radioamadorismo levaria muitas laudas e não é, agora, o caso. Já fiquei muitas horas da madrugada com o ouvido “colado no radiozinho “Philco”, aainda funcionando a válvulas, quando recém-casado, instalei uma antena externa potente para melhor captar as transmissões, mesmo dificultado pela estática, que naquele tempo era terrível.

 

Rádio-receptor dos anos 50

 

Fascinava-me ouvir as chamadas dos aficionados, do Recife para Porto Alegre e vice-versa. Já amanheci o dia saindo de casa para dar um recado urgente à família de uma pessoa que estava desaparecida e fora encontrada em distante rincão gaúcho. Sentia-me um radioamador “adotivo” e seguia seus métodos. Na verdade um Agente e Notícias.

Adulto, a partir dos 15 anos, fascinado pelo jornalismo compreendi que meu destino estava ligado às informações entre as pessoas. E isso pratiquei durante mais de 50 anos nas atividades em jornais.

Agora idoso, tenho o privilégio de me tornar um receptor e transmissor de notícias, graças ao Satélite, que me permite mandar e receber informações, transportar imagens e até filmes, não apenas para o Brasil, mas para todo o mundo, sem sair de minha escrivaninha. Considero-me um radioamador sem registro, porém com atividade diária, iniciando ainda de madrugada.

E nesse embalo adotei um estilo de correspondência por correio eletrônico, a partir de meu “bunk”, em Olinda, engordando minha cartela de amigos, que chegou a contar com mais de 50 comunicantes via e-mail.

Ao aprender o manuseio do aplicativo Whats App, multiplataforma de mensagens instantâneas e chamadas de voz para smartphones, que além de mensagens de texto atendem às remessas de vídeos e documentários em PDF, dei um pulo em meu sonho de me tornar um Agente de Notícias Internacional.

Não que eu deseje tanto nem vise ganhos pecuniários, mas resolvi me tornar o que sempre desejei: um jornalista independente internacional, operando para restrito número de 72 amigos, com quem frequentemente me atualizo no que acontece em todos os quadrantes do mundo.

Inicialmente criei um grupo pequeno onde consegui chegar aos Estados Unidos para falar com minha nora Eliane, meus netos e bisnetos, depois fui varando o Brasil inaugurando bons amigos como Dr. Pedro Salviano Filho, no Paraná, Brito e Zanetti em São Paulo e até gente do Amazonas.

Fora do âmbito familiar organizei um grupo de colegas jornalistas e passei a prospectar artigos e reportagens que julgava de importância geral e assim compartilhar notícias “quentes”. Através de sugestão do médico e jornalista, Luiz Guimarães, titulei a “instituição”: “CE – Comunicado Expresso”.

Depois de adotar o “zap” a iniciativa tomou vulto e renomeei a iniciativa, que passou a ser: “Correspondentes Unidos”. Jamais provei brinquedo tão atraente.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça domingo, 27 de agosto de 2023

ENCONTRO COM BIBI FERREIRA (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

Bibi Ferreira em foto de 1953

 

Tenho dito que o jornalismo me realizou. Foram tantas as amizades que daria um pequeno dicionário se fosse fazer a relação.

Aos 16 anos eu era Escriturário do City Bank e trabalhava com Amílcar Dória Matos no setor de Ordens de Pagamento. Como atividade paralela praticava o jornalismo, publicando reportagens como Profissional Liberal Autônomo, aproveitando os fins de semana para as reportagens.

Certa manhã atendi no balcão do Banco um casal. Ela disse que desejava receber uma Ordem de Pagamento e lhe solicitei a Cédula de Identidade. Era Abigail Izquierdo Ferreira. Nome estranhíssimo.

Passei-lhe o formulário, colei os selos de Educação e Saúde, e lhe solicitei duas assinaturas; sendo uma por cima dos selos e outra igual à identidade, que seria conferida por D. Eunice Catunda.

A selagem era uma forma de o Governo Federal cobrar imposto destinado à Educação e à Saúde. Nesse tempo os documentos que formalizavam um empréstimo bancário eram as Notas Promissórias, que também eram seladas.

Ao cidadão que estava com ela indaguei o nome, pensando que seria também um beneficiário. Um tipo bonitão, muito simpático, que causou frenesi nas moças do Banco.

Herval Rossano, o galã

 

– Herval Rossano é meu nome artístico, mas na Identidade sou Herval de Abreu Paes.

E puxou conversa.

– Mas nada tenho a receber do seu Banco, porque ela – apontou para Bibí – é quem me paga. Trabalhamos juntos no teatro. Ontem foi o fim de nossa temporada no Teatro Santa Isabel; por sinal muito bonito, tanto o teatro quanto a sua cidade.

Aí “soltei meus cachorros”.

– Também já me apresentei lá na sua terra, no Teatro Regina, localizado na Cinelândia. Sou do Teatro de Amadores de Pernambuco. Logo vi que conhecia essa senhora de fotografias, mas o nome me pareceu estranho…

– Ela é Bibi Ferreira! – Disse-me Herval Rossano.

Aí “peguei ar” como dizem os humoristas.

– Que honra atende-la, madame! Sobretudo por ser filha do sr. Procópio Ferreira, o inimitável astro que conheci num engenho do Vale do Siriji, aqui em Pernambuco.

– Como conheceu papai?

– Numa festa no Engenho Palma, em Machados, quando numa festa, ele foi apresentado a duas moças – Margarida e Madalena – alguém, indiscretamente indagou qual das duas era a mais bonita.

Precisando de tempo pra pensar, soltou um sorriso bem teatral e disse que responderia logo mais.

Procópio, o pai de Bibi, com 62 anos de carreira, interpretou mais de 500 personagens em 427 peças

 

Pedi ao fotógrafo que não tirasse os olhos dele porque era um ator famoso do Rio de Janeiro e iria demorar pouco por ali. Era o motivo de nossa reportagem. Tínhamos a missão de acompanha-lo. Aí surgiu o fato principal.

Mesas espalhadas pelo pátio bem iluminado, quitutes e bebidas correndo à vontade, o Senhor do Engenho todo satisfeito com a presença do ator naquela noite especial. Discretamente Procópio pegou um guardanapo e escreveu um verso elogiando as duas sem definir sua predileção:

Não sendo nada poeta
Mas simples homem de cena
Não sei qual a mais bela
Se Margarida ou Madalena.

Na época em que nos encontramos eu estava com o verso na memória e logo o declamei. Depois que Bibí foi ao caixa receber o dinheiro, retornou para que eu lhe ditasse o verso de seu pai, que ela não conhecia. Anotou meu nome numa revista e se despediram comentando o fato.

Bibi, como alguns sabem, era uma das maiores atrizes dos palcos brasileiros, além de cantora e diretora de teatro. Nosso encontro foi marcante. Ficaria na minha história.

Meses depois recebi dela um cartão-postal com este recado:

Entreguei o verso a papai. Ele ficou impressionado com sua memória. Um beijo da Bibi. Rio de Janeiro, 24.03.1954.

 

Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça terça, 22 de agosto de 2023

A MISS *INCOMODADA" (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A MISS “INCOMODADA”

Carlos Eduardo Santos

Aos 19 anos, vivendo no Recife, eu farejava a todo instante um assunto diferente para basear minhas reportagens. Encontrei um camarada que comigo fez parelha. Também gostava de pensar em coisas diferentes para abordar em suas hilárias crônicas.

João de Belli buscava nas situações mais inusitadas um motivo para transformar em graça, a fim de enriquecer suas crônicas.

Tinha um nome curto e a fisionomia fechada. Carrancudo até. Mas, era muito engraçado. Era funcionário do Banco do Brasil na década de 1950, quando trabalhávamos no prédio da Praça Rio Branco, que na verdade tinha o endereço da Av. Alfredo Lisboa, 427.

Escrevia crônicas de humor no “Correio Bancário” todos os meses. Sempre que chegava ao trabalho antes da hora, formava um grupinho para contar suas historietas. Seu estilo era simples, inteligente, fácil de entender e próprio para qualquer idade.

Editor dos seus livros – “Notas de um Misantropo” e “Sem Bata e sem Bota” – lembrei-me de algumas das suas tiradas geniais, a começar pela legenda de sua foto.

 

João de Belli: “Vista parcial do Autor”

 

Ao abrir um dos seus livros, logo no Prefácio vamos encontrar: “Leia certo onde estiver errado”.

Nele, uma crônica se tornou famosa: “O Inferno Melhorado”, onde narra episódios sobre um mundo que ele julgava maravilhoso, inclusive com a ideia do “Corpo Humano Reformado”. Além disso, as melhorias feitas pelo Capeta em suas propriedades. Vejamos:

O Diabo, por estar perdendo hóspedes para o Purgatório, resolveu fazer alterações em seus domínios. A primeira delas foi baixar a temperatura das fornalhas, o que atraiu muitos candidatos.

Os “sentenciados”, que dormiam sob colchões-de-fogo passaram a ter direito a camas de arame-farpado, sem colchões.

Para animar a criançada o chefe do “Serviço de Atrações” mandou instalar nos Parques Infantis, escorregos com pregos pontiagudos nas descidas.

As piscinas passaram a ser de água fervente, com direito a uso da Caixa de Saltos, sem água, para que os atletas se quebrassem os no primeiro treino.

Para incentivar o turismo criou a “Espeto-tur”, com direito a ônibus com “ar de fogo-condicionado” e poltronas forradas com folhas de lixa, costuradas com urtiga braba.

Para manter o corpo dos habitantes mais vistosos fornecia, logo na entrada do Inferno, capas pretas já com caudas e chapéus com chifres fosforescentes, para os cornos serem vistos à noite.

Nas barbearias, determinou que fossem usadas “navalhas cegas” e “loção de pimenta” após as barbas.

Os dentistas foram obrigados a utilizar ácido de bateria para anestesiar as extrações de dentes.

Puniu muitos capetas por contrabando de cruzes, água benta, escapulários e bíblias.

Por fim baixou um decreto muito animador, determinando que a partir do ano 3.000 somente os Diabos casados usariam chifres.

De Belli era muito presepeiro. E ouvindo falar que eu estava iniciando atividade jornalística, sugeriu ir comigo entrevistar Miss Náutico. E para me entusiasmar, se ofereceu até para fotografar a ocorrência. Para ambos um projeto avançado. Entrevistar u’a Miss!…

Topei porque ele já havia se entrosado com o pai da Miss, moça fina, de família recentemente chegada do interior da Paraíba. Portanto, se esperava uma apresentação de prestígio.

Para nós dois, tudo marcado. Mas Nielson, o pai da Miss, esquecera de avisar a filha sobre a entrevista. E na hora aprazada nos encontramos na porta de um pequeno prédio da Rua Gervásio Pires. Eu com um bloco de notas e caneta na mão e João de Belli empunhando u’a reluzente “Kodak-caixão”, daquelas que não tinham flash. Coisa de museu.

 

Kodak-caixão. Um monstrengo da década de 50

 

Tocamos a cigarra. Desceu a escada devagar, uma senhora, já meio rodada nos anos. Cabelos brancos, pele enrugada, pernas meio bambas. Pareceu ser a Dama de Companhia da Miss. Muito delicada, se pronunciou:

– O que desejam?

Anunciamos que éramos os repórteres recomendados pelo pai da miss. E éramos do Banco do Brasil.

– Pensei que fosse esmola!… Esperem um tiquinho!

Disse que voltaria já com a chave do portão.

Subiu, demorou um bocado e veio informar que Nielba não poderia nos atender naquele dia. E com um olhar tristeza informou que o pai dela não lhe havia dito nada sobre a entrevista. E por isso estava tendo um “buruçu” lá em cima.

Depois de um tempão, desceu ainda mais devagar para dizer que não tinha jeito mesmo. Muito atenciosa, porém de “poucas letras”, diante de nossos argumentos, soltou uma história muito mal inventada pela família.

E dado à nossa insistência – pois estávamos sob o sol e esperando na calçada – talvez amedrontada com a sisudez de João de Belli, disparou essa excrescência:

– Olhe, meu sinhô, quer que eu diga a verdade? A miss não pode vir porque, como se diz lá na Paraíba, ela está “incomodada”!

 

Nelbe, Miss Náutico 1956. Acervo de Fernando Machado


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quinta, 17 de agosto de 2023

CANTA SE QUERES VIVER (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

CANTA SE QUERES VIVER

Carlos Eduardo Santos

O cantor Claudionor Germano, astro do carnaval do Recife

 

Em 1962, quando assistente da Gerência do Banco do Brasil, no Recife, apresentei um jovem cantor de Rádio, ao Dr. Pedro Lima, durante momento muito agradável, porque o primeiro diálogo foi meio hilário, em virtude do bom humor de ambos.

Ao introduzi-lo, além da apresentação comercial ao meu chefe, informei que se tratava de um famoso cantor do Rádio Jornal do Commercio.

Uma prosa se iniciou antes que as tratativas comerciais surgissem.

– Ah, então o senhor canta no Rádio Jornal? Sabia que sou acionista de sua empresa, exatamente da Tv Jornal?

– Que bom! Sim, sou cantor, mas aqui o assunto é comercial. Sou Claudionor Germano da Hora e aqui estou para dirimir dúvidas quanto a uma operação comercial que está em curso com uma das clientes do Banco do Brasil, a empresa Gessy-Lever, da qual sou Gerente.

E Dr. Pedro, inteligente, procurou derivar um pouco antes do cliente tratar do assunto. Perguntou se a atividade musical dava dinheiro, ao que o cantor respondeu com segurança quase filosófica:

– É uma profissão muito ilusória. A fama pode subir à cabeça, mas o sucesso é coisa temporária. Por isso tenho uma atividade paralela, sendo comerciário.

– O amigo é pernambucano?

– Sou, nasci na Avenida Caxangá, aqui no Recife, no Dia do Índio: 19 de abril.

– Quantos irmãos tem?

– Lá em casa somos cinco irmãos. Um deles é o escultor Abelardo da Hora.

– Ah, então quer dizer que são “Cinco Horas?…”

Diante do trocadilho, o cliente compreendeu que se tratava de um cidadão agradável e que desejava derivar um pouco a chatice do assunto comercial que o levara ao Banco, soltando conversa. Foi quando o cantor aproveitou para melhor se ambientar.

– Vale dizer ao senhor que tenho boas ligações com o seu Banco, porque com o funcionário José Barreto e um amigo comum, o Aldo Guedes, formamos o conjunto: “Trio Albano”, mas foi coisa de amador.

– O que, rapaz!… Então você está em casa!… Fale mais alguma coisa sobre você.

– Gravei uma das mais notáveis canções de Capiba: “Maria Betânia”, que aliás, foi a trilha sonora da peça “Senhora de Engenho”, de Hermógenes Viana, também, funcionário do Banco do Brasil e ilustre homem de letras.

– O que, meu amigo? Estou admirado!

E desse encontro tão agradável, comecei a imaginar: escrever a biografia de Claudionor. Fiz a pesquisa, muitas entrevistas com cantores, compositores e colecionadores e lancei anos depois, sob o título de “Canta se queres viver”, um livro que motivou um espetáculo realizado no Salão Nobre do Clube Internacional do Recife.

Fizemos um show com um monte de artistas, do qual participaram Onilda Figueiredo, Mêives Gama, Paulo Duarte, Fernando Castelão, Voleide Dantas, Nerise Paiva, Paulo Duarte, Antônio Laborda, Irmãs Acyoman, Mônica Maria, Inalva Pires, Marilene Silva, Flor de Maria, Gilberto Fernandes, Terezinha Mendes, Jakson do Pandeiro, Mimi Castilho, Neide Maria, Inaldo Vilarim, José Auriz, Capiba, Expedito Baracho, Creusa de Barros e alguns outros artistas, sem falar os intelectuais.

Claudionor Germano é um dos maiores intérpretes de Capiba e quando divulgamos aquele livro ele já havia gravado mais de 100 músicas desse compositor, segundo notas de Samuel Valente, um dos maiores colecionadores de música popular brasileira.

Nossa amizade continua representando a maior expressão de afetividade até os presentes dias, quando lhe faço visitas regulares e aproveitamos para rever os melhores tempos do Rádio pernambucano.

Nunca me esqueci de uma das suas frases filosóficas:

“Cante se quiser viver bem! Por isso que eu vivo a cantar!”* * *

Claudionor Germano e Orquestra Nelson Ferreira

* * *

A Dor de Uma Saudade – Composição de Capiba e interpretação de Claudionor Germano

 

 

 

 


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça sábado, 12 de agosto de 2023

BRINCANDO COM AS PALAVRAS (CRÔNICA DE CARLOSEDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

BRINCANDO COM AS PALAVRAS

Carlos Eduardo Santos

Na longa caminhada jornalística contracenei com vários poetas, filólogos, compositores e outros tipos de mestres em brincar com as palavras. Aprendi a admirá-los e fazer grandes amizades.

 

 

Dentre eles, Dirceu Rabelo, Berlando Raposo, Mário Souto Maior e Carlos Antônio Rabelo, só pra citar uns poucos. Todos de elevada sabença no trato com as palavras.

De minhas anotações encontrei algumas coisas muito interessantes, com as quais brindo meus leitores.

Certo dia, lembrando-me de Orlando Tejo, pedi a Carlos Rabelo para glosar uma das filosofias daquele grande paraibano, quando num bar de Brasília ele escreveu um verso longo, sobre um cidadão de má conduta.

É um verso muito engraçado, que nosso Editor Luiz Berto sabe de cor e salteado. Já fez até festejado vídeo declamando o dito cujo. De u’a monumental estrofe pincei duas linhas e sugeri ao poeta de São José do Egito, um mote.

Disse Tejo, que foi um dos maiores poetas da Paraíba:

“Anda de marcha ré na estrada da virtude”.

Ao que Carlos Rabelo, a meu pedido glosou:

Se alguém partir a pé
É capaz de se atrasar.
Se resolver não chegar
VAI ANDAR DE MARCHA RÉ.
Não é preciso ter fé
Demonstrar beatitude
Na velhice ou juventude
quem pra trás vive a andar
Por certo não vai passar
NA ESTRADA DA VIRTUDE

Andar prá trás não adianta
Pois não contempla o futuro
Se o passado não censuro
O porvir é que me encanta
Da semente nasce a planta
O fruto é a plenitude.

Quem com o tempo se ilude
Volta a ser um zé-mané
SE ANDAR DE MARCHA RÉ
NA ESTRADA DA VIRTUDE.

Em outra passagem, bebericando num sítio de Dirceu Rabelo, lá em Carpina, indaguei se ele costumava fazer veros fora do estilo romântico. Como resposta soltou-me um dos seus mais apreciados.

Mas, antes, contou a cena. Ao dar um passeio de lancha lá pelas águas do Maranhão, o motor deu pane e ficaram à deriva os políticos Eduardo Cafeteira e José Sarney.

Dirceu não perdeu a oportunidade de gozar ambos:

Ao velho tubarão perguntei
Se o mar lhe favoreceu
Por que você não comeu
Cafeteira e Zé Sarney?

Ao que o sábio animal
Logo me respondeu:
Prefiro morrer de fome
A morrer de indigestão.

Normando Raposo foi outra criatura que conheci, que mesmo sendo poeta, publicava coisas interessantíssimas, muitas das quais editei em minhas revistas. Contou-me ele:

Quando entrevistei durante algumas horas um índio lá no Alto Xingu e deligamos nossos equipamentos para ir embora, ele foi tirando o cocar e pronunciou:

– Agora posso trocar de roupa!…

O mesmo Normando contou-me:

Um homem perdido na mata, de madrugada, viu um clarão diante dele e pensou que fosse um disco voador. Mas na verdade se constatou que aparecera sim, um vagalume gigante com “ideia luminosa.”

Mário Souto Maior, meu saudoso amigo, famoso filólogo, gostava de brincar com as palavras, como se fosse um jogo de armá-las.

E certo dia, ao visitá-lo em seu terraço, onde se balançava em uma dolente rede, tendo na barriga o Dicionário Aurélio, me favoreceu com estas maravilhas que estava preparando.

Com um “Pai dos Burros” e um caderno de notas à mão, ele foi anotando e chegou à observação que os verbos rir, reler, raiar e rever, lidos ao contrário significam a mesma coisa.

E foi mais além:

Os prenomes Ana e Oto, têm o mesmo comportamento. Já Raul passa a ser luar. Eva passa a ser ave. Saul passa ser luas. Lael passa a ser leal. Edna passa a ser ande. Omar passa a ser ramo e Lena passa a ser anel.

Uma das frases mais conhecidas, lida às avessas dá no mesmo: “Roma me tem amor”.

Dias depois me telefonou informando que causou embaraços em sua mente, o exercício que havia feito, de tanto ler palavras de revestréis, naquele domingo em que comigo se encontrou.

E me repetiu o que disse ao chegar à sua repartição no dia seguinte, não mais acertando nem a pronunciar o próprio nome:

ROIAM OTUOS OIRAM (Mário Souto Maior).

Depois disso foi mais além e publicou nota sobre aquele nosso encontro no livro: “Folclore quase sempre”. Peguei gás!


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça segunda, 07 de agosto de 2023

AABB – UM CLUBE NA HISTÓRIA (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

AABB – UM CLUBE NA HISTÓRIA

Carlos Eduardo Santos

Complexo sócio esportivo da AABB-Recife

 

Pouco se tem observado que os clubes sociais e esportivos do Recife significam locais de divertimento para as famílias, funcionam como centros culturais e esportivos para os jovens, e assim polos educacionais em geral.

Neste comentário trago notícia histórica sobre a AABB, de onde sou associado há seis décadas, que neste mês comemora 82 anos de fundação, e reelegeu, em chapa única, seu Presidente, Euler Araújo de Souza para mais três anos de mandato.

A história do clube começou quando um grupo de esportistas se reuniu para praticar o atletismo – geralmente o futebol – e a partir daí, se formou uma sociedade dançante e cultural, além de esportiva. Mas, vamos rever uma síntese de sua história.

Há um estirão de tempo surgiu no Recife o Satélite Club, grupo formado por jovens bancários, tendo como organizadores os musicistas Lourenço da Fonseca Barbosa (Capiba) e Felinto Nunes de Castro Alencar (Carnera).

Além de poderoso esquadrão de futebol, se constituiu um grupo social respeitável por sua intensa atividade, inclusive realizando festas no Clube Internacional do Recife, porque não possuía sede e muito menos estatutos.

Seus descendentes devem estar orgulhosos por saberem que seus antecedentes colaterais criaram uma instituição que teve fôlego para cumprir um Regimento capaz de ultrapassar oito décadas.

Dentre eles: Dr. Álvaro Ramos Leal, Armando Dantas, José Leopoldino de Luna Pedrosa Filho, Dr. Armínio de Lalor Mota Nelson Lima, Prêntice Avelino da Cunha, Raul de Sá, Franklin Diniz, Mário Fontes, Antônio Pinto de Lemos, Gutenberg de Arruda Peixoto e Luiz Burgos, que formaram a Comissão Organizadora que mais adiante organizou a Assembléia Geral com 81 funcionários do Banco do Brasil e legalizaram a fundação do Clube, imprimindo-lhe outro nome.

Assim, depois de dez anos viria o Satélite Club a se transformar, criando normas de acordo com lei, para se identificar como: Associação Atlética Banco do Brasil-Recife, parte de uma federação que congrega atualmente mais de 1.200 clubes interligados: a Federação Nacional de AABB.

Durante estes 82 anos de atividade ininterrupta, edificou um complexo sócio esportivo que causa admiração; e a cada dia mais se agiganta em todas as modalidades esportivas, culturais e quanto ao patrimônio imobiliário.

Um clube inteligente que mais tarde se expandiu e congregou em seu corpo a categoria de Sócios Comunitários, atualmente formando uma sociedade de sólidos princípios, grandes feitos esportivos, culturais e amplo patrimônio.

Situado no antigo Sítio dos Moreira, próximo ao Parque da Jaqueira, nas Graças, ocupou uma área de terreno com aproximadamente dois mil metros quadrados.

Depois, graças à visão dos seus administradores Sérgio Dias Cesar Loureiro e Alcides Alves dos Santos, foi adquirindo vários imóveis circunvizinhos e assim edificou algumas construções internas, onde foram acomodando seus departamentos, inclusive um prédio de três pavimentos.

Hoje conta com três salões para eventos sociais, duas quadras cobertas de tênis, três piscinas, campo de futebol, um ginásio esportivo, dois restaurantes, duas bibliotecas, salão de sinuca, estacionamento para 90 veículos, sala exclusiva para aposentados e um auditório.

Euler Araújo de Souza – Presidente da AABB

 

O clube conquistou seu lugar nos esportes, registrando no acervo de seu Memorial nada menos que 1.785 troféus conquistados por suas equipes esportivas e 10.395 peças digitalizadas, entre fotografias e documentos. Fundou um grupo de teatro, mantém uma Unidade de Documentação Histórica e recentemente fundou uma academia de artes e letras.

Tanto tempo passou desde 10 de julho de 1939, mas a Associação Atlética Banco do Brasil continua progredindo, graças ao espírito daqueles que têm formado suas administrações ao longo de tantos anos, guiados pelo exemplo de pioneirismo dos seus fundadores.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça terça, 01 de agosto de 2023

UM GETÚLIO TRELOSO (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

UM GETÚLIO TRELOSO

Carlos Eduardo Santos

Quarto onde Dr. Getúlio Vargas trocava figurinhas

 

Quando há três anos fui com meu neto Gabriel Pinheiro Santos, ao Rio de Janeiro, ficamos hospedados no Hotel do Inglês, na Rua Silveira Martins, ao lado do Palácio do Catete, estabelecimento que existe desde o início dos anos 40.

Logo que entramos no quarto o recepcionista nos disse que iriamos ficar hospedados exatamente no mesmo apartamento que, em anos passados, era permanentemente reservado para o Presidente do Brasil, o saudoso Dr. Getúlio Vargas, e segredou-me:

– Está vendo meu senhor, desta varanda se avista o jardim dos fundos do Palácio do Catete, por onde ele “escapava” para suas noitadas de “troca de figurinhas”. Às madrugadas, Dr. Getúlio deixava seus aposentos no Palácio, alegando aos Seguranças que precisava andar um pouco pelas redondezas, para arejar as ideias e era necessário que fosse sozinho, a fim de aliviar suas “preocupações” políticas. E simplesmente atravessava a Rua Ferreira Martins, dando boas baforadas em seu charuto, vestindo o que ele chamava “traje esportivo de velho”: o paletó sem gravata. Durante memoráveis madrugadas ele conseguia driblar a todos e vinha ocupar o quarto que estava reservado para ele durante todo o tempo em que esteve no Palácio do Catete.

Meu saudoso amigo Alcides Alves dos Santos, autor do livro “Toneleiro”, que foi um dos seguranças do Dr. Getúlio, me confirmou essa história, comentada por funcionários do hotel.

– Todos os dias abríamos as janelas, limpávamos tudo, inclusive o guarda-roupas, para arejar alguns pertences que ele mantinha aqui, como se fosse uma “residência de emergência”. Vi, numa certa madrugada, o ilustre e querido Presidente subir pela escada, até o 1º andar, a fim de não ser visto no elevador. Eu sabia que lá estava à sua espera ninguém menos do que a famosa cantora e dançarina portuguesa, Carmen Miranda, que se hospedara momentos antes. Com ele, ao que se supunha, “trocaria figurinhas”…

No dia seguinte, sentindo-me jornalista em ação, “entrei pesado”: sugeri, à Gerência – avaliando que ali se havia desenrolado um fato e certa relevância histórica – que se deveria fixar uma placa com os seguintes dizeres:

“Aqui neste quarto o Dr. Getúlio Vargas, Presidente da república, “trocou figurinhas” com a atriz cinematográfica, Carmen Miranda.”

E um velho Gerente, com mais de 50 anos de trabalhos naquele hotel, me confidenciou:

– Não foram poucas as dançarinas estrangeiras que depois de se apresentarem no Cassino da Urca, também se acomodaram no mesmo quarto, para – digamos – “discutir política” reservadamente com o Presidente.

E testemunhando tais cenas, foi mais além em sua narrativa. Contou-me que o ex-chefe do Estado Novo, certa noite, tomou um pifão tão “pesado” que desceu as escadas de pijama e chinelos.

– Ele apareceu na Portaria, às quatro da madrugada, “charutando”, cantando e fazendo coreografias, como quem imita a “Pequena Notável”. Estava visivelmente “chapado”!… Desejava abrir o portão do hotel para retornar ao Catete, mas sem as roupas com as quais havia chegado ao nosso hotel, seria um escândalo! Felizmente foi convencido pelo nosso habilidoso Segurança da Noite, para evitar problemas; pois saíra de paletó, para dar um passeio a pé pela Avenida, e ali estava só de pijamas, querendo retornar à residência presidencial. Como se explicaria tal desplante? Mas não deu outra, senão facilitar seu desejo, porque o homem era a autoridade máxima do País. Fizeram um acordo: que ele não passasse da calçada. Mas, o pior foi que o Dr. Getúlio começou a cantar partes da famosa música de Caymi, que era sucesso de Carmem Miranda:

“O que é que a baiana tem…
O que é que a baiana tem…
O que é que a baianaaaaa temmmmm?…”

Em dado momento, percebendo que estava na rua em traje de dormir, deixou escapar mais estas indagações, pois estava bêbado de fazer dó: 

– Minha Carmencita… cadê minha Carmencita?

E a Carmencita dele já deveria estar no mundo dos sonhos, talvez “cheia do mé.”

De fato, era os tempos de um Getúlio treloso.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quinta, 27 de julho de 2023

ANTIGOS E VALOROSOS III (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

ANTIGOS E VALOROSOS III

Carlos Eduardo Santos

Francisco Bayma, Gerente-adjunto do Banco do Brasil

 

Pouco se tem notícia de uma instituição cujos funcionários deram contributo tão significativo à vida social do Recife quanto o Banco do Brasil, sobremodo na década de 1950. O Recife os pranteou com nomes de várias ruas, praças e edifícios. Relacioná-los seria enfadonho para meus leitores.

Eu vivi esse tempo e algumas histórias das quais eles foram os atores. Estive próximo de alguns personagens. E por terem sido muitos, vou distribuir minhas louvações em várias crônicas, de certo modo cheias de graça, para que eles não fiquem, de todo, esquecidos.

Francisco Bayma, era nosso Subgerente, nos anos de 1950, tempos do “Prédio Velho”, época em que substituía o Gerente, Dr. Pedro Lima. Anos depois foi nomeado Gerente-adjunto, cargo no qual se aposentou. Ficava sob sua responsabilidade a área de administração do funcionalismo e a parte de movimentação financeira junto à rede bancária.

Era um cidadão manso, educadíssimo, mas caladão e de pouca conversa. Resolvia casos difíceis sempre com muito pensar e poucas palavras. Era um homem de ação. Mantinha as normas do Banco sobre todos nós, com rédeas curtas. Escreveu não leu a transferência para uma agência do interior acontecia.

Naqueles anos tínhamos um quadro de funcionários famosos: Capiba, Carnera, Osman Lins, Gastão de Holanda, Gilberto Vasconcelos, presidentes da Cooperativa, da AABB, da AAFBB, diretores de clubes esportivos e sociais, teatrólogos, advogados, professores, engenheiros e médicos.

Na mesa do homenageado: Luiz Gonzaga Alves de Albuquerque, Lúcio Maria Clementino Pires, Renato Machado Maia, Jorge Marques de Souza, Francisco Bayma, Luiz Marias de Figueiredo, Fernando da Silva Cunha, Lupercínio Travassos, Otacílio de Alcântara Venâncio, Agenor Nunes de Aragão, Mozart d’Olinda Campelo, Anísio do Monte Portela e outros. Abril de 1956

 

Em suma, pessoas que se sobressaiam em várias áreas da sociedade. E sendo destaques, naturalmente mais difíceis de serem administrados. E, como não seria infalível, ainda havia uns poucos que vez por outra peitavam as normas.

Na seriedade com a qual direciono minha homenagem àquele com quem trabalhei, lembro-me de interessante historieta.

Certa feita um funcionário conhecido por suas arbitrariedades, Numeriano topou no tapete do velho elevador Otis, que estava rasgado numa das pontas há bom tempo. Arretou-se, rasgou o resto e jogou tudo para fora, o que espantou o cabineiro, João Monteiro e outros que estavam por perto.

Foi lamentável a maneira sui-generis pela qual ele desejou chamar a atenção do administrador. Se esquecera, talvez, de que o Banco dependia de licitação ou carta-convite até para comprar papel higiênico. E mais, a compra estava a caminho e demorava porque não havia peça semelhante na Casa da Borracha, uma das poucas fornecedoras desses produtos especiais, que havia no Recife.

Passados poucos dias, quando se pensava que o fato havia esfriado, Numeriano foi chamado à Subgerência. Sua arrogância, a essa altura, já se havia pulverizado por completo.

Mas, reconhecido como funcionário eficiente, apresentou-se pensando, certamente, que iria ser prestigiado, no mínimo, com uma “Viagem de Numerário”, por seu “ato de bravura” ao danificar o patrimônio do Banco e ter saído ileso. Julgou que Subgerente iria lhe dar uma satisfação pela demora na compra do tapete.

“Viagens de Numerário” eram missões que somente beneficiavam funcionários eméritos. Havia uma gratificação sobre as quantias que levavamos. Além de ser verdadeiros passeios-turísticos. Nossa sorte era quando ocorriam para lugares distantes, porque o “passeio” era de avião.

Ser convocado para uma dessas missões, quando o deslocamento era para o Rio de Janeiro, Natal, Maceió, Fortaleza ou Salvador era o mesmo que se receber u’a medalha de bom comportamento.

Os momentos diferentes que poderíamos vivenciar nunca se assemelhavam a um dia de trabalho normal. E o Subgerente era o dono da “Caixa de Viagens”. Era dele a escolha do funcionário, após consultar as chefias. Chega o funcionário à Subgerência:

– Pronto, Seu Bayma, às suas ordens!… – Apresentou-se Numeriano, garboso como um cabo diante de um general.

– Já comprou? – Indagou o Subgerente.

– Comprou o que?

– O tapete do elevador que o senhor rasgou e jogou fora!…

Numeriano sentiu a falta de uma fralda. Até os cabelos das axilas ficaram em pé. Quase se borrou. Mas o pior viria, ao receber uma carta pronta para ser assinada, solicitando adição para Vitória de Santo Antão.

Leu o papel meio trêmulo e perguntou que se comprasse o tapete escaparia àquela punição.

– Não senhor. E se o tapete até às 18h de hoje não estiver no elevador, considere-se à disposição da Direção Geral a partir de amanhã. E saiba que esta agência foi complacente dando ao senhor uma oportunidade porque o senhor era um funcionário de escol.

Tudo isso na maior maciota. O Subgerente era uma pessoa tão querida pelo funcionalismo que ao ser nomeado Gerente-adjunto, recebeu, como homenagem, um jantar no Restaurante Leite, o melhor do Recife, com música de piano a cargo de Isnard Mariano, comparecendo 45 colegas, distribuídos em vários grupos, ocupando todo o salão.

TURMA DE VALOROSOS – Na foto acima, feita em 1941, um grupo de funcionários do Banco do Brasil-Recife: Manuel Monteiro, João Batista Campos, Cirilo Mousinho, Pedro Lima, Francisco Bayma, Anísio Portela e Alberto Falcone. Em segundo plano: Alfredo Correia, José Barreto, Pedro Cavalcanti, Clodomiro Correia de Oliveira, Almir Sother, Gilvan Azevedo, Henrique Gonçalves, Ludovico s Santos, Álvaro Arantes, Mílton Santos e Jovelino de Brito Selva.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça sexta, 21 de julho de 2023

PREFIXOS DE RÁDIO (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

PREFIXOS DE RÁDIO

Carlos Eduardo Santos

Em 1965: Romildo, Edson de Almeida, Almy e Isaltino

 

O programa de Rádio mais conhecido nos anos 50 foi o “Repórter Esso”, que cobrindo boa parte do Brasil dava prestígio aos prefixos das emissoras que o transmitiram por mais de 27 anos.

Quando eu tinha uns 10 anos, (1946), era seduzido pelos programas da PRA-8 – Rádio Clube de Pernambuco. O único meio de comunicação sonora de massa que havia no Recife. Por isso me empolgava.

Era um alumbramento ouvir aquelas vozes límpidas e sem erros de gramática, nos noticiários, nas radionovelas, nas crônicas e anunciando as músicas.

Naquele tempo se destacavam em Pernambuco as vozes de José Renato, Abílio de Castro, Aluízio Pimentel e Fernando Castelão.

Se acaso sintonizássemos as Ondas Curtas, a fim de localizar as emissoras do exterior, era maior a vibração, porque se ouvia os locutores brasileiros que atuavam no exterior, dentre eles Aymberê e Luiz Jatobá, ambos da BBC de Londres.

Passei a ter o desejo de ser locutor de Rádio. Vivia anunciando os programas da época como se ao microfone estivesse. Parecia um “peãozinho doido” andando por dentro de casa, com a boca próxima a uma lata de leite, para ter a impressão que era um microfone.

Várias vezes mamãe me ouviu falando no banheiro, local em que havia boa ressonância: “E agora vamos ouvir a “Crônica do Meio Dia”, escrita por Xavier Maranhão, na voz de Abílio de Castro.”

Em 1948 meus tios Moacir e Floriza, permitiam que eu ligasse o enorme rádio “Murphy”, na casa deles, próxima à nossa, deixando-o sintonizado nas Ondas Médias e Curtas, através das quais se localizavam as emissoras do Rio de Janeiro, Meca do Rádio, na época.

O que me empolgava muito era a forma como os locutores ditavam os prefixos.

Outra de minhas doidices infantis, exercitada para ser um locutor carioca: “Rádio Nacional, Rio de Janeiro, Brasil, falando diretamente de seus estúdios, no Edf. “A Noite. E agora passamos a apresentar o Programa César Ladeira.”

E do lado de cá, no Recife, utilizando o rádio de nossa casa, um “Philco”, eu vibrava com o único prefixo de radio-broadcasting que se dispunha: “PRA-8 – Rádio Clube de Pernambuco, Brasil, falando diretamente do Palácio do Rádio Oscar Moreira Pinto.” Era um barato!…

Amadurecendo, entendi que para ser um locutor primoroso era preciso dominar bem o vernáculo, pronunciar com perfeição todos os “S” e “R”, além de ter a arcada dentária perfeita. Mas eu era bastante dentuço, além disso, fanhoso. Adeus locução!

Por imposição do destino me dediquei à escrita em jornais, porém nunca deixei de admirar a locução dos grandes noticiaristas que passaram pelo Rádio pernambucano.

Lembro-me bem das programações esportivas onde se apresentavam dois locutores ao mesmo tempo, falando da Cabine de Imprensa do Sport Clube do Recife, criada sob a inspiração do Diretor Pedro Bezerra Cavalcanti, a primeira do Norte-Nordeste.

Fernando Ramos e Fernando Castelão. Cada um transmitia um lado no jogo. Em campo, Jota Soares e Haroldo Praça faziam os comentários técnicos.

Era interessantíssima a coordenação entre eles. Castelão estava falando ao microfone e quando a bola ultrapassava a linha divisória do campo, definindo o local das duas equipes, quem tomava a palavra era Fernando Ramos. Um espetáculo de coordenação!

Recordo, para conhecimento das gerações atuais, os grandes locutores, apresentadores e atores das novelas do nosso Rádio: Abílio de Castro, Geraldo Liberal, Dantas de Mesquita, Fernando Castelão, Fernando Ramos, José Renato, Barbosa Filho, Aldemar Paiva, Ziul Matos, Samir Habou Hana, Paulo Duarte, Paulo Fernando Távora, Tavares Maciel, Geraldo Freyre e Edson de Almeida, este, que durante 12 anos foi o responsável pela apresentação do “Repórter Esso”, o noticioso de maior audiência em todo o País.

Com o advento da Televisão no Recife, no início dos anos 60, parte da força e dos talentos do rádio se dividiu ou migrou para esse novo e poderoso canal de comunicação. Em consequência, os grandes apresentadores do Rádio foram saindo para a Televisão, dentre eles Fernando Castelão que batia todos os ibopes com o seu “Você Faz o Show”, no horário nobre dos domingos.

A partir dos anos 80 as emissoras do Recife passaram oferecer mais jornalismo, esportes e prestação de serviços, ficando com as Televisões os espetáculos de auditório.

Pouco antes, no final dos anos 70, apareceram as FM’s, e assim as emissoras de broadcasting tiveram que ser totalmente reformuladas.

Não realizei meu desejo de criança que seria me tornar locutor de Rádio, porém, aprendi a escrever notícias breves e hoje administro um grupo de comunicação, via WhatsApp, que denominei “Correspondentes Unidos”, interligando pessoas de vários lugares do País e até do estrangeiro.

Recordo proveitoso estágio de Jornalismo na PRL-6 – Rádio Jornal do Commercio, onde aprendi a escrever no padrão exclusivo exigido para o “Repórter Esso”, o mais famoso noticiário de todos aqueles tempos no Brasil. Meus orientadores foram Isaltino Bezerra e Romildo Cavalcanti, aqui homenageados na foto principal destas notas.

Assim os prefixos de rádiojornalismo que eu vivia falando na casa de meus pais, feito um peãozinho doido, tiveram grande influência em minha trajetória através das notícias escritas.

Na foto acima, os locutores Fernando Castelão, Tavares Maciel, Ziul Matos e Abílio de Castro e os artistas: Ary Santa Cruz, Rildo Uchoa Cavalcanti, Oswaldo Silva, Hélio Peixoto, Dorinha Peixoto e Mercedes del Prado, todos do “cast” da PRA-8 – Rádio Clube de Pernambuco. Foto no “Palácio do Rádio”, em 1946.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça sábado, 15 de julho de 2023

HISTÓRIAS PITORESCAS DA IMPRENSA (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

HISTÓRIAS PITORESCAS DA IMPRENSA

Carlos Eduardo Santos

Um dos mais bem-feitos periódicos humorísticos do Recife. Circulou até 20.10.1909

 

Fernando Lobo, jornalista, escritor e produtor de televisão, (por sinal pai do cantor Edu Lobo) pessoa finíssima que conheci em 1984, por apresentação de Capiba, me disse uma frase que para mim se tornou clássica:

“Recordar não é querer que o tempo volte. É mais comparar as horas de ontem e achar graça no contraste das comparações”.

Por isso entrego aos meus leitores títulos de jornais que circularam no meu Pernambuco, para as suas comparações entre o Ontem e o Hoje.

Conheci um documentarista de grande valor: Luiz do Nascimento, uma figura que para mim se notabilizou por um trabalho que levou anos para ser concluído.

Durante tarefas comuns que exercemos no Centro de Estudos de História Municipal, como colaboradores, previ o quão seria útil seu trabalho tão abnegado: “A História da Imprensa de Pernambuco”, como o foram igualmente outros, incluindo-se Francisco Augusto Pereira da Costa e Nelson Saldanha.

Luiz do Nascimento deixou uma obra pouco comum, na qual reuniu títulos de periódicos que circularam em Pernambuco, entre os anos de 1821a1954.

Agora, dando um giro pela obra do saudoso jornalista fui encontrar verbetes interessantíssimos no sumário do seu trabalho: “Índice Alfabético dos Títulos de Periódicos que Circularam em Pernambuco”.

Aproveito para galhofar, mas falo sério quando faço comentários a respeito de comparações das épocas de ontem, com as de hoje. Por exemplo: houve jornais humorísticos que falaram sobre coisas muito sérias. Vejamos.

O jornal “Lanterna Mágica”, em sua edição nº 223, de 20 de maio de 1988, em que pese ocupar-se de temas pitorescos, comemora festivamente a libertação da escravatura.

Ora vejam! Um órgão humorístico abre uma edição inteira para comemorar o fato mais significativo daqueles anos.

Publicou em sua primeira página excelente retrato de D. Izabel, Princesa Imperial Regente do Brasil, com versos assinados por Carneiro Vilela.

D. Izabel, Princesa Regente

 

O jornal foi ainda mais além e fugindo de seu escopo. descreve a grande movimento de pessoas nas ruas do Recife, em 15 de maio, a entrega das bandeiras das associações abolicionistas ao Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco, após a passeata das nações africanas, fatos que transformaram um jornal humorístico em algo muito sério.

Anos mais tarde falaria o artista Chico Anísio (Francisco Anisio de Paula Oliveira Filho): “As críticas mais sérias, quando ditas com boa dose de humor inteligente, atingem às finalidades com maior força”. E perduram.

Embora toda aquela edição do “Lanterna Mágica” haja se dedicado às festividades comemorativas do fim da escravatura, jamais perdeu sua essência de humor.

Vejamos os títulos de jornais, coletados por Luiz do Nascimento e por mim comentados.

ABC – Órgão Literário, Noticioso e Independente. Garanhuns. Não poderia haver título mais expressivo para tratar de literatura.

Abelha – Jornal do município de Vitória de Santo Antão, cidade destaque na produção de apicultura.

 

Abolicionista – Órgão do Grêmio Literário Olinto Victor, já anunciando que era jornal independente e dava apoio ao abolicionismo. Recife.

Academia Popular – Editado no Recife em 1988. Se fosse hoje teria a conotação de referir-se aos centros de exercícios físicos existentes nos bairros: as Academias da Cidade. Naqueles anos, porém, se tratava de sodalício lítero-cultural.

Afogadense – Relativo às atividades gerais do histórico bairro de Afogados, que sempre manteve intenso movimento literário. Recife.

Águia Católica – Como desconheço o teor das matérias não consigo ligar aquela ave aos temas católicos. Poderia ter sido uma pomba, que representa a paz. Recife.

Akelá – Desconheço o motivo do título. Talvez algum ditado corrente na cidade de Triunfo.

Akilo – Outro de título estranho. Se ao menos fosse “Aquilo Rôxo”, como insinuaria o ex-Presiente Fernando Collor de Melo, se subentenderia. Caruaru.

Albacora – Periódico ligado ao setor pesqueiro. Recife, 1889.

Albatroz – Órgão da União Estudantil Castro Alves. Recife.

Álbum Artístico de Pernambuco. Recife, 1888.

Álbum – Do 25° Aniversário do Caxangá Golf Club. Recife.

Álbum do Rádio. Recife

Álbum dos Acadêmicos Olindenses. Olinda.

Álbum Ilustrado do Rádio Jornal do Commercio. Recife.

Álbum Jubilar. Poderia no subtítulo haver registrado qual a efeméride. Recife.

Álbum-revista de Bezerros. Para quem desconhece poderia dar a entender que fosse homenagem aos animais. Bezerros, 1951.

Alcance – Órgão da Igreja Presbiteriana da Encruzilhada.

Aldeião – Vila de Camaragibe. Seria alguma coisa de índios?

Alegria – Órgão das Escolas Reunidas Morgado do Cabo. Cabo de Santo Agostinho.

Alfabetização: Boletim da Cruzada Nacional de Educação, Recife.

Alfaiate – Órgão Oficial da União dos Alfaiates e Classes Anexas. Veja-se como era numerosa a classe em 1878, inclusive das costureiras. Recife.

Alfinete – Jornal do Povo. Boletim dos alfaiates. Recife.

Alfinete – Crítico, Humorístico e Noticioso. Recife, 1879.

Alho – Jornal de crítica popular. Vitória de Santo Antão.

Alicate – Jornal Crítico e Independente, Petrolina.

Alma Infantil – Vitória de Santo Antão. Dedicado às crianças.

Alma Latina – Recife. Não se faz referência sobre o título.

Almanach da Botica Francesa, famosa farmácia do Recife.

Almanack Administrativo da Cidade do Recife.

Almanack Acadêmico. Recife. Não indica a academia.

Almanack – Mercantil e Industrial da Provincia de Pernambuco. Recife.

Almanack da Villa de Santo Antonio. Recife.

Almanack de Almanacks. Limoeiro.

Almanack de Artes e Litteratura – 1895. Recife.

Almanack do Americano – Recife.

Almanack do Bonito – Ano de 1920. Bonito.

Almanack do Natal. Recife.

Almanack Literário Postal Pernambucano. Recife.

Almanack Pernambuco – 1941. Recife.

Almanak da Provincia de Pernambuco. Recife.

Almanak de Lembranças – Recife.

Almanak do Jornal do Recife. Recife.

Oportunamente retornaremos ao assunto, seguindo o abecedário de Luiz do Nascimento.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça domingo, 09 de julho de 2023

RICA DESCENDÊNCIA (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

RICA DESCENDÊNCIA

Carlos Eduardo Santos

Bisnetos americanos: Isabela Telga e Set

 

Deixo aqui, de certo modo, uma homenagem às minhas descendências. Principalmente aos meus onze bisnetos, o que não é trunfo fácil para qualquer velhote ostentar.

Ser bisavô de tantas criaturinhas me estufa o peito. A primeira – Isabela Telga – nascida na América do Norte, filha de Patrícia e James. E acho que fechei a rosca com a chegada da caçula – Luana – pernambucana do Recife, ainda com dois anos.

Quando aos 21 anos casei-me, nem poderia imaginar que viesse a ser tão numerosa a descendência. E para descrever melhor, uso os numerais: 4 filhos, 12 netos e 11 bisnetos, além dos quatro filhos. São, portanto, 27 criaturas que estão levando meu sobrenome Santos pelo mundo afora.
Entre a vidinha deles e o que observei na infância dos meus filhos, há grandes diferenças de educação, pois os lugares, os modos e os tempos onde foram criados apresentam características bem diversas.

Os tempos deram um pulo enorme desde que minha descendência se foi formando, a partir do ano de 1960, quando nasceu meu primogênito – Carlos Eduardo de Almeida Santos – até a chegada de Luana, uma das bisnetas, que veio nos encantar a partir de 2019; ou seja, decorreram aproximadamente 60 anos.

 

Luana, a bisneta caçula brasileira

 

O que lamento, nessa decorrência, é que os pequeninos de hoje estão sendo criados sem a liberdade que meus primeiros filhos usufruíram. Podiam brincar nas ruas sem perigos.

Os brinquedos das crianças de hoje são comprados em lojas e visam prende-los em apartamentos, tornando-se as escolas o único refúgio para sua convivência com outras crianças. Vê-se, com certa tristeza que vivem “pregados” às telinhas dos aparelhos eletrônicos que os viciam inexoravelmente.

Tenho que aceitar os rigores que o progresso lhes está impondo. Dos bisnetos, a primogênita, Isabela Telga, se prepara para entrar em período de faculdade, nos Estados Unidos, pois já conta quase 18 anos. E depois que casar-se, certamente iniciar-se-á uma outra geração.

O que me orgulha é possuir descendência tão rica. Afinal, só bisnetos, tenho a honra de informar, são onze. Os netos são doze e filhos quatro.

E isto não é trunfo para qualquer velhote não!…


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça domingo, 02 de julho de 2023

MACACO-SECO (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

MACACO-SECO

Carlos Eduardo Santos

Macaco-seco, apelido de Florisvaldo de Melo Rego

 

Em junho de 1986 publiquei um livro sobre a História do Banco do Brasil em Pernambuco, no qual fiz comentários sobre o Sistema Bancário que funcionava em nosso Estado, onde constaram comentários sobre todos os Bancos que se estabeleceram na cidade do Recife, naquela década, ampliando a matéria com notas a partir da instalação dos primeiros estabelecimentos bancários em nossa cidade.

A História registra, através da pena de Flávio Guerra, eminente historiador de Pernambuco, que em 1816, a Carta Régia de 16 de fevereiro, veio permitir ao Banco Real do Brasil – a primeira empresa do gênero no País – a abertura e uma Caixa de Descontos que depois passou a ser Caixa-filial em Pernambuco.

Em 1824 instalou-se na sede da Associação Comercial, no atual Marco Zero, uma Caixa Econômica, destinada a empréstimos e depósitos. O historiador Francisco Augusto Pereira da Costa comentou na sua coleção – “Anais Pernambucanos” – que na mesma época se instalou no Recife a “Companhia de Olinda”, para operar com desconto de Letras e Bilhetes de Alfândega. Em 1851 criou-se o Banco de Pernambuco, de fato o primeiro sob a denominação de Banco.

O êxito do meu livro – graças ao impulso do Diário de Pernambuco, que publicou uma página inteira em seu Caderno Viver – foi de tal medida que editei três edições. No ano seguinte à sua publicação, a Direção Geral do Banco do Brasil recebeu solicitação da Library of Congress Office Brazil – American Consulate General, informando que a Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos tinha grande interesse na publicação.

E completava: “Apreciaríamos receber as obras que porventura tenham sido editadas sobre o mesmo tema, a fim de encaminhá-las à sede da Biblioteca, em Washington, D.C. – Lygia Maria Ballantyne – Fiel Director.”

 

 

O Autor havia imaginado um trabalho amplo sobre os Bancos de Pernambuco, sobre o qual se debruçou durante quase dois anos, sem, porém, imaginar que um tema restrito ao registro de tais instituições viesse a ter tão significativa repercussão, tudo graças ao cuidado com os registros da Ficha Catalográfica e do ISBN – International Standard Book Number, iniciativas que sempre recomendo a quem deseja publicar livros, pois torna as obras internacionalmente conhecidas.

Aproveitei, o referido compêndio, para fazer uma abordagem sociológica sobre a Instituição onde trabalhei até me aposentar, com referências especiais aos seus funcionários, incluindo minibiografias de alguns, que no exercício de outras atividades se sobressaíram na vida de nossa cidade. Dei certo relevo à parte pitoresca de nossa intimidade como colegas, durante os momentos de folga.

Longe da azáfama do expediente, sempre houve no seio do funcionalismo, alegria, camaradagem e bom humor, o que nos tornou uma unidade dinâmica. Colegas muito espirituosos “batizavam” os recém-empossados logo à sua chegada, havendo até uma simbólica “Comissão dos Apelidos”.

O sociólogo Mauro Mota, um dos acadêmicos do Recife, publicou interessante relação de apelidos – “Barão de Chocolate & Cia.” – onde enfoca a primeira publicação do gênero: “Alcunhas Famosas de Pernambuco”, de Júlio Pires Ferreira, editada pelo Anuário Pernambucano, de 1903.

Os apelidos foram as páginas que esquentaram a matéria do meu livro que foi reimpresso três vezes. Ainda hoje, decorrido mais de trinta anos, ainda recebo comentários sobre esta parte em que nossos nomes foram substituídos por apelidos que se notabilizaram. E assim, volto ao assunto apenas citando uma historieta a respeito.

MACACO-SECO – Ilustre e muito respeitado chefe da Carteira de Crédito Agrícola e Industrial, ao aposentar-se, foi homenageado no próprio gabinete. Durante o agradecimento pela generosidade de seus colegas à sua despedida, fez pequeno discurso.

Florisvaldo de Melo Rego, porém, deu a bobeira de anunciar sua tristeza por não haver sido “agraciado” com um apelido, embora soubesse que era carinhosamente conhecido por: “Melo Rego”.

Os que estavam ao seu redor caíram na risada porque somente ele desconhecia que fora, há anos, “batizado” com o infernizante apelido de “Macaco-seco”, pois, era portador de corpo esguio e fisionomia cujas peles da face eram um pouco encolhidas, bem parecia com um símio ressecado.

Certo dia, para resolver galho grosso num contrato de financiamento, para o qual precisava de detalhamentos do parecer a fim de colocar seu jamegão, o saudoso Gerente da Agência Centro, Saul Ildefonso de Azevedo – que já adotara, na intimidade, uns poucos apelidos, para se referir a algum colega – me chamou e disse, sem perceber a “periculosidade” da frase:

– Por favor, Carlos Eduardo, peça a “Macaco-seco” para dar um “pulinho” até aqui.

 

 

Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça domingo, 25 de junho de 2023

CISNE BRANCO, HINOS E AUTORES (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

CISNE BRANCO, HINOS E AUTORES

Carlos Eduardo Santos

Cisne Branco navio-escola da Marinha do Brasil

 

Sou insistente preservador dos Direitos Autorais. Não apenas porque me enquadro na categoria de autor e editor de livros, visto que estas estão regulamentadas nacionalmente sob a exigência de Fichas Catalográficas e ainda por uma Convenção Internacional que instituiu o ISBN – International Standard Book Number.

Capiba já me havia dito, certa feita, que pelo menos a publicação ou dicção dos nomes dos compositores, quando havia interpretações ou publicações, por exemplo, era algo sagrado.

Quando tentei publicar a foto de um PL de suas músicas num dos meus livros ele deu um sinal de atenção porque ela estava editada e eu precisaria de uma autorização do detentor dos direitos autorais.

Não apenas me incomodo com certa desatenção pela maneira vigente que se vem procedendo, sem se publicar as autorias das músicas.

Tanto as eruditas quanto as populares – sobretudo, dos hinos nacionais – os quais estão sendo divulgados neste momento histórico do País, constantemente, em vários canais de televisão, blogs e emissoras de rádio. Entretanto os produtores se esquecem de fazer referência aos nomes dos seus autores, dando até, mais relevância aos intérpretes.

O Hino Nacional Brasileiro gravado na voz de Fafá de Belém é algo esplêndido e sobre isso se vem dando justa relevância. Mas quem são seus autores?

Poucos sabem que tal obra é de autoria de Francisco Manuel da Silva e Joaquim Osório Duque Estrada, praticamente desconhecidos das gerações atuais.

Nos meus tempos de escola primária constava na 4ª. capa de nossos cadernos pautados, o Hino Nacional, aparecendo seus autores. Depois, o costume foi tristemente abolido pelas editoras.

Aos 16 anos, quando me ioniciei no jornalismo, cheguei a fazer uma reportagem na “Folha da Manhã” – jornal do Dr. Agamenon Magalhães – encaminhando ao antigo Ministério da Educação e Cultura a ideia de se aproveitar as 2ª. e 3ª. capas daqueles nossos cadernos, com a publicação dos demais hinos nacionais. Papai redigiu e encaminhou a carta.

Muito desejei que dentre eles fosse impressa, também, a canção “Cisne Branco”, considerada oficialmente o Hino da Marinha do Brasil, na época magistralmente interpretada por Emilinha Borba, inclusive em filme da Atlântida Cinematográfica Brasileira.

 

 

Uma curiosidade. A parte instrumental da introdução do Hino Nacional Brasileiro possuía uma letra, que acabou excluída da versão oficial e foi atribuída a Américo de Moura

Esse hino é um dos símbolos nacionais de nosso país. Sua melodia foi composta por Francisco Manuel da Silva, em 1831 e a letra tem autoria de Joaquim Osório Duque Estrada, em 1909, escolhida através de concurso público.

Constatei em reportagem de televisão, vista há alguns meses, na qual foi estrela uma antiga professora – cujo nome infelizmente não guardei – que aos 90 anos cantou, a pedido do repórter, com facilidade, o Hino Nacional completo; ou seja, incluindo sua Introdução.

Aproveito como se fossem minhas, algumas palavras do acadêmico Rui Cavallin Pinto, para embasar estas notas.

“Para justificar, lembramos que o Hino Nacional brasileiro – como era interpretado em nosso tempo de escola – tinha mais letra do que o de hoje, porque se cantava também a Introdução.”

A respeito, vale lembrar momento incômodo em que o Presidente Bolsonaro, quando recentemente esteve em Pernambuco para u’a manifestação popular, em Santa Cruz do Capibaribe, pediu ao público para cantar a Introdução, como antigamente. E poucos sabiam.

Voltando ao comentário do acadêmico Rui Cavallin Pinto:

“Para os mais antigos, a melodia do nosso hino conservou até há pouco tempo sua tonalidade original de 1831, composto por Francisco Manoel da Silva e com letra de Ovídio Saraiva de Carvalho, a fim de servir à solenidade de abdicação de D. Pedro, com a denominação de: “Hino 7 de Abril”.

Entretanto, em 1841, teve nova versão que o transformou em “Hino da Coroação”, para os festejos da assunção ao trono, de D. Pedro II, agora com letra de João José Silva Rio.

Em 1889 veio a República, quando o Governo Provisório abriu concurso público para o símbolo do novo regime, quando, entre outras 40 composições, quem acabou classificado foi o belo hino de Leopoldo Miguez, figura que ganhou, post-mortem, nome de rua no Rio de Janeiro.

Independente desse resultado, a manifestação popular se inclinou a favor da conservação da melodia do antigo hino. e essa opinião chegou a ganhar tal intensidade conquistando a adesão do Marechal Deodoro da Fonseca, que, em 1890, o oficializou como o Hino Nacional brasileiro, enquanto o de Leopoldo Miguez passou a ser o “Hino da Proclamação da República”.

Voltando, porém, ao roteiro histórico, a esse tempo se viu que ele precisava de uma moldura vocal, um texto poético e patriótico que exaltasse os novos tempos da República, o que só aconteceu em 1922, quando o governo adotou a letra de autoria do poeta Joaquim Osório Duque Estrada, por decreto editado pelo Presidente Epitácio Pessoa.

Assim, como se vê, embora a versão original da música tenha sido preservada com pequenas correções de compasso, os versos foram sendo substituídos por outros, para solenizar importantes momentos históricos da vida nacional.

O próprio compositor Duque Estrada, posteriormente, fez diversas modificações. Ainda durante o Governo Vargas foram criadas comissões destinadas a adotar uma versão definitiva, para a letra.”

Enfim, dos versos cantados na minha infância, ainda se pode resgatar a parte suprimida, que corresponde à Introdução – que é instrumental, pedaço que não figurava no original de Joaquim Osório Duque Estrada.

“É difícil admitir que o hino nacional de um país – um dos seus símbolos mais representativos – possa ganhar “emenda oficial”, ser difundida nacionalmente durante uma geração inteira e depois suprimida, sem maiores explicações públicas.

Talvez tudo se deva ao tempo de Getúlio Vargas, quando o governo procurou dar forma definitiva à melodia e ao poema patriótico. A propósito, vale lembrar que na opinião do maestro Alberto Nepomuceno, todo hino deve ter letra e ser cantado por inteiro, até a introdução instrumental.”

Cabe-me rever um fato interessante quando alguns militares da PM de Santa Cruz do Capibaribe resolveram, informalmente, e sem acompanhamento de banda, cantar o Hino Nacional na versão oficial em homenagem ao Presidente da República, momento em que foi acompanhado pela multidão.

Jair Bolsonaro, então, aproveitou para pedir que eles cantassem como era antigamente, ou seja, com a Introdução, o que se tornou um espetáculo ainda mais vibrante. Isto porque quem foi do Exército costuma cantar a versão integral do hino; ou seja, com a Introdução cantada.

Por estes dias tenho visto magníficas apresentações de hinos patrióticos principalmente a linda “Canção do Exército Brasileiro,” deixando-se de citar o nome dos seus autores, o letrista Ten Cel Alberto Augusto Martins e a partitura musical de Tenório de Magalhães.

Falar dos dobrados brasileiros é repaginar o passado, o tempo de minha juventude, quando gravei na lembrança definitivamente a interpretação de Emilinha Borba – A Favorita da Marinha” – cantando: “Cisne Branco”.

Canção reconhecida como o Hino da Marinha brasileira, que teve letra de autoria de Benedito Xavier de Macedo e música de Antonino Manuel do Espírito Santo, ambos da Marinha de Guerra do Brasil.

Por isso, fico a lamentar quando surgem músicas, comentários ou vídeos, notadamente nossos históricos dobrados, que mesmo nas escolas atuais, quando raramente acontece interpretá-los, não são citados seus criadores. Está na hora e se rever tal procedimento!

 

 

 

 


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quinta, 22 de junho de 2023

RECIFE EXPORTAVA TEATRO (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

RECIFE EXPORTAVA TEATRO

Carlos Eduardo Santos

Cine-teatro Parque. Antes, o teatro-jardim, um dos poucos do Brasil

 

Na década de 1940 o Recife vivia uma época de grande efervescência teatral. A Televisão ainda não havia chegado aos nossos lares e a arte cênica se mantinha como extraordinário atrativo para as famílias de fino trato. Era chic frequentar um teatro.

Das lembranças de minha juventude recordo que funcionavam no Recife o Teatro Apolo, fundado em 1842, Teatro Santa Isabel, em 1850. Em 1915 surgiu um dos únicos teatros-jardim existentes no Brasil, o Parque, na Rua do Hospício. Funcionava também o Teatro Helvética, mais popular de todos, situado na Rua Imperatriz Tereza Cristina, fundado em 1923.

Depois apareceram outros: o Teatro de Emergência Almare, em março de 1950, construído por arrojada iniciativa do então radialista Alcides Teixeira, a fim de fazer seus programas de auditório. Situado na entrada da Av. Dantas Barreto, que ainda não estava totalmente pronta mas ocupava toda a sua largura, na esquina da Praça do Diário.

Fabricado com madeira era uma coisa estranha, provisória. Depois, a título precário, foi legalizado pela Prefeitura, para a exibição de programas radiofônicos de auditório, artes cênicas e servia para convenções de partidos políticos.

 

Alcides Teixeira, construtor do Teatro de Emergência Almare

 

Alcides Teixeira, que se tornara radialista famoso, pelas dificuldades de apresentar seu “Programa das Vovozinhas” para um grande público, resolver construir um teatro-auditório, armando um monstrengo que durante bom tempo atingiu suas finalidades.

Deixaria seu nome na História, além de ter sido eleito deputado estadual sob o slogan de Deputado-vovozinhas, dado à destinação de seu programa de Rádio, dedicado à terceira-idade, uma das grandes audiências de todas as manhãs.

O prédio que anos antes abrigou o Cine Atlântico do Pina, seria mais tarde reformado para funcionar como casa de espetáculos, tomando o nome de Teatro Barreto Jr. Nos dias atuais dispomos dos teatros Guararapes, Teatro Rio Mar, Teatro Caixa Cultural, Teatro Boa Vista-Salesiano, Nosso Teatro (do TAP) e o Teatro Joaquim Cardoso da UF-PE.

Não se pode deixar de citar que em Brejo da Madre de Deus, agreste pernambucano, foi construído, durante vários anos, o Teatro Nova Jerusalém. O maior, ao ar-livre, do mundo, fundado por Plínio Pacheco.

 

Plínio Pacheco, idealizador do maior teatro ao ar-livre do mundo

 

Ainda comentando sobre a década de 1940, os anos se passaram e atividade cultural do Recife foi tomando impulso, com a projeção do grupo cênico: Teatro de Amadores de Pernambuco, fundado em 1941, por iniciativa de Valdemar de Oliveira que perenizou sua turma de artistas, grande parte formada por pessoas de sua família.

 

Valdemar de Oliveira: médico, jornalista, ator e teatrólogo

 

Mas era necessário ensinar arte teatral. Meu pai sabia que isso seria o caminho para a descoberta de novos talentos e a continuidade da arte cênica entre nós.

Um clube suburbano – o Atlético Clube de Amadores – construiu, em 1948, com recursos próprios, um prédio anexo à sua sede, que viria a ser o primeiro teatro-escola do Recife, iniciativa de Arthur Lins dos Santos – meu pai – quando Diretor Cultural do clube. O interessante é que nos intervalos de encenações o prédio funcionava como escola pública municipal.

Ali formou-se uma escola de teatro, com rapazes e moças da localidade, todos estreantes, grupo que encenou várias peças, dentre elas “Nada”, de Ernani Fornari e “As árvores”, de Aristóteles Soares. Está última foi encenada em várias cidades de Pernambuco.

Estava na programação do GTA uma outra peça, cujo texto estava quase pronto, de autoria do meu saudoso velho, porém, não chegou a ser concluído tendo em vista uma das grandes cheias que se abateram sobre o Recife, levando os originais pelo Capibaribe abaixo e em muito danificando também a sede do clube.

 

Recorte da revista “O Cruzeiro”, dos Diários Associados, em 1952

 

Em 1952 a revista O Cruzeiro, a mais famosa da época, publicou uma reportagem assinada por José Alberto Gueiros sobre a excursão do Teatro de Amadores de Pernambuco, ao Rio de Janeiro, da qual participei quando tinha apenas 15 anos.

Sobre a apresentação de suas quatro peças encenadas no Teatro Regina, falarei na próxima crônica, salientando que nessa época Pernambuco exportava Teatro.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça sábado, 17 de junho de 2023

PERNAMBUCO EXPORTA VALORES (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

PERNAMBUCO EXPORTA VALORES

Carlos Eduardo Santos

O “Douglas” aguardando embarque do TAP. Recife, janeiro de 1953

 

Quando aos 12 anos pisei num palco pela primeira vez, na Escola Dom Bosco, no Recife, jamais imaginei que três anos mais tarde eu embarcaria por via aérea para uma excursão ao Rio de Janeiro, com o TAP – Teatro de Amadores de Pernambuco.

Na escola, bem menino ainda, fui o anão “Dengoso” na peça “Branca de Neve e os Sete Anões”. Quando, porém, papai começou a organizar shows do chamado teatro de revista num palco improvisado no Atlético Clube de Amadores, fiz par com Zayra Pimentel no musical: “A Dança das Palmeiras”, criado pelo clarinetista Jair Pimentel com textos de Arthur Santos.

A escola de teatro do Atlético se desenvolveu a partir de abril de 1951 e encenou peças importantes, a segunda delas: “As Árvores”, do teatrólogo catendense Aristóteles Soares. Os cronistas especializados: Isaac Gondim Filho e Jaime Souto aplaudiram o trabalho, publicando elogiosos comentários no Jornal do Commercio e Diário de Pernambuco.

Numa dessas exibições, estando na plateia, Dr. Valdemar e Oliveira apreciou o tema e propôs levar um dos atores do GTA – Grupo Teatral de Amadores, para encená-la no Teatro Santa Isabel, com a equipe do TAP. Fui o escolhido. A peça foi reescrita e rebatizada com título de “Sangue Velho”, recebeu cenografia do pintor Mário Nunes e durante quatro semanas lotou o Teatro Santa Isabel.

Dr. Valdemar de Oliveira acertou com meus pais que todas as noites me levaria após os ensaios. Combinaram que se o TAP tivesse que excursionar ao Rio de Janeiro ele me levaria na equipe.

Nessa fase embora menino de 15 anos, enfrentei o histórico palco do Santa Isabel dirigido por Ziembinsky. Foram várias récitas. “Sangue Velho” fez tanto sucesso que acabou escalada para a excursão ao Rio de Janeiro.

Em princípios de janeiro de 1953 os técnicos Alceu Domingues Esteves e Aluísio Pereira foram despachados para a missão das montagem e voaram com os cenários das peças: “A Casa de Bernarda Alba”, “Esquina Perigosa”, “A Primeira Legião”, “Arsênico e Alfazema” e “Sangue Velho”.

Uma curiosidade: Alceu tinha a responsabilidade de continuar fazendo chover e trovejar no palco do Teatro Regina, do Rio, como o fizera várias vezes no Santa Isabel. Com uma folha de zinco que era balançada bem depressa ele imitava o trovão, e através de uma bomba d’água provocava chuva real, o que alucinava os espectadores quando a água desaparecia num esgoto instalado no palco. Uma coisa inédita para aquele tempo.

Homem de Imprensa, cronista diário, Dr. Valdemar soube atrair muitas pessoas para o Aeroporto Internacional do Ibura, no Recife, a fim de assistir à partida da equipe, que contava com mais de 20 atores do TAP. Embaixo do “Curtiss Commando” da Aerovias Brasil, um potente bimotor, tiramos uma fotografia e embarcamos.

Meu grande alumbramento seria voar. Recebi os abraços de meus pais, ficando eles, entretanto, com a preocupação de minha ida ao Rio para passar quinze dias sem o acompanhamento paterno.

Ao me acomodar perto da janelinha, a primeira coisa estranha: a poltrona, que como as demais, eram muito inclinadas. Naquela época a bequilha dos aviões era traseira, deixando a aeronave com o nariz para cima.

O “Douglas” estava cheio de artistas de teatro porque era um vôo fretado:: Adelmar de Oliveira, Alderico Costa, Alredo de Oliveira, Antônio Brito, Ceci Cantinho Lobo, Cremilda Ebla, Dinorá Rosa Borges de Oliveira (Diná), Edissa Bankovsky, Francisca Campelo de Oliveira, Maria Eugênia Sá Rosa Borges, Janice Cantinho Lobo, José Maria Marques, Margarida Cardoso, Maria do Carmo Costa Xavier, Otávio da Rosa Borges, Paulo Marcondes, Reinaldo Rosa Borges de Oliveira, Tereza Farias Guye, Vicentina Freitas do Amaral, Valter de Oliveira, Valdemar de Oliveira, Carlos Eduardo Carvalho dos Santos e Clóvis de Almeida.

Recebemos algodão para colocar nos ouvidos, a fim de diminuir o ruído dos motores, que ainda eram à explosão. Voaríamos abaixo das nuvens e em poucos momentos, entre elas, o que nos permitia ver a geografia dos lugares por onde voávamos. O “Douglas” foi saindo do chão e logo passamos a sobrevoar o mar de Piedade e depois fomos na reta de Alagoas.

Outro alumbramento: o pouso em Salvador para reabastecimento e almoço. O chão se aproximando e eu grudado na janela para não perder um lance. Um pequeno sopapo dos pneus do “Curtiss Comando” no solo, o taxiamento e a parada dos dois motores. Descemos a escadinha e logo aos primeiros momentos um flash. Só a partir daquele instante me senti artista de fato. Estávamos diante dos jornalistas. Passamos a ser gente importante.
Apresentações, abraços, novos amigos. A Bahia em peso para saudar o TAP. Uma enorme mesa com as bandeiras do Brasil e da Aerovias nos esperava. Um banquete. A primeira festa de glorificação da equipe do teatro pernambucano, que foi recebida por representantes do governo da Bahia, membros da classe teatral e a Imprensa.

Um sacrista de um garçom me ofereceu sopa e indagou-me se seria “quente” ou “fria”. Claro que preferi “quente”. Mas quando dei a primeira colherada logo percebi que havia caído numa “pegadinha”. Era pimenta só. Adelmar mandou trocar o prato e repreendeu o garçom. Ainda vi risos discretos. Meu primeiro contato com a Bahia foi apimentado!

Novamente no avião. Teríamos mais duas horas próximos das nuvens. Quando começamos a sobrevoar o interior do Rio de Janeiro, exatamente em cima de Campos dos Goitacazes, comecei a ver uns quadros verdes lá embaixo e fui perguntar ao Dr. Valdemar. Ele me explicou bem direitinho que eram campos cultivados e indicou, pelos nomes, alguns acidentes geográficos: rios, lagos e restingas. Uma aula.

O bravo bimotor chega, enfim, ao sobrevoo pela Baia de Guanabara e vai perdendo altura descendo em pleno mar – aquela situação estranha – até alcançar a pista do Aeroporto Santos Dumont. Muita emoção para quem voava pela primeira vez!

No saguão, muita gente partindo e chegando, pois vários aviões haviam descido e subiriam logo mais. Na pista vi um “Super Constelation” da Varig. Uma observação da criança que eu era: quatro motores! Pra que tantos, se nós chegamos até aqui com dois?

O Administrador do Grande Hotel OK, onde o grupo se hospedaria, se apresenta e anuncia que há vários carros de aluguel à nossa disposição. A partir daí me deslumbrei para sempre com o Rio de Janeiro, então Capital da República.

“Sangue Velho” no Teatro Regina: Valter, Carlos Eduardo e Reinaldo

O resto fica para o próximo ato.

 


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça segunda, 12 de junho de 2023

TEATRO EM VÁRIOS ATOS (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

TEATRO EM VÁRIOS ATOS

Carlos Eduardo Santos

Cine Teatro Apollo, localizado em Palmares, é o mais antigo do interior de Pernambuco. Fundado em 6 de dezembro de 1914 – Foto de C.C .Hermilo

 

O Teatro entrou na minha vida por descendência. Meu avô paterno, João Pacífico Ferreira dos Santos, além de Juiz de Direito, era jornalista, escritor, poeta, professor, político e teatrólogo.

Isto sem falar que quando acadêmico de Direito lutou com Joaquim Nabuco contra a escravidão. Por estas qualificações foi imortalizado com seu nome num dos logradouros do Recife: Rua Pacífico dos Santos, no antigo bairro do Paissandu.

 

 

Durante vários anos, logo que se casou, residiu em Palmares onde produziu a maior parte de sua obra teatral, mesmo sendo pai de cinco filhos.

Escreveu várias peças, algumas das quais encenadas, tendo iniciado com “Amor que salva”, levada ao palco em 1904 na cidade de Ribeirão, Pernambuco e as demais em Palmares.

De sua cartela de produção, (que consta em livro escrito à mão em minha estante), fui encontrar algumas indicações dos seus trabalhos, os quais transcrevo os títulos, com a grafia da época.

Para o teatro: “Consequências do Ciúme” (representada); “Chufas e Lufas”; “Palmares na Ponta” (representada); Ribeirão em cena; “Effeito magnético”; “Filho da sciência”; “Bendengó Assu”; “Amor que salva”; “Charlatães” e “Sogra domesticada”.

Papai viveu esses momentos em que vovô Pacífico, já morando no Recife, e com família ainda mais numerosa, pois sendo viúvo casara-se novamente, escrevia até altas madrugadas.

Além de jornalista mantinha intenso programa de trabalho profissional. Partícipe da política aliou-se à Campanha do General Emídio Dantas Barreto, que derrubou a oligarquia de Rosa e Silva, sofrendo inclusive um atentado à bala, na Pracinha do Diário.

Folhas da peça “Amor que Salva”, escrita por Pacífico dos Santos, encenada em Ribeirão, PE., em 1904

 

E diante dessa ascendência colateral, observando suas técnicas e ensinamentos, fui herdando o gosto para a escrita e o teatro. Assim – como disse acima – por tal influência, ingressei no nos trabalhos nde palco e no jornalismo, porque via meu velho – semelhante ao procedimento de meu avô – atravessar as madrugadas escrevendo, aproveitando uma antiga máquina “Underwood” semi-portátil.

O Recife até 1950 não conhecia a Televisão, tornando o teatro e o cinema os pontos de divertimentos chic das famílias. Como o cinema era a diversão mais popular, a arte teatral e musical, com as operetas e apresentação de cantores famosos, eram oferecidas ao público nos teatros. Presenciei no Santa Isabel e no Teatro do Parque, apresentações de Sílvio Caldas, Orlando Silva, Carlos Galhardo e Francisco Alves.

Tudo muito alinhado. Cavalheiros de terno completo e os cantores acompanhados por orquestras. Os espectadores sentados em poltronas confortáveis e camarotes exclusivos. Muito diferente de hoje, quando as multidões alucinadas gritam de pé, com os braços para cima como quem pede socorro.

A cultura teatral e o chamado Teatro de Revista, no Recife – começou a aparecer com a formação de grupos artísticos locais e se intensificou a partir de 1927, com produção de operetas produzidas em nossa terra.

Uma das primeiras operetas levadas à cena no Recife foi “Bobby e Bobette”, escrita por Valdemar de Oliveira com a colaboração de seu amigo Samuel Campelo, apresentada no Teatro Santa Isabel pelo Grupo Gente Nossa.

Na década de 1950, conforme pude observar, foram surgindo novos teatrólogos em Pernambuco, os quais abasteceram os grupos de artistas que se foram formando na Capital, alguns dos quais encenando peças de autores de nossa terra, como Aristóteles Soares (de Catende), Pacífico Sobrinho (de Palmares) e Isaac Gondim Filho (do Recife).

Montando peças de autores da Região os novos grupos de teatro divulgavam também nossa cultura e expandiam o prestígio do nosso teatro pelas cidades do Sul.

Assim, ainda aos 15 anos, espectador de um desses movimentos – o Grupo Teatral de Amadores do Atlético – dirigido por meu pai, fui aproveitado para atuar como ator. Iniciei-me com participação na peça “As Árvores”, de Aristóteles Soares, no teatro do Atlético, no bairro de Afogados.

Depois fui integrado ao Teatro de Amadores de Pernambuco e excursionei ao Rio de janeiro, conforme comentei em crônica anterior, que ora dou prosseguimento, como se fosse uma peça teatral.

Quando chegamos ao Aeroporto Santos Dumont, do Rio de Janeiro, e fomos recebidos por significativo grupo de pessoas da Colônia de Pernambuco, sob aplausos. O entusiasmo era tão grande que me deu a impressão de sermos uma equipe de teatro internacional.

Em se falando de Teatro, transfiro para a próxima crônica os comentários da Imprensa carioca, sobre o Teatro de Amadores de Pernambuco, cujos recortes guardo há quase 70 anos. Vou transcrever observações de um garoto de 15 anos que chega à Capital da República para se apresentar num teatro.

Narrarei o que foram nossas apresentações no Teatro Regina, do Rio de Janeiro; detalhes sobre os procedimentos técnicos, a participação de Ziembinski e muitas história engraçadas sobre esse polonês na direção do meu espetáculo. Falarei das montagens, das apresentações, das reações do público e da mídia.

São detalhes que não podem ficar esquecidos dos meus descendentes. Afinal, como diria o velho Arthur Santos: “Essa minha “cachaça” por teatro veio por descendência.” Assim digo eu!…


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça terça, 06 de junho de 2023

TEATRO DE PERNAMBUCO: MAIS UM ATO (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO DOS SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

TEATRO DE PERNAMBUCO: MAIS UM ATO

Carlos Eduardo Santos

Vista interna do Teatro de Santa Isabel, o mais antigo teatro de Pernambuco

 

Nossa chegada ao Rio de Janeiro, com o TAP, como falei na crônica anterior, foi também, o ápice da história de um menino que se iniciou na arte teatral participando de um espetáculo infantil na Escola Bom Bosco, do Recife, em 1949.

Depois foi aproveitado numa peça de adultos em um grupo de teatro suburbano e deu um passo maior quando escolhido para ser artista do Teatro de Amadores de Pernambuco. Um grupo com características profissionais.

O menino considerou-se artista, de fato, quando dirigido pelo polonês Ziembinsky e se apresentou no Teatro Regina, do Rio de Janeiro, recebendo louvores da Imprensa especializada, cujos recortes de jornais, guardou durante quase 70 anos.

Mas a História registra fatos interessantes até que ele chegasse à fama. E disso pretendo falar porque é parte da História do Teatro de Pernambuco e de minha história. Vale ser contada.

Depois de participar do drama: “As Árvores”, de autoria do catendense Aristóteles Soares da Silva, segunda peça dirigida por meu pai, (Arthur Lins dos Santos), consideraram-me preparado para enfrentar qualquer plateia.

No Atlético, um clube do bairro dos Afogados, tivemos o privilégio de estar com Aristóteles em vários ensaios e ele muito concorreu para a escolha dos cenários e detalhes da encenação. Numa dessas participações, declarou-se emocionado por constatar que seu primeiro trabalho estava em cena.

“As Árvores”, depois de apresentada pelo GTA – Grupo Teatral de Amadores do Atlético, tantas vezes, foi adaptada para o TAP-Teatro de Amadores de Pernambuco, tomando o nome de “Sangue Velho”, com a concordância do autor. Seu valor foi tão real que se incluiu na excursão ao Rio de Janeiro para ser encenada no Teatro Regina, na Cinelândia. Uma casa menor, porém com todos os requisitos para grandes espetáculos.

Logo que chegamos Reinaldo foi verificar os equipamentos e conferir algumas medidas no palco, porque teria que ali instalar uma casa e fazer chover de fato. Com uma fita-métrica confirmou osespaços e tudo que poderia dispor.

Profundidade de palco: 10m; largura: 12,5m; profundidade do proscênio: 7m; altura da caixa cênica: 6,5m; 3 camarins e 3 sanitários. Bem menor do que o Santa Isabel, mas perfeito para qualquer espetáculo.

Teatro Regina, do Rio de Janeiro, dotado de 331 lugares

 

Mas o Teatro de Santa Isabel entraria na minha História, como entraram o Atlético e a Escola Dom Bosco, de D. Arcelina Câmara. Levado por meu pai, para os ensaios de marcação, entrei pela primeira vez no Teatro de Santa Isabel acanhadamente, pela porta dos fundos que é acesso dos funcionários e artistas. Prédio bem diferente do Teatro do Atlético: tudo era grandioso e moderno.

Teatro de Santa Isabel, Recife

O Santa Isabel sempre foi uma casa suntuosa e construída para funcionar como teatro, dispondo de equipamentos da mais alta qualidade. Seus espetáculos sempre foram grandiosos, salientando-se operas, cantores, instrumentistas e grandes orquestras internacionais. Dentre as apresentações mais famosas, ouvimos falar da Companhia Lyrica Italiana G. Marinangelli, que apresentou a ópera “La Traviata”, em 1858.

Em épocas outras o teatro recebeu visitantes ilustres como o imperador Dom Pedro II e foi palco da campanha abolicionista de Joaquim Nabuco, da qual fez parte meu avô paterno, Pacífico dos Santos, que discursou com seu irmão Claudino dos Santos, em favor dos mesmos ideais, conforme consta da publicação: ”A Imprensa e a Abolição”, editada pela FUNDAJ – Editora Massangana, em 1988.

A história do prédio – antes chamado Teatro de Pernambuco – foi marcada por situações inesperadas, das quais detalharei em outra oportunidade, embora não possa deixar de assinalar breves tópicos.

Pouco antes da sua inauguração, em 18 de maio de 1850 o seu nome foi mudado para Teatro de Santa Isabel, em homenagem à Princesa Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriel Rafael Gonzaga de Bragança e Bourbon, nascida no Rio de Janeiro, em 29 de julho de 1846, filha de Dom Pedro II, o imperador do Brasil, com sua esposa, Tereza Cristina. Até anos recentes se entendia que o título seria uma homenagem à Santa Isabel dos católicos.

Da História que vivi – e não fatos que apenas pesquisei – posso falar de alguns eventos ocorridos nos anos 50. Foram reuniões do mais alto significado político e econômico, uma dos quais fui espectador, como jornalista: a fundação do CODENO – Conselho de Desenvolvimento do Nordeste, com a presença do Presidente Juscelino Kubitschek, reunião que deu origem à criação da SUDENE, em 18 de dezembro de 1950.

Muitos anos depois, em 1984, lá estive como convidado, para apresentação do show: “Capiba e seus Poetas”, oportunidade em que lancei o livro “Capiba, sua vida e suas canções”. Assim, se tornou sempre renovada emoção entrar naquele “palácio do teatro”.

Outro dia fui com minha neta Gabriela – que reside nos Estados Unidos – mostrar-lhe o teatro, salientando que naquele palco pisara seu trisavô lutando pela abolição da escravatura no Brasil, e seu avô, como artista amador, deixando-a encantada com os fatos e a grandiosidade do prédio.

Mas, a primeira vez que vi o Teatro de Santa Isabel por dentro foi um alumbramento. Fui entrando, dominado por certo ar de cerimônia. Orientado por meu pai fui conhecendo os muitos detalhes dos bastidores, onde ficam os camarins, os cenários e as coxias.

O palco, uma enormidade. Diante dos meus olhos, a ribalta: uma caixa enorme que rodeava todo o espaço da frente, onde apareciam luzes embutidas com o fim específico de iluminar os atores e o cenário.

No centro daquela “caixa de luzes havia um alçapão coberto por uma abóboda que permitia ao “Ponto”, (um profissional altamente especializado), “soprar” em voz baixa, para os atores, as falas que lhe faltavam por algum deslize de memória”. Assim, o “Ponto” era o elemento socorrista dos atores.

Nos dias atuais essa estratégia foi abandonada porque a tecnologia substituiu aquele profissional de raríssima qualificação, por equipamentos eletrônicos, em que o diretor conduz as falas dos apresentadores, como se percebe na Televisão.

Percorro os anos e vou me lembrando dos profissionais com os quais conviveria no Recife e no Rio de Janeiro: Mário Nunes, o cenógrafo; o “Ponto”. Abelardo Cavalcanti, mais conhecido como “Coleguinha”. Sentado no auditório, visei um gringo de cabelos brancos, calado, único espectador a apreciar o ensaio: era Ziembinsky, que viria a ser meu novo diretor, há pouco contratado por Dr. Valemar de Oliveira para dar mais efusão ao desempenho do TAP.

E papai continuava me informando sobre os detalhes do funcionamento de uma peça num teatro mais completo. Fui sendo apresentado a alguns outros: Francisco Miranda, o Contrarregra, aquela função que julguei estranha para funcionamento de uma peça. Depois o maquinista José Barros, e o eletricista, Reinaldo Rosa Borges de Oliveira, estudante de medicina, também ator, filho do diretor do teatro.

Na peça “Sangue Velho” eu participava apenas do 1º ato. Deveria, portanto, ser liberado mais cedo. Todavia, naquela noite de minha introdução no TAP, papai resolveu ficar comigo.

Alí, naqueles instantes, todas as pessoas eram adultas e desconhecidas para mim e isso poderia provocar acanhamento. Sendo um “encachaçado” por Teatro gostaria de ver o primeiro ensaio-de-marcação de “Sangue Velho”, sentado no auditório quase vazio, para ver seu filho cumprir sua missão.

De repente se apresenta à gente a atriz Margarida Cardoso que indaga se eu serei o filho dela na peça. Logo em seguida, vem Baby (Octávio da Rosa Borges), irmão do compadre de papai – Dr. Roberto Sarmento da Rosa Borges – que seria meu pai no 1º ato. Comecei já me aclimatando com pessoas que não seriam tão desconhecidas assim…. Todos foram muito receptivos comigo.

Houve orientação para que os demais atores ficassem no auditório. No palco somente os participantes do 1º ato, os cinco atores: Baby, Margarida, Valter, Reinaldo eu. Todos com papéis datilografados nas mãos. E eu sem nada. Fui alertado pelo Ziembinski, lá no auditório, mas Dr. Valdemar explicou que eu conhecia bem o texto, pois já interpretara a peça algumas vezes.

A pedido do sr. Coleguinha, um alçapão – espécie de esconderijo situada na ribalta – foi aceso e ele já estava lá dentro, pronto para “soprar” o ensaio. Lá no alto do palco vi muitos painéis pendurados por cordas, o que me assustou. Eram os cenários que desceriam para formar cada um dos atos. Um sistema mais moderno do que o teatro do Atlético, porém uma coisa assustadora.

Mas isto foi apenas a minha apresentação em “Sangue Velho” no Teatro de Santa Isabel, os demais atos virão depois, porque o TAP permaneceria no Teatro Regina, do Rio de Janeiro, durante quatro semanas, em cada uma delas um espetáculo diferente e casas lotadas.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça terça, 30 de maio de 2023

MACACHEIRA MAL CHEIROSA (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

MACACHEIRA MAL CHEIROSA

Carlos Eduardo Santos

Os mais velhos – não se pode negar – são “professores de vida”. Devemos, portanto, estar atentos para sempre que possível transmitir aos nossos pósteros os valores que a vida nos ensina. Sobremodo em termos de precaução.

Eu, a exemplo, nos meus saudáveis 85 anos, ainda consigo com facilidade escrever meu besteirol aqui e ali, costumo sair sozinho, mas sempre estou dizendo à minha santa esposa – coitada, sofrida pelos 32 anos de convivência matrimonial – que estou começando a ficar velho.

Hoje confirmei. A PVC chegou! (Porcaria da Velhice Chega).

Ela estava no banho e havia deixado uma panela no fogão, com o fogo aceso, pois colocara uma macaxeira para ser saboreada durante o jantar, e pressentiu que estava na hora de fechar o gás. Aí apelou:

– Meu filho, – olhem só; de Meu Velho passei a Meu Filho – apague o fogo da macaxeira, por favor!

Rápido que só um preá, chispei da cadeira em que estava sentado, escrevendo, e fui e fui dar uma rodada no pitôco do fogão. Olhei pelo fundo da panela e vi que a chama se apagara.

Pra mim tudo certo. Só que, pensei em completar a “operação”, acionando novamente o tal pitôco, reabrindo, assim, o gás. Coisa de velho!

Saindo do banho e depois dos “complementos” ela foi para a cozinha e ao passar por mim, na sala, balbuciou em voz alta:

– Que cheiro diferente tem essa macaxeira!…

Ao chegar à cozinha, identificou a “desgraceira”. O gás estava escapando. Eu havia deixado o pitôco do butano aberto.

Logo que providenciou a solução de fechar o bico, abriu todas as janelas e a porta principal do apê e partiu pra cima de mim espantada, com os olhos arregalados feito uma garoupa do rio Amazonas:

– Meu filho, você está mesmo ficando velho!… Pois não é que deixou o fogão ligado! …

Ao que respondi com a maior seriedade:

Eu já repeti isso várias vezes. Acho que agora você entendeu! Comecei a ficar velho!…

Bendita a “macaxeira mal cheirosa”…!


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quarta, 24 de maio de 2023

PROEMINÊNCIAS JURÍDICAS (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

PROEMINÊNCIAS JURÍDICAS

Carlos Eduardo Santos

Quando ainda Contínio Inicial do Banco do Brasil, em meados da década de 1950, fui certa feita levar um documento à Inspetoria da Agência Centro, e lá me deparei com cidadão de cara fechada, charutão pendurado nos lábios, face bem avermelhada; um gauchão daqueles da fronteira…. Gente de pouca conversa.

Trabalhava geralmente no expediente da manhã e sozinho, embora tivesse outros dois birôs em sua pequena sala, no 4º andar do Edf. São Paulo, alugado pelo Banco, em frente à Praça Ascenso Ferreira, no bairro do Recife, enquanto era construído o atual Edf. Capiba.

No expediente da tarde, era dono da outra mesa – uma daquelas que se abria por cima, e da tampa saia u’a máquina de escrever, aparafusada – onde tomava acento todas as tardes para lhe prestar assistência jurídica, uma Secretária e outra onde trabalhava Dr. Sátiro Ivo da Silva Jr.

Dr. Ivo era um tipo incomum. Gordo, baixo, cútis avermelhada que só um camarão, advogado, jornalista, professor de Direito, diplomado em Filosofia e com várias premiações como escritor.

Tive a felicidade de publicar uma crônica sobre ele. O fato é que, mesmo dotado de muitos méritos, só que não aprendera a arte de datilografar e escrevia tudo à mão. Sua assinatura chamava a atenção pelos traços bem alinhados. Era mais conhecido como “Dr. Ivo”.

O gaúchão chefe do setor era o Inspetor Rôxo, de quem eu, num certo dia, deveria trazer um documento contendo a imagem de um carimbo, assinatura e data, num daqueles papéis amarelinhos finíssimos, o chamado papel-manteiga”, tipo “par avion”, que usávamos para cópias a carbono.

O cidadão mandou-me esperar e leu o texto, linha por linha, acompanhando-as com um lápis, até que comprimiu o carimbo na almofada de tinta, carimbou a cópia do documento, assinou e datou.

Ao colocar o papel assinado na ponta da mesa, afastando-o com certo desdém, pensei que já estivesse minha missão ali resolvida. Mas aguardei a ordem de liberação. Permaneci de pé, como se um soldado fosse.

Ele nem me olhou e retornou à busca de algum documento com o qual trabalhava atentamente antes de minha chegada. De repente olhou-me, tirou o charuto da boca e indagou:

– Falta alguma coisa pra me entregar?

– Não senhor!

– E está esperando o que?

– A liberação do senhor. Posso ir-me?

Deu uma risada e abanou a mão como quem diz: “Já vai tarde…” Mas, sem dizer coisa alguma. Foi quando pela primeira vez entendi que o homem era “virado”

Procurando saber de quem se tratava fui informado que era o sr. Arthur Augusto Rôxo Pereira, mais conhecido como “Seu Rôxo”, Contador efetivo da Agência do Banco, mas investido no cargo de Inspetor, era uma espécie de Assistente Jurídico. Nunca soube se ele era advogado por jamais ter ouvido alguma referência como “Dr. Rôxo Pereira” e sim apenas “Seu Rôxo”.

Aliás, sabia-se que ele só aceitara a função de Inspetor (uma espécie de Chefe Geral do Contencioso) desde que a Direção Geral lhe garantisse o cargo de Contador Efetivo da Agência Centro do Recife. Uma situação que para muitos era esdrúxula.

Por conta dessa incongruência Cirilo Maia Mousinho, trabalhou até a aposentadoria, assinando os documentos e carimbando embaixo de sua assinatura: “Contador Interino”. Era quase uma humilhação.

“Seu Rôxo” foi um personagem que merece notas mais amplas. Era, me parece, um matutão dos pampas, meio esporrento, mas ao mesmo tempo, brincalhão, querido e respeitado por todos. Estava em fim de carreira.

Certo dia, quando chegou ao prédio e notou que a fila do elevador estava grande, se dirigiu até o colega que estava em primeiro lugar e intimou-o a lhe ceder a vez, de forma pouco usual:

– “Tão” te procurando lá atrás, rapaz! Passa!…

O hábito se tornou engraçado e quando ele apontava no hall do elevador, a fila toda recuava, pois se aproximava o “Engole Fila”.

Meio atônito, certa feita, o “Precário” Manuel Bernardes, que acabara de chegar transferido de Caruaru, reagiu:

– “Oxente” colega!… O lugar é meu, cheguei primeiro, você que vá pro fim da fila!

Foi quando Seu Rôxo pipocou:

– Ora que “pôra” esta, rapaz. Sou o dono da fila!

E o resto da cambada caiu na gargalhada.

Seu Rôxo e sua esposa tiveram um filho que lhe deu muita satisfação: Arthur César Ferreira Pereira, que apelidamos de “Rôxinho”. Um rapaz brilhante, formou-se em Direito, foi Professor Universitário, passou no concurso do Banco e foi trabalhar na Assistência Jurídica, anos mais tarde.

Até 1981 funcionou no BB um sistema de serviços jurídicos ligados administrativamente à agência-sede sob a denominação de ASJUR – Assistência Jurídica, da qual até pouco tempo fora chefiada por Dr. Sátiro Ivo da Silva Jr.

Há personagens que ficam na História – uns por sua inteligência e capacidade de trabalho – outros por suas excentricidades.

Dr. Ivo, por exemplo, ficou como o “Imbatível” porque não sabia “bater” à máquina, palavra que significava a técnica de datilografar. O incrível é que costumava dizer que ao ser contratado pelo Banco nunca houve a exigência de ser datilógrafo. Já seu Rôxo, foi agraciado com o apelido de “Engole Fila”, porque sempre à força tomava o primeiro lugar nas filas do elevador e todos riam quando ele se aproximava da fila.

Manuel Pontual, Dirceu Rabelo, Nílton Maia de Farias e José Humberto derivaram para a literatura em paralelo aos trabalhos no Banco; Fernando Bivar recuperou o Memorial do Sport e todos estes publicaram livros.

Outros membros da ASJUR ficaram apenas na lembrança, inclusive um novato que exercia a advocacia particular e se vangloriava de seus feitos, os quais lia para a gente apreciar.

Numa de suas extravagantes defesas, onde sua cliente era certa dama de fino trato, numa causa de Família, fez constar nos autos que o cidadão da parte contrária era chegado às “falcatruas sexuais”.

Tornou-se famoso por essa “proeminência jurídica”.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quinta, 18 de maio de 2023

PERENIZANDO NOMES (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

PERENIZANDO NOMES

Carlos Eduardo Santos

A mais recente obra de Dirceu Rabelo

 

Um cidadão empolgado pela poesia lê um soneto de Dirceu Rabelo e resolve torná-lo perene em seu gabinete, onde já estão várias obras de arte, fixando-o na parede, em bela moldura, para que os visitantes observem que ali estará para sempre a expressão maior do seu estímulo às artes, incluindo-se obra desse pernambucano considerado um dos maiores sonetistas do País.

Uma atitude pioneira que sugere a outros leitores darem destaque às poesias e seus autores. Foi a paga maior, certamente, pelo ineditismo de um trabalho desse notável artista das letras, Dirceu Rabelo, que já publicou 15 livros e há poucos dias lançou: “Poesia Completa”, contendo 160 trabalhos.

Coube a Euler Araújo de Souza – o leitor entusiasmado – a iniciativa de ilustrar seu gabinete com obras de arte dos associados, formando uma galeria, onde se observa, inclusive, quadros de Anete Cunha e Inês Brandão, além de uma estátua de Capiba, provisoriamente ali guardada.

SONETO DA ALONGADA FIDELIDADE – Dirceu Rabelo

Não dura o sonho mais que alguns segundos
Depois dele, no entanto, presumida,
uma estação passou. Assim, no mundo,
célere como um sonho, passa a vida.

Da entrevista primeira à despedida
Foi breve… Mas um traço marcou fundo:
– se o grão não deu a safra prometida
Valeu pela intensão de ser fecundo.

Tanto nos afinou esse passado,
que das suas razões eu fiz as minhas
e dele me tornei quase um soldado.

E se não lhe dei tudo que convinha,
nos limites do quanto me foi dado
dei o tanto que pude – era o que eu tinha.

Euler, o timoneiro que é amigo da cultura, tem impulsionado atitudes levando a associação de funcionários do Banco do Brasil – que tão bem preside – a promover atos capazes de perenizar nomes dos associados e engrandecer atitudes, com promoção de valores até então pouco conhecidos.

“Somos o que perdura”, já nos disse Clarice Lispector (Chaya Pinkhasivna Lispector) a jornalista e escritora mais pernambucana do que judia ucraniana. Isto é, a obra perpetuada é aquela que continuará a ser vista, apreciada e comentada por muitas pessoas.

O poeta, o leitor e a poesia emoldurada. Aos 82 anos Dirceu é homenageado

 

Por iniciativa de Euler e outros denodados, foi fundada, há poucos meses, a Academia de Artes e Letras da AABB-Recife, sob a Presidência de José Humberto Espínola Pontes de Miranda, tendo como Vice, Luiz Guimarães Gomes de Sá, entidade que congrega associados com a finalidade de motivar a transcendência dos valores que se vão projetando a partir da própria convivência entre seus membros.

Trata-se de um instituto pioneiro dentre as 1.125 AABBs congêneres espalhadas pelo País, a reunir apreciadores da cultura para promover obras e valores das artes e das letras. E mais, tiveram seus fundadores o cuidado de estabelecer a categoria de membros honorários, homenageando aqueles cuja participação intensa não será mais possível ocorrer, dado às suas idades avançadas ou situações de saúde, mas formam o patrimônio da Associação.

Um dos que recebeu o título de Acadêmico Honorário foi, há poucos dias, Dirceu Rabelo, que após a assembleia recente, quando lançou mais um livro, foi levado ao gabinete da presidência da AABB para inaugurar o quadro emoldurado com uma de suas poesias.

Inês, Petrúcio, Xavier, Carlos Eduardo, Euler, Luiz, Dirceu, Edson, Maria José e Pacheco, membros fundadores da Academia de Artes e Letras da AABB-Recife

 

Mais um pioneirismo da AABB-Recife, perenizando Dirceu Rabelo, um nome da maior relevância, que aqui louvo como se um santo fosse.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quinta, 11 de maio de 2023

FORTE CONCORRÊNCIA (CRONICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

FORTE CONCORRÊNCIA

Carlos Eduardo Santos

 

Ôxente, tia Bel, meu almoço é só isso?

Essa cambadinha de até três anos que desembarcou nesse mundo velho para nos alegrar, causa certo pânico geral quando aparece em nosso lar.

São uns diabinhos que falam dialetos que a gente pouco entende; vasculham tudo e os olhinhos fazem a varredura de todas as áreas por onde habitamos e que precisam ser exploradas por eles.

Parecem até agentes da Defesa Sanitária, daqueles que antigamente penduravam uma bandeirinha amarela na frente das casas e entravam para conferir se havia roedores ou alguma peste e botar os defensivos.

Sou bisavô de 11 bisnetos. Não é mole não!

Mas, minha senhora é tia-avó de uma danadinha chamada Luiza, de três anos que “manda ver” sempre que aparece. Está na vantagem porque as minhas únicas bisnetas residentes no Brasil, moram distante, lá em Candeias, e a tal da Luiza, no mesmo conjunto residencial. Por isso sempre está lá em casa vasculhando o que pode, sem a menor cerimônia.

E como sabe que manda no pedaço, apronta.

Outro dia, bateram na porta e o diabinho aparece querendo nos pregar u’a peça:

– “Tim totinha!”

Que traduzindo, pode se entender por: “Vim sozinha!”.

Mas a mãe, estava escondida no corredor e preparara a presepada.

De outra feita, falando meio atrapalhada como é do seu feitio, juntando algumas palavras e engolindo outras, às vezes chega com expressões que a gente nunca consegue entender.

Estando sozinha, em outra ocasião, com a gente, falou-nos que havia ganho de “sua melhor amiga”, uma “cutinha”. Fizemos mil especulações para entender o que diabo era. E perguntávamos: continha? E ela respondia: Não! Comia? Não! Bacia? Não!

Até que, mais tarde preferimos nos socorrer com Sofia, sua mãe, e soubemos que era uma cozinha de brinquedo, presente do qual ela apreciava muito. Imagine!: de cozinha para “cutinha”, que diferença!

Luiza com a fita para medir o papel

 

Ao apontar na porta da sala, nós entramos em completo estado de “abestalhamento”, e pânico, costumamos lhe ceder coisas de adultos para ela se entreter. Vai aos apetrechos de costura da tia Bel e faz o “rapa”. Na minha mesa sabe que pode dispor de um espaço exclusivo, já reservado para suas artes e letras. Puxa uma cadeira e se sente uma atrabalhadora.

Há poucos dias chegou e foi logo pedindo papel e canetas:

– “Quelo tataiá”! Traduzindo: “Quero trabalhar”!

Disponibilizei meia folha de papel A-4, mas ela logo reagiu.

– Não é “eta” não! Tá “titena”!… “Telo da dandi”!

Traduzindo: Não é esta não! Esta é pequena, quero da grande.

Fiquei sem meio abobalhado, sem entender, mas, rápida no gatilho, a danadinha desceu da cadeira, foi até o setor de costuras da tia, pegou uma fita métrica e veio me mostrar que a medida do papel era menor do que aquelas que a gente sempre lhe tem oferecido para rabiscar. Aí entendi!

Quem pode acreditar que uma coisinha dessas possua tanta inteligência?!… Não perdi o flagrante. Cliquei.

A outra cena foi mais danada. Enquanto a tia preparava o pratinho com o almoço preferido dela, foi à cozinha buscar as outras comidas, ela subiu na cadeira, botou as mãos nos quartos e esbravejou:

“Ôtente, tia Bel, tó ito?”

Traduzindo: “Ôxente, tia Bel, só isso?!…”

 

 


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça sexta, 05 de maio de 2023

TRAMPOLIM SEM GLÓRIA (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

TRAMPOLIM SEM GLÓRIA

Carlos Eduardo Santos

Ponte ferroviária sobre o Capibaribe. Bairro de Afogados, Recife,1944

 

O Autor, aos 15 anos, recebeu o que se chamava, no início dos anos 50, o “Bilhete da Sorte Grande”, entre aqueles que eram vendidos pela Caixa Econômica Federal de Pernambuco. Era o maior prêmio da loteria de uma instituição criada para concorrer com o popular “Jogo de Bicho”.

Tornar-se-ia jargão para anunciar pessoas de sorte inesperada que apareciam com muito dinheiro: “Fulano tirou o bilhete da Sorte Grande”!…

Mas a minha “Sorte Grande” não teria sido propriamente o resultado de nenhuma aposta de Loteria da Caixa e sim, de fato, porque a “D. Sorte” havia se tornado amiga para sempre, em vários episódios de minha trajetória.

De fato eu, meus pais e D. Beatriz Leite Barbosa, sabíamos que eu havia tirado a “Sorte Grande”, porque me foi oferecido, aos 14 anos, por aquela querida vizinha, um emprego de “office-boy” no City Bank, o maior dos Bancos americanos, onde ela tinha amizades fortes.

Nesses anos eu lavava o carro do vizinho, o sr. Leonardo, ajudava a trazer a feira de D. Ezilda e dava banho de sol no filho de D. Beatriz, o José Fernando Leite Barbosa. Um daqueles dias a mãe do menino, sabendo que eu sempre estava atento para ganhar algum dinheiro, me perguntou:

– Carlinhos, você que trabalhar de verdade?

Diante da imediata afirmativa, ela escreveu uma carta para sua irmã, Stela Leite, que trabalhava no Banco Itaú-América, do Rio de Janeiro e poucos dias depois fui orientado para me apresentar ao sr. Afonso Leão, Contador de um Banco, que tinha um nome enorme: The First National City Bank of New York.

Eu sairia da fase de menino para adolescente. Teria que usar calças compridas, deixaria de puxar carrinhos de madeira pelas calçadas da vila dos Remédios e passaria conviver com adultos.

Para mim, um pulo no desconhecido. Passaria seis horas no meio de adultos. As primeiras providências foi me submeter a rigoroso exame médico, a fim de ser admitido como segurado do antigo Instituto dos Bancários, o antecessor do INSS/SUS, para onde fui com mamãe.

Passei pelo Raios-X, u’a máquina que me impressionou porque mostrava o corpo da gente pelo lado de dentro. Ao analisar as chapas, Dr. Agenor Bomfim orientou mamãe sobre novos procedimentos, porque meu corpo era muito raquítico.

Recomendou alguns cuidados que ela deveria redobrar porque eu estava propenso a ter tuberculose, tendo em vista um dos meus tios haverem contraído tal doença, que ainda era a praga do momento.

Mamãe saiu preocupadíssima porque eu praticava natação (no Rio Capibaribe), ciclismo e futebol, tendo que trabalhar e estudar à noite. O esforço físico para essas atividades seria grande. Na época eu tinha o apelido de Dom Quixote, face ao corpo franzino.

Apalpando-me as juntas, canelas, braços e mãos descobriu, o cuidadoso médico, pequena protuberância na mão direita, bem em cima da marca do famoso “M”; aquele traço onde as ciganas costumam olhar e anunciar o destino das pessoas. Naquele ponto, sentiu uma calcificação, e procurou antecedências.

Meio acanhada, mamãe não negou fatos sobre minhas estripulias, informando que eu era muito travesso e gostava de tomar banhos de maré, às escondidas, no Rio Capibaribe, com meus amiguinhos. E quando desconfiava da peripécia que com frequência se repetia, a palmatória “cantava”.

“Na maioria das vezes, doutor – disse-lhe minha santa mãe – antes de entrar em casa, esse treloso me aplicava u’a malandragem: tomava banho de mangueira, no jardim, para tirar o sal do corpo e tentar me enganar a fim de conseguir se livrar da palmatória”.

Desconfiada, numa dessas saídas, quando alegava que iria jogar bola na “salina” com seus amigos, recomendei que não tomasse banho de mangueira, ao voltar, porque tinha uma coisa para lhe contar.

Ele estava certo de que escaparia, como de vezes anteriores. Mas, lambi suas costas e senti o gosto de sal do rio. Assentei-lhe a “Professora”, apelido que se dava às palmatórias, naqueles tempos.

Era eu batendo, doutor, e aplicando-lhe as maiores descomposturas que u’a mãe pode desejar num instante de raiva. O pai viajava pelo interior e passava 20 dias fora de casa. Eu era quem cuidava dos filhos. Grande responsabilidade!

Numa das investidas, doutor, o senhor nem pode imaginar, ele encolheu a mão, que já estava doída, talvez por alguma bolada em campo, mas eu segurei com força e “bati pesado”. Com mais raiva ainda.

Por vários dias ele reclamou que havia um “caroço” na palma da mão esquerda, protuberância que foi ficando. Deve ser isso, doutor!…”

É minha senhora, se faz mais de um ano que o tal “calombo” está na mão dele vai ficar para sempre!

 

Carlinhos,. Zanoni e Avanildo. (1947)

 

Ingressei no City Bank com “calombo” e tudo. Progredi e me aposentei como bancário, depois de me transferir para o Banco do Brasil. Deixei as brincadeiras perigosas, mas dos banhos de rio só abdicquei por causa de uma tragédia.

A problemática é que as praias ficavam muito distantes de nossas casas enquanto o rio estava ali, pertinho… Uma atração irresistível para nadar atravessando o Capibaribe, de Afogados para a atual Ilha de Joana Bezerra.

Minha tropa era formada por meninos de 11 aos 14 anos sendo os mais próximos, Zanoni Pimentel, que mais tarde viria a ser Investigador da Polícia Federal e faleceu numa Operação profissional, em Brasília. Era o mais afoito, pois nadava bem e sabia pular trampolins.

Avanildo, viria a ser Gerente Geral de Cargas e Presidente do Gefuvar – Grêmio dos Funcionários da Varig – Viação Aérea Riograndense. A trinca se completava com a participação do besta aqui, que está contando histórias.

Certo dia fomos para u’a “missão” mais afoita. Éramos cinco e estávamos dispostos a pular da “Ponte de Gaiola”, por onde passava o trem da “Great Western”, que seguia a rota da Estrada de Ferro Central de Pernambuco.

Mas não imaginamos o horário em que o trem passaria pelo local.

Vários meninos subiram na ponte e pularam normalmente, mas ocorre que ao surgir o trem que vinha do Recife, tivemos que antecipar e cair n’água de qualquer jeito. Pulei de pé. Zanoni, “Marreca” e Avanildo, mais treinados, mergulharam de cabeça.

Lá vinha o trem danado apitando, como sinal de alerta. Mas, com medo, Zeca se segurou numa coluna de ferro e esperou o trem passar. Resistiria, mas a “D. Sorte” não estava com ele naquela perigosa traquinagem.

Por acaso – ou maldade do operador que se chamava “maquinista” – a máquina soltou um jato de vapor, que saindo em altos graus queimou as penas do menino, que caiu na água já aos gritos e com dificuldade chegou à margem. Resultado, queimaduras terríveis até as coxas.

Ficou adulto e nunca se livrou do estigma dessa travessura. Aquelas partes de seu corpo ficaram para sempre em “carne viva”.

Reencontramo-nos, já adultos, na Praça da Cinelândia, no Rio de Janeiro. Falamos de tudo. Dos jogos de futebol, das corridas de bicicleta no Atlético, dos nossos carnavais, menos sobre os “banhos de maré” no Capibaribe. Seria difícil para ele rever tais lembranças.

Mas respeitamos sua dor. A “Ponte de Gaiola” fora para aquele inexperiente nadador, um trampolim sem glória.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça sábado, 29 de abril de 2023

UM NÁUTICO MEMORÁVEL (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

UM NÁUTICO MEMORÁVEL

Carlos Eduardo Santos

Luiz Antônio Soares de Melo, curador do Memorial do Náutico

 

Felizes dos clubes do Recife que possuem seu Memorial. O Náutico, o Sport, o Barroso e a AABB têm esse privilégio. Guardam suas relíquias para comprovar a história de suas glórias.

Mas, para mantê-los é necessário que abnegados associados se dediquem diariamente um trabalho de ourives, a fim de ir reunindo peças, pedindo a antigos associados as doações, para ir compondo o acervo e isto não é fácil, porque dependem das administrações dos seus clubes.

Há poucos dias estive na sede social do Náutico, acompanhando o Presidente da AABB-Recife, Euler Araújo de Souza, e o Vice-presidente Cultural, Luiz Carlos Bezerra Cavalcanti – responsável pela reorganização do Memorial AABB-Recife – visitando o Memorial Alvirrubro, onde fomos recebidos pelo Curador Luiz Antônio Soares de Melo, a fim de apreciar as instalações e o acervo.

Dá gosto verificar como a coleção de troféus está cuidadosamente guardada e permite visão histórica do Salão Nobre, porque quase todas as 1.700 peças estão legendadas e facilita-se a visão porque se encontram em vitrinas.

 

João Santos, neto deste colunista, apreciando a taça do Hexa Campeonato do Náutico. Um luxo!

 

No piso térreo, no acesso ao Memorial, temos um local de destaque para o futebol, com vários times aparecendo em fotos identificadas e bem emolduradas, em espaço que se salienta, atapetado e iluminado, dando a entender que além do remo – modalidade que motivou a fundação do clube – o futebol é a mola mestra da permanente projeção junto ao público.

Todavia, o acervo de troféus, por se tratar e grande quantidade de peças – está localizado no 1º pavimento, onde a homenagem maior está na entrada do Salão Nobre. Ali está o busto do grande Benemérito, Eládio de Barros Carvalho, de quem fui Diretor durante seis anos.

O Presidente da AABB, Euler, e este colunista ostentando a taça do Hexa

 

Teve a importante visita o objeto de troca de tecnologias. Vimos que os 100 anos do Náutico estão bem preservados. A coleção de troféus oferece aos visitantes a visão detalhada do acervo, que está guardado em elevado de granito e protegido por vitrinas onde se pode apreciar a trajetória do alvirrubro através de suas vitórias.

Daqui há alguns dias Luiz Antônio visitará a Vice-presidência Cultural da AABB, a fim de trocar informações sobre várias maneiras de guardar documentos e troféus, melhorando assim os métodos e processos dos dois centros de cultura.

Os visitantes fortaleceram os laços entre as duas agremiações e na oportunidade foi rememorada a primeira e única vitória da AABB-Recife, numa competição de remo, em 1948, cujo barco foi cedido pelo Náutico.

 

Memorial Alvirrubro. O centenário Clube Náutico Capibaribe tem sua sede social tombada pelo IPHAN. Mantém relicário guardando o acervo de glórias

 


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça domingo, 23 de abril de 2023

DENOMINAÇÕES IMPRÓPRIAS (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

DENOMINAÇÕES IMPRÓPRIAS

Carlos Eduardo Santos

Francisco do Rego Barros, o Conde da Boa Vista

Procurado melhorar a placa com um nome de rua em homenagem ao meu avô – João Pacífico Ferreira dos Santos – em cuja identificação de logradouro consta apenas: Rua Pacífico dos Santos fui encontrando várias homenagens inócuas nas quais se deu relevo aos títulos das pessoas e não seus nomes próprios. Uma falta de respeito aos ilustres mortos.

De fato, placas de homenagens póstumas que não produzem o efeito ideal pretendido se tornam iniciativas fracas de significado, levando os habitantes da cidade a sofrerem observações dos visitantes, como ocorreu comigo, em dia recente, com o alerta de um turista.

O Recife, através de placas em logradouros públicos e monumentos tentou prestar louvores a ilustres vultos do passado – como meu avô paterno – que participou, como jornalista, com Joaquim Nabuco, entre outros, da luta contra a escravidão em Pernambuco.

Só que tendo a Prefeitura gravado seu nome incompleto jamais se sabe quem foi o homenageado, a não ser pela documentação ou informes da família. Outra barbaridade é se homenagear os títulos e não as pessoas, bem como seus nomes incompletos.

Além dessa inobservância, há um fato mais frisante: as referências a ilustres figuras, nacionais e estrangeiras, que em nada beneficiaram o Recife.

Num giro de memória pude observar que existem no Recife várias ruas, ainda do tempo colonial, que vale a pena permanecerem com suas denominações históricas porque são igualmente românticas e até pitorescas. Sobremodo, já caíram no agrado do povo. E nada mais forte do que essa força para perenizá-las.

Das ruas com denominações pitorescas consagradas pelo povão de minha cidade, recordo algumas, para gáudio dos saudosistas e pernambucanos ausentes. Aproveito para lembrar casos interessantes, de ruas com nomes de avenidas, dentre elas: Av. Barbosa Lima (Alexandre José Barbosa Lima Sobrinho) quase uma ruela no Bairro do Recife; e a Av. Portugal, nada mais que estreitíssima rua, nos fundos do atual Real Hospital Português e Beneficência, no bairro do Paissandu.

Rua do Alecrim, Rua dos Ossos, Rua da Pinguela, Rua da Hora, Rua do Fogo, Avenida da Saudade, Rua do Bom Jesus, Rua da Roda, Rua da Cruz, Rua da Madre de Deus, Rua da Soledade, Rua da Paz, Largo da Misericórdia, Estrada dos Aflitos, Rua da Concórdia, Rua dos Judeus.

E tem mais: Rua das Creoulas, Rua das Moças, Praça do Encanta Moça; Rua dos Sete Pecados, Rua da Cagança, Praça do Sebo, Rua Imperial, Rua do Caldereiro, Rua da Glória, Rua Velha, Rua Nova, Rua das Calçadas, Rua Direita, Rua do Rosário, Rua da Palma, Rua do Jiriquiti.

 

E não ficam só nessas. Temos mais a Rua Real da Torre, Rua Motocolombó, Rua da Baixa Verde, Rua da Moeda, Rua do Pombal, Rua do Brum, Rua da Matriz, Rua Benfica, Rua do Príncipe, Rua do Imperador, Rua das Águas Verdes, Rua Real da Torre, Rua dos Navegantes, Rua da Fundição, Rua do Catimbó, Rua da Hora, Rua 48, Rua do Espinheiro, Rua da Angustura.

Teríamos assuntos para uma enciclopédia: Rua do Dique, Rua Passo da Pátria, Rua da Penha, Rua da Praia, Rua do Rangel, Rua do Hospício, Rua Corredor do Bispo, Rua do Padre Inglês, Rua do Progresso, Rua da Saudade, Rua do Sol, Rua da União, Rua Camboa do Carmo, Estrada do Arraial, Avenida Norte, Avenida Sul, que entre outras, permanecem, por se haverem consagrado no gosto popular. Os becos e travessas deixarei para a próxima crônica.

Há outros logradouros que muitas pessoas desconhecem quem deveria ter sido, realmente, homenageado. Vejamos:

Rua Barão de Bonito (Manuel Gomes da Cunha Pedrosa);

Rua Viscondessa do Livramento (Maria Ursulina Moreira);

Av. Visconde de Suassuna (Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque);

Rua do Lima (Capitão Antônio Lima);

Rua da Imperatriz (Imperatriz Tereza Cristina);

Rua Marquês do Recife (Francisco Paes Barreto)

Av. Marquês de Olinda (Pedro de Araújo Lins);

Rua Marquês do Paraná (Honório Hermeto Carneiro Leão;

Rua Conde Irajá (Manuel do Monte Rodrigues de Araújo);

Rua Visconde de Albuquerque (Antônio Francisco de Paula de Holanda Cavalcanti de Albuquerque);

Rua Amélia (Amélia Rosa de Oliveira);

Rua D. Olegarinha (Olegária Vasques Carneiro da Cunha)

Rua Vigário Tenório (Pedro de Souza Santos Tenório);

Rua Duque de Caxias (Luiz Alves de Lima e Silva);

Av. Rio Branco (José Maria da Silva Paranhos);

Rua da Guia (Nossa Senhora do Rosário da Guia);

Rua Barão de Lucena (Henrique Pereira de Lucena);

Travessa do Amorim (atual Rua Aluízio de Oliveira Periquito);

Rua Frei Caneca (Joaquim da Silva Rabelo);

Praça João Alfredo (João Alfredo Correia de Oliveira);

Rua Fernandes Vieira (João Fernandes Vieira);

Praça Pio XII (Eugênio Maria Giuseppe Giovani Pacelli);

Av. Rosa e Silva (Francisco de Assis Rosa e Silva);

 

 

Rua Poeta Manuel Bandeira (Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho);

Rua Poeta Austro Costa (Austriclínio Ferreira Quirino);

Praça D. Vital (Antônio Gonçalves de Oliveira);

Rua Herculano Bandeira (Herculano Bandeira de Melo);

Rua João XXIII (Ângelo Roncalli)

Rua Barão da Vitória (José Joaquim Coelho);

Ponte Gilberto Freyre (Gilberto de Melo Freyre);

Rua Barão de Itamaracá (Dr. Thomaz Antônio Maciel Monteiro);

Rua Marquês do Paraná (Dr. Antônio Hermeto Carneiro Leão);

Rua Barão de Souza Leão (Inácio Joaquim de Souza Leão);

Rua Barão da Vitória (José Joaquim Coelho);

Rua Visconde de Goyana (João Joaquim da Cunha Rego Barros);

Rua Visconde de Albuquerque (Francisco de Paula e Holanda Cavalcanti de Albuquerque);

Rua Barão da Casa Forte (Antônio João d’Amorim).

O Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano é uma centenária instituição que atua como guardião da História em nosso rincão. Mas não tem força política suficiente, depois do desaparecimento de Mário Melo.

Tem o Instituto a missão, entre outras, de aprovar nomes corretos para as ruas e o significado das homenagens. Porém, não raro, a contragosto, as irregularidades acontecem, as placas são afixadas e ficam para sempre.

Esse centenário Instituto vem realizando excelente trabalho, juntamente com a Prefeitura do Recife, implantando, corrigindo e ampliando antigos nomes de homenageados em inscrições que são fixadas em paredes de azulejos, com os nomes completos dos homenageados e fornecendo preciosas informações sobre os motivos da homenagem. Assim é que se faz!

Todavia, ferindo a lei, já começaram os novos prefeitos a efetuar mudanças, como a exemplo, a tradicionalíssima Avenida Norte, que passou a ser Miguel Arraes de Alencar, personagem já homenageado com um hospital com A denominação de Hospital Metropolitano Norte Miguel Arraes.

Já referente ao Aeroporto dos Guararapes, o Burgo Mestre do Recife “inventou” de acrescentar a palavra Gilberto Freyre, dificultando a identificação. Enquanto isso, constatamos que os aeronautas continuam se referido apenas à indicação de “Aeroporto dos Guararapes”, dispensando o que se tornou, de certo modo, indigesto, ou seja, tantas denominações novas.

Esta última mudança, verdadeira extravagância porque nosso sociólogo maior já havia sido perenizado com o nome da Ponte Gilberto Freire, bem pertinho do aeroporto, na Imbiribeira, além da Fundação Gilberto Freyre.

Sobre o assunto caberia completar, porque há outros senões: dar-se nomes de logradouros a pessoas ilustres, mas que nada fizeram pelo Recife. A exemplo:
Viaduto UIisses Guimarães, na Estância e Viaduto Presidente Tancredo de Almeida Neves, na Imbiribeira. Isto sem falar em ilustres personagens de nação amiga – um dos presidentes dos Estados Unidos, homenageado com o título da Av. Presidente Kennedy, em Olinda e o antigo Cais do Apolo, aterrado e rebatizado com o nome do mais importante líder negro, o antigo Cais do Apolo, para Av. Martin Luter King, no Bairro do Rio Branco.

Exemplos até aberrantes também fomos encontrar: Rua Craveiro Lopes, homenagem ao Presidente de Portugal, que nunca moveu uma pedra em favor do Recife ou Olinda.

Espantoso, porém, foi encontrar no bairro do Ibura, no Recife, homenagem a outro português: a Rua Ministro Oliveira Salazar. Imaginem! Louvar-se o português, que segundo nota dos historiadores da “terrinha” foi o ditador do seu país, governando-o com mão de ferro durante quase 40 anos, terá sido no mínimo falta de educação histórica.

É forçoso nos referir a outra inimaginável ideia, aquela que denominou de Rua Francisco Franco, no bairro do Ibura, o que representou outra extravagância sem o menor cabimento. Trata-se, de Francisco Franco Bahamonde, mais conhecido como “generalíssimo Franco”, militar de carreira, ditador da Espanha de 1936 a 1973.

Haveria alguma justificativa de se burlar o Instituto Histórico e se preterir tantos nomes que estão à espera de ruas ou praças, para se louvar tais personagens? Naturalmente ideias de jerico!

Tudo parece haver começado a degringolar quando se alargou a artéria mais importante da Boa Vista e se trocou o nome de Rua Formosa por Av. Conde da Boa Vista.

Nesse caso um turista me observou, querendo praticar uma gozação típica de carioca, comentando que em Pernambuco a homenagem póstuma se fez ao título de nobreza não ao eminente Francisco do Rego Barros, assim como outros ilustres.

Há ainda pequenas impropriedades. A Avenida Malaquias, nas Graças, deveria ter o nome completo do saudoso cientista e médico pernambucano, formado em Paris, Dr. Antônio Malaquias Gonçalves, genro do Barão Rodrigo Mendes, que doou parte do Sítio dos Moreira para a abertura daquela artéria.

Nós pernambucanos do Recife devemos nos orgulhar de ser um povo rebelde e altivo. Inclusive para resistir a algumas iniciativas do Poder Público, no que tange à chamada desobediência civil. Mas, o troca-troca de nomes de ruas deixa os transeuntes confusos, como o caso da Rua do Sol.

À direita, a Rua Major Codeceira, teimosamente conhecida como Rua do Sol

Situada no centro geográfico da Capital, foco maior do nosso carnaval, teve seu nome citado como Cais do Machado nos idos dos 1800, conforme notas colhidas no Diário de Pernambuco.

Em 1884 a Prefeitura mudou seu nome para Rua Dr. Ivo Miquelino e em 1818 fez nova alteração para Rua Major Codeceira (José Domingues Codeceira). Mas a voz do povo continua a resistir denominando-a Rua do Sol.

Praça Rio Branco, denominação alterada para Praça Marco Zero. Foto Istock

Portanto, como se considera Pernambuco o “Leão do Norte”, precisamos resistir a essas homenagens impróprias e às substituições indecorosas, sobretudo aquela quando se afastou do centro da Praça Rio Branco o busto de José Maria da Silva Paranhos, o Barão do Rio Branco, e até se trocou o nome do logradouro, agora conhecido como Praça do Marco Zero. Uma barbaridade histórica!


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça segunda, 17 de abril de 2023

MEUS ANDARES (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

MEUS ANDARES

Carlos Eduardo Santos

Estrada de ferro Curitiba-Paranaguá. Foto de Arthur e J. J. Wischral

 

Reanima-me a inspiração o contato com os leitores, seus comentários, desde as críticas às sugestões. São ensinamentos.

Segundo meu mestre de Jornalismo, Nilo Pereira, essas atenções que eles têm são a paga maior pelos fatos que procuramos reascender em nossas crônicas. Como se uma bola que bate na parede e volta. No caso do cronista, retorna quase sempre com um aprendizado, porque o leitor sempre está atento ao que se escreve.

Outro dia me perguntaram por que o título desta coluna: “Crônicas cheias de Graça”, se às vezes enfoco temas sérios e sem a mínima conotação pitoresca.

O termo “graça”, aqui empregado, se refere a vários sinônimos e pode se apresentar por inúmeras formas. Graça, aqui empregado, é tudo que encanta. Desde uma gentileza que se recebe ou se propicia a alguém; uma coisa interessante, pois “cheia de graça”.

Na Teologia, se refere ao dom que Deus concede ao ser humano e que o torna capaz de alcançar a salvação. Como exemplo, a resposta a uma prece que retorna como a graça alcançada.

Só no vulgar é algo que tem outra conotação: “sujeito engraçado”, “moça sem graça”, ou uma “coisa que não tem graça”… Nesta coluna desejei que o termo funcionasse tudo quanto pode atrair o leitor. Até mesmo o sério, no caso, “sem graça”; porém, atraente.

Mas, em cada comentário que recebo tão gentilmente dos meus caros leitores é uma espécie de graça que alcanço; um impulso para a continuidade da função do aprendiz de cronista, que é mostrar acontecimentos vividos ou imaginados.

Outro dia, um domingo, ao despertar de boa noite de sono, veio-me, por um momento, uma palavra que jamais li: andares.

Fui ao dicionário: “Andares, vem do verbo andar. O mesmo que andejares, caminhares, vagueares, desenvolveres ou progredires.” Momento em que me lembrei do grande cronista pernambucano Mário Sette e seu livro: “Arruares” que é sinônimo de andares.

Para o verdadeiro cronista tudo é motivo e a palavra andares motivou-me a descrever por onde já andei e aqui cito alguns lugares que me empolgaram e que recomendo aos leitores.

Aos cinco anos inaugurei meus andares viajando de trem para a cidade natal de minha mãe, Belo Jardim. A máquina fumacenta, com as rodas de ferro cantando nos trilhos em cada curva, o apito, o mergulho da composição no túnel escuro e a luz da claridade natural lá no final. O primeiro alumbramento de tantos que eu provaria durante estes 85 anos!

Mal poderia prever que muito tempo depois, com esposa e filhos, eu fosse percorrer a estrada de ferro Curitiba-Paranaguá – uma das maiores obras da engenharia ferroviária brasileira – passando pelas encostas do Pico do Diabo, na Luturina, um carro para turismo.

Túnel cavado na rocha e os trilhos de mão única, ao lado da Serra do Mar

 

Segundo notas da historiadora Cecília Gomes, o trecho Curitiba-Morretes, que desce a Serra do Mar, foi eleito um dos passeios mais lindos do mundo e isso comprovei através de meus muitos andares por terras distantes do meu Recife.

Aliás, não é um passeio e sim uma aventura que há 140 anos encanta os turistas do mundo inteiro. O que mais me animou foi o fato de estar ali um Guia bem preparado, que sabia contar histórias e responder perguntas sobre aquela notável obra ferroviária, a maior do Brasil no século XIX.

Cecília Gomes nos informou que a Litorina é o primeiro trem de luxo do Brasil e o único do mundo com sistema automotriz. São três opções de carros, todos com ar-condicionado.

Viajar de trem pelo Paraná foi um dos meus melhores andares.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça terça, 11 de abril de 2023

UM RECIFE DESFIGURADO (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

UM RECIFE DESFIGURADO

Carlos Eduardo Santos

Dr. José Maria da Silva Paranhos Jr., o Barão do Rio Branco

 

Até a primeira metade da década de 1950 o Recife se vangloriava de chamar a atenção dos turistas internacionais por ser a mais europeia das capitais brasileiras.

Logo que desembarcavam dos transatlânticos os visitantes se deslumbravam com as edificações que formavam a Praça Rio Branco, em cujo centro se erguia uma estátua.

Era uma das homenagens ao jornalista, político e diplomata Dr. José Maria da Silva Paranhos Jr., o Barão do Rio Branco, figura que passou para a história brasileira por ter resolvido importantes questões de fronteiras com a Argentina, França e Bolívia.

O ilustre brasileiro também deixou seu nome gravado numa das principais artérias do mesmo bairro: a Avenida Rio Branco.

Diante do monumento, formando uma meia concha, estavam as edificações centenárias: Banco do Brasil, Caixa de Crédito Mobiliário de Pernambuco, a Associação Comercial e o Banco de Londres. Ou seja, o mais importante cartão-postal da cidade.

A moderna via rodo-ferroviária do porto, tornou-se a mais importante do bairro, todavia tomou o nome do engenheiro Alfredo Lisboa, que transformou a entrada marítima da Capital, fazendo desaparecer vários becos e travessas a fim de ser ali criada a imagem de uma autêntica capital da Europa.

A partir de 1816 o Banco Real do Brasil, primeiro estabelecimento do gênero no País, concretizou a abertura de uma filial no Recife, somente consolidada muitos anos depois com o nome de Banco do Brasil S.A.

Ocupou a sede provisória, no prédio nº 125, da antiga Rua dos Judeus, até ser concluída a sede definitiva, construída a partir da compra de um terreno, edificação que tomou o nº 427, da Av. Alfredo Lisboa, completando, assim, o arco de belos prédios da Praça Rio Branco.

A partir dos anos seguintes foram sendo erguidos os prédios da Associação Comercial e Beneficente de Pernambuco e a Caixa de Crédito Mobiliário, esta posteriormente denominada Banco do Estado de Pernambuco.

Anos mais adiante o Banco de Londres viria completar o arco de edificações neoclássicas, construindo sua sede, que tomou o endereço definitivo como Av. Alfredo Lisboa, 505.

Já se notava em 1950, nas demais ruas e avenidas do Bairro do Recife – atualmente conhecido como Bairro do Rio Branco – um conjunto de edificações tipicamente européias.

Entre as épocas históricas sempre ocorrem fatos pitorescos, surgidos da boca do povo. Tronando-se intensa a movimentação turística na região, ouvimos de inventivo e falastrão Guia Turístico uma informação sui-generis.

Dizia o Guia que o nome do bairro – Rio Branco – se devia a uma lenda assinalando ser o Rio dos Cedros, que contorna o palácio do Governo, sendo formado pelo encontro dos rios Capibaribe e Beberibe, era tão limpo que o povo lhe chamava “o rio branco”. Deslavado vício de informação.

Viria daí a enganosa identificação, desconhecendo-se a eminente figura de Dr. José Maria da Silva Paranhos Jr., de fato o Barão do Rio Branco, que acabou denominando o bairro, embora, oficialmente, São Frei Pedro Gonçalves do Recife, conforme escrituras de registros de imóveis da época.

Nos anos que se seguiram à inauguração do atual Edf. Capiba, situado à Av. Rio Branco, 243, o Banco do Brasil resolveu vender seu antigo prédio da Av. Alfredo Lisboa, 427, cujo proprietário cometeu a mais infame descaracterização do Bairro do Recife, notadamente da Praça Rio Branco, descaracterizando-a por completo.

Antigos edifícios do Banco do Brasil, da Caixa de Crédito e Associação Comercial

Sob forte influência junto à Prefeitura e ao IPHAN, obteve licença para revestir aquela edificação com uma fachada inteira envidraçada, cujo modernismo arquitetônico contrastou com os demais prédios da Praça Rio Branco. E o que o arquiteto esperava era que a fachada do conjunto ficasse assim, como de fato ficou:

Descaracterizado, o antigo prédio do Banco do Brasil, alterou a beleza do conjunto

Porém, de tal forma o fato seria percebido que os fotógrafos – até amadores – que conseguiram o artifício de fixar a imagem tipicamente europeia, sem deixar aparecer o prédio reformado.

Prédios da Praça Rio Branco, agora sob o apelido de “Praça do Marco Zero”

 

O artifício dos fotógrafos tem sido excluir a imagem do reformado prédio do Banco do Brasil, permanecendo em primeiro plano, os demais. Mesmo assim, lá atrás, aparece o Edf. Capiba, que veio quebrar parte do padrão neoclássico do conjunto europeu. Mas, no caso, somente o photoshop dá jeito.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quarta, 05 de abril de 2023

O VALEROSO GLAUCO ANTONIO (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

O VALEROSO GLAUCO ANTONIO

Carlos Eduardo Santos

Quando em 10 de julho de 1939 um grupo de 80 funcionários do Banco do Brasil fundou uma associação, mal se poderia prever que o fato despertaria muitas inteligências e quando consolidada como clube social e esportivo contribuiria para significativa modernidade urbana da cidade.

Muitos daqueles elementos de escol, durante todos estes anos, se voltaram para oferecer seus esforços e inteligências, a fim de construir um centro de atividades diversionais que completou 82 anos, sempre em crescimento contínuo.

 

 

Aquele acontecimento da fundação de um clube teve durante os anos subsequentes a participação de destemidos companheiros que viram naquela bandeira um meio de edificar algo mais duradouro e assim beneficiar suas famílias e a sociedade pernambucana como um todo.

Um desses inesquecíveis baluartes foi Glauco Antônio Estevam de Oliveira, Vice-presidente Administrativo-financeiro, que tomou para si a responsabilidade das primeiras obras de edificação da sede e a fundação da Revista AABB.

Membro da Comissão de Construção do complexo de lazer que foi surgindo no antigo Sítio dos Moreira, na Jaqueira, dedicou-se de forma pouco comum, ao trabalho dessas obras, juntamente com Geraldo de Souza e Saul Ildefonso de Azevedo.

Acertando nas escolhas, Glauco Antônio se tornou responsável pelo acompanhamento das obras, afirmando-se como personagem notável pelo acerto do planejamento arquitetônico e nas contratações e no acompanhamento.

Infelizmente veio a falecer no auge dos seus 40 anos de idade, deixando, porém, sua marca não só pelo modo de fazer amigos quanto pela maneira de manter e atrair associados para a grande obra da qual participou.

Em 1962 ssurgia uma instituição que hoje congrega mais de 3.000 associados, com todos os equipamentos capazes de manter seu corpo social ativo, dentre eles: três piscinas, estacionamento para automóveis, salão de beleza e ginásio de esportes.

Chama a atenção o acréscimo, anos depois, por iniciativa de Sérgio Loureiro, de um edifício com três pavimentos para atender aos diversos departamentos esportivos e administrativos.

Hoje o clube é um dos poucos que dispõe de duas bibliotecas, salas de dança de salão, judô, auditório, sala de estudos, sinuca, duas quadras de tênis, campos de futebol, basquete e volibol, academia de musculação, parque infantil, dois restaurantes, uma lanchonete, três salões de festa, recreação em todas as modalidades esportivas, escolinhas de ballet e natação, grupo permanente de Coral, um Memorial e uma Academia de Letras.

Ao se tornar um dos mais notáveis clubes de Pernambuco cabe nos lembrar de nomes que tanto contribuíram para que se chagasse à maravilha que é hoje a AABB.

E abrimos nossa lista com esta homenagem a Glauco Antônio, um dos mais notáveis desses personagens já desaparecidos, ele que, com justa razão, recebeu o nome do parque aquático da AABB.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quinta, 30 de março de 2023

FULUSTRECO DOS GRUDES (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO

 

FULUSTRECO DOS GRUDES

Carlos Eduardo Santos

Papai sempre foi um excelente titulador de apelidos e não raro, logo ao conhecer alguém procurava identificar uma parte do físico que fosse diferente, para rebatizar a “vítima”.

Dos companheiros associados do Atlético Clube de Amadores, clube do bairro dos Afogados, no Recife, havia uma lista de personagens que se tornaram mais conhecidos pelas alcunhas com as quais lhe batizara do que com os próprios nomes oficiais.

Volto aos anos de 1940 para entregar à História alguns desses interessantes apelidos de amigos do meu “velho”.

Clóvis de Albuquerque, funcionário do Banco Nacional do Norte, por andar sempre na ponta dos pés, tomou o apelido de “Clóvis Andorinha”.
Abelardo Correia de Melo, Investigador de Polícia, por viver contando suas agruras no exercício da profissão, pegou a alcunha de “Abelardo Metralhadora”.

Antônio Gesteira, por ser oficial das Forças Armadas, costumava demonstrar poder, estufando o peito, durante as reuniões de diretoria, quando se discutia alguma solução que fosse melhor aproveitada na evolução do Clube. Foi sorteado com a titulação de “General de Fandango”.

Marivaldo Melo, conhecido por entrar em conversas de terceiros para contar seus “causos”, ficou conhecido por “Marivaldo Falabarato”.

Certo dia a moçada comandada por Adelgísio Correia resolveu se vingar carimbando meu velho – que botava os apelidos em todo o mundo – com a alcunha de “Moleque Tutu”.

Nilo Moreira, por ser famoso “Guarda Livros” – que na época era a profissão de Contador – se tornou carinhosamente conhecido como “Contador de Anedotas”.

Paulo Monteiro, bom jogador de futebol, por ter os olhos grandes, se tornou conhecido como “Olho de Garôpa”, peixe cujos olhos são enormes.
Manuel Mendes, porque se tornou conhecido como grande namorador e vivia contando suas peripécias, foi titulado “Mané Fogão”.

Elizeu Madeira, por sua fisionomia austera e se pouca conversa, ganhou a titulação de “Máscara de Ferro”.

Finalmente, quando perguntaram a meu pai se ele já havia pensado num apelido para seu filho, imediatamente ele carimbou:

– Este será “Fulustreco dos Grudes”.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça sexta, 24 de março de 2023

MEUS ANDARES – II (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

MEUS ANDARES – II

Carlos Eduardo Santos

Nossas idas e vindas pelas calçadas do mundo jamais poderão descrever tais andanças com a perfeição dos detalhes que muitos desses caminhos registram em nossas emoções através dos tempos.

Algumas, porém, por sua significância, permanecem para sempre porque há momentos inesquecíveis na vida dos descendentes  que conseguem unir o passado e o futuro de nossas lembranças.

 

Na idade adulta poderemos melhor analisar tais fatos e ficar imaginando como o tempo correu, e em paralelo, as coisas foram acontecendo longe de nossas vistas, como se mágicas o fossem.

A descendência é uma delas. Os filhos vão constituindo suas famílias, assim surgindo nossos netos e bisnetos. Chega-se a um tempo em que imaginamos como tudo isso aconteceu, longe até de nossas vistas.

Dos onze bisnetos que formam meu ranking tenho nada menos de nove que residem nos Estados Unidos, dos quais conheço apenas sete.

Considerável distância nos separa, pois moro no Recife e eles estão espalhados por três estados americanos: Nevada, Texas e Arizona. Felizmente ainda posso rever com mais frequência Geovana e Luana, filhas de Chiquinho e Adriana, que residem próximos de nós.

Chega-se a um tempo em que recordamos o aconchego que vivemos com os netos, sem mal poder imaginar em quais lugares eles vão desenvolver suas vidinhas, pois, aos nossos desejos, mais sairiam do nosso convívio.

Mas, na velhice chega-se a um limite onde tudo vai acontecendo diferente do imaginado. Os netos se vão, na busca incessante de melhores condições de vida e os bisnetos vão surgindo aqui e ali, sem que possamos estar com eles com frequência maior.

Fico, agora, imaginando quanto nos custa um giro até lá, para me deliciar com o aconchego daquelas criaturinhas que ostentam meu nome de família.

Lembro-me agora dos primeiros encontros com eles, as alegrias que expressaram em sorrisos e abraços, ao ver pela primeira vez aquele “bisa” brasileiro que só conheciam de fotos e filmes.

Enquanto isso o mundo dá seus “rolês” e outros vão nascendo, ampliando a descendência, enquanto acontece o fenômeno das substituições. Mais adiante, tudo será para eles, também, apenas lembranças.

Recordações que vagueiam em nossos pensamentos através dos tempos.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça sábado, 18 de março de 2023

OLINDA INGRATA (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OLINDA INGRATA

Carlos Eduardo Santos

Rua Capiba, Rio Doce, Olinda

 

Há 16 anos, exatamente aos 9 de dezembro de 2005, o vereador Biai – Severino Barbosa de Souza – da Câmara de Olinda, atendendo pedido de uma comissão de moradores da antiga Rua 18, em Rio Doce, conseguiu a aprovação de nova denominação daquela artéria, para se transformar em Rua Capiba, homenagem ao compositor Lourenço da Fonseca Barbosa.

Decorridos todos estes anos, nem ao menos as placas indicativas foram colocadas no começo e fim da rua e hoje o que tristemente vemos é uma das artérias mais sujas do lugar; sem pavimentação e sem calçadas, sem reboco nos muros dos prédios.

As autoridades do município de Olinda jamais poderiam ter sido tão ingratas com aquele que deixou para sempre gravado um dos maiores monumentos musicais de Pernambuco, a canção “Olinda, cidade eterna”, que gravada pelo Garoto-prodígio, Paulo Molin, na década de 1940; por Claudionor Germano e por Carlos Reis, em 1984, ficaria para sempre na alma da cidade, formando a tríade que se completou com as músicas: “Recife, cidade eterna” e “Igarassu, cidade do Passado.”

O que se vê é um beco sujo, sem pavimento nem calçadas, num dos pontos mais importantes do bairro – porque ali se instalou a Vila Olímpica, onde acontecem grandes eventos esportivos e culturais da cidade – demonstra-se, de fato, o descaso pleno à memória de um músico que deu o melhor de si para projetar a cidade. Isto sem falar do famoso frevo: “Quem vai pra farol é o bonde de Olinda”.

 

O Recife não lhe foi ingrato, pois instalou sua estátua no principal centro do carnaval: a Rua do Sol, monumento que se encontra bem conservado e atraindo atenções dos turistas sobre aquele que louvou a cidade com várias de suas músicas.

* * *

Paulo Molin, primeiro íntérprete de “Olinda, cidade eterna”

 

 

OLINDA, CIDADE ETERNA –  Capiba

Olinda, cidade heróica,
Monumento secular
Da velha geração…
Olinda!
Serás eterna e eternamente viverás
No meu coração!

Quisera ver
Teu passado, Olinda,
Quando inda eras cheia de ilusão,
Para contemplar a tua paisagem
Para olhar teus mares,
Ver teus coqueirais…
Pular na rua com a meninada,
Brincar de roda e de cirandinha…
Depois subir a Ladeira do Mosteiro,
Rezar a Ave Maria, e nada mais,
Rezar a Ave Maria, e nada mais…

Olinda! Eterna!
Olinda! Eterna!


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça sábado, 11 de março de 2023

MÃE SINHAZINHA (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COULNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

MÃE SINHAZINHA

Carlos Eduardo Santos

Maria Cordeiro de Carvalho, aos 64 anos

É dever de cada um de nós deixar algum registro histórico sobre seus antecedentes, a fim de facilitar futuras pesquisas sobre a origem das famílias. Aqui aproveito para anotar alguma coisa nesse sentido, iniciando por uma pessoa com quem convivi na primeira infância.

Minha avó materna, Maria Cordeiro de Carvalho, nasceu em 1874 na cidade de Belo Jardim e faleceu em 18 de junho de 1943, no Recife. Era uma das filhas de Aleixo Cipriano da Silva e Teresa de Jesus Cordeiro Miscena.

Ao se casar com José Joaquim Quaresma de Carvalho, conhecido como “Zé Quirino”, agricultor, nascido em Maraial, Pernambuco, que era viúvo, adotou o nome de Maria Cordeiro de Carvalho e assumiu a responsabilidade de criar seus dois filhos: Olegário de Souza Carvalho e Joana de Souza Carvalho.

Todavia vovó Maria era mais conhecida na intimidade como “Sinhazinha” e pelos sobrinhos e netos identificada como “Mãe Sinhazinha”. Sabendo-se que se tratava de u’a maneira carinhosa para identificar algumas pessoas mais velhas. Desconheço que houvesse alguma antecedência proveniente dos antigos Senhores de Engenho e assim ter sido uma Sinhazinha, de fato.

Há quem afirme que há muitos anos os portugueses que se estabeleceram no Agreste de Pernambuco, comprando terras para criar gado, e havendo interesse da coroa de Portugal com o batismo de índias e seu casamento com homens brancos, legitimou-se, assim, propriedades de certas terras que formariam algumas famílias no município de Brejo da Madre de Deus, que depois foi parcelado para se tornar o município de Belo Jardim.

Dizia-se que Mãe Sinhazinha teria descendência com os indígenas da região – da Nação Xukuru – o que bem posso acreditar porque se notava em seus hábitos corriqueiros formas semelhantes aos procedimentos indígenas.

Fumava cachimbo todos os dias, usava ocasionalmente rapé, (um pó de plantas que tem efeito calmante e provoca espirros) e mesmo já residindo no Recife, desde o início da década de 1930, não adotou todas as maneiras da modernidade que a família utilizava.

Dormia em “cama-de-lona”, costumava fazer as refeições acocorada, não gostava de usar talheres nem pratos, apenas panelas de barro. Usava, de preferência, tamancos. Comia com as mãos, hábito que minha mãe também tinha, quando não estava diante de meu pai ou alguém estranho.

Quando papai estava viajando lembro-me que mamãe preparava a mesa de refeições completas, mas despresava os talheres. Fazia com as mãos uns bolinhos de feijão, arroz e farinha e introuzia na boca com uma satisfação incrível. Parecia uma índia na aldeia.

Um dos benefícios que recebi e que muito me fortaleceram foi seu hábito diário de ir à vacaria que ficava perto de nossa casa, para que tomassemos o chamado “leite ao pé da vaca”, como o fazia em seus tempos de criança, em Belo Jardim.

Uma de minhas tias, a saudosa tia Floriza, nunca deixou de limpar os dentes com uma plantinha conhecida como joá, mesmo já dispondo de pasta dental Palmolive.

Um dos poucos divertimentos de “Mae Sinhazinha” era ficar na janela, nos fins de tarde, apreciando as pessoas passando. Para isso, escorava os cotovelos num travesseirinho feito por minha tia Tereza. Na intimidade, momentos depois, ria comentando certos modelos de roupas das pessoas ditas modernas que transistavam pela calçada.

Dos modos da cidade grande adotou o vício de jogar no bicho, solicitando. Uma das filhas realizava tais “operações” que ocorriam na venda de Seu Pires, situada no Páteo da Santa Cruz, na Boa Vista, bairro do Recife.

Vivia aquela filha de índia em seu mundo fechado, esenvolvendo seus hábitos antigos. No lar, trabalhava geralmente perto da cozinha, ajudando a preparar os alimentos. Praticava bordados no estilo e “renda de bilros”. Usava vestidos escuros e manteve o discreto luto até seus dias finais. Não se interessava em sair de casa a não ser para ir à missa.

Mãe Sinhazinha teve 15 filhos, dos quais chegaram à idade adulta apenas oito: Sebastião (que se tornou funcionário do Banco do Brasil), Maria, Floriza, Alice e Doralice casaram-se e tiveram descendencia; Laura, Tereza e Amália, não se casaram.

Olegário, filho do primeiro matrimônio de meus avós maternos, logo cedo “ganhou o mundo”, obteve êxito no comércio de queijos da Capital, tornando-se proprietário da Leiteria Vitória, na Rua Nova além de vários imóveis.

Com o falecimento de seu pai, compreendeu que era oportuno a transferência da família do Interior para a Capital, o que realizou e a quem deu assistência durante todo o tempo que seus irmãos se fortaleceram em suas atividades profissionais.

Em vista e ter sido meu pai, por bom tempo, viajante-vendedor de produtos farmacêuticos, ficava fora de casa durante 25 dias por mês e mamãe aproveitava para passar semanas inteiras longe de nossa casa, adquirida na Vila dos Remédios, em Afogados.

Permanecíamos na residência das tias Carvalho, onde mamãe ajudava nos trabalhos de costura e bordados, pois ali havia um atelier mantido por minha tia Teresa. Tive a felicidade, assim, boa proximidae com minha avó e as irmãs de minha mãe, além de meu tio Sebastião.

Infelizmente em 18 de junho de 1943, data em que completei sete anos, aquela santa mulher veio a falecer, deixando em todos nós uma imensa saudade e notáveis exemplos de comportamento.

Índígena Xukuru, em dia de festa

De vez em quando fico matutando sobre essa minha descendência indígena e comparando alguns hábitos de minhas tias, que bem se identificam com os hábitos da Nação Xukuru.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça domingo, 05 de março de 2023

A PINCELETA DA GRAMPOULA (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

A PINCELETA DA GRAMPOULA

Carlos Eduardo Santos

Eu contava 10 anos quando participei pela primeira vez de um espetáculo de circo. Morávamos na Vila dos Jornalistas, em Afogados, Recife. Num amplo terreno vago, destinado às futuras construções, foi permitida a instalação, de uma companhia circense.

Quando correu o boato de que estava em construção uma enorme “barraca” com muitos apetrechos, inclusive caminhões que serviam como hotel improvisado para os artistas, a meninada ficou eufórica e muitos correram para acompanhar a “novidade”.

Em vista de ser nossa casa na rua próxima ao circo, houve um forte espírito de camaradagem entre os residentes e mamãe e D. Lola resolveram facilitar a vida daqueles artistas ambulantes. Porque muitos ali estavam com seus filhos pequenos.

De início as senhoras da Vila tiveram a iniciativa de manter os primeiros contatos com os visitantes, oferecendo-lhes algumas facilidades, dentre elas o fornecimento de água potável e até as lavandarias domésticas – que nesse tempo ainda eram de cimento – para diminuir o trabalho das duas famílias que com o circo vieram.

À medida que a lona foi-se levantando mais criança foram se juntando para ver a “novidade”. Estávamos deslumbrados com aquela habitação estranha. O Fekete era um circo pobre. Notava-se pela lona principal que tinha várias emendas. Os trabalhadores da montagem eram alguns artistas.

Como crianças sempre perguntam muito, aproveitei para saber do palhaço quem era o domador e onde estavam os bichos. Numa tirada fuzilante ele me respondeu que naquele circo só havia “bichos de pé”. O sujeito gozou com a minha cara.

Um os meus amiguinhos perguntou qual o nome da peça que seria apresentada na matiné do primeiro domingo. “A Pinceleta da Grampoula” foi a resposta do Pimpolhão, que era o palhaço e dono do circo, ali um simples trabalhador.

Naquele breve diálogo recebemos a “convocação” para do desfile da bandinha com alguns artistas que seria realizado na manhã do sábado, a fim de fazer a propaganda do espetáculo. A meninada logo se agitou com a possibilidade de participação. Cheguei em casa anunciando que eu iria “trabalhar com o palhaço do circo”. Foi quando meu velho “cravou”:

– Vamos ter um artista de circo na família!

Em 1944 eu ainda não frequentava cinema sozinho e as crianças com quem eu brincava de nada sabiam sobre as atividades de um circo, pois ali se apresentavam ginastas incríveis, palhaços com diálogos engraçados e todas as noites se encenava uma peça de teatro.

A estreia foi num sábado. Moradores da região se fizeram presentes para apreciar a novidade: a peça “O Ébrio”, que era representada pelo próprio dono, o sr. Fekete – ele que também fazia o papel do palhaço Pimpolhão – que se apresentava como cover do artista do filme, o famoso cantor Vicente Celestino.

O destaque maior era para a trapezista Lara, por seu corpo alvo e escultural, apresentando manobras de incrível habilidade, emolgava. Por aquela linda jovem o morador da Vila, Adelgísio Correia, se apaixonou tão loucamente que chegou a pedir a seu pai autorização para viajar com o circo para a Bahia. Uma loucura de adolescente.

No domingo à tarde o espetáculo era inteiramente diferente porque preparado para a meninada. Todavia, o circo não dispensava a parte cultural, no final do espetáculo. Uma das peças que me lembro foi: “As Peraltices de Fedegulho”. Provocava muito riso.

O palhaço Pimpolhão e a trapezista, Branca

 

Depois de algumas semanas funcionando no terreno ao lado da Vila, chegamos a imaginar que o circo bem poderia ficar ali para sempre e nós, meninos, aprenderíamos alguns malabarismos, e talvez até ir com a trupe, a fim de conhecer outros lugares onde o circo viesse a se apresentar. Sonhos infantis!…

Certo dia, ao voltar da escola, perto do meio dia, tive a tristeza de ver a lona no chão e os dois caminhões já abarrotados de material, tudo pronto para outra viagem. Envolveu-me um sentimento de tristeza e curiosidade em saber para onde ia toda aquela gente, a fim de encantar novos públicos mundo afora.

Ainda hoje quando passo pelo local sinto que minhas lembranças voltam com a força de quem desejou ser um daqueles trapezistas; homens de ações mágicas que cruzavam o espaço segurando-se na ponta dos dedos.

Somente muitos anos depois, quando adulto, vi espetáculos mais aprimorados, em circos internacionais e companhias de divertimento do mesmo gênero, que passaram pelo Recife, mas todos com a grande diferença de organização e tecnologia.

Mas, nada igual ao que participei com Eliane e Jack, em Las Vegas – o Cirque du Soleil – porque a tecnologia era envolvente e os voos dos atores, a iluminação feérica eram coisas inimagináveis. Tudo num teatro confortável e com ar-refrigerado.

Ao ver tantas peripécias daqueles artistas internacionais lembrei-me do primeiro circo de minha infância, que tanto me empolgou, o pobre Circo Fekete e seu espetáculo infantil: “A Pinceleta da Grampoula”.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça terça, 21 de fevereiro de 2023

ENGANOS E DESENGANOS (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

ENGANOS E DESENGANOS

Carlos Eduardo Santos

O saudoso Prof. Alcides Rodrigues de Sena, aos 92 anos

Estávamos fazendo uma reforma em nossa casa quando um dos pedreiros que estava de pé se curvou e ficou misturando um resto de massa, a fim de tapar um buraco. Estando de pé, apresentava-se de forma que a posição física sobressaia o “trazeiro” pra cima.

Vendo a cena, o ajudante, Zé Duda, soltou esta besteira, que tem corrido por várias bocas e lugares, constituindo um motivo de riso; mas se trata de frequente engano:

– Foi assim que Napoleão perdeu a guerra!…

Quem, na verdade perdeu a guerra e ficou nessa posição, foi o general paraguaio Solano Lopez, que ao ser atingido por um petardo caiu de bruços, com as nádegas para cima. E o povo deturpou a expressão tornando-a pitoresca e trocando o personagem.

Já Napoleão Bonaparte, que não tem nada a ver com essa história, na verdade, faleceu por envenenamento, na Ilha de Santa Helena.

Na minha carreira de editor de livros trabalhei para vários advogados com os quais aprendi muita coisa. Mas, foi com Alcides Rodrigues de Sena, de Goiana, que também era professor de História, que tive aulas memoráveis e por mais tempo, porque foram cinco livros publicados, até o tempo em que ele completou 92 anos.

Num desses trabalhos ele abordou tema sobre vários ditados vulgares que se constituíram enganos terríveis. Para evitar novas dúvidas, deixou comigo seus reparos, alguns aqui comentados.

– Agora é tarde e Inês é morta!

Nos dias atuais é comum ouvir-se esta frase ao se querer indicar que “Agora não adianta mais!”

Disse-me Dr. Alcides que o tema se refere a um episódio lírico-amoroso que simbolizava a força e a veemência do amor em Portugal, muito antes do descobrimento do Brasil, frase que foi imortalizada por Luis Vaz de Camões, em versos alexandrinos.

O episódio que poucos sabem, envolveu D. Inês Pires de Castro, u’a moça pobre, com quem D. Pedro, que era casado com D. Constança, apaixonou-se e viveu um processo de acasalamento extra-judicial, romance mal aceito pela Corte e pelo povo.

O Rei D. Afonso IV de Borgonha, em 1355, mandou o príncipe para uma caçada e estimulado pelos áulicos determinou a prisão de Inês e a matou. Com a morte de D. Constança e D. Pedro, futuro Rei de Portugal, viúvo, queria selar seu amor com Inês fazendo dela sua rainha.

Tempos depois o príncipe assume o trono em nome do pai e convocou todos os que tinham feito o massacre, inclusive os que estavam na Espanha, ordenando-lhe exumar o corpo de Inês.

Aos prantos, colocou-a no trono, vestida como se fosse a Rainha de Portugal, inclusive com as joias, e mandou que todos os assassinos beijassem a mão do cadáver. Depois de morta foi rainha, mas era tarde.

Segundo notas de vários historiadores inclusive Dr. Alcides: “D. Pedro mandou transladar o corpo de Inês com pompas de rainha, para o mosteiro de Alcobaça em 1361, quando já era rei.

Ao subir ao trono D. Pedro conseguiu que outro Pedro, o rei de Castela, lhe entregasse os homicidas, que para lá fugiram, pois os dois monarcas tinham um pacto de devolver um ao outro os respectivos inimigos.

Para imortalizar seu amor por Inês, D. Pedro jurou em presença de sua corte que se havia casado clandestinamente com ela, transformando-a, dessa maneira, em rainha após a morte.”

Entretanto, o povo entendeu e se ouviu o pronunciamento comum da célebre frase depois de divulgada por Camões:

“Agora é tarde e Inês é morta!”.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça terça, 14 de fevereiro de 2023

FILOSOFIAS BEM GUARDADAS (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

FILOSOFIAS BEM GUARDADAS

Carlos Eduardo Santos

Urso panda come durante 12 horas por dia

 

Na época de ginasiano formei um grupo com alguns coleguinhas para trocar frases filosóficas as quais muito acrescentavam os nossos propósitos nos estudos, pois o professor de História aproveitava para solicitar a apresentação de algumas coisas sobre os autores e suas biografias. Ou seja, usava os temas sugeridos nas frases.

Desde aquele tempo separei um Caderno Escolar e fui colecionando notas que mereciam ser divulgadas, iniciativa que o professor Feitosa, muito apreciou e fiz com que as apresentássemos para os colegas antes de cada aula.

Maria Bartoloméia, cujo apelido era “Maria Sapeca”, aluna inteligente e preparada, criou um modelo de escrever no quadro uma daquelas frases, de forma que a aula começava com divulgação das frases para todos, surgindo os comentários. O processo dava novos contornos não só às aulas de História mas também, às de Português.

Uma delas, copiada de u’a manchete de jornal recente, foi divulgada para sugerir uma incógnita, despertando dúvida. E a indagação era saber se a frase estava certa ou errada, a fim de motivar nossas inteligências.

“Navio brasileiro entrava no porto navio alemão”

 

Quase ninguém acertou e ficamos embatucados até que o Prof. Lucídio explicou que o verbo entravar, no caso, era interromper e não entrar. Portanto, a frase estava certíssima.

Todavia, nem sempre eram apresentações filosóficas; pois incluía também adágios, provérbios e ditos populares, alguns dos quais pitorescos e até irreverentes.

O fato chegou a chamar a atenção do prof. Augusto Wanderley Filho, diretor do Colégio Moderno, que estimulado pelo professor Feitosa foi visitar nossa classe, a fim de cumprimentar os alunos pela iniciativa e anunciar que pretendia estende-la às outras classes.

Justamente fora um dia em que “Maria Sapeca” havia chegado mais cedo para escrever na lousa essa aberração:

“Quem muito se abaixa o furico aparece!”

Os alunos que foram chegando entraram na risadaria geral, situação somente regularizada ao chegar inesperadamente o Diretor, que felizmente sem olhar para a lousa nem notou que ali estava escrito um adágio impróprio para o momento.

Enquanto ele falava sobre as boas iniciativas dos alunos e dava exemplos sobre o que se poderia acrescentar ao currículo escolar, o colega Vilmar, com extremo bom senso e agilidade, foi ao quadro, apagou a frase de “Maria Sapeca” e escreveu esta:

“Temos a honra de receber o Diretor do Colégio.”

Salvou a pátria.

Anos depois, estudante da Faculdade de Ciências Econômicas de Pernambuco, observei que o Prof. Isamar Pancrácio Fontes gostava de escrever frases importantes, no quadro, de forma que a gente iniciava a aula fixando a mente no que ali estava escrito.

Por motivo das frases havia perguntas e uma delas surgiu sobre a III Guerra Mundial, que era a grande preocupação mundial em 1955. Izamar respondeu que a partir daquele ano somente veríamos as chamadas Guerras Protetorais; isto é, embates entre países menores, protetorados e principados, embora constantemente. E é isto que estamos vendo.

Uma dessas frases do professor que bem se molda ao momento atual e jamais esqueci:

“A democracia controlada liberta; descontrolada escraviza.”

Certa feita, Luiz Vespaziano, um dos alunos tomou a iniciativa de se apropriar da ideia escrevendo esta maravilha do poeta indiano Rabindranat Tagore:

“Sem a mulher, na criação, no desenvolvimento e no desfecho final dos acontecimentos o mundo seria um livro cujas páginas estariam escritas de um lado só”. Quando o professor comentou o tema o aluno foi aplaudido.

Concluído meu ciclo escolar não perdi o hábito de colecionar adágios, provérbios, filosofias e frases pitorescas, agora facilitado pelas Redes Sociais, onde posso captar muitas notas engraçadas, embora não tenha conhecimento sobre quem são seus autores, por isso as publico sob aspas. Vejamos:

“Se você é uma dessas pessoas que vivem dizendo não tem sorte, quando estiver vislumbrando a luz no fim do túnel… corra, pois é um trem.”

“Primeiro disseram que o vírus não chega a 1 metro, depois 4 metros e agora flutua no ar. Daqui a pouco a Globo vai dizer que ele está nos chamando no portão.”

“Depois da pandemia minha vida como idoso ficou cheia de domingos”.

“Estava tudo indo bem no nosso relacionamento, até a gente ver que a comida não ia se fazer sozinha.”

“O amor não é aquilo que arde sem se ver, ferida que dói e não se sente. O nome disso é gastrite. O amor é outra coisa.”

“Não é porque eu me envolvo com uma pessoa diferente por semana, que eu não tenho sentimentos. Eu tenho tantos, que até as espalho.”

“Um panda come durante 12 horas por dia. Uma pessoa na quarentena come igual a um panda. Por isso se chama pandemia.”

“Quando você está em um lugar pensando em outro lugar, você não está em lugar nenhum.”

“Final de semana perfeito: dormir, dormir, acordar para ir ao banheiro e comer algo, dormir, redormir, em seguida dormir de novo e assim que der mudar de posição na cama para voltar a dormir novamente.”

“O transporte da minha cidade é tão precário, que o meteoro passou antes do ônibus e eu fui nele mesmo.”

“A maior prova que existe vida inteligente em outros planetas é que eles ainda não entraram em contato conosco…”

Dizem que os ursos panda comem durante 12 horas por dia. Por isso que se chama a praga do vírus Covid-19 de: pandemia.

“Se algum dia eu for bem rico, não vou querer ver meus amigos passando dificuldades. Vou embora para bem longe.”

“Criança de hoje ganha celular, tablet e vídeo game. Na minha época, eu ganhava uma sandália havaiana e quando levava uma surra era com o próprio presente.”

E finalizando, essa gracinha remetida de Campina Grande:

“Quem não pode defecar bebe garapa.”


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quarta, 08 de fevereiro de 2023

KARNE KEIJO (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

KARNE KEIJO

Carlos Eduardo Santos

Barraca de beira de estrada virou belo supermercado

Nas minhas andanças de automóvel, em 2010, quando a serviço rodei pelo meio do mundo, notadamente aquelas que empreendi para atender a assuntos de minha profissão de jornalista-editor, vi muita coisa interessante além de mensagens nos para-choques de caminhões.

De certo modo, fiz mais viagens na primeira metade dos anos 2000, notadamente partindo de Olinda, onde morávamos, para Goiana onde residiam três dos meus clientes da época. Como dirijo devagar sempre havia tempo para apreciar certas coisas engraçadas pelo caminho. A BR 101 sendo duplicada, a nova fábrica de cerveja, as barraquinhas na beira da estrada e outras novidades.

Numa delas notei um prestador de serviços de borracharia com a placa de: “Borrachudo”, ao invés de “Borracheiro”. Certo dia resolvi parar e por curiosidade, apresentei o pretexto de calibrar o pneu do suporte e indaguei o porquê de “Borrachudo”, ao que me respondeu o dono:

“Quando eu me expandi passei a vender algumas peças de automóveis. Era o tempo em que os Cartões de Crédito ainda não eram populares. Então eu aceitava cheques também de pessoas desconhecidas.

Para resgatar alguns, porém, tive problemas porque o devedor não voltava e eu ficava com o “borrachudo” na gaveta. Aí resolvi botar uma placa bem grande na frente do estabelecimento: “Borrachudo Não!”. O nome pegou!

Ocorre que com o tempo o “Não” foi perdendo a tinta e desaparecendo. Meu negócio ficou então conhecido como “Borrachudo” e o senhor é o primeiro que indaga por qual razão.”

Notei que no meio das estradas há um intenso comércio, onde se apresentam pequenas bancas vendendo variados produtos. Nessas andanças – aqui e ali – apreciando a paisagem, eu encontrava pessoas vendendo castanhas torradas. À distância já se via o fumaceiro. Era uma paradinha obrigatória para comprar alguns saquinhos do produto que muito aprecio.

Na volta, eu costumava sempre dar uma parada para comprar queijos e carnes de primeira, visto que havia preço convidativo. Perto da Usina São José, em terras de Igarassu, havia um senhor instalado com uma barraquinha modesta, na beira da estrada, mas cheia de atrativos e atendia e maneira distinta, conquistando muitos clientes e fazendo amigos.

Era conhecido e tinha certa tradição por vender carnes-de-sol e queijos de manteiga. A parada era inevitável. Com os anos a barraca virou estabelecimento comercial de fato e apresentava aspectos de uma loja moderna e bem atrativa, inclusive com vitrinas refrigeradas e outros produtos alimentícios disponíveis a bom preço. Pegara fama.

Inteligentemente o novo “ponto” se instalou em local recuado que permitia estacionamento. Tudo dava a entender que por ali havia se instalado uma alma nobre e modernizadora. Alguém com espírito progressista.

Fiquei sabendo por terceiros que um dos seus sobrinhos cursara Publicidade e um filho, Economia. Como resultado, houve a reforma.

Mas uma coisa me encabulava – sobremodo porque sou cultor do respeito à língua portuguesa: o nome da loja era “Karne Keijo”.

Fui, tempos depois, informado que o aparente erro de vernáculo era justamente para chamar a atenção dos passantes. Por isso a placa foi escrita com enganos propositais. O intuito era ficar o nome do estabelecimento gravado nas mentes da clientela e dos passantes, para sempre, porque era “diferente”.

Inácio Miranda Jr. hoje é o titular de um grupo de empresas de distribuição que já chegou a empregar 1.200 pessoas.

Inácio Miranda Jr. Presidente do Grupo KarneKeijo

De fato um marketing espetacular e hoje se observa que o “ponto” daquele comerciante simples instalado na beira da estrada, se tornou KarneKeijo Distribuidora Ltda. e KarneKeijo Logística Integrada Ltda., situada na BR 101, em Igarassu.

Rochelli Dantas e Marina Curcio publicaram reportagem no Diário de Pernambuco fazendo o relato do casal – Seu Inácio e D. Giselda – que começaram fazendo coalhadas depois supriram seu negócio com carne-de-sol. Os clientes foram aparecendo e seu Inácio prosperou botando uma lojinha com um nome chamativo: Karne Keijo, depois juntaram as palavras e fizeram um só verbete: KarneKeijo. Há 40 anos estão no ramo.

Uma criação inteligente!…


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quinta, 02 de fevereiro de 2023

ESTRELLITA (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

ESTRELLITA

Carlos Eduardo Santos

 

 

Melodias de filmes, a exemplo, jamais esqueceremos.

Para mim os compositores dos grandes clássicos deveriam receber diplomas “post morten” de Beneméritos da Humanidade, porque jamais deixarão de nos encantar em momentos do passado ou do presente, em instantes de alegrias ou tristezas.

Nas décadas de 40 e 50 fomos muito influenciados pelas canções estrangeiras, notadamente aquelas não só produzidas e divulgadas através dos filmes americanos, mas, igualmente, pela música portenha com gravações em 78 rpm.

Tive o privilégio de residir dos cinco aos 23 anos como vizinho de Jair Pimentel, sargento-músico do Exército Brasileiro, clarinetista de primeira categoria, que não raro passava horas tocando músicas maravilhosas de todos os países, independente de treinar os hinos nacionais com grande entusiasmo.

Quem passava pela casa dele não raro dava uma paradinha para escutar as maravilhas que saiam do seu instrumento.

O maestro Jair Pimentel era pai de Zaíra Pimentel, Miss Náutico e Miss Pernambuco de 1958.

 

Maestro Jair Pimentel

 

Uma dessas músicas gravou-se em minha alma juvenil: Estrellita, a “serenata mexicana”, do grande Manuel Ponce, muito difundida em arranjos para violino, piano e voz. Mas no clarinete de Seu Jair – que tocava vários instrumentos – sobressaia-se a sensibilidade que deve ter inspirado o compositor.

Ponce criou a música Estrellita em 1912 e fez sucesso inclusive com gravações por orquestras sinfônicas em vários palcos do mundo. Entre outras, Perez Prado e sua Orquestra, Billy Vogan e Orquestra e até recentemente ouvimos um LP com uma apresentação em solo de cordas pelos brasileiros Yamandu Costa e Dilermando Reis.

Em dias recentes a peça fez sucesso através de vídeos onde se apresentam a Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo e outras gravações com as sopranos Mônica Abrego, Venera Gimadieva e Belinda Ramirez, em distintos momentos, pois geralmente essa música é apresentada em recitais com soprano e piano.

Todavia, outros instrumentistas a apresentaram solando em piston, saxofone e clarinete, acompanhados de grandes orquestras.

 

Manuel Maria Ponce e o livro sobre sua vida e obra

 

Manuel Maria Ponce Cuéllar nasceu na Cidade do México, 24 de abril de 1948. Foi um músico e compositor mexicano, além de professor. Estudou em Bologna e em Berlim antes de retornar à sua terra natal em 1906. Depois disso, viveu também em Nova Iorque e em Paris. Foi louvado por sua terra como se um santo fosse.

 

Monumento a Manuel Ponce, no México

Pelo visto Estrellita permanece na alma da gente de todos os países, tornando Manuel Ponce verdadeiramente imortal.

* * *

Estrellita em solo do violinista Ray Chen e a Amsterdam Sinfonetta

 

 

 
 

Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça sexta, 27 de janeiro de 2023

CONTANDO DE 1 ATÉ 10 (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

CONTANDO DE 1 ATÉ 10

Carlos Eduardo Santos

Lotes prontos para circular

Por sorte e muito trabalho em outras profissões paralelas, vivi o pedaço de minha vida financeira até agora com certa facilidade. Mas nunca optei por pertencer ao Quadro de Tesouraria.

Aos 14 anos entrei no City Bank e aos 21 passei para o Banco do Brasil onde fiquei até me aposentar.

Nunca me preocupei em concursar-me para categorias mais elevadas porque meu destino mesmo estava ligado ao jornalismo e assim fui tramitando nas duas profissões por mais de 30 anos.

Ainda hoje me dedico às atividades intelectuais, para enfrentar condignamente a fase de aposentado, sem que me classifiquem de um “inútil-social”.

Já vi muito dinheiro no exercício da profissão bancária.

Por ter iniciado como “office-boy” no maior Banco americano, antes do expediente, a grande Caixa Forte era aberta pelos srs. Henrique Ernestino Martins e Afonso Arthur de Souza Leão, cada qual com uma chave e um “segredo”.

Eu entrava levando um carrinho de bagagens, juntamente com Seu Odilon Medeiros de Morais, o chefe-de-caixa, para retirar a dinheirama que deveria ser entregue aos caixas Luiz Martins, Dirceu Valois e Luiz Loureiro, a fim de se iniciarem o expediente.

Eram retiradas várias caixas de aço, contendo cédulas e moedas, que eu carregava sob rodas até os guichês.

Anos depois, no Banco do Brasil, fui responsável por muitas remessas de dinheiro entre agências. Os tempos eram outros! Recebíamos na tarde anterior enormes sacos de juta esborrando de papel-moeda, para conduzi-los de automóvel com destino a Caruaru, João Pessoa, Natal e de avião para Maceió, Fortaleza e Rio de Janeiro.

Numa certa época me foi sugerido optar pela carreira de Tesouraria, porque o ordenado era bem maior, mas do amigo Renato Machado Maia ouvi um questionamento:

– Você está preparado para ficar contando de 1 a 10 até aposentar-se?

Durante vários meses, quando trabalhei no Câmbio, nosso setor era separado da Tesouraria por uma tela e eu via os colegas contando as cédulas de 1 a 10, depois os maços, que também eram contados até 10 e colocava-se a fita indicativa.

Tudo funcionava contando-se de 1 até 10.

Meditei por vários dias, consultei meu velho e não tomei nenhuma iniciativa para trocar de Quadro. Deus me livre passar 30 anos contando dinheiro dos outros!

Há poucos dias conversando com o colega João Pires e Menezes – que hoje sob o peso dos seus 90 anos, ainda se delicia com seu sax – a prosa decorreu ao som de boas recordações.

Ele me disse que fez concurso para o Banco, foi empossado como Escriturário, mas por pouco tempo exerceu as atividades contábeis. Depois se formou em Direito, todavia nunca ativou seu diploma. E concluiu – com larga risada – informando que nunca deixou de trabalhar contando papel-moeda e amarrando os maços, no setor de Tesouraria, onde sempre foi bem remunerado.

Até aposentar-se o trabalho diário era contar de 1 a 10 durante seis horas.

Triste sina, contar tanto dinheiro dos outros, todos os dias!

 


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça sábado, 21 de janeiro de 2023

UCRANIANOS BRASILEIROS (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

UCRANIANOS BRASILEIROS

Carlos Edardo Santos

Kiev, a encantadora capital da Ucrânia

 

Fui encontrar alguns dados sobre Kiev em notas da historiadora Eliria Buso, com as quais, enriqueço esta crônica e agradeço.

No século IX, invasores vikings, os varegos, se mesclaram aos eslavos e fundaram o poderoso reino de Rus, cuja capital era Kiev.

A formação da Ucrânia remonta ao século IX, com a fundação do território que veio a se chamar: Rússia de Kiev. Apesar de ser um Estado antigo, o país passou a maior parte de sua história sob a influência e o domínio de outras nações.

Infelizmente somente agora despertamos para a importância dessa encantadora cidade, capital de um país ora fustigado por u’a guerra sem sentido, que vem ocupando as mídias internacionais e afugentando definidamente os turistas.

Mas o Brasil e a Ucrânia têm particularidades culturais que poucos conhecemos; todavia, desde a minha mais tenra infância ouço falar desse lugar e conheci Clarice, uma ucraniana naturalizada brasileira.

Através de meu pai que era apreciador de peças de teatro e livros infantis, eu sempre ouvia falar de uma das mais importantes famílias ucranianas que vieram morar no Brasil: os Bloch.

Kiev é a terra de onde vieram personagens que se naturalizaram brasileiros e consagraram seu viver entre nós, salientando-se culturalmente, sobremodo em cidades do Sul do Brasil.

Adolpho Bloch, nascido Avram Yossievitch Bloch foi um dos mais importantes empresários da imprensa e da televisão brasileira.

Fundador do grupo de mídia que levava seu sobrenome, foi o criador da revista semanal Manchete, em 1952, e fundou, em 1983, a Rede Manchete, além de várias emissoras de Rádio FM espalhadas por diversas capitais brasileiras.

Outro personagem de grande importância para o Brasil foi Pedro Bloch, que também se naturalizou, cuja família imigrou para o Brasil no início do século XX.

Estudou no Colégio Pedro II e posteriormente cursou a Faculdade Nacional de Medicina da Praia Vermelha, diplomando-se médico.

Chegou a lecionar na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Era considerado um dos pioneiros no Brasil na área da fonoaudiologia, tendo como seus clientes os astros da música: João Gilberto e Roberto Carlos.

Dentre seus muitos livros estão: Pai, me compra um amigo?Nesta data querida e Chuta o Joãozinho para cá.

Escreveu também as peças teatrais: Dona Xepa e As Mãos de Eurídice, esta seu trabalho mais famoso entre todos, apresentadas, no teatro pelo famoso ator Rodolpho Mayer, cuja estreia ocorreu em 13 de maio de 1950 e repetiu-se mais de 60 mil vezes, em mais de 45 países diferentes.

Mais de 50 do seus livros infantis foram inspirados quando ele atendia crianças, exercendo sua profissão de médico. Escreveu outro sucesso teatral: Dona Xepa, que foi adaptada para o cinema e uma telenovela. Era tio-avô do ator Jonas Bloch e tio-bisavô da atriz Débora Bloch.

Como jornalista, trabalhou na revista Manchete e no jornal O Globo. Faleceu aos 89 anos de idade, em seu apartamento em Copacabana.

Outra figura da mais alta representatividade na cultura brasileira foi Clarice Lispector, que entrevistando Pedro Bloch nos seus tempos de jornalista, captou esta filosofia:

Chamam de amor ao amor-próprio, chamam de amor ao sexo, chamam de amor a muita coisa que não é amor.

Clarice foi um dos maiores nomes da literatura brasileira do Século XX. Nasceu em Kiev, aos 10 de dezembro de 1920 e veio para o Brasil ainda nos braços da mãe, migrando para o nosso país devido à Guerra Civil Russa.

Veio morar no Recife, com seus pais, residindo até a juventude na Praça Maciel Pinheiro, na Boa Vista, de onde foi para o Rio de Janeiro e se projetou como uma das maiores escritoras do País.

 

O Túnel do Amor, em Kiev, Ucrânia

A foto não mostra apenas um cenário deslumbrante. É um dos parques mais verdejantes que foram bastante divulgados, antes da atual guerra, cuja localização é na cidade de Kiev, capital do segundo maior país da Europa.

Muito devemos, portanto, a esse povo que ora vemos na mídia, abandonando suas casas, carregando seus filhos, enfrentando o frio e a neve para se safar da desgraça do ataque militar de um dos seus vizinhos.

 

 


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça sexta, 20 de janeiro de 2023

CARÍSSIMA JULIANA (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

CARÍSSIMA JULIANA

Carlos Eduardo Santos

Toca a sineta do portão e vou atender. Surge u’a meninota de 14 anos, fantasiada para uma festa. Soube depois que tal evento aconteceria numa véspera de carnaval. Seria um show da “Turma do Pinguim”, marcado para uma tarde de sábado, no bairro do Pilar, na encantadora Ilha de Itamaracá.

Viera com os pais, que ficaram no carro. Desejava entregar um convite para meu filho participar da festa. Apressadinha, precisava que aquele cartão-ingresso chegasse a ele. Eu estava diante de uma futura nora e mal o sabia.

 

Nem deu tempo para um proseado. E aquela coisinha linda se foi, com cabelos esvoaçantes e sorriso nos lábios. Fui ao carro, cumprimentei Aymar e Antonieta, seus pais. Aquele instante marcaria um momento inolvidável em nossas vidas: futuro sogro e nora se conheceram.

Eu estava diante da nora, exatamente aquela que me daria um neto engenheiro, Júlio Cesar e outro, médico, o Gabriel.

Muitos anos depois, como sempre acontecia, carregada de saudades, me visitou. Proseamos à vontade e ao sair, meio acanhada, pedindo desculpas, entregou-me um envelope e despediu-se.

Escrevera apenas uma estrofe de soneto em que seu coração falava do afeto que tinha por mim. Fora uma homenagem inolvidável, papel que guardo com o maior carinho há muitos anos.

O mais interessante é que me qualificava como “caríssimo”. Palavrinha mágica que estaria presente, a partir daquele dia, em todas as nossas comunicações escritas, pois nunca me faltou seu cartão-de-aniversário ou de Natal.

Os anos passaram-se, viveram suas vidas por bom tempo juntos. Depois os afetos foram se esgarçando e hoje cada qual segue as linhas dos seus destinos. Mas o bem-querer entre nora e sogro continuam com a solidez de uma rocha.

Nunca, porém, deixamos que esses laços se desfiassem. Pelo contrário, quanto mais os tempos passam eles ficam como os fios de uma rede, que forte acolhem, sustentam e balançam os seres humanos, permitindo-lhes bons momentos de reflexão e resistindo aos anos.

Sempre estamos em comunicação, algumas das quais físicas e outras, por esta via maravilhosa que é virtual e mais intensa, fazendo parte do nosso cotidiano.

Precisando dizer às minhas noras algo sobre os meus sentimentos, no tempo em que me encontro nesta avançada quadra de minha vida, andei meditando e observei que a melhor forma de homenageá-las seria oferecendo a cada uma delas, uma crônica.

Toda crônica é uma construção. Como a vida. Exige pensar, e às vezes voltar no tempo. Sugere exibir bem-quereres. É um meio de dizer ao mundo o quando eu as amo. Quão forte é nosso grau de parentesco, porque é uma ligação para sempre.

Uma escrita desse tipo vai surgindo aos pedaços. A ideia primária se alarga independente das histórias contadas e atrai vivências que encantam.

Vamos catando, aqui e ali, algumas coisas deliciosas que hoje são parte significativa de nossas histórias. Aqui e ali o coração vai trazendo as emoções através das letras que formam palavras e frases que e evocam a construção das melhores lembranças.

Justamente aquelas que nos causam as maiores alegrias porque são inolvidáveis.

Escrever sobre uma criatura que a gente gosta é um momento sublime. Entro na madrugada para traçar estas linhas tão marcadas por boas recordações, que indicam amizades tão sublime para aquelas que me deram netos.

Temos que deixar o coração criar porque é lá dentro do peito que se aninha muita coisa boa nada se pode esquecer.

Continuamos bem próximos – eu e elas – mesmo, neste caso de Juliana e Gustavo, quando eles moraram na distante, em Aracaju, nos primeiros anos de vida.

Durante vários dias, nos finais de semana, eu lhes mandava fotos sobre nossos fatos cotidianos, como se desejássemos estar juntos no colóquio de todos os dias que sempre vivemos. Eram matérias jornalísticas que iam e vinham pelo Correio.

Por aqueles esperados “malotes” seguia um mundo de informações, para que o casal jamais perdesse o jeito de ser do Recife, notícias dos seus amiguinhos, dos nossos cconhecidos; até recortes de jornais trocávamos.

Todos os meses eu viajava 500 quilômetros para chegar ao lar deles, em Aracaju, a fim de ver meu neto Júlio Cesar e conversar à vontade com o casal. Entravamos pela noite proseando. Embora jovens, ambos já curtiam lembranças dos seus tempos no Recife. Ambos eram um tanto saudosistas.

Enquanto eu não estava com eles pessoalmente, nossas vozes se encontravam. Gravávamos em fita magnética os “cassetes” – com os acontecimentos da semana e remetíamos pelo “malote-postal” da White Martins, que os conduzia até sua Gerência em Aracaju, onde era titular, meu querido filho Gustavo Jorge.

Juliana sempre manteve comigo um sólido afeto, ao ponto de me dedicar aquele soneto onde me qualificava de “caríssimo”. Passamos a transmitir essa palavra como se um código de amor entre sogro e nora, via internet, quase todos os dias.

Ela bravamente criou os filhos de forma modelar. Diplomou-se Psicóloga e mostrou que venceria as dificuldades que teve no decorrer da vida. Vive da profissão. Hoje recebe a consagração por ter um consultório bem instalado e com clientela considerável.

E assim, caríssima, receba meu afeto maior representado por esta pequena crônica o único presente que posso lhe dar de melhor, porque saiu de dentro de mim, das entranhas do meu coração.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça terça, 03 de janeiro de 2023

FERNANDO CASTELÃO (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

FERNANDO CASTELÃO

Carlos Eduardo Santos

 

No final da década de 1940, no Recife, ao acordar do seu religioso sono domingueiro, papai tomava seu cafezinho, acendia um “Hollywood” e se aninhava junto ao rádio com toda a atenção. Concentrava-se em seu divertimento predileto: o futebol irradiado.

No início da transmissão no final da tarde a PRL-6, Rádio Jornal do Commercio, colocava no ar as vozes maravilhosas de suaprimeira equipe esportiva.

 

 

Ouvia-se, de início, a fala de Fernando Castelão que anunciava o prefixo da emissora e a formação de uma das equipes que entrariam em campo.

Logo em seguida se ouvia o vozeirão de outro narrador, Fernando Ramos, que anunciava com entusiasmo a escalação da outra equipe, salientando que o jogo teria a arbitragem do mais famoso juiz de Pernambuco.

Aí entrava Fernando Ramos comentando os méritos do juiz. Ouvia-se a costumeira citação do nome de Argemiro Félix de Sena – o popular Sherlock – aquele que participou do maior número de partidas em nosso estado.

Segundo a Federação Pernambucana de Futebol, foram 353 jogos entre 1935 e 1963.

O curioso ineditismo daquelas transmissões esportivas é que cada um dos narradores se encarregava de dar cobertura a uma parte do campo.

Castelão cuidava do lado em que jogaria o Náutico enquanto Fernando Ramos narraria a partir do momento em que a pelota cruzasse a linha divisória.

Era muito engraçado a coordenação ensaiada dos locutores. À medida em que a bola atravessava a linha do centro um deles tomava a seu cargo a narração.

Esse tipo de atração era inédito no Brasil e talvez no mundo. Impressionante se tornava a transmissão e a coordenação dos dois Fernando.

Aliás, em matéria de ineditismo, Pernambuco fez História com muitos narradores esportivos, sendo o primeiro o famoso Abílio de Castro, depois vieram Antônio Maria – que se tornou um dos maiores compositores do País – José Renato, Barbosa Filho e Ivan Lima.

Mas, como nosso foco aqui é meu saudoso amigo Fernando Castelão Pereira é preciso dizer que ele teve participação significativa não apenas na história das transmissões esportivas no Recife.

Castelão teve seu nome gravado em letras de ouro como publicitário, dono da Empresa e Publicidade Castelão Ltda., além de criador de programas especiais e animador de auditório, tanto no Rádio quanto na Televisão.

Sua estreia foi na Rádio Clube de Pernambuco, logo que chegou ao Recife, pois nascido em Garanhuns, veio para terminar seu Curso Secundário e estudar Medicina, mas se apaixonou pelo Rádio Broadcasting. Sua vida estaria ligada aos microfones e seu vozeirão ajudaria.

Sua estreia foi nas rádio-novelas da PR-A 8 – Rádio Clube de Pernambuco, nos anos 40, onde pontificavam Ziul Matos, Dorinha Peixoto, Abílio de Castro, Marcedes del Prado, Ary Santa Cruz, Manuel Malta, Ernani Dantas, José Uchôa, conforme matéria do pesquisador Renato Phaelante.

No Rádio obteve grande sucesso apresentando-se em programas na Rádio Clube, na Rádio Tamandaré e por fim na Rádio Jornal, onde permaneceu até seu tempo de vida útil, aos 81 anos. Iniciou seu êxito na Rádio Clube com o saudoso programa de auditório: “Variedades Fernando Castelão”.

Sempre se sobressaiu criando soluções.

Quando a PRA-8 teve que iniciar obras em sua sede, na Av. Cruz Cabugá, interrompendo o funcionamento do auditório, Castelão alugou o cinema Polytheama, na Boa Vista.

Comentava-se na Imprensa que teria sido coisa de louco. Mas de lá continuou recebendo seu imenso público, lotando o auditório e transmitindo suas “Variedades”, até que foi inaugurado o edifício: “Palácio do Rádio Oscar Moreira Pinto”.

Diante do continuado êxito foi atraído pelo convite de F. Pessoa de Queiroz que estava inaugurando a TV Jornal do Commercio, e aproveitou sua nova estrutura, na Rua do Capitão Lima, em moderno prédio, contando com os melhores equipamentos da época, onde tudo era novo e grandioso.

Na telinha de Pernambuco, estreou com o primeiro programa de auditório: “Você faz o show”, que era apresentado ao vivo. Nas décadas de 60 e 70 atingia quase a totalidade dos televisores ligados. Tinha como propósito promover a vida cultural, social e política do Estado.

Com o auditório sempre lotado, o programa, “Você Faz o Show” era o maior sucesso da TV pernambucana. E o grande talento do apresentador, fazia com que esse sucesso aumentasse a cada semana.

A TV Jornal do Commercio, na Rua do Lima, foi a maior empresa de Rádio-comunicação e Televisão com auditório do Nordeste. Nesse prédio Fernando Castelão fez história

Segundo notas de Miguel Santos, Fernando Castelão intervia em toda a produção técnica, da grade de programação e chegou até a trabalhar com a atriz Lolita Rodrigues, que também fazia parte da sua equipe técnica e se deslocava de São Paulo todas as semanas para compor o programa principal.

Assim o programa de Fernando Castelão representou um marco muito importante para a história dos programas de auditórios no Brasil.

Eram quadros que descobriam novos talentos musicais e a procura de pessoas desaparecidas já faziam parte do seu programa, que era apresentado com grande participação da plateia em uma linguagem bastante popular.

O programa também foi palco de grandes atrações nacionais como, Nelson Gonçalves, Ângela Maria, Dalva de Oliveira, Elizete Cardoso, Jair Rodrigues e Cauby Peixoto.

Outro ponto interessante do seu programa era o fato da obrigatoriedade imposta aos espectadores em trajar terno e gravata durante a gravação.

Seu programa durou até 1967, quando as emissoras passaram a exibir programas feitos no sudeste, reduzindo as programações regionais. Entretanto, Castelão continuou trabalhando no rádio e na televisão até o final de sua vida.

Castelão fez história. Aos domingos à noite ocorria o encontro das famílias para assistir ao melhor programa da Televisão na época. Apresentava atrações artísticas nacionais e lançou vários nomes regionais, como as Irmãs Aciomã, que galgaram o estrelato.

Era um criador de ineditismo. Além das transmissões esportivas e as apresentações de sucesso na TV, criou o primeiro programa externo de rádio, utilizando um caminhão-palco e percorrendo vários bairros da cidade fazendo suspense e distribuindo prêmios.

“A felicidade bate à sua porta”, era patrocinado pela União Fabril Exportadora. Todas as semanas promovia sorteios de muitos prémio valiosos os quais eram entregues na porta de cada ouvinte sorteado. Tudo feito com a emoção de sua voz e um entusiasmo inebriante de seu jeito de atrair ouvintes.

Mesmo com atividades tão intensas de publicitário, produtor e apresentador de programas ainda escreveu o livro: “Todos Contam sua História”, narrando sobre “causos” pitorescos do Rádio pernambucano de sua época e assinou a composição: “Frevo dos Casados”, gravado pela Orquestra de Nelson Ferreira, na Fábrica de Discos Mocambo, em 1956, que fez muito sucesso.

Devo a Castelão a organização de um jantar no Country Clube a fi de apresentar meu livro: “O Banco do Brasil na História de Pernambuco”.

Foi um dos pioneiros da televisão pernambucana. Encantou-se em 20 de agosto de 2005, aos 81 anos.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça terça, 27 de dezembro de 2022

ESCOLHENDO NOMES (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

ESCOLHENDO NOMES

Carlos Edardo Santos

 

Gina Lolobrígida

Ao sabor dos balanços preguiçosos em uma rede domingueira, aqui na varanda do 15º pavimento do apartamento onde moro, ocorreram-me lembranças de alguns nomes tradicionais com os quais eram batizadas as crianças na décadas de 20 e 30, sobremodo nas cidades do interior de Pernambuco.

Da capital nada poderei dizer porque os nomes eram bem escolhidos, tanto pela sonoridade quanto pela beleza. O meu mesmo foi objeto de uma historieta que gosto de contar aos bisnetos.

Quando ficou em “estado interessante” mamãe andou escolhendo nomes para a criança. Se fosse menina, gostaria que fosse Maria da Bethânia, influenciada por uma das valsas de Capiba, sucesso da época de 1936.

Mas estava em dúvida se mais próprio seria Maria Alice, pois dava destaque à sua mãe, que era Maria e ao seu, Alice; assim, seria Maria Alice, como ocorreria na segunda gravidez.

Se fosse um rebento seria Luiz Edmundo. Mas, aí papai palpitou, pois ficou cabreiro, imaginando que poderia ter sido algum admirador dos tempos de sua juventude e fez uma proposta um tanto sagaz. Se fosse mulher ela escolheria se homem seria ele que indicaria.

Daí, fui escolhido por haver sido um personagem do livro “Os Maias”, de Eça de Queiroz: Carlos Eduardo da Maia é uma das figuras centrais d’Os Maias, livro editado em 1888.

No interior do Estado, entretanto, onde não se dispunha de amplas bibliotecas, as condições de escolha eram mais difíceis.

Por influência do catolicismo, predominava, entre os homens certa influência dos padres que costumavam sugerir os nomes de época: Sebastião, Francisco, Severino, Pedro, João e José. As fêmeas eram identificadas como: Sebastiana, Minervina, Severina e Josefa.

Fiz, há tempos, um comentário sobre isto com uma de minhas saudosas tias, que foi batizada, juntamente com suas irmãs, naquela época.

Chamou-me a atenção os nomes com os quais meus avós maternos, ambos nascidos e criados em Belo Jardim, que batizaram suas filhas com nomes pouco comuns para uma cidade do agreste pernambucano, um local ainda bastante atrasado.

Nessa safra de tias maternas tivemos: Laura, Tereza, Alice, Doralice, Floriza e Amália. Disse-me tia Laura que desde pequenas seus nomes chamavam a atenção de suas amiguinhas de escola, por serem bonitos e sonoros.

Sabia-se que por aquelas terras interioranas os batismos eram celebrados com nomes de horrível mau gosto.

Mendonça Filho, ex-governador de Pernambuco

Quando eu estava biografando Pedro Moura Jr. – o fundador da fábrica de baterias Moura, homem ilustre na cidade, patriarca de família exemplar, cujo neto, José Mendonça Bezerra Filho se tornou político de grande prestígio nacional e Ministro da Educação, além de governador de Pernambuco – ouvi uma interessante história.

Seu Moura tivera seu casamento registrado no “Religioso com efeito civil”, com uma cunhada, por um erro cartorial. O motivo fora as semelhanças: uma se chamava Francisca Josefa e a irmã: Josefa Francisca.

Na hora do assentamento o oficial errou, trocando os nomes, e o casamento foi registrado como se a cunhada fosse a noiva. Somente anos depois, ao efetivar a compra de um imóvel é que se notou o engano e houve a alteração.

Ao entrevistar sua esposa, na residência da filha, Estefânia Maria de Nazaré Moura Bezerra, mãe de “Mendoncinha”, o então governador, indaguei qual era seu nome verdadeiro. Levou a mão em concha à boca e pronunciou baixinho:

– Josefa Francisca; mas eu odeio esse nome. E como eu era a mais moça das duas Josefas, fiquei sendo “Mocinha”. Graças a Deus.

Com o apelido recebeu homenagem póstuma em sua cidade natal no empreendimento de nome: Creche Mocinha Moura. Para se ver a força de um apelido familiar que se tornou público.

E pensando nisso lembrei-me de história que parece anedota mas foi publicada num jornal do Recife.

Ava Gardner

A esposa, conhecida por “Maricota” – cujo nome de solteira era Maria da Silva Melo – estava grávida e se sabia ser u’a menina. A futura mãe era ferrenha apreciadora da artista do cinema americano: Ava Gardner, por isso desejava que a criança fosse batizada com o nome de Ava.

O marido, Seu Benevaldo Barros do Rego, era fã de uma grande atriz italiana que fez fama na América: Gina Lollobrigida. Tiveram, por isso, que entrar num acordo.

E nesse “lá e cá” o resultado foi nefasto porque era preciso adicionar ao registro no cartório, os sobrenomes.

De forma que a menina foi registrada com um nome de impressionante mau gosto:

Ava Gina Melo Rego.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça segunda, 19 de dezembro de 2022

O TENENTE SCHULER (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O TENENTE SCHULER

Carlos Eduardo Santos

Perdemos esta semana um exemplar modelo de virtudes, o mestre de várias disciplinas de vida, Carlos Emílio Schuler, um homem incomparável.

Deus lhe permitiu a compensação das virtudes que marcaram sua longa vida de quase 106 anos. E aqui levanto, camada por camada, algumas de suas mais notáveis lembranças. Coisas que ele gostava de contar.

 

 

Viveu a infância e a juventude, como papai, num Recife ainda colonial, quando havia o Cine Ideal, localizado no Pátio do Terço, e se notava a particularidade de possuir 250 cadeiras de Primeira Classe e 217 de Segunda.

Presenciou uma pendenga entre os católicos e o Prefeito Augusto Lucena, que marcaria a história do bairro com a demolição da Igreja dos Martírios, que mesmo sendo um patrimônio histórico, foi derrubada pela Prefeitura para dar espaço à atual Av. Dantas Barreto, que acabou ficando pela metade.

Amigo de juventude de meu pai – Arthur Lins dos Santos – quando meninos, em 1920, se deliciavam com corridas sem perigos pela extinta Campina do Bode, no antiguíssimo bairro de São José, onde havia um riacho em que tomavam banho após jogos de futebol.

Lembrou-se – durante uma das muitas entrevistas que fiz para escrever sua biografia – que em 1942, para manter a preparação do Exército a fim de custear a participação na II Guerra Mundial, as pessoas eram estimuladas a doar cobre, zinco e dinheiro.

Apareceram, nos anos 30, os revolucionários relógios de algibeira, folheados a ouro, fabricados por Patechk Phillipe. As calças masculinas eram fabricadas com pequenos bolsos de algibeira para relógios e moedas. Havia relógios- despertadores que ficavam nas mesas de cabeceira.

Nos anos de sua juventude a maioria das casas de família possuíam pianos e as moças interpretavam valsas vienenses, com as janelas abertas para melhor difusão dos sons. Eram os saudosos saraus domingueiros.

Mais adiante, já aposentado, após chegar ao ápice da carreira, foi laureado pelo Banco do Brasil, durante a comemoração dos 100 anos de instalação no Recife, com o Título de Reconhecimento pelos seus relevantes serviços.

Sentiu-se um espadachim. Quando viveu a maior emoção cívica de sua vida – disse-me em confidência – foi o momento em que recebeu a espada do CPOR – Centro de Preparação dos Oficiais da Reserva -.

No campo de esportes da Polícia Militar de Pernambuco, no dia da formatura em que foi laureado Tenente da Reserva do Exército Brasileiro, em traje de gala, quando, de sua turma, foi laureado o aluno-destaque.

No momento da chamada, deu passos à frente, sacou a espada em manejos da praxe militar e ofereceu o peito ao oficial para que lhe fosse colocada a Medalha General Correia Lima, a mais relevante comenda do CPOR.

Há lembranças até pitorescas. Muitos anos mais adiante sofreria as agruras ao gerenciar o Banco do Brasil em Caruaru, que instalado numa casa residencial, onde tudo era aperto e improviso, teve que se acomodar num espaço para a Gerência junto do WC; e algum “cliente” que o fosse utilizá-lo incomodava ao outro, o Gerente, notadamente quanto ao mau cheiro do deslocamento de material fecal, os “torpedos”.

Dr. Schuler recebe Título da AABB, das mãos do Dr. Sérgio Loureiro

Das glórias pelas quais mereceu medalhas e Títulos de Reconhecimento, não se pode esquecer algumas que lhe foram conferidas pela Associação Atlética Banco do Brasil, clube do qual foi um dos fundadores.

Não se pode resumir em crônica toda uma história de vida, claro. Mas, para qualificar o saudoso Schuler, bastaria dizer que ele foi um homem que primou continuadamente pelos princípios da ética, respeito aos valores sociais e foi guiado por notável integridade e retidão de caráter.

No conceito do poeta e filósofo Mário Quintana, o Tenente Schuler, como era conhecido no Banco do Brasil, nunca será esquecido. Não estará na sepultura porque ficará conosco todas as vezes que dele a gente se lembrar como exemplo de retidão.

Quando desenvolvíamos a etapa de supervisão de seu livro biográfico, com a neta Fernanda – a real inspiradora da iniciativa – ao nos mostrar a espada ofertada pelo CPOR, notei que ficou trêmulo face à emoção de reviver aquele momento de espadachim.

A partir daquele instante avaliei o quanto valeu a guarda de tantos títulos, medalhas e documentos que havia conservado para a comprovação das muitas glórias que viveu.

 

 


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça domingo, 18 de dezembro de 2022

CLUBES DO RECIFE NOS ANOS 30 (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

CLUBES DO RECIFE NOS ANOS 30

Carlos Eduardo Santos

 

Em outra oportunidade afirmei que o ser humano por sua natureza gregária parece haver sido destinado à vivência em congregações, formando a sociedades, povos e nações.

Desde as sociedades primitivas, sobretudo as indígenas, se tem notícia de comunidades que vivem harmônicas, protegendo-se entre si sob códigos específicos.

Em momento algum, agricultores, industriários, comerciários e bancários, dentre muitas outras profissões modernas, deixaram de ter suas vistas voltadas para a interação de suas famílias através de associações.

Procuraram se juntar a esses grupos solidários entre si que foram formando culturas aprimoradas pela constante identificação dos objetivos sociais, esportivos e culturais, que se denominaram: Clubes Sociais.

Tudo isso reflete sinais de que a arte maior de nossas vidas não é ditada apenas pelas religiões, mas se constituem simplesmente o exercício da arte de conviver em harmonia.

A segunda metade dos anos 30, no Recife, foram pródigas na fundação de clubes sociais. Vivia-se aquela Recife ainda provinciana, como se ainda desejando ser a “Cidade Maurícia”.

Naqueles anos as pessoas eram avaliadas por sua inteligência e habilidades. Em nosso meio quase tudo estava por fazer. A modernidade viria muitas décadas à frente.

Jornal Pequeno, 9.07.1931. Coleção Pedro Salviano Filho

Mas, foi nessa época que foram surgindo, em maior quantidade, os idealistas, fundando clubes e criando soluções para que eles permanecessem por muitos anos em funcionamento.

Tais iniciativas buscavam proporcionar à população em geral meios de divertimentos sadios, e ao mesmo tempo, ampliar a cultura de seus descendentes.

O Satellite Club do Recife, que nem sede possuía, era uma agremiação fechada, formada por rapazes ligados ao Banco do Brasil, destinada apenas ao futebol e fez sucesso durante 10 anos até ser incorporada pela AABB em 1939.

Nesse tempo juntava-se com bancários para organizar campeonatos, participando da Liga Bancária de Futebol Amador de Pernambuco.

No Cajueiro, foi fundada a ACA – Associação Cajueirense de Atletismo, em Afogados o Atlético Clube de Amadores e o Motocolombó Esporte Clube; na Torre o JET – Juventude Esportiva da Torre, que viria a se transferir para o bairro dos Coelhos, alterando o nome de Jet Clube do Recife.

O Yolanda Futebol Clube, no bairro do Jiquiá, surgiu por iniciativa do inglês Harry Black, um dos donos da Cia. Fábrica Yolanda, que fez um campo para a prática do futebol e desenvolveu atividade social.

O América Futebol Clube foi outro grêmio que desenvolveu boa atividade dançante, mas se especializou em futebol. Sua sede era na Estrada do Arraial, em Casa Amarela.

Os recortes de jornais de 1930 nos falam que um dos organizadores do Satellite Club do Recife, era Lourenço da Fonseca Barbosa – Capiba – compositor, escritor, poeta, pintor e jogador de futebol.

A frequência e ampliação de tais iniciativas esportivas, culturais e sociais vieram possibilitar a criação de um “clube de verdade”, formado apenas por funcionários, que tomou o nome de Associação Atlética Banco do Brasil, instituição que se mantem em funcionamento pleno há mais de 80 anos, com um quadro de quase 4.000 associados e invejável patrimônio, situado no antigo Sítio dos Moreira, nas Graças.

Complexo esportivo-social da AABB, nas Graças


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quarta, 07 de dezembro de 2022

O TELÉGRAFO SUBMARINO E O SEMAFÓRICO (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

O TELÉGRAFO SUBMARINO E O SEMAFÓRICO

Carlos Eduardo Santos

 

De início me inteirei sobre os telegramas nacionais, por dois motivos. Tio Ignácio era telegrafista do Departamento dos Correios e Telégrafos e ouvi algumas conversas dele, sobre a forma e os equipamentos que manejava, a fim de desenvolver seu trabalho, através do Sistema Morse.

Depois, porque meu pai costumava passar telegramas para todas as pessoas de sua família nos dias de seus aniversários. Tinha um livrinho onde todas as datas estavam anotadas.

Havia nesse tempo outras duas empresas do ramo, porém, exclusivas de telegrafia: a Western, inglesa, e a Italcable, italiana. Ambas cobravam valores mais caros do que os nacionais, por utilizarem os cabos submarinos.

A Italcable – Servizi Cablografici, Radiotelegrafici e Radioelettrici foi uma empresa italiana que operava com telecomunicações, fundada em 9 de Agosto de 1921e somente na década de 50 se instalou no Recife.

 

Posto de Telégrafo Semafórico

 

Revendo entrevista que tive com meu saudoso amigo jornalista e escritor Napoleão Barroso Braga, recordo que fui informado sobre o antigo sistema de Telégrafo Semafórico também conhecido como Telégrafo Ótico, que operava no Recife até meados do século passado.

Ao capelão da antiga Igreja do Espírito Santo, instalavam-se as bandeiras do tal telégrafo que funcionava no alto da torre daquela igreja obedecendo à sinalização através do movimento de bandeirolas, que mantinha convênio com a Repartição Geral dos Telégrafos, norteadas pelo Código Marítmo, de acordo com a Convenção Universal para os telegramas.

Além das bandeirolas era içado um balão, acompanhado de toques de sino, a fim de avisar à população que havia navio no porto aguardando o recebimento da mala postal.

Os telegramas locais transmitidos pelo Telégrafo Ótico para os navios, com a “dança dos sinais”, se tornou bem conhecida da população. Tais códigos somente eram interpretados pelos operadores:

As bandeirolas de 1 a 4 indicavam o aparecimento de um ou mais navios no horizonte. De 12 a 26 anunciava um tipo de navio mercante. De 31 a 43 eram as categorias de belonaves.

Ainda hoje as marinhas do mundo utilizam as bandeiras para enviar mensagens e as luzes, emitidas por projetor também lembram o Telégrafo Ótico.

Em dias mais recentes a Western dominou o mercado brasileiro da telegrafia transcontinental.

Também operando cabos. transatlânticos, ligando cidades da costa sul da Europa às Américas, a Italcable tentou ser concorrente da Western, hoje, entretanto, está incorporada à Telecom-Itália. Sua filial do Recife situava-se na Av. Marques de Olinda, 225.

Edifício sede da Western, na Praça Arsenal da Marinha, no Recife

 

A mais conhecida entretanto, era a Western Telegraph Company Limited que também operava com cabo submarino e possuía sede própria, na antiga Praça Arsenal da Marinha, um prédio de quatro pavimentos.

Sabia-se que os telegramas, também naquele sistema inglês, operavam com custos de cada mensagem calculado por palavra, para os telegramas normais, que custavam três vezes mais que as mensagens Telégrafo Nacional.

Para diminuir custos as empresas comerciais inventaram um processo para diminuir a quantidade de palavras e optavam por terem endereços telegráficos – como os atuais e-mails – de forma que foram aparecendo as siglas.

Daquelas que ficaram na minha memória: Cobrama – Cia. Brasileira de Maquinaria; Sanbra – Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro, etc. Assim, evitavam as muitas palavras relativas às suas identidades, endereços e nomes completos.

Na Western eram conhecidas três formas de remessas telegráficas: Urgentes, Normais e CTN; uma espécie de “promoção”, para as mensagens que poderiam ser encaminhadas durante as madrugadas, o que se denominava Carta Telegráfica Noturna.

Bem me lembro que após às 18h eu, bancário-aprendiz, apanhava com a funcionária encarregada dos telegramas, D. Helena Richmond, uma caderneta com várias folhas de mensagens protocoladas e me mandava para o telégrafo inglês.

Lá entregava o material e não mais retornava ao Banco. Tocava a pé para a Faculdade de Ciências Econômicas, na época, situada na Rua do Hospício, na Boa Vista.

Algumas vezes, quando não havia aulas, eu ficava no balcão da Western procurando me inteirar daquele sistema, no qual eu via o funcionário enrolar o papel da mensagem e colocar numa espécie de copo que era colocado num tubo de vácuo que o transportava ao andar superior, a fim de se proceder a remessa. Para mim era um fascínio.

A propósito da redução de palavras recordo um modelo inusitado utilizado por um dos Inspetores do Banco do Brasil, Dr. Moacir Carvalho, que tinha curta frase pronta para informar à sua esposa que havia chegado, quando viajava às capitais, a serviço.

Depois de escrever o nome de Bety e o endereço da família – Praia de Botafogo, 58, Rio – grafava a resumida mensagem: “Beijos. Moacir.” e despachava o telegrama urgente.

Seria um espanto se nos anos 50 eu pudesse imaginar que poderia escrever à vontade no teclado elétrico de um computador e poder expedir mensagens e receber respostas imediatas de um dos meus bisnetos, o Logan, que reside em Las Vegas, sem pagar um só centavo, a não ser pequeno valor já incluído na conta de energia no final do mês.

São aspectos de minha juventude. Dos velhos tempos que já se foram, porém, as cenas ficaram.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quarta, 30 de novembro de 2022

ÍNDIO QUER APITO! (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

 

ÍNDIO QUER APITO!

Carlos Eduardo Satos

 

Trata-se da origem da frase, da uma velha piada que vale ser contada para a rapaziada nova,

acima dos 18 anos.

 

Rodrigo de Léon, dono do título

 

Cidadã inglesa, responsável por ONG cujo projeto era iluminar à eletricidade as casas de um grupo indígena, ao chegar à residência de um índio brasileiro, um desses já bem integrados às modernidades de vida dos brancos, e como lhe havia prometido, mandara instalar energia na vivenda.

Providências tomadas, empresa contratada, serviço executado e família do índio iluminada. Mas, como em tudo há um porém, quando a galega apareceu para ver os resultados, houve o oferecimento de algumas facilidades e índio – que nunca foi bobo – aproveitou.

Ocorre que o velho aborígene, apenas desejava que a lâmpada da sala fosse mais forte do que a do banheiro e a cidadã, para atendê-lo, solicitou uma escada para ela mesma trocá-la.

Inglesa nova, de pele branquíssima, cochas atraentes, mal vestida – pois estava com shortinho daqueles bem provocadores, quase entrando no fiofó – foi subindo degrau por degrau e em dado momento, ao se esforçar levantando as mãos para atingir o bocal, fez certo esforço e inadvertidamente, soltou um sonoro pum. Mas logo pediu mil desculpas pelo escape da inoportuna flatulência.

O velho pagé ficou admirado com a sonoridade do “assovio” emanado do trazeiro da amável dama e logo foi despertado pelo desejo sexual. Posta e acesa a lâmpada, Miss Hernen indagou:

– Índio quer mais alguma coisa?

E em cima da bucha ele respondeu:

– Índio quer apito!…

Aí vem outra história, esta bem real. Em abril de 2005 eu fazia parte de uma equipe de jornalistas que produzia Cadernos Especiais do Interior para o Diário de Pernambuco, e numa dessas missões, participamos, quando Petrolândia fez 100 anos.Uma edição especial.

Numa das folgas pedi a Zezinho, que me levasse a uma aldeia de índios para ver se eu resolveria meu velho desejo de estar diante e um nativo da região. Um índio ou uma índia de verdade.

Falou-me o motorista que eu iria perder meu tempo e sair decepcionado, porque aquela gente não “estava com nada”.

Mas havia certa jogada e tivemos que combinar com um índio que trabalhava n uma venda, um dia antes. Ele tinha influência pois ligado a um vereador local.

E avisados, recebemos sinal verde, para ir como turistas e teríamos que levar “alguma coisa”, umdinheirinho. Fomos visitar os residentes de uma aldeia próxima, cuja autoridade era uma senhora que era a cacica, D. Mirandinha e assim, realmente, logo ao chegar me decepcionei.

Uma senhora simples, gorda, vestida com roupas normais, nos recebeu sentada no batente de sua casa, sem ao menos um cocar que indicasse sua autoridade. Conversamos sobre suas origens e compreendendo que ela só dirigia a conversa para reclamar as dificuldades que sofriam seus parentes, resolvi dar no pé.

Na volta, quando nos distanciamos, Zezinho veio com esta:

– Eu não disse que o senhor não iria ver nada de índio. A véia só é de fritar bolinho!

Mas não foi só ali que me decepcionei. Quando estive no Texas, resolvi ir à forra. Pedi a um amigo para ser levado a ver descendentes de índios Cherokee. Ele riu-se marotamente, como quem diz: “Ô besteira!” Não fui advertido, disse-me ele depois, para não perder a graça.

Foi a mesma decepção. Vila de casas bem construídas pelo Governo, homens gordos, meios embriagados, com garrafas de bebidas por perto. Aquela cena triste de aposentados viciados.

Acima de tudo mal encarados, olhando para nós fazendo o gesto nos dedos, característicos de quem desejava dinheiro. Nem descemos do carro. Placas recomendavam evitar aproximação e fotografias, porque eles não gostam. Só pagando.

 

 

 

Francamente saí vencido porque esperei ver qualquer coisa parecida com os índios Navajos , que como nos filmes de minha infância eu os via montados em cavalos bravos e em guerra por seus territórios.

Foi aí que me veio à mente outra história engraçada.

Um desastre de avião, entre as sobreviventes u’a moça toda rasgada, com parte do corpo aparecendo e ao escapar dos destroços se embrenha na mata.

De repente se vê diante de um índio armado de flecha e com cara fechada. A fim de resistir a um tempo não determinado pelo desastre, levou alguns alimentos, dentre eles um saquinho de pipoca, que colocou em sua mochila.

Diante do imprevisto, soltou um sorriso e procurando minimizar a situação, lhe disse:

– Indiozinho quer pipoca?

– Não me engana, índio não quer pipoca, índio quer por pica!


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quarta, 23 de novembro de 2022

TRINCA DA CEBOLA (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

TRINCA DA CEBOLA

Carlos Eduardo Santos

 

 

Beatriz, psicóloga, Pedro Victor, médico e João, matemático. Exitosos netos

 

Sem uma bola de cristal é difícil imaginar em que vai dar a vida dos nossos descentes, a partir dos filhos, por quem nos empenhamos para facilitar suas vidas, seja na parte da educação escolar, seja, mais adiante, no caminhar das profissões e na constituição das famílias.

Mas essas atenções e preocupações não se limitam, porém, à sua preparação para a solidez econômica futura, e sim, igualmente, àqueles com quem irão se consorciar e nos presentear com filhos, netos e bisnetos.

Volto a dizer que sou um homem de muita sorte. Primeiramente porque fui criado por pais que viveram juntos até o fim de suas vidas. Isto já foi grande vantagem para o êxito futuro, porque jamais sofri o abandono de um ou de outro.

Depois, porque pude frequentar boas escolas e recebi de meu pai o definitivo emprego. Ao casar-me, em compensação, dei de presente a eles três netos, que por seu turno, formaram seus filhos de maneira a causar-lhes grandes satisfações.

Tenho ouvido durante entrevistas que faço para as biografias que venho produzindo geralmente partidas de pessoas idosas, meus clientes, a sua preocupação a respeito da vida futura dos seus filhos e fico a imaginar que todos os pais têm as mesmas apreensões.

Há poucos dias constatei que um dos netos mais novos – o João – ao participar da OBM – Olimpíada Brasileira de Matemática, ocorrida no Colégio Santa Maria, de Boa Viagem, aqui no Recife, sagrou-se um dos melhores, sendo agraciado com o título de Menção Honrosa.

Sua irmã, Beatriz, ainda muito jovem, já se havia diplomado em Psicologia e está atuando na sua profissão. Ambos são filhos do meu primogênito Carlos Eduardo, que é pai de um médico, o Pedro Victor, recém-formado.

Assim, já me sinto despreocupado sobre essa descendência porque comprovo que a trinca, outrora tão trelosa, seguiu os rumos certos, obedecendo as linhas do aprendizado orientado pela Casa Paterna alcançando o êxito.

Pelo visto, aos 86 anos, com quatro filhos, 12 netos e 11 bisnetos não tenho o que reclamar. Pelo contrário. Poderei ir-me feliz porque me esforcei para que meus descendentes seguissem as rotas do êxito e agora seguem para constituir suas famílias e me ofereceram ótimos resultados.

Portanto, minha homenagem a essa “Trinca da Cebola” tão cheia de brios.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quarta, 16 de novembro de 2022

ESTÁTUA NÃO FALA (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

ESTÁTUA NÃO FALA

Carlos Eduardo Santos

 

Este colunista entrevistando Evandro de Castro Lima

Aos 30 anos eu estava no auge do entusiasmo jornalístico. Como repórter do setor social do Diário de Pernambuco e Assessor de Imprensa do Clube Internacional do Recife sempre me colocava por perto dos acontecimentos.

Evandro de Castro Lima e Clóvis Bornay eram os astros fora de qualquer concurso de fantasias, notadamente nas festas denominadas “Bal Masquê” do Internacional. Mas só desfilavam como convidados.

Entrevistei ambos. Entre um e outro havia uma grande diferença de comportamentos, que de imediato não percebi.

Num desses momentos um deles já caracterizado para se apresentar na passarela e sob assédio de muitos colegas da Imprensa, se mantinha calmo, accessível a mais de um repórter e demonstrava ser muito culto. Notava-se por suas respostas, sempre cordiais.

O outro, Clóvis Bornay, ainda no camarim, com vestes normais, sendo maquiado. Notava-se que desejava ser o astro da noite. Não permitiu fotos, solicitando que o fizéssemos na passarela quando estivesse fantasiado.

E qual é sua fantasia? Indagou o repórter da TV Jornal do Commercio.

– Ah, meu filho, isso é segredo! Eu serei o último desfilante porque sou “hors concours”. Aí você verá.

– O senhor exerce alguma profissão além de estilista e desfilante?

– Ah, meu jovem nem queira saber. Bote ai que sou museólogo! E tá bom viu! Chega!…

Evandro, se expandiu muito mais. Disse-me que era baiano mas morava no Rio de Janeiro. Antes de dedicar-se ao carnaval, fez parte do corpo de baile do Teatro Colón de Buenos Aires.

Iniciou nos concursos de fantasia em 1956, ainda em Salvador e completou 25 anos de carreira nas passarelas, durante um desfile monumental no Rio.

Além de figurinista, era formado em Direito e exercia em paralelo a profissão de estilista. Criava suas próprias fantasias. Ingressara nos desfiles carnavalescos somente em 1956.

Foi estimulado por suas clientes a concorrer nos desfiles de fantasias, já que obtivera tanto sucesso nos traços da alta costura quanto nas defesas jurídicas.

O outro, Clóvis Bornay, sob muita insistência e ao saber que o colega dedicou bom tempo aos repórteres, no Internacional, resolveu “soltar a franga”:

– Sou “hors concours”; ou seja, desfilo por desfilar, mas não concorro. Sou especialista em vários assuntos, trabalho muito porque sou museólogo e só saio do Rio de Janeiro se for a convite e se tiver tempo.

A ambos o Brasil deve muito porque os desfiles de fantasias do Copacabana Palace se projetaram sobremodo pela presença de Evandro.

Ele venceu a disputa no Theatro Municipal do Rio de Janeiro por 21 vezes.

Clóvis Bornay  e Evandro de Castro Lima

Após seu falecimento recebeu as honras de ser patrono da Cadeira nº 16, da Academia Brasileira da Moda, ocupada pela primeira vez por Rosa Magalhães. Encontra-se, também, inserido no Memorial da Fama, do Brasil.

Finalizando uma outra entrevista a qual se realizou já nos bastidores do palco do Sport, nos contou um fato interessante:

Em 1960, ao receber o Primeiro Prêmio no concurso do Copacabana Palace, com a fantasia: “Estátua Barroca”, recusou-se delicadamente a prestar declarações à Imprensa, apontando com o dedo a impossibilidade de respostar, e por intermédio de um auxiliar ouviu-se:

– Ele está dizendo, através do gesto, que estátua não fala!


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quarta, 09 de novembro de 2022

MARCAS E APELIDOS (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

MARCAS E APELIDOS

Carlos Eduardo Santos

 

Recordo que nos meus tempos de criança e até outros mais próximos, quando os carros e caminhões receberam apelidos como se fossem gente.

O Chevrolet, 1951 era o “Cara de Sapo.”

Meu primeiro automóvel foi um Renault francês, modelo 4-CV, 1948, que se abrasileirou com o apelido de “Rabo Quente”, por ter tração trazeira.

O “Rabo Quente”

Os primeiros caminhões fabricados no Brasil, os FNM, saíram das linhas de montagem da Fábrica Nacional de Motores; e face ao emblema com três letras, se tornaram conhecidos no Nordeste como “Fenemê”.

Os Volksvagen sedan se tornaram conhecidos como “Fusquinha”.

O Volksvagen “Fusquinha”

Depois, com a ampliação das lanternas trazeiras passaram a ser conhecidos como “Fafá”, por inspiração popular nos seios da cantora Fafá de Belém.

O “Fuscão Fafá”

 

O “Rabo de Peixe”

Até os anos 50 proliferaram em nossas ruas os americanos Chevrolet “Rabo de Peixe”.

Os Reinault brasileiros – Dauphine e Gordine – fizeram grande sucesso de vendas porque eram baratos e econômicos. No entanto, sua fuselagem era muito frágil. Na época havia aparecido um leite em pó, que desenvolvia ampla propaganda, cujo lema era: “Instantâneo, desmancha sem bater.” Por isso o carrinho ganhou o apelido de “Leite Glória”.

Renault Dauphine: o “Leite Glória”

Os mais famosos carros do mundo foram os da Ford que por seu sistema de comando funcionar embaixo do volante, através de duas hastes, semelhantes a um bigode humano, ganharam o apelido de “Ford Bigode.”

Modelo T: o “Ford Bigode”

Na década de 40 o empresário Arnaud Nogueira importou um ônibus para fazer o percurso Goiana/Recife. Como as pessoas não estavam ainda acostumadas a ir para o centro da cidade a fim de embarcar, o veículo passava pelas principais ruas residenciais oferecendo vagas. Por essa facilidade, que o vulgo chamava de “sopa”, passou a ser conhecido como a “Sopa”.

Uma “Sopa”

Os “Pau de Arara”, todavia, foram os caminhões de várias marcas cujas carrocerias foram improvisadas para levar passageiros.

“Baratinha”, carros de apenas dois lugares

Tive amigos que os carros se tornaram tão família que acabaram ganhando apelidos:

“Maricota” era uma baratinha de Seu Livaldo Maia. “Gatinho” é era um Renault do meu filho mais velho e “Azulzinho” era um Fiat Uno que eu tive durante 14 anos.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quarta, 02 de novembro de 2022

HIGIENE ALIMENTAR (CRÔNICA CE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

HIGIENE ALIMENTAR

Carlos Eduardo Santos

 

 

Uma porção de lagosta ao thermidor

 

A modernidade é chocante. E pelo que vejo querem acabar comigo e com o restinho da classe dos oitentões, com essa invenção de “Higiene Alimentar”.

Quando eu era bem pequeno mamãe curava minha catarreira fazendo-me tomar mastruz com leite. Era uma plantinha mágica que ela mantinha no jardim e servia para curar pequenas enfermidades, dentre elas: tosse, catarro e doenças pulmonares.

Com o chá de folhas de abacate resolvia-se problemas intestinais e vermes, daqueles do tipo “lombriga da braba”, aquelas cobras que saiam do orifício anal sem a menor cerimônia. Tempo em que ão tinha nada de se recorrer a médicos nem remédios.

O incrível é que meu pai trabalhava com produtos farmacêuticos sendo na época Gerente do Laboratório Farmacêutico Andrômaco.

Em dias recentes surgiram as nutricionistas e as endocrinologistas, que prestam grandes serviços às pessoas nesta época cheia de novidades.

Pois bem, a turma lá de casa achou que em face de minha “idade avançada” dever-se-ia “decretar” que eu precisava ir a um desses profissionais, a fim de ser orientado quanto à “Higiene Alimentar”.

Isso é lá coisa que se invente?! Um verdadeiro palavrão. No dia da consulta a amável doutora me perguntou quem era meu geriatra. respondi – com o peito estufado – que não tinha, porque não tinha as chamadas “doenças da idade”.

Depois de ultrapassar esse portal dos 80 anos, comendo tudo quanto é coisa pelo mundo afora, eu me acostumarIa a um regime?

Primeiro me apresentaram a u’a miserável lista dos alimentos a evitar: Comidas de milho em geral e arroz branco.

Aí, logo entendi que a doutora não era amiga das comemorações de São João! E queria acabar com as festas no mês do meu aniversário.

Os “queijos amarelos”, como o meu apreciadíssimo “Queijo do Reino”, eu poderia tirar da lista do supermercado. Aí já seria demais! Era pra acabar mesmo com minha nobreza!

Fui lendo a tal lista e confirmei que a cidadã era a própria essência da ingratidão; a malfeitora dos oitentões.

A relação das proibições mais parecia o “AI-5 dos Alimentos”. Tinha tanta proibição que pensei que nem precisávamos ir à feira mais.

Evitar a todo custo – logo a partir de hoje – doces, açucares, sorvetes e bolos. E lá vem ferro! A lista era enorme. Como conseguirei seguir essa nova rotina tão degradante?…

Quanto às frutas: Evitar manga, banana, melancia, jaca e pinha. Mas logo pinha, a fruta dos condes? E concluiu recomendando dieta de milionário:

Consumir frutos do mar no mínimo duas vezes por semana; ou seja: salmão, caviar e lagosta; esse bicho, aliás, que hoje só posso pensar se passar pela calçada da Casa d”Itália e sentir o cheiro. Sobremodo se for daquela preparada “Ao thermidor”.Só ao escrefer sinto água na boca!

E vendo a cara de tristeza de um velhote que estava se despedindo da vida, arrematou, como Prêmio de Consolação o que eu também poderia comer: Oliogenoses: castanha de caju, castanha do Pará grão de bico e lentilha.

Deixei o consultório certo de que a doutorinha fazia parte de uma gangue, pronta para acabar com as “relíquias da sociedade”; nós os velhotes ameaçados pela tal Higiene Alimentar.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quarta, 26 de outubro de 2022

UM GRÁFICO AMADOR (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

UM GRÁFICO AMADOR

Carlos Eduardo Santos

 

 

Este colunista entrevistando Orlando, em 1962

 

Orlando da Costa Ferreira era um homem calado, vivia meio retraído em seu labor no Banco do Brasil, porém se sabia que era Assistente do Departamento de Extensão Cultural da Universidade Federal de Pernambuco e depois foi professor universitário.

No Banco do Brasil, trabalhou no Recife até 1964, como Assistente da Gerência até se transferir, a pedido, para o Rio de Janeiro, onde faleceu, em 1982.

Entre suas atividades externas mais expressivas sabe-se que foi partícipe de um grupo de intelectuais, tendo à frente o pintor Aluísio Magalhães, que reuniu Ariano Vilar Suassuna, José de Morais Pinho, Gastão Bettencourt de Holanda, José Laurênio de Melo, para montar uma gráfica, sem finalidades lucrativas. Mero grupo de amadores.

Compraram uma velha impressora manual e várias “caixas de tipos”, sendo Orlando o mestre da oficina. Criaram o Gráfico Amador, agremiação que chegou a publicar 27 trabalhos, driblando assim as dificuldades que todos tinham para editar seus livros porque as matérias não interessavam aos editores. As vendas não dariam lucros.

O Gráfico Amador não era para dar lucro. Foi criado para imprimir trabalhos inéditos de autores que se tornaram famosos, dentre eles Pinho, Gastão e Ariano, além do próprio Aluísio Magalhães, um dos idealizadores.

Aloísio fazia as criações artistas para ilustrar os livros, enquanto Gastão, Pinho e José Laurênio preparavam os textos. Orlando montava e os imprimia.

 

Criação artística de Aluísio Magalhães

Era uma gráfica que primava pela arte e fez muito sucesso até que na década de 60 se extinguiu, quando Orlando e Gastão foram transferidos pelo Banco do Brasil para o Rio de Janeiro, desfazendo-se a equipe.

Sobre a vida de Orlando pouco se sabe. Entrevistado em 1962 para o Diário de Pernambuco, ouvi as seguintes palavras:

Minha vida gira sob três pilares: o trabalho no Banco, a Universidade e o Gráfico Amador. O tempo que sobra é para cuidar do lar, da esposa e dos filhos.

Quando lhe perguntamos o que era o Gráfico Amador ele me disse:

Trata-se de uma iniciativa que nasceu pela coragem de vários amigos. Uma coisa assim, feito rebeldia e religião. Uma espécie de atelier gráfico e editora experimental; capaz de superar as dificuldades que temos para editar o que produzimos intelectualmente, sobretudo para introduzir os novos valores, artistas e intelectuais desconhecidos.

Cabe à nossa pequena oficina, que se acha instalada num casarão quase abandonado, na Rua do Cupim, nos Aflitos, editar sob cuidadosa forma gráfica, textos literários cuja extensão não ultrapasse as limitações de uma precária oficina de amadores, como diz o manifesto de seu primeiro boletim.

Tivemos que aprender muita coisa, sobretudo o funcionamento de u’a antiga máquina de imprimir e a maneira de manejo dos tipos gráficos que formam as letras. Você bem conhece isto porque vive em tipografias maiores editando suas revistas!

O Gráfico Amador viveu sob o empenho de Aloisio Magalhães, José Laurênio de Melo, Gastão de Holanda e Orlando da Costa Ferreira. O resto da turma era só para brilhar com suas matérias. Muita gente saiu do anonimato graças àquela pequena oficina.

Vários desses intelectuais tinham se conhecido na Universidade do Recife, pois quase todos eram professores. José Laurênio era tradutor e Aloisio Magalhães responsável pelos cenários e pelos figurinos das peças que pretendiam levar ao público.

Hoje constituem símbolos de um Recife marcado pelo pioneirismo de pepssoas que desejaram projetar suas artes durante mais de 20 anos e esses trabalhos são partes de nossa história.

Quem desejar conhecer mais sobre Orlando terá algumas dificuldades porque ele evitava os holofotes, imprimia rígidos limites para receber pessoas em seu aconchego familiar, preferindo que se desse mais ênfase ao pioneirismo do seu Gráfico Amador, que ficou para sempre na memória intelectual e gráfica do Recife.

Por isso, coube a Academia de Artes e Letras da AABB Recife o cuidado de me sugerir esta pequena nota sobre o estimado Orlando da Costa Ferreira, que marcou sua memória como um dos seus Patronos, personagem que deixou sua marca de competência nos trabalhos do Gráfico Amador do Recife, como professor universitário e seus afetos na alma da gente.

Afinal, um pioneiro gráfico amador que marcou época no Recife.

 


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quarta, 19 de outubro de 2022

ARQUIVAR É VIVER! (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

ARQUIVAR É VIVER!

Carlos Eduardo Santos

 

Folha da Manhã” o primeiro jornal em que publiquei reportagem

 

Sou um compulsivo guardador de papéis. Hábito que vem da Casa Paterna. Dizem que nas gavetas da memória a gente guarda inconscientemente tudo quanto não se pretende esquecer. Eu vou mais além. Guardo os papéis, pois são comprovantes.

Estão numerados, datados e acondicionados em caixas de poliestireno.

Quando preciso vou lá, desarrumo-as e me divirto com as coisas do passado que face à documentação conseguem me manter antenado sem nada esquecer.

Tenho muito cuidado ao guardar documentos. Tiro os grampos e os clips, para evitar a ferrugem, faço uma limpeza cuidadosa e colo aqueles que forem necessários manter como irmãos siameses.

Cada abertura de caixa é um passeio maravilhoso pelas coisas boas que já vivi. Parece que aos domingos as caixas de isopor ficam me convidando à abertura e exame da papelada.

Sim, porque o melhor que vivi em minha vida tive o cuidado de documentar, juntar comprovantes, fotografias e guardar para sempre, como se eu fosse viver uma eternidade. E sempre que revejo parte daquilo revivo os anos.

O interessante desse hábito inveterado de guardar é que sempre que vou aos arquivos antigos encontro alguma coisa que possa ser encaminhada a um amigo e faço uma cartinha encaminhando o assunto.

Quando os tempos já passaram aqueles papeis se tornam peças históricas. A utilização dessas “gavetas físicas da memória” é como se fossem a abertura de cofres, dotados de segredo, onde guardei tudo quanto não desejava que ficasse esquecido.

Na vida, em termos de arquivamentos, a sorte me ajudou. Aos 16 anos eu estava trabalhando nos arquivos do City Bank, depois, ao ingressar no Banco do Brasil, sabendo-se que eu tinha certa prática da função, fui para um departamento semelhante.

E entre as tantas emoções adormecidas eis que vou encontrar o primeiro jornal profissional em que publiquei uma reportagem há 67 anos: a “Folha da Manhã”, do Recife, que circulou em 3 de agosto de 1955; um jornal de propriedade do grande governador Agamenon Sérgio de Godoy Magalhães.

Hoje, graças aos arquivos que também guardam a pré-história de minha vida – porque lá estão as minhas ascendências colaterais, posso recordar tudo isto que me traz uma felicidade que nem posso traduzir.

E revivendo tais preciosidades fui encontrar a peça de teatro – “Amor que salva” – toda escrita à mão, por meu avô paterno, que era Juiz, jornalista e escritor, João Pacífico Ferreira dos Santos, levada à cena em 1904, em Palmares, PE.

Peça de Pacífico dos Santos, levada à cena em 1904, em Palmares

 

E, por isso, direi até filosofando: Arquivar é viver!


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quarta, 12 de outubro de 2022

UM FURO DE VERDADE (ARTIGO DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

UM FURO DE VERDADE

Carlos Eduardo Santos

 

Este colunista entrevistando o Ministro da Agricultura, Romero Cabral da Costa

Jânio da Silva Quadros foi eleito Presidente do Brasil em 3 de outubro de 1960 e tomou posse em janeiro de 1961. Nos primeiros dias, após sair-se vencedor, começaram a surgir as confabulações. Corria o boato de que o usineiro Marcelo Cabral da Costa seria o Ministro da Agricultura.

Diante disso, novo ainda no quadro de repórter do Diário de Pernambuco, procurei me adiantar conseguindo uma entrevista com ele, pessoa que conhecia de perto, a fim de que meu jornal desse o “furo”.

Todavia, tive que assumir o compromisso de que somente publicaríamos a matéria quando ele nos telefonasse.

Mas, em confiança, concedeu a entrevista e produzi a reportagem uma semana antes, enfocando o tema da algaroba, a planta milagrosa que dotaria o Nordeste de certa amplitude por vários motivos.

Acertei, então, com Antônio Camelo da Costa, editor-chefe do jornal, que minha reportagem somente seria publicada juntamente com a confirmação da notícia de nomeação do engenheiro-agrônomo, o que de fato aconteceu.

Nessa época as notícias expedidas pelas empresas especializadas – Associated Press, France Press e a Meridional – nos chegavam através e um aparelho chamado teletipo, que começavam a funcionar a partir de altas horas da noite. Parecia um fantasma. E dessa forma a notícia nos chegou antes do telefonema, o que aconteceu no dia seguinte.

Decorridos mais de 50 anos, vale a pena dar conhecimento aos leitores atuais sobre minha matéria, que fez parte de um “furo” de certa magnitude, porque a manchete da nomeação foi publicada já com a entrevista do ministro, em primeira mão.

PERNAMBUCANO ROMERO COSTA É O NOVO MINISTRO DA AGRICULTURA.

O engenheiro-agrônomo Romero Cabral da Costa, Diretor-presidente da Usina Pumaty S.A., novo Ministro da Agricultura, nos confirmou que uma das primeiras ações de sua pasta será iniciar um vasto plano de Redenção do Nordeste através do plantio de algaroba, sobremodo às margens das rodovias.

Entusiasta dessa solução, despertada pelos trabalhos de Pimentel Gomes e Guilherme de Azevedo, conhecidos agrônomos norte-rio-grandenses, está certo de que durante os cinco anos do Governo Jânio Quadros a situação de penúria em que vivemos, será outra.

A “Propolis Julisflora” – nome científico da planta – teve sua origem nas margens do Mediterrâneo, cuja excelência está não só nas qualidades alimentares, pois oferece 13% de proteínas, 45% de hidrato de carbono, mas sobretudo por sua alta capacidade de adaptação ao solo nordestino.

Tem como característica resistir aos mais hostis solos como ao mais árido clima e vegetando facilmente dentre os ricos aluviões aos tabuleiros pedregosos do sertão às dunas litorâneas.

São seus frutos a parte principal utilizada na alimentação de diversas espécies domésticas – bovinos, equinos, suínos, ovinos e caprinos – e sua folhagem é bem aproveitada.

O grande valor como forrageira está no fato de permanecer sempre verde e em produção, mesmo nos meses mais secos do ano. É, antes de tudo, a árvore eleita para as regiões que sofrem os rigores de estios prolongados.

Completando nossa entrevista, respondeu-nos Romero Cabral da Costa:

“É nosso intento, através da implantação nas zonas do agreste e do sertão nordestino uma leguminosa e forrageira que pelos seus altos teores de proteína e hidrato de carbono, contenha em seus frutos uma solução em termos de mantença da população bovina.

Essa planta que resiste com dificuldades nessas áreas desertas possibilitará o reflorestamento e finalmente por sua condição de propriedades melíferas.”

O tempo reduzido em que foi Ministro da Agricultura – apenas cinco meses – Romero conseguiu iniciar seu ‘Plano da Algaroba”, plantando várias espécies ao longo das margens da principal rodovia de Pernambuco – a BR 232 – onde a paisagem ficou mais alegre e menos agreste.

Na madrugada em que o teletipo confirmou a nomeação do ministro pernambucano, a notícia deu título à nossa matéria e hoje recordo com grande satisfação que dei um “furo” com a notícia seguida da entrevista com o ministro. Um “furo” de verdade.

 

 


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quarta, 05 de outubro de 2022

OS OLHOS NA CULTURA POPULAR (CRÔNICA CE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

OS OLHOS NA CULTURA POPULAR

Carlos Eduardo Santos 

 

Gosto de pessoas inteligentes pois aguçam meu olhar para o mundo e a vida. Os etnógrafos, como Mário Souto Maior me estimularam a abordar assuntos interessantes, sobretudo o significado das palavras e como elas podem ser utilizadas.

Definições dos olhos através do meu “olhômetro”: Órgão masculino externo da visão. (Tá  no Aurélio. Não fala que a mulher tem esse “órgão masculino”).

Significado de Olho: Substantivo masculino.

O homem tem dois olhos. (Não diz quantos a mulher tem…)

Percepção: nordestinamente serve para espiar. (espia mermo!… Tais vendo?…).

Tipos de olhos através dos apelidos: “Olho grande”, “Olho de garopa”…)

No sentido figurado: “Estou de olho em você!” (Não diz quem é você; grande covardia!…).

Indecência: Olho nú. (Nunca vi olho vestido…).

Máquina calculadora: “Calcular pela vista”: sem pesar nem medir…

Sinal de trânsito, em alerta amarelo: “Abra os olhos!”

Nas empresas de vigilância: “Olho técnico”.

Vigiar atentamente. “Ser bom de olho”.

Ser perspicaz: “Descobrir no primeiro golpe de olhar”.

Ter olhos de gato: “Ver no escuro”.

Ter olho de águia: “Enxergar longe”.

Ver com bons olhos: “Ver com simpatia e afeição”.

Ver com maus olhos: “Ver com desconfiança”.

Ver com os olhos do coração: “Desculpar os defeitos”.

Custar os olhos da cara: “Coisa muito cara”.

Falar com os olhos: “Revelar pensamentos”.

Comer com os olhos: “Cobiçar”.

Não pregar olho: “Falta de pregos e de sono”.

Fingir que dorme: “Não dormir; só para enganar”.

Olho de seca-pimenta: “Olho mau”.

Agir com um olho aberto e outro fechado.: “Desconfiar”.

Provérbios:

“Em terra de cegos, quem tem um olho é rei”.

“Olho por olho, dente por dente: “Tirar o couro da pessoa”.

O olho na música:

Na voz do saudoso cantor português, Francisco José, parte dos versos de “Olhos Castanhos”, a música que “derruba” qualquer cidadã, ao ouvi-la:

Teus olhos castanhos
De encantos tamanhos
São pecados meus
São estrelas fulgentes
Brilhantes, luzentes
Caídas dos céus
Teus olhos risonhos
São mundos, são sonhos
São a minha cruz
Teus olhos castanhos
De encantos tamanhos
São raios de luz.

 


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quarta, 28 de setembro de 2022

INSIGNE FICANTE (CRÔNICA E CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

INSIGNE FICANTE

Carlos Eduardo Santos

 

 

Bacia do Pina, onde os hidro aviões amerissavam servindo como espetáculo de domingo

 

Não raro quando preciso de um tema para estas crônicas passo a procurar em velhos recortes, notas, fotografias, cenas ao vivo que ficaram na e lembrança, todas bem guardadas nos meus arquivos Nesses momentos me vejo diante do meu próprio passado.

O meu Recife de ontem. Quanta coisa mudou nestes 80 anos! Vale a pena informar aos novos.

As cenas das quais aqui falo se passaram numa época em que só existia o Aeroporto Militar do Ibura e a maioria dos aparelhos comerciais eram hidro aviões, cujo local de pouso era em plena bacia do antigo “Rio do Sargento Pina”.

Do aeroporto de Santa Rita, no bairro de São José, permanecem as recordações de dois tempos. O primeiro, aí por volta de 1942, em Plena II Guerra Mundial, quando as pessoas e a vida da cidade ainda não sofriam senão com as notícias de jornais sobre o conflito que devastava a Europa.

O Recife vivia ainda sua mansidão, seus ares bucólicos. Minhas primas, Yeda e Nicinha me levavam para ver as amerissagens dos aviões aquáticos.

Um espetáculo inolvidável! Os jornais anunciavam as chegadas de aviões e as famílias programavam os passeios.

Nos primeiros dias a gente se concentrava no “Chupa”, uma espécie de praia formada pelas margens do Rio do Pina – atual Cais José Estelita – onde o espetáculo era mais deslumbrante. Ficávamos horas esperando a passagem dos aviões com destino ao cais. As primas tinham o cuidado de levar um lanchinho e sucos para amenizar a espera.

Ficávamos de olhos fixos no rio. Era possível ver os aviões chegando e voando baixo. Apareciam no local onde havia a antiga ponte só dos bondes, e vinham perdendo altura até pousar na água. Um alumbramento!

Dias depois minhas primas atenderam ao meu pedido para ver um avião de perto, encostando no cais e as pessoas desembarcando. A grande curiosidade infantil.

Tive o privilégio de ser levado a ver a chegada do “bichão” e o desembarque dos passageiros.

O que se chamava Cais de Santa Rita era um quadrângulo bem delineado que funcionava como porto, embora precário. Esse quadrilátero foi, anos mais adiante, aterrado. Na época não havia tantos armazéns de açúcar, de forma que a parte quadriculada funcionava como uma espécie de tanque onde os veleiros aportavam.

O espaço servia como porto de barcaças que conduziam sacos de açúcar para os armazéns, descargas que aconteciam principalmente nos dias de semana. Estivadores musculosos sustentando na cabeça sacos de 60 quilos saiam das barcaças e atravessavam a rua para chegar aos armazéns. Servia, o “tanque d’água”, igualmente, como Estação de Passageiros ao ar-livre. Tudo muito precário e sem o mínimo conforto.

Os hidroaviões chegavam como se barcos fossem. Depois eram puxados e amarrados por homens fortes, até a beira do cais. Após a colocação de uma escadinha as pessoas desembarcavam na maior precariedade. Mas via-se um festival de abraços e sorrisos.

Aí, revendo estas lembranças de passageiros que saiam para viajar nos aviões aquáticos – o que muito impressionava a criança que eu era – cheguei, certa feita, ao ponto de indagar às minhas primas:

– Aquelas pessoas vão viajar para o céu? E lá tem rio para o avião parar?

Moderno hidro-avião

E recordando estas indagações que somente anos mais tarde tomei ciência, lembrei-me de uma historinha contada pelo amigo escritor Edson Mendes de Araújo Lima, referente à uma cena ocorrida em passado recente.

Ao despedir-se de um colega de trabalho, no interior da Paraíba, a fim de proceder a uma viagem de automóvel, ocorreu o seguinte diálogo, quando ele foi saudado por seu ex-Gerente:

– Até breve insigne viajante!

E Edson, inteligente, engatilhou:

– Obrigado insigne ficante!


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quarta, 21 de setembro de 2022

UM CERTO SENHOR SALVADO (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

UM CERTO SENHOR SALVADO

Carlos Eduardo Santos

 

Osmar Salvado de Lima – Tenente Aracaty

 

Disseram-me certa vez que eu nunca tentasse voltar ao passado físico. A algum lugar de sabor intenso para o espírito. O amigo Osmar Salvado de Lima, mais conhecido como “Tenente Aracaty”, versado em filosofias, poeta em dias de domingo e também filósofo, costumava dizer: “Nada é igual na repetição”. Tomei isto como norma!

Portanto, nunca encontraremos o lugar como era antes, as pessoas com as mesmas fisionomias, as casas com o mesmo jeito, os velhos quintais arborizados. O melhor mesmo será manter apenas as velhas lembranças da mente. E assim fica tudo como era antes.

No decorrer destes 86 anos de vida conheci pessoas que marcaram minhas atenções pelos modos pessoais de convivência, pensamentos, ideias e formas de vencer dificuldades do cotidiano.

Alguns deixaram registros tão significativos que faço questão de viver repetindo-os e transmitir, porque sua notabilidade e exemplo podem orientar os mais jovens.

Um deles foi Osmar Salvado de Lima, um carioca que se tornou recifense para sempre. Meu amigo até seus 102 anos bem vividos. Recentemente encantou-se, ainda com a mente intacta para relembrar coisas do Recife. Um personagem que merece muito mais do que estes breves comentários.

Teve pouco estudo na juventude. saíra de casa com 13 anos de idade e passara a adolescência trabalhando avulso em várias atividades. Sendo o mais velho, havia ouvido dos irmãos menores uma frase desconcertante, em conversa entre eles , que jamais souberam que ele havia escutado:

“Tomara que o Osmar cresça logo e vá embora para sobrar mais comida para a gente”. Foi a pobreza que o levou a sair de casa e parar de frequentar a escola pública. Mas, no decorrer dos tempos de caserna foi autodidata e cresceu na arte de escrever, fazer versos e filosofar.

Entrou na Marinha do Brasil no tempo em que o Brasil participou da II Guerra Mundial e precisava de jovens altos e fortes. Não chegou, portanto, a viver as delícias da juventude carioca, pois serviu a melhor parte dessa época na caserna.

Como Fuzileiro Naval foi até o fim da carreira chegando à Reserva Remunerada quando servia no Recife.

Redigia como ninguém. Inteirado do assunto, pegava a esferográfica e uma folha de papel-jornal – que sempre usava para rascunhos – e escrevia com facilidade. Dominava a clientela através de correspondências.

 

Possuía raciocínio incrível. E ideias, nem falar. Tino comercial de fazer inveja. Cinegrafista amador, possuía u’a máquina de Super-8 e os apetrechos para editar suas películas.

Deu-se bem como empresário, implantando no Recife o sistema oficial de Vigilância Ostensiva Patrimonial.

Fundou o Grupo Preserve, empresa e Segurança Privada e Transporte de Valores, instituição que só com idade avançada transferiu para outro Grupo, considerando que havia chegado ao pódio em duas profissões, como militar e empresário.

Quando me aposentei como bancário fui seu assistente um bocado de tempo. Líder do ramo, ajudou a fundar duas associações de classe: o Sindicato dos Vigilantes e depois a ABTV – Associação Brasileira dos Transportadores de Valores, que tinha status de sindicato.

Tinha percepção incrível. Jamais se negou receber quem quer que fosse. Quando havia pouco tempo para o atendimento, “aplicava” seu método infalível para abreviar o assunto: recebia o consulente de pé, dando a entender que seu tempo era curto e dava a entender que estava de saída.

Passando, certa feita, pela Av. Visconde de Suassuna me deparei com a placa: “Grupo Preserve”. Visando apenas cumprimentá-lo pelo êxito de sua empresa, subi com um amigo.

Recebeu-me de pé. Notei que estava apressado para sair. Abreviei os cumprimentos e como conhecia bem sua trajetória até aquela posição como empresário, iniciei minha prosa anunciando que estava feliz em vê-lo exitoso. E encerrei a visita.

Logo indagou a finalidade de minha visita e repeti a história: Só vim cumprimentá-lo! Deixei meu cartão-de-visita de auditor contábil e me mandei. Deve ter ficado admirado porque pensava que eu fosse solicitar alguma coisa.

Tempos depois, já funcionando numa ampla casa na Rua Montevideo, no Derby, recebi telefonema para uma visita. Contratou-me, fiz uma auditoria e fiquei como seu Assistente durante quase oito anos.

No Sindicato das Empresas de Segurança Privada do Estado de Pernambuco situado na Av. Agamenon Magalhães, a Sala de Reuniões leva seu nome; de fato como se tornou um emblema na sociedade em geral: Tenente Aracaty, homenagem que recebeu ainda com vida.

Tinha macetes incríveis. Provava sabedoria: todas as procurações que outorgava aos seus colaboradores venciam-se em 31 de dezembro; e só se utilizava do Cartório Pragana para todo e qualquer registros.

Comprou um dos primeiros carros movidos a álcool no Recife. Negociou na agência Ford um Corcel, muito barato porque ninguém queria usá-los na época, face à fama de defeitos que apresentava.

Dizia-se que caia as rodas dianteiras por causa do sistema de tripoides, até que apareceram as juntas homossinéticas; e demorava a “pegar”, ficava engulhando na rua, chegando às vezes a arriar a bateria, pois o motor era muito solicitado.

Experiente, sabendo que certos carros precisavam usar gasolina azul ou esquentar o motor por algum tempo – como o velho Landau que possuiu durante muitos anos, o qual possuía uma pequena luz amarela indicativa de “motor aquecido”, topou comprar o Corcel II, que era o mais novo lançamento da Ford.

Mas aplicava um macete pouco usual. Ao acordar ia à garagem, acionava o acelerador várias vezes, sem ligar a chave. Depois ligava o motor de arranque e quando o bicho pegava ele ia fazer a barba e tomar banho. Só depois deixava o motorista Lourival tirar o carro da garagem.

Depois teve a elegância de ir à concessionária Concórdia S.A. e ensinou ao chefe dos mecânicos como era a manobra para o carro não dar problemas. Acabaram-se as reclamações. Presenciei quando o Gerente, Jordano Parmera, foi à Preserve lhe agradecer a adoção do macete.

Aprendi muito; com ele viajei para Salvador e Rio de Janeiro, a fim de preparar reuniões para a fundação da Associação dos Brasileira dos Transportadores de Valores. Ficamos hospedados no Hotel Meridien.

Lembro-me com entusiasmo que no dia da festa de confraternização ele fez um discurso tão emocionante que foi aplaudido de pé e abraçado por quase todo o auditório, onde estava boa parte da mídia salvadorenha; peça que, aliás, constou da ata de fundação, como Anexo.

Aqui, recordo, portanto, apenas algumas coisas que ele gostava de conversar comigo durante nossas viagens. E dessas lembranças tão saborosas anotei algumas que foram esmerilhadas e adoçadas com boas risadas, sobre histórias engraçadíssimas que ele tão bem sabia contar.

Viajamos à Paraíba semanalmente, onde íamos inspecionar as filiais da Preserve em João Pessoa e Campina Grande. Suas histórias eram sobre fatos dos quais foi protagonista. De algumas delas fui partícipe. Narrativas que mais pareciam piadas.

Na barra de rolagem de minha privilegiada memória vão surgindo as lembranças de vários tempos que se foram, nossos usos e costumes. Tradições que tanto Aracaty relembrava. Depois que se aposentou passou a fixar no papel seus pensamentos, sob a forma de poesia, que escrevia do jeito que lhe parecesse mais pessoal:

Amor, amizade e convivência tudo é igual à futura, próxima ou remota saudade.

O amor é o sal da saudade. Mas não é imprescindível. Apenas a reforça. Ela existe firme e forte sem ele. Depende de quem escreve, depende de quem lê, depende de quem está vivenciando. Se houver reciprocidade, há, tenho certeza!

O coração, este órgão com tantas importantes funções, é também, talvez e principalmente, um tradutor de sentimentos, um decodificador de emoções, pessoal e intransferível. Por isto, responsável pelos mais contraditórios resultados. De um coração para outro, elas, as diferenças, poderão ser abissais.

Li, não me recordo onde e qual o autor, que determinado personagem “Se sentia só, no meio da multidão.” Sempre duvidei. Hoje, não só compreendo como aceito que é válida, esta afirmativa.

Ao completar 100 anos tornou-se cronista e escreveu:

Em meio ao excesso de atenção, cercado de amor e carinho, onde transborda o interesse pelo meu bem estar, o cuidado com os remédios na hora exata, os olhares de admiração, atenção e respeito.

Se fecho os olhos, falam baixo para não me acordar, o que seria impossível porque só se acorda quem está dormindo. O ajuste do chinelo, quando vou calçá-lo; a mão estendida quando vou me levantar; o alisado no restante do cabelo.

O ombro amigo quando caminho; a colocação de um pires sob meu queixo quando vou beber, seja lá o que for, para não derramar na camisa.

A pergunta constante: se quero ver outro programa do rádio ou da televisão; Os amigos querendo que não suba escada. Vou me sentindo: “Só no meio da multidão”.

E vai daí, uma nuvem que escurece meus olhos, não só os do rosto, também os da alma…

A partir deste ponto, ela vem chegando.

Não bate, não pede licença, silenciosamente se insinua e se apossa de mim. Aprendi a identificá-la. E ela, silenciosa, estronda meus tímpanos. Sua lentidão vertiginosa me deixa tonto.

É a felicidade que me intimida. É a luz que me cega. É a beleza que me assusta. É a tranquilidade que me provoca taquicardia, enfim, é a saudade.

É o passado voltando. São as coisas boas que se foram que me entristecem. São as coisas ruins que não me incomodam mais, que me alegram. É o contraditório me acuando.

É a frustração, é o arrependimento, de não ter agido melhor; encontrado solução mais adequada, em certas circunstancias.

É o sorriso com lágrimas de dor. É o choro convulso por um ato feliz. É o excesso de satisfação e felicidade. É a vida com cheiro de morte. É a morte nos voltando para a vida. Enfim, repito, é a saudade.

É indefinida, não tem uma sequência lógica, não encadeia os fatos, bloqueia nosso raciocínio, e pergunto: Isto nos trás felicidade? Nos torna feliz? Ou apenas mexe com nosso sistema nervoso?

Mexe e me faz feliz. Fará você também. E fará feliz todo aquele que aceitar o adágio popular: “Recordar é reviver”, é viver de novo.

Ameaçado de infarto, hospitalizado, sem definição de sua situação real, escreveu na madrugada de 23 de agosto de 2017, texto que chamou de “contraditório”, que acima transcrevemos.

Este, portanto, era o meu amigo Tenente Aracati, um certo senhor Salvado.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça terça, 13 de setembro de 2022

PELA ESTRADA DA VIRTUDE (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

PELA ESTRADA DA VIRTUDE

Carlos Eduardo Santos

 

O poeta Carlos Rabelo conversando com Francisco Nogueira Lima

 

Carlos Antônio Rabêlo é um amigo especial, pois sendo poeta se emparelha a outros intelectuais do ramo. É merecedor, portanto, desta homenagem. Sobremodo por ser cavalheiro que sempre andou, de fato, pela estrada da virtude.

Conheci o cidadão que irei aqui louvar, quando há cerca de nove anos participamos do Conselho de Administração da AABB-Recife e formamos “aquela parelha”.

Somos afins na arte de apreciar os tira-teimas com as letras, principalmente pelo gosto das piadas escritas e prosas pitorescas. Foi meu coautor, com Célio Pereira da Silva, no livro: “Realmatismo – Um time de coroa”, focando as culminâncias dos “véi” que amam a pelota.

Rabelo está ligado a uma confraria de beletristas de São José do Egito, que é a Capital da Poesia de Pernambuco e, também, o “Berço da Poesia”.

Dentre os cobras que viveram e os que vivem por lá: Dirceu Rabêlo, Antônio Marinho, os irmãos Batista, Mário Gomes, Cancão, Jó Patrióta, Rogaciano Leite, Zé Catôta e outros.

Meu amigo é hábil no trato das rimas e na filosofia popular, artes que domina desde jovem. Aqui e ali, porém, as “lambanças” lítero recreativas dele costumam tirar a gente do sério, oferecendo-nos coisas engraçadíssimas.

De sua vida pregressa pouco poderei falar. Deus me livre! Só sei que passou pela vida profissional e com pleno sucesso, sobremodo como gerente de agências do Banco do Brasil de onde é aposentado e se formou em Direito.

Mas, foquemos um pouco de sua arte. Certa feita trocamos comentários sobre um sonho tenebroso que vivi. Na cena onírica eu me via comprando um jazigo. Contei ao poeta e ele disparou este poema, a respeito do assustador momento. E fez a remessa acompanhada de um bilhete:

Ainda bem que você em matéria de premonição tú num tá com nada! Mas, como gostei do seu texto, sob a ótica literária, naturalmente, fiquei inspirado e fiz esse poeminha pra você.

“Amigo, a morte virá,
Isso é muito certo,
mas deixe que ela venha
como veio a vida,
sem aviso,
sem tempo,
sem lugar,
sem que a gente saiba,
sem um antecipado arquivo
onde ela caiba.

Há outra passagem que nos liga: o livro “REALmatismo”, nome que foi sugestão do muito inteligente e não menos safado Mirandinha, Eu só fiz a letra do hino, disse Rabelo.

Na produção formando um trio: eu, ele e Célio Pereira da Silva. Vivemos experiência cheia de risadas homéricas.

O título: “REALmatismo, que deve ter encabulando a turma do famoso clube da Espanha: o Real Madrid, pois Rabêlo deu-lhe o título de: “Real-matismo – Um time de Coroa”. Ou seja, uma equipe formada por atletas reumáticos, todos assanhados velhotes.

O livro dos velhotes reumáticos

Agora vem a coisa séria. O que me inspirou a crônica. Aos 26 de fevereiro de 2013, comentei com ele sobre um verso de Orlando Tejo, desafiando um amigo com o seguinte mote:

“Costuma andar de marcha a ré
na estrada da virtude.”

Se alguém partir a pé
É capaz de se atrasar.
Se resolver não chegar
Vai andar de marcha ré.
Não é preciso ter fé
Demonstrar beatitude
Na velhice ou juventude
Quem pra trás vive a andar
Por certo não vai passar
Na estrada da virtude

Andar pra trás não adianta
Pois não contempla o futuro
Se o passado não censuro
O porvir é que me encanta

Da semente nasce a planta
O fruto é a plenitude
Quem com o tempo se ilude
Volta a ser um zé-mané
Se andar de marcha ré
Na estrada da virtude.

 


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quarta, 07 de setembro de 2022

CONVÍVIO COM OS NOTÁVEIS (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

CONVÍVIO COM OS NOTÁVEIS

Carlos Eduardo Santos

Francisco José, jornalista dos meus tempos no Diário da Noite

 

Neste mundo de hoje, caracterizado transversalidades – expressão que define quando o sentido é oblíquo com relação a determinado referente – ou seja, significa a reta transversal que gera diferentes tipos de ângulos.

Época em que se respira tudo quanto não é direito ou reto; mas torto, tortuoso ou vesgo. Vivemos a instantaneidade de um tempo ingrato, quando não se considera mais o valor individual das pessoas.

Nós, pessoas humanas, passamos a valer muito pouco, exceto os cientistas e médicos. Uns porque descobrem e criam maquinismos notáveis e os outros por nos manterem saudáveis, o quando possível.

Felizes os de minha geração já oitentona, porque convivemos com os notáveis de várias profissões e décadas. Gente séria, honesta e cheia de valores. Prontas à ajuda mútua. Alguns que aqui recordo estive perto mais de uma vez e me ajudaram no aprendizado da vida. Na perfeição do comportamento social sadio.

José Júlio Gonçalves da Silva, um dos técnicos de maior realce da Cia. Editora de Pernambuco, a velha CEPE. Trabalhamos juntos alguns anos e desenvolvemos em 2004 o livro “CEPE – Sumário para a História”.

Homem simples, mestre nas artes plásticas, facilitador de todos que precisavam aprender, ao ponto de criar a Bottega Oficina de Arte, destinada a processos de criação.

Estivemos próximos quando colaborei com sua primeira exposição de arte, apresentando uma coleção de capas de livros que ele criou, evento realizado no Forte das Cinco Pontas. Outro exemplo de notabilidade. Um notável amigo.

Sanelvo Cabral, com quem desbravei os sertões para realizar reportagens comemorativas de eventos, como o Centenário de Petrolândia, onde permanecemos vários dias.

Nossas viagens foram destinadas a escrever matérias para as publicações do “Suplemento do Interior”. Íamos acompanhados de publicitários que captavam contratos para o Diário de Pernambuco.

Homem simples, veterano setorista da Câmara Municipal do Recife, onde pontificou durante mais de 20 anos. Fizemos imortal amizade.

João Alberto Martins Sobral, um dos mais longevos colunistas sociais do Brasil, menino a quem dei a mão, oferecendo a primeira publicação de uma matéria com sua assinatura, aliás, sobre esportes.

Pessoa notável que escreveu vários livros, além de produzir anualmente o “Sociedade Pernambucana” e que se notabilizou por seu comportamento íntegro nas folhas e fora delas. Tem me dado exemplos!

Tão bom que recebeu o Título de Benemérito da AABB-Associação Atlética Banco do Brasil de Recife. É um companheiro que prima por ser fiel às amizades que conquista com sua finura.

Augusto Costa Boudoux, saudoso jornalista que conheci no Náutico e me levou a ser Redator Principal da revista daquele clube, na gestão de Eládio de Barros Carvalho.

Nos anos seguintes trabalhamos juntos em vários dos seus empreendimentos, dentre eles o “Jornal da Região”, sobremodo nos primeiros anos do livro-catálogo de João Alberto, uma de suas melhores criações.

Cidadão educadíssimo, com ótimas relações em todos os círculos sociais e empresariais, sempre ajudava os novos no ofício. Um exemplo de dedicação à causa jornalística. Faz muita falta ao nosso cotidiano.

Isnaldo Nogueira Xavier, antigo arte-finalista desde os tempos em que trabalhamos para a MDP – Mídia Dinâmica Publicidade produzindo livros diversos e os boletins do Country Club, do Conselho de Odontologia e dos Corretores de Imóveis.

Não se liga apenas às artes gráficas do cotidiano de sua prancheta, mas à poesia e à pintura, que tem exportado para a América com regularidade.

Com ele aprendi a ser humilde numa profissão difícil, onde se avança nas madrugadas sentindo o cheiro de chumbo das linotipos. Outro de comportamento notável.

Tarcísio Pereira, figura que conheci ao negociar a primeira biografia de Capiba com a sua notável “Livraria Livro 7”, que era uma verdadeira academia de letras, na Rua 7 de Setembro, no Recife.

Estimulador de valores colocou o meu “Capiba, sua vida e suas canções” na vitrina de sua loja, dando chance para meu livrinho receber um bom impulso de vendas, merecendo uma nota publicada por Marcos Prado, em sua coluna do Diário de Pernambuco, assinalando como o mais vendido durante várias semanas, em 1984.

Tarcísio se tornou Editor, coincidentemente no tempo em que abri nova frente de trabalho, como Editor de livros e produzimos juntos vários títulos. No Conselho Editorial da CEPE ele concluiu sua trajetória nesta existência. Deixou uma saudade imensa. Notável é termo pequeno par a sua grandeza humana.

Francisco José de Brito, que não é outro senão o notável repórter da Globo, moço íntegro em sua vida pessoal e profissional, acima de tudo nas apresentações que faz na TV, tanto na terra, no mar e no ar.

Criatura que conheci aos 16 anos quando trabalhamos juntos no Diário da Noite, na década de 50. Há poucos dias, durante a inauguração da estátua de Capiba, na AABB, Associação Atlética Banco do Brasil, nos falamos daqueles tempos e até sobre a sirena que anunciava saída do “Diário da Noite”, o “filho travesso” do Jornal do Commercio. Um notável exemplo de profissional de qualidade e bom amigo.


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias de Graça quarta, 31 de agosto de 2022

UM ENCONTRO COM A AVENTURA (ARTIGO DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO

 

UM ENCONTRO COM A AVENTURA

Carlos Eduardo Santos

 

Precisávamos mostrar publicações anteriores aos periódicos de maior ressonância – o “Jornal do Commércio” e o “Diário de Pernambuco” – na esperança de poder aproveitar algum lance de sorte e iniciar a vida profissional tão sonhada, no jornalismo.

Eu, desejando ser um Henrique Pongetti, o grande cronista da revista “Manchete”, e Amílcar, um poeta gaúcho: Mário Quintana.

Com o passar dos tempos, nossas incursões tiveram que ser pelos caminhos da reportagem, como setoristas, para depois seguir nossos diferentes caminhos. Ambos tivemos a sorte de chegar ao ápice dos nossos sonhos, muitos anos depois, como tarimbados jornalistas profissionais e publicando nossos livros.

Revendo recortes do “Jornal Pequeno”, da “Folha da Manhã” e da “Folha do Povo”, do “Jornal do Commércio” e do “Diário de Pernambuco”, vim a encontrar esta crônica que escrevi e publiquei aos 15 anos, página que copiei porque a reprodução não tem nitidez ideal.

“Encontro com a aventura”, foi o tema narrando um passeio que fizemos com Sílvio Pessoa, no seu veleiro, pelas águas atlânticas de Pernambuco, num sábado memorável, quando éramos adolescentes e ambos já bancários.

Colocar o barquinho no mar, montando-o em roletes até chegar a água, exige experiência e colaboração de várias pessoas. Semelhante ao que fazem os jangadeiros. Portanto, a saída é meio agitada e diferente de tudo quanto conhecíamos.

Há uma série de movimentos rápidos dos tripulantes e auxiliares, ainda em terra, para retirar a embarcação da marina. Ao colocar o shipe na água, ata-se o leme e apruma-se a proa, atos que exigem força e precisão.

Desde os primeiros momentos, quando são içadas as velas que se enfunam sob ventos nordestinos, o barco começa a cortar o mar afora, pois mansas eram as águas, impulsionando a embarcação por seu único combustível: o vento.

Iniciam-se momentos de uma historia de emoções tentadoras e descobertas incríveis, dentre elas entender como se navega contra o vento. Isto sempre me encabulou!

No mar sentimo-nos diante de um panorama audacioso, um espetáculo tentador. Quando um homem está velejando mais se assemelha a um palito de fósforo na imensidão das águas.

Ele sente diferentes emoções e lhe inspiram as criações literárias de força ímpar. A grande surpresa é que não há sinais de trânsito nem linhas que demarquem as vias. Há muitos caminhos largos e poucos veículos navegando.

Sentimos no velejar a grandeza de Deus e a insignificância do homem diante da imensidão de mar e do céu. Sofrência bem diferente do cotidiano que estamos acostumados a sentir, na vivência da cidade motorizada. No mar o silêncio é espantoso.

A água é completamente azulada e o proeiro pode ver e imaginar emocionado os mistérios da vivência de alguns dos habitantes e seus caprichos. Dá vontade de nos juntar com eles, para confraternizar, num mergulho profundo, em busca de uma visão que à flor das águas não dispomos.

Ao retornar, no cair da tarde, nós, marinheiros-visitantes daquele dia, observamos que o barquinho retorna às areias de Barra de Jangada, diante de um espetáculo lindo. O sol fechando suas cortinas e a tarde pedindo licença para ir embora.

Como uma colcha de retalhos as águas se deixam desfiar no chegar das ondas que se desmancham na areia da praia. Só espumas se espalhando. Há uma união perfeita entre céu, oceano e areia, que no caso, representa o porto seguro da pequena embarcação, já de velas recolhidas.

Há necessidade de experiência e coragem unidas à agilidade matemática para colocar o casco, novamente, nos roletes e fazê-lo retornar à marina.

Sílvio Pessoa, o velejador, nos proporcionou assim a primeira experiência de navegar em mar aberto pela Plataforma Continental de Pernambuco, constatando-se que as senhas da experiência usadas na atividade de marinha, facilitaram o acesso do barquinho aos domínios de Iemanjá.

Na volta, um monte de histórias para contar, naquele verdadeiro Encontro com a aventura”. Entre outras, são lembranças que ficaram guardadas em meus arquivos, por muito tempo, e que ora oferecemos aos nossos leitores, republicando o que a “Folha do Povo” me propiciou em termos de oportunidade de projeção como futuro escriba.

Representávamos, sem o saber, a juventude daquela época, na busca do amanhã jornalístico, provando a experiência do primeiro passeio pelo mar atlântico, instante que me estimulou a produzir uma senhora crônica, aliás, escrita por um menino de 15 anos!


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias d Graça segunda, 22 de agosto de 2022

O NOTÁVEL VALDEMAR DE OLIVEIRA (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

O NOTÁVEL VALDEMAR DE OLIVEIRA

Carlos Eduardo Santos

 

 

O múltiplo personagem Valdemar de Oliveira

 

Conviver com os notáveis do Recife foi privilégio que pude usufruir graças às amizades de meu pai. E estes registros o faço como u’a maneira de rever cenas de minha juventude, na qual eles tiveram muita influência.

Doutor Valdemar de Oliveira foi uma das mais significativas personalidades com quem convivi no palco e fora dele, época em que consolidei os principais caracteres de minha passagem pela adolescência, pois o conheci aos 15 anos de idade.

Os Rosa Borges, uma das boas amizades de papai, a partir de Dr. Roberto Sarmento da Rosa Borges e seu irmão, Otávio (Baby) e a irmã, Esmeraldina (a famosa atriz D. Diná, esposa de Dr. Valdemar de Oliveira), pais de Fernando e Reinaldo, ambos ligados à cena pernambucana.

Escolhido entre atores da peça “Sangue Velho”, de Aristóteles Soares, exibida pelo grupo de artistas do Atlético Clube de Amadores, em 1951, fui requisitado para compor a equipe do Teatro de Amadores de Pernambuco, que se exibiria no Teatro Santa Isabel. Meu primeiro alumbramento!

Aos ensaios iniciais papai me levava ao teatro e Dr. Valdemar me deixava em casa. Ele era o Diretor do TAP.

Prometera a mamãe cuidar de mim, quando fora de casa. Lembro-me bem de seu luxuoso carro, um Ford Custom mod. 1951, no qual me conduzia, tempo em que comecei a sentir que eu estava começando a ficar importante. Um homenzinho.

Na peça, tantas vezes encenada no Recife, ele desempenhava o papel do personagem “Tio Velho”, que era meu avô.

 

Pouco tempo depois prepara-se o Teatro de Amadores de Pernambuco para uma excursão ao Rio de Janeiro e minha peça foi escalada. Estivemos então sob a direção de Zemlinsky, a fim de ganhar mais robustez para as apresentações à crítica carioca.

Recordo que num avião DC-3, da Aerovias Brasil, com toda a turma do teatro, voei pela primeira vez, tendo Dr. Valdemar como protetor. Meus pais, apreensivos no Aeroporto do Ibura, me acenavam. Enquanto eu, só sorrisos, ansioso para chegar às nuvens e pisar na “Cidade Maravilhosa”.

Já chegando ao estado do Rio de Janeiro ele ficou ao meu lado e foi, em estilo professoral, respondendo às perguntas sobre uns quadros verdes que eu vira lá embaixo: eram as terras cultivadas e bem divididas do município de Campos do Goytacazes.

Fomos, brilhamos no palco do teatro Regina, durante mais de duas semanas, e voltamos gloriosos com os comentários da crítica especializada. Publiquei uma crônica e titulei: “Muito obrigado, Tio Velho!”.

Nunca perdi contato com Dr. Valdemar, D. Diná e seus filhos.

O Valdemar de Oliveira que conheci, tão afetuoso e de notabilidade ímpar, jamais esquecerei. E sinto-me no dever de homenageá-lo com esta breve crônica e as notas biográficas colhidas de várias fontes, para que sua personalidade jamais fique apenas em minhas lembranças juvenis.

* * *

Nasceu no Recife aos 2 de maio de 1900 e faleceu em 18 de abril de 1977. Médico, advogado, professor universitário, jornalista, escritor, teatrólogo, ator e compositor.

Livros publicados: A musicotherapia: [Salvador]: Imprensa Oficial, 1924. Frevo, capoeira e “passo”. Recife: Cia .Editora de Pernambuco, 1927. Higiene. Recife: Livraria Universal, 1939. Uma página da bravura pernambucana. Recife: PM-PE,, 1954. O teatro brasileiro. Bahia: Universidade da Bahia, 1958. Impressões de viagem: (Estados Unidos da América do Norte). Recife: Coleção Concordia, 1959. Mário Melo. Recife: Imprensa Oficial de Pernambuco, 1959. Caxias. Jaboatão: Comando Militar de Socorro, 1961. Mundo submerso – memória. Recife: Imprensa Oficial, 1966. Eça, Machado, Castro Alves, Nabuco e o teatro. Recife: Imprensa. Universitária, 1967. Olinda e sua data impartilhável. Prefeitura Municipal de Olinda, 1970. 208 crônicas da cidade. Recife: Gráfica Editora do Recife, 1971. Valdemar setentão. Recife: Gráfica Editora do Recife, 1971. Pernambuco e a independência. Recife: Governo do Estado de Pernambuco, 1973. Quando eu era professor Recife: Universidade Católica de Pernambuco, 1973. Um rotariano fala do Rotary. Recife: Rotary Club, 1974. Oswaldo Cruz, paixão e glória. Recife: Academia Pernambucana de Letras, 1974. O capoeira: Um teatro do passado. Brasília, DF: MEC/FUNARTE, 1977.

Peças de teatro: Tem de casar, casa! Os três maridos dela Eva na política. Um rapaz de posição. Tão fácil, a felicidade… Honra ao mérito. Aonde vais, coração?: Comedia. Ed. do Grupo Gente Nossa. Recife: 1934. Uma mulher inteligente. O menino do cofre. Mocambo: comedia social em 3 atos. Recife: Imprensa Oficial, 1940. Zé Mariano. Soldados da retaguarda: comédia social. Recife: 1945. Coautor da pela “Sangue Velho”, com Aristóteles Soares. Recife, 1952.

Músicas: Compositor de diversas músicas carnavalescas, partituras de operetas – inclusive a mais famosa: “Bob e Bobete” e o hino do município da Ilha de Itamaracá.

Honrarias: Ocupante da cadeira 25 da Academia Pernambucana de Letras, exerceu a presidência da Academia entre 1950 e 1961 Foi um dos fundadores da Regional pernambucana da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, tendo sido seu primeiro presidente, entre 1972 e 1973.

Em sua memória a Sobrames publicou: “Valdemar Vivo”, coletânea de vários artigos de seus colegas médicos-escritores.

O antigo Nosso Teatro é atualmente Teatro Valdemar de Oliveira. Merece ainda, o personagem, uma estátua em local de destaque na cidade do Recife, por tantas crônicas que em sua coluna “A propósito…” que no Jornal do Commercio ele publicou em favor da capital de Pernambuco e sua gente.

 

Teatro Valdemar de Oliveira: Rua Osvaldo Cruz, 412, Boa Vista, Recife


Carlos Eduardo Santos - Crònicas Cheias d Graça terça, 16 de agosto de 2022

UMA ESTRELA DO SERTÃO DO SÃO FRANCISCO (CRÔNICA DE CARLOS EDUARDO SANTOS, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

UMA ESTRELA DO SERTÃO DO SÃO FRANCISCO

Carlos Eduardo Santos

 

 

Sra. Maria do Socorro Melo Simões

Há pouco mais de 10 anos, quando mantive contrato de jornalismo como Profissional Liberal vinculado ao Departamento de Projetos Especiais do Diário de Pernambuco, vivi momentos emocionantes ao percorrer terras distantes do meu lar. Na qualidade de repórter, juntamente com Sanelvo Cabral e Arijaldo Carvalho, percorri muitas estradas dos sertões e acabei escrevendo histórias, sobre personalidades notáveis, como Dr. Francisco Simões.

O rincão que me trouxe as melhores lembranças foi Petrolândia, considerada “a Brasília do Nordeste”, um verdadeiro oásis pela tranquilidade que nos inspirou os melhores momentos de vida nos instantes memoráveis que passei em sua orla fluvial.

Tivemos a sorte de cobrir o planejamento para as festas do Centenário da Emancipação Política daquele município, com a finalidade de produzir um jornal inteiro, ali permanecendo durante mais de 10 dias. Isto nos permitiu maior integração com a sociedade local; um encantador estilo de pessoas.

Criaturas distintas com as quais firmamos amizade para sempre, dentre elas o lojista Antônio Moura, o escritor Antônio da Costa Granja, o automobilista “Pinguim”, D. Socorro Simões e mais 88 personalidades que tive o cuidado de citar nas primeiras páginas da biografia de Dr. Francisco Simões, que assinei em setembro de 2011.

Os contatos com as pessoas – das mais importantes às mais simples – nos deram mostra de que a cidade parecia ser um mundo diferente. Um lugar tranquilo, habitado por pessoas de fino trato.

Concluídas as reportagens que foram objeto de nossa viagem permaneci muitos dias mais, indo e voltando, à medida das necessidades do trabalho com as entrevistas para o livro: “Dr. Simões – Um líder de Petrolândia”.

Todavia, uma das criaturas que mais me chamou a atenção foi D. Maria do Socorro Melo Simões, sua viúva, não só pela impressão geral de como é identificada pelas gentes que ali vivem – porque foi a Primeira Dama de Petrolândia, nas várias gestões do marido – mas pelo seu trabalho incessante na ação social de ajuda aos mais necessitados.

Não obstante haver publicado o livro, continuo frustrado por não haver documentado, em termos de biografia, a vida de uma grande estrela do Sertão do São Francisco.

A História exige que se registre um pouco do que aquela ilustre dama tem feito pelo município e sua gente. Que os historiadores de Petrolândia atentem para esta sugestão: Maria do Socorro Melo Simões é uma das damas mais notáveis da região sanfranciscana.

 

Livro biográfico do Dr. Francisco Simões


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