Maria Cordeiro de Carvalho, aos 64 anos
É dever de cada um de nós deixar algum registro histórico sobre seus antecedentes, a fim de facilitar futuras pesquisas sobre a origem das famílias. Aqui aproveito para anotar alguma coisa nesse sentido, iniciando por uma pessoa com quem convivi na primeira infância.
Minha avó materna, Maria Cordeiro de Carvalho, nasceu em 1874 na cidade de Belo Jardim e faleceu em 18 de junho de 1943, no Recife. Era uma das filhas de Aleixo Cipriano da Silva e Teresa de Jesus Cordeiro Miscena.
Ao se casar com José Joaquim Quaresma de Carvalho, conhecido como “Zé Quirino”, agricultor, nascido em Maraial, Pernambuco, que era viúvo, adotou o nome de Maria Cordeiro de Carvalho e assumiu a responsabilidade de criar seus dois filhos: Olegário de Souza Carvalho e Joana de Souza Carvalho.
Todavia vovó Maria era mais conhecida na intimidade como “Sinhazinha” e pelos sobrinhos e netos identificada como “Mãe Sinhazinha”. Sabendo-se que se tratava de u’a maneira carinhosa para identificar algumas pessoas mais velhas. Desconheço que houvesse alguma antecedência proveniente dos antigos Senhores de Engenho e assim ter sido uma Sinhazinha, de fato.
Há quem afirme que há muitos anos os portugueses que se estabeleceram no Agreste de Pernambuco, comprando terras para criar gado, e havendo interesse da coroa de Portugal com o batismo de índias e seu casamento com homens brancos, legitimou-se, assim, propriedades de certas terras que formariam algumas famílias no município de Brejo da Madre de Deus, que depois foi parcelado para se tornar o município de Belo Jardim.
Dizia-se que Mãe Sinhazinha teria descendência com os indígenas da região – da Nação Xukuru – o que bem posso acreditar porque se notava em seus hábitos corriqueiros formas semelhantes aos procedimentos indígenas.
Fumava cachimbo todos os dias, usava ocasionalmente rapé, (um pó de plantas que tem efeito calmante e provoca espirros) e mesmo já residindo no Recife, desde o início da década de 1930, não adotou todas as maneiras da modernidade que a família utilizava.
Dormia em “cama-de-lona”, costumava fazer as refeições acocorada, não gostava de usar talheres nem pratos, apenas panelas de barro. Usava, de preferência, tamancos. Comia com as mãos, hábito que minha mãe também tinha, quando não estava diante de meu pai ou alguém estranho.
Quando papai estava viajando lembro-me que mamãe preparava a mesa de refeições completas, mas despresava os talheres. Fazia com as mãos uns bolinhos de feijão, arroz e farinha e introuzia na boca com uma satisfação incrível. Parecia uma índia na aldeia.
Um dos benefícios que recebi e que muito me fortaleceram foi seu hábito diário de ir à vacaria que ficava perto de nossa casa, para que tomassemos o chamado “leite ao pé da vaca”, como o fazia em seus tempos de criança, em Belo Jardim.
Uma de minhas tias, a saudosa tia Floriza, nunca deixou de limpar os dentes com uma plantinha conhecida como joá, mesmo já dispondo de pasta dental Palmolive.
Um dos poucos divertimentos de “Mae Sinhazinha” era ficar na janela, nos fins de tarde, apreciando as pessoas passando. Para isso, escorava os cotovelos num travesseirinho feito por minha tia Tereza. Na intimidade, momentos depois, ria comentando certos modelos de roupas das pessoas ditas modernas que transistavam pela calçada.
Dos modos da cidade grande adotou o vício de jogar no bicho, solicitando. Uma das filhas realizava tais “operações” que ocorriam na venda de Seu Pires, situada no Páteo da Santa Cruz, na Boa Vista, bairro do Recife.
Vivia aquela filha de índia em seu mundo fechado, esenvolvendo seus hábitos antigos. No lar, trabalhava geralmente perto da cozinha, ajudando a preparar os alimentos. Praticava bordados no estilo e “renda de bilros”. Usava vestidos escuros e manteve o discreto luto até seus dias finais. Não se interessava em sair de casa a não ser para ir à missa.
Mãe Sinhazinha teve 15 filhos, dos quais chegaram à idade adulta apenas oito: Sebastião (que se tornou funcionário do Banco do Brasil), Maria, Floriza, Alice e Doralice casaram-se e tiveram descendencia; Laura, Tereza e Amália, não se casaram.
Olegário, filho do primeiro matrimônio de meus avós maternos, logo cedo “ganhou o mundo”, obteve êxito no comércio de queijos da Capital, tornando-se proprietário da Leiteria Vitória, na Rua Nova além de vários imóveis.
Com o falecimento de seu pai, compreendeu que era oportuno a transferência da família do Interior para a Capital, o que realizou e a quem deu assistência durante todo o tempo que seus irmãos se fortaleceram em suas atividades profissionais.
Em vista e ter sido meu pai, por bom tempo, viajante-vendedor de produtos farmacêuticos, ficava fora de casa durante 25 dias por mês e mamãe aproveitava para passar semanas inteiras longe de nossa casa, adquirida na Vila dos Remédios, em Afogados.
Permanecíamos na residência das tias Carvalho, onde mamãe ajudava nos trabalhos de costura e bordados, pois ali havia um atelier mantido por minha tia Teresa. Tive a felicidade, assim, boa proximidae com minha avó e as irmãs de minha mãe, além de meu tio Sebastião.
Infelizmente em 18 de junho de 1943, data em que completei sete anos, aquela santa mulher veio a falecer, deixando em todos nós uma imensa saudade e notáveis exemplos de comportamento.
Índígena Xukuru, em dia de festa
De vez em quando fico matutando sobre essa minha descendência indígena e comparando alguns hábitos de minhas tias, que bem se identificam com os hábitos da Nação Xukuru.