O saudoso Prof. Alcides Rodrigues de Sena, aos 92 anos
Estávamos fazendo uma reforma em nossa casa quando um dos pedreiros que estava de pé se curvou e ficou misturando um resto de massa, a fim de tapar um buraco. Estando de pé, apresentava-se de forma que a posição física sobressaia o “trazeiro” pra cima.
Vendo a cena, o ajudante, Zé Duda, soltou esta besteira, que tem corrido por várias bocas e lugares, constituindo um motivo de riso; mas se trata de frequente engano:
– Foi assim que Napoleão perdeu a guerra!…
Quem, na verdade perdeu a guerra e ficou nessa posição, foi o general paraguaio Solano Lopez, que ao ser atingido por um petardo caiu de bruços, com as nádegas para cima. E o povo deturpou a expressão tornando-a pitoresca e trocando o personagem.
Já Napoleão Bonaparte, que não tem nada a ver com essa história, na verdade, faleceu por envenenamento, na Ilha de Santa Helena.
Na minha carreira de editor de livros trabalhei para vários advogados com os quais aprendi muita coisa. Mas, foi com Alcides Rodrigues de Sena, de Goiana, que também era professor de História, que tive aulas memoráveis e por mais tempo, porque foram cinco livros publicados, até o tempo em que ele completou 92 anos.
Num desses trabalhos ele abordou tema sobre vários ditados vulgares que se constituíram enganos terríveis. Para evitar novas dúvidas, deixou comigo seus reparos, alguns aqui comentados.
– Agora é tarde e Inês é morta!
Nos dias atuais é comum ouvir-se esta frase ao se querer indicar que “Agora não adianta mais!”
Disse-me Dr. Alcides que o tema se refere a um episódio lírico-amoroso que simbolizava a força e a veemência do amor em Portugal, muito antes do descobrimento do Brasil, frase que foi imortalizada por Luis Vaz de Camões, em versos alexandrinos.
O episódio que poucos sabem, envolveu D. Inês Pires de Castro, u’a moça pobre, com quem D. Pedro, que era casado com D. Constança, apaixonou-se e viveu um processo de acasalamento extra-judicial, romance mal aceito pela Corte e pelo povo.
O Rei D. Afonso IV de Borgonha, em 1355, mandou o príncipe para uma caçada e estimulado pelos áulicos determinou a prisão de Inês e a matou. Com a morte de D. Constança e D. Pedro, futuro Rei de Portugal, viúvo, queria selar seu amor com Inês fazendo dela sua rainha.
Tempos depois o príncipe assume o trono em nome do pai e convocou todos os que tinham feito o massacre, inclusive os que estavam na Espanha, ordenando-lhe exumar o corpo de Inês.
Aos prantos, colocou-a no trono, vestida como se fosse a Rainha de Portugal, inclusive com as joias, e mandou que todos os assassinos beijassem a mão do cadáver. Depois de morta foi rainha, mas era tarde.
Segundo notas de vários historiadores inclusive Dr. Alcides: “D. Pedro mandou transladar o corpo de Inês com pompas de rainha, para o mosteiro de Alcobaça em 1361, quando já era rei.
Ao subir ao trono D. Pedro conseguiu que outro Pedro, o rei de Castela, lhe entregasse os homicidas, que para lá fugiram, pois os dois monarcas tinham um pacto de devolver um ao outro os respectivos inimigos.
Para imortalizar seu amor por Inês, D. Pedro jurou em presença de sua corte que se havia casado clandestinamente com ela, transformando-a, dessa maneira, em rainha após a morte.”
Entretanto, o povo entendeu e se ouviu o pronunciamento comum da célebre frase depois de divulgada por Camões:
“Agora é tarde e Inês é morta!”.