Uma porção de lagosta ao thermidor
A modernidade é chocante. E pelo que vejo querem acabar comigo e com o restinho da classe dos oitentões, com essa invenção de “Higiene Alimentar”.
Quando eu era bem pequeno mamãe curava minha catarreira fazendo-me tomar mastruz com leite. Era uma plantinha mágica que ela mantinha no jardim e servia para curar pequenas enfermidades, dentre elas: tosse, catarro e doenças pulmonares.
Com o chá de folhas de abacate resolvia-se problemas intestinais e vermes, daqueles do tipo “lombriga da braba”, aquelas cobras que saiam do orifício anal sem a menor cerimônia. Tempo em que ão tinha nada de se recorrer a médicos nem remédios.
O incrível é que meu pai trabalhava com produtos farmacêuticos sendo na época Gerente do Laboratório Farmacêutico Andrômaco.
Em dias recentes surgiram as nutricionistas e as endocrinologistas, que prestam grandes serviços às pessoas nesta época cheia de novidades.
Pois bem, a turma lá de casa achou que em face de minha “idade avançada” dever-se-ia “decretar” que eu precisava ir a um desses profissionais, a fim de ser orientado quanto à “Higiene Alimentar”.
Isso é lá coisa que se invente?! Um verdadeiro palavrão. No dia da consulta a amável doutora me perguntou quem era meu geriatra. respondi – com o peito estufado – que não tinha, porque não tinha as chamadas “doenças da idade”.
Depois de ultrapassar esse portal dos 80 anos, comendo tudo quanto é coisa pelo mundo afora, eu me acostumarIa a um regime?
Primeiro me apresentaram a u’a miserável lista dos alimentos a evitar: Comidas de milho em geral e arroz branco.
Aí, logo entendi que a doutora não era amiga das comemorações de São João! E queria acabar com as festas no mês do meu aniversário.
Os “queijos amarelos”, como o meu apreciadíssimo “Queijo do Reino”, eu poderia tirar da lista do supermercado. Aí já seria demais! Era pra acabar mesmo com minha nobreza!
Fui lendo a tal lista e confirmei que a cidadã era a própria essência da ingratidão; a malfeitora dos oitentões.
A relação das proibições mais parecia o “AI-5 dos Alimentos”. Tinha tanta proibição que pensei que nem precisávamos ir à feira mais.
Evitar a todo custo – logo a partir de hoje – doces, açucares, sorvetes e bolos. E lá vem ferro! A lista era enorme. Como conseguirei seguir essa nova rotina tão degradante?…
Quanto às frutas: Evitar manga, banana, melancia, jaca e pinha. Mas logo pinha, a fruta dos condes? E concluiu recomendando dieta de milionário:
Consumir frutos do mar no mínimo duas vezes por semana; ou seja: salmão, caviar e lagosta; esse bicho, aliás, que hoje só posso pensar se passar pela calçada da Casa d”Itália e sentir o cheiro. Sobremodo se for daquela preparada “Ao thermidor”.Só ao escrefer sinto água na boca!
E vendo a cara de tristeza de um velhote que estava se despedindo da vida, arrematou, como Prêmio de Consolação o que eu também poderia comer: Oliogenoses: castanha de caju, castanha do Pará grão de bico e lentilha.
Deixei o consultório certo de que a doutorinha fazia parte de uma gangue, pronta para acabar com as “relíquias da sociedade”; nós os velhotes ameaçados pela tal Higiene Alimentar.