Ôxente, tia Bel, meu almoço é só isso?
Essa cambadinha de até três anos que desembarcou nesse mundo velho para nos alegrar, causa certo pânico geral quando aparece em nosso lar.
São uns diabinhos que falam dialetos que a gente pouco entende; vasculham tudo e os olhinhos fazem a varredura de todas as áreas por onde habitamos e que precisam ser exploradas por eles.
Parecem até agentes da Defesa Sanitária, daqueles que antigamente penduravam uma bandeirinha amarela na frente das casas e entravam para conferir se havia roedores ou alguma peste e botar os defensivos.
Sou bisavô de 11 bisnetos. Não é mole não!
Mas, minha senhora é tia-avó de uma danadinha chamada Luiza, de três anos que “manda ver” sempre que aparece. Está na vantagem porque as minhas únicas bisnetas residentes no Brasil, moram distante, lá em Candeias, e a tal da Luiza, no mesmo conjunto residencial. Por isso sempre está lá em casa vasculhando o que pode, sem a menor cerimônia.
E como sabe que manda no pedaço, apronta.
Outro dia, bateram na porta e o diabinho aparece querendo nos pregar u’a peça:
– “Tim totinha!”
Que traduzindo, pode se entender por: “Vim sozinha!”.
Mas a mãe, estava escondida no corredor e preparara a presepada.
De outra feita, falando meio atrapalhada como é do seu feitio, juntando algumas palavras e engolindo outras, às vezes chega com expressões que a gente nunca consegue entender.
Estando sozinha, em outra ocasião, com a gente, falou-nos que havia ganho de “sua melhor amiga”, uma “cutinha”. Fizemos mil especulações para entender o que diabo era. E perguntávamos: continha? E ela respondia: Não! Comia? Não! Bacia? Não!
Até que, mais tarde preferimos nos socorrer com Sofia, sua mãe, e soubemos que era uma cozinha de brinquedo, presente do qual ela apreciava muito. Imagine!: de cozinha para “cutinha”, que diferença!
Luiza com a fita para medir o papel
Ao apontar na porta da sala, nós entramos em completo estado de “abestalhamento”, e pânico, costumamos lhe ceder coisas de adultos para ela se entreter. Vai aos apetrechos de costura da tia Bel e faz o “rapa”. Na minha mesa sabe que pode dispor de um espaço exclusivo, já reservado para suas artes e letras. Puxa uma cadeira e se sente uma atrabalhadora.
Há poucos dias chegou e foi logo pedindo papel e canetas:
– “Quelo tataiá”! Traduzindo: “Quero trabalhar”!
Disponibilizei meia folha de papel A-4, mas ela logo reagiu.
– Não é “eta” não! Tá “titena”!… “Telo da dandi”!
Traduzindo: Não é esta não! Esta é pequena, quero da grande.
Fiquei sem meio abobalhado, sem entender, mas, rápida no gatilho, a danadinha desceu da cadeira, foi até o setor de costuras da tia, pegou uma fita métrica e veio me mostrar que a medida do papel era menor do que aquelas que a gente sempre lhe tem oferecido para rabiscar. Aí entendi!
Quem pode acreditar que uma coisinha dessas possua tanta inteligência?!… Não perdi o flagrante. Cliquei.
A outra cena foi mais danada. Enquanto a tia preparava o pratinho com o almoço preferido dela, foi à cozinha buscar as outras comidas, ela subiu na cadeira, botou as mãos nos quartos e esbravejou:
“Ôtente, tia Bel, tó ito?”
Traduzindo: “Ôxente, tia Bel, só isso?!…”