Vista interna do Teatro de Santa Isabel, o mais antigo teatro de Pernambuco
Nossa chegada ao Rio de Janeiro, com o TAP, como falei na crônica anterior, foi também, o ápice da história de um menino que se iniciou na arte teatral participando de um espetáculo infantil na Escola Bom Bosco, do Recife, em 1949.
Depois foi aproveitado numa peça de adultos em um grupo de teatro suburbano e deu um passo maior quando escolhido para ser artista do Teatro de Amadores de Pernambuco. Um grupo com características profissionais.
O menino considerou-se artista, de fato, quando dirigido pelo polonês Ziembinsky e se apresentou no Teatro Regina, do Rio de Janeiro, recebendo louvores da Imprensa especializada, cujos recortes de jornais, guardou durante quase 70 anos.
Mas a História registra fatos interessantes até que ele chegasse à fama. E disso pretendo falar porque é parte da História do Teatro de Pernambuco e de minha história. Vale ser contada.
Depois de participar do drama: “As Árvores”, de autoria do catendense Aristóteles Soares da Silva, segunda peça dirigida por meu pai, (Arthur Lins dos Santos), consideraram-me preparado para enfrentar qualquer plateia.
No Atlético, um clube do bairro dos Afogados, tivemos o privilégio de estar com Aristóteles em vários ensaios e ele muito concorreu para a escolha dos cenários e detalhes da encenação. Numa dessas participações, declarou-se emocionado por constatar que seu primeiro trabalho estava em cena.
“As Árvores”, depois de apresentada pelo GTA – Grupo Teatral de Amadores do Atlético, tantas vezes, foi adaptada para o TAP-Teatro de Amadores de Pernambuco, tomando o nome de “Sangue Velho”, com a concordância do autor. Seu valor foi tão real que se incluiu na excursão ao Rio de Janeiro para ser encenada no Teatro Regina, na Cinelândia. Uma casa menor, porém com todos os requisitos para grandes espetáculos.
Logo que chegamos Reinaldo foi verificar os equipamentos e conferir algumas medidas no palco, porque teria que ali instalar uma casa e fazer chover de fato. Com uma fita-métrica confirmou osespaços e tudo que poderia dispor.
Profundidade de palco: 10m; largura: 12,5m; profundidade do proscênio: 7m; altura da caixa cênica: 6,5m; 3 camarins e 3 sanitários. Bem menor do que o Santa Isabel, mas perfeito para qualquer espetáculo.
Teatro Regina, do Rio de Janeiro, dotado de 331 lugares
Mas o Teatro de Santa Isabel entraria na minha História, como entraram o Atlético e a Escola Dom Bosco, de D. Arcelina Câmara. Levado por meu pai, para os ensaios de marcação, entrei pela primeira vez no Teatro de Santa Isabel acanhadamente, pela porta dos fundos que é acesso dos funcionários e artistas. Prédio bem diferente do Teatro do Atlético: tudo era grandioso e moderno.
Teatro de Santa Isabel, Recife
O Santa Isabel sempre foi uma casa suntuosa e construída para funcionar como teatro, dispondo de equipamentos da mais alta qualidade. Seus espetáculos sempre foram grandiosos, salientando-se operas, cantores, instrumentistas e grandes orquestras internacionais. Dentre as apresentações mais famosas, ouvimos falar da Companhia Lyrica Italiana G. Marinangelli, que apresentou a ópera “La Traviata”, em 1858.
Em épocas outras o teatro recebeu visitantes ilustres como o imperador Dom Pedro II e foi palco da campanha abolicionista de Joaquim Nabuco, da qual fez parte meu avô paterno, Pacífico dos Santos, que discursou com seu irmão Claudino dos Santos, em favor dos mesmos ideais, conforme consta da publicação: ”A Imprensa e a Abolição”, editada pela FUNDAJ – Editora Massangana, em 1988.
A história do prédio – antes chamado Teatro de Pernambuco – foi marcada por situações inesperadas, das quais detalharei em outra oportunidade, embora não possa deixar de assinalar breves tópicos.
Pouco antes da sua inauguração, em 18 de maio de 1850 o seu nome foi mudado para Teatro de Santa Isabel, em homenagem à Princesa Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriel Rafael Gonzaga de Bragança e Bourbon, nascida no Rio de Janeiro, em 29 de julho de 1846, filha de Dom Pedro II, o imperador do Brasil, com sua esposa, Tereza Cristina. Até anos recentes se entendia que o título seria uma homenagem à Santa Isabel dos católicos.
Da História que vivi – e não fatos que apenas pesquisei – posso falar de alguns eventos ocorridos nos anos 50. Foram reuniões do mais alto significado político e econômico, uma dos quais fui espectador, como jornalista: a fundação do CODENO – Conselho de Desenvolvimento do Nordeste, com a presença do Presidente Juscelino Kubitschek, reunião que deu origem à criação da SUDENE, em 18 de dezembro de 1950.
Muitos anos depois, em 1984, lá estive como convidado, para apresentação do show: “Capiba e seus Poetas”, oportunidade em que lancei o livro “Capiba, sua vida e suas canções”. Assim, se tornou sempre renovada emoção entrar naquele “palácio do teatro”.
Outro dia fui com minha neta Gabriela – que reside nos Estados Unidos – mostrar-lhe o teatro, salientando que naquele palco pisara seu trisavô lutando pela abolição da escravatura no Brasil, e seu avô, como artista amador, deixando-a encantada com os fatos e a grandiosidade do prédio.
Mas, a primeira vez que vi o Teatro de Santa Isabel por dentro foi um alumbramento. Fui entrando, dominado por certo ar de cerimônia. Orientado por meu pai fui conhecendo os muitos detalhes dos bastidores, onde ficam os camarins, os cenários e as coxias.
O palco, uma enormidade. Diante dos meus olhos, a ribalta: uma caixa enorme que rodeava todo o espaço da frente, onde apareciam luzes embutidas com o fim específico de iluminar os atores e o cenário.
No centro daquela “caixa de luzes havia um alçapão coberto por uma abóboda que permitia ao “Ponto”, (um profissional altamente especializado), “soprar” em voz baixa, para os atores, as falas que lhe faltavam por algum deslize de memória”. Assim, o “Ponto” era o elemento socorrista dos atores.
Nos dias atuais essa estratégia foi abandonada porque a tecnologia substituiu aquele profissional de raríssima qualificação, por equipamentos eletrônicos, em que o diretor conduz as falas dos apresentadores, como se percebe na Televisão.
Percorro os anos e vou me lembrando dos profissionais com os quais conviveria no Recife e no Rio de Janeiro: Mário Nunes, o cenógrafo; o “Ponto”. Abelardo Cavalcanti, mais conhecido como “Coleguinha”. Sentado no auditório, visei um gringo de cabelos brancos, calado, único espectador a apreciar o ensaio: era Ziembinsky, que viria a ser meu novo diretor, há pouco contratado por Dr. Valemar de Oliveira para dar mais efusão ao desempenho do TAP.
E papai continuava me informando sobre os detalhes do funcionamento de uma peça num teatro mais completo. Fui sendo apresentado a alguns outros: Francisco Miranda, o Contrarregra, aquela função que julguei estranha para funcionamento de uma peça. Depois o maquinista José Barros, e o eletricista, Reinaldo Rosa Borges de Oliveira, estudante de medicina, também ator, filho do diretor do teatro.
Na peça “Sangue Velho” eu participava apenas do 1º ato. Deveria, portanto, ser liberado mais cedo. Todavia, naquela noite de minha introdução no TAP, papai resolveu ficar comigo.
Alí, naqueles instantes, todas as pessoas eram adultas e desconhecidas para mim e isso poderia provocar acanhamento. Sendo um “encachaçado” por Teatro gostaria de ver o primeiro ensaio-de-marcação de “Sangue Velho”, sentado no auditório quase vazio, para ver seu filho cumprir sua missão.
De repente se apresenta à gente a atriz Margarida Cardoso que indaga se eu serei o filho dela na peça. Logo em seguida, vem Baby (Octávio da Rosa Borges), irmão do compadre de papai – Dr. Roberto Sarmento da Rosa Borges – que seria meu pai no 1º ato. Comecei já me aclimatando com pessoas que não seriam tão desconhecidas assim…. Todos foram muito receptivos comigo.
Houve orientação para que os demais atores ficassem no auditório. No palco somente os participantes do 1º ato, os cinco atores: Baby, Margarida, Valter, Reinaldo eu. Todos com papéis datilografados nas mãos. E eu sem nada. Fui alertado pelo Ziembinski, lá no auditório, mas Dr. Valdemar explicou que eu conhecia bem o texto, pois já interpretara a peça algumas vezes.
A pedido do sr. Coleguinha, um alçapão – espécie de esconderijo situada na ribalta – foi aceso e ele já estava lá dentro, pronto para “soprar” o ensaio. Lá no alto do palco vi muitos painéis pendurados por cordas, o que me assustou. Eram os cenários que desceriam para formar cada um dos atos. Um sistema mais moderno do que o teatro do Atlético, porém uma coisa assustadora.
Mas isto foi apenas a minha apresentação em “Sangue Velho” no Teatro de Santa Isabel, os demais atos virão depois, porque o TAP permaneceria no Teatro Regina, do Rio de Janeiro, durante quatro semanas, em cada uma delas um espetáculo diferente e casas lotadas.