Toca a sineta do portão e vou atender. Surge u’a meninota de 14 anos, fantasiada para uma festa. Soube depois que tal evento aconteceria numa véspera de carnaval. Seria um show da “Turma do Pinguim”, marcado para uma tarde de sábado, no bairro do Pilar, na encantadora Ilha de Itamaracá.
Viera com os pais, que ficaram no carro. Desejava entregar um convite para meu filho participar da festa. Apressadinha, precisava que aquele cartão-ingresso chegasse a ele. Eu estava diante de uma futura nora e mal o sabia.
Nem deu tempo para um proseado. E aquela coisinha linda se foi, com cabelos esvoaçantes e sorriso nos lábios. Fui ao carro, cumprimentei Aymar e Antonieta, seus pais. Aquele instante marcaria um momento inolvidável em nossas vidas: futuro sogro e nora se conheceram.
Eu estava diante da nora, exatamente aquela que me daria um neto engenheiro, Júlio Cesar e outro, médico, o Gabriel.
Muitos anos depois, como sempre acontecia, carregada de saudades, me visitou. Proseamos à vontade e ao sair, meio acanhada, pedindo desculpas, entregou-me um envelope e despediu-se.
Escrevera apenas uma estrofe de soneto em que seu coração falava do afeto que tinha por mim. Fora uma homenagem inolvidável, papel que guardo com o maior carinho há muitos anos.
O mais interessante é que me qualificava como “caríssimo”. Palavrinha mágica que estaria presente, a partir daquele dia, em todas as nossas comunicações escritas, pois nunca me faltou seu cartão-de-aniversário ou de Natal.
Os anos passaram-se, viveram suas vidas por bom tempo juntos. Depois os afetos foram se esgarçando e hoje cada qual segue as linhas dos seus destinos. Mas o bem-querer entre nora e sogro continuam com a solidez de uma rocha.
Nunca, porém, deixamos que esses laços se desfiassem. Pelo contrário, quanto mais os tempos passam eles ficam como os fios de uma rede, que forte acolhem, sustentam e balançam os seres humanos, permitindo-lhes bons momentos de reflexão e resistindo aos anos.
Sempre estamos em comunicação, algumas das quais físicas e outras, por esta via maravilhosa que é virtual e mais intensa, fazendo parte do nosso cotidiano.
Precisando dizer às minhas noras algo sobre os meus sentimentos, no tempo em que me encontro nesta avançada quadra de minha vida, andei meditando e observei que a melhor forma de homenageá-las seria oferecendo a cada uma delas, uma crônica.
Toda crônica é uma construção. Como a vida. Exige pensar, e às vezes voltar no tempo. Sugere exibir bem-quereres. É um meio de dizer ao mundo o quando eu as amo. Quão forte é nosso grau de parentesco, porque é uma ligação para sempre.
Uma escrita desse tipo vai surgindo aos pedaços. A ideia primária se alarga independente das histórias contadas e atrai vivências que encantam.
Vamos catando, aqui e ali, algumas coisas deliciosas que hoje são parte significativa de nossas histórias. Aqui e ali o coração vai trazendo as emoções através das letras que formam palavras e frases que e evocam a construção das melhores lembranças.
Justamente aquelas que nos causam as maiores alegrias porque são inolvidáveis.
Escrever sobre uma criatura que a gente gosta é um momento sublime. Entro na madrugada para traçar estas linhas tão marcadas por boas recordações, que indicam amizades tão sublime para aquelas que me deram netos.
Temos que deixar o coração criar porque é lá dentro do peito que se aninha muita coisa boa nada se pode esquecer.
Continuamos bem próximos – eu e elas – mesmo, neste caso de Juliana e Gustavo, quando eles moraram na distante, em Aracaju, nos primeiros anos de vida.
Durante vários dias, nos finais de semana, eu lhes mandava fotos sobre nossos fatos cotidianos, como se desejássemos estar juntos no colóquio de todos os dias que sempre vivemos. Eram matérias jornalísticas que iam e vinham pelo Correio.
Por aqueles esperados “malotes” seguia um mundo de informações, para que o casal jamais perdesse o jeito de ser do Recife, notícias dos seus amiguinhos, dos nossos cconhecidos; até recortes de jornais trocávamos.
Todos os meses eu viajava 500 quilômetros para chegar ao lar deles, em Aracaju, a fim de ver meu neto Júlio Cesar e conversar à vontade com o casal. Entravamos pela noite proseando. Embora jovens, ambos já curtiam lembranças dos seus tempos no Recife. Ambos eram um tanto saudosistas.
Enquanto eu não estava com eles pessoalmente, nossas vozes se encontravam. Gravávamos em fita magnética os “cassetes” – com os acontecimentos da semana e remetíamos pelo “malote-postal” da White Martins, que os conduzia até sua Gerência em Aracaju, onde era titular, meu querido filho Gustavo Jorge.
Juliana sempre manteve comigo um sólido afeto, ao ponto de me dedicar aquele soneto onde me qualificava de “caríssimo”. Passamos a transmitir essa palavra como se um código de amor entre sogro e nora, via internet, quase todos os dias.
Ela bravamente criou os filhos de forma modelar. Diplomou-se Psicóloga e mostrou que venceria as dificuldades que teve no decorrer da vida. Vive da profissão. Hoje recebe a consagração por ter um consultório bem instalado e com clientela considerável.
E assim, caríssima, receba meu afeto maior representado por esta pequena crônica o único presente que posso lhe dar de melhor, porque saiu de dentro de mim, das entranhas do meu coração.