Na longa caminhada jornalística contracenei com vários poetas, filólogos, compositores e outros tipos de mestres em brincar com as palavras. Aprendi a admirá-los e fazer grandes amizades.
Dentre eles, Dirceu Rabelo, Berlando Raposo, Mário Souto Maior e Carlos Antônio Rabelo, só pra citar uns poucos. Todos de elevada sabença no trato com as palavras.
De minhas anotações encontrei algumas coisas muito interessantes, com as quais brindo meus leitores.
Certo dia, lembrando-me de Orlando Tejo, pedi a Carlos Rabelo para glosar uma das filosofias daquele grande paraibano, quando num bar de Brasília ele escreveu um verso longo, sobre um cidadão de má conduta.
É um verso muito engraçado, que nosso Editor Luiz Berto sabe de cor e salteado. Já fez até festejado vídeo declamando o dito cujo. De u’a monumental estrofe pincei duas linhas e sugeri ao poeta de São José do Egito, um mote.
Disse Tejo, que foi um dos maiores poetas da Paraíba:
“Anda de marcha ré na estrada da virtude”.
Ao que Carlos Rabelo, a meu pedido glosou:
Se alguém partir a pé
É capaz de se atrasar.
Se resolver não chegar
VAI ANDAR DE MARCHA RÉ.
Não é preciso ter fé
Demonstrar beatitude
Na velhice ou juventude
quem pra trás vive a andar
Por certo não vai passar
NA ESTRADA DA VIRTUDE
Andar prá trás não adianta
Pois não contempla o futuro
Se o passado não censuro
O porvir é que me encanta
Da semente nasce a planta
O fruto é a plenitude.
Quem com o tempo se ilude
Volta a ser um zé-mané
SE ANDAR DE MARCHA RÉ
NA ESTRADA DA VIRTUDE.
Em outra passagem, bebericando num sítio de Dirceu Rabelo, lá em Carpina, indaguei se ele costumava fazer veros fora do estilo romântico. Como resposta soltou-me um dos seus mais apreciados.
Mas, antes, contou a cena. Ao dar um passeio de lancha lá pelas águas do Maranhão, o motor deu pane e ficaram à deriva os políticos Eduardo Cafeteira e José Sarney.
Dirceu não perdeu a oportunidade de gozar ambos:
Ao velho tubarão perguntei
Se o mar lhe favoreceu
Por que você não comeu
Cafeteira e Zé Sarney?
Ao que o sábio animal
Logo me respondeu:
Prefiro morrer de fome
A morrer de indigestão.
Normando Raposo foi outra criatura que conheci, que mesmo sendo poeta, publicava coisas interessantíssimas, muitas das quais editei em minhas revistas. Contou-me ele:
Quando entrevistei durante algumas horas um índio lá no Alto Xingu e deligamos nossos equipamentos para ir embora, ele foi tirando o cocar e pronunciou:
– Agora posso trocar de roupa!…
O mesmo Normando contou-me:
Um homem perdido na mata, de madrugada, viu um clarão diante dele e pensou que fosse um disco voador. Mas na verdade se constatou que aparecera sim, um vagalume gigante com “ideia luminosa.”
Mário Souto Maior, meu saudoso amigo, famoso filólogo, gostava de brincar com as palavras, como se fosse um jogo de armá-las.
E certo dia, ao visitá-lo em seu terraço, onde se balançava em uma dolente rede, tendo na barriga o Dicionário Aurélio, me favoreceu com estas maravilhas que estava preparando.
Com um “Pai dos Burros” e um caderno de notas à mão, ele foi anotando e chegou à observação que os verbos rir, reler, raiar e rever, lidos ao contrário significam a mesma coisa.
E foi mais além:
Os prenomes Ana e Oto, têm o mesmo comportamento. Já Raul passa a ser luar. Eva passa a ser ave. Saul passa ser luas. Lael passa a ser leal. Edna passa a ser ande. Omar passa a ser ramo e Lena passa a ser anel.
Uma das frases mais conhecidas, lida às avessas dá no mesmo: “Roma me tem amor”.
Dias depois me telefonou informando que causou embaraços em sua mente, o exercício que havia feito, de tanto ler palavras de revestréis, naquele domingo em que comigo se encontrou.
E me repetiu o que disse ao chegar à sua repartição no dia seguinte, não mais acertando nem a pronunciar o próprio nome:
ROIAM OTUOS OIRAM (Mário Souto Maior).
Depois disso foi mais além e publicou nota sobre aquele nosso encontro no livro: “Folclore quase sempre”. Peguei gás!