Bibi Ferreira em foto de 1953
Tenho dito que o jornalismo me realizou. Foram tantas as amizades que daria um pequeno dicionário se fosse fazer a relação.
Aos 16 anos eu era Escriturário do City Bank e trabalhava com Amílcar Dória Matos no setor de Ordens de Pagamento. Como atividade paralela praticava o jornalismo, publicando reportagens como Profissional Liberal Autônomo, aproveitando os fins de semana para as reportagens.
Certa manhã atendi no balcão do Banco um casal. Ela disse que desejava receber uma Ordem de Pagamento e lhe solicitei a Cédula de Identidade. Era Abigail Izquierdo Ferreira. Nome estranhíssimo.
Passei-lhe o formulário, colei os selos de Educação e Saúde, e lhe solicitei duas assinaturas; sendo uma por cima dos selos e outra igual à identidade, que seria conferida por D. Eunice Catunda.
A selagem era uma forma de o Governo Federal cobrar imposto destinado à Educação e à Saúde. Nesse tempo os documentos que formalizavam um empréstimo bancário eram as Notas Promissórias, que também eram seladas.
Ao cidadão que estava com ela indaguei o nome, pensando que seria também um beneficiário. Um tipo bonitão, muito simpático, que causou frenesi nas moças do Banco.
Herval Rossano, o galã
– Herval Rossano é meu nome artístico, mas na Identidade sou Herval de Abreu Paes.
E puxou conversa.
– Mas nada tenho a receber do seu Banco, porque ela – apontou para Bibí – é quem me paga. Trabalhamos juntos no teatro. Ontem foi o fim de nossa temporada no Teatro Santa Isabel; por sinal muito bonito, tanto o teatro quanto a sua cidade.
Aí “soltei meus cachorros”.
– Também já me apresentei lá na sua terra, no Teatro Regina, localizado na Cinelândia. Sou do Teatro de Amadores de Pernambuco. Logo vi que conhecia essa senhora de fotografias, mas o nome me pareceu estranho…
– Ela é Bibi Ferreira! – Disse-me Herval Rossano.
Aí “peguei ar” como dizem os humoristas.
– Que honra atende-la, madame! Sobretudo por ser filha do sr. Procópio Ferreira, o inimitável astro que conheci num engenho do Vale do Siriji, aqui em Pernambuco.
– Como conheceu papai?
– Numa festa no Engenho Palma, em Machados, quando numa festa, ele foi apresentado a duas moças – Margarida e Madalena – alguém, indiscretamente indagou qual das duas era a mais bonita.
Precisando de tempo pra pensar, soltou um sorriso bem teatral e disse que responderia logo mais.
Procópio, o pai de Bibi, com 62 anos de carreira, interpretou mais de 500 personagens em 427 peças
Pedi ao fotógrafo que não tirasse os olhos dele porque era um ator famoso do Rio de Janeiro e iria demorar pouco por ali. Era o motivo de nossa reportagem. Tínhamos a missão de acompanha-lo. Aí surgiu o fato principal.
Mesas espalhadas pelo pátio bem iluminado, quitutes e bebidas correndo à vontade, o Senhor do Engenho todo satisfeito com a presença do ator naquela noite especial. Discretamente Procópio pegou um guardanapo e escreveu um verso elogiando as duas sem definir sua predileção:
Não sendo nada poeta
Mas simples homem de cena
Não sei qual a mais bela
Se Margarida ou Madalena.
Na época em que nos encontramos eu estava com o verso na memória e logo o declamei. Depois que Bibí foi ao caixa receber o dinheiro, retornou para que eu lhe ditasse o verso de seu pai, que ela não conhecia. Anotou meu nome numa revista e se despediram comentando o fato.
Bibi, como alguns sabem, era uma das maiores atrizes dos palcos brasileiros, além de cantora e diretora de teatro. Nosso encontro foi marcante. Ficaria na minha história.
Meses depois recebi dela um cartão-postal com este recado:
Entreguei o verso a papai. Ele ficou impressionado com sua memória. Um beijo da Bibi. Rio de Janeiro, 24.03.1954.