Perdemos esta semana um exemplar modelo de virtudes, o mestre de várias disciplinas de vida, Carlos Emílio Schuler, um homem incomparável.
Deus lhe permitiu a compensação das virtudes que marcaram sua longa vida de quase 106 anos. E aqui levanto, camada por camada, algumas de suas mais notáveis lembranças. Coisas que ele gostava de contar.
Viveu a infância e a juventude, como papai, num Recife ainda colonial, quando havia o Cine Ideal, localizado no Pátio do Terço, e se notava a particularidade de possuir 250 cadeiras de Primeira Classe e 217 de Segunda.
Presenciou uma pendenga entre os católicos e o Prefeito Augusto Lucena, que marcaria a história do bairro com a demolição da Igreja dos Martírios, que mesmo sendo um patrimônio histórico, foi derrubada pela Prefeitura para dar espaço à atual Av. Dantas Barreto, que acabou ficando pela metade.
Amigo de juventude de meu pai – Arthur Lins dos Santos – quando meninos, em 1920, se deliciavam com corridas sem perigos pela extinta Campina do Bode, no antiguíssimo bairro de São José, onde havia um riacho em que tomavam banho após jogos de futebol.
Lembrou-se – durante uma das muitas entrevistas que fiz para escrever sua biografia – que em 1942, para manter a preparação do Exército a fim de custear a participação na II Guerra Mundial, as pessoas eram estimuladas a doar cobre, zinco e dinheiro.
Apareceram, nos anos 30, os revolucionários relógios de algibeira, folheados a ouro, fabricados por Patechk Phillipe. As calças masculinas eram fabricadas com pequenos bolsos de algibeira para relógios e moedas. Havia relógios- despertadores que ficavam nas mesas de cabeceira.
Nos anos de sua juventude a maioria das casas de família possuíam pianos e as moças interpretavam valsas vienenses, com as janelas abertas para melhor difusão dos sons. Eram os saudosos saraus domingueiros.
Mais adiante, já aposentado, após chegar ao ápice da carreira, foi laureado pelo Banco do Brasil, durante a comemoração dos 100 anos de instalação no Recife, com o Título de Reconhecimento pelos seus relevantes serviços.
Sentiu-se um espadachim. Quando viveu a maior emoção cívica de sua vida – disse-me em confidência – foi o momento em que recebeu a espada do CPOR – Centro de Preparação dos Oficiais da Reserva -.
No campo de esportes da Polícia Militar de Pernambuco, no dia da formatura em que foi laureado Tenente da Reserva do Exército Brasileiro, em traje de gala, quando, de sua turma, foi laureado o aluno-destaque.
No momento da chamada, deu passos à frente, sacou a espada em manejos da praxe militar e ofereceu o peito ao oficial para que lhe fosse colocada a Medalha General Correia Lima, a mais relevante comenda do CPOR.
Há lembranças até pitorescas. Muitos anos mais adiante sofreria as agruras ao gerenciar o Banco do Brasil em Caruaru, que instalado numa casa residencial, onde tudo era aperto e improviso, teve que se acomodar num espaço para a Gerência junto do WC; e algum “cliente” que o fosse utilizá-lo incomodava ao outro, o Gerente, notadamente quanto ao mau cheiro do deslocamento de material fecal, os “torpedos”.
Dr. Schuler recebe Título da AABB, das mãos do Dr. Sérgio Loureiro
Das glórias pelas quais mereceu medalhas e Títulos de Reconhecimento, não se pode esquecer algumas que lhe foram conferidas pela Associação Atlética Banco do Brasil, clube do qual foi um dos fundadores.
Não se pode resumir em crônica toda uma história de vida, claro. Mas, para qualificar o saudoso Schuler, bastaria dizer que ele foi um homem que primou continuadamente pelos princípios da ética, respeito aos valores sociais e foi guiado por notável integridade e retidão de caráter.
No conceito do poeta e filósofo Mário Quintana, o Tenente Schuler, como era conhecido no Banco do Brasil, nunca será esquecido. Não estará na sepultura porque ficará conosco todas as vezes que dele a gente se lembrar como exemplo de retidão.
Quando desenvolvíamos a etapa de supervisão de seu livro biográfico, com a neta Fernanda – a real inspiradora da iniciativa – ao nos mostrar a espada ofertada pelo CPOR, notei que ficou trêmulo face à emoção de reviver aquele momento de espadachim.
A partir daquele instante avaliei o quanto valeu a guarda de tantos títulos, medalhas e documentos que havia conservado para a comprovação das muitas glórias que viveu.