HOJE É DIA DE SANTO REIS
Raimundo Floriano
Reis Magos no Presépio
Em minha infância sertaneja sul-maranhense, no dia 6 de janeiro, Dia de Reis, a meninada balsense saía, de porta em porta, declamando, na esperança de ganhar alguma prenda, o que faço agora para vocês também:
Eu plantei um pé de rosa
Pra nascer no dia seis
Ele nasce, e eu lhes peço
Ano-bom, Festas e Reis
A recompensa era certa, geralmente algo comestível: bolo, doce, fruta. Dinheiro era raridade.
O dia 6 de janeiro marcava também o encerramento da peregrinação dos Reis que, desde o dia 25 de dezembro, saíam pelos terreiros de cada residência da cidade.
Lembro-me de dois: o Reis do Mestre Andrelino, rabequeiro, que contava apenas com quatro tiradoras das cantorias, com ele na rabeca, e o do Antônio Velho, o Antõe Velho, e Heliodora, ele também conhecido como Antõe Perninha, pelo fato de lhe faltar uma perna. Esse era composto de pastoras, caretas, boi e burrinha. As cantigas já se perderam no tempo, mas vou aqui relembrar algumas que me vêm à memória:
Senhora dona da casa
Já que mandou nos chamar
Chegamos na sua porta
Vamos Santo Reis cantar
Quando eu vim de lá de casa
Eu vinha com noite escura
Santo Reis já me dizia
Que a jornada era segura
Cá estamos nesta porta
Cantando com devoção
Não precisa que dê nada
Mas o dar é grande ação
Esta casa é bem-feita
Por dentro, por fora não
Por dentro, cravos e rosas
Por fora, manjericão
Somos pobres peregrinos
Que de muito longe vêm
Caminhando sem descanso
Até chegar em Belém
Nós seguimos uma estrela
Que no céu apareceu
Seu clarão nos levará
Aonde Jesus nasceu
Os Três Magos do Oriente
Seguindo a Estrela-guia
Louvaram o Deus Menino
Na Sagrada Epifania
Pastores em serenata
Idolatraram com fé
A santíssima Família
Jesus, Maria e José
Eles viram o Deus-Menino
Na manjedoura deitado
Em seu rosto se espelhava
O seu cabelo dourado
Belchior veio da Pérsia
Da Etiópia, Baltazar
E Gaspar veio da Índia
Todos a Jesus saudar
Belchior portando ouro
Com mirra veio Gaspar
Baltazar trouxe o incenso
Pra Jesus presentear
O cantar do Santo Reis
É um cantar excelente
Acorda quem está dormindo
Consola quem está doente
Senhora dona da casa
Em sua porta tivemos
Pagando uma promessa
Que pra Santo Reis fizemos
O dono desta promessa
Tava de vela na mão
Se não fosse Santo Reis
Tava debaixo do chão
Senhora dona da casa
Imagem da alegria
É a cara mais bonita
Que pisou na freguesia
Senhora dona da casa
É uma fulô de roseira
Quando venta, se embalança
Quando se embalança, cheira
As mocinhas desta casa
Têm perfume incensador
Cheiram a cravo e loção
Brilhantina Flor de Amor
Senhora dona da casa
Por Santo Reis protetor
Que seu lar seja coberto
De benção e de amor
E pra terminar a festa
Cheia de paz e harmonia
Nesta salva prateada
Lançai-nos qualquer quantia
Senhora dona da casa
No terreiro nós cantamos
Santo Reis lhe agradece
As prendas que nós ganhamos
É hora da despedida
Pro pessoal que aqui mora
Senhora dona da casa
Santo Reis já vai embora
Vamos seguindo o caminho
Da Estrela de Belém
Para o ano a gente volta
Nas Graças de Deus, amém
Tanto o Reis do Mestre Andrelino quanto o do Antõe Velho e Heliodora eram compostos por pessoas de baixa renda que, além de prestar sua homenagem aos Reis Magos de sua devoção, contavam com a arrecadação para reforçar seus parcos ganhos que lhes proviam a subsistência.
Reis típico do sertão sul-maranhense
Em minha rua, fazíamos, depois do Dia de Reis, o Reis dos Meninos, imitação do Reis do Antõe Velho e Heliodora, com boi, burrinha, caretas e tendo como pastoras as empregadas domésticas da vizinhança. A Folia durava até o dia 11 de janeiro, quando começava o Festejo de São Sebastião, e o dinheiro arrecadado era todo gasto num piquenique, à sombra de mangueiras, comuns em qualquer quintal daquele tempo.
A Memória Balsense dá-nos conta de um Reis diferente dos demais, que durou por todos os Anos 1940. Organizado por Antônia Albuquerque Aguiar, minha Tia Antônia, modista e Professora de Costura – casada com Raimundo Nunes de Aguiar, o Raimundo Lopes, dentista e ourives –, e minha irmã Maria Isaura de Albuquerque e Silva, Professora Primária e bandolinista. Era o famoso Reis da Dona Antônia!
Tia Antônia e Raimundo Lopes
Maria Isaura
A diferença consistia no fato de que, enquanto nos Reis do Velho Andrelino e do Antõe Velho os brincantes provinham de faixas mais desapercebidas e carentes da periferia, o Reis da Dona Antônia compunha-se de moças e meninas da fina flor da elite balsense.
Esvaíram-se no decorrer do tempo as canções desse Reis. Seu formato era uma combinação de Auto de Natal, pois contava até com soldados romanos, e Pastoril, tendo, inclusive, uma Velha em seu elenco.
A foto a seguir é de 1940 e transmite-nos uma ideia de sua formação. Para identificar as pastorinhas dela constantes – algumas faltaram à tomada do flagrante, como minha prima Iracy , vali-me de duas memórias invejáveis, cabeças privilegiadas, não obstante já serem ambas octogenárias: minhas primas Violeta, filha do Tio Cazuza, e Zélia, filha de Tia Antônia, que participaram desse Reis:
Reis de Dona Antônia
Na fileira ao alto: Maria Augusta Borges, Dona Silva e Zilda Fonseca, soldados romanos; Dendém Evelim, Marica Botelho e Nadir Botelho, marinheiros;
Na fileira do meio: Magnólia, Chafia Bucar e Juracy Fonseca, vivandeiras; Yolanda Borges e Lourdinha Fernandes, sempre-vivas; Totó Pereira e Mariinha Martins, crisântemos; Nair Botelho, a Velha; Ari Bucar e Maria Alice Silva, ciganas.
Na frente, ajoelhadas: Crizeida Pires e Zélia Albuquerque, saudades; Eunice Câmara, violeta; Violeta Silva, rosa; Maria da Graça Santos e Terezinha Evelim, lírios; e Conceição Borges e Lourdinha Evelim, açucenas.
******
Para vocês, as Cantigas de Reis mais conhecidas:
Reisado de São José, de Raimundo Monte Sant, na voz da forrozeira Clemilda:
Canto de Saudação ao Presépio, de Téo Azevedo e Toni Agreste, com Téo Azevedo e o Terno de Folia de Reis de Alto Belo, Minas Gerais:
A Festa de Santo Reis, de Márcio Leonardo, na interpretação de Tim Maia:
Folia de Reis, de Raul Torres e Rubens Ferreira, na voz de Pavão do Norte, Damião e Basílio:
Folia de Reis, adaptação folclórica, com o Trio Parada Dura (Creonte, Barreirito e Mangabinha):
"
"