Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quarta, 14 de junho de 2023

ANTÔNIO MOREIRA (CRÔNICA DE CARLITO LIMA, COLUNISTA DO ALMANAQUE RAIMUNDO FLORIANO)

 

ANTÔNIO MOREIRA

Carlito Lima

Tonho Moreira no Bar Gracy sendo servido pelo garçom Pescoço

 

Eu almoçava todas as terças-feiras na casa de minha mãe. Certa vez, depois de ter saboreado uma arabaiana ao molho de camarão, barriga cheia, cochilando no sofá, de repente despertei assustado ao ouvir e ver na televisão um anúncio fúnebre comunicando o falecimento de Antônio Moreira, com o enterro previsto para às dezesseis horas no Cemitério Parque das Flores.

Foi um choque, uma dor no peito, uma porrada no âmago. Antônio Moreira meu querido amigo, meu irmãozinho havia morrido, emocionado, as lágrimas caíram. Dona Zeca me consolava sabendo que o filho é um incurável sentimental.

Triste, acabrunhado, contei para meu sobrinho Luís Cláudio nossas histórias quando éramos prefeitos. Eu da Barra de São Miguel e Antônio Moreira da Capela. Nós nos visitávamos, conversas bem humoradas, cerveja rolando. Amigos chegados à boemia e a alegria da vida. Com os olhos marejando falei de minha admiração por Tonho, usineiro com posturas humanitárias, progressistas. Havia quem o taxasse de louco quando foi eleito o deputado mais novo da história da Assembleia Legislativa por suas ideias inteligentes. Tonho Moreira estava bem adiante da época que vivia. Lia muito, belo ser humano, com uma visão bonita do mundo. Cabras como Antônio Moreira não deviam morrer. E caía no choro no sofá. Minha mãe, com cuidado, pensou que eu não estava em condições de dirigir e cedeu seu carro para me levar ao enterro. Fui conversando com o Sargento Jorge, motorista e amigo da família de muitos anos. Jorge, espiritualista, consolava-me assinalando que um dia eu veria meu amigo novamente em outra vida. Não era apenas tristeza, deu-me aquela depressão quando percebemos nossa insignificância diante da realidade da morte.

No Parque das Flores havia apenas um enterro. Jorge parou o carro no estacionamento. Fui em direção à capela, a emoção aumentava, era a expectativa de ver um amigo, um irmão, tão cheio de vida e inteligência, estirado num caixão. Aquilo doía ao me aproximar do corpo do amigo. Vidas que se acabam e nada mais. Na porta da capela perguntei a alguém se era o velório de Antônio Moreira, com a afirmação de uma senhora balançando a cabeça, me aproximei do caixão infiltrando-me entre os parentes e amigos. Eu estava emocionado, descontrolado, lágrimas corriam, uma forte dor tomou conta do meu peito, a pior hora, ver meu amigo estirado, inerte.

Consegui chegar mais perto para ver Tonho. Ao olhar o rosto do morto, houve uma confusão momentânea em minha cabeça. Fiquei perplexo, surpreso. Não deu para disfarçar a alegria, o sorriso, o alívio ao perceber que o defunto era outro Antônio Moreira, um homônimo.

Os parentes do morto-xará não entenderam minha saída rápida, levantando os braços, alegre, cheguei perto do Jorge gritando: “É outro Antônio, Jorge! Tonho Moreira não morreu, vamos para casa!”

Assim que pude telefonei para meu amigo, vivinho da silva, contei a história de seu enterro. Tonho às gargalhadas, respondeu que eu era o terceiro a confundir. Santa confusão, meu amigo Antônio Moreira estava mais vivo que nunca, com seu sorriso e careca mais reluzentes. E viveu ainda por muito tempo.

Anos depois, Kátia Moreira me telefonou comunicando que Antônio Moreira havia partido desse mundo para outro melhor. À noite fui com o amigo Geraldo Majella ao velório no Parque das Flores. Seus filhos, Duda, Tatá, Mônica e Andréia quando me viram, recordaram a incrível história da trapalhada do enterro errado. A inexorabilidade do tempo, da vida levou Tonho. Restou apenas lembrar o poema de John Donne que diz mais ou menos assim: “Nenhum homem é uma ilha isolada, faz parte do continente. A morte de qualquer ser humano diminui-me porque faço parte da humanidade. Nunca perguntes por quem os sinos dobram, eles dobram por ti.”

Quando se vai um ser querido, morremos um pouco também. Quem sabe se um dia, como vaticinou o Jorge, a gente se encontra na vastidão dos universos? Tive o privilégio de ser amigo de Antônio Moreira, uma das cabeças mais brilhantes, uma das figuras mais inteligentes que conheci nessa cidade de Maceió.


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