Almanaque Raimundo Floriano
Fundado em 24.09.2016
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, dois genros e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 12 de outubro de 2018

O PEQUENO PRÍNCIPE

 

 
O PEQUENO PRÍNCIPE

Ninguém sabe de onde veio, nem ele, certeza apenas que sua origem é sertaneja. A mãe o abandonou na Praça do Centenário quando Maurício não havia completado dez anos. Era um menino bonito de chamar atenção. Olhos azuis, vivos, ficavam procurando se fixar em algum lugar, pareciam pedir socorro. Abandonado, sozinho, ficou a vagar pela cidade grande, sua pele alva e cabelos louros mostravam sua descendência de holandeses fugitivos, expulsos de Pernambuco pelas tropas portuguesas que se esconderam, se embrenharam, se fixaram no sertão nordestino. Esses holandeses se miscigenaram com caboclos, aparecendo essa raça de galegos  sertanejos que os índios Xucurus de Palmeira dos Índios chamaram de mirigongos.

O menino enjeitado, triste e assustado, andou durante dias pelas ruas de Maceió, dormindo sob marquises, faminto, encontrou um bando de meninos abandonados. Foi uma alegria ter aqueles amigos, logo se tornou um líder entre os menores que perambulavam pelo centro da cidade, Praça Deodoro e arredores. Viviam de pouca esmola, do que achavam no lixo, e de alguns roubos fortuitos. Assim ficou Maurício nas ruas, abandonado por mais de quatro anos pela cidade, sem escola, sem casa, sem documentos. Sua família eram os colegas de rua, de cola e de cruz.

Maurício andava por toda Maceió, certa tarde ficou a futucar um container de lixo numa rua da Jatiúca. Alzira, moradora de um prédio vizinho, olhando da janela, teve pena do menor abandonado, agradou-lhe a silhueta daquele menino esguio, louro, cabelo escorrido até os ombros, com vestes maltrapilhas, parecia o Pequeno Príncipe mendigo. De repente, ao acaso, ele olhou para a coroa, sorriu. Ela respondeu-lhe com outro sorriso e com a mão direita aberta deu um sinal para ele esperar. Alzira desceu com um bolo na mão, ao aproximar, sentiu uma forte empatia, um afeto maternal pela criança. Maurício recebeu o enorme bolo com alegria, dividiu com os amigos, fizeram uma festa. A partir daquela data, todo o dia, o menino cheira-cola aparecia em frente do edifício, a coroa lhe dava o que comer.

Alzira havia completado 41 anos no dia que conheceu Maurício, dizia para si mesma que foi um presente de Deus. Mulher sofrida teve o coração despedaçado, noiva durante 19 anos de um médico, na véspera do casamento, ele fugiu com uma aluna da Faculdade. Um trauma para Alzira, ainda hoje mulher bonita, vistosa, mesmo quarentona, tem muito charme, é o que se pode chamar de coroa gostosa. Desde sua decepção amorosa mora sozinha, não quis mais namoro ou sexo, permaneceu virgem.

Esse menino veio preencher sua carência afetiva, com pouco tempo ele ficou morando no quarto de empregada, almoçava com a única empregada, tornou-se secretário para compras e outros afazeres. Alzira ficou apegada com o adolescente, durante as noites ensinava o alfabeto, a contar, até que o matriculou no Colégio Diocesano onde os Irmãos Maristas têm curso noturno para os necessitados que não podem pagar colégio.

Maurício é caladão, casmurro por natureza. Depois de algum tempo, Alzira descobriu que o sonho dele era uma prancha de surf. Deu-lhe uma prancha de presente. O jovem ficou feliz da vida correu para surfar na praia de Cruz das Almas. De bom coração nunca abandonou os amigos de rua, quando vai ao surf, seus amigos de rua, pegam carona na prancha. Quando ele pode, arranja dinheiro ou comida para seus ex-colegas. Maurício é alma boa.

Com os anos Maurício tornou-se um forte e belo rapaz, típico surfista. Estudioso, vai fazer vestibular de Direito, quer ser um bom advogado, o que torna mais feliz ainda sua mentora, Dona Alzira, como ele a chama.

Maurício deixou a dependência de empregada, agora dorme em seu próprio quarto. Mostra sempre sua gratidão, tem verdadeiro afeto e carinho por sua protetora que mudou sua vida, que lhe deu o que um jovem da classe média pode ter. Está aprendendo a dirigir, carro prometido se passar no vestibular. Para Alzira é como se fosse um filho, aliás, mais que um filho. Nas refeições divide com ele a mesa. Segundo línguas ferinas, invencionice dos que não tem o que fazer, durante a noite, divide também a gostosa cama forrada de colcha de linho e travesseiros de marcela. Alzira anda na maior felicidade, apenas um problema: administrar o ciúme das paqueras que dão em cima de seu belo Pequeno Príncipe.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 06 de outubro de 2018

OS OITO CADETES

 

 
OS OITO CADETES

Recentemente visitei a bela cidade de Resende. Fui comemorar com colegas o 57º aniversário de formatura de minha turma na Academia Militar das Agulhas Negras. Ao ultrapassar novamente o Portão Monumental da Academia vieram-me lembranças e emoções do jovem cadete que fui. Assim que entrei, caminhei pelos quatro cantos da escola de minha vida, revi as pérgolas, a enorme biblioteca, o refeitório, os apartamentos onde dormíamos. Os campos de futebol, atletismo, ginásio, piscina. Na AMAN se pratica um bom esporte. Revi as salas onde todo dia assistíamos aulas de, Português, Física, Psicologia, Direito, e tantas outras matérias, matemáticas e humanas, como também instrução militar, tática e emprego de tropas. Naquelas salas aconteciam provas mensais, o professor entregava a prova, saía da sala, ninguém  filava (colava), fazia parte no Código de Honra, não escrito.

Ficamos em Resende alguns dias, relembrando nossas vidas juntas naquela imensa AMAN, depois cada qual foi servir em um canto do Brasil. Eu deixei o Exército como Capitão, a maioria dos colegas seguiu a carreira militar, fizeram vários cursos de aperfeiçoamento, de Estado Maior, da Escola Superior de Guerra, alguns foram para o estrangeiro, Eu como tenente passei dois anos comandando um Pelotão de Fronteira em Roraima, uma experiência de vivência humana extraordinária. Companheiros de turma são como irmãos, durante seis anos de convívio diário os colegas passam a ser uma nova família. Nas noitadas dessa gostosa semana reuníamos os casais para longas conversas relembrando fatos e lendas que se incorporaram às nossas vidas, como a história dos oito cadetes.

No início de 1944, tempo de II Guerra Mundial, a construção da Academia Militar das Agulha Negras havia parado por falta de verbas; funcionava no Rio a velha Escola Militar de Realengo, instituição que formou muitos militares.

Naquela época uma das diversões do cadete era montar a cavalo nos dias de folga. Oito amigos nos fins de semana costumavam cavalgar. Oito companheiros saíam sempre juntos. Em algumas noites eles costumavam cavalgar até uma boate de mulheres que havia perto de Realengo. Época de frio os oitos cadetes vestiam pelerine (capa militar azul marinho sem mangas), botas e o quepe a Príncipe Danilo, o mulherio se assanhava quando eles apareciam. Faziam visitas constantes à casa das mulheres. Os cadetes cavalgavam, dançavam, sempre cobertos com a elegante pelerine. Era proibido frequentar cabarés, se fossem apanhados pela Patrulha Militar pegariam alguns dias de cadeia, com certeza.

Certa noite, depois de dançar, depois de se deitarem com as “namoradas”, os oito amigos montaram nos cavalos escondidos no mato e dispararam pela estrada de barro retornando à velha Escola Militar do Realengo. Quando passavam por uma rua, por volta das 23 horas, viram numa esquina escura quatro homens assaltando, batendo num senhor que pedia clemência, que não o matassem. Os cadetes, os oitos cavaleiros, não precisaram combinar, puxaram as rédeas e os cavalos dirigiram-se para o local do assalto, com destemor e rapidez desmontaram dos cavalos ainda a galope e agarraram os quatro bandidos. Os cadetes socorreram o cidadão que já devia ter mais de 60 anos, e prenderam os marginais. Entregaram os facínoras numa delegacia próxima, e o velho ferido foi deixado num hospital.

Na segunda-feira durante a formatura matinal, o comandante da Escola pediu à tropa para que os cadetes que tinham salvado a vida de um cidadão no sábado á noite se apresentarem, pois, o filho desse senhor estava na Escola para agradecer. Os oito amigos não se revelaram com receio de pegar cadeia. Ninguém se acusou. No dia seguinte, depois do comandante muito insistir e prometer que não haveria punição, os oito cadetes reuniram-se resolveram se apresentaram ao comandante e ao rapaz. Foram levados à presença do cidadão no hospital. O senhor era nada mais nada menos que Henrique Lage, um dos homens mais ricos do Brasil, donos de empresas, inclusive o Loyd Nacional, companhia de navios que fazia a costa brasileira. O senhor agradeceu aos cadetes e perguntou qual a precisão de cada um, eles dissessem o que precisavam, uma casa, um carro, ou o que fosse, seria o agradecimento por ter salvado a sua vida. Os oito amigos pediram para pensar. Reuniram-se, discutiram muito.

No dia seguinte foram ao ricaço, nada queriam para eles, pediam que ele ajudasse a terminar a construção da Academia Militar das Agulhas Negras que estava paralisada. O velho milionário deu a ordem para fazer um levantamento do que faltava para terminar a Academia. Mandou buscar o mais fino mármore de Carrara na Itália para o revestimento, comprou todo o piso da Academia em granito. Até hoje perdura a suntuosidade naquele belíssimo conjunto arquitetônico. A AMAN é considerada a mais bonita Academia Militar do mundo, graças à digna história dos oito cadetes, hoje anônimos militares reformados de nomes esquecidos ou mortos, mas o belo gesto, a coragem, o destemor e o amor à sua Escola tornaram-se lenda, sempre lembrada nas reuniões militares.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 29 de setembro de 2018

MANGA ROSA

 

 
MANGA ROSA

– “Delícia!” Exclamou Albérico chupando a terceira manga rosa na varanda do sítio do amigo Alfredo. Estavam sentados à mesa conversando enquanto as esposas catavam frutas no bem cuidado sítio.

– “É daquela mangueira, a mais cheia, mais viçosa, maior que as outras e plantadas na mesma época.” Apontou Alfredo.

– “Que adubo você colocou nessa mangueira? meu amigo!”

– “Uma história inacreditável, não contei a ninguém, apenas Severino, meu caseiro, sabe. Se você tiver paciência conto a história. É segredo, nem sua esposa, ninguém pode saber, promete?”

-“Prometo e escuto, desde que me traga mais manga”.

Alfredo trouxe um prato de manga rosa colocou-o na mesa. Iniciou o relato.

– “Há dez anos, quando estava me separei de Rita, todos os dias eu almoçava num restaurante na Rua da Praia. A garçonete de nome Rosa chamou-me a atenção, beleza singela, loura, pele branca rosada pelo sol. Simpática, eu lhe dava boas gorjetas, ficamos amigos. Certo dia me assustei quando perguntou se eu queria transar com ela. Claro que sim, partimos para um motel. Três meses de encontros, contou-me sua história, polonesa, seu nome verdadeiro, Rozowe Komorowski, os pais vieram para o Brasil quando ela tinha 5 anos, moraram em Santa Catarina. Rosa tinha um problema no coração, não podia fazer esforço, cansava, um médico afirmou, não chegaria aos 18 anos, já estava com 26; mais nova que eu 31 anos. Seus pais morreram num desastre, sozinha no mundo, Rosa resolveu morar no Nordeste, terra de sol, povo alegre. Estava em Maceió há nove meses, ficou encantada com tanta luz, céu e mar azul esverdeado, terra bonita para viver e morrer. Arranjou um modesto emprego, sua vida tão finita, não dava valor a dinheiro, emprego, apenas para se sustentar, comprar remédios, não tinha envolvimento sério com namorado, agora se apegava a um homem maduro, estava passando uma fase feliz em sua vida, aproveitava todos os momentos.”

Alfredo apertou os olhos marejados, respirou, continuou a contar.

-“Naquela época apareceu esse sítio em Marechal Deodoro margeando a Lagoa Manguaba, Rosa se apaixonou pelo local, deu maior força. Comprei o sítio, tomei gosto, iniciei plantação, adoro frutas. Passava o fim de semana no sítio com Rosa, discretamente, eu não aparecia em público com a namorada, me sentia ridículo, mais velho. Ela não se importava, queria apenas ficar comigo. Seus olhos brilhavam de felicidade ao chegar aqui, amava esse lugar.

Viajamos a São Paulo, levei-a a um cardiologista famoso, diagnosticou o mesmo problema, deixei seu nome na fila de espera de transplante do coração. Rosa não mais trabalhou, a meu pedido, aluguei um pequeno apartamento beira mar na Jatiúca, toda manhã minha namorada ia à praia, à noite eu lhe visitava. Assim passei dois anos vivendo, amando aquela jovem alegre, cheia de vida, mesmo sabendo que poderia morrer a qualquer instante.

Rosa adorava manga. Certo dia fiz-lhe uma surpresa, comprei oito enormes mudas, tipos variados de mangueiras. Num sábado entulhamos o carro, Rosa feliz da vida acompanhou a abertura dos buracos, plantio das mudas. Sorriu-me pedindo, “quando eu morrer me enterre nesse sítio e plante por cima uma mangueira”. Levei na brincadeira. À noite nos amamos, pela madrugada ouvi um ronco, acendi o abajur, olhei de lado, Rosa de boca aberta, olhos semicerrados, balancei-a, havia morrido. Fiquei inerte, pensando na vida, na namorada morta. Ao amanhecer contei a história a Severino, ele concordou, abrimos uma cova, enterramos Rosa, plantamos uma mangueira por cima.

Jamais, nesses dez anos, alguém desconfiou ou procurou por Rosa. Todo sábado venho vê-la. Casei-me novamente, nunca contarei à minha esposa e a mais ninguém a história dessa mangueira florida, viçosa e bela, plantada por cima de Rosa.”

Enternecido Albérico colocou o braço por cima de Alfredo, disse apenas. “Por favor, é segredo sagrado.”


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 21 de setembro de 2018

AMOR NO TEMPO DO VELHO CHICO

 

 
AMOR NO TEMPO DO VELHO CHICO

Penedo cidade da pedra; penedo, rocha, rochedo. Penedo das ruas estreitas, dos casarões repletos de história. Penedo do Velho Chico, bela cidade para se viver um grande amor. Muitos amores aconteceram tendo o Rio São Francisco por testemunha, muitas histórias de amor se escondem nos seus belos casarões. Penedo, paixão, belas histórias de amor. Penedo de Mauro e Heloísa.

Mais de meio século nos separam daquele Penedo dos casarões, das famílias tradicionais. Heloísa nasceu no berço da aristocracia alagoana família secular, ainda menina chamava atenção pela beleza, pelo bom humor e inteligência. Além da Escola ela tinha aulas particulares de piano, tornou-se uma das maiores pianistas das Alagoas. Certa vez, Paschoal Carlos Magno ao ouvir Heloísa executando as Bachianas de Villa Lobo, implorou a seus para que a moça estudasse no conservatório de música na capital do país, o Rio de Janeiro. Ela não ligou a negativa do pai, Heloísa adorava sua cidade, Penedo.

Aos 16 anos encontrou um jovem falante que a sensibilizou numa festa de rua de natal, foi paixão simultânea. Acontece que o jovem Mauro, também de família tradicional, apenas com 18 anos já era um dos grandes boêmios da cidade, frequentador assíduo da zona do Camartelo, gostava do chamego com as mulheres dos cabarés. Certa noite foi recolhido à cadeia por arruaças numa boate. Vivia nos botequins e na boemia. Tinha a seu favor a simpatia e uma eloquência encantadora. Inteligente, bom aluno planejava fazer vestibular na Faculdade de Direito em Maceió. Assim como os polos antagônicos se atraem, Heloísa ficou atraída, encantada com o bonito rapaz. Os pais consentiram o namoro com muitas restrições. Formavam um belo casal. Viviam uma paixão de jovens românticos em passeios às margens do velho Chico.

Mauro fazia força para ficar sossegado, mas não resistia, à noite caía na gandaia. Na zona do Camartelo era conhecido por todas as raparigas. Certa vez virou a noite, o dia amanhecia quando ele e os amigos bêbados fizeram uma serenata no casarão da família de Heloísa. O pai pediu que ela acabasse aquele namoro, houve pressão. Ela deu mais uma chance para o namorado.

No início de fevereiro o pai de Mauro faleceu. Foi um enterro comovente, era muito querido na cidade. Quinze dias depois iniciava o animado carnaval de Penedo. Heloísa como não podia brincar devido ao falecimento do sogro, foi passar o carnaval na fazenda em Piranhas. Quando retornou na quarta-feira de cinzas, as amigas contaram tudo. Mauro não aguentou os acordes metálicos do frevo, caiu no passo durante os três dias de carnaval na rua e no clube. Heloísa no mesmo instante escreveu uma carta acabando o namoro e mandou entregar a carta a Mauro. Foi definitivo. A família de Heloísa não admitiu a falta de respeito de Mauro com o pai morto há pouco tempo e ele brincar o carnaval.

Cada qual para seu lado. Muitos anos se passaram, Heloísa casou-se com um primo em Penedo, continuou uma virtuosa pianista, quando enviuvou teve o consolo de seus 5 filhos e 8 netos. Mauro cursou a Faculdade de Direito, tornou-se um famoso advogado. Ainda hoje trabalha duro em seu escritório, também ficou viúvo com 5 filhos e 8 netos.

No início desse ano Mauro levou um amigo paulista, historiador, a Penedo. Visitou a Fundação Casa do Penedo, um museu vivo onde se respira história, sonho e invenção do Dr. Francisco Salles, um penedense amante da terra. Certa hora Mauro ouviu um piano belíssimo, ele comovido com a música ao longe perguntou de onde vinha. Alguém informou que era festa de aniversário de uma senhora muita querida, Dona Heloísa. Seu coração voltou à juventude. Pediu licença aos amigos, caminhou em direção à música suave do piano que envolvia a bela noite. Entrou no casarão como se fosse um convidado. Seu coração encheu-se de ternura ao ver Heloísa embevecida tocando seu velho piano. O tempo não foi cruel com ela, tornou-se uma linda senhora. De repente Heloísa olhou ao lado, seus olhos cruzaram com os de Mauro, reconheceu seu amor de sua juventude. Um sentimento forte tomou conta, uma alegria invadiu sua alma, inspirou-se, tocou como nunca havia tocado. Ao terminar a audição, feliz da vida foi cumprimentar seu amigo, seu amor de juventude.

Mauro e Heloísa conversaram bastante, almoçaram juntos no dia seguinte. Encontraram-se várias vezes em Maceió e Penedo. Precisou muita discussão, muita vontade e força para que vencessem a resistência dos filhos. Atualmente Mauro e Heloísa estão viajando pelo mundo. Desfrutando do grande amor, amor maduro. Venceram a resistência dos filhos e netos de ambos os lados, estão em plena lua-de-mel, às vezes recordando os velhos tempos e como era o amor no tempo do Velho Chico.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 15 de setembro de 2018

O CACHIMBO DA VOVÓ

 



Geraldo nasceu e criou-se no povoado da praia do Francês, um paraíso encrustado na cidade histórica de Marechal Deodoro. Ainda menino aprendeu a surfar nas ondas do mar azul. Embora houvesse uma escola, Geraldinho gostava mesmo das ondas. Seus pais insistiam nos estudos, mas, ele achava que a vida era aquele pedaço de paraíso (pensando bem ele estava certo).

Para ajudar a manter a família, ainda adolescente foi trabalhar no bar de seu pai que era o sustento da família, mulher e mais seis filhos homens. Quando amanhecia o dia, Geraldinho pegava sua velha prancha e se deixava levar pelas ondas perfeitas para o surf. À noite o bar de seu pai fechava, Geraldinho ficava conversando com amigos ou turistas, contando as tomadas nas ondas ou percorria o povoado catando alguma garota disponível a deitar com ele na praia. Não queria compromisso, só ficar.

 

 

Certa noite um artista famoso fez um show em Marechal Deodoro e depois, altas horas entrou num bar para tomar uma cervejinha e fumar liamba. O artista estava empolgado com a pequena plateia do bar, tocou violão, cantou, e contou sua vida. De como saiu de Monteiro, uma pequena cidade da Paraíba e tornou-se astro do Brasil. Precisou muito sacrifício, muita dedicação, aprendeu a compor e todos os dias ensaiava no mínimo quatro horas de violão. Quando completou 20 anos arribou de Monteiro e foi para São Paulo. Passou mais de quatro anos tocando no metrô de São Paulo até que um cara ouviu o artista tocando e convidou-o para um Grupo Musical. O Grupo mudou sua vida, vivia de pequenos shows. Sempre compondo músicas novas. Certa noite um olheiro, empresário, depois de um show, o chamou para uma conversa, havia gostado de sua maneira de tocar, ele propôs parceria em suas músicas e assinaram um contrato fazendo show solo, deu-lhe um nome artístico. Ficou famoso, tem um bom apartamento em São Paulo, um bom carro e ótimas mulheres. Mas lutou bastante para conseguir a fama.

Depois da conversa com o cantor, Geraldinho pediu arranjou um violão usado, velho. Ele iniciou a aprendizagem, danou-se a dedilhar. Colocou na cabeça ser músico, compositor, cantor da Rede Globo. Os cinco irmãos, o pai, e a mãe reclamavam do som alto que Géo tirava de seu pinho dentro de casa. Até que teve a ideia de aprender os acordes no sítio de sua velha avó nos arredores do povoado. Quando fechava o bar ao entardecer, Geraldo pedalava sua velha bicicleta até o sítio, ficava sentado embaixo das mangueiras dedilhando as cordas, jantava coma avó. Ele sentia que tinha talento, sonhava tocar para o povo, um belo show. Por muito tempo Geraldinho estabeleceu um roteiro, ao acordar pegava umas ondas, o surf fazia parte de sua vida, depois trabalhava no bar do pai e ao anoitecer aprendia a tocar seu violão e cantar.

Naquela idade os amigos ofereceram um cigarrinho de maconha, ele fumou e adorou. A liamba tornou-se companhia nas aulas musicais autodidatas, embaixo das mangueiras.

Toda noite ao chegar, sua avó pedia para ele fazer seu cachimbo, ou seja, cortar o fumo de rolo e socar, bem socado no cachimbo. A macróbia colocava em sua boca, já torta, e dava baforada até tarde da noite quando chegava o sono.

Certa vez, a avó estava triste, confessou para o neto estar chateada com Malvina, sua filha, depois que o marido largou-a, ela caiu na gandaia, não podia ver homem, e o pior, ela soube que Malvina estava se prostituindo para os turistas, uma vergonha. Precisava fechar as pernas daquela jovem. O neto nada comentou, ele também comia sua gostosa tia.

Certa noite, Geraldinho enquanto socava o cachimbo da avó, com pena de sua tristeza, teve a ideia de colocar um pouco de maconha misturado com o fumo do cachimbo. Com todo cuidado socou bem socado, metade fumo de corda e a outra metade maconha da boa, conseguida com amigos. Levou o cachimbo cheio e bem socado para a avó, e foi dedilhar sua viola embaixo da mangueira. Em pouco tempo, ele ouviu os sorrisos da velhinha, eufórica. De repente ela apareceu às gargalhadas, chegou perto do neto e pediu para tocar músicas de Nelson Gonçalves e danou-se a cantar, “Boemia aqui me tens de regresso… e suplicante te peço… a minha nova inscrição…” Passou a noite sorrindo, cantando e fumando.

Daquela noite em diante, a velhinha só queria que Geraldinho preparasse seu cachimbo. Quando ele não aparecia, a velhinha reclamava. Só ele sabia socar com maestria seu cachimbo.

Em poucos anos Geraldinho aprendeu a tocar violão, e sua avó, sem nunca imaginar, tornou-se uma velhinha maconheira até morrer, nas vésperas do neto se arribar para São Paulo.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 09 de setembro de 2018

ENTRE O PURGATÓRIO E O INFERNO

 

ENTRE O PURGATÓRIO E O INFERNO

Outro dia encontrei Horácio, amigo de juventude, ele abriu-me os braços com um vasto sorriso.

– Você é minha alegria do domingo, amo suas histórias, é nosso Nelson Rodrigues. Abro sempre o Jornal na página de sua crônica, minha primeira leitura.

Eu fiquei lisonjeado com a observação de um homem tão digno, esteio de nossa sociedade, advogado emérito, conhecedor profundo das leis. Conheço Horácio desde os tempos do Colégio Diocesano (Marista), foi um aluno exemplar, religioso, ligado aos princípios morais da civilização cristã. Um apologista aos bons costumes. Jovem que hoje poderíamos classificá-lo de politicamente correto. Fiz ver que sou apenas um despretensioso contador de história do cotidiano, aproveitador de acontecimentos da vida real sem muitos méritos.

 

 

Semana passada numa bela manhã de sol eu andava pelo calçadão da praia de Jatiúca, fui abraço por trás, era Horácio, estava alegre. Continuamos caminhando e conversando.

– Tudo pode acontecer com qualquer cidadão do mundo, com qualquer cristão, com qualquer homem de bem.

Surpreso com a aquela confidência tempestiva, eu perguntei o que havia acontecido. Horácio baixou o ritmo da caminhada e da voz eloquente.

-O Satanás está solto, provocando. Veja você meu irmão, um homem como eu, crente em Deus, assisto à missa todo domingo, temente ao castigo divino, caí na tentação do Cão. O Diabo tomou forma de uma moça da cor de mel, sorriso cativante, lábios grossos, de uma simpatia avassaladora, diabólica. Ângela, minha querida e santa mulher, contratou essa moça para trabalhar em nossa casa. A empregada veste um short desfiado, rasgado, como é moda, para suas atividades domésticas. Normal para ela, para mim, uma tentação. O sangue ferveu em minhas veias ao me deparar com as pernas roliças, perfeitas, daquela mulher. Todo dia Ângela sai para o trabalho, eu fico sozinho trabalhando num quarto que transformei em escritório. Severina, esperta, na cozinha prepara um gostoso almoço, ela tem mãos de ouro, mãos encantadas, em tudo que pega, dá vida. Tenho até engordado, contrariando meu zeloso médico, Dr. Diógenes Bernardes.

A diabinha em forma de mulher percebeu meus olhares para seu corpo fascinante. Certo dia, por volta das 10 da manhã, ela entrou no meu gabinete, eu trabalhava em cima de um processo difícil. Marinete varria distraída, vestia short de jeans desfiado salientando o maravilhoso traseiro. Acabou-se minha concentração, eu olhava com o rabo do olho para a endiabrada, o sangue esquentava. O Demônio conhece bem as fraquezas humanas. Ela se aproximou, perguntou se eu era advogado, se tirava preso da cadeia. Foi direta, contou-me que um amigo, um ex-namorado, que tirou sua virgindade (achei uma provocação, detalhe desnecessário da história), estava na prisão, assaltou um posto de gasolina. No maior dengo, me chamando de patrão, disse que faria tudo, tudo mesmo (outra provocação da diabinha) para soltar o amigo. Eu me contive, a satânica de voz angelical, chegou-se bem junto, o decote mostrava os seios pequenos e duros. Levantei-me respirando fundo, disse que iria pensar no caso, evitei continuar olhando, estava à beira do pecado. Sai do escritório antes que fizesse uma besteira.

À noite contei à Ângela, omiti os detalhes demoníacos que me acenderam a lascívia. Minha mulher pediu para que eu fizesse essa caridade, tentar soltar o rapaz. No sábado fui com a jovem Marinete à cadeia conversar com o marginal. Como não houve ferimento e ser primário, solicitei habeas-corpus para o preso esperar o julgamento em liberdade. No retorno da prisão, conversávamos sobre os procedimentos quando de repente ela falou no maior descaramento que notava meus olhares e queria agradecer na cama pelo que fiz por ela. Entramos num motel da Via Expressa. Meu amigo foi uma tarde maravilhosa de amor. A diaba sabe tudo, aprendi coisas que não imaginava acontecer numa cama. Ainda não tive coragem de me confessar a um padre na Igreja, se eu morresse hoje, estaria entre o purgatório e o inferno.

Depois disso tudo, não baixei o fogo, fico torcendo para chegar a quinta-feira, dia marcado para desfrutar de minha tinhosa num motel às cinco da tarde. Em casa me controlo para não agarrá-la, estou encantado com a diabinha. Nunca pensei que um dia poderia ser envolvido pelos caprichos do Demônio. Esse pecado pode acontecer com qualquer cristão, o Diabo sabe quando e como provocar nossas fraquezas.

Perto de casa nos despedimos, atravessei a rua pensando, avaliando como Lúcifer se aproveita da imperfeição humana.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 01 de setembro de 2018

A RAINHA GUINEVERE E A DIANA DO PASTORIL

 

 
 
A RAINHA GUINEVERE E A DIANA DO PASTORIL.

Depois que se aposentou, o vício de Odorico é o computador, toda noite depois do Jornal Nacional ele senta-se na bancada abre a tela, a partir daquele momento o homem entra no mundo irreal, navegando nos “sites” de conversas com o apelido de Lancelot. Acontece que apareceu uma Guinevere. Ele se deu bem com a distinta rainha. Conversaram horas seguidas, teclando o computador.

Odorico, homem de pouca conversa ao vivo, soltou-se nas conversas virtuais com sua nova amiga Guinevere. Passaram-se meses, as conversas entraram em detalhes e intimidades. Ele confessou ser casado ter filhos e netos. Guinevere revelou ter um caso esporádico com um alemão, mas se considerava solteira.
Marta, sua esposa, brincava com a nova mania do marido, Odorico preferia ficar no computador a ir ao cinema. Às vezes, ela frustrava-se ao dormir de banho tomado, cheirosinha, esperando os afagos do marido, e ele entretido, teclando, esquecido do mundo real.

Certa tarde, Odorico estava em casa sossegado, descansando depois do almoço quando tocou o telefone. Ao atender, se identificou, ficou surpreso, abalado quando uma voz de mulher falou do outro lado.

– Adivinhe querido sou eu? Guinevere. Não resisti ao levar uma amiga no aeroporto hoje pela manhã, ela veio para Maceió, tomei o mesmo avião, vim conhecer meu Lancelot. Estou a sua espera a qualquer hora nesse maravilhoso hotel. Sei que é loucura, mas que fazer? Sou mulher de impulsos juvenis.

Marta estava perto perguntou quem era no telefone.

– É o Benevides, um amigo de São Paulo fez um curso comigo no Banco, está em Maceió e me quer ver.

Depois do Jornal Nacional, durante a novela, arriscou convidar a esposa ir até o Hotel onde estava o amigo. Ele tinha certeza da recusa de Marta. Danou-se para o hotel.

Quando Guinevere apareceu, surpreendeu Odorico ao ver a elegante senhora, passava dos setenta (ninguém diria), de uma beleza encantadora, conservada e atraente. Abraçaram-se, dirigiram-se à beira da piscina. Em certo momento ela segurou na mão de Odorico, olhou em seus olhos, disse apenas, “Vamos?”

Arrastou-o para o apartamento, onde passaram momentos de amor agradável, maduro.

No dia seguinte Odorico inventou uma viagem a seu sítio em Penedo. Apanhou Guinevere no hotel, partiram para o litoral sul das Alagoas. Visitaram a cidade barroca de Marechal Deodoro, a praia do Francês, Barra de São Miguel, Coruripe, aonde Odorico entrou dirigindo na praia extensa de areia até a Foz do São Francisco. Almoçaram na Praia do Peba. Guinevere encantada ficou mais quatro dias em Maceió. Odorico deu a assistência que pode até ela viajar, antes ela confessou ser uma despedida da vida de solteira, na outra semana viajava para Frankfurt onde ia morar com o alemão. Jamais esqueceria Lancelot e esses dias maravilhosos em Maceió.

Odorico sentiu saudade, havia gostado daquela aventura com a Rainha Guinevere, bela setentona, com muito caldo a dar.
Mês passado ele entrou em uma roda de conversa na internet com o apelido de Guerreiro. Alguém se identificou como Diana do Pastoril. Gostou da interessante conterrânea. Depois de algumas semanas, ele ousou marcar um encontro.

Às quatro da tarde no Shopping em frente ao cinema ele sentou-se à mesa, como havia combinado, vestindo camisa azul. A Diana iria de saia azul e blusa encarnada, Odorico ficou espreitando a chegada.

Passaram-se 15 minutos, ele disfarçava comendo um pastel, com a impressão que todos olhavam para ele; aquele complexo de culpa que se tem quando se faz algo errado. Cumprimentou alguns amigos que passaram. Ficou nervoso ao ver, ao longe, Aninha, sua cunhada, gostosa solteirona. Ele ficou agoniado, com vontade de ir embora. Mas, seu espírito aventureiro fazia-o ficar naquele lugar, mesmo se sentindo alvo de todos os olhares. Mais de 30 minutos de espera levantou-se para dar uma volta, quando Aninha se aproximou perguntando.

– Será que você é o Guerreiro?.

Compreendeu que Diana era a própria cunhada. Ela para não se decepcionar, veio conhecer o parceiro, o Guerreiro, sem o vestir o combinado.

Os dois sorriram em cumplicidade. Odorico pediu discrição e segredo. A bela cunhada, foi de uma discrição exemplar, até porque durante o inesperado encontro aflorou uma empatia contida há muitos anos. O velho Guerreiro hoje tem novo hábito, em algum dia da semana, ensaia folguedos nordestinos com a Diana, cunhada predileta, deixando marcas de amor nos limpos lençóis dos motéis da orla de Jacarecica.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 26 de agosto de 2018

QUEM É ESSA MULHER?

 

QUEM É ESSA MULHER?

Quem é essa mulher que me acorda às seis horas da manhã e me beija com a boca de hortelã? Diz que é para me cuidar e me leva para nadar. Quem é essa mulher que todo dia ela faz tudo sempre igual? Depois do café da manhã sai com suas pastas embaixo do braço direto ao escritório e divide com o genro e a filha o trabalho de clientes em busca de seus direitos. Quem é essa professora que aos 40 anos resolveu enfrentar um vestibular de Direito, formou-se e montou um escritório de advocacia? Quem é essa advogada que passou quase dois anos sem folga, sem sábado e domingo, estudou e passou no concurso de Promotor de Justiça? Quem é essa promotora que deixava sua casa, seu marido e filhos durante a semana para assegurar a Justiça no interior do Estado? Quem é essa mulher que poderia estar desfrutando de uma aposentadoria merecida, porém, reabriu o escritório e trabalha todos os dias? Quem é essa mulher atarefada que arranja tempo para dedicar-se aos filhos crescidos, a levar os netos às aulas de inglês, de tênis, de natação? Quem é essa mulher síndica do prédio onde mora, administra com dedicação como fosse sua casa? Quem é essa mulher que trabalha com amor e alegria e possui uma felicidade intrínseca e encantadora? Quem é essa mulher que percebeu dois pequenos coqueiros morrendo na praia, comprou dois pés de coqueiros, ela mesma reimplantou e os coqueiros cresceram viçosos sob sua vigilância?

 

 

Quem é essa mulher que quando enxerga um lixo acumulado no meio da rua, telefona à Prefeitura para que venham limpar sua cidade. Quem é essa mulher que quando percebe o esgotamento sanitário vazando com a água em dejetos aciona a Casal para que possa consertar o bueiro fétido? Quem é essa mulher que cuidou do pai moribundo com amor e carinho, trouxe-o para sua casa, fez o que pode e o que não pode até o final de seus dias? Quem é essa mulher que leva comida a um cão abandonado no quintal de uma casa e nos dias de sábado dá banho e conforto ao pobre animal? Quem é essa mulher forte que não se deixa pisar? Quem é essa mulher que gosta de bons livros, de bons filmes, teatro, música, show e da cultura popular? Quem é essa sertaneja de Major Isidoro que ama o linguajar matuto de seu povo, das danças, dos coloridos folguedos e folclores?

Quem é essa mulher animada que faz o passo atrás de um bloco de frevo nos dias de carnaval? Quem é essa mulher que gosta de viajar perambulando pelo mundo, Cartagena, Praga, Berlim, Nova York, Paraty, Lisboa, ou a amada Penedo? Quem é essa mulher brasileira, cidadã da pátria amada, idolatrada, salve, salve? Quem é essa mulher que nunca deixou de ser professora, ensina aos netos, dá palestras nas Igrejas e nas Festas Literárias do Brasil afora? Quem é essa mulher que move montanhas defendendo seus direitos, como uma loba defende seus filhotes? Quem é essa mulher que paga a faculdade das filhas da secretária? Quem é essa alegre mulher que ama as colegas de colégio e infância, conserva o carinho de suas amigas em encontros e almoços, aproveitando a fase madura da vida.

Quem é essa mulher que desde menina, gostou dos livros, dos estudos, que teve uma juventude feliz em sua Maceió e até New Jersey? Quem é essa menina que um dia encontrei em flor de seus 15 anos num acampamento de Bandeirantes, e eu tenente, cantei pra ela em premonição: “Ôh Galeguinha você é tão bonitinha… engraçadinha… vou me casar com você”. Poucos anos depois entramos na Catedral Metropolitana trocando alianças. Essa mulher hoje completa 70 anos e o tempo não desfez sua beleza, continua tão bonita quanto a adolescente galeguinha bandeirante que encontrei um dia, acampada na praia do Pontal.

Sou um ser privilegiado, a única pessoa no mundo a conhecer profundamente a gentileza, a bondade, a perseverança, a força dessa mulher divina, que toda noite me jura eterno amor, não me deixa dizer não, e me beija com a boca de paixão. Essa é minha mulher, minha amada, amante, timoneira do barco de nossas vidas; mas, nem tudo foi um mar de rosa. Vânia aprendeu a remar com o tombo do navio, com o balanço do mar. Navegar foi preciso. Essa mulher segurou forte o leme nos maremotos. Hoje navegamos em calmaria, enxergando, ao longe, outros mares ou um porto final além do horizonte.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita segunda, 13 de agosto de 2018

DE PARATY AO JACINTINHO

 

DE PARATY AO JACINTINHO

Paraty é uma linda cidade antiga, barroca, colonial, localizado entre o Rio de Janeiro e São Paulo, perto de Minas Gerais, ou seja, fica no centro cultural e econômico do país. Paraty tem uma população em torno de 40.000 habitantes. E tem um ótimo Índice de Desenvolvimento Humano Municipal. Foi nessa cidade que uma grande editora inglesa iniciou um dos melhores eventos culturais do Brasil em 2003, a Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP). Contando com a presença de escritores nacionais e estrangeiros que participam de palestras e debates nos prédios históricos ou em tendas armadas nas ruas. A cada ano, a festa é dedicada à memória de um grande escritor. Já foram homenageados vários escritores como, Vinícius de Moraes; Guimarães Rosa; Clarice Lispector; Jorge Amado; Nelson Rodrigues; Machado de Assis; Manuel Bandeira; Gilberto Freyre; Millôr Fernandes; Graciliano Ramos, entre outros. Nesse ano de 2018 a homenageada foi a poeta Hilda Hilst. O custo da FLIP é de aproximadamente R$ 6.300.000,00 (seis milhões e trezentos mil reais), captados pela Lei Rouanet. Tem como objetivo maior a comercialização de livros. Depois da FLIP apareceram nesses 16 anos mais de 500 festas literárias no Brasil.

 

 

Em 2009 fui convidado ao cargo de Secretário de Cultura da cidade histórica, colonial e barroca, Marechal Deodoro, Alagoas. Com apoio total do prefeito organizamos a 1ª Festa Literária de Marechal Deodoro, foi sucesso. A FLIMAR teve uma característica a mais, trabalhar no incentivo à leitura com alunos da rede de ensino. O índice de leitura de um país desenvolvido é de 12 livros lidos por cada habitante. Na América Latina o melhor índice de leitura é da Argentina, cada habitante lê a média de 4 livros por ano. No Brasil essa média é ridícula o brasileiro lê uma média de 1,5 livros por ano. Trabalhamos oito anos junto à Secretaria Municipal de Educação durante o ano letivo, a FLIMAR era o coroamento desse trabalho. Foi uma vitória quando em 2016 fizemos uma pesquisa com alunos da 8ª e 9ª série, eles leram uma média de cinco livros durante o ano. A UNESCO considerou um dos eventos mais efetivos de incentivo à leitura no Brasil. Eu estive na PUC no Rio de Janeiro, mostrando em vídeo os detalhes de nossos trabalhos na FLIMAR. Em 2017 entrou nova administração, não sei se continuaram o mesmo trabalho de leitura. Alguns municípios pediram-me orientação para realizar Festa Literária. Realizamos, como curador, a Festa Literária do Pontal da Barra, de Palmeira dos índios, do Conjunto Graciliano Ramos e agora numa grande ousadia estamos implantando a Festa Literária no Jacintinho, um dos bairros mais populosos, carentes e violentos de nossa cidade. E um dos menores Índices de Desenvolvimento Humano do Brasil.

O bairro, que atualmente possui aproximadamente duzentos mil habitantes, possui um comércio, formal e informal, bastante diversificado, funcionando inclusive nos finais de semana.

Até a década de 1940, o que é hoje o bairro mais populoso de Maceió, o Jacintinho, não passava de um imenso sítio com predominância da Mata Atlântica, e, em alguns trechos, pequenas casas de moradores. O nome é uma alusão ao rico proprietário Jacinto Athayde, descendente de portugueses, que construiu seu casarão no Poço (ainda hoje preservado) e a ladeira de pedra que dava acesso ao sítio. Na década de 50, o então governador Arnon de Mello inaugurou a energia elétrica. Mas a água consumida pela população era da cacimba do Reginaldo. Na administração do prefeito Sandoval Caju, construiu-se o grupo escolar João XXIII e uma maternidade. Só em 1968, o bairro ganhou a primeira linha de ônibus coletivo.

O Jacintinho é o verdadeiro “quebra-galho”. Aos domingos e feriados, quando o comercio central fecha suas portas, o do bairro está aberto, com lojas de todos os ramos de negócios, para atender a todo tipo de clientela.

É nesse bairro que a Prefeitura Municipal de Maceió, através da Secretaria Municipal de Ensino (SEMED) e da Fundação Municipal de Ação Cultural (FMAC) e outros órgãos da Prefeitura realizarão a 1ª Festa Literária do Jacintinho, a FLIJAÇA, entre 15 e 18 de agosto. A abertura será na quarta-feira dia 15 com um Concerto Musical da Banda do Exército Brasileiro. Nos dias 16, 17 e 18, a partir das 9:00 horas da manhã até às 22:00 horas, haverá uma série de atividades em vários toldos instalados na Praça do Mirante com apresentação de trabalhos dos alunos da rede escolar, palestra no auditório da Casa de Direito, livraria, biblioteca volante, exposição do artesanato dos moradores do Jacintinho, e no palco várias apresentações de conjunto do bairro, Concerto da Banda da Guarda Municipal, Dupla de Violeiro e no encerramento sábado um grande show com Naná Martins. Vale à pena conhecer o Jacintinho um belo bairro de nossa cidade.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 14 de julho de 2018

ORDENER CERQUEIRA

 

ORDENER CERQUEIRA

 

 

Segundo Aldemar Paiva, o genial compositor Capiba costumava dizer que o alagoano Ordener Cerqueira era o cara mais engraçado que ele conhecia. Ordener foi meu ídolo na infância e juventude. Eu me divertia ouvindo suas histórias. Amigo da família, dentista, consultório na Rua Boa Vista, ele contava que, quando eu era menino, meu pai, Coronel Mário Lima, trazia seis soldados para segurar e abrir minha boca. Só assim ele tratou meus dentes.

Durante sua juventude Ordener estudou no Liceu Alagoano. Havia um professor que dava aula sentado, tinha mania de colocar a mão esquerda na primeira gaveta do birô enquanto falava aos alunos. O preguiçoso professor tinha uma voz monocórdia que provocava sono. Certo dia, no quintal da casa de Ordener, apareceu um enorme caranguejo goiamum, azulado e brabo, uma pata maior que o casco. Ele conseguiu amarrar o caranguejo pelas patas e guardou-o. Na manhã seguinte, acondicionou em fibras de bananeira e levou-o para o Liceu. No intervalo, antes da aula chata do professor preguiçoso, Ordener soltou o arisco caranguejo na primeira gaveta, fechando-a. O professor entrou na sala, sentou-se na sua confortável cadeira. A certa altura, devagar, abriu a primeira gaveta e enfiou a mão. De repente deu um grito enquanto puxava o braço com o enorme caranguejo com a pata travada no dedo mindinho. Ele berrava apavorado, pedia socorro, enquanto a alunada vibrava, deliciava-se às gargalhadas. Acudiram, conseguiram abrir a pata presa no dedo. O professor aproveitou não deu mais aula, exigiu a expulsão do meliante que colocou o caranguejo na gaveta.

Ordener foi o inventor do pastoril dos estudantes. Nas vésperas de Natal, vários estudantes dançavam o pastoril fantasiados de pastoras. Ele era a vedete, a contra mestra, a primeira pastora do cordão azul. CSA doente.

Outra vez ele fazia teatro estudantil, Paixão de Cristo, peça encenada na semana santa. Ordener fazia o papel de Cristo, e o amigo, Luís Alves, o papel de Lázaro. Ensaiaram bastante até o dia da estreia, sábado à noite no Teatro Deodoro. Os dois boêmios não eram de perder um sábado, ele e Luís encheram a cara de cachaça durante o dia. Chegaram às sete horas da noite no Teatro com bafo de cana, cheios de birita. Luís estava mais bêbado, ainda bem que durante a peça não havia fala para o Lázaro, seu papel era ficar morto até quando Cristo (Ordener) mandasse levantar, quando Lázaro (Luís) levantava-se, ressuscitando.

A peça prosseguiu normalmente, até que veio a hora da cena: Luís (Lázaro) deitado no chão, morto, e Ordener (Jesus) falaram alto, comandando seu milagre:

“-Levanta-te Lázaro!”!

E Lázaro (Luís) continuou deitado, sem se mexer. Ordener (Jesus) para mostrar sua força divina, gritou mais alto ainda:

“–Levanta-te Lázaro!” ·.

E Lázaro continuou inabalável. Ordener não aguentou e chutando nas costas de Luís gritou contundente:

“- Levanta-te Lázaro!” “-Levanta-te Lázaro!”

Como Lázaro não respondia, Ordener perdeu a paciência e saiu naturalmente o impropério. “ -Levanta seu filho de uma puta!”

A plateia ficou atônita. Ordener dirigiu-se ao público como pedisse desculpas, com voz de pileque:

“-O Lázaro está bêbado!”

Gargalhada geral. Assim Alagoas perdeu de uma vez dois ótimos atores, foram expulsos do Grupo de Teatro Estudantil.

Meu tio Napoleão Peixoto, amigo de infância de Ordener, estava há 20 anos sem vir a Maceió. No dia que chegou me pediu para levá-lo ao consultório de Ordener. Chegamos por volta de 11 horas da manhã na Rua Boa Vista. Deixei Napoleão na sala, bati na porta. Ordener quando me viu, perguntou a razão da visita enquanto tratava os dentes de um moreno deitado na cadeira de boca aberta. “Surpresa”, falei sorrindo. No mesmo instante, Ordener deixou o cara com a cara para cima, pendurou a broca e limpando as mãos, veio me perguntando qual a surpresa. Eu apontei para Napoleão sentado em uma cadeira, a alegria foi tamanha ao reconhecer seu amigo de juventude, que se abraçaram chorando como se fossem irmãos. O encontro emocionou os clientes que aguardavam.

Ordener tirou seu avental e convidou para tomar uma cerveja para comemorar o encontro. Descemos até o Bar do Chope. Brindamos, entornamos algumas cervejas. De repente chegou a atendente, lembrando que o cliente ainda estava de boca aberta. Ele mandou recado: estava muito emocionado, sem condições psicológicas, pedia desculpas aos pacientes clientes, remarcasse.

Terminamos o encontro por volta das três da madrugada no Bar das Ostras, à beira da Lagoa Mundaú, cantando, no violão de Marcos Vinicius; “Ai, ai, que saudade ai que dó… viver longe de Maceió… As noitadas felizes nas Ostras… bons amigos que choram até… que saudades da Bica da Pedra… e dos banhos lá do Catolé…”

 

 

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 07 de julho de 2018

A HUNGRIA DE PUSKAS

 

 

A HUNGRIA DE PUSKAS

 

Estátua de Puskas em Budapeste

O futebol é o esporte mais surpreendente e mais empolgante do mundo. Foi inventado pelos ingleses e incorporado à cultura brasileira. Afinal o Brasil conquistou cinco campeonatos mundiais em 20 Copas realizadas. O brasileiro inventivo acrescentou gírias e filosofias ao mundo do futebol. Um exemplo significativo é a “Zebra”, sinônimo de um resultado inesperado, um time mais fraco ganhar do mais forte. Conta a lenda que durante um treino da Portuguesa do Rio, um jornalista perguntou ao técnico, o pernambucano Gentil Cardoso, o que ele esperava de seu time considerado pequeno enfrentar o poderoso Vasco da Gama. Gentil, um filósofo do futebol, respondeu ao repórter, “pode dar Zebra”. Uma metáfora ao Jogo do Bicho, onde diariamente é sorteado um número correspondente a um dos 25 bichos relacionados. A zebra não está na relação do jogo do bicho. A Portuguesa ganhou do Vasco por 2 x 1; na segunda-feira o Jornal dos Sports abriu a manchete: ‘DEU ZEBRA, VASCO PERDEU”. A partir desse dia entrou no linguajar do futebol a significativa metáfora da Zebra, e a loteria esportiva através da TV popularizou o termo.

Na história da Copa do Mundo a zebra já galopou nos quatros cantos do mundo, em todos os estádios, em todas as épocas. As duas maiores zebras consideradas pelos especialistas são inesquecíveis, na Copa de 1950 o incipiente futebol dos Estados Unidos derrotou e eliminou a poderosa Inglaterra por 1 x 0. A zebra galopou na Copa de 1966 no jogo Coreia do Norte 1 x 0 Itália. Em decisões da Copa uma zebra fez chorar mais de 80 milhões de brasileiros em 1950 quando o Uruguai ganhou a final do Brasil de 2 x1. Em 1974 a Alemanha ganhou a final contra a favorita Holanda. E em 1982 a Itália bateu no Brasil, uma das melhores seleções da história do futebol.

Grandes seleções foram formadas no mundo, o Brasil teve em sua história brilhantes seleções. Outros países formaram inesquecíveis equipes, como o Carrossel da Holanda em 1974, porém a mais brilhante seleção de todos os tempos foi a da Hungria entre 1950 e 1956. A seleção húngara formada basicamente pelo Honved, time do Exército da Hungria, tinha em suas fileiras craques extraordinários como, Puskas, Czibor, Kocsis, Hidegkuti, Bozsic.

A Seleção da Hungria passou quatro anos sem perder um jogo entre 1950 e 1954. Conquistou a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Helsinque em 1952, e foi vice-campeã da Copa do Mundo de 1954 na Suíça, ao perder, uma autêntica zebra, para a Alemanha, depois de saírem vencendo por 2 a 0, os “Magiares Mágicos” levaram a virada por 3 a 2, na partida que ficaria conhecida pela eternidade como “O Milagre de Berna”.

Em 1956 aconteceu a Revolução Húngara, uma revolta popular contra as políticas impostas pela União Soviética. O movimento durou de 23 de outubro até 10 de novembro de 1956. A revolta espalhou-se pela Hungria, e o governo soviético caiu. O novo governo húngaro declarou a sua intenção de retirar-se do jugo soviético e anunciou eleições livres restabelecidas. Depois de negociar a retirada das forças soviéticas da Hungria, a URSS mudou de ideia e um grande exército soviético invadiu Budapeste e outras regiões do país. A resistência húngara durou até 10 de novembro. O novo governo soviético foi restabelecido na Hungria e suprimiu toda a oposição pública.

Alguns jogadores do time do Honved, formado por militares húngaros, como Puskas e outros craques, aproveitaram uma partida na Bélgica pela Copa dos Campeões, e não regressaram à Hungria. Puskas voltou a jogar em 1958, conseguiu naturalizar-se espanhol e defender o Real Madrid, ao lado de Di Stefano, Kopa, Didi. Foram novos anos de glórias para Puskas. Em oito temporadas, foi campeão mundial de clube, tricampeão da Copa dos Campeões, pentacampeão espanhol e vencedor de uma Copa do Rei. Foi artilheiro do Campeonato Espanhol quatro vezes. Puskas aposentou-se do futebol aos 40 anos, em 1967. Voltou à Hungria depois da queda do Muro de Berlim em 1989 quando terminaram as ditaduras comunistas nos países da Europa Oriental. Virou técnico, tendo inclusive dirigido a Seleção da Hungria em 1993. Em 2006, Puskas morreu em consequência de Alzheimer.

A FIFA em 2009 instituiu o Prêmio Puskas ao melhor gol do ano no mundo. Puskas, Pelé e Maradona são considerados os melhores jogadores da história do futebol. Ano passado fui à Budapeste tirei uma foto da estátua de Puskas em uma praça daquela belíssima e sofrida cidade.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 29 de junho de 2018

ADAMASTOR, O BOM DE COPA

 

 

Como bom brasileiro, Adamastor tem duas paixões na vida, futebol e mulher. Talvez por ter nascido em 29 de junho de 1958, dia em que o Brasil foi campeão mundial pela primeira vez, ele conhece toda história da Copa do Mundo, nessa época, não fala em outro assunto. Torce pelo Brasil exageradamente, mas, sente um forte complexo da Teoria da Conspiração, tem certeza que a FIFA está contra o Brasil ser Hexacampeão e confirmar a hegemonia mundial no futebol. Diz ele que os organizadores da Copa do Mundo não querem acabar o entusiasmo e o lucro dos anunciantes a nível mundial. Será muito difícil para o Brasil, a tabela foi organizada para a seleção só pegar time forte. Segundo Adamastor, a FIFA vai escalar um juiz para apitar pênalti duvidoso ou anular gol do Brasil e confirmar na televisão, o VAR. Essas são as especulações na cabeça de Adamastor, a Teoria da Conspiração contra a Seleção Brasileira. Mesmo com esse pessimismo burocrático quando acontece a época da Copa, ele coloca bandeirinha no carro, compra camisa para todos da casa, até os funcionários do prédio e as funcionárias de sua casa ganham camisa.

 

 

Outra paixão de Adamastor são as mulheres. Diz que ama sua esposa, que é bem casado, mas gosta de pular a cerca com alguma garota de programa. Não quer amante; amante dá complicação, enquanto rapariga ele paga os bons serviços prestados, paga o silêncio, a discrição, o descompromisso. Certa vez teve um caso com uma secretária. A menina ficou no seu pé, ele gastou muita grana para afastá-la do caminho. Jurou nunca mais ter uma amante, sai muito mais caro. Tem uma agenda de amigas no celular. Para evitar problemas, grava o nome masculino correspondente de suas preferidas. Exemplo Flavinha está gravado como Flavinho.

Como a mulher não gosta de futebol ele tem suas estratégias para assistir o jogo sozinho, aliás, acompanhado por uma das amigas. No primeiro jogo da Copa, Brasil x Suíça, Adamastor armou um esquema, deixou a mulher em casa, disse que ia assistir na casa do Bernardino, um amigo também vidrado em futebol, os dois sozinhos, sem ninguém para atrapalhar. Na verdade ele juntou o útil ao agradável e partiu para um belo motel na praia de Jacarecica com sua amiga Paulinha que ama e conhece futebol, discutem na hora do jogo e depois é só carinho. Adamastor chegou em casa à noite reclamando que o empate foi mais uma armação da FIFA contra o Brasil. No segundo jogo, Adamastor vestiu a camisa amarela, cueca branca, bermuda azul, sandália preta, deu um tchau para a esposa dizendo que logo depois da vitória vinha comemorar, deixasse a cerveja na geladeira. Pegou Paulinha às oito e meia da manhã, assistiu os 2 x 0, depois comemoraram na cama. Mais tarde telefonou para casa, estava comemorando a vitória do Brasil na Barraca Pedra Virada.

Quarta-feira o difícil jogo contra a Sérvia, telefonou para Paulinha, ela estava com a mãe doente, não pode acompanhá-lo, uma pena. Adamastor tentou mais algumas de sua agenda, todas com compromisso. Apelou para os classificados no jornal. Ao ver na relação o nome Angelina, nem leu o resto, sem conhecê-la, telefonou, acertou para ela pegar um táxi, ele a esperava no motel.

Assim que Adamastor entrou no apartamento do motel, ligou a televisão, papéis verde e amarelo faziam a decoração. Colocou uma dose de uísque, ficou assistindo os comentários antes do jogo, esperando a companheira chegar.

Adamastor ficou encantado quando abriu a porta, deslumbrou-se com aquela mulher bonita, alta, de olhos amendoados e boca parecida com a da Angelina Jolie. O mulherão sentou-se no sofá pedindo permissão para fumar. Apesar de ser linda, ele achou alguma coisa estranha naquela mulher. Foi quando iniciou o jogo Brasil x Sérvia, ele ficou grudado prestando maior atenção, nem percebeu que a parceira foi ao banheiro, ela não era ligada em futebol como a Paulinha. Adamastor torcia desesperadamente, com a dose de uísque na mão. Angelina saiu de banho tomado, cabelos molhados, corpo enrolado numa toalha e os maravilhosos seios descobertos. Alegrou-se quando ela achegou-se a ele torcendo pelo Brasil. No gol do Thiago, durante a vibração, deu um beijo nos grossos lábios de Angelina. Quando acabou o jogo, ela estava deitada debruço. Adamastor não resistiu, deu um pinote por cima. O serviço durou poucos minutos. Mais relaxado vibrando com a vitória de 2 x 0, deu um abraço em Angelina, que estava apenas de toalha amarrada na cintura, foi quando Adamastor notou alguma coisa esquisita durante o abraço, não conseguiu segurar o grito quando percebeu.

“- Você é homem!!!!”

Depois de momentos de discussão, Angelina mostrou nos classificados, estava escrito: “travesti, atendo passivo ou ativo.” Adamastor pagou o acertado. Chegou em casa, foi para o banheiro, tomou uma hora de banho.

Depois do fato consumado, não consegue esquecer aquela mulher, aliás, aquele homem, ainda sente o hálito de cigarro de sua boca, há duas noites sonha com Angelina Jolie e o Brad Pitt, os dois olhando para ele e sorrindo. No fundo Adamastor gostou dos serviços prestados. Agora está na dúvida para o próximo jogo Brasil x México, se ele convida Paulinha ou Angelina.

 

 

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 23 de junho de 2018

UM É POUCO, DOIS É BOM, TRÊS É ÓTIMO

 

Numa ensolarada manhã de sábado, dessa que a brisa acaricia o rosto e a alma, eu estava na praia de Jatiúca na fila do acarajé quando alguém tocou meu ombro. Quase não reconheci o amigo Ubiratã, não o via há anos. O homem ao envelhecer tende a engordar e cair cabelos, Bira não foi exceção, gordo e careca. Sentamos à mesa de praia protegida por sombrinha. Ubiratã puxou recordações.

Perguntei pela namorada da época, Jeane, uma bela menina, eram apaixonados. Bira pegou o embalo e contou-me sua vida. Engravidou Jeane, casou-se, foi morar com os sogros no Prado. Tiveram dois filhos, hoje rapazes. O casamento durou 13 anos, largou a mulher. Foi viver sozinho em Anadia onde moram os pais.

De repente apareceram duas mulheres bonitas com sorriso nos lábios, Ubiratã me apresentou: Ruth, morena, pele de um marrom café-com-leite, cabelos crespos, rosto redondo, olhos negros salientes, nariz achatado e lábios carnudos. A outra de nome Quitéria, pele alva, rosada, cabelos pretos como uma graúna, rosto oval, nariz afilado, um belo sorriso dava um toque de sensualidade em sua boca carmim molhada. As duas eram simpáticas e muito gostosas, vestiam minúscula tanga. Imaginei-as entre 40 e 45 anos.

Conversamos por mais de uma hora, todos bem humorados pela exuberante manhã de julho. Ruth é de Palmeira dos Índios, terra de bonitas mulheres, ainda menina, veio para capital com os pais. Quitéria é de Salvador, mora em Maceió desde que fez um curso de enfermagem, só vai à Bahia de visita. As duas têm muitas coisas em comum: são bonitas, sensuais, enfermeiras. Enquanto elas foram caminhar na praia, Bira contou-me o resto de sua vida.

Atualmente ele é chefe de vendas de cerveja, conheceu Ruth num Hospital onde realizou alguns exames. A amizade continuou, ele paquerou, assediou, insistiu, porém, decepcionou-se quando Ruth confessou morar com uma colega de hospital, Quitéria, e eram namoradas. Bira ficou chocado com a sinceridade da amiga. Conheceu Quitéria numa festa, tornaram-se amigos. Bira tinha suas paqueras, suas namoradas, mas gostava de sair com as duas amigas comprometidas, achava-as divertidas.

Certo dia a mãe de Ruth morreu, o apartamento de três quartos que herdara ficou enorme para o casal. Ruth gostaria de alugar um quarto do apartamento, por que não Bira? Vivia sozinho, perambulando nas casas de tios e irmãos.

Ubiratã aceitou, foi morar junto com o casal. Acertaram pagamentos e algumas normas para viverem em harmonia. Bira sentiu-se mais confortável, não teve problemas de convivência entre os três, passaram-se alguns meses de convivência.

Até que numa noite de sexta-feira, Ruth foi dar plantão no Hospital, Quitéria estava a fim de divertir-se, Bira acompanhou a amiga. Escolheram uma barraca de praia, ficaram até mais tarde bebendo e conversando, de repente ela confessou que notava os olhares de Bira pra cima dela, ela gostava de homem também, e não negava, sentia atração por ele. Depois da meia-noite, foram para casa a pé cantando pela rua. Ao chegar ao apartamento, Bira tomou banho, deitou-se. Ainda não havia pegado no sono quando Quitéria entrou no quarto, de lingerie, uma provocação. Bira sentou-se na cama, ela se aproximou, em pé encostou-se, abraçando a cabeça do amigo. Deitaram-se, amaram-se. Depois do amor, cabeças no lugar, resolveram falar a verdade para Ruth, não podia haver traição entre eles, passaram a tarde de sábado se amando, bebendo e confabulando.

Ruth chegou à noite, sentiu que havia alguma coisa no ar. Os três reuniram-se à mesa, garrafa de uísque, beberam, confessaram o ocorrido. Ruth calada ouviu atentamente a história. Quando terminou o relato houve um clima de expectativa e constrangimento entre eles, ficaram calados se olhando, minutos de silêncio. Até que Ruth levantou-se, aproximou-se de Bira, baixou a cabeça e deu-lhe um beijo ardente em seus lábios, queria também.

A partir dessa noite o amor entre os três fizeram tremar a terra. Aconteceram inimagináveis “ménage a trois”, como dizem o francês. Continuaram juntos. Mês passado, os três comemoraram dois anos de casados. Agora querem um filho, adotado.

Quando Bira acabava de contar sua situação marital, as jovens retornaram da caminhada, buscamos mais acarajé e cerveja, conversamos até mais tarde. Quando a gente passa dos setenta, pensa que já viu tudo na vida, aí se surpreende com o ser humano. Tenho um amigo bígamo, outro trígamo, eu não havia imaginado existir um trio amoroso oficial. Os três, na maior felicidade, convidaram-me para padrinho do menino. Aceitei.

 

 

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 17 de junho de 2018

A MASSAGISTA

 

Dona Mercedes morreu no dia que completou 51 anos de casada. O Coronel Eustáquio enterrou a esposa na Fazenda Olho D’água das Flores, onde passaram suas vidas com muito amor, carinho e respeito. Dona Mercedes foi uma mulher ativa, de opiniões, deixava o marido pensar que ele mandava, entretanto, ele só fazia o que ela queria. No último desejo, pediu ao marido para ser enterrada junto ao túmulo do filho embaixo de uma enorme aroeira num morrete perto dos currais.

Assim foi feito. Os cinco filhos vieram de Maceió e enterraram a matriarca junto ao seu amado filho Bruno, que morreu aos 19 anos.

A morte da mulher foi outro baque na vida do coronel. Com 72 anos ele monta todo o dia num cavalo e sai fiscalizando, dando ordens pelo extenso pasto do gado nos arredores. Formou seus filhos, 3 advogados, uma assistente social e uma médica. Sua mágoa e preocupação é que nenhum deles, incluindo genros e netos, tem vocação para o campo. O filho mais novo, Bruno, foi seu braço direito, seu orgulho, amava a fazenda, não queria estudar, tinha um gênio de briguento, gostava de cachaça e mulheres. Morreu de queda de cavalo, correndo bêbado uma vaquejada. Quando ele lembra Bruno, dá uma dor no coração de saudade, era o filho querido, o companheiro nas andanças pela fazenda.

Depois que Dona Mercedes morreu, o coronel Eustáquio se enclausurou na fazenda. Só ia a Maceió às quartas-feiras. Nunca foi mulherengo, mas gostava de se aliviar, como dizia, com uma menininha num programa. Até para isso ele se enrustiu, depois da viuvez.

Havia dois anos da morte da esposa quando no final de ano a família se reuniu para o natal e aniversário do patriarca, 25 de dezembro. Festa tradicional da família, animada com filhos, netos, agregados e convidados. Na festa, Natália, a filha médica, notou que o coronel andava cansado. Exigiu que ele fizesse um checape.

Edgar, o genro, figura simpática, boa conversa, do ramo de comércio de imóveis e carros, as más línguas falam que seu casamento com a médica teve também um olho na grana do velho, fazia tudo para agradar ao sogro. Ofereceu-se para acompanhar o velho coronel aos médicos, indicados pela doutora. Foram 20 dias entre consultas e exames. O doutor urologista examinou os resultados. Depois de apalpar o ventre, pediu ao coronel para ficar na posição que Napoleão perdeu a guerra, e fez o famoso toque retal. Constatou que a próstata estava volumosa e inflamada. Passou-lhe antibiótico e determinou ao Coronel para vir toda semana tomar aquela massagem na próstata, até diminuir o tamanho e acabar a inflamação.

À noite a filharada e os netos foram visitá-lo em seu confortável apartamento na orla da Jatiúca. Ele confidenciou para os filhos, que estava constrangido com o tratamento, que não ia mais levar dedada de médico nenhum. Seu fio-fó era órgão de saída, nada de entrada. Com grande má vontade avisou que não voltava ao consultório, tomava apenas o remédio.

A doutora Natália, ao dormir, conversou com o marido sua preocupação com o pai, a massagem na próstata era necessária. Edgar homem de desembaraços e de soluções, nunca põe dificuldades, prometeu resolver o problema.

No outro dia pela manhã foi conversar com o do doutor urologista, acertando os detalhes de um plano bolado no travesseiro. Sua enfermeira bonita, com curso de enfermagem, sabia fazer massagem na próstata, veio a calhar. Com a conivência do doutor prosseguiu a estratégia. Na quarta-feira foi visitar o sogro levando recado do doutor que ele podia ser atendido também por uma massagista especial. Depois de muito relutar, o coronel foi espiar a massagista que estava no carro esperando. Ficou encantado com a beleza daquela morena simpática que lhe sorriu pecaminosamente. Com a jura do genro de não contar nem para os filhos, o velho se deixou levar para um motel na praia de Jacarecica. O que houve entre as quatro paredes, ninguém sabe. A próstata do coronel já deve ter curado há muito tempo, mas ele prossegue o tratamento. Fica feliz quando amanhece a quarta-feira, vem para Maceió radiante, dia da massagem com a bonita Michelle que engorda seu salário em R$ 200, 00 toda semana.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 02 de junho de 2018

A FESTA DE PAFINHA

 

Ninguém sabia seu nome, que dirá sobrenome. Os amigos conheciam como Pafinha, apelido carinhoso. Moça bonita de pele clara, cabelos escuros escorridos, olhos vivos, meio estrábicos, harmonizavam com a boca rosada permanentemente num debochado sorriso. Pafinha tinha a beleza da juventude e a graça de quem é feliz.

Corpo miúdo, curvas nítidas, cintura fina e seios abundantes faziam dessa menina uma mulher atraente. A bunda bem torneada era desejo e fantasia de muitos homens.

Todos amavam aquela jovem com ar de moleca sapeca. Vivia a vida como se fosse acabar amanhã. Pafinha trabalhava na Boate Tabariz, era a rapariga predileta do mais famoso proxeneta da noite de Maceió, o popular Mossoró.

 

 

Nativa de Pariconha, sertão das Alagoas, sua família passava fome com a seca. Aos 14 anos havia conhecido apenas miséria e pobreza. Um cabo de polícia a estuprou, prometeu aos pais amigação, uma casa na capital. Deixou-a na zona das putas em Jaraguá.

Tornar-se prostituta foi uma grande transformação. Cursou a Universidade da Vida. Era a mais querida do cabaré, conhecia e tratava os frequentadores da boate pelo nome. Podia ser senador, deputado, coronel ou capitão. Era o xodó de Jaraguá.

Ela tinha um namorado, apaixonou-se por um jovem deputado, menino novo que fez uma bela carreira política. Quando o deputado aparecia, se ela estivesse acompanhada, depois de atender o cliente, corria para os braços de seu amor.

Naquela época havia um bingo aos domingos, fonte de recurso para construção do estádio Trapichão, os prêmios eram carros e caminhões. Mossoró levava suas meninas para marcar o bingo. Pafinha teve sorte, ganhou um carro IMPALA. Um conhecido senhor negociava prêmios de bingos, comprou o carro na hora. Dinheiro que Pafinha jamais pensou possuir.

Naquela noite ela iniciou uma festa no bairro boêmio de Jaraguá. Todos queriam abraçá-la ou pedir dinheiro emprestado. A festa durou oito noites. Pafinha não tinha noção de economia, seu coração solidário e generoso emprestou e deu muito dinheiro. Deu festa no Verde, no Duque e no Sovaco do Urubu, a ZBM, Zona do Baixo Meretrício, frequentada por estivadores, pescadores, catraieiros, os pobres amigos de copo e de cruz.

Uma semana de alegria e diversão durou a festa de Pafinha. Só acabou quando ela percebeu que não tinha mais um centavo do dinheiro do bingo. Ficou pobre de novo.

Quando assisti ao filme dinamarquês, A Festa de Babete, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro lembrei-me da Festa da Pafinha, histórias semelhantes. A vida imitando a arte.

Nós, jovens moradores da praia da Avenida da Paz, depois do futebol e de um bom mergulho, caminhávamos sobre a areia molhada até uma birosca em frente ao Primeiro Trapiche em Jaraguá para entornar uma boa cachacinha com caju.

Nossas companhias eram os embarcadiços, pescadores, desocupados, desempregados. As raparigas de Jaraguá, mergulhavam se refrescando, lavando-se da noitada anterior.

Pafinha sempre presente ajudava a comer o delicioso tira-gosto de panã ou arabaiana contando casos da noite no cabaré. Seu Rodolfo, velho pescador, contava historias sobre peixes enormes, sobre a mãe d’água, sereias, afogamentos, botos salvando vidas empurrando os afogados até a praia.

Pafinha aprendeu a nadar, boiava e mergulhava se purificando na água do mar até o pôr-do-sol alaranjar o céu, depois das seis da tarde era hora de trabalho no Cabaré. A sertaneja dizia estar no Oceano seu destino.

A história da Pafinha ainda hoje é contada nas biroscas de Jaraguá. Tornou-se lenda, contam que ela desapareceu num banho de mar, deixou-se levar pela correnteza, Yemanjá veio buscá-la, transformou-a em um boto que vagueia vigilante no mar, salvando os afogados.

Há muito tempo não acontece afogamento no mar da Avenida da Paz. Um boto nas águas perto do cais mergulha vigilante, empurrando para praia os banhistas desavisados ou crianças mais afoitas. Depois volta junto ao cardume, brincando alegre com seus pareias.

À noite, nos bares do mercado e na zona da boemia, marinheiros, pescadores, contam histórias de salvamentos milagrosos. Atribuem esses milagres à Santa Pafinha, protetora das putas, dos boêmios, dos cachaceiros, dos bêbados e afogados de Jaraguá.

ESSA HISTÓRIA E MAIS OUTRAS SOBRE A CIDADE DE MACEIÓ, SERÃO CONTADAS POR CARLITO LIMA E CANTADAS POR ANDRÉA LAÍS DIA 9 DE JUNHO NO TEATRO DO CINE PAJUÇARA ÀS 20 HORAS. IMPERDÍVEL. INFORMAÇÕES: (82) 9.9318.0843.

 

 

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 26 de maio de 2018

DIA DOS NAMORADOS NO ZINGA BAR

 

Zinga Bar – praia de Riacho Doce

Gustavão dirigia feliz da vida seu Gordini vermelho, era noite de sexta-feira, véspera de Santo Antônio, dia dos namorados. Solteiro, boêmio, 27 anos, iniciava mais um fim-de-semana de alegria. Percorria a estrada do Litoral Norte rumo ao Zinga Bar na praia de Riacho Doce, de repente sentiu o carro “morrer”, parou no acostamento, abriu o capô, olhou com ajuda de uma lanterna se alguma peça estava solta, não entendia de mecânica, resolveu trancá-lo, travá-lo, no dia seguinte traria com um mecânico. Com o dedo polegar ficou a pedir carona aos carros em direção ao Zinga. Parou uma Kombi, deu sorte, era o deputado com amigos e amigas, tinham o mesmo destino.

O Zinga Bar foi um empreendimento arrojado de Cláudio Barbosa, a construção se estendia do asfalto à praia, em Riacho Doce, foi o grande sucesso da cidade no final dos anos 60, aliás, revolucionário, mudou os costumes. Naquela época as moças casadouras só saiam à noite acompanhadas dos pais ou irmãos para festas em casa de famílias ou clubes. Depois do Zinga Bar o mulherio de Maceió deu um grito de liberdade, em grupos começaram a frequentar aquele Bar-Restaurante-Boate. Dava-se início a uma tímida revolução sexual, a virgindade estava deixando de ser tabu. O Zinga foi marco histórico na vida da cidade.

O deputado, os amigos e amigas tomaram uma mesa ao ar livre, podia-se conversar melhor e ver a lua tremeluzindo no mar de Riacho Doce. Mesa cheia com três belas jovens e uma senhora, aliás, uma coroa risonha, solteirona, à beira dos cinquenta. Conversa divertida, maior alegria quando a orquestra iniciou os acordes “Love is a many splendore thing”. Yolanda, a coroa, convidou Gustavo para dançar. No dancing romântico, bela vista ao mar, colaram-se do corpo à cabeça, arrastando-se com leveza ao som do sax e clarinete. Ela puxou-o sentindo prazerosamente o corpo de seu par. Eles mudos, o carinho na nuca, a rigidez nas pernas falavam mais que qualquer palavra.

A orquestra parou para descanso, o casal retornou à mesa. Bom uísque, tira-gosto, muita conversa, a coroa com os pés descalços por baixo da mesa alisava as pernas de Gustavão. Certa hora a Banda animou no São João, “Olha pro céu meu amor, veja como ele está lindo, olha pra que balão multicor, que lá no céu vai sumindo…” Todos levantaram dançando feito quadrilha ao som de músicas juninas de Gonzaga. Cada vez mais Gustavo e Yolanda, a coroa, se atraiam, deu-se o desejo imenso, ânsia louca de beijo na boca. Gustavão pediu discretamente a chave da Kombi do deputado. O casal se escafedeu, um quilometro a mais Gustavo encostou a Kombi embaixo de uma árvore. À luz de uma lua maravilhosamente prateada tiveram momentos de amor no banco traseiro como apenas os grandes amantes conseguem, era dia dos namorados.

Retornaram ao Zinga com aquele sorriso de felicidade dos bem amados, de bem com a vida. Os companheiros de mesa perceberam, não houve uma piada, uma recriminação, a juventude mudava o comportamento, afinal amar é necessidade natural. Dançaram, rodaram, beberam até o dia amanhecer, os boêmios foram cumprimentar o dia nascendo andando na praia, dançando ciranda, pegando o Sol com a mão. Gustavão e a coroa celebravam a vida.

Dia seguinte Gustavo acordou-se por volta de meio dia, telefonou para um amigo mecânico de automóvel, foram em busca do Gordini quebrado. Surpresa, o carro arriado no chão, a jante no asfalto do acostamento, levaram os quatro pneus, no vidro traseiro escrito em batom: “Obrigada pelo presente do dia dos namorados, de sua Odete”. O jeito foi arranjar quatro pneus velhos numa borracharia, levar o Gordini para casa. Na segunda-feira nosso boêmio recebeu um telefonema anônimo informando, os quatro pneus estavam guardados com o vigia do Zinga Bar. Assim foi o dia dos namorados de Gustavão naquele ano de transformação do mundo. 1968.

 

 

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 19 de maio de 2018

OS TARADOS DA AVENIDA

No final da 1ª Guerra Mundial (1914- 1918), o prefeito de Maceió, Firmino Vasconcelos, comemorou o fim da guerra na então “Praia do Aterro”. Depois de bons goles de cachaça da boa, prometeu que ali construiria uma bela Avenida, a Avenida da Paz.

Terminada a obra, a Avenida começou a desbancar Bebedouro, a burguesia se transferiu para a Avenida da Paz, construindo belas casas e mansões. Nessa época, apareceu a moda do “banho salgado”, a mulherada moderna vestia maiô até o joelho e caía na água do mar. Maior sucesso, alguns achavam um escândalo. Vinham homens, velhos e meninos do interior apreciar as modernas senhoritas de maiô aparecendo a batata das pernas. Causava reboliço entre os marmanjos. Nessa época, também foram aparecendo os primeiros “tarados”. Quando nos anos 30 foi inaugurada a sede do Clube Fênix, o maiô já havia diminuído o tamanho, subindo até a metade das coxas, quanto mais diminuía o tamanho do maiô, mais aumentavam os discípulos de Onã na esplêndida praia da Avenida.

Nos anos 50 eu era um jovem maloqueiro de praia. Nadava singrando a calmaria do mar. Pulava da cumeeira dos trapiches que se estendiam mar adentro, jogava futebol na areia dura, molhada. Pescava nas jangadas, puxava rede. Entretanto, o que nós meninos mais apreciávamos, o nosso esporte predileto, era ficar na areia olhando, que nem jacaré, para as belas mulheres que se estendiam na areia para pegar um bronzeado.

É próprio do homem o “voyeurismo”, o olhar, o apreciar os encantos da mulher. Alguns não se controlam, e praticam o onanismo nas mais esdrúxulas situações. Apanhados em flagrante são taxados de “tarados”. Naquela época, meninos com cara de santinho, trafegavam pelas rodas de conversas com as moças descontraídas. Mas, quando entravam na água, não havia quem segurasse.

O Gaguinho era mestre, ele aproximava-se das meninas, deitava de bruços, cavava uma cova, adaptada a sua mão, e ali dava estímulo para suas fantasias. Certa vez, um amigo percebeu o Gaguinho em posição de trincheira perto de sua belíssima irmã. Ele foi chegando por trás, devagar, de repente virou o Gaguinho que estava em vias da apoteose final. Levaram o “tarado” para a Delegacia de Jaraguá. Ficou preso e sumiu por um tempo.

Certo verão apareceu a Musa! Foi o primeiro biquíni em Maceió. Uma bonita ruiva, dizia-se atriz, hóspede do Hotel Atlântico. Toda manhã, como se fosse uma liturgia descia à praia, estendia uma toalha, armava a sombrinha na areia. Tirava a blusa bem devagar, como se tivesse preguiça, aparecendo a parte superior do biquíni cobrindo seus belos seios. Em seguida, como se fizesse um strip-tease, despia lentamente o short requebrando os quadris em movimentos harmoniosos, sensuais, até transpassar o short por baixo dos pés. Finalmente levantava o short com o pé direito como se chutasse o vento. Dobrava a roupa, arrumava junto à sombrinha. Deitava lentamente, de bruços, deixando o sol dourar suas pernas, seu dorso, sua bunda. Foi o espetáculo daquele verão. Os homens se deliciavam com o ritual erótico da musa dos cabelos de fogo.

“Chaina”, sua cachorrinha pequenez, ficava amarrada no pau da sombrinha. Às vezes, ela soltava-se para alegria da moçada que tentava capturá-la, para receber o agradecimento, olhando de perto as penugens douradas das coxas da dona. Depois que a Chaina começou a frequentar a praia, o número de tarados aumentou na praia da Avenida.

Muita gente graúda entre eles. Certa vez, fizemos uma votação para eleger o maior tarado da praia. Em terceiro lugar, o punho de bronze, foi para um atleta famoso. O segundo lugar, o punho de prata, ganhou Kirk Douglas, um coroa, vestia um velho calção de banho, e passava o dia vadiando na praia. E o primeiro lugar, o punho de ouro, fez-se justiça, foi para o dono de um restaurante conhecido na cidade. O ganhador era prático e profissional. Conta a lenda que todas as suas calças tinham os bolsos do lado direito furados.

Hoje, quando dou minha caminhada pela praia da Jatiúca, lembro dos velhos tarados da Avenida ao olhar os corpos deitados, de bruços, belamente bronzeados, dentro de uma minúscula tanga.

Essa e outras Histórias de Maceió este colunista fubânico contará na peça, SE FOR PRA CHORAR QUE SEJA DE ALEGRIA, dia 9 de Junho no Teatro Cine Pajuçara às 20 hs. A afinadíssima Andréa Laís cantará belas músicas relacionadas com as histórias.

 

 

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 12 de maio de 2018

CUNHADO ARRUACEIRO

 

 

Ana e Amélia eram duas irmãs bonitas, seus pais colocaram esses nomes em homenagem às avós. As meninas não perdiam em beleza para nenhuma miss ou artista. Moravam em Jaraguá perto da Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo. Quando desciam à praia da Avenida da Paz, os jovens paravam o futebol, até a bola parava, para apreciar as jovens, fonte de inspiração dos tarados, que dentro d’água se possuíam em fantasia as moças encantadoras.

Acontece que elas tinham um irmão mais velho, alto, forte, de enorme musculatura mantida na prática de exercícios que contrastava com o juízo, tinha o cérebro do tamanho de um feijão. Chicão era conhecido em todo bairro por sua valentia e por suas brigas, era o maior arruaceiro do bairro e da zona das putas em Jaraguá. Certa vez brigou com três policiais, foi preso e espancado, ele passou a detestar qualquer tipo de policial. Chicão tinha um sentimento nobre, o afeto pelas irmãs, o que lhe causava um ciúme doentio, partia para briga com quem o chamasse de cunhado ou insinuasse que suas irmãs eram gostosas.

Julinho, jovem estudante, morador da Avenida da Paz, encantou-se com a mais nova das irmãs, iniciou um namoro com Amélia, escondido, depois ela falou com o pai, ele permitiu o namoro desde que fosse na porta da casa, sempre com a fiscalização voluntária e ostensiva de Chicão. Namoro bem comportado, mão na mão, em vez em quando um beijo, quando o irmão se distraía. Certa noite, depois do namoro, Julinho dirigindo o jipe em direção à sua casa, ao passar na Rua do Uruguai, uma jovem soltou-lhe um adeusinho com a mão, ele freou o jipe, entrosou-se com a jovem, colocou-a no banco e partiu para uma seção amorosa dentro do jipe estacionado no Posto de Salvamento da praia do Sobral.

Assim continuou Julinho, toda noite namorava a amada Amélia, depois partia para fazer amor com Maria das Dores ao frescor da brisa marinha dentro do jipe.

Até que um dia Ana, a cunhada, discretamente pegou Julinho em flagrante quando Das Dores embarcava em seu jipe para mais um amasso amoroso. Na noite seguinte quando Julinho chegou à casa da namorada, Amélia estava uma fera, namoro acabado, nunca admitiria ser corneada por uma vagabunda como Das Dores. Nesse momento Chicão apareceu arregaçando as mangas da camisa, com cara trancada, falando alto que irmã dele não levava chifre. Julinho tomou um susto, encheu-se de medo, brigar com Chicão, era levar uma surra histórica. Julinho, com presença de espírito, pediu calma, precisava conversar, pagava uma bebida no bar da esquina, mas deixasse-o explicar. Bebida de graça era irresistível a Chicão. Foram para um bar por perto, desceram cerveja, pinga e tira-gosto. Julinho explicou que a Das Dores era apenas para transa, ele respeitava e gostava mesmo de Amélia, namoro para casamento e coisa e tal, no campo da astúcia Julinho ganhou tranquilo.

Foi uma noitada de bebedeira, passaram por quatro bares diferentes. O receio constante de Julinho era Chicão, bêbado, provocando aonde chegava. A sorte é que os provocados conheciam a fama de Chicão e não revidavam os insultos.

Tarde da noite, os dois bêbados estavam em maiores intimidades, um chamando o outro de cunhado. Chicão em certo momento inventou de ir às Boates das Mulheres em Jaraguá. Julinho se fazia com sono querendo terminar a noitada, acabou concordando, partiram para Zona. Ao passar na Praça Dois Leões, de repente Chicão pediu para parar o jipe, o arruaceiro saltou, dirigiu-se a uma dupla de policiais que tranquilamente fazia a ronda. Julinho não acreditou no que estava vendo, Chicão deu um murro em cada soldado, desarmou-os, deixando-os no chão, jogou as armas longe, recolheu os capacetes e correu para o jipe gritando, “Vamos embora depressa”.

Julinho deu partida, logo adiante parou o jipe e assustadíssimo. Subiram à Boate São Jorge, ocuparam uma mesa, Chicão colocou um capacete dos soldados em sua cabeça e o outro na cabeça de Julinho, que a essa altura, passou a bebedeira e tremia-se de medo. Todos na boate olhavam aqueles dois jovens com capacete da Polícia. Chicão pediu cachaça e duas raparigas. Depois da primeira dose Julinho tirou o capacete colocou-o embaixo na mesa, foi ao banheiro. Ao sair percebeu que seis policiais subiam as escadas da boate, na mesma hora ele desceu devagar, para não suspeitar, a escada da boate. Teve sorte, o jipe estava no mesmo local, ligou a partida e conseguiu checar em casa.

No dia seguinte soube do acontecido, Chicão brigou com os seis policiais, levou muita pancada, amarraram o arruaceiro, levaram preso para 2ª Delegacia de Polícia, onde levou uma surra inesquecível.

Julinho esqueceu a bela Amélia, passou muito tempo sem passar perto da Igreja. Ao ver ao longe Chicão, fingia não vê-lo, nunca mais quis conversa com o cunhado arruaceiro. (conto essa histórica verídica em homenagem a Julinho que morreu esta semana)


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 05 de maio de 2018

DANILO DE FREITAS CAVALCANTI

 

 

Eu tive a imensa honra em entrar para sua família ao me casar com Vânia, sua filha, com muita alegria me recebeu: “Bem vindo meu genro, nossa família é simples, porém muito feliz”. Continuei um ramo da família contribuindo com três filhos e três netos. Nesses quase 50 anos de convivência aprendi a admirar meu sogro, pela sua integridade, sua honestidade e valentia. Um homem sem medo. Nem tudo foram flores, algumas fatalidades e problemas como é a vida real, entretanto, a família enfrentou as adversidades com força e sabedoria.

Certa vez Dr. Danilo, como Promotor de Justiça, iria acusar um jovem rico por assassinato de uma mulher. Na véspera do júri, à noite, ele recebeu uma visita da família do assassino explicando que ele era um bom menino, foi um acaso da vida que aconteceu a tragédia. Até aí tudo bem, todos têm esse direito em pedir. Acontece que, na saída de casa o comerciante milionário entregou um envelope pardo cheio nas mãos de uma das filhas do Dr. Danilo. Ao perceber, meu sogro arrancou o envelope da filha, abriu, estava cheio de dinheiro, um valor enorme. Na mesma hora, com raiva, sentindo-se ofendido, Dr. Danilo gritou para o ricaço: “Canalha, canalha apanhe esse envelope e saía daqui imediatamente, o que está pensando? Vá embora antes que eu chame a polícia e lhe prenda por suborno. Canalha!” Rapidamente o homem pegou o envelope e escafedeu-se na noite. No dia seguinte houve o júri. Dr. Danilo teve uma atuação empolgante. O assassino pegou 22 anos de cadeia.

Conto esta história como exemplo, contra essa onda espalhada no Brasil, afirmando que nós brasileiros somos ladrões por natureza e roubos vêm desde o descobrimento. Na verdade essa onda é para justificar a corrupção de políticos que tomaram conta do poder, acabando com nossa riqueza. Nós, a maioria dos brasileiros comuns, somos trabalhadores e honestos. Banalizar a roubalheira é um crime, não aceito, como meu sogro não aceitava.

Finalizando quero dividir meu espaço com uma mensagem enviada por meu filho, Henrique, direto da Indonésia que não pode assistir o sepultamento de seu avô.

* * *

Carlos Henrique Cavalcanti Lima -“Nenhum homem é uma ilha; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse o solar de teus amigos ou o teu próprio; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”

Hoje depois de um longo tempo internado meu avô Danilo de Freitas Cavalcanti faleceu, eu como neto mais velho tive o privilégio de conhecê-lo durante 47 anos, vi e vivi suas alegrias e suas tristezas, o duro golpe de ter um filho assassinado, a alegria de uma família numerosa e amorosa, com as qualidades e defeitos que todas as famílias têm. Hoje ele partiu, ele descansou, abandonou o corpo sofrido, marcado pelo tempo e pelo destino, nos deixou. Meu avô falava muito sobre isso, afinal chegou aos 98 anos de idade, falava que iria encontrar o amor da vida dele minha doce avó Vanda e o meu tio Marcos.

Sinto não estar presente fisicamente neste momento de dor junto a minha mãe, meu pai, minhas irmãs, meus tios e tias, junto a minha família, a dor solitária é mais dolorida, ainda bem que antes de viajar fui vê-lo no hospital, fazer uma oração, visita rápida, nesta nossa vida tão corrida, mas pelo menos dei meu beijo de despedida. Vá em paz meu avô, sua missão está cumprida, seu descanso é merecido, nos vamos ficar aqui nos espelhando no homem de bem que você foi, veja só que família linda você e a vovó criaram!

A vida continua, em breve o sol vai nascer aqui na Indonésia, já temos novos Danilos, Vanda e Marcos na família e assim é a vida com chegadas e partidas. Não temos que entender os desígnios do Senhor apenas aceitá-los humildemente. A tristeza faz parte da vida, um outro dia virá e com ele outras alegrias, junto com a linda lembrança daqueles que já foram…

Henrique Cavalcanti Lima (Neto)


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 29 de abril de 2018

CENTENÁRIO DO BENÉ

 

 

No ano da graça de 2002, a Associação de Moradores do bairro Benedito Bentes convidou-me para coordenar um trabalho de planejamento do bairro com a participação da comunidade e todos os segmentos de moradores. O resultado foi impressionante, com diagnóstico, levantamento de problemas, soluções sugeridas pelos próprios moradores. Deram um belo e sugestivo título ao trabalho: “O Benedito Bentes que nós Queremos”.

Surpreendeu-me trabalhar com a dedicação da comunidade e perceber que a maioria dos moradores não sabia quem foi Benedito Bentes. Aproveitei e contei um pedaço da história de um dos maiores homens públicos de Alagoas do Século XX.

“-Nos anos 30, vindo do Amazonas, aportou por essas bandas um cidadão de nome Manoel Bentes com sua família. Ficou encantado com as águas verdes da praia da Avenida e disse que aqui ficaria para sempre com sua mulher e seus quatros filhos: José, Benedito, Ana e Terezinha. Criou seus meninos, deu-lhes educação, viveu como alagoano fosse, trabalhou, prosperou e morou para sempre em Alagoas”.

Todos os filhos de Manoel casaram-se com alagoanos, misturando o sangue manauara com os caetés das Alagoas. Dona Ana casou-se com o médico Manoel Menezes; José de Anchieta, oficial do Exército casou-se com Dona Izolina; Dona Terezinha, esportista, mulher de fibra, deu a vida trabalhando dedicando-se à Cruz Vermelha casou-se com Júlio Normande, intelectual e esportista. Finalmente Benedito Geraldo do Vale Bentes casou-se com Vega Lima, filha de Heráclito Lima, grande proprietário de coqueiros de Alagoas. A família Bentes povoou o Estado, tem Bentes por todos os cantos das Alagoas. São cinco os filhos de Benedito Bentes: Luciano, Marden, Humberto, Eduardo e Geraldo.

Formado em Direito, entretanto, Benedito Bentes desenvolveu a atividade do comércio por muitos anos. Em 1961 com a eleição do major Luiz Cavalcante ao governo do estado foi por ele convidado para a presidência da CEAL aonde exerceu o cargo até agosto de 1974 quando faleceu repentinamente. Na presidência da CEAL teve a companhia dos diretores Napoleão Barbosa, Osvaldo Braga, Lenine de Melo Mota. Eletrificou todas as sedes dos municípios alagoanos com energia da CHESF tornando-se, na época, o primeiro Estado da federação a ter todas as suas sedes dos municípios eletrificadas.

Benedito Bentes foi também presidente do SESC/SENAC em Alagoas, Diretor da Confederação Nacional do Comercio e outros cargos de destaque no cenário político e econômico de Alagoas e do Brasil.

Tenho a maior honra em ter sido amigo de Bené, assim era chamado pelos mais íntimos. Éramos vizinhos na Avenida da Paz onde a classe média alta foi morar nos anos 50/60. Trabalhador, Benedito Bentes, tinha uma visão estratégia do futuro de Alagoas como poucos. Em sua época sempre foi homem imprescindível aos governos. A meu ver, devia ter sido governador do Estado.

Seu bom humor, sua alegria e a inteligência, são as melhores lembranças que guardo com carinho daquela extraordinária criatura. Com sorriso e risada inconfundíveis fazia questão de receber os amigos em sua casa, era um festeiro. Ligado ao convívio social da cidade tornou-se presença marcante nas grandes festas do Clube Fênix Alagoana, Iate Pajuçara ou Jaraguá Tênis Clube. Naquela época os grandes cantores do Brasil eram contratados para as festas de clubes. Bené tinha um conhecimento de vida social que extrapolava Alagoas. Muitos desses cantores depois de cantar iam tomar um drink em sua casa, onde tive a alegria de conversar com Jair Rodrigues, Elizeth Cardoso, Wilson Simonal, entre outros.

Há 50 anos quando Benedito Bentes completou 50 anos houve uma festa em sua confortável casa na Avenida Fernandes Lima. Compareceu a elite econômica e intelectual das Alagoas. Em certo momento fui ao quarto dos meninos, um verdadeiro alojamento, enorme quarto com um grande ventilador rodando tentando amenizar o calor das cinco camas. Logo na entrada estava Teotônio Vilela numa banqueta, uma garrafa de bom uísque ao lado, rabiscando algumas anotações. Teotônio alegre me informou, “Capitão prepare o coração para ouvir minhas palavras saudando nosso querido Bené, hoje estou inspirado”.

Mais tarde embaixo das mangueiras frondosas, a eloquência e a inteligência de Teotônio deixaram todos emocionados. Aquele discurso devia estar guardado, uma peça retórica para constar nos anais da História das Alagoas. Foi um dos mais brilhantes discursos que ouvi em minha vida. A festa do Bené prolongou-se até mais tarde com muita alegria, parecida com o dono. Terminou tarde da noite, éramos jovens, ainda tivemos fôlego para outras festas, outros Beneditos.

Nesse ano, Nessa semana, tem festa no céu. Teotônio deve estar preparando-se para celebrar os cem anos de Bené, o centenário de nosso querido e inesquecível Benedito Bentes. Ele representa um tempo, uma bela época de nossa cidade. São lembranças que dão uma pontada de saudade.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 22 de abril de 2018

AMANTE ACIDENTAL

 

Péricles dirigia devagar rumo à Caruaru quando avistou, ao longe, um pequeno carro estacionando no acostamento. Desceu uma mulher olhando para o pneu traseiro murcho. A jovem senhora iniciou uma série de inúteis pontapés. Péricles parou seu carro, e foi acudir à dama solitária.

Ela chutava o pneu, e chorava. Péricles pediu calma, estava ali para ajudar. A distinta respirou fundo, voltando a si como se estivesse em transe.

Ele levantou o carro rodando o macaco, retirou o pneu furado, colocou o estepe. Enquanto realizava a troca, a madame não deu uma palavra. Ela apercebeu que não tinha retribuído a gentileza de Péricles. Pediu desculpas, disse que estava com a cabeça cheia de problemas e com ódio no coração. Que ele perdoasse. Apresentou-se como Soraya.

– Prazer, Péricles. Olhe aqui minha amiga, nenhum ódio vale a pena.

– Minha raiva é grande. Vontade de matar. De qualquer maneira, desculpe e muito obrigado. Respondeu a morena com a alma infeliz.

Péricles logo chegou à Caruaru. Ele queria curtir as peças de artesanato, a cultura popular do Nordeste.

Almoçou no hotel, descansou. Ao entardecer fez uma visita à feira, aos pontos de folclore, recordando a finada Rosa, foram 23 anos de casamento. Jantando no Restaurante Chapéu de Couro, percebeu que a senhora do carro, a irada Soraya, estava em uma mesa tomando uísque, desacompanhada.

Quando terminava o jantar, sentiu uma pessoa encostar à frente da mesa. Péricles levantou a cabeça, era a moça zangada, sorrindo. Perguntou se podia sentar. Péricles puxou uma cadeira, ato contínuo ela sentou-se elegante e iniciou a conversa:

– Pensei no que você falou. É verdade, raiva mata, deixa o coração ferido. E a vida é uma só. Vou tentar superar a bordoada que recebi, e não se fala mais nisso. Agora conte sua vida. Quem é você, cavalheiro gentil?

Péricles resumiu sua vida. Era de Maceió, estava em viagem solitária pelo Nordeste, sem roteiro predeterminado. Queria refletir sobre sua nova vida, viúvo há seis meses. Não tinha data marcada para voltar.

Soraya achou a história muito interessante. Conhecia bem Alagoas, contou reminiscências, parte da infância morando em Maceió. Enquanto ela falava, Péricles analisou a companheira acidental num restaurante de Caruaru.

Devia ter entre 35 a 40 anos, pele bem cuidada, morena. O braço parecia porcelana. Rosto redondo, cabelos pretos escorridos, bem tratados. Olhos negros vivos como se estivessem acesos, penetrantes, por cima de um nariz levemente achatado. Exalava sensualidade e mistério. Sentiu que havia um grande problema em sua alma, daí esse rancor. Notou uma marca de aliança na mão esquerda. Seria casada?

Ficaram naquela mesa por mais de duas horas em conversa descontraída, alegre, com o acompanhamento do velho uísque. De repente, Soraya olhou nos olhos de Péricles, pegou-o pela cabeça, puxou-o, deu-lhe um beijo na boca. Correspondida, ficaram a chupar línguas. De repente ela pediu sorrindo.

– Quero ir pra cama com você, agora! Tem que ser agora, antes que desista, não quero desistir.

Rápido ele pagou a conta. Sem esperar pelo troco saíram. Entraram no carro de Péricles, partiram em busca de um motel à beira da estrada. Soraya durante o percurso beijava seu pescoço, alisava-o, não se falaram.

Ao entrar no quarto do hotel, ela pediu, “Beije aqui meu amor!”

Péricles obedeceu, fizeram amor até mais tarde.

Depois do êxtase, corpos separados, enquanto ele olhava para o teto, sentiu que Soraya chorava, e aumentava o choro. Estava desesperadamente chorando alto, histérica, lamentando-se, pedindo desculpas como se outra pessoa estivesse presente.

– Seu bosta! Você foi o culpado, você me traiu!

Péricles conseguiu acalmá-la. Soraya contou sua vida.

Era casada, dois filhos já rapazes, morava no Recife. No dia anterior, ao entrar no escritório, flagrou o marido transando com a secretária no tapete Uma prima, que implorou um emprego. Em casa o marido tentou justificar. Soraya não conseguiu dormir. Pela manhã pegou alguma roupa e partiu no seu carro rumo à fazenda de uma amiga no sertão. Ninguém sabia onde ela estava. Desligou celular e partiu, com toda raiva, ódio no coração. Estava planejando matá-lo, entretanto, percebeu que não era a solução. No restaurante, bebendo, armou outro tipo de vingança. Foi o ódio que impeliu transar com Péricles. Estava arrependida, com sentimento de culpa, mas a raiva não havia passado.

Ele ouviu com atenção enquanto trocava de roupa, e admirava aquele belo espécime de mulher.

Já vestidos, ele abraçou-a, deu um cheiro nos cabelos.

– Agora vá dormir no hotel. Amanhã visite sua amiga, depois volte para sua família, você é uma pessoa especial. Não se sinta culpada pelo que aconteceu. A raiva é uma emoção cruel, muito forte, você agiu impulsionada pelo sentimento de vingança. O que aconteceu foi melhor que mandar matá-lo, tenho certeza. O segredo é nosso, ninguém precisa saber o que houve entre nós. Eu amei essa noite, jamais esquecerei.

Saíram do motel até o carro de Soraya. Ela alisou a cabeça de Péricles, deu-lhe um beijo na boca. Olhou em seus olhos e cochichou: “Amei lhe conhecer, essa noite marcou minha vida.” Abriu a porta, sem olhar para trás caminhou lentamente em direção a seu carro.

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 15 de abril de 2018

FERA FERIDA

 

Praia da Jatiúca

Sábado desci do meu confortável apartamento no Principado da Jatiúca para uma volta na orla. Depois do banho de mar sentei-me a uma mesa no Acarajé da Irmã, tomava uma cerveja geladinha quando percebi a meu lado o Caldas, solitário, triste, quatro garrafas de cerveja consumidas embaixo da mesa. Cumprimentei-o, puxei conversa perguntando por Josina, sua digníssima esposa. Percebi a mancada quando ele me respondeu com mágoa.

– Foi-se embora, me largou!

Caldas sorveu um copo olhando distante para o horizonte do mar azul esverdeado. Pedi-lhe desculpa, não sabia do fato, fiquei cheio de dedos, continuamos um papo ameno, repetitivo, sem graça, quando de repente meu amigo desabafou:

– A sacana está em Paris!

Olhando para o chão, ele abriu o jogo; contou a história nos pormenores.

Na quinta-feira antes do carnaval, Caldas foi à casa de praia da Barra de São Miguel a fim de prepará-la para receber amigos e parentes durante a folia. O casal vivia em certa harmonia mesmo com algumas desconfianças da integridade conjugal do marido. Quando solteiro, Caldas foi um mulherengo incorrigível, um raparigueiro de primeira ordem, por conta disso havia resquícios de sua fama. Na verdade nunca perdeu a mania, o vício de mulher. Durante os 10 anos de casados ele pulou a cerca várias vezes, discretamente.

Da varanda da casa Caldas contemplava a bela vista da praia quando apareceu Lucinha, filha da faxineira para ajudá-lo na arrumação. Ele alegrou-se ao vê-la, “secava” a jovem desde que ela havia retornado de São Paulo, onde foi morar três anos atrás, com menino no bucho em busca do pai. Ficou em Sampa até que o marido desapareceu. Ela tentou sobreviver, foi difícil, teve de retornar à casa da mãe. Lucinha com seus 24 aninhos sabe que tem um corpo bem torneado e por isso usa minissaia deixando à vista o belo espécime feminino. Em São Paulo fez alguns programas, aprendeu coisas inacreditáveis.

Começaram a arrumação da casa, o patrão ficava perturbado ao olhar aquela moça varrendo o chão, limpando vidraça. Os dois sozinhos naquela casa, certo momento não se conteve, se achegou à jovem, alisou seu cabelo, seus braços, ela sorria em cumplicidade, “Que é isso Seu Caldas?” Terminaram deitando-se no tapete da sala, abraçaram-se, beijaram-se, amaram-se até a apoteose gritante. Ainda estavam estirados no chão abraçados quando de repente a porta se abriu. Josina chocou-se com a cena. Foi um flagrante constrangedor, ela gritou com ódio: “Você me paga!” Bateu a porta, retornou à Maceió, dirigindo nervosa, aos prantos.

Caldas não teve coragem de voltar para casa em Maceió. Procurou amigos, parentes, contou a história, pediu para fazer a ponte, ele estava arrependido, nunca mais aconteceria, e outras promessas vãs que todos os pecadores cometem. Josina irredutível mandou recado que ele não tivesse a ousadia em procurá-la.

Sábado de carnaval, tristonho Caldas acordou na casa na Barra, pensava muito, avaliando a bobeira que havia feito ainda bem que não tinham filhos. À noite foi dar uma volta no carnaval do centro da pequena cidade balneário. Teve um susto quando viu Josina com um short curto, barriguinha de fora, toda charmosa dançando na rua, pulando com amigos. Ele deixou passar um tempo, os olhos dos dois se cruzaram. Até que certa hora o álcool deu coragem, Caldas foi até Josina. Ela o empurrou, disse que chamava a polícia. Levaram Caldas bêbado para casa. No domingo deu-lhe depressão. À noite foi pior. Ao ver Josina abraçando e beijando a boca de um jovem surfista, Caldas partiu para cima da mulher, puxou-a pelo braço, arrastando-a para casa, nesse momento levou um soco do acompanhante. Mais tarde levaram novamente bêbado para dormir. Durante o resto do carnaval ele procurou, mas não conseguiu encontrar Josina. Ela desapareceu de casa com roupas e pertences.

Caldas soube notícia da mulher dias depois, quando ela já estava em Paris. Na quarta-feira de cinzas assim que o banco abriu, Josina transferiu R$ 320.000,00 da conta conjunta para sua conta particular, viajou para o Recife, de lá tomou um avião para Europa. Não sabe quando volta, o detalhe, o jovem surfista está fazendo companhia em seus passeios parisiense e em sua cama no hotel à beira do Sena.

Ao terminar de contar a trágica história, estávamos na 10ª garrafa, passaram duas mulheres belíssimas de tanga, Caldas não teve apetência sequer em olhá-las. Vingança de mulher é igualzinho à fera ferida, nem o cão dá conta!

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quinta, 12 de abril de 2018

JEREMIAS, O BOM

 

Todos amam o Jeremias, ele vive praticando o bem sem esperar recompensa ou elogio. Aposentado da Assembleia Legislativa, trabalha por conta própria vendendo carros usados em sua loja. Dois filhos independentes, casados, ele adora os netos quando chegam perturbando seu domingo. Vida tranquila junto a sua amada esposa, Antônia, que o venera.

Acontece que, Jeremias tem um fraco na vida, gosta de garotas de programa. Na cabeça dele não é traição sair com alguma dessas meninas. Ele diz que paga pelo silêncio, pela tranquilidade. Amante é que é cara.

Jeremias nas sextas-feiras vai trabalhar de taxi. Às 12:00 horas sai para almoçar com os amigos, Antônia não se incomoda, sabe que é uma diversão de seu marido e amigos. Acontece que o almoço terminava por volta das três da tarde; nessa hora, Janice uma dileta amiga, cafetina de alto luxo, encosta o taxi perto do restaurante. Jeremias paga parte da conta, despede-se dos amigos com a frase: “Sinto retirar-me do recinto, mas o dever me chama, outro valor mais alto se alevanta”. Dirige-se ao taxi, abre a porta traseira, cumprimenta a bela garota que o espera com um sorriso, algumas vezes repete a mesma mulher. Deixa Janice no centro da cidade, bem remunerada, e dana-se com a moça para um motel. Marca o taxi para pegá-lo de volta em torno das 18 horas. Essa tarde de amor é seu único pecado.

Cerca das 19:00 horas ele chega em casa, às vezes um pouquinho de pileque. Toma um banho, janta conversando besteira, peculiar aos bêbados, às 22 horas Jeré está no terceiro sonho. Por volta das 23 horas Antônia toma um banho relaxante, demorado, veste uma lingerie e deita-se junto ao esposo roncando. Ela sabe que às 6:00 horas da manhã ele a acorda excitando com beijos e carinhos até chegar a hora do amor. Antônia adora essas manhãs eróticas dos sábados.

Durante a época do Natal Jeremias presenteia todas as garotas que saíram com ele durante o ano. Convoca Janice para organizar uma reunião de Natal sempre em um restaurante discreto.

Certo ano Janice apareceu no escritório de Jeremias com a relação das meninas, eles fizeram um cálculo, eram 28. Jeremias deu R$ 3.000,00 para comprar 28 presentes na faixa de R$ 100,00, sobravam R$ 200,00, era o trabalho da cafetina. Na quinta-feira Janice telefonou avisando que o almoço de natal estava organizado no “Restaurante Onde Canta o Sabiá”, local amplo dentro de um sítio, além da casa e terraços, havia um enorme quintal com frondosas mangueiras.

Durante a noite da quinta-feira, Antônia comunicou ao marido que no outro dia haveria o almoço de Natal com o pessoal de sua repartição, ela trabalhava no IMA, só os funcionários, os maridos e esposas não eram convidados. Jeremias num sorriso largo comentou: “Vão fazer uma farrinha, né?” – “Também somos gente”, ela respondeu sorrindo.

Na sexta-feira ao meio dia Jeremias entrou num taxi pelo portão do Restaurante Onde Canta o Sabiá, passou direto e foi para uma enorme mesa no fundo do quintal onde já se encontravam as 28 raparigas e a cafetina. A mesa ornamentada com os presentes que seriam distribuídos durante o almoço. Jeremias nem precisou pedir, o garçom veio com um prato de caranguejo goiamum gordo e uma cerveja bem gelada. A alegria das meninas chamou a atenção das mesas da varanda.

Por volta das 13:00 horas, por sorte, Jeremias percebeu entrando pelo portão um carro parecido com o de Antônia. Ele ficou na espreita e o coração disparou, teve uma taquicardia quando viu sua mulher descer do carro com amigas e dirigir-se a uma mesa na varanda. Imediatamente Jeremias correu para o banheiro do quintal, mandou chamar o dono do Restaurante. Ficou esperando meia hora quando bateram à porta do banheiro. Jeré saiu num pulo, entrou atrás do carro, deitou-se, e pediu para o taxista sair discretamente. Só ficou sossegado quando estava na Avenida Fernandes Lima. Aliviado, procurou uma barraca de praia, encontrou amigos, tomou algumas cervejas, ainda preocupado. Ao chegar em casa às 19:00 horas Antônia estava na sala. Ele perguntou. “Como foi o almoço?” Ela: “Foi lá no Tabuleiro, Restaurante Onde Canta o Sabiá. Você acredita que havia uma comemoração de natal de raparigas, nunca vi tantas putas juntas. Elas também têm direito! Vá dormir Jeré, você parece preocupado. Amanhã, não esqueça, me acorde.” Sorriu debochada.

 

Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 06 de abril de 2018

ENQUANTO VOCÊ DORMIA

 

– Doutora, na verdade estou cansada do Renato, me abusei da vida casada. Casei-me cedo aos 21 anos, hoje com 28 ainda me sinto jovem, meu marido passa a noite em casa assistindo novela e jogo de futebol. Sem filhos, minha vida é um tédio, acabou a alegria do casamento. Quando fazemos amor é burocrático, obrigatório. Confesso, já tive vontade e oportunidade de traí-lo, entretanto, não faz minha cabeça, tenho forte sentimento de respeito, quero apenas meu marido como era antes. Oriente-me, por favor!

A doutora Fernanda da Silveira olhou para Maria Alice, pigarreou discretamente, com fala bem compassada deu sua opinião.

– Minha querida, você está passando pela crise dos sete anos, todo casal tem esse problema. Está na hora de temperar esse casamento, a cama é ótima para reorganizar uma vida a dois. Faça uma surpresa, no fim de semana você convida o marido para assistir a um bom filme, alugue um com cenas quentes de sexo. Compre três garrafas de bom vinho, vista um lingerie sensual, e vamos ver no que dá.

Um mês depois Alicinha retornou radiante, satisfeita da vida.

– Doutora foi um santo remédio, não havia acabado a segunda garrafa de vinho, nem terminado o filme, nós já estávamos abraçados no tapete, tudo como antigamente. Renato adorou, no sábado ele saiu para escolher o filme, a senhora salvou meu casamento. Ele está interessadíssimo, comprou até o Kama Sutra para praticarmos posições durante as sessões de cinema.

Passaram-se alguns meses, Maria Alice retornou à psiquiatra. Entrou nervosa.

– Doutora, desde aquela época nós estamos praticando experiências novas na cama, coisas que jamais pensei fazer, eu adorando. Acontece que Renato me perguntou se eu já tinha ouvido falar em swing, eu pensava ser um ritmo de música. Ele sorriu e explicou: “Existe aqui no Rio de Janeiro o Clube de Swing, entretanto, não é para dançar, esse swing é a troca de casais. Os casais se encontram conversam, bebem, quebram o gelo, depois cada qual arrasta a mulher do outro para o motel. Quando termina é como nada tivesse acontecido.” Continuou: “Nós dois já fizemos todas as experiências que imaginávamos. Será que você toparia fazer essa novidade?” Eu fiquei chocada, sem saber responder. Não é um procedimento correto, ético, mesmo que o casal esteja em crise conjugal. Comecei a achá-lo um grande salafrário, me trocar, saber que eu vou com outro homem que mal conheço. Isso é degradante. Que decepção. Estava tão bom o Kama-Sutra, me ajude doutora.

– Querida Alicinha, para algumas pessoas a traição é relativa, é o caso de seu marido aceitar a troca de casais, já para você é inconcebível pela sua formação moral, intelectual e ética. Embora eu seja sulista, conheço bem os padrões rígidos da educação nordestina, porém, a decisão é sua. Nada posso aconselhar. Faça o que seu coração mandar.

Na sexta-feira à noite Renato voltou a insistir no swing. Era a evolução dos costumes, dos casais modernos. Alice constrangida, com o coração apertado aceitou a proposta, só para satisfazê-lo. Foram ao Clube do Swing, tomaram uma mesa, pediram uísque, Alicinha nervosa e chateada. Logo apareceu um casal pedindo para sentar. Muita conversa, Renato estava radiante quando viu a bela mulher da troca. O marido também era um cara bonito. Beberam muito, conversaram, sorriram, até que chegou a hora da troca. Alice com o coração aos pulos. Ao entrar no quarto do motel ela caiu no choro, pediu desculpas ao parceiro, não quis de jeito nenhum. O parceiro educadamente mandou-a continuar chorando, compreendia, era a primeira vez. Ele foi elegante não se sentiu ludibriado. Levou Alice para seu apartamento em Copacabana.

Ela agradeceu ao cavalheiro. Em casa ficou contemplando o mar, pensando. Três horas depois chegou Renato satisfeito da vida, perguntando. Que tal? Gostou? Alice teve nojo do marido, vontade de jogar-lhe um vaso na cara. Cansado ele vestiu o pijama e deitou-se. Enquanto o marido dormia, ela arrumou três malas, tomou um taxi para o aeroporto. Pegou um avião, retornou para sua querida cidade.

Ficou um tempo no apartamento dos pais que lhe deram todo apoio. Alicinha está solteira e feliz, é vista nos bares bem frequentados pelas mulheres mais descoladas da cidade. Vez em quando, em seu pequeno apartamento, ela oferece um bom vinho a algum parceiro, assistindo a um bom filme. Outro dia Renato telefonou, ela foi taxativa, jamais voltará. Ele quis saber em que momento ela decidiu a separação e viajar de repente. Alice respondeu simplesmente. “Enquanto você dormia.”


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita terça, 27 de março de 2018

A RAINHA DJANIRA

Djanira era uma moça bonita, 18 anos, por onde passava chamava a atenção dos homens, estudava num colégio do Estado e morava perto da Praça Rayol. Seu primo Luiz, todo domingo, pegava o bonde no Centro para visitar os tios, desfrutar da bela praia da Avenida da Paz, comer a feijoada domingueira e conversar com sua paixão, a prima Djanira. Sua timidez nunca o deixou declarar aquele amor, porém todos sabiam daquela paixão escancarada. Ao chegar à casa dos tios cumprimentava-os formalmente, entregava um mimo, chocolate, bonequinha, à Djanira que displicentemente colocava o agrado em seu quarto, muitas vezes no lixo, sem que ele visse. Djanira nunca acompanhava o primo à praia, preferia seu grupo de amigos entre os quais havia Bernardo, tenente da Aeronáutica que servia na Base Aérea do Recife, mas passava fins de semana e férias de verão em sua amada cidade, Maceió.

Certa noite Bernardo e Djanira iniciaram um namoro. Os dois se apaixonaram. No cinema, na praia, nos clubes, era um agarrado escandaloso para época. Bernardo tinha uma moto, a namorada amava abraçá-lo na garupa e disparar em velocidade. Djanira ficou mal falada, ainda não havia acontecido a revolução sexual no mundo, as moças tinham de guardar a virgindade para o casamento. Numa bela tarde, Bernardo levou a namorada para as bandas da Jatiúca, praia deserta, foram tantos os abraços e beijos, que naquela tarde acabou-se a virgindade de Djanira. Terminada as férias Bernardo viajou transferido para a Base Aérea de Manaus. A troca de cartas quase diária foi esfriando, até que depois de seis a sete meses, Djanira recebeu uma carta em que Bernardo a liberava do namoro, não queria mentir, ele estava com uma namorada em Manaus. Djanira chorou muito para esquecer Bernardo.

Quando Luiz soube do término do namoro, tomou coragem, depois de algumas talagadas de cachaça na casa do tio declarou-se à prima prometendo ser um marido exemplar, tinha sido efetivado na Assembleia Legislativa e um futuro promissor como assessor do deputado. Djanira pediu que ele parasse, gostava muito do primo, porém, jamais daria certo. Ele se resignou.

O tempo passou até que um dia Djanira veio com a novidade estava namorando um fazendeiro de Anadia. Paulo trabalhava com o pai na fazenda, gostava da boemia de Maceió, chegado às mulheres, apaixonou-se pela beleza e sensualidade de Djanira. Ele bem que tentou avançar com as mãos no corpo da namorada, mas ela falava a seu ouvido, “só depois de casar”. Os pais da moça não gostavam do namorado da filha, quase sempre embriagado. Com seis meses de namoro eles noivaram. Djanira não morria de amores, mas queria casar. O grande problema da virgindade perdida, ela resolveu perto do casamento em uma viagem ao Recife com um cirurgião plástico. O médico deixou alguns pontos, quando houve a penetração sangrou o lençol branco e limpo do Hotel Califórnia. Foram morar numa pequena casa no bairro do Farol, Djanira não gostou da vida de casada. Quase toda noite Paulão chegava embriagado. Certa noite durante uma discussão, o marido deu-lhe um murro; as surras ficaram frequentes. Djanira calava-se, estava infeliz.

Perto do natal ela teve uma surpresa, avistou Bernardo descendo á praia, foi um abraço forte. A partir daquele encontro, toda tarde, de moto e capacete, dirigiam-se a um motel. Tardes inesquecíveis de amor.

Acontece que Luiz, o primo apaixonado, descobriu a traição de Djanira, enviou uma carta anônima batida à máquina. Ao ler a carta Paulão ficou louco queria matá-la, porém teve que se controlar, preferiu pegar a mulher em flagrante. Fim de tarde quando a moto saía do motel, Paulão avançou com um revólver na mão. Bernardo parou a moto, assustado, Djanira desceu. Bernardo aproveitou o momento disparou com a moto. Paulão mandou Djanira entrar no carro. Durante o percurso ele olhava a esposa chorando e cuspia em sua cara. Em casa só repetia uma palavra, puta, puta. Deu-lhe fortes tapas, amarrou-a com uma corda, retornaram ao carro. Djanira chorando só pensava na morte. Ao chegar no bairro boêmio de Jaraguá, Paulão parou o carro embaixo de uma boate, chamou Ana, a proprietária, sua conhecida, entregou-lhe a mulher amarrada.

– Trouxe mais uma para seu puteiro. Ligou o carro partiu em disparada para sua fazenda.

Foi assim que Djanira tornou-se a prostituta mais bonita, mas procurada na Zona de Jaraguá. Anos depois ela abriu uma casa de mulheres em Boa Viagem, a mais famosa do Recife. Os fregueses chamavam a cafetina de Rainha Djanira.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita segunda, 19 de março de 2018

A COOPERATIVA

A moto corria solta pelo asfalto, ziguezagueava procurando brechas entre carros, ônibus, caminhões, no caótico trânsito do meio dia. Micheline dirigia a moto veloz como uma malabarista, imprudente como ela só. De repente fechou o sinal, ela, desajuizada, não freou, tentou atravessar a avenida, quase ao chegar do outro lado foi atropelada por um carro, a moto rodopiou, Micheline foi jogada longe no jardim da praça. Acordou-se no Pronto Socorro com pernas e braços cheios de hematomas, nada grave, seu capacete salvou-lhe a vida segundo testemunhas. Foi constatado não ter osso quebrado, assim que fizeram os curativos, o médico deu-lhe alta, o hospital estava superlotado, recomendou repouso absoluto. Ao chegar em casa sua mãe assustou-se e deu o sermão esperado. “Eu não lhe disse, moto é um perigo, e agora como vai trabalhar? Menina desmiolada. Se aquiete, arranje um emprego num escritório, esse negócio de moto taxista é para homem e jovem.”

 

Na verdade Micheline não tem emprego fixo, nem seguro de saúde, ela é autônoma moto taxista prestando serviços a uma espécie de cooperativa. Para que Micheline possa trabalhar com mais calma, eficiência e dedicação seis privilegiados amigos organizaram uma sociedade, uma cooperativa. Micheline presta serviços especiais aos seis cooperativados. É o serviço mais antigo da humanidade, até santa existiu nesse ramo, Santa Maria Madalena, prima de Jesus. Por tudo isso Micheline sente-se segura, os excelentes patrões não lhe deixam ao Deus dará. Ela tem certeza que darão cobertura nesse acidente. Na manhã seguinte, ainda enfaixada, deu o primeiro telefonema, para o deputado explicando o acidente e a situação, estava em casa machucada, precisava de um adiantamento, ela pagaria com muito amor e carinho, ele sabia. O deputado não reclamou, ela merecia pela excelência dos serviços, ninguém é tão eficiente quanto Micheline, mas a repreendeu, precisava ser mais comportada nesse trânsito maluco, deixasse a loucura apenas para o trabalho, pediu o número da conta e mandou um assessor depositar R$ 500,00.

Micheline passou o resto do dia em contatos com os outros cooperativados, o coronel, o secretário de estado, o cientista político, o suplente de vereador e o professor universitário aposentado. Micheline presta alguns serviços por fora, sem conhecimento dos patrões, a um pastor e a uma linda advogada.

Seu verdadeiro nome é Maria das Dores, Micheline é nome de guerra depois que entrou no ramo. Quando o cientista político conheceu intimamente aquela morena alta, bonita, cabelos negros, sorriso escancarado e debochado, olhar de gata no cio, comentou para os amigos de roda de chope, havia dormido com a mulher do século e do sexo, a morena mais frajola e quente da redondeza. Nos braços de um homem era a própria Messalina, libidinosa e voluptuosa, fazia programa há pouco tempo, entretanto, ela é única, ama o pecado, peca só por prazer e vive para pecar, como diria o poeta. Diverte-se e gosta dos prazeres da carne. Entre quatro paredes tudo lhe é permitido. Os amigos ficaram fascinados com as descrições pormenorizadas do cientista político.

Nesse mesmo dia o coronel telefonou, foi devidamente atendido. Ao encontrar com os amigos confirmou a eficiência da deusa marrom. Em uma semana todos constaram a perfeição e dedicação de Das Dores. Alguém teve a ideia da exclusividade entre eles. Formaram uma espécie de cooperativa, pagamento na hora do serviço, outras despesas são devidamente repartidas entre os seis amigos. Deram-lhe uma moto e um celular para ser mais eficiente no atendimento, além de um banho de loja, é a moto taxista mais chique do Brasil. Seu nome de guerra, Micheline, é devido a uma preferência, diz ela que se fosse homem seria boiola.

Certa vez ela conheceu um francês elegantérrimo, homossexual assumido de nome Michel, em homenagem a esse homem, ela se apelidou de Micheline. A moto taxista ama duas coisas na vida, andar de moto e dar. Os cooperativados depositaram em sua conta um generoso montante, nossa amiga passou um mês se recuperando. Assim que pôde, procurou os amigos que a socorreram na precisão, pagou a dívida bem paga com calorosas tardes de amor a cada um dos beneficiários. Micheline retornou à moto e ao trabalho, não toma juízo, ama a velocidade, continua correndo nas brechas do trânsito caótico. Apareceram novos clientes, atende um ou outro quando está ociosa, porém, a prioridade quase exclusiva é da Cooperativa.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 10 de março de 2018

O LEILÃO

 

O fato se deu há alguns anos quando a humanidade era ingênua, quando não se ousava pensar em tenebrosas transações, ainda não despertara a revolução sexual e mudanças de costumes. O mundo era dos coronéis de engenho.

Naquela época vivia em Atalaia, aprazível cidade do interior de Alagoas, uma moça bonita de nome Josefa, os homens quando a viam sentiam o desejo pulsar nas veias, na mente e na alma. Bela cafuza, exótica e exuberante, cabelos negros escorridos, rosto redondo, olhos pequenos, lábios carnudos e encarnados, Josefa era conhecida como Índia, filha de cortador de cana, pobre e analfabeta, os homens andavam atrás das saias da alegre morena sensual. Porém ela mantinha-se virgem.

Certo dia o pai morreu, cachaça, sua mãe havia fugido com um motorista de caminhão, arribou estrada afora, tornou-se prostituta estradeira, foi o maior desgosto do marido, ele entregou-se à cachaça. Josefa ficou só no mundo. Aconselhada por amigas foi tentar sobreviver na capital. Arranjou trabalho de empregada doméstica numa boa casa, logo foi desejada pelo patrão, pelos dois filhos e pelo avô, o bom velhinho quando olhou a Índia pensou que ainda era moço. Assediada e aperreada Iracema pediu as contas à patroa. Ao sair do emprego ficou perambulando pela Avenida da Paz, teve sorte, conheceu Cícero, um generoso homossexual, levou-a para sua casa, pediu a mãe para dar guarida até ela arranjar emprego. Na casa de Cícero não se podia pagar empregada. Josefa fez alguns trabalhos em troca da comida e dormida. Difícil uma analfabeta achar emprego. Certa vez uma vizinha aconselhou: “Menina você é muito bonita, os homens lhe desejam, vá ganhar dinheiro no cabaré.” “Eu sou virgem”, respondeu Josefa. “Sua virgindade vale ouro, muito coronel pagaria um dinheirão para tirar-lhe o cabaço”, a vizinha continuou a conversa.

O Cão também conhecido como Demônio ou Belzebu ficou atentando o juízo de Josefa. Numa bela noite ela procurou a vizinha, pediu para levá-la à zona. Ao chegar à Boate São Jorge, bairro boêmio de Jaraguá, subiram a íngreme escada, Josefa empolgou-se com a beleza do salão. O dono do cabaré, conhecido como Mossoró, o rei da noite, examinou-a com um olhar, a amiga falou ao proxeneta: “Pai Velho, olhe o presente que trouxe para você, a bela Índia”. Aproximou-se, cochichou no ouvido do Negão: “É virgem”.

Mossoró, conhecedor profundo das almas das mulheres da vida, interessou-se por Josefa, o fato de ser virgem, deixou-lhe empolgado. Havia quem desse mais de Cr$ 3.000,00 pelo cabaço daquela jovem. Mandou-a esperar, Josefa estava deslumbrada com a música do conjunto, a alegria da casa, os pares dançando no salão. Mossoró levou-a ao escritório, um quarto especial. Puxou do bolso uma nota de Cr$ 10,00 para vizinha e despachou-a, ficou com a Índia, era todo sorriso, simpático, passava confiança às moças. Fez algumas perguntas à Josefa. De repente pediu-lhe para tirar a roupa. A moça desabotoou os laços nos ombros, o vestido de chita caiu no chão, desabrochou a beleza nua da jovem, o sangue esquentou as veias do Pai Velho, conteve-se. Se não fosse virgem ele seria o primeiro, contudo, aquele cabaço valia ouro. Disse para Josefa, “Você vai passar alguns dias apenas aparecendo no salão, tome dinheiro, compre três vestidos na moda, toda noite fique bem bonita se mostrando de mesa em mesa, não vá para o quarto com nenhum homem, diga que é virgem, eu vou arranjar alguém especial para lhe tirar a virgindade, depois você fica trabalhando na boate.”.

Toda noite Mossoró anunciava o leilão da Índia, dia 22 de março, com Show de Reinaldo, uma trupe divertida de travestis, e inauguração da luz negra no salão. Na noite marcada a Boate estava cheia; políticos, coronéis, usineiros, reservaram mesa. Foi uma das maiores festas na história do bairro boêmio de Jaraguá. O ganhador do leilão foi um rico fazendeiro, colecionador de cabaços, tinha um colar, cada conta, uma virgem. Pagou uma fortuna pela Índia. A festa tornou-se inesquecível, por muitos anos os marinhos, os boêmios, as mulheres, contavam a história do Leilão da Índia nos bares, nos cabarés do Cais do Porto de Jaraguá.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 24 de fevereiro de 2018

O CONVERTIDO

 

Desde ced,o Pedrinho foi chegado à mulher. Menino ainda, gostava de brincar de médico com as primas. Era o doutor. Certo dia, Tio Alberto pegou-o fazendo massagem na priminha, foi escândalo na família. Durante a adolescência, vivia à cata de empregadas domésticas. Elas gostavam de serem assediadas por aquele frangalho com lábia bonita e enganadora. Adulto, encontrou-se novamente com as primas, que eram muitas, nas festas, nos clubes, nas praias. Namorou todas as primas possíveis. Gostava de afirmar: “priminha não é irmãzinha”.

Quis o destino que casasse com uma prima, Maria de Lourdes, criada no sertão com leite de cabra, disposta e ciumenta. Ela adorava o bigodinho à lá Clark Gable de Pedrinho. Sempre teve adoração pelo marido com pinta de galã do cinema mudo.

Nosso herói casou-se com muito respeito e medo de Lourdinha. Ele fazia suas estripulias bem escondidas. Porém, a paixão e o ciúme da esposa impeliam uma marcação cerrada. Ela descobriu alguns indícios no bolso de paletó do marido, deu briga e discussão.

Pedro nunca foi de deixar as coisas acontecerem, sua imaginação funcionava, inventava viagens e reuniões para ter nos braços alguma mulher, geralmente de programa. Para ele, não interessava, fosse mulher, bastava.

No início do ano, num aniversário, Pedro conheceu uma morena, Rosa, mulher bonita e vistosa, quarentona, com todas as carnes no lugar. Era de Olinda, muito divertida. Rosa dava suas opiniões bem avançadas, achava o casamento enfadonho, já passara por dois. Afirmou que na vida, para valer, todos nós somos solteiros, ninguém é dono de ninguém. Deu vários discretos olhares para Pedrinho, ele estremeceu na cadeira ao perceber aquela mulher esplendorosa se escancarando para ele.

Na saída, Pedro conseguiu entregar um cartão de visita à Rosa, falando-lhe discretamente, “telefone-me”.

Em casa, antes de dormir, Lourdinha comentou que Rosa tinha cara de piranha, estava se oferecendo aos homens da festa. Ainda bem que não havia dado em cima de seu querido marido.

Na segunda-feira, Pedrinho trabalhava no escritório quando recebeu um telefonema de Rosa. Ele quase explode de alegria. Conversaram algum tempo e marcaram para 3 da tarde, defronte ao Memorial Teotônio Vilela na praia de Pajuçara.

Ele não atrasou um segundo, a 100 metros percebeu a morena de vestido vermelho rodado. Parou o carro, ela entrou e sentou-se cruzando as pernas. Seguiram direto para o motel. Pedro não se apaixona pelas mulheres, gosta simplesmente de ter o prazer em estar com elas, de flertar, de transar. Acha mulher a criatura mais sublime do planeta. E uma aventura com uma morena daquela categoria era a Glória.

Rosa era extremamente divertida, ainda passou alguns dias na cidade, quando podia, saía com Pedro. Convidou-o a passar o carnaval no Recife, aliás, em Olinda ,onde ela morava. Ele iria conhecer o melhor carnaval do mundo. Deu-lhe o telefone de sua casa.

Pedro ficou matutando, fugir para Olinda era muito difícil. Faltavam 20 dias para o carnaval quando ele leu num jornal uma propaganda de um retiro espiritual religioso no Litoral Sul de Pernambuco durante o carnaval.

Pedrinho imediatamente começou a ir às missas, e disse à esposa que um impulso inexplicável chamara-o para religião. Lourdinha, crente e temente a Deus, deu incentivo para a conversão religiosa do marido. Ao voltar do trabalho Pedrinho abria a Bíblia e orava.

Certo momento, ele veio com a novidade, estava com vontade de fazer um retiro espiritual, só para homens em Pernambuco, durante os quatro dias de carnaval, coisa fechada, não poderia sequer usar celular. Lourdinha espantou-se com a transformação do marido. Concordou; ela aproveitaria para visitar a família na fazenda perto de Cacimbinhas durante o carnaval. Os dois filhos, já homens, se viravam.

Pedro inscreveu-se para o retiro via Email, incluía a hospedagem num ótimo hotel.

No sábado de Zé Pereira, depois que Lourdinha partiu no carro da irmã para Cacimbinhas, Pedrinho viajou para o retiro. Conheceu companheiros, orou, saiu a caminhar com a turma. Ao cair da tarde pegou o carro e tomou a estrada rumo a Olinda. Chegou a tempo. Conforme combinado, Rosa lhe entregou uma fantasia de mascarado, saíram para a rua. O casal pulou a noite toda subindo e descendo as ladeiras de Olinda. Hospedado numa pousada discreta, passou o maior carnaval de sua vida nos braços da morena, fazendo o passo nos acordes do Vassourinhas, cantando a Evocação e o Frevo da Saudade.

Na terça-feira, depois do almoço, dirigiu-se ao retiro, sua falta foi notada por poucos, no encerramento do encontro recebeu a certidão de frequência para mostrar a Deus. Ao chegar a Maceió, sozinho, recordava o melhor carnaval de sua vida, com Rosa. Lourdinha só chegou na quinta-feira. Pedrinho vai continuar frequentando a Igreja por um tempo. O Carnaval de Olinda vale uma missa.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 16 de fevereiro de 2018

O CARNAVAL DE ROSANA

 

Depois de 23 anos Rosana retornou de vez, de mala e cuia, à Maceió, sua terra querida onde passou uma inesquecível infância e juventude, até que Hans, um turista alemão apaixonou-se, casou-se e foram morar em Berlim. De tempo em tempo ela retornava para rever os pais. Dessa vez, largada do marido, deixou o filho trabalhando na Alemanha e veio de vez para sua cidade que ama tanto. Em véspera de carnaval estranhou a falta de movimento, de enfeites nas ruas, nem parecia época de folia, como acontecia nos velhos tempos. Estava em seu belo apartamento, deixado pelos pais, na orla da Pajuçara conversando com Mary, amiga inseparável de juventude, agora as duas quarentonas e divorciadas.

– Pelo que estou sentindo nenhuma perspectiva de folia na cidade, os amigos que converso só falam em viajar, acho que vamos ficar sozinhas nessa cidade. Reclamava Rosana à Mary.

– De um tempo para cá acabaram o carnaval, têm apenas as prévias no sábado anterior ao carnaval. Disse a conformada Mary.

– Mas prévias de quê, Neguinha? Prévia é uma amostra do que vai acontecer. Prévias são as preliminares, o preâmbulo da ocorrência. Se, acabou o carnaval, são prévias de quê? Raciocinou Rosana indignada. Continuou.

– Eu não me conformo com certas coisas de Maceió, o governo acaba com o acontecimento cultural mais importante do país, o povo aceita que nem vaquinha de presépio. Não acredito que tenham acabado o carnaval, a mais legítima e espontânea manifestação cultural do brasileiro. E o povo de Maceió aceitando como fato consumado, não me conformo. E eu pensando em me divertir no carnaval. Recuso-me a sair de Maceió. Amanhã vou botar uma fantasia e sair me rebolando pela orla.

– Esse ano a Prefeitura fez uma programação. Sei que vai haver alguma movimentação na Orla da Ponta Verde.

Rosana, economista, estava pasma, pensava, o carnaval é a síntese da Economia Criativa, lida com diversidades importantes da economia: cultura, emprego, renda e tecnologia. Beneficia grande parte da população, ambulantes, taxistas, restaurantes, hotéis, pousadas, costureiras, fabriquetas de camisas, músicos e a cultura de um modo geral. Carnaval é grande negócio.

No sábado pela manhã ao abrir a Gazeta de Alagoas estava em manchete de primeira página: “Evasão de foliões causa prejuízo de R$ 200 milhões a Alagoas”. Deu uma dor no coração de Rosana ao ler os pormenores da reportagem, quanto perdia Maceió por não ter carnaval. Quando Mary veio com outra explicação surreal.

– O Governo acabou o carnaval para não perturbar o sossego dos turistas. Os turistas vêm para Maceió porque não tem carnaval.

O sangue subiu à cabeça de Rosana, desabafou inconformada.

– Os turistas vêm para Maceió porque é uma cidade bonita demais, tenha ou não carnaval, essa foi a explicação mais esdrúxula que ouvi. Como é que se acaba a tradição e a cultura de um povo em nome do sossego do turista?

Sábado á noite Rosana fantasiou-se foi à orla, assistiu ao desfile das Escolas de Samba, dançou e cantou na arquibancada. No domingo pela tarde teve a grata surpresa de cair na folia no Bloco da Nêga Fulô com uma orquestra de frevo maravilhosa arrastando uma multidão no asfalto da orla da Ponta Verde, o colorido das fantasias entusiasmava o povo dançando e cantando marchinhas de antigos carnavais. De repente Rosana avistou Tonico, um ex-namorado, não o via há anos. Abraçaram-se ao som do frevo Vassourinhas, dançaram no asfalto, cantando e sorrindo, olhando um ao outro. O Bloco cada vez mais robustecia com a multidão, arrastando os foliões alegres.

Os ex-namorados, de mãos dadas, cantavam, se olhando: “Eu sou aquele pierrô que lhe abraçou, que lhe beijou meu amor, a mesma máscara negra que envolve seu rosto, eu quero matar a saudade, vou beijar agora, não me leve a mal hoje é carnaval.” Deram um leve beijo, o Bloco da Nêga Fulô se dispersou na Praça Gogó da Ema. Durante o resto do carnaval os ex-namorados se acertaram no asfalto, nos bares, nos quartos. Rosana chegou à quarta-feira de cinza cansada, deitada no sofá de seu apartamento, pensando e prometendo batalhar para que em 2019 haja um carnaval verdadeiro nessa bela cidade de Maceió.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 10 de fevereiro de 2018

TEM CARNAVAL 2018 EM MACEIÓ

 

Estávamos perdendo nossas tradições carnavalescas devido a vários fatores. O Poder Público simplesmente acabou o carnaval na cidade de um modo inconsequente e o povo aceitou como se fosse um fato consumado. Há algum tempo um grupo de amigos se juntou para pensar no carnaval, nada de concreto se realizou. Há três anos fundamos o Bloco da Nêga Fulô que desfila todo domingo de carnaval saindo dos 7 Coqueiros às 15 horas, mostrando que o povo de Maceió ama o carnaval. O Bloco é um sucesso, aberto ao público.

Nos anos 70/80 o carnaval de Maceió começava 15 dias antes com a Maratona Carnavalesca na Rua do Comércio, uma orquestra de frevo em cada esquina e o corso rolando. No domingo antes do carnaval na Avenida da Paz, o povo se esbaldava com o Banho de Mar à Fantasia. Os blocos levantavam multidão.

 

 

Nos Clubes em um dos primeiros sábados de Janeiro acontecia o Baile de Máscaras com concurso de fantasia individual e de grupo. Depois eram os bailes pré-carnavalescos “Preto e Branco”, Baile do Hawai”, “Baile Tricolor” até chegar o carnaval.

Durante o carnaval muitos bailes, os melhores eram as animadíssimas matinais da Fênix iniciando às 11 horas da manhã até ás 17 horas. Só dava tempo de os empregados limparem o salão para os bailes noturnos. Sempre com boas orquestras, os bailes noturnos só acabavam quando o dia raiava e a banda tocando frevo na praia seguido de um convidativo banho de mar.

Nunca me conformei em ter acabado o carnaval de rua numa cidade tão linda como a nossa. Além do mais, Carnaval é um grande negócio, é a chamada economia criativa onde ganha todo mundo, o ambulante, o músico, os hotéis, as costureiras, as fábricas de camisa, taxista e outros pequenos comerciantes. Maceió está perdendo dinheiro e muito dinheiro em não ter carnaval. Durante o carnaval viajam 200 mil maceioenses em busca de folia, se cada um gastar R$ 300,00, são R$ 60 milhões que deixam de circular em Maceió no carnaval.

Eu vejo com muita alegria o esforço da Prefeitura Municipal para realizar um carnaval nesse 2018. Parece que finalmente depois da luta da sociedade organizada pedindo a volta do carnaval as coisas mudaram e teremos um bom carnaval.

Arquibancadas serão armadas na Ponta Verde para o povo assistir aos desfiles de Escolas de Sambas e Blocos pela tarde e pela noite. Além disso, alguns blocos vão desfilar nos seus bairros. Em 2018 os maceioenses não precisarão viajar, é só escolher um bloco e cair na folia, todos eles serão abertos ao público. E viva o Carnaval. Abaixo uma programação resumida do Corredor da Alegria entre os Sete Coqueiros e o Alagoinha, esse espaço será fechado de sábado a terça-feira, onde os blocos e escolas vão desfilar com suas fantasias e muita animação. Todo cidadão tem direito à alegria fugaz que se chama carnaval.

Sábado 10 de Fevereiro
15:00 h – BANDA DA TAMBORES D’ZAIA –Saindo dos 7 Coqueiros
20:00 h – DESFILE DAS ESCOLAS DE SAMBA

Domingo 11 de Fevereiro
14:00 – Concentração animada pelo SAMBA KUATRO para os BLOCOS: DA NÊGA FULÔ E MAMÃE EU QUERO. – Local: 7 Coqueiros
16:00 – Início do desfile dos BLOCOS: DA NÊGA FULÔ e MAMÃE EU QUERO, animado pela Orquestra de Frevo W&K
20:00 – Desfile do BLOCO DOS BONECOS saindo dos 7 Coqueiros

Segunda-feira dia 12 de Fevereiro
14:00 – Concentração animada pelo SAMBA KUATRO para os BLOCO DO SIRI MOLE – Local: 7 Coqueiros
16:00 – Início do desfile dos BLOCO DO SIRI MOLE, animado pela Orquestra ESTAÇÃO DO FREVO.
20:00 – Desfile de Bois

Terça-Feira 13 de Fevereiro
15:00 – Desfile do BLOCO DOS BONECOS saindo do campo do CRB, desfilando pela Pajuçara até a Ponta Verde.
20:00 – Apresentação de Blocos Afros.

* * *

 

 

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 03 de fevereiro de 2018

A BELA DA TARDE

 

Nicanor, senhor de seus negócios, trabalhou muito, hoje tem uma vida folgada fruto de sua capacidade comercial. Depois de passar mais de 20 anos em Vitória do Espirito Santo, retornou de vez para Maceió, comprou um belo apartamento na praia da Ponta Verde. Faz questão em ter tudo do melhor. Dá o conforto merecido à família que preza, ama e conserva. É um ótimo dono de casa, um excelente pai, vive para família. Porém, tem um vício, um defeito em sua vida exemplar, gosta de pular a cerca, sair com uma garota de programa. Em uma ou duas tardes durante a semana escolhe uma garota nos jornais ou nos mais sofisticado sites apropriados com fotografias, preços e telefones. Na cabeça de Nicanor sair com uma profissional não é pecado, não é traição. Gosta de se gabar perante os amigos que nunca teve uma namorada, que nunca teve uma amante, que nunca traiu sua querida esposa, Dalva.

Não importa com esse gasto, é seu único vício, sua única compulsão. Tem convicção que esse tipo de deslize não incomoda nem prejudica ninguém. Aos mais íntimos conta que ele paga não o serviço prestado pela moça, ele paga o sossego e a falta de compromisso depois do ato.

 

Há alguns meses seu filho Ricardo viajou à Itália para participar de um curso de 90 dias, a nora o acompanhou, teve de deixar os dois filhos na casa de Nicanor, ele recebeu com boa vontade, adora os netos. Para ajudar na tarefa de cuidar das crianças, Dona Dalva contratou babá numa agência pelos 90 dias.

Dia seguinte ao voo do filho, logo pela manhã Nicanor atendeu quando tocou a campainha. Apareceu uma bela jovem, pele alva, cabelos castanhos estirados, nariz afilado, boca avermelhada, sorriso atraente. Estava vestida numa calça colorida, bem à vontade em seu corpo.

Nicanor encantou-se à primeira visão, chamou a esposa. Conseguiu disfarçar a emoção. Dalva acertou com Cinara, três meses com os meninos, enquanto Ricardo fazia o curso na Europa.

Nunca um avô foi tão atencioso com os netos. Vivia a brincar com os meninos, todos os dias passeava de carro com a ajuda valorosa da babá. Dalva admirava-se por ele estar um avô coruja e dedicado

Nicanor estava era encantado pela babá, apesar da diferença de idade, sentiu que Cinara correspondia em algumas tiradas. Na praça brincando com os netos, em vez em quando um encosto, um acocho, uma mão boba, a babá sorria desavergonhadamente.

Num fim-de-semana Dalva teve que ir ao Recife ver sua irmã doente. Nicanor ficou dando assistência aos netos, ajudado pela maravilhosa babá.

Na primeira noite as crianças brincaram muito na sala com o avô até adormecerem, Cinara deitou as crianças no quarto e voltou à sala, ficou assistindo novela na televisão. Vestia um frouxo short, blusa fina, semitransparente realçando as empinadas curvas.

Ao deparar com aquela cena, a lascívia, a libido tomou conta de Nicanor, o sangue ferveu nas veias. Não houve preliminares, foi se chegando por trás de Cinara, levantou o cabelo, deu um beijo molhado no cangote. Daí por diante, o que aconteceu na sala é segredo entre os dois.

Na hora do relaxe, deitados, contemplaram o mar prateado por uma enorme Lua saindo do infinito naquela inesquecível noite de verão.

Dalva retornou do Recife de carona no carro de um sobrinho na terça-feira. Eram dez horas da noite quando abriu a porta do apartamento. Nesse momento Nicanor estava em assistindo a um filme na televisão e a Cinara dormia em seu quarto, depois de passarem o dia se ocupando nos cantos das salas e cozinha.

Passaram-se alguns dias, Dalva foi notando a intimidade da babá com o vovô, Ficou desconfiada. Certa noite a esposa em conversa de cama disse que estava achando a babá muito saliente. Mulher tem um sexto sentido extraordinário. Dia seguinte conversou com Cinara, inventou um motivo qualquer e pediu outra babá na agência. Dessa vez veio uma matrona de 63 anos substituindo a jovem

Essa foi a história contada por Nicanor enquanto tomávamos uma gostosa cerveja na Barraca Pedra Virada na orla da Ponta Verde. Eram quatro horas da tarde quando Nicanor levantou-se, tinha um compromisso, na saída ele arrematou:

– Pois é irmãozinho. Veja você a coitada da Cinara ficou desempregada, com o telefone da Dalva, a agência dispensou uma babá maravilhosa.

Eu empolgado com a história e interessado no destino da maravilhosa babá, perguntei por onde ela andava. Ele não se fez de rogado.

– Ela mora em um apartamento no Conjunto Castello Branco, visito-a duas ou três tardes na semana, pago o aluguel e ajudo a sobrevivência. Fico feliz desde cedo quando sei que mais logo mais estarei nos braços da Bela da Tarde.

Nicanor colocou a mão esquerda no bolso e caminhou assoviando rumo a seu carro. Satisfeito e ansioso como uma criança em busca do colo de uma babá.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 27 de janeiro de 2018

AMOR NO TEMPO DE ESPERA

 

Leopoldo encontrou Silvinha no Aeroporto do Galeão, cumprimentou-a com alegria. Sentiu uma pontada no coração ao ver sua ex-namorada de juventude, bonita e conservada. Os dois viajavam para Maceió.

Ao entrar no avião ela tomou uma poltrona na frente, no meio, enquanto Léo ficou na traseira. Ao decolar, Leopoldo notou, a poltrona ao lado de Silvinha estava vaga.

Certo momento ele se achegou com um livro na mão.

 

– Ôi! Posso sentar-me?

– Quanta honra para mim – Disse a amiga sorrindo.

– Menina, você está linda. Difícil uma mulher ficar assim em sua idade.

– Querido Léo, sempre gentil. Conservar o corpo e a cabeça é uma obrigação de nossa geração. Exige sacrifício, dieta, caminhada, yoga. A plástica ajuda. Você também parece estar em forma para um boêmio que sempre foi e é ainda. Acompanho sua vida ao longe.

– Estou no terceiro casamento, sempre procurando pelo amor, sou um romântico. E você continua casada com aquele médico carioca? Tem netos? Eu tenho dois.

– Tenho três netos. O médico carioca me deixou por uma jovem. Que livro é esse?

– “O Amor no Tempo do Cólera”. Já leu?

– Ótimo livro! Achei lindo o cara esperar 50 anos por seu amor, até que um dia conseguiu. Diferente de você, meu amigo, Teve muitos amores na vida. Ainda continua mulherengo?

– Silvinha, na verdade, nunca lhe esqueci. Nós namoramos dois anos, lembra? Éramos apaixonados. Um namoro bonito, eu não conseguia olhar para outra moça, só havia você. O tempo e a distância foram cruéis, nos afastaram. Eu parti para estudar agronomia em Minas. No primeiro ano nós suportamos a distância com belas cartas e as gostosas férias. Depois seu pai foi trabalhar no Amazonas. Aí danou-se, a distância fez você me esquecer e namorar o carioca.

– De fato. Eu chorava como uma adolescente apaixonada, não queria ir para Manaus, mas fui obrigada. Era uma menina de 17 anos, naquela época não tinha força. Jurei nunca mais me apaixonar para não sofrer. Só pensava em você, coisa de adolescente.

– Passei umas férias frustradas em Maceió. No carnaval caia na folia para lhe esquecer. Talvez minha fama de mulherengo, namorador tenha sido a frustração de ter lhe perdido. Quando você foi para o Amazonas a tristeza bateu em minha porta. Quer saber? No fundo ainda resta alguma coisa daquele amor juvenil num cantinho do peito.

– Ai que lindo! Assim não vale. Não mexa com meus sentimentos. Hoje você está com o cão atazanando. Fique quieto menino. Você é um homem casado.

– Menina, sempre fui louco e tarado por você. Vou lhe confessar: Quando você tinha 14 anos já era moça feita e ia lá para casa brincar com minhas irmãs, ainda não namorávamos. Eu inventava de brincar de professor, deixava cair o lápis e ficava olhando por baixo da mesa suas maravilhosas pernas, você sempre de calcinha branca.

– Meu Deus!!! Lembro que começamos a namorar nos meus 15 anos. Naquele tempo namorado não transava, mas você era adiantado nos agarrados e quando entrávamos no mar da praia da Avenida eu ficava louca. Nosso namoro era considerado escandaloso para época. Menino sem juízo!

– Você era minha paixão. Quantas vezes eu me possui em sua intenção!

– Eu também, em muitas noites insones pensava em seus carinhos.

– Quando você voltou do Amazonas noiva de um médico do Rio de janeiro, deu-me uma tremenda dor de corno, com todo o ciúme do mundo. Nesse dia fui à zona de Jaraguá e tomei o maior porre.

– Engraçado, no dia de meu casamento eu estava feliz, confesso, mas fiquei lhe procurando entre os convidados, você não foi. E todas as viagens que fiz a Maceió eu tinha vontade de lhe ver. Pouco nos vimos. Passei minha vida no Rio, gosto de lá, meus filhos também. Criei raízes. Embora eu tenha me machucado com o ex-marido, continuo naquela vida. Venho a Maceió para passear e rever amigos.

– Que tal me rever?

– Ei! Estamos chegando, olhe que mar lindo de minha terra!

– Não fuja da conversa. Quero lhe ver amanhã. Vamos almoçar juntos?

– Almoçar? Toda Maceió vai saber! Você está louco?

– Num local discreto. Conheço uma suíte linda em Jacarecica.

– Você sempre objetivo. Menino impossível. Que tal me pegar às três da tarde defronte o coreto da Avenida. Está bom?

– Está ótimo!

O avião aterrissou, Leopoldo segurou a mão de Silvinha e cochichou em seu ouvido.

– Vá de calcinha branca, por favor. São mais de 40 anos de espera!


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 21 de janeiro de 2018

A SOBERBA

 

Quando Gerônimo acertou o pagamento da pousada no Recife, Seu Manoel, o proprietário, pediu-lhe um favor: Levar de carona até Maceió, Lilian, sua sobrinha adolescente. Gentil, ele disse ser um prazer, embora gostasse mais de dirigir solitário nas estradas, quando refletia, pensava na vida.

Partiram pelas três e meia da tarde. A jovem acomodou-se a seu lado no banco da frente, não o cumprimentou. Tinha um “walkman” grudado ao corpo e os fones no ouvido. Constantemente ouvindo música durante a viagem numa pose de quem estava fazendo um favor em ter sua companhia.

 

Gerônimo sentiu um desconforto com o comportamento pedante e mal-agradecido da jovem. Lilian era graciosa como qualquer moça de 17 anos. Corpo bem formado, tórax estreito, cintura fina e quadris largos. Sua pele rosada contrastava sob a blusa de malha branca, desenhada com motivos modernos, cobrindo seios abundantes. Uma bermuda jeans apertada, destacava as pernas grossas. O conjunto era completado por um rosto suave, cabelos castanhos, uma bela jovem, pena ser tão soberba, pensou Gerônimo, enquanto analisava a sua companhia acidental.

A viagem rumo à Maceió transcorreu monótona, sem diálogo, a menina só ouvia música e gesticulava como se estivesse dançando. Esgotado o repertório do “walkman”, Lilian retirou os fones do ouvido e sem pedir licença, ligou o rádio do carro, procurou um som jovem, ficou a ouvir calada. Gerônimo ainda tentou conversar alguma coisa, desistiu diante do mutismo da moça.

Com duas horas de viagem bateu uma chuva grossa persistente, há mais de uma semana chovia na região. Gerônimo parou num posto de combustível para abastecer e lanchar. Depois do lanche, pela primeira vez Lilian falou.

– “Deixe, minha conta eu pago. Faço questão de não lhe dar despesas.”

Gerônimo até se assustou, ele já havia pagado, respondeu brincando.

– “Na próxima você paga”.

Depois de dirigir mais 15 minutos ainda sob um intenso temporal, encontrou uma fila de carros parados. Gerônimo perguntou a um guarda rodoviário o que havia acontecido, ele respondeu que o aterro da cabeça de uma pequena ponte estava com problemas devido à enxurrada, o D.E.R. proibiu a passagem pela ponte. Estava perigoso enfrentar um desvio até Maceió àquela hora, escurecia. Aconselhou a dormir em Palmares e continuar a viagem no outro dia pela manhã, quando a ponte estivesse liberada.

Gerônimo perguntou a opinião de Lilian. Ela fez um gesto com os ombros e os lábios, como se dissesse tanto faz. Ele precavido voltou até o posto. Recomendaram um hotel na cidade.

Acertou na portaria, pediu dois quartos. A chuva não parava, marcou com Lilian para jantar no próprio hotel às 19: 30h.

Quando Gerônimo desceu na hora combinada, Lilian já havia jantado, subia as escadas para seu quarto, sem sequer dar um boa-noite. Ele não entendia aquela grossura. Jantou, recolheu-se cedo. Assistiu ao Jornal Nacional, leu um pouco. Deitou-se com seu pijaminha bermuda esperando o sono. Relâmpagos cortavam o ar e trovões ribombavam incessantemente, custou a dormir.

Ainda não era meia-noite quando foi despertado por fortes batidas na porta de seu quarto, a voz aflita de Lilian pedia, desesperada: “Por favor, abra aqui. Abra a porta!” Gerônimo deixou a cama num salto. Abriu a porta, Lilian entrou como um bólido, enrolada no cobertor, deitando-se de pronto na cama, confessava com voz trêmula morrer de medo de trovão. Gerônimo surpreso e fascinado pelo encanto da moça, agora humilde pelo pavor, sentou-se à cabeceira, buscou confortá-la, alisou a cabeça, mandou que ela dormisse à vontade; ele ficava no sofá. Foi surpresa e emoção para o sessentão, quando ela puxou-o pelo braço pedindo: “Vem para perto de mim cara!”

Ela levantou o lençol por um momento, estava nua. Ao mesmo tempo em que abraçou-o, ela tremia, Lilian levantou o rosto beijando voluptuosamente seu “motorista” na boca.

A noite longa transcorreu com muita chuva, muitos trovões e muitos ais. A louca ninfeta sabia tudo do amor, perfeita nos carinhos e na hora certa, nada foi aprendido, nasceu assim, era Deusa.

Dia seguinte, quando Gerônimo acordou, Lilian não estava na cama. Olhou para o céu pela janela, o tempo havia melhorado, mas continuava chuvoso. Tomou banho, fez a barba, arrumou a mala e desceu. Quando tomava café percebeu Lilian pronta sentada numa poltrona com a mala, esperando a partida.

Entraram no carro, a jovem tomou a mesma posição, calada como se nada tivesse acontecido. Não cumprimentou o companheiro de amor acidental da noite de raios e trovões. Durante a viagem o fone no ouvido. Nem sequer um “obrigado” quando ele deixou-a no edifício dos pais no bairro da Pajuçara.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 14 de janeiro de 2018

48 ANOS DE CASADOS, E A ALMA CONTINUA ERÓTICA

 

 

 

 O jovem casal no carnaval da vida

No último dia 9 deste mês de janeiro, festejamos 48 anos de casados. Nem tudo foi fácil, cheio de flores, o céu nem sempre de brigadeiro, claro, tiveram rotas de colisão nesses anos. Com compreensão, carinho, principalmente amor, conseguimos desviar ou amenizar essas colisões.

A luta do dia-a-dia foi vencida, ainda estamos vencendo. Eu com 78 e Vânia fazendo 70 anos, ainda trabalhamos e sonhamos como se fôssemos jovens, viver e sonhar é preciso. E temos tantos sonhos para o futuro, participarmos de Festas Literárias no Brasil, em Guadalajara. Viajarmos à Inglaterra ou Rússia.

Sinto-me um privilegiado porque conheço intimamente minha companheira, só eu conheço profundamente o ser humano extraordinário, gentil, de extrema bondade, porém, forte, justa e perseverante. Essa brava companheira dedica-se de corpo e alma ao pai com 98 anos, aos três filhos e três netos. E a mim, claro.

Nesses 48 anos soubemos enfrentar alguns percalços, nenhuma tempestade poderá mais fazer nosso barco afundar, além de tudo, agora já avistamos a praia, estamos pertos do destino final, navegar é preciso, é inexorável.

Retenho em minha mente, em minhas lembranças nítidas, como de fosse hoje, sua imagem entrando na Igreja, vestida de noiva, sorrindo, feliz, olhando para mim.

Construímos uma vida, uma bela família. Vânia, como Promotora de Justiça e advogada, deixa de legado sua atuação sempre ao lado do bem social. Também deixo meu legado nos livros, na cidadania por uma sociedade mais justa. Acreditamos no ser humano. Em nossa casa de praia, na parede da sala, está desenhado um verso de meu querido poeta Lêdo Ivo: “Na Barra de São Miguel, diante do mar, só agora compreendi, o dia mais longo de um homem dura menos que um relâmpago.”

Quarenta e oito anos de luta e prazer, e até momentos de dor. O coração e o tempo nos faz compreender que a vida é tão pequena, é um relâmpago para se viver um grande amor.

Para não prolongar transcrevo um poema que ouvimos juntos recentemente no Fórum das Letras de Ouro Preto, pela própria autora ADÉLIA PRADO, gostaria que saboreassem a sabedoria nos versos da poeta mineira.

Erótica é a Alma

Todos vamos envelhecer… Querendo ou não, iremos todos envelhecer. As pernas irão pesar, a coluna doer, o colesterol aumentar.

A imagem no espelho irá se alterar gradativamente e perderemos estatura, lábios e cabelos.

A boa notícia é que a alma pode permanecer com o humor dos dez, o viço dos vinte e o erotismo dos trinta anos.

O segredo não é reformar por fora.

É, acima de tudo, renovar a mobília interior: tirar o pó, dar brilho, trocar o estofado, abrir as janelas, arejar o ambiente. Porque o tempo, invariavelmente, irá corroer o exterior.

E, quando ocorrer, o alicerce precisa estar forte para suportar.

Erótica é a alma que se diverte, que se perdoa, que ri de si mesma e faz as pazes com sua história.

Que usa a espontaneidade pra ser sensual, que se despe de preconceitos, intolerâncias, desafetos.

Erótica é a alma que aceita a passagem do tempo com leveza e conserva o bom humor apesar dos vincos em torno dos olhos e o código de barras acima dos lábios.
Erótica é a alma que não esconde seus defeitos, que não se culpa pela passagem do tempo.

Erótica é a alma que aceita suas dores, atravessa seu deserto e ama sem pudores.

Aprenda: bisturi algum Vai dar conta do buraco de uma alma negligenciada anos a fio.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 05 de janeiro de 2018

FESTA DE SANTO AMARO NA PRAIA DE PARIPUEIRA

Pablo Victor Gagliano nasceu em Cruz Alta, Rio Grande do Sul, criança bonita de chamar atenção, um bebê rosado, lourinho de olhos verdes. Na juventude era cortejado pelo mulherio, as moças e coroas se apaixonavam ao conversar com aquele rapaz elegante, gentil e bonito.

Ao formar-se em engenharia química foi convidado para trabalhar numa indústria instalada em Maceió. Ele apaixonou-se pela cidade, nunca havia imaginado uma cor do mar tão bela, as praias um paraíso cheio de coqueirais, ficou morando na bela terra do poeta Lêdo Ivo. As jovens da cidade caíram em cima de Pablo. Além de bonito e educado, ele tinha um comportamento exemplar. Não era chegado às noitadas, nem às farras com raparigas comuns ao pessoal da terra. O genro que toda mãe deseja. Sua vida de solteiro não durou muito, apareceu Regina, uma bela morena de cabelos cacheados, lábios grossos e de uma simpatia contagiante. Ele rendeu-se aos encantos da moça e casou-se em numa festa de arromba, como quis Dona Mercedes, sua sogra.

Pablo em pouco tempo fez um pé de meia e construiu sua casa de praia na belíssima Paripueira, sua paixão. Uma casa grande onde nas férias levava seus dois filhos, passava todo o verão, não perdia a alegre e tradicional Festa de Santo Amaro, início de janeiro, com muita música, bebida, folguedos e quermesse da Igreja.

Quando os filhos se tornaram adolescentes preferiam passar férias na praia da Barra de São Miguel, reduto da juventude no verão, na casa do tio Renato, irmão de Regina. Era um desgosto para Pablo. Por conta disso ele transformou sua enorme casa numa pousada. Há alguns anos ele a administra em fim de semana. Às vezes Regina prefere ficar em Maceió, mas ele sempre vai fiscalizar os serviços prestados por Dona Cícera, a arrumadeira, e pelo jovem Gerson, administrador, porteiro, faz tudo da Pousada Cruz Alta.

Regina sempre foi ciumenta, mesmo sem Pablo dar motivos. As mulheres olham com admiração e excitação para seu lindo marido, às vezes se insinuando, afinal o cara é um tipão de coroa, porém, o comportamento dele é exemplar.

Pablo, de repente, ficou relaxado com os deveres conjugais junto à esposa. Só faziam amor quando Regina insistia, o que a deixou encucada. Até que, certo dia ela leu numa revista que o primeiro sintoma de um homem que está traindo é a frieza sexual com a esposa.

Regina procurou Audálio, detetive especializado, no Edifício Breda. Depois de um mês de investigação seguindo o suspeito, ele nada encontrou. Mostrou fotografias do marido no trabalho, nas ruas, na pousada, tomando banho de mar, sempre desacompanhado. Durante as noites que ela não o acompanhava, ele dormia sozinho em Paripueira. O experiente Audálio concluiu que o marido estava passando apenas por uma fase sem entusiasmo, embolsou os R$ 2.000,00 combinados e entregou-lhe as fotos. Regina não ficou contente com as investigações. Ela sentia no corpo e no comportamento a mudança do marido.

No início de janeiro no ano passado, Regina inventou que não podia acompanhar o marido à Festa de Santo Amaro em Paripueira, pediu desculpas por não ir. Ele disse que não havia problema e partiu feliz da vida para seu paraíso.

Ela percebeu essa alegria no ar. Deixou o maridão viajar. Ao anoitecer, sem avisar, partiu célere em busca de um flagrante do marido com alguma sirigaita. Eram sete da noite quando Regina entrou na pousada perguntando pelo esposo. Dona Cícera e o administrador, o jovem Gerson, disseram que estava no quarto assistindo televisão. Regina bateu à porta com força, Pablo custou a atender. Assim que abriu, a esposa entrou de repente perguntando quem estava com ele, queria conhecer a puta de seu marido. Pablo ficou assustado. Regina procurou no banheiro, armário, guarda-roupa, quando percebeu que ele estava sozinho, começou a chorar. Só parou quando foi consolada pelo paciente marido. Dormiram na pousada, Pablo nessa noite empenhou-se em suas obrigações conjugais.

No dia seguinte, Regina depois do almoço retornou à Maceió. Pegou suas coisas e partiu. Quando dirigia pela estrada, no meio do caminho, lembrou que havia deixado os óculos no quarto. Retornou imediatamente. A porta do quarto não estava na chave, ao abrir, surpreendeu-lhe a cena chocante. Seu belíssimo marido estava abraçando o administrador Gerson, alisando seus cabelos, beijando seu rosto. Regina avançou que nem uma leoa deu uma tapa no marido, saiu correndo, tomou o carro retornando para sua casa.

Regina hoje, um ano depois, mudou seu modo de vida, não se sabe se por vingança ou por prazer. Quem quiser encontrá-la todo fim de semana está nas baladas de Maceió, dançando, bebendo, namorando, dando para todo mundo. Pablo, o belo, continua morando em Paripueira. Regina só o aceita de volta se ele fizer um tratamento, a cura gay. Ela acredita piamente que homossexualismo é doença.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quinta, 28 de dezembro de 2017

CHAPLIN, 78 ANOS DEPOIS

 

Em 1940, ano que eu nasci, início da 2ª Guerra Mundial, Charles Chaplin escreveu o texto abaixo; em 2018 continua atual, o mundo pouco mudou, a ganância em forma de roubalheira tomou conta de nosso país. Como sou um otimista incorrigível, peço vênia aos leitores para transcrevê-lo como mensagem de ano novo.

“Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar – se possíve – judeus, o gentio… negros… brancos.

Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo – não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades.

O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens… levantou no mundo as muralhas do ódio… e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.

A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloquente à bondade do homem… um apelo à fraternidade universal… à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhares de pessoas pelo mundo afora… milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas… vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: “Não desespereis! A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia… da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.

Soldados! Não vos entregueis a esses brutais… que vos desprezam… que vos escravizam… que arregimentam as vossas vidas… que ditam os vossos atos, as vossas ideias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão! Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar… os que não se fazem amar e os inumanos!

Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade! No décimo sétimo capítulo de São Lucas está escrito que o Reino de Deus está dentro do homem – não de um só homem ou grupo de homens, mas dos homens todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder – o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela… de faze-la uma aventura maravilhosa. Portanto – em nome da democracia – usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo… um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.

É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos!

Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontrares, levanta os olhos! Vês, Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo da treva para a luz! Vamos entrando num mundo novo – um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos!” Charles Chaplin – 1940.

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 23 de dezembro de 2017

É NATAL

 

 

 

 

No Natal as famílias cristãs reúnem-se para comemorar o nascimento de Jesus, há troca de presentes, ceia com peru e outros pratos, finas iguarias, até um pão especial foi inventado por um italiano chamado Tom para comemorar o Natal, o panetone. As famílias mais pobres e os miseráveis não têm direito ao Natal gastronômico etílico, se divertem perambulando pelas ruas, encantando-se, fascinados com as luzes da cidade. Poucos são indiferentes ao Natal, é quando a vida faz um intervalo comemorando a fraternidade, a bondade, a gentileza.

Em minha adolescência li um livro que se tornou inesquecível, o genial escritor inglês Charles Dickens em “UM CONTO DE NATAL” narra uma história que mostra o significado natalino, tocando o coração do leitor.

A história se passa em Londres, nos meados do Século XIX, auge da Revolução Industrial. Em meio ao frio e à neve da cidade, à véspera do Natal, todos se preparam para a celebração do nascimento de Cristo. As donas de casa ocupam-se com seus assados, os homens, ansiosos, não vêm a hora de voltar para casa, e as crianças perdem o sono pensando nos presentes. Apenas uma pessoa não parece feliz com o Natal: o velho Scrooge, homem de negócios, sovina, ranzinza e solitário, quer que os pobres se explodam para acabar com o crescimento da população. Ele não vê razão para tanta alegria e inquieta-se com a folga que terá de dar a seu secretário no dia de Natal. Sozinho em seu escritório, trabalhando noite alta na véspera de Natal, Scrooge recebe a visita do fantasma de Marley, seu falecido sócio, que se arrepende de ter passado a vida atrás do dinheiro. Ele leva Scrooge em uma viagem inesquecível para tentar salvá-lo enquanto é tempo por intermédio de três espíritos que representam o Natal. Eles lhe ensinam que essa é a data para esquecer diferenças sociais, abrir o coração, compartilhar riquezas. E o pão-duro no final de ver tantas histórias mostradas pelos espíritos, se transforma num homem generoso. Dickens, brilhantemente evocou o Natal como um momento de redenção contra a avareza, um intervalo de fraternidade em meio à competição cruel do capitalismo industrial.

Outro dia, em minhas releituras, me deliciei com “UM CONTO DE NATAL”, Dickens soube mais que ninguém mostrar a necessidade do ser humano em sentimentos fraternais, pelo espírito natalino.

Hoje o Natal está sofisticado, em todas as cidades do mundo há um esparramar de luzes, de brilho nas ruas, nos prédios, nas casas. Cidades como Gramado tem o Natal como a maior fonte de renda, o turismo começa em novembro com muita festa, apresentação de shows natalinos. Duas vezes já viajei a Gramado levando meus netos, é um Natal espetaculoso, porém a cultura alemã é predominante, anões, cervos, neves, danças folclóricas germânicas. A meninada se diverte em sonhos naquela cidade.

Outro dia conversando na Confraria dos Barrigas Brancas na Barraca Pedra Virada (Barriga Branca no Ceará é homem mandado pela mulher) o professor Radjalma Cavalcante dava uma sugestão. Maceió ser uma espécie de Polo do Natal Nordestino, afinal em Alagoas existem 36 espécies de folguedos natalinos ricos e coloridos.

Parece que o Prefeito Rui ou o Secretário Vinicius Palmeira ouviu esse apelo e de repente Maceió se transformou numa cidade cheia de luz no período natalino. A noite está belissimamente decorada com luminárias entre os coqueiros e amendoeiras. Ainda por cima a Prefeitura está realizando uma programação de folguedos que me transportaram para juventude, mostrando que nossas tradições não estão mortas, com apresentação de pastoril, coco de roda, e todo folclore. No sábado 23 haverá uma programação imperdível na orla, uma virada musical natalina e muito folclore. Para meus olhos nordestinos, bairrista, nosso natal está mais bonito que o Natal alemão de Gramado.

E não é só Maceió, algumas cidades do interior estão se acendendo para o Natal. Passei em Palmeira dos Índios a ornamentação e programação com autos natalinos está encantadora.

Há quem não goste de Natal, dizem ser uma festa triste e nostálgica, a tristeza está na alma de cada um. Como tenho uma alegria intrínseca dentro de uma alma carnavalesca, faço de meu Natal um Carnaval. Pela manhã do dia 24 minha dileta companheira oferece um café de Natal à família com poesia, música e folclore, começa às 7 h às vezes termina ás 17 h. À noite saímos pelas ruas cintilantes de Maceió, terminando com um bom uísque na casa de algum amigo. Bom Natal. Boas Festas aos amigos. Jingle Bells para todo mundo.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 15 de dezembro de 2017

ZUMBA

 

Túlio tem duas paixões na vida, cavalo e mulher. Parte da infância passou na fazenda do avô em União dos Palmares, bem perto da Serra da Barriga, onde os escravos refugiados se organizaram construíram uma sociedade, a República dos Palmares. Local de difícil acesso, os negros conseguiram por 100 anos se defenderem dos governos escravagistas. Ganga Zumba foi o líder de Palmares que se tornou refúgio de escravos foragidos. À medida que foi crescendo, eles se organizaram em Quilombos. Ganga Zumba tinha um palácio, quatro esposas, guardas, ministros e súditos devotos. A República dos Palmares era formada por cerca de 2.000 casas que abrigavam famílias, guardas e oficiais que faziam parte de nobreza. Ganga Zumba tinha deferências e honrarias de Rei.

Ganga Zumba chegou a acertar um tratado de paz oferecido pelos governantes e fazendeiros, para transferir os negros de Palmares outro local. Zumbi, sobrinho de Ganga Zumba, não aceitou o acordo. Ganga Zumba foi envenenado e a resistência aos portugueses continuou com Zumbi.

Como Túlio gostava de contar essa história desde criança e tem a pele morena, cabelos crespos, lábios carnudos, parecido com seu avô paterno, filho de um português com uma escrava, logo tomou o apelido de Zumba. Todos os amigos na fazenda, na cidade, colegas da faculdade de agronomia chamam o moreno Túlio carinhosamente de Zumba.

Hoje ele mora em Maceió, com seus 65 anos administra a fazenda que lhe coube como herança, de onde tira a para seu viver sem muitos atropelos financeiros. Suas três filhas e a esposa gostam da vida da cidade, apenas um genro o ajuda na administração do campo. 
Túlio não perde leilão de cavalos, vive procurando, viajando, comprando e vendendo, conhece o Brasil e é popular no ramo de leilões, todos conhecem Zumba. Ângela, sua esposa, raramente o acompanha, no íntimo ele gosta, fica livre para outra paixão, mulher, não pode ver um rabo de saia, Zumba nunca dorme sozinho nos hotéis. Em leilões de gado sempre tem mulher bonita.

Certa vez, em uma exposição na cidade de Palmas, ele experimentava um cavalo baio, estava gostando do trotar do animal quando avistou uma bela mulher, de jeans e chapéu de cowboy, com os braços por cima da cerca apreciando Zumba e o cavalo. Ela sorriu ao longe.

À noite quando ele saía do hotel para jantar num restaurante da cidade encontrou-se com a linda mulher no elevador, cumprimentaram-se.

– Comprou aquele baio? Perguntou a mulher sorrindo.

– Ainda não decidi.

Esse diálogo foi início de uma conversa animada. Alice, era fazendeira em Goiás, entendia de cavalos e bois. Zumba convidou-a para jantar na cidade, ela não se fez de rogada aceitou o convite. Zumba estava na maior felicidade, a bela fazendeira tinha uma idade indefinida entre 45 a 55 anos, bem arrumada, bem tratada, e com aquela conversa, que mais ele queria? Terminaram dormindo juntos os três dias no hotel. Ele não perguntou, nem ela esclareceu os detalhes de sua vida, apenas que era fazendeira. Foram três dias de amor e cavalo. Zumba retornou à Maceió feliz da vida.

Ano seguinte, ele viajou àquele leilão na mesma época, dezembro, no fundo com uma pequena esperança de encontrar Alice. Foi em vão a procura em todos os lugares. Perdeu a esperança em encontrá-la. Mas o destino compensou, à noite dirigiu-se ao bar em busca de alguma aventura. Teve a sorte de encontrar uma solitária jovem, bonita que nem um cão. Ele sentou-se no banquinho junto à jovem. De repente puxou conversa, ela veterinária, estava adorando a exposição, conversaram, beberam, foram até o piano onde um argentino tocava tangos e outras canções. Cantaram, estavam se divertindo, terminaram no quarto do hotel. Na despedida, Elizabeth, a jovem, confessou-lhe que tinha amado os três dias com aquele coroa, moreno, alto. Zumba sentiu-se mais jovem com a aventura. Dias inesquecíveis. Retornou feliz da vida.

Durante o ano participou de vários leilões e exposições, até que em dezembro retornou ao Leilão de Palmas. Ele achava que dava sorte.

Foi à exposição, montou, discutiu preços, conversou com fazendeiros. À noite tomou um banho e saiu em busca de aventuras, pensou em Alice e na jovem Elizabeth. Quando tomava o segundo uísque no bar do hotel, eis que surge a maior surpresa de sua vida. As duas louras, Alice e Elizabeth, juntas, olharam discretamente para ele, não cumprimentaram Zumba. Ele ainda chocado com aquela dupla aparição, ouviu quando Elizabeth tratou Alice com um “mamãe” bem carinhoso. Pelo olhar de indiferença, percebeu que as duas juntas tornou-se inviável qualquer contato, muito menos uma noite de amor.

O remédio foi ouvir tango argentino. E para dormir se valeu de uma acompanhante anônima


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 01 de dezembro de 2017

SOCORRINHO

 

Idosos não perdem a memória, às vezes ficam esquecidos. O fascinante do ser humano é que detalhes de um passado mais distante se perpetuam na mente. Programei minha memória recordar apenas coisas boas, as ruins apaguei-as, para ser feliz.

Eu era um menino de sete anos, ano da graça de 1947, morava na Avenida da Paz. No último dia de novembro minha mãe deu um presente à família, nasceu Socorrinho, última dos cinco filhos. Alguém apareceu com a criancinha nos braços para mostrá-la aos irmãos. Eu fiquei curioso ao vê-la chorando, emocionei-me, fiquei feliz, senti uma premonição, aquela menina chorona tornou-se uma das figuras mais importantes de minha existência.

Nossa infância na praia da Avenida e nas cercanias do riacho Salgadinho foi de liberdade e alegria, percorria toda redondeza pescando ou catando caranguejo. Meus pais criaram os filhos com sabedoria e generosidade, entretanto, menino é malvado, Socorrinho devia ter quatro ou cinco anos, eu quase rapaz, pegava o goiamum pelo casco, as patas do bicho enormes abertas nervosas, eu amedrontava os mais novos achegando o caranguejo brabo perto do rosto dos meninos, Socorrinho foi vítima. Até hoje ela tem pavor a caranguejo, sequer sabe o gosto de uma saborosa caranguejada.

Ainda jovem passei no concurso e fui estudar na Escola Militar, peguei um trem em Maceió até o Recife de onde viajei para Fortaleza. Durante 12 horas o trem correu entre pequenos morros, canaviais verdes fazendo um horizonte ondulado com o céu azul, me vinham lembranças, meus pais, meus irmãos. Disfarçadamente chorei enquanto o “Trem de Alagoas” cantava, “vou danado pra Catende com vontade de chegar”.

Durante o tempo que estive no Exército morei 13 anos pelo Brasil afora, nunca deixando de passar as férias em Maceió. Certa vez Socorrinho me confidenciou, estava namorando e me apresentou o Clailton, a partir desse dia ganhei outro irmão. Está gravada em minha mente a figura de Clailton na varanda de nossa casa, tocando violão, cantando: “Oh cachaça amiga, não há quem me diga que não tens valor… e de saudade eu morro, vem em meu SOCORRO mais outra lapada”.

Em 1967, promovido a capitão fui classificado para servir no 20º Batalhão de Caçadores, voltei a morar nas Alagoas, que felicidade. Nada mais queria na vida; solteiro, morando na casa dos pais com comida, roupa lavada e o carinho dos pais e irmãos; de quebra, uma Maceió bonita, festiva, eu vivia no paraíso. Nessa época, dos cinco irmãos, apenas eu e Socorrinho morávamos na casa do General e Dona Zeca. Foi uma fase bonita, alegre e feliz de minha existência. Socorrinho era minha companheira, minha amiga para toda programação, festas, casamentos, aniversários, Zinga Bar. Às vezes eu paquerava suas amigas, ela dizia não gostar, preocupada com possível sujeira de minha parte com as amigas, porém, no fundo eu sabia, ela tinha maior orgulho do irmão.

Nunca tive desentendimento com Socorrinho. Aliás, tive uma única discussão, não lembro o motivo. Dia seguinte, ela emburrada não falou comigo, raiva mesmo, ranzinza. Eu pensei, ela tinha um pouco de razão. Socorrinho não só perdoou, como me abraçou emocionada quando ao entrar em seu quarto a cama estava coberta de rosas. Foi minha maneira de pedir desculpas.

Em 1970 me casei com Vânia, amada companheira de 47 anos, logo depois Socorrinho casou-se com Clailton, seu primeiro e único namorado. Socorrinho tornou-se o esteio na família. Sempre foi a primeira chegar aos problemas nas dificuldades da família, nos piores momentos, na hora da morte, como também na hora da alegria. Ela herdou de Dona Zeca o amor às festas, à família, ao natal, ao ano novo. Sua casa sempre cheia, Clailton ainda canta ao violão nos dias de festa.

Hoje, aquela cena ainda em minha mente, a criancinha recém-nascida nos braços não sei de quem, sendo mostrada aos irmãos está fazendo 70 anos. Desde aquele momento veio nossa bem querência, nossa cumplicidade, amizade. Sempre tivemos um apoio mútuo e forte, hoje e até o final de nossas vidas.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quarta, 22 de novembro de 2017

O ANIVERSÁRIO DA VOVÓ

– “Minha sobrinha como você está bonita, as guerrilheiras se deram bem quando voltaram a ser normais. Você está linda minha querida.”

– “Tio Aprígio amado, você está um coroa enxuto, garanto como tem muitas mulheres dando em cima desse viúvo, setentão. Cheguei ontem, vim somente curtir os 100 anos da vovó Creuza, retorno na terça-feira. Ela está lúcida, impressionante, sentada na cadeira de balanço, me deu um abraço apertado, conversamos muito, ela lembra-se de pormenores dos tempos da ditadura, minha prisão, meus anos de exílio, a falta que eu fazia, sempre fui muito chegada à minha avó. Achou-me parecida com mamãe".

 

 

– “De fato sua mãe e sua tia eram bonitas, aliás, todas as mulheres da família são lindas. Cristina minha querida, você ultrapassou os cinquenta, continua uma mulher atraente, desejável. Ainda está casada com aquele jovem pilantra?”

– “Meu tio, acho que você está me cantando. O pilantra era apenas uma questão de cama, nunca fui casada com ele, sou uma mulher livre, faço o que quero. Adorei seu ciúme. Agora vamos cantar os parabéns para Vovó. Sempre adorei esse sítio aqui da Bica da Pedra, hoje estou com vontade de tomar um porre, me acompanhe tio Aprígio querido e lindo.”

Na reunião familiar comemorando os 100 anos da matriarca Creuza estavam os convidados especiais e a família, filhos, genros, netos, bisnetos, tataranetos, faziam a festa no bem cuidado Sítio Junqueiro, entre coqueiros, mangueiras, à beira da Lagoa Manguaba, um paraíso particular da família. Com muita alegria cantaram os parabéns, Aprígio discursou com bom humor e boas recordações, Cristina se emocionou. Dona Creuza tem um carinho especial ao genro, alegre por natureza, feliz, radiante, lúcida, em movimentos lentos agradeceu, tomou uma cachacinha, acendeu um cigarro na vela, depois soprou as velinhas, abraçou a todos, celebrando a vida, 100 anos de vida.

A festa continuou animada, muitas recordações, casos contados, histórias hilariantes e outras tristes. Um conjunto tocava belas músicas, dançaram, cantaram, beberam até altas horas da noite. Na hora de dormir cada qual se ajeitou nos cinco quartos do Sítio, outros retornaram a Maceió. Alguns mais resistentes ficaram para curtir o amanhecer, pegar o sol com a mão. Sentados no cais das lanchas Aprígio e Cristina conversaram, lembrando os tempos de sua prisão. Aprígio viajando para o Recife, abrindo contatos com ao militares, até conseguir um acordo, Cristina solta, exilou-se no México, depois rumou à Europa, Bruxelas, Paris, muita saudade do Brasil. Enfim o retorno.

O sol nasceu por entre os coqueirais em certo momento a sobrinha encostou-se em Júlio, surpreendeu-o beijando na boca, cochichou no ouvido.

-“Vamos ao hotel?” Olhos nos olhos, o domingo amanhecendo esplendoroso, céu e nuvens alaranjados. Eles se levantaram. Aprígio falou aos bêbados retardatários deitados na grama.

– “Vou para Maceió, levo a Cristina no hotel. Logo mais retorno, tem a famosa feijoada da Dona Creuza. Até mais tarde.”

Os dois entraram no carro, olharam-se, abraçaram-se, beijaram-se como se fossem dois colegiais. Enquanto Cristina saltou do carro para abrir a cancela do sítio, Aprígio habilmente tirou uma pílula azul da carteira, colocou-a na boca, mastigou, engoliu.

Ao entrar no apartamento do hotel, calmamente tomaram um banho quente, o dia havia amanhecido, apesar de todo cansaço, relaxaram se amando, dormiram. Acordaram ao meio dia, repetiram a liturgia do amor do fim de noite. Fizeram um lanche no hotel, passaram no apartamento de Aprígio na praia da Jatiúca, digno de um viúvo. Ele vestiu um calção de banho, bermuda, camisa colorida, rumaram para feijoada de Dona Creuza.

O planejamento de retorno ao Rio falhou. Cristina ficou todo mês de fevereiro e o carnaval, adorou passear pelo litoral norte, litoral sul, encantada com as cidades históricas, barrocas, Penedo, Piranhas, Marechal Deodoro. Aproveitou a época carnavalesca saiu no Bloco da Nêga Fulô no domingo de carnaval, nunca deixando de visitar vovó Creuza no Sítio. Passeou por todos os mares das Alagoas sempre acompanhada do querido tio.

No aeroporto Cristina despedindo-se, sorrindo para o tio.

– “Meu amor, todos esses dias, inesquecível, obrigado por tudo, qualquer dia a gente se vê, tenho certeza, até o próximo aniversário da Vovó.”


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 18 de novembro de 2017

CONVERSA DE TAXISTA

Ao tomar um taxi no centro da cidade cumprimentei o motorista e dei-lhe o destino, a orla de Jatiúca. Nesse mesmo momento, em frente, uma jovem atravessava a faixa de pedestre quando de repente o forte o Vento Nordeste levantou a saía da moça mostrando um belo traseiro enfeitado por uma minúscula calcinha vermelhe, as mãos da jovem estavam ocupadas com sacolas, ela não teve como baixar a saia continuando a exposição de seu belo corpo para quem quisesse olhar. Ao retornar a calmaria o taxista engatou a primeira e fomos rumo ao destino. Ele sorrindo, satisfeito da vida, olhou-me de soslaio e comentou com bom humor.

 

– O senhor viu que coisa linda? E há quem não goste disso. Eu sou casado, sustento minha família com esse taxi, mas tenho esse vício por mulher, gosto de dar uma voltinha por fora quando aparece oportunidade, entende Doutor?

Eu simplesmente afirmei, entendia. O taxista continuou falando entrando na orla no Centro, Maceió é a única capital que tem praia no centro da cidade. Não parou mais de falar.

– Está vendo aquele pardal ali na calçada? Eu fico prevenido, a cidade está enfestada de pardais multando quem ultrapassa a velocidade. Para que o Prefeito colocou isso? Vai perder voto. Eu gosto do Rui Palmeira, mas esse negócio de pardal deixa a gente mais nervoso no trânsito. Dizem que é para educar os motoristas, pode até ser, mas eu não gosto. Mesmo assim eu voto no Rui. Sempre votei no pai, Guilherme Palmeira, um homem de bem, foi um grande governador e senador.

E continuou falando, conhecia a velharia política alagoana, foi citando os conhecidos até chegarmos à praia da Pajuçara, quando o taxi parou numa faixa de pedestre em frente a um luxuoso hotel. Nesse momento atravessaram três turistas andando devagar, vestidas em saída de praia, tecido fino e transparente mostrando os pequenos biquínis que mal cobriam as partes pudentes. Foi o pretexto para o taxista continuar a apologia à mulher.

– Olha aí que coisa mais linda, essas mulheres com o andar rebolativo, macio, sem pressa, ficam desfilando para o mundo, elas sabem que homem gosta de olhar. É um espetáculo e eu quero viver muito tempo para apreciar. A gente não come, mas olha, Doutor. Deu uma risada de sua própria piada.

Sinal verde, ele arrancou o taxi, não parou de falar.

– Vou contar uma história que o senhor não vai acreditar. Na temporada em janeiro eu peguei no hotel duas paulistas bonitas feito a gota serena, levei-as à praia do Francês. Providenciei sombrinha, cadeiras, elas ficaram encantadas com tanta beleza, pediram cerveja ao garçom, tomaram banho de mar, andaram na praia, retornaram à mesa, enchendo a cara com cerveja e caipirinha, eu só espiando e esperando de longe. Já tarde resolveram almoçar na barraca, me convidaram. Comi uma boa moqueca de peixe, sem beber, é claro. Eu percebi que as duas estavam meio bêbadas, cantavam e conversavam. Só retornamos a Maceió perto das seis horas, anoitecendo. As paulistas começaram a conversar sacanagem, perguntavam-me coisas, se eu gostava, eu respondia tudo, todo encabulado. Ao passar por um motel na beira da estrada, ouvi o grito me ordenando: Pare o carro! Eu imediatamente freie o taxis. Uma delas se achegou por trás de mim, convidou-me para uma “ménage a trois” que eu nunca iria esquecer. Eu topei mesmo sem saber o que era “ménage a trois”. Doutor nunca tinha visto tanta coisa em minha vida, as mulheres ficaram loucas, fumaram maconha. Aprendi muito nas duas horas que passamos juntos. No final, elas pagaram a conta do motel, champanhe e outras bebidas finas. Na volta elas continuaram contando e conversando, levei-as ao hotel em que estavam hospedadas na praia da Ponta Verde. Ao despedir-me, ofereci meus préstimos para o dia seguinte, levá-las a qualquer praia que quisessem. Elas me agradeceram, viajariam na madrugada, estavam numa excursão. Quando voltassem a Maceió, me procuravam. Entreguei-lhes meu cartão. Deram beijinhos, e pagaram-me a conta, mais que havíamos acertado.

O taxista só parou de falar quando chegamos ao meu edifício, ele ainda tinha outras história para contar. Agradeci, paguei. Fiquei pensando. Na outra encarnação quem sabe se terei a sorte em ser motorista de taxi em Maceió.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 10 de novembro de 2017

DEVIA TER DADO

– “Eu devia ter dado.” Ritinha confessava, em soluços, abraçada à amiga Miriam, sentadas num banco do cemitério Parque das Flores. Era quase meia-noite o corpo de Afrânio estava sendo velado pelos amigos e parentes.

Afrânio aparentava boa saúde, caminhava diariamente às 17 horas pela orla. Naquela tarde Afrânio, andando, sentiu um mal estar, dor no peito, caiu no chão. Socorreram, colocaram-no em um taxi, avisaram à Paula, sua esposa, levaram o infartado ao Hospital, ao chegar estava morto. Foi uma choradeira entre parentes e amigos, os dois filhos que moram em São Paulo pegariam o primeiro avião. A notícia correu rápida no Facebook, postaram o laço preto, a foto e as notícias fúnebres elogiosas. “Alagoas fica menor. Morre Afrânio Cavalcanti grande empresário, o velório será o Parque das Flores e o enterro às 17 horas de amanhã.” Afrânio era muito querido, gentil, trabalhador, bem casado, tinha apenas um defeito, gostava de um rabo de saia. Teve vários casos, mas nunca se prendeu a alguma de suas aventuras. A esposa minimizava esse defeito para viver bem.

 

 

O Parque das Flores logo ficou repleto, as duas amigas Paula e Ritinha abraçadas diante do caixão choravam em desespero aquela tragédia, os amigos consolavam a viúva. Foram 31 anos de casados, eles viviam em harmonia possível. Quando os filhos foram para o Sul estudar e ficaram por lá, o casal ficou mais amigo, precisavam um do outro. Paula chorava aos prantos diante do marido inerte no caixão, sabia que nunca mais teria seu bom humor, seu carinho e as noites gostosas de amor, afinal, Afrânio era sábio de cama.

Deram um calmante à Paula, ela deitou-se nos aposentos do velório. Ritinha acordada aguentou no salão olhando para o defunto, estava chocada, desesperada, arrependida, havia descoberto naquele momento doloroso que amava Afrânio, marido de sua melhor amiga, sua cabeça pensava em perda, lamento e traição, quando apareceu a amiga Miriam convidando-a a um passeio pela alameda iluminada do cemitério. Sentaram-se no banco embaixo de enormes pés de eucaliptos. Foi naquele momento que ela desabafava junto à amiga.

– ”Eu devia ter dado a ele.” Continuou abrindo seu coração para Miriam.

– “Eu e Paula sempre fomos grandes amigas. Depois que me separei do Arnaldo, comecei a sair com o casal, Afrânio cheio de bom humor vivia me arranjando namorado, até que dei algumas escapulidas com alguns. Ano passado na praia de Paripueira em um passeio na piscina natural, eu estava segurando a jangada com o corpo dentro d’água, de repente, senti um corpo junto ao meu por baixo d’água, entrelaçou-me entre as pernas, deu-me uma gostosa excitação, olhei nos olhos de Afrânio e balancei a cabeça negando amavelmente. Aquele momento me agradou confesso, eu adorei. Dias depois me encontrei com Afrânio no Shopping, ele convidou-me para um sorvete. Sentamos, ele perguntou se eu acreditava que um homem podia amar duas mulheres? Porque me amava e era tarado por mim. Já pensou? Eu quase sessentona. Mandei que ele se aquietasse, já não era mais menino, não ligou, continuou a conversa. Fez-me a proposta indecente. Por que não um encontro em vez em quando num motelzinho gostoso? Não precisava Paula saber.

Eu saí do Shopping excitada com a proposta, porém, havia uma amiga no meio do caminho. Afrânio quando podia, dizia-se apaixonado, eu resisti durante esse tempo todo. Hoje eu o vendo morto, inerte, a vida acabada, fiquei num profundo sentimento de perda e de arrependimento. Eu devia ter dado a ele, Miriam. Agora Inês é morta”.

Retornaram ao velório, Ritinha procurou Paula, ela estava sozinha no quarto, sentada na cama, deu duas batidas no colchão com a mão, convidando a amiga sentar-se. Abraçaram-se. A viúva puxou conversa.

– “Minha querida amiga, Afrânio gostava muito de você, muito mesmo, eu não sentia ciúme. Ele lhe tinha um carinho especial, eu percebia. Agora que tudo acabou, diga-me, até por curiosidade, continuarei sua amiga seja qual for a resposta. Vocês transavam?”.

Deu-se um momento longo de profundo silêncio.

– “Paula vou lhe contar a verdade, fui-lhe amiga fiel com muito esforço. Afrânio tentou, tentou muitas vezes, insistente. Confesso várias vezes tive vontade, só não dei, para não lhe trair”.

– “E eu pensava que vocês transavam. Você devia ter dado, o bichinho queria tanto.” Disse Paula sorrindo, beijando a testa da amiga.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 03 de novembro de 2017

O PREFEITO COM NOME DE IMPERADOR

Na história da humanidade tivemos grandes gestores que governaram com a cultura e a arte, esses fizeram administrações humanistas, gravaram seu nome na História.

Um exemplo da Antiguidade foi Adriano, imperador romano de 117 a 138, considerado um dos chamados “cinco grandes imperadores”. Ele reconstruiu o Panteão e construiu o Templo de Vénus e Roma. Adriano era um humanista. Durante seu reinado, ele viajou para quase todas as províncias do Império Romano. Um ardente admirador da Grécia, fez de Atenas a Capital da Cultura do Império. Adriano era entusiasmado pela literatura e nomeou seus assessores entre escritores, arquitetos, pintores e artistas.

Na história do Brasil durante o governo holandês no Nordeste, tivemos o Conde Maurício de Nassau. Ele amou a terra assim que chegou, houve um encantamento mútuo. Arrodeado de assessores bem escolhidos, arquitetos, pintores, escritores, artistas, transformou Recife em uma das cidades mais belas do Brasil. Até hoje Nassau é reverenciado pela sua administração ligada à cultura e à arte.

Recentemente em Palmeira dos Índios, agreste alagoano, foi eleito um prefeito de origem popular com nome de imperador, Júlio César, que resolveu revolucionar a administração municipal caduca praticada no Brasil e está tentando retornar a cidade de Palmeira dos Índios em seu devido patamar cultural, econômico e social no Nordeste Brasileiro.

Ao assumir a Prefeitura, tal qual anos atrás Graciliano Ramos assumiu, fez uma reunião com o secretariado, foi incisivo, “Não posso errar”, disse alto e bom tom para que todos soubessem que ali naquela cadeira havia um administrador de pulso com ideias inovadoras. Partiu para Brasília em busca de soluções, pedindo a um e a outro nos Ministérios e no Congresso. Já é conhecido como o prefeito pidão, como ele mesmo se denomina. Está conseguindo transformar Palmeira dos Índios dentro das limitações financeiras que são graves nos municípios brasileiros. O Poder concentrador do Governo Federal está acabando com o Federalismo. Só um exemplo na captação de recursos para a cultura pela Lei Rouanet, em 2016, 79% dos valores captados ficaram no Rio e São Paulo e 21% para o resto do Brasil. É uma distribuição cruel de recursos. Há mais de 10 anos está engavetado um projeto de mudança nessa lei, entretanto, o lobby do Sul Maravilha é poderoso.

Mas voltemos ao prefeito com nome de Imperador, Júlio César, num gesto de ousadia resolveu reconquistar o lugar de Palmeira dos índios e transformou a cidade na Capital da Cultura das Alagoas. Desde o Carnaval, São João, Semana do Índio, vem dando todo apoio à Cultura e a Educação. Recentemente foi realizada a Semana de Graciliano Ramos e a 1ª Festa Literária de Palmeira dos Índios. O sucesso extrapolou a expectativa, com uma programação da melhor qualidade, o auditório restaurado, sempre cheio, recebeu grandes escritores de todo Brasil em mesas de debates com temas dos mais variados, desde a entrevista com o escritor Ivan Barros, homenageado, realizada pelos palmeirenses, jornalista Pedro Oliveira e Dr. Damião, como mesas de debates diversas: Projeto de incentivo à leitura (Passarinhar), Índios Xucurus na formação cultural das Alagoas, religiosidade popular. E mesas sobre a vida e obra do maior escritor brasileiro de todos os tempos, o ex-prefeito de Palmeira dos Índios, Graciliano Ramos. Parte da família do nosso maior escritor compareceu ao evento, que constou ainda com o corredor Velho Graça apresentando oficinas, venda e troca de livros, contação de histórias. Foi uma grande festa onde a Literatura se misturou com o Teatro em encantadas apresentações de alunos, e shows noturnos magnífico mostrando a arte e cultura nordestina.

O auditório e o corredor sempre lotados sensibilizou a comunidade. A Festa Literária de Palmeira dos Índios se consolidou desde a primeira edição e pode considerar que já entrou na lista das melhores do Nordeste, foi o evento cultural do ano em Alagoas. De parabéns Palmeira dos Índios, Alagoas, a secretária Isvânia Marques, a eficiente equipe, e principalmente o mentor de tudo isso, o obstinado, ousado, pidão, renitente, prefeito Júlio César, com nome de Imperador.

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quinta, 26 de outubro de 2017

A MOÇA DA JANELA

Maxwel morou a vida toda no bairro do Tabuleiro do Pinto, perto do aeroporto, aonde nasceu. Quando os filhos cresceram pressionaram o pai a se mudar para orla.

Devido aos tempos modernos, aos apelos dos filhos, à comodidade da família, finalmente Maxwel comprou um apartamento na Ponta Verde, perto da praia. Para família foi uma alegria, para ele um sacrifício. Trocou uma casa confortável de 400 m², enorme jardim de muitas rosas, orquídeas penduradas em frondosa mangueira por um apartamento de três quartos, 140 m². Mas a família acima de tudo. O casal ficou com uma suíte, a outra suíte os dois filhos ocupam ocasionalmente e um quarto foi transformado em gabinete. Colocou um computador para escrever. Agora que se aposentou do Banco do Brasil, onde passou mais de 30 anos, é hora de desfrutar a merecida aposentadoria. Pretende passar um ano de pernas pro ar, depois pensar em alguma ocupação.

Pela manhã caminha na orla, encontra amigos, fica a bater papo até às nove horas antes de tomar um bom café e ler jornais. Retorna à praia às onze horas, reúne-se com outros aposentados para falar do mundo e ficar olhando as saias de quem vive pelas praias coloridas pelo sol. Preenchem as tardes no shopping, cinemas, livraria; gosta de ler. Só depois do Jornal Nacional, Maxwel recolhe-se ao escritório, liga o ar condicionado entra no computador para pesquisar, ler jornais, enviar e-mails para os amigos e escrever. Já plantou várias árvores, tem dois filhos, agora cismou de escrever um livro narrando passagens de sua vida. De sua cadeira em frente à bancada do computador, tem uma ampla visão sobre as janelas dos apartamentos do prédio vizinho. Às vezes ele desliga a luz, para apreciar melhor o panorama.

Quando uma jovem chega por volta das 23 horas ele fica ligado enquanto sua querida Josefa, a esposa, dorme no terceiro sono. A moça é um encanto, estatura baixa, cabelos louros escorridos, nariz um pouco achatado, lábios grossos. Seu corpo é um monumento, seios duros, pontiagudos, cintura fina. O traseiro delirantemente bem torneada e protuberante. Ela não percebeu que o espelho da porta do guarda-roupa reflete todos os movimentos no quarto.

Assim que chega, tira a roupa, enrola-se numa toalha e vai ao banho antes de dormir. A cena mais emocionante é ao sair do banho, abre a toalha, como Deus a fez, veste uma minúscula lingerie curta antes de deitar. Maxwel fica num excitamento de menino. Muitas vezes depois dessas cenas mudas, ele vai direto ao quarto, acorda sua amada Josefa, pensando na moça da janela.

Certo dia, ao cair da tarde, Maxwel pegou o carro para ir às compras no mercado. Ao longe, no ponto de ônibus, reconheceu a jovem em pé com os livros abraçados, esperando condução. Ao cruzar os olhos, ela sorriu, Maxwel freou o carro no reflexo. Perguntou sinalizando com o indicador se ela ia à cidade. A moça não se fez de rogada, entrou no carro. Como uma princesa sentou-se ao lado, a minissaia mostrava suas pernas maravilhosas. Deu boa noite, disse que ia para a Faculdade, no Farol. Maxwel mentiu, também ia para o Farol. Foram conversando amenidades, mas o coração do coroa estava disparado feito um menino. Afinal chegaram à Faculdade.

Naquela noite Maxwel ficou esperando ansioso a chegada de sua musa da janela. Compensou a espera, ao chegar, ela tirou a roupa bem devagar, deixou o coroa excitadíssimo. Na tarde seguinte, à mesma hora, Maxwel passou com o carro no ponto do ônibus e frustrou-se, ela não apareceu. Dois dias depois, ficou feliz quando a viu no ponto de ônibus. Freou o carro, ela entrou. Verônica, assim se chama, 23 anos, é mulher prática, pragmática, perdeu a mãe cedo, seu pai tem uma loja em Rio Largo. Em certo momento ela foi direta, olhando Maxwel dirigir o carro:

– Eu acho que você está me paquerando. Pensa que não percebo você toda noite na janela me olhando. Faço aquela cena de propósito. Tenho esse defeito, adoro que os homens me olhem.

Maxwel tentou se acalmar, encarou-a, e deu um sorriso largo.

– Mas menina você é danadinha hein?

– Danadinha ou danadona, vou lhe fazer uma proposta indecente e curta: transo com você, e você paga minha faculdade. Que tal? Pense. Estamos chegando, me pegue aqui mais tarde, às 9 horas, depois de minha última aula. Estou lhe esperando nessa esquina.

Maxwel parou o carro. Ela desceu, acenou com os dedos sem olhar para trás. O difícil foi arranjar uma desculpa para sair de casa as nove daquela noite. Em casa, pouco antes das oito horas ele arriscou:

– Querida, está passando um filmaço no Shopping. Topa? 
Ficou esperando a resposta. Quando ela disse estar sem vontade, ele quase dava uma gargalhada de felicidade. Perguntou se incomodava de ele ir sozinho. Ela sempre liberou.

Às nove da noite Verônica se aproximou do local, ele já estava plantado, esperando.

O aposentado Maxwel agora tem mais despesa no orçamento, pagar faculdade. Feliz da vida espera as tardes das quartas-feiras para ter a moça da janela nos braços.

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Carlito Lima - Histórias do Velho Capita terça, 10 de outubro de 2017

O FUTURO É HOJE

 

– Josimar você não tem vergonha? Só faltava essa, casar com a filha de sua terceira ex-esposa, uma menina mais nova que você quase 40 anos. Você tem vergonha não? Hoje ela está com 20 anos, novinha bonita, atraente, os homens gostam da juventude, mas quando você chegar aos 70 anos ela ainda estará no auge dos 30 anos. É uma ponta certa do tamanho de um bonde.

Repreendia Virgínia, a irmã mais velha de Josimar, solteira, invicta, ligada à Igreja de São Pedro, autêntica filha de Maria, cheia de preconceitos e dogmas, reza todos os dias pela alma de Josimar, seu único irmão, seu último parente, mas fica estarrecida com sua vida de mulherengo incorrigível.

Há alguns anos quando o irmão casou-se a primeira vez, Virgínia comemorou, afinal o mano querido sairia da vida pecaminosa de solteiro, cheio de raparigas e amantes. Foi difícil para Josimar acostumar-se com a vida de casado. Nas sextas-feiras, ao meio dia, saía direto para o Bar do Pontal, ponto de encontro de suas amizades, inclusive algumas garotas de programa. Mesmo com o nascimento de seu filho, Josimar continuou sua vida de boêmio. O casamento durou cinco anos, a separação foi até um alívio para esposa. Josimar nunca deixou faltar nada na casa da ex-mulher e do filho. Ele tem um bom emprego arranjado por um amigo de infância, deputado, uma sinecura federal, aparece uma vez por semana, é um tremendo funcionário boa vida.

Certa vez apareceu uma prima da Bahia, toda frajola, morena da cor de melaço, encantou nosso herói, saiu com ele várias vezes, ficava nas preliminares, mas nada do jogo principal. Marta, a baiana, dizia que ali só entrava casando. Muita cantada, muita lábia gasta pelo boêmio, porém Marta resistiu bravamente. Quem não resistiu foi Josimar que terminou casando-se na Igreja de São Joaquim na cidade baixa de Salvador, com uma alegre recepção na casa dos primos. Sua família e amigos viajaram para Bahia num ônibus fretado. Quem mais ficou alegre foi Virgínia pensando que a prima consertaria a vida do irmão mulherengo. Nos primeiros meses o casal vivia de mãos dadas em lua-de-mel, aparecia em todos os lugares, enamorados. Os amigos comentavam, quem diria? Como uma mulher pode transformar um homem.

Certo dia chegou um recado de Brasília do deputado mandando Josimar resolver uma questão em Delmiro Gouveia, sertão alagoano. Ele não é advogado, mas tem conversa convincente, sabe defender pertinentemente seus pontos de vista, mesmo que esteja errado. No sertão ele resolveu a questão mais cedo que pensava e retornou ao lar pensando nas noites de amor com a baiana do rabo grande, sua digníssima esposa. Ao entrar no apartamento ouviu um barulho estranho, no quarto deparou-se com uma imagem que até hoje está fixada em sua mente e em sua alma. A bela Marta deitada na cama com um dos funcionários do prédio. Deu-lhe uma dor no coração, saiu do apartamento, foi para um bar encher a cara de cachaça. Terminou o casamento com um chifre enorme que ainda hoje dói. Prometeu nunca mais casar na sua vida, dedicar-se apenas às raparigas.

Anos depois conheceu, por intermédio da irmã, Mariluce, uma viúva, madura, bonita coroa, com uma filha de 16 anos, Maria da Penha. Josimar se encantou, andava cansado da vida solteira, os amigos casados, ele já não conseguia uma conversa adequada à sua idade nas noitadas cheias de jovem. Com certo tempo acertou formalmente e casou-se pela terceira vez. Mãe e filha foram viver no apartamento de três quartos do jovem coroa Josimar. Ele ficou feliz com seu novo casamento e deu-se às maravilhas com Maria da Penha, dizia que a enteada era a filha que não teve. Matriculou e custeou a moça na Faculdade de Direito. Quando podiam viajavam os três. Maria da Penha tinha o padrasto como confidente sobre seus namorados. Josimar dava-lhe vestidos, perfumes, até um carro seminovo a enteada ganhou. A mãe ficava com ciúmes pelo tratamento dado à sua filha, achava que ela também merecia. O tempo foi passando até que estourou a bomba. Josimar apaixonado por Maria da Penha deixou a mulher e foi viver com sua filha, um escândalo. Ele está feliz da vida diz que o futuro é hoje. Nem ligou com a espinafração que a querida irmã Virgínia estava lhe dando naquele momento.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 06 de outubro de 2017

SEU FONTES

O canal em alvenaria de pedra rachão retificando o Riacho Salgadinho -Reginaldo foi construído pelo Governador Major Luís Cavalcante. Antes dessa obra de saneamento, suas margens eram cobertas de manguezais e outros tipos de vegetação ribeirinha.

Quando a maré enchia, as águas se dispersavam pelos arredores, chegavam aos fundos dos quintais da Rua Silvério Jorge, onde eu morava, formando um terreno salobro apropriado para o “habitat” de caranguejos, goiamuns azulados, com a pata direita maior que o casco.

 

Um dos divertimentos da meninada era colocar “ratoeiras” feitas de latas de azeite nas tocas dos caranguejos e esperar o goiamum penetrar para morder a isca de pedaços de limão ou abacaxi. Uma alegria encontrar a ratoeira fechada com um goiamum preso. Imediatamente colocava o caranguejo dentro de um caixote de ripas no fundo do quintal de minha casa. Depois de cevados, cozinhar a caranguejada era farra dos meninos da Avenida da Paz.

Nas imediações da ponte de ferro havia um sítio com pesadas vacas cheias de leite em seus grandes úberes. Essa vacaria era o sustento do proprietário, Seu Fortes, um senhor respeitável que gostava de ler.

Ele dizia-se simpatizante do comunismo stalinista da União Soviética e do presidente Getúlio Vargas. O homem teve tantas decepções políticas que abandonou as vacas, encheu o sítio de cachorros, falava com os animais. Dias mais tarde endoidou de vez.

Certa vez eu colocava ratoeiras de caranguejos nas áreas vizinhas, entrei em seu sítio. Ao retornar à tarde, no momento que vi a ratoeira desarmada, feliz da vida, corri para pegá-la, de repente senti uma paulada na cabeça, me virei, era Seu Fortes irado gritando me chamando de ladrão. Tive medo, saí correndo, nunca voltei para pegar minha preciosa ratoeira.

Seu Fortes cada dia mais doido continuou morando em uma casinha do pequeno sítio que deixou de ser vacaria para dar lugar a mais de 20 cachorros, vira-latas legítimos. O louco passou a viver da ajuda dos parentes. As vacas sumiram.

Quando o doido aparecia, maltrapilho, vestido numa calça de saco, paletó rasgado por cima de uma camisa tosca, sapato velho, caminhando às margens do Salgadinho ou na Avenida da Paz, com um séquito de mais de 20 cachorros e discursando para ninguém, a meninada escondia-se e gritava para lhe fazer raiva:

– “Seu Fortes comunista!”

O doido virava-se de um lado para outro procurando de onde vinha a provocação levantava seu tabique de pau que mais parecia uma borduna de índio, gritava para quem quisesse ouvir:

– “Comunista é a puta que pariu!”

Irado, jogava pedras na direção das pessoas de onde vinha o insulto de comunista. Certa vez ele acertou uma pedra em um menino, meu vizinho, o pai deu queixa na polícia. Nós meninos fomos chamados a depor na delegacia, demos razão ao doido, confessamos que aporrinhávamos o pouco juízo do coitado.

Em 1954, durante uma crise política no Brasil, o presidente da República Getúlio Vargas suicidou-se com um tiro no coração, foi uma comoção geral em todo o país. As pessoas ficaram com luto dentro da alma, até os adversários de Getúlio se comoveram.

Certo tarde, a meninada jogava ximbra (bola de gude) na Avenida da Paz, quando apareceu Seu Fortes com sua cachorrada. O doido parou perto da ponte do Salgadinho discursando para o vento, ninguém entendia o que falava. Nesse momento um dos meninos, olhou para Seu Fortes de longe e gritou com toda força da garganta:

-“Seu Fortes! Você matou Getúlio Vargas! Assassino de Getúlio!”

Ao ouvir a afronta o doido enlouqueceu mais ainda, o rosto ficou rubro, o queixo começou a tremer, rodopiou o corpo, procurando de onde tinha vindo aquele despropósito. De repente começou a jogar os braços para cima segurando seu tabique e gritava para os passantes assustados:

-“Assassino de Getúlio é a puta-que-o-pariu seus filhos de uma puta!”

Ao nos ver, catou algumas pedras, partiu para cima jogando o que podia em nossa direção. Corremos nos dispersamos pela vizinhança. A partir desse dia tínhamos outro chavão para aporrinhar seu juízo fraco, chamá-lo de “Assassino de Getúlio.”

Seu Fortes foi um dos doidos inesquecíveis de minha adolescência na Avenida da Paz, cidade de Maceió dos anos dourados!!!


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 29 de setembro de 2017

A FILHA DE SEU IRMÃO

Ramiro é um sessentão bonito, mulherengo irrecuperável, mesmo com mais de 30 anos de casado é chegado a uma aventura, gosta de garota de programa. Nas sextas-feiras não dispensa uma matinê com uma bonita jovem

Certa manhã folheou o jornal na seção de acompanhantes, escolheu a anunciante: “Jandira, morena, 20 anos, esguia, universitária, seletiva. 9.8881-XXXX”. Marcou encontro na orla. Ao se reconhecerem, a morena entrou no carro com muita classe e ares de princesa. Ramiro ficou feliz em vê-la.

 

Na suíte máster ao ficar à vontade a jovem fez ferver o sangue nas veias do coroa. Como dois animais se entregaram ao melhor exercício físico do corpo humano. Durante o intervalo, no relaxe da hidromassagem, tomando um uísque, Ramiro provocou.

– Conte sua vida, menina.

Jandira havia gostado do alegre acompanhante, não se fez de rogada.

– Minha vida é uma novela. Meu marido fugiu com minha melhor amiga, deixou-me apenas uma filha de quatro anos. Faço programa para poder pagar a faculdade e o sustento da criança. Embora eu seja filha de um homem rico.

Continuou sua história.

– Minha mãe era pobre, filha de lavadeira, morava na Chã da Jaqueira. Quando jovem era linda de chamar atenção, todos os homens do bairro queriam namorá-la. O cabo Alcides do destacamento ficou perdidamente apaixonado, se declarava quando podia. Para ajudar em casa mamãe foi trabalhar numa residência de um fazendeiro na Jatiúca. O senhor mantinha a casa para os filhos, dois rapazes e uma moça, estudarem na capital. Os pais vinham à Maceió nos fins de semana. Com a convivência entre os jovens foram rolando brincadeiras, agarrados, até que um dia aconteceu o inevitável, o filho mais velho deflorou minha mãe e engravidou. Um desassossego, minha avó não deixou abortar. Para acomodar a situação minha mãe casou-se com o cabo de polícia apaixonado. Eu nasci e fui criada por um pai decente. O cabo Alcides morreu quando eu tinha dez anos, baleado por um bandido. Mamãe ficou sozinha nesse mundo trabalhando como lavadeira, copeira, faxineira para me sustentar. Só me revelou sobre meu pai verdadeiro quando fiz 14 anos, nas vésperas de morrer de câncer. Fiquei sozinha no mundo, fui morar com uma tia. Eu ainda piveta comecei a namorar um menino, vizinho. O diabo atentou, fiquei grávida. Casei e fui mãe com 16 anos de idade. Minha filha, Paula, é linda e por ela faço todo sacrifício. Felizmente tenho muita raça, estudei e consegui entrar na Faculdade de Direito à noite. Trabalho numa loja no Shopping. Minha sorte é que não pago aluguel moro num apartamento do meu ex-sogro, ele me cedeu, porque adora a neta, Paulinha. Faço alguns programas, tenho certeza que um dia me livro disso.

Ramiro tomava o uísque, interessado na história de Jandira, perguntou.

– E seu pai verdadeiro, você já esteve com ele? Ele sabe de sua existência?.

– Esse é o problema, certa vez tomei coragem, resolvi encará-lo, descobri seu escritório, esperei, fui recebida por ele. Quando contei minha história, meu pai se comoveu, queria saber mais detalhes. Eu constrangida e orgulhosa saí correndo. Nunca mais o procurei.

Ramiro emocionado perguntou.

– Por acaso, o nome de seu pai verdadeiro é Ronaldo?

Jandira chocou-se e confirmou assustada.

– É sim. Como você sabe?

Ramiro tomou um golaço de uísque e olhando nos olhos da morena, perguntou

– Como era o nome de sua mãe?

– Bartira

– É muita coincidência. Você não vai acreditar, conheço a história, lembro como se fosse hoje da Bartira, era bonita sua mãe. Prepare-se para maior surpresa de sua vida. Ronaldo é meu irmão. Eu sou seu tio, Jandira

Ela emocionada levantou-se da banheira, enrolou-se em uma toalha, atordoada com a descoberta, foi perguntando.

– Você tem certeza do que está dizendo? Não posso acreditar.

Acabou-se o clima sensual, conversaram a tarde toda. Ramiro resolveu ajudá-la

Dia seguinte Ramiro conversou e preparou o irmão, inventou uma história omitindo o motel. Marcaram um encontro, foi emocionante. Depois de alguns dias, muita conversa e do DNA, Ronaldo assumiu a paternidade.

Bethânia, seu nome verdadeiro, continua trabalhando no Shopping. Seu pai dá-lhe uma mesada. Ela deixou a vida de programa.

A esposa e os filhos de Ronaldo, depois do choque inicial, aceitaram a paternidade comprovada pelo DNA. A pequena Paulinha, a neta, é a alegria da família.

Quando Ramiro encontra a sobrinha se olham com carinho. Entretanto, ele não consegue apagar da mente a tarde de intenso amor com a filha de seu irmão.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 23 de setembro de 2017

OS TEMPOS MUDARAM

O assunto nas redes sociais dessa semana foi o homossexualismo, embora que no mundo atual não haja mais tabu. Houve um avanço da humanidade de respeito à preferência de cada um. Entretanto, há algum tempo, nos anos 50/60 as coisas eram diferentes. Contavam-se nos dedos os homossexuais assumidos na cidade.

Existia no bairro do Farol, perto de onde hoje é a TV Gazeta, o Zeiga, uma pensão especial de gays. O mais famoso hóspede atendia por Ramona, tornou-se o mais conhecido da redondeza, com trejeitos escandalosos era a chacota preferida da meninada, ele parecia gostar da notoriedade.

Certa vez aportou em Maceió, um jovem baiano bonito, parecia um galã de Roliúde, de nome Sandoval Duarte. Era rico, logo ficou conhecido nos clubes, nos bares e restaurantes, gostava de pagar rodadas de cerveja. Hospedado em um hotel ele pintava, seus quadros agradaram, tinha talento. Uma amiga da alta roda resolveu ajudá-lo numa exposição concorrida e badalada. As moças solteiras ficaram encantadas com o charme daquele artista espirituoso, rico e bonito.

Houve “frisson” na sociedade alagoana, uma decepção geral nas meninas casadoiras quando revelaram o escândalo. O jovem pintor baiano, Sanduarte, foi apanhado em flagrante amoroso com um rapaz de alta linhagem, também coqueluche das meninas. Sanduarte continuou morando em Maceió, sem problemas, era querido por sua simpatia. Em certo carnaval fizeram uma marchinha com ele, foi sucesso.

Em noite de Baile de Máscara do Clube Fênix Alagoana, um forte rapaz alagoano concorreu com luxuosíssima fantasia bordada de lantejoulas e paetês. Ninguém sabia se masculino ou feminino. O sexo do folião só foi revelado durante a premiação, era homem, ganhou o concurso de fantasia de luxo, primeiro lugar. O vencedor pertencia a uma família tradicional, naquela época a revelação de sua preferência sexual foi uma “desmoralização”. Os pais exilaram o filho no Rio de Janeiro, destino de muitos que iam dar expansão à sexualidade reprimida.

As lésbicas também eram poucas, refreadas. Hoje estão aí aos montes, parece que o homossexualismo feminino está em expansão. As mulheres entraram com fervor no caminho da revolução de costumes, estão transformando o mundo.

Entretanto, ainda hoje existe algum receio em sair do armário. Há dois anos, um amigo, casado três vezes – vou chamá-lo de Rock, em homenagem a Rock Hudson, bonito ator de cinema que no final da vida revelou-se – foi ao Recife passar um fim de semana com a namorada, aliás, uma garota de programa promovida à condição de noiva, assim apresentava Michelle aos amigos.

Quando seu bonito carro passava numa curva perto da cidade de Novo Lino, foi cruzado e fechado por uma camionete. Saltaram quatro homens com revólveres na mão, apontando, gritando ser um assalto. Um neguinho magro, com cara de fuinha e voz de “foen” entrou e sentou-se no banco traseiro, encostou o frio cano da arma na nuca de Rock. Ele apavorado obedecendo aos gritos do marginal, entrou com o carro num canavial.

Apareceram os outros assaltantes da camionete. Arrecadaram cartões de crédito, mais de três mil reais em dinheiro, talão de cheques, jóias e bijuterias da “noiva”. Eram quase seis da tarde, já anoitecia quando dois bandidos levaram Michelle para outro local, fizeram o que quiseram com a jovem. Enquanto isso, os outros meliantes seguraram Rock, mandaram-no se despir. Ele ficou nu, na posição que Napoleão perdeu a Guerra. Nesse momento o Fuinha estuprou o apavorado Rock. Foi doloroso, ele chorou angustiado. Com o serviço feito, os assaltantes entraram na camionete, deram o arranque, deixaram o casal no carro, levaram a chave.

Passava das oito da noite quando Rock e Michelle bateram numa casa perto de Novo Lino. Foram socorridos. Dormiram num pequeno hotel, prestaram queixa à Polícia. Na manhã do sábado seu irmão acudiu com a chave extra do carro. Retornaram à Maceió.

O assalto deixou algumas sequelas, foram traumáticos os primeiros dias para Rock. Existe uma relação muito forte entre a vítima e o algoz. Rock não esqueceu o Fuinha, tinha sonhos eróticos sendo estuprado, ouvia a voz foen, vinha-lhe uma excitação estranha. Resolveu pedir ajuda a um psiquiatra. Com dois meses de análise, entendeu, o estupro revelou sua ambígua sexualidade.

Rock hoje vive tranqüilo, assumiu a bissexualidade. Quando dá comichão, quando a vontade chega sem controle, ele vai à noite à orla, e escolhe algum jovem para um programa. Para os amigos mais íntimos, afirma sorrindo, que é bissexual porque só existem dois sexos, se fossem três ele era tri. Os tempos mudaram.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 15 de setembro de 2017

A GORDINHA GULOSA

Durval, sessentão, aposentado, e agora viúvo, está levando uma vida inimaginável há um ano. Depois da morte da esposa foi morar num pequeno apartamento da praia de Pajuçara.

Às vezes sai à noite em busca de divertimento. Numa sexta-feira foi a uma casa de show e dança, sentou-se à mesa, pediu um uísque ao garçom. Suas vizinhas de mesa eram três jovens na faixa de 30 a 40 anos. Uma loura bem vestida, saia vermelha, outra loura de mini-saia mostrando as pernas bonitas e a terceira, uma simpática, risonha e bonita gordinha, com um vestido de renda longo e um generoso decote realçando a exuberância dos seios.

Durval encantou-se com a beleza angelical da gordinha. Nariz afilado, boca pequena, lábios carnudos. Os cabelos pretos que nem um mutum, davam-lhe um tom sensual na aparência.

 

O viúvo viu a uva, achou-a nova, calculou ter o dobro da idade da gordinha. Depois de dois uísques Durval já conversava com as vizinhas. Eram pernambucanas, estavam a trabalho em Maceió, retornariam no domingo para o Recife. Cidinha, a gordinha, embarcava para Lisboa na segunda-feira pela manhã. Tinha conseguido um curso de cinema de seis meses na Europa.

Durval estava embevecido com a conversa descontraída das jovens. Sentiu fortes sinais de paquera nos sorrisos de Cidinha. A diferença de idade não seria empecilho.

Ao iniciar uma música suave, Durval convidou a gordinha para dançar. Abraçaram-se e ele sentiu colar-se o corpo da jovem. Mudos, se acarinhavam deslizando pelo salão. O coroa descolou o rosto, olhou-a nos olhos, de repente Cidinha beijou-lhe a boca, continuaram dançando entre beijos e carícias.

Tarde da noite Durval levou as jovens ao hotel e Cidinha ao apartamento. No espelho do elevador olharam-se abraçados e sorrindo. Um belo e simpático casal de gordinhos.

Ela resolveu tomar um banho. Durval entregou-lhe uma toalha. Quando do chuveiro jorrava água morna, ele entrou no banheiro, ficou encantado ao ver a gordinha entregue à água. Ensaboaram-se, beijaram-se, arrastaram-se à cama.

Num momento de intenso movimento, ouviu-se um estalo forte. O estrado da cama quebrou, o colchão arriou ao chão. Deram uma gargalhada, continuaram amando-se.

Depois de muito amor, os dois estatelados e mudos olhavam para o teto, Cidinha foi a primeira a falar:

– “O amor me dá uma compulsão enorme, quero comer. Tem alguma macarronada por perto nessa hora?”

Colocaram uma roupa e foram para a Casa do Macarrão. Cidinha comeu a primeira, pediu outra. Durval achou a maior graça porque vieram a terceira e quarta macarronada. Ele acompanhando discretamente. Cidinha esclareceu, a culpa era dele, quanto maior o êxtase, maior a fome. Levaram mais duas macarronadas num pacote viajando para o apartamento.

Dormiram como dois anjos de Botero. Ao acordar pelas 10 horas da manhã, enquanto a amada dormia, Durval levantou-se, escovou os dentes, tomou banho, enrolou-se numa toalha. Foi à geladeira beliscar alguma coisa. Ao perceber que não havia mais macarronada, saiu-lhe uma gargalhada tão alta que acordou os dorminhocos retardatários do prédio. Rolaram sorrindo na cama quebrada.

Antes de partirem para o Recife, degustaram um substancial café numa padaria, ele combinou que a acompanharia até sua partida a Portugal. O sábado ensolarado estava convidativo, cantaram durante a viagem de carro pela estrada litorânea cheia de céu, mar e muito coqueiro. Resolveram dormir em Maragogi. Hospedaram-se no Hotel Salinas. Foram à praia. Durante a noite divertiram-se no salão de dança, onde encheram a cara com muito uísque. Pela manhã, Durval roçou seu nariz no nariz de Cidinha, ela dormindo, sonhando, cheirava seu namorado. Beijaram-se nos lábios com muito carinho. Cidinha acordou-se voraz. Fizeram amor até mais tarde. A cama do hotel não despencou.

Domingo rumo ao Recife. O café da manhã regional, delícia da comida nordestina. O Salinas tem o melhor serviço de café da manhã do país. Certo momento Durval saiu para fechar a conta na recepção. Deixou a amada terminando seu café da manhã.

Meia hora depois ele retornou e percebeu os garçons espantados com aquela hóspede que não parava de comer esvaziando pratos e enchendo-os novamente de comidas. Quando ela viu Durval, deram uma gargalhada na maior cumplicidade. Ainda cochichou no ouvido: “Tapeei um pouco, mas não pude resistir tanta coisa gostosa. O culpado foi você meu amor, a compulsão é enorme, ainda sinto minhas pernas entre as suas, meus seios ainda estão em suas mãos.”

No Recife ele deixou-a numa mansão no bairro de Casa Forte. A família da gordinha é das mais tradicionais descendentes de Maurício de Nassau.

O avião decolava às seis da manhã do dia seguinte. Como combinado, ao entardecer Cidinha, de malas prontas, apareceu no hotel de Durval. Jantaram num chique restaurante de Boa Viagem, retornaram ao hotel. Foram horas seguidas de intenso amor e vinho. O coroa recorreu discretamente da ajuda da valorosa azulzinha. Na madrugada saíram do ninho amoroso direto para o aeroporto. Despediram-se num beijo prolongado.

Quando o avião decolou, ela pediu o primeiro lanche de bordo. E assim prosseguiu nas sete horas de vôo. Foram quatorze lanches e cinco garrafas de vinho durante a travessia do Oceano Atlântico. Cidinha comia recordando detalhes da aventura com o alegre coroa e pensava se algum dia iria revê-lo.

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Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 09 de setembro de 2017

DESEJOS PRESOS

O baiano Antônio Firmino viajou para rever amigos, colegas de turma de Engenharia em Maceió. Na manhã do sábado enquanto esperava um amigo no saguão do hotel, avistou uma senhora, pareceu-lhe familiar, achegou-se. O coração disparou, e a memória trouxe a imagem de uma adolescente alegre, bonita, ensaiava e dançava o rock nas festas. Madrinha de formatura, sua doce e inesquecível namorada. Firmino chamou-a pelo nome. Tereza!

Surpresa ela aproximou-se, o sangue ferveu-lhe, explodiu o coração ao reconhecer o amor de juventude, um grito saiu da goela e da alma. “Firmino! Não é possível”.

Abraçaram-se longamente, 40 anos de lembranças, sentimentos e desejos presos.

Arrefecidos os ânimos, sentaram-se no sofá sorrindo um para outro. Lágrimas presas nas faces de Tereza. Num relance, Antônio Firmino fez uma análise visual de sua ex-namorada. Tornou-se uma bela e apetitosa sessentona, cabelos castanhos longos e lisos envolviam o rosto delicado, olhos vivos brilhavam até pela emoção. Tereza interrompeu sua redescoberta.

– “O que está olhando? Eu estou em forma, graças a muita malhação, bisturi e hormônios.”

Conversaram bastante, Antônio resumiu sua vida, ainda trabalhava em construção, continuava morando em Salvador, estava em viagem solitário à Maceió para pensar na vida depois da morte da esposa, companheira de mais de 30 anos, há quatro meses. Foi bem casado, mas nunca havia esquecido aquele amor juvenil, puro e bonito da alagoana. Tereza emocionada deu um beijo em sua face, também resumiu sua vida, separou-se há três anos depois que lhe apareceu um câncer no seio, mas tem dois filhos e dois netos. Luta bravamente contra a doença maligna, cortou um seio, parece que conseguiu vencer, os últimos exames estavam ótimos. A perspectiva da morte transformou sua cabeça. Recomeçou a viver intensamente nesses últimos anos, por conta disso ficou má vista entre fuxiqueiros, o que pouco importa, a vida é uma dádiva. Sou uma coroa alegre que ama viver o que me resta.

Nesse momento apareceu Luciano, vinha buscá-lo. Cumprimentaram-se, ela o conhecia. Tereza perguntou onde era o almoço, ficou de telefonar para Firmino.

Passava um pouco das quatro horas, Antônio acompanhado de doze colegas de turma de Engenharia com esposas no restaurante se refestelavam de lagosta, peixe e camarão. Rolavam histórias, memórias e muito uísque. De repente apareceu Tereza, cumprimentou os casais, puxou uma cadeira, sentou-se ao lado de Antônio, cochichou no seu ouvido: “Não lhe largo mais”. O almoço terminou tarde.

Chegaram ao hotel às oito da noite de pilequinho, cantando antigas canções. No elevador se beijaram. Depois de um demorado banho se amaram como se o mundo fosse acabar. A ajuda azul foi determinante. Antônio Firmino ficou surpreso com o desempenho de Tereza, parecia uma loba no cio.

Toalhas na cintura, sentados no tapete, garrafa de uísque, os dois se abriram contando histórias de suas vidas. Tereza certa hora confessou que depois do tratamento do câncer, tomou muito hormônio, aguçou a libido, o sexo. Despertou-lhe uma inevitável necessidade de sexo. Alguns chamam de compulsão, é o pecado capital da Luxúria. Ela gosta de ser assim, só depois da separação e ver a morte perto teve a coragem de se desprender dos preconceitos. Durante o casamento foi correta com o marido, o amor burocrático a satisfazia.

Inesperadamente apareceu Firmino, namorado de sua juventude quando a virgindade era preservada e os desejos eram presos. Jamais ele saiu de suas lembranças e também do coração. Dormiram agarrados.

Amanheceu o domingo, Antônio Firmino acordou-lhe com um beijo no rosto. Ela abraçou-o, se amaram. Passaram o domingo na cama e na varanda conversando e se amando, curtindo a fascinante vista do mar do Maceió.

Continuaram quatro dias de amor sem sair do apartamento do hotel, comendo, bebendo, conversando, sorrindo, se amando felizes daquele encontro meio maluco, acidental. Nem o vício de Tereza em caminhar na orla, aconteceu.

Até que chegou a quarta-feira ingrata, Firmino deixaria o carro alugado no aeroporto, o avião decolava às 14 horas para Salvador, havia necessidade urgente de sua presença no escritório. Tereza o acompanhou até o aeroporto, sentada bem junto, o carro deslizava pela grande avenida. Num impulso ela o abraçou e beijou. Dirigindo e sorrindo ele pedia à amada, cuidado e juízo. Antônio estava às alturas de tanta excitação. Ao parar num sinal vermelho, um carro com três senhoras parou justaposto. As madames perceberam o que eles estavam fazendo, ficaram escandalizadas, fizeram o sinal da cruz, balançaram a cabeça repreendendo aquela falta de vergonha. O semáforo fez-se verde, Antônio acelerou, ao mesmo tempo saiu um gemido e um grito. “Sua maluca”. Continuaram correndo na avenida às gargalhadas.

Na hora do embarque despediram-se, beijos e lágrimas. Tereza ficou na varanda contemplando o avião decolar, a saudade bateu forte. Está programando viagem à Bahia necessidade em rever aquele amor, o mais puro de sua juventude. Juventude que ainda possui em seu corpo sessentão marcado pelo câncer. E soltar seus desejos que antigamente, há anos eram presos.

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Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 20 de agosto de 2017

ERRADICANDO A GONÔ

Bairro boêmio de Jaraguá

Logo após a II Guerra aconteceram problemas com a população boêmia no Nordeste, houve proliferação de doenças venéreas. Os americanos com seus dólares aumentaram a prostituição em nossas terras, trouxeram e disseminaram gonorréias e outras doenças. As prostitutas ficaram infestadas, transmitindo moléstias aos soldados brasileiros e à população nativa.

Em Maceió houve um trabalho organizado contra as doenças venéreas. O Ministério da Saúde enviou remédios. Surgiram as camisinhas. O Governo repassou verba para uma campanha de prevenção.

O ponto mais visado foi o bairro boêmio de Jaraguá onde as moças exerciam seu trabalho. Naquela época as melhores mulheres frequentavam os casarões da Rua Sá e Albuquerque, as mais baratas ficavam no baixo meretrício, o Duque, o Verde e o Sovaco do Urubu, onde hoje é o Centro de Convenções.

Primeira providência, todas as prostitutas passaram por rigoroso exame. O Posto de Saúde da Praça das Graças se encheu de cafetinas e pupilas na fila dos exames, tiravam a carteirinha de serviço com data de exame carimbado, havia espaço para notificar as revalidações.

A procura foi tão grande que abriram outro ponto de exame na Delegacia de Jaraguá, o delegado da época, Sargento Sobral, se empenhou na campanha com muito zelo. Como autoridade da região, o sargento-delegado fazia ronda diária fiscalizando se todas as operárias do sexo tinham suas carteirinhas carimbadas, exame em dia.

Constatando alguma doença transmissível a jovem era obrigatoriamente internadas no Hospital de Doenças Tropicais para tratamento até sarar. Depois da cura podia voltar à atividade, ao trabalho.

Nos quartos das pensões foram colocados cartazes preventivos: “EXIJAM A CARTEIRA PROFISSIONAL DE SAÚDE”. Alguns clientes se constrangiam em exigir a carteira das raparigas, pegaram doenças por conta disso. Essas carteiras eram atualizadas no Posto Avançado da Erradicação de Jaraguá, com médicos fazendo novos exames diários e indicando o tratamento adequado se fosse o caso.

A atuação do Sargento Sobral foi fundamental nos serviços da erradicação. Onde havia alguém com suspeita de doença, ele mandava buscar para rigorosa investigação.

Foi formada uma rede de informações em vários cabarés. As moças recusavam fregueses quando suspeitavam que eles estavam infectados. Muitas davam parte na delegacia, entregando o cliente. O delegado levava os acusados para o posto em nome da lei, sob a custódia de seus auxiliares.

Cidadãos da mais alta sociedade constrangeram-se em serem levados por policiais ao Posto Avançado de Jaraguá a fim de serem examinados. Não tinha acordo com o delegado. Geralmente essas denúncias eram fundamentadas e o delegado, além de dar uma bronca no doente fazia verdadeiras investigações policiais com os “criminosos” para descobrir a pessoa que transmitiu a doença, e quem transmitiu a essa pessoa.

As investigações eram constantes. Chamava as pessoas transmissoras da doença, citado pelo doente, até chegar aos sadios. O Sargento Sobral obrigava a todos os envolvidos serem tratados adequadamente pelos médicos, baixando ao Hospital nos casos precisos.

Houve até problemas conjugais. O zeloso delegado chegou a enviar esposas dos contaminados para exames específicos. Alguns suspeitos se livravam confessando ter se contaminado no Recife. Se acaso “entregassem” quem passou a doença, podia ser quem fosse, o delegado ia pessoalmente buscá-la para os devidos exames. Como geralmente o suspeito estava também infectado, obrigava a confessar a quem mais ela havia transmitido e com quem havia pegado a doença até chegar no final do novelo.

Em uma dessas investigações, Gerusa, uma das meninas mais queridas da Boate Alhambra, promíscua, apareceu doente. O delegado a fez relacionar todos os parceiros da última quinzena. Na relação, havia gente conhecida, inclusive um capitão do Polícia e um deputado. O delegado chamou todos os clientes de Gerusa, via carta entregue em mãos, para que fossem devidamente examinados e tratados. Mas, teve deferência especial com o deputado e o capitão. Foi pessoalmente à Assembléia Legislativa e à Polícia Militar, juntamente com o médico, para que essas autoridades fossem examinadas. Foi constatado que as duas autoridades estavam sadias. O trabalho imprescindível do zeloso Sargento Sobral conseguiu erradicar as doenças venéreas da cidade trazidas pelos soldados americanos.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quinta, 10 de agosto de 2017

TEMPOS MODERNOS

Feliz em encontrar a irmã no shopping, Ismael puxou duas cadeiras da mesa de um bar, pediu dois chopes no início daquela tarde de sexta-feira. Virgínia olhou-o, sorriu-lhe, sorveu um gole de chope, puxou a conversa.

– Ismael querido, há algum tempo precisava falar com você. Só nós dois é que sabemos o quanto nos amamos, sou louca pelo meu irmãozinho desde criança, nossas afinidades são escancaradas. Você casou-se, separou-se três vezes, agora está solteiro novamente aos 50 anos, nunca dei palpite em sua vida amorosa, boêmia e escandalosa. Desculpe eu estar me intrometendo em seu novo namoro, disseram-me que vai casar-se com a Maju. Até gosto da moça, mesmo com quase 20 anos de diferença, parece ser equilibrada e sensata. Acontece que me informaram um pequeno detalhe de sua vida pessoal, tenho obrigação de lhe passar, não quero que meu irmão seja enganado. Uma fonte fiel confidenciou-me, ela é sapatona, ou melhor, bissexual, tem um caso com aquela morena, andam muito juntas, se diz prima. Desculpe eu tocar em sua vida particular. Sabendo do fato, seria uma traição por omissão não contar-lhe esse pequeno detalhe.

 

Ismael respirou fundo, tomou dois goles de chope, pensou, pensou, respondeu à irmã ainda no impacto emocional da notícia.

– Obrigado Virgínia, você agiu bem, não poderia ser de outra forma. Francamente, nunca desconfiei. Eu até gosto da Girlene, a amiga inseparável, nada até agora me fez perceber essa opção sexual de Maju, sei que ela gosta de homem, tenho certeza, na cama é um arraso. Vou pensar no que fazer, é um caso grave, não sei se dá para conviver sabendo que a sua mulher gosta também de mulher. Obrigado minha irmã.

Pediram mais chope, passaram a tarde conversando amenidades.

Eram nove horas da noite quando Ismael encontrou-se com Maju numa barraca na orla, acompanhada de Girlene, tomaram chope, uísque, tira-gosto, jantaram quase meia noite. Duas horas da manhã deixaram Girlene em casa, dormiram no apartamento, amaram-se com ardor, Ismael nunca mais havia passado uma noite de amor com tanta intensidade. Pela manhã do sábado resolveram dar um mergulho na praia de Guaxuma, bebericar até o final da tarde. Maju perguntou se podia convidar Girlene.

– Tudo bem disse Ismael, mas, antes, quero uma conversa. Foi claro e taxativo com a namorada.

– Maju, temos mais de um ano juntos, somos adultos, lhe amo, tenho de ser sincero. Sua amizade com Girlene vem atiçando a maldade alheia vieram me fuxicar de um relacionamento íntimo, que vocês são caso, é o mexerico corrente nas rodas de nossa convivência que chegou aos meus ouvidos.

Maju ouviu olhando nos olhos do namorado, baixou a cabeça, respirou fundo, encarou-o novamente, abriu seu coração com franqueza.

– Ismael querido, é verdade, eu tenho essa opção sexual a mais, sou bissexual, a Girlene não é só minha prima. Eu estava esperando um momento apropriado para lhe confessar. Conversei muito com Girlene, tenho uma proposta, você pode até se chocar, não imagino sua reação. Minha única certeza é que lhe amo, quero você, quero ficar com você, não importa se casados ou juntados. Minha proposta é meio louca, entretanto, foi bem pensada, amadurecida. Quero continuar nosso relacionamento como está, sem casamento, cada qual em seu lugar. Peço-lhe apenas você passe uma noite com Girlene, conversando, sinta como é uma pessoa boa, entre em sua intimidade, depois me diga se aceita a situação, sem compromissos.

Ismael, um conservador, teve um impacto com aquela inusitada proposta, pediu um tempo para pensar. Foram à praia, Guaxuma estava linda.

Depois de uma semana analisando friamente a proposta, Ismael topou passar uma noite conversando com Girlene. Foi simples, Girlene apareceu em seu apartamento numa noite de Lua. Ajudados por uma garrafa de uísque conversaram na varanda, entenderam-se às maravilhas na sala e no quarto. No dia seguinte tinha resolvido a situação satisfatoriamente, agradando às três partes. Estão em período de adaptação, tiraram férias juntos, passeando em Lisboa, o mais caro foram as três passagens de avião. Ismael aderiu aos Tempos Modernos.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 06 de agosto de 2017

O MASSACRE DE JARAGUÁ

Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo

 

O fato se deu há muitos anos. Naquela época o bairro de Jaraguá vivia na efervescência de muitos negócios, exportação de açúcar, algodão, e importação de materiais industrializados. O porto de Jaraguá era um dos mais movimentados do Brasil. Na Praça da Recebedoria, hoje Praça Dois Leões, em torno da Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo, moravam estivadores, embarcadiços, pescadores, homens que tinham o mar como sustento.

Os vizinhos se conheciam, havia casamento entre eles, era como fosse uma só família. Augusta era a moça mais bonita da redondeza, 16 anos, filha de Seu Augusto, estivador, homem forte e rude. Ele ficava de olho naqueles que admiravam a beleza de sua alegre filha. Menina sapeca, trepava em árvore, corria na praia, faceira, a todos encantava. Mas só um ela se agradava, Gumercindo, jovem espadaúdo, tomou corpo de homem com 18 anos, forte musculatura, corpo foi forjado carregando sacos de açúcar no cais do porto, tornou-se embarcadiço. Os pais de Augusta permitiram o namoro. Era do gosto das duas famílias.

Certa tarde de domingo, uma pequena patrulha da Força Policial, comandada pelo Cabo Sobral, fazia ronda na Praça da Recebedoria. Quando o cabo viu a moça de roupa domingueira, encantou-se, ficou deslumbrado com a beleza de Augusta. Todo domingo o cabo admirava a menina de seus sonhos passando para missa na Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo. Certo dia ele se apresentou e falou com o pai da moça. Não se conformou em saber que a bela Augusta estava comprometida com um embarcadiço. Não admitia uma negativa, era quase proposta de casamento, ele um cabo da Força Policial, autoridade, de tradicional família (sua família deu nome à belíssima praia do Sobral, continuação da Avenida da Paz).

No dia 10 de janeiro havia a festa de Bom Jesus dos Navegantes. As embarcações flutuavam, singravam na enseada da praia da Avenida, cada qual com sua decoração, muitos fogos, muita alegria. À noite a festa se prolongava na Praça da Recebedoria. Colocavam tendas para leilões, bingos, tablados onde se dançava e jogava. Improvisavam bares servindo cachaça tira-gosto para animar a moçada.

Nas casas eram organizadas festas particulares frequentadas pelos vizinhos e convidados. Gumercindo havia chegado de Penedo numa barcaça. Os amigos encheram a festa na casa de Augustão, pai da menina mais bonita da cidade.

O Cabo Sobral, ao longe, assistia a animação na casa de Augusto, ficou com ciúme e despeito quando viu pela janela Gumercindo dançando o coco com a amada Augusta na maior felicidade. O Cabo, bêbado, com mais três policiais, tentou entrar na casa de Augusto, foram barrados na porta por Simplício, irmão do dono da casa. O cabo quis alterar, apareceram alguns estivadores, ele recuou. Depois de certo tempo, o Cabo Sobral, conhecido arruaceiro, retornou com mais cinco policiais. Foram rechaçados por braços e pontapés, a briga generalizou-se. Uma peixeirada deixou um policial morto estirado na rua.

Cabo Sobral e seus homens bateram em retirada. Ao retornar ao quartel armou mais de 20 soldados, fez um discurso incitando vingar o companheiro assassinado pelos estivadores. Montados a cavalos galoparam até a praça atropelando e atirando em quem estivesse pela frente. Os donos das casas pularam muro, fugiram da sanha dos policiais. Na casa de Augusto, todos dispersaram. Dois músicos ficaram guardando seus instrumentos, foram fuzilados. Na praça, os ambulantes que nada tinham a ver com a história correram para o interior da Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo. Os soldados do Cabo Sobral entraram, atiraram em todos inocentes, não ficou um vivo.

No dia seguinte o governador soube da chacina, estava escandalizado, entretanto, permitiu que os cadáveres, mais de 30, fossem ajuntados em carroça de bonde, e enterrados numa vala comum no cemitério de Jaraguá.

Nenhuma notícia foi publicada em jornais, não houve um registro sobre a ocorrência. Até a Igreja foi conivente para abafar o caso, determinou a interdição do templo católico. A Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo da freguesia de Jaraguá ficou fechada por mais de 20 anos. Mas o povo, os moradores do bairro de Jaraguá não esqueceram, ainda hoje, por tradição oral, os netos e bisnetos de Gumercindo e Augusta contam a história do massacre de Jaraguá.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quarta, 26 de julho de 2017

GERAÇÃO GUERREIRA

 

Costumo afirmar que esses sessentões e setentões ainda cheios de vigor que andam por aí, fazem parte de uma geração privilegiada. Tiveram uma infância bonita e livre e fizeram parte de uma juventude revolucionária dos anos 60/70 quando houve uma transformação no mundo. Essa geração teve uma participação efetiva na vida da cidade, do país, do mundo, fazendo brilhar mentes e corações.

É inimaginável, os jovens de hoje não têm idéia do que era ter 16, 20 ou 28 anos naquela época. Essa geração guerreira e contestadora mudou o mundo para melhor.

A arte foi usada para essa transformação. A música e a literatura eram ferramentas revolucionárias. Apareceram os inigualáveis Beatles, que faziam a cabeça da juventude cantando músicas de John Lennon e Paul Macartney, Ringo Star na bateria e George Harisson completando o time, pediam uma chance para a paz no mundo, com músicas como IMAGINE, YESTERDAY, MICHEL entre as outras. Chegando junto os Rolling Stones faziam sucesso com a irreverência de Mick Jagger.

Os USA fervilhavam com a juventude cantando e manifestando-se contra a iníqua Guerra do Vietnam. O festival de Woodstock foi o ápice do movimento musical mostrando ao mundo uma alternativa de vida com paz e amor.

No Brasil foi época de músicas de protesto. Apareceram o teatro de vanguarda, o cinema novo e a bossa nova, marcos na diversificada cultura brasileira. Época dos grandes festivais de música popular revelando para o Brasil e o Mundo compositores e cantores como Chico Buarque, Geraldo Vandré, Gil, Caetano, Gal, Bethânia, Milton Nascimento que subiram e nunca desceram do palco da música popular brasileira.

Que jovens fomos nós que assistimos ao vivo Garrincha e Pelé fazer malabarismo com a bola e serem três vezes campeões do mundo?

Tínhamos orgulho de um Brasil cheio de esperança e otimismo durante o governo de Juscelino Kubstcheck inaugurando siderurgias, usinas elétricas, fábricas de automóveis. A classe média brasileira teve acesso a carros populares fabricados no Brasil e o número de miseráveis brasileiros diminuiu.

Deu-se o golpe de 1964, uma boa parte do povo brasileiro apoiou no momento a “Revolução” pensando que a intervenção militar fosse temporária e houvesse eleições para presidente em 1965 como propunham os revolucionários. Mas veio a repressão. Os militares se aboletaram no poder por mais de 20 anos.

Os jovens daquela época, esses sessentões de hoje que estão no comando do país, foram os que mais contestaram o regime. Os considerados subversivos eram estudantes secundaristas, universitários que lideraram a luta contra a ditadura. Um exemplo que orgulha os alagoanos foi o então estudante de Direito Vladimir Palmeira. Organizou e liderou a passeata de 100.000 pessoas contra o regime em pleno Rio de Janeiro. Marcha que ficou na história do Brasil.

Nas Alagoas as coisas não foram diferentes, houve mudança de costumes. Antes daquele momento de transformação, nossa cultura machista, preconceituosa, cometeu injustiças hoje inconcebíveis.

Relendo alguns poemas daquela época que causaram impacto até nos meios intelectuais, achei um especial que gosto muito, é de uma menina na época, batalhadora, vindo do sertão, da beira do velho Chico, chegou em Maceió, fez o curso de medicina. Poeta e compositora escreveu muitas poesias, concorreu e foi vencedora de festivais de músicas. Revolucionou a nossa cidade com suas idéias avançadas. Menina bonita vindo da bela cidade de Piranhas fez sucesso nos festivais de músicas e nunca mais deixou de escrever seus poemas. Hoje faz parte da intelectualidade alagoana, é um esteio, uma batalhadora, uma incentivadora dos neófitos escritores das Alagoas. Por tudo isso e para homenagear nossa geração que tanto me orgulha, transcrevo o poema.

ÊXTASE

Você comigo, num abraço estreito… Nossos corações batiam acelerados.
Meu rosto recostado em seu peito… Nós dois sempre mais aconchegados.
Não sei se era amor que nos unia… Os nossos corpos num abraço deslumbrante.
Só sei que entre nós, algo existia… Um desejo que nos dominou, no instante.
Respirávamos mais forte e então… Tremia todo corpo, meu e seu.
Apertava trêmula, confiante, sua mão… Era totalmente sua e você meu.
Na volúpia do amor, extasiados… Esquecidos do mundo e de tudo enfim
Por momentos ficamos abraçados… Você esquecido de si e eu de mim.
Depois, tudo volta à tona e eu… Cabisbaixa, tristonha, o afasto de mim.
Por momento esqueci e você se esqueceu… Que o momento feliz chegou ao fim.

Hoje esse poema amoroso parece banal. Mas naquela época teve grande abalo e repercussão, com insinuações preconceituosas contra nossa poeta, a corajosa e inspirada Rosiane, lídima representante dessa bela Geração Guerreira.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 23 de julho de 2017

SEVERINA, UMA HEROÍNA

Severina nasceu em União dos Palmares, filha de trabalhadores rurais descendentes dos quilombolas, onde Zumbi organizou o Quilombo e lutou contra a escravidão.

Morena bonita, com ares de felicidades, sorriso constante nos lábios. Menina, já perambulava pelas ruas do povoado. Foi criada tomando leite de cabra, leite de jumenta, comendo “tô fraco” (galinha d’angola) no pirão. Era a mais rechonchuda da região. Quando ela completou 10 anos, seu pai resolveu mudar-se em busca de melhor qualidade de vida, foi morar numa invasão de terrenos no Vale do Riacho Reginaldo em Maceió. Sua infância foi marcante. Líder das meninas e dos meninos, ela jogava ximbra, subia em pé de árvore, brincava de polícia e bandido.

De repente veio a adolescência, aos 14 anos pegou um corpo bonito, tornou-se mulher. Os homens ficavam tentados quando olhavam para aquela menina-moça exuberante, sensual, sapeca, cheia de energia, mas tinham receio do severo pai. Certo dia, Zezinho, um jovem caminhoneiro ao voltar de uma longa viagem avistou Severina, o coração bateu forte. A piveta que ele via brincando, correndo nas ruas, trepando nas árvores, ganhando corrida dos meninos, havia se transformado numa deslumbrante moça. Ele foi se achegando, se achegando, até que Severina concordou namorar. Depois de dois anos entre namoro e noivado, foi marcado casamento para o dia 28 de dezembro. O jovem caminhoneiro atrasou-se na viagem, não chegou no dia marcado, mesmo assim houve festa, a bebida e comida não se estragaram. O casório aconteceu no dia 31 de dezembro.

Quatro dias depois do casamento Zezinho partia para outra viagem. Severina sem avisar, pela manhã estava pronta, para surpresa do marido sentou-se na boléia do caminhão. Foi a primeira das inúmeras viagens, percorreu todo o Brasil com seu companheiro. Logo aprendeu a dirigir, tornou-se excelente motorista melhor que o Zezinho. Assim passaram nove anos, só não dirigiu o caminhão na época de dar a luz.

Um bonito amor também chega ao fim; houve a separação. Severina foi tentar sua vida no Rio da Janeiro, ficou na casa do irmão. Logo estava trabalhando de cabeleireira para dar sustento aos filhos. Casou-se novamente, uma bela mulher fica sozinha se quiser. Com alguns anos a saudade foi maior, voltou e fixou residência em Maceió, trabalhando de manicure. As vicissitudes da vida fizeram acabar o novo casamento.

Certo dia Severina alugou um salão de beleza numa espécie de mercado de artesanato. Ela fez negócio, estabeleceu-se, passou mais de seis anos à frente de seu aprazível salão embelezando clientes. Os turistas adoravam quando iam às compras de artesanato, encontravam um salão de beleza bem equipado e bem servido pela simpatia e competência da Severina.

Ela morava num apartamento perto desse mercado. Quando em certa manhã ouviu o grito de fogo; ao perceber que o mercado estava em chamas, seu coração pulou, saiu correndo, conseguiu entrar no salão retirou a televisão. Ao retornar, o salão estava em chamas, tentou entrar no fogaréu, mas os bombeiros proibiram, dois militares seguraram seus braços. Severina tentava se desvencilhar para enfrentar o inferno. Chorava ao ver o fogo acabar seus equipamentos em poucos minutos. Perdeu tudo, não tinha seguro.

Nada na vida lhe foi fácil. Com muito trabalho Severina equipou outro salão no bairro da Ponta da Terra, onde hoje, a vistosa e bonita quarentona, mãe de 2 filhos, avó de um neto, no quarto casamento, atende a clientela.

Certa tarde, seu salão estava cheio quando entrou um assaltante de revólver na mão exigindo dinheiro e celulares de todos. Severina pediu calma ao ladrão que apontava a arma, ela levou seus clientes para o fundo do salão, voltou para negociar com o assaltante. Começou a conversar calmamente com o meliante, de repente, tirando o apurado do bolso do avental, falou firme, gritando:

– “Você não vai mexer com meus clientes. Tome aqui meu celular, tome meu dinheiro. E sabe de uma coisa, puxe para fora daqui seu cabra safado!!!!”

O assaltante assustado deu um pique, disparou pela calçada sem sequer olhar para trás. Os clientes aliviados bateram palmas. Assim é Severina, uma heroína brasileira.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 16 de julho de 2017

MINHA ESTREIA NO PALCO AOS 77

Foi uma noite memorável, embora eu não tenha mais tanto tempo para rememorá-la. Aos 77 anos fiz minha estréia num palco de teatro a convite do ator e diretor Chico de Assis. Aliás, eu interpretei eu mesmo, contando algumas histórias que escrevo dominicalmente em alguns jornais do Brasil. Impressionado com as boas gargalhadas da platéia, me empolguei dramatizando as narrativas, o Chico magnífico recitou alguns poemas e a afinadíssima Andréa Laís, cantou belas músicas, a ver com as narrativas. Para não ser cabotino transcrevo algumas opiniões de quem assistiu peça SE FOR PRA CHORAR QUE SEJA DE ALEGRIA.

“ Carlito! Fiquei encantada com sua apresentação no Teatro Deodoro na noite de ontem. Sentei-me ao lado de Rosita, e juntas relembrávamos cada detalhe tão bem descrito por você. E ríamos com a plateia que vibrava a cada narração. Ambientação perfeita, encenação nota 1000! A cantora, impecável como intérprete das belas músicas, o maravilhoso Chico de Assis conduzindo o espetáculo e declamando com maestria, a composição perfeita de Cremilda e do garçom…Sem defeito! Tudo arrematado com os sambistas,olhe! PARABÉNS! Alagoas lhe agradece. Grande abraço.” VÂNIA PAPINI,. (escritora, cantora, produtora cultural.)

“Valeu a pena tanta expectativa! Uma viagem pela cidade que se torna mais humana através de vocês. O instrumento ainda acaricia meus ouvidos quase surdos, e esta voz é única! Parabéns. Deve ser utilizado no programa do Chico, na TV, como seriado. É história. Maceió, seus enredos, sua cultura, seu povo”. EVERALDO MOREIRA. (psiquiatra, ator, escritor, ligado às letras e ás artes.)

CRÍTICA do dramaturgo GUILHERME DE MIRANDA RAMOS, para o Caderno B da Gazeta de Alagoas.”O PALCO FOI DO VELHO CAPITA”

“ Na semana passada, o Teatro Deodoro transformou-se num auditório da fictícia Rádio ZY-200, uma homenagem aos 200 anos de Emancipação Política de nosso Estado e à Rádio Difusora, ZYO-4, numa idealização de Chico de Assis, Carlito Lima e Andréa Laís..

O programa-espetáculo “Se for pra chorar, que seja de alegria” apresentou um locutor (interpretado por Chico de Assis) entrevistando o escritor/historiador Carlos Roberto Peixoto Lima (nosso queridíssimo Carlito Lima). Na entrevista, Carlito narrou histórias que viveu ou que ouviu falar em Maceió desde 1930, enquanto imagens pessoais e da cidade eram projetadas num telão, nostalgicamente. Entre uma história e outra, a dupla Andréa Laís (voz) e Toni Augusto (violão) fizeram apresentações musicais ligadas às narrativas, que ainda foram intercaladas por declamações de poesias (de autores diversos) pelo próprio Chico.

Carlito estava muito à vontade (como sempre fica em qualquer lugar). Apesar de ser sua estreia no teatro, arrancou risadas como se estivesse numa grande roda de amigos, na varanda de casa. Andréa Laís (que voz é essa, garota?) encantou mais do que uma horda de sereias em alto-mar. Toni Augusto (veterano na música) bailou os dedos num violão que mais parecia a lira de Orfeu. Chico de Assis (que, além de atuar, acumulou idealização, roteiro, direção e ainda fez a programação visual do projeto) foi impecável nas declamações. Porém, com tantas atribuições, talvez tenha lhe faltado um pouco de atenção no resultado final. Edner (Careca) Pimentel fez uma luz caprichosa, destacando cada plano de cena, mas, em alguns momentos, deixou a cantora na penumbra. Márcio Brebal proporcionou um som digno de CD (e que efeito vintage maravilhoso em alguns momentos), porém não silenciou o microfone headset (facial) de Carlito nos momentos musicais, quando ele, ansioso (no bom sentido), revisava, comentava, cantarolava – e a plateia escutava. Mas parabéns pela discretíssima troca de bateria do mesmo microfone durante uma cena. O que poderia ter sido o maior desconforto, foi resolvido engenhosamente.

Os escritos de Carlito são fascinantes. É difícil selecioná-los entre tanta coisa engraçada e crítica. São mais de 850 narrativas nesses 16 anos que se tornou escritor. 17 crônicas estão presentes na produção. Some-se isso a seis intervenções poéticas de Chico e 13 performances musicais de Andréa Laís/Toni Augusto e algumas intervenções da (sempre engraçada) Cremilda (interpretado pelo ótimo Naéliton Santos). Teve até a participação do garçom Pescoço (citado nas crônicas do Velho Capita)! Era impossível que o tempo da produção fosse cumprido. Uma hora e meia de apresentação é o ideal; duas horas é aceitável. Mas três horas, definitivamente, é comprometedor. Tanto que algumas pessoas foram embora no meio do espetáculo, preocupadas, talvez, com o horário do ônibus. Dói ter que cortar na carne da crônica e, consequentemente, da música, mas é preciso. Já a poesia está na dose certa. Na literatura, menos é mais. Na cena, já que a produção se assumiu como um espetáculo de literatura-música-teatro, não pode ser diferente.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 07 de julho de 2017

CONVERSA NA JATIÚCA

 

Domingo de meio sol, desci do meu apartamento para uma caminhada na praia, andei meia hora. Ao retornar mergulhei no azul do mar, nadei. Relaxado partir em busca de cerveja e conversa fiada, avistei Gilseno, solitário, quatro garrafas consumidas embaixo da mesa. Arrastei uma cadeira, pedi acarajé, cerveja, puxei conversa perguntando por Rosane, sua digníssima esposa. Percebi minha gafe quando ele respondeu com visível mágoa e aborrecimento.

– Me largou! Danou-se no mundo!

Gilseno sorveu um copo olhando distante para o horizonte do mar da Jatiúca. Pedi-lhe desculpa, não sabia do fato; continuamos a conversa amena, repetitiva, quando de repente o amigo desabafou.

– A sacana está em Paris!

Olhando para o cão, como se confessasse, contou-me o trágico ocorrido nos pormenores.

– Na sexta-feira antes do carnaval fui à casa de praia na Barra de São Miguel preparando para receber os amigos durante a folia. Da varanda eu contemplava a belíssima vista, a praia cheia de arrecifes, mar de um azul esverdeado que invadia a alma. Nesse momento ela apareceu, Gracinha, a filha da faxineira veio ajudar. Jovem, bonita e sensual com olhar de pidona. Seus olhos não me enganavam. Eu olhava pecaminosamente a moça desde que ela havia voltado de São Paulo, para onde partira há três anos, com menino no bucho, em busca do pai. Ficou em Sampa até que o marido desapareceu, ela tentou sobreviver, foi difícil, não conseguiu, retornou à casa da mãe.

Gracinha deve ter 18 a 19 anos, uma gracinha gostosíssima, além do mais provocante, só usa mini-saia deixando à vista detalhes do belo espécime feminino. Em São Paulo deve ter feito alguns programas, tem artimanhas para seduzir e quengar um homem.

– Continuei trabalhando na casa, mudando lâmpadas, empurrando sofá, me vi bem perto de Gracinha dentro de casa, sentia sua respiração e cheiro, não me contive, alisei seu cabelo, seus braços, ela murmurava num tom de cumplicidade, “Que é isso Seu Gilseno?” 
Abracei-a e deitei-a tapete da sala, nos beijamos. Fomos à apoteose.

– Estávamos ainda estirados no chão quando de repente a porta se abriu. Rosane chocou-se com a cena. Foi um flagrante constrangedor, ela gritou com ódio, gritou feito uma louca “Cabra safado, aguente as consequências!” Bateu a porta, Retornou a Maceió.

– Não tive coragem de voltar para casa. Procurei amigos, parentes, contei a história, pedi para amigos construírem a ponte da paz. Eu estava arrependido, prometi nunca mais acontecer, e outras promessas que me davam esperança. Rosane irredutível mandou recado que ele não tivesse a ousadia em procurá-la.

– Sábado de carnaval, acordei-me na casa na Barra, pensava muito avaliando a besteira que tinha feito, ainda bem que não tínhamos filhos. À noite fui dar uma volta no carnaval do centro da Barra. Tive um susto quando vi Rosane com um short curto, barriguinha de fora, toda charmosa dançando na rua, pulando com amigos. Deixei passar um tempo, cruzava os olhos com os delas, ela mudava o olhar. Até que certa hora o álcool deu-me coragem, fui até Rosane, ela me empurrou, ameaçou chamar a polícia. Algum tempo depois me levaram bêbado para casa. No domingo deu-me uma enorme depressão. Voltei à noite para o carnaval na praça, foi pior. Ao ver Rosane abraçando e beijando a boca de um jovem, parti para cima dela, peguei-a pela manga da camisa querendo levá-la para casa; levei um soco do acompanhante. Mais tarde me levaram novamente bêbado para casa. Depois do carnaval a procurei, não consegui encontrá-la. A mulher desapareceu de casa com roupas e pertences.

– Eu soube de notícia da Rosane quando ela já estava em Paris. Na quarta-feira de cinzas assim que o banco abriu, ela sacou R$ 120.000,00 de nossa conta conjunta, foi para o Recife, de lá para Europa. Não sei quando volta, e o pior, o jovem atleta está fazendo companhia nos passeios parisienses e em sua cama no hotel à beira do Sena. Não sei como suportar esse castigo.

Ao terminar a trágica história, estávamos na 12ª garrafa quando passaram duas mulheres belíssimas, Gilseno continuou olhando para o infinito, triste, sem apetência sequer de olhar as belezas do mundo.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 30 de junho de 2017

SE FOR PRA CHORAR, QUE SEJA DE ALEGRIA

Todos somos artistas, às vezes não sabemos como direcionarmos o talento emergente dentro de nós desde que nascemos. Os talentos são os mais diversos, para o bem ou para o mal. Tomando o exemplo da História Mundial, é inegável que Hitler e Stalin eram altamente talentosos, apenas usaram seus talentos de líderes e pensadores para impor ao mundo suas ideias, com talento e idealismo mataram mais de 100 milhões de pessoas, mas isso são apenas detalhes. Já Jesus, Gandhi e Luther King usaram seus talentos para mudar o mundo com o amor e a paz. Tom Jobim e Chico Buarque fascinaram o povo com o talento musical. Jorge Amado, Mário Vargas Llosa, Gabriel Garcia Marques se imortalizaram com a arte de escrever. As mulheres rendeiras do Nordeste criaram o filé, a renda, a singeleza com seus talentos natos.

 

Mal comparando, no decorrer de minha vida procurei meu talento na arte. Tentei o violão, desajeitado, não consegui aprender a nota de dó. Na pintura fui um desastre, meus quadros de natureza morta pareciam pedaços de defuntos, hoje talvez fizessem sucesso como pintura moderna, quem sabe com exposição no MAM ou no MOMA? Até que um dia alguns amigos me incentivaram a escrever um livro cotando histórias de minha vida atribulada. Gostei da idéia e danei-me a escrever. Com seis meses o livro estava pronto, lancei CONFISSÕES DE UM CAPITÃO em 2001, tinha apenas 61 anos, houve um sucesso inesperado, fui entrevistado até no Jô Soares. Engoli a corda, não parei mais de escrever. Atualmente toda semana escrevo na Gazeta de Alagoas a coluna HISTÓRIAS DO VELHO CAPITA, são pequenos contos numa linguagem coloquial que agradam aos leitores, esse é meu linguajar, eu gosto do que escrevo. Já são 851 historinhas publicadas nos jornais, revistas e sites nesses 16 anos. Recentemente na bela Palmeira dos Índios tive a surpresa em sentir popularidade entre as professoras e a população que lêem minha coluna na Tribuna do Sertão.

Por conta desse sucesso, o ator de tantas novelas na Globo e filmes internacionais, Chico de Assis, convidou-me a participar de em espetáculo, uma peça teatral, em que eu entro contando algumas dessas histórias passadas em Maceió, ele, Chico, arremata com um poemas ligados à história e a afinadíssima cantora Andréa Laís, acompanhada de Toni Augusto, canta músicas que tenha um elo com a história. Mesmo com meus alquebrados 77 anos, aceitei esse desafio. Ao contar a minha mulher que seria ator de teatro por um dia, ela me perguntou. “O que falta mais você inventar na vida?”.

A peça com o título, “SE FOR PRA CHORAR QUE SEJA DE ALEGRIA”, concorreu no edital do projeto TEATRO É O MAIOR BARATO, foi uma das escolhidas. Ensaiamos quase dois meses e vamos estrear na próxima quarta-feira dia 5 de julho no Teatro Deodoro às 19.30.

O espetáculo consta de uma encenação: Uma entrevista ao vivo na fictícia Rádio ZY – 200 (homenagem à Radio Difusora de Alagoas – ZYO4 e aos 200 anos de Alagoas). Nesse programa, o radialista (Chico de Assis) entrevista o historiador Carlito Lima sobre alguns acontecimentos e lembranças de seus 77 anos de vida. O entrevistado conta diversas histórias vividas ou ouvidas por ele, enfocando a infância, a juventude em Maceió. São histórias bem humoradas com figuras conhecidas no Estado, o tempo da ditadura quando era Capitão do Exército. Em seguida de cada relato, o ator Chico de Assis recita um poema ou a cantora Andréa Laís canta uma música, provocando na plateia um exercício de reflexão, de conhecimento de sua terra, até de auto-estima com a alegria e a irreverência dos atores.

“Se For prá Chorar que Seja de Alegria” é uma obra de relacionamento humano do nordestino, envolvida com uma capa de bom humor singular e o enfoque do passado, arrematada pela poesia e a musica.

Lembrando que o teatro é o mais antigo e o mais moderno meio de comunicação para aprimorar conhecimentos e difundir a cultura na sociedade. E a peça tem um papel fundamental de estimular a formação de público e o gosto pela juventude pelo teatro, e a valorização da produção artística das Alagoas.

Finalmente convido meus queridos leitores e família, levem seus filhos e netos para aplaudir ou vaiar esse espetáculo inédito em Maceió inventado pela mente fértil, pelas fantasias do ator Chico de Assis, orgulho das Alagoas.

TEATRO DEODORO – DIA 5 DE JULHO – 19.30 HORAS.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quinta, 22 de junho de 2017

BRINCADEIRA DE PEGA

Depois das aulas na Faculdade de Engenharia era costume a turma reunir-se para uma cerveja e traçar planos noturnos na Pizzaria Sorriso na Praça Sinimbu. Certa noite de quinta-feira, após uma prova, tomei rumo à pizzaria, assim que entrei recebi o convite, participar de uma festinha íntima na praia da Sereia. As moças já estavam esperando para levá-las a um bar escondido em frente ao mar. Confesso, o convite me abalou, mas a namorada me esperava para assistir a última seção do Cine São Luiz. A paixão foi maior, agradeci aos amigos, fui ao cinema onde o amor puro e belo me aguardava.

 

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Na manhã seguinte depois de tomar um café generoso daqueles que só existe na casa da nossa mãe, dirigi o carro rumo à Faculdade. Ao ligar o rádio sintonizado num programa de ronda policial, o locutor escandaloso esbravejava contando os acontecimentos.

“E atenção para essa notícia da juventude transviada. Um bando de xexelentos, rabugentos, estudantes da Faculdade de Engenharia da UFAL, promoveu um bacanal na praia da Sereia juntamente com algumas mundanas. Estavam como vieram ao mundo perturbando a moralidade pública, um escândalo na praia da Sereia. A depravação era tanta que uma moradora da redondeza chamou a Rádio Patrulha. Todos foram recolhidos a 1ª Delegacia de Polícia da Capital”.

Logo percebi que os xexelentos eram meus colegas. Mentalmente agradeci à namorada por não ter ido à festa. Na Faculdade um dos colegas contou a proeza, às gargalhadas.

Os meninos saíram em dois carros e um jipe percorrendo alguns pontos da cidade pegando as convidadas para a festinha. Eram sete acadêmicos e oito mulheres na praia em noite de lua cheia. No bar discreto pediram cerveja, cachaça, rabo de galo, tira-gosto de camarão, panã, siri, cioba. Todos conversando, sorrindo e cantando. A animação prosseguiu, um dos colegas tocava divinamente flauta, deu um show tocando músicas de Chico Buarque e Caetano. A cachaça rolava. Alguns mais apressadinhos davam uma saída para deitar-se olhando a Lua, os corpos rolando, lambuzando-se de areia da praia, parecia filé à milanesa.

Em certo momento, alguém teve a idéia.

“Está tudo muito bom, festa arretada, mas vamos animar um bocadinho, é tarde da noite e não tem vizinho por aqui. Vamos brincar de pega! As meninas correndo na frente se escondem, nós partimos depois para procurá-las. Quem conseguir achar e pegar alguma, os dois vão saudar Iemanjá num banho de mar ou em qualquer lugar. A ordem é essa!”.

A sugestão foi aceita por unanimidade. Logo estavam os 13 festeiros correndo e gritando pela praia iluminados por um luar prateado. Viam-se os vultos correndo e ouviam-se os gritinhos nervosos das meninas escondendo-se dos caçadores, brincadeira apimentada. Dois amigos preferiram ficar sentados no bar apenas olhando a brincadeira de pega, divertindo-se. Já durava uma hora de corre-corre, quando apareceu um jipe em marcha lenta com luz alta acesa focando os alegres jovens que brincavam de pega. Quando focou um dos acadêmicos pegando uma bonita morena, o estudante virou-se gritando alto.

– Apague essa luz, seu filho….!!!

O jipe parou, saltaram três policias com cassetete na mão e revólver nos quartos, era a Rádio Patrulha. Prenderam o casal. O comandante chamou todos para reunirem-se no bar. O pessoal foi se achegando, vestindo a roupa. Um dos estudantes apresentou-se como aluno do NPOR, mas não houve acordo. O sargento comandante da patrulha informou que a denúncia foi uma ligação de um capitão do Exército que morava pela redondeza pedindo para acabar aquela imoralidade pública, contra os bons costumes. Exigiu a prisão de todos os marginais da orgia.

Convidados para comparecerem à delegacia, foram os quinze pegadores, pecadores. O delegado logo trancafiou as mulheres no xadrez. A sorte é que um dos acadêmicos era primo do delegado. Os estudantes comovidos pediram para liberar as meninas. Às quatro da manhã chegaram a um acordo, os homens estavam liberados, podiam ir para casa, as mulheres depois seriam soltas. O delegado não cumpriu o acordo, as moças dormiram na delegacia, foram soltas no dia seguinte. Jornalistas encarregaram-se de espalhar a notícia do bacanal nas rádios e jornais.

Hoje esses engenheiros da brincadeira de pega na praia da Sereia são respeitosos pais de famílias, avôs, ainda trabalhando pelo desenvolvimento do belo Estado das Alagoas. E essa turma de Engenharia 1971 ainda reúne-se toda primeira quinta-feira do mês num almoço fraterno, nostálgico e alegre, lembrando-se das histórias da juventude.

Essa e outras histórias serão contadas na peça SE FOR PRA CHORAR QUE SEJA DE ALEGRIA – Dia 5 de julho no Teatro Deodoro, Maceió – 19 horas.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 16 de junho de 2017

DIA DOS NAMORADOS

Em pedaços do Muro de Berlim conservado, o desenho da foto do beijo histórico entre Brejnev (Rússia) e Honecker

(Alemanha Oriental). Abaixo, este colunista e esposa imitam os dois líderes comunistas

Esse negócio de dia dos pais, dia mães, dia nos namorados, dia dos amantes e outros dias, é invenção do comércio para vender mais. As armas do capitalismo são a propaganda e a invencionice para vender o que precisa e o que não precisa. Os judeus americanos inventaram os Shoppings Centers nos Estados Unidos nos anos 50 que se tornaram as catedrais do consumo em todos os lugares do mundo. O sonho das cidades interioranas de médio porte é ter um Shopping na cidade, somente para consumir, comprar o que não precisa. E esses “dias” são para o consumo.

Apenas um desses dias me comove, como romântico incorrigível, eu amo o Dia dos Namorados, sempre compro flores para minha amada, que há 48 anos aceitou casar com um dos boêmios mais conhecido na cidade. Porém conseguimos atravessar mares bravios, estradas esburacadas, tempestades e turbulências com muita fibra, e lógico, é preciso muito amor para suportar tantos desgastes. Quase meio século de união e o coração nos faz compreender que a vida é tão pequena para tanto amor. E nesse Dia dos Namorados recebi o mais bonito presente de minha mulher, uma declaração escrita tirada de versos, de músicas que acompanharam nossas vidas. Eu quero ler e mostrar para todo mundo que apesar de todos os percalços da vida, o amor é feito mocinho de cinema americano, no fim sempre vence.

* * *

Carlito,

Se pudesse contar nossa história iria buscar nas poesias das músicas que se identificam com as diversas fases de nossas vidas. Começaria com Noite dos Mascarados:

Quem é você? Diga logo que quero saber… Sou seresteiro poeta e cantor, eu modesta parte só zombo do amor, sou colombina, eu sou pierrô, fui porta-estandarte, não sei mais dançar, eu modesta parte nasci pra sambar, …Deixa o dia raiar que hoje eu sou da maneira que você quiser, o que você pedir eu lhe dou seja você quem for seja o que Deus quiser… Desses contrastes nasceu nosso amor num dia de carnaval.

A vida segue, Chico Buarque expressava o que eu sentia algumas vezes na música: Com Açúcar com Afeto. Fiz seu doce predileto pra você parar em casa, qual o quê com seu terno mais bonito você sai nem acredito quando diz que não se atrasa. Quando a noite enfim lhe cansa você vem feito criança implorar o meu perdão, Qual o quê, logo vou esquentar seu prato, dou um beijo em seu retrato e abro meus braços (e pernas) PRA VOCÊ.

Em tempos difíceis a sensibilidade de Chico, cantava em Roda Viva “Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu, a gente estancou de repente ou foi o mundo então que cresceu. A gente quer ter voz ativa no nosso destino mandar mas eis que chega a Roda Viva e carrega o destino pra lá…”

Noites de amor: O meu amor tem um jeito manso que é só seu, E que me deixa louca quando me beija a boca, A minha pele toda fica arrepiada, e me beija com calma e fundo ate minh’alma se sentir beijada.

No outono de nossas vidas me emociono com Valsinha, um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar… Olhou-me do jeito mais… Do que sempre costumava olhar. E foram tantos beijos loucos que a vizinhança toda despertou…

E a bela letra de LIKE A BRIDGE OVER TROUBLED WATERS, de dois americanos: Simon e Garfield, (COMO A PONTE SOBRE ÁGUAS REVOLTAS) que diz mais ou menos assim: sempre estarei do seu lado como uma ponte sobre águas revoltas, quando você se sentir sozinho, os amigos não forem encontrados, quando lágrimas correrem de seus olhos, eu estarei do seu lado como a ponte sobre águas revoltas… Te amo.

Vânia

Maceió, 12 de junho de 2017


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 09 de junho de 2017

SEQUELAS

Adonias era jovem e pedreiro dos bons. Certo sábado pela tarde resolveu adiantar um serviço de assentamento de pastilhas na fachada do edifício. Estava preparando o andaime para trabalhar quando de repente escorregou; ainda não havia colocado o equipamento de segurança individual, deu-se o desastre, caiu do quinto andar.

Teve muita sorte, os andaimes abaixo amorteceram a queda e Adonias caiu em cima de um monte de caixas de papelão e areia fofa. A pancada foi forte, os colegas o levaram imediatamente para o Pronto Socorro. O médico que atendeu o acidentado confirmou ter sido um milagre. Adonias estava cheio de escoriações, hematomas e vários ossos quebrados. Contudo, um detalhe inusitado chamou a atenção, talvez pela pancada deu-se uma sequela imediata, o priapismo, ou seja, a ereção persistente e constante do pênis, mais conhecida pela massa ignara como “paudurecência”.

Enfaixaram e engessaram Adonias em suas múltiplas contusões, porém, o levantar do lençol em certo local, dava para perceber o priapismo. O médico previu no mínimo vinte dias de cama e determinou sua transferência para algum hospital. Levaram Adonias em ambulância para uma Casa de Saúde com todo corpo enfaixado, apenas uma parte livre e dura. Dia seguinte um jornal fez reportagem sobre o acidente, acusando a falta de segurança da construtora e o jornalista destacou a sequela do priapismo.

A partir desse dia não houve mais sossego para Adonias. Foi visitado por curiosos e por gente interessada em estudar o fenômeno. Uma turma de estudantes de medicina acompanhou o caso diariamente. Algumas jovens foram de tamanha dedicação, davam plantão à noite tentando resolver o problema. Algumas visitas voluntárias até dormiam como acompanhante, uma mostra de solidariedade humana. Duas beatas de uma igreja da redondeza, quando souberam do acontecido entraram nessa corrente, dando seu sacrifício para confortar o pedreiro. Ramona, um conhecido homossexual, fez várias tentativas para debelar o priapismo do jovem, ele gostava de admirar aquela “doença.”

Adonias foi se recuperando dos ossos quebrados, mas a dureza continuava desafiando a medicina, mesmo com todas as solidárias tentativas.

O dono da construtora contratou algumas jovens da Boate Areia Branca. As profissionais não conseguiram amolentar. Pedro já se sentia incomodado com tanta gente cheia de caridade.

Depois de sete dias e seis noites de ininterrupta rigidez, lembraram em falar com Mãe Dolores, que atendia num terreiro do Tabuleiro. Certa noite levaram Mãe Dolores, coroa bonita e experiente, ex dançarina do Circo Garcia, ainda jovem trabalhou em várias casas noturnas pelo Nordeste. Conhecida dos velhos boêmios pelos seus dotes e serviços completos, ela sabia posições sem nunca ter lido o Kama-Sutra, fazia um “frango-assado” como ninguém. Uma mestra.

Explicaram qual o trabalho, abaixar o priapismo, ela aceitou. Ao chegar à Casa de Saúde pediu para ficar a sós com o paciente dentro do apartamento e entrou com ramos e óleo de benza trancou a porta por dentro. Mais de 40 minutos se passaram quando ouviram um barulho como se fosse um baque no chão. Os amigos bateram à porta, preocupados. Dolores apareceu toda faceira, sorria maravilhosamente com cara desavergonhada. Dentro do quarto, Adonias enfaixado, caído no chão, satisfeito, vibrava olhando a parte afetada: “Consegui! Consegui! Viva Dolores!”

O caso do priapismo foi discutido em seminários em todo o Brasil e no exterior. Alguns cientistas disseram que foi a pancada da cabeça no chão devido à queda da cama que fez voltar ao normal. Os esotéricos acharam que a cura foi devido à reza de Mãe Dolores. Já os boêmios, os conhecedores da vida e dos serviços da dançarina tiveram certeza que foi o divino trabalho de Dolores, sua especialidade, o “frango assado” que ela fazia magistralmente. Mestra nesse ofício, ela ainda tinha mais alternativas além do “frango assado”, como o “psilone”, o “rolo compressor”, o “130”, para resolverem com magia e competência a sequela de Adonias.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 04 de junho de 2017

A ENXURRADA

Ponte sobre o Salgadinho Avenida da Paz – 1949

A chuva tamborilava nas vidraças das janelas, batia forte feito um chicote. O aguaceiro descia pelo telhado do bangalô, transbordando a calha de zinco, em cuja extremidade, parecendo cachoeira, caía em jorro no gramado do jardim. Três crianças alvoroçadas, alegres, aproveitando a inesperada bica, tomavam banho de chuva, brincavam empurrando um ao outro. Entardecia, de repente ouviu-se um estrondo, o relâmpago iluminou o céu e o mar, por um instante avistou-se alguns barcos, jangadas, balançando em mar revolto, pescadores retornavam da faina diária. O trovão assustou os meninos e os moradores da redondeza. Era final do mês de maio de 1949 quando aconteceu o maior temporal da história de Maceió.

Na cabeça de Gabriel vieram-lhe os caranguejos. Durante trovoadas goiamuns saem das tocas e entram facilmente nas armadilhas. As cinco “ratoeiras” feitas por ele, usando lata de azeite, deviam estar desarmadas, fechadas, com um baita goiamum preso. Dia seguinte, bem cedo, iria recolhê-las, pensava o menino. No início daquela tarde, como sempre fazia, Gabriel colocou cinco armadilhas em tocas de goiamum no sítio de coqueiros de Dona Sinhá, terra salobra, manguezal, celeiro de caranguejos, à margem do Riacho Salgadinho.

Raios e trovões continuavam. Da varanda onde os meninos saltitavam encharcados não se enxergava o horizonte da imensidão do mar. Naquele momento estacionou na porta do bangalô um Ford 1946, preto. Doutor Bernardo abriu a porta do carro e o guarda-chuva, correu em direção à casa atravessando o jardim. Ao chegar à varanda foi abraçado pelos três filhos encharcados. Feliz por estar em casa gritou recomendando à esposa:

– Isabel mande esses moleques trocarem de roupa, a chuvarada vai continuar, tenho medo de uma cheia igual à do ano passado.

Não foi preciso o pedido à Isabel, era como se fosse ordem direta aos filhos. Os três correram para seus quartos, tomaram banho, vestiram pijamas, retornaram à sala onde o pai balançava-se numa cadeira de palhinha ouvindo o noticiário da Rádio Difusora de Alagoas – ZYO4, sobre a chuva forte caindo em toda região de Maceió.

Na noite do temporal os meninos brincavam despreocupados. Antes do jantar, Dr. Bernardo pediu ao filho mais velho um grogue. Mário abriu o bar, colocou três dedos de conhaque Napoleón que o doutor tomou de uma talagada, engolindo o líquido que desceu ardendo goela abaixo. Pediu outro, precisava, havia se encharcado na chuvarada, comentou. Depois do jantar a família reunida ouvia as notícias pelo rádio, algumas barreiras caíram na periferia, ninguém sabia a previsão do tempo. O noticiário confirmou que foi o maior volume de água caída na cidade nos últimos anos. Eram nove e meia quando Isabel colocou os meninos para dormir.

Por volta das 10 horas da noite ouviu-se um estrondo contínuo, era barulho de água em movimento. Uma enxurrada em velocidade passava por perto. A tromba d’água descia desde o bairro do Tabuleiro dos Martins 15 quilômetros acima da região da orla e foi se avolumando, crescendo pelo bairro do Farol como uma onda desgovernada, atropelando o que encontrava pela frente. Virou carros e carroças, derrubou árvores. Quando a enxurrada desceu como uma cachoeira no bairro das Mangabeiras, desprendeu-se um enorme pedaço da encosta caindo por trás de mais de 20 casas. A barreira cobriu de terra e lama essas casas, muitas pessoas morreram soterradas.

A tromba d’água tomou o Vale do Riacho Salgadinho, cada vez mais volumosa, insustentável, levava o que havia no leito do riacho. Na foz, no desembocar do mar, a água chegou avassaladora quebrando ao meio a ponte de concreto da Avenida da Paz sobre o riacho, arrastou os dois blocos pesados da ponte à beira mar.

No vão onde havia a ponte sobre o Salgadinho, ficaram apenas os trilhos dos bondes pregados em seus dormentes. O tamanho da tragédia foi avaliado quando o dia amanheceu.

Fragmentos do romance MANGUABA a ser lançado em julho


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 27 de maio de 2017

O LEILÃO

O fato se deu no início dos anos 60, quando não se ousava pensar em tenebrosas transações, o mundo era mais puro e idealista, embora não fosse tão politicamente correto com deveria sê-lo.

Jaciara bela e exótica cafuza, cabelos negros escorridos, rosto redondo, olhos agateados, lábios carnudos e encarnados, era conhecida como Índia, morava com o pai, cortador de cana, pobre e analfabeto, sem perspectiva de vida melhor.

 

 

A mãe fugiu com um motorista de caminhão, arribou pela estrada afora, tornou-se prostituta estradeira. O pai de tanto desgosto começou a beber muito, não aparecia para cortar cana, o capataz da fazenda ameaçou-lhe tirar a casa de taipa. Sem deixar a cachaça terminou morrendo. A menina Jaciara ficou só no mundo. Aconselhada por amigas foi tentar sobreviver na capital. Procurou de casa em casa até arranjar trabalho de empregada doméstica. Tinha disposição, fazia uma faxina caprichada agradou à patroa. Acontece que sua sensualidade e beleza agradaram ao patrão, aos dois filhos e até ao pai do patrão, o avô, o bom velhinho quando olhou a Índia pensou que ainda era moço, e tentou. Jaciara tinha prometido ao pai casar virgem, para cumprir a promessa e evitar o assédio dos quatro machos da casa, após cinco meses de trabalho, sem comunicar a patroa largou o emprego, tinha apenas 17 anos.

Sem ter para onde ir, ficou sentada na orla olhando o mar, com uma maleta no chão. Nessa tarde conheceu Cícero, um homossexual que com pena levou-a para sua casa, pediu a mãe para dar guarida até arranjar emprego. Na casa de Cícero não se podia pagar empregada. Jaciara fez alguns trabalhos em troca da comida e dormida. Difícil uma analfabeta achar emprego.

Certo dia uma vizinha, ao vê-la, aconselhou: “Menina você é muito bonita, os homens lhe desejam, vá ganhar dinheiro no cabaré.” “Eu sou virgem”, disse Jaciara. –“Sua virgindade vale ouro, muito coronel pagaria um dinheirão para tirar-lhe o cabaço”.

O Cão, o Belzebu ficou atentando o juízo de Jaciara. Numa noite procurou a vizinha, pediu para levá-la à zona. Ao chegar à Boate São Jorge, bairro boêmio de Jaraguá, subiram a íngreme escada, Jaciara empolgou-se com a beleza do salão. O dono, o rei da noite, chegou perto, a amiga foi falando: “Pai Velho, olhe o presente que trouxe para você, essa bela índia”. Aproximou-se, cochichou no ouvido: “É virgem”.

O Negrão conhecedor profundo da alma boêmia interessou-se por Jaciara, o fato de ser virgem, deixou-lhe empolgado. Havia quem desse um bom dinheiro por aquela jovem. Mandou-a esperar, Jaciara estava deslumbrada com a música do conjunto, a alegria da casa, os pares dançando no salão. O “Pai Velho” levou-a ao escritório, um quarto especial. Deu alguns trocados para amiga e despachou-a, ficou com Jaciara, era todo sorriso, simpático, passava confiança às meninas, adorado pelas raparigas. Fez algumas perguntas à Índia. De repente pediu-lhe para tirar a roupa. Jaciara desabotoou os laços nos ombros, o vestido de chita caiu no chão, desabrochou a beleza seminua da jovem, o Pai Velho encantou-se. Se não fosse virgem ele seria o primeiro, contudo, aquela virgem valia ouro. “Você vai passar alguns dias só aparecendo no salão, tome dinheiro, compre três vestidos, toda noite fique bem bonita se mostrando de mesa em mesa, não vá para o quarto com ninguém, diga que é virgem, eu vou arranjar alguém especial para lhe tirar a virgindade, depois fica trabalhando na boate.”

Toda noite Mossoró anunciava o leilão da virgem Jaciara no dia do Show de Reinaldo, uma trupe divertida de travestis, e inauguração da luz negra no salão. Na noite marcada a Boate estava cheia; políticos, coronéis, usineiros, reservaram mesa. Foi uma das maiores festas na história do bairro boêmio de Jaraguá. Um rico fazendeiro arrematou a Índia no leilão. Colecionador de cabaços, ele usava um colar, cada conta, uma virgem sacrificada. Pagou uma fortuna por Jaciara. Depois, não houve outra alternativa, ela continuou sua vida no cabaré.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 20 de maio de 2017

O CONFORMISTA


Raimundo é cearense, foi trabalhar em Maceió nos anos 70 e ficou morando para o resto da vida. Religioso, crente e conformista, não perde missa, comunga aos domingos. Toda calamidade acontecida ele encara com a frase conformista predileta: “São os desígnios de Deus”. Sua religiosidade tornou-o um homem temente ao Todo Poderoso. No Colégio Marista do Ceará era considerado peixinho dos irmãos pela inabalável fé aos dogmas da Igreja Católica. Rezava muito, ajudava a missa, coroinha. Era mostrado como um exemplo de jovem o que deixava a galera do mal enciumada. Tornou-se alvo de muitas brincadeiras irreverentes. Raimundo nem aí, firme em suas convicções com muita personalidade.

 

Na maturidade preservou o sentimento religioso conformista. Tudo que acontece, seja bom ou mal, para ele são os desígnios de Deus. Sua mulher Iolanda, depois de 35 anos de casados, dois filhos encaminhados, funciona na prática uma irmã e amiga, cuida bem do marido e da casa, mas não se cuida, já ultrapassou os 121 quilos. Mais de três anos sem sexo completaram o casal.

Com todos predicados religiosos, Raimundo não é o santo que se parece; tem seus pecados. Gosta de uma garota de programa em alguma tarde. Ele tem uma agenda confidencial com a relação de amigas que lhe prestam serviços agradáveis. Uma vez na semana telefona para alguma.

Certa tarde Raimundo estava dirigindo pela orla de Pajuçara para refestelar sua alma olhando o verde-azulado do mar. Ao longe ele avistou uma mulher num ponto de ônibus pedindo carona com a mão. O cearense parou o carro adiante, a moça se aproximou perguntando:

– Vai até o Hotel Jatiúca?

Ele abriu a porta e a bonita jovem já foi sentando, cruzou as belas pernas mal encobertas pela mini-saia. Deu uma sensação de fervor nas veias de Raimundo. Puxou conversa até chegar no Hotel. Michelle antes de dar o número do telefone pedido, se ofereceu:

– Você foi tão gentil, não quer um agradecimento logo adiante na praia de Cruz das Almas?

O coroa ficou entusiasmado pela aventura inesperada. Seria coisa rápida, disse ela. Nosso amigo empolgado estacionou o carro embaixo dos coqueiros perto a outros carros que ali estavam enquanto os ocupantes se dedicavam ao amor vespertino. Michelle pediu para ele se dirigir mais adiante, num local mais ermo. Raimundo atendeu, estacionou o carro num local mais deserto no meio do coqueiral.

O cearense ficou encantado com a habilidade da jovem quando acabou a função. De repente, Raimundo ouviu um “toc-toc” no vidro do carro, ao olhar de lado havia um cano de revólver apontando, e uma voz mandando abrir o vidro. Eram três meliantes. Colocaram o casal no banco traseiro, deram a partida, um dos meliantes tinha um revólver na mão direita e alisava o cabelo de Michelle com a esquerda. Rumaram pelo litoral norte. Nos arredores da praia mais deserta, o motorista estacionou, era tarde, estava escurecendo.

Os assaltantes mandaram os dois descerem, cataram dinheiro, carteira, cartão, tudo que podia. Um dos meliantes obrigou Michelle a fazer o que ela já havia feito com Raimundo. Os outros dois bandidos barbaramente estupraram Raimundo por trás de uma moita. Deixaram o cearense sozinho na praia. Levaram o carro e a moça.

Foi um pesadelo para nosso herói, a região ficou dolorida. Andou até um povoado, de lá tomou um táxi, foi para casa. Contou a sua mulher sobre o assalto, prestou queixa à Polícia, omitiu o detalhe da jovem e do estupro.

No dia seguinte pela manhã recebeu a boa notícia: tinham encontrado o carro abandonado na fronteira de Pernambuco. O carro estava intacto, Raimundo providenciou as segundas vias dos documentos. Só teve um problema: toda noite sonhava com o estupro e gostava no sonho. Teve a ideia de procurar um médico, fazer análise. Depois de algumas seções, ouvindo a história do estupro e dos sonhos noturnos, o médico psiquiatra concluiu que sua sexualidade é ambígua, ou seja, Raimundo é bissexual.

O coroa cearense continua com suas garotas de programa, e agora variando com menininhos para aliviar seus sonhos. Não teve coragem de contar a história verdadeira ao padre no confessionário. Mas em seus pensamentos e devaneios se justifica, ele ser bissexual faz parte dos desígnios de Deus. Raimundo é um convicto conformista.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 12 de maio de 2017

A PRESENÇA DE ISAURA



Na fila da loteria Heleno contemplava o belo pescoço da senhora em sua frente. De repente a coroa virou o rosto, ele reconheceu Isaura, ficou feliz ao rever um amor de sua juventude.

Não pararam mais de conversar. Depois continuaram contando suas vidas sentados num banquinho. Há muitos anos não se viam.

– E aí Heleno, você continua mulherengo?

– Hoje estou solteiro. Dois casamentos não deram certos. Sou ainda o romântico incorrigível procurando alguém para lhe substituir. Nunca encontrei.

– Você é um danado! Sempre gentil!

– Não é gentileza Isa. Depois de tantos anos, sou um sessentão e você beirando; uma mulher casada, respeito seu marido, mas posso dizer sem mágoa, você sempre foi a mulher de minha vida, nunca lhe esqueci, conservo esse amor bonito dentro de mim. Esse negócio de dizer que sou mulherengo é verdade, depois que você se casou, descambei para as raparigas, tornei-me um grande boêmio, tive muitas mulheres, minha vida desregrada foi fruto da dor-de-cotovelo por você me ter abandonado.

 

 

– De fato nosso amor foi bonito, todos comentavam nossa paixão, nosso namoro avançado. Naquela época namorados não transavam, mas você queria muito. Uma paixão louca! Era tarado por mim. Precisei me segurar muito para continuar virgem. Mas você foi culpado queria todas as mulheres do mundo.

– Lembra da bóia na praia da Avenida? Eu colocava a bóia de pneu de caminhão dentro d’água, você estirava seu corpo fazendo os braços de remo, e me segurava na borda da boia, por baixo as coisas aconteciam, ninguém percebia. À noite eu subia ás casas de raparigas de Jaraguá. Fazia o serviço pensando em você.

– Menino sem-vergonha! Como a gente era feliz!

– Como está o Josafá, o homem mais feliz do mundo, o homem que tem você nos braços há mais de 30 anos?

– Heleno, vou ser sincera. Desculpe o desabafo, afinal você é um amigo confiável. Namorei normalmente com Josafá, não era aquela coisa doida de nosso namoro. Nos casamos construímos nossa família. São dois filhos casados e independentes. Tenho um neto. Ano passado tive duas tristezas na vida. Descobri que Josafá tem uma amante, menina nova, sustentada por ele há três anos. Encheu-me de mágoa. E o pior, descobri um câncer na mama esquerda. Já me operei, tenho como tratar do câncer, os médicos dizem que posso controlar a doença e viver muitos anos. Mas o meu marido não dá mais para controlar, ele está apaixonado por essa sirigaita. Eu vivo só, ninguém sabe que se passa comigo, vivo indignada dentro de minha dignidade.

Heleno apertou sua mão, olhou nos seus olhos.

– Minha querida Isa, não aguento isso, deixe a merda desse marido. Eu ainda lhe amo, sempre lhe amarei, estou à sua espera o dia que você quiser, pelo resto da vida. Amanhã pela tarde estarei viajando, vou passar quase um mês no navio COSTA MARU, sai do cais do porto direto para Europa, atravessando o Oceano Atlântico. Quando eu retornar quero conversar com você. Está certo? Você promete que me vê? Me dê seu telefone.

Despediram-se com beijo no rosto.

À noite o Josafá chegou meio tarde e meio bêbado. Na hora de dormir, Isaura alisou o corpo do marido, beijou-lhe o pescoço, foi se achegando como pedisse carinho, um pouco de atenção. Nesse momento ele falou aborrecido, grosseiro.

– Não quero, não quero pegar sua doença. Você está com câncer Isaura!

Deu-lhe um empurrão, virou-se para o lado e adormeceu.

Humilhada e ofendida, chorando baixinho, ela correu ao banheiro, sentou-se na privada e caiu em prantos, chorou muito. Certo momento se recuperou, respirou fundo, levantou-se, olhou-se no espelho, achou-se uma mulher bonita, conservada, atraente. Veio-lhe um sentimento forte de auto-estima, jurou para ela mesma nunca mais chorar por Josafá, e que curava o câncer.

Retornou à cama, custou a adormecer. Fez um retrospecto de sua vida, ninguém mais dependia dela, ninguém. Pensou bastante no que seria o futuro que lhe restava junto à Josafá.

Eram oito horas da manhã quando ela levantou-se. Tomou café, trocou de roupa, foi ao cabeleireiro, à manicure. No shopping comprou roupas, foi ao banco, almoçou. Chegou em casa por volta das duas horas, arrumou a mala, escreveu uma carta simples para Josafá. Tomou um táxi.

O navio Costa Maru repleto de passageiros desencostava do cais. Na balaustrada do convés Heleno contemplava o mar, o casario da Avenida se afastando, diminuindo de tamanho. Ele feliz e embevecido com a cor do mar de sua terra, quando, de repente, sentiu uma mão por cima da sua; ao olhar de lado teve a mais bela visão de sua vida, a presença de Isaura.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 05 de maio de 2017

O SÁBIO

 

Olegário assim que aposentou-se comprou um sítio com uma bela casa para as bandas de do Alto de Ipioca. Uma linda vista da praia e um clima gostosamente ventilado. Contratou um caseiro para tomar conta do sítio e deu certo nos afazeres. Lula, o caseiro, ficou morando numa casa de taipa dentro do sítio, bem arrumada, com dois quartos, sala, cozinha e banheiro.

Olegário gostou de Lula, trabalhador, incentivou ao empregado arrumar uma moça e casar ou amigar. Lula confessou que ter acontecido uma decepcionante experiência marital. Sua mulher fugiu com um pilantra, ele preferia ficar só na vida.

 

 

Certo dia o caseiro foi a Rio Largo, aniversário de um primo, conheceu Esmeralda, morena bonita, 26 anos, também separada.

A família começou a incentivar em namoro entre os primos. Lula ainda traumatizado com experiência de ser corno, foi engolindo a corda. Depois de algumas cervejas os dois já conversavam animados. No mês seguinte Lula parou um caminhão na porta de Esmeralda, pegaram uma cama e um guarda-roupa, se juntaram na casa de morador do Sítio de Olegário.

A lua-de-mel durou pouco, Esmeralda tem um defeito congênito que alguns chamam de furor uterino ou comichão na genitália ou ninfomaníaca, o companheiro tem que ser ótimo de cama para dar conta e Lula não é tão bom assim. Com certo tempo Olegário ouviu alguns cochichos, Esmeralda estava saindo com moradores e vaqueiros das redondezas, até o menino Pedroca visitava a mulher enquanto. Lula toda tarde entrava nas matas em busca de lenha ou fiscalizando os caçadores proibidos por Olegário, deixava a mulher sozinha, sem ter o que fazer. Alguém chegou a fuxicar em seu ouvido, ele não quis saber, achava Esmeralda honesta, gostava dela, lhe dava carinho e boa comida quando chegava cansado da mata. Mas ficou desassossegado com o fuxico.

Nos fins-de-semana o casal descia à belíssima praia de Ipioca, direto para a bodega do Joaldo. Os dois casais se davam bem, tomavam cerveja, cachacinha, iam à praia, tinham um domingo maravilhoso. Até que Joaldo deu para visitar Lula com assiduidade, mesmo sem Lula em casa, ele aparecia para uma prosa com Esmeralda. Precisou um amigo abrir o jogo: Joaldo estava de caso com sua mulher, toda tarde ele chegava sorrateiramente para visitá-la.

Lula ficou indignado. Logo seu maior amigo, fazer uma traição dessa! A coisa não ia ficar assim. Depois de muito remover, pensar, resolveu dar fim aquela história que machucava o fundo de seu coração. Foi à Feira do Passarinho, comprou um velho revólver, R$ 150,00. Ao entrar em casa Esmeralda desconfiou, havia alguma coisa no ar, perguntou porque ele estava estranho. Lula pediu que o deixasse em paz. No outro dia, domingo, os dois desceram até à casa de Joaldo. Enquanto as mulheres foram à praia, Lula pediu um particular com o amigo. Foram para mesa de um bar mais afastado. Ele foi direto, estava com mágoa no coração.

– Joaldo, estou com um problema. Primeiro eu desconfiei, agora tenho certeza de um caso muito sério. Esmeralda está me traindo, ela tem um amante. Eu preciso acabar com esta situação. Comprei uma arma, está aqui em minha cintura, vou matar o amante de minha mulher.

O amigo respirou fundo, baixou os olhos, maior silêncio entre os dois. De repente Joaldo olhou nos olhos de Lula e falou bem pausado.

– Meu amigo, não faça isso. Você vai acabar sua vida por causa dessa mulher que não lhe merece. No mínimo 20 anos de cadeia. Eu estou sabendo que ela é doente, precisa procurar um médico para ver se tem cura. Se você matar esse cara, vai ser uma desgraça.

Segurou na mão do amigo e perguntou

– Escute! Por quanto você comprou o revólver?

– R$ 150,00

– Vamos fazer um negócio! Eu estou precisando de uma arma na venda, tenho medo de assalto, lhe dou R$ 250,00 por ela está bom?

Calaram-se, um olhando para o outro. Lula pensou, pensou, depois de alguns minutos de silêncio, chegou às conclusões.

– Você tem razão, não vale a pena pegar uma cadeia por aquela cadela. Mas, me faça um favor, eu vou para casa agora, você diga a essa vaca que não pise mais em minha casa, vou queimar tudo dela. Ela não apareça!

Pegou o dinheiro de Joaldo, colocou no bolso, entregou o revólver, levantou-se. Subiu ao Alto de Ipioca aliviado da dor que oprimia seu coração. Prometeu-se nunca mais casar, só raparigar. Hoje Lula, o Sábio, vive sozinho no Sítio do Olegário, com direito a levar uma amiga para esquentar a cama juntos. Casar nunca mais.

 

Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 29 de abril de 2017

O CUNHADO

Beth, Sofia e Gina eram três moças bonitas, seus pais colocaram esses nomes em homenagem às artistas de cinema: Elizabeth Taylor, Sofia Loren e Gina Lolobrígida. As meninas não perdiam em beleza para as três celebridades da época. Moravam em Jaraguá perto da Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo. Quando desciam para a praia da Avenida da Paz, nós, jovens ratos de praia, interrompíamos o futebol, a bola parava para apreciar a chegada daquelas magníficas moças, fonte de inspiração dos tarados, que dentro d'água se possuíam na intenção de gostosas musas.

 

 

Acontece que elas tinham um irmão mais velho, alto, forte, sua musculatura mantida por duros exercícios contrastava com o cérebro, do tamanho de uma ervilha. Sebastião era conhecido por sua valentia, aliás, por suas brigas. Era o maior arruaceiro do bairro e da zona das raparigas de Jaraguá. Certa vez brigou com quatro policiais, foi preso, espancado. Passou a detestar qualquer tipo de polícia. Ele tinha um afeto e ciúme pelas irmãs, doentio. Partia para briga quando alguém chamava alguma irmã de gostosa.

Epaminondas, estudante de medicina, encantou-se com a mais nova. Com a permissão do cunhado começou a namorar com Gina. Namoro decente como era naquela época, mão na mão, em vez em quando um beijinho. Sempre com a fiscalização ostensiva de Sebastião. Certa noite, depois do namoro comportado, ao voltar para casa, uma moça mal falada isto é, que gostava de um amor mais avançado, provocou Epaminondas que prontamente entrosou-se com ela, colocou-a no jipe, terminou numa noitada estacionado no Posto de Salvamento da praia do Sobral.

Epaminondas estava feliz, todo dia namorava com sua amada Gina, depois ia deslanchar com Julieta no jipe ao carinho da brisa do mar.

Certa noite Beth, a cunhada, viu Epaminondas apanhar Julieta para mais uma seção de exercícios no jipe. Na noite seguinte quando Epaminondas chegou na casa de Gina, ela estava uma fera, namoro acabado, não admitia ser trocada por uma vagabunda. Nesse momento Sebastião apareceu arregaçando as mangas da camisa, com cara trancada, falando alto que irmã dele não levava chifre. Epaminondas na hora tomou um susto, brigar com Sebastião, era apanhar na hora, levaria uma surra histórica. Com presença de espírito, ele convidou Sebastião para tomar uma bebida e conversar, tentação irresistível para o arruaceiro, que vivia sem dinheiro. Foram para um bar por perto, desceram cerveja, pinga e tira-gosto. Epaminondas explicou que Julieta era só para se divertir, ele gostava mesmo de Gina, namoro para casamento e coisa e tal. No campo da astúcia Epaminondas ganhava tranqüilo do mastodonte.

Foi uma noitada de muita bebida, passaram por sete bares diferentes. Sebastião onde chegava provocava alguém, a sorte é que os provocados tiravam o corpo fora.

Mias tarde, Sebastião já na maior amizade com Epaminondas, só o chamava de cunhado, inventou de dar uma volta nos cabarés de Jaraguá. Epaminondas acabou concordando, partiram para gandaia.

Ao passar no final da Avenida da Paz, Sebastião pediu para parar o jipe. Saltou, dirigiu-se a um policial militar que fazia ronda. Epaminondas não acreditou no que via, Sebastião deu três murros no policial deixando-o no chão, deu ponta pé, recolheu o capacete e correu para o jipe.

Epaminondas assustado deu partida e por insistência parou na Boate Alhambra. Sentados em uma mesa Sebastião colocou o capacete em sua cabeça. Pediram cachaça e duas raparigas. Depois da primeira dose Epaminondas conseguiu tirar o capacete da cabeça do cunhado, colocou-o embaixo na mesa, estava apreensivo com aquela maluquice.

Certa hora Epaminondas foi ao sanitário. Ao retornar percebeu a confusão, seis policiais xingando Sebastião, todos falando alto. Saiu do banheiro sem ser percebido, desceu a escada íngreme de um salto. Teve sorte, não havia policial no jipe, conseguiu chegar em sua casa na Avenida da Paz.

No outro dia, soube do acontecido, o cunhado brigou com os seis policiais, levou muita pancada, amarraram o arruaceiro, levaram preso para 2ª Delegacia, onde deram uma surra inesquecível.

Epaminondas é quem esqueceu a bela Gina, passou muito tempo sem passar perto da Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo. Evitou pelo resto da vida encontrar-se com Sebastião, seu ex cunhado, o maior arruaceiro da paróquia de Jaraguá.

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Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 22 de abril de 2017

AGENDAMENTO, VERDADES E MENTIRA

 

Por solicitação de meu urologista, Dr. Ronalsa, ontem fui marcar exame de Ressonância Magnética da próstata. Ao chegar no laboratório no Stella Maris fui informado que aquele exame só era realizado no laboratório da Ponta Verde. Lá vou eu pegar outro taxi. Para quem não sabe, deixei de dirigir há sete anos, quando fui renovar minha carteira de motorista exigiram tanto teste que desisti. Não renovei a carteira e desde aquele dia só ando de taxi. Dei o carro à minha filha.

Ao chegar no laboratório fiquei deslumbrado com a fachada maravilhosa de vidro fumê, o Dr. Chico deve ter gasto uma nota, pensei. Logo na entrada peguei uma senha de atendimento. Marquei na maquininha: Ressonância e Prioritário. Saiu uma ficha RP 150. Fui sentar-me esperando a vez, encontrei meu amigo de longas datas, Dr. Jair, ele olhu-me e filosofou.

– Meu amigo, antigamente a gente se encontrava nos bares e biroscas da cidade, hoje só nos encontramos em sala de médico ou laboratório.” Deu uma gostosa gargalhada.

Fiquei esperando sentadinho em meu lugar. Quando percebi uma mulher passando e sentando-se mais adiante. Olhei, reconheci, era Aninha, fui cumprimentá-la. Cheguei-me por trás dei um cheiro em seu cabelo. Ao olhar-me, a mulher disse um ôxente com voz e cara de braba. Quase morro de vergonha, não era Aninha, pedi mil desculpas. Ainda bem que a mulher se acalmou, foi compreensiva, perdoou-me. Eu descabriado voltei a sentar-me. Esperei mais um pouco, o placar chamou, RP 150.

Fui imediatamente mostrando a documentação pedi para marcar o exame. A atendente olhou-me educadamente, pediu até desculpa, para dizer que eu tinha apanhado a ficha errada, aquela RP era para realizar o exame; para marcar o exame eu teria que pegar uma senha de Agendamento Prioritário. Lá fui eu pegar outra ficha. Saiu do buraquinho a nova senha, AP 433. Ao sentar-me, a ficha AP 426 havia sido chamada. Calculei, tinham 7 pessoas na frente, o que daria, mais ou menos, meia hora de espera.

Descobri algumas revistas, folheei, não me agradaram. Eram, Caras, Quem, e outras revistas de baboseiras com celebridades televisivas. Terminei pegando o celular para passar o tempo. Foi quando entrei no jogo da moda do Facebook: Escrever nove verdades e uma mentira para os amigos acertarem a mentira. Escrevi a lista na hora, já postando no Facebook. Copio abaixo para que meus leitores acertem qual a mentira. Eis a lista:

1 – Já frequentei o terreiro de Menininha do Gantois em Salvador.

2 – Já tomei banho e pesquei no Riacho Salgadinho (hoje esgoto a céu aberto), junto com Cacá Diegues.

3 – Já desci um rapel de mais de 100 metros de altura na Floresta Amazônica.

4 – Votei no General Henrique Lott para presidente da República em 1960. (Jânio Quadros foi o eleito).

5 – Fui entrevistado no programa do Jô Soares.

6 – Fui Presidente da Escola de Samba Unidos do Poço.

7 – Fui amigo de Lamarca na Academia Militar das Agulhas Negras.

8 – Fui descoberto escritor aos 61 anos de idade.

9 – Conheci pessoalmente Fidel Castro em Habana em 2008 na 17ª Feira Internacional do livro, onde dei uma palestra.

10 – Quando fui prefeito da Barra de São Miguel foi aprovada na Câmara de Vereadores a bandeira do município, com as cores do Fluminense.

Quem quiser participar da brincadeira pode responder para meu e-mail (carlitoplima7@gmail.com). Quem acertar a mentira dessa lista ganha um livro, remeterei via Correios.

Mas voltemos ao laboratório. Certo momento reconheci uma amiga ao longe na sala enorme, era a Cláudia, ia acenar com a mão, mas eu estava traumatizado com a mancada da moça parecida com Aninha. Preferi fazer que não via.

Afinal fui chamado, marquei o exame. Feliz da vida fui saindo do laboratório quando encontrei a Sheila Maluf, depois de um papo rápido, reclamei a demora para marcar um exame. Ela estranhou. “Você veio agendar o exame no laboratório? Pois eu agendo por telefone, não gasto dois minutos. Já venho fazer os exames.”

Dei um sorriso de babaca. É isso mesmo, aos 77 anos aprendendo todo dia.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 15 de abril de 2017

CLODOALDO, O TRÍGAMO

 

Clodoaldo nasceu em Fernão Velho, belo bairro beirando a Lagoa Mundaú, foi vizinho do grande poeta e pintor alagoano, Pedro Cabral. Menino ainda estudou em Maceió, tem uma vocação irresistível às mulheres. Na juventude tornou-se o conquistador, o rei das raparigas, daí seu apelido, Clodô das Quengas. Conseguiu formar-se em Direito com mais de 40 anos, figura popular e bem humorada da cidade. Repreende quando algum amigo o chama de Dr. Clodô das Quengas. Na hora corrige.

– Favor chamar-me de Dr. Clodoaldo Lima. Não existe o Dr. Clodô, só o Dr. Clodoaldo. Não desmoralize meu título de bacharel!!!

Casou-se cedo depois que engravidou uma prima. Ele costumava dizer que priminha não era irmãzinha, terminou no altar com Josefa, uma mimosa flor do povoado do Riacho Velho, um paraíso de Marechal Deodoro. Clodô nunca se acostumou com a vida de casado, sua vida era de bar em bar pelas ruas da cidade, onde foi encontrando novos amores. Uma delas sua colega de repartição. Ele trabalha, tem uma sinecura na Assembléia Legislativa, coisa mole, vai algumas vezes na semana até para bater papo, rever os amigo. Gaba-se de ter arranjado 280 votos para o deputado, seu protetor. Os votos que o deputado teve em Fernão Velho, ele contabilizava como se fossem todos por ele arranjados.

Um dia apareceu uma menina bonita, vinda do sertão, foi descabaçada por um deputado daquelas bandas, comprou o silêncio com um emprego na Assembléia. Clodoaldo logo namorou Rosinha, a rainha do sertão, como ele apelidou. Numa bela tarde, Rosinha confessou que estava grávida. Rosinha ganhou uma casa da COHAB do deputado sertanejo, onde ainda mora, e Clodô assumiu a paternidade, tem o afeto do menino, um rapaz. Na certidão do jovem consta filho de Clodoaldo Lima, mas é a cara do deputado como dizem as más línguas. Clodô é homem moderno, não se importa com certas picuinhas, ama o menino, seu filho do coração. Do lado de Josefa tem duas filhas, moças bonitas. Rosa e Josefa não se frequentam, mas se aceitam. Os meninos meio-irmãos se dão bem quando se encontram.

Durante a última eleição, Clodoaldo foi enviado pelo deputado para ajudar na campanha no Litoral Norte, tarefa que fez com satisfação porque terminava as noitadas raparigando. Acontece que uma jovem de nome Aparecida, quase da idade de suas filhas, 18 aninhos, encantou nosso Casanova. A moça bonita dava alguma bola, mas quando chegava nos finalmentes ela escorregava feito um muçum ensaboado. De tanto insistir, numa noite de lua na praia de Maragogi, despedida de campanha, Clodoaldo conseguiu com promessa de casamento, casa e comida, uma noite memorável de amor nas águas mornas noturnas. Nove meses depois nasceu na Casa de Saúde Santa Mônica, o menino José Roberto.

Três famílias, três casas montadas consomem todo salário de funcionário e de advogado independente. Clodô vive aperreado de dinheiro, mas, sempre com um sorriso nos lábios e um bom astral na alma. “Trígamo” assumido, convive como pode com as três esposas. As filhas de Josefa até ajudam a Aparecida com o recém nascido. As coisas iam bem com Clodô; as três mulheres não complicam sua vida. Por tudo isso, resolveu realizar uma festa de confraternização no Natal passado. Reuniu, pela primeira vez, as três famílias, as três mulheres na casa da Josefa. O início do encontro foi formal, depois começaram a descontrair. Clodô estava felicíssimo com o feito, as famílias reunidas. A cerveja, a cachaça, o uísque entornando. As três mulheres empurravam direitinho um copo, como também Clodoaldo. Até que certa hora, quando a cachaça subiu para cabeça, Josefa perguntou ao marido;

– Está feliz meu amor? Juntando sua esposa e as suas duas raparigas?

Rosa quando ouviu o desaforo, falou alto, “Rapariga é a mãe”. A outra, Aparecida de imediato foi puxando os cabelos da dona da casa, arrastando-a pelo chão, gritando que Josefa era uma coroa sambada e que Clodô gostava mesmo era dela, novinha e cheirosa. A briga generalizou-se entre as três. Uma dando tapa e puxão de cabelos nas outras. A confusão durou quase uma hora. Só acabou quando cansaram. Clodoaldo conseguiu apartá-las. Levou as duas convidadas para suas respectivas casas. Nunca mais quis saber de juntar as meninas, como ele as chama. Família que bebe unida, nem sempre permanece unida.

 

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quinta, 06 de abril de 2017

A SEMANA É SANTA, MAS ENTRE VINHOS E CHOCOLATES



Meus netos estão se empanturrando de chocolate para alegria dos fabricantes. Essa invencionice comercial, a venda da “comida dos deuses” durante a Páscoa, está definitivamente institucionalizada pela propaganda massiva. Nossos netos vêem o ovo de chocolate e o coelho como símbolos da semana da paixão e morte de Cristo. Um período mais apropriado à meditação, à oração, tornou-se a festa do chocolate.

Os marqueteiros não combinaram com a Igreja, tão conservadora nos assuntos sobre sexo, pois, coelho é o símbolo de procriação, de fertilidade, de muitas transas, e chocolate é conhecido como alimento afrodisíaco. Portanto, os símbolos da semana santa moderna, inventados pelo comércio, são apologias ao sexo. Não deixa de ser uma evolução da Igreja, sempre castradora em sua história.

Juntar coelho com ovo de chocolate deu samba de crioulo doido. Meu neto menor em sua inocência perguntou porque o ovo de coelho é de chocolate e o da galinha é de cozinha. Foi difícil explicar.

Sou saudosista das tradições, mesmo sem muita crença, tenho boas recordações da semana santa de meu tempo de criança ou juventude.

Iniciava no Domingo de Ramos quando se comemora a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém montado em um burrico. Seus discípulos trouxeram dois burricos puseram em cima deles suas vestes, e sobre elas Jesus montou. A multidão estendeu suas vestes e cortaram ramos das árvores, espalhando-os pela estrada, formando um tapete de folhagem para o Rei dos Reis passar em cima de um jerico. O povo acompanhava Cristo, aclamava: “Hosana ao filho de Davi! Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana nas maiores alturas!” Entrando Jesus em Jerusalém, toda cidade se alvoroçou. Perguntavam Quem é este? E a multidão respondia: “Este é o profeta Jesus, de Nazaré da Galiléia.” Assim li, aprendi e está escrito na Bíblia.

Sempre achei essa parte da história de Cristo muito emblemática. Entrada triunfal num jerico, logo depois ser traído e crucificado. Mas para meninada dos anos 50/60, o melhor do Domingo de Ramos era a procissão. Iniciava na Catedral, os colégios femininos religiosos compareciam: São José, Sacramento, um desfile de meninas bonitas, a moçada comparecia mais para paquerar. Um olhar, um sorriso, um piscar de olho valia a pena a missa, a procissão.

O feriado começava na quinta-feira santa, a partir desse dia era proibido comer carne. Em compensação minha mãe cozinhava um delicioso bacalhau, arabaiana, camarão, feijão ao coco, jerimunzada, brêdo, uma delícia. Por que só existe esse maravilhoso tipo de comida na semana-santa? Nunca esclareceram-me essa dúvida.

Na noite da quinta-feira havia uma brincadeira perigosa. A meninada saía em bando, cinco a seis moleques para o “Serra Velho”. A serração de velho é uma tradição européia conhecida desde o século XVIII. Reunia-se o grupo de jovens brincalhões, diante da casa de um velho. Serravam um pedaço de tábua com muito ruído, muito choro, muito lamento. Os velhos “serrados” irritavam-se com a brincadeira. Pela crença popular, velho serrado morreria naquele ano, não chegava à outra Quaresma. A garotada cantava alto acordando a vizinhança: “As almas do outro mundo vieram lhe avisar que deste ano o “Seu Fulano” não vai passar”. “Encomende a alma a Deus, que seu corpo já não vale nada”. E liam um bem humorado testamento em versos feitos anteriormente com ajuda de adultos. Os velhos ficavam brabos. Certa vez levamos uma carreira do pai do Toroca na Pajuçara. Seu Pádua um velho ranzinza da Avenida, quando estávamos lendo seu “testamento”, jogou um penico cheio de xixi, tive que ir para casa tomar um demorado banho.

Na Sexta-feira da Paixão parecia que o mundo havia se acabado. As rádios tocavam músicas fúnebres, era proibido ir à praia, tomar banho de mar, proibido sorrir. As mulheres da vida fechavam as portas dos cabarés e o balaio; nem pensar numa visita fortuita.

À noite todos iam à Igreja para beijar os pés de Nosso Senhor morto. Finalmente o sábado de aleluia. A meninada preparava um boneco de pano, o Judas, sempre com um nome de algum político ou algum inimigo público ( quanta gente hoje poderia ser o Judas! ). Quando às 10 horas, os sinos da Igreja dobravam anunciando a aleluia, a moçada caía de cacete malhando, tocando fogo no Judas amarrado em um poste. Melhor do que malhar um Judas, era roubar os Judas dos pivetes da vizinhança. (Já estão taxando a malhação de Judas como uma brincadeira primata, politicamente incorreta)

Afinal chegava o domingo da ressurreição. Os padres contavam a história como Cristo depois de morto subiu aos céus. Hoje é um espetáculo pirotécnico com atores globais para se assistir comendo chocolate e tomando vinho.

 

 

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Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 02 de abril de 2017

PIU-PIU
 

Minha memória é recheada de pessoas com quem convivi ou simplesmente conheci, tornaram-se inesquecíveis. Uma delas foi Piu-piu, um maceioense elegante, constantemente trajando paletó arrumado, de fazer inveja a lordes ingleses.

Eu tinha meus 10 anos de idade, meu pai costumava levar os filhos homens para o centro da cidade ao fim da tarde para tomar uma cerveja com amigos no Bar Colombo, o ponto de encontro de intelectuais, escritores, boêmios e outros desocupados. A meninada se fartava de sanduíche, pão francês, fiambre e queijo do reino acompanhado de um saboroso caldo de cana moída na hora. Toda tarde a Rua do Comércio se apinhava de gente, moças acompanhadas das mães fazendo compras nas casas comerciais, figuras da cidade apenas passeando. Encontravam-se nos bares, lojas e no Cinearte (depois São Luiz). 

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Uma dessas figuras ficou-me inesquecível pela elegância e tamanho, forte e falastrão, conhecido como Piu-piu. Impecavelmente vestido, todos os dias ele aparecia de jaqueta (blazer) com botões dourados, calça bem passada, uma bota preta de cano longo completava a vestimenta. O charuto dava um ar de esnobe ao comerciante. Piu-piu apesar de trajes tão distintos vivia de um pequeno comércio, venda e compra de antiguidades, objeto de artes, ouro, prata e jóias. Dava para sustentar a pequena família e seu inigualável guarda-roupa. O antiquário além de se vestir bem, era esmerado na arrumação pessoal. Cabelos impecavelmente penteados com brilhantina Glostora, barba bem feita. O bigode denso, digno de um príncipe hindu ou de um kaiser alemão, grosso, bem frisado, as pontas de curvas perfeitas faziam meia lua subindo como se apontasse para o céu. Diziam que o bigode do Piu-piu era frisado por ferro de engomar.

Nosso herói morava no bairro do Prado, mas vivia no centro da cidade. Além das túnicas ele aparecia de chapéu Panamá, as mãos reluzentes de anéis de todos os tipos, seus dedos eram dourados e brilhantes. Na Rua do Comércio, impreterivelmente às 14 horas desfilava sua elegância e pretensa arrogância, pois se dizia brigador, disposto a qualquer luta. Andava armado, punhal e revólver.

Seu bigode era atração, ele tinha uma verdadeira adoração na manutenção daqueles dois tufos intocáveis. Ficou contrariadíssimo quando jovens, estudantes, colocaram o apelido de Piu-piu, “Bigode de Arame”. Muitas vezes correu atrás de estudantes que gritavam “Bigode de Arame”, empunhando o punhal, levava sempre na cintura, por baixo do paletó.

Contavam-se muitas histórias da vida de Piu-piu. Um fato marcante ficou na história de Maceió, comentado por muitos anos nas rodas do Bar Colombo. Fato brilhantemente contado pelo historiador Félix de Lima Júnior no livro Maceió de Outrora.

Nos anos 30/40, Maceió vivia um intenso momento intelectual, moravam na cidade e se reuniam no Bar Colombo, os escritores, Graciliano Ramos, Jorge de Lima, Manoel Diegues ( pai do Cacá Diegues), Raquel de Queiroz, Lêdo Ivo, José Lins do Rêgo, Arnon de Mello, Aurélio Buarque de Holanda, entre outros. Por outra parte o Estado de Alagoas vivia um momento de intensa intriga política, o que nunca foi novidade. Dois grupos políticos se digladiavam: O do Senador Fernandes Lima, de quem Piu-piu era amigo pessoal, ligado e defensor; e o grupo do austero governador Costa Rego, homem duro, apesar de seu amor e pendor às artes, tratava os inimigos com repressões constantes.

Certa tarde na Rua do Comércio o nosso valente Piu-piu disse não ter medo de ninguém, nem mesmo do governador e destemperou impropérios, atacando o governador Costa Rego em um discurso improvisado nos arredores do Bar Colombo.

Dois dias depois ele estava parado em frente ao Relógio Oficial, quando cinco homens desceram do bonde vindo de Jaraguá. Dois deles derrubaram Piu-piu, outros dois seguraram pelos braços e pernas, e o último homem com uma tesoura foi cortando, arrancando o suntuoso bigode, fio por fio, sem que o valente Piu-piu desse qualquer gemido. Não deu um piu. Os amigos não acudiram, ficaram com medo daquela briga, 5 contra 1. A polícia chegou quando o serviço acabou. Arrancaram o bigode mais famoso do Estado. A região do lábio superior de Piu-piu ficou deformada. Ele só voltou a frequentar o Bar Colombo muito tempo depois, quando conseguiu regenerar seu bigode de arame. Tornou-se herói.

A rapaziada do Liceu Alagoano aproveitou o fato para versejar e cantou seus versos no Comércio: “O navio apitou… A canoa virou… O bigode do Piu-piu… Marroquim arrancou”. Piu-piu, Marcolino Ribeiro da Silva, morreu aos 98 anos em Maceió no dia 5/3/65.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 31 de março de 2017

QUEM MORREU FOI ADALBERTO
 

Adalberto saiu do consultório feliz. A geriatra, ao ler o resultado dos exames, constatou diabete, pressão alta e outras achaques normais em um homem de 73 anos. Tudo controlável, além de um regime alimentar passou remédios para a pressão e diabete. Caminhadas diárias cerca de 30 minutos, pouco álcool, recomendou a doutora, podia levar a vida normal. Como era perto das festas natalinas Adalberto deixou para iniciar as recomendações médicas após ano novo. Como o carnaval era cedo, mais uma vez foi adiado o tratamento.

Na quarta feira de cinzas, Adalberto estava com uma bruta ressaca, um péssimo humor maior que qualquer TPM da esposa. À tarde sentou-se na poltrona para assistir a apuração do desfile da Escola de Samba do Rio de Janeiro. Anos atrás ele desfilou pela Salgueiro e torcia por essa escola. De repente deu-lhe uma tonteira, suando frio, uma dor no braço e no coração. Deu um suspiro, tentou levantar-se da confortável poltrona, porém, arriou a cabeça, ali ficou.

Dona Creuza, a esposa, ao chegar no apartamento às sete da noite, encontrou a cena trágica, Adalberto com a cabeça pendida no lado esquerdo. Ela o sacudiu gritando pelo nome, até perceber que estava morto, chamou uma ambulância.

Dia seguinte uma comoção no enterro no Parque das Flores, muitos amigos, Adalberto era criatura simpática, bom comerciante, os amigos ocorreram para despedir do último boêmio da cidade, como disse um parceiro olhando o defunto no caixão.

Em certo momento apareceu uma senhora, aparentando cinquenta anos, rosto bonito, levando pelo braço um jovem de seus 12 anos. O rapaz encostou-se no caixão, alisou a cabeça de Adalberto, chorou sem conseguir parar. Logo todos que estavam no enterro souberam do fato, era filho. Adalberto tinha vida dupla, sustentava outra família num bairro da Ponta Grossa.

Andréa, a filha, e Edivaldo, o genro, ficaram consolando Creuza, ela irada, não se conformava com a traição de tantos anos de Adalberto. Agora aos 60 anos, se achando velha para recomeçar a vida, não havia mais razão de viver. Não ficou para o enterro.

Num gesto impensado, o genro Edivaldo, convidou Dona Creuza para morar no quarto de hóspede de sua casa até a poeira baixar, o tempo é remédio para todos os males. Dona Creuza estabeleceu-se na casa da filha de mala e cuia. Nos primeiros dias pediu para ninguém falar sobre o “Defunto”, assim passou a chamar Adalberto. Não compareceu à missa de sétimo dia. Dizia não encarar as amigas com ar de chorosa, mas no íntimo zombava do chifre que ela havia tomado durante sua vida.

Acontece que Dona Creuza começou a mandar dentro de casa, dava ordens nas empregadas, escolhia o almoço, fiscalizava a faxina, metia-se na vida dos netos adolescentes. À noite assistia todas as novelas, acabando com o prazer de Edivaldo em ver seus filmes escolhidos na NETFLIX. Ficou de vez, ia ao seu apartamento apenas para limpar. Passaram-se quatro meses, Edivaldo, Andréa e os filhos andavam nervosos, chateados com a velha mandando em casa. No início não impuseram condições devido o estado emocional da, agora ficou difícil.

No aniversário de Edivaldo ele convidou alguns amigos para uma cervejinha e almoço no sábado pela manhã. Continuaram pela tarde, acontece que Ulisses, um amigo do jogo de pôquer, viúvo, um boa vida aposentado, engraçou-se de Dona Creuza. Passaram a tarde conversando alegremente. Confidencialmente trocaram telefones. Na semana seguinte encontraram-se discretamente no apartamento da viúva. Dona Creuza com seus sessenta anos ainda tem atrativos. Ulisses um pouco mais novo. Dois meses se passaram, avisaram à família, estavam vivendo juntos. Dona Creuza retornou ao apartamento. Andréa não pode provar, porém, tem certeza que tudo aconteceu por manobra estratégia de Edivaldo, sabedor da situação precária afetiva e financeira de seu amigo Ulisses, convidou-o para o aniversário apostando no namoro dos coroas. O marido nega as insinuações da esposa com um sutil sorriso nos lábios. Hoje todos felizes, como os finais de histórias. Quem morreu foi Adalberto.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 25 de março de 2017

OI, TECA!
 

Têca Braga e a filha, era a dona de Barra Grande, Maragogi

Deu-me uma tristeza profunda ao ler no “Face” sua última viagem, não estava esperando, nem preparado. Foi terrível, uma dor dentro de mim, chorei como uma criança sem conseguir parar. Pensei em você, irmã de minha irmã, minha irmã. Veio-me sua imagem ainda menina brincando em minha casa com a Socorrinho. Lembrei-me de seu pai, Chico Braga, de terno branco, de Dona Naty. Veio-me a lembrança da juventude livre, bela, na Avenida da Paz. Eu tinha maior alegria em levá-las para as festas daquela Maceió bucólica. A Fênix, o Zinga Bar, nós éramos jovens felizes donos da praia mais bonita das Alagoas.

O tempo inexorável trouxe os casamentos. Marcelo entrou na família, vocês além de irmãos tornaram-se compadres de Clailton e Socorrinho. A saudade é imensa Têca. Não sabia que doía tanto, que você era tão importante em nossa vida. Estamos arrasados. Dói muito. Por quê você se foi assim, de repente, sem avisar?

Certa vez o Carteiro disse ao Poeta que a poesia não era de quem escrevia, era de quem precisava. Estou precisando agora dos versos de nosso Chico para esse momento. “A saudade é o pior tormento, é pior que o esquecimento… A saudade dói como um barco, que aos poucos descreve um arco, e evita a atracar o cais… A saudade é o revés do parto, é arrumar o quarto do filho que já morreu…” É o tamanho da saudade que você nos deixou.

Lembrei-me de nossa última viagem, ano passado, pela Europa Oriental retornando por Lisboa. Eu e Vânia nos divertimos, tínhamos seus cuidados profissionais juntados ao carinho. Ficamos encantados com Paulinne. Em Lisboa você era a mais entusiasta com minha palestra e lançamento do meu livro. Parece que estou vendo você no pé da escada da Casa do Brasil comendo acarajé.

Ah Têca, tantos amigos comentando sua ida, cheios de carinhos e saudades. Você era muito querida nessa terra. Chorei ao ler no Zap a mensagem de Socorrinho.

“Custando a acreditar que naquela maca entrando na capela do hospital era você! Custando a acreditar que na sua Barra Grande era seu, aquele corpo tão sereno, tão bonito, e com flores tão coloridas, assim como você viveu todas as cores desta vida! Custando a acreditar que não vou ter mais aquela companheira de todas as horas, aqueles papos amigos cheios de confidências e afagos na alma, em mais nossos almoços, nossos cinemas, nossa viagens, nem nossa Missas! Custando acreditar que não tenho mais aquela amiga feliz, transbordante de alegria, e de saber aproveitar a vida intensamente, mas que o excesso de descuido com a saúde lhe traiu! Obrigado Tequinha por nossa amizade desde sempre, que nos irmanou nos tornando comadres duas vezes! Fique certa que sua luz brilhará eternamente, pois foram muitas sementes que você plantou! Fico zelando por suas quatro pérolas! Custando acreditar na falta que você vai me fazer! Um belo caminho de Deus, minha irmã!

Que lindo minha irmã escreveu. Você Têca, minha querida amiga, sempre prestigiou minhas invencionices. Era a primeira a chegar nas Sextas Clássicas de Marechal Deodoro, não perdia a FLIMAR. Nos lançamentos de meus livros com receio de pouco público eu dizia para mim, pelo menos a Têca Braga vai aparecer. Ainda chamo seu nome de solteira, foi assim que entrou em nossa vida, menina, ficou gravado na mente, na alma, no coração. Têca Braga.

Um poeta inglês, John Donne certa vez escreveu um poema que diz mais ou menos assim. “Nenhum homem é uma ilha, ninguém é sozinho; cada homem faz parte do continente, parte do todo. A morte de qualquer ser humano me diminui porque sou parte da humanidade; e por isso, nunca perguntes por quem os sinos dobram, eles também dobram por ti”.

Nosso mundo ficou menor, se foi um pedaço, uma parte do continente. Nós ficamos diminuídos.Os sinos dobram por você, Têca Braga, mas dobram também por mim, por suas filhas, seus genros, pelos netos e bisnetos, pela Socorrinho, por todos os amigos que você deixou.

Talvez um dia a gente se encontre por aí, quem sabe? Vânia manda-lhe um beijo. Até mais ver, irmãzinha.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quinta, 16 de março de 2017

A VONTADE
 

– Estou com uma vontade de dar, de trair o Zeferino. Me dá uma dor no peito, depressão, raiva, pelo desprezo que tenho a meu marido. Vontade de sair com um cara, transar muito, sou a mulher mais carente e idiota do mundo. Conversava Eugênia, chorosa, com a amiga Gabriela

– Até que entendo sua vontade, mas esse negócio de trair, na maioria das vezes torna em arrependimento, piora a depressão. Faça as coisas que o coração mandar, porém, tenha calma, reflita para depois não se arrepender. Aconselhou Gabriela.

– Você condena essa vontade de eu trair, minha amiga ?

– Quem sou eu para julgar? Para condenar alguém. Como amiga posso dar uma opinião, apenas isso. Sei que é uma situação passageira, por isso aconselho pensar, o travesseiro noturno ou uma volta na orla contemplando o mar, refletindo, acalma o coração, faz bem a depressão.

– Gabriela, o problema maior é o meu desprezo pelo Zeferino, nunca pensei, ele é um cara fraco, perdedor, desde que foi despedido do emprego há mais de sete meses, vive dentro de casa, esperando as coisas caírem do céu. Todo dia é uma desculpa ou uma mentira de promessa de emprego, culpando o governo. Eu sustento a casa, comida, água, luz, telefone, o colégio do Carlinhos, tudo com o trabalho de cabeleireira no meu salão de beleza. Não tenho descanso nem aos domingo para sustentar a casa. O Zeferino nem aí, só sai para o botequim, chega na hora do jantar, o português da bodega já não vende fiado. É uma tristeza. Minha única reação é não transar quando ele se achega querendo coisas. Uma noite me pegou a pulso, não sei mais o que fazer. Que ele merece um chifre, merece. Tenho um cliente, coroa alinhado, elegante, faz cabelo e unhas toda semana, olha demais para mim, conversamos muito, eu deixo meu decote bem aberto ele fica contemplando, mas é um homem sério. Da última vez que ele foi ao salão, estava lendo numa revista uma reportagem sobre o filme 50 Tons de Cinza, disse que viu o filme, gostou das cenas de sexo. Eu sorri para ele perguntando se gostava da fruta. O coroa deu uma gargalhada, me respondeu, gosto e é bom. Apesar de ele ter chegado aos sessenta anos, tenho certeza, se eu quiser, sai comigo.

– Eugênia veja o que vai fazer. A melhor solução para briga ou desentendimento é o diálogo. Faça uma força, fale francamente, com o Zeferino, diga tudo que pensa, que ele arranje um emprego, nem que seja de varredor, não é desonra alguma.

Eugênia foi para casa, tirou o fim-de-semana para refletir. Sábado ao entardecer foi contemplar o mar azul-esverdeado da praia de Jatiúca. Pensou bastante nas palavras da amiga Gabriela, psicóloga. Consultou seu coração e à mente, pensou no Zeferino, no Carlinhos e no sessentão cheiroso. Era noite quando retornou à casa, primeiro, uma conversa franca com o marido.

– Que ares de felicidades são esses? Perguntou, dias depois, Gabriela à Eugênia. Vejo que resolveu seus problemas, gostei dessa transformação jovial, acabou-se a tristeza, a depressão, voltou sua alegria.

– Minha amiga, tudo começou com o contemplar do belo verde mar, me senti bem, pensei no que meu coração queria. A primeira decisão foi ter uma conversa aberta com o Zeferino, disse que estava a fim de me separar, fui franca, critiquei as grossuras dele comigo, a preguiça de arranjar trabalho. Finalmente acertamos, outra chance no casamento, eu ajudaria a procurar-lhe emprego. As coisas se arrumaram, estamos vivendo melhor, ele agora tem um emprego arranjado por mim, ajuda no sustento da casa, sua auto-estima melhorou.

– Ainda bem que você apagou a ideia, a vontade de trair com o coroa elegante. Disse Gabriela sorrindo.

– É o que você pensa, o coroa elegante chama-se Francisco, com ele arranjei um trabalho de almoxarife para o Zeferino. O Doutor é engenheiro, tem uma construtora. Homem generoso e discreto. Aqui para nós, satisfiz minha vontade. Apesar da idade, o coroa é ótimo, suas invencionices na cama me deixam louca.

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Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 10 de março de 2017

APOSENTADORIA
 


Aconteceu na sala de audiências do Fórum, ela apareceu acompanhada da delegada de mulheres. A negra Silvina surgiu com seu permanente e debochado sorriso. A delegada mandou a moça contar a surra que levou do companheiro, o servente de pedreiro Josualdo, que ali se encontrava para depor sobre sua violência intempestiva e seu ciúme incontrolável quando viu sua mulher brincando com a meninada da rua, na Chã da Jaqueira.

Josualdo arrastou-a pelo braço, entrou em casa esmurrando-a. Ele tinha um ciúme doentio pela singeleza e beleza silvestre de Silvina. Conheceram-se há três anos, quando Josualdo foi construir uma casa na praia do Pontal do Peba, foz do Rio São Francisco. Vieram morar na capital.

Como não teve infância, a maior paixão de Silvina era brincar com os meninos da rua. Por tudo isso, Josualdo tinha um doentio ciúme. Proibiu sua mulher de sair à rua e jogar com os meninos. A jovem ficava em casa acabrunhada, infeliz.

Certo tarde, debruçada na janela, assistia a meninada brincar de garrafão. Não resistiu, com sua habilidade atlética foi brincar junto aos moleques. Josualdo retornou mais cedo. Quando viu sua mulher jogando com a meninada, puxou-a com seus fortes braços. Irado esmurrou Silvina que sofria, não pela dor, mas pelo ódio em não poder com Josualdo, um touro de forte.

Foi essa a história contada no Fórum ao juiz na presença do promotor. Era o último caso da carreira do magistrado. Havia solicitado aposentadoria aos 68 anos. O último caso da sua vida como juiz.

Homem sério, correto e honesto, nosso juiz honrou a instituição. Bem casado há 40 anos, três filhos e três netos, viveu sempre para o lar. Em todo tempo de casado jamais prevaricou, fiel à esposa e a seus princípios.

Certa momento, a delegada pediu ao juiz e ao promotor para comprovarem in-loco os edemas, as sequelas da surra de Josualdo. Na sala contígua entraram apenas os quatro. A delegada pediu à Silvina mostrar as manchas no corpo. Num átimo, sem pudor e sem maldade, a negra puxou o zíper, deixou cair o vestido de chita. Deu-se uma comoção ao surgir o corpo moreno perfeito, coberto apenas por uma minúscula calcinha branca. Os seios duros e pontiagudos pareciam dois cuscuzes de chocolate. A lascívia exalada por Silvina deixou o promotor boquiaberto e o vestal juiz encantado. A delegada, percebendo o impacto, o arraso causado aos machos, mostrou os edemas e pediu que a deusa negra se vestisse.

Foi o último julgamento do Dr. juiz. Houve separação, estipulou-se uma quantia do salário de Josualdo como pensão.

O Doutor aposentou-se. Ficou sem trabalhar. Quando cansou do ócio foi ajudar na banca de advocacia de seu filho. Certa manhã de sol, nosso juiz aposentado descia de carro a ladeira do Farol.

De repente seu coração acelerou, reconheceu entre os meninos que vendiam frutas e legumes, a jovem Silvina vestida de short e uma blusa leve. Ela caminhava dengosamente em sua direção com quatro pacotes de feijão verde. Ao ver o juiz, Silvina pulou de alegria e saiu-lhe um grito espontâneo: “Doutor !”. Enfiou a cabeça dentro do carro, com um sorriso encantador e o decote mostrando os seios mais lindos que ele tinha visto em sua vida. Disse em voz clara, quase sussurrando: – “Doutor, sou muito agradecida pelo que fez. Naquele dia tive vontade de lhe dar um beijo, o senhor é um homem bonito. Se precisar de mim, dou o que o senhor quiser, é só pedir”. O Doutor emudeceu, engatou uma primeira, acelerou o carro, medo da tentação.

À noite, durante uma festa, o artista global e poeta, Chico de Assis recitou o belíssimo poema de Jorge de Lima, Nêga Fulô. Quando a voz de Chico cheia de sensualidade recitou os versos: “Essa Nêga Fulô… essa Nêga Fulô…”. Veio a imagem de Silvina, nua, na cabeça de nosso nobre e honrado juiz.

Decorrido algum tempo, o Doutor Juiz passou várias vezes pelo ponto de Silvina, sempre uma alegria quando ela o via. Até que tirou uma dúvida, perguntou-lhe a idade. “24 anos, mas pareço menos”, respondeu. O Doutor Juiz tem agora o que fazer na aposentadoria, pelo menos uma vez na semana, remoça seu corpo, sua alma, nos braços da sua Nêga Fulô.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 04 de março de 2017

CINCO HISTÓRIAS DE MÚSICAS DE CARNAVAL
 

José Luiz Calazans – O Jararaca – “Mamãe eu quero”

“TONGA DA MIRONGA DO CABULETÊ”

Durante a ditadura havia uma censura impertinente a certos compositores, entre eles Vinicius de Moraes. Sentindo a angústia do companheiro, Gesse, esposa baiana da época, o diverte, ensinando-lhe xingamentos em Nagô, entre eles “tonga da mironga do cabuletê”, que significa “o pêlo do cu da mãe”.

Com Toquinho, Vinícius compõe a canção com o mote anal, para apresentá-la num show no Teatro Castro Alves. Boa oportunidade de xingar os censores sem que eles compreendessem. O poeta ainda se divertia com tudo isso: “Garanto, no Departamento de Censura não tem um que saiba falar nagô”.

Abaixo, a letra da inspirada canção da dupla, Vinicius e Toquinho:


 

“Eu caio de bossa, eu sou quem eu sou
Eu saio da fossa, xingando em nagô
Você que ouve e não fala
Você que olha e não vê
Eu vou lhe dar uma pala,
Você vai ter que aprender
A tonga da mironga do cabuletê
A tonga da mironga do cabuletê”

* * *

“O MUNDO É UM MOINHO”

Cartola compôs uma das músicas mais bonitas do cancioneiro nacional quando percebeu sua filha caída na boemia desvairada.


 

“Ainda é cedo, amor, mal começaste a conhecer a vida
já anuncias a hora de partida, sem saber mesmo o rumo que irás tomar
Presta atenção, querida, embora eu saiba que estás resolvida
em cada esquina cai um pouco a tua vida,
em pouco tempo não serás mais o que és.
Ouça-me bem, amor, presta atenção, o mundo é um moinho
vai triturar teus sonhos tão mesquinhos, vai reduzir as ilusões a pó…”

* *   *

“MAMÃE EU QUERO”

Muita gente pensa que a música brasileira mais cantada no estrangeiro é Garota de Ipanema, na realidade é a música carnavalesca de Jararaca, Mamãe eu Quero. Jararaca, José Luiz Calazans, alagoano do Pilar, fazia a dupla mais conhecida nos anos 50, Jararaca e Ratinho. Certo dia Tom Jobim compôs com Jararaca essa beleza: “Ainda ontem eu vim de lá do Pilar… Ainda ontem eu vim de lá do Pilar…”. Que foi gravada por Djavan.

* * *

“TOURADAS DE MADRID.”

Na Copa do Mundo de 1950, quase 200 mil pessoas assistiam ao jogo Brasil x Espanha no Maracanã, todos cantando: “Eu fui às touradas em Madri. E quase não volto mais aqui. Pra ver Peri beijar Ceci. Eu conheci uma espanhola natural da Catalunha; Queria que eu tocasse castanhola e pegasse touro à unha. Caramba! Caracoles! Sou do samba, Não me amola. Pro Brasil eu vou fugir! Isto é conversa mole para boi dormir.”


 

Final de jogo um homem sentado na arquibancada chorava feito um menino, um senhor foi consolá-lo afinal o Brasil ganhou de 7 x 0 da Espanha. Ele olhou para cima esclareceu ao senhor: “Não é pelo jogo que estou chorando, é pela música, fui eu quem fiz.” Era o grande compositor Braguinha, emocionado com todo Maracanã cantando sua música, ainda hoje tocada em todos os bailes de carnaval.

* * *

“CARNAVAL ADIADO”

Em 1912 o herói, Barão do Rio Branco, faleceu dias antes do carnaval, as autoridades brasileiras, além de decretarem luto oficial, acharam que não era de bom tom que o povo saísse às ruas para brincar e cantar, adiaram o carnaval para o Sábado de Aleluia. Entretanto, os foliões preferiram divertir-se duas vezes, no carnaval e na aleluia, cantando uma musiquinha que dizia assim: “Com a morte do Barão/Tivemos dois carnavá/Ai que bom, ai que gostoso/Se morresse o marechá”. O marechal era o presidente Hermes da Fonseca.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 24 de fevereiro de 2017

É CARNAVAL - TEM O BLOCO DA NÊGA FULÔ
 

Há 77 anos eu nascia num ensolarado carnaval. Aos cinco anos, fantasiado de pierrô com lança-perfume na mão, dancei no baile infantil da Fênix. Aos dez, moleque, acompanhava o carnaval de rua atrás dos blocos. Durante a juventude, depois do ano novo, aguardava o carnaval chegar acontecendo nas pré carnavalescas, Baile do Hawaii, Preto de Branco, o chiquérrimo Baile de Máscaras no Clube Fênix onde a bonita burguesia em fantasia ou smoking , caía no passo. Ao amanhecer, banho de mar na praia da Avenida.

Quinze dias antes do carnaval a COC, Comissão Organizadora do Carnaval, realizava toda noite na Rua do Comércio a Maratona Carnavalesca, além do corso, fila de carros rodeando o centro, em cada esquina uma orquestra tocava frevança. Caía no passo junto às moças virtuosas, soldados, empregadas, prostitutas, o povão se misturando na alegria do carnaval, sem diferenças, apenas sorrisos, remelexo do corpo, a alegria de traçar uma tesoura nos passos de um frevo.

 

 

Domingo anterior ao carnaval o animadíssimo Banho de Mar à Fantasia, desfile e concurso de troças, fantasias e bloco carnavalesco na Avenida da Paz. A turma de Rubens Camelo, Bráulio Leite, Pitão, Santa Rita, Alipão, os irmãos Moura, numa carroceria puxada a trator, fazia críticas à política, aos costumes, aos acontecimentos da época. Eles eram os arautos da animação, além de brincarem nas ruas, frequentavam clubes e biroscas da cidade.

Foliões fantasiavam-se com bom humor, Fusco, Tarzan, concorriam aos prêmios. Eu e amigos ficávamos apreciando a passagem dos desfiles diante à Comissão Julgadora aguardando uma tradição, os Blocos de Frevo (Vulcão, Cavaleiros do Monte, Vou Botar Fora, Tudo ou Nada, Bomba Atômica, Pitanguinha Vai à Lua, Sai da Frente, entre outros). Depois do desfile, dirigiam-se à casa do Coronel Mário Lima, meu pai esperava com um “laco-paco” de maracujá, cerveja gelada e tira-gosto. Os músicos adoravam, tocavam quatro a cinco frevos, a moçada caía no passo no enorme terraço da casa onde nasci, um bloco de cada vez, iam se revezando. O domingo terminava tarde, minha casa entulhada de amigos, convidados, penetras, o povo. O último bloco desaparecia em Jaraguá ao anoitecer.

O carnaval começava na noite do Sábado de Zé Pereira. Brincava no corso em jipe, vestido de macacão e maizena na mão, meladeira herdada dos entrudos – primeiros carnavais no Brasil. Em toda esquina da Rua do Comércio uma orquestra de frevo animava o povão, dançando, cantando, amores surgindo, amores fugindo, amor de carnaval desaparece na fumaça. Quase meia-noite ao chegar em casa tomava um banho reativante rumo ao baile do Zé Pereira no Tênis Clube ou Iate. A orquestra tocava marchinhas românticas, sambas e frevos até o dia amanhecer.

Domingo por volta das 10 da manhã a moçada já fazia fila, matinal do Clube Fênix, o calor retumbava com a música quente no Ginásio de Esportes, os foliões alegres bebiam de mesa em mesa, lança-perfume no ar. Todos conhecidos como se fosse uma imensa família, as moças bonitas, barriguinha de fora, dançavam em cima das cadeiras ao som das grandes orquestras e bateria de Escola de Samba. À noite depois do corso, mais festa, mais baile. Inexoravelmente vinham a segunda e a terça-feira, “um pé pra frente, dois prá trás, é hoje só, amanha não tem mais”. “Oh! quarta-feira ingrata chega tão depressa só pra contrariar”. A Orquestra do Maestro Passinha dava as últimas voltas no salão, finalmente o sol nascendo se dirigia à praia arrastando os foliões, dançando o Vassourinha na areia branca, fria, terminava num mergulho coletivo no mar azul esverdeado.

Cansados, molhados, sentávamos num banco da avenida, de mãos dadas ou abraçados à namorada, ainda tínhamos fôlego de beijar, e cantar: “Acabou nosso carnaval, ninguém ouve cantar canções. Ninguém passa mais, brincando, feliz, e nos corações saudades e cinzas foi o que restou… “

SAUDOSISTA É QUEM VIVE DO PASSADO. VAMOS ALEGRAR A CIDADE. NO DOMINGO DE CARNAVAL 26 DE FEVEREIRO DE 2017, DESFILE DO “BLOCO DA NÊGA FULÔ” ÀS 15 HORAS PARTINDO DOS SETE COQUEIROS. BLOCO ABERTO, TODOS ESTÃO CONVIDADOS. APANHE A SUA FANTASIA, ALEGRE SEU OLHAR PROFUNDO, QUE A VIDA DURA SÓ UM DIA, LUZIA, E NÃO SE LEVA NADA DESSE MUNDO.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 24 de fevereiro de 2017

ASSISTÊNCIA VIRTUAL



Alô Dirceu, não imagina onde estou“. Falou ao celular uma voz feminina, rouca de cigarro, sotaque carioca. Dirceu reconheceu de imediato. Surpreso respondeu. “Marília, você deve estar na praia de Ipanema tomando um belo chope“.

– Estou em Maceió, meu querido, à beira da piscina do belíssimo Hotel Jatiúca. Hoje pela manhã fui deixar uma amiga no aeroporto do Galeão, viajando à Maceió, uma semana numa excursão. Não resisti, telefonei para casa, dei uma desculpa boba, comprei a passagem no balcão, estou aqui, minha irresponsabilidade é do tamanho da vontade de conhecer meu amado Dirceu à cores e ao vivo.

Deu uma gostosa gargalhada enquanto ele sobre o impacto da surpresa pensava o que fazer. Desculpou-se, pediu para retornar a ligação em 30 minutos.

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Dirceu saiu da sala foi à varanda do escritório, acendeu um cigarro, puxou uma longa tragada, recordou rápido como tudo começou. Há 15 anos se rendeu à esposa e filhos comprou um computador, inevitável no mundo moderno. Hoje não pode viver sem um, seja no escritório, nos negócios, no lazer. Tem como distração conversar nas redes sociais, boa parte da noite dedica aos amigos virtuais.

Ano passado encontrou Marília numa sala de bate papo, deram-se bem, ela viúva, ele casado há mais de 30 anos, pareciam ter a mesma visão do mundo, o gosto convergente pelas letras, artes e história, passavam horas teclando, conversando, sessentões revolucionários, ainda querendo mudar o mundo. De um tempo para cá a afinidade aumentou, troca de confidências, fotografias, às vezes conversa ao telefone. Naquele momento deu-lhe uma vontade imensa de encontrá-la no hotel, entretanto, tem respeito e amor à esposa. Contar a verdade seria um problema maior, estava a definir a estratégia quando o celular tocou. “E aí, menino, a gente vai se ver?” – “Claro que sim, espere-me no hotel, são três e meia, às quatro e meia estarei aí” marcou Dirceu, cujo nome verdadeiro é Abelardo Silveira. “Espero aqui na piscina“, respondeu Marília, nome virtual de Carolina Paes Leme, ambos 65 anos.

Pontual, Abelardo entrou no hotel às 16:30 h. atravessou o hall, parou no terraço olhando devagar, os hóspedes curtindo a tarde de verão na piscina. De repente percebeu uma mulher sozinha de biquíni deitada numa cadeira, ao se aproximar, ela levantou-se sorrindo, bem perto se encararam, olhos nos olhos, naturalmente deram-se um abraço demorado, terno e sensual. Abelardo alegrou-se com o corpo e a beleza da amiga, coroa mais bonita e conservada não havia conhecido. Abraçando-a pelos ombros levou-a ao bar onde conversaram alegremente acompanhando bebidinha e salgadinho. Eram sete da noite quando Abelardo recebeu um telefonema da mulher perguntando se iria jantar, ele confirmou, não havia percebido o tempo passar. Olhou para Marília, disse enfático.

– Minha querida nunca lhe escondi meu casamento, estou num dilema, contar à minha mulher será bem pior, por isso peço-lhe, me aguarde, eu telefono amanhã às 9 da manhã. Espere.

Em casa Abelardo ficou matutando como dar assistência quatro dias à Marília, a coroa mais bonita do Brasil. Lembrou-se, havia um problema, uma pendenga a resolver no Recife. Comunicou à mulher, dia seguinte pela manhã viajava ao Recife. Dirceu apanhou Marília na entrada do hotel, dirigindo devagar, rumaram ao Litoral Norte alagoano, mostrou praias lindas de um azul exuberante, Ipioca, Paripueira, Japaratinga, Maragogi, entrou em Pernambuco. No Recife hospedaram-se na praia de Boa Viagem.

Ao ficarem juntos e a sós no apartamento, beijaram-se, amaram-se devagar com muito carinho e ternura, como pessoas maduras. No início da tarde Abelardo resolveu o problema no bairro do Recife Antigo. Ficaram por lá visitando os casarões coloniais. As ruas estreitas, antigas, encantavam o casal sessentão. Fizeram uma noitada de vinho e amor.

Dia seguinte retornaram à Maceió, via litoral, devagar, conversando, sem importar o passado ou futuro, sábios, idosos, sabem dar valor ao presente. O tempo é um relâmpago. Durante o restante dos dias, Dirceu fez estripulias, mas conseguiu dar assistência à Marília e não foi assistência virtual.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 17 de fevereiro de 2017

NO FUNDO DO MAR



Rosana estudou em colégio de freira, foi carola de igreja na juventude, quase santa em sua maturidade. Usava vestidos de mangas cumpridas, xales nos ombros, encobria o jovem corpo, ninguém sabia o que havia por baixo daqueles panos. Sua mãe, viúva, lhe alertava, mulher depois dos 25 anos fica difícil arranjar marido, está na hora de namorar para casar, tente conseguir alguém que possa lhe sustentar.

Por meio de um deputado amigo, e amante, a mãe arranjou-lhe um emprego na Secretaria de Finanças. Nessa época Rosana conheceu, namorou, Jorginho, baixo, falante, advogado de uma empresa. Sem muito amor, depois de dois anos entre namoro e noivado casaram-se na Igreja dos Martírios, muitos parentes, amigos, lua-de-mel em Salvador. Rosana casou-se virgem, assim conservou-se durante o noivado graças ao respeito do noivo, se fosse da laia de certos indivíduos, aquele cabaço havia voado há muito tempo.

 

 

Jorginho ficou surpreso com o desempenho de Rosana na cama, fogosa que nem uma égua no cio, montou e se fez montada, ele voltou da lua-de-mel exausto. Ao retornar à vida normal ficou preocupado com sua ardente mulher, daria conta? Entretanto, Rosana continuou em vestidos longos, cinzentos, assexuados. Somente Jorginho no mundo conhecia verdadeiramente aquela loba cheia de furor na cama, na rua uma dama. Anos passaram, dois filhos crescidos, Rosana continuou do trabalho para missa, para casa. Tinha um tratamento respeitoso ao marido, excelente dona de casa. Só não abria mão de seu banho de mar aos domingos na praia da Pajuçara, defronte ao apartamento. Jorginho não gostava de praia, ela sozinha. Sempre com um maiô discreto.

Em certo momento, as coisas foram mudando, Rosana tornou-se mais alegre, havia felicidade explícita em seu sorriso, chamava Jorginho de meu amor, coisa nunca vista nos 20 anos de casados, seus vestidos encurtaram, colaram nas curvas do corpo, na praia era um biquíni, Rosana tornou-se outra mulher. O marido ficou com pulga, carrapato, piolho e o cão atrás da orelha, nunca vira uma transformação tão radical em uma pessoa. Ele passava o dia a matutar. O que estaria acontecendo? Será influência de alguma colega de repartição? Será que pirou? Deixou de acreditar nos santos? Está me galhando? Ao pensar nessa última pergunta, deu-lhe uma tristeza profunda, aquela depressão típica, exclusiva de corno. Não teve coragem de esclarecer tão delicado assunto com a esposa. Ficou sofrendo calado, sozinho, o pior sofrimento.

Certa manhã tomou decisão, foi ao centro da cidade, subiu no Edifício Breda, conversou com um detetive particular. Contou toda história a Audálio. Ele pediu-lhe uma foto da mulher e seu itinerário normal. Jorginho, contrariado, sentindo-se um traidor, deu-lhe as informações dos locais mais frequentados, inclusive o banho de mar aos domingos, um mergulho na praia da Pajuçara em frente ao seu edifício.

Audálio fez o trabalho, primeira semana sem algum fato concreto, nenhuma pista de traição. Continuou. Seguiu a mulher por toda cidade, nada de anormal, um mês, dois meses de investigação. Jorginho desistiu, era só uma transformação de mulher madura, medo de velhice prematura, como disse o psicólogo. Pagou a Audálio. O detetive ficou frustrado, uma desmoralização, nunca havia desistido, perdido um caso.

Audálio, sem cliente, por distração, continuou seguindo a mulher de Jorginho em todos os lugares, até que num belo domingo, percebeu Rosana entrar o mar, alugou uma bóia de um rapaz alto, espadaúdo, que a ajudava segurando a bóia, chegaram ao fundo até dar água no pescoço. O detetive tirou várias fotos de Rosana apegada ao moreno. Por baixo da bóia, ninguém percebia, discretamente tirava o biquíni, entrava em erupção na água tépida da Pajuçara. Em casa, Audálio revelou as fotos, eram contundentes, amor no fundo do mar, sentiu-se triunfante. Pensou no marido, era apenas mais um corno no mundo, estava feliz, não valia a pena, deu-se por vitorioso, rasgou as fotografias.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita terça, 14 de fevereiro de 2017

LEMBRANÇAS DA ACADEMIA



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Academia Militar das Agulhas Negras

O tempo passa, o tempo voa, nesse final de ano serão comemorados 55 anos da formatura de minha turma da Academia Militar das Agulhas Negras – AMAN – 1961. Muitas histórias, lembranças, daquela época estão nítidas em minha mente, como se fosse ante ontem. Foram três anos de rígida formação militar, intelectual e física. Entretanto, a vida de cadete fora dos muros da Academia foi vivida com muita intensidade.

Certa noite gelada de inverno, resolvemos ir à boate Casablanca, éramos sete cadetes bebendo no Bar Zé Carioca em Resende. Ao chegarmos chamávamos atenção, cabeças raspadas, rapazes cheios de saúde, fazíamos furor entre as mulheres do famoso cabaré. Alguns tinham namoradas no lupanar. Nos anos dourados, românticos, prostitutas se apaixonavam.

O conjunto tocava música lenta, salão cheio, pares dançando, se divertindo. De repente um colega, bêbado, tirou para dançar a acompanhante de um caminhoneiro. Depois de áspera discussão, o forte caminhoneiro acertou um murro, o cadete caiu ao chão. Ânimos exaltados, começou uma briga generalizada no salão do cabaré, eu nunca tinha visto luta igual, só em cinema. Murro de um lado, de outro, cadeiras se arrebentando nas costas, nos braços, copos voando. Cadetes x Caminhoneiros. Já havia um bom tempo de briga quando colegas gritaram: “A patrulha da Academia chegou, vamos fugir pelo campo moçada! ” Corremos em direção ao mato, cada um por si no meio do matagal até chegarmos a algum destino.

Ao pular uma janela no fundo do salão senti forte pancada, quebraram uma cadeira em minha cabeça, desmaie. Um colega veio em meu socorro, acordou-me, arrastou-me pelo ombro para o mato. Nesse momento, a Patrulha já havia prendido dois cadetes. Na marcha de retirada noturna pelo matagal fui levado no ombro do colega. A dor aumentando, o sangue não estancava, continuava sangrando. Pedi ao amigo me deixar, preferia apresentar-me à patrulha. De qualquer modo, o ferimento iria me denunciar. Alguns colegas conseguiram se evadir, embrenhando-se matagal a dentro.

O colega improvisou uma atadura com minha camisa apertando o ferimento, tentando estancar o sangue, a cabeça doía. Retornei ao cabaré, fui devidamente preso pela patrulha e escoltado à enfermaria da AMAN, costuraram 20 pontos na cabeça. Eu e mais dois colegas amanhecemos o domingo na prisão da Academia.

Dias depois do acontecimento, cantou no Boletim Interno, transcrito de minhas alterações (assentamentos).

“Punição – Cadete de Infantaria Carlos Roberto Peixoto Lima – Por ter frequentado ambiente não compatível com a situação de cadete, por ter ingerido bebida alcoólica, por ter participado de uma briga contra civis, infringido o R/4, Regulação Disciplinar do Exército, fica preso por 15 dias. Permanece no comportamento bom. Punição de caráter repressivo.”

A prisão em si foi fácil, pouco tempo, afinal, havia dois companheiros fazendo companhia. A cadeia era um cubículo bem arrumado junto ao Corpo da Guarda. Todos os dias saíamos para assistir aulas, educação física e instrução militar. O problema foi a sindicância para apurar os fatos e quem mais participou da briga. O capitão encarregado era encrenqueiro, chato e prepotente. Fez pressão, marcação constante para que eu delatasse os companheiros fugitivos. Todo tarde me convocava para depor; deixava-me numa cadeira por mais de duas horas esperando. O capitão me ameaçava se não delatasse os companheiros seria desligado da AMAN, se delatasse, conseguiria aliviar a punição. Tentou métodos psicológicos, me convencendo ser para o próprio bem de meus amigos, mereciam punição, era uma maneira de educar. O capitão aplicava uma simples tortura mental. Entretanto, jamais delatar era ponto pétreo do nosso código de honra, não escrito, respeitado.

Entre os cadetes havia destaque, os atletas das equipes de futebol, voleibol, atletismo, natação, entre outros, eram os mais destacados. Depois os “cu de ferro”, boas notas, os que estavam sempre entre os primeiros na classificação. Os cadetes levavam uma vida simples, austera, de muito estudo e disciplina, de repente aparecia um fato isolado, caso da briga, fiquei famoso.

Certo domingo escalaram-me de serviço de cabo das baias no Curso de Infantaria, função, fiscalizar a limpeza das baias e dos animais (a Infantaria ainda tinha burro e cavalos). O sargento de dia era um cadete do terceiro ano. Passei o domingo conversando com o colega, lamentou ser pobre, vida difícil, filho de alfaiate. Por conta desse domingo de conversa houve maior aproximação entre nós; quando o via no pátio ou no cinema, depois do jantar, conversávamos bastante. Tornou-se meu amigo.

Fiquei pasmado, admirado, incrédulo quando, em 1969, li uma notícia nos jornais que certo capitão Carlos Lamarca tinha roubado armas e munições no quartel de São Paulo e partido para a guerrilha. Lamarca era o cadete, companheiro de serviço naquele domingo frio da Academia Militar das Agulhas Negras.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 10 de fevereiro de 2017

O GRANDE ÍDOLO



Eram dois irmão chamados Zé, Zé Miguel e Zé Gabriel, para diferençar chamavam o menor de Zé Pequeno, o apelido pegou, sem cerimônia, assim ficou conhecido. Tornou-se comerciante de material de construção, solteirão convicto, chegado às mulheres da vida, nunca namorou. Certo dia apareceu na casa de sua mãe, uma prima vinda do Rio de Janeiro, Zulmira, havia passado dos 30. Zé Pequeno ficou encantado com a vistosa loura, roupa decotada, divertida, sem meias palavras, dizia o que vinha na cabeça, tetas exuberantes, sorriso desavergonhado. Suas conversas escandalizavam a família e amigos. A maldade humana especulava a profissão de Zulmira no Rio de Janeiro.

 

 

Entretanto, o coração tem razões que própria razão desconhece. Zé Pequeno ficou encantado, apaixonado, pela prima. Não adiantaram os fuxicos, as previsões dos amigos. Zé Pequeno respondia, sabia o que queria. Terminou casando-se com a bela Zulmira. Os amigos, os desocupados, previram um belo par de chifres. Com três meses de casados telefonaram para Zé Pequeno, sua distinta esposa estava com um jovem num motel perto da rodoviária. Zé pegou-a em flagrante saindo do motel. Não houve acordo, acabou o casamento. Foi a crônica do chifre anunciado

Zé Pequeno gostou de ser casado, disse para si mesmo, jamais com mulher bonita, casaria novamente com mulher feia. Certo dia entrou na sua loja, Eulália, colega de infância, estrábica, sem muitos predicados da beleza feminina. Logo Zé Pequeno casou novamente, sem medo de levar ponta.

Os anos se passaram, os dois se deram bem, cada qual no seu canto sem se intrometer na seara do outro. Eulália tem uma butique de moda, ganha para seu sustento, é boa e servil esposa. Entretanto, tem duas manias incuráveis, ciúme doentio do Zé Pequeno e neura constante da violência urbana. Ela lê tudo nos jornais sobre assalto, assassinato, sequestro. É sua conversa predileta. Sabe todas as histórias contadas no rádio, televisão. Eulália ama o alarmismo da imprensa, faz bem à sua mente, alimenta-se de fatos tenebrosos. Exagera as histórias, terminando com a frase. “Ninguém suporta mais tanta violência!”

Numa bela tarde de sábado, Eulália foi a uma palestra sobre violência urbana, não poderia perder. O conferencista expôs sua teoria. A maioria dos crimes estão na faixa entre 14 e 26 anos, são traficantes, eles se matam por pontos de venda drogas. De repente o palestrante perguntou à plateia quantas vezes alguém tinha sido assaltado ou quantas pessoas conheciam que foram assaltadas. Apenas duas mulheres levantaram o braço. Eulália pensou, tentou relembrar algum assalto com amigo, nada. Retornou para casa decepcionada, não conhecia um parente, um amigo que foi assaltado, frustrante .

Nessa mesma tarde, Zé Pequeno telefonou para uma amiga moradora do Trapiche, cafetina das melhores meninas de programas da cidade. Apanhou a garota, bonita, alta. Levou-a para um motel. Tarde agradável, alguns uísques, até que na hora do banho ele escorregou, caiu de costa, nuca no chão, abriu-lhe a cabeça, o sangue jorrou.

Foi dirigindo ao Pronto Socorro, levou alguns pontos na cabeça. Zé começou a pensar o que dizer em casa. Teve uma ideia, uma mentira bem encaixada e registrada. Dirigiu-se à Delegacia de Plantão, abriu um Boletim de Ocorrência. Contou o assalto. Quando abriu o carro estacionado, dois rapazes armados mandaram ele dirigir rumo ao Litoral Norte, ao chegar na praia de Ipioca, mandaram parar. Deram-lhe uma coronhada, ele desmaiou. Levaram o dinheiro da carteira, o celular e o lep-top, ainda bem que deixaram o carro e ele, vivo.

Ao contar a história do assalto em casa, veio uma áurea de felicidade e alegria dentro de Eulália, ela não conteve o sorriso de satisfação. Ouviu atentamente a história do marido. Deu-lhe uma íntima satisfação. Contou exagerando a história para toda vizinhança, como Zé Pequeno foi assaltado. Há mais de um mês é seu único assunto. O assalto ao Zé acabou a frustração de Eulália. Zé Pequeno agora é seu grande ídolo.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita segunda, 06 de fevereiro de 2017

O INFORMANTE

 

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Bar do Chope

No início ele veio se achegando entre os frequentadores do Bar do Chope, Rua do Livramento. Ninguém sabia de onde Etelvino tinha vindo com aquele ar de malandro carioca, puxando de uma perna. Diariamente no início da tarde ele aparecia com um jornal embaixo do braço, mancando, cumprimentava os habitués do Bar do Chope, abria o jornal e danava-se a ler. Era jornal da semana anterior, mas impressionava por ser jornal de grande circulação no sul do país, O Globo, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil.

Com o tempo Etelvino conseguiu plantar informações que o deixou muito respeitado entre os desocupados e boêmios de plantão. Certa vez conversando com um bêbado, ele insinuou ser informante do S.N.I. e das Forças Armadas. No início dos anos 70, auge da ditadura, isso era nitroglicerina pura, como diria depois de alguns anos um nosso Presidente.

Histórias cheias de mistério, invencionices, cada vez mais circulavam no bar. Uns diziam que Etelvino mancava consequência da explosão de uma granada na luta armada contra comunistas, outros afirmavam com certeza, ele era coronel da Aeronáutica, mancava devido à queda de um avião. Todas as histórias convergiam ele ser um araponga em busca de informações, gente importante naqueles anos. Deviam tomar cuidado, não falar sobre política na frente da autoridade. Meter o pau no presidente Médici, nem pensar. Era cadeia certa.

Etelvino alimentava o mistério sobre sua situação, às vezes exagerava em opiniões e histórias. Já fazia parte da roda de desocupados. Quando ele chegava, os companheiros perguntavam pelas novidades. Ele sério colocava o indelével jornal na mesa, entrelaçava os dedos das mãos e iniciava suas invencionices em tom confidencial, carregando no sotaque carioca.

– Ontem jantei com o coronel comandante do 20º BC no quartel do Exército, infelizmente não posso revelar detalhes, entretanto, digo uma coisa meus amigos, aqui para nós, não vão dizer que fui eu que falei, confio em vocês. É que lá pelo Amazonas para as bandas do Rio Aragarças e Araguaia está havendo maior guerra. Os guerrilheiros comunistas treinados em Cuba, China e Moscou, estão lutando contra os pára-quedistas do Exército. A coisa está preta, muitos mortos e feridos dos dois lados.

Os colegas de copo ficavam admirados. Essas notícias eram proibidas de serem publicadas em jornais, o que dava uma maior credibilidade ao Coronel Etelvino, como os desocupados já o chamavam. Era coronel para cá, coronel para lá.

Etelvino tinha uma boa fonte de informação. Seu sobrinho, sargento da S/2 secção de informações do 20º BC, passava-lhe algumas notícias por alto, o tio insistia. Depois ele desenvolvia a história com fanfarronice no Bar do Chope.

Certo dia ele estava lendo O Globo da semana anterior, enquanto 10 a 12 estudantes bebiam e conversavam junto à sua mesa. Ele ficou escutando a conversa, maior atenção. Logo depois Etelvino se juntou aos amigos numa mesa mais ao canto e começou sua história da tarde. Os bêbados ficaram emocionados em verem os personagens bem perto, ao vivo.

– Estão vendo aqueles estudantes, são todos comunistas, fichados. Aquele magro é o Eduardo Bomfim, o galego é o Ronaldo Lessa, o outro mais gordinho chama-se Jurandir Bóia, ainda tem o Ênio Lins, o Aldo Rebelo e o José Rocha. Estão bebendo e tramando subversão. Serão presos nesses próximos dias.

Os vadios ficavam na maior excitação. Ele sabe de tudo! Que cara bem informado. Admiravam e se orgulhavam da amizade do Informante.

Até que certa tarde quando a “galera” puxava um chope ouviu-se um tiro, dois tiros, vários tiros. Maior correria na Rua do Livramento, gente se abaixando, outros se deitando. Foi Ivanildo Omena, irmão do famoso Cabo Henrique, havia assassinado, descarregando o revólver no seu inimigo Paulo Calheiros no meio da multidão em frente à Igreja do Livramento.

Quando acabaram os tiros, serenou a gritaria, corpos no chão, os bêbados gritaram, “Coronel prenda o assassino”. Só encontraram o grande ídolo algum tempo depois, encolhido embaixo de uma mesa por trás da mureta. Ao responder a um colega que exigia sua interferência naquele brutal assassinato, ele balbuciou, gaguejando, tremendo, ainda acocorado:

– Não… não.. não sou co..coronel não!!!

Ao correr para o banheiro Etelvino não pode esconder a calça melada, cagou-se de tanto medo. Depois desse dia nunca mais o carioca Etelvino, o informante, apareceu no Bar do Chope, nem no Centro da cidade.

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Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 03 de fevereiro de 2017

A MULHER DA CAPA PRETA

Aristides cursava a Academia Militar das Agulhas Negras, quando vinha de férias gostava de andar fardado com o uniforme militar. Orgulhava-se de ser cadete e adorava exibir-se. Fazia sucesso entre as garotas.

Durante as férias houve uma festa de 15 anos muito badalada na sociedade alagoana. O pai da moça, um empresário que por sua ousadia de homem de negócios tinha ficado rico, muito rico, morva numa manção na praia de Pajuçara.


 

Os jovens dançavam no imenso salão iluminado por vistosos lustres. Aristides havia recebido um convite formal, como era época de chuva, além de fardado levou a pelerine – capa longa, azul escuro, usada como integrante do uniforme do cadete, cobre os ombros e a parte superior do corpo, tem fendas abertas para os braços.

Quando a orquestra iniciou a tocar “Blue Moon”, Aristides avistou uma bela moça no canto da sala olhando em sua direção. Num impulso irresistível levantou-se em direção à bela moça que vestia o único vestido preto naquela festa. Aproximou-se, antes de convidá-la para dançar, ela abriu os braços dizendo que estava esperando o convite. Juntaram seus corpos rodopiando o salão com um abraço bem apertado. Os dois se olhavam como se uma paixão momentânea houvesse surgido.

Certo momento ele perguntou por seu nome. Rita, respondeu a moça. Ele juntou seu corpo ao do jovem, e assim ficaram dançando, mudos, afastavam-se algumas vezes para olhar um ao outro. Caso de paixão fulminante. Dançaram, conversaram. Certa momento, Rita lhe falou, devia ir para casa, tinha que chegar antes da meia-noite. Ele ofereceu-se para levá-la. Na saída chovia muito, chuva intensa, Aristides ofereceu, cobriu sua companheira com a pelerine protegendo-a do aguaceiro, correram em direção ao abrigo de ônibus.

Subiram no ônibus quase vazio. Sentados no banco conversaram como se conhecessem há muitos anos. Ao passar pela Avenida da Paz, Aristides puxou o rosto de Rita, deu um beijo ardente, sentiu seus lábios frio. De repente percebeu que ela chorava.

Perto da praça da Faculdade de Medicina Rita tocou a campainha, o ônibus parou, eles desceram. Ela pediu para não acompanhá-la, morava perto, no dia seguinte devolveria a capa preta, aliás, a pelerine azul escuro. Marcaram na praça.

Aristides, cuidadoso ficou olhando até ela desaparecer na esquina, na escuridão da rua, no oitão do Cemitério Nossa Senhora da Piedade.

Rita não saiu de seu pensamento durante o dia. Quando o relógio bateu sete horas da noite Aristides estava na praça da Faculdade. Ficou a olhar os passantes em busca de um vulto parecido com sua amada. Deu voltas no quarteirão, passou dezenas de vezes na rua em que ela desapareceu. Perguntou a algumas pessoas se conhecia Rita. Até que uma moça assustou-se quando indagada, informou que ela havia morado naquela casa, apontando para um bangalô.

Aristides bateu na porta. Apareceu uma senhora com aparência triste. Tomou um susto quando o rapaz perguntou se ali morava Rita.

A velha mulher perguntou quem era o rapaz. Ele disse ser amigo de Rita, havia conhecido ontem, marcaram para se encontrar naquela noite na praça.

Aristides arrepiou-se, quando a triste senhora respondeu, no dia anterior fez um ano de sua morte num desastre de carro.

Tentando ficar calmo, Aristides contou o encontro da festa. Inclusive. havia deixado com Rita sua pelerine, devido a chuva.

Resolveram ir ao cemitério. Entraram pela alameda principal até a capela, aconteciam dois velórios noturnos, famílias choravam seus mortos. Desviaram para direita onde estava a sepultura de Rita. Ao aproximar-se, perceberam, a pelerine, a capa preta, cobria o túmulo de Rita. Emocionados abraçaram-se chorando. Ficaram no cemitério até a meia-noite quando os portões se fecharam. Aristides não quis levar a pelerine.

Há muito tempo que moradores do Prado e do Trapiche juram ter visto, ainda vêem, nas noites de lua nova, uma bela mulher, pálida, circulando vestida em uma elegante capa preta.

O Coronel Aristides há 42 anos ininterruptos vem a Maceió, tem uma obrigação, rezar no túmulo de Rita.

Em homenagem a mais famosa mulher do bairro, um grupo de foliões do Prado, comandado pelo agitador cultural Marcos Catende formou um bloco, deu o nome de “Bloco da Mulher da Capa Preta”. Todo carnaval desfila pelas ruas do bairro, com um boneco gigante, uma bela mulher vestida e coberta por uma longa capa preta.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita segunda, 30 de janeiro de 2017

CÍRCULO DE GIZ EM BERLIM

 

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Em pedaços do Muro de Berlim conservado, o desenho da foto do beijo histórico

entre Brejnev (Rússia) e Honecker (Alemanha Oriental).

Abaixo, este colunista e esposa imitam os dois líderes comunistas

 

Desenhando no chão um círculo de giz ao redor de um peru ele sente dificuldade em ultrapassar a linha do círculo, torna-se prisioneiro, a área marcada do círculo é seu mundo, a percepção de liberdade do peru limita-se ao círculo de giz desenhado no chão. A vida é bem parecida, nos impõe vários círculos de giz desde que nascemos, às vezes procuramos sair do círculo ou nos acomodamos com os limites. O problema é que sempre existirá um outro círculo nos cerceando a liberdade, às vezes a felicidade.

Durante a juventude descobri na leitura e nas viagens a melhor maneira de transpor o círculo de giz. Consegui abrir caminhos, enxergar novos horizontes, conhecer cidades, outros povos, outras culturas, com a leitura e o espírito aventureiro. Hoje, setentão e muitas viagens no costado, continuo com o gosto de aventura, de viagem, conhecer outros palcos da história da humanidade. Nos últimos dias realizei um sonho viajando, visitei parte do Leste Europeu, países alinhados à União das Repúblicas Socialista Soviética após 2ª Guerra Mundial, separados do Oeste Europeu pela imaginária, não tanto, Cortina de Ferro, naquela época.

Hitler derrotado, os aliados vencedores iniciaram a repartição do “saque” em territórios campos de batalhas. Assim foi deflagrada no cenário mundial a Guerra Fria ( guerra política, sem armas), a Alemanha e o mundo foi dividido entre os vencedores, o lado Oeste liderado pelas nações liberais capitalistas, USA, Inglaterra e França e as nações da parte Leste ficaram na órbita da União Soviética. Stalin o consolidador do regime comunista implantou nas fronteiras da Europa uma linha divisória marcante, muros de concretos, fortificações militares, arames farpados, fossos fundos impedindo qualquer tipo de transposição de tropas, equipamentos e armas de guerra e outros obstáculos delimitando fronteiras, evitando qualquer “contaminação” dos países liberais, capitalistas.

Foi quando o primeiro-ministro britânico Winston Churchill, denunciou, “uma cortina de ferro desceu sobre a Europa”, acusando a União Soviética de uma ferrenha divisão político-ideológica entre os regime comunista e o sistema liberal capitalista.

A URSS, aliada na 2ª Guerra Mundial contra o Nazismo, tornou-se inimiga da coligação anglo – saxâ, defensora dos valores da sociedade ocidental contemporânea. A Cortina de Ferro foi o mais implacável círculo de giz da história contemporânea.

Em 1961, auge da Guerra Fria, depois da Revolução Cubana de cunho socialista intensificaram-se as defesas dos Blocos quase surgindo uma Terceira Guerra Mundial, foi preciso a União Soviética retirar os mísseis com ogivas nucleares de Cuba, bem na porta dos USA. Nessa época foi construído pela União Soviética o Muro de Berlim, dividindo a cidade de Berlim entre os setores comunista e capitalista, a expressão “cortina de ferro” foi consolidada na imprensa e opinião pública. Era o mais novo círculo de giz ou de concreto, implantado pelo regime soviético na Europa dividida.

A Guerra Fria entre os dois sistemas políticos, determinou um apartamento econômico, social, cultural entre as nações. Em Berlim no muro intransponível muitos habitantes da parte oriental foram mortos ao tentarem transpô-lo, era o isolamento ideológico para não contaminar o regime socialista com os bens de consumo do capitalismo liberal. O Muro de Berlim, círculo de giz bem delineado na bela capital da Alemanha, dividiu famílias, casais, amigos.

A Cortina de Ferro finalmente acabou-se depois do povo demolir o Muro de Berlim em 1989 e da queda dos vários regimes comunistas que dominavam o leste europeu, revolta e descontentamento com a falência da retórica socialista, em especial no campo econômico. Durante esse período vários países tentaram liberta-se do jugo soviético, como a Hungria em 1956, A Primavera de Praga em 1968, todos os movimentos esmagados pelas tropas soviéticas.

Passei esses últimos dias conhecendo os países do Leste Europeu, grata surpresa, beleza urbana, economia pujante. Ainda restam pedaços conservados do Muro de Berlim, fiz documentário fotográfico do desenho famoso, o presidente russo Brejnev beijando Honecker presidente da Alemanha Oriental. O Muro de Berlim foi o último círculo de giz concreto de uma época insana contemporânea da humanidade.

Para completar a série de círculos, visitei na Alemanha a marcante vergonha da humanidade, o Campo de Concentração de Sachsenhausen onde os nazista exterminavam o povo judeu e não ariano.

Nada melhor que uma viagem, conhecendo mais o mundo se conhece mais nossa aldeia. Relaxei, desliguei-me completamente até do mais novo círculo de giz inventado pela modernidade, o Face book.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 27 de janeiro de 2017

SONHANDO COM GERUSA



Quando José Júlio nasceu, seu pai, Coronel Maurício, dono de terras a perder de vista no sertão, atendeu ao pedido da esposa, Dona Virgínia, bonita e vaidosa, não quis amamentar o filho, medo dos seios caírem, contratou uma ama de leite. Julinho, bebê bonito, rosado, sorriso permanente nos lábios, chorava ao sentir fome. Ele não gostou do leite da primeira ama de leite, uma “velha” que dava de mamar ao seu 13º filho. O jeito foi apelar para Gerusa, bela negra da fazenda, acabava de parir dois meninos gêmeos, dois mestiços, nome do pai não revelado. Entretanto, alguns sagazes perceberam a semelhança dos gêmeos, a começar pelos olhos azuis holandeses do coronel Maurício. Negra descendente de rainha africana, alta, porte elegante, seios pontiagudos, beleza, dureza, pedindo para serem abocanhados. Assim fez José Júlio quando Gerusa ofereceu os seios. Julinho mamava muito, quando lhe tiravam a ama de leite, ele chorava, chorava, só acalmava quando chupava os seios da negra. Mamou sem leite até aos 10 anos de idade, parou porque Gerusa foi sequestrada pelo namorado pistoleiro e se escafederam para bandas de São Paulo.  O menino entristeceu, chorou muitas noites seguidas, sonhava mamando Gerusa.

 

 

José Júlio desenvolveu o corpo rapidamente, parrudo e espadaúdo, diziam ser consequência do leite abissínio da rainha negra. Seu pai o flagrou farejando as empregadas. Ao completar 13 anos, o coronel deu-lhe um presente, levou-o à zona em Arapiraca. José Júlio foi desvirginado por uma rapariga, Pafinha. Depois a reencontrou nos cabarés de Jaraguá.

Ao completar 32 anos, José Júlio, solteiro convicto, um dos maiores boêmios da cidade, anunciou em casa, estava a fim de casar com a nova namorada, Matilda, filha do Coronel Genuíno, dono das terras de São José da Tapera. Ótima notícia para família, quatro meses depois noivou. No dia do noivado seus pais lhe deram de presente uma casa, ou melhor, depositaram na sua conta bancaria o que hoje valeria R$ 450.000,00, para que comprasse a casa. A festa de noivado virou a noite. O casamento era de gosto das duas famílias.

Dia seguinte pela manhã, José Júlio foi ao Banco, nunca tinha visto tanto dinheiro na vida, todo seu, presentão. Filho único. De repente ele surpreendeu-se com a entrada majestosa de uma mulher, a Deusa não andava, desfilava, dirigiu-se ao caixa, todos olhavam seu generoso decote. José Júlio extasiado com aquela aparição, a mulher mais bonita, mais atraente, que já vira em sua vida. Ficou surpreso quando ela o olhou fixamente. Esperou a Deusa na calçada do Banco. Ao aparecer ele se apresentou, José Júlio Nogueira, fazendeiro, advogado. Ela sorriu, perguntou onde tomava uma cerveja nessa cidade. Julinho a levou para uma gostosa barraca de praia, conversaram e beberam toda tarde. Ela, artista de teatro, encenou uma peça no Teatro Deodoro, final da turnê estava voltando para o Rio de Janeiro, onde morava. Terminaram dormindo no Hotel Atlântico. Dia seguinte ela viajou, deixou-o enlouquecido com a noitada de amor; não saiam de sua cabeça os dois seios, duas taças, iguaiszinhos aos de Gerusa, sendo brancos.

José Júlio inventou uma viagem ao Rio. Não retornou, amou Leonor durante cinco meses, duas semanas e dois dias, até acabar o dinheiro da compra da casa. Sem a grana, ele não mais servia para a famosa artista carioca. Julinho caiu em si, escreveu duas cartas pedindo perdão, uma para os pais, outra para noiva.

Algumas semanas depois do retorno, perdoaram o vexame, José Júlio conseguiu reatar o noivado. Certa noite passeava no calçadão de mãos dadas com Matilda. Propositalmente o Coronel Genuíno esbarrou com eles, foi avisando, “Vamos marcar a data do casamento”. Em cinco meses Julinho casava-se na Catedral Metropolitana. As aventuras no Rio de Janeiro ficaram inesquecíveis. José Júlio hoje é um homem pacato, entretanto, seu coração ainda bate forte ao ver passar um belo rabo de saia. Nunca deixou de sonhar mamando Gerusa.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quinta, 26 de janeiro de 2017

CONTOS DOS BOSQUES DE VIENA



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Este colunista e a bela garçonete em Bratislava

Logo após a 2ª Guerra Mundial a Europa foi repartida, a parte Leste ficou em mãos da União Soviética onde Stalin implantou o regime comunista, a parte Oeste os americanos tomaram conta. A União Soviética foi aliada contra o nazismo alemão tornou-se inimiga depois da 2ª Grande Guerra, na época foi iniciada outra guerra, política, sem canhões, chamaram de Guerra Fria. Os USA de um lado, a União Soviética do outro, sempre querendo exibirem suas supremacias. Os Estados Unidos distribuíam seus filmes ao mundo mostrando o estilo de vida, o “way of life”, onde tudo corria às mil maravilhas, as mulheres eram plásticas, recatadas e do lar. Nos anos 50 inventaram o concurso Miss Universo, onde representantes de vários países concorriam ao certame mundial da beleza. O Brasil sempre mandava a sua. Em 1954 a Miss Brasil ficou em segundo lugar, a bela e gostosíssima baiana Marta Rocha perdeu por duas polegadas a mais no traseiro, esses jurados…Os países socialistas não concorriam a essa invenção burguesa.

Viajando recentemente pelo Leste Europeu, ex-países comunistas, hoje convictos capitalistas, deslumbrei-me com a beleza das checas, das húngaras, das eslavas. Conclui, se essas mulheres entrassem em qualquer concurso de beleza, ganhariam, são as mulheres mais bonitas do mundo. Por isso o tráfico de mulheres é intenso sequestrando adolescentes eslavas. Depois do petróleo, hoje, o tráfico de belas mulheres é o segundo maior negócio do mundo e as meninas do Leste Europeu são as mercadorias mais valiosas.

Deixando o devaneio ao lado, voltemos à viagem, saímos de Praga num ônibus confortável, sempre assistidos regiamente por Tereza e Pauline Rezende, organizadoras, logo chegamos à capital da Eslováquia a belíssima Bratislava. A cidade tem dois mil anos de história, remonta à época dos celtas, fez parte do Império Romano e ao longo dos séculos atraiu famílias reais, presenciou a coroação de 19 reis e rainhas do império húngaro. A beleza, a cultura, a história e o charme de Bratislava foram danificadas na 2ª Guerra Mundial. Durante os anos vivendo sob o jugo de Moscou se esqueceram do passado lendário da cidade. Recentemente, a cidade passou por uma grande reconstrução, um despertar cultural. Os turistas estão redescobrindo a charmosa cidade velha, os tesouros góticos da cidade, os restaurantes elegantes, os cafés.

A música em Bratislava está vinculada à vida musical vienense. Notáveis compositores frequentaram a cidade, Mozart, Haydn, Liszt, Bartók e Beethoven que interpretou sua Missa Solemnis pela primeira vez em Bratislava.

Almocei um gostoso goulash servido pela garçonete mais bonita do mundo. Mais algumas voltas na cidade partimos para Viena, a exuberante capital austríaca.
ANSCHLUSS- palavra alemã significa anexação. É utilizada em História para referir-se à anexação político-militar da Áustria por parte da Alemanha em 1938. Logo depois houve um plebiscito, onde 95% dos austríacos votaram a favor da anexação, a Alemanha ganhou a Áustria sem precisar invadir, sem morrer um soldado, o país se considerava alemão. Depois da 2ª Guerra, na divisão entre os vencedores, a Áustria ficou sob domínio americano.

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Este colunista tomando vinho no Café Mozart, Viena, 5°, onde o compositor tomava porres homéricos

Viena, a capital, é reconhecida pela ONU como a cidade de melhor qualidade de vida do mundo. Segurança pública altamente eficiente, serviços públicos excelentes, educação de alta qualidade e diversidade de opções culturais e lazer para população de todas as categorias sociais.

Viena é uma cidade de exuberantes palácios, museus, catedrais e igrejas carregados de história, de largas avenidas repletas de elegantes cafés e restaurantes. Historicamente foi e continua sendo o centro de música erudita, da música clássica, berço e moradia de extraordinários artistas, Franz Schubert, Beethoven, Strauss, Mozart. Entre as grandes figuras vienenses estão, Sigmund Freud, o famoso psicanalista, a imperatriz Isabel Amélia Eugênia, conhecida como Sissi da Áustria. Em 1956 realizaram o filme, Sissi a Imperatriz, com Romy Schneider, produção cinematográfica austríaca de maior sucesso no mundo, depois mais 2 filmes em continuação.

Durante uma noite tivemos o privilégio de ouvir na Ópera de Viena um empolgante, elegante (direito à champanhe no intervalo) e inesquecível concerto, me enlevou a alma, trouxe-me recordações da distante infância quando ouvia na Rádio Difusora de Alagoas o programa “Sonho de Valsa”, naquela época me deliciavam as valsas de Strauss, principalmente, a preferida, “Contos dos Bosques de Viena”. Era a valsa que ouvia naquele momento, naquele local, mais chique impossível.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita terça, 24 de janeiro de 2017

BUDAPESTE, CIDADE PARA VIVER UM GRANDE AMOR

 

Hungria, esse país povoou minha imaginação na juventude. Entre meus divertimentos, aos 12 anos, eu possuía uma amada coleção de selos. Tia Zezé Peixoto trabalhava nos Correios me trazia selos descolados, caídos das cartas. Certa vez me presenteou um pacote, 24 selos coloridos, belíssimos, neles escrito Magyar Posta, Correio da Hungria. Tornaram-se a preciosidade da coleção, eu mostrava a todo mundo, maior orgulho aqueles selos de um país distante e misterioso.

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Seleção da Hungria 1954

Em 1954 acompanhei por rádios e jornais a Copa do Mundo de Futebol na Suíça. A Hungria era a melhor seleção daquela Copa, inigualável, ganhava dos países mais fracos de 10 x 0 para cima, eliminou o Brasil nas quartas de finais 4 x 2. Numa das maiores injustiças do futebol, esse time perdeu a final em Berna para a Alemanha, campeã, 3 x 2 de virada. O Honved time base da seleção húngara possuía os melhores jogadores do mundo, inesquecíveis, Puskas, Kocsis, Czibor, Grosics. Destaques na história do futebol. Coloquei as fotos desses jogadores na parede de uma puxada no quintal de minha casa onde eu estudava durante a tarde. Tornei-me fã do Honved, de Puskas.

Durante a Segunda Guerra Mundial a Alemanha invadiu a Hungria. Isolaram os judeus em Budapeste, construíram uma muralha dentro da cidade formando um gueto. Segundo dados do Holocausto, 380.000 judeus húngaros foram mortos nos Campos de Concentração durante a ocupação. Ao terminar a 2ª Guerra os nazistas fugiram da Hungria dando lugar ao vencedor, o Exército de ocupação russo. Azar da população húngara. Saiu Hitler entrou Stalin instalando o regime comunista colocando mais um país na órbita soviética.

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Revolução Húngara 1956 – o povo em armas contra o jugo soviético

Em 1956 eu era cadete da Escola Militar de Fortaleza, tomei conhecimento pelos jornais da Revolução na Hungria. Fiquei interessado, quis entender, acompanhei a revolução do país de Puskas, ele era major do exército húngaro.

A Revolução da Hungria se iniciou no começo de 1956, uma manifestação organizada por estudantes e intelectuais húngaros contra as condições de vida e contra o governo do Partido Comunista, pretendendo adoção de algumas medidas democráticas no país. Cerca de 200 mil pessoas participaram da manifestação entre estudantes, operários e soldados. Os manifestantes derrubaram a estátua de Stalin, agentes da repressão passaram para o lado dos manifestantes. Conselhos revolucionários foram criados em Budapeste e outras cidades para organizar a população. O clima de guerra civil cresceu no país. Os governantes tentaram chegar a um acordo com Moscou. Entretanto, em novembro de 1956 tanques do Exército Vermelho entraram em Budapeste reprimindo brutalmente manifestações. Mais de 20 mil húngaros mortos, contra pouco mais de 700 soldados soviéticos. Era o fim da Revolução Húngara.

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Ponte das Correntes, separa Buda e Peste

Agora nesse bendito 2016, há alguns dias, com 76 anos nos costados, conheci esse país que habitou meus devaneios de juventude. Ao entrar em Budapeste encantei-me, fiquei fascinado com a beleza da cidade, extrapolou a expectativa. De um lado do Rio Danúbio fica Peste, suntuosos edifícios do antigo império austro-húngaro, imponente o edifício do Parlamento de fachadas e agulhas góticas. Em Peste concentram-se museus, galerias, igrejas, óperas. É a zona de compras da cidade, modernos shoppings instalados em palácios do Século XVIII. Atravessando a Ponte das Corrente, guarnecida por leões de pedra, fica Buda, morada dos ricos, onde se localizam castelos, a deslumbrante Igreja de São Matias e muitas construções medievais da cidade.

O Rio Danúbio divide Buda e Peste, inspirou Strauss compor a valsa, talvez a mais conhecida, “Danúbio Azul”. Durante uma noite após um show folclórico, navegamos num luxuoso barco onde avistamos toda cidade iluminada. As noitadas acontecem em modernos clubes ou em navios abandonados à margem do rio. Existem banhos turcos (a maioria também ocupa antigos palácios), unissex. Muito interessante. As belas húngaras costumam rejuvenescer nesses banhos turnos, às vezes nuas. Espetáculo à parte.

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Memorial dos Sapatos

Certa manhã, perambulamos, cinco casais, pela exuberante Budapeste, conhecendo, descobrindo à pé aquela fascinante cidade. A certa altura Dr. Catão nos instigou a procurarmos o Memorial dos Sapatos construído em 2005 por dois artistas, eles fixaram à margem do Danúbio alguns sapatos de bronze simbolizando um triste fato; num dia de inverno um grupo de judeus foi levado pelos nazistas à margem do Danúbio onde foram obrigados a tirar seus sapatos (valiosos durante a guerra) e saltar dentro do rio gelado.

Não se pode esconder, nem esquecer as atrocidades das guerras. Contudo, a beleza da cidade é imorredoura, inebriante, Budapeste, cidade para viver um grande amor, retornarei, em lua de mel, quando completar 50 anos de casado.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita segunda, 23 de janeiro de 2017

LISBOA, VELHA CIDADE



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Lisboa à noite

Última escala da viagem, descemos em Lisboa direto de Praga, saímos do Leste Europeu encantados com a beleza das cidades, dos prédios, dos castelos, das igrejas, principalmente das mulheres. As eslavas são as mais bonitas do mundo.

Portugal é nosso pai, talvez avô, às vezes nos desentendemos, entretanto, nos amamos há 516 anos, desde o descobrimento. Vivemos juntos, fizemos história juntos. Sinto-me em casa quando estou em Lisboa.

Nosso país tem tamanho continental graças aos portugueses, os bandeirantes gananciosos em busca de ouro, prata e diamantes desbravaram o Oeste brasileiro, esqueceram o Tratado de Tordesilhas assinado entre Espanha e Portugal em que dividia as terras descobertas. Pelo Tratado, o Brasil português, seria bem menor. Uma linha imaginária passando na região de Belém do Pará e Laguna em Santa Catarina, separava o lado Leste para Portugal e Oeste para Espanha. Entretanto bravos portugueses misturados com nativos, índios, resolveram conquistar o Oeste com as Entradas e Bandeiras, e o Brasil tornou-se esse imenso país, anos depois as Forças Armadas brasileiras ocuparam, marcaram, mantiveram a linha de fronteira do Brasil com os países hispânicos da América do Sul.

Os portugueses não tiveram problemas em se miscigenar com índios e negros formando uma raça de mulatos e cafuzos. A colonização do Brasil teve acertos e erros. Mesmo dividido em capitânias hereditárias, os portugueses conseguiram unificar formando apenas um país, ao contrário da América do Sul Espanhola, dividida em nove países.

Entretanto a colonização brasileira teve um preço, muito ouro, prata, altíssimos impostos, foram diretos para família real viver nababescamente como viviam os reis e a corte.

Em 1755, aconteceu na cidade de Lisboa uma das maiores tragédias urbanas da humanidade. Um grande terremoto seguido por tsunami deixou milhares de mortos. Casas, igrejas, praças destruídas. A devastação da cidade, foi quase total. A restauração foi trabalhosa, dispendiosa, demorada, modificaram o traçado das ruas. Praticamente reconstruíram nova cidade.

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Naquela época o Marquês de Pombal, nobre diplomata e estadista português. Secretário de Estado durante o reinado de D. José I (1750-1777), figura controversa e carismática da História Portuguesa, mandava mais que o Rei, resolveu o problema da reconstrução de Lisboa aumentando os impostos e levando toda a riqueza possível do Brasil. A reconstrução de Lisboa foi feita com o suor e riqueza dos brasileiros. São coisas de colonizador e colonizado, o povo português nada teve com o saque aos cofres brasileiros.

Lisboa, fim da viagem de um bom grupo alegre organizado por Tereza e Pauline Rezende. No Rossio comi um divino ensopado de perdiz. Passeios e compras na Rua da Prata, Rua do Ouro. Fascinante a pitoresca cidade, antigos bondes elétricos trafegam em ruas estreitas e em largas avenidas modernas. O antigo junto ao novo sofisticado. Nas noitadas as casas, restaurante, cheios, ouvindo belos fados. Tivemos o privilégio de almoçar o melhor bacalhau de Portugal na Laurentina, com direito à sobremesa bem portuguesa, a baba de camelo.

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Este colunista com amigos portugueses, Maria e Fernando na Casa do Brasil de Lisboa

Na última noite, devido a gentileza da amiga, Maria Xavier, funcionária do Ministério da Cultura de Portugal, tive a honra em proferir uma palestra seguida de noitada de autógrafos, para minha surpresa, todos os livros vendidos. Uma alegria imensa ser entrevistado pelo competente jornalista João Morales, o mediador preparou a projeção de fotos de várias fases do Brasil nos últimos 50 anos, assunto da palestra e debate, conversamos mais de hora e meia na Casa do Brasil de Lisboa, no Bairro Alto. Auditório cheio, fiquei emocionado com o carinho dos amigos e dos amigos dos amigos que apareceram.

E como ninguém é de ferro nos despedimos de Lisboa com um bacalhau na boemia do Bairro Alto. Lisboa sempre a sorrir, tão formosa, e no vestir sempre airosa, o branco véu da saudade. Até a próxima, minha querida cidade, cheia de encanto e beleza.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 20 de janeiro de 2017

HISTÓRIAS E LENDAS DO VELHO CHICO



Este colunista entre dois canoeiros contadores de lendas e histórias do Velho Chico

 

Ontem fui a Penedo, cidade histórica belíssima à beira do Rio São Francisco, ao entrar no Centro Histórico, emocionei-me, senti 400 anos me espionando, cada rua estreita enladeirada é um pedaço do Brasil colonial. Igrejas suntuosas e casarões fascinantes fizeram valer as duas horas de viagem a convite dos diretores da Pataxó Tour.

Navegamos o Velho Chico de canoa, almoçamos, pitu, peixe, camarão. O divino pirão deixou-me o estômago cheio. Enquanto os empresários acertavam-se, fiquei a conversar, puxando histórias e lendas dos dois velhos canoeiros. Com convicção da verdade, contaram-me algumas histórias, lendas, faço o repasse.

A MOEDA – No percurso do Rio São Francisco, existem três capelas encravadas em pequenas ilhas ao longo do rio, os canoeiros às vezes param, descem, rezam, continuam a viagem. Certa vez desceu uma família, rezaram à Nossa Senhora. Um dos filhos, 10 anos, achou uma moeda no chão da igreja, abaixou-se, colocou-a no bolso. Terminada a reza, o canoeiro e família continuaram a navegação. De repente o Rio São Francisco saiu da calmaria, começou a levantar ondas, balançando a canoa cada vez mais, uma onda veio tão forte que inclinou a canoa, vários balaios de frutas caíram n’água. O canoeiro gritou: Valha-me Nossa Senhora. Ouviu baixinho no pé do ouvido, devolva o que é de Nossa Senhora ao Rio. Desesperado, ele perguntou se alguém pegou algum objeto da Igreja. O menino tirou a moeda do bolso mostrou ao pai, achou no chão da Igreja. Valha-me Nossa Senhora, jogue a moeda no rio, menino. O pivete lançou a moeda, afundou na água. Naquele momento as ondas começaram a baixar, a canoa tomou prumo, continuou a navegação, o rio tranquilo.

A BANDA – No Baixo São Francisco, entre Paulo Afonso e a Foz, existe uma intensa navegação comercial transportando frutas, açúcar, coco, enfim, artigos de primeira necessidade. As vezes o navegador passa três a quatro dias embarcados vendendo mercadorias nas cidades ribeirinhas.. Durante o percurso apresentam-se vários locais apropriados para passar a noite, pequenas praias. Perto da cidade de Traipu existe um local aconchegante, facilitando atracação, bem próprio para passar a noite. Porém, os mais antigos canoeiros evitam aquele lugar por medo do que possa acontecer nas madrugadas. Há muitos anos, a Banda Filarmônica de Traipu viajou à Penedo, onde haveria um concerto musical. A Filarmônica tocava música clássica, dobrado , música de carnaval. A estrada de barro não ajudava, o velho ônibus em alta velocidade virou, alguns músicos morreram. Para não haver choradeira na cidade o prefeito mandou enterrar os músicos perto do local onde morreram. Quem dorme naquela praia é acordado pela madrugada, maior barulho, se ouve uma banda tocando dobrado bem alto, cada vez mais intenso, ninguém aguenta tanto barulho, foge, retorna ao Rio São Francisco. Um canoeiro conhecido ficou surdo para o resto da vida.

ILHA DA FITINHA – Um comerciante de coco, viúvo, tinha apenas uma filha, educou-a internada em Aracaju, dizia, minha filha só casa com homem rico. Acontece que o amor é traiçoeiro, Rosinha, a filha, apaixonou-se por um jovem canoeiro. Quando o pai, Coroné Antônio dos Cocos, soube do namoro, expulsou o rapaz da Ilha, proibindo colocar o pé em sua propriedade. Rosinha passou 36 dias e 35 noites chorando. No dia que seu pai viajou para comercializar coco em Pão de Açúcar, Rosinha parou de chorar, mandou recado, o canoeiro Zé Dantas veio depressa, namoraram dentro d’água escondidos no manguezal. Combinaram, quando o velho viajava, Rosinha colocava uma fitinha amarela no coqueiro comprido que entrava pelo rio por cima do manguezal. Assim foi feito, os dois encontraram-se várias vezes durante as viagens do Coroné. Certo manhã Rosinha não parou de vomitar, o pai levou-a ao médico. Estava grávida. O Coroné armou maior confusão, passou cinco dias falando sem parar, quando calou-se, de repente, achou melhor casar Rosinha com o canoeiro. O casamento foi feito às pressas na Ilha, apenas alguns convidados , vergonha na família. Quando nasceu o primeiro filho, deram o nome de Antônio José, o avô ficou caducando o neto, mais 12 filhos vieram, todos com nome de Antônio. Antônio José, Antônia Maria, Maria Antônia, Antônio Luiz, Antônio Carlos…Quem navegar Velho Chico pra bandas de Piaçabuçu, vai conhecer uma ilha cheia de coqueiros viçosos, manguezais exuberantes, é a Ilha da Fitinha.

Entrou pela perna do pinto, saiu pela perna do pato, seu Rei mandou dizer, que contasse mais quatro.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quarta, 18 de janeiro de 2017

UFC NO CAMPO SANTO

 

Naquela manhã, dia de finados, Norminha tirou o carro da garage, distraída, pensava no marido e como foi traída. Pela primeira vez retornava ao cemitério desde os acontecimentos no enterro, afinal passaram 18 anos juntos. Fernandinha, a filha de 14 anos, perguntou se ia encontrar a Adélia, filha do pai com a outra mulher.

– Deus me livre, nunca mais em minha vida quero ver aquela desgraçada, vadia, sirigaita, enfeitiçou o finado seu pai, ainda fez essa filha. É sua irmã, por parte de pai, apenas. Não quero e você está proibida de fazer amizade com essa moça.

Mal sabia Norminha, as duas estudavam em colégios do CEPA, são amigas desde que descobriram serem meio irmãs, filhas do Peixotinho, funcionário exemplar da Rede Ferroviária. Norminha rumou para ao cemitério, Fernanda ao lado, calada, a mãe em devaneios.

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Fernando Lyra Peixoto, ainda jovem, conseguiu um emprego na Rede Ferroviária com um deputado amigo da família, assíduo e trabalhador, todos os chefes gostavam daquele servidor, gentil. Sempre arranjavam uma maneira de uma função gratificada. Peixotinho não reclamava o salário de funcionário, tinha outra viração, emprestar dinheiro, um pequeno agiota, controlado, morava com a mãe viúva. Adolescente descobriu uma das coisas mais importante em sua vida, sexo e mulher. Carinha de santo, sonso que só o cão, uma lábia de encantar mulheres, vivia atrás das empregadas na vizinhança, os amigos o apelidaram maldosamente, Rei das Peniqueiras.

Guardou seu dinheirinho ganho na repartição, tinha casa, comida e roupa lavada. Por acaso investiu na agiotagem, um amigo desesperado pediu-lhe emprestado, pagou-lhe com juro de 10%, Peixotinho gostou, tornou-se agiota, investia também em apartamentos pequenos, o aluguel aumentava sua renda. Solteiro, gostava mesmo de uma garota de programa, teve poucas namoradas. Certo dia percebeu, os amigos de infância estavam casados. Aos 30 anos resolveu se casar, namorou e casou-se com Norminha, três anos depois apareceu sua filha, Fernandinha. Homem sério, todos admiravam, Norminha não cansava de se orgulhar, pelo Peixotinho botava a mão no fogo.

Certo dia amanheceu com a garganta inflamada, ao tomar algumas injeções na farmácia, conheceu a enfermeira, Ana, bonita morena, mãe solteira, vivia com o filho e o pai no bairro do Jacintinho. Trabalhava muito em hospital e dava plantão em farmácias fazendo curativos, aplicando injeções para sustentar a casa. Peixotinho empolgado com a sensualidade da jovem, retornou à farmácia paquerando abertamente Aninha. Sua insistência e lábia conseguiram levá-la a um motel. A partir daí teve encontros semanais com a carinhosa enfermeira, preenchendo parte de sua vida amorosa. Aninha engravidou quase ao mesmo tempo que Norminha, as duas filhas nasceram com diferença de um mês. Ana não fazia questão em ser a “outra”, afinal Peixoto ajudava muito, até cedeu um de seus apartamentos para moradia de Ana, o pai e os filhos. Peixoto conseguiu guardar esse segredo durante 15 anos. Certa manhã, na repartição, sentado, de repente veio-lhe suor frio, dor aguda no peito, a dor aumentou, caiu a cabeça para frente no birô, infarto fulminante. Morreu feito um passarinho.

Dia seguinte no enterro Norminha percebeu uma morena junto à filha adolescente, as duas chorando no caixão, quis saber quem eram aquelas intrusas. Everaldo, amigo, confidente de Peixotinho, contou-lhe a verdade. Norminha partiu desesperada, puxou Aninha e a filha do caixão, chamando-a de vadia, deu tapa na cara, alguns amigos intervieram botando paz no enterro. Depois de alguns meses, as duas, encontraram-se em audiência, brigando pela herança de Peixotinho. O “come quieto” deixou onze apartamentos pequenos.

Naquele dia de finado finalmente Norminha chegou ao Campo Santo, uma orquestra tocava as Bachianas de Villa Lobos enchendo o ambiente de saudades. Cemitério lotado, Norminha e Fernandinha dirigiram-se ao túmulo de Peixotinho, ao ver, ao longe, Aninha e filha ajoelhadas colocando flores no túmulo do marido, a viúva partiu em disparada, na velocidade que vinha rodou a bolsa na cara da “outra”, atordoada, levou murro na cara, ao cair revidou puxando o cabelo de Norminha. Atracaram-se no chão xingando-se mutuamente de vadia e puta. Ninguém teve coragem de apartar a briga, as duas rolaram, puxaram cabelo, deram tapas, jogaram areia, por mais de cinco minutos. Precisou dois policiais para terminar o briga. Perante o Delegado as duas tiveram que explicar para não ser enquadradas em perturbação da ordem pública. Uma coisa ficou clara, o UFC do Campo Santo ainda terá mais rounds.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sábado, 14 de janeiro de 2017

O PEQUENO PRÍNCIPE NEGRO

Ninguém sabe de onde veio, nem ele. A mãe o abandonou na Praça do Centenário quando Cícero não havia completado oito anos, negrinho, chamava atenção sua figura bonita. Olhos pretos, vivos, cabelos crespos. Sozinho no mundo, ficou a vagar pela cidade grande.

O menino enjeitado, triste e assustado, perambulou durante dias pelas ruas de Maceió, dormindo sob marquise, em praças, faminto, até que encontrou um bando de meninos abandonados. Foi uma alegria tornarem-se amigos, entrosou-se com esses menores que faziam ponto no centro da cidade, Praça Deodoro e arredores. Sobreviviam de esmola, do que achavam no lixo, de roubos fortuitos, até pequenos assaltos. Assim viveu Cicinho por anos nas ruas da cidade, abandonado pela sociedade, pelos governos, sem escola, sem casa, sem documentos, duas vezes preso por vagabundagem. Sua família eram os colegas de rua, de cola e de cruz.

 

 

Num dia de festa, o Brasil havia vencido um jogo da Copa do Mundo, enquanto a cidade comemorava, Cicinho procurava comida num container no bairro chique da Jatiúca, lixo de qualidade.

Alzira, moradora de um prédio, da janela reparou a cena, comoveu-se, teve pena do adolescente catador, alheio à festa. Agradou-lhe a silhueta daquele jovem moreno, cabelos crespos cumpridos, vestes maltrapilhas, capa velha surrada, parecia o Pequeno Príncipe Mendigo. De repente, ao acaso, ele olhou para a coroa, cumprimentou-a sorrindo. Ela respondeu-lhe outro sorriso. Com a mão direita aberta Alzira deu um sinal para ele esperar, desceu levando um bolo de chocolate na mão, ao aproximar, sentiu uma forte empatia, um afeto maternal pelo jovem. Cicinho recebeu o bolo, dividiu com amigos, comeram sentados no chão. A partir daquela dia, algumas vezes na semana, o jovem cheira-cola aparecia em frente ao edifício, a coroa lhe dava o que comer em um saco de papel pardo.

Alzira havia completado 41 anos no dia que conheceu Cicinho, dizia para si mesma, ser um presente de Deus. Mulher sofrida no amor, foi casada, sem filhos, por onze anos com um médico, abandonou-a por uma aluna da Faculdade. Um trauma para Alzira, quarentona bonita, vistosa, charmosa. Desde sua decepção amorosa, trancou-se para o mundo, mora sozinha, evitou namoro, sexo e amigas. Funcionária pública, o trabalho ajuda sua existência

Sentia-se abandonada igual ao jovem catador de lixo, ele veio preencher uma carência afetiva, alegrava-se ao dar-lhe parte de sua comida, depois presenteou-lhe camisa, roupa. Com o passar do tempo deu-lhe trabalho, mandou o barbeiro dar-lhe um trato, tornou-se uma espécie de secretário para limpeza da casa, do carro, fazer compras e outros afazeres. Cicinho toda manhã dava plantão em frente ao prédio de Alzira, à tarde caía no mundo junto aos companheiros. Certo dia ela convidou-o a morar no quarto de empregada, almoçava com a cozinheira.

Alzira ficou apegada ao adolescente, durante a noite ensinava a ler, a escrever e contas aritméticas. Deu sorte, conseguiu matricular o jovem no Colégio Marista onde os Irmãos têm cursos gratuitos para os necessitados.

Cicinho é calado, casmurro por natureza. Alzira descobriu, em conversa, seu sonho, uma prancha de surf. No natal ela presenteou-lhe uma prancha, o jovem feliz da vida, danou-se a surfar na praia de Cruz das Almas. Nunca abandonou os amigos, quando ia ao surf marcava com os companheiros cheira-cola, eles pegando carona na prancha. Quando podia, arranjava comida para sua turma. Cicinho tem consciência que a sorte passou em sua vida. É generoso e solidário, embora o sentimento de injustiça e desigualdade social seja forte em suas convicções.

Tornou-se um forte e belo rapaz, espadaúdo, típico surfista. Atualmente estuda para vestibular de Direito, quer ser um bom advogado e criar uma casa de abrigo a menores moradores de rua, seus sonhos fizeram feliz Dona Alzira, como ele a chama.

Cicinho deixou a dependência de empregada, dorme em quarto próprio. Mostra sua gratidão, tem verdadeiro afeto e carinho por sua protetora que mudou sua vida, lhe deu o que um jovem precisa, um lar, afeto e estudo. Está aprendendo a dirigir, carro prometido se passar no vestibular. Para Alzira é como se fosse um filho, aliás, mais que um filho.

Nas refeições divide a mesa com seu protegido. Segundo línguas ferinas, sem provas, invencionice de quem não têm o que fazer, durante parte da noite, divide também a cama forrada de lençol de linho e travesseiros de marcela. Alzira anda na maior felicidade, apenas um problema, administrar o ciúme das paqueras que dão em cima de seu belo Pequeno Príncipe Negro.


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 13 de janeiro de 2017

A AFILHADA

Dr. Romero chegou cedo ao escritório, algumas pessoas o esperavam na sala. Cumprimentou-as, ao mesmo tempo deu um olhar fotográfico, entrou na sala, sentou-se no birô, iniciou a leitura da correspondência. Logo chamou Nena, perguntou os assuntos daquela manhã, a secretária explicou cada caso, a filha de Adamastor veio pegar o cheque mensal 

Romero lembrou o amigo de infância, Adamastor, o melhor ponta esquerda do time de futebol da praia. Naquela época, adolescentes, a juventude aceitava melhor as diferenças, com mais honestidade, valia mais quem sabia jogar mais, quem trepava mais rápido num coqueiro e sabia fugir correndo do vigia. Adamastor, um atleta nato, desde o futebol na praia até mergulhar da cumeeira do trapiche avançado mar adentro. Tornou-se o melhor amigo de Romero, andavam sempre juntos caçando lagartixa com atiradeira, mergulhavam e pescavam à beira mar, pegavam caranguejo goiamum e outras brincadeira inventada por aqueles jovens adolescentes, na puberdade, se descobrindo, se possuindo dentro do mar, em intenção às moças de maiô deitadas na areia alva da praia.

O tempo que tudo desfaz, separou a amizade de infância. Raras vezes eles se viam, embora fossem compadres, Romero era padrinho de uma de suas filhas. Anos depois Adamastor procurou o amigo, estava morrendo, pediu ajuda, não deixar a família desamparada. Há dois anos Romero mensalmente dá um cheque de R$ 500,00 à família, um dos filhos vem buscá-lo no início de cada mês. Ele não conhecia essa filha à sua espera, ela entrou no escritório.

– “Você parece com o Adamastor, sente-se por favor” recebeu em pé. A jovem puxou a cadeira confortável sentou-se elegante, cruzou as pernas, sorriu.

-“Meu pai falava muito no senhor, muitas histórias ele contou, uma juventude alegre e livre na praia. Eu sou Clarissa, sua afilhada.”

– “Não me diga que prazer, ter uma afilhada bonita, não é para todo mundo”. Disse Romero rendendo-se ao encanto da morena. “Clarissa, minha afilhada, o que você faz na vida? Adamastor foi meu grande amigo de infância, gostaria de saber se posso ajudar em alguma coisa a mais?”

-“Doutor Romero na verdade eu trabalhava numa loja do Shopping, a empresa passando por dificuldades, fiquei desempregada, ainda bem que moro com mamãe.”


– “Faça o seguinte, traga seu currículo, deixe com minha secretária, vou ver o que posso fazer.” Levantou-se deu-lhe o cheque, ficou olhando a filha de Adamastor se retirar. Pensou, uma bela mulher!

Duas semanas depois Clarissa trabalhava no escritório, auxiliando Nena. A convivência entre o padrinho e a afilhada foi se estreitando, Romero tinha maior carinho pela filha do amigo, às vezes iam lanchar numa sorveteria perto do escritório, conversavam bastante, ele sorria com o bom humor da afilhada. Entretanto, ao olhar as pernas da jovem esquentava o sangue na veia, tentava se policiar. Certo vez, final do expediente ele dirigia rumo à sua casa, avistou Clarissa no ponto de ônibus, ofereceu carona. Ela abriu a porta do carro, sentou-se como uma princesa, no primeiro sinal vermelho o carro parou, ele olhou nos olhos de Clarissa, no verde arrancou, deixou-a em frente de sua casa, na despedida em vez de beijinho na face, aconteceu o primeiro beijo na boa, ficou só no beijo, ela desceu rápida.

Dia seguinte Clarissa estava encabulada, mal encarou o padrinho. Ele a chamou, disse que o beijo foi uma coisa natural, afinal ela é uma mulher atraente. Pediu a Clarissa fazer alguns pagamentos, ela saiu à pé, o banco era perto. De repente, Romero encheu-se de desejo, desceu à garagem, conseguiu alcançá-la , parou o carro. Passarem uma tarde inesquecível num motel luxuoso.

Romero adorou a aventura, toda semana repetiam a tarde maravilhosa, por muito tempo. Na virada desse ano, durante o réveillon na praia, um italiano conheceu Clarissa, conversaram, tomaram champanhe, celebraram com fogos a entrada do ano novo, dormiram juntos no hotel. Paolo apaixonou-se pela morenice, pela sensualidade daquela jovem, embarcou para Itália quatro dias depois, levou Clarissa, a jovem está em Gênova. Na véspera da viagem a afilhada explicou ao padrinho o inesperado acontecido, o italiano apaixonou-se, prometeu o mundo à ela. Romero chocou-se. Teve enorme depressão, a tristeza aumenta quando pensa, talvez nunca mais veja sua querida afilhada.

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quinta, 12 de janeiro de 2017

DE MÃOZINHAS DADAS

Maria Lúcia acordou-se com leve dor de cabeça, amargo na boca, havia bebido na noite anterior. Ainda deitada desligou o ar condicionado. Veio-lhe a imagem, detalhes da tarde de amor, Marcelo, terno, carinhoso, ao mesmo tempo selvagem, deixou-a em êxtase duas vezes, quase desmaia. Jamais pensou ficar apaixonada por um homem mais velho, poderia ser seu pai. Lucinha não tinha algum sentimento de culpa, não importava aquela situação camuflada, pouquíssimos amigos sabiam do caso. Sem problema ou preconceito em amar um homem mais velho e casado. Bem melhor que Julião, ex marido, Marcelo usava a experiência, sabia mexer nos pontos sensíveis de uma mulher, devagar, sem pressa, ficava a explorar sua anatomia, enquanto Julião um desastre na cama, apesar do belo corpo jovem, bebia muito, cheirava; na hora do amor pensava apenas em satisfazer-se. Maria Lúcia aguentou apenas dois anos de casada, não tinha saudade daquela época. Hoje, uma mulher livre, fazia o que queria, até um caso de amor com um homem maduro. Na véspera, depois da estonteante tarde de amor, Maria Lúcia saiu com um grupo de amigos na balada noturna, dançou e bebeu até quae amanhecer o dia

Saiu do devaneio ao olhar o relógio, 11:30 h, levantou-se, abriu a cortina, dia ensolarado, luminosa manhã. O mar de um verde esmeralda misturava um azul turquesa em suas águas, pequenas marolas. Contemplando do alto da janela deu-lhe uma sensação de bem estar, amava sua cidade, sua praia, a vida é bela.

Na sala encontrou os pais, a irmã mais nova.

– “Lucinha querida, a noitada foi boa, sua cara de ressaca não nega.” Entregou a irmã.

– “Foi ótima, saí com as amigas, eu posso, sou adulta, independente, dona do meu nariz”.

Conversavam enquanto Maria Lúcia preparava um lanche na cozinha. O celular tocou, era Dudu. Toda mulher bonita, gostosa, separada, tem um amigo homossexual.

Eduardo não parece homo, não dá para notar sua opção sexual até ele abrir a boca. Lucinha atendeu.

– “Diga Duduzinho querido! Como está vossa excelência?”

– “Estou à toa na vida, quero saber da programação nesse belo sábado, que tal nos encontramos numa barraca de praia, para um bom chope? Depois seja o que Deus quiser. Esse dia ensoralado é um convite para desmantelo.

– “Fechado, uma hora na Barraca Pedra Virada, tem sempre amigos curtindo uma cervejinha”.

A mãe ouvindo a conversa, não perdeu oportunidade para um conselho e um puxão de orelha.

– “Lucinha, você já vai sair? Daqui a pouco fica falada, não arranja outro marido. Esse Dudu parece, mas não é homem, cuidado com a vida. Quero que você se divirta, com juízo.”

– “Minha mãe essa vida é curta, ou eu me divirto ou tenho juízo, os dois são incompatíveis”. Deu uma gargalhada.

Maria Lúcia deu partida no carro rumo ao encontro, tomou a Avenida Beira Mar. De repente, sinal vermelho, ela freou, ficou na espera, ao olhar de lado teve um susto. Seu amado Marcelo entrava num restaurante de mãos dadas com a esposa. Deu-lhe uma sensação de mal estar, acabou-se a alegria, veio-lhe um profundo ciúme do fundo da alma. Precisou uma buzinada para acordá-la ao abrir sinal verde, acelerou o carro, mais adiante parou no acostamento, colocou a cabeça entre as mãos por cima do volante, chorou de raiva e pena de si mesma. Ao se recuperar retomou a Avenida Beira Mar.

Dudu esperava sentado, camisa vermelha, bem penteado, moço bonito, elegante, copo de cerveja na mão, peixinho frito na outra, ao vê-la fez sinal. Lucinha achegou-se devagar, sentou-se, chorou discretamente, queria tomar um porre, contou ao amigo o encontro inesperado com o amado Marcelo.

– “Você diz não ter preconceito, aceita esse amor proibido. Faz análise, tem cabeça boa, não entendo esse choque, esse chilique ao ver Marcelo e a esposa.” Provocou-a Dudu.

– “De mãozinhas dadas! De mãozinhas dadas não dá para aguentar!”


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita sexta, 06 de janeiro de 2017

A MANICURE

– Depois de velho, você ficou relaxado, coisa feia! Não corta o cabelo, unhas grandes, vou contratar manicure. Se eu morrer você vai virar lobisomem. Vivia reclamando Dona Sílvia aos ouvidos de Fonseca.

Certo sábado, pela manhã, a campanhia do apartamento tocou, uma morena sorridente se apresentou, Aparecida, manicure. Dona Sílvia tirou o marido da leitura dos jornais na varanda, hora de fazer as unhas, ele levantou-se, mais para livrar-se da insistente mulher. Sentou-se na poltrona, cumprimentou a manicure, acionou o controle remoto da televisão. Colocou os pés numa bacia de água quente para amolecer as unhas. Dona Sílvia deixou o marido entregue à manicure, foi às compras, sábado é dia de Shopping, encontro de amigas, só retrnaria na hora do almoço.

 

Durante o cortar das unhas de mão, Aparecida alisava a de Fonseca com suavidade, ele sentiu uma sensação gostosa, carícia no toque de mãos, olhou para manicure com curiosidade, ficou inquieto ao perceber o generoso decote da manicure, seios duros, empinados, há tempo não excitava-se com uma mulher. Puxou conversa.

– Menina você é a boa manicure, sabe cortar com suavidade, onde aprendeu essa delicadeza?

– Eu precisava de uma profissão, ganhar dinheiro, sustentar minha filha, uma vizinha me ensinou, hoje tenho bons fregueses, não paro de cortar unhas, os clientes gostam. Ser manicure foi muito bom para mim. Ganho meu sustento.

– E seu marido, pai de sua filha, não lhe ajuda?

– Marido não, meu vizinho, namorei com ele, me emprenhou ainda menina, eu tinha 15 anos. Danou-se para o Rio de Janeiro, sonhava ser cantor de rádio e televisão, canta bem. Há mais de cinco anos não tenho notícias dele, soube que é traficante no morro. Por isso vivo com minha mãe.

Conversaram muito, Aparecida contou sua vida severina, comum na periferia do Nordeste. Ao terminar, ele olhou os pés, as mãos, admirou as unhas simetricamente cortadas, perfeitas. Perguntou o preço do serviço, pagou R$ 35,00, cinco a mais do valor pedido. A morena agradeceu, guardou o material. Fonseca ficou encantado ao perceber o corpo da morena dentro do vestido azul claro, quase transparente. Aparecida despediu-se perguntando quando retornava. Venha no próximo sábado, disse com entusiasmo admirando o rebolado da manicure em direção à porta.

Na hora do almoço Dona Sílvia inspecionou as mãos, os pés, do marido, aprovou, perguntou se havia gostado da manicure, Fonseca resmungou, fez-se indiferente, entretanto, a jovem não saía da cabeça.

Dois meses Fonseca alimentou-se de fantasia, sonhava com a morena acariciando seus pés. Ficava feliz desde sexta-feira. Em conversas enquanto cortava unhas, tornaram-se amigos, íntimos, certa vez ela confessou ter sido garota de programa, não gostou. Num sábado cheio de sol, ao pagar a manicure, Fonseca encorajou-se, alisou-lhe o pescoço, o colo, deu-lhe um beijo na testa. Ela reclamou baixinho, “não Seu Fonseca, não…” Ele a trouxe num abraço apertado, beijou-lhe a boca. No apartamento da Ponta Verde, embalado pela carícia do vento Nordeste, em cima do tapete comprado na Capadócia fizeram amor pela primeira vez.

Dona Sílvia ao chegar notou a cara de felicidade do marido tomando uma cervejinha, cantando na varanda, achando o mar e a vida bonita. Convidou a mulher para almoçar, variar de comida, de tempero, foram à Barraca Pedra Virada na orla da Ponta Verde, encontraram amigos, passaram uma tarde maravilhosa conversando, uísque de combustível. Ao chegar em casa amaram-se como nunca mais tinham amado. Dona Sílvia, antes de adormecer, conseguiu perguntar, o que deu em você hoje?

Fonseca, homem decente, conversou sério com a manicure, não ficava bem fazer amor dentro de sua casa, era falta de respeito. Marcou, estabeleceu com Aparecida, encontram-se uma vez por semana para deliciosa tarde de amor, com ajutório. Fonseca está sentindo-se mais jovem, cabelo cortado, camisa da moda. Nunca mais Dona Sílvia reclamou o relaxamento do marido.

 


Carlito Lima - Histórias do Velho Capita quinta, 05 de janeiro de 2017

DESEJOS DE ANO NOVO

 

Nesse final de ano recebi um presente, o livro, “SE FOR PRA CHORAR QUE SEJA DE ALEGRIA” de meu querido amigo Ignácio Loyola Brandão, jornalista, ator, o

escritor brasileiro mais lido no país e no estrangeiro.

.

 

Uma dedicatória gentil, generosa, deixou-me emocionado, “Para o grande Carlito, que me deu o título deste livro, com a amizade de sempre”. No final do livro cheio de histórias e crônicas fascinantes, Ignácio explica o título.

“Final de ano é também momento de desejar boas-festas. Mas todas as frases, todos os cartões, tudo foi esgotado, virou clichê, lugar-comum, banalidade. Estava no computador buscando alguma originalidade, porque é o que esperam de mim. Aí travei! De repente, meu amigo Carlito Lima, de Marechal Deodoro, cidadezinha vizinha a Maceió, me salvou. Carlito organiza um dos menores e mais amados festivais de literatura do Brasil, FLIMAR (Festa Literária de Marechal Deodoro), pequeno, mas com nomes de primeiro time e muito companheirismo. Pois repasso aos leitores os desejos de Carlito. Vejam que delícia. Podem usar.

Alguns desejos para o próximo ano novo.

Se existir guerra, que seja de travesseiro.

Se for pra prender, que seja o cabelo.

Se existir fome, que seja de amor.

Se for pra atirar, que seja o pau no gato-t-ó-tó.

Se for pra atacar, que seja pela pontas.

Se for pra enganar, que seja o estômago.

Se for pra armar, que arme um circo.

Se for pra chorar, que seja de alegria.

Se for pra assaltar, que seja a geladeira.

Se for para mentir, que seja a idade.

Se for para algemar, que se algeme na cama.

Se for pra roubar, que seja um beijo.

Se for pra afogar, que afogue o ganso.

Se for pra perder, que seja o medo.

Se for pra brigar que briguem as aranhas.

Se for pra doer, que doa a saudade.

Se for pra cair, que caia na gandaia.

Se for pra morrer, que morra de amores.

Se for pra tomar, que tome um vinho.

Se for pra queimar, que queime um fumo.

Se for pra garfar, que garfe um macarrone.

Se for pra enforcar, que enforque a aula.

Se for pra ser feliz, que seja o tempo todo.

Não vacilei (continua Ignácio) copiei e enviei para vários amigos, inclusive ao Chico Buarque, devia uma mensagem a ele. Meia hora depois veio a resposta.
Adendo para adictos:

Se for pra cheirar, que seja a flor.

Se for pra fumar, que seja a cobra.

Se for pra picar, que seja a mula.

Obs. de Ignácio. – Pensando nas novas gerações, esclareço: “a cobra está fumando” era a expressão que os soldados brasileiros, chamados de pracinhas, que lutavam na Europa na última Grande Guerra, usavam ao atacar o inimigo.”

Assim Ignácio Loyola Brandão encerra seu novo livro, encantador. Aproveito para enviar aos amigos, novamente, esses desejos de ano novo, em meu nome, em nome do Loyola e do meu novo parceiro, Chico Buarque. Um ótimo 2017.


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