O fato se deu no início dos anos 60, quando não se ousava pensar em tenebrosas transações, o mundo era mais puro e idealista, embora não fosse tão politicamente correto com deveria sê-lo.
Jaciara bela e exótica cafuza, cabelos negros escorridos, rosto redondo, olhos agateados, lábios carnudos e encarnados, era conhecida como Índia, morava com o pai, cortador de cana, pobre e analfabeto, sem perspectiva de vida melhor.
A mãe fugiu com um motorista de caminhão, arribou pela estrada afora, tornou-se prostituta estradeira. O pai de tanto desgosto começou a beber muito, não aparecia para cortar cana, o capataz da fazenda ameaçou-lhe tirar a casa de taipa. Sem deixar a cachaça terminou morrendo. A menina Jaciara ficou só no mundo. Aconselhada por amigas foi tentar sobreviver na capital. Procurou de casa em casa até arranjar trabalho de empregada doméstica. Tinha disposição, fazia uma faxina caprichada agradou à patroa. Acontece que sua sensualidade e beleza agradaram ao patrão, aos dois filhos e até ao pai do patrão, o avô, o bom velhinho quando olhou a Índia pensou que ainda era moço, e tentou. Jaciara tinha prometido ao pai casar virgem, para cumprir a promessa e evitar o assédio dos quatro machos da casa, após cinco meses de trabalho, sem comunicar a patroa largou o emprego, tinha apenas 17 anos.
Sem ter para onde ir, ficou sentada na orla olhando o mar, com uma maleta no chão. Nessa tarde conheceu Cícero, um homossexual que com pena levou-a para sua casa, pediu a mãe para dar guarida até arranjar emprego. Na casa de Cícero não se podia pagar empregada. Jaciara fez alguns trabalhos em troca da comida e dormida. Difícil uma analfabeta achar emprego.
Certo dia uma vizinha, ao vê-la, aconselhou: “Menina você é muito bonita, os homens lhe desejam, vá ganhar dinheiro no cabaré.” “Eu sou virgem”, disse Jaciara. –“Sua virgindade vale ouro, muito coronel pagaria um dinheirão para tirar-lhe o cabaço”.
O Cão, o Belzebu ficou atentando o juízo de Jaciara. Numa noite procurou a vizinha, pediu para levá-la à zona. Ao chegar à Boate São Jorge, bairro boêmio de Jaraguá, subiram a íngreme escada, Jaciara empolgou-se com a beleza do salão. O dono, o rei da noite, chegou perto, a amiga foi falando: “Pai Velho, olhe o presente que trouxe para você, essa bela índia”. Aproximou-se, cochichou no ouvido: “É virgem”.
O Negrão conhecedor profundo da alma boêmia interessou-se por Jaciara, o fato de ser virgem, deixou-lhe empolgado. Havia quem desse um bom dinheiro por aquela jovem. Mandou-a esperar, Jaciara estava deslumbrada com a música do conjunto, a alegria da casa, os pares dançando no salão. O “Pai Velho” levou-a ao escritório, um quarto especial. Deu alguns trocados para amiga e despachou-a, ficou com Jaciara, era todo sorriso, simpático, passava confiança às meninas, adorado pelas raparigas. Fez algumas perguntas à Índia. De repente pediu-lhe para tirar a roupa. Jaciara desabotoou os laços nos ombros, o vestido de chita caiu no chão, desabrochou a beleza seminua da jovem, o Pai Velho encantou-se. Se não fosse virgem ele seria o primeiro, contudo, aquela virgem valia ouro. “Você vai passar alguns dias só aparecendo no salão, tome dinheiro, compre três vestidos, toda noite fique bem bonita se mostrando de mesa em mesa, não vá para o quarto com ninguém, diga que é virgem, eu vou arranjar alguém especial para lhe tirar a virgindade, depois fica trabalhando na boate.”
Toda noite Mossoró anunciava o leilão da virgem Jaciara no dia do Show de Reinaldo, uma trupe divertida de travestis, e inauguração da luz negra no salão. Na noite marcada a Boate estava cheia; políticos, coronéis, usineiros, reservaram mesa. Foi uma das maiores festas na história do bairro boêmio de Jaraguá. Um rico fazendeiro arrematou a Índia no leilão. Colecionador de cabaços, ele usava um colar, cada conta, uma virgem sacrificada. Pagou uma fortuna por Jaciara. Depois, não houve outra alternativa, ela continuou sua vida no cabaré.