Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Carlito Lima - Histórias do Velho Capita domingo, 04 de junho de 2017

A ENXURRADA

Ponte sobre o Salgadinho Avenida da Paz – 1949

A chuva tamborilava nas vidraças das janelas, batia forte feito um chicote. O aguaceiro descia pelo telhado do bangalô, transbordando a calha de zinco, em cuja extremidade, parecendo cachoeira, caía em jorro no gramado do jardim. Três crianças alvoroçadas, alegres, aproveitando a inesperada bica, tomavam banho de chuva, brincavam empurrando um ao outro. Entardecia, de repente ouviu-se um estrondo, o relâmpago iluminou o céu e o mar, por um instante avistou-se alguns barcos, jangadas, balançando em mar revolto, pescadores retornavam da faina diária. O trovão assustou os meninos e os moradores da redondeza. Era final do mês de maio de 1949 quando aconteceu o maior temporal da história de Maceió.

Na cabeça de Gabriel vieram-lhe os caranguejos. Durante trovoadas goiamuns saem das tocas e entram facilmente nas armadilhas. As cinco “ratoeiras” feitas por ele, usando lata de azeite, deviam estar desarmadas, fechadas, com um baita goiamum preso. Dia seguinte, bem cedo, iria recolhê-las, pensava o menino. No início daquela tarde, como sempre fazia, Gabriel colocou cinco armadilhas em tocas de goiamum no sítio de coqueiros de Dona Sinhá, terra salobra, manguezal, celeiro de caranguejos, à margem do Riacho Salgadinho.

Raios e trovões continuavam. Da varanda onde os meninos saltitavam encharcados não se enxergava o horizonte da imensidão do mar. Naquele momento estacionou na porta do bangalô um Ford 1946, preto. Doutor Bernardo abriu a porta do carro e o guarda-chuva, correu em direção à casa atravessando o jardim. Ao chegar à varanda foi abraçado pelos três filhos encharcados. Feliz por estar em casa gritou recomendando à esposa:

– Isabel mande esses moleques trocarem de roupa, a chuvarada vai continuar, tenho medo de uma cheia igual à do ano passado.

Não foi preciso o pedido à Isabel, era como se fosse ordem direta aos filhos. Os três correram para seus quartos, tomaram banho, vestiram pijamas, retornaram à sala onde o pai balançava-se numa cadeira de palhinha ouvindo o noticiário da Rádio Difusora de Alagoas – ZYO4, sobre a chuva forte caindo em toda região de Maceió.

Na noite do temporal os meninos brincavam despreocupados. Antes do jantar, Dr. Bernardo pediu ao filho mais velho um grogue. Mário abriu o bar, colocou três dedos de conhaque Napoleón que o doutor tomou de uma talagada, engolindo o líquido que desceu ardendo goela abaixo. Pediu outro, precisava, havia se encharcado na chuvarada, comentou. Depois do jantar a família reunida ouvia as notícias pelo rádio, algumas barreiras caíram na periferia, ninguém sabia a previsão do tempo. O noticiário confirmou que foi o maior volume de água caída na cidade nos últimos anos. Eram nove e meia quando Isabel colocou os meninos para dormir.

Por volta das 10 horas da noite ouviu-se um estrondo contínuo, era barulho de água em movimento. Uma enxurrada em velocidade passava por perto. A tromba d’água descia desde o bairro do Tabuleiro dos Martins 15 quilômetros acima da região da orla e foi se avolumando, crescendo pelo bairro do Farol como uma onda desgovernada, atropelando o que encontrava pela frente. Virou carros e carroças, derrubou árvores. Quando a enxurrada desceu como uma cachoeira no bairro das Mangabeiras, desprendeu-se um enorme pedaço da encosta caindo por trás de mais de 20 casas. A barreira cobriu de terra e lama essas casas, muitas pessoas morreram soterradas.

A tromba d’água tomou o Vale do Riacho Salgadinho, cada vez mais volumosa, insustentável, levava o que havia no leito do riacho. Na foz, no desembocar do mar, a água chegou avassaladora quebrando ao meio a ponte de concreto da Avenida da Paz sobre o riacho, arrastou os dois blocos pesados da ponte à beira mar.

No vão onde havia a ponte sobre o Salgadinho, ficaram apenas os trilhos dos bondes pregados em seus dormentes. O tamanho da tragédia foi avaliado quando o dia amanheceu.

Fragmentos do romance MANGUABA a ser lançado em julho


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