Recentemente visitei a bela cidade de Resende. Fui comemorar com colegas o 57º aniversário de formatura de minha turma na Academia Militar das Agulhas Negras. Ao ultrapassar novamente o Portão Monumental da Academia vieram-me lembranças e emoções do jovem cadete que fui. Assim que entrei, caminhei pelos quatro cantos da escola de minha vida, revi as pérgolas, a enorme biblioteca, o refeitório, os apartamentos onde dormíamos. Os campos de futebol, atletismo, ginásio, piscina. Na AMAN se pratica um bom esporte. Revi as salas onde todo dia assistíamos aulas de, Português, Física, Psicologia, Direito, e tantas outras matérias, matemáticas e humanas, como também instrução militar, tática e emprego de tropas. Naquelas salas aconteciam provas mensais, o professor entregava a prova, saía da sala, ninguém filava (colava), fazia parte no Código de Honra, não escrito.
Ficamos em Resende alguns dias, relembrando nossas vidas juntas naquela imensa AMAN, depois cada qual foi servir em um canto do Brasil. Eu deixei o Exército como Capitão, a maioria dos colegas seguiu a carreira militar, fizeram vários cursos de aperfeiçoamento, de Estado Maior, da Escola Superior de Guerra, alguns foram para o estrangeiro, Eu como tenente passei dois anos comandando um Pelotão de Fronteira em Roraima, uma experiência de vivência humana extraordinária. Companheiros de turma são como irmãos, durante seis anos de convívio diário os colegas passam a ser uma nova família. Nas noitadas dessa gostosa semana reuníamos os casais para longas conversas relembrando fatos e lendas que se incorporaram às nossas vidas, como a história dos oito cadetes.
No início de 1944, tempo de II Guerra Mundial, a construção da Academia Militar das Agulha Negras havia parado por falta de verbas; funcionava no Rio a velha Escola Militar de Realengo, instituição que formou muitos militares.
Naquela época uma das diversões do cadete era montar a cavalo nos dias de folga. Oito amigos nos fins de semana costumavam cavalgar. Oito companheiros saíam sempre juntos. Em algumas noites eles costumavam cavalgar até uma boate de mulheres que havia perto de Realengo. Época de frio os oitos cadetes vestiam pelerine (capa militar azul marinho sem mangas), botas e o quepe a Príncipe Danilo, o mulherio se assanhava quando eles apareciam. Faziam visitas constantes à casa das mulheres. Os cadetes cavalgavam, dançavam, sempre cobertos com a elegante pelerine. Era proibido frequentar cabarés, se fossem apanhados pela Patrulha Militar pegariam alguns dias de cadeia, com certeza.
Certa noite, depois de dançar, depois de se deitarem com as “namoradas”, os oito amigos montaram nos cavalos escondidos no mato e dispararam pela estrada de barro retornando à velha Escola Militar do Realengo. Quando passavam por uma rua, por volta das 23 horas, viram numa esquina escura quatro homens assaltando, batendo num senhor que pedia clemência, que não o matassem. Os cadetes, os oitos cavaleiros, não precisaram combinar, puxaram as rédeas e os cavalos dirigiram-se para o local do assalto, com destemor e rapidez desmontaram dos cavalos ainda a galope e agarraram os quatro bandidos. Os cadetes socorreram o cidadão que já devia ter mais de 60 anos, e prenderam os marginais. Entregaram os facínoras numa delegacia próxima, e o velho ferido foi deixado num hospital.
Na segunda-feira durante a formatura matinal, o comandante da Escola pediu à tropa para que os cadetes que tinham salvado a vida de um cidadão no sábado á noite se apresentarem, pois, o filho desse senhor estava na Escola para agradecer. Os oito amigos não se revelaram com receio de pegar cadeia. Ninguém se acusou. No dia seguinte, depois do comandante muito insistir e prometer que não haveria punição, os oito cadetes reuniram-se resolveram se apresentaram ao comandante e ao rapaz. Foram levados à presença do cidadão no hospital. O senhor era nada mais nada menos que Henrique Lage, um dos homens mais ricos do Brasil, donos de empresas, inclusive o Loyd Nacional, companhia de navios que fazia a costa brasileira. O senhor agradeceu aos cadetes e perguntou qual a precisão de cada um, eles dissessem o que precisavam, uma casa, um carro, ou o que fosse, seria o agradecimento por ter salvado a sua vida. Os oito amigos pediram para pensar. Reuniram-se, discutiram muito.
No dia seguinte foram ao ricaço, nada queriam para eles, pediam que ele ajudasse a terminar a construção da Academia Militar das Agulhas Negras que estava paralisada. O velho milionário deu a ordem para fazer um levantamento do que faltava para terminar a Academia. Mandou buscar o mais fino mármore de Carrara na Itália para o revestimento, comprou todo o piso da Academia em granito. Até hoje perdura a suntuosidade naquele belíssimo conjunto arquitetônico. A AMAN é considerada a mais bonita Academia Militar do mundo, graças à digna história dos oito cadetes, hoje anônimos militares reformados de nomes esquecidos ou mortos, mas o belo gesto, a coragem, o destemor e o amor à sua Escola tornaram-se lenda, sempre lembrada nas reuniões militares.