Adalberto saiu do consultório feliz. A geriatra, ao ler o resultado dos exames, constatou diabete, pressão alta e outras achaques normais em um homem de 73 anos. Tudo controlável, além de um regime alimentar passou remédios para a pressão e diabete. Caminhadas diárias cerca de 30 minutos, pouco álcool, recomendou a doutora, podia levar a vida normal. Como era perto das festas natalinas Adalberto deixou para iniciar as recomendações médicas após ano novo. Como o carnaval era cedo, mais uma vez foi adiado o tratamento.
Na quarta feira de cinzas, Adalberto estava com uma bruta ressaca, um péssimo humor maior que qualquer TPM da esposa. À tarde sentou-se na poltrona para assistir a apuração do desfile da Escola de Samba do Rio de Janeiro. Anos atrás ele desfilou pela Salgueiro e torcia por essa escola. De repente deu-lhe uma tonteira, suando frio, uma dor no braço e no coração. Deu um suspiro, tentou levantar-se da confortável poltrona, porém, arriou a cabeça, ali ficou.
Dona Creuza, a esposa, ao chegar no apartamento às sete da noite, encontrou a cena trágica, Adalberto com a cabeça pendida no lado esquerdo. Ela o sacudiu gritando pelo nome, até perceber que estava morto, chamou uma ambulância.
Dia seguinte uma comoção no enterro no Parque das Flores, muitos amigos, Adalberto era criatura simpática, bom comerciante, os amigos ocorreram para despedir do último boêmio da cidade, como disse um parceiro olhando o defunto no caixão.
Em certo momento apareceu uma senhora, aparentando cinquenta anos, rosto bonito, levando pelo braço um jovem de seus 12 anos. O rapaz encostou-se no caixão, alisou a cabeça de Adalberto, chorou sem conseguir parar. Logo todos que estavam no enterro souberam do fato, era filho. Adalberto tinha vida dupla, sustentava outra família num bairro da Ponta Grossa.
Andréa, a filha, e Edivaldo, o genro, ficaram consolando Creuza, ela irada, não se conformava com a traição de tantos anos de Adalberto. Agora aos 60 anos, se achando velha para recomeçar a vida, não havia mais razão de viver. Não ficou para o enterro.
Num gesto impensado, o genro Edivaldo, convidou Dona Creuza para morar no quarto de hóspede de sua casa até a poeira baixar, o tempo é remédio para todos os males. Dona Creuza estabeleceu-se na casa da filha de mala e cuia. Nos primeiros dias pediu para ninguém falar sobre o “Defunto”, assim passou a chamar Adalberto. Não compareceu à missa de sétimo dia. Dizia não encarar as amigas com ar de chorosa, mas no íntimo zombava do chifre que ela havia tomado durante sua vida.
Acontece que Dona Creuza começou a mandar dentro de casa, dava ordens nas empregadas, escolhia o almoço, fiscalizava a faxina, metia-se na vida dos netos adolescentes. À noite assistia todas as novelas, acabando com o prazer de Edivaldo em ver seus filmes escolhidos na NETFLIX. Ficou de vez, ia ao seu apartamento apenas para limpar. Passaram-se quatro meses, Edivaldo, Andréa e os filhos andavam nervosos, chateados com a velha mandando em casa. No início não impuseram condições devido o estado emocional da, agora ficou difícil.
No aniversário de Edivaldo ele convidou alguns amigos para uma cervejinha e almoço no sábado pela manhã. Continuaram pela tarde, acontece que Ulisses, um amigo do jogo de pôquer, viúvo, um boa vida aposentado, engraçou-se de Dona Creuza. Passaram a tarde conversando alegremente. Confidencialmente trocaram telefones. Na semana seguinte encontraram-se discretamente no apartamento da viúva. Dona Creuza com seus sessenta anos ainda tem atrativos. Ulisses um pouco mais novo. Dois meses se passaram, avisaram à família, estavam vivendo juntos. Dona Creuza retornou ao apartamento. Andréa não pode provar, porém, tem certeza que tudo aconteceu por manobra estratégia de Edivaldo, sabedor da situação precária afetiva e financeira de seu amigo Ulisses, convidou-o para o aniversário apostando no namoro dos coroas. O marido nega as insinuações da esposa com um sutil sorriso nos lábios. Hoje todos felizes, como os finais de histórias. Quem morreu foi Adalberto.