Não pararam de conversar. Depois de ela guardar as compras no carro, sentaram num banco da pracinha, há muito não se viam e continuaram a conversa.
– E aí, você continua mulherengo?
– Estou solteiro. Dois casamentos não deram certos. Sou ainda o romântico incorrigível em busca de alguém para lhe substituir. Nunca encontrei.
– Você é um danado! Sempre gentil!
– Não é gentileza Joana. Depois de tantos anos, sou um sessentão e você beirando; uma mulher casada, respeito seu marido, mas posso dizer sem mágoa, você sempre foi a mulher de minha vida, nunca lhe esqueci, conservo esse amor bonito dentro de mim. Esse negócio de mulherengo é verdade, depois que você casou-se, perdi a esperança e descambei para as raparigas, tornei-me um grande boêmio, tive muitas mulheres, minha vida de mulherengo é fruto da dor-de-cotovelo por você ter me abandonado.
– Nosso amor foi bonito, todos falavam na cidade sobre o namoro avançado, uma paixão avassaladora, nós dois sem juízo, só pensávamos em estarmos juntos. Naquela época namorados não transavam, mas você queria muito. Uma paixão! Tarado por mim. Precisei eu me segurar muito para continuar virgem.
– Lembra na praia, no mar? Eu colocava a boia de pneu de caminhão dentro d’água, você estirava seu corpo fazendo os braços de remo, eu me segurava na borda da boia, por baixo as coisas aconteciam. Ninguém percebia. À noite eu ia para as casas de raparigas. Fazia o serviço pensando em você.
– Sem-vergonha! Como éramos alegres e descontraídos. O mundo era nosso!
– Como está o Adelmo, o homem mais feliz do mundo, o homem que tem você nos braços há 34 anos?
– Sendo sincera, afinal você é um grande amigo. Vivi bem esses anos com Adelmo, casamento normal, não era aquela coisa doida de nosso namoro. Nossos dois filhos estão bem, casados e independentes. Tenho um neto. Ano passado tive duas tristezas na vida: Adelmo arranjou uma namorada, menina nova, e o pior: descobri um câncer em minha mama, estou tratando, os médicos dizem que posso controlar a doença e viver ainda por muitos anos. Porém, não dá mais para controlar meu marido, ele está apaixonado pela sirigaita. Eu vivo só, ninguém sabe que se passa comigo, vivo indignada dentro de minha dignidade.
Figueiredo apertou sua mão, olhou nos seus olhos.
– Minha querida Joana, deixe a merda desse marido. Eu ainda lhe amo, sempre lhe amarei, estou à sua espera o dia que você quiser, ficaremos juntos o resto da vida. O mundo que se exploda! Amanhã estarei viajando, vou passar um mês no navio COSTA MARU, parte amanhã à tarde para Fortaleza, depois Europa. Quando eu voltar quero conversar com você. Está certo? Você promete que vamos nos ver? Dê-me o número de seu celular.
Despediram-se com beijo no rosto, um sorriso e um olhar profundo.
À noite, para esquecer o encontro com Figueiredo que não saía de sua cabeça, antes de dormir, Joana alisou o corpo do marido, beijou-lhe o pescoço, foi se achegando como pedisse um pouco de carinho, um pouco de atenção. Nesse momento Adelmo virou-se com cara irada.
– Não dá Joana, não quero pegar sua doença. Você tem câncer! Esqueceu?
Virou-se para o lado e adormeceu. Joana foi ao banheiro, chorou sentada no vaso por mais de uma hora, voltou para cama jurando nunca mais chorar por Adelmo, veio-lhe um ódio do marido, custou a adormecer.
Eram nove da manhã quando ela se levantou. Tomou café, trocou de roupa, foi ao cabeleireiro, à manicure. No shopping comprou roupas, almoçou. Em casa, por volta das três horas, arrumou a mala, escreveu uma carta simples para Adelmo. Tomou um táxi.
Ao entardecer o navio desencostava do caís. Na balaustrada da proa Figueiredo contemplava o mar, o casario ao longe diminuindo de tamanho. Ele se embevecia encantado com a cor do céu e do mar no início do por do sol. De repente, ele sentiu uma mão por cima da sua; ao olhar ao lado, sua alma encheu-se de felicidade, sorriu ao perceber que era a mão de Joana.