O SOL E A LUA
Catulo da Paixão Cearense
SENHORES! O Sol é homem!
simboliza a Onipotência
da ciência e da energia.
A Lua é mulher, Senhores!
E, sendo mulher, encanta!
Mas, sendo mulher, varia!
Varia, porque, em verdade,
o Sol, másculo e fecundo,
desde o princípio do mundo,
não deixou de iluminá-lo
com o facho do seu clarão!
A Lua, se tem vontade,
nos brinda com a claridade,
para depois, sem piedade,
deixar-nos noites e noites
em completa escuridão!
A ciência regista um fato
de profunda observação: —
a mulher, que é pirracenta,
não faz o mal por pirraça!
Faz o mal por devoção!
E se a Verdade não mente,
toda a Verdade se encerra
neste confronto evidente.
De manhã, heroicamente,
vibrando um canto de guerra,
na crista daquela serra,
pontualmente, fatalmente,
vê-se o Sol aparecer.
E a Lua, com os seus caprichos,
que anda sempre com as estrelas
comadreando em cochichos,
não tem hora de nascer!
Finda a missão da jornada,
o Sol, à hora aprazada,
no esplendor da apoteose,
começa a descer a escada
do horizonte, em rosicler!
A Lua, sempre aluada,
sempre e sempre irrefletida,
não tem hora de partida!
Segundo a sua nevrose,
vai-se embora, quando quer!
O Sol, sempre obediente
às ordens do Onipotente,
com toda a sua energia,
nunca teve a ousadia
de invadir uma só noite
as plagas celestiais!
Mas quem já não viu a Lua
deixar a noite, que é sua,
para andar no céu, de dia,
desrespeitando a harmonia
das próprias leis naturais?!
E por que? Por ser curiosa,
ser vaidosa e nada mais!!
O Sol, que é o Sol, sempre o mesmo,
na severa austeridade,
como o emblema da Verdade,
sempre é o mesmo na altivez!
A Lua, se é hoje inteira,
amanhã, vem por metade;
e, assim, vai escasseando,
vai minguando, vai minguando,
até sumir-se, de vez!
Por isto, o Sol desconfia
que, quando a Lua nos deixa,
sem nós sabermos porque,
vai vagar por outros mundos,
vai seduzir outro amante,
outro Sol, que ele não vê!
Se o Sol, na hora do eclipse,
aproveitando esse ensejo,
na Lua vai dar um beijo,
um ósculo de vulcão,
a Lua finge um desmaio,
vergonhosa, esconde o rosto,
faz tanta macaqueação,
que o Sol, que conhece a Lua,
sem dar sinal de desgosto,
sorridente, continua
sua peregrinação.
Pois assim mesmo, iludido,
reacendendo o seu farol,
o Sol, bem considerando,
continua iluminando
a Lua, pois é sabido
que a luz da Lua é do Sol.
Quando a Lua, a Lua nova,
muito fininha e amarela,
surge, em nova aparição,
não nos parece a costela
que Deus, quando Adão dormia,
tirou do corpo de Adão?!
E por que, sendo tão bela,
sendo a mulher tão perfeita,
foi feita de uma costela,
quando podia ser feita
das fibras de um coração?!
Pois se é costela do homem,
por esta mesma razão,
deve pertencer ao homem
por direito e gratidão!
E as manchas que tem no rosto?
A ciência afirma umas coisas
que são prováveis... talvez!
Porém a Lua tem lábias
para enganar a ciência,
e aquelas manchas nos provam
que alguma coisa ela fez!
Uma lenda dos indígenas
nos diz, positivamente,
que a origem daquelas manchas
é uma história complicada
entre a Lua e um seu parente!
Porque a mulher, como a Lua,
com tantos adoradores,
tem coração leviano!!
E tanto assim, meus senhores,
que outra vítima da Lua
é o velho Mar, soberano,
que vive no mesmo engano,
em noites de lua cheia,
como um doido, a esbravejar,
em suas ânsias supremas
e em brancas espumaradas,
a derramar seus poemas
pelas areias prateadas
das praias enluaradas,
que até parecem risadas
e gargalhadas da Lua,
que está se rindo do Mar!
Como é triste ouvir-se, à noite,
quando ele está concentrado,
o Mar gemendo, ajoelhado,
numa prece, a suplicar
que a Lua deixe as estrelas,
deixe o céu crivado de ouro,
e venha ver o tesouro
que lhe há de ser ofertado,
e que ele guarda encerrado
em tantas conchas de pérolas,
que só Deus pode contar!
É triste, sim, muito triste!
Mas inda é muito mais triste
ver-se o Monstro, acabrunhado,
depois de passar a noite,
contra a Lua revoltado,
morrendo à beira da praia,
sem um gemido, cansado!!
Antes que o Sol desponte
na fronte azul do horizonte,
ver-se a Lua se sumindo,
perfidamente sorrindo
de ver o Mar desmaiado!
A Lua é mulher, senhores,
e tudo está decifrado!
Porque é triste ver-se, à noite,
o Mar abraçando a Terra,
e a Terra beijando o Mar!
É a maneira mais sublime
de um ao outro consolar!
O Mar pensando na Lua,
e a Terra, triste, pensando
no Sol, que só a ilumina
por Deus assim o ordenar!
O Sol não gosta da Terra,
mas nós sabemos que a Terra
tem profundo amor solar!
A Terra também é rica!
É dona de uma fortuna,
de uma herança fabulosa,
tão grande e tão portentosa,
que se ela fosse orgulhosa,
podia erguer sobre a terra
com tanta jóia preciosa,
montanhas e mais montanhas!
Mas, singela, sem vaidade,
sem a escandalosidade
da Lua, com as suas manhas,
esconde a sua riqueza
nas suas próprias entranhas!
É uma modéstia orgulhosa,
que facilmente se explica:
não ostenta; se contenta
em saber que nós sabemos
que ela é rica, é muito rica!
A Terra é mulher... e basta!
É preciosa! É caprichosa!
E as bobices e tolices
da mulher, só Deus explica!
Mas o Sol, que adora a Lua,
por ser um homem de ciência,
é um filósofo exemplar!
Pois enquanto o Rei do dia
sofre com filosofia
as inconstâncias da Lua,
caçoando dos dois amantes,
se rindo dos dois rivais,
o Mar, em crises constantes,
o Mar, o poeta boêmio,
em ímpetos delirantes,
já não vendo mais a Lua,
sentindo saudades dela,
pensando não vê-la mais,
uiva, ruge e se encapela,
o proprio céu desafia,
e quem paga esses rompantes
da sua hiperestesia,
somos nós, pobres mortais!
O sol é homem! É firme!
A lua é mulher! Varia!
Varia! E, se ela morresse,
falta alguma nos faria!
Porém, se o Sol falecesse,
o mundo se extinguiria!
Sem a cabeça do homem,
a mulher não existia!
Agora vêde, Senhores,
como o poder do destino
faz os Gênios deseguaes!
O Mar, gigantesco e belo,
vendo a Lua, o seu tormento,
em trismos de desalento,
transforma-se num Otelo!
E o Rio, calmo e silente,
E o Rio, o poeta romântico,
reflete, serenamente,
o firmamento e as estrelas
no seu leito nupcial,
refletindo a própria Lua,
que nas águas retratada,
parece uma outra Lua,
que ele adora, idealizada
na su’alma de cristal!
E a Lua, assim retratada,
por ele romantizada,
é mais formosa e saudosa
do que a Lua original!
E, enquanto o Mar desespera,
rugindo, como uma fera,
o Rio, na doce calma,
vai levando dentro d’alma
a doce imagem da Lua,
pura, casta e virginal!
Outra vítima da Lua:
— o Rio sentimental!
Eu vou dizer-vos uns versos
que o Mar recitou à Lua,
numa noite tão serena,
que até parece que a noite
silenciava, para ouvir!
O Monstro estava tão calmo,
que eu só ouvia os singultos
do velho Monstro, a carpir!
A Lua, no céu, de bruços,
ouvia aqueles soluços,
indiferente, a sorrir!!
Eis aqui os belos versos
que, muito palidamente,
escrevendo sobre a areia,
eu pude reproduzir.
“Ó Lua, que és tão linda e que és tão pura,
“pensas, talvez, que o Mar agigantado
“não pode ter no coração salgado
“um bocado de luar e de doçura?!
“O amor que te consagro é tão intenso,
“que sempre, ó Lua, que no céu desmaias,
“eu pareço um turíbulo de incenso,
“incensando de espuma as alvas praias!
“Porque consentes, quando esta alma anseia
“por te beijar a boca de jasmim,
“com a tua placidez de lua cheia,
“que as estrelas no céu riam de mim?!
“Se enfrento todo o horror da tempestade,
“Se adoro só a ti e a Liberdade,
“por que escarneces deste grande amor?!
“Maldita seja a tua claridade,
“Se não és o luar da minha dor!
“Se te somes, meus ais são tão profundos,
“que eu imagino, em meu furor insano,
“que andas a divagar por outros mundos,
“beijando a fronte azul de outro oceano!
“Por que és fria e sou frio e tu me escaldas?!
“Por que minha oração nunca te alcança?!
“Por que é que eu tenho a cor das esmeraldas,
“e não tenho a ilusão de uma esperança?!
“Quando espumejo o alvor d asminhas mágoas,
“não vês, quando na areia me debruço,
“que o sangue verde destas minhas águas
“são poemas verdes, que por ti soluço?!
“Tu tens tanto poder, tanta magia,
“tanta dor, tanto amor, tanta poesia,
“perfumando de luz a Terra inteira,
“que até meu acre odor de maresia,
“com teu cheiro de noiva, que inebria,
“fica cheirando a flor de laranjeira!
“Tu desprezas o Mar, que tanto te ama,
“e amas, talvez, o Sol, que não te quer!
“Por teu amor, pela saudade tua,
“meu coração se agita e tumultua,
“mas Deus, que fez o Mar e fez a Lua,
“não te deu coração, porque és mulher!“