Uma vez, eu era pobre,
Vivia sempre atrasado,
Botei um negócio bom
Porém vendi-o fiado
Um dia até emprestei
O livro do apurado.
Dei a balança de esmola
E fiz lenha do balcão
Desmanchei as prateleiras
Fiz delas um marquezão
Porém roubaram-me a cama
Fique dormindo no chão.
Estava pensando na vida
Como havia de passar,
Não tinha mais um vintém
Nem jeito pra trabalhar
O marinheiro da venda
Não queria mais fiar.
Pus a mão sobre a cabeça
Fiquei pensando na vida
Quando do lado do Céu
Chegou uma alma perdida,
Perguntou: - Era o senhor,
Que aí vendia bebida?
Eu disse que era eu mesmo
E a venda estava quebrada,
Mas se queria um pouquinho
Ainda tinha guardada
Obra de uns dois garrafões
De aguardente imaculada.
Me disse a alma: - Eu aceito
E lhe agradeço eternamente
Porque moro Céu, mas lá
Inda não entra aguardente
São Pedro inda plantou cana
Porém perdeu a semente.
Bebeu obra de 3 contos,
Ficou muito satisfeita
Disse: - Aguardente correta,
Imaculada direita,
Isso é que eu chamo bebida
Essa aqui, ninguém enjeita!
Perguntei-lhe: - Alma, quem és?
Disse ela: - Tua amiga,
Vim te dizer que te mude
Aqui não dá nem intriga
Quer ir para o Céu comigo?
Lá é que se bota barriga!
Eu lá subi com a alma
Num automóvel de vento
Então a alma me mostrava
Todo aquele movimento,
As maravilhas mais lindas
Que existem no firmamento.
Passamos no Purgatório,
Tinha um pedreiro caiando,
Mas adiante era o Inferno
Tinha um diabo cantando
E a alma de um ateu
Presa num tronco, apanhando.
Afinal, cheguei no Céu
A alma bateu na porta,
Como pouco chegou São Pedro
Que estava pela horta,
Perguntou-lhe: - Esta pessoa
Ainda é viva, ou é morta?
Então a alma respondeu:
- É viva, estava no mundo
Não tinha de que viver
Está feito um vagabundo,
Lá quem não for bem sabido
Passa fome, vive imundo!
São Pedro aí perguntou:
- O mundo lá, como vai?
Eu aí disse: - Meu Santo,
Lá filho rouba do pai,
Está se vendo que o mundo
Por cima do povo cai...
Eu ainda levava um pouco
Da gostosa imaculada,
Dei a ele e ele disse:
- Aguardente raciada!
E aí me disse: - Entre,
Aqui não lhe falta nada!
Arrastou uma cadeira
E mandou eu me sentar
Chamou um criado dele
Disse: - Cuide em se arrumar
Vá lá dentro e diga a ama
Que bote um grande jantar.
Quando acabei de jantar,
O Santo me convidou,
Disse: - Vamos lá na horta
Fui, ele então me mostrou
Coisas que me admiraram
E tudo me embelezou.
Vi na horta de São Pedro
Arvoredos bem criados
Tinha pés de plantações
Que estavam carregados
Pés de libras esterlinas
Que já estavam deitados.
Vi cerca de queijo e prata,
E lagoa de coalhada
Atoleiro de manteiga
Mata de carne guisada
Riacho de vinho do porto,
Só não tinha imaculada!
Prata de quinhentos réis
Eles lá chamam caipora,
Botavam trabalhadores
Para jogar tudo fora,
Esses níqueis de cruzado
Lá nascem de hora em hora.
Então São Pedro me disse:
- Quero fazer-lhe um presente,
Quando você for embora
Vou lhe dar uma semente,
Você mesmo vai escolher
Aquela mais excelente!
Deu-me dez pés de dinheiro,
Alguns querendo botar,
Filhos de queijo do reino
Já querendo safrejar,
Uns caroços de brilhante
Para eu na terra plantar.
Galhos de libra esterlina
Deu-me cento e vinte pés
Deu-me um saco de semente
De cédulas de cem mil réis
Deu-me maniva de prata
De diamante, umas dez.
Aí chamou Santa Bárbara,
Esta veio com atenção
São Pedro aí disse a ela:
Eu quero uma arrumação
Este moço quer voltar
Arranje-lhe uma condução.
- Bote cangalha num raio,
E a sela num trovão
Veja se arranja um corisco
Para ele levar na mão,
Porque daqui para Terra
Existe muito ladrão!
Eu desci do Céu alegre
Comigo não foi ninguém
Passei pelo Purgatório
Ouvi um barulho além –
Era a velha minha sogra
Que dizia: - Eu vou também!
Eu lhe disse: - Minha sogra,
Eu não posso a conduzir
Ela me disse: - Eu lhe mostro
Porque razão hei de ir
E se não for apago o raio
Quero ver você seguir!
Nisso o raio se apagou,
Desmantelou-se o trovão,
O corisco que eu trazia
Escapuliu-se da mão
E tudo quanto eu trazia
Caiu desta vez no chão.
Aí a velha voltou
Rogando praga e uivando,
Quando entrou no Purgatório
Foi se mordendo e babando
Dizendo tudo de mim
Lançando fogo e falando.
Bem dizia o meu avô:
- Sogra, nem depois de morta
Fede a carniça de corpo
A língua da alma corta
Não diz assim quem não viu
Uma sogra em sua porta.
Eu vinha com isso tudo
Que o santo tinha me dado
Mas minha sogra apanhou
O diabo descuidado
Fiquei pior do que estava
Perdi o que tinha achado.
E quando cheguei em casa
A mulher quase me come,
Ainda pegou um cacete
E me chamou tanto nome,
Disse que eu casei com ela
Para matá-la de fome...
Se não fosse minha sogra
Eu hoje estava arrumado,
Mas ela no Purgatório
Achou tudo descuidado,
Abriu a porta e danou-se
Veio deixar-me encaiporado.
Nunca mais voltei ao Céu
Para falar com São Pedro,
E ainda mesmo que possa
Não vou porque tenho medo
Posso encontrar minha sogra
E vai de novo outro enredo.
FIM