Almanaque Raimundo Floriano
(Cultural, sem fins comerciais, lucrativos ou financeiros)


Raimundo Floriano de Albuquerque e Silva, Editor deste Almanaque, também conhecido como Velho Fulô, Palhaço Seu Mundinho e Mundico Trazendowski, nascido em Balsas , Maranhão, a 3 de julho de 1936, Católico Apostólico Romano, Contador, Oficial da Reserva do Exército Brasileiro, Funcionário Público aposentado da Câmara dos Deputados, Titular da Cadeira nº 10 da Academia Passa Disco da Música Nordestina, cuja patrona é a cantora Elba Ramalho, Mestre e Fundador da Banda da Capital Federal, Pesquisador da MPB, especializado em Velha Guarda, Música Militar, Carnaval e Forró, Cardeal Fundador da Igreja Sertaneja, Pioneiro de Brasília, Xerife nos Mares do Caribe, Cordelista e Glosador, Amigo do Rio das Balsas, Inventor da Descida de Boia, em julho de 1952, Amigo da Fanfarra do 1° RCG, autor dos livros O Acordo PDS/PTB, coletânea de charges, Sinais de Revisão e Regras de Pontuação, normativo, Do Jumento ao Parlamento, com episódios da vida real, De Balsas para o Mundo, centrado na navegação fluvial Balsas/Oceano Atlântico, Pétalas do Rosa, saga da Família Albuquerque e Silva, Memorial Balsense, dedicado à história de sua terra natal, e Caindo na Gandaia, humorístico apimentado, é casado, tem quatro filhos, uma nora, um genro e dois netos e reside em Brasília, Distrito Federal, desde dezembro de 1960.

Literatura de Cordel quarta, 15 de agosto de 2018

ANTÔNIO SILVINO: O REI DOS CANGACEIROS (FOLHETO DE LEANDRO GOMES DE BARROS)

 

 

ANTÔNIO SILVINO: O REI DOS CANGACEIROS

Leandro Gomes de Barros

 

 O povo me chama grande

E como de fato eu sou

Nunca governo venceu-me

Nunca civil me ganhou

Atrás de minha existência

Não foi um só que cansou.

 

Já fazem 18 anos

Que não posso descansar

Tenho por profissão o crime

Lucro aquilo que tomar,

O governo às vezes dana-se

Porém que jeito há de dar?!

 

O governo diz que paga

Ao homem que me der fim,

Porém por todo dinheiro

Quem se atreve a vir a mim?

Não há um só que se atreva

A ganhar dinheiro assim.

 

Há homens na nossa terra

Mais ligeiros do que gato,

Porém conhece meu rifle

E sabe como eu me bato,

Puxa uma onça da furna,

Mas não me tira do mato.

 

Telegrafei ao governo

E ele lá recebeu,

Mandei-lhe dizer: doutor,

Cuide lá no que for seu,

A capital lhe pertence

Porém o estado é meu.

 

O padre José Paulino

Sabe o que ele agora fez?

Prendeu-me dois cangaceiros,

Tinha outro preso fez três,

O governo precisou

Matou tudo de uma vez.

 

Porém deixe estar o padre,

Eu hei de lhe perguntar

Ele nunca cortou cana

Onde aprendeu a amarrar?

Os cangaceiros morreram

Mas ele tem que os pagar.

 

Depois ele não se queixe,

Dizendo que eu lhe fiz mal,

Eu chego na casa dele,

Levo-lhe até o missal,

Faço da batina dele

Três mochilas para sal.

 

Um dos cabras que mataram,

Valia três Ferrabrás

Eu não dava-o por cem papas,

Nem quinhentos cardeais

Não dava-o por dez mil padres,

Pois ele valia mais.

 

Mas mestre padre entendeu

Que ia acertadamente

Em pegar meus cangaceiros

E fazer deles presente,

Quem tiver pena que chore

Quem gostar fique contente.

 

Meus cangaceiros morreram

Mas ele morre também,

Eu queimando os pés aqui

Nem mesmo o diabo vem,

Eu não vou criar galinhas

Para dar capões a ninguém.

 

Tudo aqui já me conhece

Algum tolo inda peleja,

Eu sou bichão no governo

E sou trunfo na igreja.

Porque no lugar que passo

Todo mundo me festeja.

 

No Norte tem quatro estados

À minha disposição,

Pernambuco e Paraíba

Dão-me toda distinção,

Rio-Grande e o Ceará

Me conhecem por patrão.

 

No Pilar da Paraíba

Eu fui juiz de direito,

No povoado - Sapé,

Fui intendente e prefeito,

E o pessoal dali

Ficou todo satisfeito.

 

Ali no entroncamento

Eu fui Vigário-geral,

Em Santa Rita fui bispo,

Bem perto da capital,

Só não fui nada em Monteiro,

Devido a ser federal.

 

Porém tirando o Monteiro,

O resto mais todo é meu,

Aquilo eu faço de conta

Que foi meu pai que me deu

O governo mesmo diz:

Zele porque tudo é seu.

 

Na vila de Batalhão,

Eu servi de advogado,

Lá desmanchei um processo

Que estava bem enrascado,

Livrei três ou quatro presos

Sem responderem jurado.

 

Só não pude fazer nada

Foi na tal Santa Luzia.

Perdi lá uma eleição,

A cousa que eu não queria,

Mas o velho rifão diz:

Roma não se fez n’um dia.

 

O padre José Paulino

Pensa que angu é mingau

Entende que sapo é peixe

E barata é bacurau

Pegue com chove e não molha,

Depois não se meta em pau.

 

Eu já encontrei um padre,

Recomendado de papa,

Tinha o pescoço de um touro,

Bom cupim para uma tapa,

Fomos às unhas e dentes,

Foi ver aquela garapa.

 

Quando o rechonchudo viu

Que tinha se desgraçado,

Porque meu facão é forte,

Meu baço é muito pesado,

Disse: vôte, miserável,

Abancou logo veado.

 

Eu gritei-lhe: padre-mestre,

Me ouça de confissão.

Ele respondeu-me: dane-se

Eu lhe deixo a maldição,

Em mim só tinha uma coroa,

Você fez outra a facão.

 

Eu inda o deixei correr

Por ele ser sacerdote,

Para cobra só faltava

Enroscar-se e dar o bote,

Aonde ele foi vigário,

Quatro levaram chicote.

 

Foi tanto qu’eu disse a ele:

Padre não seja atrevido

Tire a peneira dos olhos,

Veja que está iludido,

Eu lhe respeito a coroa,

Porém não o pé do ouvido.

 

O velho padre Custódio,

Usurário, interesseiro,

Amaldiçoava quem desse

Rancho a qualquer cangaceiro,

Enterrou uma fortuna,

E eu sonhei com o dinheiro!...

 

Então fui na casa dele,

Disse, padre eu quero entrar

Dez contos de réis em ouro

Achemos lá n’um surrão,

Três contos de réis em prata

Achou-se n’outro caixão,

Eu disse: padre não chore,

Isso é produto do chão.

 

O padre ficou chorando

Eu disse a ele afinal

Padre mestre, este dinheiro

Podia lhe fazer mal

Quando criasse ferrugem

Lhe desgraçava o quintal.

 

Ajuntei todos os pobres

Que tinham necessidade

Troquei ouro por papel

Haja esmola em quantidade

Não ficou pobre com fome

Ali naquela cidade.

 

O padre José Paulino

Acha que estou descansado

Queria fazer presente

Ao governo do Estado

Deu três cangaceiros meus

Sem nada lhe ter custado.

 

Um desses ditos rapazes,

Estava até tuberculoso,

O segundo era um asmático,

O terceiro era um leproso,

O urubu que o comeu

Deve estar bem receoso.

 

Tive nos meus cangaceiros

Um prejuízo danado,

Primeiro foi Rio-Preto,

Segundo Pilão-Deitado,

Os homens mais destemidos

Que tinham me acompanhado.

 

Eu juro pelo meu rifle,

Que o Padre José Paulino

Cai sempre na ratoeira

E paga o grosso e o fino,

Não há de casar mais homem,

Nem batizar mais menino.

 

Eu sempre gostei de padre

Tenho agora desgostado

Padre querer intervir

Em negócio do Estado?!...

Viaja sem o missal,

Mas leva o rifle encostado.

 

Em vez de estudar o meio

Para nos aconselhar,

Só quer saber com acerto,

Armar rifle e atirar,

Lá onde ele ordenou-se,

Só lhe ensinaram a brigar.

 

Depois ele não se queixe,

Nem diga que sou malvado,

Ele nunca assentou praça

Como pode ser soldado?

Não tem razão de queixar-se,

Se tiver mau resultado.

 

Quatro estados reunidos

Tratam de me perseguir,

Julgam que não devo ter

O direito de existir,

Porém enquanto houver mato,

Eu posso me escapulir.

 

Eu ganhando essas serras,

Não temo alguém me pegar

Ainda sendo um que pegue,

Uma piaba no mar,

Um veado em mata virgem

E uma mosca no ar.

 

Eu já sei como se passa

Cinco dias sem comer,

Quatro noites sem dormir,

Um mês sem água beber,

Conheço as furnas onde durmo

Uma noite se chover.

 

Uma semana de fome,

Não me faz precipitar,

Mato cinco ou seis calangos

Boto no sol a secar,

Quatro ou cinco lagartixas,

Dão muito bem um jantar.

 

Eu passei mais de um mês

Numa montanha escondido,

Um rapaz meu companheiro

Foi pela onça comido,

Por essa também

Eu fui muito perseguido.

 

Era um lugar esquisito,

Nem passarinho cantava!...

Apenas à meia noite

Uma coruja piava,

Então uma grande onça,

De mim não se descuidava.

 

Havia muito mocós,

Eu não podia os matar,

Andava tropa na serra

Dia e noite a me caçar,

No estampido do tiro

Era fácil alguém me achar.

 

Passava-se uma semana

Que nada ali eu comia,

Eu matava algum calangro

Que por perto aparecia

Botava-os na pedra quente

Quando secava eu comia.

 

Quando apertava-me a sede

Pegava a croa de frade

Tirava o miolo dela

Chupava aquela umidade

Lá eu conheci o peso

Da mão da necessidade.

 

Um dia que a tropa andava

Na serra me procurando

Viram que um grande tigre,

Estava em frente os emboscando

Um dos oficiais disse:

Estamos nos arriscando.

 

E o Antonio Silvino

Não anda neste lugar,

Se ele andasse, aquela onça

Havia de se espantar,

Eu estava perto deles,

Ouvindo tudo falar.

 

Ali desceu toda a tropa,

Não demoraram um momento,

Um soldado que trazia

Um saco de mantimento,

Por minha felicidade

Deixou-o por esquecimento.

 

Eu estava dentro do mato,

Vi quando a tropa desceu

O tigre soltou um urro,

Que o tenente estremeceu

Até a borracha d’água

Uma das praças perdeu.

 

Quando eu vi que a tropa ia

Já n’uma grande lonjura,

Fui, apanhei a mochila,

Achei carne e rapadura,

Farinha queijo e café,

Aí chegou-me a fartura.

 

Achei a borracha d’água

Matei a sede que tinha,

A carne já estava assada,

Fiz um pirão de farinha

Enchi a barriga e disse:

Deus te dê fortuna, oncinha.

 

Porque a tua presença,

Fez toda a força ir embora,

O ronco que tu soltasses,

Encheu-me a barriga agora,

Eu com a sede que estava,

Não durava meia hora.

 

E é agora o que faço,

Havendo perseguição,

Procuro uma gruta assim

E lá faço habitação,

Só levo lá, um, dois rifles

E o saco de munição.

 

Me mudo para uma furna

Que ninguém sabe onde é,

A furna tem meia légua

Marcando de vante a ré,

A onça chega na boca

Mas dentro não põe o pé.

 

A onça conhece a furna,

Desde a entrada à saída

Porém qual é essa fera

Que não tem amor à vida?

Uma onça parte assim,

Se vendo quase perdida!...

 

Quando eu deixar de existir

Ninguém fica em meu lugar,

Ainda que eu deixe filho,

Ele não pode ficar,

Porque a um pai como eu

Filho não pode puxar.

 

Pode ter muita coragem

Ser bem ligeiro e valente,

Mas vamos ver suporta

Passar três dias doente,

Com sede de estalar beiço

E fome de serrar dente.

 

Se não tiver natureza

De comer calango cru,

Passe um mês sem beber água

Chupando mandacaru,

Dormir em furna de pedra

Onde só veja tatu.

 

Não podendo fazer isso,

Nem pense em ser cangaceiro,

Que é como um cavalo magro

Quando cai no atoleiro,

Ou um boi estropiado

Perseguido do vaqueiro.

 

Há de ouvir como cachorro,

Ter faro como veado,

Ser mais sutil do que onça,

Maldoso e desconfiado,

Respeitar bem as famílias,

Comer com muito cuidado.

 

Andar em qualquer lugar

Como quem está no perigo,

Se for chefe de algum grupo

Ninguém dormirá consigo,

O próprio irmão que tiver,

O tenha como inimigo.

 

O cangaceiro sagaz

Não se confia em ninguém,

Não diz para onde vai,

Nem ao próprio pai se tem,

Se exercitar bem nas armas,

Pular muito e correr bem.

 

Em meu grupo tem entrado

Cabra de muita coragem,

Mas acha logo o perigo

E encontra a desvantagem

Foge do meio do caminho,

Não bota o meio da viagem.

 

Porque andar vinte léguas

Isso não é brincadeira,

E romper mato fechado,

Subir por pedra e ladeira,

Como eu já tenho feito,

Não é lá cousa maneira.

 

Pegar cobra como eu pego

Quando ela quer me morder,

Cascavel com sete palmos,

Só se Deus o proteger,

Mas eu pego quatro ou cinco

E solto-a, deixo-a viver.

 

Que é para ela saber,

Que só eu posso ser duro,

Eu já conheço o passado,

Nele ficarei seguro,

Penso depois no presente

Previno logo o futuro.


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