* * *
O CASAMENTO DO BODE COM A RAPOSA – Firmino Teixeira do Amaral
Eu ouço os velhos dizerem
Que os bichos da antiguidade
Falavam como falamos
E tinham civilidade
Naquele tempo até bichos
Casavam por amizade
Naquele tempo mestre burro
Lia escrevia e contava
O cavalo era escrivão
O cachorro advogava
O carneiro era copeiro
E o jaboti desenhava
Leão era o rei dos bichos
Onça era professora
Elefante era juiz
A raposa agricultora
Camelo era correio
A aranha tecedora
Gavião criava pinto
Guaxinim plantava cana
O macaco em sua tenda
Vendia queijo e banana
Aos outros a prestação
Pra receber por semana
Urso era presidente
A traça era costureira
Girafa fazia renda
Cutia era engomadeira
Peru era viajante
Cobra vendia na feira
O lobo era capitão
Urubu era marchante
O jacaré era bacharel
Canguru comerciante
O peba era coletor
Camaleão despachante
Coruja era feiticeira
O papagaio pregador
Periquito era fiscal
O sapo era caiador
A preguiça era parteira
Mestre bode era doutor
O gato era tenente
Pavão era sapateiro
Mucura vendia ovos
Tiú era cozinheiro
Tamanduá era padre
O preá era barbeiro
A cigarra era cantora
O mocó era dentista
Socó era pescador
A garça era modista
Morcego guarda noturno
A lagarta desenhista
Afinal todos os bichos
Daquele tempo passado
Era como os homens hoje
Viviam tudo empregado
Não se via bandalheira
Nem se vivia enganado
O bode sendo doutor
De alta capacidade
Enamorou-se da raposa
Consagrou grande amizade
Prometendo-lhe mais tarde
Fazer-lhe a felicidade
A raposa muito alegre
Chegou em casa e contou
Pra sua mãe que sabendo
De muito gosto aceitou
A raposa tão contente
Nesse dia não jantou
Disseram doutor bode
É um jovem bem decente
Pertence a alta escala
É filho de boa gente
Porém queremos saber
Se o pai dele consente
Quando o bode velho soube
Também não propôs questão
Deu consentimento ao filho
De ter da raposa a mão
A velha cabra então disse
Não acho boa união
Meu filho sendo doutor
De alta capacidade
Querer casar com uma moça
De tão baixa qualidade
Respondeu o velho sorrindo
Isto é só formalidade
A raposa também vem
Duma raça boa e pura
É uma jovem elegante
Vive da agricultura
Respondeu a cabra zangada
Mas não me agrada a figura
Eu não sei que diabo tem
Que a tal não posso me unir
Me arrepia os cabelos
Só em ver ela sorrir
Porém como todos querem
É o jeito eu consentir
Doutor bode quando soube
Que sua mãe consentia
Deu três pulos no terreiro
Tomou rapé de alegria
Correu pra casa da noiva
Pra contar o que havia
A raposa muito contente
Foi dizendo agora vai
Aproveite a ocasião
Me peça logo ao meu pai
Se não levar a decisão
Tu hoje daqui não sai
O bode fez uma carta
Muito bem feita e mandou
Pela resposta na sala
Silencioso esperou
O velho recebeu a carta
Veio em pessoa e falou
Foi dizendo doutor bode
Para que tanta vergonha
Eu me acho ao seu dispor
E precisando disponha
Dona raposa de lado
Se conservava risonha
O bode como doutor
Falou em cima da bucha
É muito certo o ditado
Filho de pobre não luxa
O pobre de vez se atrapalha
E o rico desembucha
Dona raposa lhe peço
Como seu maior amigo
A sua filha estimada
Para se casar comigo
Doutor bode só ela dizer
Se quer se casar consigo
Sendo que ela queira
O seu pedido aqui feito
Cá de meu lado garanto
De muito gosto aceito
Chamaram então a raposa
Contaram tudo direito
Ajustaram o casamento
Marcaram o mês e o dia
Mandaram logo avisar
O padre da freguesia
O velho tamanduá
Com toda família ia
Fizeram logo convites
Por cartas especiais
Desde o soldado raso
Aos mais altos generais
Afinal todos os bichos
Da classe dos animais
O leão como era o rei
Mandou dizer que não ia
Porém estava ao dispor
Se quisesse a garantia
Mandava a força armada
De linha ou cavalaria
O bode lhe agradeceu
Dizendo não precisar
Pois não tinha inimigo
Que quisesse lhe atacar
Porém se fosse preciso
Telefonava pra mandar
Afinal chegou o dia
Do casamento feliz
Primeiramente iriam
A presença do juiz
Depois foram se casar
Na igreja da matriz
As testemunhas do bode
Foram cachorro e elefante
Da raposa a professora
Onça pintada galante
E a filha do capitão lobo
Uma jovem muito elegante
Sapo tocava guitarra
O macaco bandolino
Periquito na rabeca
Canguru no violino
Caititu no contra baixo
E o peru no cavaquinho
Guaxinim tocava flauta
O papagaio violão
O socó na clarineta
Morcego no rabecão
Mestre coelho no tambor
E o mocó no bombardão
Veado lavava prato
Carneiro botava mesa
A garça junto ao pavão
Iam fazendo a limpeza
O porco de sentinela
Para servir de defesa
Estavam todos na mesa
Começou uma discussão
Dizia o lobo que era
Superior ao leão
Saltou o cachorro dizendo
Amigo agora isto não
Diga-me por qual motivo
És melhor que o leão
Ele sendo o nosso rei
Tem o direito na mão
Temos de reconhecê-lo
Como chefe da nação
Porém o lobo zangou-se
Queria porque queria
Ver terminar em desgosto
A festa daquele dia
O cachorro deitou-lhe o braço
Errou pegou na cotia
O dom raposo na luta
A favor do capitão
O cachorro pegou de jeito
E lhe deu um bofetão
E uma grande dentada
Deixando morto no chão
Nisso chegou doutor bode
Vendo seu sogro morrer
A professora também
Foi a causa defender
Mas o boi tomou a frente
Fez a onça esmorecer
Capitão lobo nesse dia
Arrenegou-se do diabo
O corneteiro entrou na luta
Poucos minutos deu cabo
Camelo quebrou espinhaço
A anta perdeu o rabo
Saltou o burro dizendo
Com o leão ninguém bole
Pode vir duzentos lobos
Dum bocado não me engole
Deu um pontapé no urso
Que ainda hoje anda mole
Peru correu para um lado
Quase morre de tremer
Veado a zoada vendo
Tratou logo de correr
O jacaré caiu na água
Não quis a vida perder
Tenente gato na luta
Com os dentes agarrou o preá
Macaco pulou num pau
E gritou guardem de lá
Façam o angu de vocês
Que eu fico olhando de cá
A raposa a muito tempo
Já tinha se escapulido
Vendo o cachorro na luta
Não quis saber de marido
Caçote deixou a barba
Cobra deixou o vestido
O peba apanhou de pau
Traça ficou em farrapo
Urubu quebrou a perna
Jaboti desceu em trapo
A mucura quase morre
Pisaram em cima do sapo
Morcego por ser sabido
Agarrou-se no cavalo
O grilo ia fugindo
O gavião pode pegá-lo
A barata se desviando
Passou no bico do galo
Dum murro o coelho quebrou
O pescoço do socó
Deixou a preguiça sem junta
Ficou sem rabo o mocó
A girafa disse vôte
Quem quiser que brigue só
Onça fez uma carranca
Deu um bofete no bode
Ele espirrando dizia
Com a onça ninguém pode
Dum bofete que me deu
Quase me arranca o bigode
Porco sacou de um facão
E gritou guarda debaixo
Com meia hora de luta
Sangue corria em riacho
Pavão apanhou de pau
Mas não sujou o penacho
Camaleão foi saindo
Guaxinim meteu a faca
O cachorro pegou o padre
E foi com ele a estaca
Disse a garça vocês briguem
Mas não me sujem a casaca
O papagaio nem sabia
Que rumo tinha tomado
Cigarra saiu voando
Caboré estava trepado
A rã detrás duma porta
O tiu todo arranhado
O elefante e o boi
Lutavam na força bruta
O cachorro com o lobo
E a onça na disputa
A anta mais o mocó
Perderam o rabo na luta
Com duas horas de luta
O campo estava deserto
Não tinha quem visse mais
Um deles ali por perto
Desde esse dia que os bichos
Se intrigaram por certo
Vamos saber dos noivos
Que tinham se escapulido
A raposa muito nervosa
Por já ter tudo perdido
Se não fosse o casamento
Seu pai não tinha morrido
Camisa de sete varas
Só veste ela quem pode
Diabo leve o casamento
Chorando dizia o bode
Por causa do tal casório
Ia perdendo o bigode
O bode fez uma jura
Por tudo quanto é sagrado
Se pudesse se divorciar
Não seria mais casado
Na minha mente o camelo
Saiu mais prejudicado
Ao cabo de muito tempo
A raposa apareceu
Magra nojenta e pelada
Nem o bode conheceu
Chorando amargamente
Pelo seu pai que perdeu
Dizia perdi meu pai
Disse o bode se não corro
A onça me deu um tapa
Um murro que quase morro
Culpados de tudo isso
Foi o lobo e o cachorro
A raposa chamou o bode
Para se divorciar
E fez juramento a Deus
De nunca mais se casar
Ficou de mal com o cachorro
Pra nunca mais se falar.