DISCUSSÃO DUM FISCAL COM UMA FATEIRA
Manoel Campina
O homem quando viaja
Sempre encontra presepada
Sofre muito e também goza
Pega muita beliscada
E encontra alguma coisa
Que dá muita gargalhada
Certo dia eu viajei
Da cidade de Palmeira
Com destino ao sertão
Em Serra da Cachoeira
Vi uma grande questão
Dum fiscal com uma fateira
Começou a discussão
Por causa duma coleta
E a fateira zangou-se
Disse ao fiscal pegue a reta
Queime o chão e vá embora
Não quero ouvir indireta
Disse o fiscal minha dona
Nós vamos ser camaradas
Olhe bem que todas vendem
Porque estão coletadas
Disse ela inda mais esta
Porque elas são danadas
Porém eu sou diferente
Hoje seu imposto míngua
Sei entrar e sei sair
Porque é que eu tenho língua
E se quer ver bicha doida
Encalque na minha íngua
Disse o fiscal minha dona
Não interessa questão
Me pague 15 cruzados
Que eu passo o seu talão
Disse a velha feito vaca
Pegue a reta e queime o chão
Aonde você já viu
Pagar imposto de tripa
Hoje aqui em brigo muito
E não pago essa sulipa
Posso pagar na cadeia
Depois de passar-lhe a ripa
Eu posso pagar o chão
Porque é o meu dever
Porém pra tirar coleta
Isto é que ninguém vê
Tirar da boca dos filhos
Pra esse corno comer
Por que não vai trabalhar
Malandro de calça frouxa
Você comigo se lasca
Não pense que eu seja trouxa
Eu zangada sou o cão
E minha brigada é roxa
E disse conversar muito
É o que o senhor deseja
Eu não posso bater papo
Vamos deixar de peleja
Com pouco meu velho chega
Hoje aqui o pau troveja
Nisso chegou dois soldados
E um sargento também
Dizendo tire a coleta
Que a senhora se sai bem
Disse a velha agora sim
De onde é que vocês vêm
O senhor não é prefeito
Apenas policial
Também que veio fazer
No meio do pessoal
O caso aqui quem resolve
Só é o fiscal geral
O sargento disse dona
A senhora de adome
Resolva e pague a coleta
E dê ao fiscal o nome
A velha disse se dane
Do meu sangue ninguém come
Eu não gosto de soldado
Pegue a reta e vá furando
Peço que me deixe em paz
Antes que eu vá me zangando
Ou vocês querem que eu dê
De pé na bunda chutando
Disse o fiscal está presa
A sua mercadoria
Vá falar com Seu Ageu
Guarda da Coletoria
Não posso estar empalhado
Aqui nesta porcaria
Quando ele disse assim
A velha se engrenguenou
Saltou de lado da banca
Um mocotó agarrou
Passou-lhe no pé do ouvido
O fiscal ali tombou
Aí o povo invadiu
Naquela ocasião
A fateira como doida
Como mocotó na mão
Quando raspava de lado
Dois ou três iam pro chão
Disse a fateira hoje aqui
Com essa feira eu acabo
Botou logo pra correr
Um cara metido a brabo
Com o mocotó na mão
Ficou pior que o diabo
Dois soldados e o sargento
Caíram nesse paleio
Nisso chegou o véi dela
E entrou também no meio
Comum cacete de quina
Eu já vi serviço feio
E o pau falou no centro
Todas fateiras entraram
Defendendo sua parte
De mocotó se armaram
Não ficou banco de pé
Nessa hora reviraram
Quando o mocotó batia
Revirava de fileira
Quatro ou cinco de uma vez
Era aquela brincadeira
Pois nem o diabo ia perto
Do pé de boi da fateira
Uma fateira valente
Numa tripa deu um bote
E com a tripa na mão
Dava em gente de magote
Ond ela metia a tripa
Era igualmente um chicote
Era um dia de Missa
O padre correu pra fora
Dizendo meu povo calma
Que é isso minha senhora
As fateiras o agarraram
Como doidas nessa hora
Entraram igreja a dentro
Naquela revolução
Quebraram todas cadeiras
Que tinha sobre o salão
Vela, santo e oratório
Iam botando no chão
Bateram no altar -mor
Derrubaram ao Padroeira
E o povo todo em cima
Para pegar a fateira
Da rua para a igreja
Era aquela bagaceira
Quebraram Santa Sofia
Quebraram São Severino
Quebraram São Aniceto
Quebraram São Guilhermino
Quebraram Santo Agostinho
Quebraram São Marcelino
Quebraram Santa Tereza
Quebraram Santa Izabel
Quebraram Santa Cecília
Quebraram São Gabriel
Quebraram São Bonifácio
Quebraram São Rafael
Quebraram São Benedito
Quebraram São Ananias
Quebraram São Damião
Quebraram São Zacarias
São Renato e Santo Abel
São Joaquim, São Jeremias
Uma fateira agarrou
São Paulo e deu-lhe um sopapo
O Santo correu gritando
Desta eu sei que não escapo
E a fateira gritou
Corra senão eu lhe capo
Derrubaram São Luiz
Quebraram São Benedito
Derrubaram Santo Onofre
Quebraram Santo Expedito
O que foi de Santa fêmea
Foi um estrago esquisito
Santo Antônio caminhante
Já se ia escapulindo
São Miguel e São Ricardo
Ainda estavam sorrindo
São Sebastião olhou
Ainda viu o pau tinindo
A velha meteu a mão
Em cima do oratório
Sã o José se abaixo
E pegou-se em Santo Osório
Mocotó inda bateu
Na cara de São Gregório
São Benedito correu
Arrodeando um coreto
Dizendo valha-me Deus
Senão hoje eu me derreto
Estão dando em Santo branco
Quanto mais em Santo preto
Meteram o mocotó
Também em São Nicolau
São Judas Tadeu ficou
Mais mole do que mingau
A barba de São José
Quase voava no pau
São Jorge no seu cavalo
Saiu furando de espora
E o povo do barulho
Correu pela rua afora
E as fateiras exemplando
Todo mundo nessa hora
E não teve um argumento
A luta do mocotó
Onde a mão de boi batia
Era até de fazer dó
Terminou correndo todos
E elas ficando só
Foi grande o prejuízo
Nesse dia em Cachoeira
A polícia nunca mais
Quis prender uma fateira
E nem também o fiscal
Cobrou mais o chão de feira
Hoje tem outro prefeito
Vive tudo sossegado
A fateira ainda hoje
Vende tripa no Mercado
Ali só se paga o chão
Mas ninguém é coletado
Caçoada com fateira
Aquele que inventar
Mande logo abrir a cova
Pra nela se enterrar
Inácio, o fiscal da Feira
Na Serra de Cachoeira
Aguentou foi de amargar
Bom dia, gostaria de saber se tem alguma foto do autor do cordel o Sr Manuel ?
Prezado Ruan. não tenho essa foto.
Gostei da atitude da fateira