Respeitada a ortografia da época
O CASAMENTO DE UM CALANGRO – Germano da Lagôa
Foi um calangro na casa
De seu tio papavento.
Tomou-lhe a benção e disse.
Antes de tomar assento:
Venho lhe pedir a mão
De sua filha em casamento.
Papavento respondeu-lhe :
Tua linhagem descobre
Que inda és meu parente.
Descendes de sangue nobre.
Mas não te dou minha filha
Porque tú és muito pobre.
Bem conheço que sou pobre,
Não é preciso que diga,
Mais não se fala em pobresa
Quando um forte amor se liga,
Vai mais que o senhor me a dê
Do que haver uma intriga.
Papavento respondeu-lhe :
Em vista do teu assumpto
Eu como pae de familia
Uma coiisa te pergunto:
Se fóra do dia de hoje,
Com ella já andaste junto ?
Calangro lhe respondeu :
Meu tio deixe de asneira,
Que fóra do dia de hoje
Temos feito é muita cêra
E temos andado juntos
Uma semana inteira.
Papavento disse: Isto
Que me diz é uma affronta,
Você é um atrevido
E minha filha uma tonta ;
-Póde ir botar os banhos
Que a dispensa eu dou prompta.
Calangro sahiu aos saltos
De tanto contentamento,
Não parava mais em casa
Não trabalhava um momento,
Passava dias e noites
Em casa do papavento.
Papavento, quengo velho,
Mestre na velhacaria,
Disse a mulher: – Que vem ver
Calangro aqui todo dia.
Tome cautella com elle,
Viva com a noiva de espia.
No outro dia Calangro
Foi de novo ver a prima,
Achou-a longe de casa
Trepada em um pé de lima
Calangro fallou em baixo
Ella respondeu-lhe em cima.
Disse ella então ao Calangro;
Não sabes, meu namorado ?
Que esta noite, eu vi papai
Paliando bem agastado,
Calangro disse me conte
O que por lá foi passado.
Papai disse a minha mãe
Que queria lhe pedir
Para que você deixasse
De tantas vezes lá ir,
E se elle isto fizer
Só tem de ver eu fugir.
Calangro olhou para a prima
Achou-a muito amarella,
Foi ao papavento e disse:
Fique com sua donzella
Que eu não sirvo p’ra remendo,
Caçe outro e case ella.
Papavento disse: – Isso
Não é cousa que se faça
Se seu pai não der um geito
Você não gosta da graça;
Ou casa com minha filha
Ou se acaba a nossa raça.
Foi a noiva se queixar
Ao pai de seu namorado
Disse ao velho: – Meu tio
Tenha dó de meu estado
Pois eu não sou cão sem dono;
Calangro está enganado.
Se o senhor não der um geito
Eu me queixo ao delegado,
Meu pai tem dinheiro e gasta
E é feio o resultado;
Seu filho está bem moço
Poderá ser recrutado.
O pai de calangro disse :
Não tenho geito a lhe dar ;
E a noiva, d’ali mesmo
Saiu para se queixar
Ao capitão cururú
Delegado do lugar.
Cururú ouviu a queixa
E saltou fóra do poço,
Dizendo enthusiasmado,
Vamos ter barulho grosso ;
A Excellentissima volte
Que eu mando prender o moço.
Tocou logo uma bozina
Que ficou tudo assombrado,
N’uma hora o alagadiço
Estava cheio de soldado,
Tudo gritando a um tempo
Às ordens ! seu delegado !
— Vão em casa do juiz
Para passar o mandado
Ao official de justiça
Quero o Calangro intimado
E se elle resistir
Venha morto ou amarrado.
O cabo disse ao sargento ;
– Bote os soldados na frente,
Eu não vou que sou casado,
Calangro é homem valente.
Se elle pegar nas armas
Mata hoje muita gente.
Ahí disse o official,
Vão indo de vagarinho,
Primeiro, cerca-se a casa,
Empiqueta-se o caminho,
Vocês segurem o cerco
Que eu pego o homem sosinho.
O official era o gato
Que conduzia o mandado,
Calangro quando ouviu
Dizer que estava cercado
Disse de dentro p’ra fóra:
—Não deixo vivo um soldado.
O gato ahi respondeu-lhe:
—Quem vai dar leva seu sacco ;
Saia fóra, vamos ver
Quem de nós dois é mais fraco.
Nessas palavras calangro
Veio a bocca do buraco.
O gato pulou de cá
E pegou-o pelo rabo,
E foi dizendo se renda
Se não eu já o acabo.
Calangro grita estou preso;
Vá acabar com o diabo.
Nesta lucta que tiveram
Deixaram o calangro nú
E assim mesmo o levaram
À vista do cururú
Que o interrogou dizendo :
—0 que é que fizeste tú?
Disse o calangro o que fiz,
É cousa que não offende,
Eu quiz casar com a prima
E … o senhor bem me entende
Julgo até que não tem crime
Quem com tempo se arrepende.
Cururú disse:—0 senhor
Cahiu num feio artigo ;
E para punir a honra
Sou rigoroso comsigo ;
Ou se casa, ou senta praça,
Ou a forca é seu castigo !
Eu não queria casar
Porque me vejo em atrazo
E não quero assentar praça
Para ser soldado raso ;
Em vista do que me diz
Se hei de morrer, antes caso.
Disse o cururú: – Vão ver,
P’ra casa do papavento
0 padre tamanduá,
E dêm á festa andamento.
Por que de hoje a trez dias
Se fará o casamento.
Convidem dona Raposa
P’ra da noiva ser madrinha,
Ella veja se arranja
Por lá alguma gallinha
Para ajudar na festa,
Que a outra despeza é minha.
Foram ver o tejú-assú
P’ra do noivo ser padrinho ;
Esse, disse ao portador
Quando vinha no caminho :
Se houver óvos, eu vou.
Por que não bebo vinho.
E outra cousa, também,
P’ra eu não ir enganado:
Sabe se o major cachorro
P’ra festa foi convidado ?
Se foi, eu volto d’aqui.
Que elle é meu intrigado …
Finalmente se juntaram
A raposa, o tejú-assú,
O papavento e a mulher,
A seriema, o urubú,
Padre, noivos, convidados.
Só faltou o cururú.
Urubú foi cosinheiro ;
Fez um comer muito ruim,
Adquiriu para o padre
Uns pedaços de copim,
E elle comia dizendo
É pouco, só dá pra mim.
Quando estava posta a mesa
Um guarda, a porta espiava ;
E foi então avisar
Que o cachorro chegava
Tejú-assú levantou-se
E disse que não ficava.
Disse a raposa: – Eu não saio
Deixando o meu prato cheio,
Tejú-assú disse: – Eu corro
Que o barulho aqui é feio.
Nisto o cachorro pegou-o
E cortou-lhe o rabo ao meio!
Sahiu o tejú-assú
Damnado pela floresta
Levando pedras e páos
Tudo de eito na testa ;
Encontrou cameleão
Que inda vinha p’ra festa.
Cameleão quando ouviu
De seu parente a zuada,
Assombrado perguntou-lhe :
– O que há meu camarada?
Temos barulho na festa,
Ou me vem com caçuada ?
Caçuada, o que seu mano,
Foi um barulho do diabo;
Major cachorro chegou
Peor do que um leão brabo,
Botou-se primeiro a mim
Olhe o que me fez no rabo !
Numa luta sanguinaria
Se empenharam os convidados
Os que escaparam com vida
Fugiram ensanguentados;
Desde esse dia ficaram
Os animaes intrigados.